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If you are not located in the United States, you'll have -to check the laws of the country where you are located before using this ebook. - -Title: Sinapismos - -Author: Zinão - -Release Date: April 25, 2020 [EBook #61936] - -Language: Portuguese - -Character set encoding: UTF-8 - -*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK SINAPISMOS *** - - - - -Produced by Chris Curnow, Júlio Reis and the Online -Distributed Proofreading Team at https://www.pgdp.net (This -file was produced from images generously made available -by The Internet Archive/Canadian Libraries) - - - - - - - - _Numero 49_ - - _Sinapismos_ - - - - - _Zinão_ - - _Ridendo..._ - - _Sinapismos_ - - Valença do Minho - 1889 - - - - -DUAS PALAVRAS - -(A SERIO) - - -Essas paginas são para rir. - -Originou-as a curiosidade que despertaram alguns artigos humoristicos, -publicados sob o titulo de _Ridendo_. - -Ha n’ellas referencias pessoaes, como não póde deixar de ser, para que -os periodos não tenham a aridez dos discursos do sr. conselheiro Adriano -Machado; mas são referencias á vida social e á parte que n’ella tomam as -individualidades, que chamo ao tablado da ironia. - -Respeito sempre a vida particular e isso que ha de mais nobre e sagrado -na sociedade—a familia. - -O leitor verificará que, na composição dos artigos, segui um processo -de critica differente do usado, até hoje, nas polemicas litterarias e -politicas da nossa terra. - -Suscitada uma questão, exgottam os adversarios os argumentos mais ou -menos concludentes, que as suas intelligencias lhes fornecem; depois, -invariavelmente, vem a critica estulta e pueril da redacção dos periodos, -sua composição grammatical, ortographia, etc., e conclue-se com as -allusões á vida particular, em termos de collareja e argumentação de -viella. Temos visto muito d’isso por cá... - -N’essas paginas ha artigos inoffensivos e ha periodos, em que a ironia -é violenta—desde já o declaro—porque foram inspirados no affecto, que -a esta terra consagro e no vehemente desejo que nutro, de que ella se -liberte da ignobil inercia, que a domina e de influencias ridiculas, que -a amesquinham. - -Descarna-se n’elles, com o escalpello do sarcasmo, a parte d’este -organismo que a podridão ataca, applicando-se, como cauterio, o ridiculo -e a gargalhada, como desinfectante; mas não influe n’essa operação a -sensualidade brutal do estripador londrino, ou a ferocidade selvagem da -sanguinolenta tragedia de Pantin. Ha a insensibilidade e a firmeza de -pulso, que a Sciencia recommenda ao operador quando, para salvar orgãos -essenciaes á vida, lhe impõe a immediata extirpação e cauterio violento -d’outros, que o mal apodrece. - -Essas linhas foram, pois, pautadas pela dignidade e nunca n’ellas -predominou a influencia de resentimentos mesquinhos, ou a intenção de -referencias offensivas, que seriam torpes, como anonymas. - -Eis o meu programma e se alguma vez se desfivelar a mascara do Zinão, -oxalá que uma erronea interpretação do que se vae ler, não faça afrouxar -a acção nervosa, que hoje me extende a mão de muitos amigos, que figuram -n’essas paginas. - - * * * * * - -Passo a afinar a rabeca. - -Valença—Novembro, 1889. - - _Zinão._ - - - - -Aos pobres de Valença - - -Entrevados, paralyticos, cegos, escrofulosos, tisicos, hydropicos, - - —Velhos, mulheres e creanças, - -que sois o producto dos residuos—_caput mortuum_—da Humanidade e por -ahi vos arrastaes, penosamente, aos sabbados, disputando, á dentada, o -magro _chabo_ que ás descarnadas mãos, em publico e notorio arrôto de -rothschildica generosidade, vos arremessam os poderosos Cresus da nossa -terra; - -—miseros, que tivestes a desventura de ver a luz do dia coada pelas -frestas da mansarda, quando esses mesmos atomos e moleculas a que deveis -a vida, atrazando-se, ou adeantando-se no seu labutar constante, podiam -gerar-vos entre arminhos e flôres, entre aromas e caricias; - -—precitos, que dormitaes, tiritando e gemendo com fome, enroscados, como -cães, na ampla escadaria da Assemblea, em noites de baile e de festa e -vos vêdes apartados, como reprobos, isolados como hydrophobos, do ruidoso -e alegre tumultuar da vida, em que ha risos, mulheres formosas, affectos -e diamantes; - -—párias, que a doença algemou ao catre da dôr, e a quem a luz -formosissima da alvorada vae encontrar no estertor da agonia, nas -convulsões do soffrimento, nas infernaes torturas da miseria—essa mesma -luz que desperta e illumina a caravana alegre, quando, exhuberante de -vida, de mocidade e de prazer segue, ruidosa, ao Faro, para respirar o -oxygenio das montanhas e admirar as sorridentes paisagens da Natureza, -d’essa desalmada Mãe, que para vós só teve quadros sombrios, horrores, -vendavaes de infortunio, abysmos de soffrimento; - -—famintos, que espreitaes com olhos soffregos os doirados salões de -Pantagruel e de Gargantua, e vos sentis deslumbrados com o faiscar dos -crystaes, alcoolisados com os aromas das iguarias, estonteados com o -espumar do _Champagne_, até que o lacaio vos atire o osso que o mastim -disputa, ou vos expulse a chicote, para que a miseria dos farrapos -nojentos, o fetido dos membros descarnados, a pallidez cadaverica da -face, não vão perturbar a alegria dos convivas, recordando-lhes que -ha por este mundo gente que nasce, vive e morre, sem conhecer o que é -_Champagne frappé, Punch à la romaine, ou Riz de veau à la Tartare_; - -—imprudentes, que vos atreveis a bater á porta do Hospital depois das -oito da noite, como se a Caridade não tivesse mais que fazer, do que -estar á vossa espera, e por ahi appareceis, depois, mortos nas muralhas, -com o ventre para o ar, olhos esbugalhados, membros hirtos, esverdeados, -cheirando mal; - -—reprobos, que nem entrada tendes nos templos, onde imaginaes que, por -lá estar Christo, se egualam as condições, ignorando que o Christo da -missa do meio-dia não é vosso, mas o dos argentarios que, para illudirem -a consciencia e satisfazerem as exigencias da vaidade e as apparencias -da hypocrisia, lhe dão capas de velludo e corôas de oiro; lhe fazem -companhia nas longas noites do inverno, distrahindo-o com essas immoraes -bambochatas das Novenas e da Semana Santa, com a somnolenta melopêa da -padralhada, com as intrigas e confidencias amorosas, com o cochichar -mordaz do beaterio, que entre _Torres eburnea_ e _Mater castissima_, -discute a confecção de um vestido da Torrona, ou do Blanco—e lhe fazem -venias, e batem no peito, e andam por ahi, de porta em porta, ostentando -cynicamente crenças, que não possuem, crenças, que não comprehendem, a -pedir em nome de Christo, que é o symbolo do amor e da humildade, os -_cinco tostões_ da subscripção, quando á mesma hora, infelizes, olhaes, -soluçando, para a escudella vazia e as creanças vos mordem os peitos, -porque já não tendes leite, nem o calor da vida... - - Velhos, mulheres e creanças, - - escutae: - -Ahi tendes esse livro. - -Lêde-o, ou dae-o a ler. E se entre os ricos e os felizes da vida esses -periodos não se crystallizarem no oiro da esmola—encontrareis ahi -lenitivo para os vossos infortunios, porque ficareis sabendo, que nas -regiões, onde só imaginaes venturas, oiro e risos tambem ha, como entre -vós, pustulas—da vaidade, aleijões—do ridiculo, febres—da ambição, -contracções—da hypocrisia, doenças e disformidades mais dolorosas e -repugnantes do que as vossas, porque não inspiram compaixão nem dôr, mas, -apenas, tedio, ironia e a gargalhada. - - - - -I - -O Microbio[1] - - -Tivemos á porta o Microbio. - -Eu já o esperava. - -A gente, para falar a verdade, porta-se mal cá por baixo e o Padre -Eterno deve, com justa razão, encrespar as sobrancelhas com uma boa dóse -de mau humor, quando o globo terraqueo, no seu incessante rebolar por -essas immensidades, lhe apresentar á vista a formidolosa praça e os seus -arrabaldes. - -Aquelle nefando e escandalosissimo caso, que tanto alarmou a fé das -christandades e a religiosidade das beatas da nossa terra—a prisão -da Santa, arremessada aos baldões para os ferros de El-Rei e para a -jurisdicção autocratica do Borralho, de sucia com os desobedientes e -reaccionarios philarmonicos de Ganfey—deve tel-o incommodado seriamente. - -Mas ha mais. É recente outro caso mais escandaloso ainda, que aqui, á -puridade, vou referir. - -Na vizinha villa de Monsão perpetrou-se, ha pouco, um gravissimo -attentado contra a Moral, contra o respeito ás coisas sagradas e -seriedade das nossas crenças religiosas. - -Ao que parece, o conspicuo Senado não prestou a devida attenção á guarda -da Santa Coca e esta, já enfastiada com as interminaveis polemicas e -diatribes dos srs. padre Simão, Caetano José Dias e outros respeitaveis -jornalistas, escapou-se á sorrelfa, internando-se nas terras da Galliza -até Redondella, onde foi visitar a Coca da localidade. - -Ora, segundo se conclue, esta era de sexo differente e, de incestuosa -copula, resultou uma Coquinha, que os nossos bons vizinhos tiveram -a imprudencia de apresentar em publico na ultima procissão de -Corpus-Christi, com grande gaudio dos atheus e suprema indignação do -ferrador da localidade, contractado para S. Jorge, que, em altos brados, -reclamava maior salario, visto que ajustára a lucta contra uma só Coca e -não contra duas! - -E permitti que vos diga, respeitavel Senado monsanense, á fé de -Deu-la-deu, que foi incorrecto o vosso proceder! Contra Cocas com familia -deve-se, indubitavelmente (as pandectas o determinam, artigo 1:007), -pagar mais caro o S. Jorge. - -Ora, com todos estes desacatos, repito, o Padre Eterno deve trazer-nos de -ponta e claro é que, mais tarde ou mais cedo, cá teriamos o castigo:—ou -qualquer das pragas do Egypto, ou nova Exposição de Rosas, ou novo -consulado do João Cabral, ou mais dois falladores, como os srs. Abilio e -Leopoldo. - -Do Mal, o menos. Veio o Microbio. - -As planicies do Ganges já deram o que tinham a dar. O Egypto, a India, a -China, a America Central são insupportaveis n’esta epocha, com as suas -elevadissimas temperaturas. O Microbio é d’uma organisação especial, que -dispõe de todos os recursos para facil e rapida locomoção; anda sobre as -aguas, como Ulysses, de chinelos de liga, e no ar, como nós, no sobrado -das nossas casas. Requereu, pois, licença para uma viagem ao extrangeiro -e o Padre Eterno, extendendo o index, indicou-lhe o caminho. - -Microbio preparou-se convenientemente com repetidas abluções -hydroterapicas, como o sr. Albino; abotoou o seu guarda-pó; sobraçou o -guarda-chuva; despediu-se da familia e, de mala de viagem e guia Baedeker -na mão, atirou-se cá para o Occidente e parou em Vigo. - -Pelas condições economicas da viagem, que não teve caracter official, -nem reclamos, nem discursos de congratulação dos Presidentes das Camaras -e das Juntas de Parochia, este Microbio deve ser differente, do que -visitou a Hespanha em 85. Deve ser um Microbio burguez, pacato, com -inscripções, rheumatismo e dinheiros a juro; talvez Juiz de Paz, ou -quarenta-maior contribuinte do seu concelho; deve usar suspensorios, -botas de cano; tomar rapé e dormir com barretinho de algodão; deve ser um -Microbio sensato, austero e de bons costumes; de principios e convicções -firmes, assim como o sr. Agostinho; bom chefe de familia, temente a Deus, -inimigo de _Malzabetes_ e de romarias, onde qualquer Pau-real amolga -impunemente a massa cerebral, ou a mioleira da humanidade. - -Em Vigo apresentou-se, pois, modestamente com um pequeno sequito de -gastrites, gastro-enterites e algo de typhos; mas apesar do incognito -rigoroso e da modestia d’esta apresentação, souberam da sua chegada, em -Lisboa, os conspicuos Membros da Junta de Saude. - -Aquelles respeitabilissimos Esculapios, Argos vigilantes, a quem estão -confiadas as nossas existencias, aborrecidos já da longa inacção em que -vivem desde 1851, limitados a rubricar diariamente o fornecimento dos -cemiterios da capital, de que se encarregam com inexcedivel pontualidade, -arregalaram, de jubilosos, os olhinhos, vendo em perspectiva um Microbio -legitimo, genuino, naturalisado americano pelo sr. dr. Arezes. Tocaram a -rebate no paiz. - -Os pharmacópolas açodaram-se em abundantes preparativos de tonicos, -diaforeticos e antisepticos. - -Koch, Pasteur, Brouardel, Proust, Fauvel, Ferran, Raspail foram -consultados em laboriosas vigilias. - -As tropas, emocionadas pelo santo amor da Patria, prepararam-se para o -holocausto no Cordão sanitario,—que tão boas libras produziu em 1885. - -Os amanuenses, prevendo uma valente _razzia_ entre os chefes cacheticos e -tropegos, saboreavam as delicias d’uma rapida promoção. - -Maridos, com vida atribulada, suspiravam voltados para o septentrião... -Tudo se preparava, emfim, para receber o Microbio. - -Entretanto, palitava elle a sua ociosidade, em Vigo, com alguns -artilheiros, que ainda se não sabe, ao certo, se foram victimados pela -febre, se pela gangrena originada no _excesso de limpeza_, em que -viviam... - -Informado dos preparativos, que no nosso paiz se faziam para o receber, -Microbio Bacilla malhumorou-se. - -Antipathizou com a calva luzidia do sr. dr. Meira, encarregado -officialmente de o saudar em nome do governo lusitano. - -Alterou repentinamente o itinerario e... foi-se. - -Lá desappareceram com elle as fagueiras esperanças dos amanuenses, dos -maridos infelizes e as cóleras dos senhorios de Valença, que em 85 foram, -violenta e despoticamente, espoliados dos seus direitos de propriedade -por um governo futre e poucaroupa, que teve o descaro de pagar, como -aluguel de nove mezes, uns miseros centos de mil reis, que representam o -dobro do valor das propriedades. - -Lá desappareceram as rações de 1.ª classe e aquellas encantadas folhas -de kilometros, que deram aos tropegos membros locomotores de amigos -meus, obesos e adiposos, a agilidade e ligeireza do mais leve e reputado -andarilho... - -D’esta vez, ainda, déste xaque-mate ao Padre Eterno, oh grande doutor -Lourenço! - - * * * * * - -Augustus Sampaius, senhor da Balagotia; Intendente geral dos serviços -phyloxericos, digo,[2] antimicrobicos da fronteira; Commissario geral -dos inoffensivos Cerberos da policia concelhia e, como tal, terror dos -Troppmans e Jacks adventicios; Chefe da Repartição do expediente do sr. -Administrador (que Deus Guarde); Director da Repartição Municipal de -Hygiene e Secção annexa das toleradas, artes _julianas_ e _valladicas_; -Inspector do serviço das bombas e de segurança publica; Fiscal dos pesos -e medidas; Secretario perpetuo das Juntas de Parochia; Orçamentologo -official das Confrarias e Irmandades sertanejas; Irmão do SS. Sacramento; -Mesario e Ex-definidor da Santa Casa da Misericordia; Mordomo da -Senhora do Faro, da Senhora Santa Luzia milagrosa e outras Senhoras -d’aquem e além mar, terras da Urgeira e Taião; Mestre de cerimonias -nas contradanças lithurgicas das nossas festas de Egreja: Estatistico -distincto dos fogos, productos, criminalidade, bipedes e quadrupedes do -Concelho; Numismatico abalisado; Agricultor emerito; Actor consummado; -phantasista original e querido das damas, em debuxos de lettras para -lenços de namoro—homem que representas, na vida social da nossa terra, -a mais completa e complexa, a mais genial expressão da actividade -humana—Augustus Sampaius, senhor da Balagotia—eu te saudo! - -Ao fallar no Micobrio, que tanto apavorou os conspicuos Esculapios da -Junta de saude, e que tão ridentes esperanças fez agora despontar, no -horisonte ennublado de muitas finanças oscillantes, eu não posso esquecer -o teu nome, porque foi a ti, ao teu provado zelo, assaz reconhecida -sollicitude, desempenada actividade que a Patria, eu e a minha prole -devemos a desejada immunidade do terrivel Bacilla, na campanha de 85. - -Commove-se-me profundamente a alma; inundam-se-me os olhos de lagrimas; -sensibilizo-me, como se te ouvisse no palco com as lamentações de pae -tyranno e infeliz; foge-me dos labios o riso, como se te aturasse o -_espirito_ n’essas libertinas extravagancias a que te dás no Carnaval, -encadernado de _princez_, ou á _antiga_, com os ouropeis e a farrapada do -teu guarda-roupa—(boceta pandorica de frioleiras e de traça)—percorrendo -as casas sérias, com grande gaudio das matronas do teu tempo e abundante -colheita de mystificações, intrigas, pançadas de riso, chavenas de chá e -tostas com manteiga—quando me recordo, oh Balagotio illustre, dos teus -serviços no cordão sanitario! - -Noites tempestuosas que passaste; asperezas do inverno; longas -caminhadas; chuva, vento, frio, fome e sêde; graves perturbações nas -funcções digestivas; fraqueza nas contracções peristalticas, occasionando -incommodas e demoradas accumulações no cœcum; nas longas noites de vigia, -ao avizinhar-se vulto sombrio e suspeito, afrouxamentos instantaneos -do _sphingter_ com defecações abundantes, enfraquecedoras; fartas -exhalações de acido carbonico e hydrogenios carbonado e sulfurado—e -tudo isto pelo amor da humanidade, provocado pelo mais desinteressado -altruismo, inspirado na mais acrisolada philanthropia e, depois ainda, -aggravado com os arrancos da tua dyspepsia chronica e com a ingratidão da -Patria de quem, contrariado, espezinhado na pureza dos teus sentimentos -humanitarios, tiveste de receber, a _fortiori_, umas mesquinhas dezenas -de libras! - -Tu, Balagotio amigo, engrossaste o longo martyrologio, da Patria. -Salvaste-a e continuas ahi esquecido, ignorado, com a tua dyspepsia e o -teu barretinho de seda preto, condemnado a um eterno roçar de canhões -do casibeque na mesa da Administração, sem uma commenda, sem veneras -hespanholas, que se vendem ao alqueire, sem um viscondado sequer! - -Mas eu, conterraneo illustre, não serei tambem ingrato. Já que esse -_Zé Barros pequenino_ foi insensivel aos vehementes protestos do teu -amor, e te não fez Commissario das Policias, com pingue gratificação de -categoria; já que o teu Chefe no Cordão se não compadece dos olhinhos de -ternura e piedade, com que tu, cem vezes por dia, lhe fitas a janella, eu -te protegerei, cidadão benemerito e prestantissimo. - -Tu soffres. Essa dyspepsia cruel, quando se não fala em Microbio, mina-te -a existencia, curva-te o tronco, descora-te a face, dissemina no teu -organismo os germens de uma anemia lenta e perigosa. - -Brown Sequard nada te póde fazer. - -A Deus nada posso pedir a teu favor, porque tu tambem foste connivente, -com esse feroz Attila do Registro predial, na prisão da Santa. - -Nada temos a esperar do Céo, mas recorremos ao Olympo, que outr’ora fazia -tão bons milagres, como o Senhor S. Campio, que sua uma vez por anno, ou -a Senhora da Cabeça, que, para mostrar competencia na cura de fracturas -da dita, reune traiçoeiramente na sua festa, quantos caceteiros comem -boroa e feijão, por estas boas vinte leguas em redondo. - -Pois bem! Que Jupiter ouça os meus rogos. Já que as delicadissimas -funcções do teu organismo te consentem apenas o leite, como alimento, que -Elle te mande Io, para que tu, nas suas cem tetas, possas de noite e de -dia chupar a vida, novas forças, novos elementos e os teus tecidos tomem, -a breve trecho, a salutar obesidade do sr. João Ignacio, do saudoso -doutor Pacheco, ou do nosso prestantissimo deputado, o sr. Visconde da -Torre! - -Setembro 1889. - - - - -II - -Passe-Calles - - -Oh Justininho! - - dá cá o braço... - -Ora aqui tem V. Ex.ª um rapaz, que se o Marianno não atira para o Pico, -era muito capaz de se guindar ao pico da popularidade, cá na terra. - -Ainda não conheci quem mais sympathias tivesse entre Clero, Nobreza e -Povo; mas tambem, ainda não conheci rapaz mais sensato, conciliador e -serviçal. - -Para chamar á paz um casal amuado; para prégar Moral ás creadas de -servir; para uma visita de pesames, a rigor, com o _resigne-se V. Ex.ª -com a vontade do Altissimo_ engatilhado; para dirigir um baile nos -_tricanés_; para entreter senhoras nas reuniões da Semana Santa, em S. -Estevão, ou nas do Carnaval, na Assemblea; para acompanhar familias -á missa das onze; para representar a Associação artistica; para umas -funcções serias de secretario (tinha o monopolio); para a descripção d’um -baile no _Mensageiro das salas_; para dirigir a eleição das comadres, a -coisa mais redondamente patusca e interessante, que gentes da Coroada -teem produzido—não ha, não houve, nem nunca haverá quem o eguale. - -Quando passava na rua de S. João, todo tesinho e perliquitetes, apesar da -magreza e do nariz, diziam d’elle - -as meninas—é muito engraçado, - -as mamãs—é muito sympathico. - -os papás—é muito bom moço. - -os velhotes—é... é... é... o Justininho. - - * * * * * - -Estava nos bailes como em sua casa. Só tinha um defeito para homem de -sala: dançava pouco e mal. - -E eu digo porque. - -N’um baile da Assemblea reuniram-se, em quadrilha de _Lanceiros_ (a -mesma que David dançou ao pé da Arca) os srs. dr. Lopes, dr. Ladislau, -Padre Cunha e Justininho. - -Justininho gostava de florear nas marcas. Ordenou um _chevaliers au -milieu_, e os quatro Cavalheiros, enthusiasmados com as damas, com a -musica, com as luzes e com as flôres, avançaram com _ropia_. - -Eu não sei bem, como aquillo foi. O que sei, é que se chocaram, que -se enarigangaram, e de tal fórma foram abalados os respectivos e -respeitaveis vomeres e cornetos, que o sangue espirrou, e os quatro -Cavalheiros foram retirados, em braços, da sala. - -As senhoras desmaiaram. O baile acabou. - -Foi o diabo. - -D’ali em deante, tanto o sr. dr. Lopes, como o sr. Padre Cunha e o -Justininho (V. Ex.ª deve ter notado isso) dão-se pouco a danças. Quem -continuou foi o Ladislau, porque esse, no tremendo choque foi o mais -feliz. Como é pequeno e de baixa estatura, o seu nariz não abalroou com -os outros; roçou no umbigo do sr. Padre Cunha e enfraqueceu o choque. - -É verdade: aqui está mais uma vantagem que a gente tem, em dar falta ao -estalão. - -E ainda o sr. dr. Pestana se entristece e zanga, quando o alfaiate lhe -pede noventa centimetros para umas calças, e lhe assevéra, que não -necessita de um metro e dez, como os outros senhores! - - * * * * * - -Sou amigo do Justininho, mas já lhe roguei uma valente praga; e talvez -fosse por isso, que elle _tocou rabeca_ com o Pereira. - -Eu conto o caso, porque não é de segredo: - -Lavrava por ahi essa epidemia, peor do que cem microbios, das charadas. - -Nas Assembleas, nos Clubs, nas lojas, nas mercearias, nas boticas e nas -nossas casas, não se tratava d’outra coisa. - -O Almanach de Lembranças, essa escarradeira de quanto semsaborão existe -n’estes reinos, ilhas adjacentes, terras do sabiá e da Tijuca, espalhára, -por toda a parte, os germens da maldicta mania. - -Havia enigmas; charadas antigas, novas, novissimas, com premio, sem dito, -em prosa e em verso; de—nas costas—1, sem indicação syllabica; emfim, de -toda a raça e feitio. - -Descobrira-se, que para espalhar o flato e para aquecer os pés, no -inverno, não havia melhor remedio do que: charadas, quino e _trinta e um_ -de bocca. - -Justininho deve uma boa parte da sua popularidade, entre as damas, á -facilidade com que _matava_ charadas. Em se lhe dizendo: - - O que é, que é - Que toca de dia - No alto da torre - de Santa Maria? - -respondia logo, immediatamente: - -—É um sino. - -Ora, uma noite,—isto foi, talvez, ha doze annos—estava eu á mesa do -trabalho com a familia. - -Minha mulher fazia meia. Minha sogra lá estava com as charadas. - -O rapaz mais novo—o Toneca—estudava a licção de francez. O outro—o -Zéca—andava com a Avó á cata de decifrações. - -Eu estava a turrar com somno, mastigando entre bocejos, uns periodos -muito alambicados, em fórma de lambedor, com que Justininho descrevia um -baile, no folhetim do _Noticioso_. - -Soavam todos aquelles estafados bordões de—gentilissimas -damas—corações feridos—sorrisos angelicos—amores—gruta dos -ditos—arrufos—horas fugitivas—recordações saudosas—rainha do -baile—reticencias—etc.—etc.—etc.—. - -V. Ex.ª deve conhecer tudo isto, porque de mil bailes, que tem havido em -Valença, appareceram mil descripções eguaes. - -São como os necrologios do sr. Verissimo de Moraes. Estão sempre -promptos. A questão está em se dar o nome do perecido. Ás vezes, ha o -seu engano, mas escapa. - -Por exemplo: - -Ha annos, morreu n’esta villa um velhote com 90 janeiros. - -Estomago fraqueiro e arruinado, atacára á noite uma pratada de arroz com -lampreia e... arrefeceram-lhe os pés. - -Tambem, foi uma infelicidade, porque, se o sr. dr. Pacheco (diga-se a -verdade) chega mais cedo uma hora, o homem, em vez de morrer ás 10, -arrefeceria ás 9. - -No dia seguinte, dizia o _Noticioso_: - -«_Mais um anjo, alando-se para as ethereas regiões, fugiu hontem da -terra, roubado cruelmente, pela terrivel Parca, aos affectos dos seus -carinhosos paes._ - -_Polycarpo Bezerra, aquella encantadora e gentil creança, que era o -enlevo_... etc.» - -Ora, Policarpo Bezerra, era exactamente a _creança_ de 90 janeiros, que a -lampreia victimára! Os barbaros dos typographos, se haviam de aproveitar -a chapa dos adultos, serviram-se da que havia para as creanças. - -Isto succede. - - * * * * * - -Mas, como estava dizendo, eu turrava com somno, á espera do chá. - -De repente, levanta-se o Zéca e diz: - - Oh Papá! Que é, que é - Que, pela calada, - Gosta de dar - O Marquez de Vallada? - -—_Cou_,[3] diz o Toneca, que acabava de tirar no Diccionario a palavra -pescoço. (Só o soube depois). - -Levantei-me indignado, enfurecido com aquelle enorme desacato á Moral e á -Decencia, praticado nas minhas barbas! - -A decifração da charada foi immediata e violenta para os rapazes: duas -valentes bofetadas! - -Indignação geral da familia. Minha sogra levanta-se irada e chama-me -tyranno! - -Retorqui-lhe que aquillo era escandaloso, antimoral e era uma falta de -respeito á gente graduada, porque o sr. Marquez era um Marquez, estava no -seu direito de dar o que quizesse, e ninguem tinha que lá metter o nariz. - -Augmentou o barulho, porque os rapazes, defendidos pela mãe e pela avó, -cada vez berravam mais. - -Levantou-se minha mulher, chamou-os, e lá foi tudo a chorar. - -No dia seguinte, minha sogra, fiel ás tradições, quiz requerer o -divorcio. Andei amuado oito dias. Data, até, d’essa occasião, o meu -reconhecimento á Isabelinha, creada de sala... - -Só quando fiz as pazes com minha mulher, é que conheci a origem da -resposta do Zéca e a coincidencia do _significado_. - -O Toneca, como é mais agarotado, lêra o _Pimpão_ e appetecêra-lhe tambem, -sem saber o que dizia, _metter_ a sua farpinha no senhor Marquez. - -Mas, tudo isto não teria succedido, se não fosse o diabo do folhetim e se -o Justininho não tivesse a mania de chroniqueiro de saias. - -Veja V. Ex.ª, como se perturba a paz d’um lar e o socego d’uma familia -honesta! - - * * * * * - -Mas, effectivamente, o Justininho, para charadas, era d’uma perspicacia -sibyllina. Como elle, só a Sociedade charadista dos Terriveis de Villa -Real. - -A gente reunia-se á noite na Assemblea. O Club, n’esse tempo, estava -ainda no embryão das sociedades pacatas, porque o sr. dr. Pacheco, se bem -que já andasse, como o povo diz, com a barriga á bocca, ainda o não tinha -dado á luz. - -Ou se faziam charadas, ou se jogava o quino. Duas distracções innocentes -e engraçadissimas! Que saudosas noites! Que piadas! Que pilherias e -facecias! - -Que espirito fino, alegre, saltitante, amenisava aquellas horas! - -Quem mexia sempre nas bolas era o Melim. Uma mania como outra qualquer. - -Cartão, dez réis; _corda_, sessenta réis. - -Marcava-se a feijão carrapato. - -Quem recebia as pagas, dava os trocos e quebrados, era o sr. Agostinho. - -Cada _quinada_ era recheada de surpresas, ancias, esperanças e decepções! - -—Trinta e tres, dizia o Melim. - -—Annos de Christo, exclamava sr. João Ignacio, erguendo-se, todo -contentinho, para gosar o effeito da pilheria. - -Andavamos aos tombos com riso, e quem poderia resistir? - -—Vinte e dois! - -—Patinhos a nadar—berrava o sr. Baptista. - -Ai que demonios aquelles! A gente até chorava! - -—Trinta e sete! - -—João Pimentel Castanheira—lembrava o sr. Elias. - -Não se podia continuar; estava decidido! Pois se até a ceia nos queria -trepar á bocca! - -—Venha a precisa, ó vizinho e chegue-se cá, que quero bulir nas bolas, -dizia o sr. dr. Pacheco. - -—Oh diabo! Isso não, que podem ver as irmãs da Caridade, aconselhava eu, -sempre prudente e cauteloso. - -—Sessenta e seis! - -—Quinei!—berrava o sr. escrivão Brito. - -—Ora sebo!—murmurava tristemente o sr. dr. Evaristo. E eu que já tinha -cinco quadras! Bem se vê, que os padres não nasceram para trabalhos com -bolas. - -Estavamos todos tristes, como a noite. - -—Alto! Foi rebate falso. Siga!—dizia o sr. Brito todo rejubilante pela -facecia, e casquinando frouxos d’aquelle seu riso, tão patusco e tão -original: ki-i, ki-i, ki-i... - -Afinal, quem quinava sempre era o Leopoldo. Este diabo, lá com os -capellães arranja-se sempre bem... - - * * * * * - -Reunia-se, pois, gente fina e perspicaz. - -—o Veiga, que viu no Jardim das Plantas uma _ziboia_, com sessenta metros -de comprimento; - -—o Izidoro que, como V. Ex.ª sabe, descobriu as aguas de S. Pedro, é -amigo do amigo Lopo e tem a Grão-cruz da Sociedade de Geographia e da -ordem do Sol, do Japão; - -—o Serrão, que viu um comboyo, que levava dez regimentos de infanteria, -dez de cavallaria, oito de artilheria, um de engenharia; tudo em -armas, officiaes a cavallo, etc., etc. (Isto foi no tempo d’uma guerra -qualquer). - -—o Machado, que, assistindo a um baile da Assemblea até ás duas horas da -madrugada, apparecia, ás cinco, na praia d’Ancora; lá ao longe, entre as -brumas do mar, dentro d’uma bateira, e já em regresso da ilha da Madeira. - -—o Maximino, que sem perceber uma palavra da lingua de Milton, encontrou -uma _ingleza_, com quem se entendeu muito bem. - -—o Leopoldo, que viu e apalpou os pendulos e o ponteiro do relogio, que -ficou entupido, nas alturas do coccyx, ao larapio da rua do Ouvidor. - -—o Abilio, que conheceu o pae da mãe, do tio, do pae do dito larapio—Rua -da Quitanda, 23, sobreloja. - -Emfim, tudo gente fina e perspicaz. - -É verdade: tambem lá estava sua Excellencia, o Senhor Governador e sua -Excellencia, o Senhor Vice. - -Na Academia real das Sciencias não havia melhores cabeças; nem na Camara -dos deputados, se exceptuarmos os srs. Oliveira Mattos e Visconde da -Torre. - - * * * * * - -Para arranjar charadas, quem tinha mais gosto e geito era o sr. Polycarpo -Monteiro. Pelos modos, carteava-se com o mano de Lisboa, a tal respeito. - -Elle pensava um pouco e dizia: - - Que é, que é - Que faz: pum! pum! - Quando lhe arrima - O Vinte e um? - -Justininho escrevia, logo, qualquer coisa n’um papelinho; collocava-o -debaixo do seu chapéosinho e... sorria. - -Nós andavamos ás aranhas. - -Tira d’aqui, põe acolá... - - Nada! - -O Senhor Governador, forte em Mathematicas, punha logo o caso em equação: - - 2 pum + 21 = _x_ - -tirava os logarithmos, deduzia todas as formulas da triangulação: - - Nada! - -O sr. Zagallo, que não estava para contas, lembrava-se dos nomes de todas -as terras de Hespanha, por onde transitou no tempo das guerras... - - Nada! - -Ninguem falava. Ouvia-se o zunir d’um mosquitinho. - -De repente bradam duas vozes: - -Adivinhei! - -—É o chapéo alto do meu subordinado Durães—dizia o sr. Borges. - -—Não é, não senhor. É um chapéo, mas o do sr. Monteiro, dizia o Senhor -Vice-Governador, que já, n’aquelle tempo, era o homem mais fino cá da -terra. - -É! Não é! Levantou-se uma questão dos demonios. - -—Fala o Justininho!—bradamos nós, como quem recorre a um Juiz. - -Justininho abriu o papelinho e mostrou, sorrindo: - - Zabumba! - -Rompeu nova celeuma. Ninguem queria ceder. A final, depois de muito -berrar, descobriu-se que todos tinham razão. - -Havia alli um caso, como o da Santissima Trindade: tres pessoas -distinctas e um só Deus verdadeiro. Eram tambem tres coisas, todas -distinctas, todas eguaes e uma só verdadeira: o zabumba—do Justininho. - - * * * * * - -N’outra noite, o sr. Polycarpo, entrou na Assemblea, muito contente, e -esfregando as mãos, debaixo do seu chale-manta. - -Trazia uma charada muito difficil, que lhe levára seis horas a compôr. - -O sr. C. Barros offereceu logo, como premio, um exemplar do seu drama: -_Marilia_, ou a _Moira dos bosques_. - -Reuniu-se o povo todo, e ouviu: - - Quem é, quem é, - Que faz a desobriga - E, sendo capellão - Tambem é rapariga? - -Esta, é que nos deu agua pela barba. Fazer de homem e de mulher, é que -nunca podemos comprehender. - -O maroto do Leopoldo, esse, parece que a percebeu. Sorriu-se, porque -tinha entrado n’aquella occasião e, pelos modos, vinha de se confessar... - -Trazia no chale-manta palheiras da muralha... - -Foi o Abilio, que o traz de ponta, quem descobriu isso. - -Ninguem matou a charada, mas desconfio que alli andou tambem influencia -do premio... Parece-me que afugentou um pouco as ideias. - -Isto é mera supposição. - - * * * * * - -Depois d’essa, appareceu outra do sr. Zagallo, mas _matou-se_ logo. Foi: - - O que é que é - Que dá _sól_ e _dó_ - E se o Cruz lhe bufa - Faz: Pó, Pó! - -V. Ex.ª certamente, já adivinhou. - -É um _figle_. Não teve graça. - -Pois o sr. General podia apresentar coisa melhor. Bastava que nos -dissesse: - - Ora digam cá, - Sem hesitar - Se hoje na camara - Occupo logar? - -Claro é que ninguem responderia, a não ser que se verificasse o conteudo -do mais recente, do que tivesse ainda a tinta fresquinha, dos officios -com que sua Ex.ª, oito vezes por mez, participa ao Senado que, - - por motivos justificados—sahe - que, - por justificados motivos—entra - e vice-versa - e versa-vice. - - * * * * * - -Este sr. Zagallo, na Camara, lembra-me o Conego Vaz. - -Eu fui sempre muito agarotado e por isso me não admirei, do que queria -fazer o Tonéca ao Marquez de Vallada. Se por ahi houver alguma mamã, com -filha casadoira, disponivel—francamente—que não tenha saudades da minha -pessoa, porque lhe não serviria, ainda que fosse _numero um_. - -Quando não podia dar a minha _gazeta_ á aula do Conego, escapava-me -sempre que podia, cá para fóra, para a muralha, onde os Guerreiros e os -Garções jogavam o pião e o _escabicha_. - -Juntos, eramos insupportaveis. O Ignacio Soares e o Zé, quando passavam -por nós, tiravam com todo o respeito o seu chapéosinho e tratavam-nos -por Excellencia, mas ainda assim, levavam o seu puxão de orelhas porque, -quando estavam encarrapitados na varanda de ferro, e se lhes dizia cá de -baixo: - - Presos como os macacos! - -cuspiam, e atiravam com botas velhas. - -O Zé, hoje é homem de genio e palpita-me que, na Politica, ainda chega a -ser importante; mas n’aquelle tempo andava com o _hora, horae_, e isto de -latim é coisa, que debilita muito a gente. - - * * * * * - -Como estava dizendo, quando me juntava aos Guerreiros e aos Garções, -andava tudo, por ahi, n’uma dobadoira. - -Pelo Maio, já tinhamos organisado uma inspecção rigorosa á producção do -concelho. - -Era-mos, assim, uma especie de agronomos. - -Se nos perguntassem: - -Quem é, que n’este anno vem a ter: - -melhores peras?—o Chico Veiga. - -melhores melancias?—o Boticario. - -melhores melões?—o Ascencio. - -melhores uvas?—O senhor José Rodrigues. - -A este senhor José Rodrigues sempre tivemos muito respeito. Quando, por -acaso, nos encontrava perto do Prazo, ou da Boavista, (a gente, já se -vê, andava a _passear innocentemente_) falava logo em tiros, mortes, -carabinas, punhaes, ratoeiras, facadas, cães de Castro Laboreiro... o -diabo! - -Por isso, não era como os outros: - - o Chico Veiga, - o Boticario, - ou o Ascencio; - -era: o Senhor José Rodrigues. - -A final, foi sempre um santo, e pagava o seu tributo em bellas uvas e -bons melões, como os outros. - -Eu falei no boticario... - -Era assim nos outros tempos, mas hoje é camarista e chama-se—o sr. -Fontoura. - -Este senhor é que nos pregou um susto! Eu conto, se não me torno massador -para V. Ex.ª - - * * * * * - -As propriedades, como disse, estavam debaixo da nossa vigilancia -permanente. - -Logo que a uva principiava a pintar, a pera a mudar de côr, a melancia a -ganhar casca—dava-mos assaltos medonhos! - -Uma vez, combinamos o ataque ás melancias do sr. Fontoura. Ainda estavam -verdes, mas duas, ou tres, principiavam a carregar na côr. - -O calor abrazava. Era necessario ser um Santo, para resistir á tentação. - -Á hora combinada, entramos na propriedade, cautelosamente, -sorrateiramente, como quem anda aos grillos. - -Tinhamos, já, duas melancias cortadas e tratava-mos de metter a unha, em -certa parte das outras (de que eu não digo o nome, porque póde ser lido -por senhoras) para verificar se estava molle ou rija, quando ouvimos -gritos de _agarra! agarra!_ e logo, após, o estampido d’um tiro! - -Eu não posso explicar o que succedeu. Parece que nos agarraram pela golla -da jaqueta e nos levaram, pelo ar, até á Esplanada! - -Alli paramos, porque já não havia ar no mundo para os nossos pulmões. -Consideramos no caso... - -Apalpamo-nos cuidadosamente, demoradamente. Estendemos primeiramente uma -perna; depois outra; depois um braço. - -Cuspimos. Passamos a mão pela cabeça. - -Não havia sangue. - -Serenamos. Voltou-nos a voz. - -Só então verifiquei que, no auge da afflicção, _sem querer_, tinha -trazido as melancias! - -Não estava tudo perdido. O que é o instincto da conservação! - -Ainda nos incommodava a ideia, de que o sr. Fontoura fosse fazer queixa -ás familias—o que significaria uma valente tapona. - -Felizmente não succedeu isso, porque elle, no auge do seu furor, (do qual -V. Ex.ª pode fazer idea, quando o ouve ameaçar céos e terra, clamando, á -porta da pharmacia, contra os seus devedores) não nos conheceu. - -Parece que Deus não o dispoz para a nobre carreira das armas, porque, ao -apontar a espingarda, fez como os pretos e os soldados brazileiros—voltou -a cabeça. - -Quando novamente olhou, diz elle, que só viu fumo. Não era só fumo; eram -nuvens de pó, que nós levantavamos. - -Eu contei agora este caso, porque somos todos de maioridade, paes de -filhos, eleitores, elegiveis, e já não temos receio de tapona em casa. -Mas, até hoje, tem estado debaixo d’um certo segredo. - -Como d’aquelle endiabrado rancho sahiram tão bons paes de familia, é que -eu não sei. - -São effeitos da edade. - -A gente muda muito. - -Eu conheço pessoas, que na juventude faziam o que podiam. Chegaram, -mesmo, a dar nome; e que agora, sendo uns santos, em certas occasiões -embicam com qualquer coisa, e nem sequer consentem, que no theatro se -aqueçam os pés. - -Isto vae tambem muito dos genios... e dos corações. - -São como Deus os quer. - -Valha-me Nosso Senhor Jesus Christo... - - * * * * * - -Mas, veja V. Ex.ª como eu perdi o fio ao discurso! Tudo isto veiu a lume, -para dizer que o sr. Zagallo, na Camara, me lembrava a aula do Conego Vaz. - -Eu queria-me safar, como disse, e, volta e meia, dizia ao Conego, -levantando o dedo: - -—Senhor Mestre, dá licença de ir lá fóra? - -O Conego, ou dizia: vá,—ou: - -—Está lá gente. - -Mas aquillo tanto vez se repetia, que o Conego principiou a desconfiar -que era doença, como teve o sr. Sampaio nas noites do cordão sanitario, -doença que tanto dinheiro deu a ganhar á lavadeira... - -Uma vez disse-me elle: Oh, senhor! Eu não sei para que cá vem. Nunca -tenho a certeza se o senhor está fóra, ou dentro. Ao menos, quando sahir, -deixe aqui ficar um papelinho. - -E foi d’este papelinho que me lembrei, com os officios do sr. Zagallo. - - * * * * * - -Voltemos ao Justininho. - -Justininho escrevia nas gazetas. Inventou o _Mensageiro das salas_, -aquella interessante secção, que eu nunca deixo de ler, em todos os -jornaes, porque é muito mais barato remedio, do que o Sedlitz Chanteaud. - -Foi tambem elle, quem arranjou as seguintes classificações para as -differentes posições sociaes: - - Juizes integerrimos. - Delegados meritissimos e dignissimos. - Medicos habeis.[4] - Negociantes probos e honrados. - Bispos e Padres virtuosos prelados. - Proprietarios abastados. - Cavalheiros de fino trato. - Officiaes do exercito illustrados e briosos. - Galopins eleitoraes valentes candilhos. - - Meninas galantes. - Noivas gentis e encantadoras. - Senhoras solteiras gentilissimas damas. - ditas casadas virtuosas esposas. - ditas viuvas inconsolaveis. - Quarentonas interessantes senhoras. - Jarrões respeitaveis damas. - - Creanças que nascem robustos meninos. - ditas que vivem interessantes filhinhos. - ditas que morrem innocentes anjinhos. - ditas que, nem nascem, - nem morrem, nem vivem mallogrados.[5] - - Estudantes intelligentes e esperançosos. - Meninas... de fallar infelizes peccadoras. - - * * * * * - -Como V. Ex.ª vê, aqui ha para tudo. - -É pedir por bocca. - -Esta classificação teve voga. Foi adoptada em Monsão, em Caminha pelo -sr. Ricardinho, em Cerveira pelo sr. Romeu, em Vianna pelo sr. Eugenio -Martins, em Paris pelo sr. Xavier de Carvalho, etc. - -Nas ilhas Sandwich é que eu não sei, mas vou sabel-o. - -Ora, nós podiamos fazer um contracto com as redacções: abatiam uns -tantos por cento nas assignaturas e mandavam depois, sem adjectivos, os -Cavalheiros, os Padres, as Meninas... de fallar, etc., que a gente cá se -punha... a dispôr os _virtuosos e finos tratos_. - -Esta evidentissima e valiosa manifestação do progresso intellectual do -nosso jornalismo deve-se, como disse, ao Justininho. - - * * * * * - -Justininho era correspondente de varios jornaes. - -Tinha um estylo especial, caracteristico, archaico, indigesto, tirante a -classico. - -Por exemplo: se fosse necessario dizer n’um jornal, que a esposa do meu -amigo Fabricio dera á luz um rapaz, e que já estava prompta para outro, -eu empregaria, pouco mais ou menos, essas palavras. - -Justininho diria: - -_Como prenoticiamos, a virtuosa consorte do nosso dilecto amigo -Fabricio, probo e honrado negociante d’esta formidolosa Praça, deu á -luz na preterita terça feira, um robusto e interessante menino, que -presentemente é o enlevo dos seus tão extremosos, quão apreciaveis -progenitores, e o encanto de todos os que hoje gozam a doçura ineffavel, -d’aquelle pequenino ser._ - -_A parturiente encontra-se já, graças ao Altissimo, liberta de perigo, -devendo, tambem, a sua rapida convalescença ao desvelo e intelligentes -cuidados do distincto e perito facultativo, o sr. dr. Pacheco._[6] - -_A suas ex.ᵃˢ endereçamos, em nome da redacção, os nossos emboras; e -seja permittido ao auctor d’estas mal esboçadas linhas, incluir as suas -cordiaes felicitações, que já algures exprimiu, como o mais obscuro, o -mais somenos admirador das excelsas virtudes, que exuberantemente adornam -suas Ex.ᵃˢ_[7] - - * * * * * - -Ora aqui tem V. Ex.ª o que é uma imaginação fertil, e a triste figura que -faz um pobre Fabiano, como eu, quando escreve nas gazetas. - -O sr. Verissimo de Moraes, em tal caso, escreveria, ou não escreveria o -mesmo. - -Se fosse convidado para a festa do baptisado, usava exactamente -d’aquelles termos, e accrescentava: - -_Todos os convidados d’aquella esplendurosa e inolvidavel festa se -retiraram altamente penhorados, com a maneira fina e delicada, e -inexcedivel amabilidade—que só a verdadeira fidalguia de sentimentos e -nobreza de caracter podem conceder—com que o Ex.ᵐᵒ Sr. Fabricio e sua -Ex.ᵐᵃ Esposa acolheram as pessoas, que tiveram a honra de entrar em sua -casa._ - -_Que perduravel ventura, e immensas felicidades, bafejem o berço do -penhor de tantos affectos..._ - -Se não fosse convidado, o parto e o baptisado seriam assim annunciados: - -_A esposa do sr. Fabricio deu á luz um rapaz, que hontem, ás seis e meia -da tarde, foi baptisado na egreja parochial de S. Estevão._ - -E eu faria o mesmo, se tivesse jornal. A gente trata bem, quem bem a -trata. Isto já era assim no tempo de Noé e ainda não havia gazetas. - -N’esta classe de gazeteiros, quem rasoavelmente se distingue, é o Aurelio. - -Tem um estylo _á_ Victor Hugo e _á_ Guerra Junqueiro. - -Isso explica-se muito facilmente. - -Está provado que a Materia anda n’este mundo, em constante giro; e que -as moleculas, que actualmente estão no corpo A, podem muito bem estar, -ámanhã, no corpo B. - -E sendo assim, não admira que na massa cerebral aureliana, se anichem -algumas cellulasitas vagabundas e patuscas dos grandes poetas. - -Recordo-me, ainda, d’aquella grande questão, que elle sustentou, no -_Primeiro de Janeiro_, contra o Exercito, por causa do Real d’Agua. - -Ahi vae um trecho e diga-me V. Ex.ª, se lhe não parece que está lendo a -_Morte de D. João_, ou a _Legenda dos Seculos_: - - A lei é só uma com a espada da Justiça! - Palpitam corações nobres, sob as dobras da jaqueta, - Como palpitam e se orgulham debaixo da fardeta. - Quer se cinja uma espada, quer o cabo da rabiça, - Ha leis a obedecer. E com vontade, ou com magua, - Das batatas e do bacalhau que gastaes da Cooperativa, - Haveis de pagar, inteira, completa e positiva - A decima que todos pagam: os direitos do Real d’Agua![8] - -Aurelio tem, tambem, incontestavel merecimento no theatro; mas nas -doiradas espheras em que, entre nós, a Arte alli se expande e libra, -nunca a minha nervosidade e a dynamica do meu espirito foram, tão -extraordinariamente abaladas, como n’essa saudosa noite, em que aos -meus olhos e sentidos, se patenteou a intuição artistica mais nitida, -a percepção psychologica mais frisante, que tenho logrado admirar nos -palcos dos grandes centros civilizados. - -Alludo á magistral execução e genial relevo que, na _Morgadinha de Val -d’Amores_, deram aos seus papeis, os meus amigos Machado e Romano. - -V. Ex.ª deve recordar-se... - -Representava-se o _auto_ entre moiros e christãos. Figuravam reis, -prophetas, anjos, _princezes_, pagens, _donzellas_, pastores e -pastorinhas. - -Das bandas do Oriente surgem: Manassés—o propheta, e Adonis—o _princez_. - -As meias da sopeira, solidamente atadas, com tres voltas de fio de vela -e nó cego, acima da articulação do femur com a tibia, desenhavam-lhes -as linhas bamboleantes do pernil, escassamente roliço para despertar -sensações eroticas; o pé, pequenino e adamado, encafuava se, gentilmente, -n’um cambado sapato de entrada _abaixo_, com fivela doirada; o calção -retesado limitava-lhes a curvatura das nadegas; dos hombros pendia-lhes -graciosa quinzeninha de velludo defuncteiro; na cabeça, um carapucinho -patusco, com o seu tope arrebitado. - -Nas faces mimosas e assetinadas, espetára a mão endiabrada do Rocha -ferozes matacões de caprina pellugem, e enfarruscára as sobrancelhas -avelludadas, com repetidas fricções de rolha queimada, embebida no azeite -do purgueira. - -Marchavam com fronte altaneira, nariz repontante, seguidos pela sua côrte -de paradas-velhas, ao compasso do hymno picaresco, que o meu amigo Argar, -com a sua finissima intuição artistica, tão caracteristicamente soube -conceber, adaptar e colorir. - -Ao apparecimento de tão illustres personagens—um propheta e um -_princez_—abalaram-se os alicerces do edificio, com a violenta -expansibilidade dos applausos. Ao longo da medulla espinal, desde o bolbo -rachidiano até á cauda equina, corriam-nos vibrações de enthusiasmo; as -senhoras choravam; os homens arremessavam os chapéos; os paradas-velhas -e esplanadas do _loiceiro_, impregnando o ambiente, no sonoro -explodir do seu arrebatamento, de exhalações duvidosas e aromas assaz -compromettedores, irrompiam em galhofeiras invectivas de affectuoso e -_intimo_ conhecimento, com os pagens e as _donzellas_ da real côrte: - -—Vira para lá a rabáda, oh Transmontana! - -—Tens o rancho á espera, oh 35 da 4.ª - -—Pica o pé, oh Estrella! - -.............................. - -E na intima audição do meu espirito, entre os fulgores e as scintillações -d’aquelle gloriosissimo triumpho, subjectivou-me, subito, o Senso: - -Oh filho! Quanto póde a... Arte! - -.............................. - -Mas... onde diabo está o Justininho? - - * * * * * - -Justininho era o fiel depositario, o mais denodado paladino das gloriosas -tradições, que apresentam Valença, como a terra da provincia, em que ha -mais convivencia, e em que as senhoras se apresentam, melhor, n’um baile. -É uma superioridade, esta, como qualquer outra. Cornelia, Joanna d’Arc, -Filippa de Vilhena, Deu-la-deu e outras matronas distinguiram-se a seu -modo. São feitios. - -Foi elle, tambem, o inventor d’aquella celebre phrase, ainda hoje acceite -e adoptada, quando necessitamos occultar a nossa inercia, as nossas -fraquezas, ou a nossa ingenuidade provinciana. _Valença é madrasta para -os seus e mãe para os estranhos._ - -Nunca pude comprehender o que Justininho, e outros sectarios da sua -eschola philosophica, querem dizer na sua—n’uma terra, que não acceitou -o legado do Conde de Ferreira, em que a Politica é o que sabemos, -e em que os jovens engraçados, que hoje possue, se riem franca e -desassombradamente, quando, nos bailes da Assemblea, uma senhora -tem a infelicidade de cahir, ou quando, nos bailes de Tuy, onde são -obsequiosamente acolhidos, mettem os cotovellos á cara dos infelizes -pares, que de perto os seguem.[9] - -São tambem opiniões... e feitios. - -Ainda hei-de interrogar, sobre este ponto, os srs. Abreu e Oliveira, que -são os homens que, por aqui, vejo mais nos casos de fallar de tudo e de -todos, com auctoridade e competencia. Esses senhores devem saber muitas -coisas e todas a fundo. Basta observar aquella constante concentração de -espirito, e completa indifferença, com que encaram este mundo. - -São cerebros, que, indubitavelmente, trabalham na resolução de grandes -problemas sociaes. - -Lembram-me tanto Mr. Prudhomme... - - * * * * * - -Justininho tinha muitos diplomas de Socio Honorario e de dito benemerito; -tinha pennas d’oiro e de prata, etc. Era um perfeito rapaz de sala; -recitava poesias; tinha album para ellas; conhecia uma infinidade de -marcas no jogo do Senhor Abbade; e, para os rapazes, tinha uma grande -habilidade: assobiava magistralmente. - -Atacando um _spartito_ de Mozart, de Verdi, de Gounod, ou a cadencia -das valsas de Strauss, de Metra, ou de Waldteufel, aquelle assobio -tinha a malleabilidade d’um rouxinol, a limpidez das notas da Patti, o -crystallino da escala de Gayarre, ou do Masini. Quando, em noites de -luar, Justininho passava na rua de S. João, todas as janellas se abriam -para dar passagem, até aos leitos conjugaes, ás ondas sonoras, deslocadas -pelo assobio. - - * * * * * - -Ora, como V. Ex.ª deve ter verificado, não lhe faltavam condições para -inspirar sympathia e, certamente, vae ficar admirado, quando lhe disser, -que havia quem embirrasse com elle! - -Era o sr. Coronel Almeida. Chamou-lhe, por ironia, _importante_ cá da -terra. - -Ignoro as razões, que originaram a antipathia de sua Ex.ª - -Tambem por cá havia muita gente, que embirrava com o sr. Coronel. O -Isidoro diz que elle era um homem muito fino; mas o Agostinho torce o -nariz e Agostinho é homem, que se não engana, que é consultado pelas -pessoas mais importantes da nossa terra, homem que sabe o que diz, e que -não dá _ponto sem nó_. - -Seria bom, ou mau, como quizerem. O que eu digo, é que era muito feio; -mais feio ainda, do que o sr. dr. Salgado! - -Devo ao sr. Coronel um grande serviço e um grande desgosto. - -Conto o primeiro: - - * * * * * - -Eu tinha ido ouvir um sermão do Padre Capellão, em que sua -Reverendissima, desviando-se, completamente, no estylo, na fórma, -na sublimidade das ideas, na concepção das imagens, no arrojado da -Phantasia, da vulgar Oratoria do Palmeirão e quejandos, me descreveu, -d’uma fórma completamente original, intuitiva e concludente, em face da -moderna Sciencia, a maneira como o animal homem appareceu n’este mundo. - -Foi no Eden. Eva tinha ido aos grillos, mas estes, sahindo rebeldes á -_palheira_ e, como ella não conhecia ainda o outro meio _natural_ de -os fazer abandonar a toca, andou por montes e valles, cançou-se, e... -adormeceu. - -Veiu então Nosso Senhor, tirou-lhe uma costella, bufou-lhe e sahiu, já -prompto e acabado, o nosso primeiro Pae. - -Ora, isto satisfez completamente o meu espirito; dissipou todas as -duvidas, porque é, realmente, uma das mais... respeitaveis e maravilhosas -concepções dos livros sagrados. - -Mas, passado pouco tempo, soube eu que, lá fóra, andavam ás turras -differentes sabios por causa de novas theorias de evolução, selecção -natural, transformismo, etc., sustentadas por Darwin e Lamark e -combatidas por Linneu e Cuvier. - -Alvoroçou-se a minha curiosidade e tratei de estudar a questão, com a -attenção devida á sua importancia. - -Durante muito tempo, nunca tirei o caso a limpo. Se passava por o sr. -José Luiz,[10] dizia com os meus botões: vou com Darwin; se passava por o -sr. Velloso dizia: vou com Cuvier. - -Assim estive muito tempo, hesitando, e sem saber se, realmente, o meu -coccyx foi sempre o extremo da columna vertebral, ou se em tempos -remotos, esteve ligado a algum appendice, que hoje tem um nome muito -sympathico ao sr. Marquez de Vallada. - -Chegou o sr. Coronel a Valença e entrou a verdade no meu espirito. Fez-se -a luz! Venceu Darwin. - -Indubitavelmente, inquestionavelmente, o sr. Almeida não teve a mesma -origem, que teve o sr. Velloso; a não ser, que se possa admittir uma -hypothese, mas com essa nada tenho, porque não entra no meu programma. É -questão de portas a dentro:—que houvesse troca nas vias da expedição... - - * * * * * - -Agora conto o desgosto: - -Já lá vão quinze annos! Minha mulher andava, com licença de V. Ex.ª, no -seu estado interessante. - -Uma noite, para lhe combater a insomnia, li-lhe uma historia do Egypto, -em que figurava o grande Sesostris, que morreu, como se sabe, ha perto de -4:000 annos e de que existe a mumia n’um museu qualquer. - -Havia, n’essa historia, mortes, egypcios de barriga furada, pharaós com -as tripas de fóra, creanças desventradas, velhos postejados—uma matança -de arrepiar carnes e cabellos. - -O livro tinha gravuras e n’uma pagina, via-se o grande Sesostris -mumificado por aquelles processos, ainda hoje ignorados, dos antigos -egypcios. - -Minha mulher não gostou e affligiu-se. Fechei o livro e abri a porta, -para ir cumprir uma necessidade urgente. - -N’isto, passa na rua o sr. Coronel, e logo que minha mulher o vê, desata -a berrar: - -—Ai o Sesostris! Ai o Sesostris! - -Teve uma syncope e, depois, dôres violentas. - -D’alli a duas horas a sr.ª Maria do Hospital aproximava-se de mim e, -com aquella amabilidade, delicadeza e fino trato que, infelizmente, lhe -conhecemos, dizia-me estas terriveis e significativas palavras: - -—Senhor, nada de affligir, porque a _fabrica_ ainda cá fica; mas esta... -deu-a para fóra! - -.............................. - -Comprehendi. E no auge da minha dôr, para explosão da minha cólera, só -pude exclamar: - -Raios partam o Sesostris! - - * * * * * - -Deixemos coisas tristes... - -Eu fallei no Velloso... - -Este Candido Velloso, com os seus olhos negros, com o seu collete -branco, o seu collar decotado, a sua perna bem lançada e elegante, o -seu pequenino bigode _á mosqueteiro_, e com o oiro do seu uniforme, é o -terror dos Paes de familia d’esta região peninsular. - -João, é Candido e candido; meigo, carinhoso, delicado, para o bello -sexo. Tem a sensibilidade d’um bardo; a alma sonhadora d’um menestrel; o -espirito cavalheiresco d’um paladino; a pureza immaculada d’um Abeillard; -o lyrismo d’um Romeu; a altivez d’um Quichote—todos os attractivos, -emfim, d’um João com Dom e ás direitas. - -Cinco seculos antes, e Velloso seria um dos onze companheiros de Magriço, -n’aquella cavalheiresca aventura da côrte ingleza. - -Apparece em toda a parte, onde ha senhoras. Corteja, sorri, offerece os -seus serviços e conta coisas, que entretêm. - -A sua organisação affectiva é poderosissima. Com o amôr, as contracções -dos ventriculos, para a diastole e para a systole, realisam-se com uma -força equivalente a 750 kilogrammetros por segundo. - -O seu coração é um enorme _caravanserail_. Tem cem auriculas e cem -ventriculos, com a capacidade de 64 metros cubicos cada um. Os amôres -cabem lá dentro vestidos, calçados e com guarda-chuva aberto. - -Cada um tem o seu quarto numerado. Ao levantar-se, Velloso, passa em -revista todos os seus affectos e escolhe para o dia. - -Não revela preferencias, para não originar baralhas. Ás vezes desapparece -da circulação, porque os Papás valencianos e tudenses, aterrados, -inquietos, vão ter com o sr. Silva Pereira e exigem-lhe a deportação do -incendiario. - -Lá vae para Castro Laboreiro. Quando é necessario por cá, basta -pronunciar baixinho, esta palavra:—baile. No aureo tempo, em que João -Morães era enthusiasta pelas danças e promovia aquellas _apatuscadas -reuniões-familiares_, em que a gente ía á Assemblêa, para apprender -a fazer meia, ou para ajudar a dobar maçarocas e novelos ás -senhoras—acontecia ás vezes o seguinte: - -João Morães lembrava-se d’um baile. Só no seu cerebro se definia essa -idea. Matutava sobre o caso. Fechava-se no gabinete e, concentrando todas -as suas faculdades, principiava o orçamento. - -Calculava e annotava: - - =Chá= (póde ser comprado aos homens do papel, que o - vendem a 800, o kilo) $372 - - =Assucar= (Metade do _pilé_ e metade do mascavado) $723 - - =Pão para fatias= (Cada peça dá 20, cada _cornucho_ - dá 12) 1$207 - - =Manteiga para as tostas= (Vende-a o Coisa a 200, - o kilo, com ranço; póde ser misturada) $247 - - =Carqueja e lumes de pau= $015 - - =Agua de Colonia= para o _toilette_ das damas (1 - quartilho, de Tuy) $060 - - =Pó d’arroz= (e farinha) $030 - - =Aluguel do= _Panorama_, ao Albino $120 - - =Illuminação= (nas escadas póde ser de sebo) 1$473 - - =Contracto= com 3 cavalheiros para cearem em casa 3$900 - - =Roscas de Tuy= para os quatrocentos meninos e - meninas, que costumam vir aos bailes 12$747 - - =Gratificação ás amas=, que tomem conta dos que - ainda mamem 1$500 - - =Piões e faniqueiras= para os mais velhinhos se - entreterem no salão $140 - - =Musica de Ganfey= para tocar á porta o hymno - real, quando entrar o Representante do Rei, - Nosso Senhor 6$000 - - =Gratificação= a 4 artilheiros para, armados, - guardarem os taboleiros, na passagem do corredor 2$000 - - =Brinde= ao Aurelio para recitar uma poesia tragica: - valor de $700 - - =Idem= ao Roldão para marcar as quadrilhas: valor de $720 - - =Gratificação= a 6 creados $300 - -Total 30 mil e tanto. Por cabeça—tanto. João Morães verificava. Tirava -a prova dos nove. N’isto, batiam discretamente á porta. João abria e -cahia-lhe o Velloso nos braços, offegante, pallido. Vinha do Castro -Laboreiro a pé, a cavallo, no comboyo. - -—_Sei que projectas um baile. Ahi tens a minha quota. Risca; e olha lá—oh -menino—vê se arranjas isso depressa. Passam-se tão bem aquellas horas..._ - -Este João deve ficar na terra. Deve ser expropriado por utilidade -publica. Barcellos, que se arranje lá, como quizer. O Velloso Candido é -que para lá não volta. _D. Joões_ temos muitos por cá; agora, candidos, -ha só um, que é elle; e esses, é que se apreciam, porque não fazem mal. - -Velloso Candido! Trata de te matrimoniar, filho. - -Oh diabo!... E a Mé...? - - * * * * * - -Em Politica, Justininho foi sempre, como eu—um desgraçado. O mais que -podia conseguir, (e n’isso levou-me a palma) era um convite para fazer -parte das mesas eleitoraes. Pois arranjou popularidade nas aldeias. Os -lavradores respeitavam-n’o e affirmavam, que tinha _lume_ no ôlho. - -Em leis do Real d’agua e da Contribuição do Registro era um Salomão. - -Ahi vae um exemplo: - -Os guardas do fisco trouxeram-lhe, preso, um camponio, que tentára -introduzir na villa, sem direitos, um garrafão com meio almude de vinho. - -Perguntou o desgraçado quanto tinha a pagar e, aterrado com a multa e -tantos por cento, nas barbas honradas da auctoridade, levou o garrafão á -bocca e despejou-o d’um trago. - -Nada se podia fazer, porque o Regulamento não previne esse caso. - -Sahiu o homem, mas ao virar a primeira esquina, sentindo-se afflicto, -levou as mãos á bocca e despejou o vinho. - -Justininho vê isso e manda-o novamente prender. Intima-o a pagar direitos -e multas correspondentes. - -—Mas eu bebi o vinho, senhor! - -—Bebeu, mas deixou-o ficar na villa, dentro de barreiras. Alli está, -introduzido sem pagamento de direitos. Art. 1007.º do Regulamento de 6 de -Maio de 1884. Pague! - -—Mas eu _esgumitei-o_[11], senhor! - -—O dito Regulamento, no seu paragrapho de isenções, não lembra esse caso. -Pague! - -E pagou, que não houve volta a dar-lhe. Nem sete doutores o salvavam. - - * * * * * - -Ora aqui está, o que pude _apanhar_ ao Justininho d’outros tempos. Hoje -está homem sério, como eu; já nem escreve nas gazetas, o que é realmente -para lastimar, porque nem a gente sabe quantos robustos meninos, por ahi -nascem. - - Justininho, - - boas noites. - - - - -III - -Carta a Sua Excellencia, o sr. Governador... de Paysandu - - - Senhor! - -Tenho a honra de me apresentar a V. Ex.ª - -Sou o Zinão. - -Quarenta annos; casado, e com bom comportamento moral, civil e religioso. - -Nunca tive contas com o Borralho, nem com o Assiz dos Algarves, nem com o -Julinho. - -Sou de muito bom genio; depois que vi as caras feias, que fazem os srs. -Barros e João Monteiro, quando se zangam, abracei immediatamente as -doutrinas philosophicas da eschola optimista, e digo com Leibnitz: «Tudo -vae bem n’este mundo, que é o melhor possivel.» - -Sou irmão da Misericordia e approvei a admissão das irmãs de Caridade, -porque em coisas de religião sou muito temente a Deus, como o sr. José -Narciso. Tenho bulla, porque se a não tivesse, quero dizer, se a não -pagasse, diz a Santa Madre Egreja, que era peccado comer carne. - -Vou á missa e á desobriga; além d’isso, sendo amigo intimo do sr. -Baptista e, como affirma o dictado, os amigos dos meus amigos, meus -amigos são, tambem sou das relações intimas da Senhora do Faro, que -tem tomado chá na casa d’elle, e com quem este senhor se trata por tu, -jogando, nas noites de inverno, a bisca e o 31 de bocca. - -Tambem sou militar, porque pertenço á terceira reserva. - -Respeito a mulher do meu proximo. Sou economico; tenho chapéos ainda mais -antigos, que os do sr. Polycarpo. - -Como portuguez, amo a minha patria; odeio os ibericos, como o sr. João -Ignacio. - -Em Politica sou legitimista, como o sr. Santa Clara, porque ninguem me -tira da cabeça, que estes reinos pertencem ao sr. D. Miguel e a mais -ninguem. - -Tenho sido, por vezes, Juiz de Paz e, se na minha terra me não guindei, -ainda, ás alturas a que chegaram os srs. Joaquim, que se carteia com o -Ministro do Reino, ou o sr. Illydio Dias, que com a sua Bibliotheco-mania -telegrapha ao Rei, como amigo velho, quem viver verá, que talvez consiga -roubar-lhes o pennacho. - -Ora aqui está a minha folha corrida; e por ella já Vossa Excellencia vê, -que sou homem sério e que, se não moro na rua de S. João, podia muito bem -lá morar. - - Excellentissimo Senhor! - -Dizem-me que Vossa Excellencia está prestes a deixar-nos, para ir -fulgurar na brilhante constellação dos nossos generaes; e não quero que -isso succeda, sem apresentar a Vossa Excellencia a homenagem sincera -do meu respeito e enthusiastica veneração, porque considero Vossa -Excellencia, como um dos melhores Governadores, a quem, para felicidade -d’estes povos e d’estes reinos, Sua Magestade tem havido por bem confiar -o _governo_ d’esta Praça. - -Na pleiade de homens illustres que, ha doze annos para cá, teem -_governado_ Valença, Vossa Excellencia destaca-se pelo seu senso, -illustração, excessiva modestia e desprendimento das glorias do mundo, -que tão tentadoras e offuscantes são, quando, após annos de lucta, de -vigilias, de laboriosas lucubrações de espirito, de penosissimo labutar -das funcções cerebraes com senos, cosenos, raizes quadradas de _a_ e -ditas cubicas de _b_, chega a gente a alcandorar-se nos inaccessiveis -pinaculos d’uma tão elevada posição social. - -Os dois illustres antecessores, que precederam Vossa Excellencia, -eram e são muito boas pessoas; mas alargavam demasiadamente a esphera -das dependencias da Praça, de fórma que faziam incluir no seu -Estado-maior uma certa pessoa, clara já, talvez, á perspicacia de -Vossa Excellencia—pessoa que, até alli, tinha a seu cargo o caridoso e -humanitario mistér de desobrigar pessoas serias, como eu, Excellentissimo -Senhor, e que, depois da chegada de Suas Excellencias, se viram na dura -necessidade de, ou desviar para outra applicação a sua potencia vital, -como, por exemplo, para o estudo de construcções, principiando com a -rudimentar disposição das traves nos tectos, ou a curtir... as suas -maguas pelas muralhas, entregando, assim, o organismo á terrivel atonia -d’essa perigosa enfermidade, que a todos ataca na puberdade. (Vossa -Excellencia tambem devia dar o seu contingente...) - -Ora, o tal monopolio, Excellentissimo Senhor, tornou-se muito funesto á -povoação. Foi, até, na epocha d’elle, e por causa d’elle, que aconteceu -aquella grande desgraça ao sr. Abilio Araujo... - -Eu sou muito amigo de Vossa Excellencia e Vossa Excellencia tambem é meu -amigo. Sou d’aquelles que, no dia do Anno Novo, apanham o seu quinhão nas -_boas festas_ que Vossa Excellencia, lá das alturas, se digna dar, como -os antigos senhores feudaes, á burguezada e aos paradas-velhas, cá da -terra. - -Depois, venero Vossa Excellencia, porque é um homem energico, que tem, -como o povo diz (e realmente tem) cabellinhos na venta (com o devido -respeito). - -Aquella felicissima resposta, que Vossa Excellencia deu ao Padre -Magalhães, quando elle foi pedir para a Semana Santa com o innocente sr. -Joaquim e com o ingenuo Abbade das Gandras, foi fulminante de espirito; -foi á Pombal, á Richelieu, á Pitt, á Bismarck, á Duque d’Olivares; teve -a potencia explosiva d’uma bomba á Orsini, ou d’um petardo nihilista, -preparado chimicamente, com os mais poderosos elementos endothermicos. - -Disse-se, por ahi, que Vossa Excellencia procedera mal; porque, se queria -dar carambola ao _Noticioso,_ que lhe chamára General não sei de que, não -devia escolher para bola vermelha um homem que ia de preto, que tinha -entrado na sua sala de visitas, onde, até a pretalhada do Bonga, que -pouco sabe de hospitalidade, recebe e trata bem a gente. - -Accusaram Vossa Excellencia de ter faltado, n’essa occasião, aos mais -rudimentares preceitos da delicadeza e até se asseverou, fazendo justiça -ao caracter de Vossa Excellencia, que a tal resposta foi soprada ao -ouvido, por Sua Excellencia, o Senhor Vice. - -Eu não sou d’essa opinião. Vossa Excellencia respondeu e respondeu -muito bem. N’isto de militanças praceiras, não ha attenções, nem -hospitalidades, nem sala de visitas, ha... o regulamento do Conde de -Lippe! Quem o não acatar... leva a sua conta, e assim é que deve ser. - -O Padre devia ficar ainda mais pequeno do que é, mas Vossa Excellencia -tambem escapou de boa! Se elle tem ao lado o Sant’Anna, lá do Porto, -Vossa Excellencia bem podia gritar por Sua Excellencia, o Senhor Vice... - -Então o caso era serio! - - * * * * * - -Depois, quem não ha-de respeitar Vossa Excellencia, com a sua -variadissima illustração? - -Nunca me hei-de esquecer d’aquelle esplendido discurso, que Vossa -Excellencia, de improviso, pronunciou na Assemblea, em 20 de janeiro de -1887, quando tomou conta da Presidencia. Sei-o de cór; e tão profunda foi -a impressão, que causou no meu espirito, que até n’elle ficaram gravados -os ápartes e as interrupções. - -Se Vossa Excellencia dá licença, eu repito alguns periodos. Os ápartes, -para falar a verdade, são ainda para mim um tanto enigmaticos, mas deve -haver por ahi, quem os possa explicar a Vossa Excellencia. - -Ahi vae uma tirada:[12] - - «... As prestimosas agremiações, como esta, com que as - Sociedades modernas procuram deleitar e amenizar os espiritos, - após as laboriosissimas horas da lucta e contrariedades da - vida, nascem, crescem e desenvolvem-se, como essas enormes, - vas- (_o sr. capitão Marques da Costa:—Vaz? É o amigo Lopo? - Então appoiado!_) tas e florescentes ilhas do Atlantico e - Pacifico, formadas pela organisação rudimentar das algas - marinhas e de myriadas de seres microscopicos, da familia dos - polypos, classe dos coelenterados, grande grupo dos radiados, - ou zoophitos. (_Os srs. Roldão, Polycarpo Monteiro, Zagallo e - outros cavalheiros versados em sciencias naturaes:—muito bem!_) - - «Da Natureza, meus senhores, deliciam-nos as suaves fragancias - das flores: a modestia da violeta; a pureza immaculada do - lirio; o murmurar dos bosques, os seios tumidos (_o sr. José - Lopes, da Principal:—appoiado!_) da donzella, os alvores da - madrugada e o canto das avesinhas. (_Os srs. Alberto Marques, - Gaspar Durães, Justino Guerra e outros poetas e prosadores da - estafada eschola romantica:—muito bem!_) - - «Pois na vida social, as horas fugitivas, que aqui deslizam - em encantador e aprazivel convivio, com os Cavalheiros de - fino trato (_o sr. Verissimo de Morães:—appoiado!_) e com as - amaveis, airosas e donairosas e gentilissimas damas d’esta - formidolosa Praça (_os srs. Justino Guerra, Eugenio Martins e - Soares Romeu, interessantes collaboradores do interessantissimo - «Mensageiro das salas»:—appoiado!_) ou com as encantadoras - hijas da hidalga y noble Espãna (_o sr. D. Ramon:—Ká! Muy bien! - Maunifico! Precioso. Ká! Seño Gobernador: Viva la gracia! Ká!_) - bellas, como uma virgem de Murillo e castas, como a esposa de - Jacob, de que me não recorda agora o nome (_diversas pessoas - serias:—appoiado!_) quando as cingimos em suave enleio, no - vertiginoso redemoinhar da valsa (_o sr. Salazar Muscoso: - muitobemmuitobemmuitobem!_)[13] ou quando as brindamos com - preciosas iguarias e delicados vinhos _(os srs. C. Oliveira, - Verissimo de Morães, um Cavalheiro de Tuy e outro de Monsão, - que não tive a honra de conhecer:—appoiado!_) essas horas, - repito, representam em a nossa vida social aquellas alegrias da - Natureza! - - «Não ter alma para sentir isto, meus senhores, como muito bem - disse o nosso grande ex-historiador[14] Alexandre Herculano, é - proprio d’um ser doentio; é, como vulgarmente se diz, proprio - de gente pequena. (_Protestos ruidosos dos srs. dr. Ladislau, - Alvaro Garção e P. Magalhães.—O sr. dr. Pestana:—peço a palavra - para explicações._) - - Trabalhar, pois, para esta Sociedade é uma acção de elevado - patriotismo; (_o sr. José Lopes, da Principal:—muito bem!_) - é uma acção de larga influencia regeneradora (_protestos dos - srs. Alvares d’Oliveira, P. Cunha e Agostinho_) para os nossos - costumes; é um symptoma da benefica evolução progressista; - _(protestos dos srs. Appollinario, Camisão e do dito sr. - Agostinho)_ é, emfim, como ainda ha pouco me disse, e disse - muito bem, o sr. Capellão (_o sr. Leopoldo Gomes:—qual d’elles? - Então Vossa Excellencia também gasta? Por isso eu estive á - espera!..._) que aqui me ouve, uma missão altamente honrosa e - humanitaria! - - «Por isso, meus senhores, unamos os nossos esforços e como - os polypos e as algas.................... as algas.... - .................» - -Que Vossa Excellencia me perdõe o que vou dizer, mas... perdi o fio -ao discurso e o melhor é ficar por aqui, porque, n’estas questões de -Historia, não quero _metter_ de minha casa. - -_Verba volant, scripta manent..._[15] - - * * * * * - -Eu atrapalho-me sempre, quando falo de Vossa Excellencia, que representa -para mim o que ha de mais alto, mais nobre e augusto, nas elevadas -jerarchias e coisas serias da minha terra. - -Quando encontro Sua Excellencia nas ruas da vizinha cidade de Tuy, -pisando com arrogancia e altivez, genuinamente portuguezas, o solo -d’aquelles odiosos Filippes, seguido automaticamente, á distancia -regulamentar, por alentado e escolhido artilheiro, como estabelece o -regulamento de Sua Excellencia, o Senhor Conde de Lippe, eu tremo de -respeito e envergonho-me de mim mesmo—pobre e mesquinho verme da terra. - -Quando assisto á entrada de Sua Excellencia, solemne, magestoso, -omnipotente, rutilante de oiro e pedrarias, constellado de _crachás_, -faiscante de venéras,—no templo de Santa Maria, em festividade da Semana -Santa, para mandar prevenir as auctoridades civis e ecclesiasticas, que -superintendem no cerimonial, que está alli, para, como unico e fiel -representante de Sua Magestade El-rei, n’estes burgos,[16] depôr o osculo -de respeito nos chagados pés do Senhor dos Passos, exactamente como, á -mesma hora, faz o mesmo Augusto Senhor Rei, no templo da Graça—quando o -vejo aproximar vagarosamente da veneranda imagem, n’aquelle passo grave, -solemne e arrastado de solas, com que os prophetas de barba de guita e -cara borrada com pós de sapato, acompanham em Tuy o sagrado esquife, -e o ouço depôr o respeitoso osculo, confundindo assim, em edificante -e enternecedora homenagem, a magestade dos céos com a magestade da -terra—quando sigo, depois, Sua Excellencia na retirada do templo, rodeado -do seu luzido e brilhante Estado-Maior, essa pleiade de homens illustres, -que representam o que ha de mais intelligente, nobre e indispensavel -nas instituições militares do meu paiz, homens encanecidos em mil -batalhas contra columnas cerradas de algarismos, cifras e cifrões de -indomitas contas de feijão e batata, do rancho geral, ou dos cadernos -da arrecadação dos puxa-frictores, morteiros, colubrinas, missagras, -lanternetas, chapuzes, cepos, boldriés, sacres, caçoletas, falconetes, -lanadas, cucharras, soquetes, munhões, sotroços, trinque-bales, tira -e mette-buchas e outros tarecos velhos, que nas dependencias da Praça -são do exclusivo dominio e usofructo dos ratos e aranhões, formando, -no seu conjuncto, collecção superior, em inutilidade, á feira da -Ladra—quando eu vejo tudo isso, meu Senhor, sinto-me mais pequeno do -que um feijão fradinho; mais sumido, do que um certo parasita que Vossa -Excellencia, d’essas alturas em que vive, não enxerga, mas com o qual, -eu, infelizmente, estou relacionado, desde que commetti a imprudencia -de (com licença de Vossa Excellencia) verter aguas, detraz das portas do -Meio, onde tambem o faz a soldadesca! - -Vossa Excellencia deslumbra-me; offusca-me; tem para mim as proporções -d’um semi-Deus; mas quer Vossa Excellencia saber, respeitabilissimo -Senhor? - -Ha, por ahi, gente tão nescia, tão ignorante, tão alheia ao mechanismo -d’esta complicada engrenagem das instituições sociaes, que chega a -perguntar (perdõe-lhe Vossa Excellencia) para que serve o Governo da -Praça, alliando, ainda, á ignorancia, a grosseria de lastimar que, do que -a gente paga nas decimas, do que se rouba ao trabalho honrado e aspero -do lavrador e do padeiro, se desviem 500 e tantos mil reis mensaes, -obra de sete contos por anno, para ter ahi (que malcreados!) n’um -rasoavel sybaritismo, cinco ou seis servidores da patria, equiparados -escandalosamente (dizem elles) em honras e proventos, ao official, que -nos corpos atura, diariamente, o brutal trabalho do quartel, com enorme -responsabilidade, com necessidade de instrucção e arriscado a, d’um -momento para outro, receber ordem para expôr a caixa craneana á bala -do trabuco assassino, que anda a monte, ou ao zagalote do bacamarte -desordeiro e avinhado, nas grandes borgas eleitoraes. - -Eu, até, já ouvi dizer, Excellentissimo Senhor, que se isso era por causa -das procissões, das missas pela alma do Senhor D. Pedro IV, ou -da recepção das musicas gallegas, o Governo podia muito bem contractar, -para tal effeito, os _gigantones_ de Tuy, ou os _barbacenas_ da Guarda -romana, porque eram de mais apparato, era outra limpeza e ficava muito -mais barato. - -Mas quer Vossa Excellencia saber ainda mais? Ha, até, n’esta terra de -cafres, quem reponte com a posição original que Vossa Excellencia dá -á sua boquilha, quando, nas ruas, se delicia com os aromas d’um bom -charuto! Como se Vossa Excellencia, pelo simples facto de não ter Tosão, -d’Oiro, que dá honras de principe e direitos a poder fazer a gente o -que quizer, não tenha a plenissima faculdade de trazer uma coisa (a -boquilha), como muito bem lhe appetecer, horisontal, ou ao dependuro, -e como se esta ultima posição não fosse, realmente, a mais decente e -apropriada á edade de Vossa Excellencia! - -Ora diga-me Vossa Excellencia, agora que desceu commigo a estes profundos -abysmos da ignorancia popular, se é, ou não, necessario applicar, de -vez em quando, a estes barbaros, umas espadeiradas á Macedo, ou quatro -_mimos_ com o historico chicote do Bruto, digo, do Barão do Rio Zezere... - - Excellentissimo Senhor! - -Eu folgo de ter encontrado pretexto, para manifestar o meu respeito e -veneração a Vossa Excellencia, mas, como esta já vae longa, abrevio o -muito que lhe tinha a dizer e contar. - -Não se incommode Vossa Excellencia com as más linguas. Nosso Senhor Jesus -Christo perdoou aos que não sabiam o que faziam. As realezas da terra, -meu Senhor, são representantes legitimos da realeza dos céos. Affonso -Henriques, quando em Ourique dava tapona na moirama, a folhas tantas, -olhou para o céo e de lá fizeram-lhe um signal com a cruz, que queria -dizer: _vences_. Constantino, quando se viu atrapalhado com os barbaros, -olhou tambem para lá e o Padre Eterno fez-lhe o que a gente faz, quando -está sentado na praia com o namoro, deante do futuro sogro e da rabujenta -futura sogra e, não podendo dizer á rapariga: _amo-te, oh filha!_ escreve -sorrateiramente essas palavras na areia, com a ponta da bengala. Pois o -Padre Eterno foi-se ás areias do céo e, com a vergastinha com que tosa a -canalhada miuda dos anjos e seraphins, escreveu tambem disfarçadamente: - -_In hoc signo vincis._ - -Ainda ha mais exemplos, mas eu sou muito fraco em mnemonica. - -Ora, sendo as realezas da terra representantes da realeza dos céos, e -sendo Vossa Excellencia representante da nossa realeza, como muito e -muito bem disse e declarou, ao annunciar o seu osculo nos chagados pés do -Senhor dos Passos, _ergo_, por irrefutavel syllogismo, Vossa Excellencia -é tambem representante n’esta terra, de Nosso Senhor Jesus Christo! Isto -não falha. - -Por conseguinte, Vossa Excellencia póde e deve perdoar, aos que não sabem -o que dizem. - -Eu não lhe aconselho isto com interesse directo, meu Senhor. Vossa -Excellencia nada tem que me perdoar. - -Eu adoro tanto as instituições da minha Patria, reputo tão necessarias e -consentaneas, com as aspirações da epocha hodierna, as disposições dos -regulamentos do sr. Conde de Lippe (que o diabo levou ha perto de 200 -annos e podia, mesmo, ter levado logo ao nascer) das quaes, a mais branda -e attenciosa é mandar varar por uma bala[17] o desgraçado, que tenha -o atrevimento de—utilizando-se da unica applicação d’essas muralhas e -torturado com as ancias e arrancos de urgentissima necessidade corporea, -sem poder esperar um unico segundo,—baixar as calças, (permitta-me Vossa -Excellencia a liberdade que vae expressa, ainda assim, em portuguez -de lei, do que usava o Padre Antonio Vieira) que, se tivesse alguma -importancia politica, se fosse homem de prestigio e d’estes que valem -uma eleição, como os srs. Joaquim, Cardoso e seu amigo P. Cunha, Alvares -d’Oliveira, Santa Clara e Agostinho que, unidos todos no mesmo partido, -belliscados para a victoria do mesmo candidato, são capazes de levar -á urna, não digo 6, mas, talvez, para cima de 3 votos, se fosse homem -d’essas craveiras, repito, era capaz de ir a Lisboa, apresentar-me ao -sr. Zé Luciano, ao Senhor Rei, se tanto fosse necessario, e reclamar -energicamente, como indispensavel ao brilho das nossas instituições, ao -prestigio do nosso exercito, á manutenção da nossa dignidade nacional, -mais um segundo Governador, com um segundo... (não me lembro do nome... -ah!) Estado Maior. - -Sómente estabeleceria uma condição:—baseada no muito apreço, em que -tenho os grandes homens da minha Patria; convencido da necessidade de -haver aqui, na fronteira, nas barbas do hespanhol, quem dignamente possa -representar o paiz—e seria: que, para fazer pár com Vossa Excellencia, -não me dariam outro bis-Governador, que não fosse o grande, o saudoso, o -inimitavel - - Zé da Rosa!! - - * * * * * - -E se tal conseguisse, ai que alegria a minha, quando encontrasse Vossa -Excellencia na rua de S. João, com a gravidade propria a um representante -de Sua Magestade El-Rei, de braço dado ao sr. Zé da Rosa, outro -representante de Sua Magestade (a Rainha, não meu Senhor?), seguidos -por Sua Excellencia o Senhor Vice, com o seu chapéo de pennas de -capão, e com a espada politica de Brenno, ao lado do outro Senhor Vice -(quem devia ser? O sr. Roldão, por exemplo. É da arma de cavallaria...) -e depois, atraz, o Senhor Baptista da Senhora do Faro com os outros -Estados-Maiores; e depois ainda, atraz, muita gente, a sociedade do -_Provarei_, o Fileiras, o João de Ganfey, o Senhor Martinho, que deitava -_la coca_, o Capellão (o n.º 2), todos os paradas-velhas, etc., etc. - -Com que arrebatamento então, meu Senhor, eu perderia as estribeiras -e, mandando para o diabo a minha seriedade de Juiz de Paz, de irmão -da Misericordia, de pae de filhos, como eu saltaria para a frente de -_Vocellencias_ e perdido, enthusiasmado, louco, distribuindo pançadinhas -e piparotes e atando nas Excellentissimas trazeiras este raboleva de -ridiculo,—que é a suprema essencia de toda essa grotesca mascarada, com -que gargalhada homerica, ensurdecedora, colossal, lhes não bradaria: - -—Oh que rica tropa fandanga! - -—Quebra esquina, minhá gente! - -Com o respeito devido a um Representante de Sua Magestade El-Rei, sauda -_Vocellencia_ o - - _Zinão_. - - - - -IV - -Uma descoberta do Dr. Charcot - - -Accedendo a frequentes reclamações diplomaticas do governo de Sua -Magestade, o Imperador do Brazil, resolvera o Governo de Sua Magestade -El-Rei de Portugal, que o primeiro fôsse auctorizado a expulsar -dois cidadãos portuguezes que, segundo officialmente se asseverava, -incalculavel prejuizo estavam causando ao regular movimento dos -negocios commerciaes e, portanto, ao desenvolvimento material d’aquelle -florescente imperio. - -Não se fundamentava a necessidade da expulsão na cumplicidade em crimes -politicos; attentados contra o Imperador, ou imperial familia; propaganda -de ideas reaccionarias; troça ás preciosas producções poeticas de Sua -Magestade; capoeirada nos chimpanzés da policia urbana, ou assuada ao -Senhor Conde d’Eu. - -Allegava-se, unicamente, que esses individuos, penetrando nas repartições -do Estado, nos estabelecimentos commerciaes, nos grandes edificios de -industria, nas escholas, nas egrejas, nos clubs, nos passeios publicos, -nas chacaras e nos _xadrezes_, em qualquer parte—emfim—interrompiam as -manifestações da actividade d’aquelle labôrioso povo e creanças, mulheres -e homens abandonavam, immediatamente, o exercicio de qualquer mestér, -fugindo espavoridos e como fustigados, por mal extranho e desconhecido. - -A origem d’aquella nociva influencia, a natureza dos phenomenos que -ella produzia, a complexidade dos seus effeitos, escaparam, sempre, á -perspicacia dos doutos Galenos das terras do sabiá, porque as mesmas -propriedades repulsivas obstavam ao demorado exame, que o caso requeria. - -Annunciava, n’essa epocha, o eminente Pasteur os seus primeiros trabalhos -sobre Microbiologia, que tão poderosa influencia vieram exercer na -orientação das sciencias medicas; e não faltou, no estudo investigador -dos clinicos d’alem-mar, a applicação das novissimas theorias, com -pacientes trabalhos de microscopio, observações por analyse e por -synthese e outros processos que a Chimica medica aconselha e, até, -com demoradas experiencias nas fezes em acção sobre os orgãos das -cinco funcções especiaes da sensibilidade, incluindo a pituitaria e a -membrana, onde se ramifica o nervo de Wrisberg. - -Lembrou-se alguem de classificar aquelles phenomenos, como _suggestões -motrizes_ do moderno Hypnotismo; mas Charcot, Richer e Bernheim, -consultados sobre o caso, oppozeram-se á diagnose, visto que elles -se manifestavam sempre com a mesma intensidade, isto é, que todos os -individuos soffriam egual influencia repulsiva e não se evidenciavam as -differenças na sensibilidade á hypnose, que nos _sujets_ estabelece, -como caracteristico, a diversidade de circumstancias physiologicas e -pathologicas. - -Nada se podia descobrir. - -Havia no organismo dos dois individuos uma propriedade repulsiva, -identica á das tremelgas, ordem dos selacios, grupo dos peixes -cartilaginosos; mas desconheciam-se os elementos constitutivos d’essas -propriedades e elles continuavam a exercer, em toda a parte, e a toda a -hora, a sua funestissima influencia. - -Uma unica circumstancia se pôde descobrir, graças á perspicacia do mais -reputado Esculapio da Tijuca, a quem se deve a preciosa descoberta -da cataplasma de linhaça e foi: que diminuia, consideravelmente, a -intensidade d’aquelles phenomenos, quando se isolavam os dois individuos, -ou quando permaneciam incommunicaveis. - -Utilizando-se d’esta descoberta, o Governo do Imperador, attendendo aos -laços de sangue e affecto, que unem os dois paizes, resolveu exportar a -praga em epocha e vapor differentes. Assim se fez, com effeito. - -O governo portuguez, assustado com o flagello, que subitamente cahia no -solo da Patria, reuniu immediatamente a Junta de Saude e, por indicação -d’esta, foram os dois compatriotas enviados a Pariz—onde, n’outras -espheras e com outros horisontes se dilata a intelligencia humana—para lá -serem submettidos á analyse dos grandes Mestres da Sciencia. - -Após demorada observação e attento exame, o eminente Charcot, encontrou, -emfim, a resolução do problema, que largamente foi demonstrada no -_Boletim da Academia de Medicina de Pariz_, (mez de novembro de 1876) -e, com prodigioso interesse, escutada por selecto auditorio, na mesma -Academia, em sessão extraordinaria de 27 de dezembro, do mesmo anno. - -Não tendo aqui, presente, a lucida exposição do eminente sabio, -limito-me a reproduzir, e certamente d’uma maneira deficiente e -incompleta—attendendo á escassez dos meus conhecimentos scientificos—a -theoria, em que Charcot baseou a explicação do estranho phenomeno. - - * * * * * - -V. Ex.ª sabe, como a moderna Sciencia explica, na Acustica, a producção e -a propagação do som. - -«O som é o resultado d’um movimento vibratorio, communicado á materia -ponderavel»—eis a base da theoria, hoje adoptada e conhecida por «theoria -das ondulações». - -Conhece, tambem, o mechanismo da voz humana. A voz provem da acção do ar -nas cordas vocaes. O ar, que sahe dos pulmões, produz, n’essas cordas, -vibrações, mais ou menos rapidas, que transmittindo-se ás paredes da -larynge se tornam sonoras, e que, depois, a acção combinada da lingua, -das maxillas e dos labios, altera modifica e articula. - -Conhecido é, tambem, o mechanismo da audição. As vibrações executadas -pelas cordas e transmittidas, em ondas, ao ar exterior, chegam-nos ao -pavilhão do ouvido e vêm, pelo tubo auditivo, actuar na membrana do -tympano. Seguem, depois, até ao ouvido medio, no ar n’elle contido, e, -pela cadeia do estribo, do martello, da bigorna e do osso lenticular, -reproduzem-se, ainda, nas membranas das janellas redonda e oval, -communicam-se ao liquido, que existe no ouvido interno e d’alli, pelos -filetes do nervo acustico, ao cerebro.[18] - -A potencia das vibrações, o deslocamento, mais ou menos violento, das -ondas sonoras depende, portanto, alem d’outras circumstancias, da força -com que os pulmões fornecem o ar, e da maior ou menor vibratilidade das -cordas vocaes. Por isso, vêmos individuos com voz forte e penetrante, -como o sr. Barros, e outros, com voz debil e sumida, como o sr. Nunes de -Azevedo, que difficilmente se percebe. - -Ora succedia que, por uma disposição especial dos pulmões, da larynge -e das cordas vocaes, aquella força expulsiva do ar e a vibratilidade -das cordas, existiam nos dois individuos em grau extraordinario e ainda -desconhecido para os mais eminentes physiologistas. D’essa disposição -especial resultava, tambem, que a voz, já potente e forte, obtinha, -ainda, consideravel augmento de intensidade com a reflexão nas paredes da -larynge, attingindo o que em Acustica se denomina _resonancia_. - -Quando as vozes não encontravam obstaculo, pouco se conhecia esse -augmento de intensidade, porque, então, se perdiam na atmosphera; mas, -se as ondas deslocadas por cada uma se encontravam, era tal a violencia -do choque e das vibrações, d’elle provenientes, que só a poderemos -comparar, nos grandes phenomenos da Natureza, á rapidez e violencia -das ondas do Oceano quando, açoitadas por furioso vendaval, avançam, -chocam-se, equilibram-se com medonha expansão de força, recuam para -formar novo salto, até que uma perde a força resistente, e a outra vence, -esmigalhando, com espantoso ruido, tudo o que se oppõe á sua passagem. - -Este effeito destruidor soffriam todas as peças dos apparelhos auditivos, -que o circulo da primeira projecção podia abranger. - -As membranas do tympano dilatavam-se n’uma dolorosa expansibilidade; o -martello batia desesperadamente na bigorna com o mesmo furor, com que -Mestre Borralho batia a sola, quando não era director dos Presidios -civis; o estribo andava aos saltos, como anda em corcel fogoso, quando, -no meio da batalha, entre o rugir da artilheria e o sibilar das balas, -perde o cavalleiro e parte, desvairado e furioso. - -Na trompa de Eustachio desencadeava-se um verdadeiro cyclone. - -Nem as trombetas de Josaphat, n’esse terrivel dia do Juizo final, poderão -egualar o infernal ruido, que supportavam os apparelhos auditivos. - -Depois, para aggravar o flagello, dotára Deus os dois individos com -uma extraordinaria loquacidade, e constante verborrhea que, de dia -e de noite, lhes agitavam nervosamente os labios para questionarem, -discutirem, argumentarem sobre tudo e sobre todos, em portuguez, em -francez, em latim, em allemão, em quantas linguas vieram de Babel. - -Era sempre de funestos resultados, de dolorosas consequencias a sua -presença, e por isso, homens, mulheres e creanças fugiam, prestes, ao -sentil-os, interrompendo todas as manifestações da sua actividade e todo -o exercicio dos seus mestéres. - -Desculpavel fôra, pois, o proceder do Governo brazileiro, expulsando os -nossos compatriotas. - - * * * * * - -Ora aqui tem V. Ex.ª, sem exaggero, sem alterações da verdade (que, por -ahi, n’este assumpto, tanto tem sido alterada) subordinada a rigorosa -demonstração scientifica—a razão, porque regressaram a esta terra, e -se respeitam, e se evitam, a ponto de viverem separados pelas grossas -muralhas da Praça, os nossos amigos: - - Leopoldo Gomes - e - Abilio Lucas. - - * * * * * - -Evitam-se e respeitam-se—disse eu, e demonstro. - -Um vive dentro, outro fóra. Um foi a Paris em 75; outro em 79. Quando um -é da Camara, o outro é da Commissão do Recenseamento. Abilio é socio da -Assemblea e frequenta-a; Leopoldo despede-se. Entra novamente Leopoldo; -Abilio deixa de frequentar aquella casa. Leopoldo conta a historia -dos relogios; Abilio sorri maliciosamente e insinua a duvida; explica -Abilio o remedio, que descobrira o ilheu, para salvar a _senhora mãe_; -Leopoldo mastiga em secco e pisca o ôlho para os circumstantes. Um -faz-se agricultor e trata de terras no Arraial, em Picões, na Esplanada; -o outro faz-se politico e «_provarei_». Entra o segundo na Politica -activa; desvia-se o primeiro, e trata de terras em Gondomil—polo opposto. -Um, gosta do _Capellão_ e _fala-lhe_ a miudo, como homem temente a Deus; -outro, não se dá com esse _ministro do Senhor_ e rosna-se, até, que tem -as suas questões com elle. Um, move-se, agita-se, apparece de manhã na -villa, ao meio dia em Monsão, á tarde em Gandra e sempre a pé; outro, -limita o exercicio dos seus membros locomotores á loja do sr. José Lopes, -ou do sr. José Seixas. - -É evidente, palpavel, esta incompatibilidade, esta heterogeneidade de -individualidades, que se origina na intima convicção, que elles teem da -sua influencia destruidora e no accordo, ou _modus-vivendi_, que, para -mutua conveniencia, secretamente estipularam, ao fixarem a residencia na -terra, em que nasceram. - - * * * * * - -Quando, ha annos, estive em Paris, no regresso da minha viagem de -estudo pelo Oriente—á Mongolia, ao Turkestan, a Niphon, a King-Ki-Tao -e outros centros da Asia—onde fui recolher materiaes e elementos -comparativos de civilização, com os da minha terra, para a composição -d’este livro, encontrei-me, na Academia de Medicina de Paris, com o sr. -Zagallo, que alli estudava, commissionado pela Excellentissima Camara -d’esta villa, a organisação do serviço de Hygiene publica, indicado, -por aquella faculdade, á municipalidade parisiense;—missão, essa, que -Sua Excellencia, tão brilhantemente desempenhou, e que tão beneficos -resultados produziu para esta povoação, como se prova com esse elegante, -commodo e original _water-closet_ do jardim publico. - -Tive, n’essa occasião, a honra de ser recebido pelo eminente dr. Charcot. - -Falando no meu paiz, alludiu o illustre clinico aos dois portuguezes, -que em 74 examinára, por recommendação do Governo; e foi grande a sua -admiração, quando lhe affirmei, que com elles vivia em Valença, e que, -ha dez annos, permaneciam na mesma localidade, se bem que, nas condições -especiaes de isolamento, que já referi. - -Mas, a minha asserção tocou para Charcot as raias do inverosimil, quando, -á supposição, que me apresentou, da existencia inevitavel de graves -doenças e perturbações no apparelho auditivo dos meus conterraneos, -sujeitos á convivencia e aos perigosos effeitos da presença e -communicabilidade d’aquelles amigos, eu lhe affiancei que não eram essas -enfermidades, as que mais avultavam nas estatisticas da secção de Hygiene -municipal. - -Charcot fazia bem em duvidar. Eu faltei á verdade, e a isso me levou a -amizade, que a esses Cavalheiros me liga, e a repugnancia, que tive, em -tornar odiosa, para o eminente sabio, a existencia de dois patricios, que -tanto prezo, acato e... respeito. - -Mas V. Ex.ª sabe o que por cá vae... - - - - -V - -Perfis - - -Abilio - -Examinando-os, apreciando-os isoladamente, reconheço os valiosos serviços -que os meus amigos—Abilio e Leopoldo—teem prestado ao desenvolvimento -material e intellectual da nossa terra; e não se esquiva a minha -consciencia a declarar, que são uteis e, mesmo, indispensaveis, entre -nós, as suas individualidades. - -Abilio entrou, por um generosissimo impulso de gratidão, na Politica -activa de Valença. - -Accusam-n’o de violento, de precipitado, de faccioso, ou, como diz o -povo, de... petroleiro. Eu classifico todo o seu proceder politico, como -o de um innocente noviço, ou ingenuo collegial. - -É um homem, meus senhores, que trabalhando ha seis annos em eleições, -n’esta terra, independente em Politica, como se sabe, tem sustentado -a creancice de seguir um só partido e respeitar uma só opinião—a dos -regeneradores!!! - -Ora isto, em Valença, se não indica falta de senso, revela excesso de -ingenuidade e para esta ultima hypothese me inclino, porque não admitto -que, para umas manifestações da mentalidade humana, haja falta de senso e -isso se não dê com as outras. - -Abilio é, pois, um ingenuo politico e—o que mais é—um ingenuo faccioso. -Referindo-se á administração progressista, tem a eloquencia de Danton, a -arrebatadora oratoria de Robespierre, a impetuosa dialectica de Cassagnac. - -É violento, incisivo, caustico. - -N’aquellas medonhas explosões de colera, fere, trucida, chacina, -esposteja nas hordas contrarias, como S. Thiago na moirama. - -Chega a rubro a temperatura da sua palavra. - -«É preciso, meus senhores, mostrar ao povo os seus direitos, para -que elle saiba expulsar, a chicote, das cadeiras do poder e _de tudo -aquillo_, esses bandidos, sem eira nem beira, que estão delapidando os -dinheiros publicos e _tudo aquillo_, que representa o trabalho honrado do -povo, o suor do seu rosto, _tudo aquillo_, que ganha para o sustento dos -seus e de _tudo aquillo_, que lhe pertence. - -As nossas finanças vão, de cada vez, a peor, _tudo aquillo_, que -representa a riqueza da nação vae parar, vae sumir-se n’esse insondavel -abysmo de ladroeiras, de arranjos, de afilhados, de _metades, de tudo -aquillo_.» - -.............................. - -N’este periodo de excitação, Abilio deixa-se apoderar, tanto, da sua -convicção partidaria, perde, de tal fórma, a cabeça, que se esquece de -tudo e de todos, concentrando todo o seu ser, toda a sua vitalidade -na idea e na palavra, com que, mais rapidamente, possa inutilizar o -adversario. - -É assim que, ás vezes, o vemos sahir de casa, arrebatado, irado contra -algum _arranjo_, que lhe foram annunciar, e entrar, precipitadamente, -na sala das sessões da nossa Excellentissima Camara, com uma bota -branca, outra preta; assoar-se a uma luva, suppondo-a um lenço; -metter o cigarro na bocca pelo lado acceso; tirar rapé d’uma caixa de -phosphoros—perfeitamente allucinado, colerico, perdido! - -Originam-lhe inimigos estes arrebatamentos; mas se o Papa, como unico -correspondente, cá na terra, do Padre Eterno, me enviasse o livro das -informações particulares, que hão-de influir no tremendo dia de Juizo e -d’onde dependerá, ou a nossa absolvição, ou a condemnação ás caldeiras -de Pero Botelho, em que fazem caras tão feias aquelles bispos mitrados, -que por ahi vemos nas _alminhas_ dos caminhos ruraes, na folha corrida -do Abilio, eu não hesitaria—desassombradamente o declaro, sem pretenções -a adulador, sem interesse occulto presente ou futuro, sem desejar -provar a _Paraty_, ou tencionar pedir dinheiro emprestado—em exprimir o -conceito e a consideração, que este homem me merece, sobretudo quando a -lente da minha observação se desvia um pouco do campo, que lhe tracei -para a critica e m’o apresenta no outro, que respeito em todos: a -familia,—n’estas cinco palavras: - - É um homem de bem. - -E ao escrever isto, com plena consciencia e convicção, vem-me á -lembrança, _não sei como, nem porque_, a constante recommendação, que o -meu tutor me fazia, quando, ao partir para os estudos, me introduzia na -mão, com uma generosidade vanderbiltica, coisa de dois patacos em cobre, -com estas reflexões de moral preventiva: - -—Ahi tens dinheiro... Tem juizo; foge dos cafés, das ruas de movimento -e... das más companhias. - -... das más companhias... - -Para fugir d’ellas, e dos seus perigos, é que se fundou a sociedade dos -_Provareis_... - -Valha-me Nosso Senhor Jesus Christo! - - Que tentações... - - -Leopoldo - -Leopoldo é um homem de costumes austeros. Podia muito bem morar na rua de -S. João, ao lado do sr. Joaquim. - -Tem predilecção pelos estudos archeologicos e o seu nome é citado, com -respeito, na Sociedade Martins Sarmento. - -É homem versado em anthropologia. Possue as obras de Cuvier e de -Quatrefages. - -Conhece diversas linguas, mortas e _vivas_, e enthusiasma-se, quando as -vê manejar _com pericia_, como lhe succedeu em Paris, com aquelles sêres -pertencentes á classe dos mammiferos, ordem dos carnivoros, familia dos -_canis familiaris_.[19] - -Tem ideas avançadas em materia religiosa. Sustentou, ha tempos, uma -questão de philosophia racional, relativa a crenças, tendo por oppositor -o sr. Tenente Silva e com tal arte se houve, que fez calar este -cavalheiro!!! - -É copiosamente lido em sciencias naturaes e, concedendo-se-lhe vinte e -quatro horas de praso, apparece armado de ponto em branco, com quantas -theorias antigas e modernas se debatem entre sabios. - -Como polemista, tem um grande merecimento: não deixa falar o adversario, -o que é de incontestavel vantagem para quem... padece do peito. - -Acceita as theorias de Lamarck e de Darwin; crê na existencia do homem -terciario e, se Carlos Ribeiro o não classifica, talvez ainda viessemos a -ter o Anthropopithecus Leopoldi. - -É homem illustrado. Foi á China, ao Japão, ao Perú, a toda a parte. Fez -encavacar Pio IX, deu uma pitada a Grevy, um piparote a Crispi, bateu na -pança de Gladstone, offereceu rebuçados a Bismarck. - -Não vae feito com as realezas. O verdadeiro fóco, para que elle faz -convergir a sua actividade intellectual, é a Sociologia, na parte -repressiva da immoralidade e na que estuda a protecção aos menores. - -S. Vicente de Paulo merece-lhe entranhado culto. - -Tem sido, por vezes, camarista e no desempenho das importantissimas -funcções d’esse elevado cargo, evidenciou, sempre, a mais extraordinaria -actividade. - -Todos se recordam, ainda, d’essa memoravel sessão, em que elle -apresentou, defendeu e discutiu dezenove propostas! O caso foi falado nas -gazetas, mas, como as edições, na nossa terra, se exgottam rapidamente, -eu vou reproduzir essas propostas e repetir as considerações, com que -foram acompanhadas: - - * * * * * - -Plena sessão camararia. Galerias concorridas. Tachygraphos a postos. - -Leopoldo, de casaca e gravata branca, sobe, solemne e grave, ao estrado; -faz uma delicada venia ao sr. Zagallo; deixa passar um minuto de longo -silencio e severa concentração dos espiritos; ergue a fronte, agita os -labios e exclama: - - Senhor Presidente! - - Respeitaveis collegas e senhores. - - Illustrado auditorio! - - Eminentes publicistas e philosophos, consultando os trabalhos - recentemente publicados nas nações mais civilizadas, teem - evidentemente demonstrado a enorme differença e aterradora - diminuição que, de anno para anno, se nota nas estatisticas da - reproducção humana. - - Os excessos perniciosos da Civilização, com o cortejo de gosos - corporeos e sensuaes de toda a especie, enfraquecem a raça, - definham o individuo, tornando-o inapto para aquella funcção, - aliás importantissima para a estabilidade das nações e para o - desenvolvimento da riqueza publica. - - Com effeito, senhores; que seriam os preciosos filões d’oiro - da California, os jazigos, não menos preciosos, da hulha; que - seriam esses uberrimos territorios da America, se não fosse o - homem, para com o seu braço e a sua intelligencia arrancar da - Terra tanta riqueza e tanta maravilha? - - O que seria da Agricultura? O que seria do Commercio e da - Industria? - - Senhores!—Abrem-se, presentemente, á actividade do homem, - novos campos, novos e dilatados horisontes n’essas, até hoje, - mysteriosas e legendarias regiões africanas. O Brazil, a Europa - do futuro, extende a sua acção civilizadora por essas enormes - provincias, até hoje, despovoadas e desertas. - - Braços, muitos braços: homens, muitos homens—eis o - _desideratum_ para este importantissimo problema do futuro. - - Verdadeiramente benemerito, pois, se torna da Patria, da - Civilização e da Humanidade todo aquelle que, directa ou - indirectamente, contribuir para valer áquella necessidade, - aggravada, ainda, com o enorme desfalque, que as estatisticas - accusam. - - Como homens do seculo XIX, que possuem a completa - intuição dos seus deveres sociaes, temos, até hoje, prestado - bom serviço a tão sagrada causa[20] e aos vossos sentimentos - humanitarios e illustração recorro agora, pedindo attenção para - as propostas que, sobre tão momentoso assumpto, vou ter a honra - de apresentar[21]. - - 1.ª - - Proponho a fundação d’um hospicio para expostos, que ponha - côbro aos frequentes actos de barbaridade, que por ahi - diariamente se commettem, com a exposição de creanças nos - portaes e nas muralhas. - - 2.ª - - Fica a Camara auctorisada a contractar provisoriamente, - na vizinha villa de Coura, seis robustas camponezas, para - exercerem as funcções de amas. - - 3.ª - - Como actual fiscal do pelouro dos expostos, sou auctorisado a - fiscalizar, os trabalhos das ditas amas e a verificar se, fiel - e rigorosamente, são aptas, para todo o serviço. - - 4.ª - - É expressamente prohibida, para manutenção da Moral no interior - do mesmo Hospicio, a entrada a qualquer pessoa do sexo - masculino, com excepção do vereador do pelouro—que sou eu—e - isso, para o exercicio das funcções mencionadas no precedente - artigo. - - 5.ª - - Fica expressamente determinado, na acta d’esta sessão, que - nunca poderão exercer as attribuições de fiscal do Hospicio, - os ex.ᵐᵒˢ srs. Abilio, Vieira e José Seixas, attendendo, - simplesmente, a que para tal cargo se exige uma actividade - inconcussa, zelo inexcedivel, o que esses Cavalheiros não - poderão offerecer, porque não são livres, como eu, que estou - solteiro. - - 6.ª - - Como consequencia do artigo 4.º, não pode haver Capellão no - Hospicio, que pode ser substituido por irmãs de Caridade, - para os exercicios da religião. Para a sua competencia - n’esse mestér, consultará a Camara o muito digno Capellão do - Hospital, o sr. Padre Melim, varão de excelsas virtudes e - preclaro entendimento. - - 7.ª - - Será limitado o numero de expostos, que o Hospicio possa - recolher; mas ao Vereador do pelouro—que sou eu—é concedida - a faculdade de admittir as que faça, encontrar pelos guardas - nocturnos, em perigoso estado de saude. - - 8.ª - - Como consequencia ainda do artigo 4.º, não poderá haver medico - no Hospicio e, para tratamento das creanças e das doenças, ou - quaesquer, accidentes, a que podem estar sujeitas as amas, - no exercicio, das suas funcções activas, será contractada a - Senhora Dona Maria do Hospital. - - 9.ª - - É auctorisado o Fiscal do Hospicio—que sou eu—a, para rigorosa - e permanente fiscalisação, poder passar as noites, quando o - entender necessario, com as creanças e, com as amas. - - 10.ª - - Se no fim de seis, oito ou, nove mezes, qualquer das amas - apresentar symptomas de doença grave, dilatações, de tecidos, - etc., cessará o contracto provisorio e o Fiscal—que sou - eu—arranjará, logo, outra que a substitua. - - 11.ª - - Em urgente caso de perigo, só o Sr. Dr. Pacheco pode ter - entrada no Hospicio, attendendo a que é impotente, a - maledicencia, quando d’elle se refere; e a que bem publica - e notoria é a sua honestidade, como por ahi firmemente o - attestam os seus _dois creados_, e todas as pessoas com quem - intimamente vive, que são unanimes em apontar S. Ex.ª, como um - real modelo de virtude. - - 12.ª - - É auctorisado o Fiscal—que sou eu—a contractar, para o serviço - interno, tres raparigas das suas relações e de que já conheça, - praticamente, as aptidões e trabalhos. - - 13.ª - - Fica revogada toda a legislação em contrario. - - 14.ª - - PELOURO DE HYGIENE PUBLICA—SECÇÃO DO COMMERCIO E INDUSTRIA - - É permittida a matricula a diversas pessoas de determinado - sexo, para a industria do methodico uso e regular acção de - determinadas funcções da vida vegetativa. - - 15.ª - - É expressamente prohibida a entrada na villa, a individuos - extranhos e de sexo differente, que venham prejudicar, com - illegal concorrencia e depreciação de valores, a industria da - terra. Esta prohibição será extensiva até, ao proprio Julio - Cesar, (apesar da protecção da _gente graduada_.) se elle - resuscitar. - - 16.ª - - É nomeada uma commissão, composta do fiscal do Hospicio—que - sou eu—do sr. J. Narciso e do sr. Joaquim, para organisar - uma tabella de preços d’aquelles trabalhos, nas diversas - variedades, que tal Industria hoje possue. - - 17.ª - - Fica expressamente determinado, que não poderão fazer parte - d’esta Commissão os ex.ᵐᵒˢ srs. dr. João Moraes, Alpoim, - J. Soares e Albino, porque por vezes, publicamente, teem - manifestado uma tendencia para elevar, demasiadamente, os - valores dos productos de tal Industria, o que é nocivo para a - povoação. - - 18.ª - - É nomeado, para Inspector sanitario d’esta secção, o sr. - Augusto Sampaio. - - 19.ª E ULTIMA - - A presidencia d’esta nova instituição municipal será - offerecida, como manifestação de consideração e respeito, ao - Senhor Marquez de Vallada.[22] - -Escusado será dizer que todas as propostas foram approvadas e por -unanimidade. - - -Albininho... - -Pertencia-te agora a vez... Davas para vinte folhas; mas salvas-te d’esta. - -Ha poucos mezes, ainda, corriam as lagrimas n’essas barbas brancas... - -Cahiu-me uma nas costas da mão e, em casa, fiz-lhe a analyse chimica. - -Deu-me: agua, albumina, chloreto de sodio; encontrei moleculas d’um -outro elemento, que é a base da affinidade social:—o affecto da familia. -Percebi, tambem, vestigios d’uma grande dôr. - -Respeito-a... - -Mas, quando os atomos d’essa lagrima se desaggregarem, por evaporação, e -continuarem na Natureza o giro constante e permanente da Materia, então, -se me appareces... entras na berlinda. - -Não te entristeças, que este livro é para rir e, quem o escreve, é um dos -teus amigos. - - Vira a folha e... - - vamos a outros. - - - - -VI - -Coisas de Egreja - - -Beatas—Procissões e Romarias - -Terminára a faina do dia. - -O fogo que elevára a temperatura nos grandes caldeirões do Olympo, onde -se manipulava a Humanidade, consumia, apenas, carvões isolados que, pouco -a pouco, se transformavam em cinzas. - -Os cyclopes, destacados por Vulcano para essa secção da grandiosa fabrica -da Natureza, que o proprio Jupiter dirigia, raspavam, apressadamente, nos -grandes extendedores, a massa, que ficara collada, e deitavam-n’a, como -inutil, nos baldes do lixo e da immundicie. - -Jupiter encastellava o dinheiro das ferias; fechava a escrevaninha; -trocava a japona da fabrica pelo manto de arminho, e dispunha-se a -sahir, tocando de passagem a sineta, para se fechar o estabelecimento. - -Mas n’isto, principiou a elevar-se do caldeirão que estava proximo, -cheiro activo e nauseabundo, (como o do esturro em guisado francez) que, -espalhando-se na atmosphera, seriamente incommodou a regia pituitaria. - -Aproximou-se Jupiter e olhou. - -No fundo do pote, já com a côr do carbonisado, estrugia o resto da massa -que ficára, da que n’esse dia se tinha dosado para a preparação dos -hypocritas. Pouco valor aquillo tinha, porque era da mistella mais vulgar -e mais facil de preparar; mas Jupiter não perdia ensejo de incutir nos -seus operarios os deveres d’uma administração rigorosa e economica. - -Ordenou, pois, a dois cyclopes que trouxessem do barril do lixo algumas -aparas, recommendando que preferissem as mal-cheirosas e de côr escura, -que pertenciam á massa dos invejosos e dos usurarios. - -Avivaram o fogo; deitaram os novos elementos no caldeirão; remexeram com -o cabo d’uma vassoira, porque a ferramenta já estava guardada e limpa; e, -depois de cinco minutos de ebullição, Jupiter provou a mixordia. Estava -sobre o insipido. - -Deitou-lhe umas pitaditas de sal e de pimenta, com que preparava os -maldizentes. - -Provou de novo. Estava picante de mais. - -Temperou, então, com o betume dos ociosos; e deixou ferver tudo, durante -outros cinco minutos. - -Os cyclopes retiraram o caldeirão. Trouxeram os moldes; vazaram n’elles a -massa, que se conservava no estado pastoso e esperaram. - -Pouco tempo depois, Jupiter aproximou-se; arrotou, e dos moldes sahiram -duas coisas, duas formas humanas, com movimento, côr e vida. - -Eram duas mulheres. - -Ora Jupiter não se podia demorar, porque combinára, para aquella hora, -uma entrevista com Europa, e os cyclopes principiavam a murmurar, porque -dera a hora e tinham as familias á espera. - -Assim, mandou Jupiter abrir o postigo do Olympo, empurrou até lá as -mulheres e atirou com ellas, cá para baixo, com um valente pontapé. - -Por esse ether fóra, assustaram-se as creaturas; agarraram-se uma -á outra afflictivamente; principiaram a rezar a _Magnificat_, a -_Ladainha_, e assim foram cahir sobre o telhado d’uma egreja, aterrando o -escorropicha-galhetas, que se deliciava, occultamente, com os restos do -precioso sangue de Christo. - -Aqui tem V. Ex.ª como chegaram as beatas ao globo terraqueo, e ahi fica a -formula da sua composição molecular: aparas de hypocritas, de usurarios, -de invejosos, de maldizentes e de ociosos. - -Representando esses elementos pelos respectivos symbolos, poderemos -estabelecer: - - H⁵ + M⁴ + I³ + O² + U = Beatas - - * * * * * - -Aquellas moleculas da Hypocrisia e da Ociosidade deram-lhes facil e -rapida admissão na sociedade. - -Casaram; reproduziram-se; e, em pouco tempo, estava a raça -extraordinariamente desenvolvida e disseminada por toda a parte, desde a -cidade populosa e civilizada, até á aldeia humilde e rude. - -Cá as temos e cá as aturamos... Submettendo-as agora, para as descrever, -a rigorosa analyse, encontrei-lhes todas as propriedades dos primitivos -elementos. - -Vão á missa das sete—_uma missinha que faz muito arranjo, porque dá tempo -de arranjar a casa e de se mandar, á praça, cedo_. - -Rezam; inspeccionam tudo o que se faz e tudo o que entra na egreja; -communicam e transmittem as novidades do soalheiro; e, entre o cochichar -do _Padre Nosso_, segue uma enfiada de casos novos e de commentarios: - -Padre Nosso, que estaes no céo (_e o vestido novo que hontem levou a X -ao jardim! É da Torrona. Ficou a dever. O Blanco é que as canta..._) -santificado seja o Vosso Nome (_acabou o namoro da filha do Y, porque a -Mãe bateu-lhe. Diz que o rapaz gosta muito de mulherinhas_) venha a nós -o vosso reino e seja feita (_sahiu a creada da casa do W. Oh menina! -Sempre ella conta coisas... Diz que tem a casa como um ôvo! Comem todos -os dias prato de meio!_) a vossa vontade, assim na terra, como no ceu -(_Lá entrou o Velloso... que raio de homem! Tem mais de vinte namoros. -É como o Prado! Elle é elegante, isso é! Já lhe reparaste nas pernas?_) -o Pão nosso de cada dia nos dae, Senhor, perdoae-nos (_oh... Faltava -aquelle... o Leopoldo. Tambem já podia casar... Para o que anda por ahi a -fazer..._) as nossas dividas, assim na terra, como (_agora é o dos pombos -correios... Tambem é fresco, com aquella cara de santo..._) - -Sanctus, Sanctus, Sanctus, Dominus Deus... - -Como V. Ex.ª póde suppôr, a _fervorosa_ oração foi cortada pelo badalo do -sachrista, que tocou a Santos. Se elle não interrompe, o que teriamos nós -de ouvir... - - * * * * * - -Este beaterio é muito casto e excessivamente pudibundo. - -Na egreja de S. Estevão ha uma Virgem do Leite, que, se não é, realmente, -uma preciosidade artistica, é, com certeza, a melhor tela que existe em -Valença, não falando—já se vê—n’aquellas caras de malagueta e colorau, -todas com a mesma fórma e feitio, que o sr. Julião exporta, mensalmente, -para as salas nobres dos hospitaes minhotos, a soberano por caveira, com -dez por cento de abatimento, por duzia. - -Pois o beaterio escandalizou-se com a nudez dos peitos da imagem, isto é, -repugnou-lhe que se visse o que na mulher representa a sua missão mais -nobre, mais elevada e mais santa—a maternidade. E a instancias d’esses -respeitaveis camafeus, muito castos e muito pudibundos, mas que nunca -faltam á Rosinha Ferreira, quando ella representa; e mandam logo de manhã -comprar bilhete, e dão pançadinhas com riso, e coram (não de pudôr) e se -apimentam, e se agitam, nervosas, na cadeira, quando Lili conta as suas -coisas—a instancias e reclamações d’essa gente, repito, uma auctoridade -ecclesiastica, que eu agora respeito, porque já não está entre vivos, -mandou, por um caiador de Arão, borrar os peitos da imagem!!! - -Isto, minhas senhoras e senhores, em pleno seculo XIX, n’uma terra que -tem dois jornaes, correspondentes varios de ditos, representantes de Sua -Magestade El-Rei, Vigarios geraes e não geraes, Conegos Presidentes, e -não Presidentes, Capellães, etc., etc.! E entre toda essa gente, que sabe -ler e escrever, segundo se diz, não houve um unico homem que corresse a -pontapés o cafre de Arão, reproduzindo-lhe com a biqueira da bota, ahi -pelas alturas do coccyx, os borrões com que profanou a imagem! - - * * * * * - -O beaterio communga quinzenalmente e confessa-se duas vezes por semana, a -padres velhos, surdos e rançosos. - -Padres novos são o diabo! - -Até os Patriarchas fazem das suas... Ainda não ha muito tempo, que os -apparelhos de Morse, de Bandot, de Hugues e os telephones da Hespanha e -França, não designavam outras palavras, alem de: _as botas?_ - -José Luciano perguntava a Vega d’Armijo: _as botas?_ Vega d’Armijo -perguntava a Carnot: _as botas?_ Carnot reperguntava ao Luciano: _as -botas?_ - -Em Pariz, Madrid e Lisboa não se falava n’outra coisa. - -Averiguado o caso, fôra o Patriarcha das Gandricas que, em Salamanca, se -enamorára perdidamente dos _ojos_ negros d’uma andaluza. Gargalinho, seu -companheiro, arrastava a aza á sopeira. - -A andaluza dava, com certo recato, nocturnas entrevistas. Uma vez, quando -o Patriarcha se inebriava com os effluvios do amor... platonico, surgiu o -protector da _niña_, de _cuchilla_ toledana em punho. - -O Patriarcha saltou, em meias, pela janella. Gargalinho sumiu-se debaixo -da cama; quando de lá o tiraram, tanto puxaram pelo pescoço, que ficou -como o do P. Alexandre. - -Do _Alcalde_ reclamou o Patriarcha as botas; o _Alcalde_ officiou ao -Consul; o Consul officiou ao Ministro. Não appareceram as botas e o -Patriarcha andou na Exposição, subiu á Eiffel, visitou o Carnot, com -o seu inseparavel capote de forro vermelho e golla de pelle, chapéo -braguez, chinelo de liga, calça dobrada em baixo, deixando ver os atilhos -das ceroilas, symetricamente apartados e dispostos em cuidadosa laçada. -Nos _boulevards_, quando elles passavam, diziam as mundanas: - - C’est um Hottentot et son petit:... mais quel cou, mon Dieu![23] - - * * * * * - -O Soares, no principio ainda agradou, porque dizia a sua missinha de -Santo Antonio a muito boa hora e era pontual; mas, depois, principiou a -desleixar-se e a vir para a egreja, tarde e a más horas. - -Foi o Albino, que andava sempre com elle, quem o fez peco. Principiou -a dizer-lhe que estava _n’uma boa posição official_, que se devia -apresentar sempre _muito limpo e lavado_, porque o conego velho nem -_ceroilas usava_, apresentando-se _n’um desarranjo completo_, com a -barba por fazer, amarello, _completamente deitado abaixo_, a ponto de -a gente recear, ás vezes, _que fosse de bruços_; e que era bom, aos -sabbados, _preparar-se e lavar-se de vespera_; levantar-se depois cedo, -_lavar-se novamente muito lavado_, tomar a sua _chavenasinha de café_ com -a _sua colhér de prata_; e nunca _chamar a attenção_ das más linguas, -que estão sempre _a postos_, porque a missa sempre dava os _seus sete -e vinte_, que já chegavam para uma _posição graduada_; mais isto, mais -aquillo, com outros _periúdos_,—de fórma que o rapaz gastava duas horas a -lavar-se, a vestir-se, e a gente que esperasse, _só com um café bebido_! - -O resultado foi perder a missa de S. Antonio, porque já não tinha -freguezia. - -O Magalhães será muito boa pessoa, mas... não se dá com o sr. Joaquim. - -Ora o sr. Joaquim é um homem muito temente a Deus. No inverno, quando ha -mais frio e fome, anda por ahi, de porta em porta, com a subscripção... -da Semana Santa, para que a pobreza possa curtir... na egreja, as suas -maguas e dôres. - -Alem d’isso, não se poupa a despezas, quando é Juiz da Senhora da Saude, -da Urgeira, e vê probabilidades de (tudo pela santa religião) fazer uma -pirraça ao diabo... do João Cabral! - -Um homem assim, é um philanthropo e deve andar de bem com Deus. Quem com -elle não se dá, não se dá com Deus; ergo: Padre Magalhães não serve. - -Depois, prega uns sermões que ninguem entende. Parece que não fala -portuguez! - -Nem, sequer, faz chorar a gente na Semana Santa! - -Resumindo: não serve. - - * * * * * - -Eu falei na Semana Santa... - -É o carnaval do beaterio. N’aquelles ultimos sete dias as beatas dão ar -ás mantilhas, e largas á bisbilhotice, á curiosidade e... ao flato. - -Quinta e sexta feira santas são em Valença, para a egreja de S. Estevão, -o mesmo que domingo gordo e terça feira de entrudo são para a Assemblea. - -Ha musica, serviço variado de pastilhas de chocolate, rebuçados e -amendoas; confidencias, intrigas, sorrisos, trocas de cartas perfumadas, -ciumes, arrufos, apertos de mão e—sobretudo—esta _cavaqueira_ intima, -expansiva, franca e alegre d’uma verdadeira reunião de familias. - -A gente está alli, perfeitamente bem, e á sua vontade. - -Com as temperaturas da egreja e das salas da Assemblea eleva-se, -consideravelmente, o mercurio no thermometro dos affectos, em que o zero -é—o arrufo, e os 100°—o casamento. - -O Christo, já se vê, como dono da casa, lá está no alto da Cruz, -recebendo sempre, com reconhecimento cordial, tão fervorosas e _animadas_ -manifestações de amor e respeito... - -As beatas arranjam, com a Semana Santa, que contar para um mez. - -Quando os escorropicha-galhetas abrem, de manhã, as portas do templo, já -ellas entram apressadas e remelosas, escolhendo o melhor logar «_onde o -bruto do povo e os pobres não incommodem, onde se esteja á vontade e se -veja tudo_». Levam as suas pastilhas de chocolate para a debilidade, a -caixa do rapé, o banquinho de tapete, agasalho para os pés e lenço para -as lagrimas, que são da praxe, quando o Padre mostra o Santo Sudario. - -Installadas assim, com todas as commodidades (tudo pelo amor de Christo, -que tanto soffreu na Cruz) no seu ponto de devoção e de observação, gozam -á _tripa-forra_ não perdendo um olhar, um sorriso, um vestido novo, uma -_tournure_ mais arrebitada... - -Á noite vão para casa, consideravelmente alliviadas da consciencia, mas -pouco satisfeitas com o Magalhães, que falou em problemas sociaes, em -pauperismo, em Philosophia da Historia, em altruismo, em protoplasma e -outras coisas, que nem o sr. Joaquim entendeu, apesar de, por vezes, -(certamente por delícadeza) abaixar a cabeça, como quem diz: comprehendo, -approvo e... estou satisfeito. - -O Palmeirão, quando conta imbecilmente pela decima vigesima vez, a -tragedia do Calvario—tragedia sublime e benefica para as agruras da -nossa existencia, se todos a soubessemos comprehender, mas que por ahi -anda como o _libretto_ estafado, nas epochas lyricas da egreja, para -especulação, para immoralidades e para descrenças—esse percebe-se e -agrada muito mais! - - * * * * * - -O beaterio tem uns Santos da sua particular estima. - -Os Santos, a final, são como a gente, com quem se lida. Ha physionomias -que logo inspiram sympathia e ha outras que, sem a gente saber como, nem -porque, provocam embirração. - -Isto é razoavel e intuitivo. Diga-me, por exemplo, V. Ex.ª quem ha-de -gostar do S. Christovão, com aquella grande cara arrenegada, parecendo -dizer ás gentes que, se lhe chegam a mostarda ao nariz, corre tudo -com a vara, pela egreja fóra, como o Pau-real na feira de S. Bento da -Porta-aberta! - -Assim, quando rareiam as festas e as bolsas andam exhaustas, com as -frequentes subscripções da Assemblea, não havendo possibilidade de se -organizar a Semana Santa, então, promove o beaterio umas novenas á -Senhora de tal. - -«_São umas festasinhas muito razoaveis, porque a musica é mais alegre, -são de dia e sempre ha probabilidades de, terminadas as ladainhas e as -encommendações, se dar, ainda, um passeio até ao Jardim. Emfim, n’uma -terra, que tem poucas distracções e onde a Rosinha se não póde sustentar, -tudo se aproveita._» - - * * * * * - -O caso da Santa alarmou vivamente os animos d’estas esgrouviadas -bisbilhoteiras. - -«_Parece impossivel que se não abrisse a Terra, que não viesse um raio, -um diabo, que castigasse aquelle pedreiro-livre, aquelle atheu do -administrador!_» - -O malandro que trazia a imagem e a metteu na taberna da Esplanada, -expondo-a ás chufas e obscenidades avinhadas dos comparsas, esperando -que o contra-regra desse o signal de subir o panno, para essa asquerosa -comedia, da nossa asquerosissima Politica,—o malandro que, com um sebento -balandrau, de imagem e prato na mão, por ahi chatina semanalmente, _a -meias_, com as crenças do povo, e não hesita em transpôr os humbraes do -bordel, _pedindo para a bemdita e milagrosa Senhora de tal_, interessando -assim, a religião de Christo no producto que a barregan obtem da venda, -em publico, do corpo e da honra—esse icha-corvos torpe e vil, d’uma -ganancia mais vil e mais torpe, do que os trinta dinheiros de Judas, que -por ahi esfarrapa as poucas crenças, que ainda existem no povo—esse: - -_«coitadinho! Mettia dó vêl-o. Estava amarello, aterrado. Foi preciso -leval-o, quasi em braços, e dar-lhe café quente, porque lhe podia dar -alguma coisa»!_ - -Ah, baratas de sacristia! Como eu desejava possuir o açoite, com que -Christo expulsou os phariseus e de que côr eu vos poria as nadegas... - - * * * * * - -As procissões... - -Eu não conheço coisa mais estupida, barbara e deshumana. - -Felizmente, sou, n’esta opinião, apoiado pelo espirito do seculo que, -pouco a pouco, vae terminando com ellas. - -Qual é o fim das procissões? - -Qual a sua necessidade? - -São para avivar as crenças? - -Que ha, por esse mundo de Christo, mais ridiculo e caricato do que -Santas Cocas, bois bentos, S. Jorges de carne ou de madeira, isto é, com -tarracha, ou sem ella, prophetas com barbas de crina, pendões em varas -de pinheiro por descascar, gaiteiros aos pinotes, matulões de cara -aparvalhada e cabello empastado com gomma de pevides de marmelo? - -Que ha, por ahi, de mais barbaro e deshumano, senhoras de Valença, do -que essa perigosissima exposição a que, por vaidade, condemnaes os -membros ainda tenros das creanças, carregadas com adereços de pechisbeque -e diamantes de vintem, peito e braços nus, tiritando e caminhando -custosamente, com os pesitos entalados nos escarpes do _uniforme_, e -atiradas, por essas ruas, á voracidade das bronchites e pneumonias que o -frio origina, ou das febres e meningites que o calor provoca? - -Dizei-me: a Christo, se é a Christo que desejaes honrar, não seria -mais agradavel que essas duas libras, com que entraes em ajuste d’uma -pneumonia para vossos filhos, lhes fossem entregues para, com ellas, -na bemdita missão da Caridade, penetrarem n’uma d’essas barracas da -Parada-velha e as deporem nas mãos tremulas e descarnadas do pobre velho -que tem fome e frio aos 80 annos, illuminando-lhe assim com a luz do céo, -com a luz de Deus, aquelle tenebroso occaso de soffrimento e dôr? - -E quando a creança voltasse a casa, risonha e feliz, como Deus a sabe -dispôr, ao fazer d’ella a mensageira do Bem, não seriam para vós -mais agradaveis as lagrimas da gratidão do pobre entrevado que, como -perolas, deslizassem ainda nas mãos pequeninas, do que esse immundo -cartucho de papel mata-morrão com doces de farinha de milho e assucar -mascavado—suprema delicia dos matulões da Urgeira—com que o boçal e -estupido Juiz da festa lhe paga o papel de comparsa? - -Senhoras de Valença, que tendes filhos! Pensae n’isto... - - * * * * * - -A procissão, que os Paes de familia mais respeitam, é a de -_Corpus-Christi_. - -Quando se approxima, é inevitavel a contribuição de chapéos novos para -as senhoras. É uma coisa feia, na verdade, o apparecer-se n’esse dia, -consagrado a Deus, com chapéos de inverno... - -Pois se o Blanco os tem tanto em conta... Já se não fala em vestidos, -porque emfim, dá-se uma _volta_ ao do anno passado e ainda póde escapar; -mas o chapéo é da praxe. - -As janellas guarnecem-se, n’esse dia, de caras bonitas. Nas ruas, vae e -vem, chibante e taful, a juventude da terra; os aspirantes aduaneiros, -com Velloso á frente, pimpam o oiro dos seus uniformes; barrigudos -camaristas passam, atados á banda bicolor; ha muita gente do povo; -colchas espaventosas, flammulas, etc., etc., e, no fim de tudo, a tropa e -as descargas. - -N’este anno, então, essa ultima parte esteve magestosa. Digo a verdade: -manobras assim, tão complicadas e com tanta tactica, só as tenho visto -em França, no campo de Chalons, e em Portugal... no largo de S. João. -Consta-me, até, que para o anno cá temos officiaes dos exercitos -europeus, em commissão de estudo. - -Pelo menos, assim m’o asseveram Moltke, Carnot, o Czar de todas as -Russias, o Schah da Persia e o Bey de Tunis. Se o affirmam por lisonja, -sabendo que sou de Valença, isso é com elles. - -Vae pelo preço... - - * * * * * - -Agora as romarias. - -Diversos pensadores e philosophos consideram as romarias, como -indispensaveis e necessarias, attendendo a que o povo que, durante seis -dias, labuta e trabalha, necessita de descanço e distracção ao setimo, -para que possa retemperar as forças. - -Concordo com isso, mas não colhe o argumento na defeza d’ellas, como -elemento vivificador de crenças. - -Quem é que vae á Urgeira, a Ganfey, ao Faro, a Segadães, que não seja por -mero divertimento, por distracção, pela novidade de um caso ruidoso e -differente na pacata vida da provincia? - -Quem annuncia em casa á familia a visita á Senhora da Cabeça, ou a S. -Campio, que isso não signifique um dia de _borga_ e de folgança? - -Vejamos as coisas como são, limpando o prisma da observação e da critica, -das teias de aranha, com que a rotina, o uso e a tradição lhe mancham a -transparencia. - -O que é a «Senhora da Cabeça»? - -Um concurso legal de caceteiros. - -Perguntem ao meu amigo Joaquim Queiroz, se elle de lá veiu com mais -crenças, apesar dos esforços que os salta-pocinhas de Lara e de Lapella -fizeram, para lh’as introduzir na massa cerebral. - -Perguntem a esse amigo, imprudentemente envolvido por generosa -dedicação e por nobre arrebatamento, na batalha de _Montes Claros_, se -essas mulheres, que uivavam como hyenas e clamavam em furia horrenda, -contra tres homens, não eram as mesmas que se espojavam pelo adro da -capella, e se arrastavam de joelhos nas _cinco voltas_ da promessa, com -que, sentindo estoirar o bandulho nos arrancos de brutal indigestão, -recorreram á fama milagreira da Santa... - -Perguntem-lhe se esses matulões, que á porta do Chico Mello o cercavam, -embrutecidos pelo vinho, apertando o circulo dos varapaus ferrados, -com gritos de chacal e esgares sensuaes de anthropophagos, não eram os -mesmos que, horas antes, carregavam, como bestas, com o andor da Santa e -abalavam o solo com o poisar da pata na marcha truanesca, pelos atalhos -do logarejo. - -O que é _S. Campio_? - -A prostituição ao ar livre, sob o manto estrellado da noite, como diria -qualquer poeta; e a charlatanice, fazendo suar o Santo e... os milheiraes. - - * * * * * - -A pequena distancia d’esta villa ha um burgo chamado—Urgeira. É feudo do -sr. Joaquim. Descendem em linha recta, os seus habitantes, d’aquelles -antigos cultivadores de cebolas do Egypto. - -Formam um elemento importante na Politica do nosso Hospital e prestam -assaz reconhecido serviço, nas procissões da Semana Santa. Chegam em -mesnadas, marcham bem, formam, com os seus balandraus, duas alas, já -muito razoaveis e, além d’isso, são faceis de contentar: quaesquer tres -patacos de borôa e zurrapa lhes enchem as panças, depois da procissão, na -sacristia da Misericordia, provocando-lhes sonoro arrôto. - -No verão, rara é a noite de sabbado, em que estes pacovios não queimam -algumas duzias de libras, com foguetes de lagrimas e bombas de dynamite. - -Ora, no burgo ha pobreza e ha miseria; ha velhos, que gemem na cama com o -frio do inverno e ha creanças esfarrapadas, que chafurdam no lamaçal dos -becos; ha aleijados, que se arrastam até á villa mendigando o _chabo_. - -Com esses 500, ou 600 mil réis, que annualmente se gastam em festas, -podia a Junta de Parochia fundar um Hospicio para os velhos, e -estabelecer uma sopa economica para os famintos. - -Mas a pandega? O grande brodio da vespera da festa? A _figura_ que se faz -na procissão com a vara de Juiz? - - * * * * * - -Necessita o povo de distracções. - -Verdade é, mas dêem-lh’as que o civilizem e não que o embruteçam. -Festas, Romarias e Procissões são ainda vestigios d’aquelles primitivos -tempos, em que era necessario inveterar pelo mysticismo, pelo apparato e -sumptuosidade das manifestações, o espirito da crença. - -Mas hoje, em que para o plebeu entrar no templo até á grade, onde a -aristocracia aninha, se lhe exige roupa lavada e calçado decente; hoje, -em que elle vae á romaria para jogar o pau, beber vinho e entregar -fielmente á _Batota_ a féria da semana—acabem com tudo isso e deixem -ficar a Religião nos templos, e só nos templos, d’onde nunca devera ter -sahido. - -E, para divertir o povo, substituam, então, esses grotescos cortejos -de Santos, entre espelhos de pataco e plumas de gallo, por verdadeiras -procissões civicas, onde figurem os heroes da nossa Patria, que os temos -tantos e tão dignos d’essa apotheose. - -Em vez de pulpitos ao ar livre, levantem-se tablados, onde se reproduzam -os factos mais gloriosos das gloriosissimas epopéas que, a um paiz de tão -acanhadas dimensões, deram a celebridade das grandes nacionalidades. - -Organizem-se-lhe jogos, luctas, em que se adestre no exercicio das armas -e possa desenvolver os musculos e a energia, de que tanto necessita para -a constante lucta da existencia. - -Conte-se e mostre-se ao povo o que fomos, e assim, distrahindo-o, lhe -incutiremos os germens d’esse sentimento, que é o principal impulsor dos -grandes feitos e das grandes civilizações—o amor da patria.[24] - -Basta de coisas de egreja. E agora,—beaterio da minha terra!—um Padre -Nosso e uma Ave-Maria por este Zinão, que já está ás portas do inferno... -mas esperando que entreis, para atrancar solidamente a porta e assim vos -acabar com a raça! - - _Pater Noster..._ - - - - -VII - -Litteraturas - -(DUAS PALAVRAS) - - -Claro é que, tendo subordinado o programma d’este livro ao titulo de -_Estudos sobre a actual sociedade valenciana_, me não posso esquivar -a fazer incidir, por momentos, na minha lente de observação, os raios -luminosos que os nossos _homens de lettras_, semanalmente, fazem -convergir no fóco das _lamparinas_ cá da terra. - -N’esta epocha, em que legalmente está em uso, reconhecida e sanccionada, -essa nojenta e nociva convenção litteraria do _elogio-mutuo_, que tanto -talento atrophia, que tanta intelligencia embriaga com os aromas d’um -incenso macanjo, parvoiçada é—reconheço—o meu proposito, que significa -perigo eminente nas cannelas, irremediavelmente condemnadas á dentuça -dos _critiqueiros_. - -Limito a area da observação com as muralhas da Praça e d’ella exceptuo, -ainda, algumas individualidades que, demasiado, me ferem a retina com -o seu talento, e que a insignificante distancia focal da lente me não -permitte abranger. - - * * * * * - -N’esta nossa terra, a penna serve, unicamente, para estadulho de -deslombar politicos, ou nas protervias e diatribes, originadas em -questiunculas ridiculas e comicas, como as da _Prisão da Santa_, ou nas -pacholices rimadas, com que se visa á critica galhofeira. - -A penna photographa a Idéa. A Idéa póde evolar-se, librar-se sobre todas -as manifestações da actividade humana, consoante as aspirações que a -orientam e as intelligencias que a esclarecem. Póde fixar-se na Arte, -na Sociedade, no Homem, etc. Entre nós, embirrou com a Politica e não a -larga. - -Por isso, chafurda na insulsez parrana, na graçola afadistada, na -metaphora besuntona. - -Ao _brazileiro barato_, ao _fidalgo sem pergaminhos_ e a outros -escarros-piadas, que por ahi fluctuam á tona da enxurrada, corresponde -esse constante martellar de bordões estafados, do _gaiteiro_, do _João -Bernardo_, com que ainda hoje a fedelhada sahe á estacada, empunhando -a babuzeira e acenando a quem passa com outro Ideal e com outras armas: -não o insulto soez á familia, mas o sorriso caustico do epigramma á -individualidade social. - -A Imaginação e a Phantasia vasam-se, por ahi, nos moldes d’uma linguagem -mascavada, em que pullula o neologismo pretencioso, d’onde resalta a -phrase de sensação dos ultimos figurinos, que o francez atira, por cima -dos Pyreneus, como uma bota cambada e velha, e que o rabiscador, prestes, -enfia nos pesunhos para, coxeante e rufião, seguir em truanesca marcha, -campos fóra da critica e da... tolice. - -Esfuzia, frequentemente, o gallicismo inutil nas espalmadas linhas; é -constante a referencia ôca á lombada das recentes publicações francezas; -e, n’uma epocha em que o mercieiro fala na _Sapho_, de Daudet, ri com as -frescuras de Catulle, estremece com as _Blasphemias_ de Richepin, salta -com as pinturas realistas de Zola, entretem a familia com os Goncourt -e auxilia a chylificação com Maupassant ou Coppee, a arlequinada do -rabisca, não só denuncia ignorancia completa da nossa litteratura e dos -recursos da nossa lingua, mas, ainda,—com a impropriedade dos termos, -apanhados a dente e atacados a soquete sublinhado nos periodos—uma -deploravel vaidade e tristissima inconsciencia. - -Não ha orientação litteraria, nem eschola definida, nem percepção -nitida da idea, nem consciencia na phrase, nem centelha de imaginação -que desperte a vibratilidade da nossa alma. Ha, d’um lado, a atrophia -voluntaria e criminosa, a que se condemnam faculdades intellectuaes -de superior quilate, e d’outro, a ambição ridicula e chatissima de se -mostrar á familia—ao papá e á mana, ao titi e á prima, ao namoro e á -sopeira—o nome em lettra redonda, claro, ou nas malhas transparentes d’um -pseudonymo, que o sorrisinho immodesto descobre ao primeiro e desejado -ensejo. - - * * * * * - -Poderá alguem suppôr com estas minhas reflexões, tão discordantes na -fórma, das hosannas, que por ahi se entoam, impostas pela nojenta -convenção do _elogio mutuo_, que nego merecimentos, ou repudio aptidões -intellectuaes? - -Tal não succede. - -De quando em quando, aqui e acolá, mesmo n’esses a quem a vaidade e -o pedantismo desnorteiam, descubro e reconheço os vestigios d’uma -expontaneidade de phrase, evidente; d’um colorido de expressão, notavel; -d’uma receptividade emocional, definida; d’uma accommodação visual para -a analyse, apreciavel;—propriedades que, vigorizadas pelo trabalho, -orientadas pelo estudo persistente nos bons modelos e impulsionadas para -um Ideal, podiam educar-lhes o espirito e eleval-os, porventura, á -consideração que ambicionam e que criminosamente lhes attribuem. - -O que eu desconheço é:—o trabalho; o que eu censuro é:—a inercia; o que -eu repudio e calco aos pés, é essa perfida e nojentissima convenção, -que faz do _cinco reis de gente_ um Adamastor, do balbuciante bebé um -polemista, do Rosalino Candido, um Ramalho Ortigão, ou, como elles -diriam, de Prudhomme, um Pierre Veron, ou Albert Wolff. - -A penna exprime a Idea. A Idea parte do cerebro. O cerebro significa a -Intelligencia, a Alma, isto é, o conjuncto da sensações e sentimentos, -que na sua phenomenalidade, separam o Homem do bruto. - -A faculdade de sentir e a expressão nitida e clara, pela penna e pela -palavra, de todos os phenomenos da natureza psychica, são o que o homem -tem de mais nobre. - -Triste é, portanto que, na critica d’um facto, na discussão d’uma idea, -no desforço d’uma aggressão, eu vá encontrar aptidões intellectuaes com -elementos tão apreciaveis, na choldra da Politica, ou descendo, ainda, -tanto e tanto, que se não pejam com a pasquinada a carvão nos logares, -onde o carrejão usualmente se encosta, para... ensalitrar as paredes. - - * * * * * - -E no grupo dos que a inercia atrophia, dos que deviam libertar-se para -outras espheras mais luminosas e mais puras, porque já possuem na -Imaginação e na Phantasia a vigorosa organização do condor, vejo eu um -homem—que sabe burilar preciosamente a idea, que filigrana artisticamente -a palavra—debater-se, na triste condição de bonifrate, movimentado pelas -guitas dos especuladores, transformando o cerebro, d’onde arranca chispas -d’um verdadeiro talento, na bola ensebada e porca dos jogos malabares que -os politiqueiros por ahi exhibem, visando á esportula dos magnates. - -E como se não fosse profanação bastante, o manchar a penna nos bispotes, -em que essa megéra—a Politica—diariamente evacua, ainda ha pouco manchou -tambem os labios d’onde, palpitante, quente, phantasiosa e bella, lhe -resalta a palavra, na dentuça cariada e porca d’um salta-pocinhas -eleitoral agargalado! - -Suprema humilhação do talento! - -Pudesse eu agarrar-te pela golla do casaco e, applicando-te em certa -parte do corpo duas palmadas, fazer actuar no teu espirito, incisiva e -caustica, a affectuosa indignação, com que d’aqui te brado: - -Livra-te d’esse chiqueiro, _homem de Deus_![25] - - - - -VIII - -Quimtilinarias[26] - - -Diz algures Macaulay: - -«_É nas grandes crises politicas, nas grandes agitações populares, que se -denunciam os grandes homens e se manifestam os grandes genios._» - -Cá temos a confirmação d’esse periodo do eminente historiador inglez. - -Ruge, infrene, a colera do povo por causa do _mandado_: e no meio -d’essa espantosa effervescencia da nossa politica, ergue-se aos céos -da posteridade, dardejando raios mortiferos de oratoria epistolar, um -homem, até hoje ignorado na republica das lettras: Quim Fonseca! - -Tenho lido muita epistola e muita carta; li as epistolas de S. Paulo aos -corinthios; as de Horacio e Cicero; as de Racine e Pascal; as de M.ᵐᵉ de -Sevigné e de Girardin; as do Rosalino e Jayme José; mas, coisa tão puxada -de rhetorica, tão desembolada de logica, tão _frecheira_, de estylo—é que -ainda não pude encontrar nas litteraturas passadas e presentes, desde a -sanskrita, até á dos papuas, ou á das gentes do Molembo-Kuango! - -Sempre desconfiei que, no cerebro d’este Fonseca, vascolejava algo de -extraordinario e de superior. Quando, por ahi, aventavam deformidades -psychicas, amesquinhantes do intellecto, affirmava eu sempre: - -_Fonseca tem lume no olho! O futuro o dirá._ - -Ahi estão as suas sessenta epistolas engranzadas nas gazetas da terra, -confirmando, plenamente, os meus presentimentos. - - * * * * * - -Estudei durante muito tempo o Quim Fonseca, auscultando as minucias da -sua existencia social e as subtis ramificações da sua politica. - -Considero-o como um dos vultos mais importantes da minha terra, porque -é o fulcro _diamantino_, onde se apoia a alavanca civilizadora (?) do -Progresso. Impõe-se, portanto, á minha observação e ao meu respeito. - -Consumi annos n’esse estudo, sem poder formular uma classificação exacta -e rigorosa. - -Mas, um dia, descobri que Fonseca usava... suspensorios! - -Ora, os suspensorios teem para mim uma grande significação; considero-os -como elemento precioso e infallivel na investigação do caracter -individual—elemento mais precioso e mais infallivel, do que as -protuberancias do craneo, na theoria de Gall; os traços physionomicos na -de Lavater, ou o volume do cerebro na de Broca. Após minuciosas analyses -e confrontações, cheguei á conclusão, de que os suspensorios pódem -significar: reflexão, sobriedade, economia, previdencia, sensatez, paz do -espirito, pureza de costumes, existencia de virtudes civicas. - -Homem que usa suspensorios, sabe de cór quanto produz, livre do imposto -de rendimento, o capital de doze moedas d’oiro a tres e meio por cento; -sabe em que lua se cortam as madeiras; sabe em que epocha convém semear a -couve penca, o rábano, a nabiça e as pevides de marmelo; sabe em que mez -se capam os gatos; sabe salgar um porco, dispôr os presuntos no fumeiro, -encher um chouriço; sabe _coisas_ de emphyteuta, de fóros, de aguas de -rega, de bacellos, de alpórcas e de bens de mão-morta; sabe aparar um -callo e applicar um crystel; conhece remedios para o gôgo e para as -bichas; conhece as propriedades do sebo de Hollanda; sabe—emfim—de tudo -um boccadinho, porque é encyclopedico em Sciencias caseiras e perito em -questões de vida pratica. - -E V. Ex.ª, que conhece o Fonseca, diga-me, agora, se as aptidões do seu -intellecto não estão ahi, nitidamente inventariadas. - - * * * * * - -Eu venero as commendas. - -Quando, em Quinta-feira santa, na vizita ás casas do Senhor, encontro -o sr. V. de Moraes, deslumbrando a gente com a sua casaca e com -as scintillações da Gran-cruz gallega, onde o sol poente arranca -chispas—tiro humildemente o meu chapéo e curvo-me submisso. - -Venero a banda bicolor, diagonalando a obesa pança d’um senador; venero a -vara d’um juiz de irmandade. - -Reconheço tambem, a importancia social dos titulos honorificos. - -Um Visconde foi, é, e será, sempre, um homem de massa mais afinada do -que qualquer Zinão; um homem estremado entre a peonagem; um homem de -sangue _cruzadico_, de alta sabença, de apurado senso. Ahi está o sr. V. -da Torre, que, ainda de molleirinha e a fazer _tem-tem_, escrevia os -_Preconceitos_, para... _despreconceituar_ a heraldica dos viscondados. - -Venero e respeito tudo isso, repito, porque, emfim, Deus que resolveu -distinguir na sociedade umas certas pessoas, com titulos e com -penduricalhos, lá se entende e lá tem as suas razões... - -Mas cá no fôro intimo, nada provoca, mais fortemente, a minha -consideração, como umas alças, uns suspensorios, d’aquelles de tres -cores, como a bandeira franceza—com as suas fivelas doiradas, as suas -prezilhas de coiro unidas, symetricamente, aos quatro botões alinhados -pelo buraquinho do umbigo. - - * * * * * - -Este meu culto ás alças já me originou grave desgosto na familia. - -Minha filha mais velha, D. Fagundes, namoriscava o filho do nosso -procurador em Monsão. Ha cinco annos entra o mocinho na sala de visitas -e, deante da rapariga, balbucia trémulo de commoção: - -—Louvado seja Nosso Senhor Jesus Christo! - -O Senhor passou bem? - -Eu vinha pedir a mão de sua filha D. Fagundes d’Atouguia. Tenho 25 annos; -sou camarista na minha terra; as minhas propriedades rendem 40 carros e -60 pipas; tenho doze contos nominaes em inscripções; vinte obrigações das -Aguas de Melgaço e de S. Pedro, cinco acções do piano da Assemblea e dez -do Theatro Valenciano... - -—Perdão, interrompi eu; e emquanto ás ultimas, pagou todas as prestações? - -—Não, senhor; assignei, mas só paguei a primeira prestação de 10 p. c. - -(O homem convem-me, disse com os meus botões, já vejo que é -_agostinhado_.) - -—Serve-me para genro; mas, um esclarecimento apenas, que é o mais -importante: o meu amigo usa suspensorios? - -—Ora essa! exclama o joven, acaso é isso importante no meu futuro -marital? Pois a minha barriga é que tem de _crescer_... - -—Basta, senhor! Visto que ridiculariza uma coisa tão seria,—nada feito! -Queira bater a outra porta. - -E Fagundes ficou solteira... - -Ora ella está longe de ser uma belleza e, ás vezes, tem _telha_; mas para -Monsão servia e, servia, até, muito bem. - - * * * * * - -Recebi hontem á noite um telegramma de Bismarck, pedindo informações -urgentes ácerca das sessenta cartas. Como sou correspondente da _Gazeta -da Allemanha_, tratei de averiguar o caso inspirador d’aquellas -Catili—digo—Quimtilinarias. - -Eis o que descobri: - -Na ultima reunião dos _quarenta-maiores_, o Fonseca, subitamente atacado -de violenta verborrhea, poz em pratos limpos a historia do _mandado_, -segredada ao bichinho do ouvido por um _amphibio_. - -Os senadores ficaram aterrados e os municipes bateram palmas, porque -tinham farejado escandalo. - -Fonseca exaltou-se, berrou, vociferou; e, por vezes, para o acalmar no -furor do seu zelo pelos interesses do Municipio, teve um prestimoso amigo -de lhe molhar a palavra, com agua da Fonte de S. Sebastião, que é a mais -fresquinha[27]. - -A final serenou e retirou-se satisfeito. - -Jantou e soube-lhe bem; mesmo muito bem. Com o enthusiasmo _entrou_ de -mais n’um arrozito de _berberichos_. - -Retirou-se para o seu escriptorio. - -Os _berberichos_ principiaram, porém, a _repontar_ com elle, -provocando-lhe, em certo apparelho, uns beliscões diabolicos. - -Lembrou-se de ir convidar o Leopoldo a dar um passeio nas muralhas; -mas, por outro lado, a rigidez e a austeridade dos seus habitos -aconselhavam-n’o a ir ter com o Capellão, certamente para se desobrigar -dos peccados do dia. - -Mas, n’isto, no lusco-fusco da sua somnolencia, viu apparecer e avançar -o vertice d’um angulo de 25°, angulo que foi alargando, alargando, -sustentando sempre, um dos seus lados, em parallelismo com os olhos do -Fonseca. - -Linhas irregulares, verticalmente dispostas, desenharam, depois, uma -cabeça collada a esse grande appendice angular; novas linhas configuraram -um corpo, como appendice d’aquelle primitivo appendice. - -Appareceu um nariz com perninhas! - -Em seguida, surgiu uma coisa redonda, muito arrebitada e rechonchuda, que -foi, tambem, crescendo, crescendo... - -Rebolava-se uma pança que, avançando, exclamou:—_Oh Quim! Tu falaste bem; -mas foi e Zé, quem te deu o papel!_ - -Approxima-se o nariz, aos saltinhos, e diz tambem, roçando pelo -respeitavel dito, do Fonseca: - -—_Sim! O Zé deu-te o papel! Foi o Zé! Foi o Zé! Foi o Zé!_ - -—_Ah, Morãeses do diabo! Bofé, que mentis! A mim, gentes de Verdoejo e -de Taião!_ - -E arremessando para longe as lubricas tentações, o chale-manta -e o barretinho bordado com a sua borlinha toda repenicada, a -dar-a-dar,—foi-se á escrevaninha e principiou a escrever uma carta; -depois, outra; depois, outra;—total sessenta cartas! - -No intellecto do Fonseca deu-se, então, aquelle phenomeno da -scissiparidade por segmentação. - -Cidadãos pacatos e sisudos, pouco versados na mechanica epistolar e -affeitos á bolorenta erudição do: - -«_Muito estimarei que ao receber estas mal esboçadas regras, esteja -gozando perfeita saude, em companhia de quem mais deseja, pois a minha, -graças a Deus, ao fazer d’esta, é boa..._» - -sahiram-se com puxadas de estylo de rachar tudo, graças á -communicabilidade galvanica do intellecto fonsecoide, saturado de -rhetorica e prenhe de syllogismos irrefutaveis. - - * * * * * - -Mas vem cá—oh Fonseca—O que é, afinal, que pretendes dizer na _tua_, com -essas sessenta epistolas? - -Que diabo te disse o _Noticioso_, que tão violentamente arrepiou a tua -espinha, como se te communicasse a irritabilidade nervosa do galvanismo? - -Offendeste-te por elle affirmar, que na sessão dos _quarenta-maiores_, -o teu esplendido discurso não foi improvisado e que houve, até, quem te -desse o _ponto_? - -Mas—oh filho—suppões, acaso, que no intimo da alma dos nossos -conterraneos não existe, profundamente radicada, a absoluta confiança -nos teus dotes oratorios, embora se reconheça, sem desdoiro, que não és, -precisamente, o que se póde chamar um Pico de Mirandola? - -Então não está ahi, bem pronunciado, no teu luzidio craneo, o -extraordinario desenvolvimento da terceira circumvolução cerebral, em que -Broca localizou a eloquencia e a arte oratoria? - -Olha, Quim, um conselho de amigo: - -As tuas sessenta epistolas,—embora, verdadeiramente, se não saiba, ainda, -para que as escreveste e para que incommodaste tanto cidadão pacato, -tanto cerebro, tanta caneta, tanto bico e tanto papel de chupeta—estão -boas; isso estão. Mas ouve, filho, a respeito de litteratices, de -cartas—isto é—de escripturas e de lettras, manda-n’os algumas, mas -d’essas que tens com hypothecas e com fiadores. - -As que para ahi estás a publicar, guarda-as, para quando não tiveres quem -te _chegue o papel_... - -Não maces mais a gente, que tem de aturar bissemanalmente o _Noticioso_, -diariamente o Marilio[28] e—aos domingos, - - o João de Ganfey. - - - - -IX - -Politiquices[29] - - -Anda coisa no ar... - -A horas mortas, nas sombras da noite, quando as venerandas paternidades -desatam pachorrentamente os nastros das ceroilas e extendem as -delgadas tibias entre a alvura dos lençoes, deliciando-se com a -voluptuosa sensação do linho—quando os technicaphilas experimentam -a potencia dynamica do coice e a rigidez do craneo contra os muros -e bancos de praça, e as sopeiras, sedentas de luxuria e amor, abrem -sorrateiramente a janella para sentimentaes gargarejos com almiscarados -artilheiros—quando o beateiro resmunga entre bocejos, n’este meio -cá—meio lá, da somnolencia, o ultimo _Paternoster_, e dois amigos meus, -dos respeitaveis e probos, depois do nocturno repasto, se entregam, -extramuros, a indigestos estudos de anatomia... _patriotica_—n’essas -horas da noite, repito, nota-se nas ruas de Valença um movimento -desusado, extraordinario e inquietador para quem de perto conhece, como -nós, a indole pacifica e a habitual obediencia dos nossos conterraneos ao -toque militar das oito e meia. - -Cruzam-se vultos mysteriosos e sombrios, murmurando rapidamente palavras -convencionaes; a frouxa luz dos candieiros projecta nas calçadas a sombra -de longos _capindós_, de amplos _libertés_ com que, indubitalmente, -conspiradores sinistros, caras patibulares e alvellicas, se disfarçam e -acobertam. - -Denuncia-se, emfim, a effervescencia d’uma agitação occulta, surda, quiçá -perigosa e violentissima, que prepara para breve, na historia d’este -brioso povo, acontecimentos extraordinarios e imprevistos, que hão-de -suscitar aos pósteros um ponto de exclamação tão elevado, tão grande -e tão alto, como o sr. professor de Verdoejo, como o nariz do sr. dr. -Ladislau, ou como um chapéo siamez que, ha um bom quarto de seculo, eu -por ahi vejo, nos dias festivos do anno, luzidio e repontante, contra o -ether dos céos. - -Mercê da perspicacia e actividade do zeloso Commissario das Policias, -o sr. Sampaio, está já conhecida a causa de tal agitação; e á amizade, -com que esse cavalheiro me distingue, devo eu a possibilidade de aqui a -communicar aos meus conterraneos, para tranquillidade das damas nervosas, -das donzellas chloroticas e hystericas, que se tenham inquietado com o -que acabo de denunciar. - -Trata-se d’uma conspiração politica. - -Preparam-se traças; urdem-se planos; consultam-se esphinges; -interrogam-se oraculos; assediam-se as potestades eleitoraes; arietam-se -as opiniões renitentes; hypnotisam-se os refractarios á conversão -desejada, e tudo com a intenção sinistra e machiavelica de attentar, -nas proximas eleições, contra a soberania e omnipotencia do senhor -feudal d’este burgo, de quem tudo-lo-manda, o muito alto, poderoso, e -excellentissimo Senhor Administrador do Concelho!! - -Quem diria, senhores, o que no ultimo quartel do seculo teriamos de -presenciar n’esta nossa terra tradicionalmente fiel ás instituições, -cégamente obediente aos poderes constituidos, amante do seu Rei e de toda -a sua Excellentissima familia (como se diz em Monsão)—n’esta terra onde, -depois que os legendarios 7:500 bravos implantaram e regaram com o seu -sangue o systema constitucional, inaugurando essas grotescas bambochatas, -chamadas eleições, nunca os nossos antepassados tiveram a ousadia de -contestar a opinião, as ideas do Senhor Administrador, embora ellas -fossem tão extraordinarias e tão estramboticas como o dizer-se agora—por -exemplo—que o sr. José Narciso não acceita a legitimidade dos direitos -do Senhor D. Miguel de Bragança; que o Senhor Velloso, com o seu bigode -negro e a alvura immaculada do seu collete branco, não é, para as damas, -o mais esbelto e airoso joven, que terras de Portugal téem exportado -para a nossa galeria aduaneira, ou ainda, que o Senhor Agostinho não -significa na politica um caudilho poderoso, um sectario fiel, seguro e -intransigente do partido progressista—regenerador—constituinte—reformista -esquerdista—republicano—socialista. - -Mas, perguntarão Vossas Excellencias, não faz Valença parte d’um -circulo? Não téem os seus habitantes, como os d’outras terras, -semelhantemente illustres—Fornos de Algodres, Terras de Bouro, Cannas -de Senhorim—direitos e regalias que a Carta Constitucional da Monarchia -concede para a amplissima e plenissima liberdade da opinião, em materia -de eleições? - -Verdade é. - -Temos os mesmos direitos e á custa do mesmo preço... - -Pagamos religiosamente as nossas decimas, as nossas congruas, sem -contestações, nem aggravos, desprezando, até, com generosa e espartana -altivez os quebrados, os dois, tres e quatro reis—uma ninharia—que o -Senhor Recebedor, escravo dos dictames da sua consciencia, á força nos -quer devolver. - -Mas, eu recorro á Historia, a que Thierry chama «espelho da verdade» -e Michelet «guia do futuro» para affirmar e provar, _urbi et orbi_, -a inflexivel immutabilidade das opiniões politicas da nossa terra, -recordando factos que, fiel e genuinamente, exprimem e caracterisam a -superior orientação, que aqui existe sobre os direitos do cidadão—factos -que não architecto com materiaes da Phanthasia, nem illumino nas -penumbras dos tempos remotos, porque são rigorosamente exactos e coevos -da geração que passa. - -Approximava-se, ha annos, o dia em que o povo soberano, forte nos seus -direitos, em troca do liberrimo voto a uma tarraçada de vinho, ou a -indigestão de _calhos_ na cantina eleitoral de Mestre Pedro era chamado a -influir nos destinos da Patria e a metter a sua colherada n’essa sordida -e nojenta palangãna, chamada _urna_, onde com putridas exhalações, -referve e azeda a mixordia das ambições estultas, das vaidades -irritantes, das pressões odiosas, das promessas fementidas, e em que os -ambiciosos e especuladores—os Pausanias e Wilsons de todos os tempos—se -refocillam e afocinham, disputando, á dentada, o appetecido osso do -_arranjo_... - -Nos campanarios sertanejos agitava-se o badalo chamando o servo da gleba -que, de roupa domingueira e quinzena nova, se dispunha a, mais uma vez, -com boçal inconsciencia, conspurcar o direito do voto—uma das mais bellas -conquistas da liberdade na sua sangrenta evolução atravez de seculos de -lucta, producto abençoado da laboriosissima reacção que n’essa enorme -retorta, a França, na inferioridade do sudra, na degradação de ilota, nas -algemas do escravo, na dependencia humilhante do servo—como elementos -componentes—provocaram os raios chimicos da formosissima luz d’essa -bemdita, mil vezes bemdita, alvorada de noventa e... - -Mas, perdão. - -Que diabo estou eu a escrever? _Ridendo_... Eis o meu programma. - -Ao largo, pois, logares communs de estafada Historia! - -Pensamentos tristes, arredae! Acoitae-vos e multiplicae-vos no cerebro -do Padre Capellão para, nos sermões de sexta-feira santa, com que, tão -auspiciosamente, inaugurou a sua eloquencia n’esta terra, nos descrever -mais uma vez, com a voz embargada pelo sentimento, o martyrio da MÃE, as -afflicções da MÃE a dôr da dita MÃE. - -Continuemos, pois, a rir, senhores, um riso bom, sonóro, vibrante e -desafogado, que o riso é das poucas coisas que ainda escapam á rede -tributaria, e representa, n’este arido deserto da vida, a frescura -vivificante e consoladora do oasis. - -Ha annos, ia eu dizendo, em vesperas de eleição, teve um vizionario -estranho a ingenuidade de tentar combater o sr. Administrador do -Concelho, arrepiando-lhe a submissão dos eleitores, em determinadas -freguezias. - -O caso engatinhou ás culminancias do desafôro; alcandorou-se nos topes do -escandalo! - -Apimentaram-se os animos; esturraram-se os genios; apopleticaram-se -os mais sisudos e conspicuos habitantes da rua de S. João—esses -santos varões, que são na nossa terra os genuinos representantes dos -ricos-homens e infanções dos tempos medievaes, sobrios de costumes, -austeros no porte, d’um puritanismo feroz; tementes a Deus, ao diabo, ao -abbade e ao sr. Joaquim Apollinario. - -Reuniram-se, em conclave mysterioso, os mais valentes e poderosos homens -d’armas do partido governamental—o unico, n’estes reinos, legalmente -constituido. - -Mensageiros esbaforidos chegavam, tressuando, de toda a parte com -informações sobre os manejos do inimigo e, praça aberta á discussão, -depois de grave ponderação e demorada concentração dos espiritos, sahiu -d’aquellas venerandas cabeças o plano de combate que, para efficaz -execução, para infallivel resultado, urgia communicar immediatamente, sem -demoras, nem hesitações, a um rico-homem de Coura. - -—Ora, n’aquella epocha, se bem que já estivesse iniciado o caminho -das grandes descobertas geographicas e scientificas, que constituem -a epopeia gloriosa da humanidade, e se conhecessem já, a America, a -Africa, o phonographo, os camarões, o xarope do dr. Gibert e o sabão do -sr. Moutinho; existindo já Pasteur, Jenner, João da Gaiteira, Edison, -os srs. Zé da Rosa e Roldão; se bem que a Sciencia, em todos os seus -ramos, estivesse consideravelmente aperfeiçoada, como por exemplo, a -Jurisprudencia em que, no Direito penal, Lombroso, Garofalo, Aubry, -attenuavam a responsabilidade criminal, combatendo essas brutaes penas -da forca, da guilhotina, do pôtro, e substituindo-as, quando o crime -tinha as revoltantes particularidades de Pantin, de Fuencarral, ou de -White-Chapel, por uma audição, mais ou menos demorada, do drama do sr. -C. Barros, ou d’um discurso do sr. Presidente da Camara—n’essa epocha, -repito, ainda o sr. Miguel Dantas não tinha inventado Coura, a preciosa -povoação, que tanto deu que matutar aos srs. Fontes e Bismarck, nos -procellosos dias da revolução de Bico. - -A Mesologia estava, ainda, no estado rudimentar e não tinha definido -e aproveitado a extraordinaria influencia procreadora do clima, que -n’aquellas uberrimas paragens, melhor do que a Physiologia de Debay, do -que qualquer intervenção abbacial, ou leopoldica, mantem nas robustas -camponezas uma fecundidade tal que, annullando por completo as theorias -de Fourier, na resolução do importante problema do pauperismo, estabelece -para a pittoresca povoação a reputação invejavel e, sobremodo honrosa, de -fabrica permanente de amas para bebés. - -Coura, emfim, meus senhores, a indispensavel Coura, estava ainda no -casulo das sociedades modernas, na pevide das povoações minhotas, no -caroço dos baluartes eleitoraes e não podia, portanto, alli influir -a civilização como agora, em que o luxo das edificações principia a -abandonar o colmo na cobertura das casas, substituindo-o por umas coisas -vermelhas e arqueadas chamadas telhas, e em que ha Correio e Telegrapho, -com um movimento tão extraordinario e assombroso, que a gente guinda-se -aos mastaréos da popularidade, trepa aos carrapitos de um semi-deus, -escarrancha-se na celebridade do proprio Boulanger se, n’um só dia, -recebe da familia duas cartas e um telegramma!! - -Mas... era necessario lá mandar um proprio, unico recurso d’aquelles -felizes tempos, em que estavamos livres da Companhia real, e podiamos, -sem despeza de testamento, nem afflicções de quem está nas garras da -Morte, tentar qualquer viagem. - -E tal era a urgencia, a imprescindibilidade da communicação, que o -portador devia ir a cavallo! - -Ora, esta urgencia, formulada na intervenção do rocinante e lançada á -discussão na maior effervescencia do furôr opposicionista, despertou no -espirito dos mais sensatos e perspicazes ricos-homens e abbades um subito -resfriamento de enthusiasmo. - -Perceberam o quer que fosse de sombrio e tetrico, que baixou a zero a -ebullição tumultuosa da sua dedicação partidaria. - -Como o Mane, Thecel, Phares, que entupiu Balthazar, ou a sombra de Banco -que engasgou Macbeth, ou a estatua do Commendador, que foi para o D. -Juan, de Molière, o que o vulto do capitão Teixeira de Moraes foi em -noite procellosa de inverno, nas cercanias do solar da Balagota, para o -Sr. Sampaio[30] a lembrança do cavallo aterrou os mais ousados d’aquelles -ricos-homens, que representavam, no seu conjuncto, feudos e rendas -superiores a muitas centenas de mil cruzados. - -Empallideceram, subitamente, as faces até alli purpurinas e rubras de -excitação; baixaram-se, evitando-se, os olhos, até alli coruscantes de -furôr; cerraram-se os labios, como se uma pressão de muitas atmospheras -actuasse brutalmente sobre as maxillas. Os mais ousados coçavam -nervosamente a região occipital... - -É que ao longe, lá muito ao longe, na sombra do magro rocinante, -percebiam elles, já, as formas indecisas e vagas do burriqueiro, -reclamando, com humilde postura—vergado o corpo n’aquelle respeitoso -angulo de 65° com que o nosso homem, o supracitado Sr. Sampaio fala, -cheio de blandicias e ternuras, ao Sr. Dr. Brito—o meio pinto da tabella -para uma viagem a Coura. - -Meio pinto, senhores! - -Menos do que o Sr. Seixas ganhava n’uma caixa de amendoas, _quando -mostrava a factura_; coisa de dois conselhos do Dr. João Cabral; meia -dose florindica, pagando á Rotschild; o lucro do sr. Fontoura n’uma -tisana de treze vintens. - -Meio pinto, senhores! - -.............................. - -Rapida foi a dissolução do conclave. Pretextos futeis, encapotados com -razões imprevistas, fizeram debandar, como corvos açoitados pelo furacão, -os graves maioraes da politica concelhia. - -Foi o mensageiro a Coura, e durante muito tempo, nas altas e -transcendentes concepções philosophicas, em que o animalejo -constantemente se absorvia—(indecifraveis para nós, os mortaes, como -a opinião politica do Sr. Vigario Geral, ou como a origem do subito -rejuvenescimento do nosso muito querido Sr. Sampaio ao ler nos jornaes a -palavra _Cordão_)—entrou a influir grave ponderação sobre o alcance dos -decretos da Providencia, que se apraz em confiar de um misero sendeiro a -salvação d’um partido, como do nada, do pó, do humus empapado da chuva, -que demorou Grouchy, forjou o camartello possante, que em Waterloo -esmigalhou o pedestal d’esse feroz açoite da Humanidade, chamado Napoleão. - -.............................. - -Creio inutil dizer que, depois da eleição, para a gamella do burriqueiro -havia mais um commensal... um cão![31] - - * * * * * - -Prosigamos n’este escabroso trilho da Historia em que, para fiel -e rigorosa exposição dos factos, temos de executar os milagres do -equilibrio de Blondin, ou de Leonne Doré, entre os exaggeros dos -informadores apaixonados e as erroneas reflexões de commentadores pouco -escrupulosos. - -Serve-nos de maromba a consciencia e oxalá ella nos guie até ao fim -d’esta penosa caminhada, atravez da original e curiosissima politica da -nossa terra[32]. - - * * * * * - -Indubitavelmente, o dia 22 de Novembro de 1879 é um dos mais memoraveis -para os habitantes d’esta antiga e mui nobre povoação. - -Essa data deve estar indelevelmente gravada no livro d’oiro dos grandes -acontecimentos historicos; insculpida, a traços diamantinos, na epopea -das grandes solemnidades de Valença, ao lado das procissões de S. -Sebastião e _Corpus Christi_, grotescas mascaradas, com que no Minho se -avivam as descrenças, digo, as crenças, a ociosidade, a pasmaceira, o ar -marcial e aguerrido das tropas, os namoros, as bambinelas dos armadores e -as transacções do commercio, na sua importantissima secção de: birimbaus, -peixe frito e... limonada de cavallinho. - -Foi um dia festivo, solemne; d’aquelles em que o caiado das casas nos -parece mais branco; a porcaria das ruas menos escandalosa; a atmosphera -mais diaphana; o verde das campinas mais vivo; a abobada celeste mais -limpida; o aroma das flôres mais penetrante; a cara dos amigos mais -risonha—um d’estes dias, em que a gente se sente mais feliz, com menos -dinheiro e mais tentações, e em que as fibras do coração que movem o -badalo do enthusiasmo, bruscamente se agitam, como se ouvissemos o hymno -da Carta, um discurso do sr. conselheiro Silvestre Ribeiro, ou como -se os canhões da Coroada, os sinos de Santo Estevão, a bandeira real -desfraldada aos quatro ventos, celebrassem festivamente o anniversario da -Restauração! - -Acotovelava-se nas ruas uma multidão expansiva, ruidosa, com a alegria -a pinotear na mioleira; com todos os macaquinhos do sr. Palhares, em -borga infernal no sotão; expondo por ahi, escandalosamente, a habitual -gravidade, de saia arregaçada e peitos descobertos, em desenfreado e -lascivo minuete com as posições officiaes. - -Para exprimir tudo, emfim, havia no intimo de cada um, tanta satisfação -e tanta alegria, como hoje sentiria o sr. Joaquim se recebesse -auctorisação do Ministro do Reino para obsequiar o dr. Cabral com todas -as trombetas de Josaphat, sopradas por innumeras legiões d’aquelles anjos -e seraphins de bochechinha gorda e purpurina, que por ahi vemos em S. -Estevão,—embora, para esse justissimo desforço de cidadão offendido nos -seus direitos, de Juiz da Senhora da Saude, affectado nas suas crenças, -tivesse de arredar, das suas arcas de nababo, com arrebatado impulso de -perdulario enthusiasmo, coisa de doze vintens—captivos a troco! - -N’esse dia, meus senhores, era restituido o batalhão de caçadores 7 a -Valença, chyprado ao berço da monarchia, á terra dos condes, dos conegos, -das cruzes e dos cutileiros, por Sua Excellencia, o sr. Ministro da -Guerra. - -Nada faltou no programma das recepções festivas: coroas de loiros; -discursos do sr. Presidente da Camara; mensagens de congratulação; odes e -alexandrinos do vate Aurelio Victor Hugo; bailes; regabofe nos presidios; -bodo aos pobres; arcos de triumpho forrados a gazetas; musica, foguetes e -luminarias. - -O enthusiasmo estonteava os cerebros; alcoolizava os espiritos; -absinthava os animos. - -O sr. Francisco Durães, homem sério, pacato e já na escala para -camarista, deitava foguetes na muralha, como qualquer _careca_ sertanejo -em arraial da festeira Urgeira. - -Um camarista illustre luctava duas horas, para enfiar no par de -luvas, que por engano lhe tinham vendido para a mesma mão—o dedo -_mata-parasitas_ na casa do _mindinho_. - -O sr. Abilio, nos paroxysmos de um enorme enthusiasmo, apparecia de -gravata branca, casaca, no pé direito uma bota de polimento, no esquerdo -um chinelo de liga, representando a Associação Artistica! - -E no meio de todo este contentamento, nas expansões de todo este delirio, -um unico nome soava, tangido constantemente pelo enthusiasmo popular, -nas praças, nas ruas, nas lojas, nos clubs,—nome que parecia ser o fóco -convergente para todas aquellas ruidosas manifestações, nome que n’esse -dia tinha mais prestigio que o da Senhora do Faro, nome aureolado, nome -querido de—Elyseu de Serpa! - - Victoriava-se Elyseu de Serpa - Discursava-se sobre Elyseu de Serpa - Telegraphava-se a Elyseu de Serpa - Rezava-se a Elyseu de Serpa - -e Clero, Nobreza e Povo, fraternizando, hombreando, felicitando-se, davam -largas á plenitude da sua gratidão a Elyseu de Serpa. - -Jurava-se aos deuses, pela nossa consciencia, assim dardos de Jupiter -nos partissem, se durante a nossa existencia, embora ella attingisse -a longevidade de um Mathusalem, que viveu, segundo diz a Biblia, 900 -annos (o que eu acredito) outro homem se sentasse nas cadeiras de S. -Bento com o nosso mandato, porque Valença tinha contrahido com elle uma -divida sagrada, immorredoira, imperecivel, immensa, de profunda, eterna e -vivissima gratidão. - -E se alguem, mais pratico em coisas do mundo se atrevesse a revelar pouca -confiança na estabilidade d’aquelles fervorosos protestos, recordando -que já lá vae o tempo dos Eros, dos Scevolas, dos Martins de Freitas, -dos Egas, etc.,—oh Christos de Villar!—corria grave risco de ser lançado -aos fossos, empalado no pau da bandeira, ou esquartejado pelo primeiro -magarefe, que por ahi apparecesse, em ociosa disponibilidade. - -Pois, meus senhores, ahi vae a Moral do conto mais um tento para a -marca preta e um documento para a nossa historia politica. Poucos mezes -depois, mettia o sr. dr. Lopes o seu nariz na Administração do Concelho e -aquelle grande vulto (não o do nariz) absorvia, completamente, todos os -enthusiasmos que descrevi! - -A urna entrou mais uma vez no templo, para servir de leito nas sensuaes -orgias do voto com a immoralidade e o sr. Elyseu de Serpa, o mesmo, em -carne e osso, a que me referi—obtinha em todas as assembleas eleitoraes -do nosso concelho:—cinco votos! - -Ora, um povo que denuncia tão vehemente firmeza de convicções e de -sentimentos, está—digam lá o que disserem—reservado para grandes destinos. - -Abençoado torrão este, da Patria minha! - - * * * * * - -Com os argumentos irrefutaveis, que os factos nos fornecem, estudamos até -aqui a politica de Valença nas suas espheras mais elevadas, isto é, na -villa e entre as camadas illustradas; e, indubitavelmente, não existe no -nosso espirito outro sentimento, que não seja o baseado em tristissimo -desalento... - -Vejamos agora, em breves palavras, antes das considerações geraes, o que -o povo imagina e sabe de toda esta engrenagem que lhe rouba os filhos, -dinheiro e... os votos. - -Ha annos, Ramos Paz, que aqui dignamente exerceu as funcções de -Sub-Inspector de Instrucção, presidia a uma conferencia pedagogica nos -Paços do Concelho. Extranhando as theorias apresentadas por um professor, -sob a intervenção da auctoridade administrativa na legislação municipal, -relativa ao professorado, perguntou alizando aquellas grandes barbas á D. -João de Castro: - -—Então quem nomeia os professores? - -—O Sr. Administrador—respondeu o homem. - -—Ora essa! Então as Camaras? - -—As Camaras são tambem nomeadas pelo sr. Administrador—confirmou ainda, -com a má interpretação que dera á pergunta. - -Meditemos, senhores. - -De feito; na ignorancia d’aquelle pedagogo havia uma grande verdade, que -nós, rigorosamente, não podemos refutar. - -Luiz XI disse uma vez ao Parlamento, levantando o chicote: - -—_L’etat c’est moi!_ - -Rodrigues Sampaio, não ha ainda muito tempo, que bradava ao paiz: - -«O unico poder que entre nós existe é o Rei!» - -Nós poderemos plagiar Luiz XI, Rodrigues Sampaio e o pedagogo, -asseverando: - -N’este concelho de Valença ha só uma força, uma vontade, um poder:—o -Senhor Administrador[33]—quer o represente a taciturnidade esphingica -do sr. Dr. Lopes, ou a gulliverica estatura do sr. Dr. Ladislau, -ou a inoffensiva bandido-mania do sr. Dr. Malheiro, ou a feroz -iconoclastia do sr. Dr. Cabral, ou... a paz d’alma e de corpo do sr. Dr. -Brandão-Malheiro-Lopes da Cunha-Cabral! - -Abençoado torrão este, da Patria minha! - - * * * * * - -Historiamos até aqui. Philosophemos agora, porque a Historia sem a -Philosophia pouco vale e não póde servir, como disse Michelet, para guia -do futuro. - -É evidente que não temos organização pulmonar, que desafogadamente possa -funccionar na atmosphera das nossas liberdades civis. - -É evidente que, seja qual fôr o proceder da auctoridade administrativa, -só ella póde, quer e manda; e que, no campo a que hoje Vossas -Excellencias são chamados—as eleições—, ella exerce para qualquer -opposição o mesmo terrifico effeito que, em dilatado feijoal, produz para -os pardaes e pardocas, o espantalho armado com dous rabos de vassoira -em cruz, cartola velha no vertice e casacão enfiado nos braços, com as -mangas pendentes e á mercê do vento. - -E, evidenciado isto, para que precisamos nós de deputados, seja qual fôr -a chancella que tragam? Que temos nós com o que vae por esse paiz, com o -nariz do sr. Beirão, com a marreca do sr. Hintze, com a somnolencia do -sr. Henrique de Macedo, ou com os chouriços do sr. José Luciano? - -Que necessidade temos nós de fazer perder a gravidade aos Ministros, -pondo-os aos saltinhos de contentes, quando o sr. Zagallo, com os -seus Mentores e correligionarios lhes officiam, annunciando que... -deliberaram apoiar a marcha do Governo—ou que diabo lucramos com a -mudança de ceroilas, a que os obrigamos, enviando uma representação -dos tres mil negociantes da terra[34] contra a Companhia vinicola, -communicando, pelo telegrapho, que estão fechadas as quitandas de Valença -e que vate Aurelio Victor Hugo fala ás massas, em imponente e assaz -concorrida reunião politica? - -Senhores! Por Deus, simplifiquemos tudo isto; todas estas inuteis -formalidades, que são proprias para terras civilizadas. Fazem perder -tempo, e tempo é dinheiro, como diz o bretão. - -Qual é, em ultima analyse, o regimen em que vivemos? O feudal. - -Adaptemo-nos, pois, ao que elle nos estabelece e concede. Ahi vae um -alvitre: - -Sabem Vossas Excellencias o que eram as antigas _behetrias_ da epocha -medieva: povoações que tinham o direito de escolher o senhor, que viviam -independentes e de portas cerradas, até, aos senhores estranhos. Aqui -estava um modelo, mas lá vae outro, talvez preferivel. - -Na vertente meridional dos Pyrineus ha uma amostra de estados autonomos—a -republica de Andorra. - -Tem approximadamente, sem escandalosa differença, a população d’este -Concelho. Tem legislação civil, militar e religiosa. Tem Governo civil e -militar; Alfandega, Repartições de Fazenda; Camara; Junta de Parochia; -o seu Cordão sanitario de quando em quando; lazareto com respectivas -rações; reforma de matrizes; irmandades e confrarias; isto é, nicho para -todos os pretendentes. - -Ora aqui está o que nos serve. É uma organização baratinha e fica em casa. - -Proclamemos hoje mesmo a nossa independencia! Behetriemo-nos! -Andorriemo-nos! Entregue-se o poder a um só homem, que se denomine Rei, -Imperador, Presidente, Syndico, Regulo, Papa, Bispo, Soba ou Cabinda! - -Precisamos, verdade é, d’uma auctoridade, para regular as nossas questões -e moderar as nossas exigencias. - -É necessario que, quando alguem se lembrar de dizer, que as aguas -da fonte de S. Sebastião pertencem á Camara, haja quem garanta as -reclamações justissimas com que o sr. Joaquim prova á evidencia que -são suas, muito suas, embora não se recorde da gaveta onde conserva as -provas, o que póde succeder a toda a gente; quando a vizinhança do sr. -C. Dias, incluindo a Excellentissima Camara, continue a esticar a guita -dos limites das suas propriedades, avançando sobre a que aquelle bom e -innocente amigo possue no Caes, haja quem faça respeitar os seus direitos -e impedir, que nas terras da Saibreira se não possa continuar a observar -o extraordinario effeito da dilatabilidade da Materia sob a acção dos -raios solares, phenomeno alli tão evidente e precioso para o estudo das -revoluções geologicas do globo; quando o sr. Agostinho se lembrar de -mandar vir do extrangeiro casas feitas para os seus terrenos, haja quem -lhe apresente esse doirado codigo, que é o palladio das nossas liberdades -civis—o regulamento do Senhor Conde de Lippe dado ás gentes em 1700 e -tantos. - -É preciso, emfim, um braço e uma cabeça. - -E quem devemos escolher? - -Quando me lembro que estou n’uma terra que não quiz o legado do Conde de -Ferreira; n’uma terra em que, se a gente tiver um nariz, como os dos srs. -Cunha ou Ladislau, e se collocar em noite de eclypse, sobre o telhado da -sua casa, para espreitar a lua, ou escutar a harmonia das espheras, vem -logo o estalão do Conde de Lippe verificar, se dos cabellinhos da venta -á soleira da porta existe, realmente, maior distancia de que 4 metros, 5 -decimetros e 6 millimetros e meio do regulamento;—eu, meus senhores, para -o poder supremo da nova organização politica que proponho, só me lembro -de dois homens, que tenho a honra de apresentar á vossa apreciação e -para os quaes, desde já, peço o vosso suffragio, porque estou plenamente -convencido de que hão-de satisfazer ás exigencias e aos deveres da -actividade, firmeza de convicções e orientação politica, que a vossa -orientação politica, a vossa firmeza de convicções e a vossa actividade -lhes impoem. - -Eil-os: - - O Fileiras, - - ou o - - Cachimbo dos melros. - - - Em 20 de outubro de 1889. - Dia da eleição de deputados. - - - - -X - -Violetas - - -As imagens até aqui reflectidas no foco da minha lente ficam delevelmente -estereotypadas n’essas paginas, porque é indeciso o traço, debil o -colorido, irregular o contorno e imperfeitissimo o relevo. - -Falta ahi a luz indispensavel á nitida percepção de todas as minucias das -individualidades sociaes, que a minha critica envolve, porque não é dado -a espiritos vulgares o emittil-a. - -Encontro na expressão escripta as difficuldades caracteristicas -d’essa lesão cerebral, que os physiologistas incluem na classe das -_aphasias motoras_, sob o nome de _agraphia_; e, se até aqui deplorei -as consequencias d’essa lesão, que se oppõe á reproducção fiel das -minhas impressões sobre a sociedade em que vivo, sincero é o meu -pesar, reconhecendo-me incapaz de avivar a imagem d’um vulto, que já -desappareceu sob a loisa dos tumulos, mas que deixou luminoso rasto de -bondade e de honradez nas sombrias atmospheras onde, implacavel e feroz, -se trava a eterna lucta pela existencia. - - * * * * * - -Schopenhauer filia-se n’essa eschola philosophica, que poderemos -denominar _pessimista_, em que sarcasticamente se dissecam as fibras do -coração humano, negando-se-lhe sentimentos affectivos e a possibilidade -de alimentar aspirações puras e nobres. - -Na fria analyse, que o philosopho allemão nos apresenta do homem na -sociedade e na familia, resaltam os exaggeros d’um espirito sombrio, em -que poderosamente influiram a acção morbida de temperamento e a acção -do _meio_: mas ha tambem nas suas paginas grandes verdades que nós, -dissipada a má impressão originada na rudeza da phrase, intimamente não -podemos refutar. - -«_O nosso mundo civilizado não passa de uma grande mascarada. -Encontram-se n’elle cavalleiros, frades, soldados, doutores, advogados, -padres, philosophos, que mais sei eu? Mas não são o que representam ser; -são simples mascaras, debaixo das quaes se occultam, a maior parte das -vezes, especuladores de dinheiro._ - -_Um toma, assim, a mascara da justiça para melhor ferir o seu semelhante; -outro, com o mesmo fim, escolheu a mascara do bem publico e do -patriotismo; um terceiro a da religião, da fé immaculada._ - -_Para toda a especie de fins secretos, mais de um se occultou sob a -mascara da philosophia, como tambem sob a da philanthropia. Ha tambem -mascaras vulgares, sem caracter especial, como os dominós nos bailes, -e que se encontram por toda a parte; estes representam a rigida -honestidade; a polidez; a sympathia sincera e a amizade fingida._» - -.............................. - - * * * * * - -Ora, observando a nossa actual sociedade, n’esta epocha de egoismo, de -ambições, de illegalidades, com que por ahi se conspurcam e desprestigiam -as mais nobres instituições,—n’esta epocha de Wilsons, de Hersents, de -bonds e de processos _da fava_—poderemos, com intima convicção, acoimar -de exaggeradas essas linhas do pensador allemão? - -A consideração social chatina-se vilmente nas Bolsas, onde se expõe á -venda com as inscripções de tres por cento. Os titulos do governo teem, -como _bonus_, uma certa maquia de respeito publico; por consequencia, -o valor d’este está na razão directa da quantidade total, que cada um -possue dos outros. - -Quem tiver duzentos contos, póde ser um larapio e um canalha; mas, com -certeza, é um homem de consideração. - - * * * * * - -Antonio da Silva, aquelle carpinteirito da Esplanada, ganhava dezoito -vintens por dia; sustentava mulher e tres filhos. - -Adoeceu: contrahiu dividas no mercieiro, na botica e na padaria; deixou -de pagar ao senhorio; pôz no _prego_, a pataco por corôa ao mez, o -relogio de prata, os brincos da mulher, os cobertores do inverno e a -ferramenta. - -Esteve dois mezes de cama. - -Voltou fraco e abatido para o trabalho. Tentou desempenhar-se. Fazia -serões. Não poude pagar uma divida. - -Os credores perseguiam-no. - -As mulheres e os filhos não tinham roupa; tiritavam e... choravam. - -Um crédor requereu a penhora; levaram-lhe a cama. - -Na alma d’aquelle homem havia um inferno porque era honrado—o pateta!—e -era doido pela familia. - -Um dia, collou a massa encephalica nas paredes da latrina com a balla do -rewolver. - -—Um criminoso—disse o abbade. - -—Um caloteiro—disseram os do pataco por mez. - -—Um pobre diabo—responsaram as almas piedosas. - -—Um pateta de menos—resmungou a sociedade. - -A Santa Madre Egreja, toda Caridade e Amôr, recusou-lhe o latim da -padralhada—esse latim tão sonoro, tão vibrante, tão repenicado, quando -responsa o negreiro e o ladrão de gravata, que deixaram quarenta moedas, -para missas de pinto a duzia. - -Foi enterrado no fosso, ao lado d’uma pileca do Guilherme; como responso, -teve uma enfiada de pragas dos coveiros, porque estava realmente muito -frio e ainda não tinham _matado o bicho_. - -—_Oh estupor—disse o Coruja—podias arrebentar a pinha no verão. Não -tinhas agora tanto frio!_ - -.............................. - -Á mesma hora, Henrique de tal, Conde de Burnay, mandava _photographar_ -os bonds do sr. Hersent e mais de trezentas carruagens com fidalgos, -bispos, padres, conegos e escorropicha-galhetas varios, acompanharam -até aos Prazeres o cadaver d’um beneficiado na _falcatrua hersentica_, -portuguez abrazileirado, que mantinha relações illicitas com a irmã—o -que era publico e notorio na freguezia, alli para os lados de Penafiel—e -que, n’uma terrifica visualidade do inferno, apartára trezentos mil -reis, adquiridos n’esse infamissimo trafico de carne humana, para missas -cantadas e por cantar. - -Viremos folha... - - * * * * * - -—Mas, Senhor Zinão,—diz Vossa Excellencia—isso é velho, é sediço, é -estafado e massador... - -—Esta jeremiada veia a lume, meu Senhor, porque no meio da _reles -pataqueirice_ da nossa actual sociedade onde pullulam os Iagos, os -Tartufos, os Pausanias, os Wilsons, os Tamandarés—toda essa corja -de falsarios, de perjuros e de traidores, que Dante implacavelmente -esfarrapa e esphacela com as torturas do nono circulo—a gente póde soltar -uma exclamação de surpreza tão ruidosa e tão violenta, como aquella -trombetada de Rolando na batalha de Roncesvalles, quando encontra um -homem, caminhando sempre, sem tergiversar, no caminho da Honra e da -Dignidade. - -Consagro estas linhas á memoria d’um valenciano, que não deixou fortuna -nem filhos governadores civis, ou deputados, que possam premiar esta -homenagem com um naco do orçamento, como é da praxe pedir e conceder. - -Não me conhece a familia que elle deixou; e não é, portanto, o vil -interesse, ou a lisonja porca, ou a torpissima adulação, que actuam na -minha penna, obrigando-a a vergar-se, a perder a inflexibilidade com que, -até aqui, tem fustigado muita importancia ridicula e chata. - -Ninguem, no concelho de Valença, até hoje adquiriu maior estima e maior -consideração do que esse homem. - -Ninguem, como elle, poderia, mais proveitosamente, especular com o -affectuoso prestigio, que o seu nome alcançou por essas freguezias. - -Era, porém, nobilissimo o seu caracter para que lhe permittisse manchar o -nome n’esse bordel de pantomineiros e de histriões que por ahi especulam -com a ignorancia do aldeão, fazendo do voto degrau para chegarem á -mesa do orçamento e poderem roer as codeas babadas, que os Gargantuas -politicos abandonam, ou lamber os productos do vomito, que a orgia e a -indigestão provocam. - - * * * * * - -Esse homem morreu pobre; não é vergonha dizel-o; mas levem o aldeão -acolá, ao cemiterio, mostrem-lhe todos esses mausoleus de marmore -e de granito, e perguntem-lhe qual é o nome que, ainda hoje, mais -affectuosamente vibra na sua alma rude, mas sincera. - -Dizem que as mulheres de Sparta, fazendo ajoelhar os filhos sobre o -tumulo dos grandes heroes, alli lhes referiam os feitos gloriosos que -insculpiram os seus nomes no livro d’oiro da Patria. - -Era assim que ellas preparavam a vigorosa musculatura dos futuros -cidadãos da grande republica. - -Como ellas, _valencianos dignos_, quando a razão dos vossos filhos -estiver preparada para receber os germens, que mais tarde devem -fructificar na Honradez, apontae-lhes para essa pagina que, por -escrupuloso respeito e por enthusiastica veneração, separo das outras, -onde escouceiam ridiculos. - - * * * * * - -Zinão descobre-se, perante o nome que alli vêdes. - - - - -XI - -Os Quadros da Collegiada - - -A Arte nasceu d’esta nobilissima aspiração do espirito humano para, na -investigação do Bello, dar á Materia a fórma das suas idêas e das suas -crenças. - -O desenvolvimento intellectual de um povo e a sua influencia na obra -da Civilização, podem estudar-se nos diversos productos, em que se -reproduziu o genio dos seus artistas. - -Aos _dolmens_ e _menhires_, aos toscos instrumentos das edades -paleonlithica e neolithica succedem essas colossaes construcções das -margens do Nilo, as pyramides, os templos, as esphinges; os bronzes, as -loiças e esmaltes, já de notavel perfeição, dos antigos egypcios. - -Surge, depois, o povo helleno com a sua admiravel architectura; com as -formosissimas e inimitaveis estatuas de Phidias e de Lysippo; com a Venus -de Milo e o Apollo de Belveder; com as formosas telas de Zeuxis e de -Parrhasio; com todas as maravilhas, emfim, d’essa assombrosa civilização -tão alta e tão brilhante, que ainda depois de passados vinte seculos, -quando no horisonte despontavam os primeiros clarões da ridentissima -alvorada—a Renascença—era ainda d’ella que, para geniaes concepções, -recebiam inspiração e luz esses divinos artistas, que se chamaram Vinci, -Raphael, Ticiano, Carrachio e Miguel Angelo. - -Com a Renascença accelerou-se a marcha evolutiva da Civilização; e o -espirito do homem, depois de enriquecer as sciencias com preciosas -descobertas, de desenvolver as industrias com novas e utilissimas -applicações, crystallisa-se em fulgidas creações onde, com toda a nitidez -de contornos, com toda a opulência de colorido, com toda a fidelidade -de cambiantes e com todos os esbatidos do iris se reproduzem as mais -extraordinarias maravilhas da formosissima Mãe—a Natureza. - -A Historia da Arte é a Historia da Civilização; é a Historia do Homem no -seu _meio_, nas suas crenças, nas manifestações da sua intelligencia, nas -aspirações da sua alma, na grandeza dos seus affectos. - -Estudando o Homem, estuda-se a Nação e a influencia que ella exerceu nas -outras sociedades constituidas. - -São, pois, d’uma benemerencia incontestavel os esforços e os auxilios com -que n’um paiz se tenta colleccionar, agrupar, reunir todos os elementos -que possam reconstruir a sua historia artistica; e como essa empreza, -de larga magnitude e importancia, só é cabalmente desempenhada pelo -Estado, dever é do cidadão illustrado cooperar, quanto possivel, no -desenvolvimento das instituições que possam mostrar aos extranhos o que o -genio nacional produziu e creou. - -Com uma vergonhosa teimosia e deploravel inconsciencia, a esse dever se -nega a actual Junta de Parochia de Valença, recusando-se a entregar ao -delegado do Governo os quadros e a cadeira, que pertenceram á extincta -collegiada de S. Estevão. - - * * * * * - - Senhores da Junta, - -ou antes - - Senhores Agostinho e Sampaio:[35] - -conversemos. - -Vossas Senhorias, n’essa manifestação volitiva, (saberão Vossas Senhorias -que _volitiva_ significa: emanada da vontade) n’essa tenaz opposição as -ordens do Governo, devem estribar-se n’uma razão, n’um argumento, n’uma -conclusão qualquer. Mas eu—com franqueza—como conheço perfeitamente, -por dentro e por fóra, (deixem-me assim dizer) o que Vossas Senhorias -valem em materia de zelo pelas instituições, que estão dependentes das -suas luminosas e peregrinas deliberações,—eu, que me recordo muito bem -que Vossas Senhorias, que hoje energicamente bradam aos céos contra a -reclamação do Governo, são exactissimamente os mesmos que, ha quatro ou -cinco annos, deixavam estragar esses mesmos quadros e essa mesma cadeira, -consentindo que um _Terrinha_ as borrasse com verniz de portão, depois -de borrar, tambem, os peitos da Virgem do leite,—eu que me recordo -ainda, que foram tambem Vossas Senhorias os _engenheiros_ n’aquella -boçal mutilação da fachada de Santa Maria, parvoamente _restaurada_ ha -annos,—eu, emfim, que (sem offensa) avalio a capacidade intellectual -dos seus, aliás preciosos cerebros, como insufficiente para conter -umas tristes cellulasitas, onde se aniche um errante atomo de intuição -artística; porque, afinal de contas, estas coisas de Arte não são -precisamente o mesmo que coisas de bombas, ou de receitas eventuaes e -decimas de juros,—eu, repito, não posso explicar satisfactoriamente ao -meu espirito a causa do proceder de Vossas Senhorias. - -Por zelo nos interesses da Junta não é—com toda a certeza—que Vossas -Senhorias se revoltam contra o Governo. Isso é coisa averiguada, -conhecida, evidente, que não admitte réplicas e a que não convém, mesmo, -contestações. - -Recearão Vossas Senhorias que esses objectos, passando para as mãos do -Estado, se _extraviem_, ou _percam_? - -Repillo, como absurda, a hypothese, porque só com tristissimo desalento -veria dois funccionarios publicos suspeitarem de _larapio_ o Governo que -lhes paga. - -O que é, pois, que actua nos seus cerebros? - -Não o sabem, mas sei-o eu. - -O que obriga Vossas Senhorias a esse tristissimo papel é isto:—o -rheumatismo, o barretinho de seda preto, o cano das botas, os -suspensorios, o alçapão das calças, a caixa do rapé, o pingo, a caspa; é -essa maldicta enfermidade epidemica, peor do que a actual _influenza_, -porque não ha profilaticos que a debellem, e que se origina nas -exhalações mephiticas e deleterias dos fossos e das muralhas que teem -musgo, ratos, corujas, toupeiras, morcegos e silvados coevos do mammuth; -é essa coisa que sendo incorporea, invisivel, imponderavel, tem a rigidez -bastante para encravar a roda do Progresso; que sendo inerte e fria, -tem a temperatura sufficiente para caldear os embolos da Civilização; -é—finalmente—a rotina! - -Vossas Senhorias, com essa teimosia, recordam-me (salvo o devido -respeito) aquella conhecida anedocta do gallego: - -Alonso Perez y Perez ouvira dizer na sua terra que em Portugal se -ganhava muito dinheiro, mas que era necessario pedir, exigir e reclamar -sempre mais do que se recebesse por qualquer serviço. - -Perez y Perez entregou a mulher ao diabo, digo, ao Abbade e atravessou a -fronteira, dilatando os póros de todo o corpanzil para, como ventosas de -tentaculos cephalopodes, absorverem quantas _pesetas_ e _perras chicas_ -fosse possivel. - -Caminhando por essas estradas fóra, ao terceiro dia, veiu o cansaço; -vergava-se-lhe o corpo, dobravam-se-lhe os joelhos, incharam-lhe os pés, -pesava-lhe a cabeça: prostrado e doente, abeirou-se da valeta e cahiu -succumbido, recordando com saudade as veigas da sua terra, a familia, -a vacca e os bezerros, a missa do domingo, o recorte das montanhas, as -columnas de fumo que, ao toque das Trindades, se evolavam no esbatido -azul dos céos, o balido das ovelhas, o piar das avesinhas, todas essas -coisas—emfim—saturadas d’um sentimentalismo feroz e piegas, que tão -violentamente agitavam a alma do Justininho, quando elle concebia -aquelles preciosos folhetins do _Noticioso_. - -N’isto, passa na estrada um almocreve com a sua enfiada de machos e, -vendo o gallego n’aquelle misero estado, convida-o carinhosamente a -escarranchar-se n’um dos animaes. - -—_E quanto xe me dá?_ - - —pergunta o bruto. - - * * * * * - -Vossas Senhorias, n’esta estrada do Progresso, são (salvo o devido -respeito) uns verdadeiros Alonsos. - -Como portuguezes, que põem luminarias á janella no 1.º de dezembro e -no anniversario da Carta, devem amar a sua patria; como funccionarios -publicos devem interessar-se no engrandecimento d’ella; como homens do -seculo XIX, que usufruem todas as vantagens e liberdades que -tanto sangue custaram, n’essa sangrenta lucta do despotismo e das trevas -contra a luz, devem contribuir para que aos seus filhos seja entregue -intacto, pelo menos, o inestimavel patrimonio da Civilização, que -herdaram dos seus Papás. - -Ora, uns homens que por esse mundo de Christo, consagram toda a sua -existencia no estudo dos meios, que podem elevar e engrandecer os -povos, reconheceram a enorme utilidade das collecções artisticas, das -bibliothecas, dos museus, de todas as instituições, onde se enthesoiram -os productos do espirito humano na sua marcha evolutiva atravez dos -seculos. - -Esses homens dizem a Vossas Senhorias: - -Pretendemos reconstruir a historia da Arte portugueza, reunindo e -dispondo convenientemente, chronologicamente e por distincção de -escholas, n’uma boa sala com ar e com luz, essas telas, que Vossas -Senhorias por ahi inconscientemente dependuram em paredes humidas, e -imbecilmente inutilizam, mandando, de quando em quando, envernizar, a -brocha, pelos _Terrinhas_. - -O Estado toma conta d’isso que lhe pertence; e, quando Vossas Senhorias -tiverem uns amigos hespanhoes, francezes, inglezes, turcos ou moiros, -que lhes perguntem, fazendo obra pelos mais aperfeiçoados diccionarios -geographicos extrangeiros, se Portugal é provincia hespanhola, ou -ingleza—podem leval-os ao Museu nacional, onde lhes provarão que somos -livres, que temos Historia mais brilhante que a d’elles, que temos Arte, -que temos Civilização, que temos alma nacional que já se expandiu pelo -mundo inteiro com o genio dos grandes heroes e dos grandes artistas. - -Dirão mais a Vossas Senhorias: - -Se tiverem filhos que necessitem de estudar a Pintura, ou as Artes -decorativas, ahi ficam á disposição d’elles todos esses productos que -permaneciam dispersos, ignorados e inuteis pelas egrejas sertanejas. Ahi -encontrarão, tambem, para o estudo comparativo, exemplares da eschola -hespanhola, com as telas de Velasquez, de Murillo e de Ribera; ahi está a -eschola flamenga com Rubens; a hollandeza com Rembrandt; a italiana com -Raphael, Ticiano, Tintoreto, Miguel Angelo; podem entrar, ver, estudar -minuciosamente, copiar—nada pagam. - -E, apesar de todas estas incalculaveis vantagens, exclamam Vossas -Senhorias: - - —_e quanto xe nos dão?_ - - * * * * * - -Vossas Senhorias teem ido, por vezes, a Lisboa. - -Lembro-me, até, que muito antes que Succi fosse conhecido com os seus -jejuns, já a gente por cá admirava as especialissimas propriedades da -membrana mucosa do estomago do sr. Sampaio, que não segrega sómente succo -gastrico, mas, tambem, succos nutritivos, como se evidenciou n’aquella -viagem, em que Sua Senhoria, tendo sahido da Balagota com o cabazinho -repleto de pastelinhos de bacalhau e de girimu, pitos assados, rabanadas -e cornuchos, com elle intacto, depois d’uma ausencia de oito dias, na -Balagota entrou. - -Vossas Senhorias teem ido, por vezes, repito, a Lisboa. Conhecem tudo o -que existe na capital. - -Extasiaram-se perante a pujança granular do regio corcel no Terreiro do -Paço; viram subir o balão que indica o meio-dia; ouviram o carrilhão de -Mafra; estiveram no curro de S. Bento; admiraram o leão da Estrella e os -macaquinhos do Jardim Zoologico; visitaram a esquadra ingleza no Tejo; -sopesaram a _Paulo Cordeiro_; saudaram o Senhor Rei e a Senhora Rainha; -viram as mulas do paço e o bicho municipal; conheceram o Rosa Araujo e o -marquez de Vallada; foram a todos os theatros; mas o que—com certeza—não -viram foi o Museu Nacional, e isso porque... não tiveram tempo. - -Teem ido a Lisboa, por vezes; assistiram aos festejos das bodas e dos -baptisados reaes, aos da chegada dos reis de tal e tal; foram, até, -engrossar a pasmaceira indigena na recepção do Principe de Galles, -d’esse exemplar com encadernação de luxo de John Bull—o eterno larapio -das nossas colonias, o traiçoeiro Johnston dos makololos, o perfido -Wellington de 1828, o astucioso Canning, o desleal alliado da nossa -Politica, o insolente comedor dos nossos dinheiros, a quem todo o bom -portuguez devia, respeitando as conveniencias da hospitalidade, voltar, -com despreso, as costas; mas quando n’aquella capital se realisou a -Exposição de Arte ornamental, que foi como o livro aberto onde se -descreveu a riquissima epopea das nossas glorias artisticas, então... -ficaram na Balagota e na rua Direita porque... não valia a pena! - -.............................. - - * * * * * - -Aqui tem Vossa Excellencia, sr. Macedo, os homens que se negam a -entregar-lhe os quadros e a cadeira de S. Estevão. - -Segreda-se por ahi que muita coisa, reclamada pelo Governo, desapparece -antes de entrar no Museu Nacional. Pena é que o Governo não denuncie -os roubos, que tem encontrado quando procede ao arrolamento dos bens -pertencentes ás collegiadas e congregações religiosas extinctas. - -A teimosia da Junta é mais um caso porco, para engranzar no rosario das -vergonhas de Valença, onde já brilham a recusa da Eschola Conde Ferreira, -a eleição do sr. Serpa... do Batalhão, a Prisão da Santa, a Questão da -Musica e essas curiosissimas eleições... - -Mas Vossa Excellencia, sr. Macedo, resolve facilmente todas as duvidas; -como ellas, em ultima analyse querem dizer: - - _Quanto xe nos dão?_ - -Digne-se Vossa Excellencia mandar ao sr. Agostinho meia duzia de trutas -leopoldicas, de S. Mamede, e obtenha Vossa Excellencia do Governo de Sua -Magestade, que ao sr. Sampaio seja concedido o diploma do unico cargo -rendoso, que lhe falta: o de - - sineiro de S. Estevão. - - - - -XII - -O Senhor Deputado - - -Mais uma vez manifestou o Circulo eleitoral n.º 3 a sua opinião politica -e, pela acção liberrima e independente do suffragio popular, tem hoje uma -cadeira em S. Bento, o sr. dr. Queiroz Ribeiro. - -Nos campos do partido opposicionista lavra o descontentamento com -a decisão dos eleitores; nos arraiaes, em que tremula a bandeira -progressista, erguem-se os clamores da victoria e entoam-se hosannas ao -novo representante do povo. - -Os regeneradores negam a competencia de Sua Excellencia para tão elevado -cargo, fundamentando a insufficiencia na pouca edade e escassa madureza -para os negocios publicos; alguns, até, os do respeitabilissimo grupo da -rua de S. João, exprimem e synthetisam todo o valor e força dos seus -argumentos em tres palavras:—até faz versos! - -Os progressistas exaltam a aptidão intellectual do seu correligionario; -affirmam que é um rapaz que deve _dar alguma coisa_; servem-se do -proprio argumento dos adversarios—os versos—, impondo-o á consideração -dos eleitores; citam os seus conhecimentos sobre Direito penal, o seu -enthusiasmo pela _nova_ eschola italiana, etc., etc., e rematam por -asseverar que a escolha foi felicissima. - -Ora eu, meus senhores, sou tambem eleitor e recenseado na freguezia -de S. Maria dos Anjos; não estou filiado em partido militante da -actual politica, porque sou, como os srs. José Narciso e Santa Clara: -legitimista, genuinamente legitimista, por convicção e por tradição. -Acceitar, n’estas condições, a faculdade do voto equivaleria a approvar -e reconhecer, tacitamente, a legalidade dos poderes que nos regem e, -procedendo assim, faltaria ás minhas convicções e ao respeito que tenho -e devo ao meu Rei, a Sua Magestade Fidelissima o Senhor Dom Miguel de -Bragança, que Deus guarde. - -Estou, portanto, n’um campo perfeitamente neutral e insuspeito, ao -abrigo do tumultuar das paixões partidarias, n’uma região serena de paz -e livre reflexão e posso, n’estas circumstancias, dar a minha opinião -sobre a escolha dos eleitores, depois da rigorosa apreciação que fiz dos -argumentos apresentados pelos dois partidos. - -Vou ter a honra de a apresentar a Vossas Excellencias. - -Na futura Camara electiva devem reunir-se cento e tantos deputados. -N’esse numero entram estrellas de primeira grandeza na constellação -brilhantissima da nossa politica. Ha talentos de raça; espiritos -previlegiados, que honram e ennobrecem o paiz; ha oradores fluentissimos -como os srs. Oliveira Mattos e Visconde da Torre; ha polemistas de -irresistivel logica de argumentação, como os srs. Ferreira d’Almeida; ha -celebridades em todos os ramos das sciencias e da publica administração. - -Pois, meus senhores, com verdade lhes digo, que é a seguinte a minha -convicção:—entre todos esses homens, entre todas as individualidades -aptas no nosso paiz para as funcções da representação popular, -ninguem—absolutamente ninguem—nos poderia satisfazer tanto, comprehender -as nossas ideias, adaptar-se melhor á nossa politica, interpretando-a e -assimilando-a nas suas aspirações—como Sua Excellencia o sr. Dr. Queiroz -Ribeiro. - -—Ora essa! (ouço eu bradar aos meus amigos, os srs. Joaquim e Abilio, os -mais fogosos caudilhos da politica regeneradora), fará o favor de provar. - -A isso vou, meus senhores, e com argumentos leaes, solidos, porque os -sustento com a irrefutavel demonstração, que vou estabelecer dentro do -campo positivo das sciencias abstractas: a logica e a mathematica. - -Vejamos, meus senhores, o que é a Politica em Valença? O que foi, o que -é, d’onde vem e para onde vae? Como se poderá e deverá classificar n’uma -terra em que, se a gente vae á estação do caminho de ferro assistir á -recepção do sr. Marianno de Carvalho, ou do sr. Barjona, ou do sr. Lopo -Vaz, ou do sr. José Dias Ferreira, ou do sr. Rodrigues de Freitas, ou -do sr. Consiglieri Pedroso, vê sempre na gare—além dos _engajadores_ -dos hoteis e do sr. Capellão[36]—as mesmas caras, as mesmas casacas e -as mesmas cartolas, que, depois, vão acompanhar Suas Excellencias até -Cerveira, com ruidosas e enthusiasticas demonstrações de adhesão e -fidelidade partidarias? - -O que poderemos julgar da Politica d’um concelho em que a padralhada, com -o seu rebanho de carneiros votantes, vae, submissa, para onde a toca a -aguilhada da Administração, sem consciencia, nem orientação, nem ideal -politico? - -N’uma terra, em que os mais importantes caudilhos teem, na opinião, -a variabilidade constante do catavento de Santo Estevão e em que ha -potestades eleitoraes que, vistas de Coura, são regeneradoras, vistas de -Valença são progressistas e não são barjonaceas e republicanas, porque -ninguem as examinou ainda de Gandra ou de S. Pedro da Torre? - -Estudemos os chefes, senhores, que devem representar as tradições, -a opinião, a respeitabilidade dos partidos. Temos d’um lado—o -progressista—o Sr. Dr. Ladislau; temos do outro—o regenerador—o Sr. Dr. -Pestana.[37] - -O Sr. Dr. Ladislau sahiu, approximadamente ha seis annos, dos bancos -da Universidade e filiou-se, franca e desassombradamente, no partido -do sr. José Dias Ferreira; hoje obedece ao sr. José Luciano, isto é, -duas opiniões diversas, oppostas, heterogeneas, como as que separaram -e dividiram os guelfos dos gibelinos, os armagnacs dos borguinhões, os -jacobinos dos girondinos, os da rosa branca dos da rosa vermelha, os -malhados dos realistas. - -Ora, consultando os trabalhos estatisticos dos mais eminentes -socialistas, sobre a longevidade da vida humana, observamos que a media -actual é de sessenta annos. (Deus n’este caso a prolongue e livre o -Sr. Doutor de dyspepsias hermogenicas, que tão prejudiciaes são á -juventude...) - -Se quizermos, pois, avaliar rigorosamente a capacidade opinativa de -Sua Excellencia, nada mais teremos do que estabelecer uma proporção, -admittindo a hypothese mais favoravel—que em egual espaço de tempo não -augmentará a volubilidade. Representando, pois, por _a_ os seis annos -decorridos e os trinta que a Sua Excellencia faltam, por _op_ as -opiniões conhecidas e por _x_ as desconhecidas, teremos: - - 6 a : 2 op :: 30 a : x. - -Operando, encontramos: - - x = 10 op. - -Reunindo as opiniões conhecidas, temos - - x = 12 - -quer dizer: teremos de pedir, por emprestimo, alguns partidos á Hespanha, -porque cá não os ha para tanta opinião; e, aos sessenta annos, o Sr. Dr. -Ladislau attingirá um grau de _saturação_ partidaria muito superior á que -hoje possue o Sr. Agostinho, que é a coisa mais perfeita e acabada em -Politica, que terras de Valença teem produzido. - -Agora, o sr. dr. Pestana... - -Eu desejava fazer identica demonstração com referencia a Sua Excellencia, -e tenho, para isso, elementos e factores ordenados; mas são d’uma tal -complexidade e obrigam a operações algebricas tão complicadas, que me -abstenho de aqui as reproduzir, limitando-mo a dar conhecimento a Vossa -Excellencia do resultado obtido. - -Para o sr. dr. Ladislau tivemos: x = 10. - -Com o Sr. Dr. Pestana chegamos a: x = ∞ isto é, x = infinito. E como o -infinito existe muito para lá dos limites, a que a intelligencia humana -póde levar a analyse, está prejudicado o raciocinio. - -Temos, pois, n’estas condições, os dois chefes politicos da nossa terra e -ha vinte e cinco annos, em que aqui resido, os sub-chefes, as potestades, -os abbades e as patrulhas seguem exactamente o mesmo systema. - -Os que hontem eram regeneradores, são hoje progressistas, serão ámanhã -barjonaceos e no dia seguinte socialistas. No mundo politico somos -cosmopolitas, e Valença é para o paiz, o que a casa do Sr. Agostinho é -para Valença—um perfeito _caravanserail_! - -Synthetisando, eu repito a pergunta, que deu logar a estas considerações, -com que desejo fundamentar a minha demonstração: - -Como se deve classificar a nossa Politica? - -Politica voluvel, incolôr, de... contradança! - -Repito: - - de _contradança_. - -Ora aqui está, justamente, o ponto de reunião entre ella e a -individualidade do nosso deputado. Aqui está, onde uma e outra se -coadunam, se consubstanciam, se identificam. - -Em Politica somos dançarinos. Pois para representar dançarinos e para -comprehender as suas aspirações, como o Justino Soares, ou os srs. -Roldão e dr. João Cabral se não habilitam a um circulo, claro é que se -devia escolher um estranho, versado e perito nos segredos da arte de -Terpsichore. E, para satisfazer cabalmente a estas condições (creio -que os srs. Joaquim e Abilio se não atreverão a refutar esta minha -proposição) ninguem—absolutamente ninguem—se encontraria mais habilitado, -do que o nosso actual representante. - -Isto não é uma asserção gratuita. A vizinha villa de Cerveira a -confirmará, quando se torne necessario. - -Porque é que o sr. Visconde da Torre não _provou bem_, como deputado? -Porque nunca poderia representar dignamente Valença, com o seu volumoso -abdomen, com a abundancia do seu tecido adiposo, com o pouco desempeno -dos seus movimentos, com a pouca elegancia (perdoe Sua Excellencia) da -sua _linha_. Dançava pouco e mal. Era, mesmo, detestavel a sua posição -quando, pela complicadissima tactica das danças, era obrigado a fazer um -_en avant_. Não tinha _ropia_ nem _salero_, nem _entrain_. - -Mas o nosso actual representante... - -Que saudosas recordações não originarão estes periodos ás tricanas e -sopeiras de Villa Nova—a chiquita! - -Que dulcissimas reminiscencias não entristecerão, por momentos, aquelles -formosissimos rostos da terra das solhas! - -Que pranto amargo e copioso não verterá a estas horas o bom e fiel -Maldonado, socio commandita nos bailes do sopeirame! - -A Meca, a terna e legendaria Meca, com que acerbo pungir, não enxugará -das mimosas e assetinadas faces as perolas crystallinas, como as do rocio -matutino, que a lembrança de Sua Excellencia, a cada momento lhe faz -brotar das glandulas lacrimaes! - -Redomoinhar vertiginoso das valsas; suave enleio de pequeninas cinturas; -exhalações dulcissimas; doces fragrancias de solha e azeite, bacalhau e -alho, das formosas tricanas; noites de amor e de phantasia em que vós, -encantadoras filhas da—_Chiquita_—vos deliciaveis com os _papos d’anjo_ -de Caminha e as _roscas_ da Galliza; noites inolvidaveis de luar, em -que os vossos castos seios se alvoroçavam com desconhecidas sensações, -quando Sua Excellencia, sob as janellas, acompanhado ao violão pelo fiel -Maldonado e pela artistica cohorte dos Figaros, soltava ás brisas, com -voz maguada e terna, as melancholicas trovas do: - - Gondoleiro, a noite é bella! - -Recordações saudosas, miragens gratas e fugitivas... adeus! - -Tudo se sumiu na voragem da urna eleitoral! - - * * * * * - - Eleitores do concelho de Valença! - -Nos annaes da benemerita Sociedade Artistica, _Harmonia e Recreio -Cerveirense_, registra-se, como um periodo aureo de engrandecimento e -prosperidade, a epocha em que o nosso Deputado honrou, frequentando, os -salões da Associação. - -A arte de Terpsichore obteve consideravel impulso e desenvolvimento. Á -voz auctorizada de Sua Excellencia, transformaram-se os _Lanceiros_, -floreou-se a _Franceza_ e surgiu, vaporosa e louçã, a moderna valsa _a -dous tempos_. Abandonaram-se marcas velhas e rançosas, substituiudo-se -por elegantes _couronnes de dames_ e graciosos _moulinets de chevaliers_. - -Foi, pois, profundamente civilizadora a influencia que Sua Excellencia -exerceu nas classes medianamente abastadas:—sopeiras e tricanas—, porque -lhes incutiu os germens d’uma larga intuição artistica e senso esthetico, -já com as brilhantes manifestações da arte de Terpsichore, já com mimosas -producções musicaes, com que Sua Excellencia as deliciava, acompanhado -pelo fiel Maldonado e—em occasiões solemnes—pela brilhantissima cohorte -dos Figaros cerveirenses. - -Quem, pois, se atreverá a dizer, quem ousará ahi, dos arraiaes da -opposição, affirmar que não foi acertada e felicissima a escolha? - -Concluo a demonstração, srs. Lucas e Abilio. Pódem Vossas Excellencias -refutal-a? - -Eleitores do concelho de Valença! Damas e cavalheiros do Club e da -Assemblea! Ditas e ditos do Gremio artistico; tricanagem, technicaphilas -e paradas-velhas dos bailes do Theatro, eu—Zinão—vos felicito! - -E vós, vizionarios, descrentes, que por ahi apregoaes a incompetencia -do sr. Deputado, em breve,—eu vol-o affirmo—se dissiparão as vossas -duvidas e os vossos applausos hão-de juntar-se, fervorosos e delirantes -ás acclamações enthusiasticas da grei progressista quando, no proximo -carnaval, assistirdes, nos bailes do Theatro, á verdadeira consagração, -á apotheose do nosso Deputado, vendo-o, como _par marcante_, offuscar a -fama, até hoje immaculada, dos srs. Trincheiras e Zé do Caes, gritando -_ás multidões_, radiante e enthusiasmado, em francez adoptado nos nossos -tricanés: - -_An ivant! Chevaliers_ dão as mãos e _les Dames ó miliú_. - - * * * * * - -Ah Esteves! Ah Caetano! - -Que futuro brilhante e glorioso não está reservado para os vossos violões! - -Emquanto a nós: - - _vá de redrò_, Senhor Doutor! - - - - -XIII - -Carta ao Zé Senso - - -TERRAS DA PARVALHEIRA - - =Burgo de Paysandu.= Terça-feira, - 17 de Dezembro de 1887. - -Meu Zé. - -Recebeu-se, hontem á noite, o 2.º fasciculo dos _Sinapismos_. - -Não sei ainda como te conte o que se passou. Ha onze horas que estou de -cama, a caldos de gallinha e copinhos de geleia. - -O Dr. Pacheco só me deixa chuchar uma azinha de pito, de seis em seis -horas, tal é o estado de fraqueza e abatimento em que me deixaram as -violentas commoções, que hontem agitaram este pobre corpo. - -Vou coordenar as ideas para te descrever o caso mais extraordinario, que -fastos de Valença podem mencionar ás gerações vindoiras. - -Tu sabes o que é o indigena sem illustração: corpo amanhado com borras -de nababo, betume de Prudhomme, com leucocytos de Tartufo e cellulas -philosophicas de Sganarello; alma ingenua, pura, immaculada, feita de -arminho, gesso cré, grude de sapateiro e saliva de Zé Povo; no todo, uma -mescla de tanso, de rufião e de sacripanta. - -Sabendo isto, certamente não te admirarás do que vaes lêr. - -Quando hontem á noite, já em ceroilas, punha o barretinho de dormir, ouvi -na rua um enorme barulho: tropel desusado, gritos, rodar de carretas, -patadas de mula, tiros, etc. - -Como estava em fralda, disse ao Zéca que fosse á janella vêr o que era, -e na minha mente surgiu a idea de que teriamos uma invasão ingleza por -causa dos makololos. - -—_São os mokololos? perguntei ao menino._ - -—_Não sei, Papá. São muitos homens que passam correndo; uns com espadas, -outros com chuços, outros com chicotes, rewolvers, punhaes, facalhões e -espetos, gritando:_ - - _mata! mata!_ - -_Vão todos com o sim-senhor á mostra e levam nas nadegas duas manchas -vermelhas, como ficam nas pernas, quando o Papá me deita sinapismos. -Atraz d’elles vem um diabo vestido de amarello, que traz na mão esquerda -umas disciplinas de coiro, com que os fustiga, e na direita um ferro em -braza._ - - * * * * * - -Calcei á pressa as piugas e approximei-me da janella para presenciar tão -inesperado acontecimento. Com o ruido que fiz, abrindo-a, a multidão -parou subitamente. Todas as cabeças se ergueram, todos os punhos se -levantaram, fechados com crispações nervosas; abriram-se mil boccas, onde -rangiam sinistramente os dentes; insultaram-me; chamaram-me _porco_ e -_chulo_; berravam que me haviam de matar, de _escuchinar_, de virar de -dentro para fóra, de arrancar as barbas, as orelhas e mais _isto_ e mais -_aquillo_. - -Reparei que aquella medonha e terrivel multidão se dividia em tres grupos -distinctos. - -O primeiro era composto de maltrapilhos com feitio afadistado, que uma -collareja porca e abandalhada, a quem ouvi chamar D. Politica, segurava -pelos cabrestos. Zurzia n’elles, com uma aguilhada de ponta d’oiro, -El-Rei buffo, D. Milhão. - -O segundo era formado por _patetinhas_, d’estes infelizes, que nos -hospitaes de alienados são conhecidos por _doidos mansos_. - -Guinchavam, mostravam papelinhos, davam saltinhos, faziam esgares -burlescos, descobrindo os dentes sujos. Tinha conta n’elles, dando-lhes, -de quando em quando, um pontapé, outra mulher em desalinho e que parecia -soffrer de grande myopia. Conheci D. Idiotice. - -No terceiro, então, misturaram-se fedelhos e cães; d’estes _tótós_ -pequeninos de pello branco e encaracolado, muito nojentos e muito -libidinosos, que mostram sempre a linguinha quando veem as amas, que -trazem os focinhos molhados com um liquido que lembra, pelo cheiro, a cal -e o peixe da Noruega, e que por ahi chamam, _fraldiqueiros_. Ladravam, -davam ao rabinho, levantavam-se sobre as patinhas de traz, agitando -para cima e para baixo a linguinha, d’onde escorria um fio de baba mal -cheirante. - -Aquella multidão saturava a atmosphera de aromas insupportaveis; -distinguiam-se os do bafio, do arroto dyspeptico; este cheiro particular -do azebre, do mofo, da catinga, de pé gallego, de coisas lippicas e -rançosas, que tresandam a raposinho e a chulé. - -No ruido ensurdecedor de tanto grito e de tanta explosão de colera, -apenas se percebiam estas palavras: - - Mata! Mata o Zinão! - - * * * * * - -O meu cerebro illuminou-se, então, com aquelles vividos clarões das -grandes angustias; pinoteavam-me na imaginação, em infernal dança -macabra, todas as vibrações das grandes dôres; vergalhadas cyclopicas -açoitavam-me as ideias; a alma rebentava-me com explosões terriveis, -minada pela robulite do terror; o coração desfibrava-se esphacelado -pelas garras do susto; as cellulas nervosas achatavam-se sob a prensa -hydraulica do pavor; o cordão espinal estoirava, esticado pelas furias -da raiva; as saliencias do corpo sumiam-se arietadas pela allucinação; -na trompa de Eustachio trovejavam as maldições; na retina faiscavam -punhaes de odio; na pituitaria abriam chagas os atomos do rancôr; as -cordas vocaes rebentavam com a tensão da ira; as papillas da derme -eram esmagadas pelos martellões da colera; diabos vestidos de vermelho -arrancavam-me os cabellos; harpias esgrouviadas furavam-me a cornea; -satanazes com rabo reviravam-me as unhas; demonios acephalos rasgavam-me -a bocca; morcegos sinistros esfarrapavam-me as carnes; lebreus -hydrophobos roiam-me as cannelas; corujas esfomeadas espicaçavam-me -as orelhas; chacaes lazarentos mordiam-me as nadegas; corcodilos e -jacarandés trituravam-me os ossos. - - * * * * * - -E no meio de toda essa _coisa_ phantastica, apocalyptica, satanica, -horripilante, onde havia carcavões, fragoas, tenazes, forcas, venenos -de Borgias, estyletes ervados, lanças quichotescas, navalhas de ponta -e mola, balas de papel, espadas de pau, caçoletas e obuzes, explosões -sulfuradas, bofes de leão, tricornios de gazeta, furores de Ugolino, -ciumes de Othello, terrores de Machbet, perfidias de Iago, risos de -Voltaire, astucias de Loyola, sarcasmos de Erasmo, pançadas de capoeira, -chulipas de fadista, rugidos de Adamastor, pedradas de garoto, cobras -e lagartos, viscosidades de lesmas, virus de serpente, commissões de -_quinzes_ e de _paysanducos_, protestos, duellos, policias correccionaes, -boquilhas, aguas sebastianicas, beliscões kilometricos, musas hystericas, -zoilos epilepticos... - -—quando contemplava aquelle horroroso quadro em que, as tintas de Miguel -Angelo, o pincel de Rembrandt e a phantasia de Hans Mackart, pintavam a -sede de Tantalo, a insaciabilidade de Gargantua, a podridão de Imperia, o -odio de D. Bibas, o servilismo do eunucho e o calcanhar d’Achilles, - -—entre aquelle côro infernal de uivar de feras, clamar de moiros, ulular -de caraibas, guinchar de idiotas, urrar de quadrupedes, pinchar de -macacos, zunir de vespas, silvar de cascaveis, ladrar de _bulldogs_, -d’onde apenas se destacava: - - Mata! Mata o Zinão! - - —senti alguem ao meu lado. - -O tal diabo vermelho pinchára da rua para a janella; extendia-me o braço -e dizia: - -—_Oh Coisa! dá cá um cigarro. Casca n’elles, que ainda bolem!_ - -e desapertando a carcela das calças, voltou-se para a turba e... - - _esguichou-a._ - -Já sabes, Zé amigo, quem elle era: - - O Ridiculo. - - - - -XIV - -A Questão da Musica - -(LEITURA PARA HOMENS) - - -Ha poucos annos, alli pelo Maio, quando a Primavera floresce os campos -e a Natureza parece despertar, com novo vigor, da somnolencia invernal, -Dona Politica sentiu pular o sangue nas veias, reclamando folia e brodio. - -Teve uns arrebiques eroticos de matrona insensivel á influencia lunar -e amancebou-se, clandestinamente, com o Conde de Lippe e com o Senhor -Administrador. - -Noitadas com um, barrigadas de camarões com outro, lá se arranjou de tal -fórma que, d’essas relações, resultou um producto hybrido:—=A Questão da -Musica=. - -Parto acabado, os amantes disputaram a paternidade do aborto: - -—É meu! - -—É teu! - -—Parece-se commigo! - -—Não se parece comtigo! - -Zangaram-se e ficaram de mal. - -Nunca mais se puderam vêr. - -A desavergonhada, ora sorri para um, ora para outro; acirrando, assim, -pela sua inconstancia e bandalhice acadellada, o odio dos dois rivaes. - -O _mostrengo_ (sahiu femea) veiu ao mundo com todos os defeitos dos Papás -e da Mamã: vaidosa, ridicula, traiçoeira, caprichosa e porca. - -Ao nascer, embirrou que não queria Musica. Papás e Mamã teem-lhe feito -a vontade. Qualquer dia, embirra que quer Musica; teremos, então, de -soffrer e pagar as furias dos paus-tesos, até hoje refreadas. - -O que por ahi não irá! - - * * * * * - -A _Comedia da Santa_, ou antes, a =Comedia da Musica=, absorveu e absorve -toda a actividade dos nossos politicos—dos homens que se apresentam á -consideração do povo, allegando serviços e pedindo votos. - -E em que diabo hão de pensar esses santos varões, se o Concelho voga em -mar de rosas, com vento fresco e bons timoneiros? - -Examinemos, de relance, as instituições da nossa terra: - -Camara Municipal - -Praça de toiros com serviço permanente. Emprezario: o Senhor -Administrador. Intelligentes: o Senhor Joaquim (por procuração), ou João -Cabral. - -N’este anno, as corridas promettem. O _primeiro espada_, Senhor Abilio, -foi occultamente a Madrid adestrar-se com Lagartijo e com Frascuelo. O -gado, do lavrador Ladislau, é manso. Tem fraca _pinta_ e pouco _pé_. A -casa está passada para as primeiras corridas semanaes. Ha toiros para -curiosos. - - * * * * * - -Agora, duas tiradas a serio: - -A administração do nosso Municipio anda como V. Ex.ª sabe, querido -leitor, em bolandas e ao deus-dará. Muito lhe poderia dizer a tal -respeito; mas esta gente séria da terra, tanto me tem soprado aos ouvidos -com aquella preventiva phrase de: - - _Nem todas as verdades se dizem_ - -que, _por emquanto_, ainda me resolvo a conservar na minha carteira os -curiosos apontamentos que d’estas coisas de Valença, cuidadosamente -tenho colligido. Prosigamos. - -—Approvou-se ultimamente um novo traçado de estradas para o districto; -todos os concelhos foram contemplados, menos o de Valença. Pelos modos, -lá nas secretarias das Obras publicas ainda se não descobriu, ao certo, -se isto pertence a Portugal, se á Galliza. A Camara podia elucidar -este caso e requerer, ou instar por concessões a que tem direito. Os -politicos, porém, teem mais em que pensar... Ainda se não decidiu a -=Questão da Musica=. - -—Alli, na Esplanada, amontoam-se, sem ordem nem regularidade, as novas -construcções. Ora, apesar da opposição dos paysanducos, a futura -povoação de Valença ha de extender-se por esses campos fóra, e esta -latrina acastellada com muralhas, poternas e tenalhas, passará a ter o -merecimento historico das ruinas de Lapella, hoje excellentes para ninhos -de morcegos, luras de toupeira e tocas de grillos. - -Portanto, a qualquer cerebro medianamente esclarecido parecerá urgente -e indispensavel o levantamento d’uma planta, que desde já disponha, com -regularidade, as arterias da futura povoação. - -Não se pensa em tal, nem é preciso. Temos a lei das expropriações. A -ordem é rica, os frades são poucos e os imbecis são muitos. Ha mais em -que pensar. Temos a =Questão da Musica=. - -—No centro da villa, ao lado da Ex.ᵐᵃ Camara, existe uma commua, que -chamam: Eschola municipal. - -Quando quizerdes avaliar a civilização d’este povo, que se ri de vós—oh -gentes de Monsão e de Coura!—vinde cá, embebei o lenço em agua de Colonia -e entrae alli, na Eschola, onde sem ar, sem luz, sem condições hygienicas -de qualquer natureza, se atrophiam diariamente dezenas de creanças. - -Os rapazes, cá na terra, sahem da barriga das mães, já com a caneta -atraz da orelha para escreverem á familia; não precisamos, portanto, de -subsidios do Conde de Ferreira, nem de utensilios escholares. - -Corre tudo muito bem. Só falta uma coisa: um pelourinho, alli ao -pé da _Sexta_, com os nomes dos philanthropos que responderam aos -testamenteiros do Conde: - -—_Dispensamos o subsidio; não temos terreno para a eschola; está tudo -occupado com cacos de guerra e com o Assento dos militares!_ - -—Diz-se que é util o saber lêr e, n’esta crença, auxilia-se em toda a -parte a instrucção do povo, fiscalizando-se o serviço das escholas, -animando-se as creanças e estimulando-se os professores. - -O pelouro da instrucção (?) no concelho de Valença é um mytho, uma coisa -nominal e hypothetica. - -Regateiam, por ahi, miseravelmente, os dois patacos de expediente; e na -Eschola, como verdadeira commua, não ha mobilia, não ha um mappa, não -ha uma esphera, uma loisa, um diccionario. A Camara não gasta dinheiro -n’essas ridicularias; gasta-o, mas com outras applicações, que fazem -parte dos meus apontamentos particulares... - -De quando em quando o bandalho da Politica entra tambem nas Escholas; e -d’essa visita, nascem as perseguições torpissimas e ineptas contra homens -que, politicamente podem ter todos os defeitos, mas que para o exercicio -do cargo que exercem, possuem incontestavel aptidão. - -—Construiram-se, no largo principal da terra, os Paços do Concelho. O -edificio ficou uma gaiola de grillos, com uma unica porta, para elles não -fugirem, quando lhes appetecer a serradela. - -As divisões interiores são d’uma disposição perfeitamente apatetada. -Com as dependencias do Tribunal, repetiu-se aquelle caso dos _moinhos -de Coura_. Lá, só pensaram na agua, quando os moinhos estavam promptos; -cá, só depois do Tribunal concluido, é que surgiu na mente dos illustres -senadores a necessidade _provavel_ d’uma sala para jurados. - -Mas o defeito remediou-se e bem. - -Fez-se uma especie de espigueiro, um sotão, como os que a gente tem para -extender as batatas por causa do grelo e para lá se manda o Jury. Está -alli muito bem, livre de correntes d’ar, e com grande vantagem para os -curiosos da terra: muito antes que se pronuncie a sentença, já se póde -saber, pela janella das escadas, se o réo vae para a rua, ou para o -_cavallinho de pau_. - -Não ha dinheiro que pague esta commodidade. - -—Na Coroada, admiram os forasteiros a desconjunctada architectura d’uns -cortelhos, onde, em nauseabunda promiscuidade, se aconchegam de noite: -mulheres, porcos, creanças, bacorinhos, gatos com tinha e cadellas com -sarna. - -Em terra menos civilizada, já o _senado_ teria estudado o meio de, por -uma operação financeira possivel de realizar, sem graves encargos, -transformar esses focos de immundicie em habitações economicas, mas -hygienicas. - -Mas, então, V. Ex.ª não viu na Exposição de Paris, entre tantas -maravilhas da Arte, as primitivas construcções dos differentes povos? -Pois cá, em Valença, não precisamos de arranjar artificialmente essa -exposição. Alli estão os _cortelhos_ da Parada velha, immundos, doentios, -nojentos,—como nota caracteristica do nosso Progresso moral e material. - -—A gente das cidades tem a mania da Civilização. Abre mercados, rasga -ruas espaçosas, aformoseia praças, alinha os edificios e varre as ruas. - -Com o pretexto da hygiene e da limpeza faz dinheiro até do esterco. - -—_Miserias humanas!—dizem os nossos camaristas. Nas ruas de Valença, o -que cai, deixa-se ficar. Podem-nos chamar immundos, mas ao menos, não -somos dos futres que vendem carros de lixo._ - -Cá, a gente é assim... - -—O concelho precisa de estradas que unam as freguezias e facilitem -as communicações. A estrada de A para B foi considerada, como a mais -urgente, pela importancia (politica, já se vê) de B. - -Principiou-se a estrada: terraplenagens, aterros, desaterros, etc. - -A folhas tantas, desabou a caranguejola ministerial e o que era -politicamente positivo em B passou para negativo. Suspendeu-se a -construcção da estrada. - -Chegou o inverno: lamas, enxurradas, desmoronamentos. O que estava feito -inutilizou-se, mas não importa: a ordem é rica, os frades são poucos e os -imbecis são muitos. Ha mais em que pensar: a =Questão da Musica=. - - * * * * * - - -Junta de Parochia - -Instituição composta de differentes membros, sob a direcção do Senhor -Sampaio e patrocinio do Senhor Agostinho. Nada mais, creio eu, é preciso -dizer. - -Essa instituição, que n’outras terras presta valiosos serviços á -Beneficencia e á Instrucção, jaz ahi na mais abjecta inutilidade. - -A manifestação mais evidente da sua actividade, deu-a na importantissima -_Questão da Porta_, com o Senhor Baptista. - -A Junta não tem meios; é pobre, vive da graça de Deus. Tem os telhados -da Egreja desmantelados; não póde gastar um real em adornos, ou reparos, -no interior do templo. Conserva, nos adros, as ossadas dos nossos -antepassados—n’esses adros que a gente pisa, onde os cães levantam as -pernas e dão muitas voltas, fingindo que se sentam; onde, á noite se -baixam as calças e se praticam mil obscenidades. Alli, debaixo d’aquella -terra e d’aquella pedra estão os craneos dos nossos parentes, craneos que -já tiveram carne, olhos, bocca, labios que acarinharam os nossos paes; -estão alli os restos dos braços que aconchegaram ao peito, em noites de -amargura e de afflictiva ancia, a cabeça dos nossos avós, quando a febre -lhes amortecia os olhos e escaldava as faces. - -O respeito aos mortos e o espirito da Religião impõem a urgente exhumação -d’essas ossadas e a sua mudança para o cemiterio. - -Não póde ser. Não ha dinheiro; a Junta é pobrissima e tem despezas mais -urgentes e indispensaveis, como as que se fizeram com a _Questão da -Porta_. Pois não era um escandalo? Ainda que se empenhasse a Cruz de -prata! Mas não foi preciso; para isso, para a Justiça, ainda a pobre -Junta teve as trinta libras, que a questão levou... - -Deus, Nosso Senhor, se lembre, para desconto dos meus peccados, da -repugnancia com que nego licença á penna, para reproduzir as ideas que, -n’este momento, tumultuam no meu cerebro... - - * * * * * - -—Ascencio José dos Santos deixou á Junta de Parochia de Valença estas -e aquellas propriedades, com o encargo seguinte: instituição d’um -lausperenne mensal com tantos padres e tantas luzes, etc. - -Com o rendimento d’essas propriedades pagaria a Junta as despezas do -lausperenne, applicando o restante ao desenvolvimento da Instrucção do -Concelho. - -A Junta acceitou o legado, vendeu as propriedades e converteu o producto -em inscripções que rendem, annualmente, _cento e dez mil reis_. - -A despeza total dos lausperennes, pagando-se generosamente, é de _doze -libras_, ou _cincoenta e quatro mil reis annuaes_, restando, por -consequencia, um saldo importante. - -A Junta de Parochia acceitou, como disse, o legado; mas os mezes passam -e ninguem ouve falar dos lausperennes, porque não se fazem. O Senhor -Sampaio, apesar de ser um homem muito temente a Deus, não quer gastar -dinheiro com padres. - -Dispõe do que é seu e faz muito bem. - -Estas coisas consideram-se, cá na terra, como admissiveis e legaes. Uns -chamam-lhes descuidos, outros desleixos, etc. Eu pouco sei de sciencias -juridicas; mas confrontando este facto com outros, que por ahi vejo punir -na cadeia, não ha quem me tire da cabeça, que o _descuido_ da Junta entra -na classe d’aquelles _descuidos_, que a Lei chama: roubos. - -Pura e simplesmente =um roubo=; ao culto, á Lei, ás crenças d’um morto, á -Moralidade, á fé dos contractos, ás disposições d’um testamento, que em -toda a parte se cumprem fiel e rigorosamente. - -E já que o vendaval do Tempo levou os ultimos sons d’essas fervorosas -manifestações de Sentimento, que á beira do tumulo d’um homem que caíu -fulminado defendendo os interesses de Valença, inspirou tanto necrologio -bombastico e tanto discurso farfalhudo—já que em homenagem á memoria do -homem que amou, como ninguem, esta terra, porque tinha na alma a rigida -austeridade d’um caracter impolluto e sacrificava os haveres, como -sacrificou a vida, sem pedir á Politica o salario dos seus serviços—se -não ergueu ainda, ahi, uma voz para reclamar da Justiça o cumprimento -rigoroso das disposições a que se obrigou a Junta de Parochia, seja-me -permittido alterar, por momentos, a feição humoristica d’estes artigos -para, com verdadeira indignação, dizer ás auctoridades que, n’esta -terra, vigiam pelo cumprimento da Lei: - -A Junta de Parochia =rouba=, mensalmente, ao culto os lausperennes -instituidos no legado de Ascencio José dos Santos. - -Esses lausperennes representam _cento e dez mil reis annuaes_, que são -desviados para applicação illegal e ignorada. - -Ha, ou não ha obrigação de cumprir as disposições dos legados? - -Ha, ou não ha Lei que peça responsabilidades aos auctores d’estes -_desvios_? - -.............................. - -—Prosigamos, porque a rabeca desafina. - - * * * * * - -Santa Casa da Misericordia - -É uma Santa Casa de Politica. - -As eleições disputam-se (tudo por philanthropia) como as da Camara, ou do -deputado. Impera sempre n’ellas, para suprema humilhação dos valencianos, -a massa bruta da Urgeira, porque ha o cuidado de conservar alli a maioria -dos _irmãos_. - -Quem escreve estas linhas já teve, por duas vezes, a honra de ser -convidado para _irmão_ da Santa Casa. _Por acaso_, aconteceu sempre isso -em vesperas de eleições. Mero _acaso_. - -Na ultima lucta eleitoral entrou uma fornada de 60 ou 70 _irmãos_. -Offereciam-se os diplomas com todas as despezas pagas, e depois da -eleição houve regabofe de castanhas e vinho branco. O moderno _carneiro -com batatas_ ainda não estava inventado. - -Foi uma eleição renhida, tenazmente disputada; e, com ropias de parva -politiquice, dotou-se a terra com mais uma loja de... barbeiro! - -Deus me livre de duvidar, por um momento, dos sentimentos caritativos dos -especuladores, quero dizer, dos protectores da Santa Casa. - -Mas (pergunta-me um diabo que tenho aqui, ao pé de mim, e que desconfia -de tudo), porque será que em todo o anno ninguem se lembra do Hospital -para lhe augmentar os rendimentos, ou para alargar a sua acção benefica? - -Porque será que esse zelo se não manifesta agora, auxiliando os -Provedores nos trabalhos da utilissima instituição que o legado Cruz -fundou—o Asylo? - -Porque vos não reunis agora em activa propaganda,—oh cafila de -pantomineiros!—angariando no Concelho donativos em dinheiro e em -materiaes que habilitem a Santa Casa a, quanto antes, poder levantar esse -edificio tão util para os infelizes? - -—Parece-me (diz o tal diabo) que se a Santa Casa, em vez de ter um -capital de =cento e tantos contos=, em inscripções, escripturas com -hypothecas, e =fiadores= com =paes=, =manos= e =cunhados=, tivesse apenas -algumas de X, ninguem lhe disputaria as eleições. - -Que diz V. Ex.ª a isto, interrogando a sua consciencia? - -Teremos n’este caso Philantropia, Politica, ou... abandalhado Arranjo? - -Em coisas da Santa Casa, _por emquanto_, vem só isto á luz do dia. - - * * * * * - -Ora aqui tem V. Ex.ª um rapido e superficial exame sobre as principaes -instituições da nossa terra. - -A Politica, a Hypocrisia e a Rotina imperam soberanamente em tudo que -póde ser util em Valença. Por isso, quando a gente bate á porta de muitos -filhos d’esta terra, que lá fóra, pela sua posição e pela sua fortuna -podiam auxiliar novas instituições, só ouve queixas, reclamações e justos -resentimentos. - -O grande homem da nossa terra seria um velhaco qualquer que em eleição -renhida pudesse _empalmar_ o João de Gaiteira, ou o Abbade de Cerdal. - -Se alguem conseguisse isso, á noite, na taberna do Pedro, teria uma -apotheose de _calhos_ e de chouriço com ovos, de rachar tudo. - - * * * * * - -—Mas, oh sr. Zinão, dirá V. Ex.ª, então não ha por ahi homens que tenham -interesses no Concelho e que lucrem com o seu desenvolvimento? - -—Oh, meu senhor! V. Ex.ª sabe quem verdadeiramente mexe os pausinhos da -nossa Politica? São os pyrotechnicos da _Questão da Santa_. São dois -homens que teem tantos interesses no Concelho como eu, que por duas -_perras chicas_ offereço a V. Ex.ª as minhas propriedades. São os que -armam as _baralhas_. - -Não teem um palmo de terra que os interesse no desenvolvimento da -Agricultura; não teem uma capoeira nas freguezias, que lhes faça sentir -a necessidade de estradas; não teem relações directas ou indirectas -com o Commercio, nem com a Industria. Entre elles e as instituições -civis ha um abysmo. Nunca fizeram parte d’uma corporação que tratasse -do desenvolvimento do Concelho. De administração municipal sabem tanto, -como eu sei quem V. Ex.ª é. Influencia pessoal: como são dois, levam dois -votos. Tem Politica de sapa. Ensaiam as comedias, põem os actores na rua, -mas quando veem fogo nas barbas da vizinhança mettem-se em casa e fecham -as portas. - -Posso francamente asseverar a V. Ex.ª que esses homens inspiram na -povoação mais antipathias do que affectos. Elles que digam a V. Ex.ª se -não teem a consciencia d’isso... Aos que lhes fazem a côrte oiço ás -vezes cada arcada, em surdina... - -Um quer por força pôr o pé nas muralhas para trepar á tina, onde se -tingem as meias. O outro surgiu ahi na tripode das sibyllas sem a gente -saber _como_ nem _porque_; dizem que vê as coisas muito ao longe. Ás -vezes adivinha, mas se dá a _palavra d’honra_... é tolice certa. - -Ora, como na terra dos cegos e dos dorminhocos quem tem um ôlho é rei, os -homens por cá vão arranjando a sua vida muito honradamente e livres de -vergonhas do mundo. - - * * * * * - -Esses dois maioraes representam os dois partidos; porque nós, meu senhor, -nominalmente, tambem temos dois partidos, como as terras grandes. A gente -é sempre a mesma. - -V. Ex.ª recorda-se do que succedeu ha quinze dias, em S. Pedro, com os -comparsas d’aquelle _Auto_ dos Moiros e Christãos? - -O Zé da Cancella, o Chico da Aguilhada e o Tóne do Pernicas, no primeiro -domingo _faziam_ de judeus. N’aquella scena em que, por ordem do -Bento Cambádas, que era o Herodes, matam os innocentes, o publico e -especialmente o mulherio, _escamou-se_ com elles, mandou-os _p’ro raio -que os parta_ e correu-os a _soque_. - -No outro domingo nenhum d’elles quiz _fazer_ de judeu e para que a -_peça_ se representasse, metteu-se o Senhor Abbade no caso. Os que eram -christãos passaram para judeus e vice-versa. - -Cá, nas farças da nossa Politica, succede o mesmo. Quem faz de Abbade é o -Senhor Administrador. - - * * * * * - -Ora aqui está, meu senhor, a razão porque o Concelho ganhou o titulo de -_burgo podre_ e a razão porque a gente, quando vae offerecer o circulo -a pessoas serias, como succedeu ha mezes, é posta no ôlho da rua pelo -creado da casa. - - * * * * * - -Voltemos á =Questão da Musica= e encaremol-a pelo seu verdadeiro -aspecto—o comico. - -Esta celeberrima questão, decomposta nos seus factores, baseia-se n’uma -simples formalidade, n’uma pueril e ridicula ceremonia: a licença do -Conde de Lippe, a licença do Administrador, ou uma e outra concedidas ao -mesmo tempo. - -É um caso comico, como o do Hyssope. - -Examinemos: - -A Musica é a applicação artistica do som; influe poderosamente em a -nossa natureza psychica, quer a agite com as sonatas de Beethoven, em -que o Sentimento nos apparece burilado e subtil, como uma cinzeladura -de Cellini, quer tumultue nas estranhas innovações de Wagner, em que a -Harmonia, á primeira audição, nos fére de imprevista e áspera. - -Decomposta nos seus elementos, a Musica reduz-se a simples vibrações, -transmittidas pelas ondas sonoras. No caso presente, visto que na -=Questão da Musica= se trata d’um grupo de labregos, que selvaticamente -mortificam os nossos apparelhos auditivos, essas vibrações que, pela -instrumentação, se transformam na Harmonia, partem do organismo humano. - -Examinando o organismo humano, verificamos que os elementos essenciaes -á potenciação d’essas vibrações podem, egualmente, ser fornecidos -pelas duas extremidades do canal digestivo e modulados, ou regulados, -pela articulação da maxilla inferior, ou pela elasticidade muscular do -esphincter. - -A composição molecular d’esses elementos será pois: oxygenio, azote, -acido carbonico e vapor de agua (caso _a_), ou: hydrogenios carbonado e -sulfurado e acido carbonico (caso _b_). - -A sua acção vibratil chama-se vulgarmente sôpro, ou bufo; e n’esta ultima -designação, que é a mais geral, para distincção dos dois casos _a_ e -_b_ relativos á composição molecular, costuma o povo usar do genero -masculino no primeiro caso, e do feminino no segundo. - -Assim, por uma rigorosa analyse, de deducção em deducção, chegamos ao -seguinte resultado: que a essencia (caso _b_), o valor, a importancia -d’essa celebre questão, que fez perigar a paz das nações e que, por ahi, -inspirou tanta facecia e tanto remoque de _fino espirito_—é um simples -caso de sôpro, é um reles caso de bufo (_b_). - -E continuando a empregar o methodo deductivo, visto que esse caso foi -o producto d’uma laboriosissima gestação politica, com muita vigilia, -muita tactica e muito estudo, por isso que foi cuidadosamente preparada -pelos dois partidos contendores—visto que elle symbolisa e exprime os -valimentos intellectuaes e politicos dos chefes e maioraes—afoitamente -podemos dizer, synthetizando: tudo isso e todos elles não valem um bufo! -(_b_) - -Politiquemos: - - * * * * * - -Os dois partidos prepararam com longa antecipação, no remanso dos -gabinetes, esse estupendo acontecimento. - -Mediram-se as forças, calcularam-se os accidentes, preveniram-se as -hypotheses, estudou-se cuidadosamente o terreno, escolheu-se a hora e -inventou-se o pretexto. A malandragem de Ganfey foi assoldadada para -deitar fogo ao rastilho. - -Na vespera de rebentar a bomba, descobriram-se os jogos e todos ficaram -logrados. Um dos chefes recebia ordem para ficar ás ordens do outro; -este, esbarrava a cabeça na estupidez do Zé Povo e nos barrancos que a -sua inepcia cavára. - -Cá a gente (já se vê) n’essas alturas, arrebitava a pança com o brodio, -a vêr os toiros de palanque; e, como elles ainda escabeceiam no curro, -vae-lhes mettendo a sua farpa muito honradamente. - -Depois da explosão da _coisa_, principiou a desembestar-se por ahi a mais -sordida mistela de pilherias apanascadas, que tiveram echo no districto, -como se o ridiculo de tudo isso não fosse bastante para nos fustigar o -rosto e alvoroçar o sangue. - -A partida perdeu-se. Quem a pagou (e foi carita) chorou sete dias e sete -noites. Os pyrotechnicos metteram-se em copas. É da praxe: nas barracas -do _Pim-pam-pum_, quem ageita os bonecos não paga entrada. Entra pela -prenda... - - * * * * * - -Farpeemos... - -Depois d’essa dejecção politica, os campos conservam-se armados, -medindo-se os adversarios com rancor. No meio d’elles, lá está o sôpro, o -bufo (caso _b_)—eterno pômo de discordia. - -Progressistas teimam em obstar que a gente em occasião de festa, possa, á -noite, dar a sua gaitada por essas ruas e muralhas. - -Regeneradores, pela penna auctorizada do Senhor Joaquim, como Juiz da -Senhora da Saude, invectivam o Ministerio, reclamando a livre expansão do -bufo (_b_). - -E agora, que estamos em maré de syndicatos, n’esta carencia de bufo -(_b_) muito dinheiro podiam ganhar alguns senhores cá da terra e aquelle -barqueiro de Vigo... - -Ha coisas que, guardadas, engarrafadas, servem para occasiões de falta e -dão muito dinheiro... - - * * * * * - -O certo é que não se obtem licença para Musica dentro de Valença; ou -porque seja negada por mero capricho do Senhor Administrador, ou porque a -recuse o Lippes. - -Porque nós—louvado seja Nosso Senhor Jesus Christo—somos cidadãos tão -portuguezes, como os de Coura; pagamos decima, como os de Coura; damos -votos, como os de Coura; fazemos filhos para o exercito, como os de -Coura, mas não temos as liberdades civis, que teem os de Coura. - -Pelos modos, ainda nos corre nas veias algum resto d’aquelle bulhento -sangue dos nossos antepassados, os soldados de Viriato, que, segundo diz -o Senhor Joseph Avelino, tanto assarapantaram o mundo com os seus feitos; -e o Governo, em vez de uma auctoridade administrativa, manda-nos duas! - -—Quer V. Ex.ª dar a sua gaitada? Precisa de dar o seu _bufo_? - -Tem de ir pedir ao Administrador e á Praça; e antes de transitar por -essas ruas tem de bufar, voltado para a casa do Governo. Se offerece -as primicias do _bufo_ á Camara, ou á Administração, a Praça amua e ha -baralha, como succedeu com a _fanfurrilha_ gallega. - -—Tem V. Ex.ª fogo em casa? - -Acodem, logo, da Praça e da Administração: - -—Mando eu. - -—Não mandas tu. - -—Apago eu. - -—Apaga tu. - -Levanta-se questão; tudo grita, tudo berra, e V. Ex.ª, para se livrar de -prejuizos, o que tem a pedir ao seu Anjo da Guarda é que o deixem ficar -sósinho com o fogo, que é mais socegadinho e pacato. - -—Ha _banzé_ no theatro, ou na rua? Lá os temos em disputa. - -De fórma que, se um dia, V. Ex.ª por esquecimento, por descuido, larga o -seu bufo (_b_) na cara d’uma das auctoridades, e sem a devida licença, -leva pancada dos dois. - -É preso. Chega um paysanduco e agarra V. Ex.ª pelo braço direito. Vem o -Balagota e agarra-o pelo esquerdo. - -—Venha para a Praça! - -—Venha para a Administração! - -Puxa um; estica o outro. - -V. Ex.ª atrapalha-se, reclama, gesticula, bufa... (_b_) - -Se o faz na cara do paysanduco, mais pancada leva. Se mimoseia o -Balagota, este põe-se ainda mais amarello do que é, e apita. - -Santo nome de Maria! O que ha-de a gente fazer? - -Sem musica, sem _bufo_ não se póde passar. Fossem-no lá prohibir ao -Senhor A. Seixas! Estoirava... de raiva. - -Dentro de casa, felizmente, ainda V. Ex.ª póde mandar tocar a Musica e -dar o seu _bufo_; mas eu estou a vêr isto de tal fórma que, d’aqui a -pouco, se V. Ex.ª, em qualquer sitio, na sala de visitas, na cama—por -exemplo—lhe appetece bufar, tem logo, ao seu lado, um paysanduco e o -Balagota, procurando, investigando, cheirando, esmiuçando, por cima e por -baixo da cama, levantando, até, a roupa para metterem os narizes (imagine -V. Ex.ª a sua desgraça se, para essa operação, lhe apparece o nariz do -Dr. Ladislau...) e berrando depois, irados: - -—_Aqui deu-se um bufo!_ - -E V. Ex.ª terá de pedir perdão, confessar o crime, ou desculpar-se -humildemente, dizendo: - -—_Não dei, não, senhor! E se dei... não foi por querer..._ - -Ora a nossa desgraça! - -Oh gentes do Kalakana! que dizeis a isto? - - * * * * * - -Esta interrupção dos tubos... musicaes—claro é—vem a acabar; e com a -mesma imbecilidade, com que actualmente os progressistas impedem a livre -circulação do _bufo_, os regeneradores, subindo ao poder, hão-de metter -cá dentro, quanto nedio folle por ahi haja, previamente reforçado com -alimentos explosivos. - -E n’esse dia anti-pituitario, em que tenho de encontrar: uns, de vexados, -em casa ou fugindo de corrida ao apupo; outros, de pança tesa e cara -alegre, abraçando-se por essas ruas—e todos, supinamente idiotas e -essencialmente ridiculos—cá me tendes, oh _bufos_ e _anti-bufos_!, para -vos estralejar nas ventas a mais sonora gargalhada, que gentes de Valença -teem ouvido! - -E tenho tambem uma idea... - -Emfim, vocês merecem recompensa, pelo enthusiasmo com que teem tratado -d’essa questão, de grande valor e importancia para a terra. Mastigae já -em secco e ouvi lá marotinhos: (mas caluda, por emquanto): - -Nos _cómes-e-bébes_ dos philarmonicos hei de misturar umas gottasinhas -d’um certo elemento drastico - -—Oleo de Croton Tiglium—por exemplo, para que elles, nas ruidosas -e puxadas explosões dos seus _bufos_, vos possam dar tambem—oh -progressistas e regeneradores do pataco!—algo mais de... - - ...solido! - -Toca a aguçar a dentuça, Politiqueiros de meia-tigela! - - - - -XV - -As Muralhas - - -Em que condições vivemos? - -Com pejo hesito em denuncial-as. - -Vivemos acorrentados ao estupido regulamento, dado ás gentes, ha perto de -seculo e meio, pelo Conde de Lippe. - -Vivemos como os forçados e os grilhetas—cercados de muralhas. - -O que significam, hoje, as muralhas? - -O retrocesso, o dominio brutal da pedra; isto é, Pasteur, Edison, Comte, -Jenner, Spencer, Hugo, Castelar, Capello, Ivens, Herculano, Pestalozzi, -Broca, Kossuth, Humboldt, Chevreul, Wurtz, Lesseps, Eiffel, arremessados -para a barbarie dos tempos primitivos, para a idade paleolithica, em que -o homem usava cuecas, cozinhava de cocoras, contava pelos dedos e pescava -trutas á unha, porque desconhecia, ainda, a engenhosa disposição do -anzol e a grande vantagem da minhoca. - -Significam os combates dos barbaros; a bruteza dos despotas; as luctas -fratricidas; o assassinato legal; a ambição copulada pela força; a lucta -braço a braço, arca por arca, alma a alma; a feroz e brutal sensualidade -do vencedor, que sorve dos labios do vencido o ultimo alento; o escabujar -do moribundo nas vascas de cruissima agonia... - -Significam as pontes levadiças, o embate de duas ondas humanas que -se chocam, se enroscam, se atropelam, se mordem e se agitam por -fim, convulsivamente, n’um montão disforme de farrapos, de carnes -ensanguentadas, onde rouquejam as maldições, os estertores, até que as -rodas da carreta, ou as patas ferradas d’uma mula acabem de esmagar, de -confundir e triturar. - -Significam o assedio, o bombardeamento, o incendio, a fome, as mil -privações e sobresaltos; a viuvez, a orphandade, o lucto—a morte; isto -é: quatro pás de terra sobre um corpo amado, que jaz hirto e nú, ahi -para qualquer canto, sobre o monturo, proximo á _Sexta_; as canções -roucas e truanescas dos coveiros do Hamlet; o uivar sinistro da canzoada -lazarenta, que escancara as mandibulas, esgaravatando a terra para -esfarrapar as carnes; o crocitar lugubre dos corvos, que revolteiam -no azul dos céos, espreitando lauto e succulento festim no rebordo -ensanguentado das feridas... - -Significam a agonia lenta, afflictiva; o velar-se da vista nas sombras -da Morte e, n’esse debil bruxolear do espirito, a visão meiga e então -dolorosa da familia, da infancia, dos affectos que nos ligaram á vida sem -que, collados os labios, confundidos os alentos, n’um derradeiro olhar -e n’um derradeiro beijo, se possa desprender a alma entre almas que nos -amaram. - - * * * * * - -Com que veneração e respeito eu conservaria uma das tuas cans, benemerito -Pasteur, apostolo bemdito do Bem, e com que tremendo pontapé eu te -esmigalharia o busto, se aqui o tivesse, feroz Napoleão, negro chacal da -Morte, para quem são poucos todos os horrores e tormentos, que a genial e -portentosa imaginação de Dante phantasiou nos seus nove circulos! - - * * * * * - -Felizmente, toda esta sentina de granito que os espiritos bellicos -e phantasistas denominam _formidolosa Praça_, nunca teve um real de -importancia, na historia militar do nosso paiz. - -Isto foi sempre o que hoje é—uma _feira da ladra_ de tarecos velhos e de -cacada guerreira. - -Quando em 1809, Soult atravessou a fronteira, o aspecto d’esta -carcassa não o atrazou um minuto na marcha. Passou ao largo, sorriu, -atirou cá dentro meia duzia de obuzes e continuou em paz o seu caminho. -Palpitou-lhe que não valia a pena subir a Gaviarra, porque não tinhamos -custodias d’oiro para roubar, nem preciosidades artisticas; n’essa epocha -não existia o muzeu do sr. Sampaio, nem se falava na mystica collecção do -Albininho. - -Em 34, Napier, a cavallo n’um burro pôdre, veio de Caminha a Valença, -seguido por um pelotão de marujos inglezes. Sem estribos, com a volta -das meias cahidas sobre os sapatos, rindo com bom humor, berrou alli da -Esplanada: «_Ao governador de Valença! Senhor: tenho uma esquadra em -Caminha e se vos não entregaes, mandarei buscar cem peças de artilheria, -cercarei a praça e a vossa guarnição será passada á espada._»[38] - -D’alli a um quarto de hora, Napier estava cá dentro. - -Depois d’isso, os grandes successos militares da nossa terra limitam-se -a breves assedios, nas luctas civis de 37 e 47. Houve muito susto, muito -fanico nos dois sexos, alguma granada para espalhar tristezas, e assim -se arranjou um simulacrosito pacato e economico d’um cerco em regra, -como o que soffreu, ha 19 annos, Strasburgo—(senhoras e senhores, que -ainda fallaes com pavor de 37 e 47)—em que aquella desgraçada cidade -teve constantemente, vomitando a morte e a ruina para dentro dos seus -muros, umas 170 boccas de fogo—ninharia que devia fazer um poucochito de -barulho... - -Mas apesar d’isso, de nada valeram os ultimos assedios; eu—com -franqueza—sinto-me muito mais feliz do que os srs. Manoel Antonio de -Barros, José e João Seixas, Santa Clara e outros que assistiram a -essas tristes scenas das nossas dissenções politicas; e sinto-me mais -feliz, porque, emfim, não me destinou Deus para emprezas guerreiras -e contento-me em conhecer os effeitos e propriedades da polvora nas -bichinhas de rabear do S. João, ou nos devaneios pyrotechnicos da palerma -Urgeira, sem offensa para o sr. Chiquinho Veiga. - - * * * * * - -Mas vejamos qual é a necessidade de conservar essas odiosas reliquias dos -tempos barbaros e qual a razão que se oppõe, a que nos seja permittido o -que já conseguiram outras terras da fronteira, como Caminha, Cerveira, -Monsão e Melgaço—o arrasamento de tão brutaes construcções. - -Será a posição estrategica? - -Condições excepcionalmente favoraveis na opposição a uma invasão -extrangeira? - -O inexpugnavel d’aquella posição? - -Cartas na mesa, teias d’aranha limpas e jogo franco, senhores da alta -militança, lá das Secretarias da Guerra. - -Toda esta coisa, com as suas muralhas, baluartes, fortes, contra-fortes, -revelins, fossos, falsas bragas, casamatas, cortinas, tenalhas, poternas, -escarpas, contra-escarpas, banquetas, meias-luas, taludes, pontes -levadiças, abobadas, etc., etc., que constituem na sua complicada relação -a arte de Vauban, toda esta coisa, repito—não vale um pataco sebento do -sebentissimo D. João VI! - -E tanto não vale um pataco, que apesar do apregoado valor estrategico -augmentar com a Ponte internacional e de os engenheiros militares -terem lembrado, quando se construiu a linha ferrea, certas obras que -garantissem as condições da defeza, prejudicada com os aterros e -desaterros—até á data nada se fez, nem se fará, se Deus Nosso Senhor -quizer. - -E tanto não vale um pataco, que se eu tiver em Lisboa um bom _trunfo_ -politico para empenho: se eu fôr, por exemplo, um João da Gaiteira, -elevado politicamente em potencia votante, ao quadrado ou ao cubo, -obterei, não só licença para construir nos arrabaldes da Praça, como, -tambem, limite de altura superior ao que eu desejar, embora a isso se -opponham todos os paysanducos e todos os regulamentos do sabio conde de -Lippes. - -Ora, de duas, uma: é ou não é importante o valor estrategico da Praça? - -Não é. Dil-o a sua historia; dil-o a historia das ultimas campanhas -europeas e encarrega-se de nol-o dizer o Governo de S. Magestade, quando -o apertam com a tarracha do voto. - -Será parvoiçada suppor que, no caso d’uma invasão, o inimigo se deteria -por um momento com as momices e os esgares d’esta desdentada carcassa. - -Perguntem a Strasburgo, a Verdun, a Bitche, a Toul, a Soissons, a Metz, -a Schelestadt, para que lhes serviram as vantagens do terreno e as -prevenções de Vauban. - -E sendo nullo o apregoado valor estrategico, que outra causa fundamenta -a estupida prohibição que se oppõe á construcção de novos edificios, ao -desenvolvimento de povoação, tornando odiosa a missão d’esse official -que, com um curso de engenharia e com a elevada orientação scientifica, -que hoje se obtem nas Escholas superiores, ahi está de sentinella ao -regulamento senil que tresanda a raposinho, a catinga, e de que a rotina, -o egoismo, e por vezes a velhacaria fazem instrumento de valimento e, -até, de vinganças pessoaes?[39] - -Attende-se á probabilidade d’um cerco, d’um acampamento, e á necessidade -de inutilizar, rapidamente, ao inimigo quaesquer pontos de abrigo? - -Mas, oh Molkes pataqueiros! Então prohibis que em minha casa possa -elevar meio palmo ao cano da latrina, impedis que no meu quintal levante -uma barraca para guardar as melancias e os nabos, e deixaes ahi cavar, a -dezenas de metros da praça, esse desaterro, onde se abriga uma divisão -com as respectivas familias, se tanto fôr necessario? - -Impedis que lá fóra, na minha horta, levante um pau com o gallo, para -catavento, ou equilibre quatro taboas, que um cão, alçando a perna no -exercicio de certa funcção, faz cahir, e mandaes construir essa outra -fortaleza de granito—a estação do caminho de ferro? - -Admittindo, mesmo, que o inimigo se estabelecesse para cá da fronteira, -que seria de Valença se no Faro, no Marco, ou em qualquer outra -eminencia, elle assestasse quatro canhões Krupp, Bange, Amstrong ou -Fraser, que arremessam projecteis com menos peso do que as vossas -cabeças—verdade é, porque não teem tanto municio—a 12 e 16 kilometros de -distancia? - -Para que nos asphyxiaes, pois, com estas montanhas de pedra, militarões -lá das altas repartições da Lysbia, estrategicos de meia tigela, que -por ahi inficionaes de rheumatismo, de gotta, de rapozinho e de pingo -simontado o que póde haver de proveitoso e util nas instituições -militares da nossa Patria? - - * * * * * - -As muralhas para nada mais servem do que para attestar aos extranhos -que—portas a dentro—o Progresso deixou de actuar. - -Servem, como pittorescamente disseram, ha mezes, uns lisboetas que -ousaram entrar cá dentro: para impedir que a porcaria e... manchem a -belleza dos arrabaldes; servem para balde do lixo, das immundicies, e -para os habitantes da villa satisfazerem, prompta e commodamente, um -determinado numero de necessidades, tanto em funcções de reproducção, -como em funcções de nutrição. - -Servem para a gente se desfazer das ninhadas de gatos, que a _Malteza_ -arranja em janeiro com as suas serenatas ao luar; servem para uma -entrevista baratinha e recatada com pudibunda sopeirinha; servem para -manter certas artes e officios; servem para fornecer o Hospital militar -de bronchites, tysicas, pneumonias e doenças assizicas, que essas -desgraçadas sentinellas arranjam em larga copia nas frigidissimas noites -de inverno, quando o nordeste, que corta e açoita, as apanha amarradas -com a trela da disciplina á carreta d’uma peça rachada, vigiando que o -gallego não escale as muralhas e a leve para berloque da cadeia. - -E servem, mais, para sustentar essa coisa caduca, ridicula, inutil, -offenbachicamente intitulada o - - Governo da Praça! - - * * * * * - -—Governo da Praça! - -Raciocinemos logicamente. - -Qual é a idea implicita n’este titulo? - -Commando, direcção na defeza da dita Praça. - -O que exigem estas funcções? - -Conhecimentos estrategicos e noções de todos os ramos da moderna Sciencia -militar, alliados ao senso, ao valor, á prudencia, ao prestigio e á -energia. - -A quem tem sido confiado tão importante cargo? - -Ao Zé da Rosa... - -Ora, meus senhores, com franqueza; eu aposto _aquillo_ de que se faziam -as barretinas, quando não eram da pelle d’urso, se—declarada a Praça em -estado de sitio e confiado o commando supremo com a direcção de tudo -ao Senhor Zé da Rosa—a cavallo n’um cabo de vassoira, com um espeto de -assar cabritos, com tres _malzabetes_, dois _paus-reaes_ e um _fileiras_, -não tomar Valença e não levar a toque de caixa na minha frente até ás -Bornetas, o Senhor Governador e todo o seu Excellentissimo Estado-maior! - -E para isto, para conservar a esta latrina uns apparatos bellicos de -opereta, estou eu arriscado, por um descuido, por uma descarga electrica, -a dar o meu passeio aereo até aos reinos da Lua, com a conservação -estupida de milhares de kilos de polvora, que uma noite podem ter a -phantasia de condemnar a minha humilde pessoa áquellas maravilhosas -viagens de Julio Verne. - -Ora, além do perigo, imagine V. Ex.ª a que enormes responsabilidades, -a que enormes complicações diplomaticas, a que enormes indemnisações o -nosso Governo se arrisca, conservando por cá essa materia explosiva, -que dava para tanta _bichinha de rabear_ e para tanto _caganitão_, se -lhe quizesse dar applicação differente da que ella hoje felizmente tem: -estoirar fragas e rasgar montanhas para facilitar o avanço da locomotiva. - -Imagine V. Ex.ª que em noite estrellada de agosto, Don Benito Naveas e -sua Ex.ᵐᵃ Familia tomam socegadamente o _té_, na sua _habitacion_ de Tuy. - -Don Benito, fiel ao partido legitimista encarece mais uma vez a bondade -e os merecimentos de D. Carlos, commentando tranquillamente entre -saboreadas fumaças d’um _pitilho_ e goles de _té_, as noticias que, sobre -o Pretendente, em o numero de _miercoles_, apresenta _La Integridad_, -luminosa gazeta assotaina da inventora dos _malzabetes_. - -«_Con securidad, Don Carlos és muy bueno hombre; una gran cabeza; el -unico rey que debia gobernar la Espana; es un hombre de religion, y que -tal... y que sei yo..._» - -Subito, ouve-se um estampido medonho. A casa abala-se nos seus alicerces; -as paredes oscillam; as traves gemem; as loiças tocam nos aparadores e -saltam em furiosa dança macabra. Ouve-se um _crac_ medonho, fende-se o -tecto e apparece em cima da mesa _del comedor_... quem?—o Senhor Abel -Seixas, em pello e em cabello, tal qual estava na cama, sem chinó, pança -sumida e olhinhos espavoridos! - -V. Ex.ª ri-se? Pois o caso não é para isso. Se chegam uma isca de fogo ao -paiol, a qualquer de nós póde succeder o mesmo. - -E diga-me V. Ex.ª quanto teria o nosso Governo de pagar a Don Benito pela -perturbação do seu socego e—o que é muito peor—pela alimentação d’esse -insondavel abysmo—a barriga do snr. Seixas—emquanto este cavalheiro, -arrancado bruscamente do seu leito e atirado por esses ares em -escandalosa nudez, se recusasse, pudicamente, a ostentar pelas _calles_ -de Tuy, no regresso á Patria, as linhas bambaleantes das suas formas -esculpturaes. - -Matutae sobre o caso, homens da Governança! - - - - -XVI - -A Manifestação de 14 de Janeiro[40] - -(PROTESTO) - - -Para cá dos limites que tracei á critica dos acontecimentos, por -qualquer aspecto evidentes e impressionaveis na chronica politica -d’esta terra, disponho hoje, serenamente, os apontamentos colligidos -sobre a manifestação de 14 do corrente, para os sujeitar á analyse -recta e imparcial, isenta de considerações pessoaes ou collectivas, sem -tergiversações de ameaças ou de lisonjas, a que subordinei o programma -dos _Sinapismos_. - -Á frente d’essa manifestação eu vi homens a quem dedico verdadeira -amizade; que respeito nos actos da sua vida particular; que me honram -com as suas relações, porque se impõem á consideração de Valença pelo seu -caracter digno e pela sua honradez inconcussa. - -Esses homens organizaram uma manifestação popular, que annunciaram como -patriotica e que outros classificaram como politica. Inspirada no amor da -Patria, ou na paixão partidaria, essa manifestação, evidenciada nas ruas -e nas praças, discutida na Imprensa como expressão dos sentimentos d’uma -parte da população, perdeu o caracter, para mim respeitavel, d’um acto -isolado da vida particular e adquiriu a importancia d’um facto social, -publico e, portanto, sob o dominio da critica. - -Abstraio, pois, do meu espirito as relações que me unem a essas -individualidades, e nos periodos que vou ordenar para a composição d’este -artigo, declaro, outra vez ainda, que aprecio a manifestação promovida -por um grupo anonymo de cidadãos e não por um grupo de individuos, d’esta -ou d’aquella classe, d’aquella ou d’esta côr politica. - -A violencia da phrase com que tenha de censurar qualquer aspecto d’essa -manifestação, que me pareça menos digno, não irá, pois, desvirtuar a -sinceridade de relações, mais ou menos affectuosas; nem poderá, tambem, -ser reputada como indicio de adhesão a opiniões já manifestadas por quem, -em identicas apreciações, se deixa desorientar pelas paixões partidarias -que levam a applaudir toda a inepcia d’um grupo em que se está filiado, -e a estigmatizar qualquer idea, muitas vezes util e proveitosa, suggerida -pelos contrarios. - -Esta é a missão do critico e praza a Deus que a consciencia nunca me -accuse de escrever o contrario do que ella, á luz da imparcialidade e -d’um livre criterio, dieta á minha penna. - -Nos periodos d’este artigo abandono a feição humoristica dos restantes. -Tenho de me referir á crise dolorosa por que actualmente passa a alma da -nacionalidade a que me orgulho de pertencer; e n’essa referencia, quando -a humilhação nos ruboriza as faces e a recordação das passadas grandezas -nos amargura e entristece, o sorriso seria uma villania e a gargalhada -seria uma infamia. - - * * * * * - -A força inicial dos acontecimentos de 14 do corrente não se póde -attribuir á expansão d’um sentimento patriotico, provocada pela -recente affronta de Lord Salisbury; na agitação do grupo que promoveu -a manifestação não vibrou a alma da Patria: tumultuou o espirito d’um -partido. - -Mas de qualquer caracter, patriotico ou politico, essa manifestação, -nas condições em que se realizou, envolvendo a bandeira nacional e a -responsabilidade d’uma povoação, não merece classificação diversa da que -se póde exprimir com estas palavras: - - foi =aviltante= para Valença. - -Os homens que a promoveram não teem direito á consideração e, muito -menos, ao applauso dos seus conterraneos, porque não são patriotas -sinceros, nem politicos dignos. São escravos inconscientes da politica -sertaneja, d’essa degradante aberração de principios sãos, de crenças -firmes, de convicções honestas, que desorienta, humilha e arrasta pela -lama da indignidade, caracteres respeitaveis e talentos privilegiados. - -Envolveu-se n’essa _manifestação_ a responsabilidade de Valença. - -Pois, em nome dos brios d’um povo que é portuguez, em nome d’uma terra -que amo, e que se faz respeitar no paiz pela auctoridade intellectual dos -filhos que a representam nos mais elevados cargos sociaes—eu =protesto= -contra o labeu infamante, com que o grupo organizador da manifestação de -14 do corrente aviltou a nobilissima attitude da Patria na desaffronta -d’um insulto e na defeza de direitos conquistados pelo sangue d’esses -heroicos luctadores que,—transpondo novos oceanos e descobrindo novas -constellações, arrostando os ignotos perigos do _Mar Tenebroso_ que a -phantasia popular envolvera na nebulosa dos mythos, luctando contra -a aspereza de inhospitos climas e contra as rudes vicissitudes da -guerra,—ás mais remotas regiões, ás mais distantes e mysteriosas -paragens, levaram o nome portuguez, desfraldando a bandeira, onde -não se lia, como nas dos modernos exploradores inglezes: =Infamia= e -=Oppressão=, mas: - - =Liberdade. Civilisação. Progresso.= - - * * * * * - -—Impulsionou-nos, dizem, o amor da Patria. - -Discutamos, então, a manifestação, sob esse aspecto. - - * * * * * - -Lord Salisbury, representante d’um povo egoista, perfido e covarde, -cuja Historia tem a gangrena da infamia, as pustulas da devassidão e o -excremento das villanias, fustigou com o chicote do seu _ultimatum_ as -faces de todo o homem que se honra com o nome de _portuguez_. - -A grosseria avinhada do insulto, a brutalidade do attentado contra -todos os direitos estabelecidos, a ferocidade do egoismo, a covardia da -imposição d’uma besta superior em força, a dolosa argumentação abonatoria -do _ultimatum_ e—sobretudo—a consciencia da nossa fraqueza e da nossa -impotencia para a defeza energica de direitos indiscutiveis,—afistularam -dolorosamente o coração da Patria e, de norte a sul, de oriente a -poente, da cidade ao burgo, homens de todas as classes, de todas as -condições e partidos, sentindo despertar, redivivo e forte, o espirito da -nacionalidade e o orgulho d’outras eras gloriosas, ergueram-se, gritando: -=Infamia!=—e occultaram o rosto, para que n’elle ninguem visse o rubor da -vergonha e o vasquejar do desalento. - -A Imprensa, o Exercito, a Academia, a Magistratura, o Commercio, a -Industria, os Municipios, as Sociedades recreativas, as Agremiações -de classes, o banqueiro e o artista, o pobre e o rico,—arrebatados, -galvanizados pela mesma chispa de acrisolado patriotismo—disputaram -primazia de nobreza nos seus protestos. - -Mas no rosto de todos esses homens, na eloquencia dos seus discursos, -no ardor das suas invectivas e no esgrimir da sua argumentação, eu vi -sempre, evidentes, sinceros, expontaneos e fervorosos, os impulsos de -nobilissimos sentimentos. - -Resaltava-lhes dos labios a indignação e, a espaços, no avincado da -fronte e no amortecido do olhar, eu descubri o anciar d’uma grande dôr e -o revolutear infernal do insulto humilhante, que não se póde vingar. - - * * * * * - -Um cortejo grotesco, esfarrapado, ululante, recrutado na Parada-velha e -avolumado por essa massa anonyma e inconsciente de povo, babugem na onda -de todas as manifestações e comparsa indispensavel em todas as farças que -tresandem a borga e a quartilhos de vinho, precedia o grupo promotor da -_manifestação patriotica_ valenciana. - -Lá na frente, um homem de cabellos brancos, agitando a bandeira da Patria. - -No conjuncto, uma arruaça carnavalesca, uma desordenada _fantochada_, -scintillante de archotes, tocos de sebo e phosphoros de espera-gallego; -ruidosa de gaiteiros e caixas de rufo, latas de petroleo, assobios de -barro, arrotos, berros asselvajados, graçolas de bordel, acclamações -roucas e avinhadas. - -Nos olhos, nas faces, na voz, no gesto dos promotores da _manifestação -patriotica_, uma alegria evidente, saltitante, irreprimivel, estoirando -nas expansões ensurdecedoras d’um jubilo guindado aos pinos do delirio, -pelo sopro bestial d’uma pandorga de encarvoados hottentotes, já celebres -na _Questão da Santa_. - -Abraços, fremitos de contentamento, chapeos no ar, demonstrações de -affecto, apotheoses jogralescas, guizalhadas de truão, vivas a Deus, ao -Rei, ao Regedor da Parochia, ao Exercito, ás Artes, ao pendão das quinas, -a Serpa, aos abbades, ao João da Gaiteira. - -Á frente, um homem de cabellos brancos agitando a bandeira nacional. - -Dominando a turba, no frontão dos Paços do Concelho, o escudo da Patria: -a honra portugueza aviltada, as tradições gloriosas d’um gloriosissimo -passado, a epopea das Indias, a harpa eolia dos _Lusiadas_ vibrando, -soluçante, com os derradeiros alentos do Infante navegador, de Vasco da -Gama, de Alvares Cabral, de Affonso de Albuquerque, de Gonçalves Zarco, -de Tristão Vaz, de Gonçalo Cabral, de Diogo Cam, de Bartholomeu Dias, -de Fernão de Magalhães, de Godinho de Eredia, de Affonso de Souza, de -D. João de Castro;—a fulgentissima constellação das nossas conquistas: -Ceuta, Arzilla, Cabo Verde, Açores, Madeira, o Brazil, a Guiné, -Mombaça, Quiloa, Mascate, Ormuz, Diu, Calecut, Goa, Malaca, Cananor, -Ceylão—empallidecendo com os clarões avermelhados da archotada. - -E quando o nojento e sinistro abutre inglez, sulcando a escuridão da -noite, poisava no frontão municipal e perante a _illustre_, _benemerita_ -e _patriotica_ Commissão manchava, abrindo um pouco as pernas, o escudo -da Patria, com o excremento e com o vomito—quando em todas as povoações -de Portugal se erguia, energico, o brado da desaffronta e, dolente, o -gemido da humilhação—das varandas d’uma casa que pertence ao Estado e -que representa, entre nós, a instituição mais nobre, porque é a fiel -depositaria das nossas glorias e dos nossos direitos—essas tres palavras -ôcas, golfadas, em comica explosão de inconcebivel calinice, sobre os -ervaçaes de Paysandu: - - Viva Valença... =restaurada!= - -.............................. - -Fumemos um cigarro para espalhar tristezas............................... - - * * * * * - -Continuemos. - -Á frente, sempre á frente, rindo, e chorando lagrimas de pathetica -sensibilidade, um homem de cabellos brancos, agitando a bandeira da -Patria. - -E ao longe, mais ao longe, para lá do Minho, essa nação cavalheiresca, -como nenhuma, quando offendem os seus brios: a patria do Cid, de Cortés, -de Pizarro e de Balboa; povo altivo que diz aos seus reis, em Aragão: -_nós, que valemos tanto como vós_; que impõe a Carlos I pela -bocca de Padilla, heroico chefe dos _cumuneros_, o codigo das suas -liberdades; que ainda, ha pouco, se convulsionava fremente e ameaçador -perante a reclamação _ingleza_ do Chanceller de ferro—povo rico de -generosos enthusiasmos e enthusiasta de generosas ideas, nosso irmão -de raça e companheiro nosso nas aventurosas emprezas d’alem mar—essa -nobilissima Hespanha, escutando, absorta e commovida, os ruidos da -bacchanal, o tumultuar da arruaça, o cornetear dos hymnos e a vozearia da -magna caterva. - -E quando esse povo, pela bocca da sua Academia, do seu Exercito, da sua -Marinha, das suas Sociedades de Geographia, nos enviava calorosos brados -de affecto e nos insufflava alento e coragem—a _illustrada_, _benemerita_ -e _patriotica_ Commissão promotora da _manifestação_ erguia aos ares -saudações á Hespanha e desfilava perante o representante d’aquella nação, -em marcha fandanga, ao compasso esbodegado do hymno da Restauração! - -Á nota burlesca, a nota grosseira. - - * * * * * - -Quem hoje possue vagas noções de Historia patria, no mechanismo da sua -evolução politica, reconhece, com verdadeiro desalento, quanto tem sido -errado o plano das nossas allianças. - -Desprezaram-se as affinidades da raça, a continuidade do solo, a -homogeneidade das aspirações, a reciprocidade dos interesses, a -egual fertilidade do clima, a riqueza dos productos, todas essas -especialissimas condições de independencia e de defeza que, aproveitadas -para beneficio commum em estreita alliança de dois povos—garantidas a -liberdade e a autonomia das instituições politicas de cada um—podiam -tornar a Peninsula uma facha de terreno inexpugnavel e inaccessivel ás -ambições de qualquer despota. - -Com o rapido exame d’um mappa, a Natureza nos indica as vantagens d’essa -alliança com a Hespanha. - -As truanescas manifestações do _Primeiro de Dezembro_ invariavelmente -ajoujadas a uma oratoria desenxabida e bolorenta, cinzelada a largos -traços pelo escopro da Rotina, mirabolante de imagens sediças colhidas -nos marneis paludosos d’um sentimentalismo piegas em materia de -patriotismo—acirrando odios contra quem respeita a nossa autonomia, acata -os nossos direitos e liberdades, e partilha, com egual dedicação, o -nectar das nossas alegrias nas grandes consagrações civicas e o fel das -nossas amarguras n’estes tristes dias de decadencia—devem banir-se para -sempre em terras, como esta, que merecem cotação intellectual superior á -de Paio Pires. - -Os sessenta annos do captiveiro chocalham constantemente nos cerebros -dos gafados patriotas, para despertarem no povo o espirito da sua -nacionalidade e a altivez da sua autonomia. Mas esse periodo sumiu-se -nas brumas do Passado e pela heroicidade dos quarenta immortaes—o que -é muito discutivel—ou por circumstancias occasionaes e propicias á -nossa emancipação, ha duzentos e cincoenta annos que somos livres e -independentes, entre as demais nações da Europa. - -Transmittimos aos nossos filhos esse odio á Hespanha; sobre os bancos -das praças, golfamos, em façanhuda oratoria, rancorosas recordações -dos Filippes, das luctas da Independencia, das agruras do captiveiro, -do despotismo de Olivares; e, entretanto, entra-nos John Bull em casa, -empalma-nos as mais ricas colonias, impõe-nos esses vergonhosos tratados -de 1642, 1661, 1703 (Metwen), 1810, 1842, 1878 e esse celebre tratado de -Lourenço Marques, em que os dois actuaes partidos da nossa politica teem -graves responsabilidades, um porque o redigiu, outro porque o approvou, -embora modificado. - -A Hespanha subjugou-nos por 60 annos. A Inglaterra subjuga-nos ha perto -de tres seculos, dispondo da nossa Politica e absorvendo lentamente todos -os elementos da nossa riqueza e da nossa vitalidade. Com a Hespanha não -queremos relações, porque todos os nossos affectos são para a Inglaterra, -que nos acorrenta a allianças, onde ha perfidias e traições, e nos -socorre, quando lhe convém—com exercitos de bandidos que devastam e -roubam este desgraçado paiz com sofreguidão superior á do inimigo, que -nos forçou a pedir soccorro. - -A Hespanha festeja e acolhe bizarramente os nossos exploradores. A -Inglaterra sorri desdenhosamente, orgulhosa de Stanley, o feroz Attila -dos sertões africanos. E quando nos vê abatidos, impotentes e pobres, -insulta-nos pelas boccas do poltrão Bright, do troca-tintas eleitoral -Salisbury e por essa horda de bandalhos, redactores do _Times_ e do -_Standart_, assalariados para abafarem as asquerosas applicações dos -_Telegraph’s boys_. - -Todavia, quando Sua Alteza o Principe de Galles vem a Lisboa gastam-se -centenas de contos com a sua recepção, e quando a _graciosa_ -Magestade, (que graça!) Mamã do dito Principe, solemnisa o jubileu, os -representantes do povo portuguez curvam-se, reverentes, em respeitosos -salamaleques, aos _graciosos_ pés da _graciosa_ Imperatriz das Indias! - -E no _Primeiro de Dezembro_, já se vê, grossa pancadaria de gaiteiros e -um nunca acabar de foguetes com tres respostas. - -O hymno da Restauração desperta antigos rancores e origina odios, que -a Hespanha não merece. Mandar tocar esse hymno, aqui, na fronteira, -exactamente na occasião em que aquella nação estremece com o insulto que -o inglez nos vibrou, não denota, sómente, grosseria, denota ignorancia. - -Temos, pois, já outra nota:—a da ignorancia; e como burlesca, grosseira, -e ignorante, repetimos: - -a manifestação de 14 do corrente foi =aviltante= para Valença, - -porque aviltou a bandeira da Patria que, á frente, um homem de cabellos -brancos agitava. - -Examinemos agora, respeitosamente, este homem. - - * * * * * - -Descubro-me perante elle. - -Tem 74 annos. - -É um espirito embalado pelas doiradas crenças da velhice, que se -assemelham ás ingenuas convicções da mocidade. - -Tem enthusiasmos pueris e cultos idolatrados. - -Influe a mais rigida honestidade nos actos da sua vida particular. - -É um homem antigo, como diz o povo; e n’esta epocha de decadencia, -em que na alma da nação existem, narcotisados pela mais criminosa -indifferença e pelo mais repugnante egoismo, todos os sentimentos nobres -e todas as crenças sans—este homem continúa caminhando impassivel para -o occaso da vida, com os olhos fitos n’um Ideal de Honestidade e de -Convicções—especie de mytho, com que, apontando para o Passado, tentamos -hoje inocular no espirito dos nossos filhos o virus preservativo contra a -Descrença e contra o Scepticismo. - -Este homem conserva ainda, immarcessivel, a pureza de todos os cultos e -de todas as tradições que seus Paes lhe legaram. - -Crê na infallibilidade do Papa, na moralidade dos partidos, na -sinceridade das convicções, na respeitabilidade dos conselheiros, -na seriedade d’um _marmanjo_ sertanejo qualquer, que, sentado no -confessionario, descança, hoje, das fadigas que lhe vergam as pernas, -depois das arruaças politicas d’hontem. - -Atraz das procissões sente-se feliz e orgulhoso com o seu _habito_, -marchando, altivo, ao lado do pantomimeiro, que em troca d’uma -tranquibernia eleitoral chegará a ser commendador de Malta, ou Marquez, -em dez vidas, de Paysandú, ou Chão das Pipas. - -É fanaticamente liberal; quando, n’um dos artigos d’este livro, por -inoffensivo trocadilho, lhe chamei _miguelista_, teve explosões de colera -e arrancos de indignação. - -Chamam-lhe: o _liberal de 34_. - -Soffreu com as luctas d’essa epocha e com as seguintes. - -Foi perseguido; andou a monte, passou fome e foi preso. - -Respeita as instituições vigentes. Não admitte manchas na vida politica -de D. Pedro IV, o seu legitimo Rei. Desculpa as fragilidades -d’esse sebento poltrão, D. João VI. Odeia os republicanos e -ajudaria a enforcar um iberico. - -Por consequencia, na sua alma existe, profundamente enraizado, o amor -da Patria; não o amor originado no funccionalismo da barriga, mas o que -parte do coração, o que é verdadeiro, intransigente e expotaneo. - -Pois este homem foi ignobilmente explorado para o scenario da -_manifestação patriotica_ e, acorrentado pela Politica, exposto por essas -ruas ao mais degradante ridiculo. - -Dedilharam as cordas do seu sincero patriotismo; falaram-lhe na Patria -offendida; mostraram-lhe a bandeira. Abraçou-se a ella, nervoso, -soluçando, humedecendo-a com lagrimas. - -Empurraram-no para a rua. - -Quando na minha frente passou o grotesco cortejo, eu já não vi o velho -respeitavel, nem o homem liberal. Vi um macaco vestido de azul e branco, -com a corôa real na cabeça, pinchando e bailando ao som dos hymnos -esmoidos pelo realejo da philarmonica africana. - -De quando em quando, o realejo cessava de tocar. - -Um patriota discursava á turba; outro extendia o prato e pedia a esmola -dos _vivas_. - -O macaco ria, ou chorava. - -—_Viva a Reliquia!_—exclamavam á frente do cortejo. - -—_Viva o Relicas!_—berravam os paradas-velhas. - -Do liberal de 34 a Politica acerdalada fizera aquillo: uma coisa -ridicula, comica, irrisoria, tristemente deploravel, porque tinha -cabellos brancos. Essa _coisa_ já não era a Reliquia dos homens liberaes -de 34; era uma _Reliquia_ falsificada, de contrabando, como seria o rabo -do meu gato, exposto em Santo Estevão á veneração das beatas, como uma -trança de cabello de Santa Margarida de Cortona. - -Á porta do Sr. Palhares, a cabeça branca d’esse velho recebia picaresca -consagração, n’esta phantasiosa e alcoolica imagem: - -—_Viva a Rosa de 74 annos, estramplantada para o nosso Jardim!_ - -E a caterva parada-velha repetia: - -_Viva a Rosa Relicas!_ - -Do homem liberal ficou para Valença a: =Rosa Relicas=. - - * * * * * - -Este homem, lendo o que escrevo deve considerar-se offendido pela rudeza -da ironia. - -Oxalá que a caterva dos falsos amigos, que o guindaram para o andor -do Ridiculo, o respeitassem como eu o respeito e venerassem, como eu -venero, a sinceridade das suas crenças! - - Homem de 34! - -Escuta: - -A minha idade é muito inferior a metade dos teus annos. Entrei no periodo -activo da vida, quando já estavam suffocadas as agitações politicas a -que assististe. Não tenho relações intimas comtigo, mas respeito-te, -porque és dos homens que trabalharam e soffreram para eu gosar as -liberdades d’esta epocha. Não tenho a experiencia da vida que tu tens, -mas peço-te que attendas ao que te vou dizer, porque conheço, melhor do -que tu, os individuos que nos rodeiam, a natureza dos seus sentimentos -e a sinceridade das suas crenças. Quando a minha razão principiou a -funccionar, já por ahi lavrava, intensa, a immoralidade, e os homens, -pela irrefutavel logica dos factos, encarregaram-se de inutilizar no -meu espirito as illusões que tu ainda conservas, porque vives um pouco -arredado d’elles. - -Escuta, pois! - -Quem, como tu, soffreu as deploraveis consequencias das nossas dissenções -politicas e provou o fel d’essa malfadada epocha, em que dois partidos, -irmãos no sangue, se perseguiam com encarniçado odio, a tiro, a faca, -a cacete e a machado,—quem, como tu, avaliou os dolorosos transes e -as indescriptiveis angustias que infernaram a alma das familias e -dilaceraram os affectos d’uma povoação, constantemente sobresaltada -com a incerteza nas vidas e com a noticia das mortes,—quem conheceu os -horrores da fome, as tristezas do exilio, os negrumes do futuro,—quem viu -o corpo d’um portuguez baloiçar-se, sinistramente, na forca infamante, -e viu as costas d’um homem esfarrapadas pela chibata do corneta,—quem -teve amigos que foram assassinados a machado em Extremoz, arrastados, -semi-vivos, pelas ruas do Porto, espingardeados nas linhas e no reducto -dos Mortos, garrotados em Lisboa, fusilados em Vizeu,—quem viu cabeças, -gottejando sangue, espetadas em mastros e ouviu falar das ferocidades do -Telles-Jordão e do seu _menino_, bestiaes cerberos de S. Julião,—quem -escutou por todo esse paiz o choro afflictivo das viuvas, o soluçar -das creanças e o estertor dos moribundos entre as ruinas da Patria, -ennegrecidas pela fumarada do incendio e avermelhadas pelo sangue -fratricida, - - homem de 34! - -quem viu e ouviu tudo isso, nunca deve contribuir com a sua presença e -com o seu applauso para acirrar o odio dos partidos, ou para estimular -em terras pequenas, como Valença, essas divergencias de opiniões que, -levadas pela allucinação á infamia das vinganças e ao rancor das -represalias, podem preparar, no futuro, nova serie de horrores, como os -que tu viste e como os que tu soffreste. - -Esses cabellos brancos nunca se devem prender ao Passado para trazerem á -terra em que vives e onde tens os teus affectos de familia, o bacamarte -assassino e o facho incendiario, em que se podem transformar esses -archotes do teu sequito de paradas-velhas. Devem prender-se ao Passado, -mas para de lá arrancarem com o vigor da experiencia: o conselho, o -ensinamento, a reflexão, que podem suffocar o ardor das paixões e -prevenir os excessos da allucinação. - -Tens umas convicções partidarias; acceitas um _credo_ politico. -Respeito essas convicções e a doutrina d’esse _credo_, porque ao teu -partido deve a Patria valiosos serviços na honrosissima cruzada do seu -engrandecimento, d’onde emanam a paz e as liberdades que hoje fruimos. - -Sustenta as tuas idéas politicas, mas descreve, sempre, aos homens de -todos os partidos o que foram as luctas e as agitações de 30 a 51. - -Tu és honesto, crente, sincero e bom. Não manches a respeitabilidade das -tuas cans n’essas abandalhadas orgias, onde vês como principaes heroes, -_exigindo musica e borga_, ministros d’uma religião de paz, de tolerancia -e amor, afeitos ás esturdias sertanejas e acerdaladas d’uma politica de -barriga, de arroz de forno, e de chouriço com ovos. - -Talvez que n’essas horas de esturdia algum pobre velho agonizasse, -pedindo, em vão, o amparo de Christo... - -Como patriota, modera esses enthusiasmos, que tão violentamente agitam a -tua alma. - -Crês, acaso, na intensidade d’esta explosão de colera que Lord Salisbury -provocou? - -Verás como, dentro de dois mezes, não resta uma faula de todo este -incendio. Temos á porta novas eleições; o vinho das _borgas_ se -encarregará de apagar as labaredas. - -Crês na efficacia dos meios, até hoje apresentados para a nossa defeza e -para a nossa desaffronta? - -_Será_ mais um triste couraçado para, em frente de Belem, chorar as -nossas passadas grandezas. - -Acreditas na persistencia da lucta commercial? - -Dentro d’um anno, a chita e a lona virão outra vez de Manchester, porque -lá, custa cada peça menos 2 _shillings_ e 6 _pence_ do que n’outra parte. -Em mil peças, essa diferença produz cerca de seiscentos mil reis que, a -juro de 6 por cento, rendem oito libras annuaes. Ora, essa diferença, -bom homem, não se póde perder. Esta coisa de patriotismo é bonita, fica -bem a todos; inspira discursos, que põem a gente a dançar na corda bamba -do enthusiasmo, mas... alli, o meu visinho vende o metro da lona a sete -menos cinco, e a que eu tenho custou sete vintens em algures. Nós—eu, tu, -os teus amigos e os meus—vamos a quem vende mais barato. Precisamos de -economizar, porque está tudo, como sabes, pela hora da Morte. - -Pensa bem e reconhecerás que, hoje, a Patria não merece essas lagrimas, -com que humedeceste a sua bandeira. - -Vês este enthusiasmo na subscripção nacional? - -Lembras-te do que houve na subscripção do Baquet? - -Pois ninguem se lembra das victimas e ninguem conhece a applicação que -teve o dinheiro que demos. - -Alegra-se a tua alma com este furor contra o inglez? - -Tens visto a excitação que se levanta por esse paiz, quando algum -_sotaina_ arrebata, do seio da familia para a clausura do Recolhimento, -qualquer herdeira endinheirada? - -Comicios—representações—protestos—morras ao Jesuita!—abaixo a reacção!—o -diabo! - -Quinze dias depois, já ninguem fala em tal. A rhetorica entra novamente -na gaveta das coisas ricas e asseadas. Depois... Quartel general em -Abrantes. - -N’esta propaganda anti-ingleza só encontras enthusiasmo sincero nas -manifestações da mocidade e na indignação dos velhos—duas epochas da -vida, que se assemelham, como sabes. - -Esses que te envolveram na _manifestação patriotica_ gastaram, com a -esturdia e com as ultimas eleições, cerca de trezentos mil reis. Vae -saber quanto elles dão para o couraçado e para os torpedeiros. - -Andaram comtigo em charola e adoraram-te, de joelhos e mãos postas, como -uma Reliquia dos homens liberaes. - -Ataram os seus enthusiasmos aos teus cabellos brancos e elevaram, aos -céos da popularidade, o balão flammejante dos patriotismos. Curvam-se -arrebatados, extasiados, sensibilizados, perante as venerandas Reliquias -dos homens liberaes; mas—ouve lá—pergunta-lhes se alguma vez se lembraram -d’esse pobre velho de cem annos, que desembarcou no Mindello, que teve -a _Torre Espada_ e que para ahi viveu cego, decrepito e idiotado, com -tristes patacos, emquanto que muito... - -—Bom homem! Dá cá outro cigarro... - - * * * * * - -Resumindo, meu velho, aconselho-te a que moderes esses teus enthusiasmos -patrioticos, porque excluindo, como disse, as manifestações dos novos -que ainda não roçaram as azas pela immoralidade d’estes tempos, todas -essas celeumas e gritarias não valem—crê—uma das tuas lagrimas. Isto, -emquanto a patriotismo. Ora, ácerca da Politica e dos homens que por cá -dirigem os partidos, quando elles te agarrarem nas pernas para o andor -da _fantochada_, faze-lhes como eu fiz aos paysanducos, que me quizeram -matar por causa da carta ao _Restaurador_: - - _esguicha-os_. - -Olha que, politicamente falando, entre Fonsecas, Vices & Abbades, ou -Moraeses, Agostinhos & Cunhas - - venha o diabo e escolha. - - * * * * * - -Agora, dá-me a bandeira e grita commigo a esses _patriotas_, que te -querem levar para as freguezias: - -=Abaixo as mascaras!= - -Vae socegado para tua casa, e deixa-me com elles, porque lhes quero -dizer, ainda, duas coisas, antes que saiam da Coroada. - - * * * * * - -Já podemos rir, respeitabilissima Commissão _patriotica_: - -Arrancadas as mascaras, _vocellencias_ ficaram o que realmente são: não -patriotas, mas politicos de gaiteiro. - -Disse eu, no principio d’este artigo, que a _manifestação_, quer tivesse -o caracter politico, quer o patriotico, aviltára Valença. Demonstrei -a asserção relativa á segunda das classificações e vou evidenciar a -indignidade da primeira. - -Estes _banzés_ de musicas, foguetes, vivas, archotadas, cómes-e-bebes, -brindes etc., etc., podem fazer effeito entre abbades sertanejos, dos que -não sabem verdadeiramente quaes são as leis de equilibrio que obrigam a -gente a andar com as mãos no ar, sendo a cabeça mais pesada do que os pés. - -Esses regabofes trescalam, sempre, essencias do alho, do carneiro assado, -do esturro das batatas, da vinhaça, do vomito—essencias que denunciam o -suborno, a pressão, a compra de voto, a immoralidade, a inconsciencia e o -servilismo. - -Os partidos compõem-se de homens, que nos actos da sua vida social, como -nos actos da sua vida particular, acertam e erram. - -Por estes e por aquelles accidentes sobem ao poder e sahem d’elle. Uns -e outros decretam leis inuteis, uteis e prejudiciaes, porque infallivel -dizem que só é o Papa e, ainda assim, ha muita gente que embica com essa -infallibilidade. - -O partido progressista, como o partido regenerador, tem tradições -honrosas e tem manchas; o partido regenerador, como o partido -progressista tem no seu seio homens dignos, que honram o paiz. - -Quem póde, em momentos de reflexão serena, deixar de prestar homenagem de -gratidão e de respeito á memoria d’esse homem, que dedicou toda a sua -existencia ao engrandecimento da Patria e que, apesar de ter palacios em -Londres, morreu pobre e legou dividas:—Fontes Pereira de Mello? - -Quem póde recusar-se a honrar o nome de Anselmo Braamcamp, o cidadão -prestante, o caracter nobilissimo, a quem o paiz tanto deve? - -Os defeitos da Politica portugueza, desde 32: os arranjos, as ambições, -o desperdicio dos dinheiros publicos, o desamparo das instituições -proveitosas, o abandono da Agricultura, da Industria, das Colonias, são -communs, e d’elles teem eguaes responsabilidades todos os partidos. - -Esses defeitos vem de cima e vão para cima. Apparecem nas imposições -eleitoraes, na recommendação governamental dos candidatos, na necessidade -das maiorias etc.; e nascem alli, nas pretensões do Sr. Abbade, que -precisa de livrar os mancebos X e Y do recrutamento, nas exigencias do -magnate Fulano, que pretende uma estrada para a quinta etc. - -De cima vem as imposições; de baixo vão as exigencias. Ora, n’esta -permutação de generos, por conta propria, ou á commissão, ganham sempre -os de baixo e os de cima; e, sendo assim, claro é que deve haver um -terceiro para os prejuízos:—ha o Paiz. - -Isto é coisa velha e sabida. - -_Vocellencias_ terão a ingenuidade de suppôr que haja alguem, n’este -anno de Christo, que repute sinceras, emanadas d’uma profunda convicção -politica, essas ruidosas manifestações? - -Na _fantochada_ de 14 o que se evidenciou foi isto: a explosão partidaria -de quem estava _por baixo_, a pirraça aos Moraes_es_, o nectar das -abandalhadas vinganças, os mancebos livres do recrutamento, a provocação -da _beiça_ e outros elementos que a ignorancia gera. - -Quando _vocellencias_ passavam, a gente,—emfim, por delicadeza: Maria vae -com as outras—sorria e cortejava; mas cá dentro, no escaninho da nossa -razão, onde, á noite, guardamos a gravata e o Senso commum, appareciam -logo, nitidas e causticas, estas palavras: - - =Que sucia de pataratas!= - - * * * * * - -Quando cahiu o partido regenerador, os progressistas promoveram egual -_borga_ por essas ruas; quando, ha mezes, se realisaram as eleições, P. -Alexandre atordoou os ouvidos da humanidade com bombas de dynamite. - -Toda a gente se riu das _gaitadas_ especiaes que tiveram os Srs. -Agostinho, Dr. Ladislau e outros senhores evidentemente progressistas. -No coice da procissão, lá iam os nossos paradas-velhas, muito lepidos e -repontantes, nariz no ar, chinela rota e fralda de fóra. - -Toda a gente se riu dos foguetes do Alexandre e, até, no cerebro -de alguem, fuzilaram, como relampagos, vividos clarões de suspeitas -exquisitas... - -_Vocellencias_ apepinaram o caso, como eu apepinei, porque, emfim, -Valença não é o mesmo que Urgeira, Cerdal ou Gandra (salvo o devido -respeito a Montes Claros e ao Patriarcha). - -Passam os annos, e quando eu suppunha que na mioleira de _vocellencias_ -existia algo differente do que se suspeitou no cerebro alexandrino, -saltam _vocellencias_ para a rua, transformando Valença no Pandemonium de -Milton! - -Esses espectaculos são frequentes nos grandes centros. Organizam-se -os cortejos nos bairros immundos, onde o _real d’agua_ obtem maior -rendimento; onde o Rosa Araujo gasta seis contos na compra de votos; onde -o Sentieiro e o Cagaçal conservam fechada e vigiada, durante os tres dias -anteriores á eleição, a turba ignara dos cidadãos (?) votantes. - -Quando a onda da escoria se alastra pelas ruas centraes, ninguem que -possue senso, deixa de encarar com verdadeira repugnancia a babugem do -servilismo e da estupidez. - -Quem promoveu e planeou essa arruaça de 14? A Politica _pataqueira_ -que nas provincias provoca odios de familias, instiga resentimentos, -prejudica interesses, origina represalias, prepara transferencias, -requer perseguições judiciaes—emquanto que os candidatos protegidos e -combatidos riem á mesa do Matta, commentando, em tom faceto, as parvas -pretensões dos parvos magnates do circulo. - -Foi essa _coisa_ amanhada com a Ignorancia e com a Velhacaria que, ha -annos, aqui inaugurou o regime das perseguições e das represalias—regime -que ao carrejão d’hontem, hoje feito _trunfo_—concede a faculdade -de exigir a transferencia d’um Juiz, se tal idea surgir nas torvas -especulações da sua gafada orientação politica. - -Ha pouco tempo, censuravamos com phrases de verdadeira e justissima -indignação, a transferencia d’um funccionario publico, que lucta com -difficuldades para sustentar numerosa familia. Lá foi o desgraçado para -_cascos de rolhas_. - -Existe, ainda, em nosso espirito o nojo que inspirou esse _processo de -nullidade_ tentado contra a nomeação d’um professor, por uma corporação -tão zelosa pela instrucção popular, que conserva fechada =ha cinco mezes= -a unica eschola que temos para o sexo feminino! - -Tudo isso se classificou como indigno, como torpe, como vil. - -Mudam as situações; mudam as cabeças e cá temos as represalias—essas -infamissimas represalias—annunciando, pela bocca dos bigorrilhas -politiqueiros, novas transferencias e novas villanias para _saldo de -contas_! - -Os homens da actual Politica andam açodados em mysteriosas (?) -combinações; escoam-se nas sombras da noite, pelos becos e travessas -que conduzem ao centro (!?!); segredam, cochicham, mostram cartas e -telegrammas; sorriem, piscam os olhos, ostentando parvoamente á luz do -dia as multiplices transformações d’esse implacavel Ridiculo que os -envolve, quando a gente se lembra que são os mesmos homens do sr. Serpa e -que todos elles, de pernas para o ar, não deitam uma duzia de votos! - -Em todo esse afan, em todas essas mysteriosas combinações, em todo esse -serzir de esfarrapados planos, imagina V. Ex.ª, querido leitor, que se -tratou alguma vez de melhorar as condições materiaes do concelho, de -ampliar as suas instituições, ou reorganizar a sua administração? Nem uma -palavra a tal respeito! - -Estudam-se, combinam-se, discutem-se _unicamente_ os meios de obter -as transferencias de Fulanos e de Cicranos, como medida _inadiavel e -urgentissima_. Nas horas vagas d’essas nojentas lucubrações, raspam-se as -picheis e lavam-se as gamellas para a proxima bambochata eleitoral. - -Ah Saltamontes e Grices dos dois partidos! Muito dinheiro podia ganhar -quem vos apresentasse no Colyseu! - -A Physiologia demonstra a hereditariedade dos defeitos organicos. A -Politica d’esta terra é nojenta e a _manifestação_ de 14, como producto -d’essa Politica, apresentou-se com todos os vicios da origem. - -Portanto, concluo, repetindo: essa _manifestação_, como patriotica ou -como politica, - - foi =aviltante= para Valença. - - * * * * * - -=Nota final:= - -O principal heroe da _rusga_ foi um abbade. Chapéo de fadista, casaco -de pelles, nariz de furão, ponta de cigarro na orelha—razoavel exemplar -d’esse typo muito vulgar pelo Alto Minho:—_o capador de porcos_. - -Resolvo rifal-o. Bilhetes a pataco, que desde já estão á venda no -_estabelecimento_ do compadre Pedro. - -Lembro a V. Ex.ª, querido leitor, que é tempo de semear as ervilhas e -convém - - afugentar os pardaes. - -Valença 20-1-90. - - - - -XVII - -A Sociedade dos Provareis - -(FRAGMENTO DA HISTORIA GREGA) - - -Como actualmente predomina nos espiritos illustrados uma tendencia -absoluta para a analyse e para a investigação, parece-me que não serão -aqui mal cabidas as seguintes linhas, que esclarecem, com os informes de -um historiador classico, o periodo, indubitavelmente mais interessante e -curioso, da civilização grega—o seculo de Pericles. - -Na Litteratura e nas Artes estuda-se tenazmente o Passado, arrancando-se -das trevas da tradição e das brumas da lenda, as producções maravilhosas -dos grandes genios e os elementos constitutivos das grandes sociedades. - -Recompõe-se a organização social da velha India; analysam-se os factores -principaes d’essa assombrosa civilização hellenica e os do immenso -poderio da antiga e soberba Roma; acompanham-se os Carthaginezes e os -Phenicios nas suas audaciosas correrias; reproduzem-se as maravilhas da -Arte arabe e investigam-se pacientemente as Sciencias, n’esse glorioso -periodo dos Omniadas, que tão brilhantes vestigios deixaram da sua -dominação na Peninsula iberica. - -Assim, tudo o que actualmente póde representar para o homem illustrado, -uma reliquia dos povos e das civilizações antigas—um livro, um -pergaminho, um papyro, uma inscripção cuneiforme, um hieroglypho, uma -lasca de silex, um fragmento de bronze, o dente d’um mastodonte, o -coccyx d’um almoravide, o vomer d’um Ramsés, a tibia d’um khalifa—tem -o mesmo valor, n’este culto pela Tradição, n’esta religião do Passado, -que para o beaterio póde ter um ossinho de S. Francisco, um cabellinho -da venta de S. Pancracio, ou uma unha das onze mil Virgens, que ainda -hoje, nos grandes estabelecimentos commerciaes de reliquias sagradas e -preventivas contra bexigas, massadores e outras coisas más, obtem elevado -preço, apesar da enorme edição que se espalhou no mercado:—duzentos mil -exemplares! - -Nas Academias, nas Sociedades de Geographia, de Anthropologia, de -Geologia, de Linguistica, de Numismatica, e congeneres, fundadas em todas -as capitaes e centros civilizados, já com o auxilio dos governos, já pela -iniciativa particular, organiza-se e apresenta-se ao exame do publico -uma verdadeira exposição retrospectiva da actividade e da intelligencia -do homem, desde as primeiras manifestações da sua vitalidade no globo -terraqueo, até aos nossos dias. - -Claro é que Valença não podia ficar indifferente a esta nova orientação -dos espiritos cultos; e até, primeiro que n’outras terras, aqui -rapidamente se desenvolveu o gosto pelas antiguidades, o culto ás coisas -passadas, que o povo, na sua linguagem rude, pittorescamente classifica -como: _mania_ de cacos velhos. - -Ha por ahi muitas collecções e muitos colleccionadores: - - * * * * * - -Teias de aranha, microbios, tarecos velhos e empregos, collecciona o sr. -Sampaio. O sr. Agostinho, partidos politicos e casacophones; chinós, ovos -de passarada e instrumentos de vento, o sr. Abel Seixas; o sr. Zagallo, -caixas de phosphoros, officios de despedida ao Senado e santinhos; -sermões gallegos e patacaria de D. João VI, a Assemblea; o Club, homens -pacatos da rua de S. João; commendas e pergaminhos, o sr. Verissimo de -Moraes; o sr. Leopoldo, machados de bronze, volumes do _Almocreve das -petas_ e coisas das edades paleolithica e neolithica; o sr. Palhares -collecciona moleques, macaquinhos empalhados e uma raça maldicta de -papagaios, que o diabo inventou, para estoirar a membrana do tympano á -desgraçada humanidade. - -O Albininho collecciona tudo e é um colleccionador precioso, porque -commenta; preparando, assim, inexgotavel thesoiro para as investigações -historicas dos posteros. - -Conserva cuidadosamente ordenadas por dia, mez, anno e seculo, atadas com -fitinha de seda verde, azul, ou branca, conforme o signatario, todas as -cartas que tem recebido, desde que traduz lettra redonda. Cada missiva -mostra, no verso, uma nota explicativa: - - =14 de Outubro de 1876 (e seis)= - Fulano de tal. - Valença do Minho. - -(Pede-me _sete e vinte_ emprestados. Desculpei-me, porque anda n’um -_desarranjo completo e, qualquer dia, vae de bruços_.) - - * * * * * - - =5 de Fevereiro de 1869 (e nove)= - F. ou C. de tal.[41] - -(Pede dez tostões—Ficam-me agora a doze e cinco... Preciso de me -desforrar.) - - * * * * * - - =4 de Maio de 1875 (e cinco)= - -Officio da Camara, convidando para a procissão de Corpus-Christi. - -(Agradeci tão _graduada_ prova de _consideração official_. Estes, não -são como os da missa do Rei. Compareci, vestindo pela trigesima sexta -vez a minha casaca n.º 3. Chapeo alto n.º 7, do Roxo—Lisboa—(3$570 com -correio). Sapatos de polimento n.º 4 (5.ª prateleira, 2.ª estante, á -direita). Gravata do Blanco (12 reales e uma perra chica; setim creme, -com pintas de prata). Luvas n.º 207, do Baron. - -Offereceram-me um logar graduado, ao lado do sr. Joaquim.) - - * * * * * - -Eu tambem tenho a mania de colleccionador. É uma coisa que não fica mal; -é da Moda e até dá um certo tom distincto. - -Collecciono alfarrabios, cartas de arrhas, cartapacios, papyros, -foraes—toda essa papelada, que por ahi apparece furada pela traça, -encarquilhada pelo tempo e com a côr que teriam os rostos d’aquelles -esforçados campeões da Guia, quando batiam em retirada, acossados pelo -gentio gallego. - -Esta mania fez com que, ha mezes, descobrisse uma verdadeira -preciosidade, no bazar de antiguidades do sr. Maia. - -Imaginem V. Ex.ᵃˢ o meu contentamento quando alli encontrei, entre -taboadas e cartilhas, rolhas e torneiras, piões de _faniqueira grande_ e -ditos para _nicas_—um volume authentico, genuino, verdadeiro, do grande e -immortal Plutarcho! - -Tremi de commoção e de respeito com tão veneranda reliquia! - -Li-o, reli-o e quasi treslia com elle. - -Referia-se ao seculo do glorioso Pericles, áquelle aureo periodo da -civilização de Athenas e, entre as suas paginas, fui encontrar—gratissima -surpresa!—os elementos que, com verdadeiro afan, ha muito tempo -procurava, para estabelecer as bases da historia d’essa mysteriosa -agremiação a que Pericles presidia, e que tão poderosamente influiu no -engrandecimento do povo hellenico:—a _Sociedade dos Provareis_. - -Conhecendo o interesse que em Valença teem despertado os estudos, que -outros auctores apresentaram, sobre esta curiosa parte da Historia -antiga, offereço tambem o meu modesto subsidio, vertendo para a nossa -lingua alguns periodos de Plutarcho, visto que por ahi são escassamente -conhecidos os caracteres gregos. - -Para os menos versados na Historia hellenica acompanharei a traducção com -notas explicativas. - -Fala Plutarcho: - - -Os Provareis - -«N’essa epocha (465 A. de C.) era Pericles o chefe do partido popular, -que se intitulára o partido regenerador dos costumes, pervertidos -durante a supremacia de Cimon Narigangorum e dos aristocratas, chamados -progressistas. - -Pericles era homem de compleição robusta, largo arcaboiço, avantajado -de estatura; perspicaz, de razão escorreita, assaz prudente, sobrio de -costumes e de variadissima erudição, graças á influencia de Zenão d’Elea, -que fôra seu preceptor. - -Apesar de não ser archonte, ou stratego[42], porque apenas tinha as -honras de polemarcho, impoz-se rapidamente á consideração do Archontado, -ao respeito do Areopago e ás boas graças do Eponymo Lourdes Domina. - -A agudeza do seu espirito, o vasto alcance das suas ideas, a subtileza -da sua estrategia e a finura da sua diplomacia, alcançaram-lhe logo no -começo da sua interferencia no Governo... da cidade, o epitheto de -Olympico, ou Oraculus, com que o povo geralmente o nomeava. - -Rodeara-se Pericles de homens illustres e poderosos, que a seu talante -dirigia, para combater o grupo, ainda predominante na politica, -dos partidarios de Cimon Narigangorum e do seu parente Thucydides -Attila—grupo que constituia o principal elemento do partido dos -eupatridas, ou progressistas, e que, por todos os meios, tentava -condemnar ao ostracismo[43] e desluzir, com protervias e calumnias, o -valente caudilho dos contrarios. - -Apesar do seu engenho e do seu valor, nem sempre lhe foi favoravel a -sorte das armas. Nas luctas com esses inimigos, graves desgostos soffreu, -que profunda e dolorosamente abalaram o seu espirito e o seu esforçado -animo. Ainda hoje a Historia nos menciona a derrota de Deputarium, no -ultimo dia da segunda decada do decimo mez, e o desbarate da Camária, no -terceiro dia—da primeira decada, do mez undecimo[44], do mesmo anno da -olympiada tal—em que as tropas de Pericles abandonaram armas e bagagens, -deante do grande Narigangorum II, ex-rei da Administracónia e do -seu parente Thucydides Attila, bojudo stratego e chefe dos _registricos_, -povo contribuinte dos suburbios de Athenas, que usava das celebres -_camisas de onze váras_[45] e que, por essa circumstancia, era tratado -com toda a _consideração official_, pela gente _graduada_. - -Tivera, tambem, de valer-se de toda a sua diplomacia e arte para empalmar -o pennacho, (que nos strategos do partido era distinctivo de commando) ao -archonte Judex Candidatus, homem de pequena estatura, mas de respeitavel -influencia, emquanto Pericles lhe não surripiou, por occultos meios, o -apoio e a correligionariedade do poderoso Joannus Zabumborum, sabio de -reputado merito e de grande consideração popular. - -Quando Pericles principiou a exercer a sua direcção politica, -libertava-se Athenas, vagarosamente, da inercia em que até alli se -conservara, e apurava, pouco a pouco, os seus usos e costumes; mas homens -de tão superior talento, como elle, raras pessoas encontravam, na cidade, -com quem podessem conviver intimamente. - -Escasseava a illustração; o povo não tinha consciencia dos seus direitos -politicos. Entre os prytamos[46] da cidade e, mesmo, entre os sacerdotes -de Zeus suscitavam-se, a miudo, questões violentas; em que do argumento -se passava á aggressão, recorrendo-se a todas as armas, incluindo as do -_apparelho roedor_. - -Dava-se pouca consideração ás auctoridades encarregadas do Governo -da... cidade; censuravam-se as gratificações, que lhes eram arbitradas -em occasiões de perigo, como guerras e _epidemias_; reduziam-se _as -vias_... do accesso aos grandes strategos; preparava-se, occultamente, a -_transferencia_... ao ostracismo para os leaes conselheiros; increpava-se -officialmente, escandalosamente, a _admissão_ nas dependencias do -Governo... da cidade aos adeptos do partido popular, e nem o proprio -Pericles escapava á maledicencia da turba porque, surdamente, o povo, e -até, a maior parte dos seus adeptos e cortezãos o accusavam de ambicioso, -invejando-lhe os redditos, discutindo-lhe a rapidez e legalidade do -accesso... á chefia do partido, amesquinhando a sua illustração e -refutando a sua competencia na vasta Sciencia da lettra redonda. - -Muitos dos homens illustres, que o rodeavam, soffreram as consequencias -d’essa contumaz opposição e implacavel vindicta. - -Phidias Cambronneia[47] Negoptius foi retirado do Governo... da cidade; -Anaxagoras Mata Marianus foi deportado. - -Abstinha-se, pois, Pericles de apparecer em publico e entretinha escassas -relações, já porque a nobreza da sua jerarchia o distanciava dos -thetas[48] e da plebe, já porque o intimo conhecimento do seu merito e -da sua importancia lhe aquilatavam de mesquinhos e ridiculos os demais -proceres do Estado. - -Foi perante esta necessidade de se isolar, e para reforçar os elementos -de resistencia aos rudes ataques dos seus inimigos, que elle fundou a -Sociedade, que mais tarde o povo denominou: os _Provareis_. - -Com esse grupo de fieis adeptos praticava, então, largas horas em -passeio, conferenciando demoradamente; e quando o povo folgava nos -jogos olympicos, ou pythicos, se acotovellava no Odeon para ouvir as -maravilhosas producções de Eschylo e de Sophocles, ou nos jardins -publicos para se deliciar com os harmoniosos sons das magadias, cytharas, -lyras e flautas, que compunham as orchestras d’aquelles tempos, não era -raro o vêr-se ao longe, no _cabeço d’um oiteiro_, o grupo magestoso dos -_Provareis_, que solemnes, graves, com movimentos vagarosos e isochronos, -rodeavam o grande Pericles, ouvindo-o divagar philosophicamente sobre -a miseria das coisas humanas, sobre a leviandade das gentes e sobre a -ignorancia da ignorante humanidade! - -No tocante a competencia, Pericles Oraculus reunia todos os dotes -necessarios a um completo homem de Estado. Provera-o a Natureza de -extraordinaria actividade e de genio inventivo para todos os ramos da -publica administração. - -Era copiosamente versado nas leis de Lycurgo, de Solon, de Pisistrato -e de Lippes, tendo particular predilecção por este ultimo legislador, -cujos regulamentos, que a plebe classificava de estupidos, a todo o -transe defendia, como indispensaveis á conservação da cidade e dos... -seus redditos[49]. - -Possuia, já, noções muito positivas sobre a futura Sciencia da Economia -politica. Considerando a Agricultura como fonte principal da riqueza d’um -paiz, tomara a si o desenvolvel-a, dedicando-lhe particular attenção e -cuidado. - -Por isso, quando com o grupo de fieis partidarios divagava pelos -arrabaldes de Athenas, vizitava a miudo os grandes eupatridas[50] -e, para obter noções perfeitas sobre a producção dos terrenos, -influencia atmospherica e outras condições modificadoras, inspeccionava -cuidadosamente as colheitas, examinava os fructos e provava... _as aguas_. - -O povo, sempre rude e sempre ignorante, d’essas _provas_ a que aquelles -homens illustres frequentemente se entregavam (mormente nas tardes do -verão) para interesse da Patria e da Agricultura que nada é, como se -sabe, sem abundantes mananciaes que refresquem o solo e possam alimentar -a planta—originou o titulo de _Sociedade dos Provareis_, com que, -d’alli em deante, designava o grupo de Pericles e seus adeptos, quando -lá ao longe, entre os atalhos das aldeias, via uma serie de pontos -negros caminhando vagarosamente, ora para o norte, ora para o sul, -como previamente o indicara a provavel condescendencia ou a natural -liberalidade dos eupatridas amigos e partidarios. - -Pericles era tambem escriptor emerito e actor de talento. A fama das suas -producções chega, ainda, até nós. - -Todos conhecem a _Prisão da Santa_, a _Licença Zagallica Muzical_ e a -_Batalha dos Cooperativos_—comedias de fino enredo, astucioso desenlace e -primorosa concepção. - -Nas horas de descanço que lhe permittia a faina da administração -politica, ensaiava Pericles os seus adeptos _Provareis_ que depois, em -conjuncção propria e solemne, apresentava em publico, dirigindo-os mui -circumspectamente por detraz da cortina e colhendo applausos em barda. - -A comedia que obteve mais exito foi a _Prisão da Santa_. Fundava-se n’uma -antiga lenda mencionada no Rig-Veda, dos hindus. Era o caso da prisão de -Brahma, ao entrar n’uma velha fortaleza, contra as disposições do codigo -de Manu, e levada depois pelos kshatrias[51] ao carcere, onde jaziam os -infimos sudras[52]. - -Este pueril e comico incidente, baseado n’uma simples questão de _bufo_, -ou sopro, forneceu a Pericles recursos para ruidosamente explorar a -estupidez das massas e o fanatismo do povo, que estrebuchava com -arrancos de colera, quando via o feroz Attila. - -Como já n’essa epocha eu trabalhava para reunir materiaes, com que -podesse encetar os projectados estudos sobre a Historia da minha -Patria, grandes eram os desejos que nutria de poder assistir a alguma -das reuniões d’aquelles homens illustres onde, indubitavelmente, com a -lucidez de tão poderosos cerebros se deviam discutir os destinos e a -Politica da confederação athenico-cerveirensis. - -Pude emfim conseguil-o, subornando os dmoes[53] do sacerdote Pinus -Abbates que, mediante vinte talentos[54], consentiram em me occultar na -adega d’uma propriedade, a doze stadios[55] ao sul de Athenas onde, como -sitio retirado e fresco, de preferencia se reuniam os _Provareis_. - -Alli os ouvi; alli tive, a meio passo de distancia, todos esses -homens illustres, que tão poderosamente tinham contribuido para o -engrandecimento de Athenas e para a sua hegemonia na confederação. - -Era uma tarde calmosa; reunidos no escuro subterraneo, os _Provareis_ -mais uma vez estudaram as _aguas_ com abundantes e saboreadas libações. -Por largo tempo ouvi um craquejar de maxillas e um glugluar de pharynges, -indicios terriveis d’essas assombrosas devastações, que depois -inspiravam aos servos e dmoes do Abbates estas dolorosas palavras: - -—_É impossivel que nas altas horas da noite, quando a pallida Phebe desce -a visitar Endymion, Hades, o deus infernal, não mande a estas paragens -uma praga de gafanhotos! Que prejuizo soffreram as nossas colheitas, -grande Zeus!_ - -Concluidas as _provas_, ergueu Pericles a fronte; poz o pennacho de -pennas de capão, insignia de polemarcho; afivelou a catana e as esporas; -limpou os galões brancos e, trepando a um escabello, annunciou com ar -solemne o thema da sua conferencia: - - UM PROBLEMA POLITICO DA FUTURA ERA DE CHRISTO, - SECULO XIX - - Amigos e Provareis[56]. - -É commettimento facil para espiritos medianamente esclarecidos a -resolução de problemas na Politica contemporanea. Estudando os elementos -ethnologicos, a influencia das civilizações estranhas, as aspirações -collectivas e as relações indestructiveis da Historia nos cyclos que as -suas leis estabelecem, podemos fatalmente traçar a orientação a que os -povos teem de obedecer. - -Abandonarei esse campo já explorado pelo vulgo e pelos espiritos d’uma -illustração comesinha. Asphyxia o meu intellecto nos acanhados horisontes -do Presente. Anceia o meu espirito pelas luminosas regiões do Futuro, na -lidima aspiração d’uma visualidade perscrutadora do destino dos povos e -da evolução das sociedades. - -Rasgar as trevas do porvir, prever as luctas e as contrariedades, guiar -a incauta Humanidade nas tortuosas sendas a que o Destino a condemna, -leval-a pela mão á beira dos abysmos para lhe bradar carinhosamente: -_não vás além!_—é a missão que a Divindade traçou ao Genio, a isto de -superior, de maravilhoso, de prophetico, que me distingue do vulgo, que -me aparta da plebe, e que dá á minha individualidade, no meio d’este -constante marulhar das paixões e da ignorancia humanas, a previdente -luz do fanal que, entre escolhos e baixios, guia o amargurado nauta nas -cerradas trevas de noite caliginosa. - -Transpondo um periodo de dois mil e quatrocentos annos no futuro da -Humanidade, eu vou annunciar os perigos amontoados no horisonte dos povos -que no seculo XIX d’uma nova era hão de occupar as ignotas regiões, -que um grande mar banha e onde os phenicios já estabeleceram dominio e -poderio. - -Phantasiae, amigos, que viveis commigo n’uma peninsula que, por occulta, -o phenicio denominou Spania, e que me ouvis discreteando com os homens -politicos d’esse futuro seculo: - -_Aconselho a alliança das raças latinas. O horisonte da Europa annuncia -borrasca._ - -_Ha negrumes para o Norte. Não receeis o teutonico; temei o slavo! Haja -outro Metternich para esse inimigo commum._ - -_Bismarck é um imbecil. Com a sua germanisação fez-se testamenteiro de -Frederico, o Grande. Crispi é um visionario. Salisbury um bebedo. Sagasta -uma nullidade. Zé Luciano um comparsa._ - -_Na Politica internacional o melhor systema é o de Machiavel. Tenho-me -dado bem com elle e não quero outro._ - -_Quando, na conferencia de Berlim, me pediram conselho, disse e repeti: -vocês reparem no russo!_ - -_N’essas regiões do Norte a maré sobe e, qualquer dia, rompem-se os -diques._ - -_Teremos novas invasões. É a lei fatal da Historia: sangue novo para -corpo velho._ - -_Acautelem-se, porém, com o processo da inoculação; o russo é feroz._ - -_Latinos, teutonicos, toca a reunir!_ - -_Bismarck, deixe essas coisas d’Africa; você tem um certo fio para isto -de Politica, mas ainda está um pouco ingenuo. Appareça lá por casa, ás -noites, com o seu rapaz, com o Herbert. Jogaremos a bisca de tres e terei -occasião de lhes dar umas noções politico-sociaes mais amplas._ - -_Emin Pacha cahiu na ratoeira de Stanley. Já quebrou a cabeça com uma -tremenda borracheira. É o resultado das más companhias. Soffre as -consequencias da indifferença com que ouviu as minhas recommendações._ - -_Recebi hoje carta do general Deodoro. Eu tinha vaticinado a -transformação politica do Brazil. No organismo monarchico apodreceu mais -aquelle membro. Cortem até ao osso para que o mal não avance._ - -_Isto por cá, vae mal. D. Carlos escreveu-me. O rapaz anda atrapalhadote. -A Mãe telegraphou pedindo-me para lhes ir valer. Não estou para os -aturar._ - -_Preferiram o Barjona para a missão de Londres. Antes de partir -procurou-me e conferenciamos. É dos nossos e deve-se proteger._ - -_A caracteristica evidente d’esta assombrosa phase da evolução social._ - -.............................. - -Subito ruido interrompeu o discurso do grande homem. A porta da adega -abriu-se com estrepito. Assustados, os _Provareis_ rodearam Pericles, -como as avesinhas implumes rodeiam os paes, quando no azul dos céos -paira, ou zigzagueia o milhafre. - -No limiar apparecera, offegante e rubro, um paysanduco, que pronunciou -estas palavras de magico effeito: - -—_Oh filhos! Venho de Tuy. A Noya «matou» hoje, e sempre tem uma «agua», -que é mesmo de chupeta! Póde «cortar-se» á faca._ - - —=Á Noya! Á Noya!= - -exclamaram os _Provareis_; e em desordenada carreira, a grandes pernadas, -desappareceram ao longe, furando a linha circular do horisonte. - -Que mysteriosa influencia seria a d’aquella Noya? - -.............................. - - - - -XVIII - -Uma recita de curiosos - -(FRAGMENTO) - - -.............................. - -Passou-se ao segundo acto. - -O panno subiu, e á luz da ribalta appareceu o Nascimento. - -Nascimento—diga-se a verdade—não é precisamente um Brazão. - -Tenho assistido, por vezes, aos trabalhos d’este actor. Brazão ri, chora, -soluça, tem arrancos de colera, tem na voz a doçura d’uma supplica, a -suavidade d’uma prece, a meiguice d’um carinho, o vigor d’uma maldicção, -o rugido d’uma ameaça. - -A melancholia da saudade, as expansões do amor, as torturas do remorso, -as angustias do ciume resaltam nitidas, vibrantes, envolvendo-nos a -alma—comprimindo-a, dilatando-a—com o fluido subtil de uma verdadeira -interpretação artistica. - -Por _doze vintens_, eu tenho visto o Nascimento fulgurando na gloriosa -constellação—grande Ursa dos nossos céos artisticos—de que fazem parte: -Sampaio, Guilherme, Aurelio, Romano, Machado, Ernesto. - -Com franqueza:—sem querer irritar a indisposição que no espirito do -Nascimento violentamente se denunciou contra o Zinão, sem querer -amesquinhar o culto idolatrado que elle nutre pela Arte dramatica, ou -apoucar as suas aptidões—direi em homenagem á Verdade: Nascimento é um -barbaro! - -É um barbaro quando pisa o palco, porque não tem naturalidade, nem -expressão, nem relevo. - -Apresenta-se em todas as scenas com o mesmo fato amarello, de tecido -africano, que o Isidoro lhe empresta; tem para todas as surprezas o mesmo -=oh!=; para todas as dores o mesmo: =ai Jesus!=; para todas as saudações -o mesmo: =ora viva!=; para todos os cumprimentos o mesmo: =Comoestá? -Passoubem? Bemmuitoobrigado.= - -Os pés soldam-se-lhe ao pavimento: as peças das articulações unificam-se, -como se as membranas synoviaes segregassem chumbo derretido; os musculos -tomam a rigidez do aço, permanecendo hirtos, inteiriços, refractarios ao -imperio da vontade e á malleabilidade dos sentimentos. - -Não tem flexibilidade nos movimentos, nem elasticidade nas formas -que as diversas situações exigem, porque uma barreira de frieza e de -immobilidade—quiçá composto de espessas cellulas philosophicas (?)—se -oppõe á intima e immediata transmissão dos phenomenos psychicos aos -orgãos e ramificações do systema nervoso. - -Predominam em todas as modulações da sua voz aquellas notas seccas, -asperas, do: =Carregar! Alto!= - -Denuncia-se em todas as posições a rigidez d’aquella linha d’uma -convexidade opisthotonica, que a _Ordenança_ militar traça para o -=Perfilar=! - -E assim, Nascimento, como _Boticario_ da _Morgadinha_, como _carcereiro_ -de 1640, ou como _Mano Gaspar_ do _Mano Aniceto_—é sempre o mesmo -Nascimento: gordinho, obeso, rechonchudo, espartilhado, vestido de -_mabella_ africana. - -Todavia, estudando as minuciosidades dos seus trabalhos dramaticos, -analysando a mechanica dos seus movimentos, comparando a dynamica -dos sentimentos que elle tenta exprimir com as manifestações da sua -vitalidade no convivio diario e com os actos exteriores da sua existencia -social, eu chego á seguinte conclusão que poderá ser considerada como -paradoxal: Nascimento, no desempenho dos seus _papeis_, na interpretação -d’um caracter, na reproducção d’um _typo_, consome mais Sentimento do -que o Brazão. O seu trabalho psychico é superior ao d’aquelle artista; -na sua alma as situações definem-se, as individualidades esclarecem-se, -as faculdades actuam. Nascimento pensa, sente e quer, como _Boticario_ -de Val d’Amores; mas o que não possue é esse colorido, ou—por assim -dizer—essa moldura artistica que dá relevo ás interpretações e vida aos -personagens. - -E como a sensibilidade affectiva é um requisito indispensavel ao actor, -e talvez o mais essencial, porque é ella que o guia nos reconditos -escaninhos da alma de Hamlet, Nascimento, que possue essa faculdade em -superior grau, tem direito a ser considerado a par de Brazão, dos Rosas, -e até, ao lado de Lekain, de Kean, de Rossi, de Irving, de Kronsweg. - -Vou demonstrar a existencia d’essa sensibilidade apuradissima no -_Boticario_ da _Morgadinha_. - - * * * * * - -Nascimento tem um sanctuario:—a sua officina. - -Alli passa as noites e os dias, com a blusa de operario,—aplainando -madeiras, envernizando quadros, esquadrando molduras, curando a _telha_ -dos relogios, deitando _gatos_ em terrinas quebradas, endireitando a -_espinhela_ a leques, brocando pulseiras, parafusando engrenagens, -limando metaes, furando boquilhas, cinzelando coronhas, soldando _rabos_ -de colheres, aguçando pinos, collando cacos, cosendo botões, deitando -_pingos_ em panellas, enfiando agulhas, inventando flores exoticas de -_couvelórinton_, preparando pilhas, misturando acidos, bases, metaes, -metalloides, oxydos, protoxydos, bioxydos, azotatos, azotitos, chloratos, -chloretos, chloritos, etc., etc. - -Nas horas de descanço que as suas occupações lhe permittem, sente-se -feliz com as multiplices e encyclopedicas applicações da sua actividade -e do seu engenho; consome, pacientemente, sessenta e quatro horas com -o encaixe d’uma insignificante peça de metal para a sua locomovel -microscopica; aplaina e replaina o _empeno_ d’uma taboa para a sua -mobilia; gasta uma noite, duas noites, trez noites com o estudo analytico -da reacção d’um acido sobre uma base. - -Com a applicação d’uma lei chimica, no desenvolvimento d’uma formula -mechanica, na adaptação d’uma propriedade physica, Nascimento concentra -todo o seu ser, toda a sua actividade mental, abandonando as distracções, -os prazeres, e esquecendo-se até, das horas das refeições. - -No seu cerebro amontoam-se os projectos, chocam-se as theorias, -amalgamam-se as applicações. - -Tem o arrojo de Lesseps, a tenacidade de Edison, a phantasia de Eiffel. - -A sua alma, o seu corpo, os seus orgãos, os seus musculos, estão alli:—no -torno, na serra, no serrote, no brocador, no pichel da colla, no arame -dos _gatos_. - -O seu engenho tem o quer que seja de epileptico: ataca trinta emprezas ao -mesmo tempo: mobilias, machinas photographicas, installações electricas, -bobinas, telegraphos, telephones, phonographos, campainhas de alarme, -etc., etc. - -Vencidas as difficuldades, contornadas, cortadas e limadas as peças, nova -explosão de inadiaveis projectos interrompe a conclusão dos antecedentes; -e assim, Nascimento, fazendo tudo, nada faz, porque a epilepsia do -engenho dá ás suas obras a incommensurabilidade do Infinito: todas -tiveram principio e nenhuma tem fim. - -Como se pode explicar, pois, que, annunciada uma recita de _Santo -Antonio_, ou da _Morgadinha_, este homem abandone immediatamente o seu -_meio_, o seu sanctuario e enthusiasticamente se venha offerecer para -desempenhar o _papel_ de _Mano Gaspar_, ou de _Boticario_? - -Pela extrema sensibilidade das suas faculdades affectivas. - -Nascimento lê o drama, a comedia, ou a scena _comica_; a sua alma -vibrou, agitou-se com o caracter d’este ou d’aquelle personagem; -identificou-se com os sentimentos do _galan_, ou do _comico_; e, possuido -de irresistivel enthusiasmo, abandona a officina, troca o _alicate_ ou -o _saca-trapos_ pelo caderno almaço e lá vae para as muralhas metter -na cabeça, em giros constantes—para traz, para deante—os periodos do -_papel_. - -Este enthusiasmo, em qualquer de nós—no Albino, por exemplo, que já -representou de mulher, nos paysanducos, eximios na Comedia—seria uma -coisa vulgar, insignificante; mas no Nascimento que nós conhecemos e -que eu examinei na officina, revela uma enorme tensão de faculdades -affectivas. - -Os trabalhos do Brazão são correctos e são artisticos; mas este -actor adquiriu já a _physiologia_ dos sentimentos; os seus musculos -contraem-se, por assim dizer, inconscientemente, independentes do imperio -da vontade, como nas acções reflexas. Mostra no rosto a agitação d’um mar -de paixões, quando na alma tem a tranquillidade d’um lago. - -Alem d’isso, Brazão tem o scenario de D. Maria; tem o Keil, a luva -do Baron; o talhe elegante, o perfil distincto, a perna flexivel, o -bigode loiro, o monoculo—todas essas pequenas coisas que emmolduram e -aristocratizam o actor. - -Nascimento tem o desbotado scenario do nosso theatro, ainda saturado de -irritantes aromas dos _meios com cebolada_ que, ha annos, o meu amigo S. -Lima arremessava ás fauces de toda a tribu _pica-calcantes_; tem a roupa -de _mabella_; a rigidez linear da _Ordenança_ conturbando a flexibilidade -dos movimentos; a _reacção dos acidos_ paralysando a acção dos nervos -centrifugos; o _ordinario marche_! pruindo compassadamente na sola dos -pés e na barriga das pernas... - - * * * * * - -Examinado pelo prisma da Arte, Nascimento actor é—repito—um barbaro. -Mas analysado pelo prisma do Sentimento revela-nos uma organisação -especialissima, que seria a gloria de nossos palcos e da nossa terra, se -um defeito organico a não prejudicasse. - -Nascimento ouve uma valsa de Metra, uma symphonia de Berlioz; ouve -Rubinstein e Sarasate, a Patti e a Nilsson. Permanece mudo, quedo, -insensivel. - -Tem nas mãos uma flôr mimosa: uma _Captain Christi_ ou _Bertha Mackart_; -uma _Alba imbricata_ ou _Countess of Derby_; a violeta, o lirio, a -sensitiva. Os dedos afastam-se e a bella flôr cae abandonada, cerrando as -petalas... - -—_Não gosto de muzica; não gosto de flores_—diz o Nascimento. - -Poderemos acreditar na sinceridade d’estas palavras pronunciadas pelo -homem, em quem os insipidos gracejos do _Mano Aniceto_ exercem tal -influencia e inspiram tal enthusiasmo que, arrancando-o da sua Thebaida, -da sua officina, o expõem, vestido de amarello, á extatica contemplação -dos _loiceiros_? - -Não! Nascimento é accessivel á vibratilidade das commoções; os seus -nervos sensitivos communicam ás cellulas cerebraes toda a intensidade dos -enthusiasmos, mas o tal defeito organico—um enfraquecimento dos nervos -centrifugos—oppõe-se á transmissão da força necessaria para a mechanica -muscular e para a movimentação das situações dramaticas. - - * * * * * - -Terminou o segundo acto. Tenho de estudar os outros _curiosos_ da -Companhia; mas ao despedir-me de ti, Nascimento, permitte um conselho: -abandona o theatro. Trata d’esse enfraquecimento do tecido nervoso. - -Com seis mezes de cuidadoso regimen, póde ser que um dia, na apotheose -das nossas glorias theatraes, como já annuncio: - -Sampaio—o Jeremias da Balagota... - -possa tambem dizer: - -Nascimento—o Irving valenciano................................. - - * * * * * - - -NOTA - - Nascimento amigo: - - Este artigo já estava escripto, quando soube das tuas - manifestações _anti-zinoicas_. Tem paciencia. - - _Quod scripsi, scripsi._ Não vale zangar, porque o _sinapismo_ - que te offereço é proprio para senhoras; nem queima, nem faz - bolha. - - Teu constante admirador - - _Zinão_. - - - - -XIX - -Transferencias - -(1886-1890) - - - CODIGO PENAL, artigo 432.º «Roubo:—=subtracção de coisa - alheia...=» - - CODIGO CIVIL, artigo 2167.º: «direito de - propriedade:—=faculdade que o homem tem de applicar á - conservação da sua existencia e ao melhoramento da sua condição - tudo quanto para esse fim legitimamente adquiriu e de que, - portanto, póde dispor livremente.=» - -A lei garante-nos a propriedade dos bens que herdamos, dos bens que -adquirimos, dos trabalhos litterarios que produzimos, dos inventos que -lançamos aos mercados, das concessões que obtivemos. - -O que é hoje um curso, uma formatura? - -Uma propriedade que se adquiriu em troca de valioso capital; que se -grangeia, que se cultiva, que se aperfeiçoa, para que ella nos forneça os -recursos necessarios ás despezas da vida. - -Quando a razão principia a funccionar, levam-nos ás regiões da Sciencia, -e dizem-nos: ahi tendes esses hectares de terreno, estão asperos, -incultos, bravios; ha por ahi cardos, abrolhos, silvados. Trabalhae, -limpae, nivelae, lavrae, semeae e colhei. Ahi ficam dois contos para -despezas de grangeio. - -No fim de dez ou doze annos temos o terreno apto para a cultura. -Exgottamos uma boa parte do vigor da mocidade. O cerebro-arado não abriu -sulcos só na terra; abriu-os tambem na fronte do trabalhador. - -Com os fructos da primeira colheita obtemos uma collocação em qualquer -das instituições do Estado; chamam-nos: Delegado, Conservador, Official -do Exercito, Medico municipal, Professor, etc., etc. - -Se no meio da improba tarefa o desanimo nos assalta, se a força de -contrariedades imprevistas inutiliza os nossos esforços, e não podemos -cultivar até ao fim todo o terreno que nos limitaram, contentamo-nos -com uma pequena leira, esperando que mais tarde, pela persistencia no -trabalho, a poderemos augmentar e desenvolver. Ficamos, então, aspirantes -da Alfandega, escripturarios da Fazenda, amanuenses das Camaras, etc. - -O Estado dá-nos umas tantas libras por mez e exige-nos: honestidade, seis -horas de trabalho diario, _direitos de mercê_, habilitações litterarias. -É um simples contracto commutativo, com todas as garantias de segurança, -porque uma das _partes_ é o Governo, fiscal da Lei. - -No decorrer da vida, circumstancias de natureza varia, sympathias -pessoaes, assimilação de doutrinas, identidade de aspirações, -enfeudam-nos a um Ideal, filiam-nos em um partido, aproximam-nos de um -homem. - -Temos a Carta constitucional, a epopéa dos _sete mil e quinhentos_, os -Codigos eleitoraes,—respiramos n’uma atmosphera serena de tolerancia; é -legal e correcto o nosso proceder na vida publica e nada temos, portanto, -que recear com a manifestação liberrima das nossas opiniões politicas. - -Succede, porém, que um marau qualquer, sufficientemente villão para -rojar sem escrupulo, pela lama do servilismo, a sua dignidade de -cidadão e para extender a consciencia, como um capacho de crina, nas -soleiras das alfurjas onde pernoitam os politiqueiros,—por estes e por -aquelles motivos embica com as nossas opiniões, incommoda-se com a -nossa influencia e resolve em conciliabulo secreto da velhacaria com o -rancor—promover a nossa transferencia para os Algarves, ou para as ilhas -de Bijagóz. - -Assobia á matilha dos rafeiros eleitoraes, promette um osso aos abbades, -mostra uma codea aos fraldiqueiros e apresenta-se, com a cainçalha -atrelada, ao deputado do circulo. - -Ao espirito dos deputados—homens geralmente illustrados—repugna sempre -a cumplicidade em taes infamias; mas perante a dentuça afilada dos -rafeiros que ameaçam esfarrapar-lhe a candidatura nas proximas eleições, -a dignidade hesita, vacilla e cede por fim. - -D’alli a oito dias, o _Diario do Governo_ annuncia a nossa transferencia -para o regimento n.º tantos, para a Comarca tal dos Algarves, ou para a -repartição de Fazenda X da Beira. - - * * * * * - -Sou casado, tenho tres filhos e sustento uma irman viuva. A transferencia -obriga-me á venda da mobilia, das loiças, dos _tarecos_; e a urgencia -d’essa venda deprecia consideravelmente o valor dos objectos. - -Primeiro prejuizo. - -As condições economicas de minha existencia são perturbadas pelos -encargos d’um emprestimo de duzentos mil reis, que tenho de contrahir -para as despezas da viagem, da nova installação, e que um nababo -qualquer me empresta ao juro de seis por cento, depois de eu satisfazer -umas pueris formalidades, umas cerimoniosas ninharias que a praxe -recommenda—como são as assignaturas de dois bons fiadores e respectivas -consortes, e a escriptura de hypotheca sobre boas propriedades, livres e -allodiaes. - -Cumprido isto, recebo o dinheiro, e com elle, um titulo de eterno feudo -e dependencia moral, tanto para mim como para meu filhos, ainda que, -decorridos seis mezes depois de registada a _transacção_, eu me desfaça -do credor, devolvendo capital e juros com muitos apertos de mão e phrases -de eterno reconhecimento[57]. - -Parto para a minha nova collocaçeo; despezas de caminho de ferro, -transporte de bahus, carros, carroças, nova acquisição de moveis, de -_tarecos_, etc., etc.; os duzentos mil reis desapparecem. - -Voltemos á lei: - - CODIGO PENAL, artigo 421.º: «=Aquelle que commetter o crime - de furto, subtrahindo fraudulentamente uma coisa que lhe não - pertença, será condemnado:= - - =1.º A prisão até seis mezes e multa até um mez, se o valor da - coisa furtada não exceder a 10$000 reis.= - - =2.º A prisão até um anno e multa até dois mezes, se exceder a - esta quantia, e não fôr superior a 40$000 reis.= - - =3.º A prisão correccional até dois annos e multa até seis - mezes, se exceder a 40$000, e não fôr superior a 100$000 reis.= - - =4.º A prisão maior cellular de dois a oito annos, ou, em - alternativa, a degredo temporario com multa até um anno, em - ambos os casos, se exceder a 100$000 reis.= - -Associemos as idéas. - -V. Ex.ª tem aquella quinta em algures. Uma noite, penetram n’ella tres -ratoneiros, arrombam o espigueiro e levam cinco alqueires de milho. Os -cães ladram, um creado grita, o regedor acode, os ratoneiros fogem, os -_cabos_ encontram-nos e a Borralho abre e fecha a cadeia. - -—_Como foi? como não foi?_ - -—_Senhor! Tinhamos fome_... - -—_São uns desgraçados_,—diz o advogado de defeza. - -—_É preciso garantir o direito de propriedade_,—exclama o sr. Dr. -Delegado. - -—_Trinta dias de cadeia_—conclue o sr. Dr. Juiz. - - * * * * * - -D’essa mesma quinta, vendeu V. Ex.ª para Monsão vinte pipas de vinho a -quatro moedas. Vae receber o seu dinheiro—oitenta moedas—e regressa a -Valença, á noite. - -Ao passar na _Tomada de Barros_, um homem com chapeo largo põe-se á -frente dos cavallos e, de bacamarte em punho, diz ao cocheiro: _Faça -alto!_ - -Outro _barbaças_ enfia pelo buraco da portinhola o cano d’um revolver e -diz: _Venha p’ra cá o bago!_ - -Apparecem mais tres vultos embuçados e V. Ex.ª ouve aquelle _crac_ secco -e sinistro de tres bacamartes que se armam. - -V. Ex.ª puxa do _Bull-dog_, ou _Abbadie_; o cocheiro aponta um revolver -enferrujado, ouve-se uma detonação, depois outra; um grito, um rugido, -uma praga. V. Ex.ª salta do carro, desfecha outra vez, avança, recua, -tropeça no corpo d’um _barbaças_ que escabuja, perde o equilibrio e cae. - -Quando tenta levantar-se, jogam-lhe uma paulada valente, que lhe fractura -o craneo. - -Não sabe do mais que se passou. D’alli a quinze dias principia V. Ex.ª -a coordenar umas ideas vagas que em rapidos momentos lucidos surgem no -seu cerebro. Sente-se excessivamente fraco; reconhece que está na cama; -leva com difficuldade as mãos á cabeça, apalpa, e encontra um turbante de -pannos humidos e ensanguentados. - -Balbucia uma pergunta. Recommendam-lhe silencio, que não faça esforços de -memoria. - -—_Muito socego e muito juizo_, diz o Esculapio. - -Tres dias depois, o cerebro associa as idéas. - -—_Como foi isto?_—pergunta V. Ex.ª á esposa. - -—_Foi d’esta e d’aquella forma._ - -—_E os homens?_ - -—_Um morreu; tres estão presos._ - -—_E o dinheiro?_ - -—_Roubaram-t’o com o relogio._ - - -Epilogo - -_Está ou não provado?_ etc., etc. - - =dez annos de degredo.= - - * * * * * - -Ao ratoneiro que, talvez para matar a fome, levou cinco alqueires de -milho, deu a lei—trinta dias de cadeia. Ao _barbaças_ que arriscando a -vida, de peito descoberto, roubou o relogio e as oitenta moedas, disse o -Codigo penal: dez annos de degredo. - -Ora, o milho e o dinheiro pertenciam a V. Ex.ª por indiscutivel -direito de propriedade. A falta do primeiro originou um desequilibrio -insignificante nas suas finanças, que foram gravemente perturbadas -pela subtracção do segundo. V. Ex.ª teve de limitar as suas despezas -diarias e não poude, n’aquelle anno, mandar seu filho para Coimbra, ou -para o Collegio militar, porque faltaram os meios e não quiz contrahir -emprestimos. - -A lei, garantindo a propriedade do cidadão puniu severamente os -individuos que prejudicaram V. Ex.ª - -_Neminem laede_—era a formula de Kant na sua theoria sobre a Philosophia -do Direito. - -Lesaram V. Ex.ª e a lei puniu. - - * * * * * - -Comparemos os factos: - -As vinte moedas representam o rendimento da quinta _tal_, em algures, -que a V. Ex.ª pertence por um titulo de acquisição ou posse, legalmente -reconhecido. - -Os duzentos mil reis que V. Ex.ª gasta com as despezas da sua -transferencia e os juros ou encargos de doze mil reis annuaes, serão -retirados do rendimento da propriedade que V. Ex.ª comprou ao Estado com -os dois contos da formatura, ou com os _direitos de mercê_ e com o seu -trabalho diario—compra de que possue o devido titulo que é um diploma, a -_patente_, _etc._ - -Associadas as idéas, comparados os factos, consideremos agora o -_barbaças_ e o marau _transferidor_. - -Que differença póde haver entre o primeiro, que na _Tomada de Barros_ -reclamou, de bacamarte em punho, as vinte moedas, e o segundo que, -desfechando o bacamarte da _transferencia_, a V. Ex.ª origina um prejuizo -de duzentos mil reis? - -De qualquer d’esses factos não resultou o mesmo desequilibrio nos -elementos economicos da sua existencia? - -Não significam elles o mesmo attentado contra direitos legalmente -reconhecidos? - -Não houve n’elles a mesma responsabilidade, a mesma _premeditação_, a -mesma consciencia da illegalidade? - -Eu de mim annuncio que só reconheço uma differença entre o João Brandão, -o Papa-Assucar ou Zé do Telhado e _quem quer que_ fosse que promoveu -a transferencia do sr. Camisão, e _quem quer que_ seja que promove as -transferencias que, á puridade, por ahi se annunciam. - -Essa differença é a seguinte: - -João Brandão, Zé do Telhado e Papa-Assucar, na classe dos ladrões são -ladrões honrados e dignos. Apresentam-se na estrada, de peito descoberto, -fronte erguida, expondo a vida e arriscando a liberdade. - -Os _transferidores_ de cá são ladrões acanalhados, ratoneiros de feira, -fadistas de café de _lépes_, traiçoeiros, covardes que se disfarçam com -grandes capotes e se cozem ás paredes nas sombras da noite para, em -qualquer encruzilhada, combinarem os meios de, impunemente, anavalharem o -funccionario publico. - -Se eu souber que no pinhal de Ganfey se acoita uma malta de larapios, e -se tiver necessidade de lá passar á noite, a prudencia aconselha-me a -levar um bom cacete, para quebrar o braço a um e pôr em fuga os outros. - -Ora, dos _transferidores_ é que eu não me posso livrar tão facilmente. Só -saem quando os lampeões se apagam; só transitam por viellas, mysteriosos, -impalpaveis, sumidos. Se, por acaso, d’algum suspeito e lhe arranco o -capote para conhecer as feições, encontro uma cara conhecida que ainda ha -trez horas me saudava e me sorria. - -D’aqui a tres dias, silva a navalha nos ares. - - * * * * * - -No periodo de 1886 a 1890 instituiu-se n’esta villa o regime das -_transferencias_ que legaliza essas infamias, estabelecendo nos -differentes partidos politicos a necessidade das represalias summarias, -como as disposições do codigo de Lynch. - -_É preciso fazer sangue, para que os campos se definam_—disse-me, ha -annos, um Machiavel indigena. Apertei o casaco e segurei o relogio. É que -na estrada da Velhacaria, a Politica da minha terra avizinhava-se já do -pinhal da Azambuja em que hoje vivemos. - -Para esta classe de scelerados—os _transferidores_—o Direito romano, as -Ordenações e os Codigos nada estabelecem. Mas o Direito positivo funda-se -no Direito natural e este tira os seus principios da consciencia humana, -em face das leis da Razão e da Moral. - -O legislador dá sempre ao magistrado a faculdade de ampliar, segundo os -dictames da consciencia, ou de alterar, segundo os usos da terra, as -disposições que estabeleceu para a repressão do facto criminoso e para a -defeza de direitos adquiridos. - -Em nossa consciencia, pela illegalidade das causas e pela importancia dos -effeitos, o caso das _quarenta moedas_ e o dos _duzentos mil reis_ teem a -mesma classificação: um roubo. - -Quem rouba é ladrão; e para nivelar a condição criminosa e as -responsabilidades do _barbaças_ e do _marau transferidor_, egualmente -perigosos na sociedade em que vivemos, apresento o seguinte additamento -ao Codigo penal: - -Artigo tantos: - -=Todo o homem de bem tem a liberdade de correr a pontapé pelas ruas de -Valença, o sevandija que, directa ou indirectamente, influa em qualquer -transferencia.= - -§ unico: - -=Fica revogada toda a legislação em contrario.= - -10-2-90. - - _Zinão_. - - - - -XX - -A questão ingleza - -(NOTAS SOLTAS) - - -Alem-mar scintilla na escuridão a iris do abutre. - -O leopardo rugiu, saltou, e cravou as garras ensanguentadas no velho -Portugal. - -Este enorme gigante que teve no encephalo, como cellulas, os craneos -de Camões, de Gama e de Cabral; que teve por apophyses as columnas -de Hercules, os rochedos do Bojador, do Boa-Esperança, do Razalgate -e do Comorim; por articulações Angola, Moçambique, Mascate, Ormuz, -Diu, Calicut, Malacca; por veias os filões preciosos de Sofala, de -Minas e Cyaté, do Pegu e de Narsinga; por arterias o Tejo e o Zaire, o -Quanza e o Limpopo, o Zambeze e o Mandovi, o Ganges e o Amazonas; por -cabellos os cedros seculares do Novo Mundo; por musculos os braços de -mil heroes; por thorax a amplidão de todos os céos; por limite visual -a linha de todos os horisontes; por fronteira o circulo de todos os -quadrantes; por dominio a vastidão de todos os mares; por fanal a luz -de todas as constellações—esse colosso que teve por servos o Çamorim e -os rajahs da India, por thesoiro os abysmos aquaticos de Borneo e de -Ceylão; por sonhos os mythos do Preste-Joham; por pesadelos as tragedias -de Alcacer-Kibir e de Tanger; e que pela rigidez do seu braço, pela -heroicidade do seu valor, conseguiu a crystallização de todas as chimeras -e a realidade de todas as phantasias—eil-o ahi, prostrado, corroido -pelo fanatismo religioso que ha quatro seculos lhe ulcerou os membros, -enfraquecido pelos caprichos de monarchas perdularios, aviltado pela -phthiriase de cortezãos servis, cancerado pela ambição insaciavel dos -aulicos traiçoeiros, decrepito, pobre, agonisante... mas não morto! - -Não! Não está morta a Patria! Ha n’ella quatro milhões de cellulas; e se -muitas são inertes ou inuteis, covardes ou egoistas, existe nas restantes -força viva sufficiente para transmittir á musculatura do heroe decrepito -a energia das grandes crises e o arrojo dos antigos feitos. - - * * * * * - -N’essa cloaca—a côrte ingleza—escoante de todas as sargetas, deposito de -todas as fezes, sumidoiro de todas as immundicies que podem existir na -alma humana, as ambições e a perfidia actuaram como acidos d’uma pilha -sobre o metal—oiro—dos nossos terrenos da Mashona. - -Como reophoro transmissor d’essa electricidade cupida, partiu de -Londres—polo negativo—o _ultimatum_ de Salisbury e tocou no coração da -Patria. - -Immediatamente, outra electricidade se desenvolveu com os elementos -positivos da Justiça e do Direito n’essa enorme pilha—a alma -portugueza—que já actuou em todo o Universo com a intensidade das mais -arrojadas emprezas e com a força dos mais generosos heroismos. - -E então, ao contacto d’esse novo fluido, de que n’um bello impulso -de ardente enthusiasmo a Academia foi conductor, todos os membros do -decrepito colosso se agitaram convulsivamente. Ergueu-se o heroe, d’um -arranco, e magestoso de altivez, fremente de indignação—d’ahi, do -promontorio de Sagres, d’onde avassallára o Mundo, arremessou para lá da -Mancha o escarro do desprezo, unico desforço que a dignidade permitte ás -affrontas d’um villão. - -Cartel de desafio não se manda a representantes de _lords_. Bright era -_quaker_; Crawfurd, provavelmente, é castrado; condições diversas, mas -eguaes na intenção—livrar decentemente as regiões trazeiras da bota d’um -portuguez. - - * * * * * - -A excitação da colera e a allucinação do perigo teem por vezes -prejudicado a imponencia da nossa attitude perante essa malta de -esbodegados borrachões, paus-de-virar tripas encasacados, feitos de -esperma de lupanar e de muco leucorrheico, que constituem na sua abjecta -individualidade de _lords_ a canalha servil da côrte ingleza. - -_Morra a Inglaterra!_ bradamos. - -Não! Não se levantam gritos de exterminio contra uma nação inteira. Entre -quarenta milhões de habitantes ha, tambem, opprimidos e oppressores. - -A podridão e a villania condensam-se nas altas espheras do _high-life_, -nos palacios da City, nos corredores de Windsor Castle, no _royal box_ de -Covent Garden, no Pelican Club, no Devonshire Club, no Turf-Club, onde -impera, infrene, El-Rei Deboche. - -Cá em baixo, labuta e moireja um povo trabalhador e geme um mundo de -parias. Nos bairros immundos de Londres, no West-End, no White-Chapel, -dormem ao ralento, esfarrapados e nús, centenares de velhos e de creanças. - -Agonizando pelas esquinas e escabujando nos monturos, morrem annualmente, -=de fome=, tres a quatro mil pessoas. - -Das camadas que trabalham sahiram Shakspeare, Milton, Jenner, Newton, -Davy, Graham, Bacon, Locke, Hume, Priestley, Adam Smith, Stephenson, -Wollaston, Boyle, Shaftesbury, Harvey, Stuart Mill, Spencer. - -Esses homens alguma coisa fizeram em prol da humanidade e da civilização, -e não é justo, portanto, que á sua memoria e ao seu nome lancemos o -escarro do insulto e o estigma da maldicção. - -_Odio aos lords!_ deve ser o nosso grito, porque são elles, e só elles, -os nossos espoliadores. - -Odio a essa aristocracia abandalhada que estrangula a Irlanda—mancha -vergonhosa da civilização europea e que os magarefes da City por vezes -transformam em sangrento açougue. - -Odio a esses lacaios de libré que nas sessões da Lords’ House vemos -erectos, empertigados, orgulhosos, e á noite se curvam sobre os tapetes -do _brothel_—bestiaes, apopleticos, rubros, babados, _falling on one’s -jaws_[58] entre saias almiscaradas e amarellas com o liquido da menorrhéa. - -N’esse asqueroso quadro de infamias que em 85 a _Pall Mall Gazette_ -desvendou á imprensa europea ha, como actores, _lords_, só _lords_—os -mesmos canalhas de Cleveland-Street que, ha mezes, uns áltos -_personagens_ da côrte protegiam, suffocando a peso de oiro a publicidade -das suas novas torpezas. São elles e só elles que fixaram o preço de 15 -a 20 libras para as _fresh-girls_—_virgo intacta_—de 13 a 14 annos, que -hoje são as 50:000 prostitutas—_black army_ dos _trottoirs_ londrinos. - -São elles que para a lucta contra essas desgraçadas creanças, attrahidas -infamemente aos subterraneos de West-End, inventaram a _black-draught_ do -narcotico. - -São elles que para obterem o oiro necessario ás phantasias d’uma -sensualidade bestial, constituiram a _Slaughter-House_ contra os -desgraçados filhos da Irlanda; que reunidos em _Royal Companies_ -ordenaram essas medonhas carnificinas de Pendjab e dos cipayos; e que -agora, trocando em casa de Salisbury as fardas bordadas pela jaqueta de -_pick-pocket_, _chypram_ do mappa africano o oiro da Mashona. - -Esses asquerosos Tartufos, occultando cynicamente nas casacas de -_congressistas_ philanthropicos e humanitarios a sua cupidez e insaciavel -ambição, propozeram, ha tempos, a Portugal e ao sultão de Zanzibar um -bloqueio na costa oriental, de Inhambane a Pembe, que impedisse—diziam—a -importação de armas aos arabes do interior, eternos traficantes de carne -humana. - -O nosso governo accedeu; o bloqueio estabeleceu-se; e poucos dias -depois, o governador do Cabo enviava occultamente a Lobengula, feroz -chefe dos Matabelles, com quem os arabes se entendem, 1:000 espingardas -Martini-Henry com 300:000 cartuchos! - -Odio, pois, aos _lords_! - -Organize-se contra elles uma nova cruzada de exterminio, e que todo o -portuguez tenha o direito de os correr a tiro, como a animal feroz, -quando no solo honrado da Patria poisarem as suas enormes patas de tres -toesas. - -São elles e só elles que nos roubam. Ahi vae a _historia do caso_ -Chire-Nyassa. - -Lord Fife, duque do dito Fife, é genro de Sua Alteza Real o Principe -de Walles; casou com a princeza Luiza, uma neta da _graciosa_ rainha e -imperatriz Victoria. - -Lord Fife é um pobresinho de Christo; das suas propriedades de Scotland -e de outros bens de fortuna tem um rendimento aproximado a dois contos -por dia, e como a sua _Ex.ᵐᵃ Consorte_ é de egual pobreza, com mais umas -achegas, dotação, etc., nas telhas d’aquelle desgraçado casal caem umas -quarenta libras por cada hora de cada dia. - -Mas succede que lá, como cá, estas coisas de nobreza custam muito -dinheiro, porque é preciso sustentar a respeitabilidade da posição -official, como diz o Albino, quando _entra nas idéas e no coração_ da -gente para dispôr os _petardos_ das suas transcendentes, nebulosas e -philosophicas reflexões sociaes. - -Como o povo inglez embicou, ha tempos, com o augmento da dotação da -_Royal Family_, lord Fife, para ganhar o seu pataco, fez-se agiota, -socio commandita da firma commercial _Samuel Scott and C.º_ e director -da _British South Africa Company_, a quem uma _Royal Charter_ concedeu, -ultimamente, 400:000 milhas de terreno africano com aquella liberalidade -conhecida: _do pão do nosso compadre grossa fatia ao afilhado_. - -Mas as libertinagens de West-End, do Cleveland-Street, os serviços dos -rapazinhos do telegrapho, as orgias de _champagne_, os _boat-matches_ do -Naval Club, absorvem todos os rendimentos de lord Fife e segundo consta, -ha poucos mezes, as finanças de His Lordship estavam por assim dizer: -_tem-te, não caias_[59]. - -A concessão feita a Lord Fife, a Lord Abercorn, a Lord Gifford (cá estão -os _lords_), organizadores da _African Company_, era tão importante que -em Londres, o _Times_ e o _Standard_, fazendo reclamo, annunciavam-na -como: _Empreza colossal_. Todavia, as acções conservavam-se na _baixa_ -e Lord Fife, nominalmente um dos maiores accionistas, não arranjava com -aquelle negocio para pagar um _little boy_. - -Surgiu então uma idéa salvadora. Os nossos terrenos na Mashona eram, -ha muito tempo, indicados como preciosos para explorações auriferas. -Salisbury levou _rasca na assadura_; contractou-se o patife Johnston, -compraram-se por baixo preço todas as acções da _South Company_ e no -dia seguinte rebentou o _ultimatum_. Em vinte e quatro horas, cada -acção obteve um premio de setenta libras. Cinco mil acções—trezentas e -cincoenta mil libras. - -_God save the Queen!_ e vamos ás _fresh-girls_! - -Odio pois aos lords! E como em Valença as manifestações patrioticas -ficaram no _projecto_ d’um telegramma a Serpa Pinto, porque se repetiu, -talvez, aquelle caso da subscripção para o _bucephalo_[60], eu proponho o -seguinte: - -Que se mande a Lisboa uma commissão para escolher e contractar -nas viellas da Baixa duas duzias de _ladies_ matrafonas, das mais -abandalhadas e nojentas. - -A mesma commissão contractará, tambem, dez ou doze grumetes da marinha -real ingleza. Esses grumetes serão vestidos, da cinta para cima, com o -uniforme dos boletineiros telegraphicos; da cinta para baixo, uma parra. - -Matrafonas e grumetes, com seis barris de _cachaça_ de 90°, serão -envolvidos por uma forte rede de arame, á qual se atará um solido cabo de -algumas milhas. - -A gente vae depois alli, a Calais, põe um pé em Douvres e atira com a -_isca_ para o Tamisa. - -Fica um de nós a ter conta no cabo. Póde ser—por exemplo—o Fernando -que é o mais entendido em coisas de pesca, como o prova annualmente na -Rapozeira com os seus _botirões_. O Braga tambem póde servir, porque tem -habilidade para descobrir peixes. - -O Fernando, pois, senta-se em qualquer rochedo, fuma o seu cigarro, -espalha as tristezas com o _Noticioso_, ou com as _latinhas_ do Cruz, -e quando sentir que a corda estica, signal de que o peixe _pica_, puxa -vagarosamente para terra. - -A meio cabo, levanta-se e vem descendo pela costa da Mancha: Dieppe, -Havre, Cherbourg; Brest, S. Nazaire, Bordeaux; contorna o Golpho, -Bayonne, Santander; dobra o Ortegal, Corunha, Vigo, Guardia; entra no -Minho e vem subindo pela margem direita até ao _Pau-do-fio_. - -A gente põe-se cá de cima, das muralhas, e recebe o cabo. Chamam-se os -paysanducos e toca a puxar. - -Fóra da agua a _isca_, veremos logo, agarrados a ella, todos os _lords_ -da _City_: Lord Fife, Lord Foife, Lord Fufe, Lord Craft, Lord Creft, etc. - -O _lord_ é animal amphibio, organização de batrachio; resiste bem debaixo -d’agua, como se sabe. - -Paysanducos continuam a puxar e vae tudo para o largo de S. João. - -Os _lords_ devem apparecer esbodegados, cambaleantes, tropegos. - -Vem o _Parádas_ com o _bolo municipal_ e divide-o pelos borrachões. - -Duas horas depois, o Gamellas traz a carroça do lixo, carrega, e despeja -na _Sexta_. - -Extincta, assim, a raça vil, a _City_ fica deserta; e como a Hygiene -recommenda a collocação das fossas longe das habitações, faremos do -_fashionable_ bairro uma sentina para uso diario. - - Ao norte: Para damas. - - Ao sul: Para homens. - -Para fazer a limpeza e fornecer papeis, ficarão: - - Mr. Jacob Bright - - e - - Mr. Oswald Crawfurd. - -2-3-90. - - - - -XXI - -A manifestação dos artistas - - -Em 28 de janeiro, a Direcção da Assembléa Recreativa promoveu uma -manifestação patriotica, préviamente annunciada nos jornaes da terra com -a minuciosidade espaventosa d’um programma de _S. Telmo_ ou _da Agonia_. - -Não é meu intento censurar essa manifestação; mas, pelo simples facto de -ella ter sido promovida por um grupo de artistas e de homens do trabalho -não devo excluil-a do campo critico, onde com estes artigos analyso os -factos mais importantes na chronica valenciana. - -A meu vêr, essa manifestação teve uma origem que a absolve plenamente -d’uns pequenos ridiculos que a amesquinharam. Originou-a um impulso de -sincero patriotismo, e basta isso para escudar os promotores d’ella -contra a rudeza da phrase com que verberei a _fantochada_ de 14. - -Se essa manifestação offerece alguns lados censuraveis, se teve -peripecias irrisorias, se não me inspira hoje phrases de caloroso -applauso e de sincera adhesão, os seus promotores devem-no, -exclusivamente, ás impressões que nos seus espiritos deixou a grande -_rusga_ de 14. Aproveitaram parte do programma: musica, cortejo, vivas -arruaceiros, procissões _intra_ e _extra_-muros, etc., abandonando -deploravelmente os meios que a Razão aconselha para, em occasiões -identicas, se dar a qualquer manifestação um caracter significativo de -energia, de sensatez e—sobretudo—de utilidade. - -Não me rio perante as bandeiras que n’esse cortejo distinguiram a Arte, -do Commercio, como estulta e imbecilmente o fizeram alguns dos _illustres -patriotas_, comparsas na ignobil farça dos abbades. Essas bandeiras -significam o trabalho honrado, o homem que labuta e moireja dia e noite -no sustento da familia, e que nunca serviu de lacaio a qualquer magnate -eleitoral para, á custa do Estado, coçar por ahi, nas esquinas, os -seus setenta kilos de ociosidade; significam o artista que contribue -efficazmente para a riqueza da nação; o commerciante que concorre com -uma boa parte dos seus interesses para as despezas das nossas mais -uteis instituições e não o eunucho indifferente a todos os impulsos da -Civilização e que, arrastando uma existencia ignobil, como a da lapa -eternamente presa ao rochedo, na valla commum dos inuteis desapparece, -sem ter conhecido outra energia e outras sensações além das que obteve, -comendo, bebendo e dormindo. - -Passe, pois, o cortejo, porque perante elle, eu, descubrindo-me, -exclamarei tambem: - -=Viva a patria!= - - * * * * * - -A Musica da _Santa_ veiu outra vez espancar os ares com as notas festivas -dos hymnos, bufadas para os céos da Patria com a furia d’uma orchestra de -Cafres. - -É crença arraigada no espirito do povo que não póde haver solemnidade sem -gaiteiro. - -Era preciso, disseram-me, estimular, avivar o espirito da nacionalidade. - -Este argumento defensor dos _paus-tesos_ recorda-me as funcções luctuosas -das antigas carpideiras, nas casas minhotas. - -Morria o fidalgo. - -Expunha-se o cadaver na sala nobre. - -As mulheres e as creanças acocoravam-se sobre os tapetes. - -Em volta do caixão perfilavam-se, tristes, sombrias e sinistras, seis -mulheres recrutadas no auditorio dos Missionarios, entre as mais -hystericas e lacrimosas, quando algum dos energumenos descrevia os -horrores do caldeirão de Pero Botelho, o rechinar das carnes e os -forcados rubros de trezentos milheiros de diabos que pinchavam sobre as -cabeças chamuscadas dos condemnados. - -Vinham os amigos da familia apresentar as suas condolencias. - -As carpideiras irrompiam n’um chorar convulso, com todos os sons da gamma -afflictiva, com todas as notas ascendentes e descendentes d’uma suprema -dôr: suspiros, gemidos, gritos, berros—berros, gritos, gemidos, suspiros. - -Os sentimentos quando se manifestam com violencia exercem uma forte acção -de communicabilidade a que nem todos são refractarios. Vêmos lagrimas -nos olhos d’uma viuva, ouvimos o casquinar de sonoras gargalhadas e -o cerebro, recebendo as impressões d’essas lagrimas e d’esses risos, -reproduz em nossa face os sentimentos que os motivaram: rimos quando os -outros riem e choramos quando os outros choram[61]. - -Assim, na scena das carpideiras, ellas, a familia, as visitas, os -creados, disputavam primazia em intensidade de sentimentos. - -Terminada a cerimonia, os amigos compunham no rosto os traços d’uma -grande dôr; distribuiam pela familia arrochados abraços e violentos -apertos de mão, exprimindo entre soluços os desejos de se tornarem -uteis: _se fôr preciso qualquer coisa—estamos ás ordens—mandar com -franqueza—adeus—é ordem do mundo—resignação—adeus..._ - -Fechada a porta, fechavam-se tambem, com ella, as valvulas das glandulas -lacrimaes; e carpideiras e doridos corriam á vasta cozinha, onde -pantagruelicamente atafulhavam o bandulho com grossas postas de bacalhau -cozido, abundantemente regadas por successivos cangirões de bom e -espumante verdasco. - -Batiam, de novo, á porta; tudo voltava á sala. - -O morto lá estava; amarello, hirto, de mãos ceraceas cruzadas sobre o -peito, muito esticado dentro da sua _roupa preta_ perolada de _agua -benta_, exhalando fragrancias de _vinagre aromatico_, de nariz para o -ar, onde as moscas esgaravatavam com as patitas, na doida e frenetica -sensualidade das cocegas que ellas tanto appetecem, e que o finado, dias -antes, tão pertinazmente lhes recusára. - -Então, a sensibilidade das carpideiras explodia pelo canal digestivo em -sonoros arrotos. - -E n’essa sessão solemne que constituiu a segunda parte do programma—uma -verdadeira visita de pezames pela frieza da sala, pelo tremulo discursar -dos primeiros oradores, pela hesitação dos _mestres de cerimonia_ e pela -presença da bandeira nacional que significava os restos mortaes dos -nossos brios e das nossas glorias, tambem se ouviu—permitti que o diga, -honrados artistas—um rasoavel arroto:—aquella polka final. - - * * * * * - -Durante o trajecto do cortejo, a _Musica_ tocou, por vezes, hymnos -varios. Excluistes o da Restauração, que só os eunuchos da Rotina hoje -podem admittir nas suas manifestações simontadas. Devieis dispensar -tambem os outros: o da Carta e o do Rei. - -O primeiro lembra a libertação da tyrannia, a emancipação dos direitos -do cidadão, a queda do absolutismo, o inicio d’uma nova era de Progresso -intellectual que devia esmigalhar as algemas de instituições odiosas e -impulsionar-nos na bemdita estrada da Civilização, livres das trevas e -dos espinhos que amarguraram os dias dos nossos antepassados. - -Recorda, pois, um facto—a outorga da Carta—que trouxe jubilos, alegrias; -e não é em horas de tristeza e de desalento que n’elle devemos procurar -lenitivo. - -O segundo solemnisou a coroação d’um monarcha—uma festa nacional em que -houve bailes, recepções, salvas reaes, paradas, espectaculos de gala. - -Pelo anterior argumento devia ser excluido. - -O _ultimatum_ inglez é, apenas, a primeira bala do assedio que essa côrte -de debochados planeou contra o nosso dominio d’alem-mar. - -A espoliação de Bolama que elles tentaram em 38; a de Goa, Damão e Diu em -39; a das ilhas de Lourenço Marques em 62; a redacção da _Royal Charter_ -que ultimamente concedeu a Lord Fife os terrenos a oeste de Moçambique; -a necessidade que elles teem de possuir, na costa africana oriental, um -bom porto que dê expansão ao desenvolvimento das colonias estabelecidas -no interior á sombra de perfidos protectorados; as recentes ameaças sobre -as ilhas da Madeira e sobre Lourenço Marques—revelam claramente o plano -da usurpação violenta de que mais tarde ou mais cedo, com pretexto ou sem -elle, Portugal será victima. - -Os nossos terrenos africanos, se pouco teem produzido até hoje pelo -abandono a que os condemnamos, podem ser no futuro elemento valiosissimo -de riqueza e de prosperidade; e na tristissima situação em que as nossas -finanças se encontram, com o enorme desequilibrio que annualmente se -denuncia entre a receita e a despeza, quando os encargos da divida -absorvem, já, metade dos rendimentos, importantissimo é o problema -colonial, porque a solução d’elle póde evitar funestissimas perturbações, -póde evitar a ruina da Nação, e mais do que isso—a perda da sua -independencia! - -E dizei-me agora, honrados artistas e commerciantes: - -Se no dia trinta e um de dezembro, quando fechaes o vosso balanço annual, -reconheceis que o _passivo_ excede o _activo_—quando perante esse -_deficit_ encaraes, com olhar vacillante, o futuro, onde vêdes sombras e -não auroras—se no anno seguinte uma nova especulação, uma nova industria -vos proporcionar meios com que possaes capitalizar uns centos de mil reis -collocados depois, _á ordem_, no Roriz,—se um dia o _Primeiro de Janeiro_ -vos annunciar a quebra d’aquelle banqueiro e, com ella, a perda do vosso -capital, a destruição completa dos elementos com que esperaveis viver com -abastança no futuro—acaso a vossa alma se póde regosijar com o Hymno do -Rei ou com o da Carta? - -Pois as situações são as mesmas. - -Vós e a Patria tendes annualmente um enorme passivo. - -O capital que estava no Roriz—o vosso futuro—é o dominio d’alem-mar—o -futuro da Patria. - -A noticia da fallencia é a noticia do _ultimatum_, com esta differença -apenas: uma originou-se na adversidade dos negocios, outra na ambição -d’um _lord_. - -Vós sois a Patria; viveis n’ella; sois a alma e o braço d’ella. - -A Patria é tudo isso que vos rodeia: familia e amigos, affectos e -carinhos; é tudo o que ha de bom, de generoso, de nobre e feliz na vossa -existencia; é a limpidez d’este formosissimo céo peninsular, a risonha -paizagem do nosso Minho, a irradiação das nossas alvoradas, o oiro dos -nossos crepusculos, o matizado dos nossos campos; é essa dulcissima -melancholia que ao _toque das trindades_ inunda a nossa alma com a toada -longinqua das canções populares, é o nobre orgulho que em vossos olhos -brilha quando escutaes a epopéa das nossas gloriosas façanhas; é essa -formosa cabeça de velho que vos sorri, é a esposa carinhosa que vela a -vossa doença, é a creança—esse pequenino sêr feito com raios de alvoradas -e crystallizações de sorrisos—a quem chamaes filho[62]. - -Quem offender a Patria—offende-vos. - -Quem a roubar—rouba-vos. - -Quem toca o hymno da Carta quando ella soffre, toca-vos o hymno do rei -quando, com a fallencia do Roriz, reconheceis perdidas e inutilizadas as -esperanças do vosso futuro. - - * * * * * - -Despedi, pois, os gaiteiros, amigos. - -Não lhes faltará que fazer. - -Ahi estão os paysanducos esperando a _borga_ das eleições. Lá estão os de -Monsão que d’elles necessitam para as farças publicas do entrudo, em que -figuram makololos e Serpa Pinto. - -Uns e outros: paysanducos, makololos e santascocas provam á evidencia, -pela sua immobilidade mental, que, realmente, não havia razão para os -sabios repellirem com tanto ardor as theorias de Darwin. - -Nos cerebros de todos elles, existem irrefutaveis vestigios de -hereditariedade chimpanzéca. - -Distingui-vos d’elles! - - * * * * * - -Á sympathia que me inspira a vossa Assembléa deveis estes periodos, -onde podereis encontrar phrase aspera de sinceridade, mas não phrase -humilhante de ironia. - -Não vos offendaes, pois, por eu declarar que estou intimamente convencido -de que nenhum de vós conhece exactamente o valor, a extensão, a situação -geographica, os limites dos terrenos que a canalha dos _lords_ nos -pretende roubar; como sinceramente creio que a mesma ignorancia existe no -espirito da maior parte dos patriotas que promoveram a grande _rusga_ de -14 e que por ahi, ainda hoje, erguem as mãos ao céo, falando de _roubos_, -de _direitos indiscutiveis_, etc., etc. - -Tirae-me do grupo promotor da _fantochada_ umas tres ou quatro cabeças, -e demonios me levem se as restantes vos disserem para que lado fica a -Africa, se fica perto ou longe de Taião e se lá vivem homens civilizados -como nós, se paysanducos, se orangotangos. - -Em vós, tudo desculpa essa ignorancia. Sois homens do trabalho. Quando -o dia nasce, principiaes a lucta pela vida; quando o sol se esconde, -procuraes no repoiso, vigor para a tarefa de ámanhã. Não podeis, -portanto, dispensar o tempo necessario ao estudo d’estas questões que a -Historia, a Geographia, o Direito internacional, etc., esclarecem. - -Essa ignorancia existe, ainda mais profunda nas camadas populares -inferiores á vossa. - -Berraes, pois, que vos roubam sem conhecerdes, quanto, o que, e onde. - -Consultae a consciencia e dizei-me se isto assim não succede, e se não -consideraes censuravel que um homem nas ruas grite contra um ladrão, -ignorando os direitos que tem de o fazer e só porque ouviu as exclamações -dos outros. - - * * * * * - -Reconhecereis, portanto, que podia condemnar a vossa manifestação de 28, -mas se acreditaes na sinceridade d’essa sympathia que eu vos affirmei -nutrir pela _Assembléa Recreativa_, se a opinião d’um homem que se ri -dos que, n’outras espheras _mais illustradas_, fazem das luvas—uma coisa -que o meu cocheiro usa—distinctivo irrefutavel _de sentimentos dignos e -cavalheirescos_ (!) permitti que em poucas palavras vos indique a fórma -como eu entendo que vós devieis ter organizado a manifestação. - -Nada de musicas; nada de procissões pelas ruas! - -Um de vós pediria o theatro. Tres ou quatro iriam em commissão convidar -qualquer dos officiaes do Regimento—que os tendes ahi illustrados e -competentissimos—para uma conferencia sobre a questão do Chire-Nyassa, -em que vos expozesse claramente, perante um mappa, a situação dos nossos -dominios e a legalidade dos nossos direitos. - -Para essa conferencia abririeis as portas ao povo, a esse eterno -ignorante sempre explorado, porque o não educam; e se os vossos recursos -podessem contribuir para uma verdadeira e util obra de patriotismo, -a esse mesmo official pedirieis que vos escrevesse um pequeno volume -onde, em linguagem chan, clara, perfeitamente intuitiva e ao alcance de -todas as intelligencias, se desenrolasse a historia do nosso Passado e a -historia d’essa vergonhosa alliança com a corte dos _lords_. - -Distribuirieis depois, oito centos ou mil exemplares d’essa publicação -pelas freguezias do concelho, pelas escholas, pelas ruas. - -E então, amigos, com os brados de cólera e com as exclamações de -desalento que a miragem das nossas gloriosas conquistas provocaria, -poderieis compôr um hymno—um verdadeiro hymno nacional, magestoso, -triumphante, imponente de enthusiasmos, arrebatador de generosos -sentimentos, palpitante de sincero, energico e irresistivel Patriotismo! - -Poderieis então gritar: - -=Viva a Patria!= - -que eu, sobre a cabeça d’esses paysanducos que se riram de vós, -responderia com toda a energia de minha alma: - -=Honra á Assembléa Recreativa!= - - - - -XXII - -Carta a S. Ex.ª, o Sr. Administrador - - - Ex.ᵐᵒ Sr. - -De caso pensado reservei para esta data, em que concluo a publicação que -tanto tem agitado o espirito dos seus excellentissimos administrados, -a manifestação dos sentimentos que agitaram a minha alma n’essa -hora solemne, em que V. Ex.ª foi chamado ás graves deliberações da -Administração concelhia. - -E de caso pensado o fiz, Ex.ᵐᵒ Sr., porque necessitava que o tempo, os -factos, me fornecessem elementos com que, ao collocar a individualidade -de V. Ex.ª n’esta curiosa galeria de celebridades valencianas, podesse -fazer ao publico um pequeno discurso apologetico com phrases e linguagem -differentes ás d’essas escalrichadas apotheoses das luminarias da terra, -prenhes de _estimados cavalheiros_, de _integerrimos magistrados_, de -_robustos meninos_ e outras minhocas que o _Noticioso_ inventa para -enfeitar o anzol d’uma assignatura annual. - -Hoje, porém, Ex.ᵐᵒ Sr., que tres mezes se sumiram nas voragens do -Tempo depois d’essa augusta solemnidade da _posse_, d’esse acto d’uma -respeitabilidade indiscutivel em que a imponencia das nossas instituições -civis actua sobre o espirito com a pressão de cem atmospheras—hoje, em -que a individualidade administrativa de V. Ex.ª, evidentemente se destaca -entre as auctoridades da minha terra, marchando a passo d’anjo no coice -das procissões, ao lado de Sua Excellencia o Senhor Governador Pericles -I e um pouco á frente do seu subordinado o Snr. Joaquim, muito -digno e conspicuo Substituto—digne-se V. Ex.ª permittir que eu lhe -dedique estas linhas, onde vou synthetisar a opinião que no meu espirito -existe ácerca do Senhor Administrador. - - * * * * * - -Percorrendo a historia dos gloriosos feitos dos antepassados de V. Ex.ª -n’essa cadeira administrativa—meditando sobre as diversas aptidões e -faculdades que nas sombras do Preterito, ainda hoje illuminam os vultos -dos prestantes e muito dignos cidadãos que eu por ahi vi atados á banda -bicolor,—comparando os feitos immorredoiros que enaltecem os annaes da -Administração valenciana—desde a _borralhada_ da Santa até ao exterminio -da Rua Verde, desde a prisão d’aquelle feroz e sanguinario Troppman -na _tomada de Barros_ até ás fornadas eleitoraes da Misericordia,—com -os actos de V. Ex.ª, eu, Ex.ᵐᵒ Sr.—com franqueza—não posso exprimir o -conceito que de V. Ex.ª formo com palavras differentes d’estas: - -V. Ex.ª é o _refugo_ dos administradores! - - * * * * * - -E d’estas palavras escriptas com a rude sinceridade que até aqui arrepia -a linguagem dos meus escriptos, acaso poderá V. Ex.ª deduzir intenção -desdoirante das suas aptidões intellectuaes, dos seus conhecimentos -juridicos, das suas faculdades administrativas? - -Se tal succede, erra o seu excellentissimo criterio. - -V. Ex.ª é o _refugo_ dos administradores, porque tem uma carta de -bacharel, porque sahiu ha poucos annos da Universidade com uma educação -politico-scientifica imperfeita, rachitica, insufficiente para as -funcções do elevadissimo cargo de que está investido. - -V. Ex.ª está saturado de ordenações, de codigos, de paragraphos -unicos, de disposições transitorias, de _subsidios_, de cartas de lei, -de alvarás; conhece os trabalhos e as theorias de Bentham, de Krause, -de Kant, de Grotius, de Blackstone, de Calvo, etc., etc., mas ignora -absolutamente e precisamente o que é mais essencial a um Administrador, -mercê da insufficiencia dos programmas officiaes e da falsa orientação -que na Universidade preside á incubação d’um bacharel. - -A educação social do individuo deve adaptar-se ás condições e exigencias -do cargo a que se destina. Um medico aprende a curar feridas; um militar -a fazel-as; um escrivão de fazenda a tirar camisas; um boticario a -preparar tisanas; um paysanduco a contar cucharras; um _espirito-santo_ a -inspirar tolices; um Zinão a reforçar sinapismos. - -Para lá da esphera profissional que a sua educação lhe circumscreve, o -individuo torna-se um ser inutil, prejudicial, incommodo. - -É o que succede com V. Ex.ª - -V. Ex.ª cursou todas as cadeiras exigidas no programma official d’um -bacharelado: direito romano, dito penal, dito commercial, dito civil, -dito internacional. Sahiu habilitado para tudo: para defender, accusar, -aconselhar, chicanar, fazer do direito torto e do que é torto direito, em -questões de aguas de rega, de fóros, de fallencias, de peculatos. - -Para o que não sahiu habilitado é para Administrador do concelho. - -Tem V. Ex.ª culpa d’isso? - -Não. Tem-na quem organizou os programmas para a faculdade de Direito. - - * * * * * - -Na minha humilde opinião, ao curso de Direito devia accrescentar-se mais -um anno, para trabalhos praticos na cadeira de _Politica legal_. - -N’esse anno, os futuros bachareis teriam de resolver, praticamente, entre -outros, os seguintes problemas: - - -1.º - -Empalmar uma eleição - -No meio da sala seria collocada a urna. Alguns alumnos representariam a -opposição. Com os restantes constituia-se a mesa: presidente, secretrios, -escrutinadores, olheiros, capatazes, abbades e caceteiros. - -O examinando teria de satisfazer ás seguintes provas, sem que a opposição -percebesse a fraude. - - _a_) Introduzir rapidamente na urna um maço de listas - governamentaes. - - _b_) Riscar os nomes dos eleitores reconhecidamente - opposicionistas. - - _c_) Incluir na _chamada_ e fazer substituir por _mirones_ - todos os mortos da freguezia. - - _d_) Inutilizar imperceptivelmente com borrões de tinta as - listas dos contrarios. - - _e_) Entornar um tinteiro na urna, quando a eleição se - considerar perdida. - - _f_) _Armar_ uma _baralha_ na egreja; derrubar mezas, cadeiras, - quebrar cabeças aos eleitores; dar, até, pancada nos santos e - fugir afinal com a urna. - - _g_) _Empalmar_ uma acta. (Para esta prova o examinando poderia - consultar os tratados especiaes que, sobre tal assumpto, tem - escripto o Ex.ᵐᵒ Sr. Dr. M. Thomaz. - - -2.º - -Uma fala aos lavradores - -Antes da eleição (modelo _a_): - - _Olé amigo! Toque. Dê cá um abraço.—Esta é a sua filha? Está - uma fiôr; tem juizo, rapariga!—Sabe que arranjei um subsidio - para as obras da torre? Custou, mas arranjou-se.—Você não tem - um filho no recrutamento? Recebi hoje carta de Vianna em que me - dizem que vae ser isento.—Aquella é a tal propriedade em que - esses ladrões lhe lançaram quatro pintos? Eu amanhã arranjo - isso na Fazenda; o mais que deve pagar é um pinto.—Pegue lá um - cigarro. Com franqueza; fume á vontade, que é brandinho. Não - tem lume? Metta á bocca... Prompto!—É verdade: já me esquecia. - Você é dos nossos; amanhã é a eleição. Homens honrados são do - nosso lado. Já cá o tenho na cabeceira do rol—Diabo! tenho o - seu nome na ponta da lingua...—Zé da Portella, exactamente. - Aqui tem uma lista. Mande para o diabo a outra canalha.—Adeus. - Ás ordens sempre, sempre, para o que quizer.—Dé cá outro abraço - que é de amigo. Adeus._ - -Depois da eleição (modelo _b_): - - —_V. Ex.ª dá licença?_ - - —_Entre!!_ - - —_Louvado seja nosso..._ - - —_Que quer!?!_ - - —_Eu sou o Zé da Portella, aquelle..._ - - —_Venha logo, venha logo; tenho mais que fazer._ - - -3.º - -Organizar rapidamente o orçamento d’uma «borga» eleitoral, dada a -capacidade cubica das barrigas dos abbades e a permeabilidade alcoolica -dos tecidos intestinaes. - -A resolução d’este problema requer os seguintes conhecimentos: - - _a_) Saber o preço dos carneiros, dos _calhos_, do vinho, das - batatas, das resteas d’alhos, do pimentão, etc. - - _b_) Saber applicar o ammoniaco no caso provavel d’uma - borracheira. - - _c_) Saber receitar um purgante e manejar uma seringa na - delicada operação do crystel. - - _d_) Saber ouvir de confissão qualquer bruto que estoire - repentinamente com a indigestão. - - -4.º - -Redigir uma informação favoravel á imposição de qualquer transferencia, -embora ella vá lançar na miseria a familia d’um funccionario honesto. - -Modelo: - - _Esta transferencia torna-se necessaria e até indispensavel á - boa solução dos nossos negocios. O homem é regenerador. Diz - por ahi o diabo do Marianno. Alem d’isso, embirra com o A. Ora - este A. segura o O., que vale os seus cincoenta votos. Com o - A. não podemos contar, porque é dos amphibios e vae para quem - mais der. Por aqui já se rosna na transferencia e todos berram - que é uma infamia. O homem tem oito filhos. Que isso não influa - no animo de V. Ex.ª. Quanto mais distante fôr a sua collocação - melhor, porque mais desafogados ficamos. Espero solução rapida. - Resposta telegraphica. A victoria depende d’esta transferencia._ - - -5.º - -Conclusões varias sobre a elasticidade do Direito administrativo - - _a_) F. (governamental) _tem uma burra. Só paga decima quando - fôr da opposição._ - - _b_) F. (gov.) _tem um rendimento collectavel de reis 100$000. - Reduz-se a 50$000._ - - _c_) F. (opposição) _é professor e politico contrario. - Retiradas as gratificações sob qualquer pretexto._ - - _d_) F. (gov.) _requer uma policia correccional contra X. Pedra - nos autos_. - - _e_) F. (op.) _é filho unico e amparo da familia. Intimado para - em tres horas se apresentar á inspecção._ - - _f_) F. (gov.) _é forte como um toiro e robusto como um - Hercules. Entra ámanhã na inspecção. Isento por tisico._ - - _g_) F. (gov.) _é gallego e intrujão. Na gazeta do partido - illustre correligionario e probo cidadão._ - - _h_) F. (op.) _é homem de bem; eu tambem o creio... apesar de - que dizem por ahi (eu não acredito) que é ladrão e salteador de - estrada._ - - -6.º - -Dirigir nos campos da politiquice, com a aguilhada da administração, o -rebanho dos camaristas. - - Este problema exige dois mezes de tirocinio com os boieiros do - Alemtejo, para se apprender a deitar o laço e a reunir á manada - qualquer boi tresmalhado. - - * * * * * - -Ora diga-me V. Ex.ª: n’estes tres mezes em que tem empregado a sua -actividade nas coisas da nossa administração não encontrou ainda em -equação, sobre a sua mesa de trabalho, todos esses problemas? - -E resolveu-os? - -Não os resolveu, porque a sua consciencia e a sua dignidade esperam, -ainda, as provas de elasticidade e de resistencia que necessitam para a -tensão das patifarias politicas. - -V. Ex.ª tem feito um pessimo logar. - -Nem come os _calhos_ dos abbades, nem é paysanduco, nem é _provarei_, nem -deita foguetes. - -Se não fosse a luminosa e providencial influencia do seu Ex.ᵐᵒ -Substituto, homem de assaz provado engenho e competencia em assumptos de -Direito administrativo e ilhas adjacentes, V. Ex.ª envergonhava a terra, -o partido e os amigos, a cujo numero eu tenho a honra de pertencer. - -V. Ex.ª não tem _feitio_ para Administrador. - -Em tantos de tal (ainda V. Ex.ª não tinha na gaveta, ao lado das piugas, -a banda azul e branca) entraram no seu escriptorio os cidadãos Zé Pita, -Tóne do Logar e Manel Cancella. - -Este Manel trazia uma questão com o sogro por causa das aguas da rega. - -Disse da sua justiça. - -V. Ex.ª ouviu, pensou e aconselhou. - -Zé Pita, cidadão que tem as suas fumaças de doutor _lareiro_, metteu a -colherada no caso, muito lepido e escorreito com umas objecções ao douto -conselho de V. Ex.ª - -V. Ex.ª ouviu, pensou e refutou: _artigo tantos_, _paragrapho tal_, etc. - -Vae n’isto—o Tóne do Logar, _home_ de representação e de lettras gordas -na freguezia, chegou-se tambem _ao rego_ da discussão, e metteu o -bedelho, descobrindo ainda outra hypothese. - -V. Ex.ª ouviu, pensou e concluiu. - -Ficára o caso liquidado entre os quatro doutores, digo, entre V. Ex.ª e -os tres cidadãos. - -—_Quanto é?_ perguntou Manel. - -—_Dezoito vintens!_ respondeu V. Ex.ª - -Ficou estarrecido o homem. Nunca imaginára pagar um conselho por mais de -tres patacos, muito especialmente agora que o João Moraes os annunciava -a _quatro menos cinco_, para quem se avençasse ao mez. - -—_Sôr Doutor... talvez seja engano de Vóssoria, mas foi só um conselho..._ - -—_Foram tres e não um!_ respondeu V. Ex.ª com aquella cara muito -arrenegada que ás vezes tanto assusta a gente. - -—_Tres, meu senhor?_ - -—_Você não falou?_ - -—_E depois não falou outro?_ - -—_E não falou depois outro? Tres vezes seis, dezoito._ - - * * * * * - -Justissima era a reclamação. - -Nem os sete sabios da Grecia poderiam contestar a legalidade e a -exactidão d’aquella operação arithmetica. - -Este simples facto revela a rispida e austera execução que V. Ex.ª -dá aos sacratissimos principios da Justiça e da Equidade e revela, -tambem, a incompetencia de V. Ex.ª para um logar onde, tendo tres, oito, -dez ou vinte consultas diarias, nada poderá reclamar, quando venham -recommendadas por o sr. Joaquim, ou por outro qualquer confrade politico -que se lembre de fazer favores e de adquirir popularidade, á custa dos -dois contos que V. Ex.ª gastou na formatura. - -Para estas coisas de Politica é preciso vêr muito ao longe, ter vista de -caçador, e V. Ex.ª mesmo como caçador, é um desastrado. - -Nunca me hei-de esquecer d’aquella surriada que lhe fizeram os rapazes de -Arão, quando V. Ex.ª lá appareceu com todo o seu arsenal de guerra. - -Um dia, o Rocha e o Leitão suggeriram no cerebro de V. Ex.ª as glorias de -Nemrod. - -Depois de jantar, sahia V. Ex.ª com todos os petrechos de caça, -inoffensivamente mortiferos. Uma solida _escopeta_ de carregar pela -culatra; á cinta, um grandecissimo facalhão para escuchinar javalis; no -bolso direito, uma enorme navalha de furar lobos; a tiracollo, d’um lado -a cartucheira com trezentas cargas de polvora e bala; do outro lado, o -canudo de cortiça com vinte e sete furões e furoas; no bolso direito do -collete, um revolver de oito tiros; no esquerdo, um _box_ de quebrar -dentes a cães e vinte exemplares do _Noticioso_ para _necessidades -urgentes_; nos pés, aquellas grossas botas de sete solas impermeaveis, -até, no Rio Minho; aos hombros, o capindó de borracha, gemeo do outro -com que o Albino attrae a chuva por essas ruas, em dias claros e -formosissimos de Primavera; atraz de V. Ex.ª, ladrando, farejando, -saltando vallados e alçando as pernas, seguia a terrivel matilha, -recrutada na Parada-velha: podengos de todas as raças e feitios, para -coelho, para perdiz, para lobo: o _Nilo_, a _Fuinha_, o _Gigante_,—tó, -_Nero_!—volta, _Farrusca_! - -Assim disposto e precavido, seguia V. Ex.ª por essas aldéas fazendo -tremer o solo, os ceos, a terra, os mares, com o aspecto apavorador da -sua ferocidade venatoria. - -N’isto,—alli ao pé de Arão, um triste pintasilgo risca no ar uma curva e -vae poisar no arvoredo proximo. - -A matilha _amarrou_. - -V. Ex.ª toma ar, carrega a escopeta, aponta... toma outra vez ar... -desfecha e olha. - -O passarito soltára uma gargalhada de escarneo e batera as azas, voando... - -Quando passou sobre a cabeça de V. Ex.ª, lá do azul dos ceos cahiu uma -coisa sobre o seu excellentissimo nariz. - -A qual coisa, molle, pastosa, de côr cinzenta e com o feitio retorcido -d’um S fez exclamar a um rapazinho que, de _carrapuço_ vermelho e mãos -nos bolsos, a distancia presenciava o caso: - -—_Oh que grande caçador de minhocas!_ - -E campos fóra de Politica, Ex.ᵐᵒ Sr., quando encontro V. Ex.ª armado de -ponto em branco com a escopeta da Administração, cartucheira presa á -banda azul e branca, matilha de abbades e rafeiros,—quando verifico que -V. Ex.ª nem tem animo para disparar o bacamarte d’uma transferencia, nem -sabe empalmar uma urna, nem falsificar uma acta, nem dirigir uma borga -de _calhos_, nem descascar uma batata, nem deitar um foguete com ropia, -nem tocar n’um gaiteiro, nem mentir com cara seria, nem perseguir os -professores, nem desgraçar uma familia, nem deshonrar um funccionario, -nem amesquinhar um merito, eu, Ex.ᵐᵒ Sr., n’esta occasião em que V. Ex.ª -por ahi anda atrapalhado com a escopeta de dois canos que nas mãos lhe -metteram, para dar o primeiro tiro contra a opposição—não posso reprimir -estas palavras com que, conceituando politicamente V. Ex.ª, parodio o -rapazito d’Arão: - -—Oh que grande Administrador das _duzias_! - -Aos pés de V. Ex.ª, curva-se respeitosamente o - - _Zinão_. - - - - -XXIII - -Compadres e Comadres - - -Decididamente, não se póde ser rapaz solteiro em Valença. - -Segundo reza a minha cartilha, os inimigos do homem são tres: mundo, -diabo e carne. - -Cá na terra, os inimigos dos rapazes são tambem de tres especies: aguas -de Christello, bailes e comadres. - -Todos estes inimigos teem procedencia diversa: um nasce na Assembléa, -outro fóra de Portas, outro na Coroada. - -Todos teem um caminho:—o namoro. - -Todos teem um fim:—o casamento. - -Epilogo egual para todos:—o _conjugo vos_ do Magalhães e a Sr.ª Dona -Maria do Hospital. - - * * * * * - -Berra-se por ahi contra os jesuitas, contra os abusos dos regeneradores, -contra as tyrannias do João Cabral, contra tudo que póde affectar o livre -exercicio dos nossos direitos e das nossas regalias. - -Ninguem se lembra de requerer uma querela contra as _comadres_ da -Coroada, que ha dezenas de annos implacavelmente lançam ao pescoço dos -nossos mais airosos jovens as gargalheiras do casamento e a colleira de -_paterfamilias_. - - * * * * * - -Em bella manhã de Abril entra um raio de sol na alcova; acaricia-nos o -rosto; faz-nos cocegas no bigode e diz-nos baixinho ao ouvido: _São seis -horas; levanta-te, calaceiro! Lá fóra cantam as aves, exhalam aromas as -flores; está tão bonita a campina... tão risonhos estão os prados... -tão diaphana a atmosphera e tão azul o azul dos ceos... Vem commigo. És -livre; não precisas de ajudar a lavar os pequenos. Vamos,—veste-te, que -eu espero cá fóra._ - -Vinte minutos depois, respiramos por esses campos o ether das madrugadas. -A nossa alma inebria-se; sentimo-nos alegres, bons, fortes e felizes, -porque somos livres. Desejavamos possuir umas botas de _sete leguas_, -como as d’aquelles contos da infancia; trepar a todos os oiteiros, subir -a todas as collinas, saltar por todas as planicies. - -Phantasiamos azas como as da cotovia que se libra nos ares, cantando -hymnos de jubilo, de liberdade, de amor. - -Horas depois regressamos a casa. Á entrada, a sopeira entrega-nos -mysteriosamente uma caixinha dos collarinhos, ou dos pós da gomma, -cuidadosamente atada com fita de seda azul. - -Abrimos: - -Dentro, muito secio e garrido, um palmito; ao lado, teso e perfilado, um -cartão de visita: - - _Fulana de tal._ - -Desde aquelle momento, o _bacillo virgula_ do matrimonio inficiona o -nosso organismo. Perdemos a vontade de comer, damos ais, suspiramos á -lua, fazemos versos, cantamos o _choradinho_ e principiamos a cuidar nas -roupas brancas. - -Se não mudamos immediatamente de terra, unico remedio efficaz, estamos -perdidos. - -Que me conste, até hoje, dos atacados pela fatal molestia só resiste um—o -Velloso. Se escapa até aos quarenta, vae para o museu do Inglez. - - * * * * * - -Perde-se em a noite dos tempos a origem d’essa funesta cerimonia:—_a -eleição dos compadres_. - -Sei que dubia é, ainda, a tradição que a localiza na Coroada; porquanto, -auctores varios e jurisconsultos sisudos estabelecem no centro da villa a -instituição de tão perfidas solemnidades. - -As pandectas da Assembléa, os folios da Collegiada, os annaes da Ex.ᵐᵃ -Camara nada informam a tal respeito. Em vão os consulto em frequentes e -longas vigilias. - -Esta prioridade de direitos na organização do escrutinio annual tem por -vezes suscitado controversias violentas e disputas acaloradas entre os -pacificos habitantes da rua de S. João e os da Coroada; e se não fôra a -sisudez, prudencia, diplomacia e tino politico dos conspicuos inquilinos -do Santo Precursor, certamente já teriamos a lamentar successos graves e -não pouco deploraveis acontecimentos. - -No emtanto, a malquerença entre os dois povos existe e existe evidente. - -Na rua de S. João, um habitante da Coroada nunca foi um cidadão da -villa:—foi, e é um _pelludo_ da aldéa; e a esta offensa responde a -Coroada affirmando a superioridade dos seus costumes e dos seus habitos, -allegando, com assaz persuasiva logica, que não tem lá, nem precisa, de -Borralhos ou de Egyptos. - -A origem de tão lastimaveis dissensões está na eleição das _comadres_. - - * * * * * - -A epocha d’esta cerimonia não foi, como alguem poderá imaginar, fixada ao -acaso. Fixou-se traiçoeiramente para o domingo de Ramos. - -Domingo de Ramos quer dizer: Semana santa e Paschoa—isto é—_soirées_ na -egreja e na Assembléa e—mais ainda—chavenas de chá sem assucar preparadas -pelo Cruz com agua do Christello. - -Aos olhos incautos isto nada significa, mas significa muito para o -espirito do observador, porque lhe mostra em caminho perfeitamente livre -e desembaraçado, juncado de rosas e saturado de aromas,—a comadre e o -compadre amarrados um ao outro com as fitas de seda do palmito e da caixa -das amendoas. Vão alegres, risonhos, chilreando, sorrindo, despenhar-se -no abysmo sombrio do matrimonio, onde o Magalhães, com uma saia de mulher -aos hombros, attencioso e mitrado, lhes desfecha quatro tretas de latim. - -O palmito aproxima o compadre da comadre: _agradeço a V. Ex.ª—dou-lhe os -meus sentimentos, porque foi infeliz na sorte—merecia compadre melhor, e -tal, etc._,—diz elle. - -—_Oh sr. Fulano! Por quem é!... fui até a mais feliz.—Cá espero as -amendoas.—Olhe que é uma vergonha se as não dá.—Quero vêr, eu quero vêr -como se porta_—diz ella. - -Ao despedir, um cumprimento demorado, um sorriso, um olhar... e compadre -e comadre trocam mentalmente, na visão doirada do futuro, o grau do -parentesco. - -Magalhães surge ao longe, entre nuvens côr de rosa. - -A sr.ª Dona Maria do Hospital pisca graciosamente o magano olho -esquerdo... - - * * * * * - -Na quarta-feira santa, entra um rapazito no portal; bate as palmas—_sou -eu!—faz favor?_—e entrega uma perfumada caixinha, toda alegre e catita, -oiro e setim azul, recheada de amendoas e confeitos. - -No fundo espreguiça-se sorrateiramente uma carta. - -Rubôr ás faces, noventa pulsações por minuto, leitura tremula, arfar de -seios, um suspiro, dois suspiros. - -Lê-se, relê-se e torna-se a relêr a carta. - -Trabalha o ferro de frisar com mais cuidado, estuda-se uma prega mais -graciosa para a mantilha, flor ao peito para o que der e vier, e—entra a -_comadre_ na egreja. - -Quando abre o livro das orações, já não atina com o _Padre-Nosso_ nem -com a _Ave-Maria_. Com os olhos da imaginação, só vê e lê os caracteres -seguintes: - - _Minha senhora._ - -_Vel-a e amal-a, foi obra d’um momento. Quiz a fagueira sorte escolher-me -para compadre de Vocellencia. Bemdita seja ella que me aproximou de quem, -ha muito tempo, é o enlevo dos meus olhos, a alegria da minha alma, a -ventura do meu coração. Tomo a ousadia de offerecer a Vocellencia as -amendoas «inclusas». Desculpará Vocellencia. Na minha terra fazem-nas -muito bem feitas. Doces d’ovos e amendoas são as especialidades. Se o -Papá e a Mamã gostarem, eu mando vir mais. É bom comer poucas, porque são -muito indigestas e fazem dôres de barriga. Serei correspondido n’este meu -amor? Oh ceos! Quanto anhelo sabel-o! De Vocellencia_ - - _até á morte_ - - _V._ - - * * * * * - -Durante as _licções_, n’aquelles intervallos em que o Albino canta o seu -_macarronico_, o Padre Alexandre gargareja o melhor e o mais brunido do -seu latim e os outros padrecas se revezam, previamente annunciados pelo -rapaz sacrista que, de saiote vermelho, vae apagando, um a um, os treze -tocos da girandola—compadre e comadre libram as suas almas pelas naves -d’um mystico arroubo, ebrios de felicidade, de esperanças risonhas, e -dulcificados fartamente com amendoas de Tuy e rebuçados de avenca. - -Á noite, na visita ás casas do Senhor, o compadre acompanha a comadre. -Atraz, cochicham o futuro sogro e a futura sogra. As beatas, ao longe, -segredam mais um casamento... Compadre e comadre já se tratam por tu. -Fica combinado o _gargarejo_. - -—_Amo-te_—_boas noites_—_até amanhã_. - -Domingo de Paschoa. - -Baile na Assembléa. - -A _comadre_, quando alguem a pede para dançar _de roda_, está sempre -compromettida. Só dança com o _compadre_. - -_Compadre_ escolhe os melhores doces para a _comadre_; rodeia de -attenções a Mamã da dita _comadre_; entretem o cavaco com o Papá da dita -_comadre_; é _vis-à-vis_ do Mano da dita _comadre_. - -As amigas da _comadre_, quando o _compadre_ está em pé, arranjam-lhe logo -um logar ao pé da _comadre_. - -—_Comadrinha vae, compadrinho vem._ - -No fim da noite, entram já na conversa as roupas de linho, de panno cru, -as caçarolas, as panellas. - -Lá ao longe, muito ao longe, sempre em nuvens côr de rosa, a fugitiva -miragem d’um cavalheiro, irreprehensivelmente encasacado, gravata e luvas -brancas,—curvado em graciosa mesura perante o Papá e a Mamã. - -Um pedido—um _sim, Papá!_—uma lagrima da Mamã—um _ai!_ e um fanico. - -Dois mezes depois, Padre Magalhães dá o nó; e o mesmo raio do sol, que -em Abril nos despertava, penetra indiscretamente na alcova nupcial e -segreda-nos ao ouvido: - - _forte lôrpa!_ - -Annos passados, quando compadre e comadre teem quatro filhas casadoiras, -são elles que reclamam a eleição. - -Cada _palmito_ que sai de casa é um anzol. - -Para o Velloso—oh Paes de familia!—só a _coca_ ou o botirão. - - * * * * * - - Gentis senhoras da Coroada! - -Por piedade! Acabae com este tributo mais violento e mais horrivel do que -o tributo de sete mancebos e sete donzellas que, outr’ora, Athenas pagava -a Creta. - -Por piedade, senhoras! - -Arrebataes, annualmente, lá para cima, a melhoria dos mancebos, a nata -da mocidade, a fina essencia da juventude, que depois abandonaes a -essas ruas—obesos, gordurosos, crivados de callos, _paterfamilias_ de -_cache-nez_, lenço tabaqueiro e barretinho d’algodão. - -D’aqui a pouco não ha um rapaz solteiro em Valença; e como as -estatisticas demonstram que, para cada mancebo casadoiro ha, entre nós, -vinte damas em disponibilidade, attentae que não é risonho o vosso -futuro, porque está provado á evidencia, que os rapazes de fóra sabem -escapar á magia dos vossos palmitos. - -Vêde o Velloso, o Leopoldo, o Gomes da Artilheria, o Prado, o dr. Brandão. - -Transijamos, pois, gentis damas: - -Nós estamos promptos a enviar annualmente para a Coroada, quarenta -arrobas de amendoas e quarenta dictas de rebuçados dos melhores e dos -mais ricos que tenham o Có-Có, e o Telmo Parada. - -Outrosim nos compromettemos ao pagamento d’um tributo annual de tres -mancebos casadoiros, que vos serão entregues no domingo de Ramos, ao meio -dia, em frente das _Alminhas_, com os respectivos bahus de roupa branca: -camisas, ceroilas, piugas, barretinhos de dormir, pannos da barba. - -Para o pagamento d’este tributo organizaremos um gremio, como o dos -negociantes, na distribuição da decima. - -Os tres desgraçados serão indicados pela sorte. Irão esses para as negras -penas do matrimonio, mas, ao menos, os restantes poderão em todo o anno -andar satisfeitos, alegres, livres de melancholias e de... _palmitos_. - -Sou casado tres vezes, senhoras! O Magalhães que o diga... - -E tanto ás defunctas consortes, como á companheira actual, quem me -prendeu foi a vossa eleição. - -Por isso, quando agora vejo um palmito é o mesmo que vêr o diabo. - -Em nome da mocidade, protesto contra a - -=eleição das comadres!= - - - - -XXIV - -Ultimas palavras - - -Na vida social, uma povoação possue a complexidade do organismo d’um -individuo. Pode estudar-se physiologicamente e psychologicamente. - -Tem sentimentos, expansões, dôres, coleras, alegrias; tem orgãos, -musculos, enfermidades e lesões; periodos de vigor, de engrandecimento e -de decadencia. - -Athenas foi a alma da civilização hellenica; Sparta teve a musculatura -dos fortes na hegemonia das cidades gregas; Roma cingiu o mundo com os -seus braços de ferro; na gloria dos seus triumphos e das suas conquistas -teve a vertigem da sensualidade e do prazer; libertinou-se, effeminou-se -e apodreceu na enxurrada das sargetas. - -Paris ri; e Londres, embrutecida com o _gin_, com as _fresh-girls_ e -com os deboches de Cleveland-Street, offerece o nojento bandulho ao -facalhão de Jack, ou escouceia no _match-box_ do Pelican Club, em que -dois homens se esborracham a sôco, com grande gaudio d’isso que é a -quinta essencia da pelintrice, do egoismo, da ambição, do orgulho, da -_pataqueirice_ réles da viella e que nas altas espheras do _High-life_, -em _Leicester Square_, no _Regent’s Park_ ou no _Covent Garden_ se -intitula pomposamente—um _lord_! - - * * * * * - -Appliquemos aqui, aquella conhecida theoria de Broca sobre a relação -entre o volume cerebral e a intelligencia. - -O volume do cerebro pode, segundo o eminente sabio, indicar maior ou -menor desenvolvimento intellectual. - -Ora, o que é o cerebro? - -É a parte pensante do organismo. - -N’este individuo social—uma povoação—onde o devemos procurar? - -Na sua parte illustrada; nos filhos que se distinguem pelas -manifestações da sua actividade mental, e, assim, poderemos dizer que -o numero d’elles está para a consideração e importancia intellectual -do individuo—povoação—como o volume do cerebro está para o -individuo—homem.—Tanto maior, quanto mais illustrada, tanto menor quanto -menos culta. - -E admittido isto, desassombradamente podemos affirmar que nenhuma outra -povoação do paiz, com egual numero de habitantes—nas cathedras do -Ensino superior, nas elevadas posições do Exercito, nos altos cargos da -Magistratura, na Classe medica, na Advocacia, no Commercio e frequentando -ainda os cursos superiores—tenha numero egual, que não superior, de -filhos, e tão, que não mais, distinctos. - -Mas, honrosa como é esta superioridade tambem ignobil e infamante é a -indolencia a que nos entregamos, com que abandonamos os nossos direitos -politicos, com que ficamos de bocca aberta e mãos nos bolsos, na triste -impassibilidade do fackir, assistindo, impotentes como um eunucho, a -essa activa evolução que impulsa as mais insignificantes povoações, -transformando-as com os benesses das modernas instituições e levando-lhes -as arterias á hematose dos grandes centros civilizados. - -O titulo de _burgo podre_, com que realmente este concelho é mencionado -em Lisboa, deve ser para nós mais degradante do que a marca a fogo do -grilheta e do forçado. - -Tempo é de nos libertarmos d’essa tristissima condição de barregan, em -eterna dependencia de qualquer tia, velhaca e rufiona que á nossa custa -encha a pança e o _pé de meia_. - -Na choldra da prostituição politica do nosso paiz ha circulos que -necessitam de caricias e de namoro; ha circulos fieis, ainda que -rarissimos; ha-os de pernas abertas para quem mais der, e ha-os -_pataqueiros_ destinados a desvirgar os meninos lisboetas, ou a entregar -o corpo ao primeiro pandego, que lá de Bijagóz ou de Paio Pires, se -lembre de passar por elles, fazendo caminho para ir ajudar a embolar os -toiros no curro de S. Bento. - -Esta é a nossa triste condição. - - * * * * * - -Ha seis ou oito annos que n’este _burgo podre_ se manifestaram uns debeis -symptomas de vigorização politica. Regosijei. - -Pareceu-me que ainda poderia ver Valença como as outras terras; á mesa -do orçamento, com o seu logar marcado e o seu talher, e não como então -estava: debaixo do banco, apanhando de quando em quando o osso esfolado e -o pontapé do _gajo_ que a levara pela trela do voto. - -Vans esperanças! Antes o Passado. Appareceu effectivamente a Politica, -mas esfomeada, esqueletica, larvada, com manhas de gato lambareiro e -caricias de cadella aluada. - -Anichou-se por ahi, comendo á _tripa-forra_ e passando o tempo ao sol, de -barriga para o ar e carcela desapertada. - -Tem dichotes de histrião e insultos de fadista. É insupportavelmente -porca: onde toca deixa baba; onde poisa deixa excremento. Quando fala não -deita perdigotos, deita escarros; quando escreve não o faz com tinta, mas -com pus. - -Se graceja causa nauseas, se chora provoca o pontapé. - -Examinada physiologicamente encontramos-lhe deficiencia de orgãos. É -impotente e a impotencia organica reflecte-se na alma, porque não tem -enthusiasmos, nem aspirações, nem... vergonha. - -Conjuga só um verbo:—comer; só conhece um pronome:—nós. - -Muda de patrão de tres em tres annos. Pouco se importa com isso. Se elle -a trata mal, agacha-se, servil e humilde; se a trata bem, esfarrapa-lhe -uma cannela ou levanta a perna e... molha-o. - - * * * * * - -Um ataque de epilepsia politica agita actualmente os magnates eleitoraes. - -Está no chôco novo deputado... - -Indigitam-se dois filhos da terra como candidatos. - -A rua de S. João torce o nariz... - -Esta rua de S. João representa os mesmos _chimpanzés_ que, em tempos, -rejeitaram o sr. dr. Illidio Ayres para facultativo do Hospital e o sr. -dr. José Vieira para medico da Camara. - -Para que V. Ex.ª conheça bem a gente que o rodeia, sr. dr. Pestana, -aconselho-o a que peça pormenores ácerca das discussões que o seu nome -provocou nos _centros_. - -_Arrufos, gréves, amuos, etc._ - -Diz V. Ex.ª que o Zinão é _politico_ e _má-lingua_. - -Contra a primeira accusação protesto respeitosamente, e rogo a V. Ex.ª -que faça melhor conceito do meu caracter. - -Emquanto á segunda, direi a V. Ex.ª que tem mais a recear da _boa-lingua_ -e da _fidelidade_ dos seus _pseudo-partidarios_, do que da critica -zinoica. - -Eu defendi sempre a candidatura d’um filho da terra, emquanto que os seus -_amigos_... Informe-se, informe-se V. Ex.ª, porque talvez isso lhe seja -proveitoso. - - * * * * * - -Os trabalhos eleitoraes teem peripecias engraçadissimas que davam para -novo volume de _Sinapismos_. - -Abstenho-me, porém, de explorar esse inexgotavel filão de ridiculos, -existente na massa cerebral—grude de sapateiro e pura secreção de -rins—dos nossos politiqueiros. - -Tenho na minha frente dois filhos de Valença. Não sei, nem quero saber -qual d’elles tem mais probabilidades de vencer. - -Oxalá que todas as difficuldades desappareçam; que todas as indisposições -terminem, que todos os esforços se reunam e que esta terra possa, -finalmente, ter em S. Bento um representante util e proveitoso, como deve -ser qualquer dos seus filhos. - -Seja qual fôr o vencedor e a opinião politica que perfilhe, eu saúdo -n’elle o valenciano que recebe o mandato dos seus patricios, e oxalá -que a eleição de 30 de março de 1890 seja o inicio d’uma politica -digna, purificada de trampolinices, de arruaças, de _borralhadas da -Santa_,—independente de histriões e de tartufos, que até á data teem -manchado a consideração d’esta terra com o infamissimo labéo de - - =burgo podre!= - -Eis o que para Valença deseja o _má-lingua_ do - - _Zinão_. - - - - -NOTAS - - -[1] Este artigo foi publicado, quando a Junta de Saude inventou o -Microbio de 1889. - -[2] Este _digo_ não é consequencia d’uma simples abstracção do meu -espirito. Originou-se no tratamento, ha dias applicado no posto de -desinfecção do Caes, onde os viandantes eram considerados parreiras -phyloxeradas e polvilhados com enxofre... a folle de sopro. - -É economico e não faz bem nem mal. - -Antes pelo contrario... - -[3] Isto é francez e do mais decente. - -[4] Com esta classificação é que foi ás nuvens o sr. dr. Pacheco. Nunca o -vi tão zangado, a não ser quando aquelle barqueiro de Vigo lhe respondeu -á lettra... - -[5] Salvo seja. - -[6] Para partos era o melhor clinico que cá havia. As senhoras viam-lhe a -barriga e... suppunham logo simultaneidade de soffrimento. - -[7] Justininho.—Desculpa se foi tolice. Faz como o sr. Illydio -Dias:—declaração nos jornaes. Eu cá não me zango. - -[8] A metrificação é livre, como a setta no ar. - -N’estas coisas de versos, sigo a opinião do Capitão-mór da _Morgadinha_: -o papel é para se escrever e não para se estragar com versos de quatro -syllabas. - -[9] O que arde cura, diz o _Pimpão_ e confirma a sagrada Escriptura. - -[10] Podemos fallar á vontade, que isto é grego para o sr. Joaquim... - -[11] Do natural. - -[12] Copia do natural. Recommendo aos leitores que tomem um bocado d’ar; -especialmente aos que soffrem d’asthma. - -[13] Ortographia sonica. - -[14] Historico. - -[15] Um bocado de latim, no meio d’estas coisas, faz sempre bom effeito, -porque dá á gente um tom de sabio. Se foi asneira Vossa Excellencia -desculpará... Do que me ficou do Conego Vaz, foi o melhor que pude -arranjar. Vossa Excellencia tem cara de quem sabe muito latim. - -[16] Historico. Anno de Nosso Senhor Jesus Christo 1886. - -[17] Para vergonha nossa, direi que tão bello regulamento é o que ainda -vigora n’esta terra. Em leis civilisadas, ou Valença, ou as terras do -Kalakana... - -[18] Esmiuço, aqui, materia conhecida, para boa comprehensão d’alguns, -menos versados em Sciencias naturaes. Em questões de tanta magnitude, -toda a clareza é pouca. - -[19] Nem tudo se póde dizer claramente. Ha sempre quem dê mau sentido ás -coisas... - -[20] A camara, n’essa occasião, era composta dos srs. Zagallo, Vieira, -José Seixas, J. Lopes, Albino, J. Narciso e do orador. - -[21] Peço attenção para a redacção das propostas. - -[22] Ao verificar a impressão d’estas propostas vejo, com desgosto, que -os typographos espalharam por ahi, sem nexo nem intenção, bastantes -pontos, compromettedores para a candidez e honestidade de costumes -d’alguns Cavalheiros. Ahi fica a declaração para os salvar da intenção -criminosa. - -São coisas que succedem... - -[23] Sinto que as acanhadas dimensões d’este volume me não permitiam -incluir um artigo, que esbocei, ácerca da origem do Patriarcha. Tem por -titulo: _Aventuras do Patriarcha dos Gandricos e do seu amigo Gargalinho, -em Paris da França_. É um estudo realista. Faço, porém, obra para dois -tostões... - -[24] Não vá este artigo fundamentar suspeitas, ácerca das crenças -do auctor. Zinão respeita a Religião e perfilha o que ella tem de -sensato; mas só a admitte no Templo—depois de varrido de hypocritas, de -traficantes, de escorropicha-galhetas e de icha-corvos—com um Evangelho e -um Sacerdocio: a Caridade. - -[25] Depois do que expuz, acerca do _elogio-mutuo_, n’estas paginas, onde -manuseio ridiculos, poderá alguem attribuir-me intenções provocadoras da -tal _convenção_, com a referencia que ahi faço a um homem, que, entre nós -destramente maneja a penna. - -Declaro que, n’estas e n’outras referencias, digo o que penso e o que -sinto; sem pretenções a adulador, independente de preconceitos, de -considerações pessoaes e das imposições dogmaticas com que, por ahi, se -celebra e incensa muita _coisa_ vulgar e ôca. - -Não preparo o exito dos _Sinapismos_ com a offerta de exemplares ás -redacções, ou aos amigos, que as frequentam, com aquelles galanteadores -e irresistiveis offerecimentos de: _ao distinctissimo escriptor_, _ao -precioso estylista_, _etc._, com que se arma ao reclamo,—porque d’este -não necessito. - -Não viso á honra de ser considerado entre os litteratos, e por isso -occulto o meu nome; não escrevo por especulação, e por isso offereço aos -pobres qualquer producto do meu trabalho. - -Dos defeitos da obra, que são muitos, salvo-me com este desinteresse e -com esta independencia de opinião. - -Não me dotou Deus com _feitio_ para incensar vulgaridades pretenciosas, -nem tambem com orgulho e vaidade para repudiar, ou amesquinhar meritos. - -Entre a Critica e a minha individualidade está essa mascara:—Zinão. Se -aquella me fôr hostil, respeital-a-hei no que tiver de sensato; se me fôr -favoravel, francamente, não lh’o agradecerei, porque não peço elogios. - -Que este livro proporcione a quem o ler alguns minutos de distracção; que -essa distracção valha _uns tostões_ e que d’esses tostões possa apartar -_uns cobres_, que mitiguem alguma dôr—eis o que ambiciono d’este ignorado -laboratorio, onde preparo os _Sinapismos_. - -[26] Não posso ficar calado perante um tão extraordinario acontecimento, -como esse que o sr. Joaquim debate na imprensa, com as suas sessenta -epistolas. Altero, pois, a ordem dos capitulos, que já estavam no prelo, -para não perder a opportunidade d’estas linhas coordenadas á pressa, -entre as espiraes azuladas de dois _Princezas_, de seis ao vintem. - -[27] - - Isto sem pimenta não tem graça. - Foi só uma pitadinha... - -[28] Este _Marilio dos bosques_ já deu _sorte_ com os _Sinapismos_. -D’estes é que eu queria mais... - -Uma pergunta: se Cuvier agora trabalhasse na sua zooclassificação, onde -incluiria o Marilio? - -Oh Marilio!—tu respondeste com um peccado ao entregador dos -_Sinapismos_... - -Approxima-te. - - Vira-te para cá... - Agora para lá - Pôe-te de _banda_... - .................. - ........... olha! Vae-te embora. - -[29] Já publicado. - -[30] Cumpre-me declarar, para respeitabilidade das instituições de -segurança publica da nossa terra, que o sr. Sampaio não exercia, -n’aquella epocha, as funcções de Commissario das Policias. - -[31] Consta-me que este cão foi depois resgatado pelo sr. dr. Pestana. -Sua ex.ª está aqui e póde dizel-o... - -[32] São indigestos estes periodos. Talvez, até, que Vossa Excellencia, -approximando a pituitaria, sinta os vestigios do mau halito, que essa -casquilha matrona, D. Politica, exhalava, quando a auscultei para -conhecer as causas da atonia que a consome. - -No entanto, queira Vossa Excellencia lêr. Talvez que, com estes -sinapismos, a creatura melhore e lhe suba a côr ao rosto, indicio de... -saude. - -Se Vossa Excellencia tal perceber, pôde haver cura. - -Eu (aqui á puridade) duvido. - -[33] Vejam-se os acontecimentos politicos de 21 de Outubro e 3 de -Novembro e todos os outros d’esta especie. - -[34] No tocante a corpo commercial ou Valença, ou... Manchester. - -[35] Especializo estes cavalheiros porque são os mais calorosos n’esta -questão. - -[36] Agua vae... - -[37] Classificando politicamente estes dois cavalheiros, declaro, para -facilidade das futuras investigações historicas, que me refiro ao -momento actual, e que faço obra pelo que ouço dizer e não pelas suas -consciencias, que são inaccessiveis. - -[38] _Portugal contemporaneo_, do sr. Oliveira Martins. - -[39] Alludo á infamissima vingança que, ha annos, se perpetrou na -habitação d’um cidadão, alli para os lados da Ponte. - -[40] Estava a publicação n’estas alturas, quando em Valença se resolveu a -_Questão da Musica_, nas condições que eu previ. - -A _rusga_ foi, porém, tão desenfreada e, sobretudo, d’uma tal -inopportunidade que não merece _sinapismo_: merece ventosa. - -[41] Estes F. ou C. são—já se vê—epicenos. - -[42] _Stratego_—posto militar, com honras de general. O _Archontado_ -era um dos poderes do Estado. Tinha nove membros; o terceiro, que -commandava o exercito, chamava-se _Polemarcho_, mas, além d’este, havia -os polemarchos inferiores, que tinham o posto inferior aos _strategos_. - -_Areopago_ era um tribunal civil, que eu aqui compararei—por exemplo—á -nossa Excellentissima Camara. - -Intitulava-se o _Senado do Areopago_. - -_Eponymo_—era o mais graduado dos _archontes_ e, portanto, o chefe do -partido, digo, do Estado. - -[43] _Ostracismo_—era a condemnação ao exilio... equivalente ás actuaes -transferencias. - -[44] Aproximadamente 20 de Outubro e 3 de Novembro, pela nossa divisão do -anno. - -[45] Estas camisas só eram usadas pelos fanaticos religiosos, porque -arrancavam o coiro e... o cabello. - -[46] _Prytamos_—cidadãos poderosos. - -[47] Este nome é derivado d’um verbo: _cambronnear_, que teve uma leve -referencia em Waterloo. Vem do sanskrito e conjuga-se: eu cambronneio, tu -cambronneias, etc. Indica uma funcção organica. - -[48] Os _thetas_ constituiam a classe mais inferior dos cidadãos -athenienses. - -[49] Não pude comprehender no texto se aquelle possessivo _seus_ se -refere á cidade, se a Pericles. - -[50] _Eupatridas_—Proprietarios. - -[51] Kshatrias:—guerreiros da antiga India. - -[52] Sudras:—escravos. - -[53] Dmoes:—escravos para o serviço domestico. - -[54] Talentos:—moeda grega de valor variavel. - -[55] Coisa de tres kilometros... - -[56] Recordo aos meus leitores que este Pericles foi o iniciador, por -suggestão, da eschola prudhommica. - -[57] Segundo as theorias recentemente apresentadas por philantropicos -e honradissimos Cresus, o dever dinheiro é _coisa_ pouco escorreita de -dignidade. A honradez não gasta da mesma tinta com que se acceita uma -lettra. Um titulo de divida—documento d’uma transacção—é assim como a -_marca a fogo_ que nas ancas do potro indica o nome do creador. O potro -vende-se, recebe-se o dinheiro, mas o creador quando o encontra diz -sempre: _aquelle é dos meus_. - -[58] Por decencia vejo-me obrigado a _inglezar_ esta e outras phrases. -Saiba, porém, o leitor que todas ellas, significando as mais abjectas -phantasias de Lord Deboche, foram publicadas nas columnas da _Pall Mall -Gazette_, em quatro numeros de julho de 1885. - -[59] Só para bebedeiras não chegam cinco libras diarias a qualquer -d’esses animaes. O duque de Edimburgo, por exemplo, exgotta ao jantar -quatro garrafas de champagne e dois litros de cognac. - -[60] Pag. 155. - -[61] Direi, de passagem, que isto nem sempre succede. Notam-se, ás vezes, -umas anomalias, uns desvios da força nervosa que partindo do cerebro, -vae actuar n’outros musculos, produzindo manifestações de sentimentos -oppostos aos que nos impressionaram. - -Por exemplo: - -Quando vamos ao theatro e ouvimos o sr. Sampaio _jeremiando_ o seu papel -n’aquelle plangente e lugubre rhythmo d’uma _licção_ de _quarta-feira de -trevas_ e vemos que elle tenta reproduzir com o rosto, com o gesto, com -os olhos, as amarguras da sua alma atribulada por esta ou por aquella -situação dramatica—nós não choramos; rimos e rimos a valer, com tanto -mais furor, quanto mais afflictiva é a attitude do sr. Balagota. - -Outro exemplo: - -Quando o sr. Joaquim, depois de ler os _Sinapismos_, solta umas -casquinadas de riso tirante a verdadeiro e lhe ouvimos dizer que sim, -que o Zinão tem muita graça e desde que elle, Zinão, anda na rua, elle, -sr. Joaquim, põe mais uma tranca na porta, a gente—em vez de rebolar -no chão aos tombos com riso provocado por tão espirituosa facecia—fica -muito séria, e até sente o quer que seja que instinctivamente vae -enfiando em cada mão o dedo _mata-parasitas_ entre o _fura-bolos_ e -o _maior-de-todos_, n’aquella posição com que o meu amigo M. Silva -se previne cautelosamente contra os numerosos _amigos_ que no dia da -Cruz—uma vez por anno, felizmente—lhe vão festejar a garrafeira. - -Spencer explica isto na sua _Physiologie du rire_: - -_La decharge de la force nerveuse peut se tourner en excitation pour -d’autres nerfs qui n’ont pas de relation directe avec les membres et, -ainsi, amener d’autres sentiments et idées._ - -A individualidade do sr. Sampaio no convivio diario, por quaesquer razões -desperta o riso; e a individualidade do sr. Joaquim, pela sua auctoridade -_vice-administrativa_ e mais predicados ingenitos provoca a seriedade e o -tal cruzamento dos dedos. - -Convivendo diariamente com estes cavalheiros, as impressões que elles -nos causam vão, por assim dizer, armazenar-se em nosso cerebro, -condensando-se e augmentando de intensidade em força nervosa. - -Quando, pelas facecias, ou pelas jeremiadas, elles nos communicam uma -impressão mais forte, ha uma expansão brusca e violenta de força nervosa -_armazenada_, que vae actuar em nervos e musculos correspondentes a -sentimentos diversos. - -[62] Oh padre capellão: que rica _tirada_ para _um juramento de -bandeiras_... - -Só falta: _é a terra que cobre os ossos de nossos avós!_ - - - - -Indice - - - Paginas - - Duas palavras 5 - - Aos pobres de Valença 9 - - I—O microbio 13 - - II—Passe-Calles 23 - - III—Carta a Sua Ex. ª o Sr. Governador de Paysandu 63 - - IV—Uma descoberta do dr. Charcot 79 - - V—Perfis 91 - - VI—Coisas de egreja 105 - - VII—Litteraturas 127 - - VIII—Quimtilinarias 135 - - IX—Politiquices 145 - - X—Violetas 169 - - XI—Os quadros da Collegiada 177 - - XII—O senhor deputado 189 - - XIII—Carta ao Zé Senso 201 - - XIV—A Questão da Musica 209 - - XV—As muralhas 235 - - XVI—A manifestação de 14 de janeiro 247 - - XVII—A Sociedade dos Provareis 279 - - XVIII—Uma recita de curiosos 299 - - XIX—Transferencias 309 - - XX—A questão ingleza 321 - - XXI—A manifestação dos artistas 333 - - XXII—Carta a Sua Ex. ª o Sr. Administrador 347 - - XXIII—Compadres e comadres 363 - - XXIV—Ultimas palavras 375 - - - - -Emendas - - - PAG. LINH. ONDE SE LÊ LEIA-SE - - 54 24 d’uma fórma d’um modo - 112 22 origem viagem - 127 16 eminente imminente - 162 10 e 16 Luiz XI Luiz XIV - 177 11 paleonlithica paleolithica - 180 12 as borrasse os borrasse - 205 22 corcodilo crocodilo - 239 5 nada valeram nada valerem - 318 25 anavalharem anavalhar - - -A perspicacia e benignidade do leitor confiamos outras irregularidades -que n’essas paginas possa encontrar. - - - - - -End of the Project Gutenberg EBook of Sinapismos, by Zinão - -*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK SINAPISMOS *** - -***** This file should be named 61936-0.txt or 61936-0.zip ***** -This and all associated files of various formats will be found in: - http://www.gutenberg.org/6/1/9/3/61936/ - -Produced by Chris Curnow, Júlio Reis and the Online -Distributed Proofreading Team at https://www.pgdp.net (This -file was produced from images generously made available -by The Internet Archive/Canadian Libraries) - -Updated editions will replace the previous one--the old editions will -be renamed. - -Creating the works from print editions not protected by U.S. copyright -law means that no one owns a United States copyright in these works, -so the Foundation (and you!) can copy and distribute it in the United -States without permission and without paying copyright -royalties. 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Redistribution is subject to the -trademark license, especially commercial redistribution. - -START: FULL LICENSE - -THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE -PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK - -To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free -distribution of electronic works, by using or distributing this work -(or any other work associated in any way with the phrase "Project -Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full -Project Gutenberg-tm License available with this file or online at -www.gutenberg.org/license. - -Section 1. General Terms of Use and Redistributing Project -Gutenberg-tm electronic works - -1.A. By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm -electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to -and accept all the terms of this license and intellectual property -(trademark/copyright) agreement. 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You may copy it, give it away or re-use it under the terms of -the Project Gutenberg License included with this eBook or online at -www.gutenberg.org. If you are not located in the United States, you'll have -to check the laws of the country where you are located before using this ebook. - -Title: Sinapismos - -Author: Zinão - -Release Date: April 25, 2020 [EBook #61936] - -Language: Portuguese - -Character set encoding: UTF-8 - -*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK SINAPISMOS *** - - - - -Produced by Chris Curnow, Júlio Reis and the Online -Distributed Proofreading Team at https://www.pgdp.net (This -file was produced from images generously made available -by The Internet Archive/Canadian Libraries) - - - - - - -</pre> - - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_1" id="Pag_1">[1]</a></span></p> - -<div class="front-matter"> - -<p class="mt3 right"><i>Numero <span class="u">49</span></i></p> - -<h1><i>Sinapismos</i></h1> - -</div> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_2" id="Pag_2">[2]</a></span></p> - -<hr class="chap" /> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_3" id="Pag_3">[3]</a></span></p> - -<div class="front-matter"> - -<p class="titlepage"><i>Zinão</i></p> - -<p class="right"><i>Ridendo...</i></p> - -<p class="titlepage larger u"><i>Sinapismos</i></p> - -<p class="titlepage"><span class="gothic">Valença do Minho</span><br /> -1889</p> - -</div> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_4" id="Pag_4">[4]</a></span></p> - -<hr class="chap" /> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_5" id="Pag_5">[5]</a></span></p> - -<h2 id="DUAS_PALAVRAS">DUAS PALAVRAS<br /> -<span class="smaller">(A SERIO)</span></h2> - -<p>Essas paginas são para rir.</p> - -<p>Originou-as a curiosidade que despertaram alguns -artigos humoristicos, publicados sob o titulo de <i>Ridendo</i>.</p> - -<p>Ha n’ellas referencias pessoaes, como não póde -deixar de ser, para que os periodos não tenham a -aridez dos discursos do sr. conselheiro Adriano Machado; -mas são referencias á vida social e á parte -que n’ella tomam as individualidades, que chamo ao -tablado da ironia.</p> - -<p>Respeito sempre a vida particular e isso que ha -de mais nobre e sagrado na sociedade—a familia.</p> - -<p>O leitor verificará que, na composição dos artigos, -segui um processo de critica differente do usado, até<span class="pagenum"><a name="Pag_6" id="Pag_6">[6]</a></span> -hoje, nas polemicas litterarias e politicas da nossa -terra.</p> - -<p>Suscitada uma questão, exgottam os adversarios -os argumentos mais ou menos concludentes, que as -suas intelligencias lhes fornecem; depois, invariavelmente, -vem a critica estulta e pueril da redacção dos -periodos, sua composição grammatical, ortographia, -etc., e conclue-se com as allusões á vida particular, -em termos de collareja e argumentação de viella. Temos -visto muito d’isso por cá...</p> - -<p>N’essas paginas ha artigos inoffensivos e ha periodos, -em que a ironia é violenta—desde já o declaro—porque -foram inspirados no affecto, que a -esta terra consagro e no vehemente desejo que nutro, -de que ella se liberte da ignobil inercia, que a -domina e de influencias ridiculas, que a amesquinham.</p> - -<p>Descarna-se n’elles, com o escalpello do sarcasmo, -a parte d’este organismo que a podridão ataca, applicando-se, -como cauterio, o ridiculo e a gargalhada, -como desinfectante; mas não influe n’essa operação a -sensualidade brutal do estripador londrino, ou a ferocidade -selvagem da sanguinolenta tragedia de Pantin. -Ha a insensibilidade e a firmeza de pulso, que a -Sciencia recommenda ao operador quando, para salvar -orgãos essenciaes á vida, lhe impõe a immediata -extirpação e cauterio violento d’outros, que o mal -apodrece.</p> - -<p>Essas linhas foram, pois, pautadas pela dignidade<span class="pagenum"><a name="Pag_7" id="Pag_7">[7]</a></span> -e nunca n’ellas predominou a influencia de resentimentos -mesquinhos, ou a intenção de referencias offensivas, -que seriam torpes, como anonymas.</p> - -<p>Eis o meu programma e se alguma vez se desfivelar -a mascara do Zinão, oxalá que uma erronea -interpretação do que se vae ler, não faça afrouxar a -acção nervosa, que hoje me extende a mão de muitos -amigos, que figuram n’essas paginas.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Passo a afinar a rabeca.</p> - -<p class="mt3 smaller">Valença—Novembro, 1889.</p> - -<p class="mt3 right"><i>Zinão.</i></p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_8" id="Pag_8">[8]</a></span></p> - -<hr class="chap" /> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_9" id="Pag_9">[9]</a></span></p> - -<h2 id="Aos_pobres_de_Valenca">Aos pobres de Valença</h2> - -<p>Entrevados, paralyticos, cegos, escrofulosos, tisicos, -hydropicos,</p> - -<p class="right">—Velhos, mulheres e creanças,</p> - -<p class="noindent">que sois o producto dos residuos—<i>caput mortuum</i>—da -Humanidade e por ahi vos arrastaes, penosamente, -aos sabbados, disputando, á dentada, o magro <i>chabo</i> -que ás descarnadas mãos, em publico e notorio arrôto -de rothschildica generosidade, vos arremessam os poderosos -Cresus da nossa terra;</p> - -<p class="noindent">—miseros, que tivestes a desventura de ver a luz do -dia coada pelas frestas da mansarda, quando esses<span class="pagenum"><a name="Pag_10" id="Pag_10">[10]</a></span> -mesmos atomos e moleculas a que deveis a vida, atrazando-se, -ou adeantando-se no seu labutar constante, -podiam gerar-vos entre arminhos e flôres, entre aromas -e caricias;</p> - -<p class="noindent">—precitos, que dormitaes, tiritando e gemendo com -fome, enroscados, como cães, na ampla escadaria da -Assemblea, em noites de baile e de festa e vos vêdes -apartados, como reprobos, isolados como hydrophobos, -do ruidoso e alegre tumultuar da vida, em -que ha risos, mulheres formosas, affectos e diamantes;</p> - -<p class="noindent">—párias, que a doença algemou ao catre da dôr, e a -quem a luz formosissima da alvorada vae encontrar -no estertor da agonia, nas convulsões do soffrimento, -nas infernaes torturas da miseria—essa mesma luz -que desperta e illumina a caravana alegre, quando, -exhuberante de vida, de mocidade e de prazer segue, -ruidosa, ao Faro, para respirar o oxygenio das montanhas -e admirar as sorridentes paisagens da Natureza, -d’essa desalmada Mãe, que para vós só teve -quadros sombrios, horrores, vendavaes de infortunio, -abysmos de soffrimento;</p> - -<p class="noindent">—famintos, que espreitaes com olhos soffregos os doirados -salões de Pantagruel e de Gargantua, e vos -sentis deslumbrados com o faiscar dos crystaes, alcoolisados -com os aromas das iguarias, estonteados<span class="pagenum"><a name="Pag_11" id="Pag_11">[11]</a></span> -com o espumar do <i>Champagne</i>, até que o lacaio vos -atire o osso que o mastim disputa, ou vos expulse a -chicote, para que a miseria dos farrapos nojentos, o -fetido dos membros descarnados, a pallidez cadaverica -da face, não vão perturbar a alegria dos convivas, -recordando-lhes que ha por este mundo gente que -nasce, vive e morre, sem conhecer o que é <i>Champagne -frappé, Punch à la romaine, ou Riz de veau à la -Tartare</i>;</p> - -<p class="noindent">—imprudentes, que vos atreveis a bater á porta do -Hospital depois das oito da noite, como se a Caridade -não tivesse mais que fazer, do que estar á vossa -espera, e por ahi appareceis, depois, mortos nas muralhas, -com o ventre para o ar, olhos esbugalhados, -membros hirtos, esverdeados, cheirando mal;</p> - -<p class="noindent">—reprobos, que nem entrada tendes nos templos, -onde imaginaes que, por lá estar Christo, se egualam -as condições, ignorando que o Christo da missa do -meio-dia não é vosso, mas o dos argentarios que, para -illudirem a consciencia e satisfazerem as exigencias -da vaidade e as apparencias da hypocrisia, lhe dão -capas de velludo e corôas de oiro; lhe fazem companhia -nas longas noites do inverno, distrahindo-o com -essas immoraes bambochatas das Novenas e da Semana -Santa, com a somnolenta melopêa da padralhada, -com as intrigas e confidencias amorosas, com -o cochichar mordaz do beaterio, que entre <i>Torres<span class="pagenum"><a name="Pag_12" id="Pag_12">[12]</a></span> -eburnea</i> e <i>Mater castissima</i>, discute a confecção de -um vestido da Torrona, ou do Blanco—e lhe fazem -venias, e batem no peito, e andam por ahi, de porta -em porta, ostentando cynicamente crenças, que não -possuem, crenças, que não comprehendem, a pedir em -nome de Christo, que é o symbolo do amor e da humildade, -os <i>cinco tostões</i> da subscripção, quando á -mesma hora, infelizes, olhaes, soluçando, para a escudella -vazia e as creanças vos mordem os peitos, -porque já não tendes leite, nem o calor da vida...</p> - -<p class="right">Velhos, mulheres e creanças,</p> - -<p class="right">escutae:</p> - -<p>Ahi tendes esse livro.</p> - -<p>Lêde-o, ou dae-o a ler. E se entre os ricos e os -felizes da vida esses periodos não se crystallizarem -no oiro da esmola—encontrareis ahi lenitivo para -os vossos infortunios, porque ficareis sabendo, que -nas regiões, onde só imaginaes venturas, oiro e risos -tambem ha, como entre vós, pustulas—da vaidade, -aleijões—do ridiculo, febres—da ambição, contracções—da -hypocrisia, doenças e disformidades mais dolorosas -e repugnantes do que as vossas, porque não -inspiram compaixão nem dôr, mas, apenas, tedio, ironia -e a gargalhada.</p> - -<hr class="chap" /> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_13" id="Pag_13">[13]</a></span></p> - -<h2 id="I">I<br /> -<span class="smaller">O Microbio<a name="FNanchor_1" id="FNanchor_1"></a><a href="#Footnote_1" class="fnanchor">[1]</a></span></h2> - -<p>Tivemos á porta o Microbio.</p> - -<p>Eu já o esperava.</p> - -<p>A gente, para falar a verdade, porta-se mal cá -por baixo e o Padre Eterno deve, com justa razão, -encrespar as sobrancelhas com uma boa dóse de mau -humor, quando o globo terraqueo, no seu incessante -rebolar por essas immensidades, lhe apresentar á -vista a formidolosa praça e os seus arrabaldes.</p> - -<p>Aquelle nefando e escandalosissimo caso, que tanto -alarmou a fé das christandades e a religiosidade das -beatas da nossa terra—a prisão da Santa, arremessada<span class="pagenum"><a name="Pag_14" id="Pag_14">[14]</a></span> -aos baldões para os ferros de El-Rei e para a -jurisdicção autocratica do Borralho, de sucia com os -desobedientes e reaccionarios philarmonicos de Ganfey—deve -tel-o incommodado seriamente.</p> - -<p>Mas ha mais. É recente outro caso mais escandaloso -ainda, que aqui, á puridade, vou referir.</p> - -<p>Na vizinha villa de Monsão perpetrou-se, ha pouco, -um gravissimo attentado contra a Moral, contra o -respeito ás coisas sagradas e seriedade das nossas -crenças religiosas.</p> - -<p>Ao que parece, o conspicuo Senado não prestou a -devida attenção á guarda da Santa Coca e esta, já -enfastiada com as interminaveis polemicas e diatribes -dos srs. padre Simão, Caetano José Dias e -outros respeitaveis jornalistas, escapou-se á sorrelfa, -internando-se nas terras da Galliza até Redondella, -onde foi visitar a Coca da localidade.</p> - -<p>Ora, segundo se conclue, esta era de sexo differente -e, de incestuosa copula, resultou uma Coquinha, -que os nossos bons vizinhos tiveram a imprudencia -de apresentar em publico na ultima procissão de -Corpus-Christi, com grande gaudio dos atheus e suprema -indignação do ferrador da localidade, contractado -para S. Jorge, que, em altos brados, reclamava -maior salario, visto que ajustára a lucta contra uma -só Coca e não contra duas!</p> - -<p>E permitti que vos diga, respeitavel Senado monsanense, -á fé de Deu-la-deu, que foi incorrecto o vosso -proceder! Contra Cocas com familia deve-se, indubitavelmente<span class="pagenum"><a name="Pag_15" id="Pag_15">[15]</a></span> -(as pandectas o determinam, artigo 1:007), -pagar mais caro o S. Jorge.</p> - -<p>Ora, com todos estes desacatos, repito, o Padre -Eterno deve trazer-nos de ponta e claro é que, mais -tarde ou mais cedo, cá teriamos o castigo:—ou qualquer -das pragas do Egypto, ou nova Exposição de -Rosas, ou novo consulado do João Cabral, ou mais -dois falladores, como os srs. Abilio e Leopoldo.</p> - -<p>Do Mal, o menos. Veio o Microbio.</p> - -<p>As planicies do Ganges já deram o que tinham a -dar. O Egypto, a India, a China, a America Central -são insupportaveis n’esta epocha, com as suas elevadissimas -temperaturas. O Microbio é d’uma organisação -especial, que dispõe de todos os recursos para -facil e rapida locomoção; anda sobre as aguas, como -Ulysses, de chinelos de liga, e no ar, como nós, -no sobrado das nossas casas. Requereu, pois, licença -para uma viagem ao extrangeiro e o Padre Eterno, -extendendo o index, indicou-lhe o caminho.</p> - -<p>Microbio preparou-se convenientemente com repetidas -abluções hydroterapicas, como o sr. Albino; -abotoou o seu guarda-pó; sobraçou o guarda-chuva; -despediu-se da familia e, de mala de viagem e guia -Baedeker na mão, atirou-se cá para o Occidente e -parou em Vigo.</p> - -<p>Pelas condições economicas da viagem, que não -teve caracter official, nem reclamos, nem discursos -de congratulação dos Presidentes das Camaras e das -Juntas de Parochia, este Microbio deve ser differente,<span class="pagenum"><a name="Pag_16" id="Pag_16">[16]</a></span> -do que visitou a Hespanha em 85. Deve ser -um Microbio burguez, pacato, com inscripções, rheumatismo -e dinheiros a juro; talvez Juiz de Paz, ou -quarenta-maior contribuinte do seu concelho; deve -usar suspensorios, botas de cano; tomar rapé e dormir -com barretinho de algodão; deve ser um Microbio -sensato, austero e de bons costumes; de principios e -convicções firmes, assim como o sr. Agostinho; bom -chefe de familia, temente a Deus, inimigo de <i>Malzabetes</i> -e de romarias, onde qualquer Pau-real amolga -impunemente a massa cerebral, ou a mioleira da -humanidade.</p> - -<p>Em Vigo apresentou-se, pois, modestamente com -um pequeno sequito de gastrites, gastro-enterites e -algo de typhos; mas apesar do incognito rigoroso e -da modestia d’esta apresentação, souberam da sua -chegada, em Lisboa, os conspicuos Membros da Junta -de Saude.</p> - -<p>Aquelles respeitabilissimos Esculapios, Argos vigilantes, -a quem estão confiadas as nossas existencias, -aborrecidos já da longa inacção em que vivem -desde 1851, limitados a rubricar diariamente o fornecimento -dos cemiterios da capital, de que se encarregam -com inexcedivel pontualidade, arregalaram, -de jubilosos, os olhinhos, vendo em perspectiva um -Microbio legitimo, genuino, naturalisado americano -pelo sr. dr. Arezes. Tocaram a rebate no paiz.</p> - -<p>Os pharmacópolas açodaram-se em abundantes -preparativos de tonicos, diaforeticos e antisepticos.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_17" id="Pag_17">[17]</a></span></p> - -<p>Koch, Pasteur, Brouardel, Proust, Fauvel, Ferran, -Raspail foram consultados em laboriosas vigilias.</p> - -<p>As tropas, emocionadas pelo santo amor da Patria, -prepararam-se para o holocausto no Cordão sanitario,—que -tão boas libras produziu em 1885.</p> - -<p>Os amanuenses, prevendo uma valente <i>razzia</i> entre -os chefes cacheticos e tropegos, saboreavam as -delicias d’uma rapida promoção.</p> - -<p>Maridos, com vida atribulada, suspiravam voltados -para o septentrião... Tudo se preparava, emfim, -para receber o Microbio.</p> - -<p>Entretanto, palitava elle a sua ociosidade, em -Vigo, com alguns artilheiros, que ainda se não sabe, -ao certo, se foram victimados pela febre, se pela -gangrena originada no <i>excesso de limpeza</i>, em que viviam...</p> - -<p>Informado dos preparativos, que no nosso paiz -se faziam para o receber, Microbio Bacilla malhumorou-se.</p> - -<p>Antipathizou com a calva luzidia do sr. dr. Meira, -encarregado officialmente de o saudar em nome -do governo lusitano.</p> - -<p>Alterou repentinamente o itinerario e... foi-se.</p> - -<p>Lá desappareceram com elle as fagueiras esperanças -dos amanuenses, dos maridos infelizes e as -cóleras dos senhorios de Valença, que em 85 foram, -violenta e despoticamente, espoliados dos seus direitos -de propriedade por um governo futre e poucaroupa,<span class="pagenum"><a name="Pag_18" id="Pag_18">[18]</a></span> -que teve o descaro de pagar, como aluguel de -nove mezes, uns miseros centos de mil reis, que representam -o dobro do valor das propriedades.</p> - -<p>Lá desappareceram as rações de 1.ª classe e -aquellas encantadas folhas de kilometros, que deram -aos tropegos membros locomotores de amigos meus, -obesos e adiposos, a agilidade e ligeireza do mais -leve e reputado andarilho...</p> - -<p>D’esta vez, ainda, déste xaque-mate ao Padre -Eterno, oh grande doutor Lourenço!</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Augustus Sampaius, senhor da Balagotia; Intendente -geral dos serviços phyloxericos, digo,<a name="FNanchor_2" id="FNanchor_2"></a><a href="#Footnote_2" class="fnanchor">[2]</a> antimicrobicos -da fronteira; Commissario geral dos inoffensivos -Cerberos da policia concelhia e, como tal, -terror dos Troppmans e Jacks adventicios; Chefe da -Repartição do expediente do sr. Administrador (que -Deus Guarde); Director da Repartição Municipal de -Hygiene e Secção annexa das toleradas, artes <i>julianas</i> -e <i>valladicas</i>; Inspector do serviço das bombas e -de segurança publica; Fiscal dos pesos e medidas;<span class="pagenum"><a name="Pag_19" id="Pag_19">[19]</a></span> -Secretario perpetuo das Juntas de Parochia; Orçamentologo -official das Confrarias e Irmandades sertanejas; -Irmão do SS. Sacramento; Mesario e Ex-definidor -da Santa Casa da Misericordia; Mordomo da -Senhora do Faro, da Senhora Santa Luzia milagrosa -e outras Senhoras d’aquem e além mar, terras da -Urgeira e Taião; Mestre de cerimonias nas contradanças -lithurgicas das nossas festas de Egreja: Estatistico -distincto dos fogos, productos, criminalidade, -bipedes e quadrupedes do Concelho; Numismatico -abalisado; Agricultor emerito; Actor consummado; -phantasista original e querido das damas, em debuxos -de lettras para lenços de namoro—homem que -representas, na vida social da nossa terra, a mais -completa e complexa, a mais genial expressão da -actividade humana—Augustus Sampaius, senhor da -Balagotia—eu te saudo!</p> - -<p>Ao fallar no Micobrio, que tanto apavorou os -conspicuos Esculapios da Junta de saude, e que tão -ridentes esperanças fez agora despontar, no horisonte -ennublado de muitas finanças oscillantes, eu não -posso esquecer o teu nome, porque foi a ti, ao teu -provado zelo, assaz reconhecida sollicitude, desempenada -actividade que a Patria, eu e a minha prole -devemos a desejada immunidade do terrivel Bacilla, -na campanha de 85.</p> - -<p>Commove-se-me profundamente a alma; inundam-se-me -os olhos de lagrimas; sensibilizo-me, como -se te ouvisse no palco com as lamentações de pae<span class="pagenum"><a name="Pag_20" id="Pag_20">[20]</a></span> -tyranno e infeliz; foge-me dos labios o riso, como se -te aturasse o <i>espirito</i> n’essas libertinas extravagancias -a que te dás no Carnaval, encadernado de <i>princez</i>, -ou á <i>antiga</i>, com os ouropeis e a farrapada do -teu guarda-roupa—(boceta pandorica de frioleiras e -de traça)—percorrendo as casas sérias, com grande -gaudio das matronas do teu tempo e abundante colheita -de mystificações, intrigas, pançadas de riso, -chavenas de chá e tostas com manteiga—quando me -recordo, oh Balagotio illustre, dos teus serviços no -cordão sanitario!</p> - -<p>Noites tempestuosas que passaste; asperezas do -inverno; longas caminhadas; chuva, vento, frio, fome -e sêde; graves perturbações nas funcções digestivas; -fraqueza nas contracções peristalticas, occasionando -incommodas e demoradas accumulações no cœcum; -nas longas noites de vigia, ao avizinhar-se vulto -sombrio e suspeito, afrouxamentos instantaneos do -<i>sphingter</i> com defecações abundantes, enfraquecedoras; -fartas exhalações de acido carbonico e hydrogenios -carbonado e sulfurado—e tudo isto pelo -amor da humanidade, provocado pelo mais desinteressado -altruismo, inspirado na mais acrisolada philanthropia -e, depois ainda, aggravado com os arrancos -da tua dyspepsia chronica e com a ingratidão da -Patria de quem, contrariado, espezinhado na pureza -dos teus sentimentos humanitarios, tiveste de receber, -a <i>fortiori</i>, umas mesquinhas dezenas de libras!</p> - -<p>Tu, Balagotio amigo, engrossaste o longo martyrologio,<span class="pagenum"><a name="Pag_21" id="Pag_21">[21]</a></span> -da Patria. Salvaste-a e continuas ahi esquecido, -ignorado, com a tua dyspepsia e o teu barretinho -de seda preto, condemnado a um eterno roçar de -canhões do casibeque na mesa da Administração, -sem uma commenda, sem veneras hespanholas, que -se vendem ao alqueire, sem um viscondado sequer!</p> - -<p>Mas eu, conterraneo illustre, não serei tambem -ingrato. Já que esse <i>Zé Barros pequenino</i> foi insensivel -aos vehementes protestos do teu amor, e te não -fez Commissario das Policias, com pingue gratificação -de categoria; já que o teu Chefe no Cordão se não -compadece dos olhinhos de ternura e piedade, com -que tu, cem vezes por dia, lhe fitas a janella, eu te -protegerei, cidadão benemerito e prestantissimo.</p> - -<p>Tu soffres. Essa dyspepsia cruel, quando se não -fala em Microbio, mina-te a existencia, curva-te o -tronco, descora-te a face, dissemina no teu organismo -os germens de uma anemia lenta e perigosa.</p> - -<p>Brown Sequard nada te póde fazer.</p> - -<p>A Deus nada posso pedir a teu favor, porque tu -tambem foste connivente, com esse feroz Attila do -Registro predial, na prisão da Santa.</p> - -<p>Nada temos a esperar do Céo, mas recorremos -ao Olympo, que outr’ora fazia tão bons milagres, -como o Senhor S. Campio, que sua uma vez por anno, -ou a Senhora da Cabeça, que, para mostrar competencia -na cura de fracturas da dita, reune traiçoeiramente -na sua festa, quantos caceteiros comem -boroa e feijão, por estas boas vinte leguas em redondo.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_22" id="Pag_22">[22]</a></span></p> - -<p>Pois bem! Que Jupiter ouça os meus rogos. Já -que as delicadissimas funcções do teu organismo te -consentem apenas o leite, como alimento, que Elle -te mande Io, para que tu, nas suas cem tetas, possas -de noite e de dia chupar a vida, novas forças, novos -elementos e os teus tecidos tomem, a breve trecho, a -salutar obesidade do sr. João Ignacio, do saudoso -doutor Pacheco, ou do nosso prestantissimo deputado, -o sr. Visconde da Torre!</p> - -<p class="mt3 smaller">Setembro 1889.</p> - -<hr class="chap" /> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_23" id="Pag_23">[23]</a></span></p> - -<h2 id="II">II<br /> -<span class="smaller">Passe-Calles</span></h2> - -<p>Oh Justininho!</p> - -<p class="center">dá cá o braço...</p> - -<p>Ora aqui tem V. Ex.ª um rapaz, que se o Marianno -não atira para o Pico, era muito capaz de se -guindar ao pico da popularidade, cá na terra.</p> - -<p>Ainda não conheci quem mais sympathias tivesse -entre Clero, Nobreza e Povo; mas tambem, -ainda não conheci rapaz mais sensato, conciliador e -serviçal.</p> - -<p>Para chamar á paz um casal amuado; para prégar -Moral ás creadas de servir; para uma visita de -pesames, a rigor, com o <i>resigne-se V. Ex.ª com a<span class="pagenum"><a name="Pag_24" id="Pag_24">[24]</a></span> -vontade do Altissimo</i> engatilhado; para dirigir um -baile nos <i>tricanés</i>; para entreter senhoras nas reuniões -da Semana Santa, em S. Estevão, ou nas do -Carnaval, na Assemblea; para acompanhar familias -á missa das onze; para representar a Associação artistica; -para umas funcções serias de secretario (tinha -o monopolio); para a descripção d’um baile no -<i>Mensageiro das salas</i>; para dirigir a eleição das comadres, -a coisa mais redondamente patusca e interessante, -que gentes da Coroada teem produzido—não -ha, não houve, nem nunca haverá quem o -eguale.</p> - -<p>Quando passava na rua de S. João, todo tesinho -e perliquitetes, apesar da magreza e do nariz, -diziam d’elle</p> - -<p>as meninas—é muito engraçado,</p> - -<p>as mamãs—é muito sympathico.</p> - -<p>os papás—é muito bom moço.</p> - -<p>os velhotes—é... é... é... o Justininho.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Estava nos bailes como em sua casa. Só tinha -um defeito para homem de sala: dançava pouco e -mal.</p> - -<p>E eu digo porque.</p> - -<p>N’um baile da Assemblea reuniram-se, em quadrilha<span class="pagenum"><a name="Pag_25" id="Pag_25">[25]</a></span> -de <i>Lanceiros</i> (a mesma que David dançou ao -pé da Arca) os srs. dr. Lopes, dr. Ladislau, Padre -Cunha e Justininho.</p> - -<p>Justininho gostava de florear nas marcas. Ordenou -um <i>chevaliers au milieu</i>, e os quatro Cavalheiros, -enthusiasmados com as damas, com a musica, com -as luzes e com as flôres, avançaram com <i>ropia</i>.</p> - -<p>Eu não sei bem, como aquillo foi. O que sei, é -que se chocaram, que se enarigangaram, e de tal -fórma foram abalados os respectivos e respeitaveis -vomeres e cornetos, que o sangue espirrou, e os quatro -Cavalheiros foram retirados, em braços, da sala.</p> - -<p>As senhoras desmaiaram. O baile acabou.</p> - -<p>Foi o diabo.</p> - -<p>D’ali em deante, tanto o sr. dr. Lopes, como o -sr. Padre Cunha e o Justininho (V. Ex.ª deve ter -notado isso) dão-se pouco a danças. Quem continuou -foi o Ladislau, porque esse, no tremendo choque foi -o mais feliz. Como é pequeno e de baixa estatura, o -seu nariz não abalroou com os outros; roçou no umbigo -do sr. Padre Cunha e enfraqueceu o choque.</p> - -<p>É verdade: aqui está mais uma vantagem que a -gente tem, em dar falta ao estalão.</p> - -<p>E ainda o sr. dr. Pestana se entristece e zanga, -quando o alfaiate lhe pede noventa centimetros para -umas calças, e lhe assevéra, que não necessita de -um metro e dez, como os outros senhores!</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_26" id="Pag_26">[26]</a></span></p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Sou amigo do Justininho, mas já lhe roguei uma -valente praga; e talvez fosse por isso, que elle <i>tocou -rabeca</i> com o Pereira.</p> - -<p>Eu conto o caso, porque não é de segredo:</p> - -<p>Lavrava por ahi essa epidemia, peor do que cem -microbios, das charadas.</p> - -<p>Nas Assembleas, nos Clubs, nas lojas, nas mercearias, -nas boticas e nas nossas casas, não se tratava -d’outra coisa.</p> - -<p>O Almanach de Lembranças, essa escarradeira -de quanto semsaborão existe n’estes reinos, ilhas -adjacentes, terras do sabiá e da Tijuca, espalhára, -por toda a parte, os germens da maldicta mania.</p> - -<p>Havia enigmas; charadas antigas, novas, novissimas, -com premio, sem dito, em prosa e em verso; -de—nas costas—1, sem indicação syllabica; emfim, -de toda a raça e feitio.</p> - -<p>Descobrira-se, que para espalhar o flato e para -aquecer os pés, no inverno, não havia melhor remedio -do que: charadas, quino e <i>trinta e um</i> de bocca.</p> - -<p>Justininho deve uma boa parte da sua popularidade, -entre as damas, á facilidade com que <i>matava</i> -charadas. Em se lhe dizendo:</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_27" id="Pag_27">[27]</a></span></p> - -<div class="poetry-container"> -<div class="poetry"> -<div class="verse">O que é, que é</div> -<div class="verse">Que toca de dia</div> -<div class="verse">No alto da torre</div> -<div class="verse">de Santa Maria?</div> -</div> -</div> - -<p class="noindent">respondia logo, immediatamente:</p> - -<p>—É um sino.</p> - -<p>Ora, uma noite,—isto foi, talvez, ha doze annos—estava -eu á mesa do trabalho com a familia.</p> - -<p>Minha mulher fazia meia. Minha sogra lá estava -com as charadas.</p> - -<p>O rapaz mais novo—o Toneca—estudava a licção -de francez. O outro—o Zéca—andava com a Avó -á cata de decifrações.</p> - -<p>Eu estava a turrar com somno, mastigando entre -bocejos, uns periodos muito alambicados, em fórma -de lambedor, com que Justininho descrevia um baile, -no folhetim do <i>Noticioso</i>.</p> - -<p>Soavam todos aquelles estafados bordões de—gentilissimas -damas—corações feridos—sorrisos angelicos—amores—gruta -dos ditos—arrufos—horas -fugitivas—recordações saudosas—rainha do -baile—reticencias—etc.—etc.—etc.—.</p> - -<p>V. Ex.ª deve conhecer tudo isto, porque de mil -bailes, que tem havido em Valença, appareceram mil -descripções eguaes.</p> - -<p>São como os necrologios do sr. Verissimo de Moraes. -Estão sempre promptos. A questão está em se<span class="pagenum"><a name="Pag_28" id="Pag_28">[28]</a></span> -dar o nome do perecido. Ás vezes, ha o seu engano, -mas escapa.</p> - -<p>Por exemplo:</p> - -<p>Ha annos, morreu n’esta villa um velhote com -90 janeiros.</p> - -<p>Estomago fraqueiro e arruinado, atacára á noite -uma pratada de arroz com lampreia e... arrefeceram-lhe -os pés.</p> - -<p>Tambem, foi uma infelicidade, porque, se o sr. -dr. Pacheco (diga-se a verdade) chega mais cedo -uma hora, o homem, em vez de morrer ás 10, arrefeceria -ás 9.</p> - -<p>No dia seguinte, dizia o <i>Noticioso</i>:</p> - -<p>«<i>Mais um anjo, alando-se para as ethereas regiões, -fugiu hontem da terra, roubado cruelmente, pela terrivel -Parca, aos affectos dos seus carinhosos paes.</i></p> - -<p><i>Polycarpo Bezerra, aquella encantadora e gentil -creança, que era o enlevo</i>... etc.»</p> - -<p>Ora, Policarpo Bezerra, era exactamente a <i>creança</i> -de 90 janeiros, que a lampreia victimára! Os barbaros -dos typographos, se haviam de aproveitar a -chapa dos adultos, serviram-se da que havia para -as creanças.</p> - -<p>Isto succede.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Mas, como estava dizendo, eu turrava com somno, -á espera do chá.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_29" id="Pag_29">[29]</a></span></p> - -<p>De repente, levanta-se o Zéca e diz:</p> - -<div class="poetry-container"> -<div class="poetry"> -<div class="verse">Oh Papá! Que é, que é</div> -<div class="verse">Que, pela calada,</div> -<div class="verse">Gosta de dar</div> -<div class="verse">O Marquez de Vallada?</div> -</div> -</div> - -<p>—<i>Cou</i>,<a name="FNanchor_3" id="FNanchor_3"></a><a href="#Footnote_3" class="fnanchor">[3]</a> diz o Toneca, que acabava de tirar no -Diccionario a palavra pescoço. (Só o soube depois).</p> - -<p>Levantei-me indignado, enfurecido com aquelle -enorme desacato á Moral e á Decencia, praticado nas -minhas barbas!</p> - -<p>A decifração da charada foi immediata e violenta -para os rapazes: duas valentes bofetadas!</p> - -<p>Indignação geral da familia. Minha sogra levanta-se -irada e chama-me tyranno!</p> - -<p>Retorqui-lhe que aquillo era escandaloso, antimoral -e era uma falta de respeito á gente graduada, -porque o sr. Marquez era um Marquez, estava no -seu direito de dar o que quizesse, e ninguem tinha -que lá metter o nariz.</p> - -<p>Augmentou o barulho, porque os rapazes, defendidos -pela mãe e pela avó, cada vez berravam mais.</p> - -<p>Levantou-se minha mulher, chamou-os, e lá foi -tudo a chorar.</p> - -<p>No dia seguinte, minha sogra, fiel ás tradições, -quiz requerer o divorcio. Andei amuado oito dias.<span class="pagenum"><a name="Pag_30" id="Pag_30">[30]</a></span> -Data, até, d’essa occasião, o meu reconhecimento á -Isabelinha, creada de sala...</p> - -<p>Só quando fiz as pazes com minha mulher, é que -conheci a origem da resposta do Zéca e a coincidencia -do <i>significado</i>.</p> - -<p>O Toneca, como é mais agarotado, lêra o <i>Pimpão</i> -e appetecêra-lhe tambem, sem saber o que dizia, -<i>metter</i> a sua farpinha no senhor Marquez.</p> - -<p>Mas, tudo isto não teria succedido, se não fosse -o diabo do folhetim e se o Justininho não tivesse a -mania de chroniqueiro de saias.</p> - -<p>Veja V. Ex.ª, como se perturba a paz d’um lar e -o socego d’uma familia honesta!</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Mas, effectivamente, o Justininho, para charadas, -era d’uma perspicacia sibyllina. Como elle, só a Sociedade -charadista dos Terriveis de Villa Real.</p> - -<p>A gente reunia-se á noite na Assemblea. O Club, -n’esse tempo, estava ainda no embryão das sociedades -pacatas, porque o sr. dr. Pacheco, se bem que -já andasse, como o povo diz, com a barriga á bocca, -ainda o não tinha dado á luz.</p> - -<p>Ou se faziam charadas, ou se jogava o quino. -Duas distracções innocentes e engraçadissimas! Que -saudosas noites! Que piadas! Que pilherias e facecias!</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_31" id="Pag_31">[31]</a></span></p> - -<p>Que espirito fino, alegre, saltitante, amenisava -aquellas horas!</p> - -<p>Quem mexia sempre nas bolas era o Melim. Uma -mania como outra qualquer.</p> - -<p>Cartão, dez réis; <i>corda</i>, sessenta réis.</p> - -<p>Marcava-se a feijão carrapato.</p> - -<p>Quem recebia as pagas, dava os trocos e quebrados, -era o sr. Agostinho.</p> - -<p>Cada <i>quinada</i> era recheada de surpresas, ancias, -esperanças e decepções!</p> - -<p>—Trinta e tres, dizia o Melim.</p> - -<p>—Annos de Christo, exclamava sr. João Ignacio, -erguendo-se, todo contentinho, para gosar o effeito -da pilheria.</p> - -<p>Andavamos aos tombos com riso, e quem poderia -resistir?</p> - -<p>—Vinte e dois!</p> - -<p>—Patinhos a nadar—berrava o sr. Baptista.</p> - -<p>Ai que demonios aquelles! A gente até chorava!</p> - -<p>—Trinta e sete!</p> - -<p>—João Pimentel Castanheira—lembrava o sr. -Elias.</p> - -<p>Não se podia continuar; estava decidido! Pois se -até a ceia nos queria trepar á bocca!</p> - -<p>—Venha a precisa, ó vizinho e chegue-se cá, que -quero bulir nas bolas, dizia o sr. dr. Pacheco.</p> - -<p>—Oh diabo! Isso não, que podem ver as irmãs da -Caridade, aconselhava eu, sempre prudente e cauteloso.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_32" id="Pag_32">[32]</a></span></p> - -<p>—Sessenta e seis!</p> - -<p>—Quinei!—berrava o sr. escrivão Brito.</p> - -<p>—Ora sebo!—murmurava tristemente o sr. dr. -Evaristo. E eu que já tinha cinco quadras! Bem se -vê, que os padres não nasceram para trabalhos com -bolas.</p> - -<p>Estavamos todos tristes, como a noite.</p> - -<p>—Alto! Foi rebate falso. Siga!—dizia o sr. Brito -todo rejubilante pela facecia, e casquinando frouxos -d’aquelle seu riso, tão patusco e tão original: ki-i, -ki-i, ki-i...</p> - -<p>Afinal, quem quinava sempre era o Leopoldo. -Este diabo, lá com os capellães arranja-se sempre -bem...</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Reunia-se, pois, gente fina e perspicaz.</p> - -<p>—o Veiga, que viu no Jardim das Plantas uma <i>ziboia</i>, -com sessenta metros de comprimento;</p> - -<p>—o Izidoro que, como V. Ex.ª sabe, descobriu as -aguas de S. Pedro, é amigo do amigo Lopo e tem a -Grão-cruz da Sociedade de Geographia e da ordem -do Sol, do Japão;</p> - -<p>—o Serrão, que viu um comboyo, que levava dez regimentos -de infanteria, dez de cavallaria, oito de artilheria, -um de engenharia; tudo em armas, officiaes -a cavallo, etc., etc. (Isto foi no tempo d’uma guerra -qualquer).</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_33" id="Pag_33">[33]</a></span></p> - -<p>—o Machado, que, assistindo a um baile da Assemblea -até ás duas horas da madrugada, apparecia, ás -cinco, na praia d’Ancora; lá ao longe, entre as brumas -do mar, dentro d’uma bateira, e já em regresso -da ilha da Madeira.</p> - -<p>—o Maximino, que sem perceber uma palavra da -lingua de Milton, encontrou uma <i>ingleza</i>, com quem -se entendeu muito bem.</p> - -<p>—o Leopoldo, que viu e apalpou os pendulos e o -ponteiro do relogio, que ficou entupido, nas alturas -do coccyx, ao larapio da rua do Ouvidor.</p> - -<p>—o Abilio, que conheceu o pae da mãe, do tio, do -pae do dito larapio—Rua da Quitanda, 23, sobreloja.</p> - -<p>Emfim, tudo gente fina e perspicaz.</p> - -<p>É verdade: tambem lá estava sua Excellencia, o -Senhor Governador e sua Excellencia, o Senhor Vice.</p> - -<p>Na Academia real das Sciencias não havia melhores -cabeças; nem na Camara dos deputados, se -exceptuarmos os srs. Oliveira Mattos e Visconde da -Torre.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Para arranjar charadas, quem tinha mais gosto -e geito era o sr. Polycarpo Monteiro. Pelos modos, -carteava-se com o mano de Lisboa, a tal respeito.</p> - -<p>Elle pensava um pouco e dizia:</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_34" id="Pag_34">[34]</a></span></p> - -<div class="poetry-container"> -<div class="poetry"> -<div class="verse">Que é, que é</div> -<div class="verse">Que faz: pum! pum!</div> -<div class="verse">Quando lhe arrima</div> -<div class="verse">O Vinte e um?</div> -</div> -</div> - -<p>Justininho escrevia, logo, qualquer coisa n’um papelinho; -collocava-o debaixo do seu chapéosinho e... -sorria.</p> - -<p>Nós andavamos ás aranhas.</p> - -<p>Tira d’aqui, põe acolá...</p> - -<p class="center">Nada!</p> - -<p>O Senhor Governador, forte em Mathematicas, -punha logo o caso em equação:</p> - -<p class="center smaller">2 pum + 21 = <i>x</i></p> - -<p class="noindent">tirava os logarithmos, deduzia todas as formulas da -triangulação:</p> - -<p class="center">Nada!</p> - -<p>O sr. Zagallo, que não estava para contas, lembrava-se -dos nomes de todas as terras de Hespanha, -por onde transitou no tempo das guerras...</p> - -<p class="center">Nada!</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_35" id="Pag_35">[35]</a></span></p> - -<p>Ninguem falava. Ouvia-se o zunir d’um mosquitinho.</p> - -<p>De repente bradam duas vozes:</p> - -<p>Adivinhei!</p> - -<p>—É o chapéo alto do meu subordinado Durães—dizia -o sr. Borges.</p> - -<p>—Não é, não senhor. É um chapéo, mas o do -sr. Monteiro, dizia o Senhor Vice-Governador, que -já, n’aquelle tempo, era o homem mais fino cá da -terra.</p> - -<p>É! Não é! Levantou-se uma questão dos demonios.</p> - -<p>—Fala o Justininho!—bradamos nós, como quem -recorre a um Juiz.</p> - -<p>Justininho abriu o papelinho e mostrou, sorrindo:</p> - -<p class="center smaller">Zabumba!</p> - -<p>Rompeu nova celeuma. Ninguem queria ceder. A -final, depois de muito berrar, descobriu-se que todos -tinham razão.</p> - -<p>Havia alli um caso, como o da Santissima Trindade: -tres pessoas distinctas e um só Deus verdadeiro. -Eram tambem tres coisas, todas distinctas, -todas eguaes e uma só verdadeira: o zabumba—do -Justininho.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_36" id="Pag_36">[36]</a></span></p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>N’outra noite, o sr. Polycarpo, entrou na Assemblea, -muito contente, e esfregando as mãos, debaixo -do seu chale-manta.</p> - -<p>Trazia uma charada muito difficil, que lhe levára -seis horas a compôr.</p> - -<p>O sr. C. Barros offereceu logo, como premio, um -exemplar do seu drama: <i>Marilia</i>, ou a <i>Moira dos bosques</i>.</p> - -<p>Reuniu-se o povo todo, e ouviu:</p> - -<div class="poetry-container"> -<div class="poetry"> -<div class="verse">Quem é, quem é,</div> -<div class="verse">Que faz a desobriga</div> -<div class="verse">E, sendo capellão</div> -<div class="verse">Tambem é rapariga?</div> -</div> -</div> - -<p>Esta, é que nos deu agua pela barba. Fazer de -homem e de mulher, é que nunca podemos comprehender.</p> - -<p>O maroto do Leopoldo, esse, parece que a percebeu. -Sorriu-se, porque tinha entrado n’aquella occasião -e, pelos modos, vinha de se confessar...</p> - -<p>Trazia no chale-manta palheiras da muralha...</p> - -<p>Foi o Abilio, que o traz de ponta, quem descobriu -isso.</p> - -<p>Ninguem matou a charada, mas desconfio que alli<span class="pagenum"><a name="Pag_37" id="Pag_37">[37]</a></span> -andou tambem influencia do premio... Parece-me -que afugentou um pouco as ideias.</p> - -<p>Isto é mera supposição.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Depois d’essa, appareceu outra do sr. Zagallo, -mas <i>matou-se</i> logo. Foi:</p> - -<div class="poetry-container"> -<div class="poetry"> -<div class="verse">O que é que é</div> -<div class="verse">Que dá <i>sól</i> e <i>dó</i></div> -<div class="verse">E se o Cruz lhe bufa</div> -<div class="verse">Faz: Pó, Pó!</div> -</div> -</div> - -<p>V. Ex.ª certamente, já adivinhou.</p> - -<p>É um <i>figle</i>. Não teve graça.</p> - -<p>Pois o sr. General podia apresentar coisa melhor. -Bastava que nos dissesse:</p> - -<div class="poetry-container"> -<div class="poetry"> -<div class="verse">Ora digam cá,</div> -<div class="verse">Sem hesitar</div> -<div class="verse">Se hoje na camara</div> -<div class="verse">Occupo logar?</div> -</div> -</div> - -<p>Claro é que ninguem responderia, a não ser que -se verificasse o conteudo do mais recente, do que tivesse -ainda a tinta fresquinha, dos officios com que -sua Ex.ª, oito vezes por mez, participa ao Senado que,</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_38" id="Pag_38">[38]</a></span></p> - -<p class="center">por motivos justificados—sahe<br /> -que,<br /> -por justificados motivos—entra<br /> -e vice-versa<br /> -e versa-vice.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Este sr. Zagallo, na Camara, lembra-me o Conego -Vaz.</p> - -<p>Eu fui sempre muito agarotado e por isso me não -admirei, do que queria fazer o Tonéca ao Marquez de -Vallada. Se por ahi houver alguma mamã, com filha -casadoira, disponivel—francamente—que não tenha -saudades da minha pessoa, porque lhe não serviria, -ainda que fosse <i>numero um</i>.</p> - -<p>Quando não podia dar a minha <i>gazeta</i> á aula do -Conego, escapava-me sempre que podia, cá para fóra, -para a muralha, onde os Guerreiros e os Garções jogavam -o pião e o <i>escabicha</i>.</p> - -<p>Juntos, eramos insupportaveis. O Ignacio Soares -e o Zé, quando passavam por nós, tiravam com todo -o respeito o seu chapéosinho e tratavam-nos por Excellencia, -mas ainda assim, levavam o seu puxão de -orelhas porque, quando estavam encarrapitados na -varanda de ferro, e se lhes dizia cá de baixo:</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_39" id="Pag_39">[39]</a></span></p> - -<p class="center">Presos como os macacos!</p> - -<p class="noindent">cuspiam, e atiravam com botas velhas.</p> - -<p>O Zé, hoje é homem de genio e palpita-me que, -na Politica, ainda chega a ser importante; mas -n’aquelle tempo andava com o <i>hora, horae</i>, e isto de -latim é coisa, que debilita muito a gente.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Como estava dizendo, quando me juntava aos -Guerreiros e aos Garções, andava tudo, por ahi, n’uma -dobadoira.</p> - -<p>Pelo Maio, já tinhamos organisado uma inspecção -rigorosa á producção do concelho.</p> - -<p>Era-mos, assim, uma especie de agronomos.</p> - -<p>Se nos perguntassem:</p> - -<p>Quem é, que n’este anno vem a ter:</p> - -<p>melhores peras?—o Chico Veiga.</p> - -<p>melhores melancias?—o Boticario.</p> - -<p>melhores melões?—o Ascencio.</p> - -<p>melhores uvas?—O senhor José Rodrigues.</p> - -<p>A este senhor José Rodrigues sempre tivemos -muito respeito. Quando, por acaso, nos encontrava -perto do Prazo, ou da Boavista, (a gente, já se vê, -andava a <i>passear innocentemente</i>) falava logo em tiros,<span class="pagenum"><a name="Pag_40" id="Pag_40">[40]</a></span> -mortes, carabinas, punhaes, ratoeiras, facadas, -cães de Castro Laboreiro... o diabo!</p> - -<p>Por isso, não era como os outros:</p> - -<p class="center">o Chico Veiga,<br /> -o Boticario,<br /> -ou o Ascencio;</p> - -<p class="noindent">era: o Senhor José Rodrigues.</p> - -<p>A final, foi sempre um santo, e pagava o seu tributo -em bellas uvas e bons melões, como os outros.</p> - -<p>Eu falei no boticario...</p> - -<p>Era assim nos outros tempos, mas hoje é camarista -e chama-se—o sr. Fontoura.</p> - -<p>Este senhor é que nos pregou um susto! Eu conto, -se não me torno massador para V. Ex.ª</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>As propriedades, como disse, estavam debaixo da -nossa vigilancia permanente.</p> - -<p>Logo que a uva principiava a pintar, a pera a -mudar de côr, a melancia a ganhar casca—dava-mos -assaltos medonhos!</p> - -<p>Uma vez, combinamos o ataque ás melancias do -sr. Fontoura. Ainda estavam verdes, mas duas, ou -tres, principiavam a carregar na côr.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_41" id="Pag_41">[41]</a></span></p> - -<p>O calor abrazava. Era necessario ser um Santo, -para resistir á tentação.</p> - -<p>Á hora combinada, entramos na propriedade, cautelosamente, -sorrateiramente, como quem anda aos -grillos.</p> - -<p>Tinhamos, já, duas melancias cortadas e tratava-mos -de metter a unha, em certa parte das outras (de -que eu não digo o nome, porque póde ser lido por -senhoras) para verificar se estava molle ou rija, -quando ouvimos gritos de <i>agarra! agarra!</i> e logo, -após, o estampido d’um tiro!</p> - -<p>Eu não posso explicar o que succedeu. Parece -que nos agarraram pela golla da jaqueta e nos levaram, -pelo ar, até á Esplanada!</p> - -<p>Alli paramos, porque já não havia ar no mundo -para os nossos pulmões. Consideramos no caso...</p> - -<p>Apalpamo-nos cuidadosamente, demoradamente. -Estendemos primeiramente uma perna; depois outra; -depois um braço.</p> - -<p>Cuspimos. Passamos a mão pela cabeça.</p> - -<p>Não havia sangue.</p> - -<p>Serenamos. Voltou-nos a voz.</p> - -<p>Só então verifiquei que, no auge da afflicção, <i>sem -querer</i>, tinha trazido as melancias!</p> - -<p>Não estava tudo perdido. O que é o instincto da -conservação!</p> - -<p>Ainda nos incommodava a ideia, de que o sr. -Fontoura fosse fazer queixa ás familias—o que significaria -uma valente tapona.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_42" id="Pag_42">[42]</a></span></p> - -<p>Felizmente não succedeu isso, porque elle, no -auge do seu furor, (do qual V. Ex.ª pode fazer -idea, quando o ouve ameaçar céos e terra, clamando, -á porta da pharmacia, contra os seus devedores) -não nos conheceu.</p> - -<p>Parece que Deus não o dispoz para a nobre carreira -das armas, porque, ao apontar a espingarda, fez -como os pretos e os soldados brazileiros—voltou a -cabeça.</p> - -<p>Quando novamente olhou, diz elle, que só viu -fumo. Não era só fumo; eram nuvens de pó, que nós -levantavamos.</p> - -<p>Eu contei agora este caso, porque somos todos -de maioridade, paes de filhos, eleitores, elegiveis, -e já não temos receio de tapona em casa. Mas, até -hoje, tem estado debaixo d’um certo segredo.</p> - -<p>Como d’aquelle endiabrado rancho sahiram tão -bons paes de familia, é que eu não sei.</p> - -<p>São effeitos da edade.</p> - -<p>A gente muda muito.</p> - -<p>Eu conheço pessoas, que na juventude faziam o -que podiam. Chegaram, mesmo, a dar nome; e que -agora, sendo uns santos, em certas occasiões embicam -com qualquer coisa, e nem sequer consentem, -que no theatro se aqueçam os pés.</p> - -<p>Isto vae tambem muito dos genios... e dos corações.</p> - -<p>São como Deus os quer.</p> - -<p>Valha-me Nosso Senhor Jesus Christo...</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_43" id="Pag_43">[43]</a></span></p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Mas, veja V. Ex.ª como eu perdi o fio ao discurso! -Tudo isto veiu a lume, para dizer que o sr. -Zagallo, na Camara, me lembrava a aula do Conego -Vaz.</p> - -<p>Eu queria-me safar, como disse, e, volta e meia, -dizia ao Conego, levantando o dedo:</p> - -<p>—Senhor Mestre, dá licença de ir lá fóra?</p> - -<p>O Conego, ou dizia: vá,—ou:</p> - -<p>—Está lá gente.</p> - -<p>Mas aquillo tanto vez se repetia, que o Conego -principiou a desconfiar que era doença, como teve o -sr. Sampaio nas noites do cordão sanitario, doença -que tanto dinheiro deu a ganhar á lavadeira...</p> - -<p>Uma vez disse-me elle: Oh, senhor! Eu não sei -para que cá vem. Nunca tenho a certeza se o senhor -está fóra, ou dentro. Ao menos, quando sahir, deixe -aqui ficar um papelinho.</p> - -<p>E foi d’este papelinho que me lembrei, com os -officios do sr. Zagallo.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Voltemos ao Justininho.</p> - -<p>Justininho escrevia nas gazetas. Inventou o <i>Mensageiro -das salas</i>, aquella interessante secção, que eu<span class="pagenum"><a name="Pag_44" id="Pag_44">[44]</a></span> -nunca deixo de ler, em todos os jornaes, porque é -muito mais barato remedio, do que o Sedlitz Chanteaud.</p> - -<p>Foi tambem elle, quem arranjou as seguintes -classificações para as differentes posições sociaes:</p> - -<table summary="classificações para as differentes posições sociaes"> - <tr> - <td>Juizes</td> - <td>integerrimos.</td> - </tr> - <tr> - <td>Delegados</td> - <td>meritissimos e dignissimos.</td> - </tr> - <tr> - <td>Medicos</td> - <td>habeis.<a name="FNanchor_4" id="FNanchor_4"></a><a href="#Footnote_4" class="fnanchor">[4]</a></td> - </tr> - <tr> - <td>Negociantes</td> - <td>probos e honrados.</td> - </tr> - <tr> - <td>Bispos e Padres</td> - <td>virtuosos prelados.</td> - </tr> - <tr> - <td>Proprietarios</td> - <td>abastados.</td> - </tr> - <tr> - <td>Cavalheiros</td> - <td>de fino trato.</td> - </tr> - <tr> - <td>Officiaes do exercito</td> - <td>illustrados e briosos.</td> - </tr> - <tr> - <td>Galopins eleitoraes</td> - <td>valentes candilhos.</td> - </tr> - <tr class="new-row"> - <td>Meninas</td> - <td>galantes.</td> - </tr> - <tr> - <td>Noivas</td> - <td>gentis e encantadoras.</td> - </tr> - <tr> - <td>Senhoras solteiras</td> - <td>gentilissimas damas.</td> - </tr> - <tr> - <td>ditas casadas</td> - <td>virtuosas esposas.</td> - </tr> - <tr> - <td>ditas viuvas</td> - <td>inconsolaveis.</td> - </tr> - <tr> - <td>Quarentonas</td> - <td>interessantes senhoras.</td> - </tr> - <tr> - <td>Jarrões</td> - <td>respeitaveis damas.</td> - </tr> - <tr class="new-row"> - <td>Creanças que nascem</td> - <td>robustos meninos.</td> - </tr> - <tr> - <td><span class="pagenum"><a name="Pag_45" id="Pag_45">[45]</a></span>ditas que vivem</td> - <td>interessantes filhinhos.</td> - </tr> - <tr> - <td>ditas que morrem</td> - <td>innocentes anjinhos.</td> - </tr> - <tr> - <td>ditas que, nem nascem,<br />nem morrem, nem vivem</td> - <td>mallogrados.<a name="FNanchor_5" id="FNanchor_5"></a><a href="#Footnote_5" class="fnanchor">[5]</a></td> - </tr> - <tr class="new-row"> - <td>Estudantes</td> - <td>intelligentes e esperançosos.</td> - </tr> - <tr> - <td>Meninas... de fallar</td> - <td>infelizes peccadoras.</td> - </tr> -</table> - -<hr class="tb" /> - -<p>Como V. Ex.ª vê, aqui ha para tudo.</p> - -<p>É pedir por bocca.</p> - -<p>Esta classificação teve voga. Foi adoptada em -Monsão, em Caminha pelo sr. Ricardinho, em Cerveira -pelo sr. Romeu, em Vianna pelo sr. Eugenio -Martins, em Paris pelo sr. Xavier de Carvalho, etc.</p> - -<p>Nas ilhas Sandwich é que eu não sei, mas vou sabel-o.</p> - -<p>Ora, nós podiamos fazer um contracto com as redacções: -abatiam uns tantos por cento nas assignaturas -e mandavam depois, sem adjectivos, os Cavalheiros, -os Padres, as Meninas... de fallar, etc., que -a gente cá se punha... a dispôr os <i>virtuosos e finos -tratos</i>.</p> - -<p>Esta evidentissima e valiosa manifestação do progresso -intellectual do nosso jornalismo deve-se, como -disse, ao Justininho.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_46" id="Pag_46">[46]</a></span></p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Justininho era correspondente de varios jornaes.</p> - -<p>Tinha um estylo especial, caracteristico, archaico, -indigesto, tirante a classico.</p> - -<p>Por exemplo: se fosse necessario dizer n’um jornal, -que a esposa do meu amigo Fabricio dera á luz -um rapaz, e que já estava prompta para outro, eu -empregaria, pouco mais ou menos, essas palavras.</p> - -<p>Justininho diria:</p> - -<p><i>Como prenoticiamos, a virtuosa consorte do nosso -dilecto amigo Fabricio, probo e honrado negociante -d’esta formidolosa Praça, deu á luz na preterita terça -feira, um robusto e interessante menino, que presentemente -é o enlevo dos seus tão extremosos, quão -apreciaveis progenitores, e o encanto de todos os que -hoje gozam a doçura ineffavel, d’aquelle pequenino -ser.</i></p> - -<p><i>A parturiente encontra-se já, graças ao Altissimo, -liberta de perigo, devendo, tambem, a sua rapida convalescença -ao desvelo e intelligentes cuidados do distincto -e perito facultativo, o sr. dr. Pacheco.</i><a name="FNanchor_6" id="FNanchor_6"></a><a href="#Footnote_6" class="fnanchor">[6]</a></p> - -<p><i>A suas ex.ᵃˢ endereçamos, em nome da redacção, -os nossos emboras; e seja permittido ao auctor d’estas -mal esboçadas linhas, incluir as suas cordiaes felicitações,<span class="pagenum"><a name="Pag_47" id="Pag_47">[47]</a></span> -que já algures exprimiu, como o mais obscuro, o -mais somenos admirador das excelsas virtudes, que -exuberantemente adornam suas Ex.ᵃˢ</i><a name="FNanchor_7" id="FNanchor_7"></a><a href="#Footnote_7" class="fnanchor">[7]</a></p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Ora aqui tem V. Ex.ª o que é uma imaginação -fertil, e a triste figura que faz um pobre Fabiano, -como eu, quando escreve nas gazetas.</p> - -<p>O sr. Verissimo de Moraes, em tal caso, escreveria, -ou não escreveria o mesmo.</p> - -<p>Se fosse convidado para a festa do baptisado, -usava exactamente d’aquelles termos, e accrescentava:</p> - -<p><i>Todos os convidados d’aquella esplendurosa e inolvidavel -festa se retiraram altamente penhorados, com a -maneira fina e delicada, e inexcedivel amabilidade—que -só a verdadeira fidalguia de sentimentos e nobreza -de caracter podem conceder—com que o Ex.ᵐᵒ Sr. Fabricio -e sua Ex.ᵐᵃ Esposa acolheram as pessoas, que tiveram -a honra de entrar em sua casa.</i></p> - -<p><i>Que perduravel ventura, e immensas felicidades, -bafejem o berço do penhor de tantos affectos...</i></p> - -<p>Se não fosse convidado, o parto e o baptisado seriam -assim annunciados:</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_48" id="Pag_48">[48]</a></span></p> - -<p><i>A esposa do sr. Fabricio deu á luz um rapaz, que -hontem, ás seis e meia da tarde, foi baptisado na egreja -parochial de S. Estevão.</i></p> - -<p>E eu faria o mesmo, se tivesse jornal. A gente -trata bem, quem bem a trata. Isto já era assim no -tempo de Noé e ainda não havia gazetas.</p> - -<p>N’esta classe de gazeteiros, quem rasoavelmente -se distingue, é o Aurelio.</p> - -<p>Tem um estylo <i>á</i> Victor Hugo e <i>á</i> Guerra Junqueiro.</p> - -<p>Isso explica-se muito facilmente.</p> - -<p>Está provado que a Materia anda n’este mundo, -em constante giro; e que as moleculas, que actualmente -estão no corpo A, podem muito bem estar, -ámanhã, no corpo B.</p> - -<p>E sendo assim, não admira que na massa cerebral -aureliana, se anichem algumas cellulasitas vagabundas -e patuscas dos grandes poetas.</p> - -<p>Recordo-me, ainda, d’aquella grande questão, que -elle sustentou, no <i>Primeiro de Janeiro</i>, contra o -Exercito, por causa do Real d’Agua.</p> - -<p>Ahi vae um trecho e diga-me V. Ex.ª, se lhe -não parece que está lendo a <i>Morte de D. João</i>, ou a -<i>Legenda dos Seculos</i>:</p> - -<div class="poetry-container"> -<div class="poetry"> -<div class="verse">A lei é só uma com a espada da Justiça!</div> -<div class="verse">Palpitam corações nobres, sob as dobras da jaqueta,</div> -<div class="verse">Como palpitam e se orgulham debaixo da fardeta.</div> -<div class="verse"><span class="pagenum"><a name="Pag_49" id="Pag_49">[49]</a></span>Quer se cinja uma espada, quer o cabo da rabiça,</div> -<div class="verse">Ha leis a obedecer. E com vontade, ou com magua,</div> -<div class="verse">Das batatas e do bacalhau que gastaes da Cooperativa,</div> -<div class="verse">Haveis de pagar, inteira, completa e positiva</div> -<div class="verse">A decima que todos pagam: os direitos do Real d’Agua!<a name="FNanchor_8" id="FNanchor_8"></a><a href="#Footnote_8" class="fnanchor">[8]</a></div> -</div> -</div> - -<p>Aurelio tem, tambem, incontestavel merecimento -no theatro; mas nas doiradas espheras em que, entre -nós, a Arte alli se expande e libra, nunca a minha -nervosidade e a dynamica do meu espirito foram, -tão extraordinariamente abaladas, como n’essa saudosa -noite, em que aos meus olhos e sentidos, se -patenteou a intuição artistica mais nitida, a percepção -psychologica mais frisante, que tenho logrado -admirar nos palcos dos grandes centros civilizados.</p> - -<p>Alludo á magistral execução e genial relevo que, -na <i>Morgadinha de Val d’Amores</i>, deram aos seus -papeis, os meus amigos Machado e Romano.</p> - -<p>V. Ex.ª deve recordar-se...</p> - -<p>Representava-se o <i>auto</i> entre moiros e christãos. -Figuravam reis, prophetas, anjos, <i>princezes</i>, pagens, -<i>donzellas</i>, pastores e pastorinhas.</p> - -<p>Das bandas do Oriente surgem: Manassés—o -propheta, e Adonis—o <i>princez</i>.</p> - -<p>As meias da sopeira, solidamente atadas, com -tres voltas de fio de vela e nó cego, acima da articulação -do femur com a tibia, desenhavam-lhes as<span class="pagenum"><a name="Pag_50" id="Pag_50">[50]</a></span> -linhas bamboleantes do pernil, escassamente roliço -para despertar sensações eroticas; o pé, pequenino e -adamado, encafuava se, gentilmente, n’um cambado -sapato de entrada <i>abaixo</i>, com fivela doirada; o calção -retesado limitava-lhes a curvatura das nadegas; -dos hombros pendia-lhes graciosa quinzeninha de -velludo defuncteiro; na cabeça, um carapucinho patusco, -com o seu tope arrebitado.</p> - -<p>Nas faces mimosas e assetinadas, espetára a mão -endiabrada do Rocha ferozes matacões de caprina -pellugem, e enfarruscára as sobrancelhas avelludadas, -com repetidas fricções de rolha queimada, embebida -no azeite do purgueira.</p> - -<p>Marchavam com fronte altaneira, nariz repontante, -seguidos pela sua côrte de paradas-velhas, ao -compasso do hymno picaresco, que o meu amigo -Argar, com a sua finissima intuição artistica, tão -caracteristicamente soube conceber, adaptar e colorir.</p> - -<p>Ao apparecimento de tão illustres personagens—um -propheta e um <i>princez</i>—abalaram-se os alicerces -do edificio, com a violenta expansibilidade dos -applausos. Ao longo da medulla espinal, desde o bolbo -rachidiano até á cauda equina, corriam-nos vibrações -de enthusiasmo; as senhoras choravam; os homens -arremessavam os chapéos; os paradas-velhas -e esplanadas do <i>loiceiro</i>, impregnando o ambiente, -no sonoro explodir do seu arrebatamento, de exhalações -duvidosas e aromas assaz compromettedores,<span class="pagenum"><a name="Pag_51" id="Pag_51">[51]</a></span> -irrompiam em galhofeiras invectivas de affectuoso e -<i>intimo</i> conhecimento, com os pagens e as <i>donzellas</i> -da real côrte:</p> - -<p>—Vira para lá a rabáda, oh Transmontana!</p> - -<p>—Tens o rancho á espera, oh 35 da 4.ª</p> - -<p>—Pica o pé, oh Estrella!</p> - -<p>..............................</p> - -<p>E na intima audição do meu espirito, entre os -fulgores e as scintillações d’aquelle gloriosissimo -triumpho, subjectivou-me, subito, o Senso:</p> - -<p>Oh filho! Quanto póde a... Arte!</p> - -<p>..............................</p> - -<p>Mas... onde diabo está o Justininho?</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Justininho era o fiel depositario, o mais denodado -paladino das gloriosas tradições, que apresentam Valença, -como a terra da provincia, em que ha mais -convivencia, e em que as senhoras se apresentam, -melhor, n’um baile. É uma superioridade, esta, como -qualquer outra. Cornelia, Joanna d’Arc, Filippa de -Vilhena, Deu-la-deu e outras matronas distinguiram-se -a seu modo. São feitios.</p> - -<p>Foi elle, tambem, o inventor d’aquella celebre -phrase, ainda hoje acceite e adoptada, quando necessitamos<span class="pagenum"><a name="Pag_52" id="Pag_52">[52]</a></span> -occultar a nossa inercia, as nossas fraquezas, -ou a nossa ingenuidade provinciana. <i>Valença é madrasta -para os seus e mãe para os estranhos.</i></p> - -<p>Nunca pude comprehender o que Justininho, e -outros sectarios da sua eschola philosophica, querem -dizer na sua—n’uma terra, que não acceitou o legado -do Conde de Ferreira, em que a Politica é o que sabemos, -e em que os jovens engraçados, que hoje possue, -se riem franca e desassombradamente, quando, -nos bailes da Assemblea, uma senhora tem a infelicidade -de cahir, ou quando, nos bailes de Tuy, onde -são obsequiosamente acolhidos, mettem os cotovellos -á cara dos infelizes pares, que de perto os seguem.<a name="FNanchor_9" id="FNanchor_9"></a><a href="#Footnote_9" class="fnanchor">[9]</a></p> - -<p>São tambem opiniões... e feitios.</p> - -<p>Ainda hei-de interrogar, sobre este ponto, os srs. -Abreu e Oliveira, que são os homens que, por aqui, -vejo mais nos casos de fallar de tudo e de todos, com -auctoridade e competencia. Esses senhores devem saber -muitas coisas e todas a fundo. Basta observar -aquella constante concentração de espirito, e completa -indifferença, com que encaram este mundo.</p> - -<p>São cerebros, que, indubitavelmente, trabalham -na resolução de grandes problemas sociaes.</p> - -<p>Lembram-me tanto Mr. Prudhomme...</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_53" id="Pag_53">[53]</a></span></p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Justininho tinha muitos diplomas de Socio Honorario -e de dito benemerito; tinha pennas d’oiro e de -prata, etc. Era um perfeito rapaz de sala; recitava -poesias; tinha album para ellas; conhecia uma infinidade -de marcas no jogo do Senhor Abbade; e, para -os rapazes, tinha uma grande habilidade: assobiava -magistralmente.</p> - -<p>Atacando um <i>spartito</i> de Mozart, de Verdi, de -Gounod, ou a cadencia das valsas de Strauss, de Metra, -ou de Waldteufel, aquelle assobio tinha a malleabilidade -d’um rouxinol, a limpidez das notas da Patti, -o crystallino da escala de Gayarre, ou do Masini. -Quando, em noites de luar, Justininho passava na -rua de S. João, todas as janellas se abriam para dar -passagem, até aos leitos conjugaes, ás ondas sonoras, -deslocadas pelo assobio.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Ora, como V. Ex.ª deve ter verificado, não lhe -faltavam condições para inspirar sympathia e, certamente, -vae ficar admirado, quando lhe disser, que -havia quem embirrasse com elle!</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_54" id="Pag_54">[54]</a></span></p> - -<p>Era o sr. Coronel Almeida. Chamou-lhe, por ironia, -<i>importante</i> cá da terra.</p> - -<p>Ignoro as razões, que originaram a antipathia de -sua Ex.ª</p> - -<p>Tambem por cá havia muita gente, que embirrava -com o sr. Coronel. O Isidoro diz que elle era um homem -muito fino; mas o Agostinho torce o nariz e -Agostinho é homem, que se não engana, que é consultado -pelas pessoas mais importantes da nossa terra, -homem que sabe o que diz, e que não dá <i>ponto sem nó</i>.</p> - -<p>Seria bom, ou mau, como quizerem. O que eu digo, -é que era muito feio; mais feio ainda, do que o sr. -dr. Salgado!</p> - -<p>Devo ao sr. Coronel um grande serviço e um -grande desgosto.</p> - -<p>Conto o primeiro:</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Eu tinha ido ouvir um sermão do Padre Capellão, -em que sua Reverendissima, desviando-se, completamente, -no estylo, na fórma, na sublimidade das ideas, -na concepção das imagens, no arrojado da Phantasia, -da vulgar Oratoria do Palmeirão e quejandos, me -descreveu, d’uma fórma completamente original, intuitiva -e concludente, em face da moderna Sciencia, -a maneira como o animal homem appareceu n’este -mundo.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_55" id="Pag_55">[55]</a></span></p> - -<p>Foi no Eden. Eva tinha ido aos grillos, mas estes, -sahindo rebeldes á <i>palheira</i> e, como ella não conhecia -ainda o outro meio <i>natural</i> de os fazer abandonar -a toca, andou por montes e valles, cançou-se, -e... adormeceu.</p> - -<p>Veiu então Nosso Senhor, tirou-lhe uma costella, -bufou-lhe e sahiu, já prompto e acabado, o nosso primeiro -Pae.</p> - -<p>Ora, isto satisfez completamente o meu espirito; -dissipou todas as duvidas, porque é, realmente, uma -das mais... respeitaveis e maravilhosas concepções -dos livros sagrados.</p> - -<p>Mas, passado pouco tempo, soube eu que, lá fóra, -andavam ás turras differentes sabios por causa de novas -theorias de evolução, selecção natural, transformismo, -etc., sustentadas por Darwin e Lamark e -combatidas por Linneu e Cuvier.</p> - -<p>Alvoroçou-se a minha curiosidade e tratei de estudar -a questão, com a attenção devida á sua importancia.</p> - -<p>Durante muito tempo, nunca tirei o caso a limpo. -Se passava por o sr. José Luiz,<a name="FNanchor_10" id="FNanchor_10"></a><a href="#Footnote_10" class="fnanchor">[10]</a> dizia com os -meus botões: vou com Darwin; se passava por o sr. -Velloso dizia: vou com Cuvier.</p> - -<p>Assim estive muito tempo, hesitando, e sem saber -se, realmente, o meu coccyx foi sempre o extremo -da columna vertebral, ou se em tempos remotos,<span class="pagenum"><a name="Pag_56" id="Pag_56">[56]</a></span> -esteve ligado a algum appendice, que hoje tem -um nome muito sympathico ao sr. Marquez de Vallada.</p> - -<p>Chegou o sr. Coronel a Valença e entrou a verdade -no meu espirito. Fez-se a luz! Venceu Darwin.</p> - -<p>Indubitavelmente, inquestionavelmente, o sr. Almeida -não teve a mesma origem, que teve o sr. Velloso; -a não ser, que se possa admittir uma hypothese, -mas com essa nada tenho, porque não entra no -meu programma. É questão de portas a dentro:—que -houvesse troca nas vias da expedição...</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Agora conto o desgosto:</p> - -<p>Já lá vão quinze annos! Minha mulher andava, -com licença de V. Ex.ª, no seu estado interessante.</p> - -<p>Uma noite, para lhe combater a insomnia, li-lhe -uma historia do Egypto, em que figurava o grande -Sesostris, que morreu, como se sabe, ha perto de -4:000 annos e de que existe a mumia n’um museu -qualquer.</p> - -<p>Havia, n’essa historia, mortes, egypcios de barriga -furada, pharaós com as tripas de fóra, creanças desventradas, -velhos postejados—uma matança de arrepiar -carnes e cabellos.</p> - -<p>O livro tinha gravuras e n’uma pagina, via-se o -grande Sesostris mumificado por aquelles processos, -ainda hoje ignorados, dos antigos egypcios.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_57" id="Pag_57">[57]</a></span></p> - -<p>Minha mulher não gostou e affligiu-se. Fechei o -livro e abri a porta, para ir cumprir uma necessidade -urgente.</p> - -<p>N’isto, passa na rua o sr. Coronel, e logo que minha -mulher o vê, desata a berrar:</p> - -<p>—Ai o Sesostris! Ai o Sesostris!</p> - -<p>Teve uma syncope e, depois, dôres violentas.</p> - -<p>D’alli a duas horas a sr.ª Maria do Hospital -aproximava-se de mim e, com aquella amabilidade, -delicadeza e fino trato que, infelizmente, lhe conhecemos, -dizia-me estas terriveis e significativas palavras:</p> - -<p>—Senhor, nada de affligir, porque a <i>fabrica</i> ainda -cá fica; mas esta... deu-a para fóra!</p> - -<p>..............................</p> - -<p>Comprehendi. E no auge da minha dôr, para explosão -da minha cólera, só pude exclamar:</p> - -<p>Raios partam o Sesostris!</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Deixemos coisas tristes...</p> - -<p>Eu fallei no Velloso...</p> - -<p>Este Candido Velloso, com os seus olhos negros, -com o seu collete branco, o seu collar decotado, a -sua perna bem lançada e elegante, o seu pequenino -bigode <i>á mosqueteiro</i>, e com o oiro do seu uniforme, é -o terror dos Paes de familia d’esta região peninsular.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_58" id="Pag_58">[58]</a></span></p> - -<p>João, é Candido e candido; meigo, carinhoso, delicado, -para o bello sexo. Tem a sensibilidade d’um -bardo; a alma sonhadora d’um menestrel; o espirito -cavalheiresco d’um paladino; a pureza immaculada -d’um Abeillard; o lyrismo d’um Romeu; a altivez -d’um Quichote—todos os attractivos, emfim, d’um -João com Dom e ás direitas.</p> - -<p>Cinco seculos antes, e Velloso seria um dos onze -companheiros de Magriço, n’aquella cavalheiresca -aventura da côrte ingleza.</p> - -<p>Apparece em toda a parte, onde ha senhoras. -Corteja, sorri, offerece os seus serviços e conta coisas, -que entretêm.</p> - -<p>A sua organisação affectiva é poderosissima. Com -o amôr, as contracções dos ventriculos, para a diastole -e para a systole, realisam-se com uma força -equivalente a 750 kilogrammetros por segundo.</p> - -<p>O seu coração é um enorme <i>caravanserail</i>. Tem -cem auriculas e cem ventriculos, com a capacidade -de 64 metros cubicos cada um. Os amôres cabem lá -dentro vestidos, calçados e com guarda-chuva aberto.</p> - -<p>Cada um tem o seu quarto numerado. Ao levantar-se, -Velloso, passa em revista todos os seus affectos -e escolhe para o dia.</p> - -<p>Não revela preferencias, para não originar baralhas. -Ás vezes desapparece da circulação, porque os -Papás valencianos e tudenses, aterrados, inquietos, -vão ter com o sr. Silva Pereira e exigem-lhe a deportação -do incendiario.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_59" id="Pag_59">[59]</a></span></p> - -<p>Lá vae para Castro Laboreiro. Quando é necessario -por cá, basta pronunciar baixinho, esta palavra:—baile. -No aureo tempo, em que João Morães -era enthusiasta pelas danças e promovia aquellas -<i>apatuscadas reuniões-familiares</i>, em que a gente ía á -Assemblêa, para apprender a fazer meia, ou para -ajudar a dobar maçarocas e novelos ás senhoras—acontecia -ás vezes o seguinte:</p> - -<p>João Morães lembrava-se d’um baile. Só no seu -cerebro se definia essa idea. Matutava sobre o caso. -Fechava-se no gabinete e, concentrando todas as suas -faculdades, principiava o orçamento.</p> - -<p>Calculava e annotava:</p> - -<table summary="O orçamento de João Morães"> - <tr> - <td><b>Chá</b> <span class="smaller">(póde ser comprado aos homens do papel, que o vendem a 800, o kilo)</span></td> - <td class="tdpg">$372</td> - </tr> - <tr> - <td><b>Assucar</b> <span class="smaller">(Metade do <i>pilé</i> e metade do mascavado)</span></td> - <td class="tdpg">$723</td> - </tr> - <tr> - <td><b>Pão para fatias</b> <span class="smaller">(Cada peça dá 20, cada <i>cornucho</i> dá 12)</span></td> - <td class="tdpg">1$207</td> - </tr> - <tr> - <td><b>Manteiga para as tostas</b> <span class="smaller">(Vende-a o Coisa a 200, o kilo, com ranço; póde ser misturada)</span></td> - <td class="tdpg">$247</td> - </tr> - <tr> - <td><b>Carqueja e lumes de pau</b></td> - <td class="tdpg">$015</td> - </tr> - <tr> - <td><b>Agua de Colonia</b> <span class="smaller">para o <i>toilette</i> das damas (1 quartilho, de Tuy)</span></td> - <td class="tdpg">$060</td> - </tr> - <tr> - <td><b>Pó d’arroz</b> <span class="smaller">(e farinha)</span></td> - <td class="tdpg">$030</td> - </tr> - <tr> - <td><b>Aluguel do</b> <span class="smaller"><i>Panorama</i>, ao Albino</span></td> - <td class="tdpg">$120</td> - </tr> - <tr> - <td><b>Illuminação</b> <span class="smaller">(nas escadas póde ser de sebo)</span></td> - <td class="tdpg">1$473</td> - </tr> - <tr> - <td><b>Contracto</b> <span class="smaller">com 3 cavalheiros para cearem em casa</span></td> - <td class="tdpg">3$900</td> - </tr> - <tr> - <td><b>Roscas de Tuy</b> <span class="smaller">para os quatrocentos meninos e meninas, que costumam vir aos bailes</span></td> - <td class="tdpg">12$747</td> - </tr> - <tr> - <td><b>Gratificação ás amas</b>, <span class="smaller">que tomem conta dos que ainda mamem</span></td> - <td class="tdpg">1$500</td> - </tr> - <tr> - <td><span class="pagenum"><a name="Pag_60" id="Pag_60">[60]</a></span><b>Piões e faniqueiras</b> <span class="smaller">para os mais velhinhos se entreterem no salão</span></td> - <td class="tdpg">$140</td> - </tr> - <tr> - <td><b>Musica de Ganfey</b> <span class="smaller">para tocar á porta o hymno real, quando entrar o Representante do Rei, Nosso Senhor</span></td> - <td class="tdpg">6$000</td> - </tr> - <tr> - <td><b>Gratificação</b> <span class="smaller">a 4 artilheiros para, armados, guardarem os taboleiros, na passagem do corredor</span></td> - <td class="tdpg">2$000</td> - </tr> - <tr> - <td><b>Brinde</b> <span class="smaller">ao Aurelio para recitar uma poesia tragica: valor de</span></td> - <td class="tdpg">$700</td> - </tr> - <tr> - <td><b>Idem</b> <span class="smaller">ao Roldão para marcar as quadrilhas: valor de</span></td> - <td class="tdpg">$720</td> - </tr> - <tr> - <td><b>Gratificação</b> <span class="smaller">a 6 creados</span></td> - <td class="tdpg">$300</td> - </tr> -</table> - -<p>Total 30 mil e tanto. Por cabeça—tanto. João -Morães verificava. Tirava a prova dos nove. N’isto, -batiam discretamente á porta. João abria e cahia-lhe -o Velloso nos braços, offegante, pallido. Vinha do -Castro Laboreiro a pé, a cavallo, no comboyo.</p> - -<p>—<i>Sei que projectas um baile. Ahi tens a minha -quota. Risca; e olha lá—oh menino—vê se arranjas -isso depressa. Passam-se tão bem aquellas horas...</i></p> - -<p>Este João deve ficar na terra. Deve ser expropriado -por utilidade publica. Barcellos, que se arranje -lá, como quizer. O Velloso Candido é que para lá não -volta. <i>D. Joões</i> temos muitos por cá; agora, candidos, -ha só um, que é elle; e esses, é que se apreciam, -porque não fazem mal.</p> - -<p>Velloso Candido! Trata de te matrimoniar, filho.</p> - -<p>Oh diabo!... E a Mé...?</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_61" id="Pag_61">[61]</a></span></p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Em Politica, Justininho foi sempre, como eu—um -desgraçado. O mais que podia conseguir, (e n’isso -levou-me a palma) era um convite para fazer parte -das mesas eleitoraes. Pois arranjou popularidade nas -aldeias. Os lavradores respeitavam-n’o e affirmavam, -que tinha <i>lume</i> no ôlho.</p> - -<p>Em leis do Real d’agua e da Contribuição do Registro -era um Salomão.</p> - -<p>Ahi vae um exemplo:</p> - -<p>Os guardas do fisco trouxeram-lhe, preso, um camponio, -que tentára introduzir na villa, sem direitos, -um garrafão com meio almude de vinho.</p> - -<p>Perguntou o desgraçado quanto tinha a pagar e, -aterrado com a multa e tantos por cento, nas barbas -honradas da auctoridade, levou o garrafão á -bocca e despejou-o d’um trago.</p> - -<p>Nada se podia fazer, porque o Regulamento não -previne esse caso.</p> - -<p>Sahiu o homem, mas ao virar a primeira esquina, -sentindo-se afflicto, levou as mãos á bocca e despejou -o vinho.</p> - -<p>Justininho vê isso e manda-o novamente prender. -Intima-o a pagar direitos e multas correspondentes.</p> - -<p>—Mas eu bebi o vinho, senhor!</p> - -<p>—Bebeu, mas deixou-o ficar na villa, dentro de<span class="pagenum"><a name="Pag_62" id="Pag_62">[62]</a></span> -barreiras. Alli está, introduzido sem pagamento de -direitos. Art. 1007.º do Regulamento de 6 de Maio -de 1884. Pague!</p> - -<p>—Mas eu <i>esgumitei-o</i><a name="FNanchor_11" id="FNanchor_11"></a><a href="#Footnote_11" class="fnanchor">[11]</a>, senhor!</p> - -<p>—O dito Regulamento, no seu paragrapho de -isenções, não lembra esse caso. Pague!</p> - -<p>E pagou, que não houve volta a dar-lhe. Nem -sete doutores o salvavam.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Ora aqui está, o que pude <i>apanhar</i> ao Justininho -d’outros tempos. Hoje está homem sério, como eu; -já nem escreve nas gazetas, o que é realmente para -lastimar, porque nem a gente sabe quantos robustos -meninos, por ahi nascem.</p> - -<p class="center">Justininho,</p> - -<p class="right">boas noites.</p> - -<hr class="chap" /> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_63" id="Pag_63">[63]</a></span></p> - -<h2 id="III">III<br /> -<span class="smaller">Carta a Sua Excellencia, -o sr. Governador... de Paysandu</span></h2> - -<p class="mt3 right">Senhor!</p> - -<p>Tenho a honra de me apresentar a V. Ex.ª</p> - -<p>Sou o Zinão.</p> - -<p>Quarenta annos; casado, e com bom comportamento -moral, civil e religioso.</p> - -<p>Nunca tive contas com o Borralho, nem com o -Assiz dos Algarves, nem com o Julinho.</p> - -<p>Sou de muito bom genio; depois que vi as caras -feias, que fazem os srs. Barros e João Monteiro, -quando se zangam, abracei immediatamente as doutrinas -philosophicas da eschola optimista, e digo com -Leibnitz: «Tudo vae bem n’este mundo, que é o melhor -possivel.»</p> - -<p>Sou irmão da Misericordia e approvei a admissão<span class="pagenum"><a name="Pag_64" id="Pag_64">[64]</a></span> -das irmãs de Caridade, porque em coisas de religião -sou muito temente a Deus, como o sr. José Narciso. -Tenho bulla, porque se a não tivesse, quero dizer, -se a não pagasse, diz a Santa Madre Egreja, que era -peccado comer carne.</p> - -<p>Vou á missa e á desobriga; além d’isso, sendo amigo -intimo do sr. Baptista e, como affirma o dictado, -os amigos dos meus amigos, meus amigos são, tambem -sou das relações intimas da Senhora do Faro, -que tem tomado chá na casa d’elle, e com quem este -senhor se trata por tu, jogando, nas noites de inverno, -a bisca e o 31 de bocca.</p> - -<p>Tambem sou militar, porque pertenço á terceira -reserva.</p> - -<p>Respeito a mulher do meu proximo. Sou economico; -tenho chapéos ainda mais antigos, que os do -sr. Polycarpo.</p> - -<p>Como portuguez, amo a minha patria; odeio os -ibericos, como o sr. João Ignacio.</p> - -<p>Em Politica sou legitimista, como o sr. Santa -Clara, porque ninguem me tira da cabeça, que estes -reinos pertencem ao sr. D. Miguel e a mais ninguem.</p> - -<p>Tenho sido, por vezes, Juiz de Paz e, se na minha -terra me não guindei, ainda, ás alturas a que -chegaram os srs. Joaquim, que se carteia com o Ministro -do Reino, ou o sr. Illydio Dias, que com a sua -Bibliotheco-mania telegrapha ao Rei, como amigo velho, -quem viver verá, que talvez consiga roubar-lhes -o pennacho.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_65" id="Pag_65">[65]</a></span></p> - -<p>Ora aqui está a minha folha corrida; e por ella -já Vossa Excellencia vê, que sou homem sério e que, -se não moro na rua de S. João, podia muito bem lá -morar.</p> - -<p class="mt3 right">Excellentissimo Senhor!</p> - -<p>Dizem-me que Vossa Excellencia está prestes a -deixar-nos, para ir fulgurar na brilhante constellação -dos nossos generaes; e não quero que isso succeda, -sem apresentar a Vossa Excellencia a homenagem -sincera do meu respeito e enthusiastica veneração, -porque considero Vossa Excellencia, como um dos -melhores Governadores, a quem, para felicidade d’estes -povos e d’estes reinos, Sua Magestade tem havido -por bem confiar o <i>governo</i> d’esta Praça.</p> - -<p>Na pleiade de homens illustres que, ha doze annos -para cá, teem <i>governado</i> Valença, Vossa Excellencia -destaca-se pelo seu senso, illustração, excessiva modestia -e desprendimento das glorias do mundo, que -tão tentadoras e offuscantes são, quando, após annos -de lucta, de vigilias, de laboriosas lucubrações de espirito, -de penosissimo labutar das funcções cerebraes -com senos, cosenos, raizes quadradas de <i>a</i> e ditas cubicas -de <i>b</i>, chega a gente a alcandorar-se nos inaccessiveis -pinaculos d’uma tão elevada posição social.</p> - -<p>Os dois illustres antecessores, que precederam -Vossa Excellencia, eram e são muito boas pessoas; -mas alargavam demasiadamente a esphera das dependencias<span class="pagenum"><a name="Pag_66" id="Pag_66">[66]</a></span> -da Praça, de fórma que faziam incluir no -seu Estado-maior uma certa pessoa, clara já, talvez, -á perspicacia de Vossa Excellencia—pessoa que, até -alli, tinha a seu cargo o caridoso e humanitario mistér -de desobrigar pessoas serias, como eu, Excellentissimo -Senhor, e que, depois da chegada de Suas Excellencias, -se viram na dura necessidade de, ou desviar -para outra applicação a sua potencia vital, como, -por exemplo, para o estudo de construcções, principiando -com a rudimentar disposição das traves nos -tectos, ou a curtir... as suas maguas pelas muralhas, -entregando, assim, o organismo á terrivel atonia -d’essa perigosa enfermidade, que a todos ataca na puberdade. -(Vossa Excellencia tambem devia dar o seu -contingente...)</p> - -<p>Ora, o tal monopolio, Excellentissimo Senhor, tornou-se -muito funesto á povoação. Foi, até, na epocha -d’elle, e por causa d’elle, que aconteceu aquella -grande desgraça ao sr. Abilio Araujo...</p> - -<p class="tb">Eu sou muito amigo de Vossa Excellencia e -Vossa Excellencia tambem é meu amigo. Sou d’aquelles -que, no dia do Anno Novo, apanham o seu quinhão -nas <i>boas festas</i> que Vossa Excellencia, lá das -alturas, se digna dar, como os antigos senhores -feudaes, á burguezada e aos paradas-velhas, cá da -terra.</p> - -<p>Depois, venero Vossa Excellencia, porque é um -homem energico, que tem, como o povo diz (e realmente<span class="pagenum"><a name="Pag_67" id="Pag_67">[67]</a></span> -tem) cabellinhos na venta (com o devido respeito).</p> - -<p>Aquella felicissima resposta, que Vossa Excellencia -deu ao Padre Magalhães, quando elle foi pedir -para a Semana Santa com o innocente sr. Joaquim e -com o ingenuo Abbade das Gandras, foi fulminante -de espirito; foi á Pombal, á Richelieu, á Pitt, á Bismarck, -á Duque d’Olivares; teve a potencia explosiva -d’uma bomba á Orsini, ou d’um petardo nihilista, preparado -chimicamente, com os mais poderosos elementos -endothermicos.</p> - -<p>Disse-se, por ahi, que Vossa Excellencia procedera -mal; porque, se queria dar carambola ao <i>Noticioso,</i> -que lhe chamára General não sei de que, não -devia escolher para bola vermelha um homem que ia -de preto, que tinha entrado na sua sala de visitas, -onde, até a pretalhada do Bonga, que pouco sabe de -hospitalidade, recebe e trata bem a gente.</p> - -<p>Accusaram Vossa Excellencia de ter faltado, -n’essa occasião, aos mais rudimentares preceitos da -delicadeza e até se asseverou, fazendo justiça ao caracter -de Vossa Excellencia, que a tal resposta foi soprada -ao ouvido, por Sua Excellencia, o Senhor Vice.</p> - -<p>Eu não sou d’essa opinião. Vossa Excellencia respondeu -e respondeu muito bem. N’isto de militanças -praceiras, não ha attenções, nem hospitalidades, nem -sala de visitas, ha... o regulamento do Conde de -Lippe! Quem o não acatar... leva a sua conta, e assim -é que deve ser.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_68" id="Pag_68">[68]</a></span></p> - -<p>O Padre devia ficar ainda mais pequeno do que -é, mas Vossa Excellencia tambem escapou de boa! Se -elle tem ao lado o Sant’Anna, lá do Porto, Vossa Excellencia -bem podia gritar por Sua Excellencia, o Senhor -Vice...</p> - -<p>Então o caso era serio!</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Depois, quem não ha-de respeitar Vossa Excellencia, -com a sua variadissima illustração?</p> - -<p>Nunca me hei-de esquecer d’aquelle esplendido -discurso, que Vossa Excellencia, de improviso, pronunciou -na Assemblea, em 20 de janeiro de 1887, -quando tomou conta da Presidencia. Sei-o de cór; e -tão profunda foi a impressão, que causou no meu espirito, -que até n’elle ficaram gravados os ápartes e -as interrupções.</p> - -<p>Se Vossa Excellencia dá licença, eu repito alguns -periodos. Os ápartes, para falar a verdade, são ainda -para mim um tanto enigmaticos, mas deve haver por -ahi, quem os possa explicar a Vossa Excellencia.</p> - -<p>Ahi vae uma tirada:<a name="FNanchor_12" id="FNanchor_12"></a><a href="#Footnote_12" class="fnanchor">[12]</a></p> - -<div class="blockquote smaller"> - -<p>«... As prestimosas agremiações, como esta, com que as -Sociedades modernas procuram deleitar e amenizar os espiritos,<span class="pagenum"><a name="Pag_69" id="Pag_69">[69]</a></span> -após as laboriosissimas horas da lucta e contrariedades da vida, -nascem, crescem e desenvolvem-se, como essas enormes, vas- (<i>o -sr. capitão Marques da Costa:—Vaz? É o amigo Lopo? -Então appoiado!</i>) tas e florescentes ilhas do Atlantico e Pacifico, -formadas pela organisação rudimentar das algas marinhas -e de myriadas de seres microscopicos, da familia dos polypos, -classe dos coelenterados, grande grupo dos radiados, ou -zoophitos. (<i>Os srs. Roldão, Polycarpo Monteiro, Zagallo e -outros cavalheiros versados em sciencias naturaes:—muito -bem!</i>)</p> - -<p>«Da Natureza, meus senhores, deliciam-nos as suaves fragancias -das flores: a modestia da violeta; a pureza immaculada -do lirio; o murmurar dos bosques, os seios tumidos (<i>o sr. José -Lopes, da Principal:—appoiado!</i>) da donzella, os alvores da -madrugada e o canto das avesinhas. (<i>Os srs. Alberto Marques, -Gaspar Durães, Justino Guerra e outros poetas e prosadores -da estafada eschola romantica:—muito bem!</i>)</p> - -<p>«Pois na vida social, as horas fugitivas, que aqui deslizam -em encantador e aprazivel convivio, com os Cavalheiros de fino -trato (<i>o sr. Verissimo de Morães:—appoiado!</i>) e com as -amaveis, airosas e donairosas e gentilissimas damas d’esta formidolosa -Praça (<i>os srs. Justino Guerra, Eugenio Martins e -Soares Romeu, interessantes collaboradores do interessantissimo -«Mensageiro das salas»:—appoiado!</i>) ou com as -encantadoras hijas da hidalga y noble Espãna (<i>o sr. D. Ramon:—Ká! -Muy bien! Maunifico! Precioso. Ká! Seño -Gobernador: Viva la gracia! Ká!</i>) bellas, como uma virgem -de Murillo e castas, como a esposa de Jacob, de que me não -recorda agora o nome (<i>diversas pessoas serias:—appoiado!</i>) -quando as cingimos em suave enleio, no vertiginoso redemoinhar -da valsa (<i>o sr. Salazar Muscoso: muitobemmuitobemmuitobem!</i>)<a name="FNanchor_13" id="FNanchor_13"></a><a href="#Footnote_13" class="fnanchor">[13]</a> -ou quando as brindamos com preciosas iguarias e -delicados vinhos <i>(os srs. C. Oliveira, Verissimo de Morães, -um Cavalheiro de Tuy e outro de Monsão, que não tive a -honra de conhecer:—appoiado!</i>) essas horas, repito, representam -em a nossa vida social aquellas alegrias da Natureza!</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_70" id="Pag_70">[70]</a></span></p> - -<p>«Não ter alma para sentir isto, meus senhores, como muito -bem disse o nosso grande ex-historiador<a name="FNanchor_14" id="FNanchor_14"></a><a href="#Footnote_14" class="fnanchor">[14]</a> Alexandre Herculano, -é proprio d’um ser doentio; é, como vulgarmente se diz, -proprio de gente pequena. (<i>Protestos ruidosos dos srs. dr. -Ladislau, Alvaro Garção e P. Magalhães.—O sr. dr. Pestana:—peço -a palavra para explicações.</i>)</p> - -<p>Trabalhar, pois, para esta Sociedade é uma acção de elevado -patriotismo; (<i>o sr. José Lopes, da Principal:—muito -bem!</i>) é uma acção de larga influencia regeneradora (<i>protestos -dos srs. Alvares d’Oliveira, P. Cunha e Agostinho</i>) para os -nossos costumes; é um symptoma da benefica evolução progressista; -<i>(protestos dos srs. Appollinario, Camisão e do -dito sr. Agostinho)</i> é, emfim, como ainda ha pouco me disse, -e disse muito bem, o sr. Capellão (<i>o sr. Leopoldo Gomes:—qual -d’elles? Então Vossa Excellencia também gasta? Por -isso eu estive á espera!...</i>) que aqui me ouve, uma missão -altamente honrosa e humanitaria!</p> - -<p>«Por isso, meus senhores, unamos os nossos esforços e como -os polypos e as algas.................... as algas.....................»</p> - -</div> - -<p>Que Vossa Excellencia me perdõe o que vou dizer, -mas... perdi o fio ao discurso e o melhor é ficar -por aqui, porque, n’estas questões de Historia, não -quero <i>metter</i> de minha casa.</p> - -<p><i>Verba volant, scripta manent...</i><a name="FNanchor_15" id="FNanchor_15"></a><a href="#Footnote_15" class="fnanchor">[15]</a></p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_71" id="Pag_71">[71]</a></span></p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Eu atrapalho-me sempre, quando falo de Vossa -Excellencia, que representa para mim o que ha de -mais alto, mais nobre e augusto, nas elevadas jerarchias -e coisas serias da minha terra.</p> - -<p>Quando encontro Sua Excellencia nas ruas da vizinha -cidade de Tuy, pisando com arrogancia e altivez, -genuinamente portuguezas, o solo d’aquelles -odiosos Filippes, seguido automaticamente, á distancia -regulamentar, por alentado e escolhido artilheiro, -como estabelece o regulamento de Sua Excellencia, -o Senhor Conde de Lippe, eu tremo de respeito e envergonho-me -de mim mesmo—pobre e mesquinho -verme da terra.</p> - -<p>Quando assisto á entrada de Sua Excellencia, solemne, -magestoso, omnipotente, rutilante de oiro e -pedrarias, constellado de <i>crachás</i>, faiscante de venéras,—no -templo de Santa Maria, em festividade da -Semana Santa, para mandar prevenir as auctoridades -civis e ecclesiasticas, que superintendem no cerimonial, -que está alli, para, como unico e fiel representante -de Sua Magestade El-rei, n’estes burgos,<a name="FNanchor_16" id="FNanchor_16"></a><a href="#Footnote_16" class="fnanchor">[16]</a> depôr -o osculo de respeito nos chagados pés do Senhor -dos Passos, exactamente como, á mesma hora, faz o<span class="pagenum"><a name="Pag_72" id="Pag_72">[72]</a></span> -mesmo Augusto Senhor Rei, no templo da Graça—quando -o vejo aproximar vagarosamente da veneranda -imagem, n’aquelle passo grave, solemne e arrastado -de solas, com que os prophetas de barba de -guita e cara borrada com pós de sapato, acompanham -em Tuy o sagrado esquife, e o ouço depôr o respeitoso -osculo, confundindo assim, em edificante e enternecedora -homenagem, a magestade dos céos com a -magestade da terra—quando sigo, depois, Sua Excellencia -na retirada do templo, rodeado do seu luzido -e brilhante Estado-Maior, essa pleiade de homens -illustres, que representam o que ha de mais -intelligente, nobre e indispensavel nas instituições -militares do meu paiz, homens encanecidos em mil -batalhas contra columnas cerradas de algarismos, cifras -e cifrões de indomitas contas de feijão e batata, -do rancho geral, ou dos cadernos da arrecadação -dos puxa-frictores, morteiros, colubrinas, missagras, -lanternetas, chapuzes, cepos, boldriés, sacres, -caçoletas, falconetes, lanadas, cucharras, soquetes, -munhões, sotroços, trinque-bales, tira e mette-buchas -e outros tarecos velhos, que nas dependencias da -Praça são do exclusivo dominio e usofructo dos ratos -e aranhões, formando, no seu conjuncto, collecção superior, -em inutilidade, á feira da Ladra—quando eu -vejo tudo isso, meu Senhor, sinto-me mais pequeno -do que um feijão fradinho; mais sumido, do que um -certo parasita que Vossa Excellencia, d’essas alturas -em que vive, não enxerga, mas com o qual, eu, infelizmente,<span class="pagenum"><a name="Pag_73" id="Pag_73">[73]</a></span> -estou relacionado, desde que commetti a -imprudencia de (com licença de Vossa Excellencia) -verter aguas, detraz das portas do Meio, onde tambem -o faz a soldadesca!</p> - -<p>Vossa Excellencia deslumbra-me; offusca-me; tem -para mim as proporções d’um semi-Deus; mas quer -Vossa Excellencia saber, respeitabilissimo Senhor?</p> - -<p>Ha, por ahi, gente tão nescia, tão ignorante, tão -alheia ao mechanismo d’esta complicada engrenagem -das instituições sociaes, que chega a perguntar (perdõe-lhe -Vossa Excellencia) para que serve o Governo -da Praça, alliando, ainda, á ignorancia, a grosseria -de lastimar que, do que a gente paga nas decimas, -do que se rouba ao trabalho honrado e aspero do lavrador -e do padeiro, se desviem 500 e tantos mil -reis mensaes, obra de sete contos por anno, para ter -ahi (que malcreados!) n’um rasoavel sybaritismo, cinco -ou seis servidores da patria, equiparados escandalosamente -(dizem elles) em honras e proventos, ao official, -que nos corpos atura, diariamente, o brutal trabalho -do quartel, com enorme responsabilidade, com -necessidade de instrucção e arriscado a, d’um momento -para outro, receber ordem para expôr a caixa -craneana á bala do trabuco assassino, que anda a -monte, ou ao zagalote do bacamarte desordeiro e avinhado, -nas grandes borgas eleitoraes.</p> - -<p>Eu, até, já ouvi dizer, Excellentissimo Senhor, -que se isso era por causa das procissões, das missas -pela alma do Senhor D. Pedro <span class="smcapuc">IV</span>, ou da recepção<span class="pagenum"><a name="Pag_74" id="Pag_74">[74]</a></span> -das musicas gallegas, o Governo podia muito bem -contractar, para tal effeito, os <i>gigantones</i> de Tuy, ou -os <i>barbacenas</i> da Guarda romana, porque eram de -mais apparato, era outra limpeza e ficava muito mais -barato.</p> - -<p>Mas quer Vossa Excellencia saber ainda mais? -Ha, até, n’esta terra de cafres, quem reponte com a -posição original que Vossa Excellencia dá á sua boquilha, -quando, nas ruas, se delicia com os aromas -d’um bom charuto! Como se Vossa Excellencia, pelo -simples facto de não ter Tosão, d’Oiro, que dá honras -de principe e direitos a poder fazer a gente o -que quizer, não tenha a plenissima faculdade de trazer -uma coisa (a boquilha), como muito bem lhe appetecer, -horisontal, ou ao dependuro, e como se esta -ultima posição não fosse, realmente, a mais decente -e apropriada á edade de Vossa Excellencia!</p> - -<p>Ora diga-me Vossa Excellencia, agora que desceu -commigo a estes profundos abysmos da ignorancia -popular, se é, ou não, necessario applicar, de vez em -quando, a estes barbaros, umas espadeiradas á Macedo, -ou quatro <i>mimos</i> com o historico chicote do -Bruto, digo, do Barão do Rio Zezere...</p> - -<p class="mt3 right">Excellentissimo Senhor!</p> - -<p>Eu folgo de ter encontrado pretexto, para manifestar -o meu respeito e veneração a Vossa Excellencia,<span class="pagenum"><a name="Pag_75" id="Pag_75">[75]</a></span> -mas, como esta já vae longa, abrevio o muito -que lhe tinha a dizer e contar.</p> - -<p>Não se incommode Vossa Excellencia com as más -linguas. Nosso Senhor Jesus Christo perdoou aos que -não sabiam o que faziam. As realezas da terra, meu -Senhor, são representantes legitimos da realeza dos -céos. Affonso Henriques, quando em Ourique dava -tapona na moirama, a folhas tantas, olhou para o -céo e de lá fizeram-lhe um signal com a cruz, que -queria dizer: <i>vences</i>. Constantino, quando se viu atrapalhado -com os barbaros, olhou tambem para lá e -o Padre Eterno fez-lhe o que a gente faz, quando -está sentado na praia com o namoro, deante do futuro -sogro e da rabujenta futura sogra e, não podendo -dizer á rapariga: <i>amo-te, oh filha!</i> escreve -sorrateiramente essas palavras na areia, com a ponta -da bengala. Pois o Padre Eterno foi-se ás areias -do céo e, com a vergastinha com que tosa a canalhada -miuda dos anjos e seraphins, escreveu tambem -disfarçadamente:</p> - -<p><i>In hoc signo vincis.</i></p> - -<p>Ainda ha mais exemplos, mas eu sou muito fraco -em mnemonica.</p> - -<p>Ora, sendo as realezas da terra representantes -da realeza dos céos, e sendo Vossa Excellencia representante -da nossa realeza, como muito e muito -bem disse e declarou, ao annunciar o seu osculo nos -chagados pés do Senhor dos Passos, <i>ergo</i>, por irrefutavel -syllogismo, Vossa Excellencia é tambem representante<span class="pagenum"><a name="Pag_76" id="Pag_76">[76]</a></span> -n’esta terra, de Nosso Senhor Jesus Christo! -Isto não falha.</p> - -<p>Por conseguinte, Vossa Excellencia póde e deve -perdoar, aos que não sabem o que dizem.</p> - -<p>Eu não lhe aconselho isto com interesse directo, -meu Senhor. Vossa Excellencia nada tem que me perdoar.</p> - -<p>Eu adoro tanto as instituições da minha Patria, -reputo tão necessarias e consentaneas, com as aspirações -da epocha hodierna, as disposições dos regulamentos -do sr. Conde de Lippe (que o diabo -levou ha perto de 200 annos e podia, mesmo, ter -levado logo ao nascer) das quaes, a mais branda e -attenciosa é mandar varar por uma bala<a name="FNanchor_17" id="FNanchor_17"></a><a href="#Footnote_17" class="fnanchor">[17]</a> o desgraçado, -que tenha o atrevimento de—utilizando-se -da unica applicação d’essas muralhas e torturado -com as ancias e arrancos de urgentissima necessidade -corporea, sem poder esperar um unico segundo,—baixar -as calças, (permitta-me Vossa Excellencia -a liberdade que vae expressa, ainda assim, em portuguez -de lei, do que usava o Padre Antonio Vieira) -que, se tivesse alguma importancia politica, se fosse -homem de prestigio e d’estes que valem uma eleição, -como os srs. Joaquim, Cardoso e seu amigo P. Cunha, -Alvares d’Oliveira, Santa Clara e Agostinho que, -unidos todos no mesmo partido, belliscados para a<span class="pagenum"><a name="Pag_77" id="Pag_77">[77]</a></span> -victoria do mesmo candidato, são capazes de levar á -urna, não digo 6, mas, talvez, para cima de 3 votos, -se fosse homem d’essas craveiras, repito, era capaz -de ir a Lisboa, apresentar-me ao sr. Zé Luciano, ao -Senhor Rei, se tanto fosse necessario, e reclamar -energicamente, como indispensavel ao brilho das -nossas instituições, ao prestigio do nosso exercito, á -manutenção da nossa dignidade nacional, mais um -segundo Governador, com um segundo... (não me -lembro do nome... ah!) Estado Maior.</p> - -<p>Sómente estabeleceria uma condição:—baseada -no muito apreço, em que tenho os grandes homens -da minha Patria; convencido da necessidade de haver -aqui, na fronteira, nas barbas do hespanhol, quem -dignamente possa representar o paiz—e seria: -que, para fazer pár com Vossa Excellencia, não me -dariam outro bis-Governador, que não fosse o grande, -o saudoso, o inimitavel</p> - -<p class="right">Zé da Rosa!!</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>E se tal conseguisse, ai que alegria a minha, -quando encontrasse Vossa Excellencia na rua de S. -João, com a gravidade propria a um representante -de Sua Magestade El-Rei, de braço dado ao sr. Zé -da Rosa, outro representante de Sua Magestade (a -Rainha, não meu Senhor?), seguidos por Sua Excellencia -o Senhor Vice, com o seu chapéo de pennas<span class="pagenum"><a name="Pag_78" id="Pag_78">[78]</a></span> -de capão, e com a espada politica de Brenno, ao lado -do outro Senhor Vice (quem devia ser? O sr. Roldão, -por exemplo. É da arma de cavallaria...) e depois, -atraz, o Senhor Baptista da Senhora do Faro -com os outros Estados-Maiores; e depois ainda, -atraz, muita gente, a sociedade do <i>Provarei</i>, o Fileiras, -o João de Ganfey, o Senhor Martinho, que -deitava <i>la coca</i>, o Capellão (o n.º 2), todos os paradas-velhas, -etc., etc.</p> - -<p>Com que arrebatamento então, meu Senhor, eu -perderia as estribeiras e, mandando para o diabo a -minha seriedade de Juiz de Paz, de irmão da Misericordia, -de pae de filhos, como eu saltaria para a -frente de <i>Vocellencias</i> e perdido, enthusiasmado, -louco, distribuindo pançadinhas e piparotes e atando -nas Excellentissimas trazeiras este raboleva de ridiculo,—que -é a suprema essencia de toda essa grotesca -mascarada, com que gargalhada homerica, ensurdecedora, -colossal, lhes não bradaria:</p> - -<p>—Oh que rica tropa fandanga!</p> - -<p>—Quebra esquina, minhá gente!</p> - -<p>Com o respeito devido a um Representante de -Sua Magestade El-Rei, sauda <i>Vocellencia</i> o</p> - -<p class="mt3 right"><i>Zinão</i>.</p> - -<hr class="chap" /> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_79" id="Pag_79">[79]</a></span></p> - -<h2 id="IV">IV<br /> -<span class="smaller">Uma descoberta do Dr. Charcot</span></h2> - -<p>Accedendo a frequentes reclamações diplomaticas -do governo de Sua Magestade, o Imperador do Brazil, -resolvera o Governo de Sua Magestade El-Rei -de Portugal, que o primeiro fôsse auctorizado a expulsar -dois cidadãos portuguezes que, segundo officialmente -se asseverava, incalculavel prejuizo estavam -causando ao regular movimento dos negocios -commerciaes e, portanto, ao desenvolvimento material -d’aquelle florescente imperio.</p> - -<p>Não se fundamentava a necessidade da expulsão -na cumplicidade em crimes politicos; attentados contra -o Imperador, ou imperial familia; propaganda de -ideas reaccionarias; troça ás preciosas producções -poeticas de Sua Magestade; capoeirada nos chimpanzés<span class="pagenum"><a name="Pag_80" id="Pag_80">[80]</a></span> -da policia urbana, ou assuada ao Senhor Conde -d’Eu.</p> - -<p>Allegava-se, unicamente, que esses individuos, -penetrando nas repartições do Estado, nos estabelecimentos -commerciaes, nos grandes edificios de industria, -nas escholas, nas egrejas, nos clubs, nos -passeios publicos, nas chacaras e nos <i>xadrezes</i>, em -qualquer parte—emfim—interrompiam as manifestações -da actividade d’aquelle labôrioso povo e -creanças, mulheres e homens abandonavam, immediatamente, -o exercicio de qualquer mestér, fugindo espavoridos -e como fustigados, por mal extranho e -desconhecido.</p> - -<p>A origem d’aquella nociva influencia, a natureza -dos phenomenos que ella produzia, a complexidade -dos seus effeitos, escaparam, sempre, á perspicacia dos -doutos Galenos das terras do sabiá, porque as mesmas -propriedades repulsivas obstavam ao demorado -exame, que o caso requeria.</p> - -<p>Annunciava, n’essa epocha, o eminente Pasteur -os seus primeiros trabalhos sobre Microbiologia, que -tão poderosa influencia vieram exercer na orientação -das sciencias medicas; e não faltou, no estudo investigador -dos clinicos d’alem-mar, a applicação das -novissimas theorias, com pacientes trabalhos de microscopio, -observações por analyse e por synthese e -outros processos que a Chimica medica aconselha e, -até, com demoradas experiencias nas fezes em acção -sobre os orgãos das cinco funcções especiaes da sensibilidade,<span class="pagenum"><a name="Pag_81" id="Pag_81">[81]</a></span> -incluindo a pituitaria e a membrana, onde -se ramifica o nervo de Wrisberg.</p> - -<p>Lembrou-se alguem de classificar aquelles phenomenos, -como <i>suggestões motrizes</i> do moderno Hypnotismo; -mas Charcot, Richer e Bernheim, consultados -sobre o caso, oppozeram-se á diagnose, visto -que elles se manifestavam sempre com a mesma intensidade, -isto é, que todos os individuos soffriam -egual influencia repulsiva e não se evidenciavam as -differenças na sensibilidade á hypnose, que nos <i>sujets</i> -estabelece, como caracteristico, a diversidade de circumstancias -physiologicas e pathologicas.</p> - -<p>Nada se podia descobrir.</p> - -<p>Havia no organismo dos dois individuos uma propriedade -repulsiva, identica á das tremelgas, ordem -dos selacios, grupo dos peixes cartilaginosos; mas -desconheciam-se os elementos constitutivos d’essas -propriedades e elles continuavam a exercer, em toda -a parte, e a toda a hora, a sua funestissima influencia.</p> - -<p>Uma unica circumstancia se pôde descobrir, graças -á perspicacia do mais reputado Esculapio da Tijuca, -a quem se deve a preciosa descoberta da cataplasma -de linhaça e foi: que diminuia, consideravelmente, -a intensidade d’aquelles phenomenos, quando -se isolavam os dois individuos, ou quando permaneciam -incommunicaveis.</p> - -<p>Utilizando-se d’esta descoberta, o Governo do Imperador, -attendendo aos laços de sangue e affecto, -que unem os dois paizes, resolveu exportar a praga<span class="pagenum"><a name="Pag_82" id="Pag_82">[82]</a></span> -em epocha e vapor differentes. Assim se fez, com -effeito.</p> - -<p>O governo portuguez, assustado com o flagello, que -subitamente cahia no solo da Patria, reuniu immediatamente -a Junta de Saude e, por indicação d’esta, -foram os dois compatriotas enviados a Pariz—onde, -n’outras espheras e com outros horisontes se dilata -a intelligencia humana—para lá serem submettidos -á analyse dos grandes Mestres da Sciencia.</p> - -<p>Após demorada observação e attento exame, o -eminente Charcot, encontrou, emfim, a resolução do -problema, que largamente foi demonstrada no <i>Boletim -da Academia de Medicina de Pariz</i>, (mez de novembro -de 1876) e, com prodigioso interesse, escutada -por selecto auditorio, na mesma Academia, em -sessão extraordinaria de 27 de dezembro, do mesmo -anno.</p> - -<p>Não tendo aqui, presente, a lucida exposição do -eminente sabio, limito-me a reproduzir, e certamente -d’uma maneira deficiente e incompleta—attendendo -á escassez dos meus conhecimentos scientificos—a -theoria, em que Charcot baseou a explicação do estranho -phenomeno.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>V. Ex.ª sabe, como a moderna Sciencia explica, na -Acustica, a producção e a propagação do som.</p> - -<p>«O som é o resultado d’um movimento vibratorio,<span class="pagenum"><a name="Pag_83" id="Pag_83">[83]</a></span> -communicado á materia ponderavel»—eis a base da -theoria, hoje adoptada e conhecida por «theoria das -ondulações».</p> - -<p>Conhece, tambem, o mechanismo da voz humana. -A voz provem da acção do ar nas cordas vocaes. O -ar, que sahe dos pulmões, produz, n’essas cordas, vibrações, -mais ou menos rapidas, que transmittindo-se -ás paredes da larynge se tornam sonoras, e que, -depois, a acção combinada da lingua, das maxillas e -dos labios, altera modifica e articula.</p> - -<p>Conhecido é, tambem, o mechanismo da audição. -As vibrações executadas pelas cordas e transmittidas, -em ondas, ao ar exterior, chegam-nos ao pavilhão do -ouvido e vêm, pelo tubo auditivo, actuar na membrana -do tympano. Seguem, depois, até ao ouvido -medio, no ar n’elle contido, e, pela cadeia do estribo, -do martello, da bigorna e do osso lenticular, reproduzem-se, -ainda, nas membranas das janellas redonda -e oval, communicam-se ao liquido, que existe no ouvido -interno e d’alli, pelos filetes do nervo acustico, -ao cerebro.<a name="FNanchor_18" id="FNanchor_18"></a><a href="#Footnote_18" class="fnanchor">[18]</a></p> - -<p>A potencia das vibrações, o deslocamento, mais -ou menos violento, das ondas sonoras depende, portanto, -alem d’outras circumstancias, da força com que -os pulmões fornecem o ar, e da maior ou menor vibratilidade -das cordas vocaes. Por isso, vêmos individuos<span class="pagenum"><a name="Pag_84" id="Pag_84">[84]</a></span> -com voz forte e penetrante, como o sr. Barros, -e outros, com voz debil e sumida, como o sr. Nunes -de Azevedo, que difficilmente se percebe.</p> - -<p>Ora succedia que, por uma disposição especial -dos pulmões, da larynge e das cordas vocaes, aquella -força expulsiva do ar e a vibratilidade das cordas, -existiam nos dois individuos em grau extraordinario -e ainda desconhecido para os mais eminentes physiologistas. -D’essa disposição especial resultava, tambem, -que a voz, já potente e forte, obtinha, ainda, consideravel -augmento de intensidade com a reflexão nas -paredes da larynge, attingindo o que em Acustica se -denomina <i>resonancia</i>.</p> - -<p>Quando as vozes não encontravam obstaculo, -pouco se conhecia esse augmento de intensidade, porque, -então, se perdiam na atmosphera; mas, se as -ondas deslocadas por cada uma se encontravam, era -tal a violencia do choque e das vibrações, d’elle provenientes, -que só a poderemos comparar, nos grandes -phenomenos da Natureza, á rapidez e violencia das -ondas do Oceano quando, açoitadas por furioso vendaval, -avançam, chocam-se, equilibram-se com medonha -expansão de força, recuam para formar novo -salto, até que uma perde a força resistente, e a outra -vence, esmigalhando, com espantoso ruido, tudo -o que se oppõe á sua passagem.</p> - -<p>Este effeito destruidor soffriam todas as peças dos -apparelhos auditivos, que o circulo da primeira projecção -podia abranger.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_85" id="Pag_85">[85]</a></span></p> - -<p>As membranas do tympano dilatavam-se n’uma -dolorosa expansibilidade; o martello batia desesperadamente -na bigorna com o mesmo furor, com que -Mestre Borralho batia a sola, quando não era director -dos Presidios civis; o estribo andava aos saltos, -como anda em corcel fogoso, quando, no meio da batalha, -entre o rugir da artilheria e o sibilar das balas, -perde o cavalleiro e parte, desvairado e furioso.</p> - -<p>Na trompa de Eustachio desencadeava-se um verdadeiro -cyclone.</p> - -<p>Nem as trombetas de Josaphat, n’esse terrivel -dia do Juizo final, poderão egualar o infernal ruido, -que supportavam os apparelhos auditivos.</p> - -<p>Depois, para aggravar o flagello, dotára Deus os -dois individos com uma extraordinaria loquacidade, -e constante verborrhea que, de dia e de noite, lhes -agitavam nervosamente os labios para questionarem, -discutirem, argumentarem sobre tudo e sobre todos, -em portuguez, em francez, em latim, em allemão, -em quantas linguas vieram de Babel.</p> - -<p>Era sempre de funestos resultados, de dolorosas -consequencias a sua presença, e por isso, homens, -mulheres e creanças fugiam, prestes, ao sentil-os, -interrompendo todas as manifestações da sua actividade -e todo o exercicio dos seus mestéres.</p> - -<p>Desculpavel fôra, pois, o proceder do Governo -brazileiro, expulsando os nossos compatriotas.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_86" id="Pag_86">[86]</a></span></p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Ora aqui tem V. Ex.ª, sem exaggero, sem alterações -da verdade (que, por ahi, n’este assumpto, -tanto tem sido alterada) subordinada a rigorosa demonstração -scientifica—a razão, porque regressaram -a esta terra, e se respeitam, e se evitam, a ponto -de viverem separados pelas grossas muralhas da -Praça, os nossos amigos:</p> - -<p class="center">Leopoldo Gomes<br /> -e<br /> -Abilio Lucas.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Evitam-se e respeitam-se—disse eu, e demonstro.</p> - -<p>Um vive dentro, outro fóra. Um foi a Paris em -75; outro em 79. Quando um é da Camara, o outro -é da Commissão do Recenseamento. Abilio é socio -da Assemblea e frequenta-a; Leopoldo despede-se. -Entra novamente Leopoldo; Abilio deixa de frequentar -aquella casa. Leopoldo conta a historia dos -relogios; Abilio sorri maliciosamente e insinua a -duvida; explica Abilio o remedio, que descobrira o -ilheu, para salvar a <i>senhora mãe</i>; Leopoldo mastiga<span class="pagenum"><a name="Pag_87" id="Pag_87">[87]</a></span> -em secco e pisca o ôlho para os circumstantes. Um -faz-se agricultor e trata de terras no Arraial, em -Picões, na Esplanada; o outro faz-se politico e «<i>provarei</i>». -Entra o segundo na Politica activa; desvia-se -o primeiro, e trata de terras em Gondomil—polo -opposto. Um, gosta do <i>Capellão</i> e <i>fala-lhe</i> a -miudo, como homem temente a Deus; outro, não -se dá com esse <i>ministro do Senhor</i> e rosna-se, até, -que tem as suas questões com elle. Um, move-se, -agita-se, apparece de manhã na villa, ao meio dia -em Monsão, á tarde em Gandra e sempre a pé; outro, -limita o exercicio dos seus membros locomotores -á loja do sr. José Lopes, ou do sr. José Seixas.</p> - -<p>É evidente, palpavel, esta incompatibilidade, esta -heterogeneidade de individualidades, que se origina -na intima convicção, que elles teem da sua influencia -destruidora e no accordo, ou <i>modus-vivendi</i>, que, -para mutua conveniencia, secretamente estipularam, -ao fixarem a residencia na terra, em que nasceram.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Quando, ha annos, estive em Paris, no regresso -da minha viagem de estudo pelo Oriente—á Mongolia, -ao Turkestan, a Niphon, a King-Ki-Tao e outros -centros da Asia—onde fui recolher materiaes -e elementos comparativos de civilização, com os da -minha terra, para a composição d’este livro, encontrei-me,<span class="pagenum"><a name="Pag_88" id="Pag_88">[88]</a></span> -na Academia de Medicina de Paris, com o -sr. Zagallo, que alli estudava, commissionado pela -Excellentissima Camara d’esta villa, a organisação -do serviço de Hygiene publica, indicado, por aquella -faculdade, á municipalidade parisiense;—missão, essa, -que Sua Excellencia, tão brilhantemente desempenhou, -e que tão beneficos resultados produziu para -esta povoação, como se prova com esse elegante, -commodo e original <i>water-closet</i> do jardim publico.</p> - -<p>Tive, n’essa occasião, a honra de ser recebido -pelo eminente dr. Charcot.</p> - -<p>Falando no meu paiz, alludiu o illustre clinico -aos dois portuguezes, que em 74 examinára, por -recommendação do Governo; e foi grande a sua admiração, -quando lhe affirmei, que com elles vivia -em Valença, e que, ha dez annos, permaneciam na -mesma localidade, se bem que, nas condições especiaes -de isolamento, que já referi.</p> - -<p>Mas, a minha asserção tocou para Charcot as -raias do inverosimil, quando, á supposição, que me -apresentou, da existencia inevitavel de graves doenças -e perturbações no apparelho auditivo dos meus -conterraneos, sujeitos á convivencia e aos perigosos -effeitos da presença e communicabilidade d’aquelles -amigos, eu lhe affiancei que não eram essas enfermidades, -as que mais avultavam nas estatisticas da -secção de Hygiene municipal.</p> - -<p>Charcot fazia bem em duvidar. Eu faltei á verdade, -e a isso me levou a amizade, que a esses Cavalheiros<span class="pagenum"><a name="Pag_89" id="Pag_89">[89]</a></span> -me liga, e a repugnancia, que tive, em -tornar odiosa, para o eminente sabio, a existencia -de dois patricios, que tanto prezo, acato e... respeito.</p> - -<p>Mas V. Ex.ª sabe o que por cá vae...</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_90" id="Pag_90">[90]</a></span></p> - -<hr class="chap" /> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_91" id="Pag_91">[91]</a></span></p> - -<h2 id="V">V<br /> -<span class="smaller">Perfis</span></h2> - -<h3>Abilio</h3> - -<p>Examinando-os, apreciando-os isoladamente, reconheço -os valiosos serviços que os meus amigos—Abilio -e Leopoldo—teem prestado ao desenvolvimento -material e intellectual da nossa terra; e não -se esquiva a minha consciencia a declarar, que são -uteis e, mesmo, indispensaveis, entre nós, as suas individualidades.</p> - -<p>Abilio entrou, por um generosissimo impulso de -gratidão, na Politica activa de Valença.</p> - -<p>Accusam-n’o de violento, de precipitado, de faccioso, -ou, como diz o povo, de... petroleiro. Eu classifico -todo o seu proceder politico, como o de um -innocente noviço, ou ingenuo collegial.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_92" id="Pag_92">[92]</a></span></p> - -<p>É um homem, meus senhores, que trabalhando -ha seis annos em eleições, n’esta terra, independente -em Politica, como se sabe, tem sustentado a creancice -de seguir um só partido e respeitar uma só opinião—a -dos regeneradores!!!</p> - -<p>Ora isto, em Valença, se não indica falta de senso, -revela excesso de ingenuidade e para esta ultima -hypothese me inclino, porque não admitto que, para -umas manifestações da mentalidade humana, haja -falta de senso e isso se não dê com as outras.</p> - -<p>Abilio é, pois, um ingenuo politico e—o que mais -é—um ingenuo faccioso. Referindo-se á administração -progressista, tem a eloquencia de Danton, a arrebatadora -oratoria de Robespierre, a impetuosa dialectica -de Cassagnac.</p> - -<p>É violento, incisivo, caustico.</p> - -<p>N’aquellas medonhas explosões de colera, fere, -trucida, chacina, esposteja nas hordas contrarias, -como S. Thiago na moirama.</p> - -<p>Chega a rubro a temperatura da sua palavra.</p> - -<p>«É preciso, meus senhores, mostrar ao povo os -seus direitos, para que elle saiba expulsar, a chicote, -das cadeiras do poder e <i>de tudo aquillo</i>, esses bandidos, -sem eira nem beira, que estão delapidando os -dinheiros publicos e <i>tudo aquillo</i>, que representa o -trabalho honrado do povo, o suor do seu rosto, <i>tudo -aquillo</i>, que ganha para o sustento dos seus e de <i>tudo -aquillo</i>, que lhe pertence.</p> - -<p>As nossas finanças vão, de cada vez, a peor, <i>tudo<span class="pagenum"><a name="Pag_93" id="Pag_93">[93]</a></span> -aquillo</i>, que representa a riqueza da nação vae parar, -vae sumir-se n’esse insondavel abysmo de ladroeiras, -de arranjos, de afilhados, de <i>metades, de tudo aquillo</i>.»</p> - -<p>..............................</p> - -<p>N’este periodo de excitação, Abilio deixa-se apoderar, -tanto, da sua convicção partidaria, perde, de -tal fórma, a cabeça, que se esquece de tudo e de todos, -concentrando todo o seu ser, toda a sua vitalidade -na idea e na palavra, com que, mais rapidamente, -possa inutilizar o adversario.</p> - -<p>É assim que, ás vezes, o vemos sahir de casa, -arrebatado, irado contra algum <i>arranjo</i>, que lhe foram -annunciar, e entrar, precipitadamente, na sala -das sessões da nossa Excellentissima Camara, com -uma bota branca, outra preta; assoar-se a uma luva, -suppondo-a um lenço; metter o cigarro na bocca pelo -lado acceso; tirar rapé d’uma caixa de phosphoros—perfeitamente -allucinado, colerico, perdido!</p> - -<p>Originam-lhe inimigos estes arrebatamentos; mas -se o Papa, como unico correspondente, cá na terra, -do Padre Eterno, me enviasse o livro das informações -particulares, que hão-de influir no tremendo dia -de Juizo e d’onde dependerá, ou a nossa absolvição, -ou a condemnação ás caldeiras de Pero Botelho, em -que fazem caras tão feias aquelles bispos mitrados, -que por ahi vemos nas <i>alminhas</i> dos caminhos ruraes, -na folha corrida do Abilio, eu não hesitaria—desassombradamente -o declaro, sem pretenções a -adulador, sem interesse occulto presente ou futuro,<span class="pagenum"><a name="Pag_94" id="Pag_94">[94]</a></span> -sem desejar provar a <i>Paraty</i>, ou tencionar pedir dinheiro -emprestado—em exprimir o conceito e a -consideração, que este homem me merece, sobretudo -quando a lente da minha observação se desvia um -pouco do campo, que lhe tracei para a critica e m’o -apresenta no outro, que respeito em todos: a familia,—n’estas -cinco palavras:</p> - -<p class="right">É um homem de bem.</p> - -<p>E ao escrever isto, com plena consciencia e convicção, -vem-me á lembrança, <i>não sei como, nem porque</i>, -a constante recommendação, que o meu tutor -me fazia, quando, ao partir para os estudos, me introduzia -na mão, com uma generosidade vanderbiltica, -coisa de dois patacos em cobre, com estas reflexões -de moral preventiva:</p> - -<p>—Ahi tens dinheiro... Tem juizo; foge dos cafés, -das ruas de movimento e... das más companhias.</p> - -<p>... das más companhias...</p> - -<p>Para fugir d’ellas, e dos seus perigos, é que se -fundou a sociedade dos <i>Provareis</i>...</p> - -<p>Valha-me Nosso Senhor Jesus Christo!</p> - -<p class="right">Que tentações...</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_95" id="Pag_95">[95]</a></span></p> - -<h3>Leopoldo</h3> - -<p>Leopoldo é um homem de costumes austeros. Podia -muito bem morar na rua de S. João, ao lado do -sr. Joaquim.</p> - -<p>Tem predilecção pelos estudos archeologicos e o -seu nome é citado, com respeito, na Sociedade Martins -Sarmento.</p> - -<p>É homem versado em anthropologia. Possue as -obras de Cuvier e de Quatrefages.</p> - -<p>Conhece diversas linguas, mortas e <i>vivas</i>, e enthusiasma-se, -quando as vê manejar <i>com pericia</i>, -como lhe succedeu em Paris, com aquelles sêres -pertencentes á classe dos mammiferos, ordem dos -carnivoros, familia dos <i>canis familiaris</i>.<a name="FNanchor_19" id="FNanchor_19"></a><a href="#Footnote_19" class="fnanchor">[19]</a></p> - -<p>Tem ideas avançadas em materia religiosa. Sustentou, -ha tempos, uma questão de philosophia racional, -relativa a crenças, tendo por oppositor o sr. -Tenente Silva e com tal arte se houve, que fez calar -este cavalheiro!!!</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_96" id="Pag_96">[96]</a></span></p> - -<p>É copiosamente lido em sciencias naturaes e, -concedendo-se-lhe vinte e quatro horas de praso, -apparece armado de ponto em branco, com quantas -theorias antigas e modernas se debatem entre sabios.</p> - -<p>Como polemista, tem um grande merecimento: -não deixa falar o adversario, o que é de incontestavel -vantagem para quem... padece do peito.</p> - -<p>Acceita as theorias de Lamarck e de Darwin; -crê na existencia do homem terciario e, se Carlos -Ribeiro o não classifica, talvez ainda viessemos a -ter o Anthropopithecus Leopoldi.</p> - -<p>É homem illustrado. Foi á China, ao Japão, ao -Perú, a toda a parte. Fez encavacar Pio IX, deu -uma pitada a Grevy, um piparote a Crispi, bateu -na pança de Gladstone, offereceu rebuçados a Bismarck.</p> - -<p>Não vae feito com as realezas. O verdadeiro -fóco, para que elle faz convergir a sua actividade -intellectual, é a Sociologia, na parte repressiva da -immoralidade e na que estuda a protecção aos menores.</p> - -<p>S. Vicente de Paulo merece-lhe entranhado culto.</p> - -<p>Tem sido, por vezes, camarista e no desempenho -das importantissimas funcções d’esse elevado cargo, -evidenciou, sempre, a mais extraordinaria actividade.</p> - -<p>Todos se recordam, ainda, d’essa memoravel sessão, -em que elle apresentou, defendeu e discutiu -dezenove propostas! O caso foi falado nas gazetas,<span class="pagenum"><a name="Pag_97" id="Pag_97">[97]</a></span> -mas, como as edições, na nossa terra, se exgottam -rapidamente, eu vou reproduzir essas propostas e -repetir as considerações, com que foram acompanhadas:</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Plena sessão camararia. Galerias concorridas. Tachygraphos -a postos.</p> - -<p>Leopoldo, de casaca e gravata branca, sobe, solemne -e grave, ao estrado; faz uma delicada venia -ao sr. Zagallo; deixa passar um minuto de longo -silencio e severa concentração dos espiritos; ergue -a fronte, agita os labios e exclama:</p> - -<div class="blockquote smaller"> - -<p class="right">Senhor Presidente!</p> - -<p>Respeitaveis collegas e senhores.</p> - -<p class="right">Illustrado auditorio!</p> - -<p>Eminentes publicistas e philosophos, consultando os trabalhos -recentemente publicados nas nações mais civilizadas, teem -evidentemente demonstrado a enorme differença e aterradora -diminuição que, de anno para anno, se nota nas estatisticas da -reproducção humana.</p> - -<p>Os excessos perniciosos da Civilização, com o cortejo de -gosos corporeos e sensuaes de toda a especie, enfraquecem a -raça, definham o individuo, tornando-o inapto para aquella funcção, -aliás importantissima para a estabilidade das nações e para -o desenvolvimento da riqueza publica.</p> - -<p>Com effeito, senhores; que seriam os preciosos filões d’oiro<span class="pagenum"><a name="Pag_98" id="Pag_98">[98]</a></span> -da California, os jazigos, não menos preciosos, da hulha; que -seriam esses uberrimos territorios da America, se não fosse o -homem, para com o seu braço e a sua intelligencia arrancar -da Terra tanta riqueza e tanta maravilha?</p> - -<p>O que seria da Agricultura? O que seria do Commercio e -da Industria?</p> - -<p>Senhores!—Abrem-se, presentemente, á actividade do homem, -novos campos, novos e dilatados horisontes n’essas, até -hoje, mysteriosas e legendarias regiões africanas. O Brazil, a Europa -do futuro, extende a sua acção civilizadora por essas enormes -provincias, até hoje, despovoadas e desertas.</p> - -<p>Braços, muitos braços: homens, muitos homens—eis o <i>desideratum</i> -para este importantissimo problema do futuro.</p> - -<p>Verdadeiramente benemerito, pois, se torna da Patria, da -Civilização e da Humanidade todo aquelle que, directa ou indirectamente, -contribuir para valer áquella necessidade, aggravada, -ainda, com o enorme desfalque, que as estatisticas accusam.</p> - -<p>Como homens do seculo <span class="smcapuc">XIX</span>, que possuem a completa intuição -dos seus deveres sociaes, temos, até hoje, prestado bom serviço -a tão sagrada causa<a name="FNanchor_20" id="FNanchor_20"></a><a href="#Footnote_20" class="fnanchor">[20]</a> e aos vossos sentimentos humanitarios -e illustração recorro agora, pedindo attenção para as propostas -que, sobre tão momentoso assumpto, vou ter a honra de -apresentar<a name="FNanchor_21" id="FNanchor_21"></a><a href="#Footnote_21" class="fnanchor">[21]</a>.</p> - -<p class="center">1.ª</p> - -<p>Proponho a fundação d’um hospicio para expostos, que ponha -côbro aos frequentes actos de barbaridade, que por ahi diariamente -se commettem, com a exposição de creanças nos portaes -e nas muralhas.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_99" id="Pag_99">[99]</a></span></p> - -<p class="center">2.ª</p> - -<p>Fica a Camara auctorisada a contractar provisoriamente, -na vizinha villa de Coura, seis robustas camponezas, para exercerem -as funcções de amas.</p> - -<p class="center">3.ª</p> - -<p>Como actual fiscal do pelouro dos expostos, sou auctorisado -a fiscalizar, os trabalhos das ditas amas e a verificar se, fiel e -rigorosamente, são aptas, para todo o serviço.</p> - -<p class="center">4.ª</p> - -<p>É expressamente prohibida, para manutenção da Moral no -interior do mesmo Hospicio, a entrada a qualquer pessoa do sexo -masculino, com excepção do vereador do pelouro—que sou eu—e -isso, para o exercicio das funcções mencionadas no precedente -artigo.</p> - -<p class="center">5.ª</p> - -<p>Fica expressamente determinado, na acta d’esta sessão, que -nunca poderão exercer as attribuições de fiscal do Hospicio, os -ex.ᵐᵒˢ srs. Abilio, Vieira e José Seixas, attendendo, simplesmente, -a que para tal cargo se exige uma actividade inconcussa, -zelo inexcedivel, o que esses Cavalheiros não poderão offerecer, -porque não são livres, como eu, que estou solteiro.</p> - -<p class="center">6.ª</p> - -<p>Como consequencia do artigo 4.º, não pode haver Capellão -no Hospicio, que pode ser substituido por irmãs de Caridade, -para os exercicios da religião. Para a sua competencia n’esse -mestér, consultará a Camara o muito digno Capellão do Hospital,<span class="pagenum"><a name="Pag_100" id="Pag_100">[100]</a></span> -o sr. Padre Melim, varão de excelsas virtudes e preclaro -entendimento.</p> - -<p class="center">7.ª</p> - -<p>Será limitado o numero de expostos, que o Hospicio possa -recolher; mas ao Vereador do pelouro—que sou eu—é concedida -a faculdade de admittir as que faça, encontrar pelos -guardas nocturnos, em perigoso estado de saude.</p> - -<p class="center">8.ª</p> - -<p>Como consequencia ainda do artigo 4.º, não poderá haver -medico no Hospicio e, para tratamento das creanças e das doenças, -ou quaesquer, accidentes, a que podem estar sujeitas as -amas, no exercicio, das suas funcções activas, será contractada -a Senhora Dona Maria do Hospital.</p> - -<p class="center">9.ª</p> - -<p>É auctorisado o Fiscal do Hospicio—que sou eu—a, para -rigorosa e permanente fiscalisação, poder passar as noites, -quando o entender necessario, com as creanças e, com as -amas.</p> - -<p class="center">10.ª</p> - -<p>Se no fim de seis, oito ou, nove mezes, qualquer das -amas apresentar symptomas de doença grave, dilatações, de -tecidos, etc., cessará o contracto provisorio e o Fiscal—que sou -eu—arranjará, logo, outra que a substitua.</p> - -<p class="center">11.ª</p> - -<p>Em urgente caso de perigo, só o Sr. Dr. Pacheco pode ter -entrada no Hospicio, attendendo a que é impotente, a maledicencia, -quando d’elle se refere; e a que bem publica e notoria é a<span class="pagenum"><a name="Pag_101" id="Pag_101">[101]</a></span> -sua honestidade, como por ahi firmemente o attestam os seus -<i>dois creados</i>, e todas as pessoas com quem intimamente vive, -que são unanimes em apontar S. Ex.ª, como um real modelo de -virtude.</p> - -<p class="center">12.ª</p> - -<p>É auctorisado o Fiscal—que sou eu—a contractar, para o -serviço interno, tres raparigas das suas relações e de que já -conheça, praticamente, as aptidões e trabalhos.</p> - -<p class="center">13.ª</p> - -<p>Fica revogada toda a legislação em contrario.</p> - -<p class="center">14.ª</p> - -<p class="center">PELOURO DE HYGIENE PUBLICA—SECÇÃO DO COMMERCIO -E INDUSTRIA</p> - -<p>É permittida a matricula a diversas pessoas de determinado -sexo, para a industria do methodico uso e regular acção de -determinadas funcções da vida vegetativa.</p> - -<p class="center">15.ª</p> - -<p>É expressamente prohibida a entrada na villa, a individuos -extranhos e de sexo differente, que venham prejudicar, com illegal -concorrencia e depreciação de valores, a industria da terra. -Esta prohibição será extensiva até, ao proprio Julio Cesar, -(apesar da protecção da <i>gente graduada</i>.) se elle resuscitar.</p> - -<p class="center">16.ª</p> - -<p>É nomeada uma commissão, composta do fiscal do Hospicio—que -sou eu—do sr. J. Narciso e do sr. Joaquim, para organisar<span class="pagenum"><a name="Pag_102" id="Pag_102">[102]</a></span> -uma tabella de preços d’aquelles trabalhos, nas diversas -variedades, que tal Industria hoje possue.</p> - -<p class="center">17.ª</p> - -<p>Fica expressamente determinado, que não poderão fazer -parte d’esta Commissão os ex.ᵐᵒˢ srs. dr. João Moraes, Alpoim, -J. Soares e Albino, porque por vezes, publicamente, teem manifestado -uma tendencia para elevar, demasiadamente, os valores -dos productos de tal Industria, o que é nocivo para a povoação.</p> - -<p class="center">18.ª</p> - -<p>É nomeado, para Inspector sanitario d’esta secção, o sr. Augusto -Sampaio.</p> - -<p class="center">19.ª <span class="smcap">e ultima</span></p> - -<p>A presidencia d’esta nova instituição municipal será offerecida, -como manifestação de consideração e respeito, ao Senhor -Marquez de Vallada.<a name="FNanchor_22" id="FNanchor_22"></a><a href="#Footnote_22" class="fnanchor">[22]</a></p> - -</div> - -<p>Escusado será dizer que todas as propostas foram -approvadas e por unanimidade.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_103" id="Pag_103">[103]</a></span></p> - -<h3>Albininho...</h3> - -<p>Pertencia-te agora a vez... Davas para vinte folhas; -mas salvas-te d’esta.</p> - -<p>Ha poucos mezes, ainda, corriam as lagrimas -n’essas barbas brancas...</p> - -<p>Cahiu-me uma nas costas da mão e, em casa, -fiz-lhe a analyse chimica.</p> - -<p>Deu-me: agua, albumina, chloreto de sodio; encontrei -moleculas d’um outro elemento, que é a base -da affinidade social:—o affecto da familia. Percebi, -tambem, vestigios d’uma grande dôr.</p> - -<p>Respeito-a...</p> - -<p>Mas, quando os atomos d’essa lagrima se desaggregarem, -por evaporação, e continuarem na Natureza -o giro constante e permanente da Materia, -então, se me appareces... entras na berlinda.</p> - -<p>Não te entristeças, que este livro é para rir e, -quem o escreve, é um dos teus amigos.</p> - -<p class="center">Vira a folha e...</p> - -<p class="right">vamos a outros.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_104" id="Pag_104">[104]</a></span></p> - -<hr class="chap" /> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_105" id="Pag_105">[105]</a></span></p> - -<h2 id="VI">VI<br /> -<span class="smaller">Coisas de Egreja</span></h2> - -<h3>Beatas—Procissões e Romarias</h3> - -<p>Terminára a faina do dia.</p> - -<p>O fogo que elevára a temperatura nos grandes -caldeirões do Olympo, onde se manipulava a Humanidade, -consumia, apenas, carvões isolados que, -pouco a pouco, se transformavam em cinzas.</p> - -<p>Os cyclopes, destacados por Vulcano para essa -secção da grandiosa fabrica da Natureza, que o proprio -Jupiter dirigia, raspavam, apressadamente, nos -grandes extendedores, a massa, que ficara collada, e -deitavam-n’a, como inutil, nos baldes do lixo e da -immundicie.</p> - -<p>Jupiter encastellava o dinheiro das ferias; fechava -a escrevaninha; trocava a japona da fabrica pelo<span class="pagenum"><a name="Pag_106" id="Pag_106">[106]</a></span> -manto de arminho, e dispunha-se a sahir, tocando de -passagem a sineta, para se fechar o estabelecimento.</p> - -<p>Mas n’isto, principiou a elevar-se do caldeirão -que estava proximo, cheiro activo e nauseabundo, -(como o do esturro em guisado francez) que, espalhando-se -na atmosphera, seriamente incommodou a -regia pituitaria.</p> - -<p>Aproximou-se Jupiter e olhou.</p> - -<p>No fundo do pote, já com a côr do carbonisado, -estrugia o resto da massa que ficára, da que n’esse -dia se tinha dosado para a preparação dos hypocritas. -Pouco valor aquillo tinha, porque era da mistella -mais vulgar e mais facil de preparar; mas Jupiter -não perdia ensejo de incutir nos seus operarios os -deveres d’uma administração rigorosa e economica.</p> - -<p>Ordenou, pois, a dois cyclopes que trouxessem do -barril do lixo algumas aparas, recommendando que -preferissem as mal-cheirosas e de côr escura, que -pertenciam á massa dos invejosos e dos usurarios.</p> - -<p>Avivaram o fogo; deitaram os novos elementos -no caldeirão; remexeram com o cabo d’uma vassoira, -porque a ferramenta já estava guardada e limpa; e, -depois de cinco minutos de ebullição, Jupiter provou -a mixordia. Estava sobre o insipido.</p> - -<p>Deitou-lhe umas pitaditas de sal e de pimenta, -com que preparava os maldizentes.</p> - -<p>Provou de novo. Estava picante de mais.</p> - -<p>Temperou, então, com o betume dos ociosos; e -deixou ferver tudo, durante outros cinco minutos.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_107" id="Pag_107">[107]</a></span></p> - -<p>Os cyclopes retiraram o caldeirão. Trouxeram os -moldes; vazaram n’elles a massa, que se conservava -no estado pastoso e esperaram.</p> - -<p>Pouco tempo depois, Jupiter aproximou-se; arrotou, -e dos moldes sahiram duas coisas, duas formas -humanas, com movimento, côr e vida.</p> - -<p>Eram duas mulheres.</p> - -<p>Ora Jupiter não se podia demorar, porque combinára, -para aquella hora, uma entrevista com Europa, -e os cyclopes principiavam a murmurar, porque -dera a hora e tinham as familias á espera.</p> - -<p>Assim, mandou Jupiter abrir o postigo do Olympo, -empurrou até lá as mulheres e atirou com ellas, -cá para baixo, com um valente pontapé.</p> - -<p>Por esse ether fóra, assustaram-se as creaturas; -agarraram-se uma á outra afflictivamente; principiaram -a rezar a <i>Magnificat</i>, a <i>Ladainha</i>, e assim foram -cahir sobre o telhado d’uma egreja, aterrando o escorropicha-galhetas, -que se deliciava, occultamente, -com os restos do precioso sangue de Christo.</p> - -<p>Aqui tem V. Ex.ª como chegaram as beatas ao -globo terraqueo, e ahi fica a formula da sua composição -molecular: aparas de hypocritas, de usurarios, -de invejosos, de maldizentes e de ociosos.</p> - -<p>Representando esses elementos pelos respectivos -symbolos, poderemos estabelecer:</p> - -<p class="center">H⁵ + M⁴ + I³ + O² + U = Beatas</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_108" id="Pag_108">[108]</a></span></p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Aquellas moleculas da Hypocrisia e da Ociosidade -deram-lhes facil e rapida admissão na sociedade.</p> - -<p>Casaram; reproduziram-se; e, em pouco tempo, -estava a raça extraordinariamente desenvolvida e -disseminada por toda a parte, desde a cidade populosa -e civilizada, até á aldeia humilde e rude.</p> - -<p>Cá as temos e cá as aturamos... Submettendo-as -agora, para as descrever, a rigorosa analyse, -encontrei-lhes todas as propriedades dos primitivos -elementos.</p> - -<p>Vão á missa das sete—<i>uma missinha que faz -muito arranjo, porque dá tempo de arranjar a casa e -de se mandar, á praça, cedo</i>.</p> - -<p>Rezam; inspeccionam tudo o que se faz e tudo o -que entra na egreja; communicam e transmittem as -novidades do soalheiro; e, entre o cochichar do <i>Padre -Nosso</i>, segue uma enfiada de casos novos e de -commentarios:</p> - -<p>Padre Nosso, que estaes no céo (<i>e o vestido novo -que hontem levou a X ao jardim! É da Torrona. Ficou -a dever. O Blanco é que as canta...</i>) santificado -seja o Vosso Nome (<i>acabou o namoro da filha do Y, -porque a Mãe bateu-lhe. Diz que o rapaz gosta muito -de mulherinhas</i>) venha a nós o vosso reino e seja -feita (<i>sahiu a creada da casa do W. Oh menina!<span class="pagenum"><a name="Pag_109" id="Pag_109">[109]</a></span> -Sempre ella conta coisas... Diz que tem a casa como -um ôvo! Comem todos os dias prato de meio!</i>) a vossa -vontade, assim na terra, como no ceu (<i>Lá entrou o -Velloso... que raio de homem! Tem mais de vinte namoros. -É como o Prado! Elle é elegante, isso é! Já -lhe reparaste nas pernas?</i>) o Pão nosso de cada -dia nos dae, Senhor, perdoae-nos (<i>oh... Faltava -aquelle... o Leopoldo. Tambem já podia casar... -Para o que anda por ahi a fazer...</i>) as nossas dividas, -assim na terra, como (<i>agora é o dos pombos correios... -Tambem é fresco, com aquella cara de santo...</i>)</p> - -<p>Sanctus, Sanctus, Sanctus, Dominus Deus...</p> - -<p class="tb">Como V. Ex.ª póde suppôr, a <i>fervorosa</i> oração foi -cortada pelo badalo do sachrista, que tocou a Santos. -Se elle não interrompe, o que teriamos nós de ouvir...</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Este beaterio é muito casto e excessivamente pudibundo.</p> - -<p>Na egreja de S. Estevão ha uma Virgem do -Leite, que, se não é, realmente, uma preciosidade artistica, -é, com certeza, a melhor tela que existe em -Valença, não falando—já se vê—n’aquellas caras -de malagueta e colorau, todas com a mesma fórma e -feitio, que o sr. Julião exporta, mensalmente, para<span class="pagenum"><a name="Pag_110" id="Pag_110">[110]</a></span> -as salas nobres dos hospitaes minhotos, a soberano -por caveira, com dez por cento de abatimento, por -duzia.</p> - -<p>Pois o beaterio escandalizou-se com a nudez dos -peitos da imagem, isto é, repugnou-lhe que se visse -o que na mulher representa a sua missão mais nobre, -mais elevada e mais santa—a maternidade. E a -instancias d’esses respeitaveis camafeus, muito castos -e muito pudibundos, mas que nunca faltam á Rosinha -Ferreira, quando ella representa; e mandam logo de -manhã comprar bilhete, e dão pançadinhas com riso, -e coram (não de pudôr) e se apimentam, e se agitam, -nervosas, na cadeira, quando Lili conta as suas coisas—a -instancias e reclamações d’essa gente, repito, -uma auctoridade ecclesiastica, que eu agora respeito, -porque já não está entre vivos, mandou, por um -caiador de Arão, borrar os peitos da imagem!!!</p> - -<p>Isto, minhas senhoras e senhores, em pleno seculo -XIX, n’uma terra que tem dois jornaes, correspondentes -varios de ditos, representantes de Sua Magestade -El-Rei, Vigarios geraes e não geraes, Conegos Presidentes, -e não Presidentes, Capellães, etc., etc.! E -entre toda essa gente, que sabe ler e escrever, segundo -se diz, não houve um unico homem que corresse -a pontapés o cafre de Arão, reproduzindo-lhe -com a biqueira da bota, ahi pelas alturas do coccyx, -os borrões com que profanou a imagem!</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_111" id="Pag_111">[111]</a></span></p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>O beaterio communga quinzenalmente e confessa-se -duas vezes por semana, a padres velhos, surdos -e rançosos.</p> - -<p>Padres novos são o diabo!</p> - -<p>Até os Patriarchas fazem das suas... Ainda não -ha muito tempo, que os apparelhos de Morse, de -Bandot, de Hugues e os telephones da Hespanha e -França, não designavam outras palavras, alem de: -<i>as botas?</i></p> - -<p>José Luciano perguntava a Vega d’Armijo: <i>as botas?</i> -Vega d’Armijo perguntava a Carnot: <i>as botas?</i> -Carnot reperguntava ao Luciano: <i>as botas?</i></p> - -<p>Em Pariz, Madrid e Lisboa não se falava n’outra -coisa.</p> - -<p>Averiguado o caso, fôra o Patriarcha das Gandricas -que, em Salamanca, se enamorára perdidamente -dos <i>ojos</i> negros d’uma andaluza. Gargalinho, seu companheiro, -arrastava a aza á sopeira.</p> - -<p>A andaluza dava, com certo recato, nocturnas entrevistas. -Uma vez, quando o Patriarcha se inebriava -com os effluvios do amor... platonico, surgiu o protector -da <i>niña</i>, de <i>cuchilla</i> toledana em punho.</p> - -<p>O Patriarcha saltou, em meias, pela janella. Gargalinho -sumiu-se debaixo da cama; quando de lá o -tiraram, tanto puxaram pelo pescoço, que ficou como -o do P. Alexandre.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_112" id="Pag_112">[112]</a></span></p> - -<p>Do <i>Alcalde</i> reclamou o Patriarcha as botas; o <i>Alcalde</i> -officiou ao Consul; o Consul officiou ao Ministro. -Não appareceram as botas e o Patriarcha andou -na Exposição, subiu á Eiffel, visitou o Carnot, com -o seu inseparavel capote de forro vermelho e golla -de pelle, chapéo braguez, chinelo de liga, calça dobrada -em baixo, deixando ver os atilhos das ceroilas, -symetricamente apartados e dispostos em cuidadosa -laçada. Nos <i>boulevards</i>, quando elles passavam, diziam -as mundanas:</p> - -<div class="blockquote"> - -<p>C’est um Hottentot et son petit:... mais quel cou, mon -Dieu!<a name="FNanchor_23" id="FNanchor_23"></a><a href="#Footnote_23" class="fnanchor">[23]</a></p> - -</div> - -<div class="tb">*</div> - -<p>O Soares, no principio ainda agradou, porque dizia -a sua missinha de Santo Antonio a muito boa -hora e era pontual; mas, depois, principiou a desleixar-se -e a vir para a egreja, tarde e a más horas.</p> - -<p>Foi o Albino, que andava sempre com elle, quem -o fez peco. Principiou a dizer-lhe que estava <i>n’uma -boa posição official</i>, que se devia apresentar sempre -<i>muito limpo e lavado</i>, porque o conego velho nem <i>ceroilas<span class="pagenum"><a name="Pag_113" id="Pag_113">[113]</a></span> -usava</i>, apresentando-se <i>n’um desarranjo completo</i>, -com a barba por fazer, amarello, <i>completamente -deitado abaixo</i>, a ponto de a gente recear, ás vezes, -<i>que fosse de bruços</i>; e que era bom, aos sabbados, -<i>preparar-se e lavar-se de vespera</i>; levantar-se depois -cedo, <i>lavar-se novamente muito lavado</i>, tomar a sua -<i>chavenasinha de café</i> com a <i>sua colhér de prata</i>; e -nunca <i>chamar a attenção</i> das más linguas, que estão -sempre <i>a postos</i>, porque a missa sempre dava os <i>seus -sete e vinte</i>, que já chegavam para uma <i>posição graduada</i>; -mais isto, mais aquillo, com outros <i>periúdos</i>,—de -fórma que o rapaz gastava duas horas a lavar-se, -a vestir-se, e a gente que esperasse, <i>só com -um café bebido</i>!</p> - -<p>O resultado foi perder a missa de S. Antonio, -porque já não tinha freguezia.</p> - -<p>O Magalhães será muito boa pessoa, mas... não -se dá com o sr. Joaquim.</p> - -<p>Ora o sr. Joaquim é um homem muito temente a -Deus. No inverno, quando ha mais frio e fome, anda -por ahi, de porta em porta, com a subscripção... da -Semana Santa, para que a pobreza possa curtir... -na egreja, as suas maguas e dôres.</p> - -<p>Alem d’isso, não se poupa a despezas, quando é -Juiz da Senhora da Saude, da Urgeira, e vê probabilidades -de (tudo pela santa religião) fazer uma pirraça -ao diabo... do João Cabral!</p> - -<p>Um homem assim, é um philanthropo e deve andar -de bem com Deus. Quem com elle não se dá,<span class="pagenum"><a name="Pag_114" id="Pag_114">[114]</a></span> -não se dá com Deus; ergo: Padre Magalhães não -serve.</p> - -<p>Depois, prega uns sermões que ninguem entende. -Parece que não fala portuguez!</p> - -<p>Nem, sequer, faz chorar a gente na Semana Santa!</p> - -<p>Resumindo: não serve.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Eu falei na Semana Santa...</p> - -<p>É o carnaval do beaterio. N’aquelles ultimos sete -dias as beatas dão ar ás mantilhas, e largas á bisbilhotice, -á curiosidade e... ao flato.</p> - -<p>Quinta e sexta feira santas são em Valença, para -a egreja de S. Estevão, o mesmo que domingo gordo -e terça feira de entrudo são para a Assemblea.</p> - -<p>Ha musica, serviço variado de pastilhas de chocolate, -rebuçados e amendoas; confidencias, intrigas, -sorrisos, trocas de cartas perfumadas, ciumes, arrufos, -apertos de mão e—sobretudo—esta <i>cavaqueira</i> -intima, expansiva, franca e alegre d’uma verdadeira -reunião de familias.</p> - -<p>A gente está alli, perfeitamente bem, e á sua -vontade.</p> - -<p>Com as temperaturas da egreja e das salas da -Assemblea eleva-se, consideravelmente, o mercurio -no thermometro dos affectos, em que o zero é—o arrufo, -e os 100°—o casamento.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_115" id="Pag_115">[115]</a></span></p> - -<p>O Christo, já se vê, como dono da casa, lá está -no alto da Cruz, recebendo sempre, com reconhecimento -cordial, tão fervorosas e <i>animadas</i> manifestações -de amor e respeito...</p> - -<p>As beatas arranjam, com a Semana Santa, que -contar para um mez.</p> - -<p>Quando os escorropicha-galhetas abrem, de manhã, -as portas do templo, já ellas entram apressadas -e remelosas, escolhendo o melhor logar «<i>onde o -bruto do povo e os pobres não incommodem, onde se -esteja á vontade e se veja tudo</i>». Levam as suas pastilhas -de chocolate para a debilidade, a caixa do rapé, -o banquinho de tapete, agasalho para os pés e lenço -para as lagrimas, que são da praxe, quando o Padre -mostra o Santo Sudario.</p> - -<p>Installadas assim, com todas as commodidades -(tudo pelo amor de Christo, que tanto soffreu na -Cruz) no seu ponto de devoção e de observação, -gozam á <i>tripa-forra</i> não perdendo um olhar, um sorriso, -um vestido novo, uma <i>tournure</i> mais arrebitada...</p> - -<p>Á noite vão para casa, consideravelmente alliviadas -da consciencia, mas pouco satisfeitas com o Magalhães, -que falou em problemas sociaes, em pauperismo, -em Philosophia da Historia, em altruismo, em -protoplasma e outras coisas, que nem o sr. Joaquim -entendeu, apesar de, por vezes, (certamente por delícadeza) -abaixar a cabeça, como quem diz: comprehendo, -approvo e... estou satisfeito.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_116" id="Pag_116">[116]</a></span></p> - -<p>O Palmeirão, quando conta imbecilmente pela -decima vigesima vez, a tragedia do Calvario—tragedia -sublime e benefica para as agruras da nossa -existencia, se todos a soubessemos comprehender, -mas que por ahi anda como o <i>libretto</i> estafado, nas -epochas lyricas da egreja, para especulação, para -immoralidades e para descrenças—esse percebe-se -e agrada muito mais!</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>O beaterio tem uns Santos da sua particular estima.</p> - -<p>Os Santos, a final, são como a gente, com quem -se lida. Ha physionomias que logo inspiram sympathia -e ha outras que, sem a gente saber como, nem -porque, provocam embirração.</p> - -<p>Isto é razoavel e intuitivo. Diga-me, por exemplo, -V. Ex.ª quem ha-de gostar do S. Christovão, -com aquella grande cara arrenegada, parecendo dizer -ás gentes que, se lhe chegam a mostarda ao -nariz, corre tudo com a vara, pela egreja fóra, como -o Pau-real na feira de S. Bento da Porta-aberta!</p> - -<p>Assim, quando rareiam as festas e as bolsas andam -exhaustas, com as frequentes subscripções da -Assemblea, não havendo possibilidade de se organizar -a Semana Santa, então, promove o beaterio -umas novenas á Senhora de tal.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_117" id="Pag_117">[117]</a></span></p> - -<p>«<i>São umas festasinhas muito razoaveis, porque -a musica é mais alegre, são de dia e sempre ha probabilidades -de, terminadas as ladainhas e as encommendações, -se dar, ainda, um passeio até ao Jardim. -Emfim, n’uma terra, que tem poucas distracções e -onde a Rosinha se não póde sustentar, tudo se aproveita.</i>»</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>O caso da Santa alarmou vivamente os animos -d’estas esgrouviadas bisbilhoteiras.</p> - -<p>«<i>Parece impossivel que se não abrisse a Terra, -que não viesse um raio, um diabo, que castigasse -aquelle pedreiro-livre, aquelle atheu do administrador!</i>»</p> - -<p>O malandro que trazia a imagem e a metteu na -taberna da Esplanada, expondo-a ás chufas e obscenidades -avinhadas dos comparsas, esperando que o -contra-regra desse o signal de subir o panno, para -essa asquerosa comedia, da nossa asquerosissima Politica,—o -malandro que, com um sebento balandrau, -de imagem e prato na mão, por ahi chatina semanalmente, -<i>a meias</i>, com as crenças do povo, e não -hesita em transpôr os humbraes do bordel, <i>pedindo -para a bemdita e milagrosa Senhora de tal</i>, interessando -assim, a religião de Christo no producto que -a barregan obtem da venda, em publico, do corpo -e da honra—esse icha-corvos torpe e vil, d’uma ganancia<span class="pagenum"><a name="Pag_118" id="Pag_118">[118]</a></span> -mais vil e mais torpe, do que os trinta dinheiros -de Judas, que por ahi esfarrapa as poucas -crenças, que ainda existem no povo—esse:</p> - -<p><i>«coitadinho! Mettia dó vêl-o. Estava amarello, aterrado. -Foi preciso leval-o, quasi em braços, e dar-lhe -café quente, porque lhe podia dar alguma coisa»!</i></p> - -<p class="tb">Ah, baratas de sacristia! Como eu desejava possuir -o açoite, com que Christo expulsou os phariseus -e de que côr eu vos poria as nadegas...</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>As procissões...</p> - -<p>Eu não conheço coisa mais estupida, barbara e -deshumana.</p> - -<p>Felizmente, sou, n’esta opinião, apoiado pelo espirito -do seculo que, pouco a pouco, vae terminando -com ellas.</p> - -<p>Qual é o fim das procissões?</p> - -<p>Qual a sua necessidade?</p> - -<p>São para avivar as crenças?</p> - -<p>Que ha, por esse mundo de Christo, mais ridiculo -e caricato do que Santas Cocas, bois bentos, -S. Jorges de carne ou de madeira, isto é, com tarracha, -ou sem ella, prophetas com barbas de crina, -pendões em varas de pinheiro por descascar, gaiteiros<span class="pagenum"><a name="Pag_119" id="Pag_119">[119]</a></span> -aos pinotes, matulões de cara aparvalhada e cabello -empastado com gomma de pevides de marmelo?</p> - -<p>Que ha, por ahi, de mais barbaro e deshumano, -senhoras de Valença, do que essa perigosissima exposição -a que, por vaidade, condemnaes os membros -ainda tenros das creanças, carregadas com adereços -de pechisbeque e diamantes de vintem, peito e braços -nus, tiritando e caminhando custosamente, com -os pesitos entalados nos escarpes do <i>uniforme</i>, e atiradas, -por essas ruas, á voracidade das bronchites e -pneumonias que o frio origina, ou das febres e meningites -que o calor provoca?</p> - -<p>Dizei-me: a Christo, se é a Christo que desejaes -honrar, não seria mais agradavel que essas duas libras, -com que entraes em ajuste d’uma pneumonia -para vossos filhos, lhes fossem entregues para, com -ellas, na bemdita missão da Caridade, penetrarem -n’uma d’essas barracas da Parada-velha e as deporem -nas mãos tremulas e descarnadas do pobre velho -que tem fome e frio aos 80 annos, illuminando-lhe -assim com a luz do céo, com a luz de Deus, -aquelle tenebroso occaso de soffrimento e dôr?</p> - -<p>E quando a creança voltasse a casa, risonha e -feliz, como Deus a sabe dispôr, ao fazer d’ella a -mensageira do Bem, não seriam para vós mais agradaveis -as lagrimas da gratidão do pobre entrevado -que, como perolas, deslizassem ainda nas mãos pequeninas, -do que esse immundo cartucho de papel -mata-morrão com doces de farinha de milho e assucar<span class="pagenum"><a name="Pag_120" id="Pag_120">[120]</a></span> -mascavado—suprema delicia dos matulões da -Urgeira—com que o boçal e estupido Juiz da festa -lhe paga o papel de comparsa?</p> - -<p>Senhoras de Valença, que tendes filhos! Pensae -n’isto...</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>A procissão, que os Paes de familia mais respeitam, -é a de <i>Corpus-Christi</i>.</p> - -<p>Quando se approxima, é inevitavel a contribuição -de chapéos novos para as senhoras. É uma coisa feia, -na verdade, o apparecer-se n’esse dia, consagrado a -Deus, com chapéos de inverno...</p> - -<p>Pois se o Blanco os tem tanto em conta... Já se -não fala em vestidos, porque emfim, dá-se uma <i>volta</i> -ao do anno passado e ainda póde escapar; mas o -chapéo é da praxe.</p> - -<p>As janellas guarnecem-se, n’esse dia, de caras -bonitas. Nas ruas, vae e vem, chibante e taful, a juventude -da terra; os aspirantes aduaneiros, com Velloso -á frente, pimpam o oiro dos seus uniformes; -barrigudos camaristas passam, atados á banda bicolor; -ha muita gente do povo; colchas espaventosas, -flammulas, etc., etc., e, no fim de tudo, a tropa e as -descargas.</p> - -<p>N’este anno, então, essa ultima parte esteve magestosa. -Digo a verdade: manobras assim, tão complicadas -e com tanta tactica, só as tenho visto em<span class="pagenum"><a name="Pag_121" id="Pag_121">[121]</a></span> -França, no campo de Chalons, e em Portugal... no -largo de S. João. Consta-me, até, que para o anno -cá temos officiaes dos exercitos europeus, em commissão -de estudo.</p> - -<p>Pelo menos, assim m’o asseveram Moltke, Carnot, -o Czar de todas as Russias, o Schah da Persia e o -Bey de Tunis. Se o affirmam por lisonja, sabendo -que sou de Valença, isso é com elles.</p> - -<p>Vae pelo preço...</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Agora as romarias.</p> - -<p>Diversos pensadores e philosophos consideram as -romarias, como indispensaveis e necessarias, attendendo -a que o povo que, durante seis dias, labuta e -trabalha, necessita de descanço e distracção ao setimo, -para que possa retemperar as forças.</p> - -<p>Concordo com isso, mas não colhe o argumento -na defeza d’ellas, como elemento vivificador de crenças.</p> - -<p>Quem é que vae á Urgeira, a Ganfey, ao Faro, -a Segadães, que não seja por mero divertimento, por -distracção, pela novidade de um caso ruidoso e differente -na pacata vida da provincia?</p> - -<p>Quem annuncia em casa á familia a visita á Senhora -da Cabeça, ou a S. Campio, que isso não signifique -um dia de <i>borga</i> e de folgança?</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_122" id="Pag_122">[122]</a></span></p> - -<p>Vejamos as coisas como são, limpando o prisma -da observação e da critica, das teias de aranha, com -que a rotina, o uso e a tradição lhe mancham a -transparencia.</p> - -<p>O que é a «Senhora da Cabeça»?</p> - -<p>Um concurso legal de caceteiros.</p> - -<p>Perguntem ao meu amigo Joaquim Queiroz, se -elle de lá veiu com mais crenças, apesar dos esforços -que os salta-pocinhas de Lara e de Lapella fizeram, -para lh’as introduzir na massa cerebral.</p> - -<p>Perguntem a esse amigo, imprudentemente envolvido -por generosa dedicação e por nobre arrebatamento, -na batalha de <i>Montes Claros</i>, se essas mulheres, -que uivavam como hyenas e clamavam em furia -horrenda, contra tres homens, não eram as mesmas -que se espojavam pelo adro da capella, e se arrastavam -de joelhos nas <i>cinco voltas</i> da promessa, com -que, sentindo estoirar o bandulho nos arrancos de -brutal indigestão, recorreram á fama milagreira da -Santa...</p> - -<p>Perguntem-lhe se esses matulões, que á porta do -Chico Mello o cercavam, embrutecidos pelo vinho, -apertando o circulo dos varapaus ferrados, com gritos -de chacal e esgares sensuaes de anthropophagos, -não eram os mesmos que, horas antes, carregavam, -como bestas, com o andor da Santa e abalavam o -solo com o poisar da pata na marcha truanesca, -pelos atalhos do logarejo.</p> - -<p>O que é <i>S. Campio</i>?</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_123" id="Pag_123">[123]</a></span></p> - -<p>A prostituição ao ar livre, sob o manto estrellado -da noite, como diria qualquer poeta; e a charlatanice, -fazendo suar o Santo e... os milheiraes.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>A pequena distancia d’esta villa ha um burgo -chamado—Urgeira. É feudo do sr. Joaquim. Descendem -em linha recta, os seus habitantes, d’aquelles -antigos cultivadores de cebolas do Egypto.</p> - -<p>Formam um elemento importante na Politica do -nosso Hospital e prestam assaz reconhecido serviço, -nas procissões da Semana Santa. Chegam em mesnadas, -marcham bem, formam, com os seus balandraus, -duas alas, já muito razoaveis e, além d’isso, -são faceis de contentar: quaesquer tres patacos de -borôa e zurrapa lhes enchem as panças, depois da -procissão, na sacristia da Misericordia, provocando-lhes -sonoro arrôto.</p> - -<p>No verão, rara é a noite de sabbado, em que estes -pacovios não queimam algumas duzias de libras, -com foguetes de lagrimas e bombas de dynamite.</p> - -<p>Ora, no burgo ha pobreza e ha miseria; ha velhos, -que gemem na cama com o frio do inverno e -ha creanças esfarrapadas, que chafurdam no lamaçal -dos becos; ha aleijados, que se arrastam até á villa -mendigando o <i>chabo</i>.</p> - -<p>Com esses 500, ou 600 mil réis, que annualmente<span class="pagenum"><a name="Pag_124" id="Pag_124">[124]</a></span> -se gastam em festas, podia a Junta de Parochia -fundar um Hospicio para os velhos, e estabelecer -uma sopa economica para os famintos.</p> - -<p>Mas a pandega? O grande brodio da vespera da -festa? A <i>figura</i> que se faz na procissão com a vara -de Juiz?</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Necessita o povo de distracções.</p> - -<p>Verdade é, mas dêem-lh’as que o civilizem e não -que o embruteçam. Festas, Romarias e Procissões -são ainda vestigios d’aquelles primitivos tempos, em -que era necessario inveterar pelo mysticismo, pelo -apparato e sumptuosidade das manifestações, o espirito -da crença.</p> - -<p>Mas hoje, em que para o plebeu entrar no templo -até á grade, onde a aristocracia aninha, se lhe exige -roupa lavada e calçado decente; hoje, em que elle -vae á romaria para jogar o pau, beber vinho e entregar -fielmente á <i>Batota</i> a féria da semana—acabem -com tudo isso e deixem ficar a Religião nos -templos, e só nos templos, d’onde nunca devera ter -sahido.</p> - -<p>E, para divertir o povo, substituam, então, esses -grotescos cortejos de Santos, entre espelhos de pataco -e plumas de gallo, por verdadeiras procissões -civicas, onde figurem os heroes da nossa Patria, que -os temos tantos e tão dignos d’essa apotheose.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_125" id="Pag_125">[125]</a></span></p> - -<p>Em vez de pulpitos ao ar livre, levantem-se tablados, -onde se reproduzam os factos mais gloriosos -das gloriosissimas epopéas que, a um paiz de tão -acanhadas dimensões, deram a celebridade das grandes -nacionalidades.</p> - -<p>Organizem-se-lhe jogos, luctas, em que se adestre -no exercicio das armas e possa desenvolver os musculos -e a energia, de que tanto necessita para a -constante lucta da existencia.</p> - -<p>Conte-se e mostre-se ao povo o que fomos, e assim, -distrahindo-o, lhe incutiremos os germens d’esse -sentimento, que é o principal impulsor dos grandes -feitos e das grandes civilizações—o amor da -patria.<a name="FNanchor_24" id="FNanchor_24"></a><a href="#Footnote_24" class="fnanchor">[24]</a></p> - -<p>Basta de coisas de egreja. -E agora,—beaterio da minha terra!—um -Padre Nosso e uma Ave-Maria -por este Zinão, que já está ás portas do inferno... -mas esperando que entreis, para atrancar solidamente -a porta e assim vos acabar com a raça!</p> - -<p class="right"><i>Pater Noster...</i></p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_126" id="Pag_126">[126]</a></span></p> - -<hr class="chap" /> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_127" id="Pag_127">[127]</a></span></p> - -<h2 id="VII">VII<br /> -<span class="smaller">Litteraturas<br /> -<span class="smaller">(DUAS PALAVRAS)</span></span></h2> - -<p>Claro é que, tendo subordinado o programma -d’este livro ao titulo de <i>Estudos sobre a actual sociedade -valenciana</i>, me não posso esquivar a fazer -incidir, por momentos, na minha lente de observação, -os raios luminosos que os nossos <i>homens de lettras</i>, -semanalmente, fazem convergir no fóco das -<i>lamparinas</i> cá da terra.</p> - -<p>N’esta epocha, em que legalmente está em uso, -reconhecida e sanccionada, essa nojenta e nociva -convenção litteraria do <i>elogio-mutuo</i>, que tanto talento -atrophia, que tanta intelligencia embriaga com -os aromas d’um incenso macanjo, parvoiçada é—reconheço—o -meu proposito, que significa perigo eminente<span class="pagenum"><a name="Pag_128" id="Pag_128">[128]</a></span> -nas cannelas, irremediavelmente condemnadas -á dentuça dos <i>critiqueiros</i>.</p> - -<p>Limito a area da observação com as muralhas da -Praça e d’ella exceptuo, ainda, algumas individualidades -que, demasiado, me ferem a retina com o seu -talento, e que a insignificante distancia focal da lente -me não permitte abranger.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>N’esta nossa terra, a penna serve, unicamente, -para estadulho de deslombar politicos, ou nas protervias -e diatribes, originadas em questiunculas ridiculas -e comicas, como as da <i>Prisão da Santa</i>, ou nas -pacholices rimadas, com que se visa á critica galhofeira.</p> - -<p>A penna photographa a Idéa. A Idéa póde evolar-se, -librar-se sobre todas as manifestações da actividade -humana, consoante as aspirações que a orientam -e as intelligencias que a esclarecem. Póde fixar-se -na Arte, na Sociedade, no Homem, etc. Entre -nós, embirrou com a Politica e não a larga.</p> - -<p>Por isso, chafurda na insulsez parrana, na graçola -afadistada, na metaphora besuntona.</p> - -<p>Ao <i>brazileiro barato</i>, ao <i>fidalgo sem pergaminhos</i> -e a outros escarros-piadas, que por ahi fluctuam á -tona da enxurrada, corresponde esse constante martellar -de bordões estafados, do <i>gaiteiro</i>, do <i>João Bernardo</i>,<span class="pagenum"><a name="Pag_129" id="Pag_129">[129]</a></span> -com que ainda hoje a fedelhada sahe á estacada, -empunhando a babuzeira e acenando a quem -passa com outro Ideal e com outras armas: não o insulto -soez á familia, mas o sorriso caustico do epigramma -á individualidade social.</p> - -<p>A Imaginação e a Phantasia vasam-se, por ahi, -nos moldes d’uma linguagem mascavada, em que pullula -o neologismo pretencioso, d’onde resalta a phrase -de sensação dos ultimos figurinos, que o francez -atira, por cima dos Pyreneus, como uma bota cambada -e velha, e que o rabiscador, prestes, enfia nos -pesunhos para, coxeante e rufião, seguir em truanesca -marcha, campos fóra da critica e da... tolice.</p> - -<p>Esfuzia, frequentemente, o gallicismo inutil nas -espalmadas linhas; é constante a referencia ôca á -lombada das recentes publicações francezas; e, n’uma -epocha em que o mercieiro fala na <i>Sapho</i>, de Daudet, -ri com as frescuras de Catulle, estremece com -as <i>Blasphemias</i> de Richepin, salta com as pinturas -realistas de Zola, entretem a familia com os Goncourt -e auxilia a chylificação com Maupassant ou -Coppee, a arlequinada do rabisca, não só denuncia -ignorancia completa da nossa litteratura e dos recursos -da nossa lingua, mas, ainda,—com a impropriedade -dos termos, apanhados a dente e atacados -a soquete sublinhado nos periodos—uma deploravel -vaidade e tristissima inconsciencia.</p> - -<p>Não ha orientação litteraria, nem eschola definida, -nem percepção nitida da idea, nem consciencia<span class="pagenum"><a name="Pag_130" id="Pag_130">[130]</a></span> -na phrase, nem centelha de imaginação que desperte -a vibratilidade da nossa alma. Ha, d’um lado, -a atrophia voluntaria e criminosa, a que se condemnam -faculdades intellectuaes de superior quilate, e -d’outro, a ambição ridicula e chatissima de se mostrar -á familia—ao papá e á mana, ao titi e á prima, -ao namoro e á sopeira—o nome em lettra redonda, -claro, ou nas malhas transparentes d’um pseudonymo, -que o sorrisinho immodesto descobre ao primeiro e -desejado ensejo.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Poderá alguem suppôr com estas minhas reflexões, -tão discordantes na fórma, das hosannas, que -por ahi se entoam, impostas pela nojenta convenção -do <i>elogio mutuo</i>, que nego merecimentos, ou repudio -aptidões intellectuaes?</p> - -<p>Tal não succede.</p> - -<p>De quando em quando, aqui e acolá, mesmo n’esses -a quem a vaidade e o pedantismo desnorteiam, -descubro e reconheço os vestigios d’uma expontaneidade -de phrase, evidente; d’um colorido de expressão, -notavel; d’uma receptividade emocional, definida; -d’uma accommodação visual para a analyse, apreciavel;—propriedades -que, vigorizadas pelo trabalho, -orientadas pelo estudo persistente nos bons modelos -e impulsionadas para um Ideal, podiam educar-lhes<span class="pagenum"><a name="Pag_131" id="Pag_131">[131]</a></span> -o espirito e eleval-os, porventura, á consideração que -ambicionam e que criminosamente lhes attribuem.</p> - -<p>O que eu desconheço é:—o trabalho; o que eu -censuro é:—a inercia; o que eu repudio e calco aos -pés, é essa perfida e nojentissima convenção, que faz -do <i>cinco reis de gente</i> um Adamastor, do balbuciante -bebé um polemista, do Rosalino Candido, um Ramalho -Ortigão, ou, como elles diriam, de Prudhomme, -um Pierre Veron, ou Albert Wolff.</p> - -<p>A penna exprime a Idea. A Idea parte do cerebro. -O cerebro significa a Intelligencia, a Alma, isto -é, o conjuncto da sensações e sentimentos, que na sua -phenomenalidade, separam o Homem do bruto.</p> - -<p>A faculdade de sentir e a expressão nitida e -clara, pela penna e pela palavra, de todos os phenomenos -da natureza psychica, são o que o homem -tem de mais nobre.</p> - -<p>Triste é, portanto que, na critica d’um facto, na -discussão d’uma idea, no desforço d’uma aggressão, -eu vá encontrar aptidões intellectuaes com elementos -tão apreciaveis, na choldra da Politica, ou descendo, -ainda, tanto e tanto, que se não pejam com a -pasquinada a carvão nos logares, onde o carrejão -usualmente se encosta, para... ensalitrar as paredes.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_132" id="Pag_132">[132]</a></span></p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>E no grupo dos que a inercia atrophia, dos que -deviam libertar-se para outras espheras mais luminosas -e mais puras, porque já possuem na Imaginação -e na Phantasia a vigorosa organização do condor, -vejo eu um homem—que sabe burilar preciosamente -a idea, que filigrana artisticamente a palavra—debater-se, -na triste condição de bonifrate, movimentado -pelas guitas dos especuladores, transformando -o cerebro, d’onde arranca chispas d’um verdadeiro -talento, na bola ensebada e porca dos jogos -malabares que os politiqueiros por ahi exhibem, visando -á esportula dos magnates.</p> - -<p>E como se não fosse profanação bastante, o manchar -a penna nos bispotes, em que essa megéra—a -Politica—diariamente evacua, ainda ha pouco manchou -tambem os labios d’onde, palpitante, quente, -phantasiosa e bella, lhe resalta a palavra, na dentuça -cariada e porca d’um salta-pocinhas eleitoral agargalado!</p> - -<p>Suprema humilhação do talento!</p> - -<p>Pudesse eu agarrar-te pela golla do casaco e, -applicando-te em certa parte do corpo duas palmadas,<span class="pagenum"><a name="Pag_133" id="Pag_133">[133]</a></span> -fazer actuar no teu espirito, incisiva e caustica, -a affectuosa indignação, com que d’aqui te brado:</p> - -<p>Livra-te d’esse chiqueiro, <i>homem de Deus</i>!<a name="FNanchor_25" id="FNanchor_25"></a><a href="#Footnote_25" class="fnanchor">[25]</a></p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_134" id="Pag_134">[134]</a></span></p> - -<hr class="chap" /> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_135" id="Pag_135">[135]</a></span></p> - -<h2 id="VIII">VIII<br /> -<span class="smaller">Quimtilinarias<a name="FNanchor_26" id="FNanchor_26"></a><a href="#Footnote_26" class="fnanchor">[26]</a></span></h2> - -<p>Diz algures Macaulay:</p> - -<p>«<i>É nas grandes crises politicas, nas grandes agitações -populares, que se denunciam os grandes homens -e se manifestam os grandes genios.</i>»</p> - -<p>Cá temos a confirmação d’esse periodo do eminente -historiador inglez.</p> - -<p>Ruge, infrene, a colera do povo por causa do -<i>mandado</i>: e no meio d’essa espantosa effervescencia -da nossa politica, ergue-se aos céos da posteridade,<span class="pagenum"><a name="Pag_136" id="Pag_136">[136]</a></span> -dardejando raios mortiferos de oratoria epistolar, um -homem, até hoje ignorado na republica das lettras: -Quim Fonseca!</p> - -<p>Tenho lido muita epistola e muita carta; li as -epistolas de S. Paulo aos corinthios; as de Horacio -e Cicero; as de Racine e Pascal; as de M.ᵐᵉ de Sevigné -e de Girardin; as do Rosalino e Jayme José; -mas, coisa tão puxada de rhetorica, tão desembolada -de logica, tão <i>frecheira</i>, de estylo—é que ainda não -pude encontrar nas litteraturas passadas e presentes, -desde a sanskrita, até á dos papuas, ou á das gentes -do Molembo-Kuango!</p> - -<p>Sempre desconfiei que, no cerebro d’este Fonseca, -vascolejava algo de extraordinario e de superior. -Quando, por ahi, aventavam deformidades psychicas, -amesquinhantes do intellecto, affirmava eu sempre:</p> - -<p><i>Fonseca tem lume no olho! O futuro o dirá.</i></p> - -<p class="tb">Ahi estão as suas sessenta epistolas engranzadas -nas gazetas da terra, confirmando, plenamente, -os meus presentimentos.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Estudei durante muito tempo o Quim Fonseca, -auscultando as minucias da sua existencia social e -as subtis ramificações da sua politica.</p> - -<p>Considero-o como um dos vultos mais importantes<span class="pagenum"><a name="Pag_137" id="Pag_137">[137]</a></span> -da minha terra, porque é o fulcro <i>diamantino</i>, -onde se apoia a alavanca civilizadora (?) do Progresso. -Impõe-se, portanto, á minha observação e ao -meu respeito.</p> - -<p>Consumi annos n’esse estudo, sem poder formular -uma classificação exacta e rigorosa.</p> - -<p>Mas, um dia, descobri que Fonseca usava... suspensorios!</p> - -<p>Ora, os suspensorios teem para mim uma grande -significação; considero-os como elemento precioso e -infallivel na investigação do caracter individual—elemento -mais precioso e mais infallivel, do que as -protuberancias do craneo, na theoria de Gall; os -traços physionomicos na de Lavater, ou o volume do -cerebro na de Broca. Após minuciosas analyses e -confrontações, cheguei á conclusão, de que os suspensorios -pódem significar: reflexão, sobriedade, economia, -previdencia, sensatez, paz do espirito, pureza -de costumes, existencia de virtudes civicas.</p> - -<p>Homem que usa suspensorios, sabe de cór quanto -produz, livre do imposto de rendimento, o capital de -doze moedas d’oiro a tres e meio por cento; sabe em -que lua se cortam as madeiras; sabe em que epocha -convém semear a couve penca, o rábano, a nabiça e -as pevides de marmelo; sabe em que mez se capam -os gatos; sabe salgar um porco, dispôr os presuntos -no fumeiro, encher um chouriço; sabe <i>coisas</i> de emphyteuta, -de fóros, de aguas de rega, de bacellos, de -alpórcas e de bens de mão-morta; sabe aparar um<span class="pagenum"><a name="Pag_138" id="Pag_138">[138]</a></span> -callo e applicar um crystel; conhece remedios para -o gôgo e para as bichas; conhece as propriedades do -sebo de Hollanda; sabe—emfim—de tudo um boccadinho, -porque é encyclopedico em Sciencias caseiras -e perito em questões de vida pratica.</p> - -<p>E V. Ex.ª, que conhece o Fonseca, diga-me, agora, -se as aptidões do seu intellecto não estão ahi, -nitidamente inventariadas.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Eu venero as commendas.</p> - -<p>Quando, em Quinta-feira santa, na vizita ás casas -do Senhor, encontro o sr. V. de Moraes, deslumbrando -a gente com a sua casaca e com as scintillações -da Gran-cruz gallega, onde o sol poente arranca -chispas—tiro humildemente o meu chapéo e curvo-me -submisso.</p> - -<p>Venero a banda bicolor, diagonalando a obesa -pança d’um senador; venero a vara d’um juiz de irmandade.</p> - -<p>Reconheço tambem, a importancia social dos titulos -honorificos.</p> - -<p>Um Visconde foi, é, e será, sempre, um homem -de massa mais afinada do que qualquer Zinão; um -homem estremado entre a peonagem; um homem de -sangue <i>cruzadico</i>, de alta sabença, de apurado senso. -Ahi está o sr. V. da Torre, que, ainda de molleirinha<span class="pagenum"><a name="Pag_139" id="Pag_139">[139]</a></span> -e a fazer <i>tem-tem</i>, escrevia os <i>Preconceitos</i>, para... -<i>despreconceituar</i> a heraldica dos viscondados.</p> - -<p>Venero e respeito tudo isso, repito, porque, emfim, -Deus que resolveu distinguir na sociedade umas -certas pessoas, com titulos e com penduricalhos, lá -se entende e lá tem as suas razões...</p> - -<p>Mas cá no fôro intimo, nada provoca, mais fortemente, -a minha consideração, como umas alças, uns -suspensorios, d’aquelles de tres cores, como a bandeira -franceza—com as suas fivelas doiradas, as suas -prezilhas de coiro unidas, symetricamente, aos quatro -botões alinhados pelo buraquinho do umbigo.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Este meu culto ás alças já me originou grave -desgosto na familia.</p> - -<p>Minha filha mais velha, D. Fagundes, namoriscava -o filho do nosso procurador em Monsão. Ha cinco -annos entra o mocinho na sala de visitas e, deante -da rapariga, balbucia trémulo de commoção:</p> - -<p>—Louvado seja Nosso Senhor Jesus Christo!</p> - -<p>O Senhor passou bem?</p> - -<p>Eu vinha pedir a mão de sua filha D. Fagundes -d’Atouguia. Tenho 25 annos; sou camarista na minha -terra; as minhas propriedades rendem 40 carros e -60 pipas; tenho doze contos nominaes em inscripções; -vinte obrigações das Aguas de Melgaço e<span class="pagenum"><a name="Pag_140" id="Pag_140">[140]</a></span> -de S. Pedro, cinco acções do piano da Assemblea e -dez do Theatro Valenciano...</p> - -<p>—Perdão, interrompi eu; e emquanto ás ultimas, -pagou todas as prestações?</p> - -<p>—Não, senhor; assignei, mas só paguei a primeira -prestação de 10 p. c.</p> - -<p>(O homem convem-me, disse com os meus botões, -já vejo que é <i>agostinhado</i>.)</p> - -<p>—Serve-me para genro; mas, um esclarecimento -apenas, que é o mais importante: o meu amigo usa -suspensorios?</p> - -<p>—Ora essa! exclama o joven, acaso é isso importante -no meu futuro marital? Pois a minha barriga -é que tem de <i>crescer</i>...</p> - -<p>—Basta, senhor! Visto que ridiculariza uma coisa -tão seria,—nada feito! Queira bater a outra porta.</p> - -<p class="tb">E Fagundes ficou solteira...</p> - -<p>Ora ella está longe de ser uma belleza e, ás vezes, -tem <i>telha</i>; mas para Monsão servia e, servia, -até, muito bem.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Recebi hontem á noite um telegramma de Bismarck, -pedindo informações urgentes ácerca das sessenta -cartas. Como sou correspondente da <i>Gazeta -da Allemanha</i>, tratei de averiguar o caso inspirador -d’aquellas Catili—digo—Quimtilinarias.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_141" id="Pag_141">[141]</a></span></p> - -<p>Eis o que descobri:</p> - -<p>Na ultima reunião dos <i>quarenta-maiores</i>, o Fonseca, -subitamente atacado de violenta verborrhea, -poz em pratos limpos a historia do <i>mandado</i>, segredada -ao bichinho do ouvido por um <i>amphibio</i>.</p> - -<p>Os senadores ficaram aterrados e os municipes -bateram palmas, porque tinham farejado escandalo.</p> - -<p>Fonseca exaltou-se, berrou, vociferou; e, por vezes, -para o acalmar no furor do seu zelo pelos interesses -do Municipio, teve um prestimoso amigo de -lhe molhar a palavra, com agua da Fonte de S. Sebastião, -que é a mais fresquinha<a name="FNanchor_27" id="FNanchor_27"></a><a href="#Footnote_27" class="fnanchor">[27]</a>.</p> - -<p>A final serenou e retirou-se satisfeito.</p> - -<p>Jantou e soube-lhe bem; mesmo muito bem. Com -o enthusiasmo <i>entrou</i> de mais n’um arrozito de <i>berberichos</i>.</p> - -<p>Retirou-se para o seu escriptorio.</p> - -<p>Os <i>berberichos</i> principiaram, porém, a <i>repontar</i> com -elle, provocando-lhe, em certo apparelho, uns beliscões -diabolicos.</p> - -<p>Lembrou-se de ir convidar o Leopoldo a dar um -passeio nas muralhas; mas, por outro lado, a rigidez -e a austeridade dos seus habitos aconselhavam-n’o a -ir ter com o Capellão, certamente para se desobrigar -dos peccados do dia.</p> - -<p>Mas, n’isto, no lusco-fusco da sua somnolencia,<span class="pagenum"><a name="Pag_142" id="Pag_142">[142]</a></span> -viu apparecer e avançar o vertice d’um angulo de -25°, angulo que foi alargando, alargando, sustentando -sempre, um dos seus lados, em parallelismo com -os olhos do Fonseca.</p> - -<p>Linhas irregulares, verticalmente dispostas, desenharam, -depois, uma cabeça collada a esse grande -appendice angular; novas linhas configuraram um -corpo, como appendice d’aquelle primitivo appendice.</p> - -<p>Appareceu um nariz com perninhas!</p> - -<p>Em seguida, surgiu uma coisa redonda, muito arrebitada -e rechonchuda, que foi, tambem, crescendo, -crescendo...</p> - -<p>Rebolava-se uma pança que, avançando, exclamou:—<i>Oh -Quim! Tu falaste bem; mas foi e Zé, -quem te deu o papel!</i></p> - -<p>Approxima-se o nariz, aos saltinhos, e diz tambem, -roçando pelo respeitavel dito, do Fonseca:</p> - -<p class="tb">—<i>Sim! O Zé deu-te o papel! Foi o Zé! Foi o Zé! Foi o Zé!</i></p> - -<p class="tb">—<i>Ah, Morãeses do diabo! Bofé, que mentis! A -mim, gentes de Verdoejo e de Taião!</i></p> - -<p class="tb">E arremessando para longe as lubricas tentações, -o chale-manta e o barretinho bordado com a sua borlinha -toda repenicada, a dar-a-dar,—foi-se á escrevaninha -e principiou a escrever uma carta; depois, -outra; depois, outra;—total sessenta cartas!</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_143" id="Pag_143">[143]</a></span></p> - -<p>No intellecto do Fonseca deu-se, então, aquelle -phenomeno da scissiparidade por segmentação.</p> - -<p>Cidadãos pacatos e sisudos, pouco versados na mechanica -epistolar e affeitos á bolorenta erudição do:</p> - -<p>«<i>Muito estimarei que ao receber estas mal esboçadas -regras, esteja gozando perfeita saude, em companhia -de quem mais deseja, pois a minha, graças a -Deus, ao fazer d’esta, é boa...</i>»</p> - -<p>sahiram-se com puxadas de estylo de rachar tudo, -graças á communicabilidade galvanica do intellecto -fonsecoide, saturado de rhetorica e prenhe de syllogismos -irrefutaveis.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Mas vem cá—oh Fonseca—O que é, afinal, que -pretendes dizer na <i>tua</i>, com essas sessenta epistolas?</p> - -<p>Que diabo te disse o <i>Noticioso</i>, que tão violentamente -arrepiou a tua espinha, como se te communicasse -a irritabilidade nervosa do galvanismo?</p> - -<p>Offendeste-te por elle affirmar, que na sessão dos -<i>quarenta-maiores</i>, o teu esplendido discurso não foi -improvisado e que houve, até, quem te desse o <i>ponto</i>?</p> - -<p>Mas—oh filho—suppões, acaso, que no intimo -da alma dos nossos conterraneos não existe, profundamente -radicada, a absoluta confiança nos teus -dotes oratorios, embora se reconheça, sem desdoiro, -que não és, precisamente, o que se póde chamar -um Pico de Mirandola?</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_144" id="Pag_144">[144]</a></span></p> - -<p>Então não está ahi, bem pronunciado, no teu luzidio -craneo, o extraordinario desenvolvimento da -terceira circumvolução cerebral, em que Broca localizou -a eloquencia e a arte oratoria?</p> - -<p>Olha, Quim, um conselho de amigo:</p> - -<p>As tuas sessenta epistolas,—embora, verdadeiramente, -se não saiba, ainda, para que as escreveste -e para que incommodaste tanto cidadão pacato, tanto -cerebro, tanta caneta, tanto bico e tanto papel de -chupeta—estão boas; isso estão. Mas ouve, filho, a -respeito de litteratices, de cartas—isto é—de escripturas -e de lettras, manda-n’os algumas, mas d’essas -que tens com hypothecas e com fiadores.</p> - -<p>As que para ahi estás a publicar, guarda-as, -para quando não tiveres quem te <i>chegue o papel</i>...</p> - -<p>Não maces mais a gente, que tem de aturar bissemanalmente -o <i>Noticioso</i>, diariamente o Marilio<a name="FNanchor_28" id="FNanchor_28"></a><a href="#Footnote_28" class="fnanchor">[28]</a> -e—aos domingos,</p> - -<p class="right">o João de Ganfey.</p> - -<hr class="chap" /> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_145" id="Pag_145">[145]</a></span></p> - -<h2 id="IX">IX<br /> -<span class="smaller">Politiquices<a name="FNanchor_29" id="FNanchor_29"></a><a href="#Footnote_29" class="fnanchor">[29]</a></span></h2> - -<p>Anda coisa no ar...</p> - -<p>A horas mortas, nas sombras da noite, quando -as venerandas paternidades desatam pachorrentamente -os nastros das ceroilas e extendem as delgadas -tibias entre a alvura dos lençoes, deliciando-se -com a voluptuosa sensação do linho—quando os -technicaphilas experimentam a potencia dynamica -do coice e a rigidez do craneo contra os muros e -bancos de praça, e as sopeiras, sedentas de luxuria -e amor, abrem sorrateiramente a janella para sentimentaes -gargarejos com almiscarados artilheiros—quando -o beateiro resmunga entre bocejos, n’este -meio cá—meio lá, da somnolencia, o ultimo <i>Paternoster</i>,<span class="pagenum"><a name="Pag_146" id="Pag_146">[146]</a></span> -e dois amigos meus, dos respeitaveis e probos, -depois do nocturno repasto, se entregam, extramuros, -a indigestos estudos de anatomia... <i>patriotica</i>—n’essas -horas da noite, repito, nota-se nas -ruas de Valença um movimento desusado, extraordinario -e inquietador para quem de perto conhece, -como nós, a indole pacifica e a habitual obediencia -dos nossos conterraneos ao toque militar das oito e -meia.</p> - -<p>Cruzam-se vultos mysteriosos e sombrios, murmurando -rapidamente palavras convencionaes; a -frouxa luz dos candieiros projecta nas calçadas a -sombra de longos <i>capindós</i>, de amplos <i>libertés</i> com -que, indubitalmente, conspiradores sinistros, caras -patibulares e alvellicas, se disfarçam e acobertam.</p> - -<p>Denuncia-se, emfim, a effervescencia d’uma agitação -occulta, surda, quiçá perigosa e violentissima, -que prepara para breve, na historia d’este brioso -povo, acontecimentos extraordinarios e imprevistos, -que hão-de suscitar aos pósteros um ponto de exclamação -tão elevado, tão grande e tão alto, como o sr. -professor de Verdoejo, como o nariz do sr. dr. Ladislau, -ou como um chapéo siamez que, ha um bom -quarto de seculo, eu por ahi vejo, nos dias festivos -do anno, luzidio e repontante, contra o ether dos -céos.</p> - -<p>Mercê da perspicacia e actividade do zeloso -Commissario das Policias, o sr. Sampaio, está já conhecida -a causa de tal agitação; e á amizade, com<span class="pagenum"><a name="Pag_147" id="Pag_147">[147]</a></span> -que esse cavalheiro me distingue, devo eu a possibilidade -de aqui a communicar aos meus conterraneos, -para tranquillidade das damas nervosas, das -donzellas chloroticas e hystericas, que se tenham inquietado -com o que acabo de denunciar.</p> - -<p>Trata-se d’uma conspiração politica.</p> - -<p>Preparam-se traças; urdem-se planos; consultam-se -esphinges; interrogam-se oraculos; assediam-se -as potestades eleitoraes; arietam-se as opiniões -renitentes; hypnotisam-se os refractarios á conversão -desejada, e tudo com a intenção sinistra e machiavelica -de attentar, nas proximas eleições, contra -a soberania e omnipotencia do senhor feudal d’este -burgo, de quem tudo-lo-manda, o muito alto, poderoso, -e excellentissimo Senhor Administrador do -Concelho!!</p> - -<p>Quem diria, senhores, o que no ultimo quartel -do seculo teriamos de presenciar n’esta nossa terra -tradicionalmente fiel ás instituições, cégamente obediente -aos poderes constituidos, amante do seu Rei -e de toda a sua Excellentissima familia (como se -diz em Monsão)—n’esta terra onde, depois que os -legendarios 7:500 bravos implantaram e regaram com -o seu sangue o systema constitucional, inaugurando -essas grotescas bambochatas, chamadas eleições, -nunca os nossos antepassados tiveram a ousadia de -contestar a opinião, as ideas do Senhor Administrador, -embora ellas fossem tão extraordinarias e tão -estramboticas como o dizer-se agora—por exemplo—que<span class="pagenum"><a name="Pag_148" id="Pag_148">[148]</a></span> -o sr. José Narciso não acceita a legitimidade -dos direitos do Senhor D. Miguel de Bragança; que -o Senhor Velloso, com o seu bigode negro e a alvura -immaculada do seu collete branco, não é, para -as damas, o mais esbelto e airoso joven, que terras -de Portugal téem exportado para a nossa galeria -aduaneira, ou ainda, que o Senhor Agostinho não -significa na politica um caudilho poderoso, um sectario -fiel, seguro e intransigente do partido progressista—regenerador—constituinte—reformista -esquerdista—republicano—socialista.</p> - -<p>Mas, perguntarão Vossas Excellencias, não faz -Valença parte d’um circulo? Não téem os seus habitantes, -como os d’outras terras, semelhantemente -illustres—Fornos de Algodres, Terras de Bouro, -Cannas de Senhorim—direitos e regalias que a -Carta Constitucional da Monarchia concede para a -amplissima e plenissima liberdade da opinião, em -materia de eleições?</p> - -<p>Verdade é.</p> - -<p>Temos os mesmos direitos e á custa do mesmo -preço...</p> - -<p>Pagamos religiosamente as nossas decimas, as -nossas congruas, sem contestações, nem aggravos, -desprezando, até, com generosa e espartana altivez -os quebrados, os dois, tres e quatro reis—uma ninharia—que -o Senhor Recebedor, escravo dos dictames -da sua consciencia, á força nos quer devolver.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_149" id="Pag_149">[149]</a></span></p> - -<p>Mas, eu recorro á Historia, a que Thierry chama -«espelho da verdade» e Michelet «guia do futuro» -para affirmar e provar, <i>urbi et orbi</i>, a inflexivel immutabilidade -das opiniões politicas da nossa terra, -recordando factos que, fiel e genuinamente, exprimem -e caracterisam a superior orientação, que aqui existe -sobre os direitos do cidadão—factos que não architecto -com materiaes da Phanthasia, nem illumino -nas penumbras dos tempos remotos, porque são rigorosamente -exactos e coevos da geração que passa.</p> - -<p>Approximava-se, ha annos, o dia em que o povo -soberano, forte nos seus direitos, em troca do liberrimo -voto a uma tarraçada de vinho, ou a indigestão -de <i>calhos</i> na cantina eleitoral de Mestre Pedro -era chamado a influir nos destinos da Patria e a metter -a sua colherada n’essa sordida e nojenta palangãna, -chamada <i>urna</i>, onde com putridas exhalações, -referve e azeda a mixordia das ambições estultas, -das vaidades irritantes, das pressões odiosas, das -promessas fementidas, e em que os ambiciosos e especuladores—os -Pausanias e Wilsons de todos os -tempos—se refocillam e afocinham, disputando, á -dentada, o appetecido osso do <i>arranjo</i>...</p> - -<p>Nos campanarios sertanejos agitava-se o badalo -chamando o servo da gleba que, de roupa domingueira -e quinzena nova, se dispunha a, mais uma -vez, com boçal inconsciencia, conspurcar o direito -do voto—uma das mais bellas conquistas da liberdade -na sua sangrenta evolução atravez de seculos<span class="pagenum"><a name="Pag_150" id="Pag_150">[150]</a></span> -de lucta, producto abençoado da laboriosissima reacção -que n’essa enorme retorta, a França, na inferioridade -do sudra, na degradação de ilota, nas algemas -do escravo, na dependencia humilhante do -servo—como elementos componentes—provocaram -os raios chimicos da formosissima luz d’essa bemdita, -mil vezes bemdita, alvorada de noventa e...</p> - -<p>Mas, perdão.</p> - -<p>Que diabo estou eu a escrever? <i>Ridendo</i>... Eis -o meu programma.</p> - -<p>Ao largo, pois, logares communs de estafada -Historia!</p> - -<p>Pensamentos tristes, arredae! Acoitae-vos e multiplicae-vos -no cerebro do Padre Capellão para, nos -sermões de sexta-feira santa, com que, tão auspiciosamente, -inaugurou a sua eloquencia n’esta terra, -nos descrever mais uma vez, com a voz embargada -pelo sentimento, o martyrio da MÃE, as afflicções da -MÃE a dôr da dita MÃE.</p> - -<p>Continuemos, pois, a rir, senhores, um riso bom, -sonóro, vibrante e desafogado, que o riso é das poucas -coisas que ainda escapam á rede tributaria, e -representa, n’este arido deserto da vida, a frescura -vivificante e consoladora do oasis.</p> - -<p>Ha annos, ia eu dizendo, em vesperas de eleição, -teve um vizionario estranho a ingenuidade de -tentar combater o sr. Administrador do Concelho, -arrepiando-lhe a submissão dos eleitores, em determinadas -freguezias.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_151" id="Pag_151">[151]</a></span></p> - -<p>O caso engatinhou ás culminancias do desafôro; -alcandorou-se nos topes do escandalo!</p> - -<p>Apimentaram-se os animos; esturraram-se os genios; -apopleticaram-se os mais sisudos e conspicuos -habitantes da rua de S. João—esses santos varões, -que são na nossa terra os genuinos representantes -dos ricos-homens e infanções dos tempos medievaes, -sobrios de costumes, austeros no porte, d’um puritanismo -feroz; tementes a Deus, ao diabo, ao abbade -e ao sr. Joaquim Apollinario.</p> - -<p>Reuniram-se, em conclave mysterioso, os mais -valentes e poderosos homens d’armas do partido governamental—o -unico, n’estes reinos, legalmente -constituido.</p> - -<p>Mensageiros esbaforidos chegavam, tressuando, -de toda a parte com informações sobre os manejos -do inimigo e, praça aberta á discussão, depois de -grave ponderação e demorada concentração dos espiritos, -sahiu d’aquellas venerandas cabeças o plano -de combate que, para efficaz execução, para infallivel -resultado, urgia communicar immediatamente, -sem demoras, nem hesitações, a um rico-homem de -Coura.</p> - -<p>—Ora, n’aquella epocha, se bem que já estivesse -iniciado o caminho das grandes descobertas geographicas -e scientificas, que constituem a epopeia gloriosa -da humanidade, e se conhecessem já, a America, -a Africa, o phonographo, os camarões, o xarope -do dr. Gibert e o sabão do sr. Moutinho; existindo<span class="pagenum"><a name="Pag_152" id="Pag_152">[152]</a></span> -já Pasteur, Jenner, João da Gaiteira, Edison, os -srs. Zé da Rosa e Roldão; se bem que a Sciencia, -em todos os seus ramos, estivesse consideravelmente -aperfeiçoada, como por exemplo, a Jurisprudencia -em que, no Direito penal, Lombroso, Garofalo, Aubry, -attenuavam a responsabilidade criminal, combatendo -essas brutaes penas da forca, da guilhotina, -do pôtro, e substituindo-as, quando o crime tinha as -revoltantes particularidades de Pantin, de Fuencarral, -ou de White-Chapel, por uma audição, mais ou -menos demorada, do drama do sr. C. Barros, ou -d’um discurso do sr. Presidente da Camara—n’essa -epocha, repito, ainda o sr. Miguel Dantas não tinha -inventado Coura, a preciosa povoação, que tanto -deu que matutar aos srs. Fontes e Bismarck, nos -procellosos dias da revolução de Bico.</p> - -<p>A Mesologia estava, ainda, no estado rudimentar -e não tinha definido e aproveitado a extraordinaria -influencia procreadora do clima, que n’aquellas uberrimas -paragens, melhor do que a Physiologia de Debay, -do que qualquer intervenção abbacial, ou leopoldica, -mantem nas robustas camponezas uma fecundidade -tal que, annullando por completo as theorias -de Fourier, na resolução do importante problema -do pauperismo, estabelece para a pittoresca povoação -a reputação invejavel e, sobremodo honrosa, de -fabrica permanente de amas para bebés.</p> - -<p>Coura, emfim, meus senhores, a indispensavel -Coura, estava ainda no casulo das sociedades modernas,<span class="pagenum"><a name="Pag_153" id="Pag_153">[153]</a></span> -na pevide das povoações minhotas, no caroço -dos baluartes eleitoraes e não podia, portanto, alli -influir a civilização como agora, em que o luxo das -edificações principia a abandonar o colmo na cobertura -das casas, substituindo-o por umas coisas vermelhas -e arqueadas chamadas telhas, e em que ha -Correio e Telegrapho, com um movimento tão extraordinario -e assombroso, que a gente guinda-se aos -mastaréos da popularidade, trepa aos carrapitos de -um semi-deus, escarrancha-se na celebridade do proprio -Boulanger se, n’um só dia, recebe da familia -duas cartas e um telegramma!!</p> - -<p>Mas... era necessario lá mandar um proprio, -unico recurso d’aquelles felizes tempos, em que estavamos -livres da Companhia real, e podiamos, sem -despeza de testamento, nem afflicções de quem está -nas garras da Morte, tentar qualquer viagem.</p> - -<p>E tal era a urgencia, a imprescindibilidade da -communicação, que o portador devia ir a cavallo!</p> - -<p>Ora, esta urgencia, formulada na intervenção do -rocinante e lançada á discussão na maior effervescencia -do furôr opposicionista, despertou no espirito -dos mais sensatos e perspicazes ricos-homens e abbades -um subito resfriamento de enthusiasmo.</p> - -<p>Perceberam o quer que fosse de sombrio e tetrico, -que baixou a zero a ebullição tumultuosa da -sua dedicação partidaria.</p> - -<p>Como o Mane, Thecel, Phares, que entupiu Balthazar, -ou a sombra de Banco que engasgou Macbeth,<span class="pagenum"><a name="Pag_154" id="Pag_154">[154]</a></span> -ou a estatua do Commendador, que foi para o D. Juan, -de Molière, o que o vulto do capitão Teixeira de -Moraes foi em noite procellosa de inverno, nas cercanias -do solar da Balagota, para o Sr. Sampaio<a name="FNanchor_30" id="FNanchor_30"></a><a href="#Footnote_30" class="fnanchor">[30]</a> -a lembrança do cavallo aterrou os mais ousados -d’aquelles ricos-homens, que representavam, no seu -conjuncto, feudos e rendas superiores a muitas centenas -de mil cruzados.</p> - -<p>Empallideceram, subitamente, as faces até alli -purpurinas e rubras de excitação; baixaram-se, evitando-se, -os olhos, até alli coruscantes de furôr; cerraram-se -os labios, como se uma pressão de muitas -atmospheras actuasse brutalmente sobre as maxillas. -Os mais ousados coçavam nervosamente a região -occipital...</p> - -<p>É que ao longe, lá muito ao longe, na sombra do -magro rocinante, percebiam elles, já, as formas indecisas -e vagas do burriqueiro, reclamando, com humilde -postura—vergado o corpo n’aquelle respeitoso -angulo de 65° com que o nosso homem, o supracitado -Sr. Sampaio fala, cheio de blandicias e ternuras, -ao Sr. Dr. Brito—o meio pinto da tabella para -uma viagem a Coura.</p> - -<p>Meio pinto, senhores!</p> - -<p>Menos do que o Sr. Seixas ganhava n’uma caixa -de amendoas, <i>quando mostrava a factura</i>; coisa de<span class="pagenum"><a name="Pag_155" id="Pag_155">[155]</a></span> -dois conselhos do Dr. João Cabral; meia dose florindica, -pagando á Rotschild; o lucro do sr. Fontoura -n’uma tisana de treze vintens.</p> - -<p>Meio pinto, senhores!</p> - -<p>..............................</p> - -<p>Rapida foi a dissolução do conclave. Pretextos -futeis, encapotados com razões imprevistas, fizeram -debandar, como corvos açoitados pelo furacão, os -graves maioraes da politica concelhia.</p> - -<p>Foi o mensageiro a Coura, e durante muito tempo, -nas altas e transcendentes concepções philosophicas, -em que o animalejo constantemente se absorvia—(indecifraveis -para nós, os mortaes, como a opinião -politica do Sr. Vigario Geral, ou como a origem do -subito rejuvenescimento do nosso muito querido Sr. -Sampaio ao ler nos jornaes a palavra <i>Cordão</i>)—entrou -a influir grave ponderação sobre o alcance dos -decretos da Providencia, que se apraz em confiar de -um misero sendeiro a salvação d’um partido, como -do nada, do pó, do humus empapado da chuva, que -demorou Grouchy, forjou o camartello possante, que -em Waterloo esmigalhou o pedestal d’esse feroz -açoite da Humanidade, chamado Napoleão.</p> - -<p>..............................</p> - -<p>Creio inutil dizer que, depois da eleição, para a -gamella do burriqueiro havia mais um commensal... -um cão!<a name="FNanchor_31" id="FNanchor_31"></a><a href="#Footnote_31" class="fnanchor">[31]</a></p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_156" id="Pag_156">[156]</a></span></p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Prosigamos n’este escabroso trilho da Historia -em que, para fiel e rigorosa exposição dos factos, temos -de executar os milagres do equilibrio de Blondin, -ou de Leonne Doré, entre os exaggeros dos informadores -apaixonados e as erroneas reflexões de -commentadores pouco escrupulosos.</p> - -<p>Serve-nos de maromba a consciencia e oxalá ella -nos guie até ao fim d’esta penosa caminhada, atravez -da original e curiosissima politica da nossa -terra<a name="FNanchor_32" id="FNanchor_32"></a><a href="#Footnote_32" class="fnanchor">[32]</a>.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Indubitavelmente, o dia 22 de Novembro de 1879 -é um dos mais memoraveis para os habitantes d’esta -antiga e mui nobre povoação.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_157" id="Pag_157">[157]</a></span></p> - -<p>Essa data deve estar indelevelmente gravada no -livro d’oiro dos grandes acontecimentos historicos; -insculpida, a traços diamantinos, na epopea das grandes -solemnidades de Valença, ao lado das procissões -de S. Sebastião e <i>Corpus Christi</i>, grotescas mascaradas, -com que no Minho se avivam as descrenças, -digo, as crenças, a ociosidade, a pasmaceira, o ar -marcial e aguerrido das tropas, os namoros, as bambinelas -dos armadores e as transacções do commercio, -na sua importantissima secção de: birimbaus, -peixe frito e... limonada de cavallinho.</p> - -<p>Foi um dia festivo, solemne; d’aquelles em que o -caiado das casas nos parece mais branco; a porcaria -das ruas menos escandalosa; a atmosphera mais diaphana; -o verde das campinas mais vivo; a abobada -celeste mais limpida; o aroma das flôres mais penetrante; -a cara dos amigos mais risonha—um d’estes -dias, em que a gente se sente mais feliz, com menos -dinheiro e mais tentações, e em que as fibras do coração -que movem o badalo do enthusiasmo, bruscamente -se agitam, como se ouvissemos o hymno da -Carta, um discurso do sr. conselheiro Silvestre Ribeiro, -ou como se os canhões da Coroada, os sinos -de Santo Estevão, a bandeira real desfraldada aos -quatro ventos, celebrassem festivamente o anniversario -da Restauração!</p> - -<p>Acotovelava-se nas ruas uma multidão expansiva, -ruidosa, com a alegria a pinotear na mioleira; -com todos os macaquinhos do sr. Palhares, em borga<span class="pagenum"><a name="Pag_158" id="Pag_158">[158]</a></span> -infernal no sotão; expondo por ahi, escandalosamente, -a habitual gravidade, de saia arregaçada e peitos -descobertos, em desenfreado e lascivo minuete -com as posições officiaes.</p> - -<p>Para exprimir tudo, emfim, havia no intimo de -cada um, tanta satisfação e tanta alegria, como hoje -sentiria o sr. Joaquim se recebesse auctorisação do -Ministro do Reino para obsequiar o dr. Cabral com -todas as trombetas de Josaphat, sopradas por innumeras -legiões d’aquelles anjos e seraphins de bochechinha -gorda e purpurina, que por ahi vemos em S. -Estevão,—embora, para esse justissimo desforço de -cidadão offendido nos seus direitos, de Juiz da Senhora -da Saude, affectado nas suas crenças, tivesse de -arredar, das suas arcas de nababo, com arrebatado -impulso de perdulario enthusiasmo, coisa de doze -vintens—captivos a troco!</p> - -<p>N’esse dia, meus senhores, era restituido o batalhão -de caçadores 7 a Valença, chyprado ao berço -da monarchia, á terra dos condes, dos conegos, das -cruzes e dos cutileiros, por Sua Excellencia, o sr. -Ministro da Guerra.</p> - -<p>Nada faltou no programma das recepções festivas: -coroas de loiros; discursos do sr. Presidente da -Camara; mensagens de congratulação; odes e alexandrinos -do vate Aurelio Victor Hugo; bailes; regabofe -nos presidios; bodo aos pobres; arcos de -triumpho forrados a gazetas; musica, foguetes e luminarias.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_159" id="Pag_159">[159]</a></span></p> - -<p>O enthusiasmo estonteava os cerebros; alcoolizava -os espiritos; absinthava os animos.</p> - -<p>O sr. Francisco Durães, homem sério, pacato e -já na escala para camarista, deitava foguetes na muralha, -como qualquer <i>careca</i> sertanejo em arraial da -festeira Urgeira.</p> - -<p>Um camarista illustre luctava duas horas, para -enfiar no par de luvas, que por engano lhe tinham -vendido para a mesma mão—o dedo <i>mata-parasitas</i> -na casa do <i>mindinho</i>.</p> - -<p>O sr. Abilio, nos paroxysmos de um enorme enthusiasmo, -apparecia de gravata branca, casaca, no -pé direito uma bota de polimento, no esquerdo um -chinelo de liga, representando a Associação Artistica!</p> - -<p>E no meio de todo este contentamento, nas expansões -de todo este delirio, um unico nome soava, tangido -constantemente pelo enthusiasmo popular, nas -praças, nas ruas, nas lojas, nos clubs,—nome que parecia -ser o fóco convergente para todas aquellas ruidosas -manifestações, nome que n’esse dia tinha mais -prestigio que o da Senhora do Faro, nome aureolado, -nome querido de—Elyseu de Serpa!</p> - -<table> - <tr> - <td>Victoriava-se</td> - <td>Elyseu de Serpa</td> - </tr> - <tr> - <td>Discursava-se sobre</td> - <td>Elyseu de Serpa</td> - </tr> - <tr> - <td>Telegraphava-se a</td> - <td>Elyseu de Serpa</td> - </tr> - <tr> - <td>Rezava-se a</td> - <td>Elyseu de Serpa</td> - </tr> -</table> - -<p class="noindent">e Clero, Nobreza e Povo, fraternizando, hombreando, -felicitando-se, davam largas á plenitude da sua gratidão -a Elyseu de Serpa.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_160" id="Pag_160">[160]</a></span></p> - -<p>Jurava-se aos deuses, pela nossa consciencia, assim -dardos de Jupiter nos partissem, se durante a -nossa existencia, embora ella attingisse a longevidade -de um Mathusalem, que viveu, segundo diz a -Biblia, 900 annos (o que eu acredito) outro homem -se sentasse nas cadeiras de S. Bento com o nosso -mandato, porque Valença tinha contrahido com elle -uma divida sagrada, immorredoira, imperecivel, immensa, -de profunda, eterna e vivissima gratidão.</p> - -<p>E se alguem, mais pratico em coisas do mundo se -atrevesse a revelar pouca confiança na estabilidade -d’aquelles fervorosos protestos, recordando que já lá -vae o tempo dos Eros, dos Scevolas, dos Martins de -Freitas, dos Egas, etc.,—oh Christos de Villar!—corria -grave risco de ser lançado aos fossos, empalado -no pau da bandeira, ou esquartejado pelo primeiro -magarefe, que por ahi apparecesse, em ociosa -disponibilidade.</p> - -<p>Pois, meus senhores, ahi vae a Moral do conto -mais um tento para a marca preta e um documento -para a nossa historia politica. Poucos mezes depois, -mettia o sr. dr. Lopes o seu nariz na Administração -do Concelho e aquelle grande vulto (não o do nariz) -absorvia, completamente, todos os enthusiasmos que -descrevi!</p> - -<p>A urna entrou mais uma vez no templo, para servir -de leito nas sensuaes orgias do voto com a immoralidade -e o sr. Elyseu de Serpa, o mesmo, em -carne e osso, a que me referi—obtinha em todas as<span class="pagenum"><a name="Pag_161" id="Pag_161">[161]</a></span> -assembleas eleitoraes do nosso concelho:—cinco votos!</p> - -<p>Ora, um povo que denuncia tão vehemente firmeza -de convicções e de sentimentos, está—digam -lá o que disserem—reservado para grandes destinos.</p> - -<p>Abençoado torrão este, da Patria minha!</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Com os argumentos irrefutaveis, que os factos -nos fornecem, estudamos até aqui a politica de Valença -nas suas espheras mais elevadas, isto é, na -villa e entre as camadas illustradas; e, indubitavelmente, -não existe no nosso espirito outro sentimento, -que não seja o baseado em tristissimo desalento...</p> - -<p>Vejamos agora, em breves palavras, antes das -considerações geraes, o que o povo imagina e sabe -de toda esta engrenagem que lhe rouba os filhos, -dinheiro e... os votos.</p> - -<p>Ha annos, Ramos Paz, que aqui dignamente exerceu -as funcções de Sub-Inspector de Instrucção, presidia -a uma conferencia pedagogica nos Paços do -Concelho. Extranhando as theorias apresentadas por -um professor, sob a intervenção da auctoridade administrativa -na legislação municipal, relativa ao professorado, -perguntou alizando aquellas grandes barbas -á D. João de Castro:</p> - -<p>—Então quem nomeia os professores?</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_162" id="Pag_162">[162]</a></span></p> - -<p>—O Sr. Administrador—respondeu o homem.</p> - -<p>—Ora essa! Então as Camaras?</p> - -<p>—As Camaras são tambem nomeadas pelo sr. -Administrador—confirmou ainda, com a má interpretação -que dera á pergunta.</p> - -<p>Meditemos, senhores.</p> - -<p>De feito; na ignorancia d’aquelle pedagogo havia -uma grande verdade, que nós, rigorosamente, não -podemos refutar.</p> - -<p>Luiz XI disse uma vez ao Parlamento, levantando -o chicote:</p> - -<p>—<i>L’etat c’est moi!</i></p> - -<p>Rodrigues Sampaio, não ha ainda muito tempo, -que bradava ao paiz:</p> - -<p>«O unico poder que entre nós existe é o Rei!»</p> - -<p>Nós poderemos plagiar Luiz XI, Rodrigues Sampaio -e o pedagogo, asseverando:</p> - -<p>N’este concelho de Valença ha só uma força, -uma vontade, um poder:—o Senhor Administrador<a name="FNanchor_33" id="FNanchor_33"></a><a href="#Footnote_33" class="fnanchor">[33]</a>—quer -o represente a taciturnidade esphingica -do sr. Dr. Lopes, ou a gulliverica estatura do -sr. Dr. Ladislau, ou a inoffensiva bandido-mania do -sr. Dr. Malheiro, ou a feroz iconoclastia do sr. Dr. -Cabral, ou... a paz d’alma e de corpo do sr. Dr. -Brandão-Malheiro-Lopes da Cunha-Cabral!</p> - -<p>Abençoado torrão este, da Patria minha!</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_163" id="Pag_163">[163]</a></span></p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Historiamos até aqui. Philosophemos agora, porque -a Historia sem a Philosophia pouco vale e não -póde servir, como disse Michelet, para guia do futuro.</p> - -<p>É evidente que não temos organização pulmonar, -que desafogadamente possa funccionar na atmosphera -das nossas liberdades civis.</p> - -<p>É evidente que, seja qual fôr o proceder da auctoridade -administrativa, só ella póde, quer e manda; -e que, no campo a que hoje Vossas Excellencias são -chamados—as eleições—, ella exerce para qualquer -opposição o mesmo terrifico effeito que, em dilatado -feijoal, produz para os pardaes e pardocas, o espantalho -armado com dous rabos de vassoira em cruz, -cartola velha no vertice e casacão enfiado nos braços, -com as mangas pendentes e á mercê do vento.</p> - -<p>E, evidenciado isto, para que precisamos nós de -deputados, seja qual fôr a chancella que tragam? Que -temos nós com o que vae por esse paiz, com o nariz -do sr. Beirão, com a marreca do sr. Hintze, -com a somnolencia do sr. Henrique de Macedo, ou -com os chouriços do sr. José Luciano?</p> - -<p>Que necessidade temos nós de fazer perder a -gravidade aos Ministros, pondo-os aos saltinhos de -contentes, quando o sr. Zagallo, com os seus Mentores<span class="pagenum"><a name="Pag_164" id="Pag_164">[164]</a></span> -e correligionarios lhes officiam, annunciando -que... deliberaram apoiar a marcha do Governo—ou -que diabo lucramos com a mudança de ceroilas, -a que os obrigamos, enviando uma representação dos -tres mil negociantes da terra<a name="FNanchor_34" id="FNanchor_34"></a><a href="#Footnote_34" class="fnanchor">[34]</a> contra a Companhia -vinicola, communicando, pelo telegrapho, que -estão fechadas as quitandas de Valença e que vate -Aurelio Victor Hugo fala ás massas, em imponente -e assaz concorrida reunião politica?</p> - -<p>Senhores! Por Deus, simplifiquemos tudo isto; todas -estas inuteis formalidades, que são proprias para -terras civilizadas. Fazem perder tempo, e tempo é -dinheiro, como diz o bretão.</p> - -<p>Qual é, em ultima analyse, o regimen em que vivemos? -O feudal.</p> - -<p>Adaptemo-nos, pois, ao que elle nos estabelece e -concede. Ahi vae um alvitre:</p> - -<p>Sabem Vossas Excellencias o que eram as antigas -<i>behetrias</i> da epocha medieva: povoações que tinham -o direito de escolher o senhor, que viviam independentes -e de portas cerradas, até, aos senhores estranhos. -Aqui estava um modelo, mas lá vae outro, talvez -preferivel.</p> - -<p>Na vertente meridional dos Pyrineus ha uma -amostra de estados autonomos—a republica de Andorra.</p> - -<p>Tem approximadamente, sem escandalosa differença,<span class="pagenum"><a name="Pag_165" id="Pag_165">[165]</a></span> -a população d’este Concelho. Tem legislação -civil, militar e religiosa. Tem Governo civil e militar; -Alfandega, Repartições de Fazenda; Camara; -Junta de Parochia; o seu Cordão sanitario de quando -em quando; lazareto com respectivas rações; reforma -de matrizes; irmandades e confrarias; isto é, -nicho para todos os pretendentes.</p> - -<p>Ora aqui está o que nos serve. É uma organização -baratinha e fica em casa.</p> - -<p>Proclamemos hoje mesmo a nossa independencia! -Behetriemo-nos! Andorriemo-nos! Entregue-se o poder -a um só homem, que se denomine Rei, Imperador, -Presidente, Syndico, Regulo, Papa, Bispo, Soba -ou Cabinda!</p> - -<p>Precisamos, verdade é, d’uma auctoridade, para -regular as nossas questões e moderar as nossas exigencias.</p> - -<p>É necessario que, quando alguem se lembrar de -dizer, que as aguas da fonte de S. Sebastião pertencem -á Camara, haja quem garanta as reclamações -justissimas com que o sr. Joaquim prova á evidencia -que são suas, muito suas, embora não se recorde -da gaveta onde conserva as provas, o que póde -succeder a toda a gente; quando a vizinhança do sr. -C. Dias, incluindo a Excellentissima Camara, continue -a esticar a guita dos limites das suas propriedades, -avançando sobre a que aquelle bom e innocente -amigo possue no Caes, haja quem faça respeitar os -seus direitos e impedir, que nas terras da Saibreira<span class="pagenum"><a name="Pag_166" id="Pag_166">[166]</a></span> -se não possa continuar a observar o extraordinario -effeito da dilatabilidade da Materia sob a acção dos -raios solares, phenomeno alli tão evidente e precioso -para o estudo das revoluções geologicas do globo; -quando o sr. Agostinho se lembrar de mandar vir -do extrangeiro casas feitas para os seus terrenos, -haja quem lhe apresente esse doirado codigo, que é -o palladio das nossas liberdades civis—o regulamento -do Senhor Conde de Lippe dado ás gentes em -1700 e tantos.</p> - -<p>É preciso, emfim, um braço e uma cabeça.</p> - -<p>E quem devemos escolher?</p> - -<p>Quando me lembro que estou n’uma terra que -não quiz o legado do Conde de Ferreira; n’uma -terra em que, se a gente tiver um nariz, como os -dos srs. Cunha ou Ladislau, e se collocar em noite -de eclypse, sobre o telhado da sua casa, para espreitar -a lua, ou escutar a harmonia das espheras, vem -logo o estalão do Conde de Lippe verificar, se dos -cabellinhos da venta á soleira da porta existe, realmente, -maior distancia de que 4 metros, 5 decimetros -e 6 millimetros e meio do regulamento;—eu, -meus senhores, para o poder supremo da nova organização -politica que proponho, só me lembro de -dois homens, que tenho a honra de apresentar á -vossa apreciação e para os quaes, desde já, peço o -vosso suffragio, porque estou plenamente convencido -de que hão-de satisfazer ás exigencias e aos deveres -da actividade, firmeza de convicções e orientação<span class="pagenum"><a name="Pag_167" id="Pag_167">[167]</a></span> -politica, que a vossa orientação politica, a vossa -firmeza de convicções e a vossa actividade lhes -impoem.</p> - -<p>Eil-os:</p> - -<p class="center">O Fileiras,<br /> -ou o<br /> -Cachimbo dos melros.</p> - -<p class="smaller hanging">Em 20 de outubro de 1889.<br /> -Dia da eleição de deputados.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_168" id="Pag_168">[168]</a></span></p> - -<hr class="chap" /> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_169" id="Pag_169">[169]</a></span></p> - -<h2 id="X">X<br /> -<span class="smaller">Violetas</span></h2> - -<p>As imagens até aqui reflectidas no foco da minha -lente ficam delevelmente estereotypadas n’essas -paginas, porque é indeciso o traço, debil o colorido, -irregular o contorno e imperfeitissimo o relevo.</p> - -<p>Falta ahi a luz indispensavel á nitida percepção -de todas as minucias das individualidades sociaes, -que a minha critica envolve, porque não é dado a -espiritos vulgares o emittil-a.</p> - -<p>Encontro na expressão escripta as difficuldades -caracteristicas d’essa lesão cerebral, que os physiologistas -incluem na classe das <i>aphasias motoras</i>, sob -o nome de <i>agraphia</i>; e, se até aqui deplorei as -consequencias d’essa lesão, que se oppõe á reproducção -fiel das minhas impressões sobre a sociedade<span class="pagenum"><a name="Pag_170" id="Pag_170">[170]</a></span> -em que vivo, sincero é o meu pesar, reconhecendo-me -incapaz de avivar a imagem d’um vulto, que já -desappareceu sob a loisa dos tumulos, mas que deixou -luminoso rasto de bondade e de honradez nas -sombrias atmospheras onde, implacavel e feroz, se -trava a eterna lucta pela existencia.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Schopenhauer filia-se n’essa eschola philosophica, -que poderemos denominar <i>pessimista</i>, em que sarcasticamente -se dissecam as fibras do coração humano, -negando-se-lhe sentimentos affectivos e a possibilidade -de alimentar aspirações puras e nobres.</p> - -<p>Na fria analyse, que o philosopho allemão nos -apresenta do homem na sociedade e na familia, resaltam -os exaggeros d’um espirito sombrio, em que -poderosamente influiram a acção morbida de temperamento -e a acção do <i>meio</i>: mas ha tambem nas -suas paginas grandes verdades que nós, dissipada a -má impressão originada na rudeza da phrase, intimamente -não podemos refutar.</p> - -<p class="tb">«<i>O nosso mundo civilizado não passa de uma -grande mascarada. Encontram-se n’elle cavalleiros, -frades, soldados, doutores, advogados, padres, philosophos, -que mais sei eu? Mas não são o que representam -ser; são simples mascaras, debaixo das quaes se<span class="pagenum"><a name="Pag_171" id="Pag_171">[171]</a></span> -occultam, a maior parte das vezes, especuladores de -dinheiro.</i></p> - -<p><i>Um toma, assim, a mascara da justiça para -melhor ferir o seu semelhante; outro, com o mesmo -fim, escolheu a mascara do bem publico e do patriotismo; -um terceiro a da religião, da fé immaculada.</i></p> - -<p><i>Para toda a especie de fins secretos, mais de um -se occultou sob a mascara da philosophia, como tambem -sob a da philanthropia. Ha tambem mascaras vulgares, -sem caracter especial, como os dominós nos bailes, -e que se encontram por toda a parte; estes representam -a rigida honestidade; a polidez; a sympathia -sincera e a amizade fingida.</i>»</p> - -<p>..............................</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Ora, observando a nossa actual sociedade, n’esta -epocha de egoismo, de ambições, de illegalidades, -com que por ahi se conspurcam e desprestigiam as -mais nobres instituições,—n’esta epocha de Wilsons, -de Hersents, de bonds e de processos <i>da fava</i>—poderemos, -com intima convicção, acoimar de exaggeradas -essas linhas do pensador allemão?</p> - -<p>A consideração social chatina-se vilmente nas -Bolsas, onde se expõe á venda com as inscripções -de tres por cento. Os titulos do governo teem, como -<i>bonus</i>, uma certa maquia de respeito publico; por<span class="pagenum"><a name="Pag_172" id="Pag_172">[172]</a></span> -consequencia, o valor d’este está na razão directa da -quantidade total, que cada um possue dos outros.</p> - -<p>Quem tiver duzentos contos, póde ser um larapio -e um canalha; mas, com certeza, é um homem de -consideração.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Antonio da Silva, aquelle carpinteirito da Esplanada, -ganhava dezoito vintens por dia; sustentava -mulher e tres filhos.</p> - -<p>Adoeceu: contrahiu dividas no mercieiro, na botica -e na padaria; deixou de pagar ao senhorio; pôz -no <i>prego</i>, a pataco por corôa ao mez, o relogio de -prata, os brincos da mulher, os cobertores do inverno -e a ferramenta.</p> - -<p>Esteve dois mezes de cama.</p> - -<p>Voltou fraco e abatido para o trabalho. Tentou -desempenhar-se. Fazia serões. Não poude pagar -uma divida.</p> - -<p>Os credores perseguiam-no.</p> - -<p>As mulheres e os filhos não tinham roupa; tiritavam -e... choravam.</p> - -<p>Um crédor requereu a penhora; levaram-lhe a -cama.</p> - -<p>Na alma d’aquelle homem havia um inferno porque -era honrado—o pateta!—e era doido pela familia.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_173" id="Pag_173">[173]</a></span></p> - -<p>Um dia, collou a massa encephalica nas paredes -da latrina com a balla do rewolver.</p> - -<p>—Um criminoso—disse o abbade.</p> - -<p>—Um caloteiro—disseram os do pataco por mez.</p> - -<p>—Um pobre diabo—responsaram as almas piedosas.</p> - -<p>—Um pateta de menos—resmungou a sociedade.</p> - -<p>A Santa Madre Egreja, toda Caridade e Amôr, -recusou-lhe o latim da padralhada—esse latim tão -sonoro, tão vibrante, tão repenicado, quando responsa -o negreiro e o ladrão de gravata, que deixaram -quarenta moedas, para missas de pinto a duzia.</p> - -<p>Foi enterrado no fosso, ao lado d’uma pileca do -Guilherme; como responso, teve uma enfiada de pragas -dos coveiros, porque estava realmente muito frio -e ainda não tinham <i>matado o bicho</i>.</p> - -<p>—<i>Oh estupor—disse o Coruja—podias arrebentar -a pinha no verão. Não tinhas agora tanto frio!</i></p> - -<p>..............................</p> - -<p>Á mesma hora, Henrique de tal, Conde de Burnay, -mandava <i>photographar</i> os bonds do sr. Hersent -e mais de trezentas carruagens com fidalgos, bispos, -padres, conegos e escorropicha-galhetas varios, acompanharam -até aos Prazeres o cadaver d’um beneficiado -na <i>falcatrua hersentica</i>, portuguez abrazileirado, -que mantinha relações illicitas com a irmã—o que -era publico e notorio na freguezia, alli para os lados -de Penafiel—e que, n’uma terrifica visualidade do<span class="pagenum"><a name="Pag_174" id="Pag_174">[174]</a></span> -inferno, apartára trezentos mil reis, adquiridos n’esse -infamissimo trafico de carne humana, para missas -cantadas e por cantar.</p> - -<p>Viremos folha...</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>—Mas, Senhor Zinão,—diz Vossa Excellencia—isso -é velho, é sediço, é estafado e massador...</p> - -<p>—Esta jeremiada veia a lume, meu Senhor, porque -no meio da <i>reles pataqueirice</i> da nossa actual -sociedade onde pullulam os Iagos, os Tartufos, os -Pausanias, os Wilsons, os Tamandarés—toda essa -corja de falsarios, de perjuros e de traidores, que -Dante implacavelmente esfarrapa e esphacela com -as torturas do nono circulo—a gente póde soltar -uma exclamação de surpreza tão ruidosa e tão violenta, -como aquella trombetada de Rolando na batalha -de Roncesvalles, quando encontra um homem, -caminhando sempre, sem tergiversar, no caminho da -Honra e da Dignidade.</p> - -<p>Consagro estas linhas á memoria d’um valenciano, -que não deixou fortuna nem filhos governadores civis, -ou deputados, que possam premiar esta homenagem -com um naco do orçamento, como é da praxe -pedir e conceder.</p> - -<p>Não me conhece a familia que elle deixou; e não -é, portanto, o vil interesse, ou a lisonja porca, ou a<span class="pagenum"><a name="Pag_175" id="Pag_175">[175]</a></span> -torpissima adulação, que actuam na minha penna, -obrigando-a a vergar-se, a perder a inflexibilidade -com que, até aqui, tem fustigado muita importancia -ridicula e chata.</p> - -<p>Ninguem, no concelho de Valença, até hoje adquiriu -maior estima e maior consideração do que esse -homem.</p> - -<p>Ninguem, como elle, poderia, mais proveitosamente, -especular com o affectuoso prestigio, que o -seu nome alcançou por essas freguezias.</p> - -<p>Era, porém, nobilissimo o seu caracter para que -lhe permittisse manchar o nome n’esse bordel de -pantomineiros e de histriões que por ahi especulam -com a ignorancia do aldeão, fazendo do voto degrau -para chegarem á mesa do orçamento e poderem roer -as codeas babadas, que os Gargantuas politicos abandonam, -ou lamber os productos do vomito, que a orgia -e a indigestão provocam.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Esse homem morreu pobre; não é vergonha dizel-o; -mas levem o aldeão acolá, ao cemiterio, mostrem-lhe -todos esses mausoleus de marmore e de granito, -e perguntem-lhe qual é o nome que, ainda hoje, -mais affectuosamente vibra na sua alma rude, mas -sincera.</p> - -<p>Dizem que as mulheres de Sparta, fazendo ajoelhar<span class="pagenum"><a name="Pag_176" id="Pag_176">[176]</a></span> -os filhos sobre o tumulo dos grandes heroes, alli -lhes referiam os feitos gloriosos que insculpiram os -seus nomes no livro d’oiro da Patria.</p> - -<p>Era assim que ellas preparavam a vigorosa musculatura -dos futuros cidadãos da grande republica.</p> - -<p>Como ellas, <i>valencianos dignos</i>, quando a razão -dos vossos filhos estiver preparada para receber os -germens, que mais tarde devem fructificar na Honradez, -apontae-lhes para essa pagina que, por escrupuloso -respeito e por enthusiastica veneração, separo -das outras, onde escouceiam ridiculos.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Zinão descobre-se, perante o nome que alli vêdes.</p> - -<hr class="chap" /> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_177" id="Pag_177">[177]</a></span></p> - -<h2 id="XI">XI<br /> -<span class="smaller">Os Quadros da Collegiada</span></h2> - -<p>A Arte nasceu d’esta nobilissima aspiração do -espirito humano para, na investigação do Bello, dar -á Materia a fórma das suas idêas e das suas crenças.</p> - -<p>O desenvolvimento intellectual de um povo e a -sua influencia na obra da Civilização, podem estudar-se -nos diversos productos, em que se reproduziu o -genio dos seus artistas.</p> - -<p>Aos <i>dolmens</i> e <i>menhires</i>, aos toscos instrumentos -das edades paleonlithica e neolithica succedem essas -colossaes construcções das margens do Nilo, as pyramides, -os templos, as esphinges; os bronzes, as -loiças e esmaltes, já de notavel perfeição, dos antigos -egypcios.</p> - -<p>Surge, depois, o povo helleno com a sua admiravel<span class="pagenum"><a name="Pag_178" id="Pag_178">[178]</a></span> -architectura; com as formosissimas e inimitaveis -estatuas de Phidias e de Lysippo; com a Venus de -Milo e o Apollo de Belveder; com as formosas telas -de Zeuxis e de Parrhasio; com todas as maravilhas, -emfim, d’essa assombrosa civilização tão alta e tão -brilhante, que ainda depois de passados vinte seculos, -quando no horisonte despontavam os primeiros -clarões da ridentissima alvorada—a Renascença—era -ainda d’ella que, para geniaes concepções, recebiam -inspiração e luz esses divinos artistas, que se -chamaram Vinci, Raphael, Ticiano, Carrachio e Miguel -Angelo.</p> - -<p>Com a Renascença accelerou-se a marcha evolutiva -da Civilização; e o espirito do homem, depois -de enriquecer as sciencias com preciosas descobertas, -de desenvolver as industrias com novas e utilissimas -applicações, crystallisa-se em fulgidas creações -onde, com toda a nitidez de contornos, com toda -a opulência de colorido, com toda a fidelidade de -cambiantes e com todos os esbatidos do iris se reproduzem -as mais extraordinarias maravilhas da formosissima -Mãe—a Natureza.</p> - -<p>A Historia da Arte é a Historia da Civilização; -é a Historia do Homem no seu <i>meio</i>, nas suas crenças, -nas manifestações da sua intelligencia, nas aspirações -da sua alma, na grandeza dos seus affectos.</p> - -<p>Estudando o Homem, estuda-se a Nação e a influencia -que ella exerceu nas outras sociedades constituidas.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_179" id="Pag_179">[179]</a></span></p> - -<p>São, pois, d’uma benemerencia incontestavel os -esforços e os auxilios com que n’um paiz se tenta -colleccionar, agrupar, reunir todos os elementos que -possam reconstruir a sua historia artistica; e como -essa empreza, de larga magnitude e importancia, só -é cabalmente desempenhada pelo Estado, dever é do -cidadão illustrado cooperar, quanto possivel, no desenvolvimento -das instituições que possam mostrar aos -extranhos o que o genio nacional produziu e creou.</p> - -<p>Com uma vergonhosa teimosia e deploravel inconsciencia, -a esse dever se nega a actual Junta de -Parochia de Valença, recusando-se a entregar ao -delegado do Governo os quadros e a cadeira, que -pertenceram á extincta collegiada de S. Estevão.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p class="center">Senhores da Junta,</p> - -<p class="noindent">ou antes</p> - -<p class="right">Senhores Agostinho e Sampaio:<a name="FNanchor_35" id="FNanchor_35"></a><a href="#Footnote_35" class="fnanchor">[35]</a></p> - -<p class="noindent">conversemos.</p> - -<p>Vossas Senhorias, n’essa manifestação volitiva, -(saberão Vossas Senhorias que <i>volitiva</i> significa: -emanada da vontade) n’essa tenaz opposição as ordens -do Governo, devem estribar-se n’uma razão,<span class="pagenum"><a name="Pag_180" id="Pag_180">[180]</a></span> -n’um argumento, n’uma conclusão qualquer. Mas eu—com -franqueza—como conheço perfeitamente, por -dentro e por fóra, (deixem-me assim dizer) o que -Vossas Senhorias valem em materia de zelo pelas -instituições, que estão dependentes das suas luminosas -e peregrinas deliberações,—eu, que me recordo -muito bem que Vossas Senhorias, que hoje energicamente -bradam aos céos contra a reclamação do Governo, -são exactissimamente os mesmos que, ha quatro -ou cinco annos, deixavam estragar esses mesmos -quadros e essa mesma cadeira, consentindo que um -<i>Terrinha</i> as borrasse com verniz de portão, depois -de borrar, tambem, os peitos da Virgem do leite,—eu -que me recordo ainda, que foram tambem Vossas -Senhorias os <i>engenheiros</i> n’aquella boçal mutilação -da fachada de Santa Maria, parvoamente <i>restaurada</i> -ha annos,—eu, emfim, que (sem offensa) avalio -a capacidade intellectual dos seus, aliás preciosos -cerebros, como insufficiente para conter umas tristes -cellulasitas, onde se aniche um errante atomo de intuição -artística; porque, afinal de contas, estas coisas -de Arte não são precisamente o mesmo que coisas -de bombas, ou de receitas eventuaes e decimas -de juros,—eu, repito, não posso explicar satisfactoriamente -ao meu espirito a causa do proceder de -Vossas Senhorias.</p> - -<p>Por zelo nos interesses da Junta não é—com -toda a certeza—que Vossas Senhorias se revoltam -contra o Governo. Isso é coisa averiguada, conhecida,<span class="pagenum"><a name="Pag_181" id="Pag_181">[181]</a></span> -evidente, que não admitte réplicas e a que não -convém, mesmo, contestações.</p> - -<p>Recearão Vossas Senhorias que esses objectos, -passando para as mãos do Estado, se <i>extraviem</i>, ou -<i>percam</i>?</p> - -<p>Repillo, como absurda, a hypothese, porque só -com tristissimo desalento veria dois funccionarios -publicos suspeitarem de <i>larapio</i> o Governo que lhes -paga.</p> - -<p>O que é, pois, que actua nos seus cerebros?</p> - -<p>Não o sabem, mas sei-o eu.</p> - -<p>O que obriga Vossas Senhorias a esse tristissimo -papel é isto:—o rheumatismo, o barretinho de seda -preto, o cano das botas, os suspensorios, o alçapão -das calças, a caixa do rapé, o pingo, a caspa; é essa -maldicta enfermidade epidemica, peor do que a actual -<i>influenza</i>, porque não ha profilaticos que a debellem, -e que se origina nas exhalações mephiticas e deleterias -dos fossos e das muralhas que teem musgo, ratos, -corujas, toupeiras, morcegos e silvados coevos -do mammuth; é essa coisa que sendo incorporea, invisivel, -imponderavel, tem a rigidez bastante para -encravar a roda do Progresso; que sendo inerte e -fria, tem a temperatura sufficiente para caldear os -embolos da Civilização; é—finalmente—a rotina!</p> - -<p>Vossas Senhorias, com essa teimosia, recordam-me -(salvo o devido respeito) aquella conhecida anedocta -do gallego:</p> - -<p>Alonso Perez y Perez ouvira dizer na sua terra<span class="pagenum"><a name="Pag_182" id="Pag_182">[182]</a></span> -que em Portugal se ganhava muito dinheiro, mas -que era necessario pedir, exigir e reclamar sempre -mais do que se recebesse por qualquer serviço.</p> - -<p>Perez y Perez entregou a mulher ao diabo, digo, -ao Abbade e atravessou a fronteira, dilatando os póros -de todo o corpanzil para, como ventosas de tentaculos -cephalopodes, absorverem quantas <i>pesetas</i> e -<i>perras chicas</i> fosse possivel.</p> - -<p>Caminhando por essas estradas fóra, ao terceiro -dia, veiu o cansaço; vergava-se-lhe o corpo, dobravam-se-lhe -os joelhos, incharam-lhe os pés, pesava-lhe -a cabeça: prostrado e doente, abeirou-se da valeta -e cahiu succumbido, recordando com saudade as -veigas da sua terra, a familia, a vacca e os bezerros, -a missa do domingo, o recorte das montanhas, as -columnas de fumo que, ao toque das Trindades, se -evolavam no esbatido azul dos céos, o balido das -ovelhas, o piar das avesinhas, todas essas coisas—emfim—saturadas -d’um sentimentalismo feroz e piegas, -que tão violentamente agitavam a alma do Justininho, -quando elle concebia aquelles preciosos folhetins -do <i>Noticioso</i>.</p> - -<p>N’isto, passa na estrada um almocreve com a sua -enfiada de machos e, vendo o gallego n’aquelle misero -estado, convida-o carinhosamente a escarranchar-se -n’um dos animaes.</p> - -<p>—<i>E quanto xe me dá?</i></p> - -<p class="mt3 right">—pergunta o bruto.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_183" id="Pag_183">[183]</a></span></p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Vossas Senhorias, n’esta estrada do Progresso, -são (salvo o devido respeito) uns verdadeiros Alonsos.</p> - -<p>Como portuguezes, que põem luminarias á janella -no 1.º de dezembro e no anniversario da Carta, devem -amar a sua patria; como funccionarios publicos -devem interessar-se no engrandecimento d’ella; como -homens do seculo <span class="smcapuc">XIX</span>, que usufruem todas as vantagens -e liberdades que tanto sangue custaram, n’essa -sangrenta lucta do despotismo e das trevas contra a -luz, devem contribuir para que aos seus filhos seja -entregue intacto, pelo menos, o inestimavel patrimonio -da Civilização, que herdaram dos seus Papás.</p> - -<p>Ora, uns homens que por esse mundo de Christo, -consagram toda a sua existencia no estudo dos meios, -que podem elevar e engrandecer os povos, reconheceram -a enorme utilidade das collecções artisticas, -das bibliothecas, dos museus, de todas as instituições, -onde se enthesoiram os productos do espirito -humano na sua marcha evolutiva atravez dos seculos.</p> - -<p>Esses homens dizem a Vossas Senhorias:</p> - -<p>Pretendemos reconstruir a historia da Arte portugueza, -reunindo e dispondo convenientemente, chronologicamente -e por distincção de escholas, n’uma<span class="pagenum"><a name="Pag_184" id="Pag_184">[184]</a></span> -boa sala com ar e com luz, essas telas, que Vossas -Senhorias por ahi inconscientemente dependuram em -paredes humidas, e imbecilmente inutilizam, mandando, -de quando em quando, envernizar, a brocha, -pelos <i>Terrinhas</i>.</p> - -<p>O Estado toma conta d’isso que lhe pertence; e, -quando Vossas Senhorias tiverem uns amigos hespanhoes, -francezes, inglezes, turcos ou moiros, que lhes -perguntem, fazendo obra pelos mais aperfeiçoados -diccionarios geographicos extrangeiros, se Portugal -é provincia hespanhola, ou ingleza—podem leval-os -ao Museu nacional, onde lhes provarão que somos -livres, que temos Historia mais brilhante que a d’elles, -que temos Arte, que temos Civilização, que temos -alma nacional que já se expandiu pelo mundo -inteiro com o genio dos grandes heroes e dos grandes -artistas.</p> - -<p>Dirão mais a Vossas Senhorias:</p> - -<p>Se tiverem filhos que necessitem de estudar a -Pintura, ou as Artes decorativas, ahi ficam á disposição -d’elles todos esses productos que permaneciam -dispersos, ignorados e inuteis pelas egrejas sertanejas. -Ahi encontrarão, tambem, para o estudo comparativo, -exemplares da eschola hespanhola, com as -telas de Velasquez, de Murillo e de Ribera; ahi está -a eschola flamenga com Rubens; a hollandeza com -Rembrandt; a italiana com Raphael, Ticiano, Tintoreto, -Miguel Angelo; podem entrar, ver, estudar minuciosamente, -copiar—nada pagam.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_185" id="Pag_185">[185]</a></span></p> - -<p>E, apesar de todas estas incalculaveis vantagens, -exclamam Vossas Senhorias:</p> - -<p class="mt3 center">—<i>e quanto xe nos dão?</i></p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Vossas Senhorias teem ido, por vezes, a Lisboa.</p> - -<p>Lembro-me, até, que muito antes que Succi fosse -conhecido com os seus jejuns, já a gente por cá admirava -as especialissimas propriedades da membrana -mucosa do estomago do sr. Sampaio, que não segrega -sómente succo gastrico, mas, tambem, succos nutritivos, -como se evidenciou n’aquella viagem, em que -Sua Senhoria, tendo sahido da Balagota com o cabazinho -repleto de pastelinhos de bacalhau e de girimu, -pitos assados, rabanadas e cornuchos, com elle -intacto, depois d’uma ausencia de oito dias, na Balagota -entrou.</p> - -<p>Vossas Senhorias teem ido, por vezes, repito, a -Lisboa. Conhecem tudo o que existe na capital.</p> - -<p>Extasiaram-se perante a pujança granular do regio -corcel no Terreiro do Paço; viram subir o balão -que indica o meio-dia; ouviram o carrilhão de Mafra; -estiveram no curro de S. Bento; admiraram o -leão da Estrella e os macaquinhos do Jardim Zoologico; -visitaram a esquadra ingleza no Tejo; sopesaram -a <i>Paulo Cordeiro</i>; saudaram o Senhor Rei e a<span class="pagenum"><a name="Pag_186" id="Pag_186">[186]</a></span> -Senhora Rainha; viram as mulas do paço e o bicho -municipal; conheceram o Rosa Araujo e o marquez -de Vallada; foram a todos os theatros; mas o que—com -certeza—não viram foi o Museu Nacional, e -isso porque... não tiveram tempo.</p> - -<p>Teem ido a Lisboa, por vezes; assistiram aos -festejos das bodas e dos baptisados reaes, aos da -chegada dos reis de tal e tal; foram, até, engrossar -a pasmaceira indigena na recepção do Principe de -Galles, d’esse exemplar com encadernação de luxo -de John Bull—o eterno larapio das nossas colonias, -o traiçoeiro Johnston dos makololos, o perfido Wellington -de 1828, o astucioso Canning, o desleal alliado -da nossa Politica, o insolente comedor dos nossos -dinheiros, a quem todo o bom portuguez devia, respeitando -as conveniencias da hospitalidade, voltar, -com despreso, as costas; mas quando n’aquella capital -se realisou a Exposição de Arte ornamental, que -foi como o livro aberto onde se descreveu a riquissima -epopea das nossas glorias artisticas, então... ficaram -na Balagota e na rua Direita porque... não -valia a pena!</p> - -<p>..............................</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Aqui tem Vossa Excellencia, sr. Macedo, os homens -que se negam a entregar-lhe os quadros e a -cadeira de S. Estevão.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_187" id="Pag_187">[187]</a></span></p> - -<p>Segreda-se por ahi que muita coisa, reclamada -pelo Governo, desapparece antes de entrar no Museu -Nacional. Pena é que o Governo não denuncie os -roubos, que tem encontrado quando procede ao arrolamento -dos bens pertencentes ás collegiadas e congregações -religiosas extinctas.</p> - -<p>A teimosia da Junta é mais um caso porco, para -engranzar no rosario das vergonhas de Valença, -onde já brilham a recusa da Eschola Conde Ferreira, -a eleição do sr. Serpa... do Batalhão, a Prisão da -Santa, a Questão da Musica e essas curiosissimas -eleições...</p> - -<p>Mas Vossa Excellencia, sr. Macedo, resolve facilmente -todas as duvidas; como ellas, em ultima analyse -querem dizer:</p> - -<p class="center"><i>Quanto xe nos dão?</i></p> - -<p>Digne-se Vossa Excellencia mandar ao sr. Agostinho -meia duzia de trutas leopoldicas, de S. Mamede, -e obtenha Vossa Excellencia do Governo de Sua -Magestade, que ao sr. Sampaio seja concedido o diploma -do unico cargo rendoso, que lhe falta: o de</p> - -<p class="mt3 right">sineiro de S. Estevão.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_188" id="Pag_188">[188]</a></span></p> - -<hr class="chap" /> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_189" id="Pag_189">[189]</a></span></p> - -<h2 id="XII">XII<br /> -<span class="smaller">O Senhor Deputado</span></h2> - -<p>Mais uma vez manifestou o Circulo eleitoral n.º 3 -a sua opinião politica e, pela acção liberrima e independente -do suffragio popular, tem hoje uma cadeira -em S. Bento, o sr. dr. Queiroz Ribeiro.</p> - -<p>Nos campos do partido opposicionista lavra o -descontentamento com a decisão dos eleitores; nos -arraiaes, em que tremula a bandeira progressista, -erguem-se os clamores da victoria e entoam-se hosannas -ao novo representante do povo.</p> - -<p>Os regeneradores negam a competencia de Sua -Excellencia para tão elevado cargo, fundamentando -a insufficiencia na pouca edade e escassa madureza -para os negocios publicos; alguns, até, os do respeitabilissimo -grupo da rua de S. João, exprimem e<span class="pagenum"><a name="Pag_190" id="Pag_190">[190]</a></span> -synthetisam todo o valor e força dos seus argumentos -em tres palavras:—até faz versos!</p> - -<p>Os progressistas exaltam a aptidão intellectual -do seu correligionario; affirmam que é um rapaz que -deve <i>dar alguma coisa</i>; servem-se do proprio argumento -dos adversarios—os versos—, impondo-o á -consideração dos eleitores; citam os seus conhecimentos -sobre Direito penal, o seu enthusiasmo pela -<i>nova</i> eschola italiana, etc., etc., e rematam por asseverar -que a escolha foi felicissima.</p> - -<p>Ora eu, meus senhores, sou tambem eleitor e recenseado -na freguezia de S. Maria dos Anjos; não -estou filiado em partido militante da actual politica, -porque sou, como os srs. José Narciso e Santa Clara: -legitimista, genuinamente legitimista, por convicção -e por tradição. Acceitar, n’estas condições, a faculdade -do voto equivaleria a approvar e reconhecer, -tacitamente, a legalidade dos poderes que nos regem -e, procedendo assim, faltaria ás minhas convicções e -ao respeito que tenho e devo ao meu Rei, a Sua Magestade -Fidelissima o Senhor Dom Miguel de Bragança, -que Deus guarde.</p> - -<p>Estou, portanto, n’um campo perfeitamente neutral -e insuspeito, ao abrigo do tumultuar das paixões -partidarias, n’uma região serena de paz e livre -reflexão e posso, n’estas circumstancias, dar a minha -opinião sobre a escolha dos eleitores, depois da rigorosa -apreciação que fiz dos argumentos apresentados -pelos dois partidos.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_191" id="Pag_191">[191]</a></span></p> - -<p>Vou ter a honra de a apresentar a Vossas Excellencias.</p> - -<p>Na futura Camara electiva devem reunir-se cento -e tantos deputados. N’esse numero entram estrellas -de primeira grandeza na constellação brilhantissima -da nossa politica. Ha talentos de raça; espiritos previlegiados, -que honram e ennobrecem o paiz; ha oradores -fluentissimos como os srs. Oliveira Mattos e -Visconde da Torre; ha polemistas de irresistivel logica -de argumentação, como os srs. Ferreira d’Almeida; -ha celebridades em todos os ramos das sciencias -e da publica administração.</p> - -<p>Pois, meus senhores, com verdade lhes digo, que -é a seguinte a minha convicção:—entre todos esses -homens, entre todas as individualidades aptas no -nosso paiz para as funcções da representação popular, -ninguem—absolutamente ninguem—nos poderia -satisfazer tanto, comprehender as nossas ideias, adaptar-se -melhor á nossa politica, interpretando-a e -assimilando-a nas suas aspirações—como Sua Excellencia -o sr. Dr. Queiroz Ribeiro.</p> - -<p>—Ora essa! (ouço eu bradar aos meus amigos, -os srs. Joaquim e Abilio, os mais fogosos caudilhos -da politica regeneradora), fará o favor de provar.</p> - -<p>A isso vou, meus senhores, e com argumentos -leaes, solidos, porque os sustento com a irrefutavel -demonstração, que vou estabelecer dentro do -campo positivo das sciencias abstractas: a logica e a -mathematica.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_192" id="Pag_192">[192]</a></span></p> - -<p>Vejamos, meus senhores, o que é a Politica em -Valença? O que foi, o que é, d’onde vem e para onde -vae? Como se poderá e deverá classificar n’uma terra -em que, se a gente vae á estação do caminho de ferro -assistir á recepção do sr. Marianno de Carvalho, ou -do sr. Barjona, ou do sr. Lopo Vaz, ou do sr. José -Dias Ferreira, ou do sr. Rodrigues de Freitas, ou do -sr. Consiglieri Pedroso, vê sempre na gare—além -dos <i>engajadores</i> dos hoteis e do sr. Capellão<a name="FNanchor_36" id="FNanchor_36"></a><a href="#Footnote_36" class="fnanchor">[36]</a>—as -mesmas caras, as mesmas casacas e as mesmas cartolas, -que, depois, vão acompanhar Suas Excellencias -até Cerveira, com ruidosas e enthusiasticas demonstrações -de adhesão e fidelidade partidarias?</p> - -<p>O que poderemos julgar da Politica d’um concelho -em que a padralhada, com o seu rebanho de carneiros -votantes, vae, submissa, para onde a toca a -aguilhada da Administração, sem consciencia, nem -orientação, nem ideal politico?</p> - -<p>N’uma terra, em que os mais importantes caudilhos -teem, na opinião, a variabilidade constante do -catavento de Santo Estevão e em que ha potestades -eleitoraes que, vistas de Coura, são regeneradoras, -vistas de Valença são progressistas e não são barjonaceas -e republicanas, porque ninguem as examinou -ainda de Gandra ou de S. Pedro da Torre?</p> - -<p>Estudemos os chefes, senhores, que devem representar -as tradições, a opinião, a respeitabilidade dos<span class="pagenum"><a name="Pag_193" id="Pag_193">[193]</a></span> -partidos. Temos d’um lado—o progressista—o Sr. -Dr. Ladislau; temos do outro—o regenerador—o -Sr. Dr. Pestana.<a name="FNanchor_37" id="FNanchor_37"></a><a href="#Footnote_37" class="fnanchor">[37]</a></p> - -<p>O Sr. Dr. Ladislau sahiu, approximadamente ha -seis annos, dos bancos da Universidade e filiou-se, -franca e desassombradamente, no partido do sr. José -Dias Ferreira; hoje obedece ao sr. José Luciano, isto -é, duas opiniões diversas, oppostas, heterogeneas, -como as que separaram e dividiram os guelfos dos -gibelinos, os armagnacs dos borguinhões, os jacobinos -dos girondinos, os da rosa branca dos da rosa -vermelha, os malhados dos realistas.</p> - -<p>Ora, consultando os trabalhos estatisticos dos -mais eminentes socialistas, sobre a longevidade da -vida humana, observamos que a media actual é de -sessenta annos. (Deus n’este caso a prolongue e livre -o Sr. Doutor de dyspepsias hermogenicas, que tão -prejudiciaes são á juventude...)</p> - -<p>Se quizermos, pois, avaliar rigorosamente a capacidade -opinativa de Sua Excellencia, nada mais -teremos do que estabelecer uma proporção, admittindo -a hypothese mais favoravel—que em egual espaço -de tempo não augmentará a volubilidade. Representando, -pois, por <i>a</i> os seis annos decorridos e os<span class="pagenum"><a name="Pag_194" id="Pag_194">[194]</a></span> -trinta que a Sua Excellencia faltam, por <i>op</i> as opiniões -conhecidas e por <i>x</i> as desconhecidas, teremos:</p> - -<p class="center smaller">6 a : 2 op :: 30 a : x.</p> - -<p>Operando, encontramos:</p> - -<p class="center smaller">x = 10 op.</p> - -<p>Reunindo as opiniões conhecidas, temos</p> - -<p class="center smaller">x = 12</p> - -<p class="noindent">quer dizer: teremos de pedir, por emprestimo, alguns -partidos á Hespanha, porque cá não os ha para -tanta opinião; e, aos sessenta annos, o Sr. Dr. Ladislau -attingirá um grau de <i>saturação</i> partidaria muito -superior á que hoje possue o Sr. Agostinho, que é a -coisa mais perfeita e acabada em Politica, que terras -de Valença teem produzido.</p> - -<p>Agora, o sr. dr. Pestana...</p> - -<p>Eu desejava fazer identica demonstração com referencia -a Sua Excellencia, e tenho, para isso, elementos -e factores ordenados; mas são d’uma tal complexidade -e obrigam a operações algebricas tão complicadas, -que me abstenho de aqui as reproduzir, -limitando-mo a dar conhecimento a Vossa Excellencia -do resultado obtido.</p> - -<p>Para o sr. dr. Ladislau tivemos: x = 10.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_195" id="Pag_195">[195]</a></span></p> - -<p>Com o Sr. Dr. Pestana chegamos a: x = ∞ -isto é, x = infinito. E como o infinito existe muito -para lá dos limites, a que a intelligencia humana -póde levar a analyse, está prejudicado o raciocinio.</p> - -<p>Temos, pois, n’estas condições, os dois chefes politicos -da nossa terra e ha vinte e cinco annos, em -que aqui resido, os sub-chefes, as potestades, os -abbades e as patrulhas seguem exactamente o mesmo -systema.</p> - -<p>Os que hontem eram regeneradores, são hoje -progressistas, serão ámanhã barjonaceos e no dia seguinte -socialistas. No mundo politico somos cosmopolitas, -e Valença é para o paiz, o que a casa do Sr. -Agostinho é para Valença—um perfeito <i>caravanserail</i>!</p> - -<p>Synthetisando, eu repito a pergunta, que deu logar -a estas considerações, com que desejo fundamentar -a minha demonstração:</p> - -<p>Como se deve classificar a nossa Politica?</p> - -<p>Politica voluvel, incolôr, de... contradança!</p> - -<p>Repito:</p> - -<p class="center">de <i>contradança</i>.</p> - -<p>Ora aqui está, justamente, o ponto de reunião -entre ella e a individualidade do nosso deputado. -Aqui está, onde uma e outra se coadunam, se consubstanciam, -se identificam.</p> - -<p>Em Politica somos dançarinos. Pois para representar -dançarinos e para comprehender as suas aspirações,<span class="pagenum"><a name="Pag_196" id="Pag_196">[196]</a></span> -como o Justino Soares, ou os srs. Roldão e -dr. João Cabral se não habilitam a um circulo, claro -é que se devia escolher um estranho, versado e perito -nos segredos da arte de Terpsichore. E, para -satisfazer cabalmente a estas condições (creio que os -srs. Joaquim e Abilio se não atreverão a refutar esta -minha proposição) ninguem—absolutamente ninguem—se -encontraria mais habilitado, do que o -nosso actual representante.</p> - -<p>Isto não é uma asserção gratuita. A vizinha villa -de Cerveira a confirmará, quando se torne necessario.</p> - -<p>Porque é que o sr. Visconde da Torre não <i>provou -bem</i>, como deputado? Porque nunca poderia representar -dignamente Valença, com o seu volumoso -abdomen, com a abundancia do seu tecido adiposo, -com o pouco desempeno dos seus movimentos, com a -pouca elegancia (perdoe Sua Excellencia) da sua <i>linha</i>. -Dançava pouco e mal. Era, mesmo, detestavel a -sua posição quando, pela complicadissima tactica das -danças, era obrigado a fazer um <i>en avant</i>. Não tinha -<i>ropia</i> nem <i>salero</i>, nem <i>entrain</i>.</p> - -<p>Mas o nosso actual representante...</p> - -<p>Que saudosas recordações não originarão estes -periodos ás tricanas e sopeiras de Villa Nova—a -chiquita!</p> - -<p>Que dulcissimas reminiscencias não entristecerão, -por momentos, aquelles formosissimos rostos da terra -das solhas!</p> - -<p>Que pranto amargo e copioso não verterá a estas<span class="pagenum"><a name="Pag_197" id="Pag_197">[197]</a></span> -horas o bom e fiel Maldonado, socio commandita nos -bailes do sopeirame!</p> - -<p>A Meca, a terna e legendaria Meca, com que acerbo -pungir, não enxugará das mimosas e assetinadas -faces as perolas crystallinas, como as do rocio matutino, -que a lembrança de Sua Excellencia, a cada -momento lhe faz brotar das glandulas lacrimaes!</p> - -<p>Redomoinhar vertiginoso das valsas; suave enleio -de pequeninas cinturas; exhalações dulcissimas; doces -fragrancias de solha e azeite, bacalhau e alho, -das formosas tricanas; noites de amor e de phantasia -em que vós, encantadoras filhas da—<i>Chiquita</i>—vos -deliciaveis com os <i>papos d’anjo</i> de Caminha e as <i>roscas</i> -da Galliza; noites inolvidaveis de luar, em que -os vossos castos seios se alvoroçavam com desconhecidas -sensações, quando Sua Excellencia, sob as janellas, -acompanhado ao violão pelo fiel Maldonado e -pela artistica cohorte dos Figaros, soltava ás brisas, -com voz maguada e terna, as melancholicas trovas do:</p> - -<div class="poetry-container"> -<div class="poetry"> -<div class="verse">Gondoleiro, a noite é bella!</div> -</div> -</div> - -<p>Recordações saudosas, miragens gratas e fugitivas... -adeus!</p> - -<p>Tudo se sumiu na voragem da urna eleitoral!</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_198" id="Pag_198">[198]</a></span></p> - -<div class="tb">*</div> - -<p class="right">Eleitores do concelho de Valença!</p> - -<p>Nos annaes da benemerita Sociedade Artistica, -<i>Harmonia e Recreio Cerveirense</i>, registra-se, como -um periodo aureo de engrandecimento e prosperidade, -a epocha em que o nosso Deputado honrou, -frequentando, os salões da Associação.</p> - -<p>A arte de Terpsichore obteve consideravel impulso -e desenvolvimento. Á voz auctorizada de Sua -Excellencia, transformaram-se os <i>Lanceiros</i>, floreou-se -a <i>Franceza</i> e surgiu, vaporosa e louçã, a moderna -valsa <i>a dous tempos</i>. Abandonaram-se marcas velhas -e rançosas, substituiudo-se por elegantes <i>couronnes -de dames</i> e graciosos <i>moulinets de chevaliers</i>.</p> - -<p>Foi, pois, profundamente civilizadora a influencia -que Sua Excellencia exerceu nas classes medianamente -abastadas:—sopeiras e tricanas—, porque -lhes incutiu os germens d’uma larga intuição artistica -e senso esthetico, já com as brilhantes manifestações -da arte de Terpsichore, já com mimosas producções -musicaes, com que Sua Excellencia as deliciava, -acompanhado pelo fiel Maldonado e—em occasiões -solemnes—pela brilhantissima cohorte dos Figaros -cerveirenses.</p> - -<p>Quem, pois, se atreverá a dizer, quem ousará<span class="pagenum"><a name="Pag_199" id="Pag_199">[199]</a></span> -ahi, dos arraiaes da opposição, affirmar que não foi -acertada e felicissima a escolha?</p> - -<p>Concluo a demonstração, srs. Lucas e Abilio. Pódem -Vossas Excellencias refutal-a?</p> - -<p>Eleitores do concelho de Valença! Damas e cavalheiros -do Club e da Assemblea! Ditas e ditos do -Gremio artistico; tricanagem, technicaphilas e paradas-velhas -dos bailes do Theatro, eu—Zinão—vos -felicito!</p> - -<p>E vós, vizionarios, descrentes, que por ahi apregoaes -a incompetencia do sr. Deputado, em breve,—eu -vol-o affirmo—se dissiparão as vossas duvidas -e os vossos applausos hão-de juntar-se, fervorosos e -delirantes ás acclamações enthusiasticas da grei progressista -quando, no proximo carnaval, assistirdes, -nos bailes do Theatro, á verdadeira consagração, á -apotheose do nosso Deputado, vendo-o, como <i>par -marcante</i>, offuscar a fama, até hoje immaculada, dos -srs. Trincheiras e Zé do Caes, gritando <i>ás multidões</i>, -radiante e enthusiasmado, em francez adoptado nos -nossos tricanés:</p> - -<p><i>An ivant! Chevaliers</i> dão as mãos e <i>les Dames ó -miliú</i>.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_200" id="Pag_200">[200]</a></span></p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Ah Esteves! Ah Caetano!</p> - -<p>Que futuro brilhante e glorioso não está reservado -para os vossos violões!</p> - -<p class="tb">Emquanto a nós:</p> - -<p class="right"><i>vá de redrò</i>, Senhor Doutor!</p> - -<hr class="chap" /> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_201" id="Pag_201">[201]</a></span></p> - -<h2 id="XIII">XIII<br /> -<span class="smaller">Carta ao Zé Senso</span></h2> - -<p class="center"><span class="smcap">Terras da Parvalheira</span></p> - -<p class="right"><b>Burgo de Paysandu.</b> Terça-feira,<br /> -17 de Dezembro de 1887.</p> - -<p>Meu Zé.</p> - -<p class="tb">Recebeu-se, hontem á noite, o 2.º fasciculo dos -<i>Sinapismos</i>.</p> - -<p>Não sei ainda como te conte o que se passou. -Ha onze horas que estou de cama, a caldos de gallinha -e copinhos de geleia.</p> - -<p>O Dr. Pacheco só me deixa chuchar uma azinha -de pito, de seis em seis horas, tal é o estado de fraqueza -e abatimento em que me deixaram as violentas -commoções, que hontem agitaram este pobre -corpo.</p> - -<p>Vou coordenar as ideas para te descrever o caso -mais extraordinario, que fastos de Valença podem -mencionar ás gerações vindoiras.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_202" id="Pag_202">[202]</a></span></p> - -<p>Tu sabes o que é o indigena sem illustração: -corpo amanhado com borras de nababo, betume de -Prudhomme, com leucocytos de Tartufo e cellulas -philosophicas de Sganarello; alma ingenua, pura, -immaculada, feita de arminho, gesso cré, grude de -sapateiro e saliva de Zé Povo; no todo, uma mescla -de tanso, de rufião e de sacripanta.</p> - -<p>Sabendo isto, certamente não te admirarás do -que vaes lêr.</p> - -<p>Quando hontem á noite, já em ceroilas, punha o -barretinho de dormir, ouvi na rua um enorme barulho: -tropel desusado, gritos, rodar de carretas, patadas -de mula, tiros, etc.</p> - -<p>Como estava em fralda, disse ao Zéca que fosse -á janella vêr o que era, e na minha mente surgiu a -idea de que teriamos uma invasão ingleza por causa -dos makololos.</p> - -<p>—<i>São os mokololos? perguntei ao menino.</i></p> - -<p>—<i>Não sei, Papá. São muitos homens que passam -correndo; uns com espadas, outros com chuços, outros -com chicotes, rewolvers, punhaes, facalhões e espetos, -gritando:</i></p> - -<p class="center"><i>mata! mata!</i></p> - -<p><i>Vão todos com o sim-senhor á mostra e levam nas -nadegas duas manchas vermelhas, como ficam nas pernas, -quando o Papá me deita sinapismos. Atraz d’elles -vem um diabo vestido de amarello, que traz na<span class="pagenum"><a name="Pag_203" id="Pag_203">[203]</a></span> -mão esquerda umas disciplinas de coiro, com que os -fustiga, e na direita um ferro em braza.</i></p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Calcei á pressa as piugas e approximei-me da -janella para presenciar tão inesperado acontecimento. -Com o ruido que fiz, abrindo-a, a multidão parou subitamente. -Todas as cabeças se ergueram, todos os -punhos se levantaram, fechados com crispações nervosas; -abriram-se mil boccas, onde rangiam sinistramente -os dentes; insultaram-me; chamaram-me -<i>porco</i> e <i>chulo</i>; berravam que me haviam de matar, -de <i>escuchinar</i>, de virar de dentro para fóra, de arrancar -as barbas, as orelhas e mais <i>isto</i> e mais -<i>aquillo</i>.</p> - -<p>Reparei que aquella medonha e terrivel multidão -se dividia em tres grupos distinctos.</p> - -<p>O primeiro era composto de maltrapilhos com -feitio afadistado, que uma collareja porca e abandalhada, -a quem ouvi chamar D. Politica, segurava -pelos cabrestos. Zurzia n’elles, com uma aguilhada -de ponta d’oiro, El-Rei buffo, D. Milhão.</p> - -<p>O segundo era formado por <i>patetinhas</i>, d’estes -infelizes, que nos hospitaes de alienados são conhecidos -por <i>doidos mansos</i>.</p> - -<p>Guinchavam, mostravam papelinhos, davam saltinhos, -faziam esgares burlescos, descobrindo os dentes<span class="pagenum"><a name="Pag_204" id="Pag_204">[204]</a></span> -sujos. Tinha conta n’elles, dando-lhes, de quando -em quando, um pontapé, outra mulher em desalinho -e que parecia soffrer de grande myopia. Conheci -D. Idiotice.</p> - -<p>No terceiro, então, misturaram-se fedelhos e cães; -d’estes <i>tótós</i> pequeninos de pello branco e encaracolado, -muito nojentos e muito libidinosos, que mostram -sempre a linguinha quando veem as amas, que -trazem os focinhos molhados com um liquido que -lembra, pelo cheiro, a cal e o peixe da Noruega, e -que por ahi chamam, <i>fraldiqueiros</i>. Ladravam, davam -ao rabinho, levantavam-se sobre as patinhas -de traz, agitando para cima e para baixo a linguinha, -d’onde escorria um fio de baba mal cheirante.</p> - -<p>Aquella multidão saturava a atmosphera de aromas -insupportaveis; distinguiam-se os do bafio, do -arroto dyspeptico; este cheiro particular do azebre, -do mofo, da catinga, de pé gallego, de coisas lippicas -e rançosas, que tresandam a raposinho e a chulé.</p> - -<p>No ruido ensurdecedor de tanto grito e de tanta -explosão de colera, apenas se percebiam estas palavras:</p> - -<p class="center">Mata! Mata o Zinão!</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>O meu cerebro illuminou-se, então, com aquelles -vividos clarões das grandes angustias; pinoteavam-me<span class="pagenum"><a name="Pag_205" id="Pag_205">[205]</a></span> -na imaginação, em infernal dança macabra, todas -as vibrações das grandes dôres; vergalhadas -cyclopicas açoitavam-me as ideias; a alma rebentava-me -com explosões terriveis, minada pela robulite -do terror; o coração desfibrava-se esphacelado pelas -garras do susto; as cellulas nervosas achatavam-se -sob a prensa hydraulica do pavor; o cordão espinal -estoirava, esticado pelas furias da raiva; as saliencias -do corpo sumiam-se arietadas pela allucinação; -na trompa de Eustachio trovejavam as maldições; -na retina faiscavam punhaes de odio; na pituitaria -abriam chagas os atomos do rancôr; as cordas vocaes -rebentavam com a tensão da ira; as papillas -da derme eram esmagadas pelos martellões da colera; -diabos vestidos de vermelho arrancavam-me os -cabellos; harpias esgrouviadas furavam-me a cornea; -satanazes com rabo reviravam-me as unhas; demonios -acephalos rasgavam-me a bocca; morcegos sinistros -esfarrapavam-me as carnes; lebreus hydrophobos -roiam-me as cannelas; corujas esfomeadas -espicaçavam-me as orelhas; chacaes lazarentos mordiam-me -as nadegas; corcodilos e jacarandés trituravam-me -os ossos.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>E no meio de toda essa <i>coisa</i> phantastica, apocalyptica, -satanica, horripilante, onde havia carcavões,<span class="pagenum"><a name="Pag_206" id="Pag_206">[206]</a></span> -fragoas, tenazes, forcas, venenos de Borgias, estyletes -ervados, lanças quichotescas, navalhas de ponta -e mola, balas de papel, espadas de pau, caçoletas e -obuzes, explosões sulfuradas, bofes de leão, tricornios -de gazeta, furores de Ugolino, ciumes de Othello, -terrores de Machbet, perfidias de Iago, risos de Voltaire, -astucias de Loyola, sarcasmos de Erasmo, pançadas -de capoeira, chulipas de fadista, rugidos de -Adamastor, pedradas de garoto, cobras e lagartos, -viscosidades de lesmas, virus de serpente, commissões -de <i>quinzes</i> e de <i>paysanducos</i>, protestos, duellos, -policias correccionaes, boquilhas, aguas sebastianicas, -beliscões kilometricos, musas hystericas, zoilos -epilepticos...</p> - -<p>—quando contemplava aquelle horroroso quadro em -que, as tintas de Miguel Angelo, o pincel de Rembrandt -e a phantasia de Hans Mackart, pintavam a -sede de Tantalo, a insaciabilidade de Gargantua, a -podridão de Imperia, o odio de D. Bibas, o servilismo -do eunucho e o calcanhar d’Achilles,</p> - -<p>—entre aquelle côro infernal de uivar de feras, clamar -de moiros, ulular de caraibas, guinchar de idiotas, -urrar de quadrupedes, pinchar de macacos, zunir -de vespas, silvar de cascaveis, ladrar de <i>bulldogs</i>, -d’onde apenas se destacava:</p> - -<p class="center">Mata! Mata o Zinão!</p> - -<p class="right">—senti alguem ao meu lado.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_207" id="Pag_207">[207]</a></span></p> - -<p>O tal diabo vermelho pinchára da rua para a janella; -extendia-me o braço e dizia:</p> - -<p class="tb">—<i>Oh Coisa! dá cá um cigarro. Casca n’elles, que -ainda bolem!</i></p> - -<p class="tb">e desapertando a carcela das calças, voltou-se -para a turba e...</p> - -<p class="right"><i>esguichou-a.</i></p> - -<p class="tb">Já sabes, Zé amigo, quem elle era:</p> - -<p class="mt3 right">O Ridiculo.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_208" id="Pag_208">[208]</a></span></p> - -<hr class="chap" /> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_209" id="Pag_209">[209]</a></span></p> - -<h2 id="XIV">XIV<br /> -<span class="smaller">A Questão da Musica<br /> -<span class="smaller">(LEITURA PARA HOMENS)</span></span></h2> - -<p>Ha poucos annos, alli pelo Maio, quando a Primavera -floresce os campos e a Natureza parece despertar, -com novo vigor, da somnolencia invernal, -Dona Politica sentiu pular o sangue nas veias, reclamando -folia e brodio.</p> - -<p>Teve uns arrebiques eroticos de matrona insensivel -á influencia lunar e amancebou-se, clandestinamente, -com o Conde de Lippe e com o Senhor Administrador.</p> - -<p>Noitadas com um, barrigadas de camarões com -outro, lá se arranjou de tal fórma que, d’essas relações, -resultou um producto hybrido:—<b>A Questão -da Musica</b>.</p> - -<p>Parto acabado, os amantes disputaram a paternidade -do aborto:</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_210" id="Pag_210">[210]</a></span></p> - -<p>—É meu!</p> - -<p>—É teu!</p> - -<p>—Parece-se commigo!</p> - -<p>—Não se parece comtigo!</p> - -<p>Zangaram-se e ficaram de mal.</p> - -<p>Nunca mais se puderam vêr.</p> - -<p>A desavergonhada, ora sorri para um, ora para -outro; acirrando, assim, pela sua inconstancia e bandalhice -acadellada, o odio dos dois rivaes.</p> - -<p>O <i>mostrengo</i> (sahiu femea) veiu ao mundo com -todos os defeitos dos Papás e da Mamã: vaidosa, ridicula, -traiçoeira, caprichosa e porca.</p> - -<p>Ao nascer, embirrou que não queria Musica. Papás -e Mamã teem-lhe feito a vontade. Qualquer dia, -embirra que quer Musica; teremos, então, de soffrer -e pagar as furias dos paus-tesos, até hoje refreadas.</p> - -<p>O que por ahi não irá!</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>A <i>Comedia da Santa</i>, ou antes, a <b>Comedia da -Musica</b>, absorveu e absorve toda a actividade dos -nossos politicos—dos homens que se apresentam á -consideração do povo, allegando serviços e pedindo -votos.</p> - -<p>E em que diabo hão de pensar esses santos varões, -se o Concelho voga em mar de rosas, com vento -fresco e bons timoneiros?</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_211" id="Pag_211">[211]</a></span></p> - -<p>Examinemos, de relance, as instituições da nossa -terra:</p> - -<p>Camara Municipal</p> - -<p>Praça de toiros com serviço permanente. Emprezario: -o Senhor Administrador. Intelligentes: o Senhor -Joaquim (por procuração), ou João Cabral.</p> - -<p>N’este anno, as corridas promettem. O <i>primeiro -espada</i>, Senhor Abilio, foi occultamente a Madrid -adestrar-se com Lagartijo e com Frascuelo. O gado, -do lavrador Ladislau, é manso. Tem fraca <i>pinta</i> e -pouco <i>pé</i>. A casa está passada para as primeiras corridas -semanaes. Ha toiros para curiosos.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Agora, duas tiradas a serio:</p> - -<p class="tb">A administração do nosso Municipio anda como -V. Ex.ª sabe, querido leitor, em bolandas e ao deus-dará. -Muito lhe poderia dizer a tal respeito; mas -esta gente séria da terra, tanto me tem soprado aos -ouvidos com aquella preventiva phrase de:</p> - -<p class="center"><i>Nem todas as verdades se dizem</i></p> - -<p class="noindent">que, <i>por emquanto</i>, ainda me resolvo a conservar na -minha carteira os curiosos apontamentos que d’estas<span class="pagenum"><a name="Pag_212" id="Pag_212">[212]</a></span> -coisas de Valença, cuidadosamente tenho colligido. -Prosigamos.</p> - -<p>—Approvou-se ultimamente um novo traçado de -estradas para o districto; todos os concelhos foram -contemplados, menos o de Valença. Pelos modos, lá -nas secretarias das Obras publicas ainda se não descobriu, -ao certo, se isto pertence a Portugal, se á -Galliza. A Camara podia elucidar este caso e requerer, -ou instar por concessões a que tem direito. Os -politicos, porém, teem mais em que pensar... Ainda -se não decidiu a <b>Questão da Musica</b>.</p> - -<p>—Alli, na Esplanada, amontoam-se, sem ordem -nem regularidade, as novas construcções. Ora, apesar -da opposição dos paysanducos, a futura povoação -de Valença ha de extender-se por esses campos fóra, -e esta latrina acastellada com muralhas, poternas e -tenalhas, passará a ter o merecimento historico das -ruinas de Lapella, hoje excellentes para ninhos de -morcegos, luras de toupeira e tocas de grillos.</p> - -<p>Portanto, a qualquer cerebro medianamente esclarecido -parecerá urgente e indispensavel o levantamento -d’uma planta, que desde já disponha, com -regularidade, as arterias da futura povoação.</p> - -<p>Não se pensa em tal, nem é preciso. Temos a lei -das expropriações. A ordem é rica, os frades são -poucos e os imbecis são muitos. Ha mais em que -pensar. Temos a <b>Questão da Musica</b>.</p> - -<p>—No centro da villa, ao lado da Ex.ᵐᵃ Camara, -existe uma commua, que chamam: Eschola municipal.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_213" id="Pag_213">[213]</a></span></p> - -<p>Quando quizerdes avaliar a civilização d’este -povo, que se ri de vós—oh gentes de Monsão e de -Coura!—vinde cá, embebei o lenço em agua de Colonia -e entrae alli, na Eschola, onde sem ar, sem -luz, sem condições hygienicas de qualquer natureza, -se atrophiam diariamente dezenas de creanças.</p> - -<p>Os rapazes, cá na terra, sahem da barriga das -mães, já com a caneta atraz da orelha para escreverem -á familia; não precisamos, portanto, de subsidios -do Conde de Ferreira, nem de utensilios escholares.</p> - -<p>Corre tudo muito bem. Só falta uma coisa: um -pelourinho, alli ao pé da <i>Sexta</i>, com os nomes dos -philanthropos que responderam aos testamenteiros do -Conde:</p> - -<p>—<i>Dispensamos o subsidio; não temos terreno para -a eschola; está tudo occupado com cacos de guerra e -com o Assento dos militares!</i></p> - -<p class="tb">—Diz-se que é util o saber lêr e, n’esta crença, -auxilia-se em toda a parte a instrucção do povo, fiscalizando-se -o serviço das escholas, animando-se as -creanças e estimulando-se os professores.</p> - -<p>O pelouro da instrucção (?) no concelho de Valença -é um mytho, uma coisa nominal e hypothetica.</p> - -<p>Regateiam, por ahi, miseravelmente, os dois patacos -de expediente; e na Eschola, como verdadeira -commua, não ha mobilia, não ha um mappa, não ha<span class="pagenum"><a name="Pag_214" id="Pag_214">[214]</a></span> -uma esphera, uma loisa, um diccionario. A Camara -não gasta dinheiro n’essas ridicularias; gasta-o, mas -com outras applicações, que fazem parte dos meus -apontamentos particulares...</p> - -<p>De quando em quando o bandalho da Politica -entra tambem nas Escholas; e d’essa visita, nascem -as perseguições torpissimas e ineptas contra homens -que, politicamente podem ter todos os defeitos, mas -que para o exercicio do cargo que exercem, possuem -incontestavel aptidão.</p> - -<p class="tb">—Construiram-se, no largo principal da terra, os -Paços do Concelho. O edificio ficou uma gaiola de -grillos, com uma unica porta, para elles não fugirem, -quando lhes appetecer a serradela.</p> - -<p>As divisões interiores são d’uma disposição perfeitamente -apatetada. Com as dependencias do Tribunal, -repetiu-se aquelle caso dos <i>moinhos de Coura</i>. -Lá, só pensaram na agua, quando os moinhos estavam -promptos; cá, só depois do Tribunal concluido, -é que surgiu na mente dos illustres senadores a necessidade -<i>provavel</i> d’uma sala para jurados.</p> - -<p>Mas o defeito remediou-se e bem.</p> - -<p>Fez-se uma especie de espigueiro, um sotão, como -os que a gente tem para extender as batatas por -causa do grelo e para lá se manda o Jury. Está alli -muito bem, livre de correntes d’ar, e com grande -vantagem para os curiosos da terra: muito antes que -se pronuncie a sentença, já se póde saber, pela janella<span class="pagenum"><a name="Pag_215" id="Pag_215">[215]</a></span> -das escadas, se o réo vae para a rua, ou para -o <i>cavallinho de pau</i>.</p> - -<p>Não ha dinheiro que pague esta commodidade.</p> - -<p class="tb">—Na Coroada, admiram os forasteiros a desconjunctada -architectura d’uns cortelhos, onde, em nauseabunda -promiscuidade, se aconchegam de noite: -mulheres, porcos, creanças, bacorinhos, gatos com -tinha e cadellas com sarna.</p> - -<p>Em terra menos civilizada, já o <i>senado</i> teria estudado -o meio de, por uma operação financeira possivel -de realizar, sem graves encargos, transformar -esses focos de immundicie em habitações economicas, -mas hygienicas.</p> - -<p>Mas, então, V. Ex.ª não viu na Exposição de Paris, -entre tantas maravilhas da Arte, as primitivas -construcções dos differentes povos? Pois cá, em Valença, -não precisamos de arranjar artificialmente essa -exposição. Alli estão os <i>cortelhos</i> da Parada velha, -immundos, doentios, nojentos,—como nota caracteristica -do nosso Progresso moral e material.</p> - -<p class="tb">—A gente das cidades tem a mania da Civilização. -Abre mercados, rasga ruas espaçosas, aformoseia -praças, alinha os edificios e varre as ruas.</p> - -<p>Com o pretexto da hygiene e da limpeza faz dinheiro -até do esterco.</p> - -<p>—<i>Miserias humanas!—dizem os nossos camaristas. -Nas ruas de Valença, o que cai, deixa-se ficar.<span class="pagenum"><a name="Pag_216" id="Pag_216">[216]</a></span> -Podem-nos chamar immundos, mas ao menos, não somos -dos futres que vendem carros de lixo.</i></p> - -<p>Cá, a gente é assim...</p> - -<p class="tb">—O concelho precisa de estradas que unam as -freguezias e facilitem as communicações. A estrada -de A para B foi considerada, como a mais urgente, -pela importancia (politica, já se vê) de B.</p> - -<p>Principiou-se a estrada: terraplenagens, aterros, -desaterros, etc.</p> - -<p>A folhas tantas, desabou a caranguejola ministerial -e o que era politicamente positivo em B passou -para negativo. Suspendeu-se a construcção da estrada.</p> - -<p>Chegou o inverno: lamas, enxurradas, desmoronamentos. -O que estava feito inutilizou-se, mas não -importa: a ordem é rica, os frades são poucos e os -imbecis são muitos. Ha mais em que pensar: a -<b>Questão da Musica</b>.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<h3>Junta de Parochia</h3> - -<p>Instituição composta de differentes membros, sob -a direcção do Senhor Sampaio e patrocinio do Senhor -Agostinho. Nada mais, creio eu, é preciso dizer.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_217" id="Pag_217">[217]</a></span></p> - -<p>Essa instituição, que n’outras terras presta valiosos -serviços á Beneficencia e á Instrucção, jaz ahi -na mais abjecta inutilidade.</p> - -<p>A manifestação mais evidente da sua actividade, -deu-a na importantissima <i>Questão da Porta</i>, com o -Senhor Baptista.</p> - -<p>A Junta não tem meios; é pobre, vive da graça -de Deus. Tem os telhados da Egreja desmantelados; -não póde gastar um real em adornos, ou reparos, no -interior do templo. Conserva, nos adros, as ossadas -dos nossos antepassados—n’esses adros que a gente -pisa, onde os cães levantam as pernas e dão muitas -voltas, fingindo que se sentam; onde, á noite se baixam -as calças e se praticam mil obscenidades. Alli, -debaixo d’aquella terra e d’aquella pedra estão os -craneos dos nossos parentes, craneos que já tiveram -carne, olhos, bocca, labios que acarinharam os nossos -paes; estão alli os restos dos braços que aconchegaram -ao peito, em noites de amargura e de afflictiva -ancia, a cabeça dos nossos avós, quando a febre -lhes amortecia os olhos e escaldava as faces.</p> - -<p>O respeito aos mortos e o espirito da Religião impõem -a urgente exhumação d’essas ossadas e a sua -mudança para o cemiterio.</p> - -<p>Não póde ser. Não ha dinheiro; a Junta é pobrissima -e tem despezas mais urgentes e indispensaveis, -como as que se fizeram com a <i>Questão da Porta</i>. -Pois não era um escandalo? Ainda que se empenhasse -a Cruz de prata! Mas não foi preciso; para<span class="pagenum"><a name="Pag_218" id="Pag_218">[218]</a></span> -isso, para a Justiça, ainda a pobre Junta teve as -trinta libras, que a questão levou...</p> - -<p class="tb">Deus, Nosso Senhor, se lembre, para desconto dos -meus peccados, da repugnancia com que nego licença -á penna, para reproduzir as ideas que, n’este momento, -tumultuam no meu cerebro...</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>—Ascencio José dos Santos deixou á Junta de -Parochia de Valença estas e aquellas propriedades, -com o encargo seguinte: instituição d’um lausperenne -mensal com tantos padres e tantas luzes, etc.</p> - -<p>Com o rendimento d’essas propriedades pagaria -a Junta as despezas do lausperenne, applicando o -restante ao desenvolvimento da Instrucção do Concelho.</p> - -<p>A Junta acceitou o legado, vendeu as propriedades -e converteu o producto em inscripções que rendem, -annualmente, <i>cento e dez mil reis</i>.</p> - -<p>A despeza total dos lausperennes, pagando-se -generosamente, é de <i>doze libras</i>, ou <i>cincoenta e quatro -mil reis annuaes</i>, restando, por consequencia, um -saldo importante.</p> - -<p>A Junta de Parochia acceitou, como disse, o legado; -mas os mezes passam e ninguem ouve falar -dos lausperennes, porque não se fazem. O Senhor<span class="pagenum"><a name="Pag_219" id="Pag_219">[219]</a></span> -Sampaio, apesar de ser um homem muito temente a -Deus, não quer gastar dinheiro com padres.</p> - -<p>Dispõe do que é seu e faz muito bem.</p> - -<p>Estas coisas consideram-se, cá na terra, como admissiveis -e legaes. Uns chamam-lhes descuidos, outros -desleixos, etc. Eu pouco sei de sciencias juridicas; -mas confrontando este facto com outros, que por -ahi vejo punir na cadeia, não ha quem me tire da -cabeça, que o <i>descuido</i> da Junta entra na classe -d’aquelles <i>descuidos</i>, que a Lei chama: roubos.</p> - -<p>Pura e simplesmente <b>um roubo</b>; ao culto, á -Lei, ás crenças d’um morto, á Moralidade, á fé dos -contractos, ás disposições d’um testamento, que em -toda a parte se cumprem fiel e rigorosamente.</p> - -<p>E já que o vendaval do Tempo levou os ultimos -sons d’essas fervorosas manifestações de Sentimento, -que á beira do tumulo d’um homem que caíu fulminado -defendendo os interesses de Valença, inspirou -tanto necrologio bombastico e tanto discurso farfalhudo—já -que em homenagem á memoria do homem -que amou, como ninguem, esta terra, porque tinha -na alma a rigida austeridade d’um caracter impolluto -e sacrificava os haveres, como sacrificou a vida, -sem pedir á Politica o salario dos seus serviços—se -não ergueu ainda, ahi, uma voz para reclamar da -Justiça o cumprimento rigoroso das disposições a -que se obrigou a Junta de Parochia, seja-me permittido -alterar, por momentos, a feição humoristica d’estes -artigos para, com verdadeira indignação, dizer<span class="pagenum"><a name="Pag_220" id="Pag_220">[220]</a></span> -ás auctoridades que, n’esta terra, vigiam pelo cumprimento -da Lei:</p> - -<p class="tb">A Junta de Parochia <b>rouba</b>, mensalmente, ao -culto os lausperennes instituidos no legado de Ascencio -José dos Santos.</p> - -<p>Esses lausperennes representam <i>cento e dez mil -reis annuaes</i>, que são desviados para applicação illegal -e ignorada.</p> - -<p>Ha, ou não ha obrigação de cumprir as disposições -dos legados?</p> - -<p>Ha, ou não ha Lei que peça responsabilidades -aos auctores d’estes <i>desvios</i>?</p> - -<p>..............................</p> - -<p>—Prosigamos, porque a rabeca desafina.</p> - -<hr class="tb" /> - -<h3>Santa Casa da Misericordia</h3> - -<p>É uma Santa Casa de Politica.</p> - -<p>As eleições disputam-se (tudo por philanthropia) -como as da Camara, ou do deputado. Impera sempre -n’ellas, para suprema humilhação dos valencianos, a -massa bruta da Urgeira, porque ha o cuidado de -conservar alli a maioria dos <i>irmãos</i>.</p> - -<p>Quem escreve estas linhas já teve, por duas vezes,<span class="pagenum"><a name="Pag_221" id="Pag_221">[221]</a></span> -a honra de ser convidado para <i>irmão</i> da Santa -Casa. <i>Por acaso</i>, aconteceu sempre isso em vesperas -de eleições. Mero <i>acaso</i>.</p> - -<p>Na ultima lucta eleitoral entrou uma fornada de -60 ou 70 <i>irmãos</i>. Offereciam-se os diplomas com todas -as despezas pagas, e depois da eleição houve -regabofe de castanhas e vinho branco. O moderno -<i>carneiro com batatas</i> ainda não estava inventado.</p> - -<p>Foi uma eleição renhida, tenazmente disputada; -e, com ropias de parva politiquice, dotou-se a terra -com mais uma loja de... barbeiro!</p> - -<p>Deus me livre de duvidar, por um momento, dos -sentimentos caritativos dos especuladores, quero dizer, -dos protectores da Santa Casa.</p> - -<p>Mas (pergunta-me um diabo que tenho aqui, ao -pé de mim, e que desconfia de tudo), porque será -que em todo o anno ninguem se lembra do Hospital -para lhe augmentar os rendimentos, ou para alargar -a sua acção benefica?</p> - -<p>Porque será que esse zelo se não manifesta agora, -auxiliando os Provedores nos trabalhos da utilissima -instituição que o legado Cruz fundou—o Asylo?</p> - -<p>Porque vos não reunis agora em activa propaganda,—oh -cafila de pantomineiros!—angariando no -Concelho donativos em dinheiro e em materiaes que -habilitem a Santa Casa a, quanto antes, poder levantar -esse edificio tão util para os infelizes?</p> - -<p>—Parece-me (diz o tal diabo) que se a Santa -Casa, em vez de ter um capital de <b>cento e tantos<span class="pagenum"><a name="Pag_222" id="Pag_222">[222]</a></span> -contos</b>, em inscripções, escripturas com hypothecas, -e <b>fiadores</b> com <b>paes</b>, <b>manos</b> e <b>cunhados</b>, -tivesse apenas algumas de X, ninguem lhe -disputaria as eleições.</p> - -<p>Que diz V. Ex.ª a isto, interrogando a sua consciencia?</p> - -<p>Teremos n’este caso Philantropia, Politica, ou... -abandalhado Arranjo?</p> - -<p>Em coisas da Santa Casa, <i>por emquanto</i>, vem só -isto á luz do dia.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Ora aqui tem V. Ex.ª um rapido e superficial -exame sobre as principaes instituições da nossa terra.</p> - -<p>A Politica, a Hypocrisia e a Rotina imperam soberanamente -em tudo que póde ser util em Valença. -Por isso, quando a gente bate á porta de muitos filhos -d’esta terra, que lá fóra, pela sua posição e pela -sua fortuna podiam auxiliar novas instituições, só -ouve queixas, reclamações e justos resentimentos.</p> - -<p>O grande homem da nossa terra seria um velhaco -qualquer que em eleição renhida pudesse <i>empalmar</i> -o João de Gaiteira, ou o Abbade de Cerdal.</p> - -<p>Se alguem conseguisse isso, á noite, na taberna -do Pedro, teria uma apotheose de <i>calhos</i> e de chouriço -com ovos, de rachar tudo.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_223" id="Pag_223">[223]</a></span></p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>—Mas, oh sr. Zinão, dirá V. Ex.ª, então não ha -por ahi homens que tenham interesses no Concelho -e que lucrem com o seu desenvolvimento?</p> - -<p>—Oh, meu senhor! V. Ex.ª sabe quem verdadeiramente -mexe os pausinhos da nossa Politica? São -os pyrotechnicos da <i>Questão da Santa</i>. São dois homens -que teem tantos interesses no Concelho como -eu, que por duas <i>perras chicas</i> offereço a V. Ex.ª as -minhas propriedades. São os que armam as <i>baralhas</i>.</p> - -<p>Não teem um palmo de terra que os interesse no -desenvolvimento da Agricultura; não teem uma capoeira -nas freguezias, que lhes faça sentir a necessidade -de estradas; não teem relações directas ou indirectas -com o Commercio, nem com a Industria. -Entre elles e as instituições civis ha um abysmo. -Nunca fizeram parte d’uma corporação que tratasse -do desenvolvimento do Concelho. De administração -municipal sabem tanto, como eu sei quem V. Ex.ª é. -Influencia pessoal: como são dois, levam dois votos. -Tem Politica de sapa. Ensaiam as comedias, põem -os actores na rua, mas quando veem fogo nas barbas -da vizinhança mettem-se em casa e fecham as portas.</p> - -<p>Posso francamente asseverar a V. Ex.ª que esses -homens inspiram na povoação mais antipathias do -que affectos. Elles que digam a V. Ex.ª se não teem<span class="pagenum"><a name="Pag_224" id="Pag_224">[224]</a></span> -a consciencia d’isso... Aos que lhes fazem a côrte -oiço ás vezes cada arcada, em surdina...</p> - -<p>Um quer por força pôr o pé nas muralhas para -trepar á tina, onde se tingem as meias. O outro surgiu -ahi na tripode das sibyllas sem a gente saber -<i>como</i> nem <i>porque</i>; dizem que vê as coisas muito ao -longe. Ás vezes adivinha, mas se dá a <i>palavra d’honra</i>... -é tolice certa.</p> - -<p>Ora, como na terra dos cegos e dos dorminhocos -quem tem um ôlho é rei, os homens por cá vão arranjando -a sua vida muito honradamente e livres de -vergonhas do mundo.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Esses dois maioraes representam os dois partidos; -porque nós, meu senhor, nominalmente, tambem -temos dois partidos, como as terras grandes. A gente -é sempre a mesma.</p> - -<p>V. Ex.ª recorda-se do que succedeu ha quinze -dias, em S. Pedro, com os comparsas d’aquelle <i>Auto</i> -dos Moiros e Christãos?</p> - -<p>O Zé da Cancella, o Chico da Aguilhada e o Tóne -do Pernicas, no primeiro domingo <i>faziam</i> de judeus. -N’aquella scena em que, por ordem do Bento Cambádas, -que era o Herodes, matam os innocentes, o -publico e especialmente o mulherio, <i>escamou-se</i> com<span class="pagenum"><a name="Pag_225" id="Pag_225">[225]</a></span> -elles, mandou-os <i>p’ro raio que os parta</i> e correu-os a -<i>soque</i>.</p> - -<p>No outro domingo nenhum d’elles quiz <i>fazer</i> de -judeu e para que a <i>peça</i> se representasse, metteu-se -o Senhor Abbade no caso. Os que eram christãos -passaram para judeus e vice-versa.</p> - -<p>Cá, nas farças da nossa Politica, succede o mesmo. -Quem faz de Abbade é o Senhor Administrador.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Ora aqui está, meu senhor, a razão porque o -Concelho ganhou o titulo de <i>burgo podre</i> e a razão -porque a gente, quando vae offerecer o circulo a pessoas -serias, como succedeu ha mezes, é posta no ôlho -da rua pelo creado da casa.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Voltemos á <b>Questão da Musica</b> e encaremol-a -pelo seu verdadeiro aspecto—o comico.</p> - -<p>Esta celeberrima questão, decomposta nos seus -factores, baseia-se n’uma simples formalidade, n’uma -pueril e ridicula ceremonia: a licença do Conde de -Lippe, a licença do Administrador, ou uma e outra -concedidas ao mesmo tempo.</p> - -<p>É um caso comico, como o do Hyssope.</p> - -<p>Examinemos:</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_226" id="Pag_226">[226]</a></span></p> - -<p>A Musica é a applicação artistica do som; influe -poderosamente em a nossa natureza psychica, quer -a agite com as sonatas de Beethoven, em que o Sentimento -nos apparece burilado e subtil, como uma -cinzeladura de Cellini, quer tumultue nas estranhas -innovações de Wagner, em que a Harmonia, á -primeira audição, nos fére de imprevista e áspera.</p> - -<p>Decomposta nos seus elementos, a Musica reduz-se -a simples vibrações, transmittidas pelas ondas sonoras. -No caso presente, visto que na <b>Questão da -Musica</b> se trata d’um grupo de labregos, que selvaticamente -mortificam os nossos apparelhos auditivos, -essas vibrações que, pela instrumentação, se -transformam na Harmonia, partem do organismo humano.</p> - -<p>Examinando o organismo humano, verificamos -que os elementos essenciaes á potenciação d’essas -vibrações podem, egualmente, ser fornecidos pelas -duas extremidades do canal digestivo e modulados, -ou regulados, pela articulação da maxilla inferior, ou -pela elasticidade muscular do esphincter.</p> - -<p>A composição molecular d’esses elementos será -pois: oxygenio, azote, acido carbonico e vapor de -agua (caso <i>a</i>), ou: hydrogenios carbonado e sulfurado -e acido carbonico (caso <i>b</i>).</p> - -<p>A sua acção vibratil chama-se vulgarmente sôpro, -ou bufo; e n’esta ultima designação, que é a mais -geral, para distincção dos dois casos <i>a</i> e <i>b</i> relativos -á composição molecular, costuma o povo usar do genero<span class="pagenum"><a name="Pag_227" id="Pag_227">[227]</a></span> -masculino no primeiro caso, e do feminino no -segundo.</p> - -<p>Assim, por uma rigorosa analyse, de deducção em -deducção, chegamos ao seguinte resultado: que a essencia -(caso <i>b</i>), o valor, a importancia d’essa celebre -questão, que fez perigar a paz das nações e que, por -ahi, inspirou tanta facecia e tanto remoque de <i>fino -espirito</i>—é um simples caso de sôpro, é um reles -caso de bufo (<i>b</i>).</p> - -<p>E continuando a empregar o methodo deductivo, -visto que esse caso foi o producto d’uma laboriosissima -gestação politica, com muita vigilia, muita tactica -e muito estudo, por isso que foi cuidadosamente -preparada pelos dois partidos contendores—visto -que elle symbolisa e exprime os valimentos intellectuaes -e politicos dos chefes e maioraes—afoitamente -podemos dizer, synthetizando: tudo isso e todos -elles não valem um bufo! (<i>b</i>)</p> - -<p>Politiquemos:</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Os dois partidos prepararam com longa antecipação, -no remanso dos gabinetes, esse estupendo acontecimento.</p> - -<p>Mediram-se as forças, calcularam-se os accidentes, -preveniram-se as hypotheses, estudou-se cuidadosamente -o terreno, escolheu-se a hora e inventou-se<span class="pagenum"><a name="Pag_228" id="Pag_228">[228]</a></span> -o pretexto. A malandragem de Ganfey foi assoldadada -para deitar fogo ao rastilho.</p> - -<p>Na vespera de rebentar a bomba, descobriram-se -os jogos e todos ficaram logrados. Um dos chefes recebia -ordem para ficar ás ordens do outro; este, esbarrava -a cabeça na estupidez do Zé Povo e nos -barrancos que a sua inepcia cavára.</p> - -<p>Cá a gente (já se vê) n’essas alturas, arrebitava -a pança com o brodio, a vêr os toiros de palanque; -e, como elles ainda escabeceiam no curro, vae-lhes -mettendo a sua farpa muito honradamente.</p> - -<p>Depois da explosão da <i>coisa</i>, principiou a desembestar-se -por ahi a mais sordida mistela de pilherias -apanascadas, que tiveram echo no districto, -como se o ridiculo de tudo isso não fosse bastante -para nos fustigar o rosto e alvoroçar o sangue.</p> - -<p>A partida perdeu-se. Quem a pagou (e foi carita) -chorou sete dias e sete noites. Os pyrotechnicos metteram-se -em copas. É da praxe: nas barracas do <i>Pim-pam-pum</i>, -quem ageita os bonecos não paga entrada. -Entra pela prenda...</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Farpeemos...</p> - -<p>Depois d’essa dejecção politica, os campos conservam-se -armados, medindo-se os adversarios com -rancor. No meio d’elles, lá está o sôpro, o bufo (caso -<i>b</i>)—eterno pômo de discordia.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_229" id="Pag_229">[229]</a></span></p> - -<p>Progressistas teimam em obstar que a gente em -occasião de festa, possa, á noite, dar a sua gaitada -por essas ruas e muralhas.</p> - -<p>Regeneradores, pela penna auctorizada do Senhor -Joaquim, como Juiz da Senhora da Saude, invectivam -o Ministerio, reclamando a livre expansão do -bufo (<i>b</i>).</p> - -<p>E agora, que estamos em maré de syndicatos, -n’esta carencia de bufo (<i>b</i>) muito dinheiro podiam -ganhar alguns senhores cá da terra e aquelle barqueiro -de Vigo...</p> - -<p>Ha coisas que, guardadas, engarrafadas, servem -para occasiões de falta e dão muito dinheiro...</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>O certo é que não se obtem licença para Musica -dentro de Valença; ou porque seja negada por mero -capricho do Senhor Administrador, ou porque a recuse -o Lippes.</p> - -<p>Porque nós—louvado seja Nosso Senhor Jesus -Christo—somos cidadãos tão portuguezes, como os -de Coura; pagamos decima, como os de Coura; damos -votos, como os de Coura; fazemos filhos para o -exercito, como os de Coura, mas não temos as liberdades -civis, que teem os de Coura.</p> - -<p>Pelos modos, ainda nos corre nas veias algum -resto d’aquelle bulhento sangue dos nossos antepassados,<span class="pagenum"><a name="Pag_230" id="Pag_230">[230]</a></span> -os soldados de Viriato, que, segundo diz o -Senhor Joseph Avelino, tanto assarapantaram o -mundo com os seus feitos; e o Governo, em vez de -uma auctoridade administrativa, manda-nos duas!</p> - -<p>—Quer V. Ex.ª dar a sua gaitada? Precisa de -dar o seu <i>bufo</i>?</p> - -<p>Tem de ir pedir ao Administrador e á Praça; e -antes de transitar por essas ruas tem de bufar, voltado -para a casa do Governo. Se offerece as primicias -do <i>bufo</i> á Camara, ou á Administração, a Praça -amua e ha baralha, como succedeu com a <i>fanfurrilha</i> -gallega.</p> - -<p>—Tem V. Ex.ª fogo em casa?</p> - -<p>Acodem, logo, da Praça e da Administração:</p> - -<p>—Mando eu.</p> - -<p>—Não mandas tu.</p> - -<p>—Apago eu.</p> - -<p>—Apaga tu.</p> - -<p>Levanta-se questão; tudo grita, tudo berra, e -V. Ex.ª, para se livrar de prejuizos, o que tem a pedir -ao seu Anjo da Guarda é que o deixem ficar sósinho -com o fogo, que é mais socegadinho e pacato.</p> - -<p>—Ha <i>banzé</i> no theatro, ou na rua? Lá os temos -em disputa.</p> - -<p>De fórma que, se um dia, V. Ex.ª por esquecimento, -por descuido, larga o seu bufo (<i>b</i>) na cara -d’uma das auctoridades, e sem a devida licença, leva -pancada dos dois.</p> - -<p>É preso. Chega um paysanduco e agarra V. Ex.ª<span class="pagenum"><a name="Pag_231" id="Pag_231">[231]</a></span> -pelo braço direito. Vem o Balagota e agarra-o pelo -esquerdo.</p> - -<p>—Venha para a Praça!</p> - -<p>—Venha para a Administração!</p> - -<p>Puxa um; estica o outro.</p> - -<p>V. Ex.ª atrapalha-se, reclama, gesticula, bufa... (<i>b</i>)</p> - -<p>Se o faz na cara do paysanduco, mais pancada -leva. Se mimoseia o Balagota, este põe-se ainda mais -amarello do que é, e apita.</p> - -<p>Santo nome de Maria! O que ha-de a gente fazer?</p> - -<p>Sem musica, sem <i>bufo</i> não se póde passar. Fossem-no -lá prohibir ao Senhor A. Seixas! Estoirava... -de raiva.</p> - -<p>Dentro de casa, felizmente, ainda V. Ex.ª póde -mandar tocar a Musica e dar o seu <i>bufo</i>; mas eu -estou a vêr isto de tal fórma que, d’aqui a pouco, se -V. Ex.ª, em qualquer sitio, na sala de visitas, na -cama—por exemplo—lhe appetece bufar, tem logo, -ao seu lado, um paysanduco e o Balagota, procurando, -investigando, cheirando, esmiuçando, por cima e -por baixo da cama, levantando, até, a roupa para -metterem os narizes (imagine V. Ex.ª a sua desgraça -se, para essa operação, lhe apparece o nariz do Dr. -Ladislau...) e berrando depois, irados:</p> - -<p>—<i>Aqui deu-se um bufo!</i></p> - -<p>E V. Ex.ª terá de pedir perdão, confessar o crime, -ou desculpar-se humildemente, dizendo:</p> - -<p>—<i>Não dei, não, senhor! E se dei... não foi por -querer...</i></p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_232" id="Pag_232">[232]</a></span></p> - -<p>Ora a nossa desgraça!</p> - -<p>Oh gentes do Kalakana! que dizeis a isto?</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Esta interrupção dos tubos... musicaes—claro é—vem -a acabar; e com a mesma imbecilidade, com -que actualmente os progressistas impedem a livre -circulação do <i>bufo</i>, os regeneradores, subindo ao poder, -hão-de metter cá dentro, quanto nedio folle por -ahi haja, previamente reforçado com alimentos explosivos.</p> - -<p>E n’esse dia anti-pituitario, em que tenho de encontrar: -uns, de vexados, em casa ou fugindo de -corrida ao apupo; outros, de pança tesa e cara alegre, -abraçando-se por essas ruas—e todos, supinamente -idiotas e essencialmente ridiculos—cá me -tendes, oh <i>bufos</i> e <i>anti-bufos</i>!, para vos estralejar -nas ventas a mais sonora gargalhada, que gentes de -Valença teem ouvido!</p> - -<p>E tenho tambem uma idea...</p> - -<p>Emfim, vocês merecem recompensa, pelo enthusiasmo -com que teem tratado d’essa questão, de -grande valor e importancia para a terra. Mastigae -já em secco e ouvi lá marotinhos: (mas caluda, por -emquanto):</p> - -<p>Nos <i>cómes-e-bébes</i> dos philarmonicos hei de misturar -umas gottasinhas d’um certo elemento drastico</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_233" id="Pag_233">[233]</a></span></p> - -<p>—Oleo de Croton Tiglium—por exemplo, para que -elles, nas ruidosas e puxadas explosões dos seus <i>bufos</i>, -vos possam dar tambem—oh progressistas e regeneradores -do pataco!—algo mais de...</p> - -<p class="mt3 right">...solido!</p> - -<p class="mt3">Toca a aguçar a dentuça, Politiqueiros de meia-tigela!</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_234" id="Pag_234">[234]</a></span></p> - -<hr class="chap" /> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_235" id="Pag_235">[235]</a></span></p> - -<h2 id="XV">XV<br /> -<span class="smaller">As Muralhas</span></h2> - -<p>Em que condições vivemos?</p> - -<p>Com pejo hesito em denuncial-as.</p> - -<p>Vivemos acorrentados ao estupido regulamento, -dado ás gentes, ha perto de seculo e meio, pelo Conde -de Lippe.</p> - -<p>Vivemos como os forçados e os grilhetas—cercados -de muralhas.</p> - -<p>O que significam, hoje, as muralhas?</p> - -<p>O retrocesso, o dominio brutal da pedra; isto é, -Pasteur, Edison, Comte, Jenner, Spencer, Hugo, Castelar, -Capello, Ivens, Herculano, Pestalozzi, Broca, -Kossuth, Humboldt, Chevreul, Wurtz, Lesseps, Eiffel, -arremessados para a barbarie dos tempos primitivos, -para a idade paleolithica, em que o homem -usava cuecas, cozinhava de cocoras, contava pelos -dedos e pescava trutas á unha, porque desconhecia,<span class="pagenum"><a name="Pag_236" id="Pag_236">[236]</a></span> -ainda, a engenhosa disposição do anzol e a grande -vantagem da minhoca.</p> - -<p>Significam os combates dos barbaros; a bruteza -dos despotas; as luctas fratricidas; o assassinato legal; -a ambição copulada pela força; a lucta braço a -braço, arca por arca, alma a alma; a feroz e brutal -sensualidade do vencedor, que sorve dos labios do -vencido o ultimo alento; o escabujar do moribundo -nas vascas de cruissima agonia...</p> - -<p>Significam as pontes levadiças, o embate de duas -ondas humanas que se chocam, se enroscam, se atropelam, -se mordem e se agitam por fim, convulsivamente, -n’um montão disforme de farrapos, de carnes -ensanguentadas, onde rouquejam as maldições, -os estertores, até que as rodas da carreta, ou as patas -ferradas d’uma mula acabem de esmagar, de confundir -e triturar.</p> - -<p>Significam o assedio, o bombardeamento, o incendio, -a fome, as mil privações e sobresaltos; a viuvez, -a orphandade, o lucto—a morte; isto é: quatro pás -de terra sobre um corpo amado, que jaz hirto e nú, -ahi para qualquer canto, sobre o monturo, proximo -á <i>Sexta</i>; as canções roucas e truanescas dos coveiros -do Hamlet; o uivar sinistro da canzoada lazarenta, -que escancara as mandibulas, esgaravatando a terra -para esfarrapar as carnes; o crocitar lugubre dos -corvos, que revolteiam no azul dos céos, espreitando -lauto e succulento festim no rebordo ensanguentado -das feridas...</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_237" id="Pag_237">[237]</a></span></p> - -<p>Significam a agonia lenta, afflictiva; o velar-se -da vista nas sombras da Morte e, n’esse debil bruxolear -do espirito, a visão meiga e então dolorosa da -familia, da infancia, dos affectos que nos ligaram á -vida sem que, collados os labios, confundidos os alentos, -n’um derradeiro olhar e n’um derradeiro beijo, -se possa desprender a alma entre almas que nos -amaram.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Com que veneração e respeito eu conservaria uma -das tuas cans, benemerito Pasteur, apostolo bemdito -do Bem, e com que tremendo pontapé eu te esmigalharia -o busto, se aqui o tivesse, feroz Napoleão, negro -chacal da Morte, para quem são poucos todos os -horrores e tormentos, que a genial e portentosa imaginação -de Dante phantasiou nos seus nove circulos!</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Felizmente, toda esta sentina de granito que os -espiritos bellicos e phantasistas denominam <i>formidolosa -Praça</i>, nunca teve um real de importancia, na -historia militar do nosso paiz.</p> - -<p>Isto foi sempre o que hoje é—uma <i>feira da ladra</i> -de tarecos velhos e de cacada guerreira.</p> - -<p>Quando em 1809, Soult atravessou a fronteira, o<span class="pagenum"><a name="Pag_238" id="Pag_238">[238]</a></span> -aspecto d’esta carcassa não o atrazou um minuto na -marcha. Passou ao largo, sorriu, atirou cá dentro -meia duzia de obuzes e continuou em paz o seu caminho. -Palpitou-lhe que não valia a pena subir a Gaviarra, -porque não tinhamos custodias d’oiro para -roubar, nem preciosidades artisticas; n’essa epocha -não existia o muzeu do sr. Sampaio, nem se falava -na mystica collecção do Albininho.</p> - -<p>Em 34, Napier, a cavallo n’um burro pôdre, veio -de Caminha a Valença, seguido por um pelotão de -marujos inglezes. Sem estribos, com a volta das -meias cahidas sobre os sapatos, rindo com bom humor, -berrou alli da Esplanada: «<i>Ao governador de -Valença! Senhor: tenho uma esquadra em Caminha -e se vos não entregaes, mandarei buscar cem peças de -artilheria, cercarei a praça e a vossa guarnição será -passada á espada.</i>»<a name="FNanchor_38" id="FNanchor_38"></a><a href="#Footnote_38" class="fnanchor">[38]</a></p> - -<p>D’alli a um quarto de hora, Napier estava cá -dentro.</p> - -<p>Depois d’isso, os grandes successos militares da -nossa terra limitam-se a breves assedios, nas luctas -civis de 37 e 47. Houve muito susto, muito fanico -nos dois sexos, alguma granada para espalhar tristezas, -e assim se arranjou um simulacrosito pacato e -economico d’um cerco em regra, como o que soffreu, -ha 19 annos, Strasburgo—(senhoras e senhores, que -ainda fallaes com pavor de 37 e 47)—em que aquella<span class="pagenum"><a name="Pag_239" id="Pag_239">[239]</a></span> -desgraçada cidade teve constantemente, vomitando -a morte e a ruina para dentro dos seus muros, umas -170 boccas de fogo—ninharia que devia fazer um -poucochito de barulho...</p> - -<p>Mas apesar d’isso, de nada valeram os ultimos -assedios; eu—com franqueza—sinto-me muito mais -feliz do que os srs. Manoel Antonio de Barros, José -e João Seixas, Santa Clara e outros que assistiram -a essas tristes scenas das nossas dissenções politicas; -e sinto-me mais feliz, porque, emfim, não me destinou -Deus para emprezas guerreiras e contento-me -em conhecer os effeitos e propriedades da polvora -nas bichinhas de rabear do S. João, ou nos devaneios -pyrotechnicos da palerma Urgeira, sem offensa para -o sr. Chiquinho Veiga.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Mas vejamos qual é a necessidade de conservar -essas odiosas reliquias dos tempos barbaros e qual a -razão que se oppõe, a que nos seja permittido o que -já conseguiram outras terras da fronteira, como Caminha, -Cerveira, Monsão e Melgaço—o arrasamento -de tão brutaes construcções.</p> - -<p>Será a posição estrategica?</p> - -<p>Condições excepcionalmente favoraveis na opposição -a uma invasão extrangeira?</p> - -<p>O inexpugnavel d’aquella posição?</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_240" id="Pag_240">[240]</a></span></p> - -<p>Cartas na mesa, teias d’aranha limpas e jogo -franco, senhores da alta militança, lá das Secretarias -da Guerra.</p> - -<p>Toda esta coisa, com as suas muralhas, baluartes, -fortes, contra-fortes, revelins, fossos, falsas bragas, -casamatas, cortinas, tenalhas, poternas, escarpas, contra-escarpas, -banquetas, meias-luas, taludes, pontes -levadiças, abobadas, etc., etc., que constituem na sua -complicada relação a arte de Vauban, toda esta coisa, -repito—não vale um pataco sebento do sebentissimo -D. João VI!</p> - -<p>E tanto não vale um pataco, que apesar do apregoado -valor estrategico augmentar com a Ponte internacional -e de os engenheiros militares terem lembrado, -quando se construiu a linha ferrea, certas -obras que garantissem as condições da defeza, prejudicada -com os aterros e desaterros—até á data nada -se fez, nem se fará, se Deus Nosso Senhor quizer.</p> - -<p>E tanto não vale um pataco, que se eu tiver em -Lisboa um bom <i>trunfo</i> politico para empenho: se eu -fôr, por exemplo, um João da Gaiteira, elevado politicamente -em potencia votante, ao quadrado ou ao -cubo, obterei, não só licença para construir nos arrabaldes -da Praça, como, tambem, limite de altura superior -ao que eu desejar, embora a isso se opponham -todos os paysanducos e todos os regulamentos do sabio -conde de Lippes.</p> - -<p>Ora, de duas, uma: é ou não é importante o valor -estrategico da Praça?</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_241" id="Pag_241">[241]</a></span></p> - -<p>Não é. Dil-o a sua historia; dil-o a historia das ultimas -campanhas europeas e encarrega-se de nol-o -dizer o Governo de S. Magestade, quando o apertam -com a tarracha do voto.</p> - -<p>Será parvoiçada suppor que, no caso d’uma invasão, -o inimigo se deteria por um momento com as momices -e os esgares d’esta desdentada carcassa.</p> - -<p>Perguntem a Strasburgo, a Verdun, a Bitche, a -Toul, a Soissons, a Metz, a Schelestadt, para que lhes -serviram as vantagens do terreno e as prevenções de -Vauban.</p> - -<p>E sendo nullo o apregoado valor estrategico, que -outra causa fundamenta a estupida prohibição que se -oppõe á construcção de novos edificios, ao desenvolvimento -de povoação, tornando odiosa a missão d’esse -official que, com um curso de engenharia e com a elevada -orientação scientifica, que hoje se obtem nas Escholas -superiores, ahi está de sentinella ao regulamento -senil que tresanda a raposinho, a catinga, e -de que a rotina, o egoismo, e por vezes a velhacaria -fazem instrumento de valimento e, até, de vinganças -pessoaes?<a name="FNanchor_39" id="FNanchor_39"></a><a href="#Footnote_39" class="fnanchor">[39]</a></p> - -<p>Attende-se á probabilidade d’um cerco, d’um -acampamento, e á necessidade de inutilizar, rapidamente, -ao inimigo quaesquer pontos de abrigo?</p> - -<p>Mas, oh Molkes pataqueiros! Então prohibis que<span class="pagenum"><a name="Pag_242" id="Pag_242">[242]</a></span> -em minha casa possa elevar meio palmo ao cano da -latrina, impedis que no meu quintal levante uma barraca -para guardar as melancias e os nabos, e deixaes -ahi cavar, a dezenas de metros da praça, esse desaterro, -onde se abriga uma divisão com as respectivas -familias, se tanto fôr necessario?</p> - -<p>Impedis que lá fóra, na minha horta, levante um -pau com o gallo, para catavento, ou equilibre quatro -taboas, que um cão, alçando a perna no exercicio de -certa funcção, faz cahir, e mandaes construir essa -outra fortaleza de granito—a estação do caminho -de ferro?</p> - -<p>Admittindo, mesmo, que o inimigo se estabelecesse -para cá da fronteira, que seria de Valença se -no Faro, no Marco, ou em qualquer outra eminencia, -elle assestasse quatro canhões Krupp, Bange, Amstrong -ou Fraser, que arremessam projecteis com menos -peso do que as vossas cabeças—verdade é, porque -não teem tanto municio—a 12 e 16 kilometros -de distancia?</p> - -<p>Para que nos asphyxiaes, pois, com estas montanhas -de pedra, militarões lá das altas repartições da -Lysbia, estrategicos de meia tigela, que por ahi inficionaes -de rheumatismo, de gotta, de rapozinho e -de pingo simontado o que póde haver de proveitoso -e util nas instituições militares da nossa Patria?</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_243" id="Pag_243">[243]</a></span></p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>As muralhas para nada mais servem do que para -attestar aos extranhos que—portas a dentro—o -Progresso deixou de actuar.</p> - -<p>Servem, como pittorescamente disseram, ha mezes, -uns lisboetas que ousaram entrar cá dentro: para -impedir que a porcaria e... manchem a belleza dos -arrabaldes; servem para balde do lixo, das immundicies, -e para os habitantes da villa satisfazerem, prompta -e commodamente, um determinado numero de necessidades, -tanto em funcções de reproducção, como -em funcções de nutrição.</p> - -<p>Servem para a gente se desfazer das ninhadas -de gatos, que a <i>Malteza</i> arranja em janeiro com as -suas serenatas ao luar; servem para uma entrevista -baratinha e recatada com pudibunda sopeirinha; servem -para manter certas artes e officios; servem -para fornecer o Hospital militar de bronchites, tysicas, -pneumonias e doenças assizicas, que essas desgraçadas -sentinellas arranjam em larga copia nas -frigidissimas noites de inverno, quando o nordeste, -que corta e açoita, as apanha amarradas com a trela -da disciplina á carreta d’uma peça rachada, vigiando -que o gallego não escale as muralhas e a leve para -berloque da cadeia.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_244" id="Pag_244">[244]</a></span></p> - -<p>E servem, mais, para sustentar essa coisa caduca, -ridicula, inutil, offenbachicamente intitulada o</p> - -<p class="center">Governo da Praça!</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>—Governo da Praça!</p> - -<p class="tb">Raciocinemos logicamente.</p> - -<p>Qual é a idea implicita n’este titulo?</p> - -<p>Commando, direcção na defeza da dita Praça.</p> - -<p>O que exigem estas funcções?</p> - -<p>Conhecimentos estrategicos e noções de todos os -ramos da moderna Sciencia militar, alliados ao senso, -ao valor, á prudencia, ao prestigio e á energia.</p> - -<p>A quem tem sido confiado tão importante cargo?</p> - -<p>Ao Zé da Rosa...</p> - -<p>Ora, meus senhores, com franqueza; eu aposto -<i>aquillo</i> de que se faziam as barretinas, quando não -eram da pelle d’urso, se—declarada a Praça em estado -de sitio e confiado o commando supremo com a direcção -de tudo ao Senhor Zé da Rosa—a cavallo n’um -cabo de vassoira, com um espeto de assar cabritos, -com tres <i>malzabetes</i>, dois <i>paus-reaes</i> e um <i>fileiras</i>, não -tomar Valença e não levar a toque de caixa na minha -frente até ás Bornetas, o Senhor Governador e todo -o seu Excellentissimo Estado-maior!</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_245" id="Pag_245">[245]</a></span></p> - -<p>E para isto, para conservar a esta latrina uns apparatos -bellicos de opereta, estou eu arriscado, por um -descuido, por uma descarga electrica, a dar o meu passeio -aereo até aos reinos da Lua, com a conservação -estupida de milhares de kilos de polvora, que uma -noite podem ter a phantasia de condemnar a minha -humilde pessoa áquellas maravilhosas viagens de Julio -Verne.</p> - -<p>Ora, além do perigo, imagine V. Ex.ª a que enormes -responsabilidades, a que enormes complicações -diplomaticas, a que enormes indemnisações o nosso -Governo se arrisca, conservando por cá essa materia -explosiva, que dava para tanta <i>bichinha de rabear</i> -e para tanto <i>caganitão</i>, se lhe quizesse dar applicação -differente da que ella hoje felizmente tem: estoirar -fragas e rasgar montanhas para facilitar o -avanço da locomotiva.</p> - -<p>Imagine V. Ex.ª que em noite estrellada de agosto, -Don Benito Naveas e sua Ex.ᵐᵃ Familia tomam -socegadamente o <i>té</i>, na sua <i>habitacion</i> de Tuy.</p> - -<p>Don Benito, fiel ao partido legitimista encarece -mais uma vez a bondade e os merecimentos de D. Carlos, -commentando tranquillamente entre saboreadas -fumaças d’um <i>pitilho</i> e goles de <i>té</i>, as noticias que, -sobre o Pretendente, em o numero de <i>miercoles</i>, apresenta -<i>La Integridad</i>, luminosa gazeta assotaina da -inventora dos <i>malzabetes</i>.</p> - -<p>«<i>Con securidad, Don Carlos és muy bueno hombre; -una gran cabeza; el unico rey que debia gobernar la<span class="pagenum"><a name="Pag_246" id="Pag_246">[246]</a></span> -Espana; es un hombre de religion, y que tal... y que -sei yo...</i>»</p> - -<p>Subito, ouve-se um estampido medonho. A casa -abala-se nos seus alicerces; as paredes oscillam; as -traves gemem; as loiças tocam nos aparadores e saltam -em furiosa dança macabra. Ouve-se um <i>crac</i> medonho, -fende-se o tecto e apparece em cima da mesa -<i>del comedor</i>... quem?—o Senhor Abel Seixas, em -pello e em cabello, tal qual estava na cama, sem chinó, -pança sumida e olhinhos espavoridos!</p> - -<p>V. Ex.ª ri-se? Pois o caso não é para isso. Se chegam -uma isca de fogo ao paiol, a qualquer de nós -póde succeder o mesmo.</p> - -<p>E diga-me V. Ex.ª quanto teria o nosso Governo -de pagar a Don Benito pela perturbação do seu socego -e—o que é muito peor—pela alimentação d’esse -insondavel abysmo—a barriga do snr. Seixas—emquanto -este cavalheiro, arrancado bruscamente do seu -leito e atirado por esses ares em escandalosa nudez, -se recusasse, pudicamente, a ostentar pelas <i>calles</i> de -Tuy, no regresso á Patria, as linhas bambaleantes -das suas formas esculpturaes.</p> - -<p>Matutae sobre o caso, homens da Governança!</p> - -<hr class="chap" /> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_247" id="Pag_247">[247]</a></span></p> - -<h2 id="XVI">XVI<br /> -<span class="smaller">A Manifestação de 14 de Janeiro<a name="FNanchor_40" id="FNanchor_40"></a><a href="#Footnote_40" class="fnanchor">[40]</a><br /> -<span class="smaller">(PROTESTO)</span></span></h2> - -<p>Para cá dos limites que tracei á critica dos acontecimentos, -por qualquer aspecto evidentes e impressionaveis -na chronica politica d’esta terra, disponho -hoje, serenamente, os apontamentos colligidos sobre -a manifestação de 14 do corrente, para os sujeitar á -analyse recta e imparcial, isenta de considerações pessoaes -ou collectivas, sem tergiversações de ameaças -ou de lisonjas, a que subordinei o programma dos <i>Sinapismos</i>.</p> - -<p>Á frente d’essa manifestação eu vi homens a quem -dedico verdadeira amizade; que respeito nos actos da<span class="pagenum"><a name="Pag_248" id="Pag_248">[248]</a></span> -sua vida particular; que me honram com as suas relações, -porque se impõem á consideração de Valença -pelo seu caracter digno e pela sua honradez inconcussa.</p> - -<p>Esses homens organizaram uma manifestação popular, -que annunciaram como patriotica e que outros -classificaram como politica. Inspirada no amor da Patria, -ou na paixão partidaria, essa manifestação, evidenciada -nas ruas e nas praças, discutida na Imprensa -como expressão dos sentimentos d’uma parte da população, -perdeu o caracter, para mim respeitavel, d’um -acto isolado da vida particular e adquiriu a importancia -d’um facto social, publico e, portanto, sob o dominio -da critica.</p> - -<p>Abstraio, pois, do meu espirito as relações que -me unem a essas individualidades, e nos periodos que -vou ordenar para a composição d’este artigo, declaro, -outra vez ainda, que aprecio a manifestação promovida -por um grupo anonymo de cidadãos e não -por um grupo de individuos, d’esta ou d’aquella classe, -d’aquella ou d’esta côr politica.</p> - -<p>A violencia da phrase com que tenha de censurar -qualquer aspecto d’essa manifestação, que me pareça -menos digno, não irá, pois, desvirtuar a sinceridade -de relações, mais ou menos affectuosas; nem poderá, -tambem, ser reputada como indicio de adhesão a opiniões -já manifestadas por quem, em identicas apreciações, -se deixa desorientar pelas paixões partidarias -que levam a applaudir toda a inepcia d’um grupo em<span class="pagenum"><a name="Pag_249" id="Pag_249">[249]</a></span> -que se está filiado, e a estigmatizar qualquer idea, -muitas vezes util e proveitosa, suggerida pelos contrarios.</p> - -<p>Esta é a missão do critico e praza a Deus que a -consciencia nunca me accuse de escrever o contrario -do que ella, á luz da imparcialidade e d’um livre criterio, -dieta á minha penna.</p> - -<p>Nos periodos d’este artigo abandono a feição humoristica -dos restantes. Tenho de me referir á crise -dolorosa por que actualmente passa a alma da nacionalidade -a que me orgulho de pertencer; e n’essa referencia, -quando a humilhação nos ruboriza as faces e -a recordação das passadas grandezas nos amargura e -entristece, o sorriso seria uma villania e a gargalhada -seria uma infamia.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>A força inicial dos acontecimentos de 14 do corrente -não se póde attribuir á expansão d’um sentimento -patriotico, provocada pela recente affronta de -Lord Salisbury; na agitação do grupo que promoveu -a manifestação não vibrou a alma da Patria: tumultuou -o espirito d’um partido.</p> - -<p>Mas de qualquer caracter, patriotico ou politico, -essa manifestação, nas condições em que se realizou, -envolvendo a bandeira nacional e a responsabilidade<span class="pagenum"><a name="Pag_250" id="Pag_250">[250]</a></span> -d’uma povoação, não merece classificação diversa da -que se póde exprimir com estas palavras:</p> - -<p class="center">foi <b>aviltante</b> para Valença.</p> - -<p>Os homens que a promoveram não teem direito á -consideração e, muito menos, ao applauso dos seus -conterraneos, porque não são patriotas sinceros, nem -politicos dignos. São escravos inconscientes da politica -sertaneja, d’essa degradante aberração de principios -sãos, de crenças firmes, de convicções honestas, que -desorienta, humilha e arrasta pela lama da indignidade, -caracteres respeitaveis e talentos privilegiados.</p> - -<p>Envolveu-se n’essa <i>manifestação</i> a responsabilidade -de Valença.</p> - -<p>Pois, em nome dos brios d’um povo que é portuguez, -em nome d’uma terra que amo, e que se faz -respeitar no paiz pela auctoridade intellectual dos filhos -que a representam nos mais elevados cargos sociaes—eu -<b>protesto</b> contra o labeu infamante, com -que o grupo organizador da manifestação de 14 do -corrente aviltou a nobilissima attitude da Patria na -desaffronta d’um insulto e na defeza de direitos conquistados -pelo sangue d’esses heroicos luctadores que,—transpondo -novos oceanos e descobrindo novas constellações, -arrostando os ignotos perigos do <i>Mar Tenebroso</i> -que a phantasia popular envolvera na nebulosa -dos mythos, luctando contra a aspereza de inhospitos -climas e contra as rudes vicissitudes da guerra,—ás<span class="pagenum"><a name="Pag_251" id="Pag_251">[251]</a></span> -mais remotas regiões, ás mais distantes e mysteriosas -paragens, levaram o nome portuguez, desfraldando -a bandeira, onde não se lia, como nas dos modernos -exploradores inglezes: <b>Infamia</b> e <b>Oppressão</b>, -mas:</p> - -<p class="center"><b>Liberdade. Civilisação. Progresso.</b></p> - -<hr class="tb" /> - -<p>—Impulsionou-nos, dizem, o amor da Patria.</p> - -<p>Discutamos, então, a manifestação, sob esse aspecto.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Lord Salisbury, representante d’um povo egoista, -perfido e covarde, cuja Historia tem a gangrena da -infamia, as pustulas da devassidão e o excremento das -villanias, fustigou com o chicote do seu <i>ultimatum</i> as -faces de todo o homem que se honra com o nome de -<i>portuguez</i>.</p> - -<p>A grosseria avinhada do insulto, a brutalidade do -attentado contra todos os direitos estabelecidos, a ferocidade -do egoismo, a covardia da imposição d’uma -besta superior em força, a dolosa argumentação abonatoria -do <i>ultimatum</i> e—sobretudo—a consciencia -da nossa fraqueza e da nossa impotencia para a defeza -energica de direitos indiscutiveis,—afistularam<span class="pagenum"><a name="Pag_252" id="Pag_252">[252]</a></span> -dolorosamente o coração da Patria e, de norte a sul, -de oriente a poente, da cidade ao burgo, homens de -todas as classes, de todas as condições e partidos, -sentindo despertar, redivivo e forte, o espirito da nacionalidade -e o orgulho d’outras eras gloriosas, ergueram-se, -gritando: <b>Infamia!</b>—e occultaram o -rosto, para que n’elle ninguem visse o rubor da vergonha -e o vasquejar do desalento.</p> - -<p>A Imprensa, o Exercito, a Academia, a Magistratura, -o Commercio, a Industria, os Municipios, as Sociedades -recreativas, as Agremiações de classes, o -banqueiro e o artista, o pobre e o rico,—arrebatados, -galvanizados pela mesma chispa de acrisolado -patriotismo—disputaram primazia de nobreza nos seus -protestos.</p> - -<p>Mas no rosto de todos esses homens, na eloquencia -dos seus discursos, no ardor das suas invectivas -e no esgrimir da sua argumentação, eu vi sempre, -evidentes, sinceros, expontaneos e fervorosos, os impulsos -de nobilissimos sentimentos.</p> - -<p>Resaltava-lhes dos labios a indignação e, a espaços, -no avincado da fronte e no amortecido do olhar, -eu descubri o anciar d’uma grande dôr e o revolutear -infernal do insulto humilhante, que não se póde vingar.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_253" id="Pag_253">[253]</a></span></p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Um cortejo grotesco, esfarrapado, ululante, recrutado -na Parada-velha e avolumado por essa massa -anonyma e inconsciente de povo, babugem na onda -de todas as manifestações e comparsa indispensavel -em todas as farças que tresandem a borga e a quartilhos -de vinho, precedia o grupo promotor da <i>manifestação -patriotica</i> valenciana.</p> - -<p class="tb">Lá na frente, um homem de cabellos brancos, -agitando a bandeira da Patria.</p> - -<p class="tb">No conjuncto, uma arruaça carnavalesca, uma -desordenada <i>fantochada</i>, scintillante de archotes, tocos -de sebo e phosphoros de espera-gallego; ruidosa -de gaiteiros e caixas de rufo, latas de petroleo, assobios -de barro, arrotos, berros asselvajados, graçolas -de bordel, acclamações roucas e avinhadas.</p> - -<p>Nos olhos, nas faces, na voz, no gesto dos promotores -da <i>manifestação patriotica</i>, uma alegria evidente, -saltitante, irreprimivel, estoirando nas expansões -ensurdecedoras d’um jubilo guindado aos pinos -do delirio, pelo sopro bestial d’uma pandorga de -encarvoados hottentotes, já celebres na <i>Questão da -Santa</i>.</p> - -<p>Abraços, fremitos de contentamento, chapeos no<span class="pagenum"><a name="Pag_254" id="Pag_254">[254]</a></span> -ar, demonstrações de affecto, apotheoses jogralescas, -guizalhadas de truão, vivas a Deus, ao Rei, ao Regedor -da Parochia, ao Exercito, ás Artes, ao pendão -das quinas, a Serpa, aos abbades, ao João da Gaiteira.</p> - -<p class="tb">Á frente, um homem de cabellos brancos agitando -a bandeira nacional.</p> - -<p class="tb">Dominando a turba, no frontão dos Paços do Concelho, -o escudo da Patria: a honra portugueza aviltada, -as tradições gloriosas d’um gloriosissimo passado, -a epopea das Indias, a harpa eolia dos <i>Lusiadas</i> -vibrando, soluçante, com os derradeiros alentos -do Infante navegador, de Vasco da Gama, de Alvares -Cabral, de Affonso de Albuquerque, de Gonçalves -Zarco, de Tristão Vaz, de Gonçalo Cabral, de Diogo -Cam, de Bartholomeu Dias, de Fernão de Magalhães, -de Godinho de Eredia, de Affonso de Souza, de D. -João de Castro;—a fulgentissima constellação das -nossas conquistas: Ceuta, Arzilla, Cabo Verde, Açores, -Madeira, o Brazil, a Guiné, Mombaça, Quiloa, -Mascate, Ormuz, Diu, Calecut, Goa, Malaca, Cananor, -Ceylão—empallidecendo com os clarões avermelhados -da archotada.</p> - -<p>E quando o nojento e sinistro abutre inglez, sulcando -a escuridão da noite, poisava no frontão municipal -e perante a <i>illustre</i>, <i>benemerita</i> e <i>patriotica</i> Commissão -manchava, abrindo um pouco as pernas, o escudo<span class="pagenum"><a name="Pag_255" id="Pag_255">[255]</a></span> -da Patria, com o excremento e com o vomito—quando -em todas as povoações de Portugal se -erguia, energico, o brado da desaffronta e, dolente, -o gemido da humilhação—das varandas d’uma casa -que pertence ao Estado e que representa, entre nós, -a instituição mais nobre, porque é a fiel depositaria -das nossas glorias e dos nossos direitos—essas tres -palavras ôcas, golfadas, em comica explosão de inconcebivel -calinice, sobre os ervaçaes de Paysandu:</p> - -<p class="center">Viva Valença... <b>restaurada!</b></p> - -<p>..............................</p> - -<p>Fumemos um cigarro para espalhar tristezas...............................</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Continuemos.</p> - -<p>Á frente, sempre á frente, rindo, e chorando lagrimas -de pathetica sensibilidade, um homem de cabellos -brancos, agitando a bandeira da Patria.</p> - -<p class="tb">E ao longe, mais ao longe, para lá do Minho, -essa nação cavalheiresca, como nenhuma, quando -offendem os seus brios: a patria do Cid, de Cortés,<span class="pagenum"><a name="Pag_256" id="Pag_256">[256]</a></span> -de Pizarro e de Balboa; povo altivo que diz aos seus -reis, em Aragão: <i>nós, que valemos tanto como vós</i>; -que impõe a Carlos <span class="smcapuc">I</span> pela bocca de Padilla, heroico -chefe dos <i>cumuneros</i>, o codigo das suas liberdades; -que ainda, ha pouco, se convulsionava fremente e -ameaçador perante a reclamação <i>ingleza</i> do Chanceller -de ferro—povo rico de generosos enthusiasmos -e enthusiasta de generosas ideas, nosso irmão -de raça e companheiro nosso nas aventurosas emprezas -d’alem mar—essa nobilissima Hespanha, escutando, -absorta e commovida, os ruidos da bacchanal, -o tumultuar da arruaça, o cornetear dos hymnos e a -vozearia da magna caterva.</p> - -<p>E quando esse povo, pela bocca da sua Academia, -do seu Exercito, da sua Marinha, das suas Sociedades -de Geographia, nos enviava calorosos brados de -affecto e nos insufflava alento e coragem—a <i>illustrada</i>, -<i>benemerita</i> e <i>patriotica</i> Commissão promotora da -<i>manifestação</i> erguia aos ares saudações á Hespanha -e desfilava perante o representante d’aquella nação, -em marcha fandanga, ao compasso esbodegado do -hymno da Restauração!</p> - -<p class="tb">Á nota burlesca, a nota grosseira.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Quem hoje possue vagas noções de Historia patria, -no mechanismo da sua evolução politica, reconhece,<span class="pagenum"><a name="Pag_257" id="Pag_257">[257]</a></span> -com verdadeiro desalento, quanto tem sido -errado o plano das nossas allianças.</p> - -<p>Desprezaram-se as affinidades da raça, a continuidade -do solo, a homogeneidade das aspirações, a -reciprocidade dos interesses, a egual fertilidade do -clima, a riqueza dos productos, todas essas especialissimas -condições de independencia e de defeza que, -aproveitadas para beneficio commum em estreita alliança -de dois povos—garantidas a liberdade e a -autonomia das instituições politicas de cada um—podiam -tornar a Peninsula uma facha de terreno -inexpugnavel e inaccessivel ás ambições de qualquer -despota.</p> - -<p>Com o rapido exame d’um mappa, a Natureza nos -indica as vantagens d’essa alliança com a Hespanha.</p> - -<p>As truanescas manifestações do <i>Primeiro de Dezembro</i> -invariavelmente ajoujadas a uma oratoria -desenxabida e bolorenta, cinzelada a largos traços -pelo escopro da Rotina, mirabolante de imagens sediças -colhidas nos marneis paludosos d’um sentimentalismo -piegas em materia de patriotismo—acirrando -odios contra quem respeita a nossa autonomia, acata -os nossos direitos e liberdades, e partilha, com egual -dedicação, o nectar das nossas alegrias nas grandes -consagrações civicas e o fel das nossas amarguras -n’estes tristes dias de decadencia—devem banir-se -para sempre em terras, como esta, que merecem cotação -intellectual superior á de Paio Pires.</p> - -<p>Os sessenta annos do captiveiro chocalham constantemente<span class="pagenum"><a name="Pag_258" id="Pag_258">[258]</a></span> -nos cerebros dos gafados patriotas, para -despertarem no povo o espirito da sua nacionalidade -e a altivez da sua autonomia. Mas esse periodo sumiu-se -nas brumas do Passado e pela heroicidade -dos quarenta immortaes—o que é muito discutivel—ou -por circumstancias occasionaes e propicias á -nossa emancipação, ha duzentos e cincoenta annos -que somos livres e independentes, entre as demais -nações da Europa.</p> - -<p>Transmittimos aos nossos filhos esse odio á Hespanha; -sobre os bancos das praças, golfamos, em façanhuda -oratoria, rancorosas recordações dos Filippes, -das luctas da Independencia, das agruras do captiveiro, -do despotismo de Olivares; e, entretanto, -entra-nos John Bull em casa, empalma-nos as mais -ricas colonias, impõe-nos esses vergonhosos tratados -de 1642, 1661, 1703 (Metwen), 1810, 1842, 1878 -e esse celebre tratado de Lourenço Marques, em que -os dois actuaes partidos da nossa politica teem graves -responsabilidades, um porque o redigiu, outro -porque o approvou, embora modificado.</p> - -<p>A Hespanha subjugou-nos por 60 annos. A Inglaterra -subjuga-nos ha perto de tres seculos, dispondo -da nossa Politica e absorvendo lentamente todos os -elementos da nossa riqueza e da nossa vitalidade. -Com a Hespanha não queremos relações, porque todos -os nossos affectos são para a Inglaterra, que nos -acorrenta a allianças, onde ha perfidias e traições, e -nos socorre, quando lhe convém—com exercitos de<span class="pagenum"><a name="Pag_259" id="Pag_259">[259]</a></span> -bandidos que devastam e roubam este desgraçado -paiz com sofreguidão superior á do inimigo, que nos -forçou a pedir soccorro.</p> - -<p>A Hespanha festeja e acolhe bizarramente os -nossos exploradores. A Inglaterra sorri desdenhosamente, -orgulhosa de Stanley, o feroz Attila dos sertões -africanos. E quando nos vê abatidos, impotentes -e pobres, insulta-nos pelas boccas do poltrão Bright, -do troca-tintas eleitoral Salisbury e por essa horda -de bandalhos, redactores do <i>Times</i> e do <i>Standart</i>, -assalariados para abafarem as asquerosas applicações -dos <i>Telegraph’s boys</i>.</p> - -<p>Todavia, quando Sua Alteza o Principe de Galles -vem a Lisboa gastam-se centenas de contos com -a sua recepção, e quando a <i>graciosa</i> Magestade, (que -graça!) Mamã do dito Principe, solemnisa o jubileu, -os representantes do povo portuguez curvam-se, reverentes, -em respeitosos salamaleques, aos <i>graciosos</i> -pés da <i>graciosa</i> Imperatriz das Indias!</p> - -<p>E no <i>Primeiro de Dezembro</i>, já se vê, grossa -pancadaria de gaiteiros e um nunca acabar de foguetes -com tres respostas.</p> - -<p class="tb">O hymno da Restauração desperta antigos rancores -e origina odios, que a Hespanha não merece. -Mandar tocar esse hymno, aqui, na fronteira, exactamente -na occasião em que aquella nação estremece -com o insulto que o inglez nos vibrou, não denota, -sómente, grosseria, denota ignorancia.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_260" id="Pag_260">[260]</a></span></p> - -<p>Temos, pois, já outra nota:—a da ignorancia; e -como burlesca, grosseira, e ignorante, repetimos:</p> - -<p class="tb">a manifestação de 14 do corrente foi <b>aviltante</b> -para Valença,</p> - -<p class="noindent tb">porque aviltou a bandeira da Patria que, á frente, -um homem de cabellos brancos agitava.</p> - -<p>Examinemos agora, respeitosamente, este homem.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Descubro-me perante elle.</p> - -<p>Tem 74 annos.</p> - -<p>É um espirito embalado pelas doiradas crenças -da velhice, que se assemelham ás ingenuas convicções -da mocidade.</p> - -<p>Tem enthusiasmos pueris e cultos idolatrados.</p> - -<p>Influe a mais rigida honestidade nos actos da sua -vida particular.</p> - -<p>É um homem antigo, como diz o povo; e n’esta -epocha de decadencia, em que na alma da nação existem, -narcotisados pela mais criminosa indifferença e -pelo mais repugnante egoismo, todos os sentimentos -nobres e todas as crenças sans—este homem continúa -caminhando impassivel para o occaso da vida, -com os olhos fitos n’um Ideal de Honestidade e de -Convicções—especie de mytho, com que, apontando<span class="pagenum"><a name="Pag_261" id="Pag_261">[261]</a></span> -para o Passado, tentamos hoje inocular no espirito -dos nossos filhos o virus preservativo contra a Descrença -e contra o Scepticismo.</p> - -<p>Este homem conserva ainda, immarcessivel, a pureza -de todos os cultos e de todas as tradições que -seus Paes lhe legaram.</p> - -<p>Crê na infallibilidade do Papa, na moralidade dos -partidos, na sinceridade das convicções, na respeitabilidade -dos conselheiros, na seriedade d’um <i>marmanjo</i> -sertanejo qualquer, que, sentado no confessionario, -descança, hoje, das fadigas que lhe vergam as -pernas, depois das arruaças politicas d’hontem.</p> - -<p>Atraz das procissões sente-se feliz e orgulhoso -com o seu <i>habito</i>, marchando, altivo, ao lado do pantomimeiro, -que em troca d’uma tranquibernia eleitoral -chegará a ser commendador de Malta, ou Marquez, -em dez vidas, de Paysandú, ou Chão das Pipas.</p> - -<p>É fanaticamente liberal; quando, n’um dos artigos -d’este livro, por inoffensivo trocadilho, lhe chamei -<i>miguelista</i>, teve explosões de colera e arrancos de indignação.</p> - -<p>Chamam-lhe: o <i>liberal de 34</i>.</p> - -<p>Soffreu com as luctas d’essa epocha e com as seguintes.</p> - -<p>Foi perseguido; andou a monte, passou fome e -foi preso.</p> - -<p>Respeita as instituições vigentes. Não admitte -manchas na vida politica de D. Pedro <span class="smcapuc">IV</span>, o seu legitimo -Rei. Desculpa as fragilidades d’esse sebento poltrão,<span class="pagenum"><a name="Pag_262" id="Pag_262">[262]</a></span> -D. João <span class="smcapuc">VI</span>. Odeia os republicanos e ajudaria a -enforcar um iberico.</p> - -<p>Por consequencia, na sua alma existe, profundamente -enraizado, o amor da Patria; não o amor originado -no funccionalismo da barriga, mas o que parte -do coração, o que é verdadeiro, intransigente e expotaneo.</p> - -<p>Pois este homem foi ignobilmente explorado para -o scenario da <i>manifestação patriotica</i> e, acorrentado -pela Politica, exposto por essas ruas ao mais degradante -ridiculo.</p> - -<p>Dedilharam as cordas do seu sincero patriotismo; -falaram-lhe na Patria offendida; mostraram-lhe a -bandeira. Abraçou-se a ella, nervoso, soluçando, humedecendo-a -com lagrimas.</p> - -<p>Empurraram-no para a rua.</p> - -<p>Quando na minha frente passou o grotesco cortejo, -eu já não vi o velho respeitavel, nem o homem -liberal. Vi um macaco vestido de azul e branco, com -a corôa real na cabeça, pinchando e bailando ao som -dos hymnos esmoidos pelo realejo da philarmonica -africana.</p> - -<p>De quando em quando, o realejo cessava de tocar.</p> - -<p>Um patriota discursava á turba; outro extendia -o prato e pedia a esmola dos <i>vivas</i>.</p> - -<p>O macaco ria, ou chorava.</p> - -<p>—<i>Viva a Reliquia!</i>—exclamavam á frente do -cortejo.</p> - -<p>—<i>Viva o Relicas!</i>—berravam os paradas-velhas.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_263" id="Pag_263">[263]</a></span></p> - -<p>Do liberal de 34 a Politica acerdalada fizera -aquillo: uma coisa ridicula, comica, irrisoria, tristemente -deploravel, porque tinha cabellos brancos. -Essa <i>coisa</i> já não era a Reliquia dos homens liberaes -de 34; era uma <i>Reliquia</i> falsificada, de contrabando, -como seria o rabo do meu gato, exposto em Santo -Estevão á veneração das beatas, como uma trança de -cabello de Santa Margarida de Cortona.</p> - -<p>Á porta do Sr. Palhares, a cabeça branca d’esse -velho recebia picaresca consagração, n’esta phantasiosa -e alcoolica imagem:</p> - -<p class="tb">—<i>Viva a Rosa de 74 annos, estramplantada -para o nosso Jardim!</i></p> - -<p class="tb">E a caterva parada-velha repetia:</p> - -<p class="tb"><i>Viva a Rosa Relicas!</i></p> - -<p class="tb">Do homem liberal ficou para Valença a: <b>Rosa -Relicas</b>.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Este homem, lendo o que escrevo deve considerar-se -offendido pela rudeza da ironia.</p> - -<p>Oxalá que a caterva dos falsos amigos, que o -guindaram para o andor do Ridiculo, o respeitassem<span class="pagenum"><a name="Pag_264" id="Pag_264">[264]</a></span> -como eu o respeito e venerassem, como eu venero, a -sinceridade das suas crenças!</p> - -<p class="mt3 right">Homem de 34!</p> - -<p>Escuta:</p> - -<p>A minha idade é muito inferior a metade dos teus -annos. Entrei no periodo activo da vida, quando já -estavam suffocadas as agitações politicas a que assististe. -Não tenho relações intimas comtigo, mas -respeito-te, porque és dos homens que trabalharam e -soffreram para eu gosar as liberdades d’esta epocha. -Não tenho a experiencia da vida que tu tens, mas -peço-te que attendas ao que te vou dizer, porque conheço, -melhor do que tu, os individuos que nos rodeiam, -a natureza dos seus sentimentos e a sinceridade -das suas crenças. Quando a minha razão principiou -a funccionar, já por ahi lavrava, intensa, a -immoralidade, e os homens, pela irrefutavel logica -dos factos, encarregaram-se de inutilizar no meu espirito -as illusões que tu ainda conservas, porque vives -um pouco arredado d’elles.</p> - -<p>Escuta, pois!</p> - -<p>Quem, como tu, soffreu as deploraveis consequencias -das nossas dissenções politicas e provou o fel -d’essa malfadada epocha, em que dois partidos, irmãos -no sangue, se perseguiam com encarniçado odio, a -tiro, a faca, a cacete e a machado,—quem, como tu, -avaliou os dolorosos transes e as indescriptiveis angustias<span class="pagenum"><a name="Pag_265" id="Pag_265">[265]</a></span> -que infernaram a alma das familias e dilaceraram -os affectos d’uma povoação, constantemente -sobresaltada com a incerteza nas vidas e com a noticia -das mortes,—quem conheceu os horrores da -fome, as tristezas do exilio, os negrumes do futuro,—quem -viu o corpo d’um portuguez baloiçar-se, sinistramente, -na forca infamante, e viu as costas d’um -homem esfarrapadas pela chibata do corneta,—quem -teve amigos que foram assassinados a machado em -Extremoz, arrastados, semi-vivos, pelas ruas do Porto, -espingardeados nas linhas e no reducto dos Mortos, -garrotados em Lisboa, fusilados em Vizeu,—quem -viu cabeças, gottejando sangue, espetadas em -mastros e ouviu falar das ferocidades do Telles-Jordão -e do seu <i>menino</i>, bestiaes cerberos de S. Julião,—quem -escutou por todo esse paiz o choro afflictivo -das viuvas, o soluçar das creanças e o estertor dos -moribundos entre as ruinas da Patria, ennegrecidas -pela fumarada do incendio e avermelhadas pelo sangue -fratricida,</p> - -<p class="right">homem de 34!</p> - -<p class="noindent">quem viu e ouviu tudo isso, nunca deve contribuir -com a sua presença e com o seu applauso para acirrar -o odio dos partidos, ou para estimular em terras -pequenas, como Valença, essas divergencias de opiniões -que, levadas pela allucinação á infamia das -vinganças e ao rancor das represalias, podem preparar,<span class="pagenum"><a name="Pag_266" id="Pag_266">[266]</a></span> -no futuro, nova serie de horrores, como os que -tu viste e como os que tu soffreste.</p> - -<p>Esses cabellos brancos nunca se devem prender -ao Passado para trazerem á terra em que vives e -onde tens os teus affectos de familia, o bacamarte -assassino e o facho incendiario, em que se podem -transformar esses archotes do teu sequito de paradas-velhas. -Devem prender-se ao Passado, mas para de -lá arrancarem com o vigor da experiencia: o conselho, -o ensinamento, a reflexão, que podem suffocar o -ardor das paixões e prevenir os excessos da allucinação.</p> - -<p>Tens umas convicções partidarias; acceitas um -<i>credo</i> politico. Respeito essas convicções e a doutrina -d’esse <i>credo</i>, porque ao teu partido deve a Patria valiosos -serviços na honrosissima cruzada do seu engrandecimento, -d’onde emanam a paz e as liberdades -que hoje fruimos.</p> - -<p>Sustenta as tuas idéas politicas, mas descreve, -sempre, aos homens de todos os partidos o que foram -as luctas e as agitações de 30 a 51.</p> - -<p>Tu és honesto, crente, sincero e bom. Não manches -a respeitabilidade das tuas cans n’essas abandalhadas -orgias, onde vês como principaes heroes, <i>exigindo -musica e borga</i>, ministros d’uma religião de -paz, de tolerancia e amor, afeitos ás esturdias sertanejas -e acerdaladas d’uma politica de barriga, de arroz -de forno, e de chouriço com ovos.</p> - -<p>Talvez que n’essas horas de esturdia algum pobre<span class="pagenum"><a name="Pag_267" id="Pag_267">[267]</a></span> -velho agonizasse, pedindo, em vão, o amparo de -Christo...</p> - -<p>Como patriota, modera esses enthusiasmos, que -tão violentamente agitam a tua alma.</p> - -<p>Crês, acaso, na intensidade d’esta explosão de -colera que Lord Salisbury provocou?</p> - -<p>Verás como, dentro de dois mezes, não resta uma -faula de todo este incendio. Temos á porta novas -eleições; o vinho das <i>borgas</i> se encarregará de apagar -as labaredas.</p> - -<p>Crês na efficacia dos meios, até hoje apresentados -para a nossa defeza e para a nossa desaffronta?</p> - -<p><i>Será</i> mais um triste couraçado para, em frente -de Belem, chorar as nossas passadas grandezas.</p> - -<p>Acreditas na persistencia da lucta commercial?</p> - -<p>Dentro d’um anno, a chita e a lona virão outra -vez de Manchester, porque lá, custa cada peça menos -2 <i>shillings</i> e 6 <i>pence</i> do que n’outra parte. Em -mil peças, essa diferença produz cerca de seiscentos -mil reis que, a juro de 6 por cento, rendem oito libras -annuaes. Ora, essa diferença, bom homem, não -se póde perder. Esta coisa de patriotismo é bonita, -fica bem a todos; inspira discursos, que põem a gente -a dançar na corda bamba do enthusiasmo, mas... alli, -o meu visinho vende o metro da lona a sete menos -cinco, e a que eu tenho custou sete vintens em algures. -Nós—eu, tu, os teus amigos e os meus—vamos a -quem vende mais barato. Precisamos de economizar, -porque está tudo, como sabes, pela hora da Morte.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_268" id="Pag_268">[268]</a></span></p> - -<p>Pensa bem e reconhecerás que, hoje, a Patria -não merece essas lagrimas, com que humedeceste a -sua bandeira.</p> - -<p>Vês este enthusiasmo na subscripção nacional?</p> - -<p>Lembras-te do que houve na subscripção do Baquet?</p> - -<p>Pois ninguem se lembra das victimas e ninguem -conhece a applicação que teve o dinheiro que demos.</p> - -<p>Alegra-se a tua alma com este furor contra o -inglez?</p> - -<p>Tens visto a excitação que se levanta por esse -paiz, quando algum <i>sotaina</i> arrebata, do seio da familia -para a clausura do Recolhimento, qualquer -herdeira endinheirada?</p> - -<p>Comicios—representações—protestos—morras -ao Jesuita!—abaixo a reacção!—o diabo!</p> - -<p>Quinze dias depois, já ninguem fala em tal. A -rhetorica entra novamente na gaveta das coisas ricas -e asseadas. Depois... Quartel general em Abrantes.</p> - -<p>N’esta propaganda anti-ingleza só encontras enthusiasmo -sincero nas manifestações da mocidade e -na indignação dos velhos—duas epochas da vida, -que se assemelham, como sabes.</p> - -<p>Esses que te envolveram na <i>manifestação patriotica</i> -gastaram, com a esturdia e com as ultimas eleições, -cerca de trezentos mil reis. Vae saber quanto -elles dão para o couraçado e para os torpedeiros.</p> - -<p>Andaram comtigo em charola e adoraram-te, de<span class="pagenum"><a name="Pag_269" id="Pag_269">[269]</a></span> -joelhos e mãos postas, como uma Reliquia dos homens -liberaes.</p> - -<p>Ataram os seus enthusiasmos aos teus cabellos -brancos e elevaram, aos céos da popularidade, o balão -flammejante dos patriotismos. Curvam-se arrebatados, -extasiados, sensibilizados, perante as venerandas -Reliquias dos homens liberaes; mas—ouve lá—pergunta-lhes -se alguma vez se lembraram d’esse -pobre velho de cem annos, que desembarcou no Mindello, -que teve a <i>Torre Espada</i> e que para ahi viveu -cego, decrepito e idiotado, com tristes patacos, -emquanto que muito...</p> - -<p class="tb">—Bom homem! Dá cá outro cigarro...</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Resumindo, meu velho, aconselho-te a que moderes -esses teus enthusiasmos patrioticos, porque excluindo, -como disse, as manifestações dos novos que -ainda não roçaram as azas pela immoralidade d’estes -tempos, todas essas celeumas e gritarias não valem—crê—uma -das tuas lagrimas. Isto, emquanto a patriotismo. -Ora, ácerca da Politica e dos homens que por -cá dirigem os partidos, quando elles te agarrarem -nas pernas para o andor da <i>fantochada</i>, faze-lhes como -eu fiz aos paysanducos, que me quizeram matar por -causa da carta ao <i>Restaurador</i>:</p> - -<p class="right"><i>esguicha-os</i>.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_270" id="Pag_270">[270]</a></span></p> - -<p>Olha que, politicamente falando, entre Fonsecas, -Vices & Abbades, ou Moraeses, Agostinhos & Cunhas</p> - -<p class="right">venha o diabo e escolha.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Agora, dá-me a bandeira e grita commigo a esses -<i>patriotas</i>, que te querem levar para as freguezias:</p> - -<p class="tb"><b>Abaixo as mascaras!</b></p> - -<p class="tb">Vae socegado para tua casa, e deixa-me com elles, -porque lhes quero dizer, ainda, duas coisas, antes -que saiam da Coroada.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Já podemos rir, respeitabilissima Commissão <i>patriotica</i>:</p> - -<p>Arrancadas as mascaras, <i>vocellencias</i> ficaram o que -realmente são: não patriotas, mas politicos de gaiteiro.</p> - -<p>Disse eu, no principio d’este artigo, que a <i>manifestação</i>, -quer tivesse o caracter politico, quer o patriotico,<span class="pagenum"><a name="Pag_271" id="Pag_271">[271]</a></span> -aviltára Valença. Demonstrei a asserção relativa -á segunda das classificações e vou evidenciar -a indignidade da primeira.</p> - -<p>Estes <i>banzés</i> de musicas, foguetes, vivas, archotadas, -cómes-e-bebes, brindes etc., etc., podem fazer -effeito entre abbades sertanejos, dos que não sabem -verdadeiramente quaes são as leis de equilibrio que -obrigam a gente a andar com as mãos no ar, sendo -a cabeça mais pesada do que os pés.</p> - -<p>Esses regabofes trescalam, sempre, essencias do -alho, do carneiro assado, do esturro das batatas, da -vinhaça, do vomito—essencias que denunciam o suborno, -a pressão, a compra de voto, a immoralidade, -a inconsciencia e o servilismo.</p> - -<p>Os partidos compõem-se de homens, que nos actos -da sua vida social, como nos actos da sua vida particular, -acertam e erram.</p> - -<p>Por estes e por aquelles accidentes sobem ao poder -e sahem d’elle. Uns e outros decretam leis inuteis, -uteis e prejudiciaes, porque infallivel dizem que -só é o Papa e, ainda assim, ha muita gente que embica -com essa infallibilidade.</p> - -<p>O partido progressista, como o partido regenerador, -tem tradições honrosas e tem manchas; o partido -regenerador, como o partido progressista tem no seu -seio homens dignos, que honram o paiz.</p> - -<p>Quem póde, em momentos de reflexão serena, -deixar de prestar homenagem de gratidão e de respeito -á memoria d’esse homem, que dedicou toda a<span class="pagenum"><a name="Pag_272" id="Pag_272">[272]</a></span> -sua existencia ao engrandecimento da Patria e que, -apesar de ter palacios em Londres, morreu pobre e -legou dividas:—Fontes Pereira de Mello?</p> - -<p>Quem póde recusar-se a honrar o nome de Anselmo -Braamcamp, o cidadão prestante, o caracter -nobilissimo, a quem o paiz tanto deve?</p> - -<p>Os defeitos da Politica portugueza, desde 32: os -arranjos, as ambições, o desperdicio dos dinheiros -publicos, o desamparo das instituições proveitosas, -o abandono da Agricultura, da Industria, das Colonias, -são communs, e d’elles teem eguaes responsabilidades -todos os partidos.</p> - -<p>Esses defeitos vem de cima e vão para cima. Apparecem -nas imposições eleitoraes, na recommendação -governamental dos candidatos, na necessidade -das maiorias etc.; e nascem alli, nas pretensões do -Sr. Abbade, que precisa de livrar os mancebos X e -Y do recrutamento, nas exigencias do magnate Fulano, -que pretende uma estrada para a quinta etc.</p> - -<p>De cima vem as imposições; de baixo vão as exigencias. -Ora, n’esta permutação de generos, por conta -propria, ou á commissão, ganham sempre os de -baixo e os de cima; e, sendo assim, claro é que deve -haver um terceiro para os prejuízos:—ha o Paiz.</p> - -<p>Isto é coisa velha e sabida.</p> - -<p><i>Vocellencias</i> terão a ingenuidade de suppôr que -haja alguem, n’este anno de Christo, que repute -sinceras, emanadas d’uma profunda convicção politica, -essas ruidosas manifestações?</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_273" id="Pag_273">[273]</a></span></p> - -<p>Na <i>fantochada</i> de 14 o que se evidenciou foi isto: -a explosão partidaria de quem estava <i>por baixo</i>, a -pirraça aos Moraes<i>es</i>, o nectar das abandalhadas vinganças, -os mancebos livres do recrutamento, a provocação -da <i>beiça</i> e outros elementos que a ignorancia -gera.</p> - -<p>Quando <i>vocellencias</i> passavam, a gente,—emfim, -por delicadeza: Maria vae com as outras—sorria e -cortejava; mas cá dentro, no escaninho da nossa razão, -onde, á noite, guardamos a gravata e o Senso -commum, appareciam logo, nitidas e causticas, estas -palavras:</p> - -<p class="center"><b>Que sucia de pataratas!</b></p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Quando cahiu o partido regenerador, os progressistas -promoveram egual <i>borga</i> por essas ruas; quando, -ha mezes, se realisaram as eleições, P. Alexandre -atordoou os ouvidos da humanidade com bombas de -dynamite.</p> - -<p>Toda a gente se riu das <i>gaitadas</i> especiaes que -tiveram os Srs. Agostinho, Dr. Ladislau e outros senhores -evidentemente progressistas. No coice da procissão, -lá iam os nossos paradas-velhas, muito lepidos -e repontantes, nariz no ar, chinela rota e fralda de -fóra.</p> - -<p>Toda a gente se riu dos foguetes do Alexandre<span class="pagenum"><a name="Pag_274" id="Pag_274">[274]</a></span> -e, até, no cerebro de alguem, fuzilaram, como relampagos, -vividos clarões de suspeitas exquisitas...</p> - -<p><i>Vocellencias</i> apepinaram o caso, como eu apepinei, -porque, emfim, Valença não é o mesmo que Urgeira, -Cerdal ou Gandra (salvo o devido respeito a -Montes Claros e ao Patriarcha).</p> - -<p>Passam os annos, e quando eu suppunha que na -mioleira de <i>vocellencias</i> existia algo differente do que -se suspeitou no cerebro alexandrino, saltam <i>vocellencias</i> -para a rua, transformando Valença no Pandemonium -de Milton!</p> - -<p class="tb">Esses espectaculos são frequentes nos grandes -centros. Organizam-se os cortejos nos bairros immundos, -onde o <i>real d’agua</i> obtem maior rendimento; -onde o Rosa Araujo gasta seis contos na compra de -votos; onde o Sentieiro e o Cagaçal conservam fechada -e vigiada, durante os tres dias anteriores á -eleição, a turba ignara dos cidadãos (?) votantes.</p> - -<p>Quando a onda da escoria se alastra pelas ruas -centraes, ninguem que possue senso, deixa de encarar -com verdadeira repugnancia a babugem do servilismo -e da estupidez.</p> - -<p class="tb">Quem promoveu e planeou essa arruaça de 14? -A Politica <i>pataqueira</i> que nas provincias provoca -odios de familias, instiga resentimentos, prejudica -interesses, origina represalias, prepara transferencias, -requer perseguições judiciaes—emquanto que<span class="pagenum"><a name="Pag_275" id="Pag_275">[275]</a></span> -os candidatos protegidos e combatidos riem á mesa -do Matta, commentando, em tom faceto, as parvas -pretensões dos parvos magnates do circulo.</p> - -<p>Foi essa <i>coisa</i> amanhada com a Ignorancia e com -a Velhacaria que, ha annos, aqui inaugurou o regime -das perseguições e das represalias—regime que -ao carrejão d’hontem, hoje feito <i>trunfo</i>—concede a -faculdade de exigir a transferencia d’um Juiz, se tal -idea surgir nas torvas especulações da sua gafada -orientação politica.</p> - -<p class="tb">Ha pouco tempo, censuravamos com phrases de -verdadeira e justissima indignação, a transferencia -d’um funccionario publico, que lucta com difficuldades -para sustentar numerosa familia. Lá foi o -desgraçado para <i>cascos de rolhas</i>.</p> - -<p>Existe, ainda, em nosso espirito o nojo que inspirou -esse <i>processo de nullidade</i> tentado contra a -nomeação d’um professor, por uma corporação tão -zelosa pela instrucção popular, que conserva fechada -<b>ha cinco mezes</b> a unica eschola que temos -para o sexo feminino!</p> - -<p>Tudo isso se classificou como indigno, como -torpe, como vil.</p> - -<p>Mudam as situações; mudam as cabeças e cá -temos as represalias—essas infamissimas represalias—annunciando, -pela bocca dos bigorrilhas politiqueiros, -novas transferencias e novas villanias -para <i>saldo de contas</i>!</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_276" id="Pag_276">[276]</a></span></p> - -<p class="tb">Os homens da actual Politica andam açodados -em mysteriosas (?) combinações; escoam-se nas sombras -da noite, pelos becos e travessas que conduzem -ao centro (!?!); segredam, cochicham, mostram cartas -e telegrammas; sorriem, piscam os olhos, ostentando -parvoamente á luz do dia as multiplices transformações -d’esse implacavel Ridiculo que os envolve, -quando a gente se lembra que são os mesmos homens -do sr. Serpa e que todos elles, de pernas para -o ar, não deitam uma duzia de votos!</p> - -<p>Em todo esse afan, em todas essas mysteriosas -combinações, em todo esse serzir de esfarrapados -planos, imagina V. Ex.ª, querido leitor, que se tratou -alguma vez de melhorar as condições materiaes do -concelho, de ampliar as suas instituições, ou reorganizar -a sua administração? Nem uma palavra a -tal respeito!</p> - -<p>Estudam-se, combinam-se, discutem-se <i>unicamente</i> -os meios de obter as transferencias de Fulanos e de -Cicranos, como medida <i>inadiavel e urgentissima</i>. Nas -horas vagas d’essas nojentas lucubrações, raspam-se -as picheis e lavam-se as gamellas para a proxima -bambochata eleitoral.</p> - -<p class="tb">Ah Saltamontes e Grices dos dois partidos! Muito -dinheiro podia ganhar quem vos apresentasse no Colyseu!</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_277" id="Pag_277">[277]</a></span></p> - -<p>A Physiologia demonstra a hereditariedade dos -defeitos organicos. A Politica d’esta terra é nojenta -e a <i>manifestação</i> de 14, como producto d’essa Politica, -apresentou-se com todos os vicios da origem.</p> - -<p>Portanto, concluo, repetindo: essa <i>manifestação</i>, -como patriotica ou como politica,</p> - -<p class="center">foi <b>aviltante</b> para Valença.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p><b>Nota final:</b></p> - -<p>O principal heroe da <i>rusga</i> foi um abbade. Chapéo -de fadista, casaco de pelles, nariz de furão, -ponta de cigarro na orelha—razoavel exemplar -d’esse typo muito vulgar pelo Alto Minho:—<i>o capador -de porcos</i>.</p> - -<p>Resolvo rifal-o. Bilhetes a pataco, que desde já -estão á venda no <i>estabelecimento</i> do compadre Pedro.</p> - -<p>Lembro a V. Ex.ª, querido leitor, que é tempo -de semear as ervilhas e convém</p> - -<p class="right">afugentar os pardaes.</p> - -<p class="smaller">Valença 20-1-90.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_278" id="Pag_278">[278]</a></span></p> - -<hr class="chap" /> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_279" id="Pag_279">[279]</a></span></p> - -<h2 id="XVII">XVII<br /> -<span class="smaller">A Sociedade dos Provareis<br /> -<span class="smaller">(FRAGMENTO DA HISTORIA GREGA)</span></span></h2> - -<p>Como actualmente predomina nos espiritos illustrados -uma tendencia absoluta para a analyse e para -a investigação, parece-me que não serão aqui mal -cabidas as seguintes linhas, que esclarecem, com os -informes de um historiador classico, o periodo, indubitavelmente -mais interessante e curioso, da civilização -grega—o seculo de Pericles.</p> - -<p>Na Litteratura e nas Artes estuda-se tenazmente -o Passado, arrancando-se das trevas da tradição e -das brumas da lenda, as producções maravilhosas dos -grandes genios e os elementos constitutivos das grandes -sociedades.</p> - -<p>Recompõe-se a organização social da velha India; -analysam-se os factores principaes d’essa assombrosa<span class="pagenum"><a name="Pag_280" id="Pag_280">[280]</a></span> -civilização hellenica e os do immenso poderio da antiga -e soberba Roma; acompanham-se os Carthaginezes -e os Phenicios nas suas audaciosas correrias; reproduzem-se -as maravilhas da Arte arabe e investigam-se -pacientemente as Sciencias, n’esse glorioso -periodo dos Omniadas, que tão brilhantes vestigios -deixaram da sua dominação na Peninsula iberica.</p> - -<p>Assim, tudo o que actualmente póde representar -para o homem illustrado, uma reliquia dos povos e -das civilizações antigas—um livro, um pergaminho, -um papyro, uma inscripção cuneiforme, um hieroglypho, -uma lasca de silex, um fragmento de bronze, o -dente d’um mastodonte, o coccyx d’um almoravide, o -vomer d’um Ramsés, a tibia d’um khalifa—tem o -mesmo valor, n’este culto pela Tradição, n’esta religião -do Passado, que para o beaterio póde ter um -ossinho de S. Francisco, um cabellinho da venta de -S. Pancracio, ou uma unha das onze mil Virgens, que -ainda hoje, nos grandes estabelecimentos commerciaes -de reliquias sagradas e preventivas contra bexigas, -massadores e outras coisas más, obtem elevado -preço, apesar da enorme edição que se espalhou -no mercado:—duzentos mil exemplares!</p> - -<p>Nas Academias, nas Sociedades de Geographia, -de Anthropologia, de Geologia, de Linguistica, de -Numismatica, e congeneres, fundadas em todas as -capitaes e centros civilizados, já com o auxilio dos -governos, já pela iniciativa particular, organiza-se -e apresenta-se ao exame do publico uma verdadeira<span class="pagenum"><a name="Pag_281" id="Pag_281">[281]</a></span> -exposição retrospectiva da actividade e da intelligencia -do homem, desde as primeiras manifestações da -sua vitalidade no globo terraqueo, até aos nossos -dias.</p> - -<p>Claro é que Valença não podia ficar indifferente -a esta nova orientação dos espiritos cultos; e até, -primeiro que n’outras terras, aqui rapidamente se -desenvolveu o gosto pelas antiguidades, o culto ás -coisas passadas, que o povo, na sua linguagem rude, -pittorescamente classifica como: <i>mania</i> de cacos velhos.</p> - -<p>Ha por ahi muitas collecções e muitos colleccionadores:</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Teias de aranha, microbios, tarecos velhos e empregos, -collecciona o sr. Sampaio. O sr. Agostinho, -partidos politicos e casacophones; chinós, ovos de -passarada e instrumentos de vento, o sr. Abel Seixas; -o sr. Zagallo, caixas de phosphoros, officios de -despedida ao Senado e santinhos; sermões gallegos e -patacaria de D. João VI, a Assemblea; o Club, homens -pacatos da rua de S. João; commendas e pergaminhos, -o sr. Verissimo de Moraes; o sr. Leopoldo, -machados de bronze, volumes do <i>Almocreve das petas</i> -e coisas das edades paleolithica e neolithica; o -sr. Palhares collecciona moleques, macaquinhos empalhados -e uma raça maldicta de papagaios, que o<span class="pagenum"><a name="Pag_282" id="Pag_282">[282]</a></span> -diabo inventou, para estoirar a membrana do tympano -á desgraçada humanidade.</p> - -<p>O Albininho collecciona tudo e é um colleccionador -precioso, porque commenta; preparando, assim, -inexgotavel thesoiro para as investigações historicas -dos posteros.</p> - -<p>Conserva cuidadosamente ordenadas por dia, mez, -anno e seculo, atadas com fitinha de seda verde, -azul, ou branca, conforme o signatario, todas as cartas -que tem recebido, desde que traduz lettra redonda. -Cada missiva mostra, no verso, uma nota explicativa:</p> - -<p class="center"><b>14 de Outubro de 1876 (e seis)</b><br /> -<span class="smaller">Fulano de tal.<br /> -Valença do Minho.</span></p> - -<p class="smaller">(Pede-me <i>sete e vinte</i> emprestados. Desculpei-me, porque -anda n’um <i>desarranjo completo e, qualquer dia, vae de bruços</i>.)</p> - -<hr class="tb" /> - -<p class="center"><b>5 de Fevereiro de 1869 (e nove)</b><br /> -<span class="smaller">F. ou C. de tal.<a name="FNanchor_41" id="FNanchor_41"></a><a href="#Footnote_41" class="fnanchor">[41]</a></span></p> - -<p class="smaller">(Pede dez tostões—Ficam-me agora a doze e cinco... Preciso -de me desforrar.)</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_283" id="Pag_283">[283]</a></span></p> - -<hr class="tb" /> - -<p class="center"><b>4 de Maio de 1875 (e cinco)</b></p> - -<p class="smaller">Officio da Camara, convidando para a procissão de Corpus-Christi.</p> - -<p class="smaller">(Agradeci tão <i>graduada</i> prova de <i>consideração official</i>. -Estes, não são como os da missa do Rei. Compareci, vestindo -pela trigesima sexta vez a minha casaca n.º 3. Chapeo alto -n.º 7, do Roxo—Lisboa—(3$570 com correio). Sapatos de polimento -n.º 4 (5.ª prateleira, 2.ª estante, á direita). Gravata do -Blanco (12 reales e uma perra chica; setim creme, com pintas -de prata). Luvas n.º 207, do Baron.</p> - -<p class="smaller">Offereceram-me um logar graduado, ao lado do sr. Joaquim.)</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Eu tambem tenho a mania de colleccionador. É -uma coisa que não fica mal; é da Moda e até dá -um certo tom distincto.</p> - -<p>Collecciono alfarrabios, cartas de arrhas, cartapacios, -papyros, foraes—toda essa papelada, que por -ahi apparece furada pela traça, encarquilhada pelo -tempo e com a côr que teriam os rostos d’aquelles -esforçados campeões da Guia, quando batiam em retirada, -acossados pelo gentio gallego.</p> - -<p>Esta mania fez com que, ha mezes, descobrisse -uma verdadeira preciosidade, no bazar de antiguidades -do sr. Maia.</p> - -<p>Imaginem V. Ex.ᵃˢ o meu contentamento quando -alli encontrei, entre taboadas e cartilhas, rolhas e<span class="pagenum"><a name="Pag_284" id="Pag_284">[284]</a></span> -torneiras, piões de <i>faniqueira grande</i> e ditos para <i>nicas</i>—um -volume authentico, genuino, verdadeiro, do -grande e immortal Plutarcho!</p> - -<p>Tremi de commoção e de respeito com tão veneranda -reliquia!</p> - -<p>Li-o, reli-o e quasi treslia com elle.</p> - -<p>Referia-se ao seculo do glorioso Pericles, áquelle -aureo periodo da civilização de Athenas e, entre as -suas paginas, fui encontrar—gratissima surpresa!—os -elementos que, com verdadeiro afan, ha muito -tempo procurava, para estabelecer as bases da historia -d’essa mysteriosa agremiação a que Pericles presidia, -e que tão poderosamente influiu no engrandecimento -do povo hellenico:—a <i>Sociedade dos Provareis</i>.</p> - -<p>Conhecendo o interesse que em Valença teem despertado -os estudos, que outros auctores apresentaram, -sobre esta curiosa parte da Historia antiga, -offereço tambem o meu modesto subsidio, vertendo -para a nossa lingua alguns periodos de Plutarcho, -visto que por ahi são escassamente conhecidos os caracteres -gregos.</p> - -<p>Para os menos versados na Historia hellenica -acompanharei a traducção com notas explicativas.</p> - -<p>Fala Plutarcho:</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_285" id="Pag_285">[285]</a></span></p> - -<h3>Os Provareis</h3> - -<p>«N’essa epocha (465 A. de C.) era Pericles o chefe -do partido popular, que se intitulára o partido regenerador -dos costumes, pervertidos durante a supremacia -de Cimon Narigangorum e dos aristocratas, -chamados progressistas.</p> - -<p>Pericles era homem de compleição robusta, largo -arcaboiço, avantajado de estatura; perspicaz, de razão -escorreita, assaz prudente, sobrio de costumes e de -variadissima erudição, graças á influencia de Zenão -d’Elea, que fôra seu preceptor.</p> - -<p>Apesar de não ser archonte, ou stratego<a name="FNanchor_42" id="FNanchor_42"></a><a href="#Footnote_42" class="fnanchor">[42]</a>, porque -apenas tinha as honras de polemarcho, impoz-se -rapidamente á consideração do Archontado, ao respeito -do Areopago e ás boas graças do Eponymo -Lourdes Domina.</p> - -<p>A agudeza do seu espirito, o vasto alcance das -suas ideas, a subtileza da sua estrategia e a finura da -sua diplomacia, alcançaram-lhe logo no começo da -sua interferencia no Governo... da cidade, o epitheto<span class="pagenum"><a name="Pag_286" id="Pag_286">[286]</a></span> -de Olympico, ou Oraculus, com que o povo geralmente -o nomeava.</p> - -<p>Rodeara-se Pericles de homens illustres e poderosos, -que a seu talante dirigia, para combater o grupo, -ainda predominante na politica, dos partidarios de -Cimon Narigangorum e do seu parente Thucydides -Attila—grupo que constituia o principal elemento do -partido dos eupatridas, ou progressistas, e que, por -todos os meios, tentava condemnar ao ostracismo<a name="FNanchor_43" id="FNanchor_43"></a><a href="#Footnote_43" class="fnanchor">[43]</a> -e desluzir, com protervias e calumnias, o valente -caudilho dos contrarios.</p> - -<p>Apesar do seu engenho e do seu valor, nem sempre -lhe foi favoravel a sorte das armas. Nas luctas -com esses inimigos, graves desgostos soffreu, que profunda -e dolorosamente abalaram o seu espirito e o -seu esforçado animo. Ainda hoje a Historia nos menciona -a derrota de Deputarium, no ultimo dia da segunda -decada do decimo mez, e o desbarate da Camária, -no terceiro dia—da primeira decada, do mez -undecimo<a name="FNanchor_44" id="FNanchor_44"></a><a href="#Footnote_44" class="fnanchor">[44]</a>, do mesmo anno da olympiada tal—em -que as tropas de Pericles abandonaram armas e bagagens, -deante do grande Narigangorum <span class="smcapuc">II</span>, ex-rei da -Administracónia e do seu parente Thucydides Attila, -bojudo stratego e chefe dos <i>registricos</i>, povo contribuinte -dos suburbios de Athenas, que usava das celebres<span class="pagenum"><a name="Pag_287" id="Pag_287">[287]</a></span> -<i>camisas de onze váras</i><a name="FNanchor_45" id="FNanchor_45"></a><a href="#Footnote_45" class="fnanchor">[45]</a> e que, por essa circumstancia, -era tratado com toda a <i>consideração official</i>, -pela gente <i>graduada</i>.</p> - -<p>Tivera, tambem, de valer-se de toda a sua diplomacia -e arte para empalmar o pennacho, (que nos -strategos do partido era distinctivo de commando) ao -archonte Judex Candidatus, homem de pequena estatura, -mas de respeitavel influencia, emquanto Pericles -lhe não surripiou, por occultos meios, o apoio e -a correligionariedade do poderoso Joannus Zabumborum, -sabio de reputado merito e de grande consideração -popular.</p> - -<p>Quando Pericles principiou a exercer a sua direcção -politica, libertava-se Athenas, vagarosamente, -da inercia em que até alli se conservara, e apurava, -pouco a pouco, os seus usos e costumes; mas homens -de tão superior talento, como elle, raras pessoas encontravam, -na cidade, com quem podessem conviver -intimamente.</p> - -<p>Escasseava a illustração; o povo não tinha consciencia -dos seus direitos politicos. Entre os prytamos<a name="FNanchor_46" id="FNanchor_46"></a><a href="#Footnote_46" class="fnanchor">[46]</a> -da cidade e, mesmo, entre os sacerdotes de Zeus -suscitavam-se, a miudo, questões violentas; em que do -argumento se passava á aggressão, recorrendo-se a todas -as armas, incluindo as do <i>apparelho roedor</i>.</p> - -<p>Dava-se pouca consideração ás auctoridades encarregadas<span class="pagenum"><a name="Pag_288" id="Pag_288">[288]</a></span> -do Governo da... cidade; censuravam-se -as gratificações, que lhes eram arbitradas em occasiões -de perigo, como guerras e <i>epidemias</i>; reduziam-se -<i>as vias</i>... do accesso aos grandes strategos; preparava-se, -occultamente, a <i>transferencia</i>... ao ostracismo -para os leaes conselheiros; increpava-se officialmente, -escandalosamente, a <i>admissão</i> nas dependencias -do Governo... da cidade aos adeptos do partido -popular, e nem o proprio Pericles escapava á maledicencia -da turba porque, surdamente, o povo, e até, a -maior parte dos seus adeptos e cortezãos o accusavam -de ambicioso, invejando-lhe os redditos, discutindo-lhe -a rapidez e legalidade do accesso... á chefia -do partido, amesquinhando a sua illustração e -refutando a sua competencia na vasta Sciencia da -lettra redonda.</p> - -<p>Muitos dos homens illustres, que o rodeavam, soffreram -as consequencias d’essa contumaz opposição e -implacavel vindicta.</p> - -<p>Phidias Cambronneia<a name="FNanchor_47" id="FNanchor_47"></a><a href="#Footnote_47" class="fnanchor">[47]</a> Negoptius foi retirado do -Governo... da cidade; Anaxagoras Mata Marianus -foi deportado.</p> - -<p>Abstinha-se, pois, Pericles de apparecer em publico -e entretinha escassas relações, já porque a nobreza -da sua jerarchia o distanciava dos thetas<a name="FNanchor_48" id="FNanchor_48"></a><a href="#Footnote_48" class="fnanchor">[48]</a> e<span class="pagenum"><a name="Pag_289" id="Pag_289">[289]</a></span> -da plebe, já porque o intimo conhecimento do seu -merito e da sua importancia lhe aquilatavam de mesquinhos -e ridiculos os demais proceres do Estado.</p> - -<p>Foi perante esta necessidade de se isolar, e para -reforçar os elementos de resistencia aos rudes ataques -dos seus inimigos, que elle fundou a Sociedade, que -mais tarde o povo denominou: os <i>Provareis</i>.</p> - -<p>Com esse grupo de fieis adeptos praticava, então, -largas horas em passeio, conferenciando demoradamente; -e quando o povo folgava nos jogos olympicos, -ou pythicos, se acotovellava no Odeon para ouvir as -maravilhosas producções de Eschylo e de Sophocles, -ou nos jardins publicos para se deliciar com os harmoniosos -sons das magadias, cytharas, lyras e flautas, -que compunham as orchestras d’aquelles tempos, não -era raro o vêr-se ao longe, no <i>cabeço d’um oiteiro</i>, o -grupo magestoso dos <i>Provareis</i>, que solemnes, graves, -com movimentos vagarosos e isochronos, rodeavam o -grande Pericles, ouvindo-o divagar philosophicamente -sobre a miseria das coisas humanas, sobre a leviandade -das gentes e sobre a ignorancia da ignorante -humanidade!</p> - -<p>No tocante a competencia, Pericles Oraculus reunia -todos os dotes necessarios a um completo homem -de Estado. Provera-o a Natureza de extraordinaria -actividade e de genio inventivo para todos os ramos -da publica administração.</p> - -<p>Era copiosamente versado nas leis de Lycurgo, -de Solon, de Pisistrato e de Lippes, tendo particular<span class="pagenum"><a name="Pag_290" id="Pag_290">[290]</a></span> -predilecção por este ultimo legislador, cujos regulamentos, -que a plebe classificava de estupidos, a todo -o transe defendia, como indispensaveis á conservação -da cidade e dos... seus redditos<a name="FNanchor_49" id="FNanchor_49"></a><a href="#Footnote_49" class="fnanchor">[49]</a>.</p> - -<p>Possuia, já, noções muito positivas sobre a futura -Sciencia da Economia politica. Considerando a Agricultura -como fonte principal da riqueza d’um paiz, -tomara a si o desenvolvel-a, dedicando-lhe particular -attenção e cuidado.</p> - -<p>Por isso, quando com o grupo de fieis partidarios -divagava pelos arrabaldes de Athenas, vizitava a -miudo os grandes eupatridas<a name="FNanchor_50" id="FNanchor_50"></a><a href="#Footnote_50" class="fnanchor">[50]</a> e, para obter noções -perfeitas sobre a producção dos terrenos, influencia -atmospherica e outras condições modificadoras, inspeccionava -cuidadosamente as colheitas, examinava -os fructos e provava... <i>as aguas</i>.</p> - -<p>O povo, sempre rude e sempre ignorante, d’essas -<i>provas</i> a que aquelles homens illustres frequentemente -se entregavam (mormente nas tardes do verão) -para interesse da Patria e da Agricultura que -nada é, como se sabe, sem abundantes mananciaes -que refresquem o solo e possam alimentar a planta—originou -o titulo de <i>Sociedade dos Provareis</i>, com -que, d’alli em deante, designava o grupo de Pericles -e seus adeptos, quando lá ao longe, entre os atalhos -das aldeias, via uma serie de pontos negros caminhando<span class="pagenum"><a name="Pag_291" id="Pag_291">[291]</a></span> -vagarosamente, ora para o norte, ora para o -sul, como previamente o indicara a provavel condescendencia -ou a natural liberalidade dos eupatridas -amigos e partidarios.</p> - -<p>Pericles era tambem escriptor emerito e actor -de talento. A fama das suas producções chega, ainda, -até nós.</p> - -<p>Todos conhecem a <i>Prisão da Santa</i>, a <i>Licença -Zagallica Muzical</i> e a <i>Batalha dos Cooperativos</i>—comedias -de fino enredo, astucioso desenlace e primorosa -concepção.</p> - -<p>Nas horas de descanço que lhe permittia a faina -da administração politica, ensaiava Pericles os seus -adeptos <i>Provareis</i> que depois, em conjuncção propria -e solemne, apresentava em publico, dirigindo-os -mui circumspectamente por detraz da cortina e colhendo -applausos em barda.</p> - -<p>A comedia que obteve mais exito foi a <i>Prisão da -Santa</i>. Fundava-se n’uma antiga lenda mencionada -no Rig-Veda, dos hindus. Era o caso da prisão de -Brahma, ao entrar n’uma velha fortaleza, contra as -disposições do codigo de Manu, e levada depois pelos -kshatrias<a name="FNanchor_51" id="FNanchor_51"></a><a href="#Footnote_51" class="fnanchor">[51]</a> ao carcere, onde jaziam os infimos -sudras<a name="FNanchor_52" id="FNanchor_52"></a><a href="#Footnote_52" class="fnanchor">[52]</a>.</p> - -<p>Este pueril e comico incidente, baseado n’uma -simples questão de <i>bufo</i>, ou sopro, forneceu a Pericles -recursos para ruidosamente explorar a estupidez<span class="pagenum"><a name="Pag_292" id="Pag_292">[292]</a></span> -das massas e o fanatismo do povo, que estrebuchava -com arrancos de colera, quando via o feroz -Attila.</p> - -<p>Como já n’essa epocha eu trabalhava para reunir -materiaes, com que podesse encetar os projectados -estudos sobre a Historia da minha Patria, grandes -eram os desejos que nutria de poder assistir a alguma -das reuniões d’aquelles homens illustres onde, indubitavelmente, -com a lucidez de tão poderosos cerebros -se deviam discutir os destinos e a Politica da -confederação athenico-cerveirensis.</p> - -<p>Pude emfim conseguil-o, subornando os dmoes<a name="FNanchor_53" id="FNanchor_53"></a><a href="#Footnote_53" class="fnanchor">[53]</a> -do sacerdote Pinus Abbates que, mediante vinte talentos<a name="FNanchor_54" id="FNanchor_54"></a><a href="#Footnote_54" class="fnanchor">[54]</a>, -consentiram em me occultar na adega -d’uma propriedade, a doze stadios<a name="FNanchor_55" id="FNanchor_55"></a><a href="#Footnote_55" class="fnanchor">[55]</a> ao sul de Athenas -onde, como sitio retirado e fresco, de preferencia -se reuniam os <i>Provareis</i>.</p> - -<p>Alli os ouvi; alli tive, a meio passo de distancia, -todos esses homens illustres, que tão poderosamente -tinham contribuido para o engrandecimento de Athenas -e para a sua hegemonia na confederação.</p> - -<p>Era uma tarde calmosa; reunidos no escuro subterraneo, -os <i>Provareis</i> mais uma vez estudaram as -<i>aguas</i> com abundantes e saboreadas libações. Por -largo tempo ouvi um craquejar de maxillas e um glugluar -de pharynges, indicios terriveis d’essas assombrosas<span class="pagenum"><a name="Pag_293" id="Pag_293">[293]</a></span> -devastações, que depois inspiravam aos servos -e dmoes do Abbates estas dolorosas palavras:</p> - -<p class="tb">—<i>É impossivel que nas altas horas da noite, -quando a pallida Phebe desce a visitar Endymion, -Hades, o deus infernal, não mande a estas paragens -uma praga de gafanhotos! Que prejuizo soffreram as -nossas colheitas, grande Zeus!</i></p> - -<p class="tb">Concluidas as <i>provas</i>, ergueu Pericles a fronte; -poz o pennacho de pennas de capão, insignia de polemarcho; -afivelou a catana e as esporas; limpou os galões -brancos e, trepando a um escabello, annunciou -com ar solemne o thema da sua conferencia:</p> - -<p class="center">UM PROBLEMA POLITICO DA FUTURA ERA DE CHRISTO, -SECULO XIX</p> - -<p class="right">Amigos e Provareis<a name="FNanchor_56" id="FNanchor_56"></a><a href="#Footnote_56" class="fnanchor">[56]</a>.</p> - -<p>É commettimento facil para espiritos medianamente -esclarecidos a resolução de problemas na Politica -contemporanea. Estudando os elementos ethnologicos, -a influencia das civilizações estranhas, as aspirações<span class="pagenum"><a name="Pag_294" id="Pag_294">[294]</a></span> -collectivas e as relações indestructiveis da -Historia nos cyclos que as suas leis estabelecem, podemos -fatalmente traçar a orientação a que os povos -teem de obedecer.</p> - -<p>Abandonarei esse campo já explorado pelo vulgo -e pelos espiritos d’uma illustração comesinha. Asphyxia -o meu intellecto nos acanhados horisontes do Presente. -Anceia o meu espirito pelas luminosas regiões -do Futuro, na lidima aspiração d’uma visualidade perscrutadora -do destino dos povos e da evolução das sociedades.</p> - -<p>Rasgar as trevas do porvir, prever as luctas e as -contrariedades, guiar a incauta Humanidade nas tortuosas -sendas a que o Destino a condemna, leval-a -pela mão á beira dos abysmos para lhe bradar carinhosamente: -<i>não vás além!</i>—é a missão que a Divindade -traçou ao Genio, a isto de superior, de maravilhoso, -de prophetico, que me distingue do vulgo, -que me aparta da plebe, e que dá á minha individualidade, -no meio d’este constante marulhar das paixões -e da ignorancia humanas, a previdente luz do -fanal que, entre escolhos e baixios, guia o amargurado -nauta nas cerradas trevas de noite caliginosa.</p> - -<p>Transpondo um periodo de dois mil e quatrocentos -annos no futuro da Humanidade, eu vou annunciar -os perigos amontoados no horisonte dos povos -que no seculo XIX d’uma nova era hão de occupar as -ignotas regiões, que um grande mar banha e onde os -phenicios já estabeleceram dominio e poderio.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_295" id="Pag_295">[295]</a></span></p> - -<p>Phantasiae, amigos, que viveis commigo n’uma -peninsula que, por occulta, o phenicio denominou -Spania, e que me ouvis discreteando com os homens -politicos d’esse futuro seculo:</p> - -<p class="tb"><i>Aconselho a alliança das raças latinas. O horisonte -da Europa annuncia borrasca.</i></p> - -<p><i>Ha negrumes para o Norte. Não receeis o teutonico; -temei o slavo! Haja outro Metternich para esse -inimigo commum.</i></p> - -<p class="tb"><i>Bismarck é um imbecil. Com a sua germanisação -fez-se testamenteiro de Frederico, o Grande. Crispi é -um visionario. Salisbury um bebedo. Sagasta uma nullidade. -Zé Luciano um comparsa.</i></p> - -<p class="tb"><i>Na Politica internacional o melhor systema é o de -Machiavel. Tenho-me dado bem com elle e não quero -outro.</i></p> - -<p class="tb"><i>Quando, na conferencia de Berlim, me pediram -conselho, disse e repeti: vocês reparem no russo!</i></p> - -<p><i>N’essas regiões do Norte a maré sobe e, qualquer -dia, rompem-se os diques.</i></p> - -<p><i>Teremos novas invasões. É a lei fatal da Historia: -sangue novo para corpo velho.</i></p> - -<p><i>Acautelem-se, porém, com o processo da inoculação; -o russo é feroz.</i></p> - -<p><i>Latinos, teutonicos, toca a reunir!</i></p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_296" id="Pag_296">[296]</a></span></p> - -<p class="tb"><i>Bismarck, deixe essas coisas d’Africa; você tem -um certo fio para isto de Politica, mas ainda está um -pouco ingenuo. Appareça lá por casa, ás noites, com o -seu rapaz, com o Herbert. Jogaremos a bisca de tres -e terei occasião de lhes dar umas noções politico-sociaes -mais amplas.</i></p> - -<p class="tb"><i>Emin Pacha cahiu na ratoeira de Stanley. Já -quebrou a cabeça com uma tremenda borracheira. É -o resultado das más companhias. Soffre as consequencias -da indifferença com que ouviu as minhas -recommendações.</i></p> - -<p class="tb"><i>Recebi hoje carta do general Deodoro. Eu tinha -vaticinado a transformação politica do Brazil. No -organismo monarchico apodreceu mais aquelle membro. -Cortem até ao osso para que o mal não avance.</i></p> - -<p class="tb"><i>Isto por cá, vae mal. D. Carlos escreveu-me. O rapaz -anda atrapalhadote. A Mãe telegraphou pedindo-me -para lhes ir valer. Não estou para os aturar.</i></p> - -<p class="tb"><i>Preferiram o Barjona para a missão de Londres. -Antes de partir procurou-me e conferenciamos. É dos -nossos e deve-se proteger.</i></p> - -<p class="tb"><i>A caracteristica evidente d’esta assombrosa phase -da evolução social.</i></p> - -<p>..............................</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_297" id="Pag_297">[297]</a></span></p> - -<p>Subito ruido interrompeu o discurso do grande -homem. A porta da adega abriu-se com estrepito. -Assustados, os <i>Provareis</i> rodearam Pericles, como as -avesinhas implumes rodeiam os paes, quando no -azul dos céos paira, ou zigzagueia o milhafre.</p> - -<p>No limiar apparecera, offegante e rubro, um paysanduco, -que pronunciou estas palavras de magico -effeito:</p> - -<p class="tb">—<i>Oh filhos! Venho de Tuy. A Noya «matou» -hoje, e sempre tem uma «agua», que é mesmo de chupeta! -Póde «cortar-se» á faca.</i></p> - -<p class="center">—<b>Á Noya! Á Noya!</b></p> - -<p class="noindent">exclamaram os <i>Provareis</i>; e em desordenada carreira, -a grandes pernadas, desappareceram ao longe, furando -a linha circular do horisonte.</p> - -<p class="tb">Que mysteriosa influencia seria a d’aquella Noya?</p> - -<p>..............................</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_298" id="Pag_298">[298]</a></span></p> - -<hr class="chap" /> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_299" id="Pag_299">[299]</a></span></p> - -<h2 id="XVIII">XVIII<br /> -<span class="smaller">Uma recita de curiosos<br /> -<span class="smaller">(FRAGMENTO)</span></span></h2> - -<p>..............................</p> - -<p>Passou-se ao segundo acto.</p> - -<p>O panno subiu, e á luz da ribalta appareceu o -Nascimento.</p> - -<p>Nascimento—diga-se a verdade—não é precisamente -um Brazão.</p> - -<p>Tenho assistido, por vezes, aos trabalhos d’este -actor. Brazão ri, chora, soluça, tem arrancos de colera, -tem na voz a doçura d’uma supplica, a suavidade -d’uma prece, a meiguice d’um carinho, o vigor -d’uma maldicção, o rugido d’uma ameaça.</p> - -<p>A melancholia da saudade, as expansões do amor, -as torturas do remorso, as angustias do ciume resaltam -nitidas, vibrantes, envolvendo-nos a<span class="pagenum"><a name="Pag_300" id="Pag_300">[300]</a></span> -alma—comprimindo-a, dilatando-a—com o fluido subtil de -uma verdadeira interpretação artistica.</p> - -<p>Por <i>doze vintens</i>, eu tenho visto o Nascimento -fulgurando na gloriosa constellação—grande Ursa -dos nossos céos artisticos—de que fazem parte: -Sampaio, Guilherme, Aurelio, Romano, Machado, -Ernesto.</p> - -<p>Com franqueza:—sem querer irritar a indisposição -que no espirito do Nascimento violentamente -se denunciou contra o Zinão, sem querer -amesquinhar o culto idolatrado que elle nutre pela -Arte dramatica, ou apoucar as suas aptidões—direi -em homenagem á Verdade: Nascimento é um barbaro!</p> - -<p>É um barbaro quando pisa o palco, porque não -tem naturalidade, nem expressão, nem relevo.</p> - -<p>Apresenta-se em todas as scenas com o mesmo -fato amarello, de tecido africano, que o Isidoro lhe -empresta; tem para todas as surprezas o mesmo -<b>oh!</b>; para todas as dores o mesmo: <b>ai Jesus!</b>; -para todas as saudações o mesmo: <b>ora viva!</b>; -para todos os cumprimentos o mesmo: <b>Comoestá? -Passoubem? Bemmuitoobrigado.</b></p> - -<p>Os pés soldam-se-lhe ao pavimento: as peças -das articulações unificam-se, como se as membranas -synoviaes segregassem chumbo derretido; os musculos -tomam a rigidez do aço, permanecendo hirtos, -inteiriços, refractarios ao imperio da vontade -e á malleabilidade dos sentimentos.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_301" id="Pag_301">[301]</a></span></p> - -<p>Não tem flexibilidade nos movimentos, nem elasticidade -nas formas que as diversas situações exigem, -porque uma barreira de frieza e de immobilidade—quiçá -composto de espessas cellulas philosophicas -(?)—se oppõe á intima e immediata transmissão -dos phenomenos psychicos aos orgãos e ramificações -do systema nervoso.</p> - -<p>Predominam em todas as modulações da sua voz -aquellas notas seccas, asperas, do: <b>Carregar! -Alto!</b></p> - -<p>Denuncia-se em todas as posições a rigidez -d’aquella linha d’uma convexidade opisthotonica, -que a <i>Ordenança</i> militar traça para o <b>Perfilar</b>!</p> - -<p>E assim, Nascimento, como <i>Boticario</i> da <i>Morgadinha</i>, -como <i>carcereiro</i> de 1640, ou como <i>Mano Gaspar</i> -do <i>Mano Aniceto</i>—é sempre o mesmo Nascimento: -gordinho, obeso, rechonchudo, espartilhado, -vestido de <i>mabella</i> africana.</p> - -<p>Todavia, estudando as minuciosidades dos seus -trabalhos dramaticos, analysando a mechanica dos -seus movimentos, comparando a dynamica dos sentimentos -que elle tenta exprimir com as manifestações -da sua vitalidade no convivio diario e com os -actos exteriores da sua existencia social, eu chego á -seguinte conclusão que poderá ser considerada como -paradoxal: Nascimento, no desempenho dos seus -<i>papeis</i>, na interpretação d’um caracter, na reproducção -d’um <i>typo</i>, consome mais Sentimento do -que o Brazão. O seu trabalho psychico é superior ao<span class="pagenum"><a name="Pag_302" id="Pag_302">[302]</a></span> -d’aquelle artista; na sua alma as situações definem-se, -as individualidades esclarecem-se, as faculdades -actuam. Nascimento pensa, sente e quer, como -<i>Boticario</i> de Val d’Amores; mas o que não possue é -esse colorido, ou—por assim dizer—essa moldura -artistica que dá relevo ás interpretações e vida aos -personagens.</p> - -<p>E como a sensibilidade affectiva é um requisito -indispensavel ao actor, e talvez o mais essencial, -porque é ella que o guia nos reconditos escaninhos -da alma de Hamlet, Nascimento, que possue essa -faculdade em superior grau, tem direito a ser considerado -a par de Brazão, dos Rosas, e até, ao lado -de Lekain, de Kean, de Rossi, de Irving, de Kronsweg.</p> - -<p>Vou demonstrar a existencia d’essa sensibilidade -apuradissima no <i>Boticario</i> da <i>Morgadinha</i>.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Nascimento tem um sanctuario:—a sua officina.</p> - -<p>Alli passa as noites e os dias, com a blusa de -operario,—aplainando madeiras, envernizando quadros, -esquadrando molduras, curando a <i>telha</i> dos relogios, -deitando <i>gatos</i> em terrinas quebradas, endireitando -a <i>espinhela</i> a leques, brocando pulseiras, parafusando -engrenagens, limando metaes, furando boquilhas, -cinzelando coronhas, soldando <i>rabos</i> de colheres, -aguçando pinos, collando cacos, cosendo botões,<span class="pagenum"><a name="Pag_303" id="Pag_303">[303]</a></span> -deitando <i>pingos</i> em panellas, enfiando agulhas, -inventando flores exoticas de <i>couvelórinton</i>, preparando -pilhas, misturando acidos, bases, metaes, metalloides, -oxydos, protoxydos, bioxydos, azotatos, azotitos, -chloratos, chloretos, chloritos, etc., etc.</p> - -<p>Nas horas de descanço que as suas occupações -lhe permittem, sente-se feliz com as multiplices e -encyclopedicas applicações da sua actividade e do -seu engenho; consome, pacientemente, sessenta e -quatro horas com o encaixe d’uma insignificante -peça de metal para a sua locomovel microscopica; -aplaina e replaina o <i>empeno</i> d’uma taboa para a sua -mobilia; gasta uma noite, duas noites, trez noites -com o estudo analytico da reacção d’um acido sobre -uma base.</p> - -<p>Com a applicação d’uma lei chimica, no desenvolvimento -d’uma formula mechanica, na adaptação -d’uma propriedade physica, Nascimento concentra -todo o seu ser, toda a sua actividade mental, abandonando -as distracções, os prazeres, e esquecendo-se -até, das horas das refeições.</p> - -<p>No seu cerebro amontoam-se os projectos, chocam-se -as theorias, amalgamam-se as applicações.</p> - -<p>Tem o arrojo de Lesseps, a tenacidade de Edison, -a phantasia de Eiffel.</p> - -<p>A sua alma, o seu corpo, os seus orgãos, os seus -musculos, estão alli:—no torno, na serra, no serrote, -no brocador, no pichel da colla, no arame dos -<i>gatos</i>.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_304" id="Pag_304">[304]</a></span></p> - -<p>O seu engenho tem o quer que seja de epileptico: -ataca trinta emprezas ao mesmo tempo: mobilias, -machinas photographicas, installações electricas, -bobinas, telegraphos, telephones, phonographos, campainhas -de alarme, etc., etc.</p> - -<p>Vencidas as difficuldades, contornadas, cortadas -e limadas as peças, nova explosão de inadiaveis projectos -interrompe a conclusão dos antecedentes; e -assim, Nascimento, fazendo tudo, nada faz, porque a -epilepsia do engenho dá ás suas obras a incommensurabilidade -do Infinito: todas tiveram principio e -nenhuma tem fim.</p> - -<p>Como se pode explicar, pois, que, annunciada -uma recita de <i>Santo Antonio</i>, ou da <i>Morgadinha</i>, -este homem abandone immediatamente o seu <i>meio</i>, -o seu sanctuario e enthusiasticamente se venha -offerecer para desempenhar o <i>papel</i> de <i>Mano Gaspar</i>, -ou de <i>Boticario</i>?</p> - -<p>Pela extrema sensibilidade das suas faculdades -affectivas.</p> - -<p>Nascimento lê o drama, a comedia, ou a scena -<i>comica</i>; a sua alma vibrou, agitou-se com o caracter -d’este ou d’aquelle personagem; identificou-se com -os sentimentos do <i>galan</i>, ou do <i>comico</i>; e, possuido -de irresistivel enthusiasmo, abandona a officina, -troca o <i>alicate</i> ou o <i>saca-trapos</i> pelo caderno almaço -e lá vae para as muralhas metter na cabeça, em -giros constantes—para traz, para deante—os periodos -do <i>papel</i>.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_305" id="Pag_305">[305]</a></span></p> - -<p>Este enthusiasmo, em qualquer de nós—no Albino, -por exemplo, que já representou de mulher, -nos paysanducos, eximios na Comedia—seria uma -coisa vulgar, insignificante; mas no Nascimento que -nós conhecemos e que eu examinei na officina, revela -uma enorme tensão de faculdades affectivas.</p> - -<p>Os trabalhos do Brazão são correctos e são artisticos; -mas este actor adquiriu já a <i>physiologia</i> -dos sentimentos; os seus musculos contraem-se, por -assim dizer, inconscientemente, independentes do imperio -da vontade, como nas acções reflexas. Mostra -no rosto a agitação d’um mar de paixões, quando na -alma tem a tranquillidade d’um lago.</p> - -<p>Alem d’isso, Brazão tem o scenario de D. Maria; -tem o Keil, a luva do Baron; o talhe elegante, -o perfil distincto, a perna flexivel, o bigode loiro, o -monoculo—todas essas pequenas coisas que emmolduram -e aristocratizam o actor.</p> - -<p>Nascimento tem o desbotado scenario do nosso -theatro, ainda saturado de irritantes aromas dos -<i>meios com cebolada</i> que, ha annos, o meu amigo -S. Lima arremessava ás fauces de toda a tribu -<i>pica-calcantes</i>; tem a roupa de <i>mabella</i>; a rigidez -linear da <i>Ordenança</i> conturbando a flexibilidade dos -movimentos; a <i>reacção dos acidos</i> paralysando a -acção dos nervos centrifugos; o <i>ordinario marche</i>! -pruindo compassadamente na sola dos pés e na -barriga das pernas...</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_306" id="Pag_306">[306]</a></span></p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Examinado pelo prisma da Arte, Nascimento actor -é—repito—um barbaro. Mas analysado pelo prisma -do Sentimento revela-nos uma organisação especialissima, -que seria a gloria de nossos palcos e da -nossa terra, se um defeito organico a não prejudicasse.</p> - -<p>Nascimento ouve uma valsa de Metra, uma symphonia -de Berlioz; ouve Rubinstein e Sarasate, a -Patti e a Nilsson. Permanece mudo, quedo, insensivel.</p> - -<p>Tem nas mãos uma flôr mimosa: uma <i>Captain -Christi</i> ou <i>Bertha Mackart</i>; uma <i>Alba imbricata</i> ou -<i>Countess of Derby</i>; a violeta, o lirio, a sensitiva. -Os dedos afastam-se e a bella flôr cae abandonada, -cerrando as petalas...</p> - -<p>—<i>Não gosto de muzica; não gosto de flores</i>—diz -o Nascimento.</p> - -<p>Poderemos acreditar na sinceridade d’estas palavras -pronunciadas pelo homem, em quem os insipidos -gracejos do <i>Mano Aniceto</i> exercem tal influencia -e inspiram tal enthusiasmo que, arrancando-o da -sua Thebaida, da sua officina, o expõem, vestido de -amarello, á extatica contemplação dos <i>loiceiros</i>?</p> - -<p>Não! Nascimento é accessivel á vibratilidade das -commoções; os seus nervos sensitivos communicam -ás cellulas cerebraes toda a intensidade dos enthusiasmos, -mas o tal defeito organico—um enfraquecimento<span class="pagenum"><a name="Pag_307" id="Pag_307">[307]</a></span> -dos nervos centrifugos—oppõe-se á transmissão -da força necessaria para a mechanica muscular -e para a movimentação das situações dramaticas.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Terminou o segundo acto. Tenho de estudar os -outros <i>curiosos</i> da Companhia; mas ao despedir-me -de ti, Nascimento, permitte um conselho: abandona -o theatro. Trata d’esse enfraquecimento do tecido -nervoso.</p> - -<p>Com seis mezes de cuidadoso regimen, póde ser -que um dia, na apotheose das nossas glorias theatraes, -como já annuncio:</p> - -<p class="tb">Sampaio—o Jeremias da Balagota...</p> - -<p class="noindent tb">possa tambem dizer:</p> - -<p class="tb">Nascimento—o Irving valenciano.................................</p> - -<h3>NOTA</h3> - -<div class="smaller"> - -<p class="right">Nascimento amigo:</p> - -<p>Este artigo já estava escripto, quando soube das tuas manifestações -<i>anti-zinoicas</i>. Tem paciencia.</p> - -<p><i>Quod scripsi, scripsi.</i> Não vale zangar, porque o <i>sinapismo</i> que te -offereço é proprio para senhoras; nem queima, nem faz bolha.</p> - -<p class="center">Teu constante admirador</p> - -<p class="right"><i>Zinão</i>.</p> - -</div> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_308" id="Pag_308">[308]</a></span></p> - -<hr class="chap" /> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_309" id="Pag_309">[309]</a></span></p> - -<h2 id="XIX">XIX<br /> -<span class="smaller">Transferencias<br /> -<span class="smaller">(1886-1890)</span></span></h2> - -<div class="blockquote"> - -<p class="hanging">CODIGO PENAL, artigo 432.º «Roubo:—<b>subtracção de -coisa alheia...</b>»</p> - -<p class="hanging">CODIGO CIVIL, artigo 2167.º: «direito de propriedade:—<b>faculdade -que o homem tem de applicar á conservação -da sua existencia e ao melhoramento -da sua condição tudo quanto para -esse fim legitimamente adquiriu e de que, -portanto, póde dispor livremente.</b>»</p> - -</div> - -<p>A lei garante-nos a propriedade dos bens que -herdamos, dos bens que adquirimos, dos trabalhos -litterarios que produzimos, dos inventos que lançamos -aos mercados, das concessões que obtivemos.</p> - -<p>O que é hoje um curso, uma formatura?</p> - -<p>Uma propriedade que se adquiriu em troca de -valioso capital; que se grangeia, que se cultiva, que -se aperfeiçoa, para que ella nos forneça os recursos -necessarios ás despezas da vida.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_310" id="Pag_310">[310]</a></span></p> - -<p>Quando a razão principia a funccionar, levam-nos -ás regiões da Sciencia, e dizem-nos: ahi tendes esses -hectares de terreno, estão asperos, incultos, bravios; -ha por ahi cardos, abrolhos, silvados. Trabalhae, -limpae, nivelae, lavrae, semeae e colhei. Ahi ficam -dois contos para despezas de grangeio.</p> - -<p>No fim de dez ou doze annos temos o terreno apto -para a cultura. Exgottamos uma boa parte do vigor -da mocidade. O cerebro-arado não abriu sulcos só na -terra; abriu-os tambem na fronte do trabalhador.</p> - -<p>Com os fructos da primeira colheita obtemos uma -collocação em qualquer das instituições do Estado; -chamam-nos: Delegado, Conservador, Official do Exercito, -Medico municipal, Professor, etc., etc.</p> - -<p>Se no meio da improba tarefa o desanimo nos -assalta, se a força de contrariedades imprevistas -inutiliza os nossos esforços, e não podemos cultivar -até ao fim todo o terreno que nos limitaram, contentamo-nos -com uma pequena leira, esperando que mais -tarde, pela persistencia no trabalho, a poderemos -augmentar e desenvolver. Ficamos, então, aspirantes -da Alfandega, escripturarios da Fazenda, amanuenses -das Camaras, etc.</p> - -<p>O Estado dá-nos umas tantas libras por mez e -exige-nos: honestidade, seis horas de trabalho diario, -<i>direitos de mercê</i>, habilitações litterarias. É um simples -contracto commutativo, com todas as garantias -de segurança, porque uma das <i>partes</i> é o Governo, -fiscal da Lei.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_311" id="Pag_311">[311]</a></span></p> - -<p>No decorrer da vida, circumstancias de natureza -varia, sympathias pessoaes, assimilação de doutrinas, -identidade de aspirações, enfeudam-nos a um Ideal, -filiam-nos em um partido, aproximam-nos de um homem.</p> - -<p>Temos a Carta constitucional, a epopéa dos <i>sete -mil e quinhentos</i>, os Codigos eleitoraes,—respiramos -n’uma atmosphera serena de tolerancia; é legal e -correcto o nosso proceder na vida publica e nada -temos, portanto, que recear com a manifestação liberrima -das nossas opiniões politicas.</p> - -<p>Succede, porém, que um marau qualquer, sufficientemente -villão para rojar sem escrupulo, pela -lama do servilismo, a sua dignidade de cidadão e -para extender a consciencia, como um capacho de -crina, nas soleiras das alfurjas onde pernoitam os -politiqueiros,—por estes e por aquelles motivos embica -com as nossas opiniões, incommoda-se com a -nossa influencia e resolve em conciliabulo secreto -da velhacaria com o rancor—promover a nossa -transferencia para os Algarves, ou para as ilhas -de Bijagóz.</p> - -<p>Assobia á matilha dos rafeiros eleitoraes, promette -um osso aos abbades, mostra uma codea aos -fraldiqueiros e apresenta-se, com a cainçalha atrelada, -ao deputado do circulo.</p> - -<p>Ao espirito dos deputados—homens geralmente -illustrados—repugna sempre a cumplicidade em taes -infamias; mas perante a dentuça afilada dos rafeiros<span class="pagenum"><a name="Pag_312" id="Pag_312">[312]</a></span> -que ameaçam esfarrapar-lhe a candidatura nas proximas -eleições, a dignidade hesita, vacilla e cede -por fim.</p> - -<p>D’alli a oito dias, o <i>Diario do Governo</i> annuncia -a nossa transferencia para o regimento n.º tantos, -para a Comarca tal dos Algarves, ou para a repartição -de Fazenda X da Beira.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Sou casado, tenho tres filhos e sustento uma -irman viuva. A transferencia obriga-me á venda da -mobilia, das loiças, dos <i>tarecos</i>; e a urgencia d’essa -venda deprecia consideravelmente o valor dos objectos.</p> - -<p>Primeiro prejuizo.</p> - -<p>As condições economicas de minha existencia são -perturbadas pelos encargos d’um emprestimo de duzentos -mil reis, que tenho de contrahir para as -despezas da viagem, da nova installação, e que um -nababo qualquer me empresta ao juro de seis por -cento, depois de eu satisfazer umas pueris formalidades, -umas cerimoniosas ninharias que a praxe -recommenda—como são as assignaturas de dois -bons fiadores e respectivas consortes, e a escriptura -de hypotheca sobre boas propriedades, livres e allodiaes.</p> - -<p>Cumprido isto, recebo o dinheiro, e com elle, um<span class="pagenum"><a name="Pag_313" id="Pag_313">[313]</a></span> -titulo de eterno feudo e dependencia moral, tanto -para mim como para meu filhos, ainda que, decorridos -seis mezes depois de registada a <i>transacção</i>, eu -me desfaça do credor, devolvendo capital e juros -com muitos apertos de mão e phrases de eterno reconhecimento<a name="FNanchor_57" id="FNanchor_57"></a><a href="#Footnote_57" class="fnanchor">[57]</a>.</p> - -<p>Parto para a minha nova collocaçeo; despezas de -caminho de ferro, transporte de bahus, carros, carroças, -nova acquisição de moveis, de <i>tarecos</i>, etc., -etc.; os duzentos mil reis desapparecem.</p> - -<p class="tb">Voltemos á lei:</p> - -<div class="blockquote"> - -<p class="hanging">CODIGO PENAL, artigo 421.º: «<b>Aquelle que commetter -o crime de furto, subtrahindo fraudulentamente -uma coisa que lhe não pertença, -será condemnado:</b></p> - -<p class="hanging"><b>1.º A prisão até seis mezes e multa até um -mez, se o valor da coisa furtada não exceder -a 10$000 reis.</b></p> - -<p class="hanging"><b>2.º A prisão até um anno e multa até dois mezes, -se exceder a esta quantia, e não fôr superior -a 40$000 reis.</b></p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_314" id="Pag_314">[314]</a></span></p> - -<p class="hanging"><b>3.º A prisão correccional até dois annos e multa -até seis mezes, se exceder a 40$000, e não -fôr superior a 100$000 reis.</b></p> - -<p class="hanging"><b>4.º A prisão maior cellular de dois a oito annos, -ou, em alternativa, a degredo temporario -com multa até um anno, em ambos os -casos, se exceder a 100$000 reis.</b></p> - -</div> - -<p class="tb">Associemos as idéas.</p> - -<p class="tb">V. Ex.ª tem aquella quinta em algures. Uma -noite, penetram n’ella tres ratoneiros, arrombam o -espigueiro e levam cinco alqueires de milho. Os -cães ladram, um creado grita, o regedor acode, os -ratoneiros fogem, os <i>cabos</i> encontram-nos e a Borralho -abre e fecha a cadeia.</p> - -<p>—<i>Como foi? como não foi?</i></p> - -<p>—<i>Senhor! Tinhamos fome</i>...</p> - -<p>—<i>São uns desgraçados</i>,—diz o advogado de defeza.</p> - -<p>—<i>É preciso garantir o direito de propriedade</i>,—exclama -o sr. Dr. Delegado.</p> - -<p>—<i>Trinta dias de cadeia</i>—conclue o sr. Dr. Juiz.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>D’essa mesma quinta, vendeu V. Ex.ª para Monsão -vinte pipas de vinho a quatro moedas. Vae receber -o seu dinheiro—oitenta moedas—e regressa a -Valença, á noite.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_315" id="Pag_315">[315]</a></span></p> - -<p>Ao passar na <i>Tomada de Barros</i>, um homem com -chapeo largo põe-se á frente dos cavallos e, de bacamarte -em punho, diz ao cocheiro: <i>Faça alto!</i></p> - -<p>Outro <i>barbaças</i> enfia pelo buraco da portinhola o -cano d’um revolver e diz: <i>Venha p’ra cá o bago!</i></p> - -<p>Apparecem mais tres vultos embuçados e V. Ex.ª -ouve aquelle <i>crac</i> secco e sinistro de tres bacamartes -que se armam.</p> - -<p>V. Ex.ª puxa do <i>Bull-dog</i>, ou <i>Abbadie</i>; o cocheiro -aponta um revolver enferrujado, ouve-se uma detonação, -depois outra; um grito, um rugido, uma praga. -V. Ex.ª salta do carro, desfecha outra vez, avança, -recua, tropeça no corpo d’um <i>barbaças</i> que escabuja, -perde o equilibrio e cae.</p> - -<p>Quando tenta levantar-se, jogam-lhe uma paulada -valente, que lhe fractura o craneo.</p> - -<p>Não sabe do mais que se passou. D’alli a quinze -dias principia V. Ex.ª a coordenar umas ideas vagas -que em rapidos momentos lucidos surgem no seu -cerebro. Sente-se excessivamente fraco; reconhece -que está na cama; leva com difficuldade as mãos -á cabeça, apalpa, e encontra um turbante de pannos -humidos e ensanguentados.</p> - -<p>Balbucia uma pergunta. Recommendam-lhe silencio, -que não faça esforços de memoria.</p> - -<p>—<i>Muito socego e muito juizo</i>, diz o Esculapio.</p> - -<p>Tres dias depois, o cerebro associa as idéas.</p> - -<p>—<i>Como foi isto?</i>—pergunta V. Ex.ª á esposa.</p> - -<p>—<i>Foi d’esta e d’aquella forma.</i></p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_316" id="Pag_316">[316]</a></span></p> - -<p>—<i>E os homens?</i></p> - -<p>—<i>Um morreu; tres estão presos.</i></p> - -<p>—<i>E o dinheiro?</i></p> - -<p>—<i>Roubaram-t’o com o relogio.</i></p> - -<h3>Epilogo</h3> - -<p><i>Está ou não provado?</i> etc., etc.</p> - -<p class="right"><b>dez annos de degredo.</b></p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Ao ratoneiro que, talvez para matar a fome, levou -cinco alqueires de milho, deu a lei—trinta dias -de cadeia. Ao <i>barbaças</i> que arriscando a vida, de -peito descoberto, roubou o relogio e as oitenta moedas, -disse o Codigo penal: dez annos de degredo.</p> - -<p class="tb">Ora, o milho e o dinheiro pertenciam a V. Ex.ª -por indiscutivel direito de propriedade. A falta do -primeiro originou um desequilibrio insignificante nas -suas finanças, que foram gravemente perturbadas -pela subtracção do segundo. V. Ex.ª teve de limitar -as suas despezas diarias e não poude, n’aquelle anno, -mandar seu filho para Coimbra, ou para o Collegio -militar, porque faltaram os meios e não quiz contrahir -emprestimos.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_317" id="Pag_317">[317]</a></span></p> - -<p>A lei, garantindo a propriedade do cidadão puniu -severamente os individuos que prejudicaram V. Ex.ª</p> - -<p><i>Neminem laede</i>—era a formula de Kant na sua -theoria sobre a Philosophia do Direito.</p> - -<p>Lesaram V. Ex.ª e a lei puniu.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Comparemos os factos:</p> - -<p>As vinte moedas representam o rendimento da -quinta <i>tal</i>, em algures, que a V. Ex.ª pertence por -um titulo de acquisição ou posse, legalmente reconhecido.</p> - -<p>Os duzentos mil reis que V. Ex.ª gasta com as -despezas da sua transferencia e os juros ou encargos -de doze mil reis annuaes, serão retirados do rendimento -da propriedade que V. Ex.ª comprou ao Estado -com os dois contos da formatura, ou com os <i>direitos -de mercê</i> e com o seu trabalho diario—compra -de que possue o devido titulo que é um diploma, a -<i>patente</i>, <i>etc.</i></p> - -<p class="tb">Associadas as idéas, comparados os factos, consideremos -agora o <i>barbaças</i> e o marau <i>transferidor</i>.</p> - -<p>Que differença póde haver entre o primeiro, que -na <i>Tomada de Barros</i> reclamou, de bacamarte em -punho, as vinte moedas, e o segundo que, desfechando -o bacamarte da <i>transferencia</i>, a V. Ex.ª origina -um prejuizo de duzentos mil reis?</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_318" id="Pag_318">[318]</a></span></p> - -<p>De qualquer d’esses factos não resultou o mesmo -desequilibrio nos elementos economicos da sua existencia?</p> - -<p>Não significam elles o mesmo attentado contra -direitos legalmente reconhecidos?</p> - -<p>Não houve n’elles a mesma responsabilidade, a -mesma <i>premeditação</i>, a mesma consciencia da illegalidade?</p> - -<p>Eu de mim annuncio que só reconheço uma differença -entre o João Brandão, o Papa-Assucar ou Zé -do Telhado e <i>quem quer que</i> fosse que promoveu a -transferencia do sr. Camisão, e <i>quem quer que</i> seja -que promove as transferencias que, á puridade, por -ahi se annunciam.</p> - -<p>Essa differença é a seguinte:</p> - -<p>João Brandão, Zé do Telhado e Papa-Assucar, -na classe dos ladrões são ladrões honrados e dignos. -Apresentam-se na estrada, de peito descoberto, fronte -erguida, expondo a vida e arriscando a liberdade.</p> - -<p>Os <i>transferidores</i> de cá são ladrões acanalhados, -ratoneiros de feira, fadistas de café de <i>lépes</i>, traiçoeiros, -covardes que se disfarçam com grandes capotes -e se cozem ás paredes nas sombras da noite -para, em qualquer encruzilhada, combinarem os meios -de, impunemente, anavalharem o funccionario publico.</p> - -<p>Se eu souber que no pinhal de Ganfey se acoita -uma malta de larapios, e se tiver necessidade de lá -passar á noite, a prudencia aconselha-me a levar<span class="pagenum"><a name="Pag_319" id="Pag_319">[319]</a></span> -um bom cacete, para quebrar o braço a um e pôr -em fuga os outros.</p> - -<p>Ora, dos <i>transferidores</i> é que eu não me posso -livrar tão facilmente. Só saem quando os lampeões -se apagam; só transitam por viellas, mysteriosos, impalpaveis, -sumidos. Se, por acaso, d’algum suspeito -e lhe arranco o capote para conhecer as feições, -encontro uma cara conhecida que ainda ha trez horas -me saudava e me sorria.</p> - -<p>D’aqui a tres dias, silva a navalha nos ares.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>No periodo de 1886 a 1890 instituiu-se n’esta -villa o regime das <i>transferencias</i> que legaliza essas -infamias, estabelecendo nos differentes partidos politicos -a necessidade das represalias summarias, como -as disposições do codigo de Lynch.</p> - -<p><i>É preciso fazer sangue, para que os campos se -definam</i>—disse-me, ha annos, um Machiavel indigena. -Apertei o casaco e segurei o relogio. É que -na estrada da Velhacaria, a Politica da minha terra -avizinhava-se já do pinhal da Azambuja em que hoje -vivemos.</p> - -<p>Para esta classe de scelerados—os <i>transferidores</i>—o -Direito romano, as Ordenações e os Codigos -nada estabelecem. Mas o Direito positivo funda-se -no Direito natural e este tira os seus principios da<span class="pagenum"><a name="Pag_320" id="Pag_320">[320]</a></span> -consciencia humana, em face das leis da Razão e da -Moral.</p> - -<p>O legislador dá sempre ao magistrado a faculdade -de ampliar, segundo os dictames da consciencia, -ou de alterar, segundo os usos da terra, as disposições -que estabeleceu para a repressão do facto -criminoso e para a defeza de direitos adquiridos.</p> - -<p>Em nossa consciencia, pela illegalidade das causas -e pela importancia dos effeitos, o caso das <i>quarenta -moedas</i> e o dos <i>duzentos mil reis</i> teem a mesma -classificação: um roubo.</p> - -<p>Quem rouba é ladrão; e para nivelar a condição -criminosa e as responsabilidades do <i>barbaças</i> e do -<i>marau transferidor</i>, egualmente perigosos na sociedade -em que vivemos, apresento o seguinte additamento -ao Codigo penal:</p> - -<p class="tb">Artigo tantos:</p> - -<p class="tb"><b>Todo o homem de bem tem a liberdade de -correr a pontapé pelas ruas de Valença, o sevandija -que, directa ou indirectamente, influa -em qualquer transferencia.</b></p> - -<p class="tb">§ unico:</p> - -<p class="tb"><b>Fica revogada toda a legislação em contrario.</b></p> - -<p class="smaller">10-2-90.</p> - -<p class="right"><i>Zinão</i>.</p> - -<hr class="chap" /> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_321" id="Pag_321">[321]</a></span></p> - -<h2 id="XX">XX<br /> -<span class="smaller">A questão ingleza<br /> -<span class="smaller">(NOTAS SOLTAS)</span></span></h2> - -<p>Alem-mar scintilla na escuridão a iris do abutre.</p> - -<p>O leopardo rugiu, saltou, e cravou as garras ensanguentadas -no velho Portugal.</p> - -<p>Este enorme gigante que teve no encephalo, -como cellulas, os craneos de Camões, de Gama e de -Cabral; que teve por apophyses as columnas de Hercules, -os rochedos do Bojador, do Boa-Esperança, do -Razalgate e do Comorim; por articulações Angola, -Moçambique, Mascate, Ormuz, Diu, Calicut, Malacca; -por veias os filões preciosos de Sofala, de Minas e -Cyaté, do Pegu e de Narsinga; por arterias o Tejo -e o Zaire, o Quanza e o Limpopo, o Zambeze e o -Mandovi, o Ganges e o Amazonas; por cabellos os -cedros seculares do Novo Mundo; por musculos os<span class="pagenum"><a name="Pag_322" id="Pag_322">[322]</a></span> -braços de mil heroes; por thorax a amplidão de todos -os céos; por limite visual a linha de todos os horisontes; -por fronteira o circulo de todos os quadrantes; -por dominio a vastidão de todos os mares; por -fanal a luz de todas as constellações—esse colosso -que teve por servos o Çamorim e os rajahs da India, -por thesoiro os abysmos aquaticos de Borneo e de -Ceylão; por sonhos os mythos do Preste-Joham; por -pesadelos as tragedias de Alcacer-Kibir e de Tanger; -e que pela rigidez do seu braço, pela heroicidade -do seu valor, conseguiu a crystallização de todas as -chimeras e a realidade de todas as phantasias—eil-o -ahi, prostrado, corroido pelo fanatismo religioso que -ha quatro seculos lhe ulcerou os membros, enfraquecido -pelos caprichos de monarchas perdularios, aviltado -pela phthiriase de cortezãos servis, cancerado -pela ambição insaciavel dos aulicos traiçoeiros, decrepito, -pobre, agonisante... mas não morto!</p> - -<p>Não! Não está morta a Patria! Ha n’ella quatro -milhões de cellulas; e se muitas são inertes ou inuteis, -covardes ou egoistas, existe nas restantes força -viva sufficiente para transmittir á musculatura do -heroe decrepito a energia das grandes crises e o arrojo -dos antigos feitos.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>N’essa cloaca—a côrte ingleza—escoante de todas -as sargetas, deposito de todas as fezes, sumidoiro<span class="pagenum"><a name="Pag_323" id="Pag_323">[323]</a></span> -de todas as immundicies que podem existir na alma -humana, as ambições e a perfidia actuaram como acidos -d’uma pilha sobre o metal—oiro—dos nossos -terrenos da Mashona.</p> - -<p>Como reophoro transmissor d’essa electricidade -cupida, partiu de Londres—polo negativo—o <i>ultimatum</i> -de Salisbury e tocou no coração da Patria.</p> - -<p>Immediatamente, outra electricidade se desenvolveu -com os elementos positivos da Justiça e do Direito -n’essa enorme pilha—a alma portugueza—que -já actuou em todo o Universo com a intensidade das -mais arrojadas emprezas e com a força dos mais generosos -heroismos.</p> - -<p>E então, ao contacto d’esse novo fluido, de que -n’um bello impulso de ardente enthusiasmo a Academia -foi conductor, todos os membros do decrepito colosso -se agitaram convulsivamente. Ergueu-se o heroe, -d’um arranco, e magestoso de altivez, fremente -de indignação—d’ahi, do promontorio de Sagres, -d’onde avassallára o Mundo, arremessou para lá da -Mancha o escarro do desprezo, unico desforço que a -dignidade permitte ás affrontas d’um villão.</p> - -<p class="tb">Cartel de desafio não se manda a representantes -de <i>lords</i>. Bright era <i>quaker</i>; Crawfurd, provavelmente, -é castrado; condições diversas, mas eguaes -na intenção—livrar decentemente as regiões trazeiras -da bota d’um portuguez.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_324" id="Pag_324">[324]</a></span></p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>A excitação da colera e a allucinação do perigo -teem por vezes prejudicado a imponencia da nossa -attitude perante essa malta de esbodegados borrachões, -paus-de-virar tripas encasacados, feitos de esperma -de lupanar e de muco leucorrheico, que constituem -na sua abjecta individualidade de <i>lords</i> a canalha -servil da côrte ingleza.</p> - -<p><i>Morra a Inglaterra!</i> bradamos.</p> - -<p>Não! Não se levantam gritos de exterminio contra -uma nação inteira. Entre quarenta milhões -de habitantes ha, tambem, opprimidos e oppressores.</p> - -<p>A podridão e a villania condensam-se nas altas -espheras do <i>high-life</i>, nos palacios da City, nos corredores -de Windsor Castle, no <i>royal box</i> de Covent -Garden, no Pelican Club, no Devonshire Club, no -Turf-Club, onde impera, infrene, El-Rei Deboche.</p> - -<p>Cá em baixo, labuta e moireja um povo trabalhador -e geme um mundo de parias. Nos bairros immundos -de Londres, no West-End, no White-Chapel, -dormem ao ralento, esfarrapados e nús, centenares -de velhos e de creanças.</p> - -<p>Agonizando pelas esquinas e escabujando nos -monturos, morrem annualmente, <b>de fome</b>, tres a -quatro mil pessoas.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_325" id="Pag_325">[325]</a></span></p> - -<p>Das camadas que trabalham sahiram Shakspeare, -Milton, Jenner, Newton, Davy, Graham, Bacon, Locke, -Hume, Priestley, Adam Smith, Stephenson, Wollaston, -Boyle, Shaftesbury, Harvey, Stuart Mill, -Spencer.</p> - -<p>Esses homens alguma coisa fizeram em prol da -humanidade e da civilização, e não é justo, portanto, -que á sua memoria e ao seu nome lancemos o escarro -do insulto e o estigma da maldicção.</p> - -<p><i>Odio aos lords!</i> deve ser o nosso grito, porque -são elles, e só elles, os nossos espoliadores.</p> - -<p>Odio a essa aristocracia abandalhada que estrangula -a Irlanda—mancha vergonhosa da civilização -europea e que os magarefes da City por vezes transformam -em sangrento açougue.</p> - -<p>Odio a esses lacaios de libré que nas sessões da -Lords’ House vemos erectos, empertigados, orgulhosos, -e á noite se curvam sobre os tapetes do <i>brothel</i>—bestiaes, -apopleticos, rubros, babados, <i>falling -on one’s jaws</i><a name="FNanchor_58" id="FNanchor_58"></a><a href="#Footnote_58" class="fnanchor">[58]</a> entre saias almiscaradas e amarellas -com o liquido da menorrhéa.</p> - -<p>N’esse asqueroso quadro de infamias que em 85 -a <i>Pall Mall Gazette</i> desvendou á imprensa europea -ha, como actores, <i>lords</i>, só <i>lords</i>—os mesmos canalhas -de Cleveland-Street que, ha mezes, uns áltos<span class="pagenum"><a name="Pag_326" id="Pag_326">[326]</a></span> -<i>personagens</i> da côrte protegiam, suffocando a peso de -oiro a publicidade das suas novas torpezas. São elles -e só elles que fixaram o preço de 15 a 20 libras -para as <i>fresh-girls</i>—<i>virgo intacta</i>—de 13 a 14 annos, -que hoje são as 50:000 prostitutas—<i>black army</i> -dos <i>trottoirs</i> londrinos.</p> - -<p>São elles que para a lucta contra essas desgraçadas -creanças, attrahidas infamemente aos subterraneos -de West-End, inventaram a <i>black-draught</i> do -narcotico.</p> - -<p>São elles que para obterem o oiro necessario ás -phantasias d’uma sensualidade bestial, constituiram -a <i>Slaughter-House</i> contra os desgraçados filhos da -Irlanda; que reunidos em <i>Royal Companies</i> ordenaram -essas medonhas carnificinas de Pendjab e dos -cipayos; e que agora, trocando em casa de Salisbury -as fardas bordadas pela jaqueta de <i>pick-pocket</i>, <i>chypram</i> -do mappa africano o oiro da Mashona.</p> - -<p>Esses asquerosos Tartufos, occultando cynicamente -nas casacas de <i>congressistas</i> philanthropicos e -humanitarios a sua cupidez e insaciavel ambição, -propozeram, ha tempos, a Portugal e ao sultão de -Zanzibar um bloqueio na costa oriental, de Inhambane -a Pembe, que impedisse—diziam—a importação -de armas aos arabes do interior, eternos traficantes -de carne humana.</p> - -<p>O nosso governo accedeu; o bloqueio estabeleceu-se; -e poucos dias depois, o governador do Cabo -enviava occultamente a Lobengula, feroz chefe dos<span class="pagenum"><a name="Pag_327" id="Pag_327">[327]</a></span> -Matabelles, com quem os arabes se entendem, 1:000 -espingardas Martini-Henry com 300:000 cartuchos!</p> - -<p>Odio, pois, aos <i>lords</i>!</p> - -<p>Organize-se contra elles uma nova cruzada de -exterminio, e que todo o portuguez tenha o direito -de os correr a tiro, como a animal feroz, quando no -solo honrado da Patria poisarem as suas enormes -patas de tres toesas.</p> - -<p>São elles e só elles que nos roubam. Ahi vae a -<i>historia do caso</i> Chire-Nyassa.</p> - -<p class="tb">Lord Fife, duque do dito Fife, é genro de Sua -Alteza Real o Principe de Walles; casou com a princeza -Luiza, uma neta da <i>graciosa</i> rainha e imperatriz -Victoria.</p> - -<p>Lord Fife é um pobresinho de Christo; das suas -propriedades de Scotland e de outros bens de fortuna -tem um rendimento aproximado a dois contos -por dia, e como a sua <i>Ex.ᵐᵃ Consorte</i> é de egual pobreza, -com mais umas achegas, dotação, etc., nas telhas -d’aquelle desgraçado casal caem umas quarenta -libras por cada hora de cada dia.</p> - -<p>Mas succede que lá, como cá, estas coisas de nobreza -custam muito dinheiro, porque é preciso sustentar -a respeitabilidade da posição official, como -diz o Albino, quando <i>entra nas idéas e no coração</i> -da gente para dispôr os <i>petardos</i> das suas transcendentes, -nebulosas e philosophicas reflexões sociaes.</p> - -<p>Como o povo inglez embicou, ha tempos, com o<span class="pagenum"><a name="Pag_328" id="Pag_328">[328]</a></span> -augmento da dotação da <i>Royal Family</i>, lord Fife, -para ganhar o seu pataco, fez-se agiota, socio commandita -da firma commercial <i>Samuel Scott and C.º</i> -e director da <i>British South Africa Company</i>, a quem -uma <i>Royal Charter</i> concedeu, ultimamente, 400:000 -milhas de terreno africano com aquella liberalidade -conhecida: <i>do pão do nosso compadre grossa fatia ao -afilhado</i>.</p> - -<p>Mas as libertinagens de West-End, do Cleveland-Street, -os serviços dos rapazinhos do telegrapho, as -orgias de <i>champagne</i>, os <i>boat-matches</i> do Naval Club, -absorvem todos os rendimentos de lord Fife e segundo -consta, ha poucos mezes, as finanças de His -Lordship estavam por assim dizer: <i>tem-te, não -caias</i><a name="FNanchor_59" id="FNanchor_59"></a><a href="#Footnote_59" class="fnanchor">[59]</a>.</p> - -<p>A concessão feita a Lord Fife, a Lord Abercorn, -a Lord Gifford (cá estão os <i>lords</i>), organizadores da -<i>African Company</i>, era tão importante que em Londres, -o <i>Times</i> e o <i>Standard</i>, fazendo reclamo, annunciavam-na -como: <i>Empreza colossal</i>. Todavia, as acções -conservavam-se na <i>baixa</i> e Lord Fife, nominalmente -um dos maiores accionistas, não arranjava com aquelle -negocio para pagar um <i>little boy</i>.</p> - -<p>Surgiu então uma idéa salvadora. Os nossos terrenos -na Mashona eram, ha muito tempo, indicados -como preciosos para explorações auriferas. Salisbury<span class="pagenum"><a name="Pag_329" id="Pag_329">[329]</a></span> -levou <i>rasca na assadura</i>; contractou-se o patife -Johnston, compraram-se por baixo preço todas as -acções da <i>South Company</i> e no dia seguinte rebentou -o <i>ultimatum</i>. Em vinte e quatro horas, cada acção -obteve um premio de setenta libras. Cinco mil acções—trezentas -e cincoenta mil libras.</p> - -<p class="tb"><i>God save the Queen!</i> e vamos ás <i>fresh-girls</i>!</p> - -<p class="tb">Odio pois aos lords! E como em Valença as manifestações -patrioticas ficaram no <i>projecto</i> d’um telegramma -a Serpa Pinto, porque se repetiu, talvez, -aquelle caso da subscripção para o <i>bucephalo</i><a name="FNanchor_60" id="FNanchor_60"></a><a href="#Footnote_60" class="fnanchor">[60]</a>, eu -proponho o seguinte:</p> - -<p class="tb">Que se mande a Lisboa uma commissão para escolher -e contractar nas viellas da Baixa duas duzias -de <i>ladies</i> matrafonas, das mais abandalhadas e nojentas.</p> - -<p>A mesma commissão contractará, tambem, dez ou -doze grumetes da marinha real ingleza. Esses grumetes -serão vestidos, da cinta para cima, com o uniforme -dos boletineiros telegraphicos; da cinta para -baixo, uma parra.</p> - -<p>Matrafonas e grumetes, com seis barris de <i>cachaça</i> -de 90°, serão envolvidos por uma forte rede de arame, -á qual se atará um solido cabo de algumas milhas.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_330" id="Pag_330">[330]</a></span></p> - -<p>A gente vae depois alli, a Calais, põe um pé em -Douvres e atira com a <i>isca</i> para o Tamisa.</p> - -<p>Fica um de nós a ter conta no cabo. Póde ser—por -exemplo—o Fernando que é o mais entendido -em coisas de pesca, como o prova annualmente na -Rapozeira com os seus <i>botirões</i>. O Braga tambem -póde servir, porque tem habilidade para descobrir -peixes.</p> - -<p>O Fernando, pois, senta-se em qualquer rochedo, -fuma o seu cigarro, espalha as tristezas com o <i>Noticioso</i>, -ou com as <i>latinhas</i> do Cruz, e quando sentir -que a corda estica, signal de que o peixe <i>pica</i>, puxa -vagarosamente para terra.</p> - -<p>A meio cabo, levanta-se e vem descendo pela -costa da Mancha: Dieppe, Havre, Cherbourg; Brest, -S. Nazaire, Bordeaux; contorna o Golpho, Bayonne, -Santander; dobra o Ortegal, Corunha, Vigo, Guardia; -entra no Minho e vem subindo pela margem direita -até ao <i>Pau-do-fio</i>.</p> - -<p>A gente põe-se cá de cima, das muralhas, e recebe -o cabo. Chamam-se os paysanducos e toca a puxar.</p> - -<p>Fóra da agua a <i>isca</i>, veremos logo, agarrados a -ella, todos os <i>lords</i> da <i>City</i>: Lord Fife, Lord Foife, -Lord Fufe, Lord Craft, Lord Creft, etc.</p> - -<p>O <i>lord</i> é animal amphibio, organização de batrachio; -resiste bem debaixo d’agua, como se sabe.</p> - -<p>Paysanducos continuam a puxar e vae tudo para -o largo de S. João.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_331" id="Pag_331">[331]</a></span></p> - -<p>Os <i>lords</i> devem apparecer esbodegados, cambaleantes, -tropegos.</p> - -<p>Vem o <i>Parádas</i> com o <i>bolo municipal</i> e divide-o -pelos borrachões.</p> - -<p>Duas horas depois, o Gamellas traz a carroça do -lixo, carrega, e despeja na <i>Sexta</i>.</p> - -<p>Extincta, assim, a raça vil, a <i>City</i> fica deserta; e -como a Hygiene recommenda a collocação das fossas -longe das habitações, faremos do <i>fashionable</i> bairro -uma sentina para uso diario.</p> - -<p class="center">Ao norte: Para damas.</p> - -<p class="center">Ao sul: Para homens.</p> - -<p>Para fazer a limpeza e fornecer papeis, ficarão:</p> - -<p class="center">Mr. Jacob Bright<br /> -e<br /> -Mr. Oswald Crawfurd.</p> - -<p class="smaller">2-3-90.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_332" id="Pag_332">[332]</a></span></p> - -<hr class="chap" /> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_333" id="Pag_333">[333]</a></span></p> - -<h2 id="XXI">XXI<br /> -<span class="smaller">A manifestação dos artistas</span></h2> - -<p>Em 28 de janeiro, a Direcção da Assembléa Recreativa -promoveu uma manifestação patriotica, préviamente -annunciada nos jornaes da terra com a minuciosidade -espaventosa d’um programma de <i>S. Telmo</i> -ou <i>da Agonia</i>.</p> - -<p>Não é meu intento censurar essa manifestação; -mas, pelo simples facto de ella ter sido promovida -por um grupo de artistas e de homens do trabalho -não devo excluil-a do campo critico, onde com estes -artigos analyso os factos mais importantes na chronica -valenciana.</p> - -<p>A meu vêr, essa manifestação teve uma origem -que a absolve plenamente d’uns pequenos ridiculos -que a amesquinharam. Originou-a um impulso de sincero -patriotismo, e basta isso para escudar os promotores<span class="pagenum"><a name="Pag_334" id="Pag_334">[334]</a></span> -d’ella contra a rudeza da phrase com que -verberei a <i>fantochada</i> de 14.</p> - -<p>Se essa manifestação offerece alguns lados censuraveis, -se teve peripecias irrisorias, se não me inspira -hoje phrases de caloroso applauso e de sincera -adhesão, os seus promotores devem-no, exclusivamente, -ás impressões que nos seus espiritos deixou a -grande <i>rusga</i> de 14. Aproveitaram parte do programma: -musica, cortejo, vivas arruaceiros, procissões -<i>intra</i> e <i>extra</i>-muros, etc., abandonando deploravelmente -os meios que a Razão aconselha para, em -occasiões identicas, se dar a qualquer manifestação -um caracter significativo de energia, de sensatez e—sobretudo—de -utilidade.</p> - -<p>Não me rio perante as bandeiras que n’esse cortejo -distinguiram a Arte, do Commercio, como estulta -e imbecilmente o fizeram alguns dos <i>illustres patriotas</i>, -comparsas na ignobil farça dos abbades. Essas -bandeiras significam o trabalho honrado, o homem -que labuta e moireja dia e noite no sustento -da familia, e que nunca serviu de lacaio a qualquer -magnate eleitoral para, á custa do Estado, coçar por -ahi, nas esquinas, os seus setenta kilos de ociosidade; -significam o artista que contribue efficazmente -para a riqueza da nação; o commerciante que concorre -com uma boa parte dos seus interesses para as -despezas das nossas mais uteis instituições e não o -eunucho indifferente a todos os impulsos da Civilização -e que, arrastando uma existencia ignobil, como<span class="pagenum"><a name="Pag_335" id="Pag_335">[335]</a></span> -a da lapa eternamente presa ao rochedo, na valla -commum dos inuteis desapparece, sem ter conhecido -outra energia e outras sensações além das que -obteve, comendo, bebendo e dormindo.</p> - -<p>Passe, pois, o cortejo, porque perante elle, eu, -descubrindo-me, exclamarei tambem:</p> - -<p class="tb"><b>Viva a patria!</b></p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>A Musica da <i>Santa</i> veiu outra vez espancar os -ares com as notas festivas dos hymnos, bufadas para -os céos da Patria com a furia d’uma orchestra de -Cafres.</p> - -<p>É crença arraigada no espirito do povo que não -póde haver solemnidade sem gaiteiro.</p> - -<p>Era preciso, disseram-me, estimular, avivar o espirito -da nacionalidade.</p> - -<p>Este argumento defensor dos <i>paus-tesos</i> recorda-me -as funcções luctuosas das antigas carpideiras, -nas casas minhotas.</p> - -<p>Morria o fidalgo.</p> - -<p>Expunha-se o cadaver na sala nobre.</p> - -<p>As mulheres e as creanças acocoravam-se sobre -os tapetes.</p> - -<p>Em volta do caixão perfilavam-se, tristes, sombrias -e sinistras, seis mulheres recrutadas no auditorio<span class="pagenum"><a name="Pag_336" id="Pag_336">[336]</a></span> -dos Missionarios, entre as mais hystericas e lacrimosas, -quando algum dos energumenos descrevia -os horrores do caldeirão de Pero Botelho, o rechinar -das carnes e os forcados rubros de trezentos milheiros -de diabos que pinchavam sobre as cabeças chamuscadas -dos condemnados.</p> - -<p>Vinham os amigos da familia apresentar as suas -condolencias.</p> - -<p>As carpideiras irrompiam n’um chorar convulso, -com todos os sons da gamma afflictiva, com todas as -notas ascendentes e descendentes d’uma suprema -dôr: suspiros, gemidos, gritos, berros—berros, gritos, -gemidos, suspiros.</p> - -<p>Os sentimentos quando se manifestam com violencia -exercem uma forte acção de communicabilidade -a que nem todos são refractarios. Vêmos lagrimas nos -olhos d’uma viuva, ouvimos o casquinar de sonoras -gargalhadas e o cerebro, recebendo as impressões -d’essas lagrimas e d’esses risos, reproduz em nossa -face os sentimentos que os motivaram: rimos quando -os outros riem e choramos quando os outros choram<a name="FNanchor_61" id="FNanchor_61"></a><a href="#Footnote_61" class="fnanchor">[61]</a>.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_337" id="Pag_337">[337]</a></span></p> - -<p>Assim, na scena das carpideiras, ellas, a familia, -as visitas, os creados, disputavam primazia em intensidade -de sentimentos.</p> - -<p>Terminada a cerimonia, os amigos compunham no -rosto os traços d’uma grande dôr; distribuiam pela -familia arrochados abraços e violentos apertos de -mão, exprimindo entre soluços os desejos de se tornarem -uteis: <i>se fôr preciso qualquer coisa—estamos<span class="pagenum"><a name="Pag_338" id="Pag_338">[338]</a></span> -ás ordens—mandar com franqueza—adeus—é ordem -do mundo—resignação—adeus...</i></p> - -<p>Fechada a porta, fechavam-se tambem, com ella, -as valvulas das glandulas lacrimaes; e carpideiras e -doridos corriam á vasta cozinha, onde pantagruelicamente -atafulhavam o bandulho com grossas postas de -bacalhau cozido, abundantemente regadas por successivos -cangirões de bom e espumante verdasco.</p> - -<p>Batiam, de novo, á porta; tudo voltava á sala.</p> - -<p>O morto lá estava; amarello, hirto, de mãos ceraceas -cruzadas sobre o peito, muito esticado dentro -da sua <i>roupa preta</i> perolada de <i>agua benta</i>, exhalando -fragrancias de <i>vinagre aromatico</i>, de nariz para -o ar, onde as moscas esgaravatavam com as patitas, -na doida e frenetica sensualidade das cocegas que -ellas tanto appetecem, e que o finado, dias antes, tão -pertinazmente lhes recusára.</p> - -<p>Então, a sensibilidade das carpideiras explodia -pelo canal digestivo em sonoros arrotos.</p> - -<p class="tb">E n’essa sessão solemne que constituiu a segunda -parte do programma—uma verdadeira visita de pezames -pela frieza da sala, pelo tremulo discursar dos -primeiros oradores, pela hesitação dos <i>mestres de cerimonia</i> -e pela presença da bandeira nacional que significava -os restos mortaes dos nossos brios e das -nossas glorias, tambem se ouviu—permitti que o -diga, honrados artistas—um rasoavel arroto:—aquella -polka final.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_339" id="Pag_339">[339]</a></span></p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Durante o trajecto do cortejo, a <i>Musica</i> tocou, -por vezes, hymnos varios. Excluistes o da Restauração, -que só os eunuchos da Rotina hoje podem admittir -nas suas manifestações simontadas. Devieis dispensar -tambem os outros: o da Carta e o do Rei.</p> - -<p>O primeiro lembra a libertação da tyrannia, a -emancipação dos direitos do cidadão, a queda do absolutismo, -o inicio d’uma nova era de Progresso intellectual -que devia esmigalhar as algemas de instituições -odiosas e impulsionar-nos na bemdita estrada -da Civilização, livres das trevas e dos espinhos -que amarguraram os dias dos nossos antepassados.</p> - -<p>Recorda, pois, um facto—a outorga da Carta—que -trouxe jubilos, alegrias; e não é em horas de -tristeza e de desalento que n’elle devemos procurar -lenitivo.</p> - -<p>O segundo solemnisou a coroação d’um monarcha—uma -festa nacional em que houve bailes, recepções, -salvas reaes, paradas, espectaculos de gala.</p> - -<p>Pelo anterior argumento devia ser excluido.</p> - -<p class="tb">O <i>ultimatum</i> inglez é, apenas, a primeira bala do -assedio que essa côrte de debochados planeou contra -o nosso dominio d’alem-mar.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_340" id="Pag_340">[340]</a></span></p> - -<p>A espoliação de Bolama que elles tentaram em -38; a de Goa, Damão e Diu em 39; a das ilhas de -Lourenço Marques em 62; a redacção da <i>Royal Charter</i> -que ultimamente concedeu a Lord Fife os terrenos -a oeste de Moçambique; a necessidade que elles -teem de possuir, na costa africana oriental, um bom -porto que dê expansão ao desenvolvimento das colonias -estabelecidas no interior á sombra de perfidos -protectorados; as recentes ameaças sobre as ilhas -da Madeira e sobre Lourenço Marques—revelam -claramente o plano da usurpação violenta de que -mais tarde ou mais cedo, com pretexto ou sem elle, -Portugal será victima.</p> - -<p>Os nossos terrenos africanos, se pouco teem produzido -até hoje pelo abandono a que os condemnamos, -podem ser no futuro elemento valiosissimo de -riqueza e de prosperidade; e na tristissima situação -em que as nossas finanças se encontram, com o enorme -desequilibrio que annualmente se denuncia entre -a receita e a despeza, quando os encargos da divida -absorvem, já, metade dos rendimentos, importantissimo -é o problema colonial, porque a solução d’elle -póde evitar funestissimas perturbações, póde evitar -a ruina da Nação, e mais do que isso—a perda da -sua independencia!</p> - -<p>E dizei-me agora, honrados artistas e commerciantes:</p> - -<p>Se no dia trinta e um de dezembro, quando fechaes -o vosso balanço annual, reconheceis que o<span class="pagenum"><a name="Pag_341" id="Pag_341">[341]</a></span> -<i>passivo</i> excede o <i>activo</i>—quando perante esse <i>deficit</i> -encaraes, com olhar vacillante, o futuro, onde vêdes -sombras e não auroras—se no anno seguinte uma -nova especulação, uma nova industria vos proporcionar -meios com que possaes capitalizar uns centos de -mil reis collocados depois, <i>á ordem</i>, no Roriz,—se -um dia o <i>Primeiro de Janeiro</i> vos annunciar a quebra -d’aquelle banqueiro e, com ella, a perda do vosso -capital, a destruição completa dos elementos com -que esperaveis viver com abastança no futuro—acaso -a vossa alma se póde regosijar com o Hymno -do Rei ou com o da Carta?</p> - -<p>Pois as situações são as mesmas.</p> - -<p>Vós e a Patria tendes annualmente um enorme -passivo.</p> - -<p>O capital que estava no Roriz—o vosso futuro—é -o dominio d’alem-mar—o futuro da Patria.</p> - -<p>A noticia da fallencia é a noticia do <i>ultimatum</i>, -com esta differença apenas: uma originou-se na adversidade -dos negocios, outra na ambição d’um <i>lord</i>.</p> - -<p>Vós sois a Patria; viveis n’ella; sois a alma e o -braço d’ella.</p> - -<p>A Patria é tudo isso que vos rodeia: familia e -amigos, affectos e carinhos; é tudo o que ha de bom, -de generoso, de nobre e feliz na vossa existencia; é -a limpidez d’este formosissimo céo peninsular, a risonha -paizagem do nosso Minho, a irradiação das -nossas alvoradas, o oiro dos nossos crepusculos, o -matizado dos nossos campos; é essa dulcissima melancholia<span class="pagenum"><a name="Pag_342" id="Pag_342">[342]</a></span> -que ao <i>toque das trindades</i> inunda a nossa -alma com a toada longinqua das canções populares, -é o nobre orgulho que em vossos olhos brilha quando -escutaes a epopéa das nossas gloriosas façanhas; é -essa formosa cabeça de velho que vos sorri, é a esposa -carinhosa que vela a vossa doença, é a creança—esse -pequenino sêr feito com raios de alvoradas e -crystallizações de sorrisos—a quem chamaes filho<a name="FNanchor_62" id="FNanchor_62"></a><a href="#Footnote_62" class="fnanchor">[62]</a>.</p> - -<p>Quem offender a Patria—offende-vos.</p> - -<p>Quem a roubar—rouba-vos.</p> - -<p>Quem toca o hymno da Carta quando ella soffre, -toca-vos o hymno do rei quando, com a fallencia do -Roriz, reconheceis perdidas e inutilizadas as esperanças -do vosso futuro.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Despedi, pois, os gaiteiros, amigos.</p> - -<p>Não lhes faltará que fazer.</p> - -<p>Ahi estão os paysanducos esperando a <i>borga</i> das -eleições. Lá estão os de Monsão que d’elles necessitam -para as farças publicas do entrudo, em que figuram -makololos e Serpa Pinto.</p> - -<p>Uns e outros: paysanducos, makololos e santascocas<span class="pagenum"><a name="Pag_343" id="Pag_343">[343]</a></span> -provam á evidencia, pela sua immobilidade -mental, que, realmente, não havia razão para os sabios -repellirem com tanto ardor as theorias de -Darwin.</p> - -<p>Nos cerebros de todos elles, existem irrefutaveis -vestigios de hereditariedade chimpanzéca.</p> - -<p>Distingui-vos d’elles!</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Á sympathia que me inspira a vossa Assembléa -deveis estes periodos, onde podereis encontrar phrase -aspera de sinceridade, mas não phrase humilhante -de ironia.</p> - -<p>Não vos offendaes, pois, por eu declarar que estou -intimamente convencido de que nenhum de vós -conhece exactamente o valor, a extensão, a situação -geographica, os limites dos terrenos que a canalha -dos <i>lords</i> nos pretende roubar; como sinceramente -creio que a mesma ignorancia existe no espirito da -maior parte dos patriotas que promoveram a grande -<i>rusga</i> de 14 e que por ahi, ainda hoje, erguem as -mãos ao céo, falando de <i>roubos</i>, de <i>direitos indiscutiveis</i>, -etc., etc.</p> - -<p>Tirae-me do grupo promotor da <i>fantochada</i> umas -tres ou quatro cabeças, e demonios me levem se as -restantes vos disserem para que lado fica a Africa, -se fica perto ou longe de Taião e se lá vivem homens<span class="pagenum"><a name="Pag_344" id="Pag_344">[344]</a></span> -civilizados como nós, se paysanducos, se orangotangos.</p> - -<p>Em vós, tudo desculpa essa ignorancia. Sois homens -do trabalho. Quando o dia nasce, principiaes a -lucta pela vida; quando o sol se esconde, procuraes -no repoiso, vigor para a tarefa de ámanhã. Não podeis, -portanto, dispensar o tempo necessario ao estudo -d’estas questões que a Historia, a Geographia, -o Direito internacional, etc., esclarecem.</p> - -<p>Essa ignorancia existe, ainda mais profunda nas -camadas populares inferiores á vossa.</p> - -<p>Berraes, pois, que vos roubam sem conhecerdes, -quanto, o que, e onde.</p> - -<p>Consultae a consciencia e dizei-me se isto assim -não succede, e se não consideraes censuravel que um -homem nas ruas grite contra um ladrão, ignorando -os direitos que tem de o fazer e só porque ouviu as -exclamações dos outros.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Reconhecereis, portanto, que podia condemnar a -vossa manifestação de 28, mas se acreditaes na sinceridade -d’essa sympathia que eu vos affirmei nutrir -pela <i>Assembléa Recreativa</i>, se a opinião d’um homem -que se ri dos que, n’outras espheras <i>mais illustradas</i>, -fazem das luvas—uma coisa que o meu cocheiro usa—distinctivo -irrefutavel <i>de sentimentos dignos e cavalheirescos</i><span class="pagenum"><a name="Pag_345" id="Pag_345">[345]</a></span> -(!) permitti que em poucas palavras vos indique -a fórma como eu entendo que vós devieis ter -organizado a manifestação.</p> - -<p class="tb">Nada de musicas; nada de procissões pelas ruas!</p> - -<p>Um de vós pediria o theatro. Tres ou quatro iriam -em commissão convidar qualquer dos officiaes do Regimento—que -os tendes ahi illustrados e competentissimos—para -uma conferencia sobre a questão do -Chire-Nyassa, em que vos expozesse claramente, -perante um mappa, a situação dos nossos dominios e -a legalidade dos nossos direitos.</p> - -<p>Para essa conferencia abririeis as portas ao povo, -a esse eterno ignorante sempre explorado, porque o -não educam; e se os vossos recursos podessem contribuir -para uma verdadeira e util obra de patriotismo, -a esse mesmo official pedirieis que vos escrevesse -um pequeno volume onde, em linguagem chan, -clara, perfeitamente intuitiva e ao alcance de todas -as intelligencias, se desenrolasse a historia do nosso -Passado e a historia d’essa vergonhosa alliança com -a corte dos <i>lords</i>.</p> - -<p>Distribuirieis depois, oito centos ou mil exemplares -d’essa publicação pelas freguezias do concelho, -pelas escholas, pelas ruas.</p> - -<p>E então, amigos, com os brados de cólera e com -as exclamações de desalento que a miragem das nossas -gloriosas conquistas provocaria, poderieis compôr -um hymno—um verdadeiro hymno nacional, magestoso,<span class="pagenum"><a name="Pag_346" id="Pag_346">[346]</a></span> -triumphante, imponente de enthusiasmos, arrebatador -de generosos sentimentos, palpitante de sincero, -energico e irresistivel Patriotismo!</p> - -<p>Poderieis então gritar:</p> - -<p class="tb"><b>Viva a Patria!</b></p> - -<p class="noindent tb">que eu, sobre a cabeça d’esses paysanducos que se -riram de vós, responderia com toda a energia de minha -alma:</p> - -<p class="tb"><b>Honra á Assembléa Recreativa!</b></p> - -<hr class="chap" /> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_347" id="Pag_347">[347]</a></span></p> - -<h2 id="XXII">XXII<br /> -<span class="smaller">Carta a S. Ex.ª, o Sr. Administrador</span></h2> - -<p class="right">Ex.ᵐᵒ Sr.</p> - -<p>De caso pensado reservei para esta data, em que -concluo a publicação que tanto tem agitado o espirito -dos seus excellentissimos administrados, a manifestação -dos sentimentos que agitaram a minha -alma n’essa hora solemne, em que V. Ex.ª foi chamado -ás graves deliberações da Administração concelhia.</p> - -<p>E de caso pensado o fiz, Ex.ᵐᵒ Sr., porque necessitava -que o tempo, os factos, me fornecessem -elementos com que, ao collocar a individualidade de -V. Ex.ª n’esta curiosa galeria de celebridades valencianas, -podesse fazer ao publico um pequeno discurso -apologetico com phrases e linguagem differentes ás -d’essas escalrichadas apotheoses das luminarias da<span class="pagenum"><a name="Pag_348" id="Pag_348">[348]</a></span> -terra, prenhes de <i>estimados cavalheiros</i>, de <i>integerrimos -magistrados</i>, de <i>robustos meninos</i> e outras minhocas -que o <i>Noticioso</i> inventa para enfeitar o anzol -d’uma assignatura annual.</p> - -<p>Hoje, porém, Ex.ᵐᵒ Sr., que tres mezes se sumiram -nas voragens do Tempo depois d’essa augusta -solemnidade da <i>posse</i>, d’esse acto d’uma respeitabilidade -indiscutivel em que a imponencia das nossas -instituições civis actua sobre o espirito com a pressão -de cem atmospheras—hoje, em que a individualidade -administrativa de V. Ex.ª, evidentemente se -destaca entre as auctoridades da minha terra, marchando -a passo d’anjo no coice das procissões, ao -lado de Sua Excellencia o Senhor Governador Pericles -<span class="smcapuc">I</span> e um pouco á frente do seu subordinado o Snr. -Joaquim, muito digno e conspicuo Substituto—digne-se -V. Ex.ª permittir que eu lhe dedique estas -linhas, onde vou synthetisar a opinião que no meu -espirito existe ácerca do Senhor Administrador.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Percorrendo a historia dos gloriosos feitos dos -antepassados de V. Ex.ª n’essa cadeira administrativa—meditando -sobre as diversas aptidões e faculdades -que nas sombras do Preterito, ainda hoje illuminam -os vultos dos prestantes e muito dignos cidadãos -que eu por ahi vi atados á banda bicolor,—comparando<span class="pagenum"><a name="Pag_349" id="Pag_349">[349]</a></span> -os feitos immorredoiros que enaltecem -os annaes da Administração valenciana—desde a -<i>borralhada</i> da Santa até ao exterminio da Rua Verde, -desde a prisão d’aquelle feroz e sanguinario Troppman -na <i>tomada de Barros</i> até ás fornadas eleitoraes -da Misericordia,—com os actos de V. Ex.ª, eu, -Ex.ᵐᵒ Sr.—com franqueza—não posso exprimir o -conceito que de V. Ex.ª formo com palavras differentes -d’estas:</p> - -<p class="tb">V. Ex.ª é o <i>refugo</i> dos administradores!</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>E d’estas palavras escriptas com a rude sinceridade -que até aqui arrepia a linguagem dos meus -escriptos, acaso poderá V. Ex.ª deduzir intenção desdoirante -das suas aptidões intellectuaes, dos seus -conhecimentos juridicos, das suas faculdades administrativas?</p> - -<p>Se tal succede, erra o seu excellentissimo criterio.</p> - -<p>V. Ex.ª é o <i>refugo</i> dos administradores, porque -tem uma carta de bacharel, porque sahiu ha poucos -annos da Universidade com uma educação politico-scientifica -imperfeita, rachitica, insufficiente para as -funcções do elevadissimo cargo de que está investido.</p> - -<p>V. Ex.ª está saturado de ordenações, de codigos,<span class="pagenum"><a name="Pag_350" id="Pag_350">[350]</a></span> -de paragraphos unicos, de disposições transitorias, -de <i>subsidios</i>, de cartas de lei, de alvarás; conhece -os trabalhos e as theorias de Bentham, de Krause, -de Kant, de Grotius, de Blackstone, de Calvo, etc., -etc., mas ignora absolutamente e precisamente o -que é mais essencial a um Administrador, mercê -da insufficiencia dos programmas officiaes e da falsa -orientação que na Universidade preside á incubação -d’um bacharel.</p> - -<p>A educação social do individuo deve adaptar-se -ás condições e exigencias do cargo a que se destina. -Um medico aprende a curar feridas; um militar -a fazel-as; um escrivão de fazenda a tirar camisas; -um boticario a preparar tisanas; um paysanduco -a contar cucharras; um <i>espirito-santo</i> a inspirar -tolices; um Zinão a reforçar sinapismos.</p> - -<p>Para lá da esphera profissional que a sua educação -lhe circumscreve, o individuo torna-se um ser -inutil, prejudicial, incommodo.</p> - -<p>É o que succede com V. Ex.ª</p> - -<p>V. Ex.ª cursou todas as cadeiras exigidas no -programma official d’um bacharelado: direito romano, -dito penal, dito commercial, dito civil, dito internacional. -Sahiu habilitado para tudo: para defender, -accusar, aconselhar, chicanar, fazer do direito -torto e do que é torto direito, em questões de aguas -de rega, de fóros, de fallencias, de peculatos.</p> - -<p>Para o que não sahiu habilitado é para Administrador -do concelho.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_351" id="Pag_351">[351]</a></span></p> - -<p>Tem V. Ex.ª culpa d’isso?</p> - -<p>Não. Tem-na quem organizou os programmas -para a faculdade de Direito.</p> - -<div class="tb">*</div> - -<p>Na minha humilde opinião, ao curso de Direito -devia accrescentar-se mais um anno, para trabalhos -praticos na cadeira de <i>Politica legal</i>.</p> - -<p>N’esse anno, os futuros bachareis teriam de resolver, -praticamente, entre outros, os seguintes problemas:</p> - -<h3>1.º<br /> -Empalmar uma eleição</h3> - -<p>No meio da sala seria collocada a urna. Alguns -alumnos representariam a opposição. Com os restantes -constituia-se a mesa: presidente, secretrios, -escrutinadores, olheiros, capatazes, abbades e caceteiros.</p> - -<p>O examinando teria de satisfazer ás seguintes -provas, sem que a opposição percebesse a fraude.</p> - -<div class="blockquote"> - -<p><i>a</i>) Introduzir rapidamente na urna um maço de listas governamentaes.</p> - -<p><i>b</i>) Riscar os nomes dos eleitores reconhecidamente opposicionistas.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_352" id="Pag_352">[352]</a></span></p> - -<p><i>c</i>) Incluir na <i>chamada</i> e fazer substituir por <i>mirones</i> todos os -mortos da freguezia.</p> - -<p><i>d</i>) Inutilizar imperceptivelmente com borrões de tinta as listas -dos contrarios.</p> - -<p><i>e</i>) Entornar um tinteiro na urna, quando a eleição se considerar -perdida.</p> - -<p><i>f</i>) <i>Armar</i> uma <i>baralha</i> na egreja; derrubar mezas, cadeiras, -quebrar cabeças aos eleitores; dar, até, pancada nos santos -e fugir afinal com a urna.</p> - -<p><i>g</i>) <i>Empalmar</i> uma acta. (Para esta prova o examinando poderia -consultar os tratados especiaes que, sobre tal assumpto, -tem escripto o Ex.ᵐᵒ Sr. Dr. M. Thomaz.</p> - -</div> - -<h3>2.º<br /> -Uma fala aos lavradores</h3> - -<p>Antes da eleição (modelo <i>a</i>):</p> - -<div class="blockquote"> - -<p><i>Olé amigo! Toque. Dê cá um abraço.—Esta é a sua -filha? Está uma fiôr; tem juizo, rapariga!—Sabe que arranjei -um subsidio para as obras da torre? Custou, mas -arranjou-se.—Você não tem um filho no recrutamento? -Recebi hoje carta de Vianna em que me dizem que vae ser -isento.—Aquella é a tal propriedade em que esses ladrões -lhe lançaram quatro pintos? Eu amanhã arranjo isso na -Fazenda; o mais que deve pagar é um pinto.—Pegue lá<span class="pagenum"><a name="Pag_353" id="Pag_353">[353]</a></span> -um cigarro. Com franqueza; fume á vontade, que é brandinho. -Não tem lume? Metta á bocca... Prompto!—É verdade: -já me esquecia. Você é dos nossos; amanhã é a eleição. -Homens honrados são do nosso lado. Já cá o tenho na -cabeceira do rol—Diabo! tenho o seu nome na ponta da lingua...—Zé -da Portella, exactamente. Aqui tem uma lista. -Mande para o diabo a outra canalha.—Adeus. Ás ordens -sempre, sempre, para o que quizer.—Dé cá outro abraço -que é de amigo. Adeus.</i></p> - -</div> - -<p>Depois da eleição (modelo <i>b</i>):</p> - -<div class="blockquote"> - -<p>—<i>V. Ex.ª dá licença?</i></p> - -<p>—<i>Entre!!</i></p> - -<p>—<i>Louvado seja nosso...</i></p> - -<p>—<i>Que quer!?!</i></p> - -<p>—<i>Eu sou o Zé da Portella, aquelle...</i></p> - -<p>—<i>Venha logo, venha logo; tenho mais que fazer.</i></p> - -</div> - -<h3>3.º<br /> -Organizar rapidamente o orçamento d’uma -«borga» eleitoral, dada a capacidade cubica -das barrigas dos abbades e a permeabilidade -alcoolica dos tecidos intestinaes.</h3> - -<p>A resolução d’este problema requer os seguintes -conhecimentos:</p> - -<div class="blockquote"> - -<p><i>a</i>) Saber o preço dos carneiros, dos <i>calhos</i>, do vinho, das batatas, -das resteas d’alhos, do pimentão, etc.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_354" id="Pag_354">[354]</a></span></p> - -<p><i>b</i>) Saber applicar o ammoniaco no caso provavel d’uma borracheira.</p> - -<p><i>c</i>) Saber receitar um purgante e manejar uma seringa na delicada -operação do crystel.</p> - -<p><i>d</i>) Saber ouvir de confissão qualquer bruto que estoire repentinamente -com a indigestão.</p> - -</div> - -<h3>4.º<br /> -Redigir uma informação favoravel á imposição -de qualquer transferencia, embora ella vá -lançar na miseria a familia d’um funccionario -honesto.</h3> - -<p>Modelo:</p> - -<div class="blockquote"> - -<p><i>Esta transferencia torna-se necessaria e até indispensavel -á boa solução dos nossos negocios. O homem é regenerador. -Diz por ahi o diabo do Marianno. Alem d’isso, embirra -com o A. Ora este A. segura o O., que vale os seus cincoenta -votos. Com o A. não podemos contar, porque é dos amphibios -e vae para quem mais der. Por aqui já se rosna na -transferencia e todos berram que é uma infamia. O homem -tem oito filhos. Que isso não influa no animo de V. Ex.ª. -Quanto mais distante fôr a sua collocação melhor, porque -mais desafogados ficamos. Espero solução rapida. Resposta -telegraphica. A victoria depende d’esta transferencia.</i></p> - -</div> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_355" id="Pag_355">[355]</a></span></p> - -<h3>5.º<br /> -Conclusões varias sobre a elasticidade -do Direito administrativo</h3> - -<div class="blockquote"> - -<p><i>a</i>) F. (governamental) <i>tem uma burra. Só paga decima -quando fôr da opposição.</i></p> - -<p><i>b</i>) F. (gov.) <i>tem um rendimento collectavel de reis 100$000. -Reduz-se a 50$000.</i></p> - -<p><i>c</i>) F. (opposição) <i>é professor e politico contrario. Retiradas -as gratificações sob qualquer pretexto.</i></p> - -<p><i>d</i>) F. (gov.) <i>requer uma policia correccional contra X. Pedra -nos autos</i>.</p> - -<p><i>e</i>) F. (op.) <i>é filho unico e amparo da familia. Intimado -para em tres horas se apresentar á inspecção.</i></p> - -<p><i>f</i>) F. (gov.) <i>é forte como um toiro e robusto como um Hercules. -Entra ámanhã na inspecção. Isento por tisico.</i></p> - -<p><i>g</i>) F. (gov.) <i>é gallego e intrujão. Na gazeta do partido -illustre correligionario e probo cidadão.</i></p> - -<p><i>h</i>) F. (op.) <i>é homem de bem; eu tambem o creio... apesar -de que dizem por ahi (eu não acredito) que é ladrão -e salteador de estrada.</i></p> - -</div> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_356" id="Pag_356">[356]</a></span></p> - -<h3>6.º<br /> -Dirigir nos campos da politiquice, com a aguilhada -da administração, o rebanho dos camaristas.</h3> - -<div class="blockquote"> - -<p>Este problema exige dois mezes de tirocinio com os boieiros -do Alemtejo, para se apprender a deitar o laço e a reunir á manada -qualquer boi tresmalhado.</p> - -</div> - -<hr class="tb" /> - -<p>Ora diga-me V. Ex.ª: n’estes tres mezes em que -tem empregado a sua actividade nas coisas da nossa -administração não encontrou ainda em equação, sobre -a sua mesa de trabalho, todos esses problemas?</p> - -<p>E resolveu-os?</p> - -<p>Não os resolveu, porque a sua consciencia e a -sua dignidade esperam, ainda, as provas de elasticidade -e de resistencia que necessitam para a tensão -das patifarias politicas.</p> - -<p>V. Ex.ª tem feito um pessimo logar.</p> - -<p>Nem come os <i>calhos</i> dos abbades, nem é paysanduco, -nem é <i>provarei</i>, nem deita foguetes.</p> - -<p>Se não fosse a luminosa e providencial influencia -do seu Ex.ᵐᵒ Substituto, homem de assaz provado -engenho e competencia em assumptos de Direito -administrativo e ilhas adjacentes, V. Ex.ª envergonhava<span class="pagenum"><a name="Pag_357" id="Pag_357">[357]</a></span> -a terra, o partido e os amigos, a cujo -numero eu tenho a honra de pertencer.</p> - -<p>V. Ex.ª não tem <i>feitio</i> para Administrador.</p> - -<p class="tb">Em tantos de tal (ainda V. Ex.ª não tinha na -gaveta, ao lado das piugas, a banda azul e branca) -entraram no seu escriptorio os cidadãos Zé Pita, -Tóne do Logar e Manel Cancella.</p> - -<p>Este Manel trazia uma questão com o sogro por -causa das aguas da rega.</p> - -<p>Disse da sua justiça.</p> - -<p>V. Ex.ª ouviu, pensou e aconselhou.</p> - -<p>Zé Pita, cidadão que tem as suas fumaças de -doutor <i>lareiro</i>, metteu a colherada no caso, muito -lepido e escorreito com umas objecções ao douto conselho -de V. Ex.ª</p> - -<p>V. Ex.ª ouviu, pensou e refutou: <i>artigo tantos</i>, -<i>paragrapho tal</i>, etc.</p> - -<p>Vae n’isto—o Tóne do Logar, <i>home</i> de representação -e de lettras gordas na freguezia, chegou-se -tambem <i>ao rego</i> da discussão, e metteu o bedelho, -descobrindo ainda outra hypothese.</p> - -<p>V. Ex.ª ouviu, pensou e concluiu.</p> - -<p>Ficára o caso liquidado entre os quatro doutores, -digo, entre V. Ex.ª e os tres cidadãos.</p> - -<p>—<i>Quanto é?</i> perguntou Manel.</p> - -<p>—<i>Dezoito vintens!</i> respondeu V. Ex.ª</p> - -<p>Ficou estarrecido o homem. Nunca imaginára -pagar um conselho por mais de tres patacos, muito<span class="pagenum"><a name="Pag_358" id="Pag_358">[358]</a></span> -especialmente agora que o João Moraes os annunciava -a <i>quatro menos cinco</i>, para quem se avençasse -ao mez.</p> - -<p>—<i>Sôr Doutor... talvez seja engano de Vóssoria, -mas foi só um conselho...</i></p> - -<p>—<i>Foram tres e não um!</i> respondeu V. Ex.ª com -aquella cara muito arrenegada que ás vezes tanto -assusta a gente.</p> - -<p>—<i>Tres, meu senhor?</i></p> - -<p>—<i>Você não falou?</i></p> - -<p>—<i>E depois não falou outro?</i></p> - -<p>—<i>E não falou depois outro? Tres vezes seis, dezoito.</i></p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Justissima era a reclamação.</p> - -<p>Nem os sete sabios da Grecia poderiam contestar -a legalidade e a exactidão d’aquella operação -arithmetica.</p> - -<p class="tb">Este simples facto revela a rispida e austera -execução que V. Ex.ª dá aos sacratissimos principios -da Justiça e da Equidade e revela, tambem, a incompetencia -de V. Ex.ª para um logar onde, tendo -tres, oito, dez ou vinte consultas diarias, nada poderá -reclamar, quando venham recommendadas por -o sr. Joaquim, ou por outro qualquer confrade politico -que se lembre de fazer favores e de adquirir<span class="pagenum"><a name="Pag_359" id="Pag_359">[359]</a></span> -popularidade, á custa dos dois contos que V. Ex.ª -gastou na formatura.</p> - -<p class="tb">Para estas coisas de Politica é preciso vêr muito -ao longe, ter vista de caçador, e V. Ex.ª mesmo -como caçador, é um desastrado.</p> - -<p>Nunca me hei-de esquecer d’aquella surriada que -lhe fizeram os rapazes de Arão, quando V. Ex.ª lá -appareceu com todo o seu arsenal de guerra.</p> - -<p class="tb">Um dia, o Rocha e o Leitão suggeriram no cerebro -de V. Ex.ª as glorias de Nemrod.</p> - -<p>Depois de jantar, sahia V. Ex.ª com todos os petrechos -de caça, inoffensivamente mortiferos. Uma -solida <i>escopeta</i> de carregar pela culatra; á cinta, um -grandecissimo facalhão para escuchinar javalis; no -bolso direito, uma enorme navalha de furar lobos; a -tiracollo, d’um lado a cartucheira com trezentas cargas -de polvora e bala; do outro lado, o canudo de -cortiça com vinte e sete furões e furoas; no bolso -direito do collete, um revolver de oito tiros; no esquerdo, -um <i>box</i> de quebrar dentes a cães e vinte -exemplares do <i>Noticioso</i> para <i>necessidades urgentes</i>; -nos pés, aquellas grossas botas de sete solas impermeaveis, -até, no Rio Minho; aos hombros, o capindó -de borracha, gemeo do outro com que o Albino -attrae a chuva por essas ruas, em dias claros e formosissimos -de Primavera; atraz de V. Ex.ª, ladrando, -farejando, saltando vallados e alçando as pernas, seguia<span class="pagenum"><a name="Pag_360" id="Pag_360">[360]</a></span> -a terrivel matilha, recrutada na Parada-velha: -podengos de todas as raças e feitios, para coelho, -para perdiz, para lobo: o <i>Nilo</i>, a <i>Fuinha</i>, o <i>Gigante</i>,—tó, -<i>Nero</i>!—volta, <i>Farrusca</i>!</p> - -<p>Assim disposto e precavido, seguia V. Ex.ª por -essas aldéas fazendo tremer o solo, os ceos, a terra, -os mares, com o aspecto apavorador da sua ferocidade -venatoria.</p> - -<p>N’isto,—alli ao pé de Arão, um triste pintasilgo -risca no ar uma curva e vae poisar no arvoredo -proximo.</p> - -<p>A matilha <i>amarrou</i>.</p> - -<p>V. Ex.ª toma ar, carrega a escopeta, aponta... -toma outra vez ar... desfecha e olha.</p> - -<p>O passarito soltára uma gargalhada de escarneo -e batera as azas, voando...</p> - -<p>Quando passou sobre a cabeça de V. Ex.ª, lá do -azul dos ceos cahiu uma coisa sobre o seu excellentissimo -nariz.</p> - -<p>A qual coisa, molle, pastosa, de côr cinzenta e -com o feitio retorcido d’um S fez exclamar a um rapazinho -que, de <i>carrapuço</i> vermelho e mãos nos bolsos, -a distancia presenciava o caso:</p> - -<p>—<i>Oh que grande caçador de minhocas!</i></p> - -<p class="tb">E campos fóra de Politica, Ex.ᵐᵒ Sr., quando -encontro V. Ex.ª armado de ponto em branco com -a escopeta da Administração, cartucheira presa á -banda azul e branca, matilha de abbades e rafeiros,—quando<span class="pagenum"><a name="Pag_361" id="Pag_361">[361]</a></span> -verifico que V. Ex.ª nem tem animo para -disparar o bacamarte d’uma transferencia, nem sabe -empalmar uma urna, nem falsificar uma acta, nem -dirigir uma borga de <i>calhos</i>, nem descascar uma batata, -nem deitar um foguete com ropia, nem tocar -n’um gaiteiro, nem mentir com cara seria, nem perseguir -os professores, nem desgraçar uma familia, -nem deshonrar um funccionario, nem amesquinhar -um merito, eu, Ex.ᵐᵒ Sr., n’esta occasião em que -V. Ex.ª por ahi anda atrapalhado com a escopeta de -dois canos que nas mãos lhe metteram, para dar o -primeiro tiro contra a opposição—não posso reprimir -estas palavras com que, conceituando politicamente -V. Ex.ª, parodio o rapazito d’Arão:</p> - -<p class="tb">—Oh que grande Administrador das <i>duzias</i>!</p> - -<p class="tb">Aos pés de V. Ex.ª, curva-se respeitosamente o</p> - -<p class="mt3 right"><i>Zinão</i>.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_362" id="Pag_362">[362]</a></span></p> - -<hr class="chap" /> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_363" id="Pag_363">[363]</a></span></p> - -<h2 id="XXIII">XXIII<br /> -<span class="smaller">Compadres e Comadres</span></h2> - -<p>Decididamente, não se póde ser rapaz solteiro -em Valença.</p> - -<p>Segundo reza a minha cartilha, os inimigos do -homem são tres: mundo, diabo e carne.</p> - -<p>Cá na terra, os inimigos dos rapazes são tambem -de tres especies: aguas de Christello, bailes e -comadres.</p> - -<p>Todos estes inimigos teem procedencia diversa: -um nasce na Assembléa, outro fóra de Portas, outro -na Coroada.</p> - -<p>Todos teem um caminho:—o namoro.</p> - -<p>Todos teem um fim:—o casamento.</p> - -<p>Epilogo egual para todos:—o <i>conjugo vos</i> do -Magalhães e a Sr.ª Dona Maria do Hospital.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_364" id="Pag_364">[364]</a></span></p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Berra-se por ahi contra os jesuitas, contra os -abusos dos regeneradores, contra as tyrannias do -João Cabral, contra tudo que póde affectar o livre -exercicio dos nossos direitos e das nossas regalias.</p> - -<p>Ninguem se lembra de requerer uma querela -contra as <i>comadres</i> da Coroada, que ha dezenas de -annos implacavelmente lançam ao pescoço dos nossos -mais airosos jovens as gargalheiras do casamento -e a colleira de <i>paterfamilias</i>.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Em bella manhã de Abril entra um raio de -sol na alcova; acaricia-nos o rosto; faz-nos cocegas -no bigode e diz-nos baixinho ao ouvido: <i>São seis -horas; levanta-te, calaceiro! Lá fóra cantam as aves, -exhalam aromas as flores; está tão bonita a campina... -tão risonhos estão os prados... tão diaphana -a atmosphera e tão azul o azul dos ceos... Vem commigo. -És livre; não precisas de ajudar a lavar os -pequenos. Vamos,—veste-te, que eu espero cá fóra.</i></p> - -<p>Vinte minutos depois, respiramos por esses campos -o ether das madrugadas. A nossa alma inebria-se; -sentimo-nos alegres, bons, fortes e felizes, -porque somos livres. Desejavamos possuir umas botas -de <i>sete leguas</i>, como as d’aquelles contos da infancia; -trepar a todos os oiteiros, subir a todas as -collinas, saltar por todas as planicies.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_365" id="Pag_365">[365]</a></span></p> - -<p>Phantasiamos azas como as da cotovia que se -libra nos ares, cantando hymnos de jubilo, de liberdade, -de amor.</p> - -<p class="tb">Horas depois regressamos a casa. Á entrada, a -sopeira entrega-nos mysteriosamente uma caixinha -dos collarinhos, ou dos pós da gomma, cuidadosamente -atada com fita de seda azul.</p> - -<p>Abrimos:</p> - -<p>Dentro, muito secio e garrido, um palmito; ao -lado, teso e perfilado, um cartão de visita:</p> - -<p class="center"><i>Fulana de tal.</i></p> - -<p>Desde aquelle momento, o <i>bacillo virgula</i> do matrimonio -inficiona o nosso organismo. Perdemos a -vontade de comer, damos ais, suspiramos á lua, fazemos -versos, cantamos o <i>choradinho</i> e principiamos -a cuidar nas roupas brancas.</p> - -<p>Se não mudamos immediatamente de terra, unico -remedio efficaz, estamos perdidos.</p> - -<p>Que me conste, até hoje, dos atacados pela fatal -molestia só resiste um—o Velloso. Se escapa até -aos quarenta, vae para o museu do Inglez.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Perde-se em a noite dos tempos a origem d’essa -funesta cerimonia:—<i>a eleição dos compadres</i>.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_366" id="Pag_366">[366]</a></span></p> - -<p>Sei que dubia é, ainda, a tradição que a localiza -na Coroada; porquanto, auctores varios e jurisconsultos -sisudos estabelecem no centro da villa a instituição -de tão perfidas solemnidades.</p> - -<p>As pandectas da Assembléa, os folios da Collegiada, -os annaes da Ex.ᵐᵃ Camara nada informam -a tal respeito. Em vão os consulto em frequentes e -longas vigilias.</p> - -<p>Esta prioridade de direitos na organização do -escrutinio annual tem por vezes suscitado controversias -violentas e disputas acaloradas entre os pacificos -habitantes da rua de S. João e os da Coroada; -e se não fôra a sisudez, prudencia, diplomacia -e tino politico dos conspicuos inquilinos do -Santo Precursor, certamente já teriamos a lamentar -successos graves e não pouco deploraveis acontecimentos.</p> - -<p>No emtanto, a malquerença entre os dois povos -existe e existe evidente.</p> - -<p>Na rua de S. João, um habitante da Coroada -nunca foi um cidadão da villa:—foi, e é um <i>pelludo</i> -da aldéa; e a esta offensa responde a Coroada affirmando -a superioridade dos seus costumes e dos seus -habitos, allegando, com assaz persuasiva logica, que -não tem lá, nem precisa, de Borralhos ou de Egyptos.</p> - -<p>A origem de tão lastimaveis dissensões está na -eleição das <i>comadres</i>.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_367" id="Pag_367">[367]</a></span></p> - -<hr class="tb" /> - -<p>A epocha d’esta cerimonia não foi, como alguem -poderá imaginar, fixada ao acaso. Fixou-se traiçoeiramente -para o domingo de Ramos.</p> - -<p>Domingo de Ramos quer dizer: Semana santa e -Paschoa—isto é—<i>soirées</i> na egreja e na Assembléa -e—mais ainda—chavenas de chá sem assucar -preparadas pelo Cruz com agua do Christello.</p> - -<p>Aos olhos incautos isto nada significa, mas significa -muito para o espirito do observador, porque -lhe mostra em caminho perfeitamente livre e desembaraçado, -juncado de rosas e saturado de aromas,—a -comadre e o compadre amarrados um ao outro -com as fitas de seda do palmito e da caixa das amendoas. -Vão alegres, risonhos, chilreando, sorrindo, despenhar-se -no abysmo sombrio do matrimonio, onde -o Magalhães, com uma saia de mulher aos hombros, -attencioso e mitrado, lhes desfecha quatro tretas de -latim.</p> - -<p class="tb">O palmito aproxima o compadre da comadre: -<i>agradeço a V. Ex.ª—dou-lhe os meus sentimentos, -porque foi infeliz na sorte—merecia compadre melhor, -e tal, etc.</i>,—diz elle.</p> - -<p>—<i>Oh sr. Fulano! Por quem é!... fui até a mais -feliz.—Cá espero as amendoas.—Olhe que é uma -vergonha se as não dá.—Quero vêr, eu quero vêr -como se porta</i>—diz ella.</p> - -<p>Ao despedir, um cumprimento demorado, um sorriso, -um olhar... e compadre e comadre trocam mentalmente,<span class="pagenum"><a name="Pag_368" id="Pag_368">[368]</a></span> -na visão doirada do futuro, o grau do parentesco.</p> - -<p>Magalhães surge ao longe, entre nuvens côr de -rosa.</p> - -<p>A sr.ª Dona Maria do Hospital pisca graciosamente -o magano olho esquerdo...</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Na quarta-feira santa, entra um rapazito no portal; -bate as palmas—<i>sou eu!—faz favor?</i>—e entrega -uma perfumada caixinha, toda alegre e catita, -oiro e setim azul, recheada de amendoas e confeitos.</p> - -<p>No fundo espreguiça-se sorrateiramente uma -carta.</p> - -<p>Rubôr ás faces, noventa pulsações por minuto, -leitura tremula, arfar de seios, um suspiro, dois suspiros.</p> - -<p>Lê-se, relê-se e torna-se a relêr a carta.</p> - -<p>Trabalha o ferro de frisar com mais cuidado, estuda-se -uma prega mais graciosa para a mantilha, -flor ao peito para o que der e vier, e—entra a <i>comadre</i> -na egreja.</p> - -<p>Quando abre o livro das orações, já não atina -com o <i>Padre-Nosso</i> nem com a <i>Ave-Maria</i>. Com os -olhos da imaginação, só vê e lê os caracteres seguintes:</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_369" id="Pag_369">[369]</a></span></p> - -<p class="right"><i>Minha senhora.</i></p> - -<p><i>Vel-a e amal-a, foi obra d’um momento. Quiz a -fagueira sorte escolher-me para compadre de Vocellencia. -Bemdita seja ella que me aproximou de quem, ha -muito tempo, é o enlevo dos meus olhos, a alegria da -minha alma, a ventura do meu coração. Tomo a ousadia -de offerecer a Vocellencia as amendoas «inclusas». -Desculpará Vocellencia. Na minha terra fazem-nas -muito bem feitas. Doces d’ovos e amendoas são -as especialidades. Se o Papá e a Mamã gostarem, eu -mando vir mais. É bom comer poucas, porque são -muito indigestas e fazem dôres de barriga. Serei correspondido -n’este meu amor? Oh ceos! Quanto anhelo -sabel-o! De Vocellencia</i></p> - -<p class="right"><i>até á morte</i></p> - -<p class="right"><i>V.</i></p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Durante as <i>licções</i>, n’aquelles intervallos em que -o Albino canta o seu <i>macarronico</i>, o Padre Alexandre -gargareja o melhor e o mais brunido do seu latim -e os outros padrecas se revezam, previamente -annunciados pelo rapaz sacrista que, de saiote vermelho, -vae apagando, um a um, os treze tocos da girandola—compadre -e comadre libram as suas almas -pelas naves d’um mystico arroubo, ebrios de felicidade,<span class="pagenum"><a name="Pag_370" id="Pag_370">[370]</a></span> -de esperanças risonhas, e dulcificados fartamente -com amendoas de Tuy e rebuçados de avenca.</p> - -<p>Á noite, na visita ás casas do Senhor, o compadre -acompanha a comadre. Atraz, cochicham o futuro -sogro e a futura sogra. As beatas, ao longe, segredam -mais um casamento... Compadre e comadre já -se tratam por tu. Fica combinado o <i>gargarejo</i>.</p> - -<p>—<i>Amo-te</i>—<i>boas noites</i>—<i>até amanhã</i>.</p> - -<p class="tb">Domingo de Paschoa.</p> - -<p>Baile na Assembléa.</p> - -<p>A <i>comadre</i>, quando alguem a pede para dançar -<i>de roda</i>, está sempre compromettida. Só dança com -o <i>compadre</i>.</p> - -<p><i>Compadre</i> escolhe os melhores doces para a <i>comadre</i>; -rodeia de attenções a Mamã da dita <i>comadre</i>; -entretem o cavaco com o Papá da dita <i>comadre</i>; -é <i>vis-à-vis</i> do Mano da dita <i>comadre</i>.</p> - -<p>As amigas da <i>comadre</i>, quando o <i>compadre</i> está -em pé, arranjam-lhe logo um logar ao pé da <i>comadre</i>.</p> - -<p>—<i>Comadrinha vae, compadrinho vem.</i></p> - -<p>No fim da noite, entram já na conversa as roupas -de linho, de panno cru, as caçarolas, as panellas.</p> - -<p>Lá ao longe, muito ao longe, sempre em nuvens -côr de rosa, a fugitiva miragem d’um cavalheiro, -irreprehensivelmente encasacado, gravata e luvas -brancas,—curvado em graciosa mesura perante o -Papá e a Mamã.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_371" id="Pag_371">[371]</a></span></p> - -<p>Um pedido—um <i>sim, Papá!</i>—uma lagrima da -Mamã—um <i>ai!</i> e um fanico.</p> - -<p>Dois mezes depois, Padre Magalhães dá o nó; e -o mesmo raio do sol, que em Abril nos despertava, -penetra indiscretamente na alcova nupcial e segreda-nos -ao ouvido:</p> - -<p class="right"><i>forte lôrpa!</i></p> - -<p>Annos passados, quando compadre e comadre -teem quatro filhas casadoiras, são elles que reclamam -a eleição.</p> - -<p>Cada <i>palmito</i> que sai de casa é um anzol.</p> - -<p>Para o Velloso—oh Paes de familia!—só a -<i>coca</i> ou o botirão.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p class="right">Gentis senhoras da Coroada!</p> - -<p>Por piedade! Acabae com este tributo mais violento -e mais horrivel do que o tributo de sete mancebos -e sete donzellas que, outr’ora, Athenas pagava -a Creta.</p> - -<p>Por piedade, senhoras!</p> - -<p>Arrebataes, annualmente, lá para cima, a melhoria -dos mancebos, a nata da mocidade, a fina essencia -da juventude, que depois abandonaes a essas ruas—obesos, -gordurosos, crivados de callos, <i>paterfamilias</i> -de <i>cache-nez</i>, lenço tabaqueiro e barretinho d’algodão.</p> - -<p>D’aqui a pouco não ha um rapaz solteiro em Valença;<span class="pagenum"><a name="Pag_372" id="Pag_372">[372]</a></span> -e como as estatisticas demonstram que, para -cada mancebo casadoiro ha, entre nós, vinte damas -em disponibilidade, attentae que não é risonho o -vosso futuro, porque está provado á evidencia, que -os rapazes de fóra sabem escapar á magia dos vossos -palmitos.</p> - -<p>Vêde o Velloso, o Leopoldo, o Gomes da Artilheria, -o Prado, o dr. Brandão.</p> - -<p>Transijamos, pois, gentis damas:</p> - -<p>Nós estamos promptos a enviar annualmente para -a Coroada, quarenta arrobas de amendoas e quarenta -dictas de rebuçados dos melhores e dos mais ricos -que tenham o Có-Có, e o Telmo Parada.</p> - -<p>Outrosim nos compromettemos ao pagamento d’um -tributo annual de tres mancebos casadoiros, que vos -serão entregues no domingo de Ramos, ao meio dia, -em frente das <i>Alminhas</i>, com os respectivos bahus de -roupa branca: camisas, ceroilas, piugas, barretinhos -de dormir, pannos da barba.</p> - -<p>Para o pagamento d’este tributo organizaremos -um gremio, como o dos negociantes, na distribuição -da decima.</p> - -<p>Os tres desgraçados serão indicados pela sorte. -Irão esses para as negras penas do matrimonio, mas, -ao menos, os restantes poderão em todo o anno andar -satisfeitos, alegres, livres de melancholias e de... -<i>palmitos</i>.</p> - -<p>Sou casado tres vezes, senhoras! O Magalhães -que o diga...</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_373" id="Pag_373">[373]</a></span></p> - -<p>E tanto ás defunctas consortes, como á companheira -actual, quem me prendeu foi a vossa eleição.</p> - -<p>Por isso, quando agora vejo um palmito é o -mesmo que vêr o diabo.</p> - -<p class="tb">Em nome da mocidade, protesto contra a</p> - -<p class="center tb"><b>eleição das comadres!</b></p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_374" id="Pag_374">[374]</a></span></p> - -<hr class="chap" /> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_375" id="Pag_375">[375]</a></span></p> - -<h2 id="XXIV">XXIV<br /> -<span class="smaller">Ultimas palavras</span></h2> - -<p>Na vida social, uma povoação possue a complexidade -do organismo d’um individuo. Pode estudar-se -physiologicamente e psychologicamente.</p> - -<p>Tem sentimentos, expansões, dôres, coleras, alegrias; -tem orgãos, musculos, enfermidades e lesões; -periodos de vigor, de engrandecimento e de decadencia.</p> - -<p>Athenas foi a alma da civilização hellenica; Sparta -teve a musculatura dos fortes na hegemonia das -cidades gregas; Roma cingiu o mundo com os seus -braços de ferro; na gloria dos seus triumphos e das -suas conquistas teve a vertigem da sensualidade e -do prazer; libertinou-se, effeminou-se e apodreceu na -enxurrada das sargetas.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Pag_376" id="Pag_376">[376]</a></span></p> - -<p>Paris ri; e Londres, embrutecida com o <i>gin</i>, com -as <i>fresh-girls</i> e com os deboches de Cleveland-Street, -offerece o nojento bandulho ao facalhão de Jack, ou -escouceia no <i>match-box</i> do Pelican Club, em que -dois homens se esborracham a sôco, com grande -gaudio d’isso que é a quinta essencia da pelintrice, -do egoismo, da ambição, do orgulho, da <i>pataqueirice</i> -réles da viella e que nas altas espheras do <i>High-life</i>, -em <i>Leicester Square</i>, no <i>Regent’s Park</i> ou no <i>Covent -Garden</i> se intitula pomposamente—um <i>lord</i>!</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Appliquemos aqui, aquella conhecida theoria de -Broca sobre a relação entre o volume cerebral e a -intelligencia.</p> - -<p>O volume do cerebro pode, segundo o eminente -sabio, indicar maior ou menor desenvolvimento intellectual.</p> - -<p>Ora, o que é o cerebro?</p> - -<p>É a parte pensante do organismo.</p> - -<p>N’este individuo social—uma povoação—onde o -devemos procurar?</p> - -<p>Na sua parte illustrada; nos filhos que se distinguem -pelas manifestações da sua actividade mental, -e, assim, poderemos dizer que o numero d’elles está -para a consideração e importancia intellectual do individuo—povoação—como -o volume do cerebro está<span class="pagenum"><a name="Pag_377" id="Pag_377">[377]</a></span> -para o individuo—homem.—Tanto maior, quanto -mais illustrada, tanto menor quanto menos culta.</p> - -<p>E admittido isto, desassombradamente podemos -affirmar que nenhuma outra povoação do paiz, com -egual numero de habitantes—nas cathedras do Ensino -superior, nas elevadas posições do Exercito, nos -altos cargos da Magistratura, na Classe medica, na -Advocacia, no Commercio e frequentando ainda os -cursos superiores—tenha numero egual, que não -superior, de filhos, e tão, que não mais, distinctos.</p> - -<p>Mas, honrosa como é esta superioridade tambem -ignobil e infamante é a indolencia a que nos entregamos, -com que abandonamos os nossos direitos politicos, -com que ficamos de bocca aberta e mãos nos -bolsos, na triste impassibilidade do fackir, assistindo, -impotentes como um eunucho, a essa activa evolução -que impulsa as mais insignificantes povoações, transformando-as -com os benesses das modernas instituições -e levando-lhes as arterias á hematose dos grandes -centros civilizados.</p> - -<p>O titulo de <i>burgo podre</i>, com que realmente este -concelho é mencionado em Lisboa, deve ser para nós -mais degradante do que a marca a fogo do grilheta -e do forçado.</p> - -<p>Tempo é de nos libertarmos d’essa tristissima -condição de barregan, em eterna dependencia de -qualquer tia, velhaca e rufiona que á nossa custa -encha a pança e o <i>pé de meia</i>.</p> - -<p>Na choldra da prostituição politica do nosso paiz<span class="pagenum"><a name="Pag_378" id="Pag_378">[378]</a></span> -ha circulos que necessitam de caricias e de namoro; -ha circulos fieis, ainda que rarissimos; ha-os de pernas -abertas para quem mais der, e ha-os <i>pataqueiros</i> -destinados a desvirgar os meninos lisboetas, ou a -entregar o corpo ao primeiro pandego, que lá de -Bijagóz ou de Paio Pires, se lembre de passar por -elles, fazendo caminho para ir ajudar a embolar os -toiros no curro de S. Bento.</p> - -<p>Esta é a nossa triste condição.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Ha seis ou oito annos que n’este <i>burgo podre</i> se -manifestaram uns debeis symptomas de vigorização -politica. Regosijei.</p> - -<p>Pareceu-me que ainda poderia ver Valença como -as outras terras; á mesa do orçamento, com o seu -logar marcado e o seu talher, e não como então estava: -debaixo do banco, apanhando de quando em -quando o osso esfolado e o pontapé do <i>gajo</i> que a -levara pela trela do voto.</p> - -<p>Vans esperanças! Antes o Passado. Appareceu -effectivamente a Politica, mas esfomeada, esqueletica, -larvada, com manhas de gato lambareiro e caricias -de cadella aluada.</p> - -<p>Anichou-se por ahi, comendo á <i>tripa-forra</i> e passando -o tempo ao sol, de barriga para o ar e carcela -desapertada.</p> - -<p>Tem dichotes de histrião e insultos de fadista. É<span class="pagenum"><a name="Pag_379" id="Pag_379">[379]</a></span> -insupportavelmente porca: onde toca deixa baba; -onde poisa deixa excremento. Quando fala não deita -perdigotos, deita escarros; quando escreve não o faz -com tinta, mas com pus.</p> - -<p>Se graceja causa nauseas, se chora provoca o -pontapé.</p> - -<p>Examinada physiologicamente encontramos-lhe -deficiencia de orgãos. É impotente e a impotencia -organica reflecte-se na alma, porque não tem enthusiasmos, -nem aspirações, nem... vergonha.</p> - -<p>Conjuga só um verbo:—comer; só conhece um -pronome:—nós.</p> - -<p>Muda de patrão de tres em tres annos. Pouco se -importa com isso. Se elle a trata mal, agacha-se, -servil e humilde; se a trata bem, esfarrapa-lhe uma -cannela ou levanta a perna e... molha-o.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Um ataque de epilepsia politica agita actualmente -os magnates eleitoraes.</p> - -<p>Está no chôco novo deputado...</p> - -<p>Indigitam-se dois filhos da terra como candidatos.</p> - -<p>A rua de S. João torce o nariz...</p> - -<p>Esta rua de S. João representa os mesmos <i>chimpanzés</i> -que, em tempos, rejeitaram o sr. dr. Illidio -Ayres para facultativo do Hospital e o sr. dr. José -Vieira para medico da Camara.</p> - -<p>Para que V. Ex.ª conheça bem a gente que o rodeia,<span class="pagenum"><a name="Pag_380" id="Pag_380">[380]</a></span> -sr. dr. Pestana, aconselho-o a que peça pormenores -ácerca das discussões que o seu nome provocou -nos <i>centros</i>.</p> - -<p><i>Arrufos, gréves, amuos, etc.</i></p> - -<p>Diz V. Ex.ª que o Zinão é <i>politico</i> e <i>má-lingua</i>.</p> - -<p>Contra a primeira accusação protesto respeitosamente, -e rogo a V. Ex.ª que faça melhor conceito do -meu caracter.</p> - -<p>Emquanto á segunda, direi a V. Ex.ª que tem -mais a recear da <i>boa-lingua</i> e da <i>fidelidade</i> dos seus -<i>pseudo-partidarios</i>, do que da critica zinoica.</p> - -<p>Eu defendi sempre a candidatura d’um filho da -terra, emquanto que os seus <i>amigos</i>... Informe-se, -informe-se V. Ex.ª, porque talvez isso lhe seja proveitoso.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Os trabalhos eleitoraes teem peripecias engraçadissimas -que davam para novo volume de <i>Sinapismos</i>.</p> - -<p>Abstenho-me, porém, de explorar esse inexgotavel -filão de ridiculos, existente na massa cerebral—grude -de sapateiro e pura secreção de rins—dos -nossos politiqueiros.</p> - -<p>Tenho na minha frente dois filhos de Valença. -Não sei, nem quero saber qual d’elles tem mais probabilidades -de vencer.</p> - -<p>Oxalá que todas as difficuldades desappareçam; -que todas as indisposições terminem, que todos os<span class="pagenum"><a name="Pag_381" id="Pag_381">[381]</a></span> -esforços se reunam e que esta terra possa, finalmente, -ter em S. Bento um representante util e proveitoso, -como deve ser qualquer dos seus filhos.</p> - -<p>Seja qual fôr o vencedor e a opinião politica que -perfilhe, eu saúdo n’elle o valenciano que recebe o -mandato dos seus patricios, e oxalá que a eleição de -30 de março de 1890 seja o inicio d’uma politica -digna, purificada de trampolinices, de arruaças, de -<i>borralhadas da Santa</i>,—independente de histriões e -de tartufos, que até á data teem manchado a consideração -d’esta terra com o infamissimo labéo de</p> - -<p class="center"><b>burgo podre!</b></p> - -<p>Eis o que para Valença deseja o <i>má-lingua</i> do</p> - -<p class="mt3 right"><i>Zinão</i>.</p> - -<hr class="chap" /> - -<div class="footnotes"> - -<h2>NOTAS</h2> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_1" id="Footnote_1"></a><a href="#FNanchor_1"><span class="label">[1]</span></a> Este artigo foi publicado, quando a Junta de Saude inventou o Microbio -de 1889.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_2" id="Footnote_2"></a><a href="#FNanchor_2"><span class="label">[2]</span></a> Este <i>digo</i> não é consequencia d’uma simples abstracção do meu espirito. -Originou-se no tratamento, ha dias applicado no posto de desinfecção -do Caes, onde os viandantes eram considerados parreiras phyloxeradas -e polvilhados com enxofre... a folle de sopro.</p> - -<p>É economico e não faz bem nem mal.</p> - -<p>Antes pelo contrario...</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_3" id="Footnote_3"></a><a href="#FNanchor_3"><span class="label">[3]</span></a> Isto é francez e do mais decente.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_4" id="Footnote_4"></a><a href="#FNanchor_4"><span class="label">[4]</span></a> Com esta classificação é que foi ás nuvens o sr. dr. Pacheco. Nunca -o vi tão zangado, a não ser quando aquelle barqueiro de Vigo lhe respondeu -á lettra...</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_5" id="Footnote_5"></a><a href="#FNanchor_5"><span class="label">[5]</span></a> Salvo seja.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_6" id="Footnote_6"></a><a href="#FNanchor_6"><span class="label">[6]</span></a> Para partos era o melhor clinico que cá havia. As senhoras viam-lhe -a barriga e... suppunham logo simultaneidade de soffrimento.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_7" id="Footnote_7"></a><a href="#FNanchor_7"><span class="label">[7]</span></a> Justininho.—Desculpa se foi tolice. Faz como o sr. Illydio Dias:—declaração -nos jornaes. Eu cá não me zango.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_8" id="Footnote_8"></a><a href="#FNanchor_8"><span class="label">[8]</span></a> A metrificação é livre, como a setta no ar.</p> - -<p>N’estas coisas de versos, sigo a opinião do Capitão-mór da <i>Morgadinha</i>: -o papel é para se escrever e não para se estragar com versos de -quatro syllabas.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_9" id="Footnote_9"></a><a href="#FNanchor_9"><span class="label">[9]</span></a> O que arde cura, diz o <i>Pimpão</i> e confirma a sagrada Escriptura.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_10" id="Footnote_10"></a><a href="#FNanchor_10"><span class="label">[10]</span></a> Podemos fallar á vontade, que isto é grego para o sr. Joaquim...</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_11" id="Footnote_11"></a><a href="#FNanchor_11"><span class="label">[11]</span></a> Do natural.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_12" id="Footnote_12"></a><a href="#FNanchor_12"><span class="label">[12]</span></a> Copia do natural. Recommendo aos leitores que tomem um bocado -d’ar; especialmente aos que soffrem d’asthma.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_13" id="Footnote_13"></a><a href="#FNanchor_13"><span class="label">[13]</span></a> Ortographia sonica.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_14" id="Footnote_14"></a><a href="#FNanchor_14"><span class="label">[14]</span></a> Historico.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_15" id="Footnote_15"></a><a href="#FNanchor_15"><span class="label">[15]</span></a> Um bocado de latim, no meio d’estas coisas, faz sempre bom -effeito, porque dá á gente um tom de sabio. Se foi asneira Vossa Excellencia -desculpará... Do que me ficou do Conego Vaz, foi o melhor que -pude arranjar. Vossa Excellencia tem cara de quem sabe muito latim.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_16" id="Footnote_16"></a><a href="#FNanchor_16"><span class="label">[16]</span></a> Historico. Anno de Nosso Senhor Jesus Christo 1886.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_17" id="Footnote_17"></a><a href="#FNanchor_17"><span class="label">[17]</span></a> Para vergonha nossa, direi que tão bello regulamento é o que -ainda vigora n’esta terra. Em leis civilisadas, ou Valença, ou as terras do -Kalakana...</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_18" id="Footnote_18"></a><a href="#FNanchor_18"><span class="label">[18]</span></a> Esmiuço, aqui, materia conhecida, para boa comprehensão d’alguns, -menos versados em Sciencias naturaes. Em questões de tanta magnitude, -toda a clareza é pouca.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_19" id="Footnote_19"></a><a href="#FNanchor_19"><span class="label">[19]</span></a> Nem tudo se póde dizer claramente. Ha sempre quem dê mau -sentido ás coisas...</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_20" id="Footnote_20"></a><a href="#FNanchor_20"><span class="label">[20]</span></a> A camara, n’essa occasião, era composta dos srs. Zagallo, Vieira, -José Seixas, J. Lopes, Albino, J. Narciso e do orador.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_21" id="Footnote_21"></a><a href="#FNanchor_21"><span class="label">[21]</span></a> Peço attenção para a redacção das propostas.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_22" id="Footnote_22"></a><a href="#FNanchor_22"><span class="label">[22]</span></a> Ao verificar a impressão d’estas propostas vejo, com desgosto, -que os typographos espalharam por ahi, sem nexo nem intenção, bastantes -pontos, compromettedores para a candidez e honestidade de costumes -d’alguns Cavalheiros. Ahi fica a declaração para os salvar da intenção -criminosa.</p> - -<p>São coisas que succedem...</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_23" id="Footnote_23"></a><a href="#FNanchor_23"><span class="label">[23]</span></a> Sinto que as acanhadas dimensões d’este volume me não permitiam -incluir um artigo, que esbocei, ácerca da origem do Patriarcha. Tem -por titulo: <i>Aventuras do Patriarcha dos Gandricos e do seu amigo Gargalinho, -em Paris da França</i>. É um estudo realista. Faço, porém, obra -para dois tostões...</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_24" id="Footnote_24"></a><a href="#FNanchor_24"><span class="label">[24]</span></a> Não vá este artigo fundamentar suspeitas, ácerca das crenças do -auctor. Zinão respeita a Religião e perfilha o que ella tem de sensato; mas -só a admitte no Templo—depois de varrido de hypocritas, de traficantes, -de escorropicha-galhetas e de icha-corvos—com um Evangelho e um Sacerdocio: -a Caridade.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_25" id="Footnote_25"></a><a href="#FNanchor_25"><span class="label">[25]</span></a> Depois do que expuz, acerca do <i>elogio-mutuo</i>, n’estas paginas, -onde manuseio ridiculos, poderá alguem attribuir-me intenções provocadoras -da tal <i>convenção</i>, com a referencia que ahi faço a um homem, que, -entre nós destramente maneja a penna.</p> - -<p>Declaro que, n’estas e n’outras referencias, digo o que penso e o que -sinto; sem pretenções a adulador, independente de preconceitos, de considerações -pessoaes e das imposições dogmaticas com que, por ahi, se celebra -e incensa muita <i>coisa</i> vulgar e ôca.</p> - -<p>Não preparo o exito dos <i>Sinapismos</i> com a offerta de exemplares ás -redacções, ou aos amigos, que as frequentam, com aquelles galanteadores -e irresistiveis offerecimentos de: <i>ao distinctissimo escriptor</i>, <i>ao precioso -estylista</i>, <i>etc.</i>, com que se arma ao reclamo,—porque d’este não necessito.</p> - -<p>Não viso á honra de ser considerado entre os litteratos, e por isso -occulto o meu nome; não escrevo por especulação, e por isso offereço aos -pobres qualquer producto do meu trabalho.</p> - -<p>Dos defeitos da obra, que são muitos, salvo-me com este desinteresse -e com esta independencia de opinião.</p> - -<p>Não me dotou Deus com <i>feitio</i> para incensar vulgaridades pretenciosas, -nem tambem com orgulho e vaidade para repudiar, ou amesquinhar -meritos.</p> - -<p>Entre a Critica e a minha individualidade está essa mascara:—Zinão. -Se aquella me fôr hostil, respeital-a-hei no que tiver de sensato; se me fôr -favoravel, francamente, não lh’o agradecerei, porque não peço elogios.</p> - -<p>Que este livro proporcione a quem o ler alguns minutos de distracção; -que essa distracção valha <i>uns tostões</i> e que d’esses tostões possa apartar -<i>uns cobres</i>, que mitiguem alguma dôr—eis o que ambiciono d’este ignorado -laboratorio, onde preparo os <i>Sinapismos</i>.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_26" id="Footnote_26"></a><a href="#FNanchor_26"><span class="label">[26]</span></a> Não posso ficar calado perante um tão extraordinario acontecimento, -como esse que o sr. Joaquim debate na imprensa, com as suas -sessenta epistolas. Altero, pois, a ordem dos capitulos, que já estavam no -prelo, para não perder a opportunidade d’estas linhas coordenadas á pressa, -entre as espiraes azuladas de dois <i>Princezas</i>, de seis ao vintem.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_27" id="Footnote_27"></a><a href="#FNanchor_27"><span class="label">[27]</span></a></p> - -<div class="poetry-container"> -<div class="poetry"> -<div class="verse">Isto sem pimenta não tem graça.</div> -<div class="verse">Foi só uma pitadinha...</div> -</div> -</div> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_28" id="Footnote_28"></a><a href="#FNanchor_28"><span class="label">[28]</span></a> Este <i>Marilio dos bosques</i> já deu <i>sorte</i> com os <i>Sinapismos</i>. D’estes -é que eu queria mais...</p> - -<p>Uma pergunta: se Cuvier agora trabalhasse na sua zooclassificação, -onde incluiria o Marilio?</p> - -<p>Oh Marilio!—tu respondeste com um peccado ao entregador dos <i>Sinapismos</i>...</p> - -<p>Approxima-te.</p> - -<div class="poetry-container"> -<div class="poetry"> -<div class="verse">Vira-te para cá...</div> -<div class="verse">Agora para lá</div> -<div class="verse">Pôe-te de <i>banda</i>...</div> -<div class="verse">..................</div> -<div class="verse">........... olha! Vae-te embora.</div> -</div> -</div> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_29" id="Footnote_29"></a><a href="#FNanchor_29"><span class="label">[29]</span></a> Já publicado.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_30" id="Footnote_30"></a><a href="#FNanchor_30"><span class="label">[30]</span></a> Cumpre-me declarar, para respeitabilidade das instituições de segurança -publica da nossa terra, que o sr. Sampaio não exercia, n’aquella -epocha, as funcções de Commissario das Policias.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_31" id="Footnote_31"></a><a href="#FNanchor_31"><span class="label">[31]</span></a> Consta-me que este cão foi depois resgatado pelo sr. dr. Pestana. -Sua ex.ª está aqui e póde dizel-o...</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_32" id="Footnote_32"></a><a href="#FNanchor_32"><span class="label">[32]</span></a> São indigestos estes periodos. Talvez, até, que Vossa Excellencia, -approximando a pituitaria, sinta os vestigios do mau halito, que essa casquilha -matrona, D. Politica, exhalava, quando a auscultei para conhecer -as causas da atonia que a consome.</p> - -<p>No entanto, queira Vossa Excellencia lêr. Talvez que, com estes sinapismos, -a creatura melhore e lhe suba a côr ao rosto, indicio de... saude.</p> - -<p>Se Vossa Excellencia tal perceber, pôde haver cura.</p> - -<p>Eu (aqui á puridade) duvido.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_33" id="Footnote_33"></a><a href="#FNanchor_33"><span class="label">[33]</span></a> Vejam-se os acontecimentos politicos de 21 de Outubro e 3 de Novembro -e todos os outros d’esta especie.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_34" id="Footnote_34"></a><a href="#FNanchor_34"><span class="label">[34]</span></a> No tocante a corpo commercial ou Valença, ou... Manchester.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_35" id="Footnote_35"></a><a href="#FNanchor_35"><span class="label">[35]</span></a> Especializo estes cavalheiros porque são os mais calorosos n’esta -questão.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_36" id="Footnote_36"></a><a href="#FNanchor_36"><span class="label">[36]</span></a> Agua vae...</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_37" id="Footnote_37"></a><a href="#FNanchor_37"><span class="label">[37]</span></a> Classificando politicamente estes dois cavalheiros, declaro, para -facilidade das futuras investigações historicas, que me refiro ao momento -actual, e que faço obra pelo que ouço dizer e não pelas suas consciencias, -que são inaccessiveis.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_38" id="Footnote_38"></a><a href="#FNanchor_38"><span class="label">[38]</span></a> <i>Portugal contemporaneo</i>, do sr. Oliveira Martins.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_39" id="Footnote_39"></a><a href="#FNanchor_39"><span class="label">[39]</span></a> Alludo á infamissima vingança que, ha annos, se perpetrou na habitação -d’um cidadão, alli para os lados da Ponte.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_40" id="Footnote_40"></a><a href="#FNanchor_40"><span class="label">[40]</span></a> Estava a publicação n’estas alturas, quando em Valença se resolveu -a <i>Questão da Musica</i>, nas condições que eu previ.</p> - -<p>A <i>rusga</i> foi, porém, tão desenfreada e, sobretudo, d’uma tal inopportunidade -que não merece <i>sinapismo</i>: merece ventosa.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_41" id="Footnote_41"></a><a href="#FNanchor_41"><span class="label">[41]</span></a> Estes F. ou C. são—já se vê—epicenos.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_42" id="Footnote_42"></a><a href="#FNanchor_42"><span class="label">[42]</span></a> <i>Stratego</i>—posto militar, com honras de general. O <i>Archontado</i> -era um dos poderes do Estado. Tinha nove membros; o terceiro, que commandava -o exercito, chamava-se <i>Polemarcho</i>, mas, além d’este, havia os -polemarchos inferiores, que tinham o posto inferior aos <i>strategos</i>.</p> - -<p><i>Areopago</i> era um tribunal civil, que eu aqui compararei—por exemplo—á -nossa Excellentissima Camara.</p> - -<p>Intitulava-se o <i>Senado do Areopago</i>.</p> - -<p><i>Eponymo</i>—era o mais graduado dos <i>archontes</i> e, portanto, o chefe -do partido, digo, do Estado.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_43" id="Footnote_43"></a><a href="#FNanchor_43"><span class="label">[43]</span></a> <i>Ostracismo</i>—era a condemnação ao exilio... equivalente ás -actuaes transferencias.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_44" id="Footnote_44"></a><a href="#FNanchor_44"><span class="label">[44]</span></a> Aproximadamente 20 de Outubro e 3 de Novembro, pela nossa -divisão do anno.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_45" id="Footnote_45"></a><a href="#FNanchor_45"><span class="label">[45]</span></a> Estas camisas só eram usadas pelos fanaticos religiosos, porque -arrancavam o coiro e... o cabello.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_46" id="Footnote_46"></a><a href="#FNanchor_46"><span class="label">[46]</span></a> <i>Prytamos</i>—cidadãos poderosos.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_47" id="Footnote_47"></a><a href="#FNanchor_47"><span class="label">[47]</span></a> Este nome é derivado d’um verbo: <i>cambronnear</i>, que teve uma -leve referencia em Waterloo. Vem do sanskrito e conjuga-se: eu cambronneio, -tu cambronneias, etc. Indica uma funcção organica.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_48" id="Footnote_48"></a><a href="#FNanchor_48"><span class="label">[48]</span></a> Os <i>thetas</i> constituiam a classe mais inferior dos cidadãos athenienses.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_49" id="Footnote_49"></a><a href="#FNanchor_49"><span class="label">[49]</span></a> Não pude comprehender no texto se aquelle possessivo <i>seus</i> se -refere á cidade, se a Pericles.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_50" id="Footnote_50"></a><a href="#FNanchor_50"><span class="label">[50]</span></a> <i>Eupatridas</i>—Proprietarios.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_51" id="Footnote_51"></a><a href="#FNanchor_51"><span class="label">[51]</span></a> Kshatrias:—guerreiros da antiga India.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_52" id="Footnote_52"></a><a href="#FNanchor_52"><span class="label">[52]</span></a> Sudras:—escravos.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_53" id="Footnote_53"></a><a href="#FNanchor_53"><span class="label">[53]</span></a> Dmoes:—escravos para o serviço domestico.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_54" id="Footnote_54"></a><a href="#FNanchor_54"><span class="label">[54]</span></a> Talentos:—moeda grega de valor variavel.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_55" id="Footnote_55"></a><a href="#FNanchor_55"><span class="label">[55]</span></a> Coisa de tres kilometros...</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_56" id="Footnote_56"></a><a href="#FNanchor_56"><span class="label">[56]</span></a> Recordo aos meus leitores que este Pericles foi o iniciador, por -suggestão, da eschola prudhommica.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_57" id="Footnote_57"></a><a href="#FNanchor_57"><span class="label">[57]</span></a> Segundo as theorias recentemente apresentadas por philantropicos -e honradissimos Cresus, o dever dinheiro é <i>coisa</i> pouco escorreita de -dignidade. A honradez não gasta da mesma tinta com que se acceita uma -lettra. Um titulo de divida—documento d’uma transacção—é assim como -a <i>marca a fogo</i> que nas ancas do potro indica o nome do creador. O potro -vende-se, recebe-se o dinheiro, mas o creador quando o encontra diz sempre: -<i>aquelle é dos meus</i>.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_58" id="Footnote_58"></a><a href="#FNanchor_58"><span class="label">[58]</span></a> Por decencia vejo-me obrigado a <i>inglezar</i> esta e outras phrases. -Saiba, porém, o leitor que todas ellas, significando as mais abjectas phantasias -de Lord Deboche, foram publicadas nas columnas da <i>Pall Mall Gazette</i>, -em quatro numeros de julho de 1885.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_59" id="Footnote_59"></a><a href="#FNanchor_59"><span class="label">[59]</span></a> Só para bebedeiras não chegam cinco libras diarias a qualquer -d’esses animaes. O duque de Edimburgo, por exemplo, exgotta ao jantar -quatro garrafas de champagne e dois litros de cognac.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_60" id="Footnote_60"></a><a href="#FNanchor_60"><span class="label">[60]</span></a> Pag. 155.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_61" id="Footnote_61"></a><a href="#FNanchor_61"><span class="label">[61]</span></a> Direi, de passagem, que isto nem sempre succede. Notam-se, ás -vezes, umas anomalias, uns desvios da força nervosa que partindo do cerebro, -vae actuar n’outros musculos, produzindo manifestações de sentimentos -oppostos aos que nos impressionaram.</p> - -<p>Por exemplo:</p> - -<p>Quando vamos ao theatro e ouvimos o sr. Sampaio <i>jeremiando</i> o seu -papel n’aquelle plangente e lugubre rhythmo d’uma <i>licção</i> de <i>quarta-feira -de trevas</i> e vemos que elle tenta reproduzir com o rosto, com o gesto, com -os olhos, as amarguras da sua alma atribulada por esta ou por aquella situação -dramatica—nós não choramos; rimos e rimos a valer, com tanto -mais furor, quanto mais afflictiva é a attitude do sr. Balagota.</p> - -<p>Outro exemplo:</p> - -<p>Quando o sr. Joaquim, depois de ler os <i>Sinapismos</i>, solta umas casquinadas -de riso tirante a verdadeiro e lhe ouvimos dizer que sim, que o -Zinão tem muita graça e desde que elle, Zinão, anda na rua, elle, sr. Joaquim, -põe mais uma tranca na porta, a gente—em vez de rebolar no chão -aos tombos com riso provocado por tão espirituosa facecia—fica muito séria, -e até sente o quer que seja que instinctivamente vae enfiando em -cada mão o dedo <i>mata-parasitas</i> entre o <i>fura-bolos</i> e o <i>maior-de-todos</i>, -n’aquella posição com que o meu amigo M. Silva se previne cautelosamente -contra os numerosos <i>amigos</i> que no dia da Cruz—uma vez por -anno, felizmente—lhe vão festejar a garrafeira.</p> - -<p>Spencer explica isto na sua <i>Physiologie du rire</i>:</p> - -<p><i>La decharge de la force nerveuse peut se tourner en excitation pour -d’autres nerfs qui n’ont pas de relation directe avec les membres et, ainsi, -amener d’autres sentiments et idées.</i></p> - -<p>A individualidade do sr. Sampaio no convivio diario, por quaesquer -razões desperta o riso; e a individualidade do sr. Joaquim, pela sua auctoridade -<i>vice-administrativa</i> e mais predicados ingenitos provoca a seriedade -e o tal cruzamento dos dedos.</p> - -<p>Convivendo diariamente com estes cavalheiros, as impressões que -elles nos causam vão, por assim dizer, armazenar-se em nosso cerebro, -condensando-se e augmentando de intensidade em força nervosa.</p> - -<p>Quando, pelas facecias, ou pelas jeremiadas, elles nos communicam -uma impressão mais forte, ha uma expansão brusca e violenta de força -nervosa <i>armazenada</i>, que vae actuar em nervos e musculos correspondentes -a sentimentos diversos.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_62" id="Footnote_62"></a><a href="#FNanchor_62"><span class="label">[62]</span></a> Oh padre capellão: que rica <i>tirada</i> para <i>um juramento de bandeiras</i>...</p> - -<p>Só falta: <i>é a terra que cobre os ossos de nossos avós!</i></p> - -</div> - -</div> - -<hr class="chap" /> - -<h2>Indice</h2> - -<table summary="Indice"> - <tr> - <td></td> - <td></td> - <td></td> - <td class="tdpg">Paginas</td> - </tr> - <tr> - <td></td> - <td></td> - <td>Duas palavras</td> - <td class="tdpg"><a href="#DUAS_PALAVRAS">5</a></td> - </tr> - <tr> - <td></td> - <td></td> - <td>Aos pobres de Valença</td> - <td class="tdpg"><a href="#Aos_pobres_de_Valenca">9</a></td> - </tr> - <tr> - <td class="tdr">I</td> - <td>—</td> - <td>O microbio</td> - <td class="tdpg"><a href="#I">13</a></td> - </tr> - <tr> - <td class="tdr">II</td> - <td>—</td> - <td>Passe-Calles</td> - <td class="tdpg"><a href="#II">23</a></td> - </tr> - <tr> - <td class="tdr">III</td> - <td>—</td> - <td>Carta a Sua Ex. ª o Sr. Governador de Paysandu</td> - <td class="tdpg"><a href="#III">63</a></td> - </tr> - <tr> - <td class="tdr">IV</td> - <td>—</td> - <td>Uma descoberta do dr. Charcot</td> - <td class="tdpg"><a href="#IV">79</a></td> - </tr> - <tr> - <td class="tdr">V</td> - <td>—</td> - <td>Perfis</td> - <td class="tdpg"><a href="#V">91</a></td> - </tr> - <tr> - <td class="tdr">VI</td> - <td>—</td> - <td>Coisas de egreja</td> - <td class="tdpg"><a href="#VI">105</a></td> - </tr> - <tr> - <td class="tdr">VII</td> - <td>—</td> - <td>Litteraturas</td> - <td class="tdpg"><a href="#VII">127</a></td> - </tr> - <tr> - <td class="tdr">VIII</td> - <td>—</td> - <td>Quimtilinarias</td> - <td class="tdpg"><a href="#VIII">135</a></td> - </tr> - <tr> - <td class="tdr">IX</td> - <td>—</td> - <td>Politiquices</td> - <td class="tdpg"><a href="#IX">145</a></td> - </tr> - <tr> - <td class="tdr">X</td> - <td>—</td> - <td>Violetas</td> - <td class="tdpg"><a href="#X">169</a></td> - </tr> - <tr> - <td class="tdr">XI</td> - <td>—</td> - <td>Os quadros da Collegiada</td> - <td class="tdpg"><a href="#XI">177</a></td> - </tr> - <tr> - <td class="tdr">XII</td> - <td>—</td> - <td>O senhor deputado</td> - <td class="tdpg"><a href="#XII">189</a></td> - </tr> - <tr> - <td class="tdr">XIII</td> - <td>—</td> - <td>Carta ao Zé Senso</td> - <td class="tdpg"><a href="#XIII">201</a></td> - </tr> - <tr> - <td class="tdr">XIV</td> - <td>—</td> - <td>A Questão da Musica</td> - <td class="tdpg"><a href="#XIV">209</a></td> - </tr> - <tr> - <td class="tdr">XV</td> - <td>—</td> - <td>As muralhas</td> - <td class="tdpg"><a href="#XV">235</a></td> - </tr> - <tr> - <td class="tdr">XVI</td> - <td>—</td> - <td>A manifestação de 14 de janeiro</td> - <td class="tdpg"><a href="#XVI">247</a></td> - </tr> - <tr> - <td class="tdr">XVII</td> - <td>—</td> - <td>A Sociedade dos Provareis</td> - <td class="tdpg"><a href="#XVII">279</a></td> - </tr> - <tr> - <td class="tdr">XVIII</td> - <td>—</td> - <td>Uma recita de curiosos</td> - <td class="tdpg"><a href="#XVIII">299</a></td> - </tr> - <tr> - <td class="tdr">XIX</td> - <td>—</td> - <td>Transferencias</td> - <td class="tdpg"><a href="#XIX">309</a></td> - </tr> - <tr> - <td class="tdr">XX</td> - <td>—</td> - <td>A questão ingleza</td> - <td class="tdpg"><a href="#XX">321</a></td> - </tr> - <tr> - <td class="tdr">XXI</td> - <td>—</td> - <td>A manifestação dos artistas</td> - <td class="tdpg"><a href="#XXI">333</a></td> - </tr> - <tr> - <td class="tdr">XXII</td> - <td>—</td> - <td>Carta a Sua Ex. ª o Sr. Administrador</td> - <td class="tdpg"><a href="#XXII">347</a></td> - </tr> - <tr> - <td class="tdr">XXIII</td> - <td>—</td> - <td>Compadres e comadres</td> - <td class="tdpg"><a href="#XXIII">363</a></td> - </tr> - <tr> - <td class="tdr">XXIV</td> - <td>—</td> - <td>Ultimas palavras</td> - <td class="tdpg"><a href="#XXIV">375</a></td> - </tr> -</table> - -<hr class="chap" /> - -<h2>Emendas</h2> - -<table summary="Emendas"> - <tr> - <th>PAG.</th> - <th>LINH.</th> - <th>ONDE SE LÊ</th> - <th>LEIA-SE</th> - </tr> - <tr> - <td class="tdr"><a href="#Pag_54">54</a></td> - <td class="tdr">24</td> - <td>d’uma fórma</td> - <td>d’um modo</td> - </tr> - <tr> - <td class="tdr"><a href="#Pag_112">112</a></td> - <td class="tdr">22</td> - <td>origem</td> - <td>viagem</td> - </tr> - <tr> - <td class="tdr"><a href="#Pag_127">127</a></td> - <td class="tdr">16</td> - <td>eminente</td> - <td>imminente</td> - </tr> - <tr> - <td class="tdr"><a href="#Pag_162">162</a></td> - <td class="tdr">10 e 16</td> - <td>Luiz <span class="smcapuc">XI</span></td> - <td>Luiz <span class="smcapuc">XIV</span></td> - </tr> - <tr> - <td class="tdr"><a href="#Pag_177">177</a></td> - <td class="tdr">11</td> - <td>paleonlithica</td> - <td>paleolithica</td> - </tr> - <tr> - <td class="tdr"><a href="#Pag_180">180</a></td> - <td class="tdr">12</td> - <td>as borrasse</td> - <td>os borrasse</td> - </tr> - <tr> - <td class="tdr"><a href="#Pag_205">205</a></td> - <td class="tdr">22</td> - <td>corcodilo</td> - <td>crocodilo</td> - </tr> - <tr> - <td class="tdr"><a href="#Pag_239">239</a></td> - <td class="tdr">5</td> - <td>nada valeram</td> - <td>nada valerem</td> - </tr> - <tr> - <td class="tdr"><a href="#Pag_318">318</a></td> - <td class="tdr">25</td> - <td>anavalharem</td> - <td>anavalhar</td> - </tr> -</table> - -<p>A perspicacia e benignidade do leitor confiamos outras irregularidades -que n’essas paginas possa encontrar.</p> - - - - - - - - -<pre> - - - - - -End of the Project Gutenberg EBook of Sinapismos, by Zinão - -*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK SINAPISMOS *** - -***** This file should be named 61936-h.htm or 61936-h.zip ***** -This and all associated files of various formats will be found in: - http://www.gutenberg.org/6/1/9/3/61936/ - -Produced by Chris Curnow, Júlio Reis and the Online -Distributed Proofreading Team at https://www.pgdp.net (This -file was produced from images generously made available -by The Internet Archive/Canadian Libraries) - -Updated editions will replace the previous one--the old editions will -be renamed. - -Creating the works from print editions not protected by U.S. copyright -law means that no one owns a United States copyright in these works, -so the Foundation (and you!) can copy and distribute it in the United -States without permission and without paying copyright -royalties. 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INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the -trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone -providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in -accordance with this agreement, and any volunteers associated with the -production, promotion and distribution of Project Gutenberg-tm -electronic works, harmless from all liability, costs and expenses, -including legal fees, that arise directly or indirectly from any of -the following which you do or cause to occur: (a) distribution of this -or any Project Gutenberg-tm work, (b) alteration, modification, or -additions or deletions to any Project Gutenberg-tm work, and (c) any -Defect you cause. - -Section 2. Information about the Mission of Project Gutenberg-tm - -Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of -electronic works in formats readable by the widest variety of -computers including obsolete, old, middle-aged and new computers. It -exists because of the efforts of hundreds of volunteers and donations -from people in all walks of life. - -Volunteers and financial support to provide volunteers with the -assistance they need are critical to reaching Project Gutenberg-tm's -goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will -remain freely available for generations to come. In 2001, the Project -Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure -and permanent future for Project Gutenberg-tm and future -generations. To learn more about the Project Gutenberg Literary -Archive Foundation and how your efforts and donations can help, see -Sections 3 and 4 and the Foundation information page at -www.gutenberg.org - - - -Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation - -The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit -501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the -state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal -Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification -number is 64-6221541. Contributions to the Project Gutenberg Literary -Archive Foundation are tax deductible to the full extent permitted by -U.S. federal laws and your state's laws. - -The Foundation's principal office is in Fairbanks, Alaska, with the -mailing address: PO Box 750175, Fairbanks, AK 99775, but its -volunteers and employees are scattered throughout numerous -locations. Its business office is located at 809 North 1500 West, Salt -Lake City, UT 84116, (801) 596-1887. Email contact links and up to -date contact information can be found at the Foundation's web site and -official page at www.gutenberg.org/contact - -For additional contact information: - - Dr. Gregory B. Newby - Chief Executive and Director - gbnewby@pglaf.org - -Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg -Literary Archive Foundation - -Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide -spread public support and donations to carry out its mission of -increasing the number of public domain and licensed works that can be -freely distributed in machine readable form accessible by the widest -array of equipment including outdated equipment. Many small donations -($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt -status with the IRS. - -The Foundation is committed to complying with the laws regulating -charities and charitable donations in all 50 states of the United -States. Compliance requirements are not uniform and it takes a -considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up -with these requirements. We do not solicit donations in locations -where we have not received written confirmation of compliance. To SEND -DONATIONS or determine the status of compliance for any particular -state visit www.gutenberg.org/donate - -While we cannot and do not solicit contributions from states where we -have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition -against accepting unsolicited donations from donors in such states who -approach us with offers to donate. - -International donations are gratefully accepted, but we cannot make -any statements concerning tax treatment of donations received from -outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff. - -Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation -methods and addresses. Donations are accepted in a number of other -ways including checks, online payments and credit card donations. To -donate, please visit: www.gutenberg.org/donate - -Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic works. - -Professor Michael S. Hart was the originator of the Project -Gutenberg-tm concept of a library of electronic works that could be -freely shared with anyone. For forty years, he produced and -distributed Project Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of -volunteer support. - -Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed -editions, all of which are confirmed as not protected by copyright in -the U.S. unless a copyright notice is included. Thus, we do not -necessarily keep eBooks in compliance with any particular paper -edition. - -Most people start at our Web site which has the main PG search -facility: www.gutenberg.org - -This Web site includes information about Project Gutenberg-tm, -including how to make donations to the Project Gutenberg Literary -Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to -subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks. - - - -</pre> - -</body> -</html> diff --git a/old/61936-h/images/cover.jpg b/old/61936-h/images/cover.jpg Binary files differdeleted file mode 100644 index 4289056..0000000 --- a/old/61936-h/images/cover.jpg +++ /dev/null |
