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+The Project Gutenberg EBook of Um contemporaneo do Infante D. Henrique, by
+Alberto Pimentel
+
+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
+almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
+re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
+with this eBook or online at www.gutenberg.org
+
+
+Title: Um contemporaneo do Infante D. Henrique
+
+Author: Alberto Pimentel
+
+Release Date: June 13, 2010 [EBook #32792]
+
+Language: Portuguese
+
+Character set encoding: ISO-8859-1
+
+*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK INFANTE D. HENRIQUE ***
+
+
+
+
+Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images
+of public domain material from Google Book Search)
+
+
+
+
+
+UM CONTEMPORANEO
+
+DO
+
+INFANTE D. HENRIQUE
+
+Carta a MR. MATHIEU LUGAN
+
+POR
+
+ALBERTO PIMENTEL
+
+PORTO
+_Livraria Internacional de Ernesto Chardron_
+CASA EDITORA
+M. LUGAN, Successor
+
+1894
+
+Todos os direitos reservados
+
+
+
+UM CONTEMPORANEO
+
+DO
+
+INFANTE D. HENRIQUE
+
+
+
+PORTO: TYP. DE A. J. DA SILVA TEIXEIRA
+
+Rua da Cancella Velha, 70
+
+
+
+UM CONTEMPORANEO
+
+DO
+
+INFANTE D. HENRIQUE
+
+Carta a MR. MATHIEU LUGAN
+
+POR
+
+ALBERTO PIMENTEL
+
+PORTO
+_Livraria Internacional de Ernesto Chardron_
+CASA EDITORA
+M. LUGAN, Successor
+
+1894
+
+Todos os direitos reservados
+
+
+
+
+ L'histoire d'Alvaro Vaz de Almada est généralement peu connue hors
+ du Portugal; et en Portugal même la biographie de ce grand homme est
+ environnée de details contradictoires.
+
+ FERDINAND DENIS--_Portugal_, pag. 85.
+
+
+
+
+ Meu prezado amigo:
+
+Vivendo entre portuguezes ha muitos annos, quer v. corresponder á estima
+e consideração que d'elles tem justamente recebido, associando-se, como
+editor de obras litterarias, á commemoração solemne com que a cidade do
+Porto vai celebrar o quinto centenario do nascimento do infante D.
+Henrique, o Descobridor.
+
+É nobre a acção, que v. se propõe praticar. E, procedendo assim, segue o
+exemplo de muitos estrangeiros, a quem Portugal deve gratidão pelo
+interesse que tem tornado em evidenciar á luz da verdade e da gloria os
+feitos d'este pequeno povo, que tamanhos serviços prestou no seculo XV á
+sciencia e ao commercio, á humanidade e á civilisação, especialmente no
+momento historico em que o infante D. Henrique apparece em scena para
+emprehender e estimular os descobrimentos maritimos.
+
+Entre esses estrangeiros a quem devemos ser gratos, avulta, certamente,
+um compatriota de v., o illustre Ferdinand Denis, que tanto amou, com
+especial dedicação, o passado de Portugal nas suas gloriosas tradições e
+nos seus triumphos por mar e por terra, na guerra ou na paz.
+
+Estamos, pois, habituados á sympathia de estrangeiros, e não é, por
+isso, de estranhar a deliberação de v. Mas é para agradecer e louvar.
+
+Acceitando a missão de auxiliar o nobre alvitre de v., e achando-me
+collocado em frente do periodo mais brilhante da historia de Portugal,
+que o infante D. Henrique personifica, lembrei-me de que o assumpto,
+comquanto vasto, ha de ser amplamente tratado por muitos escriptores
+portuguezes, que mais ou menos se encontrarão n'um ponto de partida
+commum: a vida do infante, e a sua influencia na successão dos nossos
+descobrimentos maritimos.
+
+Assim, pois, pensei que, sendo já conhecida, nas suas linhas geraes, a
+biographia do infante, eu poderia, sem atraiçoar a intenção de v., tomar
+outro rumo, estudando, dentro dos estreitos limites de uma carta, a
+feição proeminente de uma época, de que D. Henrique foi a culminação,
+mas que se assignalou pelo concurso de um grupo de homens colossalmente
+prestigiosos.
+
+Como na vida de todos os heroes, ha manchas, claro-escuro na vida do
+infante Descobridor. Encarado em si mesmo o homem, teve defeitos,
+commetteu erros, mas não é esta a hora propria para os relembrar. O
+principe exerceu, e este é o ponto essencial e capital, uma acção
+benefica na historia da humanidade, e marca o periodo que, elevando
+Portugal, aproveitou ao mundo todo.
+
+Mas, quanto á época, é justo, sem nunca perder de vista o infante,
+procurar medir a estatura dos portuguezes do seculo XV, que com elle
+collaboraram, nas viagens ou nas campanhas, e que constituem os
+elementos de caracterisação do espirito arrojado, leal, cavalheiresco,
+épico, dos inexcediveis heroes d'esse tempo.
+
+A alma portugueza era então um mixto de poesia e valor, sobretudo de
+poesia no valor. Feita de bronze, não conhecia perigos, difficuldades,
+resistencias. O infante, estimulando a coragem para as emprezas
+maritimas, era a expressão do sentir de heroes, que avançavam sempre,
+contra o _Mar Tenebroso_, contra os moiros, os inimigos exteriores, ou
+contra as agitações da politica interna, sem medirem os percalços do
+commettimento.
+
+A pureza dos costumes, nos homens e nas mulheres, dava um como perfume
+de santidade impeccavel ás ideas e aos sentimentos da época. A religião
+era mais alguma coisa do que o culto de Deus nos templos: era a lei por
+onde cada um regia as suas palavras e acções, os seus pensamentos e
+feitos, nas suas relações com Deus ou com os homens.
+
+O fanatismo religioso levava a vêr inimigos n'aquelles que, não
+commungando na mesma religião, não poderiam attingir o gráo de perfeição
+moral em que todas as crenças se purificavam. Era um preconceito do
+tempo, eram as idéas da época. Mas ha n'esse sentir, que hoje se nos
+afigura barbaro, uma noção mal comprehendida, posto que sincera, de que
+o catholicismo era a unica expressão possivel da civilisação dos costumes.
+
+Alongados os descobrimentos maritimos pela costa occidental da Africa,
+iniciado, com chave de oiro, o periodo dos factos gloriosos, que nos
+deram farta participação nos progressos da civilisação universal,
+fechava-se, simultaneamente, a porta do espirito cavalheiresco que
+dominára o coração dos portuguezes da idade-média.
+
+Depois d'isso fomos guerreiros, mas não eramos já cavalleiros. Fomos
+ainda conquistadores, mas não eramos já impulsionados por um mobil limpo
+de ambições mesquinhas.
+
+O joven rei D. Sebastião, voltando da sua primeira jornada a Africa,
+quiz desembarcar no cabo de S. Vicente, por uma noite de lua, e alli se
+demorou nove ou dez dias, como elle proprio contou, meditando
+ambiciosamente na grandeza de uma época, que dos rochedos do Algarve,
+como uma águia, havia no tempo de D. Henrique arrancado vôo para ir
+assombrar o mundo inteiro.
+
+Tinha pena o joven e valoroso rei de não ser d'essa época. E com razão.
+Mas Portugal havia começado a descer: Alcacerquibir, o abysmo cavado
+pelas mãos do imprudente monarcha, breve se transformaria na sepultura
+de um seculo de gloria.
+
+Não trarei, meu amigo, novos subsidios á biographia do infante
+Descobridor, de quem tantas pennas illustres se irão por certo occupar;
+mas procurarei desenhar, na vasta tela da sua época famosa, o vulto de
+um homem, que é um elemento importantissimo de caracterisação e de
+synthese, de um homem sem o qual essa enorme e brilhante conjugação de
+heroes, apostados em glorificar o nome da patria, ficaria incompleta.
+
+Refiro-me a Alvaro Vaz de Almada, que foi contemporaneo do infante D.
+Henrique, e que bem se póde chamar o ultimo cavalleiro portuguez.
+
+Herculano escreveu d'elle no _Panorama_: «D. Alvaro, caindo morto, era o
+symbolo da cavallaria expirando».
+
+O proprio infante D. Henrique dizia de Alvaro Vaz de Almada que não
+sómente Portugal, mas tambem toda a Hespanha, podiam ter grande gloria
+de crear tão famoso cavalleiro.
+
+E o rei Affonso de Napoles e seu irmão o infante D. Henrique de Aragão
+diziam que tinham encontrado em Portugal _bom pão e bom capitão_. _Bom
+capitão_: Alvaro Vaz.
+
+Tal era o homem.
+
+ * * * * *
+
+Resumirei, quanto me fôr possivel, o quadro genealogico de Alvaro Vaz de
+Almada.
+
+D. Sueiro Viegas Coelho, fidalgo de velha estirpe, teve dois irmãos e
+uma irmã. D'elles, o mais velho foi frade; o outro, Gonçalo Magro,
+continuou-se n'um filho bastardo, Lourenço Gonçalves, que casou com D.
+Thereza Godins.
+
+D'este casamento houve dois filhos, um dos quaes, Vasco Lourenço, teve
+por successor João Annes de Almada, que foi chamado o _Grande_, e foi
+védor da fazenda d'el-rei D. Pedro e d'el-rei D. Fernando.
+
+É com este cavalleiro, que por seu bom conselho, reflectida experiencia,
+alta posição politica e apparatosa apresentação[1] mereceu o cognome de
+_Grande_, que principia, na sua familia, o appellido de _Almada_, pelo
+facto d'elle ser natural d'aquella villa.
+
+Diz D. Antonio de Lima, no _Nobiliario_, que João Annes fôra por duas
+vezes enviado ao estrangeiro como embaixador, e que por lembrança sua
+mandára o rei D. Fernando começar a cêrca nova de Lisboa[2].
+Ferdinand Denis tambem se refere a este facto[3].
+
+Casado com D. Urraca Moniz, deixou um filho, Vasco Lourenço de Almada,
+que foi o instituidor do morgado da sua familia na villa do mesmo nome,
+e que morava em Lisboa nos seus paços de Valverde[4], junto
+ao Rocio.
+
+Este Vasco Lourenço teve um filho e uma filha.
+
+O filho, João Vaz de Almada, casou com D. Joanna Annes, de quem houve
+uma filha, e dois filhos: Pedro Vaz de Almada, primogenito; Alvaro Vaz
+de Almada, que por morte do irmão herdou o morgado instituido pelo
+avô[5].
+
+Merece chronica a vida de João Vaz de Almada, pai de Alvaro Vaz.
+
+Foi feito cavalleiro por D. João I depois da batalha de Aljubarrota[6].
+
+Em 1400 enviou-o D. João I a Castella, com o arcebispo de Lisboa e o
+doutor Martim Docem para negociar um tratado de paz ou treguas, e em
+1404 a Inglaterra, tambem com Martim Docem, para tratar do casamento de
+D. Beatriz, filha natural do rei, e irmã do duque de Bragança, com o
+conde de Arundel e de Surry[7].
+
+Mais tarde, quando D. João I se apercebia para a conquista de Ceuta,
+enviou João Vaz de Almada outra vez a Inglaterra para levantar
+quatrocentas lanças ao serviço de Portugal.
+
+Parece que João Vaz levou comsigo seu filho Alvaro, porquanto ha
+noticia de uma carta de Henrique V, rei de Inglaterra, ás auctoridades
+do porto de Londres, ordenando-lhes que deixem sahir livremente os
+homens de armas e trezentas e cincoenta lanças que Alvaro Vaz havia
+contratado para o rei de Portugal[8].
+
+Não foram estes os unicos auxilios que D. João I mandou buscar a
+Inglaterra com o mesmo fim. Tambem Pedro Lobato trouxe d'aquelle paiz
+trezentas lanças «para o muito poderoso principe o infante D. Henrique,
+filho do dito seu tio--diz Henrique V n'uma carta aos seus
+almirantes,--_a fim de fazer a guerra aos incredulos e aos inimigos da
+fé catholica_[9].
+
+Pormenor interessante: Este mesmo Pedro Lobato trouxe n'essa occasião
+uma armadura completa para o infante D. Henrique.
+
+Vieram ainda mais sessenta lanças, com os respectivos cavallos e
+armaduras, a bordo de dois navios portuguezes, de que eram mestres João
+Affonso e Egydio João.
+
+João Vaz de Almada acompanhou D. João I na viagem a Ceuta.
+
+Conta Fernam Lopes que, tendo alguem visto um grande bando de pardaes
+sobre o castello d'aquella cidade, dissera:
+
+--Não vêdes como aquelles pardaes alli estão assocegados? Que me matem
+se Salat-bem-Salat com todos os outros não é partido d'alli, e deixou o
+castello vazio, cá se assi não fosse, não estariam alli aquelles pardaes
+assi de assocego.
+
+Foram dizer isto ao rei D. João, que respondeu:
+
+--Pois que assi é, vão chamar João Vaz de Almada[10],
+que traz a bandeira de S. Vicente, e digam-lhe de minha parte que a vá
+logo poer sobre a mais alta torre.
+
+Chamado immediatamente João Vaz, foi, com alguns outros, caminho do
+castello, levando o estandarte de S. Vicente, padroeiro de Lisboa.
+
+Tentavam forçar as portas da fortaleza, quando sobre o muro appareceram
+dois homens, um biscainho e o outro genovez, que lhes disseram em
+castelhano:
+
+--Não filheis trabalho em quebrar as portas, cá não tendes nenhum
+empacho em vossa entrada, cá os mouros são já partidos todos d'aqui e
+sómente ficamos nós ambos que vos abriremos as portas quando quizerdes.
+
+--Ora pois, respondeu João Vaz de Almada, filhai lá esta bandeira e
+ponde-a sobre esse muro, até que nos vamos.
+
+Este mesmo episodio é contado por mestre Matheus de Pisano[11],
+estrangeiro erudito, que foi chamado a Lisboa para escrever
+em latim a historia da guerra de Ceuta, como quer Herculano[12],
+ou para ser professor de D. Affonso V.
+
+João Vaz de Almada levou a Ceuta os seus dois filhos, Pedro e Alvaro,
+que, depois da victoria, ahi foram armados cavalleiros: Pedro pela mão
+do infante D. Duarte, herdeiro da corôa[13]; e Alvaro por
+mão do infante D. Pedro.
+
+Foi certamente n'esse dia que principiaram a estabelecer-se entre D.
+Alvaro Vaz de Almada e o infante D. Pedro, como consequencia tradicional
+d'essa cerimonia, os laços de lealissima amizade, que os uniu durante
+toda a existencia, e que não deixou sobreviver um ao outro mais do
+que alguns momentos.
+
+D. João I deu a capitania e guarda da fortaleza de Ceuta a João Vaz de
+Almada, que a teve até á partida d'el-rei para o reino, ficando depois a
+cidade entregue a D. Pedro de Menezes, que foi o primeiro capitão d'ella.
+
+Recolhendo a Portugal, João Vaz de Almada, malquistado, por motivos
+desconhecidos, com Gonçalo Pires Malafaia, esperou-o ás portas da
+Relação e maltratou-o corporalmente[14].
+
+Malafaia, que já tinha sido escrivão da chancellaria de el-rei D.
+Fernando, seguiu, por morte d'este rei, a causa do mestre de Aviz,
+exercendo depois, e em annos successivos, os cargos de védor da
+fazenda real, e o de regedor (presidente) da Casa do Civel, além de
+receber por doação as propriedades confiscadas, no termo de Lisboa e
+Santarem, a João Fernandes Pacheco e a Fernam Gomes da Silva.
+
+Como Malafaia foi nomeado regedor do Civel em 1457, mais de vinte annos
+depois da morte de D. João I, entende um escriptor moderno ser
+inverosimil a noticia d'aquelle conflicto como causa determinante da
+emigração de João Vaz de Almada, por isso que os codices dão Malafaia
+como exercendo o referido cargo n'essa occasião[15].
+
+O facto dos chronistas lhe declararem a qualidade de regedor do Civel
+não invalida, a meu vêr, a noticia do conflicto, porque muitas vezes os
+escriptores antigos, referindo-se a um acontecimento qualquer,
+intromettem circumstancias que se deram antes ou depois, especialmente
+quando mencionam titulos ou actos de um mesmo individuo.
+
+O conflicto causou escandalo e irritou D. João I, que, collocado entre
+dois homens a quem devia serviços e dedicações, cortou a direito, quiz
+fazer justiça contra o aggressor.
+
+João Vaz de Almada teve de fugir para Inglaterra, onde já era conhecido;
+e levou comsigo os seus dois filhos, Pedro e Alvaro.
+
+Fosse esta ou outra qualquer a causa determinate da sahida do fidalgo
+portuguez e seus dois filhos legitimos para Inglaterra (o auctor da
+_Historia Serafica_ limita-se a dizer: «os quaes ausentando-se do reino
+por razões, que para isso tiveram», parecendo comtudo querer occultar
+assim um motivo desagradavel), o que não padece duvida é que João
+Vaz de Almada emigrou para aquelle paiz, d'onde, tendo fallecido, vieram
+mais tarde os seus restos mortaes, bem como os de seu filho Pedro, para
+a capella de familia, que possuiam em S. Francisco de Lisboa[16].
+
+Duarte Nunes de Leão diz que João Vaz de Almada acompanhára o rei de
+Inglaterra, que devia ser Henrique VI, até Rouen. Sendo assim,
+assistiria ao sacrificio de Joanna d'Arc (30 de maio de 1431). E que
+fôra agraciado com a ordem da Jarreteira__[17].
+
+Pela minha parte não ouso confirmar estas noticias, mas apenas acceitar,
+como authentica, a morte de João Vaz de Almada em Inglaterra.
+
+ * * * * *
+
+Fallemos agora de Alvaro Vaz de Almada, o _bom capitão_, o heroe famoso
+de um cyclo de heroes, que deu honra e gloria a Portugal.
+
+O snr. Oliveira Martins figura Alvaro Vaz acompanhando o seu dilecto
+amigo o infante D. Pedro de Alfarrobeira logo ao principio da sua
+celebre viagem, logo que, como dizia o povo, começou a _correr as sete
+partidas do mundo_.
+
+Á sahida de Castella, onde o infante fôra visitar D. João II, galopava a
+seu lado, segundo a expressão do snr. Oliveira Martins, o seu fiel
+Achates, Alvaro Vaz de Almada, fadado para um destino igualmente cruel.
+
+Outras affirmações faz ainda o snr. Oliveira Martins. Precisamos
+conhecel-as.
+
+«D'esta Jornada, agora começada, principia a amizade constante que
+ligou em vida Alvaro Vaz a D. Pedro, etc.»
+
+«Dois annos haveria apenas que Alvaro Vaz voltára ao reino coberto de
+gloria. Batalhára pelos inglezes em Azincourt, no proprio anno da tomada
+de Ceuta, e o rei Henrique V dera-lhe o condado de Avranches, na _marka_
+franceza, com a ordem da Jarreteira. Essas guerras de França, começadas
+havia tres annos, tinham de durar meio seculo, e talvez os viajantes
+partissem com idéa de tambem intervir n'ellas. Alvaro Vaz, cavalgando ao
+lado do infante, contar-lhe-hia os casos de bravura presenciados no dia
+famoso de Azincourt; e D. Pedro, em volta, lhe diria como fôra a jornada
+de Ceuta n'esse proprio anno»[18].
+
+A amizade do infante e de Alvaro Vaz principiára antes da partida de
+D. Pedro para o estrangeiro. _Elles eram irmãos de armas_, circumstancia
+que, segundo o espirito da época, impunha deveres sagrados de reciproca
+amizade e lealdade[19].
+
+Quando, annos depois, o duque de Coimbra, vendo aproximar-se a hora do
+combate com as tropas d'el-rei seu sobrinho, pergunta a Alvaro Vaz se
+está disposto a todos os sacrificios, incluindo o da morte, tem em
+resposta:--Não sou eu vosso irmão de armas?[20]
+
+Eram. Porque ambos haviam sido armados cavalleiros no mesmo dia, em
+Ceuta, depois da victoria.
+
+Alvaro Vaz tinha estado em Inglaterra com o pai, mas devia regressar
+pouco antes de partir D. João I para Africa.
+
+Como já sabemos, João Vaz de Almada teve razões para refugiar-se mais
+tarde em Inglaterra levando comsigo os dois filhos legitimos[21].
+
+Isto passou-se depois da tomada de Ceuta, onde pelas chronicas sabemos que
+estivera João Vaz de Almada, e onde seu filho, Alvaro Vaz, fôra armado
+cavalleiro, por mão do infante D. Pedro[22], tendo ambos, o infante e
+Alvaro Vaz[23], aproximadamente a mesma idade.
+
+Não foi, como documentalmente provaremos, Henrique V que deu a
+Alvaro Vaz o condado de Avranches.
+
+Não poderia Alvaro Vaz contar ao infante os casos de bravura
+presenciados no dia famoso de Azincourt.
+
+E a razão é obvia. A batalha de Azincourt feriu-se em 1415, e n'este
+mesmo anno, em agosto, se realisou a tomada de Ceuta. Antes, João Vaz e
+Alvaro estiveram de passagem em Inglaterra, para levantar lanças; só
+posteriormente á viagem a Africa com D. João I é que emigraram.
+
+Henrique V reinou de 1413 a 1422.
+
+Depois de Ceuta, o genio ardente e o animo valoroso de Alvaro Vaz não
+lhe consentiram ficar indifferente á guerra que Henrique V movia contra
+o desgraçado Carlos VI para fazer vingar as antigas pretenções dos
+Plantagenets sobre a França.
+
+Alvaro Vaz de Almada pagava assim, combatendo pela Inglaterra, a
+hospitalidade que elle e a sua familia receberam da Inglaterra.
+
+Henrique VI, como veremos por documentos, remunerou-lhe, mais tarde, os
+serviços que elle havia prestado a Henrique V, e ainda as provas de
+amor, obediencia e dedicação que já no seu reinado Alvaro Vaz havia dado
+á corôa de Inglaterra.
+
+D'aqui poderá inferir-se que Alvaro Vaz esteve ainda em Inglaterra
+depois que Henrique VI, contando alguns mezes de idade, succedeu a seu
+pai em 1422, e ahi prestou serviços, ou que, depois de ter regressado ao
+reino, voltasse áquelle paiz, como parece suppôr um escriptor nosso
+contemporaneo[24].
+
+Pelo que deixamos dito, é mais que muito duvidoso que Alvaro Vaz
+partisse de Castella cavalgando ao lado do infante D. Pedro.
+
+Qualquer que fosse o anno em que o infante partiu, sabemos que já estava
+na Allemanha em 1419, quando o imperador Sigismundo lhe concedeu a marka
+ou ducado fronteiriço de Treviso.
+
+Foi justamente n'esse anno ou pouco antes que Sigismundo, já rei da
+Hungria, herdou de Wenceslau a corôa da Bohemia, e se achou a braços com
+os Hussitas e os Turcos.
+
+Duarte Nunes, o auctor dos _Retratos dos varoes e donas_[25],
+e outros escriptores dão noticia de ter Alvaro Vaz de Almada
+combatido pelo imperador Sigismundo contra os Turcos.
+
+Não custa acredital-o. Sabendo que o seu grande amigo, o infante D.
+Pedro, estava na Allemanha, decerto se daria pressa em avistar-se com
+elle, indo immediatamente ao seu encontro. Como não era homem para estar
+parado nem quieto, continuaria a ser alli «irmão de armas» do infante,
+combatendo por algum tempo a seu lado.
+
+Um escriptor moderno affirma este facto, sem hesitações: «Tambem Alvaro
+Vaz de Almada militou nos exercitos do imperador Sigismundo da
+Allemanha, e ahi se encontrou com o infante D. Pedro, estreitando os
+laços de amizade que a elle o uniam, desde que fôra armado
+cavalleiro»[26].
+
+É mais natural que Alvaro Vaz se encontrasse com o infante D. Pedro na
+Allemanha do que na Inglaterra, porque D. Pedro parece ter estado n'este
+paiz pouco antes de recolher a Portugal em 1428, visto que a concessão
+da Jarreteira, com que foi agraciado por Henrique VI, tem a data de 22
+de abril de 1427, e Alvaro Vaz já em 1423 estava em Lisboa.
+
+Ha um documento d'esta época, pelo qual Alvaro Vaz de Almada foi nomeado
+capitão-mór da armada de D. João I.
+
+É o seguinte:
+
+«D. João, etc. A quantos esta carta virem fazemos saber que nós querendo
+fazer graça e mercê a Alvaro Vasques de Almada, cavalleiro nosso
+vassallo, por serviços que d'elle recebemos e entendemos a receber ao
+deante: Temos por bem e damol-o por nosso capitão-mór da nossa frota
+pela guisa que o era Gonçalo Tenreiro em tempo d'el-rei D. Fernando,
+nosso irmão, a quem Deus perdoe, e por a guisa que o foi Affonso Furtado
+em nosso tempo, e porem mandamos aos patrões, alcaides, arraes e
+pintitaes, comitres e bésteiros, galeotes, marcantes, marinheiros e a
+todos os outros, a que esta carta fôr mostrada, que o hajam por nosso
+capitão-mór, como dito é, e lhe obedeçam e façam todas as cousas que
+lhes elle mandar fazer por nosso serviço, e segundo a seu officio
+pertence, e que possa com elles fazer justiça, ou em cada um d'elles,
+assim como a nós fariamos outrosim se presente estivessemos, e mandamos
+a todas as nossas justiças que cumpram suas cartas e mandados, e lhe
+ajudem a fazer e cumprir direito e justiça em todas as cousas que lhe
+elle assim disser e mandar da nossa parte quando pertence a seu officio,
+senão sejam certos quaesquer que o contrario d'isto fizerem, que lh'o
+extranharemos gravemente nos corpos e haveres como aquelles que não
+cumprem mandado de seu rei e senhor: em testemunho d'isto lhe mandamos
+dar esta nossa carta, dada em Cintra a vinte e tres dias de junho.
+El-rei o mandou. Martim Vasques a fez, éra do nascimento de Nosso Senhor
+Jesus Christo de mil quatrocentos vinte tres»[27].
+
+Este documento, publicado nas _Provas da Historia Genealogica_, põe um
+limite preciso e seguro ás viagens de Alvaro Vaz. Por elle vêmos que o
+_bom capitão_ recolheu ao reino muito primeiro que o seu amigo,
+infante D. Pedro, isto é, cinco annos antes.
+
+D. João I quiz certamente dar, com esta nomeação, uma indemnisação á
+familia Almada: honrar o filho, visto que não pudéra perdoar ao pai.
+
+Até ao anno da desgraçada expedição de Tanger (1437) não teve Alvaro Vaz
+de Almada, na sua qualidade de capitão-mór da frota, motivo para se
+assignalar por feitos de armas.
+
+Mas em Tanger o vamos encontrar derramando o sangue pela patria, e
+combatendo com o valor de que já havia dado sobejas provas em Ceuta ao
+serviço de D. João I, e na Inglaterra ao serviço de Henrique V.
+
+O infante D. Henrique, tendo chegado a Tanger, estabelece arraiaes n'um
+outeiro que ficava contra o cabo d'Espartel, desviando-se das
+instrucções que a este respeito lhe havia dado seu irmão o rei D.
+Duarte.
+
+«E em se começando a gente de alojar, sahiu uma voz, com um rumor sem
+certidão, que as portas da cidade estavam abertas e os mouros fugiam; e
+a este alvoroço acudiram muitos de cavallo contra a cidade, para
+entrarem, e commetteram o feito mui ardidamente, e se metteram entre o
+muro e a barreira, e combateram as portas tão rija e ousadamente, que de
+tres juntas que eram, romperam duas; e a terceira, que se diz o Postigo
+de Guyrer, commetteram com fogo: e, por ser forrada de ferro e sobrevir
+a noite, não foi entrada; e tambem porque os mouros a defenderam mui
+bravamente. E o conde de Arrayolos, por mandado do infante, foi recolher
+a gente que, alli e na porta do castello e nas outras da cidade, estava
+em combates repetidos: em que morreram muitos cavallos e alguns
+christãos, e sahiram muitos feridos: entre os quaes foi o conde de
+Arrayolos, de uma setta por uma perna, _e o capitão Alvaro Vaz d'outra
+por um braço_»[28].
+
+É o primeiro ferimento recebido, ao serviço de Portugal, por Alvaro Vaz.
+Qualquer que fosse, porém, a sua gravidade, de novo o vemos a combater
+esforçadamente logo no primeiro combate regular que o infante D.
+Henrique ordenou contra os mouros.
+
+«Mas o infante D. Henrique, vendo que o commettimento por aquella vez
+não succedia como esperava, e que sua gente recebia dos mouros muito
+damno, a fez recolher: de que ficaram até vinte christãos mortos e
+quinhentos feridos: e mandou ficar as bombardas e engenhos em seus
+alojamentos juntos com o muro d'onde tiravam, cuja guarda encommendou ao
+recebel-a ao capitão Alvaro Vaz e a outros, que, por estarem afastadas
+do arraial e pegadas ao muro, receberam dos inimigos muita affronta e
+trabalho: e elles, na defensão d'ellas e offensão que aos mouros faziam,
+deram de si claro testemunho de valentes cavalleiros»[29].
+
+No segundo combate contra os mouros, o capitão Alvaro Vaz continua a
+assignalar-se:
+
+«E n'este mesmo dia era fóra D. Alvaro de Castro, e o _capitão_, e
+Gonçalo Rodrigues de Sousa, e Fernam Lopes d'Azevedo, com setenta de
+cavallo: e, topando com quinhentos mouros de cavallaria e muitos de pé,
+pelejaram com elles e, a seu salvo, lhe mataram quarenta, e tornaram
+victoriosos a recolher-se com o conde (de Arrayolos) e com os outros,
+que dos mouros vinham bem perseguidos»[30].
+
+Mas é sobretudo no tumultuoso embarque das tropas portuguezas, na
+retirada de Tanger, que o capitão Alvaro Vaz, de par com o marechal
+Vasco Fernandes Coutinho, que depois foi feito conde de Marialva,
+pratica um acto de extremada cavallaria.
+
+Oiçamos o chronista:
+
+«... o infante com muito resguardo fez recolher a gente, e encommendou
+ao marechal, e ao capitão Alvaro Vaz, que com alguma somma de bésteiros
+ficassem sobre o atalhamento do palanque, em um arrife que ahi sobre o
+mar se fazia, d'onde contrariassem os mouros por maneira, que os
+christãos embarcassem com mór segurança, e depois se recolhessem com sua
+ventura o melhor que podessem; e certamente assim como este encargo era
+de grande perigo a estes dois nobres homens, assim n'elle como
+esfoçados, se aproveitaram de muita honra e boa fama que n'elle
+ganharam, e não sómente n'esta, mas em todas as outras affrontas n'este
+feito passadas, elles por sua bondade d'armas, e grandeza de coração,
+foram havidos por especiaes capitães, e notaveis cavalleiros. A gente
+miuda, com desejo de salvar as vidas de que foram desesperados,
+embarcavam com grande desordenança a que se não podia prover, cá se
+lançavam ao mar soltamente, não esguardando se o batel era do navio, em
+que vieram, se de outro algum, e muitos d'elles por fazerem os mareantes
+em sua salvação mais attentos e diligentes tentavam-n'os com cubiça,
+offerecendo-lhes logo nas mãos, alguma provesa que ainda escapara; e
+isto começou de dar grande desaviamento á embarcação, e causar algum
+damno; porque a todos os ministros do mar venceu tanto esta aborrecivel
+cubiça, que suspendiam a entrada dos que alguma cousa lhe não peitavam,
+e os dispunham por isso a grande perigo, do que el-rei houve, depois,
+sabendo-o, gran desprazer, e segundo a mostrança de seu desejo,
+certamente este erro não ficára sem grave punição, se d'elle pudéra
+achar os certos auctores. O marechal, e o _capitão_, como a gente que
+guardavam viram embarcada, começaram de se recolher na melhor ordenança
+que puderam, mas os mouros, por acabarem de mostrar sua falsa concordia,
+e verdadeira imisade, como os viram mover para embarcar, ordenaram dos
+pavezes que achavam no palanque, uma forte pavezada, com que tão
+rijamente os commetteram, que muitos dos christãos, especialmente os
+bésteiros, não podendo soffrer um duvidoso perigo, tomaram para suas
+vidas outro maior, e mais certo, lançando-se sem algum tento ao mar,
+onde morreriam até quarenta. _E tanto era o primor da honra n'estes dois
+cavalleiros, que em chegando ao batel, que para seu recolhimento os
+esperava, e trazendo com a perseguição dos mouros a morte nas costas, á
+entrada d'elles ambos se rogaram, affrontando um ao outro a primeira
+entrada, procurando com palavras de muita cortezia e grande esforço, por
+cada um ficar por derradeiro em guarda do outro; e porem com todos estes
+revezes, ao domingo pela manhã eram já todos á frota recolhidos_»[31].
+
+Este lance da biographia de Alvaro Vaz de Almada é, com effeito, de uma
+galhardia cavalheirosa, que inflamma o espirito de quem n'elle
+attenta, apesar de sermos chegados a um tempo em que estas proezas
+guerreiras têm já todo o caracter de factos longinquos e semi-phantasticos.
+
+Á volta de Tanger, Alvaro Vaz torna-se verdadeiramente notavel pela
+superioridade com que sabe disfarçar a sua dôr pelo desastre soffrido.
+
+D. Duarte estava em Carnide, quando «... chegaram em tanto a Lisboa dos
+que vinham de Tanger, muitos navios que certificaram o caso como
+finalmente passára, de que el-rei foi logo avisado, e certamente foi mui
+aspero de ouvir, que o infante seu irmão ficava em poder de mouros; mas
+por saber, que a mais da sua gente era em salvo, deu por isso muitas
+graças a Deus, e como rei virtuoso, humano e agradecido, deteve-se
+n'aquella aldeia, para vêr e agasalhar os que vinham do cêrco, dos
+quaes muitos, ao tempo que iam fazer-lhe reverencia, em disformes
+semelhanças e tristes vestidos, que para isso de industria vestiam, e
+com palavras a desaventura conformes, se lhe mostravam, e d'elles
+fingiam ser muito mais damnificados do que na verdade o foram, com
+fundamento de carregarem mais na obrigação para o feito de seus
+requerimentos, que alguns logo faziam e outros esperavam fazer, de que
+el-rei recebia publica dôr e tristeza; mas a estes foi mui contrario, o
+nobre e valente cavalleiro Alvaro Vaz de Almada, capitão-mór do mar, que
+como quer que no cêrco de Tanger de sua fazenda perdesse muito, e da
+honra por merecimentos d'armas não ganhasse pouca, como chegou a Lisboa,
+antes de ir fallar a el-rei, logo de finos pannos e alegres côres se
+vestiu, a si e a todos os seus, e com sua barba feita e o rosto cheio de
+alegria, chegou a Carnide, onde el-rei andava passeiando fóra das
+casas, e com elle o infante D. Pedro, e depois de lhe beijar as mãos e
+lhe dizer palavras de grande conforto, el-rei o recebeu mui
+graciosamente, e louvou muito sua ida n'aquella maneira, que não sómente
+lhe apontou cousas e razões, para não dever por aquelle caso ter nojo
+nem tristeza, mas ainda que por elle devia ser mui alegre e contente,
+estimando em nada o captiveiro do infante seu irmão, que era um homem só
+e mortal, em que haviam muitos remedios, em respeito da grande fama que
+n'aquelle feito em seu nome se ganhára, aconselhando-lhe mais o repique
+e alvoroço dos sinos, para honra e prazer dos vivos, que o dobrar
+d'elles que ouvia, por tristeza e pelas almas dos mortos; pelo que
+el-rei começou a mostrar que aquelle era o primeiro descanço que seu
+coração recebia, e por isso e por seus bons merecimentos lhe prometteu
+muita mercê, e grande acrescentamento; e sem duvida assim o fizera,
+se sua antecipada morte o não tolhera»[32].
+
+Ferdinand Denis, referindo-se a esta passagem da vida de Alvaro Vaz,
+escreve: «Mostrou-se principalmente corajoso cavalleiro durante o cêrco
+de Tanger, onde ficou prisioneiro o infante D. Fernando, que morreu em
+Fez; se bem que quando voltou ao reino, o bom rei D. Duarte sahiu para o
+receber pessoalmente, a pé, fóra de Carnide, onde estava. Fez-lhe taes
+favores e mercês, como até então ninguem tinha recebido. Foi d'elle que
+o rei Affonso de Napoles e seu irmão o infante D. Henrique d'Aragão
+diziam que haviam encontrado em Portugal bom pão e bom capitão»[33].
+
+Cumpre advertir que, segundo o testimunho do chronista Pina, o rei D.
+Duarte não teve tempo de fazer a Alvaro Vaz as mercês que desejava, e
+que as maiores que o famoso capitão recebeu não provieram de Portugal,
+mas de Inglaterra.
+
+Muitos escriptores suppozeram que Alvaro Vaz de Almada fôra feito conde
+de Avranches pelo rei de França, e cavalleiro da ordem da Jarreteira
+pelo de Inglaterra; mas não padece a menor duvida que ambas estas graças
+lhe foram concedidas pelo monarcha inglez, Henrique VI, quando, como rei
+de França, senhoreava o ducado de Normandia.
+
+ * * * * *
+
+Dois annos depois do desastre de Tanger, principia a agitar-se em
+Portugal a famosa questão da _regencia_, que havia de ter um tragico
+desfecho no combate de Alfarrobeira.
+
+Em agosto de 1439 a rainha D. Leonor passou-se de Santo Antonio do
+Tojal, onde estava, para Sacavem, e o rei menino, Affonso V, tornou para
+Lisboa, onde estava o infante D. Pedro.
+
+Este infante fez reunir em sua casa as pessoas de maior confiança, e entre
+ellas o «seu grande amigo Alvaro Vaz de Almada, capitão-mór do mar»[34], ás
+quaes se queixou da pequena parte que do governo lhe coubera nas côrtes, e
+communicou a resolução de abandonar por completo os negocios do Estado,
+retirando-se para as suas terras.
+
+N'essa reunião particular, de caracter intimo, distinguiu-se Alvaro
+Vaz aconselhando o infante a que, se lhe não entregassem logo todo o
+poder da regencia, se recolhesse aos seus dominios, «porque perdia muito
+de sua auctoridade e estimação andando na côrte com tão pouca
+auctoridade»[35].
+
+Era este um meio, habilmente procurado por Alvaro Vaz de Almada, para
+estimular o animo do povo, e apressar os acontecimentos no interesse do
+infante.
+
+A rainha, por sua parte, tomava represalias irritantes contra os amigos
+e partidarios de D. Pedro.
+
+Uma d'ellas foi despedir do seu serviço a irmã de Alvaro Vaz de Almada,
+por desconfiar que ella communicava ao irmão o que se passava na côrte.
+
+Este e outros actos, como, por exemplo, a mercê que D. Leonor fizera a
+Nuno Martins da Silveira, aio do rei, dos varejos a que os mercadores de
+Lisboa eram obrigados de sete em sete annos, irritaram profundamente os
+partidarios do infante, entre os quaes eram numerosos os homens do povo.
+
+Foram-se de parte a parte exaltando os animos, a ponto que a rainha
+julgou conveniente á sua segurança transferir-se de Sacavem para Alemquer.
+
+N'este lance da narrativa encontram-se Ruy de Pina e Gaspar Landim, se
+bem que ambos elles se equivoquem, quando se referem a Alvaro Vaz de
+Almada, em attribuir a mercê do condado de Avranches ao rei de França e
+a da Jarreteira ao de Inglaterra, quando foram feitas, como sabemos,
+pelo mesmo rei, que ao mesmo tempo se intitulava rei de Inglaterra e de
+França.
+
+«Os officiaes de Lisboa,--diz Ruy de Pina,--vendo esta mudança da rainha
+fizeram logo seu ajuntamento, onde Vicente Egas Homem, cidadão velho,
+entendido e de grave representação fez uma falla com largo recontamento,
+cuja substancia foi avisar a cidade dos males e perigos, que por as
+mudanças presentes se lhe apparelhavam; e como para terem por cabeça
+alguma pessoa que por ella os resistisse, lhe era necessario elegerem e
+tomarem alferes, _apontando logo o capitão Alvaro Vaz de Almada, que da
+cidade fôra o derradeiro alferes, como por outros muitos e mui dignos
+merecimentos e louvores, que d'elle com verdade recontou_; no que todos
+consentiram, e por dois cidadãos o enviaram logo chamar por quanto era
+fóra da cidade; e em chegando á Ribeira, sendo já sabida a determinação
+sobre que vinha, se ajuntou com elle a mór parte da cidade e assim
+acompanhado com grande honra foi levado á camara, onde por os
+vereadores com certas cerimonias e largas palavras _de grande seu louvor
+e muita confiança, lhe foi entregue a bandeira da cidade com suas
+condições_; e elle a recebeu com palavras cortezes, e discretas, e de
+grande esforço; porque era cavalleiro que _n'este reino e fóra d'elle
+por experiencias mostrou_, que isto e muito _mais de louvor havia
+n'elle_, cá em França por sua ardideza e bondades foi feito conde de
+Abranches, e em Inglaterra por sua valentia foi recebido por companheiro
+da ordem da Jarreteira, de que principes christãos, e pessoas de grande
+merecimento são confrades; e em Portugal por todas estas, e mais por sua
+linhagem e fidalguia mereceu ser como foi capitão-mór do mar»[36].
+
+Ouçamos agora, na passagem parallela a esta, o testimunho de Gaspar de
+Landim:
+
+«E tanto que em Lisboa se soube a mudança da rainha (_de Sacavem para
+Alemquer_), como não havia acto seu que não parecesse mal aos cidadãos e
+povo d'ella, se ajuntaram com os vereadores, e entre elles o costumado
+Vicente Egas como mais contrario das cousas da Rainha, e favorecedor das
+do Infante lhe fez uma pratica mui larga toda em seu favor d'elle, em
+qual encareceu grandemente os males e perigos que dizia estarem-lhes
+apparelhados áquella cidade e a todo o reino por ordem da Rainha, pelo
+que era necessario elegerem um capitão que lhe servisse de cabeça, e os
+defendesse, a quem obedecessem, para o qual effeito, pois que o Infante
+D. Pedro estava ausente (_em Camarate_), ninguem o podia melhor fazer
+que o capitão Alvaro Vaz de Almada, grande amigo e familiar do
+Infante, e para que não houvesse duvida na eleição d'elle recontou
+grandes feitos seus, e de seu pai João Vaz de Almada, encarecendo sobre
+modo seu valor e merecimentos; o qual logo de commum consentimento foi
+nomeado e eleito por defensor da cidade, capitão e alferes-mór, e para
+haver esta eleição effeito bastou saber que era mui contrario ás cousas
+da Rainha e suas cousas, e mui affecto ás do Infante; o qual foi logo
+mandado chamar a uma quinta onde estava, e em entrando na cidade,
+chegando á Ribeira se juntou todo o povo e cidadãos com elle para o
+acompanhar, e d'ahi o levaram á camara com grande alvoroço e muitas
+exclamações de libertador e defensor d'aquella cidade, e entrando na
+camara lhe foi entregue a bandeira com muitas condições e declarações
+todas em favor do Infante D. Pedro, e contrarias á Rainha; com as quaes
+elle a recebeu, e com palavras significadoras de grande
+agradecimento prometteu tudo cumprir.
+
+«Os cidadaos e povo muito satisfeitos, confiados e a seu parecer seguros
+de todos os medos e destruições que sobre si fingiam haverem de vir, e
+lh'o faziam crêr, e por taes se deram com a eleição do seu defensor.
+
+«Era Alvaro Vaz de Almada cavalleiro que assim n'este reino, como em
+outros, tinha feito grandes cousas por seu esforço em que cabiam
+aquelles e outros maiores cargos, ainda que foi notado de temerario e
+arrogante, e como tal deu muita cousa, e foi a principal parte da casa
+do infante D. Pedro, de sua honra e vida; e por seu esforço foi feito
+por el-rei de França conde de Abranches, e em Inglaterra por valorosos
+feitos lhe foi dada a honra da Garrotea, da qual n'aquelle tempo se
+honraram muitos principes, e em Portugal depois de tornado a elle
+foi feito por el-rei D. Duarte capitão-mór do mar».
+
+Aqui temos Alvaro Vaz de Almada lançado na accesa lucta travada entre o
+infante e a rainha, e vel-o-hemos acompanhar sempre D. Pedro, até á
+morte, com aquella cega dedicação, que já era antiga, porque datava de
+Ceuta.
+
+O povo de Lisboa, poucos dias depois da eleição de Alvaro Vaz, acclamára
+o infante D. Pedro como unico governador do reino, n'um acto solemne
+realisado na egreja de S. Domingos.
+
+N'este momento, Alvaro Vaz é o braço direito do infante e o querido do
+povo, o homem escolhido para todas as missões importantes.
+
+Assim, foi designado para ir solicitar do infante D. João que viesse a
+Lisboa, onde a sua presença se reputava necessaria.
+
+O emissario logrou convencer o infante, que veio logo, hospedando-se
+na casa da Moeda[37].
+
+Novamente se tornou a reunir o povo, agora nos paços do concelho,
+fallando por essa occasião o dr. Affonso Mangancha e Alvaro Vaz.
+
+Ruy de Pina dá-nos a summula do discurso do famoso _Capitão_:
+«encommendaram logo ao _Capitão_ que désse sobre o caso sua voz, que a
+deu com cautelas e fundamentos de homem prudente, e mui avisado, em que
+concluiu mais além, que era crime e aleijão elrei ser creado em
+poder de mulheres; e não menos erro reger a rainha, não sem muitos
+merecimentos e grandes louvores d'ella, que tambem apontou para ser
+sempre servida e acatada: e que o infante D. Pedro devia reger»[38].
+
+Como sabemos, o povo havia entregado a D. Alvaro a defeza e guarda da
+cidade de Lisboa. O infante D. Pedro confirmou, por um diploma official,
+a escolha que o povo fizera, nomeando D. Alvaro alcaide-mór do castello,
+investindo-o officialmente nas funcções, que já exercia, de defensor dos
+moradores de Lisboa.
+
+«Dom Affonso etc. A quantos esta carta virem fazemos saber que vendo nós
+e considerando os muitos e estremados serviços que o capitão-mór Alvaro
+Vasques de Almada, Rico Homem e do nosso conselho, fez a ElRei meu
+Senhor e Pai e a ElRei Dom João, meu Avô, e isso mesmo a nós e ao diante
+entendemos receber, e os muitos trabalhos e perigos em que foi assim
+fóra dos nossos reinos como em elles por honra d'elles, e querendo-lhe
+galardoar e conhecer, como todo bom Rei e theudo, aquelles que bem e
+lealmente servem, conhecendo sua grande lealdade, porém de nosso motu
+proprio, livre vontade, certa sciencia, poder absoluto, temos por bem e
+fazemol-o nosso alcaide mór do nosso castello da nossa mui nobre e leal
+cidade de Lisboa, pelo que nos fez preito e menagem uma, duas e tres
+vezes de nós em elle receber irado e pagado no alto e no baixo, segundo
+mais cumpridamente é, contheudo na fórma de sua menagem, a qual é
+escripta no livro das menagens que anda em a nossa camara é assignada
+por elle. E porém mandamos a todos os fidalgos, cavalleiros, escudeiros,
+corregedores, juizes, justiças, conselho e homens bons da dita
+cidade, que d'aqui em diante o hajam por nosso alcaide em o dito
+castello e outro nenhum não, não embargando que o até aqui tivesse D.
+Affonso, o qual nos praz nem queremos que o mais seja pelo assim
+entendermos por nosso serviço, aos quaes mandamos que lhe obedeçam assim
+como alcaide e saiam com elle e sem elle cada vez que por elle ou da sua
+parte forem requeridos em aquillo que a seu officio pertencer para se
+fazer direito e justiça. Outrosim queremos que tenha e haja de nós todas
+as rendas e direitos que á dita alcaideria pertencem segundo é contheudo
+em nossa carta, que d'isso tem, e os possa arrecadar, tirar e arrendar
+por si e por seus procuradores e homens como a elle mais prouver. E em
+testimunho d'isso lhe mandamos dar esta nossa carta. Dante (?) em
+Santarem cinco dias de abril por auctoridade do Senhor Infante Dom
+Pedro, tutor e curador do dito Senhor Rei, Regedor defensor por elle
+de seus Reinos e Senhorios. Martins Gil a fez, anno de Nosso Senhor
+Jesus Christo de mil quatrocentos e quarenta[39].
+
+Mas Alvaro Vaz chegava para tudo, e o infante encarregou-o de ir tomar o
+castello da Ameeira, que estava por D. Leonor. A esse tempo a rainha
+havia-se entrincheirado no Crato.
+
+D. Alvaro deu-se pressa em partir para ir desempenhar esta nova commissão.
+
+Vejamos o que diz Ruy de Pina; prefiro, sempre que seja isso possivel,
+empregar a linguagem das chronicas, porque tem um sabor antigo, que se
+conforma melhor com o assumpto, tambem antigo, do que a nossa
+linguagem actual.
+
+«O capitão Alvaro Vaz a que o cerco da Ameeira, como disse, era
+encarregado, partiu de Lisboa por terra com sua gente d'armas e de pé,
+que era muita e mui bem concertada, e assim com os artilheiros e
+provisões, que para o cerco convinham, e todo posto em mui segura e
+singular ordenança, _fazendo-o assim como homem que o vira, e passára em
+outros reinos já muitas vezes_. E tambem folgou de o ordenar assim por
+dar a entender n'este pequeno cerco, o que faria em outros maiores se
+lh'os encommendassem».
+
+O resultado da Jornada da Ameeira foi satisfatorio, como todos os
+partidarios do infante esperavam, visto que a incumbencia tinha sido
+confiada ao valoroso _Capitão_.
+
+O castello rendeu-se pouco depois de D. Alvaro lhe ter posto cerco.
+
+O joven Affonso V, que estava então em Alemquer, tanto tinha ouvido
+fallar de Alvaro Vaz de Almada, que quiz vêl-o por força quando elle
+passava para a Ameeira. A sua imaginação de creança estava exaltada pela
+fama d'esse cavalleiro portentoso, que já tinha uma lenda de
+heroicidade, com que regressára do estrangeiro, e que em Portugal
+continuava a glorifical-o.
+
+Referindo-se ao pequeno rei, diz Ruy de Pina: «desejou muito de vêr o
+Capitão, e sua gente na ordenança de guerra em que vinham, e
+sentindo-lhe Alvaro Gonçalves de Athayde, seu aio, este vivo orgulho e
+desejo, louvou-lh'o muito. E disse que era bem que cumprisse: mas por
+não errar em seu serviço e estado indo de proposito vêr uma sua cousa
+tão pequena, seria bem que como d'acerto fosse a caça, ao campo d'entre
+Castanheira e Villa Nova, e que ali como de recontro veria o
+Capitão, e a gente que então havia de passar. E a outro dia andando alli
+el-rei com seus galgos e gaviões, assomou o Capitão, e sabendo já que
+el-rei o queria vêr apurou ainda muito mais sua ordenança, e de sua
+pessoa com seus pagens armados se concertou com grande perfeição. Porque
+n'aquelle acto de armas, _por seu braço e por experimentadas ardidezas
+passadas, a elle n'este reino se dava muito louvor_, e tanto que foi
+atravez d'onde o rei olhava, se apartou só da gente armado sobre uma
+facanea, e com grande alegria e desenvoltura se lançou fóra d'ella, e a
+pé foi beijar as mãos a el-rei, e lhe disse:--«Senhor, assim como eu sou
+o primeiro que Vossa Senhoria vê n'estes habitos, assim, prazendo a
+Deus, não serei eu n'elles o segundo, em todo o que cumprir por vosso
+serviço, e por defensão de vossos reinos». El-rei folgou muito de o vêr,
+e com palavras e contenenças lhe fez mais honra e mór acolhimento,
+do que de sua pouca idade se esperava, e assim se despediu o Capitão, e
+seguiu sua viagem até a Ameeira, que logo cercou e combateu até que a
+tomou[40].
+
+Um homem de tamanho vulto, como era D. Alvaro Vaz de Almada, por força
+havia de ter inimigos, especialmente n'uma época em que os interesses
+politicos da sociedade portugueza estavam profundamente divididos em
+dous campos oppostos.
+
+Uma carta regia, que se encontra no archivo da camara municipal de
+Lisboa e é datada de 12 de maio de 1440, dá conhecimento de não ter sido
+permittido que Alvaro Vaz de Almada, alcaide-mór, intentasse acção, para
+se desaggravar do que contra a sua pessoa tinham dito e feito alguns
+officiaes da cidade; e recommenda-lhes que reciprocamente usassem
+d'aquella boa maneira e amizade, com que sempre se haviam tratado[41].
+
+A reacção, por parte dos sequazes da rainha, decerto procuraria
+amesquinhar e desprestigiar D. Alvaro, a alma do movimento em favor do
+infante.
+
+Parece que, entre outras accusações, lhe fizeram tambem a de haver
+impedido a entrada de um navio carregado de trigo, que era preciso ao
+consumo publico.
+
+Mas, não obstante este e outros meios de reacção, a causa da rainha
+naufragava: D. Leonor fugira para Castella, segundo parece, no dia 29 de
+dezembro de 1440.
+
+N'este momento desapparece-nos Alvaro Vaz de Almada do theatro dos
+acontecimentos, sem que os chronistas nos dêem a chave do enygma.
+
+Apenas se sabe, por uma phrase vaga de Ruy de Pina, e por outra phrase,
+não menos vaga, do proprio infante D. Pedro, que elle estivera em Ceuta.
+
+Julgaria D. Alvaro,--insaciavel de correr perigos e aventuras,--que a
+sua presença não era já precisa em Portugal ao infante D. Pedro, cuja
+causa estava ganha? Dar-se-ia em Ceuta algum acontecimento, que fizesse
+com que o infante, como regente do reino, entendesse ser necessario
+mandar alli o seu mais seguro e dedicado amigo?
+
+Ficou em Ceuta D. Alvaro ou iria tambem ao estrangeiro, tentar novos
+feitos de armas, hypothese a que se inclina o collaborador do
+_Diccionario popular_?
+
+ * * * * *
+
+Foi effectivamente durante esta sua ausencia que Henrique VI o encheu de
+mercês importantissimas.
+
+«D. Alvaro Vaz estava então militando em Ceuta, e esse homem de
+nobilissimo caracter, que, emquanto D. Pedro foi feliz, se conservou
+afastado, voltando até, segundo todas as probabilidades, ao estrangeiro,
+porque não é natural que em 1445 Henrique VI de Inglaterra lhe
+conferisse todas as graças que dissemos, na sua ausencia, D. Alvaro,
+apenas soube o que se tramava contra o seu irmão de armas, veio logo
+para Portugal...»[42]
+
+Por minha parte pendo a acreditar que D. Alvaro não sahiu de Ceuta, mas
+devo dizer, francamente, que caminho apenas por conjecturas.
+
+É possivel que a morte do pai e do irmão mais velho, ignorando eu
+comtudo a data certa em que falleceram, levasse Henrique VI a galardoar
+em D. Alvaro os serviços que anteriormente havia recebido d'elle proprio
+e da sua familia.
+
+Mas é mais provavel que, «por esforço do infante D. Pedro», como diz
+Landim, lhe fossem feitas aquellas mercês.
+
+As duas phrases, de Ruy de Pina e do infante D. Pedro, que logo
+citaremos, fallam apenas de Ceuta; supponho, por isso, que D. Alvaro Vaz
+de Almada não iria mais longe n'essa segunda ausencia.
+
+O que é certo é que as mercês de Henrique VI a D. Alvaro são do anno de
+1445, em que o valoroso _Capitão_ estava fóra de Lisboa.
+
+Os documentos comprovativos das mercês encontrou-os o snr. Figanière, e
+indicou-os pela primeira vez no _Catalogo dos manuscriptos portuguezes
+existentes no muzeu de Londres_ (Lisboa, 1853), por esta fórma;
+
+«N.º 6.298. _Fol. 316_--Noticia de D. Alvaro Vaz de Almada, conde de
+Abranches, cavalleiro da Jarreteira.
+
+«_Fol. 317_--Cópia de um documento passado sob o sêllo privado (_copy of
+Privy Seal_) em que contém a eleição de D. Alvaro de Almada, como
+cavalleiro da Jarreteira, e creando-o conde de Abranches em Normandia.
+Datado de Westminster a 4 de agosto do 23.º anno do reinado de Henrique
+VI, rei de Inglaterra; isto é, de 1445.
+
+«_Fol. 319 verso_--Cópia de outro semelhante documento, concedendo ao
+mesmo D. Alvaro de Almada, conde de Abranches, a somma annual de 100
+marcos. Datado de Westminster a 9 de agosto do mesmo anno.
+
+«_Fol. 320 a 321_--Cópia de outro semelhante documento, dando ao mesmo
+D. Alvaro de Almada uma taça de ouro do valor de 40 marcos, a qual
+continha 100 marcos em dinheiro. Datado de 13 de agosto do já referido
+anno.
+
+«Os quatro precedentes documentos estão collocados em seguida uns dos
+outros».
+
+Eis o que dizia o _Catalogo_. Tres annos depois, no _Panorama_, o snr.
+Figanière publicava na integra os documentos, cuja traducção vamos dar
+em seguida:
+
+«Nos Archivos da Torre de Londres, rotulo de França, anno 23, maço 6,
+pergaminho 2.º
+
+«Henrique, por Graça de Deus Rei de Inglaterra, de França e Senhor da
+Irlanda, aos Arcebispos, Bispos & saude.
+
+«De grandes louvores devem ser cumulados, e com singular gloria
+exaltados os que com ardente zelo se empenham em sacrificar o seu
+tempo e até a propria vida á salvação da Patria; que se expõem aos
+perigos para assegurar a tranquillidade publica, e que acima de todas as
+cousas d'este mundo ambicionam fama illustre e nome immortal, e se dão
+por felizes quando julgam poder com os seus serviços e lealdade promover
+o publico bem. Oh benemerita classe de homens! sem os quaes não poderiam
+gozar de segurança as cidades, as fortalezas, os reinos, os dominios, os
+Principes da terra, nem mesmo a propria Terra. Oh muito illustres e
+justos varões! sob cuja administração exemplar todas as virtudes se
+avigoram e florecem, os máos são reprimidos e os criminosos castigados.
+Ninguem ha, certamente, que com digno louvor possa celebrar por escripto
+ou de palavra almas tão nobres. N'este numero se deve contar e celebrar
+o insigne e preclaro varão, o bravo e glorioso militar, D. Alvaro de
+Almada, que desde _tenra idade, apenas saido da infancia_, apaixonado de
+gloria militar e ambicionando os premios dos valentes e a salvação
+commum, com todo o esforço e zelo se applicou aos exercicios militares,
+e logo que chegou á idade mais propria para a guerra, cresceu-lhe o
+esforço com a idade, e em defeza do Estado se portou com tão superior
+coragem que nada lhe parecia agradavel, digno de estima ou de apreço se
+não se encaminhasse ao bem commum; e tal valor mostrou nos perigos da
+guerra, e tal prudencia no remanso da paz, que com toda a justiça se
+devem premios ao seu trabalho. Por estas razões considerando nós a
+nobreza d'este varão, e as eminentes qualidades que, unidas a seus
+feitos, lhes dão grande realce, e outrosim as gloriosas façanhas por
+elle praticadas no _tempo do Christianissimo Rei de gloriosa memoria
+nosso Antecessor, realçadas ainda pelas provas de amor, obediencia e
+dedicação que a nós e nossos reinos elle tem dado_; o nomeamos
+cavalleiro socio e irmão da ordem da Jarreteira por voto unanime d'esta
+Ordem; e em testimunho de nossa Real Munificencia e das suas virtudes o
+nomeamos e estabelecemos Conde de Avranches no nosso Ducado de
+Normandia; e cingindo-lhe a espada o investimos n'este nome, dignidade e
+titulo e com elle effectivamente o honramos. Queremos e mandamos por nós
+e por nossos herdeiros que o dito nosso leal Dom Alvaro conserve
+perpetuamente para si e seus herdeiros varões, seus descendentes havidos
+em legitimo matrimonio, o nome e dignidade de Conde de Avranches. Foram
+testimunhas os veneraveis Padres: I. arcebispo de Cantuaria; I.
+arcebispo de Yorck; Thomaz, de Norwich; Will, de Sarum; I. Bathon e
+Wellen, bispo de Gloucester, tio materno do nosso carissimo Duque
+Humfredo; e os nossos carissimos parentes os duques João Exon, e
+Humfredo Buck; e Wilhelmo, marquez de Suffolk; João, visconde de
+Beaumont e seus amados e fieis soldados Radulpho Cromwell e Radulpho
+Bottler, thesoureiros de Inglaterra, e o chanceller Mestre Adam Moleyns
+e outros. Dado por nossa mão em Westminster a 4 de agosto. Por carta de
+sello privado passada n'esta mesma data»[43].
+
+«Nos Archivos da Torre de Londres, rotulo de França, anno 23.º, maço
+6.º, pergaminho 2.º
+
+«Eu El-Rei aos que esta virem & saude.
+
+«Tomando em consideração a lealdade, intelligencia, circumspecção,
+affecto, serviços e todas as mais cousas dignas de menção que _a nosso
+amantissimo Pae de feliz memoria, e tambem a nós_ com singular desvelo
+prestou o nosso leal D. Alvaro de Almada, Conde de Avranches, do
+conselho do nosso Parente o muito excellente Principe e
+poderosissimo Senhor Rei de Portugal, e capitão mór em todos os seus
+reinos e dominios, e Alcaide mór da cidade de Lisboa, e querendo
+outrosim que taes serviços não fiquem em esquecimento e sem
+recompensa: por nosso motu proprio concedemos ao mesmo D. Alvaro em
+quanto viver cem marcos de pensão annual, a receber do nosso Erario de
+Inglaterra por mão do nosso thesoureiro e officiaes que então alli
+servirem, e a vencer em porções eguaes pela Paschoa e pelo S. Miguel. Em
+fé do que é. Testimunha R.»
+
+«Westminster 9 de agosto»[44].
+
+«Sello particular do Governo, 13 de agosto 23 H. 6.--Nós, tomando em
+consideração os bons serviços, grande zelo, e bom amor que nosso fiel e bem
+amado Alvaro de Almada, cavalleiro de Portugal, nos tem feito e prestado e
+aos nossos muito nobres antepassados, o temos feito e creado ha pouco tempo
+conde de Avranches, e além d'isso temos concedido ao dito Alvaro uma pensão
+de 100 marcos por anno durante a sua vida. Nós vos ordenamos de lhe
+entregar uma taça de ouro do valor de quarenta marcos[45] e a somma de cem
+marcos contidos na dita taça»[46].
+
+Estas mercês foram feitas por Henrique VI na sua dupla qualidade de rei
+de Inglaterra e duque de Normandia em França. Insistimos n'este ponto
+para combater o erro em que tantos escriptores nacionaes e estrangeiros
+têm cahido, de suppor que Alvaro Vaz recebera do rei de Inglaterra a
+ordem da Jarreteira, e do rei de França o condado de Avranches, que
+estava incluido no antigo ducado de Normandia. O rei era um só. A este
+respeito com inteira razão nota o snr. Oliveira Martins que nem se
+concebe que, estando em guerra os dous reinos, o mesmo homem fosse feito
+conde de Avranches pelo rei de França e cavalleiro da Jarreteira pelo
+rei de Inglaterra[47].
+
+Em 1447, o joven rei D. Affonso V pede a seu tio o infante D. Pedro
+que lhe entregue as redeas do governo, o que immediatamente consegue.
+
+É então que principia a agitar-se em torno do infante ex-regente a
+intriga atiçada pelo duque de Bragança.
+
+Os conselheiros de D. Affonso V diziam-lhe, segundo conta Pina, que «por
+segurança não sómente de sua vida, mas da justiça e fazenda tirasse,
+como logo tirou, todos os officios, que os criados de seu tio na
+côrte tinham de qualquer qualidade que fossem, pondo suspeições e
+testimunhos falsos, a uns que erravam na justiça, e a outros que
+roubavam a fazenda, e a outros que dariam peçonha a el-rei, segundo a
+cada um em seus officios podia tocar, e para parecer que o queriam
+provar, não falleciam logo pessoas induzidas, que com medo de pena, ou
+com esperança de galardão, que lhe promettiam, na sua vontade o
+testimunhavam»[48].
+
+O que é certo é que, apesar de todas estas machinações dos inimigos do
+infante D. Pedro, o joven rei Affonso não se mostrou severo, nem mesmo
+reservado, com D. Alvaro Vaz de Almada quando elle recolheu a Lisboa.
+
+É que, como logo veremos pelas palavras do infante D. Pedro, Alvaro Vaz
+tinha augmentado a sua gloria militar, praticando _em Ceuta_ novos e
+brilhantes feitos de armas.
+
+N'este lance da narrativa, precisamos recorrer mais uma vez ao
+testimunho de Ruy de Pina, transcrevendo um capitulo da sua _Chronica_:
+
+«_A este tempo chegou tambem a Lisboa, que vinha de Ceuta_, o conde
+d'Abranches, que sobre todos era grande servidor e muito amigo do
+infante D. Pedro, e publico imigo do conde d'Ourem, e em sua chegada não
+foi então d'el-rei e de sua côrte assim agasalhado e honrado, como seus
+serviços presentes e merecimentos passados requeriam. Porém o conde
+assim como era de nobre sangue, assim não fallecia n'elle uma graciosa
+soltura de dizer, com mui esforçado coração e singular agradecimento,
+com que ante el-rei e os de sua côrte, no publico e no secreto defendia
+muito a honra e estado do infante D. Pedro, com claro exemplo e
+vivas razões de sua mui louvada lealdade, afeando muito com grande
+audacia os movimentos e maldades, que seus imigos tão sem causa contra
+elle moviam. E como quer que el-rei fosse induzido, que não ouvisse o
+conde e o mandasse ir fóra de sua côrte, pondo-lhe que em todas as
+culpas do infante elle era muito culpado, porém porque el-rei era de
+alto coração, accêso no ardor de actos cavalleirosos, suspirando para
+grandes empresas, folgava muito de o ouvir, e começava dar-lhe de si
+muita parte e acolhimento, especialmente porque o infante D. Henrique
+ante el-rei muitas vezes por cousas muito assignaladas em que o vira,
+dizia por elle, que não sómente Portugal, mas Hespanha toda se devia de
+haver por honrada crear tal cavalleiro. E porque os imigos do infante
+viram, que a vontade d'el-rei ácerca do conde não terçava por elles
+como desejavam, lançaram-lhe amigos d'elle lançadiços, e pessoas de
+credito que com resguardo de grande segredo o aconselhassem, que se
+fosse fóra da côrte, e não entrasse em um conselho publico que se então
+fazia, avisando-o manhosamente que n'elle por cousas do infante D. Pedro
+o haviam de prender. Mas o conde com a cara cheia d'essa forçada
+segurança, lhe disse--_Amigos, certamente pelos muitos e grandes
+serviços que tenho feitos a esta casa de Portugal, eu lhe mereço mais
+villas e castellos com que me acrecente, que prisões nem cadêas em que
+sem causa me ponha, e por tanto com todo o que me dizeis, sabei que não
+hei de fugir do conselho e serviço d'el-rei nosso senhor, pois leal e
+verdadeiramente sempre o segui. E porém se tal cousa, e por tal causa se
+move contra mim, sabei certo que em defender minha honra, e limpeza
+d'aquelle senhor, eu me mostrarei hoje digno de ser confrade da
+santa Garrotea que recebi, e espero em Deus que sem ociosidade de minhas
+mãos, os que me quizerem visitar antes seja na sepultura, que nos
+carceres nem cadêas, e por isso não hajaes dó nem compaixão de minha
+vida porque minha morte honrada a fará com louvor viver mui viva, e
+muito mais honrada nas memorias dos homens para sempre._ Pelo qual o
+conde depois de com esta determinação despedir estes manhosos e dobrados
+conselheiros; porque a hora do conselho se chegava, a que determinou ir,
+se vestiu de pannos finos mui bem e muito melhor d'armas secretas, com
+que entrou no paço, onde seus imigos, vendo a segurança de sua pessoa,
+foram claramente certificados do esforço e bondade de seu coração. E
+estando el-rei na casa do conselho, onde eram muitos senhores presentes
+e os principaes imigos do infante, o conde e com cara que mais parecia
+que ameaçava que temia, lhe tocou em sua prisão que lhe fora
+revelada, e assim lhe fallou com muito repouso e grande auctoridade nas
+cousas do infante e suas, approvando sua bondade e lealdade por termos,
+e com razões a todos tão manifestas, que se não podiam contrariar;
+concluindo, que quaesquer pessoas de qualquer estado e condição que
+fossem, que do contrario tinham informado a El-Rei, eram com reverencia
+e acatamento de sua real pessoa, a Deus e a elle e ao mundo máus e
+traidores, e que com licença e consentimento de sua senhoria os
+combateria por armas, _e em campo a tres d'elles os melhores
+juntamente_[49]. A resposta d'el-rei para o conde foi então
+graciosa e branda, e com mostrança que lhe pesara de o ouvir, que para o
+mau fundamento dos que tratavam a morte do infante, foram mui tristes
+signaes, e por arredarem el-rei do infante D. Henrique e do conde,
+que começavam ser causa, que de todo impedia seu damnado proposito, o
+levaram a Cintra aforrado».
+
+Este ultimo periodo de Ruy de Pina tem sido interpretado por alguns
+escriptores com manifesta confusão. Suppõem elles que Alvaro Vaz é que foi
+levado para Cintra, e não o rei. Eu entendo o contrario. Em Major a
+redacção póde suscitar duvidas; diz o erudito inglez: «Apesar da frieza,
+que lhe mostraram (ao conde de Avranches) por sua amizade a D. Pedro, foi
+sempre seu caloroso e perseverante defensor, e tal poder tinha sua
+influencia, que os maus conselheiros de elrei julgaram conveniente fazel-o
+retirar para Cintra»[50]. Soares da Sylva, deixando-se arrastar pelo
+equivoco, escreve: «N'este mesmo tempo veio á Côrte o Conde de Abranches D.
+Alvaro Vaz de Almada, que até alli estava _em Cintra_[51].
+
+Ora, em face do texto de Pina, vê-se que Alvaro Vaz veio de _Ceuta_, e
+que os cortezãos, para subtrairem D. Affonso V á influencia do conde,
+levaram o rei _aforrado_ para Cintra.
+
+D. Antonio de Lima, no _Nobiliario_, diz que Alvaro Vaz de Almada armou
+tres navios contra os genovezes que andavam no Estreito, que lhes tomou
+uma carraca, e praticou outros feitos valorosos. Não diz, porém, em que
+época isto succedeu. Mas poderá talvez presumir-se que fosse n'esta
+segunda ida a Ceuta, e que sejam estes os feitos a que o infante D.
+Pedro se refere.
+
+Os genovezes tinham n'aquelle tempo uma poderosa marinha, e póde bem ser
+que affluissem ao estreito de Gibraltar com a mira em Ceuta, chegando a
+fazer uma investida, que Alvaro Vaz teria repellido victoriosamente.
+
+Os nossos chronistas guardam silencio sobre o assumpto. Mas não custa a
+acreditar que o motivo que levou novamente a Ceuta Alvaro Vaz fosse a
+ameaça dos genovezes, contra os quaes elle acudiria com tres navios
+armados á sua custa.
+
+Sendo assim, ficaria explicado o facto de ter abandonado temporariamente
+o governo do castello de Lisboa, como explicadas ficariam tambem uma
+phrase do infante D. Pedro e a admiração que o joven rei manifestou mais
+uma vez pelo insigne capitão, a ponto dos cortezãos julgarem conveniente
+retirar D. Affonso V para Cintra, para evitar a repetição de
+entrevistas que davam vantagem ao conde de Avranches.
+
+Acaso governaria já Affonso V quando o conde partiu para Ceuta? Parece
+que não. Se esta viagem tivesse sido um meio de o tirar de ao pé do
+infante D. Pedro, se tivesse sido «um castigo», como explicar que o rei
+lhe conservasse o castello de Lisboa, que só lhe retirou quando D.
+Alvaro Vaz voltou de Ceuta? E como explicar igualmente que recebesse o
+_Capitão_ com tanto agrado?
+
+Parece mais verosimil e provavel que Alvaro Vaz partisse para Ceuta
+durante a regencia e por indicação do infante, em razão talvez do perigo
+que offereciam alli os genovezes.
+
+Por fim, como era natural que acontecesse, dada a idade impressionavel
+de Affonso V e a insistencia dos inimigos do infante, o joven rei acabou
+por ceder e tirar a D. Alvaro o governo do castello de Lisboa[52].
+
+Durante a regencia, o infante D. Pedro não só havia conservado ao
+_Capitão_ o cargo de alcaide-mór, mas tambem lhe fizera importantes
+doações, como se póde vêr por documento existente no Archivo
+National[53].
+
+O infante magoou-se profundamente com o acto pelo qual seu sobrinho
+tirára o governo do castello de Lisboa a D. Alvaro: não só o feriam
+directa e pessoalmente, imputando-lhe crimes atrozes, mas tambem na
+pessoa do seu mais dilecto amigo o queriam ferir.
+
+Na celebre carta que o infante dirigiu de Coimbra, em 30 de
+dezembro de 1448, ao conde de Arrayolos, que de Ceuta viera
+expressamente para defendel-o, dizia D. Pedro:
+
+«... por me fazerem deshonra tiraram o castello de Lisboa ao conde
+d'Avranches, o qual se tinha feito serviços a estes Reynos e aos Reys
+delles por que lhe esto devesse de ser feito vós sabees; deram-lhe
+por elles _e em especial pollo que agora fez em Ceita_, ho gallardam que
+dam a mim de meus serviços e trabalhos».
+
+Este periodo da celebre carta mostra não só o profundo resentimento do
+infante D. Pedro, mas tambem que D. Alvaro _viera de Ceuta_, onde
+praticára novos e gloriosos feitos.
+
+Não podemos precisar o anno em que o conde esteve pela segunda vez em
+Ceuta. Mas, pelo dizer o infante, sabemos que no fim de 1448 já tinha
+regressado, e por outra noticia sabemos tambem que em 1446 estava em
+Lisboa.
+
+Certamente n'este ultimo anno[54] veiu a Portugal Jacques de
+Lalain, famoso cavalleiro da côrte do duque de Borgonha. Foi
+recebido pelo joven rei Affonso V e pelo regente D. Pedro com grandes
+honras e festas. Quando De Lalain se aproximava da cidade de Evora,
+sahiram a recebel-o, em nome do rei, Alvaro Vaz de Almada e outros
+senhores e cavalleiros portuguezes[55].
+
+Não houve justas nem torneios, porque a De Lalain foi dito, em nome do
+rei, que elle não podia consentir que nenhum cavalleiro portuguez
+fizesse armas contra outro da casa de Borgonha, a que estava ligado por
+estreitos laços de parentesco e affecto.
+
+Perdeu-se assim uma excellente occasião de vêr o conde de Avranches
+justar, em Portugal, com um cavalleiro estrangeiro dos mais
+afamados, porque Alvaro Vaz de Almada não teria certamente prescindido
+d'essa honra e gloria.
+
+Vamos agora caminhando rapidamente para Alfarrobeira.
+
+Depois de fallar ao rei, Alvaro Vaz correu ancioso a abraçar o infante
+D. Pedro, que estava em Coimbra, nas suas terras.
+
+O infante D. Henrique acampanhou-o.
+
+Houve então alli um como conselho de familia para se deliberar sobre o
+que cumpria fazer. O momento era angustioso; a resolução difficil. A
+reunião do conselho repetiu-se quando se soube que o duque de Bragança
+tinha sido chamado á côrte.
+
+Alvaro Vaz de Almada opinou que a todo o custo o infante devia impedir a
+passagem ao duque[56].
+
+Este parecer foi acceito.
+
+Para o executar, D. Pedro moveu a sua gente, que de Penella seguiu para
+a Louzã, e da Louzã para a aldeia de Villarinho, sendo a vanguarda
+confiada a D. Jayme, filho do ex-regente, e a D. Alvaro Vaz de Almada. O
+proprio D. Pedro commandava a rectaguarda.
+
+Quando chegaram ao logar de Serpiz, soube o infante que o duque de
+Bragança estava apenas a meia legua de distancia.
+
+Logo que isto constou a D. Alvaro, não lhe soffreu o animo mais
+delongas. Sem dizer nada ao infante, metteu esporas ao cavallo, e foi
+vêr o arraial do duque. Quando voltou, vinha radiante; mas D. Pedro
+acolheu-o com tristeza, pesaroso de que elle o não tivesse consultado
+primeiro.
+
+Perguntou-lhe o infante o que tinha visto.
+
+D. Alvaro respondeu com decisão:
+
+--Senhor, venho de vêr vossos inimigos, de quem prazendo a Deus, e
+ao bemaventurado S. Jorge, vos eu darei hoje se quizerdes mui boa
+vingança, e peço-vos por mercê que a não dilateis para mais, e ahi logo
+dar n'elles; porque na desordem e tristeza em que estão, dão já certos
+signaes de serem cortados com medo e meio desbaratados, e não percaes
+tão bom dia; porque já em vossa vida nunca havereis outro tal, e não
+alongueis a vida a quem se lh'a hoje dais, sabei que a encurtára mui
+cedo a vós, tendo por certo que o duque na maneira em que se repaira e
+afortallesa não quer vir ávante, e ou se tornará para traz como veio, ou
+escondido se salvará por outro caminho»[57].
+
+O infante D. Pedro, querendo certamente adiar o derramamento de sangue,
+não acceitou o conselho, nem acreditou a prophecia.
+
+Mas D. Alvaro fôra n'essa occasião um vidente.
+
+O duque de Bragança conseguiu atravessar furtivamente a serra da
+Estrella, escapando-se d'este modo ás mãos do infante, e seguindo
+jornada para Lisboa.
+
+D. Pedro e os seus tornaram para Coimbra.
+
+Ahi foi surprehender o infante uma carta de sua filha, a rainha.
+Dizia-lhe ella que no dia 5 de maio (estava-se em 1449) D. Affonso V o
+iria cercar, e que, se elle infante fosse vencido, seria morto,
+encarcerado ou desterrado.
+
+D. Pedro mostrou-se alegre e tranquillo perante o mensageiro, mas ficou
+profundamente abatido.
+
+Reuniu o conselho dos seus amigos. As opiniões dividiram-se. D. Alvaro,
+sem fazer a menor allusão á boa occasião que o infante havia
+perdido, disse com inabalavel firmeza:
+
+--Antes morrer grande e honrado que viver pequeno e deshonrado.
+
+Desenvolvendo esta these, aconselhou que, vestindo todos as suas armas,
+fossem caminho de Santarem, onde a côrte estava, para que o infante
+mandasse pedir a el-rei que ou lhe permittisse defender-se na presença
+de seus inimigos ou haver pelas armas satisfação das injurias que
+propalavam, e que se el-rei nenhuma d'estas concessões quizesse fazer, e
+sobre elles viesse, que se defendessem no campo como bons e esforçados
+cavalleiros[58].
+
+_Antes morrer grande e honrado que viver pequeno e deshonrado_: estas
+heroicas palavras calaram no animo, até ahi indeciso, do infante D.
+Pedro.
+
+Conheceu que a razão e a honra estavam do lado de D. Alvaro.
+Acceitou-lhe o conselho. As duas almas entendiam-se, completavam-se.
+Tinha chegado o momento decisivo: só restava apparelhar para elle.
+_Antes morrer grande e honrado que viver pequeno e deshonrado._ Tal era
+o dilemma. A voz da cavallaria portugueza fallára pela bocca de D. Alvaro.
+
+Preparou-se o infante D. Pedro para a sorte das armas, qualquer que ella
+fosse.
+
+Ruy de Pina, que segue os moldes de Tito Livio, pondo longos discursos
+na bocca dos personagens historicos, descreve d'este modo a scena
+intima, que se déra entre D. Pedro e D. Alvaro:
+
+«E passados alguns dias depois estes conselhos, o infante não se
+esfriando em seu proposito, apartou só em uma camara o conde
+d'Abranches, e lhe disse--_conde, sabe que eu sinto já minha alma
+aborrecida de viver n'este corpo, como desejosa de se sair de suas
+paixões e tristezas, e considerados os seus combates que minha vida,
+honra, e estado cada dia recebem, com esperança de não minguarem, mas
+cada vez crescerem mais, certo se as cousas n'esta viagem me não
+succedem como eu desejo, e seria razão, eu todavia determino morrer e
+acabar inteiro, e não em pedaços, e como quer que tenho outros bons
+criados e servidores, que por suas bondades folgariam e não se
+escusariam de morrer comigo, porém em vós sobre todos tomei esta
+confiança, assim pela irmandade que comigo merecestes ter, na santa e
+honrada ordem da Garrotea em que somos confrades, e como por creação que
+vos fiz, e principalmente pela certidão que de vossa bondade e esforço
+tenho muito ha conhecido, e por tanto quero saber de vós, se no dia que
+d'este mundo me partir, querereis tambem ser meu companheiro, e com isso
+lembre-vos para satisfazerdes aos primores de vossa honra, que
+sendo vós tão conhecidamente meu criado e servidor, e tão publico imigo
+do conde d'Ourem e arcebispo de Lisboa, depois de minha morte não podeis
+ter vida, salvo reservada para com mãos d'algozes a perderdes em lugares
+vis, e com pregões deshonrados. Senhor,_ respondeu o conde, _para caso
+de tamanho contentamento, como foi sempre e é para mim viver e morrer
+por vosso serviço, muitas palavras nem os encarecimentos não são
+necessarios, eu vos tenho muito em mercê escolherdes-me para tal
+serviço, e eu sou muito contente ter-vos essa companhia na morte, assim
+como vol-a tive na vida, e se Deos ordenar que deste mundo vossa alma se
+parta, sede certo que a minha seguirá logo a vossa, e se as almas no
+outro mundo podem receber serviço umas das outras, a minha n'esse dia
+irá acompanhar e servir para sempre a vossa_».
+
+Ferdinand Denis torna esta scena mais rapida, e por isso mesmo
+talvez mais verdadeira.
+
+O infante teria perguntado a D. Alvaro, com uma simplicidade e rudeza
+proprias do caracter de ambos, se estava disposto a morrer por sua causa.
+
+D. Alvaro responderia com laconica firmeza:
+
+--Acaso não sou eu vosso irmão de armas?
+
+Esta concisa resposta vale bem, segundo as ideias d'aquelle tempo, o
+discurso de Ruy de Pina.
+
+Foi avisado um sacerdote, homem abalisado, o doutor Alvaro Affonso, para
+comparecer na egreja de S. Thiago.
+
+Por mão d'este sacerdote commungaram o infante e D. Alvaro, jurando
+ambos, sobre a hostia consagrada, que juntos triumphariam ou morreriam.
+
+Depois o infante visitou as egrejas da Sé, de Santa Cruz e de Santa
+Clara, com as quaes tinha particular devoção, e, recolhendo ao
+paço, deu ordem para que estivessem prestes os seus seis mil homens, e
+para que n'essa noite se abrissem e illuminassem os salões do solar.
+
+Tendo cumprido os deveres de bom christão, queria despedir-se do mundo,
+na hypothese de ser vencido, se não era presentimento, como bom cavalleiro.
+
+E elle, que tão modesto vivera sempre, deu ao sarau d'essa noite um
+esplendor verdadeiramente principesco.
+
+«La veille de son départ pour Santarem, une fête fut donnée aux dames;
+et il y brilla de cette grâce de langage, de cette noblesse toute
+chevaleresque, qui l'avaient rendu maintes fois l'admiration des cours
+de l'Allemagne et de l'Aragon»[59].
+
+Como que está a gente a vêr o amavel donaire d'esses dous
+cavalleiros, o infante e D. Alvaro, fallando ás damas, pisando
+gentilmente tapetes macios que encobriam a cratera de um vulcão ameaçador.
+
+Ao romper da manhã, quando o sol da primavera aclarava docemente a
+paizagem formosissima de Coimbra, a cavallaria, a infanteria, a
+carriagem de bois e bestas, principiaram a mover-se, desfraldando duas
+bandeiras, cujos lemmas diziam, n'uma, _Lealdade_, na outra, _Justiça e
+vingança_.
+
+O infante D. Pedro, tendo abraçado sua esposa, seguira o exercito que
+abalava em som de guerra.
+
+ * * * * *
+
+Esta Jornada, a mais curta e ao mesmo passo a mais longa que o infante
+fizera, porque não regressou jámais, lembra até certo ponto a
+attracção da chamma sobre a borboleta. Tambem o infante e o seu fiel
+companheiro D. Alvaro pareciam attrahidos pela morte.
+
+Iam procurando os templos famosos como para encommendar sua alma a Deus.
+Estiveram na Batalha, onde D. Pedro ajoelhou diante do tumulo de seus
+pais, quedando-se tambem algum tempo diante do jazigo que elle proprio
+devia ir povoar. Estiveram em Alcobaça, e d'alli seguiram para Rio
+Maior, onde o infante reuniu o conselho.
+
+Todos, á excepção de D. Alvaro, aconselhavam D. Pedro a que não
+avançasse mais; diziam-lhe que, feita aquella demonstração de força,
+retrocedesse para Coimbra.
+
+O infante ouvia-os engolphado n'uma abstracção melancolica. Mas deu
+ordem para que o exercito marchasse na direcção de Alcoentre: para
+a morte é que era o caminho.
+
+Cbegados ahi, D. Alvaro Vaz de Almada pratíca um novo acto de bravura,
+de fogoso ardor militar.
+
+Ayres Gomes da Silva, a quem coube a guarda das forragens, fôra cercado
+pelos esclarecedores do exercito real.
+
+Mal que isto se soube em Alcoentre, no acampamento do infante, «o conde
+de Abranches com grande trigança logo sahiu, e com elle quasi todos os
+do arraial não guardando alguma regra em sua sahida, antes com muita
+desordem e desmando romperam por muitas partes o palanque, e deram com
+muita força nos corredores, de que alguns d'elles achando-se atalhados,
+querendo-se salvar cairam em um grande tremedal e lagoa, de que não
+poderam sahir, onde entre mortos e presos ficaram logo até trinta, e os
+vivos levaram logo ante o infante, entre os quaes o principal era
+um Pero de Castro, fidalgo e criado do infante D. Henrique»[60].
+
+Impellido por este acontecimento, o exercito de D. Pedro avançou.
+Sahiu-lhe ao caminho a noticia de que D. Affonso V havia partido de
+Santarem ao seu encontro. Sabido isto, o infante mandou fazer alto, a
+pequena distancia de Alverca, junto ao ribeiro de Alfarrobeira.
+
+O conde de Avranches, que era sempre o primeiro, foi observar o exercito
+do rei, que se aproximava.
+
+Fez-lhe impressão a grandeza d'esse exercito. Mas, voltando, occultou a
+toda a gente a sua impressão, menos ao infante.
+
+«... e alguns disseram que o Conde pedira e requerera ao infante, visto
+a desigual comparação que havia de uns a outros, que só se fosse e
+salvasse, e o deixasse com sua gente alli onde folgaria acabar por
+seu serviço»[61].
+
+Se isto assim foi, o infante recusou o offerecimento. Lembrou porventura
+a D. Alvaro que o voto feito por ambos era de morrerem um pelo outro.
+
+«Mas o que mais verdadeiramente ácerca d'isto se deve crêr, é que o
+Conde pela certa sabedoria que tinha do proposito do infante, que era
+morrer, e pelo consagramento que ambos por isso tinham feito, não lhe
+commetteria nem ousaria commetter tal cousa, em que ao menos ficava o
+infante por ser perjuro e fraco»[62].
+
+Foi ahi, junto ao ribeiro de Alfarrobeira, que n'esse dia, uma
+terça-feira, 20 de maio, o infante D. Pedro esperou o exercito do rei.
+
+O conflicto, rapido e decisivo, devia comtudo ficar memoravel na
+historia de Portugal. Uma setta, certeiramente despedida, fôra cravar-se
+no peito do infante, que pouco tempo sobreviveu.
+
+Luiz de Azevedo[63], poeta do _Cancioneiro_ de Rezende, põe
+na bocca do infante moribundo lastimas que talvez lhe atravessassem o
+pensamento n'essa angustiada hora final:
+
+ Nam ha rreynos em Cristãos
+ que em todos nam andasse,
+ e que sempre nom achasse
+ nos rreys d'eles doces mãos;
+ Fydalguos e cydadaõs
+ me seruiam lealmente,
+ e agora cruelmente
+ me matarom meus yrmãos.
+
+ Eu andey per muytas partes
+ e por outras boas terras,
+ muyta paz e tam bem guerras
+ vy tratar per muytas artes.
+ Mas aqueste dia Martes
+ foy jnfeles pera mym;
+ o meu sangue me deu fim
+ e rrompeu meus estandartes.
+
+Vamos, na confusão do rapido combate, procurar o conde de Avranches. O
+infante é morto. D. Alvaro ha de cumprir o seu juramento como o mais
+leal dos cavalleiros portuguezes.
+
+Ruy de Pina escreve:
+
+«O conde d'Abranches andando a cavallo em outra parte do arraial,
+provendo e resistindo em sua estancia, como bom e ardido cavalleiro, a
+muitas affrontas que o perseguiam, um moço chegou a elle e chorando lhe
+disse--_Senhor conde, que fazeis? porque o infante D. Pedro é morto._--E
+o conde com quanto esta embaixada era de morte, que sem escusa nem
+dilação desafiou logo sua vida, elle com a cara segura e o coração
+esforçado disse ao moço--_Cala-te e aqui o não digas a ninguem._--E
+com isto feriu rijamente o cavallo das esporas, e foi-se descer em seu
+alojamentor onde sem alguma turvação pediu pão e vinho, de que por
+esfoçar mais seu esforço comeu e bebeu alguns bocados, e tomou suas
+armas para com ellas honrar sua sepultura, que era a terra em que havia
+de cair, e saiu a pé pelo arraial, que de todas as partes era já entrado
+e vencido, e como foi conhecido, logo os d'el-rei uns sobre os outros
+carregaram sobre elle acommettendo de todas as partes para o matar, mas
+elle logo com uma lança que cortaram, e depois com sua espada os feria,
+e escarmentava de maneira, que os que a primeira vez o acommettiam, de
+mortos ou feridos não volviam a elle a segunda, e assim pelejou um
+grande pedaço como mui valente e accordado cavalleiro, não sem grande
+espanto dos que o viam trazendo as mãos, e todas suas armas cheias não
+de seu sangue, mas de muito alheio que espargiu; porque em quanto
+andou em pé e se poude revolver, nunca sua carne recebeu golpe que a
+cortasse. E emfim vencido já de muito trabalho, e longo cansaço, disse
+em altas vozes: _Ó corpo, já sinto que não podes mais, e tu minha alma
+já tardas._ E com isto se deixou cair estendido no chão, e uns dizem que
+disse, _ora fartar, rapazes_, e outros _ora vingar, villanagem_. Cujo
+corpo que já não resistia, foi logo de tantos golpes ferido, que em
+breve despediu a alma de si para ir acompanhar a do infante como lhe
+tinha promettido, e alli um seu amigo, que não usou do que devia, lhe
+cortou e levou a cabeça com que a el-rei foi pedir acrescentamento e
+honra de cavallaria, e o tronco ficou no chão feito em pedaços, até que
+por requerimento de João Vaz d'Almada seu irmão bastardo, que era valor
+d'el-rei, houve logo enterramento no campo, e depois sepultura honrada.
+E os outros fidalgos e nobre gente que eram com o infante, vendo
+tão caro seu destroço, cada um desamparou a defeza das estancias, que
+lhe foram encommendadas, e como desesperados das vidas não lhe
+fallecendo o coração e accordo para vingarem suas mortes, se soltaram
+pelo arraial á aventura que se lhes offerecesse, e emfim de mortos,
+feridos, ou presos não escapou algum».
+
+Realmente, um frémito de enthusiasmo põe no nosso organismo uma vibração
+violenta, ao chegarmos a esta pagina, a ultima, da biographia de Alvaro
+Vaz de Almada. Os heroes da epopéa costumam cair assim. Na morte, esse
+homem extraordinario parece ainda sobrepujar a grandeza de toda a sua
+vida. Para os livros de educação popular, nenhum exemplo de valor
+militar e de leal amizade poderá ser mais apropriado do que este.
+
+Os nobiliarios da Torre do Tombo referem entre as phrases finaes de
+Alvaro Vaz uma que o chronista aliás não cita. Contam que,
+embravecido em vingar a morte do seu amigo, o conde de Avranches, na
+vertigem do combate, pronunciára: «_Jantar aqui, ceiar no inferno_». Era
+um leão que se vingava, cego de colera, imponente de magestade.
+
+Estes acontecimentos causaram uma profunda impressão em toda a Europa.
+D. Affonso V procurou attenual-a enviando embaixadores ás principaes
+côrtes, encarregando-os de explicarem os motivos do seu procedimento.
+
+Mas a impressão foi tanto maior, quanto é certo que a vingança do rei
+ultrapassou o respeito devido aos mortos.
+
+O cadaver do infante ficou insepulto sobre o campo, durante tres dias.
+Depois levaram-n'o sobre um escudo para a egreja de Alverca. Aquelle
+desgraçado principe, de quem o povo conta que, em vida, andou as sete
+partidas do mundo[64], ainda depois da morte errou n'uma longa
+peregrinação, porque os seus ossos foram successivamente trasladados de
+Alverca (onde o rei receiou que os fossem roubar) para o castello de
+Abrantes, de Abrantes para o mosteiro de Santo Eloy em Lisboa, e de Lisboa,
+finalmente, para a Batalha, a instancias da infeliz rainha D. Isabel.
+
+Ao cadaver do conde de Avranches foi, como diz Pina, cortada a cabeça
+por um dos adversarios, aliás seu antigo amigo, que a levou a el-rei na
+esperança de obter mercê[65]. Feito pedaços, retalhado de
+golpes, o corpo de D. Alvaro ficou tambem insepulto sobre o campo de
+Alfarrobeira, até que a requerimento de seu irmão bastardo, João
+Vaz de Almada[66], e não sem difficuldade, foi enterrado
+honradamente na capella de familia.
+
+Esta capella, que confinava com a casa do Capitulo em S. Francisco de
+Lisboa, era chamada _dos Abranches_ (corrupção de Avranches), por n'ella
+ter sido sepultado D. Alvaro Vaz.
+
+«Está sepultado--descrevia no seculo XVII o auctor da _Historia
+serafica_--no meio d'esta capella, debaixo de uma pedra, na qual se vêem
+estas letras: _Aqui jaz um Christão._ Na parede sustentavam dous leões
+uma arca pequena, ennobrecida com as armas dos Almadas, em que estavam
+os ossos de seu pai João Vaz de Almada, e de seu irmão Pero Vaz de
+Almada, os quaes ausentando-se do reino por razões, que para isso
+tiveram, fóra d'elle fizeram celebre seu nome com muitos feitos
+cavalleirosos[67]. E por quanto uma ruina do tecto a tem
+feito em pedaços, e a mesma capella se ha de incorporar em a Casa
+do Capitulo, com mais gosto deixamos escripta esta memoria».
+
+Por carta de D. Affonso V, de 10 de outubro d'aquelle anno de 1449,
+foram privados de todos os seus beneficios, dignidades, officios,
+honras, prerogativas, isenções, privilegios, liberdades, etc., os
+partidarios do infante que se acharam em Alfarrobeira.
+
+O conde de Avranches não escapou a esta medida geral, que abrangia tanto
+os vivos como os mortos.
+
+«Morto o conde de Avranches, foram-lhe logo os bens confiscados como de
+reo de alta traição: a casa da actual rua do _Almada_, sobre o Calhariz,
+campo então, e afastado, e mais uns terrenos em Caparica. Tudo se doou
+em 25 de agosto de 1449 a Alvaro Pires de Tavora, chamado o velho, filho
+de Lourenço Pires de Tavora e de Alda Gonçalves, e do conselho d'elrei
+D. Affonso V. Esses bens conservam-se ainda, na sua maior parte, em
+poder do actual representante dos Tavoras, o sr. marquez de Vallada,
+etc.»[68]
+
+Quantos lisboetas ignorarão ainda hoje que foi o famoso conde de
+Avranches, espelho da cavallaria portugueza, como muitos escriptores lhe
+chamam, que deu o nome a essa aliás modesta rua, proxima do Calhariz!
+
+Alvaro Vaz de Almada, primeiro conde de Avranches, casou duas vezes.
+
+A primeira com D. Isabel da Cunha, filha de Alvaro da Cunha, quinto
+senhor de Pombeiro, o qual era filho de João Lourenço da Cunha e de sua
+mulher a celeberrima D. Leonor Telles[69].
+
+A lista dos filhos de Alvaro Vaz de Almada, publicada nos _Retratos dos
+varões e donas_, é deficiente. Nos nobiliarios da Torre do Tombo
+encontra-se a seguinte noticia genealogica, que deve completar a sua
+biographia:
+
+Do primeiro casamento, nasceram cinco filhos, a saber:
+
+1.º D. João de Almada, cuja geração se extinguiu.
+
+2.º D. Leonor, solteira.
+
+3.º D. Violante da Cunha, primeira mulher de Fernam Martins Mascarenhas,
+capitão de ginetes, do qual se apartou.
+
+4.º D. Isabel da Cunha, mulher de Alvaro Pessanha, filho de micer
+Carlos Pessanha, almirante[70].
+
+5.º Dona V... da Cunha, que casou em Inglaterra.
+
+Em segundas nupcias casou D. Alvaro Vaz de Almada com D. Catharina de
+Castro, filha de D. Fernando de Castro (casa Monsanto) e de sua mulher
+D. Isabel de Athayde.
+
+D'este segundo cazamento nasceu D. Fernando de Almada, que veio a herdar
+o titulo de conde de Avranches, confirmado em França por Luiz XI.
+
+D. Catharina não teve pela memoria de D. Alvaro o respeito que era de
+esperar, visto que não podia encontrar outro marido, que excedesse
+em gloria o primeiro.
+
+Casou outra vez. Casou, depois da morte do conde de Avranches, com D.
+Martinho de Athayde, conde de Athouguia, seu primo co-irmão.
+
+É triste recordar esta pagina de fragilidade feminina.
+
+Mas a patria, essa, ficou eternamente viuva do grande cavalleiro.
+
+ * * * * *
+
+De proposito deixei para o final d'esta carta um assumpto, vago e
+confuso, que anda lendariamente relacionado com a vida de D. Alvaro Vaz
+de Almada.
+
+Os chronistas fazem d'este famoso capitão um dos _doze de Inglaterra_,
+emparceirando-o alguns, n'esta cavalheiresca aventura, com seu pai.
+
+Não póde ser mais completa a confusão de datas e de nomes, que obscurece
+esta lenda em si mesma e na sua referencia á familia Almada.
+
+Dêmos desde já um exemplo.
+
+Ferdinand Denis, que com tanto cuidado estudava a historia de Portugal,
+diz a respeito de Alvaro Vaz de Almada:
+
+«Il faisait partie, dit-on, des douze preux qui allèrent venger
+l'honneur outragé des dames anglaises; et Camoens l'a celebré en cette
+occasion, en alterant toutefois son nom»[71].
+
+Ora, no episodio _dos doze de Inglaterra_, Camões apenas nomeia um só,
+que «Magriço se dizia». Onde o poeta falla do conde de Avranches é
+no canto IV, quando descreve a batalha de Aljubarrota. E ahi é que lhe
+troca o nome. Vejamos:
+
+ E da outra ála que a esta corresponde,
+ Antão Vasques de Almada[72] é capitão,
+ Que depois d'Abranches nobre conde,
+ Das gentes vai regendo a sestra mão.
+ Logo na rectaguarda não se esconde,
+ Das quinas e castellos o pendão,
+ Com Joanne rei forte em toda a parte,
+ Que escurecendo o preço vai de Marte.
+
+Quem esteve em Aljubarrota não foi Alvaro Vaz de Almada, nem podia
+estar, porque, sendo aproximadamente da mesma idade do infante D. Pedro,
+não teria ainda nascido: mas foi seu pai, João Vaz de Almada,--ahi
+armado cavalleiro.
+
+Effectivamente, um cavalleiro, chamado Antão Vasques, de Almada
+acrescentam alguns, commandava a ala esquerda do exercito com o gascão
+Guilherme de Montferrant[73].
+
+E este mesmo Antão Vasques, depois da batalha, cobriu os pés do Mestre
+de Aviz com a bandeira real de Castella.
+
+Não se póde confundir este cavalleiro com João Vaz de Almada, a quem,
+antes de ser armado cavalleiro, não dariam o commando da ála esquerda do
+exercito. Já sabemos que João Vaz foi armado ahi, em Aljubarrota, o que
+prova que era muito novo então.
+
+Assim, temos que Ferdinand Denis se equivocou dizendo que Camões altera
+o nome do conde de Avranches quando descreve o episodio dos _doze
+de Inglaterra_; e que Camões se enganou tambem dizendo que Antão Vasques
+de Almada foi depois conde de Avranches.
+
+Vamos agora á lenda dos _doze_.
+
+Será acaso nos _Lusiadas_ que pela primeira vez apparece noticia d'esta
+lenda?
+
+Não é. A primeira edição do poema de Camões foi estampada em Lisboa no
+anno de 1572. Em 1567 imprimia-se em Evora o _Palmeirim de Inglaterra_,
+por Francisco de Moraes, e no capitulo CLXIII da segunda parte d'esta
+obra, faz-se menção de um combate cavalheiresco, que envolve o fundo da
+lenda dos _Doze_.
+
+Mas o _Palmeirim de Inglaterra_ será uma obra original, uma traducção
+fiel ou apenas uma imitação? Moraes, que acompanhou em 1540 a França o
+embaixador portuguez, o segundo conde de Linhares, diz na dedicatoria á
+infanta D. Maria que trasladára a sua chronica de outra de Albert
+de Rennes, em Paris. Innocencio Francisco da Silva julga, porém, que
+Francisco de Moraes não traduziu servilmente, antes introduziu cousas de
+sua lavra.
+
+No mesmo anno de 1567 imprimia-se em Coimbra o _Memorial das proezas da
+segunda tavola redonda_, de Jorge Ferreira de Vasconcellos, e ahi, no
+capitulo XLVII se lê: «Porque não se nega aos lusitanos, dês o tempo dos
+romanos que fizeram memoria dos feitos heroicos, um abalisado e raro
+grau de cavallaria. E em tempo d'elrei D. João de _Boa Memoria_ sabemos
+que seus vassallos no cêrco de Guimarães se nomeavam por cavalleiros da
+tavola redonda; e elle por rei Arthur. E de sua côrte mandou treze
+cavalleiros portuguezes a Londres, que se desafiaram em campo cerrado
+com outros tantos inglezes, nobres e esforçados, por respeito das damas
+do duque de Alencastro».
+
+Aqui nos apparece a lenda já apropriada a Portugal, com a só differença
+de serem treze os cavalleiros em vez de doze.
+
+O que se vê claramente do que fica exposto é que em 1567 a lenda a que
+nos vimos referindo andava em moda em Portugal. E talvez por estar muito
+viva a fama gloriosa do reinado cavalheiresco de D. João I, seria Jorge
+Ferreira de Vasconcellos o primeiro que a localisou n'aquella época.
+
+Alguns escriptores nossos, e entre elles o auctor dos _Retratos dos varões
+e donas_, precisam a data da ida dos cavalleiros portuguezes a Inglaterra,
+collocando-a no anno 1390. Com effeito, esta era a época mais propria, por
+amor da verosimilhança, porque foi depois do casamento de D. João I com D.
+Filippa de Lancaster na Sé do Porto (1387) que se estreitaram as relações
+de Portugal com a Inglaterra[74], e foi depois da batalha de Aljubarrota
+(1385) que o espirito cavalheiresco se accendeu entre nós. Mas Fernam
+Lopes, a melhor auctoridade que podia fazer fé, não se refere ao caso.
+
+Prosigamos. Mariz, nos _Dialogos da varia historia_, publicados em 1594,
+referindo-se a uma relação antiga, _Chronica antigua hujus
+temporis_, publíca uma narrativa do feito dos _Doze_, occorrido, segundo
+elle, no reinado de D. João I. Cita, entre os _Doze_, apenas quatro,
+mencionando o nome de _um que se chamava Alvaro de Almada_.
+
+Faria e Sousa, commentando os _Lusiadas_, em 1639, tambem se refere a um
+_papel antiguo_, em que _toscamente_ se historiava o episodio dos _Doze_.
+
+Ora, o velho chronista francez João Froissart, que falleceu em 1410, falla
+de uma ordem de cavallaria, a ordem da _Dama Branca_, que foi organisada
+para defeza das damas ultrajadas, _plusieurs dames et damoiselles, veufves
+et autres, estoyent oppressées d'aucuns puissants hommes_[75], e publíca o
+texto das cartas de armas pelas quaes _treze_ cavalleiros francezes,
+messire Charles d'Albret, messire Bouciquaut, marechal de França,
+Bouciquaut, seu irmão, Francisco de Aubrecicourt, João de Lignères,
+Chambrillac, Castelbayac, Gaucourt, Chasteaumorant, Betas, Bonnebaut,
+Colleville e Torsay, se comprometteram a defender as damas no anno da graça
+de 1399.
+
+Em face do texto de Froissart, a prioridade seria dos portuguezes,
+porque a sua ida a Inglaterra é collocada por uns no anno de 1390, e por
+outros no de 1396. O duque de Lancaster, que para este feito
+cavalleiresco teria pedido o auxilio de D. João I, falleceu em 1399.
+
+Mas nós abstemo-nos de reivindicar a prioridade dos portuguezes e,
+portanto, a filiação portugueza da lenda. Contentamo-nos com dizer
+apenas que esta lenda se tinha generalisado na Europa, querendo cada
+paiz aproprial-a a cavalleiros seus.
+
+O catalogo completo dos _Doze_ portuguezes appareceu pela primeira vez
+no opusculo de Ignacio Rodrigues Védouro, _Desafio dos Doze de
+Inglaterra_, publicado em 1732[76].
+
+Ora, segundo a tradição recolhida por Védouro, esses cavalleiros seriam:
+Alvaro de Almada, o _Justador_; Alvaro Gonçalves Coutinho, o _Magriço_;
+Alvaro Mendes Cerveira; Alvaro Vaz de Almada, primeiro conde de
+Avranches; João Pereira Agostinho, Lopo Fernandes Pacheco, Luiz
+Gonçalves Malafaia, Martim Lopes de Azevedo, Pedro Homem, Ruy Gomes da
+Silva, Ruy Mendes Cerveira e Soeiro da Costa. Como supranumerarios, João
+Fernandes Pacheco e Vasco Annes Côrte Real.
+
+Este catalogo tem para nós muito pouco valor. Os nossos antigos
+chronistas não se preoccupavam com a chronologia. Assim é, por exemplo,
+que Luiz Goçalves Malafaia e Soeiro da Costa são incompativeis,
+chronologicamente, com a época dos _Doze de Inglaterra_[77].
+Além d'isto, a vaidade das familias mais illustres de Portugal não
+deixaria de collaborar no catalogo, fazendo supprimir uns nomes para os
+substituir pelos de representantes seus.
+
+Quanto ao primeiro cavalleiro do catalogo de Védouro, Alvaro de Almada,
+o _Justador_, não deixa de inspirar certa desconfiança a coincidencia de
+existirem na mesma época dois homens do mesmo nome e do mesmo vulto
+cavalheiresco.
+
+Não será acaso Alvaro de Almada, o _Justador_, um desdobramento da
+individualidade de Alvaro de Almada, o conde de Avranches, por
+errada repetição de algum códice, nobiliario principalmente?
+
+Talvez por descobrir este equivoco seria que José da Fonseca, na edição
+dos _Lusiadas_, feita em Paris em 1846, substituiu Alvaro de Almada, o
+designado _Justador_, por João Fernandes Pacheco, que no catalogo de
+Védouro figura como primeiro supranumerario.
+
+A ter-se como certa a ida dos _Doze_ cavalleiros portuguezes a
+Inglaterra, o que não póde ter-se como certo, parece-me, é que Alvaro
+Vaz de Almada fosse um d'esses cavalleiros.
+
+Elle, que foi armado cavalleiro em Ceuta em 1415, e que pela primeira
+vez estivera na Inglaterra em Janeiro d'esse anno, quando alli fôra
+levantar as trezentas e cincoenta lanças, não poderia tomar parte n'um
+torneio, que se teria realisado no fim do seculo anterior.
+
+A sua inclusão na lenda dos _Doze_ explica-se, decerto, por ter
+sido um dos mais famosos cavalleiros portuguezes do seu tempo.
+
+Sobretudo, as suas viagens e a sua morte em Alfarrobeira, que tanta
+impressão causou pelas circumstancias cavalheirescas que a revestiram,
+despertariam, na imaginação popular, o sentimento do maravilhoso. D'aqui
+talvez o associarem-n'o á lenda.
+
+Mas Alvaro Vaz de Almada não precisa d'essa gloria, aliás duvidosa,
+porque sobeja gloria lhe adveio dos seus brilhantes feitos e singulares
+aventuras.
+
+Na _Chronica_ de Monstrelet falla-se de um combate que, no anno de 1414,
+houve em França entre tres cavalleiros portuguezes e tres gascões: sendo
+o pretexto o amor das damas, comquanto o verdadeiro mobil fosse o odio
+que existia entre os francezes e os inglezes, de que os portuguezes eram
+então alliados.
+
+Os portuguezes foram D. Alvares, D. João e D. Pedro Gonçalves[78]; e os
+gascões François de Grignols, Archambaud de la Roque e Maurignon.
+
+O combate ter-se-ia realisado em Saint-Ouen, na presença do rei: Os
+portuguezes portaram-se com bravura, mas foram vencidos. Pudera! ou a
+versão não fosse franceza...
+
+Desculpe, meu caro snr. Lugan. O orgulho das nações chega a ser uma
+cousa respeitavel.
+
+Para fazer justiça ao valor dos seis campeões, foram passeiados, todos,
+pelas ruas de Paris, em triumpho, ao som de trombetas e acclamações
+enthusiasticas.
+
+Ora estes tres nomes, mudado Alvares para Alvaro, correspondem
+justamente aos dos tres cavalleiros da familia Almada: o pai e os
+dous filhos.
+
+E o appellido de Gonçalves poderá talvez explicar-se por confusão com o
+do _Magriço_, que, como sabemos, se chamava Alvaro Gonçalves (Coutinho).
+
+Vimos como Alvaro Vaz de Almada fôra com seu pai a Inglaterra levantar
+armas para a guerra de Ceuta. Naturalmente tambem iria Pedro de Almada.
+O pai estava na côrte de Henrique V em setembro de 1414, como consta do
+_Quadro diplomatico_, e Alvaro ainda alli estava em Janeiro de 1415.
+
+A commissão requeria brevidade, porque D. João I queria partir para
+Ceuta, e não me parece provavel que a familia Almada se demorasse então
+em França a combater gascões.
+
+Mas é possivel.
+
+O que é provavel é que Alvaro Vaz de Almada, e seu pai, e seu irmão, na
+Inglaterra, na França ou mesmo na Allemanha, onde Alvaro Vaz se
+encontraria mais tarde com o infante D. Pedro, praticassem, collectiva
+ou individualmente, algum feito galante em honra das damas, tomassem
+parte em qualquer dos torneios cavalheirescos, que eram n'aquella época
+frequentes.
+
+Após o combate entre os tres portuguezes e os tres gascões, houve um
+duello entre outro portuguez e um cavalleiro bretão, de appellido La
+Haye, na presença de Carlos VI.
+
+«Foram, diz Vulson de la Colombière, por ordem do rei igualmente
+honrados, comquanto se diga que La Haye obteve vantagem».
+
+Reiffenberg dá noticia de que D. João I convidára muitos cavalleiros
+francezes para um torneio em Lisboa[79].
+
+Era este o requinte da galanteria militar da época. Portanto Alvaro Vaz
+ou qualquer dos outros cavalleiros da sua familia bem poderiam ter
+praticado semelhantes proezas no estrangeiro, de 1414 a 1415, ou depois
+da tomada de Ceuta, quando se viram obrigados a emigrar.
+
+Infelizmente, não posso precisar quaes fossem esses feitos
+cavalheirescos praticados por elle ou pelos seus.
+
+Camões, na sequencia do episodio dos _Doze_, refere-se ao duello que o
+_Magriço_ teve com um francez, e ao desafio que um outro dos cavalleiros
+portuguezes tivera na Allemanha.
+
+O cavalleiro francez morto, no campo, pelo _Magriço_ foi, segundo a
+tradição, mr. De Lansay.
+
+O duello do outro portuguez com o allemão:
+
+ Outro tambem dos doze em Allemanha
+ Se lança, e teve um fero desafio
+ C'um germano enganoso, que com manha
+ Não devida, o quiz pôr no extremo fio;
+
+bem podia ser vaga recordação de alguma façanha de Alvaro Vaz quando
+combateu pelo imperador Sigismundo, embora essa façanha nenhuma relação
+tivesse com a lenda dos _Doze_. Mas, no poema, quando Velloso está
+n'este lance da narrativa, o mestre de bordo toca o apito, a manobra
+começa, as conversações na tolda interrompem-se.
+
+Camões conta que Magriço não recolhera logo depois do torneio:
+
+ Mas dizem que comtudo o grão Magriço
+ Desejoso de vêr as cousas grandes,
+ Lá se deixou ficar, onde um serviço
+ Notavel á Condessa fez de Frandes.
+
+E Mariz, nos _Dialogos_, diz que tambem ficaram no estrangeiro, além de
+Magriço, mais dous, «fazendo taes obras em armas, que um d'elles
+alcançou de el-rei de França o condado de Abranches em França, pelas
+obras que em seu serviço fizera», e que este veio depois a morrer em
+Alfarrobeira.
+
+Ora não foi o rei de França, mas o de Inglaterra, como já está dito, que
+deu o condado de Avranches a Alvaro Vaz de Almada. E, dizendo a lenda
+que o torneio dos _Doze_ se realisou em vida do duque de Lancaster, não
+podia Alvaro Vaz tomar parte n'elle, por não ser ainda nascido ou por
+estar ainda na primeira infancia.
+
+Em conclusão, meu caro snr. Lugan:
+
+Na formação das lendas, a imaginação popular não olha a anachronismos.
+Alvaro Vaz foi um cavalleiro famoso por seus feitos d'armas, pelo seu
+grande valor; combateu ao serviço de Inglaterra e em Inglaterra foi mais
+tarde agraciado: a lenda cavalheiresca dos _Doze_ envolveu-o
+portanto nos seus magicos véos, para nos servirmos de uma expressão de
+Pinheiro Chagas, sem attender á chronologia. Tambem em torno do infante
+D. Pedro se fórma a lenda das _sete partidas_, originada nas suas
+viagens. A imaginação popular não podia deixar de envolver no
+maravilhoso das tradições nacionaes estes Castor e Pollux do seculo XV,
+tão unidos moralmente, tão consubstanciados, na vida e na morte, por um
+estreito laço de relação historica.
+
+ * * * * *
+
+Seria longo trabalho enumerar as menções e referencias que de Alvaro Vaz
+de Almada fazem tanto os escriptores portuguezes, como os
+estrangeiros que se têm occupado em estudar a historia do nosso paiz.
+
+D'estes, alguns, Ferdinand Denis á frente, lamentam que tão pouco se
+saiba da vida do conde de Avranches. Um d'elles, que é dos que melhor
+conhecem a litteratura portugueza, mr. Francisque Michel, chega a
+escrever: «_Nous ne savons rien de sa vie_».
+
+Quanto aos escriptores nacionaes, não quero, comtudo, deixar de citar
+Gomes Eanes de Azurara, porque escrevia em circumstancias
+verdadeiramente embaraçosas para elle. Azurara fôra encarregado por D.
+Affonso V de escrever a _Chronica do descobrimento e conquista de
+Guiné_. Por D. Affonso V, note-se, por D. Affonso V, que moveu o seu
+exercito contra o infante D. Pedro, e que tão severo se mostrou com
+todos os que combateram em Alfarrobeira ao lado do infante.
+
+Azurara acabou de escrever a sua _Chronica_ em fevereiro de 1453, isto
+é, menos de quatro annos depois do deploravel acontecimento, quando
+ainda não estavam de todo apagadas as paixões politicas que lhe deram
+origem.
+
+Pois, não obstante estas difficeis circumstancias em que se via
+collocado, Azurara, com louvavel hombridade, faz esta referencia a D.
+Alvaro Vaz de Almada:
+
+«... batalha da Alfarrobeira, naqual o dicto iffante foe morto e o conde
+Dabranxes que era com elle, e toda sua hoste desbaratada, onde, se o meu
+entender pera esto abasta, justamente posso dizer, que lealdades dos
+homees de todollos segres (seculos) forom nada em comparaçom da sua. E
+postoque o serviço nom seja tamanho, quanto ao trabalho, segundo os que
+já disse, certamente as circonstancias lhe dam splandor e grandeza sobre
+todollos outros, cuja perfeita declaraçom remeto aa estorea geeral
+dos feitos do regno»[80].
+
+D. Affonso V leu isto, que foi escripto na sua propria casa--_acabousse
+esta obra na livrarya que este Rey dom Affonso fez em Lixboa_--e sentiu,
+porventura, passar ainda por diante dos olhos o vulto d'esse cavalleiro
+fascinante, que elle quiz por força vêr quando D. Alvaro ia caminho da
+Ameeira, e que tamanha influencia exercia no seu juvenil espirito, que
+os inimigos do infante D. Pedro, quando o conde de Avranches regressou
+de Ceuta pela segunda vez, julgaram conveniente a seus fins levar o rei
+para Cintra, de modo a evitar nova entrevista.
+
+Affonso V leu isto, e certamente lhe pesou na alma o remorso de ter
+cedido ás perfidas suggestões dos inimigos do infante.
+
+As palavras que Azurara havia escripto, ficaram. O rei não as cancellou.
+O espirito de Affonso V fez justiça ao chronista e ao conde,
+conservando-as.
+
+ * * * * *
+
+Tal era o homem, o heroe.
+
+Elle bastaria por si só a caracterisar uma época, o occaso da
+idade-média em Portugal, se, a dous passos de distancia, os
+descobrimentos maritimos, promovidos pelo infante D. Henrique, não
+tivessem vindo relegar para o segundo plano do vasto quadro da
+civilisação universal todos os outros factos, e todos os vultos humanos
+que não collaboraram directamente n'essa colossal epopêa das aventuras
+maritimas.
+
+Alvaro Vaz de Almada é até certo ponto prejudicado pelo esplendor de
+uma época gloriosissima, que marca o inicio dos tempos modernos.
+Eramos então tão felizes que sobejavam heroes, heroes de uma raça unica,
+inexcedivel, para todos os generos de celebridade. Mas a grandeza do
+vulto do conde de Avranches, podendo medir-se pela bitola dos maiores e
+melhores cavalleiros do cyclo medieval, tanto se abalisou nas tradições
+da Europa cavalheiresca, que não ficou de todo offuscada pelo esplendor
+da sua propria época.
+
+Quando quizermos recordar o periodo aureo em que o espirito aventuroso
+dos portuguezes investia com as lendas tenebrosas do oceano, para
+rasgal-as com a prôa das caravellas descobridoras, e affrontava os
+perigos das explorações terrestres por sertões inhospitos, teremos que
+figurar na nossa imaginação o vulto do infante D. Henrique, de pé sobre
+o promontorio de Sagres, dominando o mar, que se lhe quebrava aos pés
+humilde como um leão vencido, e que, no seu eterno refluxo, ia
+levar a longinquas plagas o prestigio do nome portuguez.
+
+Mas quando quizermos figurar a agonia extrema da cavallaria portugueza,
+quando quizermos procurar a chave de ouro que fechou, n'esta região do
+occidente, o periodo do valor militar, das aventuras galantes, da
+coragem no soffrimento, da dedicação na amizade, da abnegação na
+existencia e da heroicidade na morte, teremos que figurar o conde de
+Avranches, brandindo primeiro a lança, floreando depois a espada, no
+campo de Alfarrobeira, onde o infante D. Pedro era já cadaver, até que,
+extenuado, sentindo exhalar-se o derradeiro alento, cae sobre a terra da
+patria, offerecendo aos golpes dos adversarios o corpo que já podia
+menos do que a alma, e exclamando ao despedil-a: _Ora vingar, villanagem!_
+
+Se o infante D. Henrique é o traço de união que para todo o sempre,
+emquanto se não perder a memoria das grandezas passadas com a existencia
+do ultimo homem, nos liga ao Oriente, cujas portas abrimos, cujos mares
+devassamos, cujos emporios vencemos, D. Alvaro Vaz de Almada é o vinculo
+eterno que nos prende ao Occidente cavalheiresco, ás tradições
+aventurosas do brio militar e do militarismo galante que foram, na
+Europa da idade-média, a suprema expressão da nobreza da alma humana.
+
+Um, o infante, é a aurora do novo dia que começa a raiar para a
+humanidade do seculo XV, aurora resplendente de fulgurações prismaticas,
+de arreboes dourados, de rosicler cambiante.
+
+O outro, o conde, é o occaso da idade-média, o sol-pôr de um seculo de
+feitos heroicos, de primores e gentilezas de cavalleiros
+intemeratos,--occaso opulento de tintas e de sombras grandiosas, em que
+a luz briga ainda com as trevas, affirmando na lucta o valor que
+certamente havia aprendido com os cavalleiros d'esse tempo.
+
+Estes dous homens, o infante e o conde, são como uma dupla
+personificação da sua época, do momento de transição solemne em que a
+poesia das espadas, a epopêa das cavallarias errantes, que preparavam a
+alma humana para todas as concepções arrojadas e para todos os feitos
+destemidos, vai ceder o passo á quilha das caravellas e das naus, que
+iam em demanda do Oriente para trazel-o ás portas de Lisboa, estreitando
+as relações dos povos, desenvolvendo a navegação e o commercio,
+fomentando a industria pela abundancia de capitaes e pela exploração de
+novos mercados, pela nobilitação do trabalho, que não tardaria a deixar
+de ser um mister de escravos para converter-se n'uma applicação honrosa
+da actividade humana.
+
+O infante e o programma, ainda então mal desenrolado, da
+transformação economica da Europa culta.
+
+O conde é o livro, prestes a fechar-se, do espirito militar da
+idade-média, o ultimo clarão da cavallaria moribunda.
+
+São uma época, estes dous homens. Completam-se um pelo outro.
+
+Ora, no momento em que a cidade do Porto vai prestar uma grande
+homenagem collectiva ao infante Descobridor, que n'essa boa terra
+nasceu, e fazer resuscitar por alguns dias o periodo mais brilhante da
+nossa historia nacional, pareceu-me justo, agora o repito, recordar o
+vulto do homem que, ao lado de D. Henrique, synthetisa o seculo XV, a
+transição da idade-média para os tempos modernos, na historia de Portugal.
+
+Tendo, meu caro snr. Lugan, de lhe enviar esta carta a tempo de poder
+ser publicada por occasião da festa centenaria do infante, fui obrigado
+a circumscrever-me a estreitissimos limites, e a passar rapidamente
+por acontecimentos que mereciam longa attenção.
+
+Não é um trabalho litterario perfeito o que lhe mando, porque o fazel-o
+excederia os meus recursos e não caberia nos poucos dias de que pude
+dispôr. É, pois, uma simples carta, escripta ao correr da penna, sem
+preoccupações academicas, mas inspirada unicamente no desejo de
+corresponder á louvavel resolução do meu bom amigo e de, por minha
+parte, render homenagem ás glorias da minha patria.
+
+Lisboa, 2 de fevereiro de 1894.
+
+ De V.
+
+ amigo muito affeiçoado
+
+ _Alberto Pimentel._
+
+
+
+
+ [1] Quando se queria elogiar a opulencia de alguem, dizia-se: É como
+ Janeanez (João Éannes ou Annes).
+
+ [2] O snr. Oliveira Martins (_Filhos de D. João I_, pag. 87) confunde
+ João Vaz de Almada com João Annes, que erradamente suppõe ter sido o
+ pai de Alvaro Vaz de Almada.
+
+ [3] «Tavarez fait remonter les chevaliers de cette race au grand
+ Janeanez d'Almada, qui occupa les offices les plus importants sous D.
+ Pedro, puis sous son fils, et auquel ont dû les fortifications dont
+ ce dernier monarque entoura _Lisbonne_». (_Portugal_, pag. 85).
+
+ [4] O valle por onde hoje se estende a Avenida da Liberdade.
+
+ [5] João Vaz de Almada teve um filho bastardo, do mesmo nome, que foi
+ senhor de Pereira.
+
+ [6] Fernam Lopes, _Chronica d'el-rei D. João I_, cap. XXXIX.
+
+ [7] _Quadro diplomatico_, tom. I, pag. 283; tom. XIV, pag. 155-156.
+
+ [8] _Quadro diplomatico_, tom. XIV, pag. 172-173.
+
+ [9] _Ibid._, pag. 174.
+
+ [10] Esta preferencia explica-se pelo facto de João Vaz de Almada ir
+ na qualidade de capitão-mór da cidade de Lisboa.
+
+ [11] «Rex Johannem Valascum de Almatina vocari fecit, cui dixit: «Cape
+ signum Sancti Vicentii et, si potes, alteram civitatis partem ingrede,
+ et si senseris barbaros fugam arripuisse arcemque reliquisse, signum
+ in summo arcis pone». Ille mandato Regis parens, signum accepit et ad
+ portam muri qui civitatem in duas partes dividebat, cum multis armatis
+ eum sequentibus, venit; et quia clausa erat, illos eam ipsam
+ rescindere monuit; illis vero rescindentibus, duo barbari qui
+ remanserant, ut rerum exitum expectarent, ad murum accedentes, lingua
+ castellana quam noverant dixere: «Nolite tantum laboris assumere, nos
+ enim portam aperiemus et vobis aditum faciemus». Ubi fuit aperta
+ Johannes Valascus, arcem ingressus, in altiori turre signum
+ collocavit, etc.» (Matheus de Pisano, _Gesta illustrissimi regis
+ Johannis de Bello Septensi_, 1460; _Inéditos da Accademia_, tom. I).
+
+ Henry Major copiou este episodio. _Discoveries of Prince Henry the
+ Navigator._ London, 1877. Pag. 35.
+
+ [12] _Historia de Portugal_, vol. I, pag. 9.
+
+ [13] «E este Ifante (D. Affonso, fiiho do rei D. Duarte) foy ho
+ primeiro filho herdeiro dos Reys destes Regnos, que se chamou
+ Principe, porque atee elle, todoloos outros se chamaram Ifantes
+ primogenitos herdeiros, etc.» (Ruy de Pina, _Chronica do sr. rei D.
+ Duarte_, vol. I dos _Inéditos_).
+
+ [14] O _Nobiliario_ de Damião de Goes (Torre do Tombo, 21-B-26) falla
+ de ferimentos; outro codice (Torre do Tombo, 21-F-17) diz--pancadas.
+
+ [15] O snr. João Teixeira Soares, artigo _Os doze de Inglaterra_,
+ publicado na _Era nova_, pag. 458.
+
+ [16] _Historia serafica_, 1.ª parte, cap. XXIII.
+
+ [17] _Descripção de Portugal_, pag. 311.
+
+ [18] _Os filhos de D. João I_, pag. 87.
+
+ [19] «... esta cerimonia (a investidura de um cavalleiro) dava áquelle
+ que iniciava um seu companheiro no culto do valor e da lealdade, uma
+ certa influencia sobre o neophyto, que lhe ficava consagrando sempre
+ respeito e affeição indissoluvel». (Pinheiro Chagas, _Historia de
+ Portugal_, vol. II, pag. 147).
+
+ [20] Ferdinand Denis, _Portugal_, pag. 84.
+
+ [21] Torre do Tombo. Codice 21-F-17.
+
+ [22] Fernam Lopes, _Chr. d'el-rei D. João I_, cap. XCV.
+
+ [23] ... né au commencement du quinzième siècle...» (Ferdinand Denis,
+ _Nouvelle biographie universelle_, tom. II, pag. 170). «Alvaro était
+ né, selon toutes les probabilités, à peu près vers l'époque ou Joam
+ Ier avait eu ses premiers fils». (Ferdinand Denis, _Portugal_, pag.
+ 86).
+
+ [24] Suppomos ser o snr. Pinheiro Chagas a pessoa que, no _Diccionario
+ popular_, escreveu o artigo relativo a Alvaro Vaz de Almada.
+
+ [25] Foi Pedro José de Figueiredo, mas parece que teve collaboradores.
+ 1817.
+
+ [26] Artigo _Alvaro Vaz de Almada_, no _Diccionario popular_.
+
+ [27] A pedido de Alvaro Vaz, esta carta foi confirmada por outra do
+ rei D. Duarte, dada em Almeirim a 5 de Janeiro de 1434.
+
+ O posto de capitão-mór da armada conservou-se depois nos Almadas
+ descendentes do agraciado, até ao tempo de el-rei D. Sebastião, que
+ d'elle fez mercê a D. Fernando de Almada, bisneto de Alvaro Vaz, por
+ carta passada em Evora a 25 de agosto de 1573.
+
+ [28] Ruy de Pina, _Chronica do senhor rei D. Duarte_, cap. XXIV.
+
+ [29] _Chronica do senhor rei D. Duarte_, cap. XXV.
+
+ [30] _Chronica do senhor rei D. Duarte_, cap. XXVI.
+
+ [31] _Chronica do senhor rei D. Duarte_, cap. XXXIV.
+
+ [32] Ruy de Pina, _Chronica do senhor rei D. Duarte_, cap. XXXVI.
+
+ [33] _Portugal_, pag. 86, nota.
+
+ [34] _O infante D. Pedro_, chronica por Gaspar Dias de Landim, cap.
+ XIV.
+
+ [35] Landim, mesmo capitulo.
+
+ [36] _Chronica do senhor rei D. Affonso V_, cap. XXXI.
+
+ [37] Pina, _Chronica do senhor rei D. Affonso V_, cap. XXXIV.
+
+ Era o _Limoeiro_. Este edificio havia sido Casa da Moeda, e depois
+ palacio _dos infantes_, porque lhes era destinado. (Vêr _Noticias
+ chronologicas da universidade de Coimbra_, por Francisco Leitão
+ Ferreira, nas _Memorias da Academia Real de Historia_ relativas ao
+ anno de 1729, pag. 206). Mas ficou por muito tempo o costume de
+ designar o palacio pelo seu nome antigo: a _Moeda_.
+
+ [38] _Chronica_, cap. XXXVI.
+
+ [39] Torre do Tombo--Chancellaria de D. Affonso V, liv. 20, fol. 85 v.
+
+ [40] _Chronica_, cap. LXXI.
+
+ [41] _Elementos para a historia do municipio de Lisboa_, tom. I, pag.
+ 322.
+
+ [42] _Diccionario popular_, artigo _Alvaro Vaz de Almada_.
+
+ [43]
+
+ Ex Archivis in Turri London
+ E rotulo Franciae, A.º 23.º
+ Hen. 6, membrana 2.
+
+ Henricus dei gratia Rex Angliae et Franciae et dominus Hiberniae
+ Archiepiscopis, Episcopis &c. salutem. Magnis efferendi sunt laudibus,
+ singulari attollendi gloria, qui in Rei publicae salutem dies suos et
+ vitam ipsam ferventi studio et animo indefesso conferre nituntur; qui
+ de seipsis pericula faciunt pro aliorum quiete, qui egregiam famam et
+ nomen immortale, prae coeteris mundanis rebus sitiunt, et foelices se
+ praedicant dum communem utilitatem eorum operâ et fide adjutari posse
+ arbitrantur: O foelicissimum genus hominum! sine quibus urbes, moenia,
+ regna, dominia, mundi Principes, nec mundus ipse, incolumitate gaudere
+ poterunt: O clarissimi et justi viri! quorum sancta dispositione
+ virescunt virtutes omnes et florent, pulcherime effrenantur mali,
+ praemuntur perversi; nemo est certe qui horum ingenuos animos aut
+ literis contexere aut verbis affari dignâ laude poterit; de quorum
+ numero insignis et nobilis animi vir et strenuus et splendidissimus
+ miles DOMINUS ALVARUS DE ALMADAA dicendus et praedicandus est, qui ab
+ ineunt suâ aetate, dum annos pueritiae excesserat, militiae gloriâ
+ debaccatus, virtutum praemia et communem omnium salutem anelans, toto
+ conanime et omni studio in armorum usum so conjecit, et cum aptiores
+ Rei militares attigerat annos, adolevit strennitas sua cum aetate,
+ itaq animo excellenti in omnem Rei publicae tuitionem crevit, ut
+ nichil sibi dulce, acceptum aut desiderabile videbatur, si pro communi
+ bono non fuerit institutum; adeo sua pro virili bellorum descrimini
+ insudavit forti animo, et pacis tranquilitati consilio, quod suo jure
+ praemia debentur suo labori: propterea nos animadvertentes nobilitatem
+ et animi dicti viri egregiam dispositionem, quae suis gestis adjunctae
+ magnum efficiuntornamentum, nec non ingentia facta quae non tantum
+ tempore regni celeberimae memoriae Christianissimi Progenitoris nostri
+ verum etiam cumulum amoris servitii et meritorum quae nobis regnisq
+ exhibuit nostris, ipsum in militem ac socium et fratrem de GARTERIA EX
+ unanimi consensu societatis ejusdem elegimus et realiter investivimus:
+ eundem etiam Dominum ALVARUM ex nostra habundantiori gratiâ in evidens
+ testimonium suarum virtutum, in comitem DAVARANS in DUCATU nostro
+ NORMANDIAE creavimus et praefecimus, ac per presentes creamus et
+ praeficimus ac de eisdem nomine honore et titulo per cincturam gladii
+ investientes effectualiter insignivimus. Habenda et tenenda eadem
+ nomen et honorem Comitis DAVARANS sibi et haeredibus suis masculis de
+ corpore suo legitime exeuntibus in perpetuum, volentes et
+ praecipientes pro nobis et haeredibus nostris quod dictus fidelis
+ noster dominus ALVARUS nomen et honorem Comitis DAVARANS teneat sibi
+ et haeredibus suis masculis de corpore suo ut praemissum est legitime
+ exeuntibus in perpetuum, Hiis testibus venerabilibus patribus I:
+ Cantuar: et I. Eborum archiepis. Tho: Norwicen: W: Sarum, I: Bathon et
+ Wellen Epis. carissimo avunculo nostro Humfredo Duce Glouc: ac
+ carissimis consanguineis nostris Iohan. Exon. et Humfredo Buck.
+ Ducibus et Willõ Marchione Suffolciae. Iohan: Vicecom: de Beaumont, ac
+ diltis(1) et fidelibus suis Radulpho Cromwell et Radulpho Botiller
+ militibus, Thess(2) Angl., et Magistro Adam Moleyns custode privati
+ sigilli et aliis. Dat. per manum nostram apud Westm(3). 4 die Aug.
+
+ Per breve de private sigillo et de data praedicta &c.
+
+ (1) Dilectis.
+
+ (2) Thesaurariis.
+
+ (3) Westminster.
+
+ [44]
+
+ Ex Archivis in Turri London
+ E rotulo Franciae, A.º 23.º
+ Hen. 6. membrana 2.
+
+ Rex omnibus ad quos &c salutem. Ponimos ante oculos nostros fidem
+ industriam circumspectionem affectionem laboresq et alia memoriâ
+ dignissima quae fidelis noster Dominus ALVARUS DE ALMADAA Comes
+ DAVARANS consiliarius excellentissimi Principis et potentissimi domini
+ Regis Portugaliae consanguinei nostri et Capitaneus Major in omnibus
+ regnis suis et dominationibus ac Alcayde major civitatis Ulisbonensis
+ foelicis memoriae genitori nostro et etiam nobis singulari intentione
+ impendit: volentes ideo hujusmodi merita sine fructu nequaquam
+ oblivioni comittese, Ex mero motu nostro concessimus et concedimus per
+ praesentes eidem ALVARO centum marcas percipiendas annuatim quamdiu
+ vixerit ad receptam Scaccarii nostri Angliae per manus Thesaurarii et
+ Camerariorum nostrorum ibidem pro tempore existentium ad Terminos
+ Paschae et Sancti Michaelis per equales porcõnes. In cujus, etc. Teste
+ R. apud Westm. 9 die Augusti.
+
+ [45] N. B.--O marco inglez valia 13 schellings e 4 pences.
+
+ [46] Priv. Sigill. 13 Aug. 23 H. 6. We in good consideration of the
+ good service grete zele and good love that our trusty and welbeloved
+ ALVAST DALMAA Knyght of Portugale hath doon and shewed unto us and
+ oure full noble progenitors have maad(1) and creat(2) him now late(3)
+ Therle(4) of AVERANCHE and over that(5) we have graunted unto the said
+ ALVAST a pension of an C marc by yere during his life. We charge you
+ that ye delivere unto him a cupp of golde of XL marc and C marc
+ thereinne &c.
+
+ (1) Made.
+
+ (2) Created.
+
+ (3) Now of late; lately.
+
+ (4) The earl.
+
+ (5) And besides that; and moreover.
+
+ [47] O titulo de conde de Avranches, posto que Henque VI o concedesse
+ hereditario, caducou desde que Carlos VII conseguiu reunir á França o
+ ducado de Normandia.
+
+ Foi pois preciso que Luiz XI o confirmasse na pessoa de D. Fernando de
+ Almada, filho das segundas nupcias de D. Alvaro Vaz de Almada, porque
+ a geração do primogenito do primeiro casamento extinguiu-se.
+
+ A confirmação realisou-se quando Affonso V esteve em França, e D.
+ Fernando de Almada o acompanhou.
+
+ O titulo, assim renovado, foi reconhecido em Portugal: D. João II
+ mandou fazer assentamento a D. Fernando de Almada, _conde de
+ Avranches_, de 102:864 reaes brancos.
+
+ Acabou o titulo na pessoa de D. Antão de Almada, que acompanhou a
+ Africa D. Sebastião, e lá morreu. O filho de D. Antão, que estivera
+ com o pai em Alcacerquibir, ficou captivo, e só logrou repatriar-se
+ depois da morte do cardeal D. Henrique. Não se renovou por isso a
+ concessão do titulo, interrompendo-se tambem a successão do officio de
+ capitão-mór do reino.
+
+ Outro D. Antão de Almada, descendente do _Bom capitão_, foi um dos
+ quarenta fidalgos de 1640.
+
+ A rainha D. Maria I agraciou a familia Vaz de Almada com a concessão
+ do titulo de conde de Almada, a 13 de maio de 1793.
+
+ [48] _Chronica_, cap. LXXXIX.
+
+ [49] Que bello desplante cavalheiresco n'este repto de um contra tres!
+
+ [50] _The life of Prince Henry of Portugal_, cap. XIII, pag. 229.
+
+ [51] _Memorias d'el-rei D. João I_, tom. V, cap. LXV, pag. 342.
+
+ [52] Pina, _Chronica_, cap. XCIII.
+
+ [53] Dom Affonso, etc., a quantos esta carta virem fazemos saber que a
+ nós disseram que em Abrantes foram deixados certos bens de herança por
+ um Fernão Rodrigues Rombo; que por morte de um seu filho os houvesse a
+ egreja de S. João da dita villa, a qual os houve e teve anno e dia sem
+ os venderem e acabado o dito tempo a pessoas leigas segundo por nós é
+ ordenado (_sic_). Os quaes bens vai em dois ou tres annos os tem os
+ clerigos da dita egreja, pela qual razão por bem da nossa ordenação
+ pertencem a nós e os podemos dar de direito a quem nossa mercê for. E
+ ora querendo nós fazer graça e mercê ao capitão Alvaro Vaz d'Almada,
+ Rico Homem do nosso Conselho e Alcaide Mór da cidade de Lisboa, se
+ assim é, como nos foi dito, e que por a dita razão os ditos bens
+ pertencem a nós e os podemos de direito dar a quem nossa mercê for,
+ temos por bem e fazemos-lhe d'elles livre e pura irrevogavel doação
+ entre os vivos valedoura d'este dia para todo sempre e de todos seus
+ herdeiros e successores que depois elle vierem, assim ascendentes
+ (_sic_) como descendentes. E, porem, mandamos aos juizes da dita villa
+ d'Abrantes e a outros quaes que isto houverem de ver que, presentes os
+ tedores dos ditos bens e partes, a que isto pertencer, que se acharem
+ que assim é como nos disseram e que por isso os ditos bens que assim
+ ficaram á dita egreja pertencem a nós e os podemos de direito dar, que
+ vista esta carta os façam logo dar e entregar ao dito capitão ou a seu
+ certo procurador e lh'os deixem ter e haver, lograr, possuir, vender,
+ dar e doar, trocar e escambar, fazer d'elles e n'elles o que lhe
+ prouver, como de sua cousa propria e corporal possessão, por quanto
+ nós lhe fazemos d'elles a dita mercê e doação o mais firmemente que
+ ser pode, se a nós de direito pertencem e a outrem primeiramente não
+ são dados, por nossa carta dando appellação e aggravo ás partes nos
+ casos que o direito outorga, e esta mercê lhe fazemos com tanto que
+ elle nem seu procurador não faça avença com as partes sem nossa
+ licença, e se a fizer que perca para nós isto de que lhe assim fazemos
+ mercê e mais o preço que por isso receber e al não façaes. Dada em
+ Lisboa 18 de Agosto. El-Rei o mandou por Lopo d'Almeida, cavalleiro de
+ sua casa, não sendo ahi Diogo Femandes d'Almeida, seu pai, do conselho
+ do dito Senhor e védor de sua Fazenda, a que isto pertencia. Nuno
+ Affonso a fez anno de Nosso Senhor Jesus Christo de mil quatrocentos
+ quarenta e quatro(1).
+
+ (1) Torre do Tombo--Chancellaria de D. Affonso V, liv. V, fl. 68.
+
+ [54] Devia ser n'este anno, pelas razões expostas pelo visconde de
+ Santarem no _Quadro elementar_, tom. III, pag. 80, nota, e pelo conde
+ de Villa Franca, _D. João I e a alliança ingleza_, pag. 201, nota.
+
+ [55] _Chronique du bon chevalier Jacques de Lalain, frère et compagnon
+ de l'ordre de la toison d'or_, por Georges de Chastelain, cap. XXXVIII
+ a XLII.
+
+ [56] Pina, _Chronica_, cap. XCVI.
+
+ [57] Pina, _Chronica_, cap. CIV.
+
+ [58] Pina, _Chronica_, cap. CX.
+
+ [59] _Portugal_, pag. 88.
+
+ [60] Pina, _Chronica_, cap. CXVIII.
+
+ [61] Pina, _Chronica_, cap. CXX.
+
+ [62] Pina, mesmo capitulo.
+
+ [63] Combateu pelo infante D. Pedro em Alfarrobeira. Era quinto filho
+ de Lopo Dias de Azevedo.
+
+ [64] Frei Luiz de Sousa, _Historia de S. Domingos_, 1.ª parte, liv.
+ VI, cap. XV.
+
+ [65] Mariz, _Dialogos de varia historia_; Major, _The life of Prince
+ Henry of Portugal_.
+
+ [66] Um codice da Torre do Tombo (21-F-17) confunde este João Vaz de
+ Almada com o pai, que tinha o mesmo nome. O filho é que foi védor da
+ fazenda de D. Affonso V, como claramente diz Ruy de Pina. É verdade
+ que o mesmo codice, suppondo que João Vaz de Almada, pai do conde de
+ Avranches, era védor em 1451, encarrega-se de evidenciar o equivoco,
+ noticiando que falleceu em Londres logo depois do casamento de D.
+ Beatriz, com o conde de Arundel, casamento que se realisou em 1405! A
+ chronologia dos nobiliarios é uma cousa escurissima.
+
+ O pai do conde de Avranches figura com a moradia de 12:000 livras na
+ casa de D. João I.
+
+ O bastardo, além de védor, foi rico-homem e cavalleiro do conselho de
+ Affonso V.
+
+ [67] Diz Duarte Nunes que em Inglaterra se cantavam _romances_
+ populares em honra de Pedro Vaz de Almada por um feito de armas que
+ praticára, e que fôra muito louvado dos inglezes. Os ossos de D.
+ Pedro, que falleceu solteiro, foram trazidos a Portugal por um criado,
+ que se chamava Rolão Vaz.
+
+ [68] Visconde de Castilho, Julio, _Lisboa antiga_, vol. I.
+
+ [69] D. Leonor Telles, quando passou do marido para o rei D. Fernando,
+ ou ainda ia pejada ou pouco antes havia dado á luz este filho
+ legitimo. O pai, João Lourenço da Cunha, voltou á patria quando D.
+ Fernando morreu, e pediu ao Mestre de Aviz que reconhecesse Alvaro da
+ Cunha como herdeiro de todos os seus bens, o que foi concedido.
+
+ [70] Descendente, como todos os outros Pessanhas, do nautico genovez
+ Manoel Pezagno, que o rei D. Diniz chamou ao serviço de Portugal, e
+ nomeou almirante da sua frota. O appellido Pezagno aportuguezou-se em
+ Pessanha. E o almirantado ficou na familia.
+
+ [71] _Nouvelle biographie universelle_, tom. II, pag. 170.
+
+ [72] O primeiro Antão que apparece na familia de Alvaro Vaz de Almada
+ é um seu neto, segundo filho de D. Fernando de Almada, segundo conde
+ de Avranches.
+
+ [73] Os chronistas portuguezes dizem--João de Montferrat. Froissart,
+ porém, chama-lhe Guilherme de Montferrant.
+
+ [74] «... mas foi desde o tempo de João I que multiplicados laços
+ uniram estreitamente as duas casas e os dois Estados (Portugal e
+ Inglaterra). O antigo tratado de commercio e de alliança de 12 de
+ abril de 1372, que era apenas uma extensão do precedente, foi renovado
+ a 15 de abril de 1386; ainda no mesmo anno (9 de maio) uma alliança
+ defensiva foi concluida com o rei Ricardo de Inglaterra, confirmada
+ solemnemente no anno seguinte (12 de agosto) e reconfirmada ainda a 16
+ de fevereiro de 1404 por Henrique IV, successor de Ricardo. O
+ casamento de João com a filha do duque de Lancaster (2 de fevereiro de
+ 1387) sellou ainda estes laços de amizade com a corôa de Inglaterra,
+ garantiu e assegurou os tratados de diversa natureza que existiam
+ entre os portuguezes e os inglezes».
+
+ Schæfer--_Historia de Portugal_. (Reinado de D. João I).
+
+ [75] _Les chroniques de sire Jean Froissart_, tom. III, part. I, cap.
+ XXXVII.
+
+ [76] _Os doze de Inglaterra_, artigo do snr. João Teixeira Soares, na
+ _Era Nova_, pag. 448.
+
+ [77] Snr. Teixeira Soares, artigo citado.
+
+ [78] Francisque Michel, _Les portugais en France, les français en
+ Portugal_, 1882, pag. 9.
+
+ [79] _Relations anciennes de la Belgique et du Portugal_, pag. 25.
+
+ [80] _Chronica_, cap. V.
+
+
+
+
+LIVRARIA CHARDRON--M. LUGAN, EDITOR
+
+
+CENTENARIO DO INFANTE D. HENRIQUE
+
+
+_ALFREDO CAMPOS_
+
+O INFANTE NAVEGADOR
+
+POEMETO
+
+Com um prefacio de JOÃO PENHA
+
+Um folheto.............................. 200 reis
+
+Edição em papel de linho................ 400 reis
+
+
+_CAMILLO CASTELLO BRANCO_
+
+A LENDA DE MACHIN
+
+Reflexões á VIDA DO INFARTE D. HENRIQUE
+por Mr. Richard H. Major
+Vertida do Inglez por J. A. Ferreira Brandão
+
+Esta lenda acha-se no romance: EUSEBIO MACARIO
+
+Um volume............................... 800 reis
+
+
+_MANUEL DUARTE D'ALMEIDA_
+
+ESTANCIAS AO INFANTE D. HENRIQUE
+
+Recitadas pelo auctor
+
+Edição de luxo.......................... 300 reis.
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+
+_OLIVEIRA MARTINS_
+
+OS FILHOS DE D. JOÃO I
+
+Edição de luxo, illustrada, papel de linho, tipo elzevir
+
+Um grosso volume....................... 2$000 reis
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+
+Porto--Typ. de A. J. da Silva Teixeira, Cancella Velha, 70
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+and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
+and the Foundation web page at https://www.pglaf.org.
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+Foundation
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+The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
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+https://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
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+</head>
+
+<body>
+
+
+<pre>
+
+The Project Gutenberg EBook of Um contemporaneo do Infante D. Henrique, by
+Alberto Pimentel
+
+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
+almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
+re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
+with this eBook or online at www.gutenberg.org
+
+
+Title: Um contemporaneo do Infante D. Henrique
+
+Author: Alberto Pimentel
+
+Release Date: June 13, 2010 [EBook #32792]
+
+Language: Portuguese
+
+Character set encoding: ISO-8859-1
+
+*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK INFANTE D. HENRIQUE ***
+
+
+
+
+Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images
+of public domain material from Google Book Search)
+
+
+
+
+
+
+</pre>
+
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<div style="text-align: center; border: solid 1px #000; padding: 1em;">
+<p style="font-size: 1.4em;">UM CONTEMPORANEO</p>
+
+<p>DO</p>
+
+<p style="font-size: 1.8em;">INFANTE D. HENRIQUE</p>
+
+<p>Carta a MR. MATHIEU LUGAN</p>
+
+<p>POR</p>
+
+<p style="font-size: 1.4em;">ALBERTO PIMENTEL</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>PORTO<br>
+<i>Livraria Internacional de Ernesto Chardron</i><br>
+<small>Casa editora</small><br>
+M. LUGAN, Successor<br>
+1894<br>
+<small>Todos os direitos reservados</small></p>
+</div>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p><span class="pn">{1}</span></p>
+
+<div style="text-align:center;">
+<p style="font-size: 1.4em;">UM CONTEMPORANEO</p>
+
+<p>DO</p>
+
+<p style="font-size: 1.8em;">INFANTE D. HENRIQUE</p>
+</div>
+
+<p><span class="pn">{2}</span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<div
+style="margin-left: 20%; margin-right: 20%; font-size: small; border: solid 2px #000; border-left:0; border-right: 0; text-align: center;">
+<p>P<small>ORTO&mdash;</small>T<small>YP. DE</small> A. J. <small>DA</small>
+S<small>ILVA</small> T<small>EIXEIRA</small></p>
+
+<p><i>Cancella Velha, 70</i></p>
+</div>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p><span class="pn">{3}</span></p>
+
+<div style="text-align:center;">
+<p style="font-size: 1.4em;">UM CONTEMPORANEO</p>
+
+<p>DO</p>
+
+<p style="font-size: 1.8em;">INFANTE D. HENRIQUE</p>
+
+<p>Carta a MR. MATHIEU LUGAN</p>
+
+<p>POR</p>
+
+<p style="font-size: 1.4em;">ALBERTO PIMENTEL</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>PORTO<br>
+<i>Livraria Internacional de Ernesto Chardron</i><br>
+<small>Casa editora</small><br>
+M. LUGAN, Successor<br>
+1894<br>
+<small>Todos os direitos reservados</small></p>
+</div>
+
+<p><span class="pn">{4}</span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p><span class="pn">{5}</span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<blockquote style="margin: 5em; font-size: small;">
+ <p>L'histoire d'Alvaro Vaz de Almada est généralement peu connue hors du
+ Portugal; et en Portugal même la biographie de ce grand homme est environnée
+ de details contradictoires.</p>
+
+ <p style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">F<small>ERDINAND
+ </small>D<small>ENIS</small>&mdash;<i>Portugal</i>, pag. 85. </p>
+</blockquote>
+
+
+<p><span class="pn">{6}</span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p><span class="pn">{7}</span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<div id="corpo">
+<p style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">Meu prezado amigo:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Vivendo entre portuguezes ha muitos annos, quer v. corresponder á estima e
+consideração que d'elles tem justamente recebido, associando-se, como editor de
+obras litterarias, á commemoração solemne com que a cidade do Porto vai
+celebrar o quinto centenario do nascimento do infante D. Henrique, o
+Descobridor.</p>
+
+<p>É nobre a acção, que v. se propõe praticar. E, procedendo assim, segue o
+exemplo de muitos estrangeiros, a quem Portugal<span class="pn">{8}</span> deve
+gratidão pelo interesse que tem tornado em evidenciar á luz da verdade e da
+gloria os feitos d'este pequeno povo, que tamanhos serviços prestou no seculo
+<small>XV</small> á sciencia e ao commercio, á humanidade e á civilisação,
+especialmente no momento historico em que o infante D. Henrique apparece em
+scena para emprehender e estimular os descobrimentos maritimos.</p>
+
+<p>Entre esses estrangeiros a quem devemos ser gratos, avulta, certamente, um
+compatriota de v., o illustre Ferdinand Denis, que tanto amou, com especial
+dedicação, o passado de Portugal nas suas gloriosas tradições e nos seus
+triumphos por mar e por terra, na guerra ou na paz.</p>
+
+<p>Estamos, pois, habituados á sympathia de estrangeiros, e não é, por isso, de
+estranhar a deliberação de v. Mas é para agradecer e louvar.</p>
+
+<p>Acceitando a missão de auxiliar o nobre<span class="pn">{9}</span> alvitre
+de v., e achando-me collocado em frente do periodo mais brilhante da historia
+de Portugal, que o infante D. Henrique personifica, lembrei-me de que o
+assumpto, comquanto vasto, ha de ser amplamente tratado por muitos escriptores
+portuguezes, que mais ou menos se encontrarão n'um ponto de partida commum: a
+vida do infante, e a sua influencia na successão dos nossos descobrimentos
+maritimos.</p>
+
+<p>Assim, pois, pensei que, sendo já conhecida, nas suas linhas geraes, a
+biographia do infante, eu poderia, sem atraiçoar a intenção de v., tomar outro
+rumo, estudando, dentro dos estreitos limites de uma carta, a feição
+proeminente de uma época, de que D. Henrique foi a culminação, mas que se
+assignalou pelo concurso de um grupo de homens colossalmente prestigiosos.</p>
+
+<p>Como na vida de todos os heroes, ha<span class="pn">{10}</span> manchas,
+claro-escuro na vida do infante Descobridor. Encarado em si mesmo o homem, teve
+defeitos, commetteu erros, mas não é esta a hora propria para os relembrar. O
+principe exerceu, e este é o ponto essencial e capital, uma acção benefica na
+historia da humanidade, e marca o periodo que, elevando Portugal, aproveitou ao
+mundo todo.</p>
+
+<p>Mas, quanto á época, é justo, sem nunca perder de vista o infante, procurar
+medir a estatura dos portuguezes do seculo <small>XV</small>, que com elle
+collaboraram, nas viagens ou nas campanhas, e que constituem os elementos de
+caracterisação do espirito arrojado, leal, cavalheiresco, épico, dos
+inexcediveis heroes d'esse tempo.</p>
+
+<p>A alma portugueza era então um mixto de poesia e valor, sobretudo de poesia
+no valor. Feita de bronze, não conhecia perigos, difficuldades, resistencias. O
+infante, estimulando a coragem<span class="pn">{11}</span> para as emprezas
+maritimas, era a expressão do sentir de heroes, que avançavam sempre, contra o
+<i>Mar Tenebroso</i>, contra os moiros, os inimigos exteriores, ou contra as
+agitações da politica interna, sem medirem os percalços do commettimento.</p>
+
+<p>A pureza dos costumes, nos homens e nas mulheres, dava um como perfume de
+santidade impeccavel ás ideas e aos sentimentos da época. A religião era mais
+alguma coisa do que o culto de Deus nos templos: era a lei por onde cada um
+regia as suas palavras e acções, os seus pensamentos e feitos, nas suas
+relações com Deus ou com os homens.</p>
+
+<p>O fanatismo religioso levava a vêr inimigos n'aquelles que, não commungando
+na mesma religião, não poderiam attingir o gráo de perfeição moral em que todas
+as crenças se purificavam. Era um preconceito do tempo, eram as idéas da época.
+Mas ha n'esse sentir, que hoje se nos<span class="pn">{12}</span> afigura
+barbaro, uma noção mal comprehendida, posto que sincera, de que o catholicismo
+era a unica expressão possivel da civilisação dos costumes.</p>
+
+<p>Alongados os descobrimentos maritimos pela costa occidental da Africa,
+iniciado, com chave de oiro, o periodo dos factos gloriosos, que nos deram
+farta participação nos progressos da civilisação universal, fechava-se,
+simultaneamente, a porta do espirito cavalheiresco que dominára o coração dos
+portuguezes da idade-média.</p>
+
+<p>Depois d'isso fomos guerreiros, mas não eramos já cavalleiros. Fomos ainda
+conquistadores, mas não eramos já impulsionados por um mobil limpo de ambições
+mesquinhas.</p>
+
+<p>O joven rei D. Sebastião, voltando da sua primeira jornada a Africa, quiz
+desembarcar no cabo de S. Vicente, por uma noite de lua, e alli se demorou nove
+ou<span class="pn">{13}</span> dez dias, como elle proprio contou, meditando
+ambiciosamente na grandeza de uma época, que dos rochedos do Algarve, como uma
+águia, havia no tempo de D. Henrique arrancado vôo para ir assombrar o mundo
+inteiro.</p>
+
+<p>Tinha pena o joven e valoroso rei de não ser d'essa época. E com razão. Mas
+Portugal havia começado a descer: Alcacerquibir, o abysmo cavado pelas mãos do
+imprudente monarcha, breve se transformaria na sepultura de um seculo de
+gloria.</p>
+
+<p>Não trarei, meu amigo, novos subsidios á biographia do infante Descobridor,
+de quem tantas pennas illustres se irão por certo occupar; mas procurarei
+desenhar, na vasta tela da sua época famosa, o vulto de um homem, que é um
+elemento importantissimo de caracterisação e de synthese, de um homem sem o
+qual essa enorme e brilhante conjugação de heroes,<span class="pn">{14}</span>
+apostados em glorificar o nome da patria, ficaria incompleta.</p>
+
+<p>Refiro-me a Alvaro Vaz de Almada, que foi contemporaneo do infante D.
+Henrique, e que bem se póde chamar o ultimo cavalleiro portuguez.</p>
+
+<p>Herculano escreveu d'elle no <i>Panorama</i>: «D. Alvaro, caindo morto, era
+o symbolo da cavallaria expirando».</p>
+
+<p>O proprio infante D. Henrique dizia de Alvaro Vaz de Almada que não sómente
+Portugal, mas tambem toda a Hespanha, podiam ter grande gloria de crear tão
+famoso cavalleiro.</p>
+
+<p>E o rei Affonso de Napoles e seu irmão o infante D. Henrique de Aragão
+diziam que tinham encontrado em Portugal <i>bom pão e bom capitão</i>. <i>Bom
+capitão</i>: Alvaro Vaz.</p>
+
+<p>Tal era o homem.<span class="pn">{15}</span></p>
+
+<p class="centrado">*<br>*&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;*</p>
+
+<p>Resumirei, quanto me fôr possivel, o quadro genealogico de Alvaro Vaz de
+Almada.</p>
+
+<p>D. Sueiro Viegas Coelho, fidalgo de velha estirpe, teve dois irmãos e uma
+irmã. D'elles, o mais velho foi frade; o outro, Gonçalo Magro, continuou-se
+n'um filho bastardo, Lourenço Gonçalves, que casou com D. Thereza Godins.</p>
+
+<p>D'este casamento houve dois filhos, um dos quaes, Vasco Lourenço, teve por
+successor João Annes de Almada, que foi chamado o <i>Grande</i>, e foi védor da
+fazenda d'el-rei D. Pedro e d'el-rei D. Fernando.</p>
+
+<p>É com este cavalleiro, que por seu bom conselho, reflectida experiencia,
+alta posição<span class="pn">{16}</span> politica e apparatosa apresentação<a
+name="tex2html1" href="#foot98"><sup>[1]</sup></a> mereceu o cognome de
+<i>Grande</i>, que principia, na sua familia, o appellido de <i>Almada</i>,
+pelo facto d'elle ser natural d'aquella villa.</p>
+
+<p>Diz D. Antonio de Lima, no <i>Nobiliario</i>, que João Annes fôra por duas
+vezes enviado ao estrangeiro como embaixador, e que por lembrança sua mandára o
+rei D. Fernando começar a cêrca nova de Lisboa<a name="tex2html2"
+href="#foot653"><sup>[2]</sup></a>. Ferdinand Denis tambem se refere a este
+facto<a name="tex2html3" href="#foot654"><sup>[3]</sup></a>.<span
+class="pn">{17}</span></p>
+
+<p>Casado com D. Urraca Moniz, deixou um filho, Vasco Lourenço de Almada, que
+foi o instituidor do morgado da sua familia na villa do mesmo nome, e que
+morava em Lisboa nos seus paços de Valverde<a name="tex2html4"
+href="#foot106"><sup>[4]</sup></a>, junto ao Rocio.</p>
+
+<p>Este Vasco Lourenço teve um filho e uma filha.</p>
+
+<p>O filho, João Vaz de Almada, casou com D. Joanna Annes, de quem houve uma
+filha, e dois filhos: Pedro Vaz de Almada, primogenito; Alvaro Vaz de Almada,
+que por morte do irmão herdou o morgado instituido pelo avô<a name="tex2html5"
+href="#foot107"><sup>[5]</sup></a>.</p>
+
+<p>Merece chronica a vida de João Vaz de Almada, pai de Alvaro Vaz.<span
+class="pn">{18}</span></p>
+
+<p>Foi feito cavalleiro por D. João <small>I</small> depois da batalha de
+Aljubarrota<a name="tex2html6" href="#foot655"><sup>[6]</sup></a>.</p>
+
+<p>Em 1400 enviou-o D. João <small>I</small> a Castella, com o arcebispo de
+Lisboa e o doutor Martim Docem para negociar um tratado de paz ou treguas, e em
+1404 a Inglaterra, tambem com Martim Docem, para tratar do casamento de D.
+Beatriz, filha natural do rei, e irmã do duque de Bragança, com o conde de
+Arundel e de Surry<a name="tex2html7" href="#foot656"><sup>[7]</sup></a>.</p>
+
+<p>Mais tarde, quando D. João <small>I</small> se apercebia para a conquista de
+Ceuta, enviou João Vaz de Almada outra vez a Inglaterra para levantar
+quatrocentas lanças ao serviço de Portugal.</p>
+
+<p>Parece que João Vaz levou comsigo<span class="pn">{19}</span> seu filho
+Alvaro, porquanto ha noticia de uma carta de Henrique <small>V</small>, rei de
+Inglaterra, ás auctoridades do porto de Londres, ordenando-lhes que deixem
+sahir livremente os homens de armas e trezentas e cincoenta lanças que Alvaro
+Vaz havia contratado para o rei de Portugal<a name="tex2html8"
+href="#foot657"><sup>[8]</sup></a>.</p>
+
+<p>Não foram estes os unicos auxilios que D. João <small>I</small> mandou
+buscar a Inglaterra com o mesmo fim. Tambem Pedro Lobato trouxe d'aquelle paiz
+trezentas lanças «para o muito poderoso principe o infante D. Henrique, filho
+do dito seu tio&mdash;diz Henrique <small>V</small> n'uma carta aos seus
+almirantes,&mdash;<i>a fim de fazer a guerra aos incredulos e aos inimigos da fé
+catholica</i><a name="tex2html9" href="#foot658"><sup>[9]</sup></a>.</p>
+
+<p>Pormenor interessante: Este mesmo Pedro Lobato trouxe n'essa occasião
+uma<span class="pn">{20}</span> armadura completa para o infante D. Henrique.
+</p>
+
+<p>Vieram ainda mais sessenta lanças, com os respectivos cavallos e armaduras,
+a bordo de dois navios portuguezes, de que eram mestres João Affonso e Egydio
+João.</p>
+
+<p>João Vaz de Almada acompanhou D. João <small>I</small> na viagem a Ceuta.
+</p>
+
+<p>Conta Fernam Lopes que, tendo alguem visto um grande bando de pardaes sobre
+o castello d'aquella cidade, dissera:</p>
+
+<p>&mdash;Não vêdes como aquelles pardaes alli estão assocegados? Que me matem se
+Salat-bem-Salat com todos os outros não é partido d'alli, e deixou o castello
+vazio, cá se assi não fosse, não estariam alli aquelles pardaes assi de
+assocego.</p>
+
+<p>Foram dizer isto ao rei D. João, que respondeu:</p>
+
+<p>&mdash;Pois que assi é, vão chamar João<span class="pn">{21}</span> Vaz de
+Almada<a name="tex2html10" href="#foot128"><sup>[10]</sup></a>, que traz a
+bandeira de S. Vicente, e digam-lhe de minha parte que a vá logo poer sobre a
+mais alta torre.</p>
+
+<p>Chamado immediatamente João Vaz, foi, com alguns outros, caminho do
+castello, levando o estandarte de S. Vicente, padroeiro de Lisboa.</p>
+
+<p>Tentavam forçar as portas da fortaleza, quando sobre o muro appareceram dois
+homens, um biscainho e o outro genovez, que lhes disseram em castelhano:</p>
+
+<p>&mdash;Não filheis trabalho em quebrar as portas, cá não tendes nenhum empacho em
+vossa entrada, cá os mouros são já partidos todos d'aqui e sómente ficamos nós
+ambos que vos abriremos as portas quando quizerdes.<span class="pn">{22}</span>
+</p>
+
+<p>&mdash;Ora pois, respondeu João Vaz de Almada, filhai lá esta bandeira e ponde-a
+sobre esse muro, até que nos vamos.</p>
+
+<p>Este mesmo episodio é contado por mestre Matheus de Pisano<a
+name="tex2html11" href="#foot659"><sup>[11]</sup></a>, estrangeiro erudito, que
+foi chamado a Lisboa para escrever em latim a historia da guerra de<span
+class="pn">{23}</span> Ceuta, como quer Herculano<a name="tex2html12"
+href="#foot660"><sup>[12]</sup></a>, ou para ser professor de D. Affonso
+<small>V</small>.</p>
+
+<p>João Vaz de Almada levou a Ceuta os seus dois filhos, Pedro e Alvaro, que,
+depois da victoria, ahi foram armados cavalleiros: Pedro pela mão do infante D.
+Duarte, herdeiro da corôa<a name="tex2html13"
+href="#foot661"><sup>[13]</sup></a>; e Alvaro por mão do infante D. Pedro.</p>
+
+<p>Foi certamente n'esse dia que principiaram a estabelecer-se entre D. Alvaro
+Vaz de Almada e o infante D. Pedro, como consequencia tradicional d'essa
+cerimonia, os laços de lealissima amizade, que os uniu durante toda a
+existencia, e<span class="pn">{24}</span> que não deixou sobreviver um ao outro
+mais do que alguns momentos.</p>
+
+<p>D. João <small>I</small> deu a capitania e guarda da fortaleza de Ceuta a
+João Vaz de Almada, que a teve até á partida d'el-rei para o reino, ficando
+depois a cidade entregue a D. Pedro de Menezes, que foi o primeiro capitão
+d'ella.</p>
+
+<p>Recolhendo a Portugal, João Vaz de Almada, malquistado, por motivos
+desconhecidos, com Gonçalo Pires Malafaia, esperou-o ás portas da Relação e
+maltratou-o corporalmente<a name="tex2html14"
+href="#foot662"><sup>[14]</sup></a>.</p>
+
+<p>Malafaia, que já tinha sido escrivão da chancellaria de el-rei D. Fernando,
+seguiu, por morte d'este rei, a causa do mestre de Aviz, exercendo depois, e em
+annos successivos, os cargos de védor da fazenda<span class="pn">{25}</span>
+real, e o de regedor (presidente) da Casa do Civel, além de receber por doação
+as propriedades confiscadas, no termo de Lisboa e Santarem, a João Fernandes
+Pacheco e a Fernam Gomes da Silva.</p>
+
+<p>Como Malafaia foi nomeado regedor do Civel em 1457, mais de vinte annos
+depois da morte de D. João <small>I</small>, entende um escriptor moderno ser
+inverosimil a noticia d'aquelle conflicto como causa determinante da emigração
+de João Vaz de Almada, por isso que os codices dão Malafaia como exercendo o
+referido cargo n'essa occasião<a name="tex2html15"
+href="#foot663"><sup>[15]</sup></a>.</p>
+
+<p>O facto dos chronistas lhe declararem a qualidade de regedor do Civel não
+invalida, a meu vêr, a noticia do conflicto, porque muitas vezes os escriptores
+antigos,<span class="pn">{26}</span> referindo-se a um acontecimento qualquer,
+intromettem circumstancias que se deram antes ou depois, especialmente quando
+mencionam titulos ou actos de um mesmo individuo.</p>
+
+<p>O conflicto causou escandalo e irritou D. João <small>I</small>, que,
+collocado entre dois homens a quem devia serviços e dedicações, cortou a
+direito, quiz fazer justiça contra o aggressor.</p>
+
+<p>João Vaz de Almada teve de fugir para Inglaterra, onde já era conhecido; e
+levou comsigo os seus dois filhos, Pedro e Alvaro.</p>
+
+<p>Fosse esta ou outra qualquer a causa determinate da sahida do fidalgo
+portuguez e seus dois filhos legitimos para Inglaterra (o auctor da <i>Historia
+Serafica</i> limita-se a dizer: «os quaes ausentando-se do reino por razões,
+que para isso tiveram», parecendo comtudo querer occultar assim um motivo
+desagradavel), o que não<span class="pn">{27}</span> padece duvida é que João
+Vaz de Almada emigrou para aquelle paiz, d'onde, tendo fallecido, vieram mais
+tarde os seus restos mortaes, bem como os de seu filho Pedro, para a capella de
+familia, que possuiam em S. Francisco de Lisboa<a name="tex2html16"
+href="#foot664"><sup>[16]</sup></a>.</p>
+
+<p>Duarte Nunes de Leão diz que João Vaz de Almada acompanhára o rei de
+Inglaterra, que devia ser Henrique <small>VI</small>, até Rouen. Sendo assim,
+assistiria ao sacrificio de Joanna d'Arc (30 de maio de 1431). E que fôra
+agraciado com a ordem da Jarreteira<i></i><a name="tex2html17"
+href="#foot665"><sup>[17]</sup></a>.</p>
+
+<p>Pela minha parte não ouso confirmar estas noticias, mas apenas acceitar,
+como authentica, a morte de João Vaz de Almada em Inglaterra.<span
+class="pn">{28}</span></p>
+
+<p class="centrado">*<br>*&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;*</p>
+
+<p>Fallemos agora de Alvaro Vaz de Almada, o <i>bom capitão</i>, o heroe famoso
+de um cyclo de heroes, que deu honra e gloria a Portugal.</p>
+
+<p>O snr. Oliveira Martins figura Alvaro Vaz acompanhando o seu dilecto amigo o
+infante D. Pedro de Alfarrobeira logo ao principio da sua celebre viagem, logo
+que, como dizia o povo, começou a <i>correr as sete partidas do mundo</i>.</p>
+
+<p>Á sahida de Castella, onde o infante fôra visitar D. João <small>II</small>,
+galopava a seu lado, segundo a expressão do snr. Oliveira Martins, o seu fiel
+Achates, Alvaro Vaz de Almada, fadado para um destino igualmente cruel.</p>
+
+<p>Outras affirmações faz ainda o snr. Oliveira Martins. Precisamos
+conhecel-as.</p>
+
+<p>«D'esta Jornada, agora começada, principia<span class="pn">{29}</span> a
+amizade constante que ligou em vida Alvaro Vaz a D. Pedro, etc.»</p>
+
+<p>«Dois annos haveria apenas que Alvaro Vaz voltára ao reino coberto de
+gloria. Batalhára pelos inglezes em Azincourt, no proprio anno da tomada de
+Ceuta, e o rei Henrique <small>V</small> dera-lhe o condado de Avranches, na
+<i>marka</i> franceza, com a ordem da Jarreteira. Essas guerras de França,
+começadas havia tres annos, tinham de durar meio seculo, e talvez os viajantes
+partissem com idéa de tambem intervir n'ellas. Alvaro Vaz, cavalgando ao lado
+do infante, contar-lhe-hia os casos de bravura presenciados no dia famoso de
+Azincourt; e D. Pedro, em volta, lhe diria como fôra a jornada de Ceuta n'esse
+proprio anno»<a name="tex2html18" href="#foot666"><sup>[18]</sup></a>.</p>
+
+<p>A amizade do infante e de Alvaro Vaz<span class="pn">{30}</span> principiára
+antes da partida de D. Pedro para o estrangeiro. <i>Elles eram irmãos de
+armas</i>, circumstancia que, segundo o espirito da época, impunha deveres
+sagrados de reciproca amizade e lealdade<a name="tex2html19"
+href="#foot667"><sup>[19]</sup></a>.</p>
+
+<p>Quando, annos depois, o duque de Coimbra, vendo aproximar-se a hora do
+combate com as tropas d'el-rei seu sobrinho, pergunta a Alvaro Vaz se está
+disposto a todos os sacrificios, incluindo o da morte, tem em resposta:&mdash;Não
+sou eu vosso irmão de armas?<a name="tex2html20"
+href="#foot668"><sup>[20]</sup></a></p>
+
+<p>Eram. Porque ambos haviam sido armados cavalleiros no mesmo dia, em Ceuta,
+depois da victoria.<span class="pn">{31}</span></p>
+
+<p>Alvaro Vaz tinha estado em Inglaterra com o pai, mas devia regressar pouco
+antes de partir D. João <small>I</small> para Africa.</p>
+
+<p>Como já sabemos, João Vaz de Almada teve razões para refugiar-se mais tarde
+em Inglaterra levando comsigo os dois filhos legitimos<a name="tex2html21"
+href="#foot175"><sup>[21]</sup></a>.</p>
+
+<p>Isto passou-se depois da tomada de Ceuta, onde pelas chronicas sabemos que
+estivera João Vaz de Almada, e onde seu filho, Alvaro Vaz, fôra armado
+cavalleiro, por mão do infante D. Pedro<a name="tex2html22"
+href="#foot669"><sup>[22]</sup></a>, tendo ambos, o infante e Alvaro Vaz<a
+name="tex2html23" href="#foot722"><sup>[23]</sup></a>, aproximadamente a mesma
+idade.</p>
+
+<p>Não foi, como documentalmente provaremos,<span class="pn">{32}</span>
+Henrique <small>V</small> que deu a Alvaro Vaz o condado de Avranches.</p>
+
+<p>Não poderia Alvaro Vaz contar ao infante os casos de bravura presenciados no
+dia famoso de Azincourt.</p>
+
+<p>E a razão é obvia. A batalha de Azincourt feriu-se em 1415, e n'este mesmo
+anno, em agosto, se realisou a tomada de Ceuta. Antes, João Vaz e Alvaro
+estiveram de passagem em Inglaterra, para levantar lanças; só posteriormente á
+viagem a Africa com D. João <small>I</small> é que emigraram.</p>
+
+<p>Henrique <small>V</small> reinou de 1413 a 1422.</p>
+
+<p>Depois de Ceuta, o genio ardente e o animo valoroso de Alvaro Vaz não lhe
+consentiram ficar indifferente á guerra que Henrique <small>V</small> movia
+contra o desgraçado Carlos <small>VI</small> para fazer vingar as antigas
+pretenções dos Plantagenets sobre a França.</p>
+
+<p>Alvaro Vaz de Almada pagava assim, combatendo pela Inglaterra, a
+hospitalidade<span class="pn">{33}</span> que elle e a sua familia receberam da
+Inglaterra.</p>
+
+<p>Henrique <small>VI</small>, como veremos por documentos, remunerou-lhe, mais
+tarde, os serviços que elle havia prestado a Henrique <small>V</small>, e ainda
+as provas de amor, obediencia e dedicação que já no seu reinado Alvaro Vaz
+havia dado á corôa de Inglaterra.</p>
+
+<p>D'aqui poderá inferir-se que Alvaro Vaz esteve ainda em Inglaterra depois
+que Henrique <small>VI</small>, contando alguns mezes de idade, succedeu a seu
+pai em 1422, e ahi prestou serviços, ou que, depois de ter regressado ao reino,
+voltasse áquelle paiz, como parece suppôr um escriptor nosso contemporaneo<a
+name="tex2html24" href="#foot671"><sup>[24]</sup></a>.</p>
+
+<p>Pelo que deixamos dito, é mais que<span class="pn">{34}</span> muito
+duvidoso que Alvaro Vaz partisse de Castella cavalgando ao lado do infante D.
+Pedro.</p>
+
+<p>Qualquer que fosse o anno em que o infante partiu, sabemos que já estava na
+Allemanha em 1419, quando o imperador Sigismundo lhe concedeu a marka ou ducado
+fronteiriço de Treviso.</p>
+
+<p>Foi justamente n'esse anno ou pouco antes que Sigismundo, já rei da Hungria,
+herdou de Wenceslau a corôa da Bohemia, e se achou a braços com os Hussitas e
+os Turcos.</p>
+
+<p>Duarte Nunes, o auctor dos <i>Retratos dos varoes e donas</i><a
+name="tex2html25" href="#foot196"><sup>[25]</sup></a>, e outros escriptores dão
+noticia de ter Alvaro Vaz de Almada combatido pelo imperador Sigismundo contra
+os Turcos.<span class="pn">{35}</span></p>
+
+<p>Não custa acredital-o. Sabendo que o seu grande amigo, o infante D. Pedro,
+estava na Allemanha, decerto se daria pressa em avistar-se com elle, indo
+immediatamente ao seu encontro. Como não era homem para estar parado nem
+quieto, continuaria a ser alli «irmão de armas» do infante, combatendo por
+algum tempo a seu lado.</p>
+
+<p>Um escriptor moderno affirma este facto, sem hesitações: «Tambem Alvaro Vaz
+de Almada militou nos exercitos do imperador Sigismundo da Allemanha, e ahi se
+encontrou com o infante D. Pedro, estreitando os laços de amizade que a elle o
+uniam, desde que fôra armado cavalleiro»<a name="tex2html26"
+href="#foot672"><sup>[26]</sup></a>.<span class="pn">{36}</span></p>
+
+<p>É mais natural que Alvaro Vaz se encontrasse com o infante D. Pedro na
+Allemanha do que na Inglaterra, porque D. Pedro parece ter estado n'este paiz
+pouco antes de recolher a Portugal em 1428, visto que a concessão da
+Jarreteira, com que foi agraciado por Henrique <small>VI</small>, tem a data de
+22 de abril de 1427, e Alvaro Vaz já em 1423 estava em Lisboa.</p>
+
+<p>Ha um documento d'esta época, pelo qual Alvaro Vaz de Almada foi nomeado
+capitão-mór da armada de D. João <small>I</small>.</p>
+
+<p>É o seguinte:</p>
+
+<p>«D. João, etc. A quantos esta carta virem fazemos saber que nós querendo
+fazer graça e mercê a Alvaro Vasques de Almada, cavalleiro nosso vassallo, por
+serviços que d'elle recebemos e entendemos a receber ao deante: Temos por bem e
+damol-o por nosso capitão-mór da nossa frota pela guisa que o era Gonçalo
+Tenreiro<span class="pn">{37}</span> em tempo d'el-rei D. Fernando, nosso
+irmão, a quem Deus perdoe, e por a guisa que o foi Affonso Furtado em nosso
+tempo, e porem mandamos aos patrões, alcaides, arraes e pintitaes, comitres e
+bésteiros, galeotes, marcantes, marinheiros e a todos os outros, a que esta
+carta fôr mostrada, que o hajam por nosso capitão-mór, como dito é, e lhe
+obedeçam e façam todas as cousas que lhes elle mandar fazer por nosso serviço,
+e segundo a seu officio pertence, e que possa com elles fazer justiça, ou em
+cada um d'elles, assim como a nós fariamos outrosim se presente estivessemos, e
+mandamos a todas as nossas justiças que cumpram suas cartas e mandados, e lhe
+ajudem a fazer e cumprir direito e justiça em todas as cousas que lhe elle
+assim disser e mandar da nossa parte quando pertence a seu officio, senão sejam
+certos quaesquer que o contrario d'isto fizerem, que lh'o extranharemos
+gravemente<span class="pn">{38}</span> nos corpos e haveres como aquelles que
+não cumprem mandado de seu rei e senhor: em testemunho d'isto lhe mandamos dar
+esta nossa carta, dada em Cintra a vinte e tres dias de junho. El-rei o mandou.
+Martim Vasques a fez, éra do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil
+quatrocentos vinte tres»<a name="tex2html27"
+href="#foot205"><sup>[27]</sup></a>.</p>
+
+<p>Este documento, publicado nas <i>Provas da Historia Genealogica</i>, põe um
+limite preciso e seguro ás viagens de Alvaro Vaz. Por elle vêmos que o <i>bom
+capitão</i> recolheu<span class="pn">{39}</span> ao reino muito primeiro que o
+seu amigo, infante D. Pedro, isto é, cinco annos antes.</p>
+
+<p>D. João <small>I</small> quiz certamente dar, com esta nomeação, uma
+indemnisação á familia Almada: honrar o filho, visto que não pudéra perdoar ao
+pai.</p>
+
+<p>Até ao anno da desgraçada expedição de Tanger (1437) não teve Alvaro Vaz de
+Almada, na sua qualidade de capitão-mór da frota, motivo para se assignalar por
+feitos de armas.</p>
+
+<p>Mas em Tanger o vamos encontrar derramando o sangue pela patria, e
+combatendo com o valor de que já havia dado sobejas provas em Ceuta ao serviço
+de D. João <small>I</small>, e na Inglaterra ao serviço de Henrique
+<small>V</small>.</p>
+
+<p>O infante D. Henrique, tendo chegado a Tanger, estabelece arraiaes n'um
+outeiro que ficava contra o cabo d'Espartel, desviando-se das instrucções que a
+este respeito<span class="pn">{40}</span> lhe havia dado seu irmão o rei D.
+Duarte.</p>
+
+<p>«E em se começando a gente de alojar, sahiu uma voz, com um rumor sem
+certidão, que as portas da cidade estavam abertas e os mouros fugiam; e a este
+alvoroço acudiram muitos de cavallo contra a cidade, para entrarem, e
+commetteram o feito mui ardidamente, e se metteram entre o muro e a barreira, e
+combateram as portas tão rija e ousadamente, que de tres juntas que eram,
+romperam duas; e a terceira, que se diz o Postigo de Guyrer, commetteram com
+fogo: e, por ser forrada de ferro e sobrevir a noite, não foi entrada; e tambem
+porque os mouros a defenderam mui bravamente. E o conde de Arrayolos, por
+mandado do infante, foi recolher a gente que, alli e na porta do castello e nas
+outras da cidade, estava em combates repetidos: em que morreram muitos cavallos
+e alguns christãos, e sahiram muitos<span class="pn">{41}</span> feridos: entre
+os quaes foi o conde de Arrayolos, de uma setta por uma perna, <i>e o capitão
+Alvaro Vaz d'outra por um braço</i>»<a name="tex2html28"
+href="#foot673"><sup>[28]</sup></a>.</p>
+
+<p>É o primeiro ferimento recebido, ao serviço de Portugal, por Alvaro Vaz.
+Qualquer que fosse, porém, a sua gravidade, de novo o vemos a combater
+esforçadamente logo no primeiro combate regular que o infante D. Henrique
+ordenou contra os mouros.</p>
+
+<p>«Mas o infante D. Henrique, vendo que o commettimento por aquella vez não
+succedia como esperava, e que sua gente recebia dos mouros muito damno, a fez
+recolher: de que ficaram até vinte christãos mortos e quinhentos feridos: e
+mandou ficar as bombardas e engenhos em<span class="pn">{42}</span> seus
+alojamentos juntos com o muro d'onde tiravam, cuja guarda encommendou ao
+recebel-a ao capitão Alvaro Vaz e a outros, que, por estarem afastadas do
+arraial e pegadas ao muro, receberam dos inimigos muita affronta e trabalho: e
+elles, na defensão d'ellas e offensão que aos mouros faziam, deram de si claro
+testemunho de valentes cavalleiros»<a name="tex2html29"
+href="#foot674"><sup>[29]</sup></a>.</p>
+
+<p>No segundo combate contra os mouros, o capitão Alvaro Vaz continua a
+assignalar-se:</p>
+
+<p>«E n'este mesmo dia era fóra D. Alvaro de Castro, e o <i>capitão</i>, e
+Gonçalo Rodrigues de Sousa, e Fernam Lopes d'Azevedo, com setenta de cavallo:
+e, topando com quinhentos mouros de cavallaria e muitos de pé, pelejaram com
+elles e, a seu salvo,<span class="pn">{43}</span> lhe mataram quarenta, e
+tornaram victoriosos a recolher-se com o conde (de Arrayolos) e com os outros,
+que dos mouros vinham bem perseguidos»<a name="tex2html30"
+href="#foot675"><sup>[30]</sup></a>.</p>
+
+<p>Mas é sobretudo no tumultuoso embarque das tropas portuguezas, na retirada
+de Tanger, que o capitão Alvaro Vaz, de par com o marechal Vasco Fernandes
+Coutinho, que depois foi feito conde de Marialva, pratica um acto de extremada
+cavallaria.</p>
+
+<p>Oiçamos o chronista:</p>
+
+<p>«... o infante com muito resguardo fez recolher a gente, e encommendou ao
+marechal, e ao capitão Alvaro Vaz, que com alguma somma de bésteiros ficassem
+sobre o atalhamento do palanque, em um arrife que ahi sobre o mar se fazia,
+d'onde contrariassem os mouros por maneira, que<span class="pn">{44}</span> os
+christãos embarcassem com mór segurança, e depois se recolhessem com sua
+ventura o melhor que podessem; e certamente assim como este encargo era de
+grande perigo a estes dois nobres homens, assim n'elle como esfoçados, se
+aproveitaram de muita honra e boa fama que n'elle ganharam, e não sómente
+n'esta, mas em todas as outras affrontas n'este feito passadas, elles por sua
+bondade d'armas, e grandeza de coração, foram havidos por especiaes capitães, e
+notaveis cavalleiros. A gente miuda, com desejo de salvar as vidas de que foram
+desesperados, embarcavam com grande desordenança a que se não podia prover, cá
+se lançavam ao mar soltamente, não esguardando se o batel era do navio, em que
+vieram, se de outro algum, e muitos d'elles por fazerem os mareantes em sua
+salvação mais attentos e diligentes tentavam-n'os com cubiça, offerecendo-lhes
+logo nas mãos, alguma<span class="pn">{45}</span> provesa que ainda escapara; e
+isto começou de dar grande desaviamento á embarcação, e causar algum damno;
+porque a todos os ministros do mar venceu tanto esta aborrecivel cubiça, que
+suspendiam a entrada dos que alguma cousa lhe não peitavam, e os dispunham por
+isso a grande perigo, do que el-rei houve, depois, sabendo-o, gran desprazer, e
+segundo a mostrança de seu desejo, certamente este erro não ficára sem grave
+punição, se d'elle pudéra achar os certos auctores. O marechal, e o
+<i>capitão</i>, como a gente que guardavam viram embarcada, começaram de se
+recolher na melhor ordenança que puderam, mas os mouros, por acabarem de
+mostrar sua falsa concordia, e verdadeira imisade, como os viram mover para
+embarcar, ordenaram dos pavezes que achavam no palanque, uma forte pavezada,
+com que tão rijamente os commetteram, que muitos dos christãos, especialmente
+os<span class="pn">{46}</span> bésteiros, não podendo soffrer um duvidoso
+perigo, tomaram para suas vidas outro maior, e mais certo, lançando-se sem
+algum tento ao mar, onde morreriam até quarenta. <i>E tanto era o primor da
+honra n'estes dois cavalleiros, que em chegando ao batel, que para seu
+recolhimento os esperava, e trazendo com a perseguição dos mouros a morte nas
+costas, á entrada d'elles ambos se rogaram, affrontando um ao outro a primeira
+entrada, procurando com palavras de muita cortezia e grande esforço, por cada
+um ficar por derradeiro em guarda do outro; e porem com todos estes revezes, ao
+domingo pela manhã eram já todos á frota recolhidos</i>»<a name="tex2html31"
+href="#foot676"><sup>[31]</sup></a>.</p>
+
+<p>Este lance da biographia de Alvaro Vaz de Almada é, com effeito, de uma
+galhardia<span class="pn">{47}</span> cavalheirosa, que inflamma o espirito de
+quem n'elle attenta, apesar de sermos chegados a um tempo em que estas proezas
+guerreiras têm já todo o caracter de factos longinquos e semi-phantasticos.</p>
+
+<p>Á volta de Tanger, Alvaro Vaz torna-se verdadeiramente notavel pela
+superioridade com que sabe disfarçar a sua dôr pelo desastre soffrido.</p>
+
+<p>D. Duarte estava em Carnide, quando «... chegaram em tanto a Lisboa dos que
+vinham de Tanger, muitos navios que certificaram o caso como finalmente
+passára, de que el-rei foi logo avisado, e certamente foi mui aspero de ouvir,
+que o infante seu irmão ficava em poder de mouros; mas por saber, que a mais da
+sua gente era em salvo, deu por isso muitas graças a Deus, e como rei virtuoso,
+humano e agradecido, deteve-se n'aquella aldeia, para vêr e agasalhar os que
+vinham do cêrco,<span class="pn">{48}</span> dos quaes muitos, ao tempo que iam
+fazer-lhe reverencia, em disformes semelhanças e tristes vestidos, que para
+isso de industria vestiam, e com palavras a desaventura conformes, se lhe
+mostravam, e d'elles fingiam ser muito mais damnificados do que na verdade o
+foram, com fundamento de carregarem mais na obrigação para o feito de seus
+requerimentos, que alguns logo faziam e outros esperavam fazer, de que el-rei
+recebia publica dôr e tristeza; mas a estes foi mui contrario, o nobre e
+valente cavalleiro Alvaro Vaz de Almada, capitão-mór do mar, que como quer que
+no cêrco de Tanger de sua fazenda perdesse muito, e da honra por merecimentos
+d'armas não ganhasse pouca, como chegou a Lisboa, antes de ir fallar a el-rei,
+logo de finos pannos e alegres côres se vestiu, a si e a todos os seus, e com
+sua barba feita e o rosto cheio de alegria, chegou a Carnide, onde el-rei
+andava<span class="pn">{49}</span> passeiando fóra das casas, e com elle o
+infante D. Pedro, e depois de lhe beijar as mãos e lhe dizer palavras de grande
+conforto, el-rei o recebeu mui graciosamente, e louvou muito sua ida n'aquella
+maneira, que não sómente lhe apontou cousas e razões, para não dever por
+aquelle caso ter nojo nem tristeza, mas ainda que por elle devia ser mui alegre
+e contente, estimando em nada o captiveiro do infante seu irmão, que era um
+homem só e mortal, em que haviam muitos remedios, em respeito da grande fama
+que n'aquelle feito em seu nome se ganhára, aconselhando-lhe mais o repique e
+alvoroço dos sinos, para honra e prazer dos vivos, que o dobrar d'elles que
+ouvia, por tristeza e pelas almas dos mortos; pelo que el-rei começou a mostrar
+que aquelle era o primeiro descanço que seu coração recebia, e por isso e por
+seus bons merecimentos lhe prometteu muita mercê, e grande
+acrescentamento;<span class="pn">{50}</span> e sem duvida assim o fizera, se
+sua antecipada morte o não tolhera»<a name="tex2html32"
+href="#foot677"><sup>[32]</sup></a>.</p>
+
+<p>Ferdinand Denis, referindo-se a esta passagem da vida de Alvaro Vaz,
+escreve: «Mostrou-se principalmente corajoso cavalleiro durante o cêrco de
+Tanger, onde ficou prisioneiro o infante D. Fernando, que morreu em Fez; se bem
+que quando voltou ao reino, o bom rei D. Duarte sahiu para o receber
+pessoalmente, a pé, fóra de Carnide, onde estava. Fez-lhe taes favores e
+mercês, como até então ninguem tinha recebido. Foi d'elle que o rei Affonso de
+Napoles e seu irmão o infante D. Henrique d'Aragão diziam que haviam encontrado
+em Portugal bom pão e bom capitão»<a name="tex2html33"
+href="#foot678"><sup>[33]</sup></a>.<span class="pn">{51}</span></p>
+
+<p>Cumpre advertir que, segundo o testimunho do chronista Pina, o rei D. Duarte
+não teve tempo de fazer a Alvaro Vaz as mercês que desejava, e que as maiores
+que o famoso capitão recebeu não provieram de Portugal, mas de Inglaterra.</p>
+
+<p>Muitos escriptores suppozeram que Alvaro Vaz de Almada fôra feito conde de
+Avranches pelo rei de França, e cavalleiro da ordem da Jarreteira pelo de
+Inglaterra; mas não padece a menor duvida que ambas estas graças lhe foram
+concedidas pelo monarcha inglez, Henrique <small>VI</small>, quando, como rei
+de França, senhoreava o ducado de Normandia.</p>
+
+<p class="centrado">*<br>*&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;*</p>
+
+<p>Dois annos depois do desastre de Tanger, principia a agitar-se em Portugal
+a<span class="pn">{52}</span> famosa questão da <i>regencia</i>, que havia de
+ter um tragico desfecho no combate de Alfarrobeira.</p>
+
+<p>Em agosto de 1439 a rainha D. Leonor passou-se de Santo Antonio do Tojal,
+onde estava, para Sacavem, e o rei menino, Affonso <small>V</small>, tornou
+para Lisboa, onde estava o infante D. Pedro.</p>
+
+<p>Este infante fez reunir em sua casa as pessoas de maior confiança, e entre
+ellas o «seu grande amigo Alvaro Vaz de Almada, capitão-mór do mar»<a
+name="tex2html34" href="#foot679"><sup>[34]</sup></a>, ás quaes se queixou da
+pequena parte que do governo lhe coubera nas côrtes, e communicou a resolução
+de abandonar por completo os negocios do Estado, retirando-se para as suas
+terras.</p>
+
+<p>N'essa reunião particular, de caracter<span class="pn">{53}</span> intimo,
+distinguiu-se Alvaro Vaz aconselhando o infante a que, se lhe não entregassem
+logo todo o poder da regencia, se recolhesse aos seus dominios, «porque perdia
+muito de sua auctoridade e estimação andando na côrte com tão pouca
+auctoridade»<a name="tex2html35" href="#foot249"><sup>[35]</sup></a>.</p>
+
+<p>Era este um meio, habilmente procurado por Alvaro Vaz de Almada, para
+estimular o animo do povo, e apressar os acontecimentos no interesse do
+infante.</p>
+
+<p>A rainha, por sua parte, tomava represalias irritantes contra os amigos e
+partidarios de D. Pedro.</p>
+
+<p>Uma d'ellas foi despedir do seu serviço a irmã de Alvaro Vaz de Almada, por
+desconfiar que ella communicava ao irmão o que se passava na côrte.<span
+class="pn">{54}</span></p>
+
+<p>Este e outros actos, como, por exemplo, a mercê que D. Leonor fizera a Nuno
+Martins da Silveira, aio do rei, dos varejos a que os mercadores de Lisboa eram
+obrigados de sete em sete annos, irritaram profundamente os partidarios do
+infante, entre os quaes eram numerosos os homens do povo.</p>
+
+<p>Foram-se de parte a parte exaltando os animos, a ponto que a rainha julgou
+conveniente á sua segurança transferir-se de Sacavem para Alemquer.</p>
+
+<p>N'este lance da narrativa encontram-se Ruy de Pina e Gaspar Landim, se bem
+que ambos elles se equivoquem, quando se referem a Alvaro Vaz de Almada, em
+attribuir a mercê do condado de Avranches ao rei de França e a da Jarreteira ao
+de Inglaterra, quando foram feitas, como sabemos, pelo mesmo rei, que ao mesmo
+tempo se intitulava rei de Inglaterra e de França.<span class="pn">{55}</span>
+</p>
+
+<p>«Os officiaes de Lisboa,&mdash;diz Ruy de Pina,&mdash;vendo esta mudança da rainha
+fizeram logo seu ajuntamento, onde Vicente Egas Homem, cidadão velho, entendido
+e de grave representação fez uma falla com largo recontamento, cuja substancia
+foi avisar a cidade dos males e perigos, que por as mudanças presentes se lhe
+apparelhavam; e como para terem por cabeça alguma pessoa que por ella os
+resistisse, lhe era necessario elegerem e tomarem alferes, <i>apontando logo o
+capitão Alvaro Vaz de Almada, que da cidade fôra o derradeiro alferes, como por
+outros muitos e mui dignos merecimentos e louvores, que d'elle com verdade
+recontou</i>; no que todos consentiram, e por dois cidadãos o enviaram logo
+chamar por quanto era fóra da cidade; e em chegando á Ribeira, sendo já sabida
+a determinação sobre que vinha, se ajuntou com elle a mór parte da cidade e
+assim acompanhado com grande<span class="pn">{56}</span> honra foi levado á
+camara, onde por os vereadores com certas cerimonias e largas palavras <i>de
+grande seu louvor e muita confiança, lhe foi entregue a bandeira da cidade com
+suas condições</i>; e elle a recebeu com palavras cortezes, e discretas, e de
+grande esforço; porque era cavalleiro que <i>n'este reino e fóra d'elle por
+experiencias mostrou</i>, que isto e muito <i>mais de louvor havia n'elle</i>,
+cá em França por sua ardideza e bondades foi feito conde de Abranches, e em
+Inglaterra por sua valentia foi recebido por companheiro da ordem da
+Jarreteira, de que principes christãos, e pessoas de grande merecimento são
+confrades; e em Portugal por todas estas, e mais por sua linhagem e fidalguia
+mereceu ser como foi capitão-mór do mar»<a name="tex2html36"
+href="#foot680"><sup>[36]</sup></a>.<span class="pn">{57}</span></p>
+
+<p>Ouçamos agora, na passagem parallela a esta, o testimunho de Gaspar de
+Landim:</p>
+
+<p>«E tanto que em Lisboa se soube a mudança da rainha (<i>de Sacavem para
+Alemquer</i>), como não havia acto seu que não parecesse mal aos cidadãos e
+povo d'ella, se ajuntaram com os vereadores, e entre elles o costumado Vicente
+Egas como mais contrario das cousas da Rainha, e favorecedor das do Infante lhe
+fez uma pratica mui larga toda em seu favor d'elle, em qual encareceu
+grandemente os males e perigos que dizia estarem-lhes apparelhados áquella
+cidade e a todo o reino por ordem da Rainha, pelo que era necessario elegerem
+um capitão que lhe servisse de cabeça, e os defendesse, a quem obedecessem,
+para o qual effeito, pois que o Infante D. Pedro estava ausente (<i>em
+Camarate</i>), ninguem o podia melhor fazer que o capitão Alvaro Vaz de
+Almada,<span class="pn">{58}</span> grande amigo e familiar do Infante, e para
+que não houvesse duvida na eleição d'elle recontou grandes feitos seus, e de
+seu pai João Vaz de Almada, encarecendo sobre modo seu valor e merecimentos; o
+qual logo de commum consentimento foi nomeado e eleito por defensor da cidade,
+capitão e alferes-mór, e para haver esta eleição effeito bastou saber que era
+mui contrario ás cousas da Rainha e suas cousas, e mui affecto ás do Infante; o
+qual foi logo mandado chamar a uma quinta onde estava, e em entrando na cidade,
+chegando á Ribeira se juntou todo o povo e cidadãos com elle para o acompanhar,
+e d'ahi o levaram á camara com grande alvoroço e muitas exclamações de
+libertador e defensor d'aquella cidade, e entrando na camara lhe foi entregue a
+bandeira com muitas condições e declarações todas em favor do Infante D. Pedro,
+e contrarias á Rainha; com as quaes elle a recebeu,<span class="pn">{59}</span>
+e com palavras significadoras de grande agradecimento prometteu tudo cumprir.
+</p>
+
+<p>«Os cidadaos e povo muito satisfeitos, confiados e a seu parecer seguros de
+todos os medos e destruições que sobre si fingiam haverem de vir, e lh'o faziam
+crêr, e por taes se deram com a eleição do seu defensor.</p>
+
+<p>«Era Alvaro Vaz de Almada cavalleiro que assim n'este reino, como em outros,
+tinha feito grandes cousas por seu esforço em que cabiam aquelles e outros
+maiores cargos, ainda que foi notado de temerario e arrogante, e como tal deu
+muita cousa, e foi a principal parte da casa do infante D. Pedro, de sua honra
+e vida; e por seu esforço foi feito por el-rei de França conde de Abranches, e
+em Inglaterra por valorosos feitos lhe foi dada a honra da Garrotea, da qual
+n'aquelle tempo se honraram muitos principes, e em Portugal depois de<span
+class="pn">{60}</span> tornado a elle foi feito por el-rei D. Duarte
+capitão-mór do mar».</p>
+
+<p>Aqui temos Alvaro Vaz de Almada lançado na accesa lucta travada entre o
+infante e a rainha, e vel-o-hemos acompanhar sempre D. Pedro, até á morte, com
+aquella cega dedicação, que já era antiga, porque datava de Ceuta.</p>
+
+<p>O povo de Lisboa, poucos dias depois da eleição de Alvaro Vaz, acclamára o
+infante D. Pedro como unico governador do reino, n'um acto solemne realisado na
+egreja de S. Domingos.</p>
+
+<p>N'este momento, Alvaro Vaz é o braço direito do infante e o querido do povo,
+o homem escolhido para todas as missões importantes.</p>
+
+<p>Assim, foi designado para ir solicitar do infante D. João que viesse a
+Lisboa, onde a sua presença se reputava necessaria.</p>
+
+<p>O emissario logrou convencer o infante,<span class="pn">{61}</span> que veio
+logo, hospedando-se na casa da Moeda<a name="tex2html37"
+href="#foot681"><sup>[37]</sup></a>.</p>
+
+<p>Novamente se tornou a reunir o povo, agora nos paços do concelho, fallando
+por essa occasião o dr. Affonso Mangancha e Alvaro Vaz.</p>
+
+<p>Ruy de Pina dá-nos a summula do discurso do famoso <i>Capitão</i>:
+«encommendaram logo ao <i>Capitão</i> que désse sobre o caso sua voz, que a deu
+com cautelas e fundamentos de homem prudente, e mui avisado, em que concluiu
+mais além, que era crime e aleijão elrei ser creado em<span
+class="pn">{62}</span> poder de mulheres; e não menos erro reger a rainha, não
+sem muitos merecimentos e grandes louvores d'ella, que tambem apontou para ser
+sempre servida e acatada: e que o infante D. Pedro devia reger»<a
+name="tex2html38" href="#foot682"><sup>[38]</sup></a>.</p>
+
+<p>Como sabemos, o povo havia entregado a D. Alvaro a defeza e guarda da cidade
+de Lisboa. O infante D. Pedro confirmou, por um diploma official, a escolha que
+o povo fizera, nomeando D. Alvaro alcaide-mór do castello, investindo-o
+officialmente nas funcções, que já exercia, de defensor dos moradores de
+Lisboa.</p>
+
+<p>«Dom Affonso etc. A quantos esta carta virem fazemos saber que vendo nós e
+considerando os muitos e estremados serviços que o capitão-mór Alvaro Vasques
+de Almada, Rico Homem e do nosso conselho,<span class="pn">{63}</span> fez a
+ElRei meu Senhor e Pai e a ElRei Dom João, meu Avô, e isso mesmo a nós e ao
+diante entendemos receber, e os muitos trabalhos e perigos em que foi assim
+fóra dos nossos reinos como em elles por honra d'elles, e querendo-lhe
+galardoar e conhecer, como todo bom Rei e theudo, aquelles que bem e lealmente
+servem, conhecendo sua grande lealdade, porém de nosso motu proprio, livre
+vontade, certa sciencia, poder absoluto, temos por bem e fazemol-o nosso
+alcaide mór do nosso castello da nossa mui nobre e leal cidade de Lisboa, pelo
+que nos fez preito e menagem uma, duas e tres vezes de nós em elle receber
+irado e pagado no alto e no baixo, segundo mais cumpridamente é, contheudo na
+fórma de sua menagem, a qual é escripta no livro das menagens que anda em a
+nossa camara é assignada por elle. E porém mandamos a todos os fidalgos,
+cavalleiros, escudeiros, corregedores,<span class="pn">{64}</span> juizes,
+justiças, conselho e homens bons da dita cidade, que d'aqui em diante o hajam
+por nosso alcaide em o dito castello e outro nenhum não, não embargando que o
+até aqui tivesse D. Affonso, o qual nos praz nem queremos que o mais seja pelo
+assim entendermos por nosso serviço, aos quaes mandamos que lhe obedeçam assim
+como alcaide e saiam com elle e sem elle cada vez que por elle ou da sua parte
+forem requeridos em aquillo que a seu officio pertencer para se fazer direito e
+justiça. Outrosim queremos que tenha e haja de nós todas as rendas e direitos
+que á dita alcaideria pertencem segundo é contheudo em nossa carta, que d'isso
+tem, e os possa arrecadar, tirar e arrendar por si e por seus procuradores e
+homens como a elle mais prouver. E em testimunho d'isso lhe mandamos dar esta
+nossa carta. Dante (?) em Santarem cinco dias de abril por auctoridade do
+Senhor Infante Dom Pedro,<span class="pn">{65}</span> tutor e curador do dito
+Senhor Rei, Regedor defensor por elle de seus Reinos e Senhorios. Martins Gil a
+fez, anno de Nosso Senhor Jesus Christo de mil quatrocentos e quarenta<a
+name="tex2html39" href="#foot683"><sup>[39]</sup></a>.</p>
+
+<p>Mas Alvaro Vaz chegava para tudo, e o infante encarregou-o de ir tomar o
+castello da Ameeira, que estava por D. Leonor. A esse tempo a rainha havia-se
+entrincheirado no Crato.</p>
+
+<p>D. Alvaro deu-se pressa em partir para ir desempenhar esta nova commissão.
+</p>
+
+<p>Vejamos o que diz Ruy de Pina; prefiro, sempre que seja isso possivel,
+empregar a linguagem das chronicas, porque tem um sabor antigo, que se
+conforma<span class="pn">{66}</span> melhor com o assumpto, tambem antigo, do
+que a nossa linguagem actual.</p>
+
+<p>«O capitão Alvaro Vaz a que o cerco da Ameeira, como disse, era encarregado,
+partiu de Lisboa por terra com sua gente d'armas e de pé, que era muita e mui
+bem concertada, e assim com os artilheiros e provisões, que para o cerco
+convinham, e todo posto em mui segura e singular ordenança, <i>fazendo-o assim
+como homem que o vira, e passára em outros reinos já muitas vezes</i>. E tambem
+folgou de o ordenar assim por dar a entender n'este pequeno cerco, o que faria
+em outros maiores se lh'os encommendassem».</p>
+
+<p>O resultado da Jornada da Ameeira foi satisfatorio, como todos os
+partidarios do infante esperavam, visto que a incumbencia tinha sido confiada
+ao valoroso <i>Capitão</i>.</p>
+
+<p>O castello rendeu-se pouco depois de D. Alvaro lhe ter posto cerco.<span
+class="pn">{67}</span></p>
+
+<p>O joven Affonso <small>V</small>, que estava então em Alemquer, tanto tinha
+ouvido fallar de Alvaro Vaz de Almada, que quiz vêl-o por força quando elle
+passava para a Ameeira. A sua imaginação de creança estava exaltada pela fama
+d'esse cavalleiro portentoso, que já tinha uma lenda de heroicidade, com que
+regressára do estrangeiro, e que em Portugal continuava a glorifical-o.</p>
+
+<p>Referindo-se ao pequeno rei, diz Ruy de Pina: «desejou muito de vêr o
+Capitão, e sua gente na ordenança de guerra em que vinham, e sentindo-lhe
+Alvaro Gonçalves de Athayde, seu aio, este vivo orgulho e desejo, louvou-lh'o
+muito. E disse que era bem que cumprisse: mas por não errar em seu serviço e
+estado indo de proposito vêr uma sua cousa tão pequena, seria bem que como
+d'acerto fosse a caça, ao campo d'entre Castanheira e Villa Nova, e que ali
+como de recontro veria o<span class="pn">{68}</span> Capitão, e a gente que
+então havia de passar. E a outro dia andando alli el-rei com seus galgos e
+gaviões, assomou o Capitão, e sabendo já que el-rei o queria vêr apurou ainda
+muito mais sua ordenança, e de sua pessoa com seus pagens armados se concertou
+com grande perfeição. Porque n'aquelle acto de armas, <i>por seu braço e por
+experimentadas ardidezas passadas, a elle n'este reino se dava muito
+louvor</i>, e tanto que foi atravez d'onde o rei olhava, se apartou só da gente
+armado sobre uma facanea, e com grande alegria e desenvoltura se lançou fóra
+d'ella, e a pé foi beijar as mãos a el-rei, e lhe disse:&mdash;«Senhor, assim como
+eu sou o primeiro que Vossa Senhoria vê n'estes habitos, assim, prazendo a
+Deus, não serei eu n'elles o segundo, em todo o que cumprir por vosso serviço,
+e por defensão de vossos reinos». El-rei folgou muito de o vêr, e com palavras
+e contenenças lhe fez mais honra e<span class="pn">{69}</span> mór acolhimento,
+do que de sua pouca idade se esperava, e assim se despediu o Capitão, e seguiu
+sua viagem até a Ameeira, que logo cercou e combateu até que a tomou<a
+name="tex2html40" href="#foot684"><sup>[40]</sup></a>.</p>
+
+<p>Um homem de tamanho vulto, como era D. Alvaro Vaz de Almada, por força havia
+de ter inimigos, especialmente n'uma época em que os interesses politicos da
+sociedade portugueza estavam profundamente divididos em dous campos oppostos.
+</p>
+
+<p>Uma carta regia, que se encontra no archivo da camara municipal de Lisboa e
+é datada de 12 de maio de 1440, dá conhecimento de não ter sido permittido que
+Alvaro Vaz de Almada, alcaide-mór, intentasse acção, para se desaggravar do que
+contra a sua pessoa tinham dito e feito alguns<span class="pn">{70}</span>
+officiaes da cidade; e recommenda-lhes que reciprocamente usassem d'aquella boa
+maneira e amizade, com que sempre se haviam tratado<a name="tex2html41"
+href="#foot685"><sup>[41]</sup></a>.</p>
+
+<p>A reacção, por parte dos sequazes da rainha, decerto procuraria amesquinhar
+e desprestigiar D. Alvaro, a alma do movimento em favor do infante.</p>
+
+<p>Parece que, entre outras accusações, lhe fizeram tambem a de haver impedido
+a entrada de um navio carregado de trigo, que era preciso ao consumo publico.
+</p>
+
+<p>Mas, não obstante este e outros meios de reacção, a causa da rainha
+naufragava: D. Leonor fugira para Castella, segundo parece, no dia 29 de
+dezembro de 1440.</p>
+
+<p>N'este momento desapparece-nos Alvaro<span class="pn">{71}</span> Vaz de
+Almada do theatro dos acontecimentos, sem que os chronistas nos dêem a chave do
+enygma.</p>
+
+<p>Apenas se sabe, por uma phrase vaga de Ruy de Pina, e por outra phrase, não
+menos vaga, do proprio infante D. Pedro, que elle estivera em Ceuta.</p>
+
+<p>Julgaria D. Alvaro,&mdash;insaciavel de correr perigos e aventuras,&mdash;que a sua
+presença não era já precisa em Portugal ao infante D. Pedro, cuja causa estava
+ganha? Dar-se-ia em Ceuta algum acontecimento, que fizesse com que o infante,
+como regente do reino, entendesse ser necessario mandar alli o seu mais seguro
+e dedicado amigo?</p>
+
+<p>Ficou em Ceuta D. Alvaro ou iria tambem ao estrangeiro, tentar novos feitos
+de armas, hypothese a que se inclina o collaborador do <i>Diccionario
+popular</i>?<span class="pn">{72}</span></p>
+
+<p class="centrado">*<br>*&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;*</p>
+
+<p>Foi effectivamente durante esta sua ausencia que Henrique <small>VI</small>
+o encheu de mercês importantissimas.</p>
+
+<p>«D. Alvaro Vaz estava então militando em Ceuta, e esse homem de nobilissimo
+caracter, que, emquanto D. Pedro foi feliz, se conservou afastado, voltando
+até, segundo todas as probabilidades, ao estrangeiro, porque não é natural que
+em 1445 Henrique <small>VI</small> de Inglaterra lhe conferisse todas as graças
+que dissemos, na sua ausencia, D. Alvaro, apenas soube o que se tramava contra
+o seu irmão de armas, veio logo para Portugal...»<a name="tex2html42"
+href="#foot686"><sup>[42]</sup></a><span class="pn">{73}</span></p>
+
+<p>Por minha parte pendo a acreditar que D. Alvaro não sahiu de Ceuta, mas devo
+dizer, francamente, que caminho apenas por conjecturas.</p>
+
+<p>É possivel que a morte do pai e do irmão mais velho, ignorando eu comtudo a
+data certa em que falleceram, levasse Henrique <small>VI</small> a galardoar em
+D. Alvaro os serviços que anteriormente havia recebido d'elle proprio e da sua
+familia.</p>
+
+<p>Mas é mais provavel que, «por esforço do infante D. Pedro», como diz Landim,
+lhe fossem feitas aquellas mercês.</p>
+
+<p>As duas phrases, de Ruy de Pina e do infante D. Pedro, que logo citaremos,
+fallam apenas de Ceuta; supponho, por isso, que D. Alvaro Vaz de Almada não
+iria mais longe n'essa segunda ausencia.</p>
+
+<p>O que é certo é que as mercês de Henrique <small>VI</small> a D. Alvaro são
+do anno de 1445, em que o valoroso <i>Capitão</i> estava fóra de Lisboa.<span
+class="pn">{74}</span></p>
+
+<p>Os documentos comprovativos das mercês encontrou-os o snr. Figanière, e
+indicou-os pela primeira vez no <i>Catalogo dos manuscriptos portuguezes
+existentes no muzeu de Londres</i> (Lisboa, 1853), por esta fórma;</p>
+
+<p>«N.º 6.298. <i>Fol. 316</i>&mdash;Noticia de D. Alvaro Vaz de Almada, conde de
+Abranches, cavalleiro da Jarreteira.</p>
+
+<p>«<i>Fol. 317</i>&mdash;Cópia de um documento passado sob o sêllo privado (<i>copy
+of Privy Seal</i>) em que contém a eleição de D. Alvaro de Almada, como
+cavalleiro da Jarreteira, e creando-o conde de Abranches em Normandia. Datado
+de Westminster a 4 de agosto do 23.º anno do reinado de Henrique
+<small>VI</small>, rei de Inglaterra; isto é, de 1445.</p>
+
+<p>«<i>Fol. 319 verso</i>&mdash;Cópia de outro semelhante documento, concedendo ao
+mesmo D. Alvaro de Almada, conde de Abranches, a somma annual de 100
+marcos.<span class="pn">{75}</span> Datado de Westminster a 9 de agosto do
+mesmo anno.</p>
+
+<p>«<i>Fol. 320 a 321</i>&mdash;Cópia de outro semelhante documento, dando ao mesmo
+D. Alvaro de Almada uma taça de ouro do valor de 40 marcos, a qual continha 100
+marcos em dinheiro. Datado de 13 de agosto do já referido anno.</p>
+
+<p>«Os quatro precedentes documentos estão collocados em seguida uns dos
+outros».</p>
+
+<p>Eis o que dizia o <i>Catalogo</i>. Tres annos depois, no <i>Panorama</i>, o
+snr. Figanière publicava na integra os documentos, cuja traducção vamos dar em
+seguida:</p>
+
+<p>«Nos Archivos da Torre de Londres, rotulo de França, anno 23, maço 6,
+pergaminho 2.º</p>
+
+<p>«Henrique, por Graça de Deus Rei de Inglaterra, de França e Senhor da
+Irlanda, aos Arcebispos, Bispos &amp; saude.</p>
+
+<p>«De grandes louvores devem ser cumulados, e com singular gloria
+exaltados<span class="pn">{76}</span> os que com ardente zelo se empenham em
+sacrificar o seu tempo e até a propria vida á salvação da Patria; que se expõem
+aos perigos para assegurar a tranquillidade publica, e que acima de todas as
+cousas d'este mundo ambicionam fama illustre e nome immortal, e se dão por
+felizes quando julgam poder com os seus serviços e lealdade promover o publico
+bem. Oh benemerita classe de homens! sem os quaes não poderiam gozar de
+segurança as cidades, as fortalezas, os reinos, os dominios, os Principes da
+terra, nem mesmo a propria Terra. Oh muito illustres e justos varões! sob cuja
+administração exemplar todas as virtudes se avigoram e florecem, os máos são
+reprimidos e os criminosos castigados. Ninguem ha, certamente, que com digno
+louvor possa celebrar por escripto ou de palavra almas tão nobres. N'este
+numero se deve contar e celebrar o insigne e preclaro varão, o bravo e glorioso
+militar,<span class="pn">{77}</span> D. Alvaro de Almada, que desde <i>tenra
+idade, apenas saido da infancia</i>, apaixonado de gloria militar e
+ambicionando os premios dos valentes e a salvação commum, com todo o esforço e
+zelo se applicou aos exercicios militares, e logo que chegou á idade mais
+propria para a guerra, cresceu-lhe o esforço com a idade, e em defeza do Estado
+se portou com tão superior coragem que nada lhe parecia agradavel, digno de
+estima ou de apreço se não se encaminhasse ao bem commum; e tal valor mostrou
+nos perigos da guerra, e tal prudencia no remanso da paz, que com toda a
+justiça se devem premios ao seu trabalho. Por estas razões considerando nós a
+nobreza d'este varão, e as eminentes qualidades que, unidas a seus feitos, lhes
+dão grande realce, e outrosim as gloriosas façanhas por elle praticadas no
+<i>tempo do Christianissimo Rei de gloriosa memoria nosso Antecessor, realçadas
+ainda<span class="pn">{78}</span> pelas provas de amor, obediencia e dedicação
+que a nós e nossos reinos elle tem dado</i>; o nomeamos cavalleiro socio e
+irmão da ordem da Jarreteira por voto unanime d'esta Ordem; e em testimunho de
+nossa Real Munificencia e das suas virtudes o nomeamos e estabelecemos Conde de
+Avranches no nosso Ducado de Normandia; e cingindo-lhe a espada o investimos
+n'este nome, dignidade e titulo e com elle effectivamente o honramos. Queremos
+e mandamos por nós e por nossos herdeiros que o dito nosso leal Dom Alvaro
+conserve perpetuamente para si e seus herdeiros varões, seus descendentes
+havidos em legitimo matrimonio, o nome e dignidade de Conde de Avranches. Foram
+testimunhas os veneraveis Padres: I. arcebispo de Cantuaria; I. arcebispo de
+Yorck; Thomaz, de Norwich; Will, de Sarum; I. Bathon e Wellen, bispo de
+Gloucester, tio materno do nosso carissimo Duque Humfredo;<span
+class="pn">{79}</span> e os nossos carissimos parentes os duques João Exon, e
+Humfredo Buck; e Wilhelmo, marquez de Suffolk; João, visconde de Beaumont e
+seus amados e fieis soldados Radulpho Cromwell e Radulpho Bottler, thesoureiros
+de Inglaterra, e o chanceller Mestre Adam Moleyns e outros. Dado por nossa mão
+em Westminster a 4 de agosto. Por carta de sello privado passada n'esta mesma
+data»<a name="tex2html43" href="#foot688"><sup>[43]</sup></a>.<span
+class="pn">{80}</span></p>
+
+<p>«Nos Archivos da Torre de Londres, rotulo de França, anno 23.º, maço 6.º,
+pergaminho 2.º</p>
+
+<p>«Eu El-Rei aos que esta virem &amp; saude.</p>
+
+<p>«Tomando em consideração a lealdade,<span class="pn">{81}</span>
+intelligencia, circumspecção, affecto, serviços e todas as mais cousas dignas
+de menção que <i>a nosso amantissimo Pae de feliz memoria, e tambem a nós</i>
+com singular desvelo prestou o nosso leal D. Alvaro de Almada, Conde de
+Avranches, do conselho<span class="pn">{82}</span> do nosso Parente o muito
+excellente Principe e poderosissimo Senhor Rei de Portugal, e capitão mór em
+todos os seus reinos e dominios, e Alcaide mór da cidade de Lisboa, e querendo
+outrosim que taes serviços não fiquem em esquecimento e sem<span
+class="pn">{83}</span> recompensa: por nosso motu proprio concedemos ao mesmo
+D. Alvaro em quanto viver cem marcos de pensão annual, a receber do nosso
+Erario de Inglaterra por mão do nosso thesoureiro e officiaes que então alli
+servirem, e a vencer em porções eguaes pela Paschoa e pelo S. Miguel. Em fé do
+que é. Testimunha R.»</p>
+
+<p>«Westminster 9 de agosto»<a name="tex2html44"
+href="#foot689"><sup>[44]</sup></a>.</p>
+
+<p>«Sello particular do Governo, 13 de agosto 23 H. 6.&mdash;Nós, tomando em
+consideração<span class="pn">{84}</span> os bons serviços, grande zelo, e bom
+amor que nosso fiel e bem amado Alvaro de Almada, cavalleiro de Portugal, nos
+tem feito e prestado e aos nossos muito nobres antepassados, o temos feito e
+creado ha pouco tempo conde de Avranches, e além d'isso temos concedido ao dito
+Alvaro uma pensão de 100 marcos por anno durante a sua vida. Nós vos ordenamos
+de lhe entregar uma taça de ouro do valor de quarenta marcos<a
+name="tex2html45" href="#foot347"><sup>[45]</sup></a> e a somma<span
+class="pn">{85}</span> de cem marcos contidos na dita taça»<a name="tex2html46"
+href="#foot690"><sup>[46]</sup></a>.</p>
+
+<p>Estas mercês foram feitas por Henrique <small>VI</small> na sua dupla
+qualidade de rei de Inglaterra e duque de Normandia em França. Insistimos
+n'este ponto para combater o erro em que tantos escriptores nacionaes e
+estrangeiros têm cahido, de suppor que Alvaro Vaz recebera do rei de Inglaterra
+a ordem da Jarreteira, e do rei<span class="pn">{86}</span> de França o condado
+de Avranches, que estava incluido no antigo ducado de Normandia. O rei era um
+só. A este respeito com inteira razão nota o snr. Oliveira Martins que nem se
+concebe que, estando em guerra os dous reinos, o mesmo homem fosse feito conde
+de Avranches pelo rei de França e cavalleiro da Jarreteira pelo rei de
+Inglaterra<a name="tex2html47" href="#foot691"><sup>[47]</sup></a>.</p>
+
+<p>Em 1447, o joven rei D. Affonso <small>V</small><span class="pn">{87}</span>
+pede a seu tio o infante D. Pedro que lhe entregue as redeas do governo, o que
+immediatamente consegue.</p>
+
+<p>É então que principia a agitar-se em torno do infante ex-regente a intriga
+atiçada pelo duque de Bragança.</p>
+
+<p>Os conselheiros de D. Affonso <small>V</small> diziam-lhe, segundo conta
+Pina, que «por segurança não sómente de sua vida, mas da justiça e fazenda
+tirasse, como logo tirou, todos os officios, que os criados de seu<span
+class="pn">{88}</span> tio na côrte tinham de qualquer qualidade que fossem,
+pondo suspeições e testimunhos falsos, a uns que erravam na justiça, e a outros
+que roubavam a fazenda, e a outros que dariam peçonha a el-rei, segundo a cada
+um em seus officios podia tocar, e para parecer que o queriam provar, não
+falleciam logo pessoas induzidas, que com medo de pena, ou com esperança de
+galardão, que lhe promettiam, na sua vontade o testimunhavam»<a
+name="tex2html48" href="#foot692"><sup>[48]</sup></a>.</p>
+
+<p>O que é certo é que, apesar de todas estas machinações dos inimigos do
+infante D. Pedro, o joven rei Affonso não se mostrou severo, nem mesmo
+reservado, com D. Alvaro Vaz de Almada quando elle recolheu a Lisboa.</p>
+
+<p>É que, como logo veremos pelas palavras do infante D. Pedro, Alvaro Vaz
+tinha<span class="pn">{89}</span> augmentado a sua gloria militar, praticando
+<i>em Ceuta</i> novos e brilhantes feitos de armas.</p>
+
+<p>N'este lance da narrativa, precisamos recorrer mais uma vez ao testimunho
+de Ruy de Pina, transcrevendo um capitulo da sua <i>Chronica</i>:</p>
+
+<p>«<i>A este tempo chegou tambem a Lisboa, que vinha de Ceuta</i>, o conde
+d'Abranches, que sobre todos era grande servidor e muito amigo do infante D.
+Pedro, e publico imigo do conde d'Ourem, e em sua chegada não foi então
+d'el-rei e de sua côrte assim agasalhado e honrado, como seus serviços
+presentes e merecimentos passados requeriam. Porém o conde assim como era de
+nobre sangue, assim não fallecia n'elle uma graciosa soltura de dizer, com mui
+esforçado coração e singular agradecimento, com que ante el-rei e os de sua
+côrte, no publico e no secreto defendia muito a honra e estado<span
+class="pn">{90}</span> do infante D. Pedro, com claro exemplo e vivas razões de
+sua mui louvada lealdade, afeando muito com grande audacia os movimentos e
+maldades, que seus imigos tão sem causa contra elle moviam. E como quer que
+el-rei fosse induzido, que não ouvisse o conde e o mandasse ir fóra de sua
+côrte, pondo-lhe que em todas as culpas do infante elle era muito culpado,
+porém porque el-rei era de alto coração, accêso no ardor de actos
+cavalleirosos, suspirando para grandes empresas, folgava muito de o ouvir, e
+começava dar-lhe de si muita parte e acolhimento, especialmente porque o
+infante D. Henrique ante el-rei muitas vezes por cousas muito assignaladas em
+que o vira, dizia por elle, que não sómente Portugal, mas Hespanha toda se
+devia de haver por honrada crear tal cavalleiro. E porque os imigos do infante
+viram, que a vontade d'el-rei ácerca do conde não terçava por elles<span
+class="pn">{91}</span> como desejavam, lançaram-lhe amigos d'elle lançadiços, e
+pessoas de credito que com resguardo de grande segredo o aconselhassem, que se
+fosse fóra da côrte, e não entrasse em um conselho publico que se então fazia,
+avisando-o manhosamente que n'elle por cousas do infante D. Pedro o haviam de
+prender. Mas o conde com a cara cheia d'essa forçada segurança, lhe
+disse&mdash;<i>Amigos, certamente pelos muitos e grandes serviços que tenho feitos a
+esta casa de Portugal, eu lhe mereço mais villas e castellos com que me
+acrecente, que prisões nem cadêas em que sem causa me ponha, e por tanto com
+todo o que me dizeis, sabei que não hei de fugir do conselho e serviço d'el-rei
+nosso senhor, pois leal e verdadeiramente sempre o segui. E porém se tal cousa,
+e por tal causa se move contra mim, sabei certo que em defender minha honra, e
+limpeza d'aquelle senhor, eu me mostrarei hoje digno de ser confrade da<span
+class="pn">{92}</span> santa Garrotea que recebi, e espero em Deus que sem
+ociosidade de minhas mãos, os que me quizerem visitar antes seja na sepultura,
+que nos carceres nem cadêas, e por isso não hajaes dó nem compaixão de minha
+vida porque minha morte honrada a fará com louvor viver mui viva, e muito mais
+honrada nas memorias dos homens para sempre.</i> Pelo qual o conde depois de
+com esta determinação despedir estes manhosos e dobrados conselheiros; porque a
+hora do conselho se chegava, a que determinou ir, se vestiu de pannos finos mui
+bem e muito melhor d'armas secretas, com que entrou no paço, onde seus imigos,
+vendo a segurança de sua pessoa, foram claramente certificados do esforço e
+bondade de seu coração. E estando el-rei na casa do conselho, onde eram muitos
+senhores presentes e os principaes imigos do infante, o conde e com cara que
+mais parecia que ameaçava que temia, lhe tocou em sua<span
+class="pn">{93}</span> prisão que lhe fora revelada, e assim lhe fallou com
+muito repouso e grande auctoridade nas cousas do infante e suas, approvando sua
+bondade e lealdade por termos, e com razões a todos tão manifestas, que se não
+podiam contrariar; concluindo, que quaesquer pessoas de qualquer estado e
+condição que fossem, que do contrario tinham informado a El-Rei, eram com
+reverencia e acatamento de sua real pessoa, a Deus e a elle e ao mundo máus e
+traidores, e que com licença e consentimento de sua senhoria os combateria por
+armas, <i>e em campo a tres d'elles os melhores juntamente</i><a
+name="tex2html49" href="#foot377"><sup>[49]</sup></a>. A resposta d'el-rei para
+o conde foi então graciosa e branda, e com mostrança que lhe pesara de o ouvir,
+que para o mau fundamento dos que tratavam a morte do infante, foram mui
+tristes signaes,<span class="pn">{94}</span> e por arredarem el-rei do infante
+D. Henrique e do conde, que começavam ser causa, que de todo impedia seu
+damnado proposito, o levaram a Cintra aforrado».</p>
+
+<p>Este ultimo periodo de Ruy de Pina tem sido interpretado por alguns
+escriptores com manifesta confusão. Suppõem elles que Alvaro Vaz é que foi
+levado para Cintra, e não o rei. Eu entendo o contrario. Em Major a redacção
+póde suscitar duvidas; diz o erudito inglez: «Apesar da frieza, que lhe
+mostraram (ao conde de Avranches) por sua amizade a D. Pedro, foi sempre seu
+caloroso e perseverante defensor, e tal poder tinha sua influencia, que os maus
+conselheiros de elrei julgaram conveniente fazel-o retirar para Cintra»<a
+name="tex2html50" href="#foot694"><sup>[50]</sup></a>.<span
+class="pn">{95}</span> Soares da Sylva, deixando-se arrastar pelo equivoco,
+escreve: «N'este mesmo tempo veio á Côrte o Conde de Abranches D. Alvaro Vaz de
+Almada, que até alli estava <i>em Cintra</i><a name="tex2html51"
+href="#foot695"><sup>[51]</sup></a>.</p>
+
+<p>Ora, em face do texto de Pina, vê-se que Alvaro Vaz veio de <i>Ceuta</i>, e
+que os cortezãos, para subtrairem D. Affonso <small>V</small> á influencia do
+conde, levaram o rei <i>aforrado</i> para Cintra.</p>
+
+<p>D. Antonio de Lima, no <i>Nobiliario</i>, diz que Alvaro Vaz de Almada armou
+tres navios contra os genovezes que andavam no Estreito, que lhes tomou uma
+carraca, e praticou outros feitos valorosos. Não diz, porém, em que época isto
+succedeu. Mas poderá talvez presumir-se que fosse n'esta segunda ida a Ceuta, e
+que sejam estes os<span class="pn">{96}</span> feitos a que o infante D. Pedro
+se refere.</p>
+
+<p>Os genovezes tinham n'aquelle tempo uma poderosa marinha, e póde bem ser que
+affluissem ao estreito de Gibraltar com a mira em Ceuta, chegando a fazer uma
+investida, que Alvaro Vaz teria repellido victoriosamente.</p>
+
+<p>Os nossos chronistas guardam silencio sobre o assumpto. Mas não custa a
+acreditar que o motivo que levou novamente a Ceuta Alvaro Vaz fosse a ameaça
+dos genovezes, contra os quaes elle acudiria com tres navios armados á sua
+custa.</p>
+
+<p>Sendo assim, ficaria explicado o facto de ter abandonado temporariamente o
+governo do castello de Lisboa, como explicadas ficariam tambem uma phrase do
+infante D. Pedro e a admiração que o joven rei manifestou mais uma vez pelo
+insigne capitão, a ponto dos cortezãos julgarem conveniente retirar D. Affonso
+<small>V</small> para Cintra,<span class="pn">{97}</span> para evitar a
+repetição de entrevistas que davam vantagem ao conde de Avranches.</p>
+
+<p>Acaso governaria já Affonso <small>V</small> quando o conde partiu para
+Ceuta? Parece que não. Se esta viagem tivesse sido um meio de o tirar de ao pé
+do infante D. Pedro, se tivesse sido «um castigo», como explicar que o rei lhe
+conservasse o castello de Lisboa, que só lhe retirou quando D. Alvaro Vaz
+voltou de Ceuta? E como explicar igualmente que recebesse o <i>Capitão</i> com
+tanto agrado?</p>
+
+<p>Parece mais verosimil e provavel que Alvaro Vaz partisse para Ceuta durante
+a regencia e por indicação do infante, em razão talvez do perigo que offereciam
+alli os genovezes.</p>
+
+<p>Por fim, como era natural que acontecesse, dada a idade impressionavel de
+Affonso <small>V</small> e a insistencia dos inimigos do infante, o joven rei
+acabou por ceder e tirar<span class="pn">{98}</span> a D. Alvaro o governo do
+castello de Lisboa<a name="tex2html52" href="#foot696"><sup>[52]</sup></a>.</p>
+
+<p>Durante a regencia, o infante D. Pedro não só havia conservado ao
+<i>Capitão</i> o cargo de alcaide-mór, mas tambem lhe fizera importantes
+doações, como se póde vêr por documento existente no Archivo National<a
+name="tex2html53" href="#foot697"><sup>[53]</sup></a>.<span
+class="pn">{99}</span></p>
+
+<p>O infante magoou-se profundamente com o acto pelo qual seu sobrinho tirára o
+governo do castello de Lisboa a D. Alvaro: não só o feriam directa e
+pessoalmente, imputando-lhe crimes atrozes, mas tambem na pessoa do seu mais
+dilecto amigo o queriam ferir.</p>
+
+<p>Na celebre carta que o infante dirigiu<span class="pn">{100}</span> de
+Coimbra, em 30 de dezembro de 1448, ao conde de Arrayolos, que de Ceuta viera
+expressamente para defendel-o, dizia D. Pedro:</p>
+
+<p>«... por me fazerem deshonra tiraram o castello de Lisboa ao conde
+d'Avranches, o qual se tinha feito serviços a estes Reynos e aos Reys delles
+por que lhe esto devesse<span class="pn">{101}</span> de ser feito vós sabees;
+deram-lhe por elles <i>e em especial pollo que agora fez em Ceita</i>, ho
+gallardam que dam a mim de meus serviços e trabalhos».</p>
+
+<p>Este periodo da celebre carta mostra não só o profundo resentimento do
+infante D. Pedro, mas tambem que D. Alvaro <i>viera de Ceuta</i>, onde
+praticára novos e gloriosos feitos.</p>
+
+<p>Não podemos precisar o anno em que o conde esteve pela segunda vez em Ceuta.
+Mas, pelo dizer o infante, sabemos que no fim de 1448 já tinha regressado, e
+por outra noticia sabemos tambem que em 1446 estava em Lisboa.</p>
+
+<p>Certamente n'este ultimo anno<a name="tex2html54"
+href="#foot698"><sup>[54]</sup></a> veiu a Portugal Jacques de Lalain, famoso
+cavalleiro<span class="pn">{102}</span> da côrte do duque de Borgonha. Foi
+recebido pelo joven rei Affonso <small>V</small> e pelo regente D. Pedro com
+grandes honras e festas. Quando De Lalain se aproximava da cidade de Evora,
+sahiram a recebel-o, em nome do rei, Alvaro Vaz de Almada e outros senhores e
+cavalleiros portuguezes<a name="tex2html55"
+href="#foot699"><sup>[55]</sup></a>.</p>
+
+<p>Não houve justas nem torneios, porque a De Lalain foi dito, em nome do rei,
+que elle não podia consentir que nenhum cavalleiro portuguez fizesse armas
+contra outro da casa de Borgonha, a que estava ligado por estreitos laços de
+parentesco e affecto.</p>
+
+<p>Perdeu-se assim uma excellente occasião de vêr o conde de Avranches justar,
+em Portugal, com um cavalleiro estrangeiro<span class="pn">{103}</span> dos
+mais afamados, porque Alvaro Vaz de Almada não teria certamente prescindido
+d'essa honra e gloria.</p>
+
+<p>Vamos agora caminhando rapidamente para Alfarrobeira.</p>
+
+<p>Depois de fallar ao rei, Alvaro Vaz correu ancioso a abraçar o infante D.
+Pedro, que estava em Coimbra, nas suas terras.</p>
+
+<p>O infante D. Henrique acampanhou-o.</p>
+
+<p>Houve então alli um como conselho de familia para se deliberar sobre o que
+cumpria fazer. O momento era angustioso; a resolução difficil. A reunião do
+conselho repetiu-se quando se soube que o duque de Bragança tinha sido chamado
+á côrte.</p>
+
+<p>Alvaro Vaz de Almada opinou que a todo o custo o infante devia impedir a
+passagem ao duque<a name="tex2html56" href="#foot700"><sup>[56]</sup></a>.<span
+class="pn">{104}</span></p>
+
+<p>Este parecer foi acceito.</p>
+
+<p>Para o executar, D. Pedro moveu a sua gente, que de Penella seguiu para a
+Louzã, e da Louzã para a aldeia de Villarinho, sendo a vanguarda confiada a D.
+Jayme, filho do ex-regente, e a D. Alvaro Vaz de Almada. O proprio D. Pedro
+commandava a rectaguarda.</p>
+
+<p>Quando chegaram ao logar de Serpiz, soube o infante que o duque de Bragança
+estava apenas a meia legua de distancia.</p>
+
+<p>Logo que isto constou a D. Alvaro, não lhe soffreu o animo mais delongas.
+Sem dizer nada ao infante, metteu esporas ao cavallo, e foi vêr o arraial do
+duque. Quando voltou, vinha radiante; mas D. Pedro acolheu-o com tristeza,
+pesaroso de que elle o não tivesse consultado primeiro.</p>
+
+<p>Perguntou-lhe o infante o que tinha visto.</p>
+
+<p>D. Alvaro respondeu com decisão:</p>
+
+<p>&mdash;Senhor, venho de vêr vossos inimigos,<span class="pn">{105}</span> de quem
+prazendo a Deus, e ao bemaventurado S. Jorge, vos eu darei hoje se quizerdes
+mui boa vingança, e peço-vos por mercê que a não dilateis para mais, e ahi logo
+dar n'elles; porque na desordem e tristeza em que estão, dão já certos signaes
+de serem cortados com medo e meio desbaratados, e não percaes tão bom dia;
+porque já em vossa vida nunca havereis outro tal, e não alongueis a vida a quem
+se lh'a hoje dais, sabei que a encurtára mui cedo a vós, tendo por certo que o
+duque na maneira em que se repaira e afortallesa não quer vir ávante, e ou se
+tornará para traz como veio, ou escondido se salvará por outro caminho»<a
+name="tex2html57" href="#foot701"><sup>[57]</sup></a>.</p>
+
+<p>O infante D. Pedro, querendo certamente adiar o derramamento de sangue,
+não<span class="pn">{106}</span> acceitou o conselho, nem acreditou a
+prophecia.</p>
+
+<p>Mas D. Alvaro fôra n'essa occasião um vidente.</p>
+
+<p>O duque de Bragança conseguiu atravessar furtivamente a serra da Estrella,
+escapando-se d'este modo ás mãos do infante, e seguindo jornada para Lisboa.
+</p>
+
+<p>D. Pedro e os seus tornaram para Coimbra.</p>
+
+<p>Ahi foi surprehender o infante uma carta de sua filha, a rainha. Dizia-lhe
+ella que no dia 5 de maio (estava-se em 1449) D. Affonso <small>V</small> o
+iria cercar, e que, se elle infante fosse vencido, seria morto, encarcerado ou
+desterrado.</p>
+
+<p>D. Pedro mostrou-se alegre e tranquillo perante o mensageiro, mas ficou
+profundamente abatido.</p>
+
+<p>Reuniu o conselho dos seus amigos. As opiniões dividiram-se. D. Alvaro, sem
+fazer a menor allusão á boa occasião que<span class="pn">{107}</span> o infante
+havia perdido, disse com inabalavel firmeza:</p>
+
+<p>&mdash;Antes morrer grande e honrado que viver pequeno e deshonrado.</p>
+
+<p>Desenvolvendo esta these, aconselhou que, vestindo todos as suas armas,
+fossem caminho de Santarem, onde a côrte estava, para que o infante mandasse
+pedir a el-rei que ou lhe permittisse defender-se na presença de seus inimigos
+ou haver pelas armas satisfação das injurias que propalavam, e que se el-rei
+nenhuma d'estas concessões quizesse fazer, e sobre elles viesse, que se
+defendessem no campo como bons e esforçados cavalleiros<a name="tex2html58"
+href="#foot702"><sup>[58]</sup></a>.</p>
+
+<p><i>Antes morrer grande e honrado que viver pequeno e deshonrado</i>: estas
+heroicas palavras calaram no animo, até ahi indeciso, do infante D. Pedro.<span
+class="pn">{108}</span></p>
+
+<p>Conheceu que a razão e a honra estavam do lado de D. Alvaro. Acceitou-lhe o
+conselho. As duas almas entendiam-se, completavam-se. Tinha chegado o momento
+decisivo: só restava apparelhar para elle. <i>Antes morrer grande e honrado que
+viver pequeno e deshonrado.</i> Tal era o dilemma. A voz da cavallaria
+portugueza fallára pela bocca de D. Alvaro.</p>
+
+<p>Preparou-se o infante D. Pedro para a sorte das armas, qualquer que ella
+fosse.</p>
+
+<p>Ruy de Pina, que segue os moldes de Tito Livio, pondo longos discursos na
+bocca dos personagens historicos, descreve d'este modo a scena intima, que se
+déra entre D. Pedro e D. Alvaro:</p>
+
+<p>«E passados alguns dias depois estes conselhos, o infante não se esfriando
+em seu proposito, apartou só em uma camara o conde d'Abranches, e lhe
+disse&mdash;<i>conde, sabe que eu sinto já minha alma aborrecida de viver n'este
+corpo, como desejosa de<span class="pn">{109}</span> se sair de suas paixões e
+tristezas, e considerados os seus combates que minha vida, honra, e estado cada
+dia recebem, com esperança de não minguarem, mas cada vez crescerem mais, certo
+se as cousas n'esta viagem me não succedem como eu desejo, e seria razão, eu
+todavia determino morrer e acabar inteiro, e não em pedaços, e como quer que
+tenho outros bons criados e servidores, que por suas bondades folgariam e não
+se escusariam de morrer comigo, porém em vós sobre todos tomei esta confiança,
+assim pela irmandade que comigo merecestes ter, na santa e honrada ordem da
+Garrotea em que somos confrades, e como por creação que vos fiz, e
+principalmente pela certidão que de vossa bondade e esforço tenho muito ha
+conhecido, e por tanto quero saber de vós, se no dia que d'este mundo me
+partir, querereis tambem ser meu companheiro, e com isso lembre-vos para
+satisfazerdes aos primores de vossa<span class="pn">{110}</span> honra, que
+sendo vós tão conhecidamente meu criado e servidor, e tão publico imigo do
+conde d'Ourem e arcebispo de Lisboa, depois de minha morte não podeis ter vida,
+salvo reservada para com mãos d'algozes a perderdes em lugares vis, e com
+pregões deshonrados. Senhor,</i> respondeu o conde, <i>para caso de tamanho
+contentamento, como foi sempre e é para mim viver e morrer por vosso serviço,
+muitas palavras nem os encarecimentos não são necessarios, eu vos tenho muito
+em mercê escolherdes-me para tal serviço, e eu sou muito contente ter-vos essa
+companhia na morte, assim como vol-a tive na vida, e se Deos ordenar que deste
+mundo vossa alma se parta, sede certo que a minha seguirá logo a vossa, e se as
+almas no outro mundo podem receber serviço umas das outras, a minha n'esse dia
+irá acompanhar e servir para sempre a vossa</i>».</p>
+
+<p>Ferdinand Denis torna esta scena mais<span class="pn">{111}</span> rapida, e
+por isso mesmo talvez mais verdadeira.</p>
+
+<p>O infante teria perguntado a D. Alvaro, com uma simplicidade e rudeza
+proprias do caracter de ambos, se estava disposto a morrer por sua causa.</p>
+
+<p>D. Alvaro responderia com laconica firmeza:</p>
+
+<p>&mdash;Acaso não sou eu vosso irmão de armas?</p>
+
+<p>Esta concisa resposta vale bem, segundo as ideias d'aquelle tempo, o
+discurso de Ruy de Pina.</p>
+
+<p>Foi avisado um sacerdote, homem abalisado, o doutor Alvaro Affonso, para
+comparecer na egreja de S. Thiago.</p>
+
+<p>Por mão d'este sacerdote commungaram o infante e D. Alvaro, jurando ambos,
+sobre a hostia consagrada, que juntos triumphariam ou morreriam.</p>
+
+<p>Depois o infante visitou as egrejas da Sé, de Santa Cruz e de Santa Clara,
+com<span class="pn">{112}</span> as quaes tinha particular devoção, e,
+recolhendo ao paço, deu ordem para que estivessem prestes os seus seis mil
+homens, e para que n'essa noite se abrissem e illuminassem os salões do solar.
+</p>
+
+<p>Tendo cumprido os deveres de bom christão, queria despedir-se do mundo, na
+hypothese de ser vencido, se não era presentimento, como bom cavalleiro.</p>
+
+<p>E elle, que tão modesto vivera sempre, deu ao sarau d'essa noite um
+esplendor verdadeiramente principesco.</p>
+
+<p>«La veille de son départ pour Santarem, une fête fut donnée aux dames; et il
+y brilla de cette grâce de langage, de cette noblesse toute chevaleresque, qui
+l'avaient rendu maintes fois l'admiration des cours de l'Allemagne et de
+l'Aragon»<a name="tex2html59" href="#foot704"><sup>[59]</sup></a>.</p>
+
+<p>Como que está a gente a vêr o amavel<span class="pn">{113}</span> donaire
+d'esses dous cavalleiros, o infante e D. Alvaro, fallando ás damas, pisando
+gentilmente tapetes macios que encobriam a cratera de um vulcão ameaçador.</p>
+
+<p>Ao romper da manhã, quando o sol da primavera aclarava docemente a paizagem
+formosissima de Coimbra, a cavallaria, a infanteria, a carriagem de bois e
+bestas, principiaram a mover-se, desfraldando duas bandeiras, cujos lemmas
+diziam, n'uma, <i>Lealdade</i>, na outra, <i>Justiça e vingança</i>.</p>
+
+<p>O infante D. Pedro, tendo abraçado sua esposa, seguira o exercito que
+abalava em som de guerra.</p>
+
+<p class="centrado">*<br>*&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;*</p>
+
+<p>Esta Jornada, a mais curta e ao mesmo passo a mais longa que o infante
+fizera,<span class="pn">{114}</span> porque não regressou jámais, lembra até
+certo ponto a attracção da chamma sobre a borboleta. Tambem o infante e o seu
+fiel companheiro D. Alvaro pareciam attrahidos pela morte.</p>
+
+<p>Iam procurando os templos famosos como para encommendar sua alma a Deus.
+Estiveram na Batalha, onde D. Pedro ajoelhou diante do tumulo de seus pais,
+quedando-se tambem algum tempo diante do jazigo que elle proprio devia ir
+povoar. Estiveram em Alcobaça, e d'alli seguiram para Rio Maior, onde o infante
+reuniu o conselho.</p>
+
+<p>Todos, á excepção de D. Alvaro, aconselhavam D. Pedro a que não avançasse
+mais; diziam-lhe que, feita aquella demonstração de força, retrocedesse para
+Coimbra.</p>
+
+<p>O infante ouvia-os engolphado n'uma abstracção melancolica. Mas deu ordem
+para que o exercito marchasse na direcção<span class="pn">{115}</span> de
+Alcoentre: para a morte é que era o caminho.</p>
+
+<p>Cbegados ahi, D. Alvaro Vaz de Almada pratíca um novo acto de bravura, de
+fogoso ardor militar.</p>
+
+<p>Ayres Gomes da Silva, a quem coube a guarda das forragens, fôra cercado
+pelos esclarecedores do exercito real.</p>
+
+<p>Mal que isto se soube em Alcoentre, no acampamento do infante, «o conde de
+Abranches com grande trigança logo sahiu, e com elle quasi todos os do arraial
+não guardando alguma regra em sua sahida, antes com muita desordem e desmando
+romperam por muitas partes o palanque, e deram com muita força nos corredores,
+de que alguns d'elles achando-se atalhados, querendo-se salvar cairam em um
+grande tremedal e lagoa, de que não poderam sahir, onde entre mortos e presos
+ficaram logo até trinta, e os vivos levaram logo ante o infante, entre os quaes
+o principal<span class="pn">{116}</span> era um Pero de Castro, fidalgo e
+criado do infante D. Henrique»<a name="tex2html60"
+href="#foot705"><sup>[60]</sup></a>.</p>
+
+<p>Impellido por este acontecimento, o exercito de D. Pedro avançou. Sahiu-lhe
+ao caminho a noticia de que D. Affonso <small>V</small> havia partido de
+Santarem ao seu encontro. Sabido isto, o infante mandou fazer alto, a pequena
+distancia de Alverca, junto ao ribeiro de Alfarrobeira.</p>
+
+<p>O conde de Avranches, que era sempre o primeiro, foi observar o exercito do
+rei, que se aproximava.</p>
+
+<p>Fez-lhe impressão a grandeza d'esse exercito. Mas, voltando, occultou a toda
+a gente a sua impressão, menos ao infante.</p>
+
+<p>«... e alguns disseram que o Conde pedira e requerera ao infante, visto a
+desigual comparação que havia de uns a outros, que só se fosse e salvasse, e o
+deixasse<span class="pn">{117}</span> com sua gente alli onde folgaria acabar
+por seu serviço»<a name="tex2html61" href="#foot706"><sup>[61]</sup></a>.</p>
+
+<p>Se isto assim foi, o infante recusou o offerecimento. Lembrou porventura a
+D. Alvaro que o voto feito por ambos era de morrerem um pelo outro.</p>
+
+<p>«Mas o que mais verdadeiramente ácerca d'isto se deve crêr, é que o Conde
+pela certa sabedoria que tinha do proposito do infante, que era morrer, e pelo
+consagramento que ambos por isso tinham feito, não lhe commetteria nem ousaria
+commetter tal cousa, em que ao menos ficava o infante por ser perjuro e
+fraco»<a name="tex2html62" href="#foot453"><sup>[62]</sup></a>.</p>
+
+<p>Foi ahi, junto ao ribeiro de Alfarrobeira, que n'esse dia, uma terça-feira,
+20 de maio, o infante D. Pedro esperou o exercito do rei.<span
+class="pn">{118}</span></p>
+
+<p>O conflicto, rapido e decisivo, devia comtudo ficar memoravel na historia de
+Portugal. Uma setta, certeiramente despedida, fôra cravar-se no peito do
+infante, que pouco tempo sobreviveu.</p>
+
+<p>Luiz de Azevedo<a name="tex2html63" href="#foot455"><sup>[63]</sup></a>,
+poeta do <i>Cancioneiro</i> de Rezende, põe na bocca do infante moribundo
+lastimas que talvez lhe atravessassem o pensamento n'essa angustiada hora
+final:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<blockquote>
+ Nam ha rreynos em Cristãos <br>
+ que em todos nam andasse, <br>
+ e que sempre nom achasse <br>
+ nos rreys d'eles doces mãos; <br>
+ Fydalguos e cydadaõs <br>
+ me seruiam lealmente, <br>
+ e agora cruelmente <br>
+ me matarom meus yrmãos. </blockquote>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<blockquote>
+ Eu andey per muytas partes <br>
+ e por outras boas terras, <br>
+ muyta paz e tam bem guerras <br>
+ vy tratar per muytas artes.<span class="pn">{119}</span> <br>
+ Mas aqueste dia Martes <br>
+ foy jnfeles pera mym; <br>
+ o meu sangue me deu fim <br>
+ e rrompeu meus estandartes. </blockquote>
+
+<p>Vamos, na confusão do rapido combate, procurar o conde de Avranches. O
+infante é morto. D. Alvaro ha de cumprir o seu juramento como o mais leal dos
+cavalleiros portuguezes.</p>
+
+<p>Ruy de Pina escreve:</p>
+
+<p>«O conde d'Abranches andando a cavallo em outra parte do arraial, provendo e
+resistindo em sua estancia, como bom e ardido cavalleiro, a muitas affrontas
+que o perseguiam, um moço chegou a elle e chorando lhe disse&mdash;<i>Senhor conde,
+que fazeis? porque o infante D. Pedro é morto.</i>&mdash;E o conde com quanto esta
+embaixada era de morte, que sem escusa nem dilação desafiou logo sua vida, elle
+com a cara segura e o coração esforçado disse ao moço&mdash;<i>Cala-te e aqui o não
+digas a ninguem.</i>&mdash;E<span class="pn">{120}</span> com isto feriu rijamente o
+cavallo das esporas, e foi-se descer em seu alojamentor onde sem alguma
+turvação pediu pão e vinho, de que por esfoçar mais seu esforço comeu e bebeu
+alguns bocados, e tomou suas armas para com ellas honrar sua sepultura, que era
+a terra em que havia de cair, e saiu a pé pelo arraial, que de todas as partes
+era já entrado e vencido, e como foi conhecido, logo os d'el-rei uns sobre os
+outros carregaram sobre elle acommettendo de todas as partes para o matar, mas
+elle logo com uma lança que cortaram, e depois com sua espada os feria, e
+escarmentava de maneira, que os que a primeira vez o acommettiam, de mortos ou
+feridos não volviam a elle a segunda, e assim pelejou um grande pedaço como mui
+valente e accordado cavalleiro, não sem grande espanto dos que o viam trazendo
+as mãos, e todas suas armas cheias não de seu sangue, mas de muito alheio
+que<span class="pn">{121}</span> espargiu; porque em quanto andou em pé e se
+poude revolver, nunca sua carne recebeu golpe que a cortasse. E emfim vencido
+já de muito trabalho, e longo cansaço, disse em altas vozes: <i>Ó corpo, já
+sinto que não podes mais, e tu minha alma já tardas.</i> E com isto se deixou
+cair estendido no chão, e uns dizem que disse, <i>ora fartar, rapazes</i>, e
+outros <i>ora vingar, villanagem</i>. Cujo corpo que já não resistia, foi logo
+de tantos golpes ferido, que em breve despediu a alma de si para ir acompanhar
+a do infante como lhe tinha promettido, e alli um seu amigo, que não usou do
+que devia, lhe cortou e levou a cabeça com que a el-rei foi pedir
+acrescentamento e honra de cavallaria, e o tronco ficou no chão feito em
+pedaços, até que por requerimento de João Vaz d'Almada seu irmão bastardo, que
+era valor d'el-rei, houve logo enterramento no campo, e depois sepultura
+honrada. E os outros fidalgos e nobre gente<span class="pn">{122}</span> que
+eram com o infante, vendo tão caro seu destroço, cada um desamparou a defeza
+das estancias, que lhe foram encommendadas, e como desesperados das vidas não
+lhe fallecendo o coração e accordo para vingarem suas mortes, se soltaram pelo
+arraial á aventura que se lhes offerecesse, e emfim de mortos, feridos, ou
+presos não escapou algum».</p>
+
+<p>Realmente, um frémito de enthusiasmo põe no nosso organismo uma vibração
+violenta, ao chegarmos a esta pagina, a ultima, da biographia de Alvaro Vaz de
+Almada. Os heroes da epopéa costumam cair assim. Na morte, esse homem
+extraordinario parece ainda sobrepujar a grandeza de toda a sua vida. Para os
+livros de educação popular, nenhum exemplo de valor militar e de leal amizade
+poderá ser mais apropriado do que este.</p>
+
+<p>Os nobiliarios da Torre do Tombo referem entre as phrases finaes de
+Alvaro<span class="pn">{123}</span> Vaz uma que o chronista aliás não cita.
+Contam que, embravecido em vingar a morte do seu amigo, o conde de Avranches,
+na vertigem do combate, pronunciára: «<i>Jantar aqui, ceiar no inferno</i>».
+Era um leão que se vingava, cego de colera, imponente de magestade.</p>
+
+<p>Estes acontecimentos causaram uma profunda impressão em toda a Europa. D.
+Affonso <small>V</small> procurou attenual-a enviando embaixadores ás
+principaes côrtes, encarregando-os de explicarem os motivos do seu
+procedimento.</p>
+
+<p>Mas a impressão foi tanto maior, quanto é certo que a vingança do rei
+ultrapassou o respeito devido aos mortos.</p>
+
+<p>O cadaver do infante ficou insepulto sobre o campo, durante tres dias.
+Depois levaram-n'o sobre um escudo para a egreja de Alverca. Aquelle desgraçado
+principe, de quem o povo conta que, em vida, andou as sete partidas do mundo<a
+name="tex2html64" href="#foot707"><sup>[64]</sup></a>,<span
+class="pn">{124}</span> ainda depois da morte errou n'uma longa peregrinação,
+porque os seus ossos foram successivamente trasladados de Alverca (onde o rei
+receiou que os fossem roubar) para o castello de Abrantes, de Abrantes para o
+mosteiro de Santo Eloy em Lisboa, e de Lisboa, finalmente, para a Batalha, a
+instancias da infeliz rainha D. Isabel.</p>
+
+<p>Ao cadaver do conde de Avranches foi, como diz Pina, cortada a cabeça por um
+dos adversarios, aliás seu antigo amigo, que a levou a el-rei na esperança de
+obter mercê<a name="tex2html65" href="#foot708"><sup>[65]</sup></a>. Feito
+pedaços, retalhado de golpes, o corpo de D. Alvaro ficou tambem insepulto sobre
+o campo de Alfarrobeira,<span class="pn">{125}</span> até que a requerimento de
+seu irmão bastardo, João Vaz de Almada<a name="tex2html66"
+href="#foot709"><sup>[66]</sup></a>, e não sem difficuldade, foi enterrado
+honradamente na capella de familia.</p>
+
+<p>Esta capella, que confinava com a casa do Capitulo em S. Francisco de
+Lisboa, era chamada <i>dos Abranches</i> (corrupção de Avranches), por n'ella
+ter sido sepultado D. Alvaro Vaz.<span class="pn">{126}</span></p>
+
+<p>«Está sepultado&mdash;descrevia no seculo <small>XVII</small> o auctor da
+<i>Historia serafica</i>&mdash;no meio d'esta capella, debaixo de uma pedra, na qual
+se vêem estas letras: <i>Aqui jaz um Christão.</i> Na parede sustentavam dous
+leões uma arca pequena, ennobrecida com as armas dos Almadas, em que estavam os
+ossos de seu pai João Vaz de Almada, e de seu irmão Pero Vaz de Almada, os
+quaes ausentando-se do reino por razões, que para isso tiveram, fóra d'elle
+fizeram celebre seu nome com muitos feitos cavalleirosos<a name="tex2html67"
+href="#foot710"><sup>[67]</sup></a>. E por quanto uma ruina do tecto a tem
+feito em pedaços, e a mesma capella se ha de incorporar em a Casa do<span
+class="pn">{127}</span> Capitulo, com mais gosto deixamos escripta esta
+memoria».</p>
+
+<p>Por carta de D. Affonso <small>V</small>, de 10 de outubro d'aquelle anno de
+1449, foram privados de todos os seus beneficios, dignidades, officios, honras,
+prerogativas, isenções, privilegios, liberdades, etc., os partidarios do
+infante que se acharam em Alfarrobeira.</p>
+
+<p>O conde de Avranches não escapou a esta medida geral, que abrangia tanto os
+vivos como os mortos.</p>
+
+<p>«Morto o conde de Avranches, foram-lhe logo os bens confiscados como de reo
+de alta traição: a casa da actual rua do <i>Almada</i>, sobre o Calhariz, campo
+então, e afastado, e mais uns terrenos em Caparica. Tudo se doou em 25 de
+agosto de 1449 a Alvaro Pires de Tavora, chamado o velho, filho de Lourenço
+Pires de Tavora e de Alda Gonçalves, e do conselho d'elrei D. Affonso
+<small>V</small>. Esses bens conservam-se<span class="pn">{128}</span> ainda,
+na sua maior parte, em poder do actual representante dos Tavoras, o sr. marquez
+de Vallada, etc.»<a name="tex2html68" href="#foot711"><sup>[68]</sup></a></p>
+
+<p>Quantos lisboetas ignorarão ainda hoje que foi o famoso conde de Avranches,
+espelho da cavallaria portugueza, como muitos escriptores lhe chamam, que deu o
+nome a essa aliás modesta rua, proxima do Calhariz!</p>
+
+<p>Alvaro Vaz de Almada, primeiro conde de Avranches, casou duas vezes.</p>
+
+<p>A primeira com D. Isabel da Cunha, filha de Alvaro da Cunha, quinto senhor
+de Pombeiro, o qual era filho de João Lourenço da Cunha e de sua mulher a
+celeberrima D. Leonor Telles<a name="tex2html69"
+href="#foot494"><sup>[69]</sup></a>.<span class="pn">{129}</span></p>
+
+<p>A lista dos filhos de Alvaro Vaz de Almada, publicada nos <i>Retratos dos
+varões e donas</i>, é deficiente. Nos nobiliarios da Torre do Tombo encontra-se
+a seguinte noticia genealogica, que deve completar a sua biographia:</p>
+
+<p>Do primeiro casamento, nasceram cinco filhos, a saber:</p>
+
+<p>1.º D. João de Almada, cuja geração se extinguiu.</p>
+
+<p>2.º D. Leonor, solteira.</p>
+
+<p>3.º D. Violante da Cunha, primeira mulher de Fernam Martins Mascarenhas,
+capitão de ginetes, do qual se apartou.</p>
+
+<p>4.º D. Isabel da Cunha, mulher de<span class="pn">{130}</span> Alvaro
+Pessanha, filho de micer Carlos Pessanha, almirante<a name="tex2html70"
+href="#foot498"><sup>[70]</sup></a>.</p>
+
+<p>5.º Dona V... da Cunha, que casou em Inglaterra.</p>
+
+<p>Em segundas nupcias casou D. Alvaro Vaz de Almada com D. Catharina de
+Castro, filha de D. Fernando de Castro (casa Monsanto) e de sua mulher D.
+Isabel de Athayde.</p>
+
+<p>D'este segundo cazamento nasceu D. Fernando de Almada, que veio a herdar o
+titulo de conde de Avranches, confirmado em França por Luiz <small>XI</small>.
+</p>
+
+<p>D. Catharina não teve pela memoria de D. Alvaro o respeito que era de
+esperar, visto que não podia encontrar outro<span class="pn">{131}</span>
+marido, que excedesse em gloria o primeiro.</p>
+
+<p>Casou outra vez. Casou, depois da morte do conde de Avranches, com D.
+Martinho de Athayde, conde de Athouguia, seu primo co-irmão.</p>
+
+<p>É triste recordar esta pagina de fragilidade feminina.</p>
+
+<p>Mas a patria, essa, ficou eternamente viuva do grande cavalleiro.</p>
+
+<p class="centrado">*<br>*&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;*</p>
+
+<p>De proposito deixei para o final d'esta carta um assumpto, vago e confuso,
+que anda lendariamente relacionado com a vida de D. Alvaro Vaz de Almada.</p>
+
+<p>Os chronistas fazem d'este famoso capitão um dos <i>doze de Inglaterra</i>,
+emparceirando-o<span class="pn">{132}</span> alguns, n'esta cavalheiresca
+aventura, com seu pai.</p>
+
+<p>Não póde ser mais completa a confusão de datas e de nomes, que obscurece
+esta lenda em si mesma e na sua referencia á familia Almada.</p>
+
+<p>Dêmos desde já um exemplo.</p>
+
+<p>Ferdinand Denis, que com tanto cuidado estudava a historia de Portugal, diz
+a respeito de Alvaro Vaz de Almada:</p>
+
+<p>«Il faisait partie, dit-on, des douze preux qui allèrent venger l'honneur
+outragé des dames anglaises; et Camoens l'a celebré en cette occasion, en
+alterant toutefois son nom»<a name="tex2html71"
+href="#foot712"><sup>[71]</sup></a>.</p>
+
+<p>Ora, no episodio <i>dos doze de Inglaterra</i>, Camões apenas nomeia um só,
+que «Magriço se dizia». Onde o poeta falla do<span class="pn">{133}</span>
+conde de Avranches é no canto <small>IV</small>, quando descreve a batalha de
+Aljubarrota. E ahi é que lhe troca o nome. Vejamos:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<blockquote>
+ E da outra ála que a esta corresponde, <br>
+ Antão Vasques de Almada<a name="tex2html72"
+ href="#foot512"><sup>[72]</sup></a> é capitão, <br>
+ Que depois d'Abranches nobre conde, <br>
+ Das gentes vai regendo a sestra mão. <br>
+ Logo na rectaguarda não se esconde, <br>
+ Das quinas e castellos o pendão, <br>
+ Com Joanne rei forte em toda a parte, <br>
+ Que escurecendo o preço vai de Marte. </blockquote>
+
+<p>Quem esteve em Aljubarrota não foi Alvaro Vaz de Almada, nem podia estar,
+porque, sendo aproximadamente da mesma idade do infante D. Pedro, não teria
+ainda nascido: mas foi seu pai, João Vaz de Almada,&mdash;ahi armado cavalleiro.</p>
+
+<p>Effectivamente, um cavalleiro, chamado<span class="pn">{134}</span> Antão
+Vasques, de Almada acrescentam alguns, commandava a ala esquerda do exercito
+com o gascão Guilherme de Montferrant<a name="tex2html73"
+href="#foot515"><sup>[73]</sup></a>.</p>
+
+<p>E este mesmo Antão Vasques, depois da batalha, cobriu os pés do Mestre de
+Aviz com a bandeira real de Castella.</p>
+
+<p>Não se póde confundir este cavalleiro com João Vaz de Almada, a quem, antes
+de ser armado cavalleiro, não dariam o commando da ála esquerda do exercito. Já
+sabemos que João Vaz foi armado ahi, em Aljubarrota, o que prova que era muito
+novo então.</p>
+
+<p>Assim, temos que Ferdinand Denis se equivocou dizendo que Camões altera o
+nome do conde de Avranches quando descreve<span class="pn">{135}</span> o
+episodio dos <i>doze de Inglaterra</i>; e que Camões se enganou tambem dizendo
+que Antão Vasques de Almada foi depois conde de Avranches.</p>
+
+<p>Vamos agora á lenda dos <i>doze</i>.</p>
+
+<p>Será acaso nos <i>Lusiadas</i> que pela primeira vez apparece noticia d'esta
+lenda?</p>
+
+<p>Não é. A primeira edição do poema de Camões foi estampada em Lisboa no anno
+de 1572. Em 1567 imprimia-se em Evora o <i>Palmeirim de Inglaterra</i>, por
+Francisco de Moraes, e no capitulo <small>CLXIII</small> da segunda parte
+d'esta obra, faz-se menção de um combate cavalheiresco, que envolve o fundo da
+lenda dos <i>Doze</i>.</p>
+
+<p>Mas o <i>Palmeirim de Inglaterra</i> será uma obra original, uma traducção
+fiel ou apenas uma imitação? Moraes, que acompanhou em 1540 a França o
+embaixador portuguez, o segundo conde de Linhares, diz na dedicatoria á infanta
+D. Maria que trasladára a sua chronica de outra de Albert<span
+class="pn">{136}</span> de Rennes, em Paris. Innocencio Francisco da Silva
+julga, porém, que Francisco de Moraes não traduziu servilmente, antes
+introduziu cousas de sua lavra.</p>
+
+<p>No mesmo anno de 1567 imprimia-se em Coimbra o <i>Memorial das proezas da
+segunda tavola redonda</i>, de Jorge Ferreira de Vasconcellos, e ahi, no
+capitulo <small>XLVII</small> se lê: «Porque não se nega aos lusitanos, dês o
+tempo dos romanos que fizeram memoria dos feitos heroicos, um abalisado e raro
+grau de cavallaria. E em tempo d'elrei D. João de <i>Boa Memoria</i> sabemos
+que seus vassallos no cêrco de Guimarães se nomeavam por cavalleiros da tavola
+redonda; e elle por rei Arthur. E de sua côrte mandou treze cavalleiros
+portuguezes a Londres, que se desafiaram em campo cerrado com outros tantos
+inglezes, nobres e esforçados, por respeito das damas do duque de
+Alencastro».<span class="pn">{137}</span></p>
+
+<p>Aqui nos apparece a lenda já apropriada a Portugal, com a só differença de
+serem treze os cavalleiros em vez de doze.</p>
+
+<p>O que se vê claramente do que fica exposto é que em 1567 a lenda a que nos
+vimos referindo andava em moda em Portugal. E talvez por estar muito viva a
+fama gloriosa do reinado cavalheiresco de D. João <small>I</small>, seria Jorge
+Ferreira de Vasconcellos o primeiro que a localisou n'aquella época.</p>
+
+<p>Alguns escriptores nossos, e entre elles o auctor dos <i>Retratos dos varões
+e donas</i>, precisam a data da ida dos cavalleiros portuguezes a Inglaterra,
+collocando-a no anno 1390. Com effeito, esta era a época mais propria, por amor
+da verosimilhança, porque foi depois do casamento de D. João <small>I</small>
+com D. Filippa de Lancaster na Sé do Porto (1387) que se estreitaram as
+relações de Portugal com a Inglaterra<a name="tex2html74"
+href="#foot713"><sup>[74]</sup></a>,<span class="pn">{138}</span> e foi depois
+da batalha de Aljubarrota (1385) que o espirito cavalheiresco se accendeu entre
+nós. Mas Fernam Lopes, a melhor auctoridade que podia fazer fé, não se refere
+ao caso.</p>
+
+<p>Prosigamos. Mariz, nos <i>Dialogos da varia historia</i>, publicados em
+1594, referindo-se a uma relação antiga,<span class="pn">{139}</span>
+<i>Chronica antigua hujus temporis</i>, publíca uma narrativa do feito dos
+<i>Doze</i>, occorrido, segundo elle, no reinado de D. João <small>I</small>.
+Cita, entre os <i>Doze</i>, apenas quatro, mencionando o nome de <i>um que se
+chamava Alvaro de Almada</i>.</p>
+
+<p>Faria e Sousa, commentando os <i>Lusiadas</i>, em 1639, tambem se refere a
+um <i>papel antiguo</i>, em que <i>toscamente</i> se historiava o episodio dos
+<i>Doze</i>.</p>
+
+<p>Ora, o velho chronista francez João Froissart, que falleceu em 1410, falla
+de uma ordem de cavallaria, a ordem da <i>Dama Branca</i>, que foi organisada
+para defeza das damas ultrajadas, <i>plusieurs dames et damoiselles, veufves et
+autres, estoyent oppressées d'aucuns puissants hommes</i><a name="tex2html75"
+href="#foot714"><sup>[75]</sup></a>, e publíca o texto das cartas de armas<span
+class="pn">{140}</span> pelas quaes <i>treze</i> cavalleiros francezes, messire
+Charles d'Albret, messire Bouciquaut, marechal de França, Bouciquaut, seu
+irmão, Francisco de Aubrecicourt, João de Lignères, Chambrillac, Castelbayac,
+Gaucourt, Chasteaumorant, Betas, Bonnebaut, Colleville e Torsay, se
+comprometteram a defender as damas no anno da graça de 1399.</p>
+
+<p>Em face do texto de Froissart, a prioridade seria dos portuguezes, porque a
+sua ida a Inglaterra é collocada por uns no anno de 1390, e por outros no de
+1396. O duque de Lancaster, que para este feito cavalleiresco teria pedido o
+auxilio de D. João <small>I</small>, falleceu em 1399.</p>
+
+<p>Mas nós abstemo-nos de reivindicar a prioridade dos portuguezes e, portanto,
+a filiação portugueza da lenda. Contentamo-nos com dizer apenas que esta lenda
+se tinha generalisado na Europa, querendo cada paiz aproprial-a a cavalleiros
+seus.<span class="pn">{141}</span></p>
+
+<p>O catalogo completo dos <i>Doze</i> portuguezes appareceu pela primeira vez
+no opusculo de Ignacio Rodrigues Védouro, <i>Desafio dos Doze de
+Inglaterra</i>, publicado em 1732<a name="tex2html76"
+href="#foot715"><sup>[76]</sup></a>.</p>
+
+<p>Ora, segundo a tradição recolhida por Védouro, esses cavalleiros seriam:
+Alvaro de Almada, o <i>Justador</i>; Alvaro Gonçalves Coutinho, o
+<i>Magriço</i>; Alvaro Mendes Cerveira; Alvaro Vaz de Almada, primeiro conde de
+Avranches; João Pereira Agostinho, Lopo Fernandes Pacheco, Luiz Gonçalves
+Malafaia, Martim Lopes de Azevedo, Pedro Homem, Ruy Gomes da Silva, Ruy Mendes
+Cerveira e Soeiro da Costa. Como supranumerarios, João Fernandes Pacheco e
+Vasco Annes Côrte Real.</p>
+
+<p>Este catalogo tem para nós muito pouco<span class="pn">{142}</span> valor.
+Os nossos antigos chronistas não se preoccupavam com a chronologia. Assim é,
+por exemplo, que Luiz Goçalves Malafaia e Soeiro da Costa são incompativeis,
+chronologicamente, com a época dos <i>Doze de Inglaterra</i><a
+name="tex2html77" href="#foot566"><sup>[77]</sup></a>. Além d'isto, a vaidade
+das familias mais illustres de Portugal não deixaria de collaborar no catalogo,
+fazendo supprimir uns nomes para os substituir pelos de representantes seus.
+</p>
+
+<p>Quanto ao primeiro cavalleiro do catalogo de Védouro, Alvaro de Almada, o
+<i>Justador</i>, não deixa de inspirar certa desconfiança a coincidencia de
+existirem na mesma época dois homens do mesmo nome e do mesmo vulto
+cavalheiresco.</p>
+
+<p>Não será acaso Alvaro de Almada, o <i>Justador</i>, um desdobramento da
+individualidade de Alvaro de Almada, o conde de<span class="pn">{143}</span>
+Avranches, por errada repetição de algum códice, nobiliario principalmente?</p>
+
+<p>Talvez por descobrir este equivoco seria que José da Fonseca, na edição dos
+<i>Lusiadas</i>, feita em Paris em 1846, substituiu Alvaro de Almada, o
+designado <i>Justador</i>, por João Fernandes Pacheco, que no catalogo de
+Védouro figura como primeiro supranumerario.</p>
+
+<p>A ter-se como certa a ida dos <i>Doze</i> cavalleiros portuguezes a
+Inglaterra, o que não póde ter-se como certo, parece-me, é que Alvaro Vaz de
+Almada fosse um d'esses cavalleiros.</p>
+
+<p>Elle, que foi armado cavalleiro em Ceuta em 1415, e que pela primeira vez
+estivera na Inglaterra em Janeiro d'esse anno, quando alli fôra levantar as
+trezentas e cincoenta lanças, não poderia tomar parte n'um torneio, que se
+teria realisado no fim do seculo anterior.</p>
+
+<p>A sua inclusão na lenda dos <i>Doze</i> explica-se,<span
+class="pn">{144}</span> decerto, por ter sido um dos mais famosos cavalleiros
+portuguezes do seu tempo.</p>
+
+<p>Sobretudo, as suas viagens e a sua morte em Alfarrobeira, que tanta
+impressão causou pelas circumstancias cavalheirescas que a revestiram,
+despertariam, na imaginação popular, o sentimento do maravilhoso. D'aqui talvez
+o associarem-n'o á lenda.</p>
+
+<p>Mas Alvaro Vaz de Almada não precisa d'essa gloria, aliás duvidosa, porque
+sobeja gloria lhe adveio dos seus brilhantes feitos e singulares aventuras.</p>
+
+<p>Na <i>Chronica</i> de Monstrelet falla-se de um combate que, no anno de
+1414, houve em França entre tres cavalleiros portuguezes e tres gascões: sendo
+o pretexto o amor das damas, comquanto o verdadeiro mobil fosse o odio que
+existia entre os francezes e os inglezes, de que os portuguezes eram então
+alliados.<span class="pn">{145}</span></p>
+
+<p>Os portuguezes foram D. Alvares, D. João e D. Pedro Gonçalves<a
+name="tex2html78" href="#foot716"><sup>[78]</sup></a>; e os gascões François de
+Grignols, Archambaud de la Roque e Maurignon.</p>
+
+<p>O combate ter-se-ia realisado em Saint-Ouen, na presença do rei: Os
+portuguezes portaram-se com bravura, mas foram vencidos. Pudera! ou a versão
+não fosse franceza...</p>
+
+<p>Desculpe, meu caro snr. Lugan. O orgulho das nações chega a ser uma cousa
+respeitavel.</p>
+
+<p>Para fazer justiça ao valor dos seis campeões, foram passeiados, todos,
+pelas ruas de Paris, em triumpho, ao som de trombetas e acclamações
+enthusiasticas.</p>
+
+<p>Ora estes tres nomes, mudado Alvares para Alvaro, correspondem justamente
+aos<span class="pn">{146}</span> dos tres cavalleiros da familia Almada: o pai
+e os dous filhos.</p>
+
+<p>E o appellido de Gonçalves poderá talvez explicar-se por confusão com o do
+<i>Magriço</i>, que, como sabemos, se chamava Alvaro Gonçalves (Coutinho).</p>
+
+<p>Vimos como Alvaro Vaz de Almada fôra com seu pai a Inglaterra levantar armas
+para a guerra de Ceuta. Naturalmente tambem iria Pedro de Almada. O pai estava
+na côrte de Henrique <small>V</small> em setembro de 1414, como consta do
+<i>Quadro diplomatico</i>, e Alvaro ainda alli estava em Janeiro de 1415.</p>
+
+<p>A commissão requeria brevidade, porque D. João <small>I</small> queria
+partir para Ceuta, e não me parece provavel que a familia Almada se demorasse
+então em França a combater gascões.</p>
+
+<p>Mas é possivel.</p>
+
+<p>O que é provavel é que Alvaro Vaz de Almada, e seu pai, e seu irmão, na
+Inglaterra,<span class="pn">{147}</span> na França ou mesmo na Allemanha, onde
+Alvaro Vaz se encontraria mais tarde com o infante D. Pedro, praticassem,
+collectiva ou individualmente, algum feito galante em honra das damas, tomassem
+parte em qualquer dos torneios cavalheirescos, que eram n'aquella época
+frequentes.</p>
+
+<p>Após o combate entre os tres portuguezes e os tres gascões, houve um duello
+entre outro portuguez e um cavalleiro bretão, de appellido La Haye, na presença
+de Carlos <small>VI</small>.</p>
+
+<p>«Foram, diz Vulson de la Colombière, por ordem do rei igualmente honrados,
+comquanto se diga que La Haye obteve vantagem».</p>
+
+<p>Reiffenberg dá noticia de que D. João <small>I</small> convidára muitos
+cavalleiros francezes para um torneio em Lisboa<a name="tex2html79"
+href="#foot717"><sup>[79]</sup></a>.<span class="pn">{148}</span></p>
+
+<p>Era este o requinte da galanteria militar da época. Portanto Alvaro Vaz ou
+qualquer dos outros cavalleiros da sua familia bem poderiam ter praticado
+semelhantes proezas no estrangeiro, de 1414 a 1415, ou depois da tomada de
+Ceuta, quando se viram obrigados a emigrar.</p>
+
+<p>Infelizmente, não posso precisar quaes fossem esses feitos cavalheirescos
+praticados por elle ou pelos seus.</p>
+
+<p>Camões, na sequencia do episodio dos <i>Doze</i>, refere-se ao duello que o
+<i>Magriço</i> teve com um francez, e ao desafio que um outro dos cavalleiros
+portuguezes tivera na Allemanha.</p>
+
+<p>O cavalleiro francez morto, no campo, pelo <i>Magriço</i> foi, segundo a
+tradição, mr. De Lansay.</p>
+
+<p>O duello do outro portuguez com o allemão:<span class="pn">{149}</span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<blockquote>
+ Outro tambem dos doze em Allemanha <br>
+ Se lança, e teve um fero desafio <br>
+ C'um germano enganoso, que com manha <br>
+ Não devida, o quiz pôr no extremo fio; </blockquote>
+
+<p>bem podia ser vaga recordação de alguma façanha de Alvaro Vaz quando
+combateu pelo imperador Sigismundo, embora essa façanha nenhuma relação tivesse
+com a lenda dos <i>Doze</i>. Mas, no poema, quando Velloso está n'este lance da
+narrativa, o mestre de bordo toca o apito, a manobra começa, as conversações na
+tolda interrompem-se.</p>
+
+<p>Camões conta que Magriço não recolhera logo depois do torneio:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<blockquote>
+ Mas dizem que comtudo o grão Magriço <br>
+ Desejoso de vêr as cousas grandes, <br>
+ Lá se deixou ficar, onde um serviço <br>
+ Notavel á Condessa fez de Frandes. </blockquote>
+
+<p>E Mariz, nos <i>Dialogos</i>, diz que tambem ficaram no estrangeiro, além de
+Magriço,<span class="pn">{150}</span> mais dous, «fazendo taes obras em armas,
+que um d'elles alcançou de el-rei de França o condado de Abranches em França,
+pelas obras que em seu serviço fizera», e que este veio depois a morrer em
+Alfarrobeira.</p>
+
+<p>Ora não foi o rei de França, mas o de Inglaterra, como já está dito, que deu
+o condado de Avranches a Alvaro Vaz de Almada. E, dizendo a lenda que o torneio
+dos <i>Doze</i> se realisou em vida do duque de Lancaster, não podia Alvaro Vaz
+tomar parte n'elle, por não ser ainda nascido ou por estar ainda na primeira
+infancia.</p>
+
+<p>Em conclusão, meu caro snr. Lugan:</p>
+
+<p>Na formação das lendas, a imaginação popular não olha a anachronismos.
+Alvaro Vaz foi um cavalleiro famoso por seus feitos d'armas, pelo seu grande
+valor; combateu ao serviço de Inglaterra e em Inglaterra foi mais tarde
+agraciado: a<span class="pn">{151}</span> lenda cavalheiresca dos <i>Doze</i>
+envolveu-o portanto nos seus magicos véos, para nos servirmos de uma expressão
+de Pinheiro Chagas, sem attender á chronologia. Tambem em torno do infante D.
+Pedro se fórma a lenda das <i>sete partidas</i>, originada nas suas viagens. A
+imaginação popular não podia deixar de envolver no maravilhoso das tradições
+nacionaes estes Castor e Pollux do seculo <small>XV</small>, tão unidos
+moralmente, tão consubstanciados, na vida e na morte, por um estreito laço de
+relação historica.</p>
+
+<p class="centrado">*<br>*&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;*</p>
+
+<p>Seria longo trabalho enumerar as menções e referencias que de Alvaro Vaz de
+Almada fazem tanto os escriptores portuguezes,<span class="pn">{152}</span>
+como os estrangeiros que se têm occupado em estudar a historia do nosso paiz.
+</p>
+
+<p>D'estes, alguns, Ferdinand Denis á frente, lamentam que tão pouco se saiba
+da vida do conde de Avranches. Um d'elles, que é dos que melhor conhecem a
+litteratura portugueza, mr. Francisque Michel, chega a escrever: «<i>Nous ne
+savons rien de sa vie</i>».</p>
+
+<p>Quanto aos escriptores nacionaes, não quero, comtudo, deixar de citar Gomes
+Eanes de Azurara, porque escrevia em circumstancias verdadeiramente embaraçosas
+para elle. Azurara fôra encarregado por D. Affonso <small>V</small> de escrever
+a <i>Chronica do descobrimento e conquista de Guiné</i>. Por D. Affonso
+<small>V</small>, note-se, por D. Affonso <small>V</small>, que moveu o seu
+exercito contra o infante D. Pedro, e que tão severo se mostrou com todos os
+que combateram em Alfarrobeira ao lado do infante.<span class="pn">{153}</span>
+</p>
+
+<p>Azurara acabou de escrever a sua <i>Chronica</i> em fevereiro de 1453, isto
+é, menos de quatro annos depois do deploravel acontecimento, quando ainda não
+estavam de todo apagadas as paixões politicas que lhe deram origem.</p>
+
+<p>Pois, não obstante estas difficeis circumstancias em que se via collocado,
+Azurara, com louvavel hombridade, faz esta referencia a D. Alvaro Vaz de
+Almada:</p>
+
+<p>«... batalha da Alfarrobeira, naqual o dicto iffante foe morto e o conde
+Dabranxes que era com elle, e toda sua hoste desbaratada, onde, se o meu
+entender pera esto abasta, justamente posso dizer, que lealdades dos homees de
+todollos segres (seculos) forom nada em comparaçom da sua. E postoque o serviço
+nom seja tamanho, quanto ao trabalho, segundo os que já disse, certamente as
+circonstancias lhe dam splandor e grandeza sobre todollos<span
+class="pn">{154}</span> outros, cuja perfeita declaraçom remeto aa estorea
+geeral dos feitos do regno»<a name="tex2html80"
+href="#foot718"><sup>[80]</sup></a>.</p>
+
+<p>D. Affonso <small>V</small> leu isto, que foi escripto na sua propria
+casa&mdash;<i>acabousse esta obra na livrarya que este Rey dom Affonso fez em
+Lixboa</i>&mdash;e sentiu, porventura, passar ainda por diante dos olhos o vulto
+d'esse cavalleiro fascinante, que elle quiz por força vêr quando D. Alvaro ia
+caminho da Ameeira, e que tamanha influencia exercia no seu juvenil espirito,
+que os inimigos do infante D. Pedro, quando o conde de Avranches regressou de
+Ceuta pela segunda vez, julgaram conveniente a seus fins levar o rei para
+Cintra, de modo a evitar nova entrevista.</p>
+
+<p>Affonso <small>V</small> leu isto, e certamente lhe pesou na alma o remorso
+de ter cedido ás perfidas suggestões dos inimigos do infante.<span
+class="pn">{155}</span></p>
+
+<p>As palavras que Azurara havia escripto, ficaram. O rei não as cancellou. O
+espirito de Affonso <small>V</small> fez justiça ao chronista e ao conde,
+conservando-as.</p>
+
+<p class="centrado">*<br>*&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;*</p>
+
+<p>Tal era o homem, o heroe.</p>
+
+<p>Elle bastaria por si só a caracterisar uma época, o occaso da idade-média em
+Portugal, se, a dous passos de distancia, os descobrimentos maritimos,
+promovidos pelo infante D. Henrique, não tivessem vindo relegar para o segundo
+plano do vasto quadro da civilisação universal todos os outros factos, e todos
+os vultos humanos que não collaboraram directamente n'essa colossal epopêa das
+aventuras maritimas.</p>
+
+<p>Alvaro Vaz de Almada é até certo ponto prejudicado pelo esplendor de
+uma<span class="pn">{156}</span> época gloriosissima, que marca o inicio dos
+tempos modernos. Eramos então tão felizes que sobejavam heroes, heroes de uma
+raça unica, inexcedivel, para todos os generos de celebridade. Mas a grandeza
+do vulto do conde de Avranches, podendo medir-se pela bitola dos maiores e
+melhores cavalleiros do cyclo medieval, tanto se abalisou nas tradições da
+Europa cavalheiresca, que não ficou de todo offuscada pelo esplendor da sua
+propria época.</p>
+
+<p>Quando quizermos recordar o periodo aureo em que o espirito aventuroso dos
+portuguezes investia com as lendas tenebrosas do oceano, para rasgal-as com a
+prôa das caravellas descobridoras, e affrontava os perigos das explorações
+terrestres por sertões inhospitos, teremos que figurar na nossa imaginação o
+vulto do infante D. Henrique, de pé sobre o promontorio de Sagres, dominando o
+mar, que se lhe quebrava aos pés humilde como um<span class="pn">{157}</span>
+leão vencido, e que, no seu eterno refluxo, ia levar a longinquas plagas o
+prestigio do nome portuguez.</p>
+
+<p>Mas quando quizermos figurar a agonia extrema da cavallaria portugueza,
+quando quizermos procurar a chave de ouro que fechou, n'esta região do
+occidente, o periodo do valor militar, das aventuras galantes, da coragem no
+soffrimento, da dedicação na amizade, da abnegação na existencia e da
+heroicidade na morte, teremos que figurar o conde de Avranches, brandindo
+primeiro a lança, floreando depois a espada, no campo de Alfarrobeira, onde o
+infante D. Pedro era já cadaver, até que, extenuado, sentindo exhalar-se o
+derradeiro alento, cae sobre a terra da patria, offerecendo aos golpes dos
+adversarios o corpo que já podia menos do que a alma, e exclamando ao
+despedil-a: <i>Ora vingar, villanagem!</i></p>
+
+<p>Se o infante D. Henrique é o traço de<span class="pn">{158}</span> união que
+para todo o sempre, emquanto se não perder a memoria das grandezas passadas com
+a existencia do ultimo homem, nos liga ao Oriente, cujas portas abrimos, cujos
+mares devassamos, cujos emporios vencemos, D. Alvaro Vaz de Almada é o vinculo
+eterno que nos prende ao Occidente cavalheiresco, ás tradições aventurosas do
+brio militar e do militarismo galante que foram, na Europa da idade-média, a
+suprema expressão da nobreza da alma humana.</p>
+
+<p>Um, o infante, é a aurora do novo dia que começa a raiar para a humanidade
+do seculo <small>XV</small>, aurora resplendente de fulgurações prismaticas, de
+arreboes dourados, de rosicler cambiante.</p>
+
+<p>O outro, o conde, é o occaso da idade-média, o sol-pôr de um seculo de
+feitos heroicos, de primores e gentilezas de cavalleiros intemeratos,&mdash;occaso
+opulento de tintas e de sombras grandiosas, em que a<span
+class="pn">{159}</span> luz briga ainda com as trevas, affirmando na lucta o
+valor que certamente havia aprendido com os cavalleiros d'esse tempo.</p>
+
+<p>Estes dous homens, o infante e o conde, são como uma dupla personificação da
+sua época, do momento de transição solemne em que a poesia das espadas, a
+epopêa das cavallarias errantes, que preparavam a alma humana para todas as
+concepções arrojadas e para todos os feitos destemidos, vai ceder o passo á
+quilha das caravellas e das naus, que iam em demanda do Oriente para trazel-o
+ás portas de Lisboa, estreitando as relações dos povos, desenvolvendo a
+navegação e o commercio, fomentando a industria pela abundancia de capitaes e
+pela exploração de novos mercados, pela nobilitação do trabalho, que não
+tardaria a deixar de ser um mister de escravos para converter-se n'uma
+applicação honrosa da actividade humana.</p>
+
+<p>O infante e o programma, ainda então<span class="pn">{160}</span> mal
+desenrolado, da transformação economica da Europa culta.</p>
+
+<p>O conde é o livro, prestes a fechar-se, do espirito militar da idade-média,
+o ultimo clarão da cavallaria moribunda.</p>
+
+<p>São uma época, estes dous homens. Completam-se um pelo outro.</p>
+
+<p>Ora, no momento em que a cidade do Porto vai prestar uma grande homenagem
+collectiva ao infante Descobridor, que n'essa boa terra nasceu, e fazer
+resuscitar por alguns dias o periodo mais brilhante da nossa historia nacional,
+pareceu-me justo, agora o repito, recordar o vulto do homem que, ao lado de D.
+Henrique, synthetisa o seculo <small>XV</small>, a transição da idade-média
+para os tempos modernos, na historia de Portugal.</p>
+
+<p>Tendo, meu caro snr. Lugan, de lhe enviar esta carta a tempo de poder ser
+publicada por occasião da festa centenaria do infante, fui obrigado a
+circumscrever-me<span class="pn">{161}</span> a estreitissimos limites, e a
+passar rapidamente por acontecimentos que mereciam longa attenção.</p>
+
+<p>Não é um trabalho litterario perfeito o que lhe mando, porque o fazel-o
+excederia os meus recursos e não caberia nos poucos dias de que pude dispôr. É,
+pois, uma simples carta, escripta ao correr da penna, sem preoccupações
+academicas, mas inspirada unicamente no desejo de corresponder á louvavel
+resolução do meu bom amigo e de, por minha parte, render homenagem ás glorias
+da minha patria.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p><small>Lisboa, 2 de fevereiro de 1894.</small></p>
+
+<div style="text-align:center; margin-left: 20%;">
+<p style="text-align:center;">De V. </p>
+
+<p style="text-align:center;">amigo muito
+affeiçoado</p>
+
+<p style="text-align:center;"><i>Alberto
+Pimentel.</i> </p>
+</div>
+
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+
+<div class="rodape">
+<p><a name="foot98" href="#tex2html1"><sup>[1]</sup></a> Quando se queria
+elogiar a opulencia de alguem, dizia-se: É como Janeanez (João Éannes ou
+Annes).</p>
+
+<p><a name="foot653" href="#tex2html2"><sup>[2]</sup></a> O snr. Oliveira
+Martins (<i>Filhos de D. João I</i>, pag. 87) confunde João Vaz de Almada com
+João Annes, que erradamente suppõe ter sido o pai de Alvaro Vaz de Almada.</p>
+
+<p><a name="foot654" href="#tex2html3"><sup>[3]</sup></a> «Tavarez fait
+remonter les chevaliers de cette race au grand Janeanez d'Almada, qui occupa
+les offices les plus importants sous D. Pedro, puis sous son fils, et auquel
+ont dû les fortifications dont ce dernier monarque entoura <i>Lisbonne</i>».
+(<i>Portugal</i>, pag. 85).</p>
+
+<p><a name="foot106" href="#tex2html4"><sup>[4]</sup></a> O valle por onde hoje
+se estende a Avenida da Liberdade.</p>
+
+<p><a name="foot107" href="#tex2html5"><sup>[5]</sup></a> João Vaz de Almada
+teve um filho bastardo, do mesmo nome, que foi senhor de Pereira.</p>
+
+<p><a name="foot655" href="#tex2html6"><sup>[6]</sup></a> Fernam Lopes,
+<i>Chronica d'el-rei D. João I</i>, cap. <small>XXXIX</small>.</p>
+
+<p><a name="foot656" href="#tex2html7"><sup>[7]</sup></a> <i>Quadro
+diplomatico</i>, tom. <small>I</small>, pag. 283; tom.. <small>XIV</small>,
+pag. 155-156.</p>
+
+<p><a name="foot657" href="#tex2html8"><sup>[8]</sup></a> <i>Quadro
+diplomatico</i>, tom., <small>XIV</small>, pag. 172-173.</p>
+
+<p><a name="foot658" href="#tex2html9"><sup>[9]</sup></a> <i>Ibid.</i>, pag.
+174.</p>
+
+<p><a name="foot128" href="#tex2html10"><sup>[10]</sup></a> Esta preferencia
+explica-se pelo facto de João Vaz de Almada ir na qualidade de capitão-mór da
+cidade de Lisboa.</p>
+
+<p><a name="foot659" href="#tex2html11"><sup>[11]</sup></a> «Rex Johannem
+Valascum de Almatina vocari fecit, cui dixit: «Cape signum Sancti Vicentii et,
+si potes, alteram civitatis partem ingrede, et si senseris barbaros fugam
+arripuisse arcemque reliquisse, signum in summo arcis pone». Ille mandato Regis
+parens, signum accepit et ad portam muri qui civitatem in duas partes
+dividebat, cum multis armatis eum sequentibus, venit; et quia clausa erat,
+illos eam ipsam rescindere monuit; illis vero rescindentibus, duo barbari qui
+remanserant, ut rerum exitum expectarent, ad murum accedentes, lingua
+castellana quam noverant dixere: «Nolite tantum laboris assumere, nos enim
+portam aperiemus et vobis aditum faciemus». Ubi fuit aperta Johannes Valascus,
+arcem ingressus, in altiori turre signum collocavit, etc.» (Matheus de Pisano,
+<i>Gesta illustrissimi regis Johannis de Bello Septensi</i>, 1460; <i>Inéditos
+da Accademia</i>, tom. <small>I</small>).</p>
+
+<p>Henry Major copiou este episodio. <i>Discoveries of Prince Henry the
+Navigator.</i> London, 1877. Pag. 35.</p>
+
+<p><a name="foot660" href="#tex2html12"><sup>[12]</sup></a> <i>Historia de
+Portugal</i>, vol. <small>I</small>, pag. 9.</p>
+
+<p><a name="foot661" href="#tex2html13"><sup>[13]</sup></a> «E este Ifante (D.
+Affonso, fiiho do rei D. Duarte) foy ho primeiro filho herdeiro dos Reys destes
+Regnos, que se chamou Principe, porque atee elle, todoloos outros se chamaram
+Ifantes primogenitos herdeiros, etc.» (Ruy de Pina, <i>Chronica do sr. rei D.
+Duarte</i>, vol. <small>I</small> dos <i>Inéditos</i>).</p>
+
+<p><a name="foot662" href="#tex2html14"><sup>[14]</sup></a> O <i>Nobiliario</i>
+de Damião de Goes (Torre do Tombo, 21-B-26) falla de ferimentos; outro codice
+(Torre do Tombo, 21-F-17) diz&mdash;pancadas.</p>
+
+<p><a name="foot663" href="#tex2html15"><sup>[15]</sup></a> O snr. João
+Teixeira Soares, artigo <i>Os doze de Inglaterra</i>, publicado na <i>Era
+nova</i>, pag. 458.</p>
+
+<p><a name="foot664" href="#tex2html16"><sup>[16]</sup></a> <i>Historia
+serafica</i>, 1.ª parte, cap. <small>XXIII</small>.</p>
+
+<p><a name="foot665" href="#tex2html17"><sup>[17]</sup></a> <i>Descripção de
+Portugal</i>, pag. 311.</p>
+
+<p><a name="foot666" href="#tex2html18"><sup>[18]</sup></a> <i>Os filhos de D.
+João I</i>, pag. 87.</p>
+
+<p><a name="foot667" href="#tex2html19"><sup>[19]</sup></a> «... esta cerimonia
+(a investidura de um cavalleiro) dava áquelle que iniciava um seu companheiro
+no culto do valor e da lealdade, uma certa influencia sobre o neophyto, que lhe
+ficava consagrando sempre respeito e affeição indissoluvel». (Pinheiro Chagas,
+<i>Historia de Portugal</i>, vol. <small>II</small>, pag. 147).</p>
+
+<p><a name="foot668" href="#tex2html20"><sup>[20]</sup></a> Ferdinand Denis,
+<i>Portugal</i>, pag. 84.</p>
+
+<p><a name="foot175" href="#tex2html21"><sup>[21]</sup></a> Torre do Tombo.
+Codice 21-F-17.</p>
+
+<p><a name="foot669" href="#tex2html22"><sup>[22]</sup></a> Fernam Lopes,
+<i>Chr. d'el-rei D. João I</i>, cap. <small>XCV</small>.</p>
+
+<p><a name="foot722" href="#tex2html23"><sup>[23]</sup></a> ... né au
+commencement du quinzième siècle...» (Ferdinand Denis, <i>Nouvelle biographie
+universelle</i>, tom. <small>II</small>, pag. 170). «Alvaro était né, selon
+toutes les probabilités, à peu près vers l'époque ou Joam
+<small>I</small><sup>er</sup> avait eu ses premiers fils». (Ferdinand Denis,
+<i>Portugal</i>, pag. 86).</p>
+
+<p><a name="foot671" href="#tex2html24"><sup>[24]</sup></a> Suppomos ser o snr.
+Pinheiro Chagas a pessoa que, no <i>Diccionario popular</i>, escreveu o artigo
+relativo a Alvaro Vaz de Almada.</p>
+
+<p><a name="foot196" href="#tex2html25"><sup>[25]</sup></a> Foi Pedro José de
+Figueiredo, mas parece que teve collaboradores. 1817.</p>
+
+<p><a name="foot672" href="#tex2html26"><sup>[26]</sup></a> Artigo <i>Alvaro
+Vaz de Almada</i>, no <i>Diccionario popular</i>.</p>
+
+<p><a name="foot205" href="#tex2html27"><sup>[27]</sup></a> A pedido de Alvaro
+Vaz, esta carta foi confirmada por outra do rei D. Duarte, dada em Almeirim a 5
+de Janeiro de 1434.</p>
+
+<p>O posto de capitão-mór da armada conservou-se depois nos Almadas
+descendentes do agraciado, até ao tempo de el-rei D. Sebastião, que d'elle fez
+mercê a D. Fernando de Almada, bisneto de Alvaro Vaz, por carta passada em
+Evora a 25 de agosto de 1573.</p>
+
+<p><a name="foot673" href="#tex2html28"><sup>[28]</sup></a> Ruy de Pina,
+<i>Chronica do senhor rei D. Duarte</i>, cap. <small>XXIV</small>.</p>
+
+<p><a name="foot674" href="#tex2html29"><sup>[29]</sup></a> <i>Chronica do
+senhor rei D. Duarte</i>, cap. <small>XXV</small>.</p>
+
+<p><a name="foot675" href="#tex2html30"><sup>[30]</sup></a> <i>Chronica do
+senhor rei D. Duarte</i>, cap. <small>XXVI</small>.</p>
+
+<p><a name="foot676" href="#tex2html31"><sup>[31]</sup></a> <i>Chronica do
+senhor rei D. Duarte</i>, cap. <small>XXXIV</small>.</p>
+
+<p><a name="foot677" href="#tex2html32"><sup>[32]</sup></a> Ruy de Pina,
+<i>Chronica do senhor rei D. Duarte</i>, cap. <small>XXXVI</small>.</p>
+
+<p><a name="foot678" href="#tex2html33"><sup>[33]</sup></a> <i>Portugal</i>,
+pag. 86, nota.</p>
+
+<p><a name="foot679" href="#tex2html34"><sup>[34]</sup></a> <i>O infante D.
+Pedro</i>, chronica por Gaspar Dias de Landim, cap. <small>XIV</small>.</p>
+
+<p><a name="foot249" href="#tex2html35"><sup>[35]</sup></a> Landim, mesmo
+capitulo.</p>
+
+<p><a name="foot680" href="#tex2html36"><sup>[36]</sup></a> <i>Chronica do
+senhor rei D. Affonso V</i>, cap. <small>XXXI</small>.</p>
+
+<p><a name="foot681" href="#tex2html37"><sup>[37]</sup></a> Pina, <i>Chronica
+do senhor rei D. Affonso V</i>, cap. <small>XXXIV</small>.</p>
+
+<p>Era o <i>Limoeiro</i>. Este edificio havia sido Casa da Moeda, e depois
+palacio <i>dos infantes</i>, porque lhes era destinado. (Vêr <i>Noticias
+chronologicas da universidade de Coimbra</i>, por Francisco Leitão Ferreira,
+nas <i>Memorias da Academia Real de Historia</i> relativas ao anno de 1729,
+pag. 206). Mas ficou por muito tempo o costume de designar o palacio pelo seu
+nome antigo: a <i>Moeda</i>.</p>
+
+<p><a name="foot682" href="#tex2html38"><sup>[38]</sup></a> <i>Chronica</i>,
+cap. <small>XXXVI</small>.</p>
+
+<p><a name="foot683" href="#tex2html39"><sup>[39]</sup></a> Torre do
+Tombo&mdash;Chancellaria de D. Affonso <small>V</small>, liv. 20, fol. 85 v.</p>
+
+<p><a name="foot684" href="#tex2html40"><sup>[40]</sup></a> <i>Chronica</i>,
+cap. <small>LXXI</small>.</p>
+
+<p><a name="foot685" href="#tex2html41"><sup>[41]</sup></a> <i>Elementos para a
+historia do municipio de Lisboa</i>, tom. <small>I</small>, pag. 322.</p>
+
+<p><a name="foot686" href="#tex2html42"><sup>[42]</sup></a> <i>Diccionario
+popular</i>, artigo <i>Alvaro Vaz de Almada</i>.</p>
+
+<p><a name="foot688" href="#tex2html43"><sup>[43]</sup></a></p>
+
+<blockquote>
+ Ex Archivis in Turri London <br>
+ E rotulo Franciae, A.º 23.º <br>
+ Hen. 6, membrana 2. </blockquote>
+Henricus dei gratia Rex Angliae et Franciae et dominus Hiberniae
+Archiepiscopis, Episcopis &amp;c. salutem. Magnis efferendi sunt laudibus,
+singulari attollendi gloria, qui in Rei publicae salutem dies suos et vitam
+ipsam ferventi studio et animo indefesso conferre nituntur; qui de seipsis
+pericula faciunt pro aliorum quiete, qui egregiam famam et nomen immortale,
+prae coeteris mundanis rebus sitiunt, et foelices se praedicant dum communem
+utilitatem eorum operâ et fide adjutari posse arbitrantur: O foelicissimum
+genus hominum! sine quibus urbes, moenia, regna, dominia, mundi Principes, nec
+mundus ipse, incolumitate gaudere poterunt: O clarissimi et justi viri! quorum
+sancta dispositione virescunt virtutes omnes et florent, pulcherime effrenantur
+mali, praemuntur perversi; nemo est certe qui horum ingenuos animos aut literis
+contexere aut verbis affari dignâ laude poterit; de quorum numero insignis et
+nobilis animi vir et strenuus et splendidissimus miles D<small>OMINUS
+</small>A<small>LVARUS DE </small>A<small>LMADAA</small> dicendus et
+praedicandus est, qui ab ineunt suâ aetate, dum annos pueritiae excesserat,
+militiae gloriâ debaccatus, virtutum praemia et communem omnium salutem
+anelans, toto conanime et omni studio in armorum usum so conjecit, et cum
+aptiores Rei militares attigerat annos, adolevit strennitas sua cum aetate,
+itaq animo excellenti in omnem Rei publicae tuitionem crevit, ut nichil sibi
+dulce, acceptum aut desiderabile videbatur, si pro communi bono non fuerit
+institutum; adeo sua pro virili bellorum descrimini insudavit forti animo, et
+pacis tranquilitati consilio, quod suo jure praemia debentur suo labori:
+propterea nos animadvertentes nobilitatem et animi dicti viri egregiam
+dispositionem, quae suis gestis adjunctae magnum efficiuntornamentum, nec non
+ingentia facta quae non tantum tempore regni celeberimae memoriae
+Christianissimi Progenitoris nostri verum etiam cumulum amoris servitii et
+meritorum quae nobis regnisq exhibuit nostris, ipsum in militem ac socium et
+fratrem de G<small>ARTERIA EX</small> unanimi consensu societatis ejusdem
+elegimus et realiter investivimus: eundem etiam Dominum A<small>LVARUM</small>
+ex nostra habundantiori gratiâ in evidens testimonium suarum virtutum, in
+comitem D<small>AVARANS</small> in D<small>UCATU</small> nostro
+N<small>ORMANDIAE</small> creavimus et praefecimus, ac per presentes creamus et
+praeficimus ac de eisdem nomine honore et titulo per cincturam gladii
+investientes effectualiter insignivimus. Habenda et tenenda eadem nomen et
+honorem Comitis D<small>AVARANS</small> sibi et haeredibus suis masculis de
+corpore suo legitime exeuntibus in perpetuum, volentes et praecipientes pro
+nobis et haeredibus nostris quod dictus fidelis noster dominus
+A<small>LVARUS</small> nomen et honorem Comitis D<small>AVARANS</small> teneat
+sibi et haeredibus suis masculis de corpore suo ut praemissum est legitime
+exeuntibus in perpetuum, Hiis testibus venerabilibus patribus I: Cantuar: et I.
+Eborum archiepis. Tho: Norwicen: W: Sarum, I: Bathon et Wellen Epis. carissimo
+avunculo nostro Humfredo Duce Glouc: ac carissimis consanguineis nostris Iohan.
+Exon. et Humfredo Buck. Ducibus et Willõ Marchione Suffolciae. Iohan: Vicecom:
+de Beaumont, ac diltis(1) et fidelibus suis Radulpho Cromwell et Radulpho
+Botiller militibus, Thess(2) Angl., et Magistro Adam Moleyns custode privati
+sigilli et aliis. Dat. per manum nostram apud Westm(3). 4 die Aug.
+
+<p>Per breve de private sigillo et de data praedicta &amp;c.</p>
+
+<p>(1) Dilectis.</p>
+
+<p>(2) Thesaurariis.</p>
+
+<p>(3) Westminster.</p>
+
+<p><a name="foot689" href="#tex2html44"><sup>[44]</sup></a></p>
+
+<blockquote>
+ Ex Archivis in Turri London <br>
+ E rotulo Franciae, A.º 23.º <br>
+ Hen. 6. membrana 2. </blockquote>
+Rex omnibus ad quos &amp;c salutem. Ponimos ante oculos nostros fidem
+industriam circumspectionem affectionem laboresq et alia memoriâ dignissima
+quae fidelis noster Dominus A<small>LVARUS DE </small>A<small>LMADAA</small>
+Comes D<small>AVARANS</small> consiliarius excellentissimi Principis et
+potentissimi domini Regis Portugaliae consanguinei nostri et Capitaneus Major
+in omnibus regnis suis et dominationibus ac Alcayde major civitatis
+Ulisbonensis foelicis memoriae genitori nostro et etiam nobis singulari
+intentione impendit: volentes ideo hujusmodi merita sine fructu nequaquam
+oblivioni comittese, Ex mero motu nostro concessimus et concedimus per
+praesentes eidem A<small>LVARO</small> centum marcas percipiendas annuatim
+quamdiu vixerit ad receptam Scaccarii nostri Angliae per manus Thesaurarii et
+Camerariorum nostrorum ibidem pro tempore existentium ad Terminos Paschae et
+Sancti Michaelis per equales porcõnes. In cujus, etc. Teste R. apud Westm. 9
+die Augusti.
+
+<p><a name="foot347" href="#tex2html45"><sup>[45]</sup></a> N. B.&mdash;O marco
+inglez valia 13 schellings e 4 pences.</p>
+
+<p><a name="foot690" href="#tex2html46"><sup>[46]</sup></a> Priv. Sigill. 13
+Aug. 23 H. 6. We in good consideration of the good service grete zele and good
+love that our trusty and welbeloved A<small>LVAST </small>D<small>ALMAA</small>
+Knyght of Portugale hath doon and shewed unto us and oure full noble
+progenitors have maad(1) and creat(2) him now late(3) Therle(4) of
+A<small>VERANCHE</small> and over that(5) we have graunted unto the said
+A<small>LVAST</small> a pension of an C marc by yere during his life. We charge
+you that ye delivere unto him a cupp of golde of XL marc and C marc thereinne
+&amp;c.</p>
+
+<p>(1) Made.</p>
+
+<p>(2) Created.</p>
+
+<p>(3) Now of late; lately.</p>
+
+<p>(4) The earl.</p>
+
+<p>(5) And besides that; and moreover.</p>
+
+<p><a name="foot691" href="#tex2html47"><sup>[47]</sup></a> O titulo de conde
+de Avranches, posto que Henque <small>VI</small> o concedesse hereditario,
+caducou desde que Carlos <small>VII</small> conseguiu reunir á França o ducado
+de Normandia.</p>
+
+<p>Foi pois preciso que Luiz <small>XI</small> o confirmasse na pessoa de D.
+Fernando de Almada, filho das segundas nupcias de D. Alvaro Vaz de Almada,
+porque a geração do primogenito do primeiro casamento extinguiu-se.</p>
+
+<p>A confirmação realisou-se quando Affonso <small>V</small> esteve em França,
+e D. Fernando de Almada o acompanhou.</p>
+
+<p>O titulo, assim renovado, foi reconhecido em Portugal: D. João
+<small>II</small> mandou fazer assentamento a D. Fernando de Almada, <i>conde
+de Avranches</i>, de 102:864 reaes brancos.</p>
+
+<p>Acabou o titulo na pessoa de D. Antão de Almada, que acompanhou a Africa D.
+Sebastião, e lá morreu. O filho de D. Antão, que estivera com o pai em
+Alcacerquibir, ficou captivo, e só logrou repatriar-se depois da morte do
+cardeal D. Henrique. Não se renovou por isso a concessão do titulo,
+interrompendo-se tambem a successão do officio de capitão-mór do reino.</p>
+
+<p>Outro D. Antão de Almada, descendente do <i>Bom capitão</i>, foi um dos
+quarenta fidalgos de 1640.</p>
+
+<p>A rainha D. Maria <small>I</small> agraciou a familia Vaz de Almada com a
+concessão do titulo de conde de Almada, a 13 de maio de 1793.</p>
+
+<p><a name="foot692" href="#tex2html48"><sup>[48]</sup></a> <i>Chronica</i>,
+cap. <small>LXXXIX</small>.</p>
+
+<p><a name="foot377" href="#tex2html49"><sup>[49]</sup></a> Que bello desplante
+cavalheiresco n'este repto de um contra tres!</p>
+
+<p><a name="foot694" href="#tex2html50"><sup>[50]</sup></a> <i>The life of
+Prince Henry of Portugal</i>, cap. <small>XIII</small>, pag. 229.</p>
+
+<p><a name="foot695" href="#tex2html51"><sup>[51]</sup></a> <i>Memorias
+d'el-rei D. João I</i>, tom. <small>V</small>, cap. <small>LXV</small>, pag.
+342.</p>
+
+<p><a name="foot696" href="#tex2html52"><sup>[52]</sup></a> Pina,
+<i>Chronica</i>, cap. <small>XCIII</small>.</p>
+
+<p><a name="foot697" href="#tex2html53"><sup>[53]</sup></a> Dom Affonso, etc.,
+a quantos esta carta virem fazemos saber que a nós disseram que em Abrantes
+foram deixados certos bens de herança por um Fernão Rodrigues Rombo; que por
+morte de um seu filho os houvesse a egreja de S. João da dita villa, a qual os
+houve e teve anno e dia sem os venderem e acabado o dito tempo a pessoas leigas
+segundo por nós é ordenado (<i>sic</i>). Os quaes bens vai em dois ou tres
+annos os tem os clerigos da dita egreja, pela qual razão por bem da nossa
+ordenação pertencem a nós e os podemos dar de direito a quem nossa mercê for. E
+ora querendo nós fazer graça e mercê ao capitão Alvaro Vaz d'Almada, Rico Homem
+do nosso Conselho e Alcaide Mór da cidade de Lisboa, se assim é, como nos foi
+dito, e que por a dita razão os ditos bens pertencem a nós e os podemos de
+direito dar a quem nossa mercê for, temos por bem e fazemos-lhe d'elles livre e
+pura irrevogavel doação entre os vivos valedoura d'este dia para todo sempre e
+de todos seus herdeiros e successores que depois elle vierem, assim ascendentes
+(<i>sic</i>) como descendentes. E, porem, mandamos aos juizes da dita villa
+d'Abrantes e a outros quaes que isto houverem de ver que, presentes os tedores
+dos ditos bens e partes, a que isto pertencer, que se acharem que assim é como
+nos disseram e que por isso os ditos bens que assim ficaram á dita egreja
+pertencem a nós e os podemos de direito dar, que vista esta carta os façam logo
+dar e entregar ao dito capitão ou a seu certo procurador e lh'os deixem ter e
+haver, lograr, possuir, vender, dar e doar, trocar e escambar, fazer d'elles e
+n'elles o que lhe prouver, como de sua cousa propria e corporal possessão, por
+quanto nós lhe fazemos d'elles a dita mercê e doação o mais firmemente que ser
+pode, se a nós de direito pertencem e a outrem primeiramente não são dados, por
+nossa carta dando appellação e aggravo ás partes nos casos que o direito
+outorga, e esta mercê lhe fazemos com tanto que elle nem seu procurador não
+faça avença com as partes sem nossa licença, e se a fizer que perca para nós
+isto de que lhe assim fazemos mercê e mais o preço que por isso receber e al
+não façaes. Dada em Lisboa 18 de Agosto. El-Rei o mandou por Lopo d'Almeida,
+cavalleiro de sua casa, não sendo ahi Diogo Femandes d'Almeida, seu pai, do
+conselho do dito Senhor e védor de sua Fazenda, a que isto pertencia. Nuno
+Affonso a fez anno de Nosso Senhor Jesus Christo de mil quatrocentos quarenta e
+quatro(1).</p>
+
+<p>(1) Torre do Tombo&mdash;Chancellaria de D. Affonso <small>V</small>, liv.
+<small>V</small>, fl. 68.</p>
+
+<p><a name="foot698" href="#tex2html54"><sup>[54]</sup></a> Devia ser n'este
+anno, pelas razões expostas pelo visconde de Santarem no <i>Quadro
+elementar</i>, tom. <small>III</small>, pag. 80, nota, e pelo conde de Villa
+Franca, <i>D. João I e a alliança ingleza</i>, pag. 201, nota.</p>
+
+<p><a name="foot699" href="#tex2html55"><sup>[55]</sup></a> <i>Chronique du bon
+chevalier Jacques de Lalain, frère et compagnon de l'ordre de la toison
+d'or</i>, por Georges de Chastelain, cap. <small>XXXVIII</small> a
+<small>XLII</small>.</p>
+
+<p><a name="foot700" href="#tex2html56"><sup>[56]</sup></a> Pina,
+<i>Chronica</i>, cap. <small>XCVI</small>.</p>
+
+<p><a name="foot701" href="#tex2html57"><sup>[57]</sup></a> Pina,
+<i>Chronica</i>, cap. <small>CIV</small>.</p>
+
+<p><a name="foot702" href="#tex2html58"><sup>[58]</sup></a> Pina,
+<i>Chronica</i>, cap. <small>CX</small>.</p>
+
+<p><a name="foot704" href="#tex2html59"><sup>[59]</sup></a> <i>Portugal</i>,
+pag. 88.</p>
+
+<p><a name="foot705" href="#tex2html60"><sup>[60]</sup></a> Pina,
+<i>Chronica</i>, cap. <small>CXVIII</small>.</p>
+
+<p><a name="foot706" href="#tex2html61"><sup>[61]</sup></a> Pina,
+<i>Chronica</i>, cap. <small>CXX</small>.</p>
+
+<p><a name="foot453" href="#tex2html62"><sup>[62]</sup></a> Pina, mesmo
+capitulo.</p>
+
+<p><a name="foot455" href="#tex2html63"><sup>[63]</sup></a> Combateu pelo
+infante D. Pedro em Alfarrobeira. Era quinto filho de Lopo Dias de Azevedo.</p>
+
+<p><a name="foot707" href="#tex2html64"><sup>[64]</sup></a> Frei Luiz de Sousa,
+<i>Historia de S. Domingos</i>, 1.ª parte, liv. <small>VI</small>, cap.
+<small>XV</small>.</p>
+
+<p><a name="foot708" href="#tex2html65"><sup>[65]</sup></a> Mariz, <i>Dialogos
+de varia historia</i>; Major, <i>The life of Prince Henry of Portugal</i>.</p>
+
+<p><a name="foot709" href="#tex2html66"><sup>[66]</sup></a> Um codice da Torre
+do Tombo (21-F-17) confunde este João Vaz de Almada com o pai, que tinha o
+mesmo nome. O filho é que foi védor da fazenda de D. Affonso <small>V</small>,
+como claramente diz Ruy de Pina. É verdade que o mesmo codice, suppondo que
+João Vaz de Almada, pai do conde de Avranches, era védor em 1451, encarrega-se
+de evidenciar o equivoco, noticiando que falleceu em Londres logo depois do
+casamento de D. Beatriz, com o conde de Arundel, casamento que se realisou em
+1405! A chronologia dos nobiliarios é uma cousa escurissima.</p>
+
+<p>O pai do conde de Avranches figura com a moradia de 12:000 livras na casa de
+D. João <small>I</small>.</p>
+
+<p>O bastardo, além de védor, foi rico-homem e cavalleiro do conselho de
+Affonso <small>V</small>.</p>
+
+<p><a name="foot710" href="#tex2html67"><sup>[67]</sup></a> Diz Duarte Nunes
+que em Inglaterra se cantavam <i>romances</i> populares em honra de Pedro Vaz
+de Almada por um feito de armas que praticára, e que fôra muito louvado dos
+inglezes. Os ossos de D. Pedro, que falleceu solteiro, foram trazidos a
+Portugal por um criado, que se chamava Rolão Vaz.</p>
+
+<p><a name="foot711" href="#tex2html68"><sup>[68]</sup></a> Visconde de
+Castilho, Julio, <i>Lisboa antiga</i>, vol. <small>I</small>.</p>
+
+<p><a name="foot494" href="#tex2html69"><sup>[69]</sup></a> D. Leonor Telles,
+quando passou do marido para o rei D. Fernando, ou ainda ia pejada ou pouco
+antes havia dado á luz este filho legitimo. O pai, João Lourenço da Cunha,
+voltou á patria quando D. Fernando morreu, e pediu ao Mestre de Aviz que
+reconheoesse Alvaro da Cunha como herdeiro de todos os seus bens, o que foi
+concedido.</p>
+
+<p><a name="foot498" href="#tex2html70"><sup>[70]</sup></a> Descendente, como
+todos os outros Pessanhas, do nautico genovez Manoel Pezagno, que o rei D.
+Diniz chamou ao serviço de Portugal, e nomeou almirante da sua frota. O
+appellido Pezagno aportuguezou-se em Pessanha. E o almirantado ficou na
+familia.</p>
+
+<p><a name="foot712" href="#tex2html71"><sup>[71]</sup></a> <i>Nouvelle
+biographie universelle</i>, tom. <small>II</small>, pag. 170.</p>
+
+<p><a name="foot512" href="#tex2html72"><sup>[72]</sup></a> O primeiro Antão
+que apparece na familia de Alvaro Vaz de Almada é um seu neto, segundo filho de
+D. Fernando de Almada, segundo conde de Avranches.</p>
+
+<p><a name="foot515" href="#tex2html73"><sup>[73]</sup></a> Os chronistas
+portuguezes dizem&mdash;João de Montferrat. Froissart, porém, chama-lhe Guilherme de
+Montferrant.</p>
+
+<p><a name="foot713" href="#tex2html74"><sup>[74]</sup></a> «... mas foi desde
+o tempo de João <small>I</small> que multiplicados laços uniram estreitamente
+as duas casas e os dois Estados (Portugal e Inglaterra). O antigo tratado de
+commercio e de alliança de 12 de abril de 1372, que era apenas uma extensão do
+precedente, foi renovado a 15 de abril de 1386; ainda no mesmo anno (9 de maio)
+uma alliança defensiva foi concluida com o rei Ricardo de Inglaterra,
+confirmada solemnemente no anno seguinte (12 de agosto) e reconfirmada ainda a
+16 de fevereiro de 1404 por Henrique <small>IV</small>, successor de Ricardo. O
+casamento de João com a filha do duque de Lancaster (2 de fevereiro de 1387)
+sellou ainda estes laços de amizade com a corôa de Inglaterra, garantiu e
+assegurou os tratados de diversa natureza que existiam entre os portuguezes e
+os inglezes».</p>
+
+<p>Schæfer&mdash;<i>Historia de Portugal</i>. (Reinado de D. João <small>I</small>).
+</p>
+
+<p><a name="foot714" href="#tex2html75"><sup>[75]</sup></a> <i>Les chroniques
+de sire Jean Froissart</i>, tom. <small>III</small>, part. <small>I</small>,
+cap. <small>XXXVII</small>.</p>
+
+<p><a name="foot715" href="#tex2html76"><sup>[76]</sup></a> <i>Os doze de
+Inglaterra</i>, artigo do snr. João Teixeira Soares, na <i>Era Nova</i>, pag.
+448.</p>
+
+<p><a name="foot566" href="#tex2html77"><sup>[77]</sup></a> Snr. Teixeira
+Soares, artigo citado.</p>
+
+<p><a name="foot716" href="#tex2html78"><sup>[78]</sup></a> Francisque Michel,
+<i>Les portugais en France, les français en Portugal</i>, 1882, pag. 9.</p>
+
+<p><a name="foot717" href="#tex2html79"><sup>[79]</sup></a> <i>Relations
+anciennes de la Belgique et du Portugal</i>, pag. 25.</p>
+
+<p><a name="foot718" href="#tex2html80"><sup>[80]</sup></a> <i>Chronica</i>,
+cap. <small>V</small>.</p>
+</div>
+</div>
+
+<p> </p>
+
+<p> </p>
+
+<p> </p>
+
+<p> </p>
+
+<div style="text-align:center; font-size: small;">
+<p>LIVRARIA CHARDRON&mdash;M. LUGAN, E<small>DITOR</small></p>
+<hr width="30%">
+
+<p>CENTENARIO DO INFANTE D. HENRIQUE</p>
+<hr width="20%">
+
+<p><i>ALFREDO CAMPOS</i></p>
+
+<p><big>O INFANTE NAVEGADOR</big></p>
+
+<p><small>POEMETO</small></p>
+
+<p><small>Com um prefacio de JOÃO PENHA</small></p>
+
+<p>Um folheto.............................. 200 reis</p>
+
+<p>Edição em papel de linho........ 400 reis</p>
+<hr width="20%">
+
+<p><i>CAMILLO CASTELLO BRANCO</i></p>
+
+<p><big><big>A LENDA DE MACHIN</big></big></p>
+
+<p><small>Reflexões á VIDA DO INFARTE D. HENRIQUE<br>
+<small>por Mr. Richard H. Major</small><br>
+Vertida do Inglez por J. A. Ferreira Brandão</small></p>
+
+<p>Esta lenda acha-se no romance: EUSEBIO MACARIO</p>
+
+<p>Um volume....................... 800 reis</p>
+<hr width="20%">
+
+<p><i>MANUEL DUARTE D'ALMEIDA</i></p>
+
+<p><big>ESTANCIAS AO INFANTE D. HENRIQUE</big></p>
+
+<p><small>Recitadas pelo auctor</small></p>
+
+<p>Edição de luxo................ 300 reis.</p>
+<hr width="20%">
+
+<p><i>OLIVEIRA MARTINS</i></p>
+
+<p><big><big>OS FILHOS DE D. JOÃO I</big></big></p>
+
+<p><small>Edição de luxo, illustrada, papel de linho, tipo elzevir</small></p>
+
+<p>Um grosso volume............. 2$000 reis</p>
+<hr width="80%">
+
+<p><small>Porto&mdash;Typ. de A. J. da Silva Teixeira, Cancella Velha,
+70</small></p>
+</div>
+
+
+
+
+
+
+
+<pre>
+
+
+
+
+
+End of the Project Gutenberg EBook of Um contemporaneo do Infante D. Henrique, by
+Alberto Pimentel
+
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+To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
+and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
+and the Foundation web page at https://www.pglaf.org.
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+
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+The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
+501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
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+Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
+permitted by U.S. federal laws and your state's laws.
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+information can be found at the Foundation's web site and official
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+
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+ Chief Executive and Director
+ gbnewby@pglaf.org
+
+
+Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation
+
+Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide
+spread public support and donations to carry out its mission of
+increasing the number of public domain and licensed works that can be
+freely distributed in machine readable form accessible by the widest
+array of equipment including outdated equipment. Many small donations
+($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt
+status with the IRS.
+
+The Foundation is committed to complying with the laws regulating
+charities and charitable donations in all 50 states of the United
+States. Compliance requirements are not uniform and it takes a
+considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up
+with these requirements. We do not solicit donations in locations
+where we have not received written confirmation of compliance. To
+SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any
+particular state visit https://pglaf.org
+
+While we cannot and do not solicit contributions from states where we
+have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition
+against accepting unsolicited donations from donors in such states who
+approach us with offers to donate.
+
+International donations are gratefully accepted, but we cannot make
+any statements concerning tax treatment of donations received from
+outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff.
+
+Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation
+methods and addresses. Donations are accepted in a number of other
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+
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+works.
+
+Professor Michael S. Hart was the originator of the Project Gutenberg-tm
+concept of a library of electronic works that could be freely shared
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+
+
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