summaryrefslogtreecommitdiff
path: root/31906-h
diff options
context:
space:
mode:
authorRoger Frank <rfrank@pglaf.org>2025-10-14 19:56:39 -0700
committerRoger Frank <rfrank@pglaf.org>2025-10-14 19:56:39 -0700
commite4c14ce522f20d68b508e451d6f025d716c0df3a (patch)
tree30b13c70af6d6e8223fe28608439a0c3b7dcff34 /31906-h
initial commit of ebook 31906HEADmain
Diffstat (limited to '31906-h')
-rw-r--r--31906-h/31906-h.htm3018
-rw-r--r--31906-h/images/a_sousa.pngbin0 -> 312039 bytes
2 files changed, 3018 insertions, 0 deletions
diff --git a/31906-h/31906-h.htm b/31906-h/31906-h.htm
new file mode 100644
index 0000000..ad5e23e
--- /dev/null
+++ b/31906-h/31906-h.htm
@@ -0,0 +1,3018 @@
+<!DOCTYPE html PUBLIC "-//W3C//DTD HTML 4.01 Transitional//EN"
+ "http://www.w3.org/TR/html4/loose.dtd">
+<html>
+<head>
+ <title>Memorias de um pobre diabo, por Aritoteles de Sousa</title>
+ <meta name="Author" content="Aristoteles de Sousa">
+ <meta name="Edition" content="Rio de Janeiro. Typographia Perseverança, 1868">
+ <meta http-equiv="content-type" content="text/html; charset=iso-8859-15">
+ <style type="text/css">
+ body{margin-left: 10%;
+ margin-right: 10%;
+ }
+ .pn {
+ text-indent: 0em;
+ position: absolute;
+ left: 92%;
+ font-size: smaller;
+ text-align: right;
+ color: silver;
+ }
+ #corpo p{text-align: justify; text-indent: 1em;}
+ h1 {text-align: center; margin-top: 5em; margin-bottom: 5em;}
+ h2, h3 {text-align: center;}
+ #corpo p.ni {text-indent: 0;}
+ hr {border: 0; border-top: solid 1px #000; width: 90%;}
+ blockquote {margin-left: 20%; font-size: small;}
+ .rodape {
+ font-size: 0.8em;
+ margin: 2em;
+ }
+ a {text-decoration: none;}
+ </style>
+</head>
+
+<body>
+
+
+<pre>
+
+The Project Gutenberg EBook of Memorias de um pobre diabo, by
+Bruno Henriques de Almeida Seabra
+
+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
+almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
+re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
+with this eBook or online at www.gutenberg.org
+
+
+Title: Memorias de um pobre diabo
+
+Author: Bruno Henriques de Almeida Seabra
+
+Release Date: April 6, 2010 [EBook #31906]
+
+Language: Portuguese
+
+Character set encoding: ISO-8859-1
+
+*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK MEMORIAS DE UM POBRE DIABO ***
+
+
+
+
+Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images
+of public domain material from Google Book Search)
+
+
+
+
+
+
+</pre>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<div style="text-align:center;">
+<p style="font-size: 2em;">MEMORIAS</p>
+
+<p>DE</p>
+
+<p style="font-size: 2.5em;">UM POBRE DIABO</p>
+
+<p style="font-size: 0.8em;">POR</p>
+
+<p style="font-size: 1.2em;">ARISTOTELES DE SOUSA.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+<hr style="width: 20%">
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p><strong>RIO DE JANEIRO</strong></p>
+
+<p>LIVRARIA LUSO-BRASILEIRA</p>
+
+<p><small>30&mdash;RUA DA QUITANDA&mdash;30</small></p>
+</div>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="text-align:center;"><img src="images/a_sousa.png" border="0" alt="Aristoteles de Sousa"></p>
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="text-align:center; font-size: 1.6em;">MEMORIAS DE UM POBRE DIABO.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<div style="text-align:center; font-size: 0.8em;">
+<p>Typographia&mdash;P<small>ERSEVERANÇA</small>&mdash;rua do Hospicio n. 91</p>
+
+<p>1868</p>
+</div>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<div style="text-align:center;margin-left:auto;margin-right:auto;">
+<p style="font-size: 2em;">MEMORIAS</p>
+
+<p>DE</p>
+
+<p style="font-size: 2.5em;">UM POBRE DIABO</p>
+
+<p style="font-size: 0.8em;">POR</p>
+
+<p style="font-size: 1.2em;">ARISTOTELES DE SOUSA.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<blockquote>
+ ARISTOTELES DE SOUSA.<br>
+ <em>          Do autor.</em> </blockquote>
+
+<p><strong>RIO DE JANEIRO</strong></p>
+
+<p>LIVRARIA LUSO-BRASILEIRA</p>
+
+<p><small>30&mdash;RUA DA QUITANDA&mdash;30</small></p>
+</div>
+
+<p> <span class="pn">{4}<br>
+{5}</span></p>
+
+<div id="corpo">
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h1><a name="SECTION000100">Prologo.</a></h1>
+
+<p>Pobreza não é vileza. Aviados andariam os vicios se fizessem conta dos
+pobres. Por não ser a pobreza vicio, fogem della, até os... escriptores... E
+como esperar <em>um pobre diabo</em> que outrem, que não elle, escreva <em>suas
+memorias</em>?</p>
+
+<p>Responda o respeitavel&mdash;Publico&mdash;, sujeito em quem nesta occasião
+não descarrego a mais tremenda das descomposturas por amor á vazão deste
+livrinho. Cá me fica ella, porém, de reserva para quando eu haja de escrever
+algum <em>juizo critico</em> sobre alheia obra.<span class="pn">{6}</span></p>
+
+<p>Eis ahi o que é um <em>prologo</em>; em latim&mdash;<em>exordium</em>, em
+francez&mdash;<em>avant-propos</em>, no alemão&mdash;<em>Einleitung</em>, no
+inglez... <em>foolery</em>, e em as outras linguas como queiram, excepto no
+grego quê por fôrça será <em>pro-logos</em>, de <em>logos</em> discurso,
+<em>pró</em> antecipado, para se não dizer que embaço.</p>
+
+<p>Este prologo e os capitulos seguintes são escriptos em portuguez, com perdão
+do meu professor de grammatica.<span class="pn">{7}</span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h1><a name="SECTION000200">PRIMEIRA PARTE.</a></h1>
+
+<p> <span class="pn">{8}<br>
+{9}</span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION000210">CAPITULO I.</a></h3>
+
+<p>Vim á luz ao pôr do sol, minutos antes do toque das Ave-Marias. Hora fresca.
+No anno em que nasci, não appareceu nenhum cometa por cima de mim. Não requeri
+para <em>vir á luz</em> e, ai de nós! se o nascimento dependesse de
+um&mdash;<em>como requer!</em>&mdash;A esta hora meio mundo não teria feito a
+barba.</p>
+
+<p>Do dia do nascimento aos meus oito annos de idade, deram-se mil e uma
+circumstancias; notem que não digo&mdash;<em>pormenores</em> e aprendam a
+evitar um <em>hespanholismo</em>.<span class="pn">{10}</span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION000220">CAPITULO II.</a></h3>
+
+<p>Aos doze annos lia, escrevia, contava e até <em>grammaticava</em>, se dou
+crédito ao attestado do meu professor, que, nesse tempo, escrevia deste
+modo&mdash;<em>proFeçôr</em>.</p>
+
+<p>Ainda noje não atinei como aprendi a lêr, a escrever, a contar e a
+grammaticar com um professor, que lia <em>Simeão da Nautica</em> em vez de
+<em>Simão de Nantua</em>, orthographava professor d'aquelle modo, contando
+pelos dedos quando sommava 3+2+5?!</p>
+
+<p>Tambem já não tinha medo de almas do outro mundo.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION000230">CAPITULO III.</a></h3>
+
+<p>Ouçam isto:</p>
+
+<p>&mdash;Senhor meu sobrinho! abeire-se cá, sommemos as nossas contas. Ha dous
+mezes esteve vossê de cama, em risco de morrer entrevado, consequencias das
+suas sahidas de casa a deshoras; pondo novamente os<span class="pn">{11}</span>
+pés na rua foi contrahir uma divida na importancia de oitenta e cinco mil e
+quinhentos réis; aqui tenho a nota:</p>
+
+<table border="0" style="width: 100%" summary="nota da divida">
+ <col>
+ <col>
+ <col>
+ <tbody>
+ <tr>
+ <td>1</td>
+ <td>Vestido de cambraia de côr com babados.</td>
+ <td style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">15$000<br>
+ </td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>1</td>
+ <td>Chale de lã e sêda.</td>
+ <td style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">10$000<br>
+ </td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>Dinheiro pedido.</td>
+ <td style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">6$000<br>
+ </td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>Juros.</td>
+ <td style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">2$000</td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>2</td>
+ <td>Pares de chinelas de saltinho.</td>
+ <td style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">6$000<br>
+ </td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>1</td>
+ <td>Peça de morim francez.</td>
+ <td style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">8$000</td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>1</td>
+ <td>Vidro d'agua de Colonia.</td>
+ <td style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">1$500</td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>1</td>
+ <td>Dito de Patchouly.</td>
+ <td style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">1$000</td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>1</td>
+ <td>Pente de tartaruga (imitação).</td>
+ <td style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">10$000</td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>1</td>
+ <td>Pote de pomada.</td>
+ <td style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">1$000</td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>1</td>
+ <td>Par de brincos (ouro de lei).</td>
+ <td style="text-align:right; border-bottom: solid 1px #000;">25$000</td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">Rs...</td>
+ <td style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">85$500</td>
+ </tr>
+ </tbody>
+</table>
+
+<p class="ni">pagos por mim ao Sr. Moreira, por honra das cinzas de meu irmão.
+Não satisfeito com esta compra, que vossê diz ter feito para seu uso, como se
+eu fosse algum pato, ave a mais estupida dos gallinheiros, tanto assim que
+sempre ouvi chamar <em>pato</em> a quem se deixa levar, sobretudo, pelos
+<em>não me-deixes</em> de certas mulheres; não satisfeito, dizia, ha oito dias
+recebeu vossê uma <em>sova de peias</em>,<span class="pn">{12}</span> em
+resposta aos desaforados versos que dirigio á santa mulher do honrado visinho o
+Sr. Onofre. Somme as parcellas, subtrahindo a <em>sova a seu favor</em>, e veja
+quanto me resta? O embolso é a sua entrada para a escola de aprendizes
+marinheiros.... Vá aprender a ser homem....</p>
+
+<p>&mdash;E os meus estudos, tio? balbuciei.</p>
+
+<p>&mdash;Os seus estudos! replicou elle; o que estuda vossê?</p>
+
+<p>&mdash;Oh tio! o latim....</p>
+
+<p>&mdash;Sim, o latim.... ha quatro annos anda vossê estudando o latim; e o
+que sabe delle?</p>
+
+<p>&mdash;Já declino os <em>nominativos</em>, tio....</p>
+
+<p>Que vergonha! eu chegava aos 16 annos!</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION000240">CAPITULO IV.</a></h3>
+
+<p>O excellente velho era homem de têmpera austera, não lia os jornaes. Se os
+lesse teria visto que eu, apezar de haver gasto quatro annos para no cabo
+chegar aos nominativos da <em>artinha</em>, por outro lado, dava provas do meu
+talento.<span class="pn">{13}</span></p>
+
+<p>N'aquella idade já o <em>Camarão</em> e o <em>Lagarto</em>, periodicos
+<em>literarios</em>, <em>artisticos</em>, <em>politicos</em> e
+<em>burlescos</em> publicados então, chamavam a attenção dos leitores, o
+primeiro para o meu artigo intitulado <em>O homem deve ser sceptico</em> e o
+outro sobre a minha poesia&mdash;<em>Ella</em> (á qual meu tio alludio quando
+fallou na santa mulher do nosso honrado visinho o Sr. Onofre).</p>
+
+<p>O meu primeiro escripto que andou em letra redonda foi o artigo. Quem
+conhece o gigante pelo dedo, conhecerá o artigo inteiro por este
+começar:&mdash;«Eil-o cabisbaixo e taciturno fitando o horisonte da
+existencia... Esqueleto de crenças resequidas, elle descrê da luz e das trévas,
+de si e de todos, etc.»</p>
+
+<p>O <em>Camarão</em>, sem inquirir como póde a gente <em>cabisbaixa</em> fitar
+o horisonte da existencia, e muito menos a que animal pertencera o
+<em>esqueleto de crenças resequidas</em>, rematava o encomio ao artigo com
+estas palavras de arromba:</p>
+
+<p>«É de crêr que o joven e talentoso escriptor com o andar do tempo modifique
+as doentias idéas, prematuramente bebidas nas fontes de Benedicto Spinosa, J.
+J. Rousseau,<span class="pn">{14}</span> Claudio Helvecio, e outros
+materialistas. Asseveramos, no entanto, que se este artigo levasse o nome de um
+destes autores&mdash;seria uma faisca electrica lançada no meio da sociedade;
+tal é o vigor dos seus paradoxos...»</p>
+
+<p>Muito obrigado, aos Srs. Redactores do <em>Camarão</em>.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION000250">CAPITULO V.</a></h3>
+
+<p>Quando escrevi&mdash;<em>O homem deve ser sceptico</em>, eu sabia onde
+ficava a fonte de Helvecio, Rousseau, Spinosa e outros, que o <em>Camarão</em>
+conhecia igualmente, como no Japão a esta hora se sabe que hontem chegou o
+vapor do Norte! Mas tal nomeada de literato consummado ganhei na opinião dos
+ledores do <em>Camarão</em>, que a redacção do <em>Lagarto</em>, receiando
+desequilibrar a prosperidade, poz logo á minha disposição todas as suas
+columnas.</p>
+
+<p>Respondi á offerta enviando a minha&mdash;<em>Ella</em>.</p>
+
+<p>Tres dias depois, corria ella o mundo,<span class="pn">{15}</span> inserta
+na 1.ª columna do 1.º numero da 2.ª serie do periodico, levando na cabeça este
+chapelinho:</p>
+
+<p>«&mdash;A redacção do <em>Lagarto</em> sente ineffavel satisfação dando aos
+seus assignantes a grata noticia de haver o muito talentoso, muito sympathico e
+já assaz conhecido autor do&mdash;<em>Homem deve ser sceptico</em>, honrado as
+humildes columnas do nosso periodico com o prestigio do seu invejavel nome. A
+poesia abaixo inserta, verdadeiro primor da imaginação, fôra o melhor padrão da
+gloria de Petrarcha, se Petrarcha a escrevesse. Felicitamo-nos, pois,
+reconhecendo que o mavioso poeta deste torrão, reune em si conjunctamente as
+qualidades dos cysnes do Senna, do Tejo, de Thebas, de Albião, de Torento, da
+Ausonia, etc.» </p>
+
+<p>Leiam a primeira estrophe <em>d'ella</em>:</p>
+
+<blockquote>
+ &mdash;Não sei dizer se a flôr da larangeira<br>
+ É tão formosa, tão gentil, tão bella,<br>
+ Como a flôr do jardim da phantasia,<br>
+ A flôr do meu amor, a minha&mdash;<em>Ella</em>...</blockquote>
+
+<p>Quem souber, diga.</p>
+
+<p>Vim a saber mais tarde que cysne Ausonio<span class="pn">{16}</span> queria
+dizer&mdash;Virgilio; cysne de Torento&mdash;Torquato Tasso; Cysne de
+Albião&mdash;Miltão; cysne de Thebas&mdash;Pindaro; cysne do Tejo&mdash;Camões;
+cysne do Senna&mdash;Lamartine; cysne da... n'uma palavra, que todos os poetas
+tem o seu <em>quê de pato</em>.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION000260">CAPITULO VI.</a></h3>
+
+<p>Peroremos: meu tio não tentára torcer a minha vocação se lesse os jornaes,
+ficando provado que se <em>ella</em> fosse outra e não a pessoa da Sra. D.
+Balbina, santa mulher do Sr. Onofre, de memoria não saudosa para meus ossos, eu
+não teria levado a <em>sova de peias</em> estreando na poesia.</p>
+
+<blockquote>
+ &mdash;Do berço á tumba só padece o genio!</blockquote>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION000270">CAPITULO VII.</a></h3>
+
+<p>O irmão de meu pai não faltava quando promettia.<span
+class="pn">{17}</span></p>
+
+<p>Era seu dizer de todos os dias que o <em>cumprimento devia andar nas ancas
+do prometter</em>, (ditado da maior embirração dos ministros).</p>
+
+<p>Prometteu-lhe no domingo, cumprio na segunda.</p>
+
+<p>Sahia-me eu lepido com a <em>artinha</em> debaixo do braço.</p>
+
+<p>&mdash;Aonde vamos? pergunta.</p>
+
+<p>&mdash;A aula; respondo.</p>
+
+<p>&mdash;Não senhor, não é a aula, vamos para o arsenal de marinha...
+marche...</p>
+
+<p>&mdash;Eu juro ao tio... gaguejei, esfregando os olhos com as costas da mão,
+de ora em diante estudar, como se fosse um boi...</p>
+
+<p>Tinham-me contado que se os bois fossem homens seriam grandes letrados.</p>
+
+<p>&mdash;Para boi caminha vossê, replica elle, que para bezerro não lhe falta
+nada. </p>
+
+<p>Já estavamos no meio da rua. E a mulher do Sr. Onofre na janella.</p>
+
+<p>Nem de caso pensado, meu tio foi em direitura. Eu tinha desejado o
+contrario... n'aquelle dia bastava eu desejar, para succeder ás avessas, fosse
+o que fosse.<span class="pn">{18}</span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION000280">CAPITULO VIII.</a></h3>
+
+<p>&mdash;Bom dia, vizinha; disse elle parando a um metro de distancia.</p>
+
+<p>&mdash;Deus lhe dê o mesmo; respondeu ella.</p>
+
+<p>&mdash;O vizinho Onofre, está?</p>
+
+<p>&mdash;Sahio.</p>
+
+<p>&mdash;Tinha a dar-lhe boa noticia.</p>
+
+<p>&mdash;Que noticia é, então?</p>
+
+<p>&mdash;A da entrada deste <em>meco</em> para a companhia de aprendizes
+marinheiros... além de outros, pelo atrevimento... a vizinha bem sabe...</p>
+
+<p>Para encobrir o pudor, que me colorio as faces, abri a artinha fingindo
+declinar o <em>servus servi</em>, observando de esguelha a vizinha.</p>
+
+<p>&mdash;Por isso não vá agora o vizinho, acudio ella medindo as palavras,
+desencaminhar o moço dos estudos.... sabe que... repelli o atrevimento...
+Disse&mdash;<em>repelli</em>&mdash;em tom menor.</p>
+
+<p>&mdash;Desencaminhado anda elle, ha muito tempo, tornou meu tio... Ainda
+hontem, fui saber no mercado que o nome deste madraço já corre em
+<em>letras</em> de <em>fórma</em>.<span class="pn">{19}</span></p>
+
+<p>O Sr. Onofre apontou na esquina.</p>
+
+<p>Patife!</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION000290">CAPITULO IX.</a></h3>
+
+<p>&mdash;Perguntava pelo vizinho.</p>
+
+<p>&mdash;Apre! diz o Sr. Onofre, já não se póde em dias de hoje comer
+farinha... cára como o assucar... Como vai o rapazete? (continua, dirigindo-me
+a palavra). </p>
+
+<p>Não me pude conter. Tudo quanto quizesse, menos rapazete diante da mulher.
+</p>
+
+<p>&mdash;Sr. Onofre, investi, veja como falla!... Rapazete foi o senhor quando
+tinha 16 annos; eu aos 16 annos não sou rapazete, sou um homem de muito talento
+e escriptor de boa nota e como tal reconhecido pelo <em>Camarão</em> e pelo
+<em>Lagarto</em>, fique sabendo, se não sabe lêr. Se o senhor me chama rapazete
+porque não tenho barbas, saiba que não faço caso de cabellos, desses
+distinctivos do toucinho ordinario, e que não tenho barbas porque não as quero
+ter. E de mais, assim como ha mulheres as quaes não sendo do genero<span
+class="pn">{20}</span> masculino têm barbas, de igual modo, ha homens os quaes
+não sendo do genero feminino não as têm...</p>
+
+<p>Os circumstantes pasmaram.</p>
+
+<p>De relance, pensei que meu tio gostara da resposta, quando... zás...
+atira-me uma tapona, verdadeira tapona, tapona com todos os ff e rr e mais esta
+addenda:</p>
+
+<p>&mdash;Leve, malcriado, para môlho do <em>Camarão</em> mais do seu
+<em>Lagarto</em>.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION0002100">CAPITULO X.</a></h3>
+
+<p>Atirando o Antonio Pereira pelos ares, deixando voar o chapéo, deitei a
+correr pela rua fóra, enfiando-me pelo primeiro becco, como navio fugindo do
+temporal pela primeira enseada.</p>
+
+<p>Abençoado becco!</p>
+
+<p>Abençoadas pernas!</p>
+
+<p>Abençoados oitenta e cinco mil e quinhentos réis, pagos por meu tio ao Sr.
+Moreira!</p>
+
+<p>Abençoado tambem seja o dito Sr. Moreira, pelo bom conceito, que fez do meu
+credito!<span class="pn">{21}</span></p>
+
+<p>Bem empregados oitenta e cinco mil e quinhentos réis dispendidos
+comtigo,&mdash;Aurora!</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION0002110">CAPITULO XI.</a></h3>
+
+<p>Na aurora da vida, ao alvorecer do amor, a primeira mulher que amei
+chamava-se&mdash;Aurora!</p>
+
+<p>Como é poetica esta coincidencia, e como ficou bem phraseada! Quando eu for
+homem celebre ahi fica o thema para uma Epopéa.</p>
+
+<p>Aurora morava no becco!</p>
+
+<p>Relatei-lhe a occurrencia, guardando reserva ácerca da tapona.</p>
+
+<p>Para ganhar mais no seu coração, fallei nos oitenta e cinco mil e quinhentos
+réis, acrescentando, se eu tal adivinhára houvera empenhado na loja do Sr.
+Moreira todos os teres e haveres de meu tio.</p>
+
+<p>O galanteio influe naturalmente no coração da mulher, soube aos 16 annos,
+antes de saber latim, e, conseguintemente, antes de lêr Ovidio.</p>
+
+<p>O numero do <em>Camarão</em> onde vinha inserto<span class="pn">{22}</span>
+o meu artigo <em>O homem deve ser sceptico</em>, e o do <em>Lagarto</em> onde
+vinha a <em>Ella</em>, andavam comigo como talismans. Tirei do bolso o
+<em>Lagarto</em> e dei a Aurora para lêr os versos, declarando serem feitos
+quando pensava n'ella.</p>
+
+<p>A rapariga ainda ignorava mais essa prova de amor, (que tão cara me sahira
+quando a dei á visinha).</p>
+
+<p>A ultima quadra commoveu-a de uma vez: tambem era o <em>sentimentalismo</em>
+metrificado.</p>
+
+<p>Que peito de mulher não commoverá esta quadra:</p>
+
+<blockquote>
+ «Sê minha? Serei teu.... abre-me os braços....<br>
+ Voemos deste mundo.... Sacuras<br>
+ Fujamos do paul.... vamos, querida,<br>
+ Fazer o nosso ninho nas alturas?! </blockquote>
+
+<p>Aurora lia soletrando palavra por palavra. Quando acabou de lêr eu estava
+com fome. Davam tres horas da tarde:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION0002120">CAPITULO XII.</a></h3>
+
+<p>Eu contava 16 annos.</p>
+
+<p>Aurora cerca de 26. <span class="pn">{23}</span></p>
+
+<p>Meu tio ignorava o rumo, que eu tomara, em seguida a tapona; Aurora não
+tinha a quem désse contas do rumo e nem quem lhe désse taponas.</p>
+
+<p>Eu precisava de <em>credito</em> no coração de Aurora; Aurora
+<em>creditava</em> meu amor...</p>
+
+<p>N'uma palavra, se me afiançam dous dias, tão saudosos, como os que passei ao
+abrigo de Aurora, vá feito, aceito uma tapona de tres em tres dias... Não posso
+ser mais rasoavel.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION0002130">CAPITULO XIII.</a></h3>
+
+<p>Verdade lizas diziam os antigos, diziam elles: <em>hospede ao terceiro dia
+fede.</em></p>
+
+<p>Na casa do proprio amor, tres dias depois, não cheira o hospede.</p>
+
+<p>Ao quarto dia, me disse Aurora:</p>
+
+<p>&mdash;Não te amuas comigo?</p>
+
+<p>&mdash;Porque? perguntei.</p>
+
+<p>&mdash;Se eu te disser a verdade?</p>
+
+<p>&mdash;Não.</p>
+
+<p>&mdash;És um <em>empecilho</em>...</p>
+
+<p>&mdash;Só?<span class="pn">{24}</span></p>
+
+<p>&mdash;E é pouco?</p>
+
+<p>Era de facto assaz. Puz-me a pensar.</p>
+
+<p>&mdash;No que pensas? tornou ella.</p>
+
+<p>&mdash;Na cousa mais simples deste mundo.</p>
+
+<p>&mdash;Qual?</p>
+
+<p>&mdash;N'um chapéo...</p>
+
+<p>&mdash;Por fallares em chapéo, de quem será um, que anda pelo sotão?</p>
+
+<p>&mdash;Poderá ser meu... anda vêr...</p>
+
+<p>A rapariga não se deixou rogar. Lesta foi, lesta voltou.</p>
+
+<p>&mdash;É justamente meu, clamei, antes de pôr o chapéo na cabeça.</p>
+
+<p>O chapéo era tanto meu como de quem me ouve. Ficava-me na cabeça por muito
+obsequio.</p>
+
+<p>&mdash;Acautela-te, acudio Aurora, olha que elle quer subir...</p>
+
+<p>&mdash;Aurora, lhe disse com seriedade, toma um beijo... é tudo quanto posso
+dar-te, como lembrança de minha gratidão...</p>
+
+<p>Ao proferir a palavra gratidão&mdash;cresceu-me o nó da garganta.</p>
+
+<p>&mdash;Não me deves nada, meu querido, respondeu a meia voz. Eu sinto muito
+mas... tu sabes...<span class="pn">{25}</span></p>
+
+<p>&mdash;Sei... tens razão... adeus...</p>
+
+<p>Beijamo-nos...</p>
+
+<p>&mdash;Tornas ao tio?</p>
+
+<p>&mdash;Torno.</p>
+
+<p>Sahi.</p>
+
+<p>&mdash;Pois, se tornares ao tio, rematou ella fechando a porta, apparece por
+aqui de quando em quando...</p>
+
+<p>&mdash;Se tornares ao tio, repeti a mim mesmo, sim! se tornares ao tio, isto
+é, quando tiveres casa, a minha estará as tuas ordens... Agradecido, Aurora.</p>
+
+<p>No entanto, Aurora tinha coração.</p>
+
+<p>Assim houvesse ella juizo.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION0002140">CAPITULO XIV.</a></h3>
+
+<p>Entrei em casa com cara de quem voltava da missa.</p>
+
+<p>Meu tio estava almoçando.</p>
+
+<p>&mdash;Quem é? perguntou ouvindo os meus passos, e sem volver os olhos.</p>
+
+<p>&mdash;Sou eu... tio... respondi, entre dentes.<span
+class="pn">{26}</span></p>
+
+<p>&mdash;Quem?</p>
+
+<p>&mdash;O Sr. moço; respondeu por mim Nicoláo.</p>
+
+<p>&mdash;Senta-te, meu filho; o almoço não se diminuio, nem o jantar... nem o
+amor. Disse com natural bondade.</p>
+
+<p>A minha cadeira estava como d'antes á sua esquerda, o talher e o prato no
+lugar do costume.</p>
+
+<p>Sentei-me e cruzei os braços como um penitente.</p>
+
+<p>Meu tio continuou a almoçar sem dar palavra.</p>
+
+<p>Eu tinha almoçado no becco...</p>
+
+<p>Nicoláo trouxe a nata, sobremesa que meu tio nunca dispensava ao almoço.
+Regeitou-a. O preto carregou as sobrancelhas admirado. Pôz-lhe o café na
+chicara; sorveu-o e, emfim, levantou-se.</p>
+
+<p>Levantei-me tambem.</p>
+
+<p>&mdash;Agora venha esta sobremesa, melhor que todas as natas, disse abrindo
+os braços.</p>
+
+<p>Atirei-me n'elles como o prodigo nos de seu pae.</p>
+
+<p>Solucei devéras, pela primeira vez em dias de minha vida.<span
+class="pn">{27}</span></p>
+
+<p>Tambem pela primeira vez a modo que vi lagrimas nos olhos de meu tio.</p>
+
+<p>Este capitulo ia tomando fórma de <em>eça</em>?</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION0002150">CAPITULO XV.</a></h3>
+
+<p>Nasceram-me n'aquelle dia os dentes do siso.</p>
+
+<p>Oito mezes depois, fui examinado e aprovado <em>cum laude</em> em latim e
+francez. Após dous annos, em geographia e historia, philosophia, rhetorica e
+lingua tupy. Presidio aos exames um bispo.</p>
+
+<p>As pitadas de algebra e geometria, inglez, physica e chimica, tomei-as mais
+tarde aqui no Rio de Janeiro.</p>
+
+<p>Reunindo tudo o que sei, fico sabendo conscienciosamente que careço aprender
+tudo de novo, menos o methodo de passar por sabio.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION0002160">EPILOGO DA PRIMEIRA PARTE.</a></h3>
+
+<p>Os ultimos dias dos meus dezenove annos correram nesta côrte.<span
+class="pn">{28}</span></p>
+
+<p>Meu tio já havia fallecido quando deixei o torrão natal:</p>
+
+<p>A santa mulher do Sr. Onofre enviuvado segunda vez:</p>
+
+<p>O redactor em chefe do <em>Camarão</em>, pedido demissão de supplente de
+delegado de policia, por desaccordo politico com o redactor do
+<em>Lagarto</em>, que se fizera genro do delegado.</p>
+
+<p>Se as cousas não pararam alli, a esta hora o delegado está avô de alguns
+netos, estes inspectores de quarteirão e a Sra. Balbina viuva pela quinta vez.
+</p>
+
+<p>Mulher de nome Balbina, perca as esperanças, comigo não casa.<span
+class="pn">{29}</span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h1><a name="SECTION000300">SEGUNDA PARTE.</a></h1>
+
+<p> <span class="pn">{30}<br>
+{31}</span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION000310">CAPITULO I.</a></h3>
+
+<p>Devo muito ao Rio de Janeiro, não é por estar na sua presença.</p>
+
+<p>Ha um sentimento que eleva o cão acima de muitos homens: o reconhecimento do
+bem que se lhe faz.</p>
+
+<p>Verdade, verdade; por esse lado, corro parelhas com a parentella de
+Pythagoras, cada vez mais numerosa, apezar das <em>bolas</em>.</p>
+
+<p>Quando cheguei a esta capital, contava ella apenas <em>seis peccados
+mortaes</em>; dias depois, prefazia o numero dos indicados na cartilha.<span
+class="pn">{32}</span> </p>
+
+<p>Não vim prefazer o setimo, como já pensaram; foi o ministerio n. 7, que se
+criou depois da minha chegada.</p>
+
+<p>De haver a minha estrella influido para essa <em>criação</em>, é que não é
+nenhum juizo temerario, caipora depois de mim, só eu mesmo.</p>
+
+<p>Isto não é politica.</p>
+
+<p>Lembro-me que o programma do <em>Camarão</em> rematava assim (<em>vide esse
+periodico n. 1, I.ª colum. ultimas linhas</em>).</p>
+
+<p>«Não somos politicos; a politica é uma escada; os <em>tolos</em> são os
+degráos por onde os <em>ladinos</em> sobem....»</p>
+
+<p>Bem bonita definição.</p>
+
+<p>«Não somos <em>tão tolos</em>, continuava a rezar o programma, que de nós
+deixemos fazer degráos, nem <em>tão ladinos</em> que queiramos subir.»</p>
+
+<p>Linda epigraphe para a testa de um <em>jornal</em> intitulado <em>O
+modesto</em>.</p>
+
+<p>E, pois, nunca fui <em>tão tolo</em> nem <em>tão ladino</em>, isto é,
+<em>politico</em>.</p>
+
+<p>O que eu aspirava <em>ex-corde</em>, dos <em>seios da alma</em>, como hoje
+dizem, dando a alma a propriedade de <em>amas de leite</em>, era ser
+<em>literato</em>.<span class="pn">{33}</span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION000320">CAPITULO II.</a></h3>
+
+<p>Ser literato... fosse como fosse, custasse o que custasse, desse no que
+desse, era o meu diuturno desejo.</p>
+
+<p>Sahi do torrão natal no firme proposito de estudar <em>mathematicas</em> e
+os primeiros livros que comprei nesta côrte foram o <em>Diccionario
+poetico</em>, por Candido Lusitano e o das <em>Rimas</em> por Beltrano de Tal
+Guerreiro.</p>
+
+<p>Eu era um <em>montão de poetas</em> a um só tempo, não se enganara o
+<em>Lagarto</em>.</p>
+
+<p>Todas as paixões me ferviam dentro da alma, como a um tempo fervem muitas
+panellas n'um só fogão.</p>
+
+<p>Na segunda feira, eu era poeta sceptico e crente; na terça, ascetico e
+materialista; na quarta, pudico e licencioso, e d'ahi até o domingo, mais seis
+poetas extremamente oppostos.</p>
+
+<p>Animações choviam.</p>
+
+<p>Os <em>jornaes diarios</em> e <em>periodicos</em>, a partir dos mais
+rispidos e terminando na benevolentissima <em>Marmota Fluminense</em>, me
+gritavam <em>avante</em>!<span class="pn">{34}</span></p>
+
+<p>Se eu dava á luz uma poesia recendendo scepticismo&mdash;é Byron, é
+Voltaire... diziam elles; se asceticismo&mdash;é o novo padre Caldas, é Racine
+(pai e filho), é o nosso David... se materialismo&mdash;é, outra vez, Byron,
+Piron, Parny... se tristeza&mdash;André Chénier e mais quatro; se
+facecia&mdash;é Bocage, Diniz e não sei quaes mais... se pudicicia e amor, não
+tem que vêr,&mdash;é Bernardim Ribeiro e até Sapho! se epigramma&mdash;é
+Juvenal, é Marcial, é Nicoláo Tolentino e mais tres vivos, sendo um destes o
+meu amigo Faustino Xavier de Novaes... se... o menos que me chamaram foi
+Homero!</p>
+
+<p>E o echo repercutia pelos angulos do imperio&mdash;Homero!</p>
+
+<p>Estavam cumpridas as prophecias do <em>Camarão</em> mais do
+<em>Lagarto</em>: na minha vanguarda não se via outro literato mais consummado.
+</p>
+
+<p>E quando ao por do sol, do postigo das minhas aguas-furtadas, eu percorria
+in mente as paginas da literatura de todas as nações partindo do 1.º até o 19.º
+seculos, eu desdenhava os genios com a sobranceria do Pão d'Assucar
+contemplando as microscopicas ilhas<span class="pn">{35}</span> dispersas pelo
+oceano, como pés de repolhos á tona d'agua.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION000330">CAPITULO III.</a></h3>
+
+<p>Aos vinte e dous annos colleccionei meus manuscritos que, impressos, dariam
+tres volumes, inclusive versos e prosas, romances e dramas, comedias e algumas
+maximas.</p>
+
+<p>Dirigia-me ao prélo com os originaes do primeiro volume (poesias), quando
+encontrei o maior enthusiasta e admirador do genio que o céo cobre, moço de 25
+annos de idade, bacharelado em letras pelo collegio de Pedro II.</p>
+
+<p>&mdash;Que andas fazendo, meu poeta? perguntou elle.</p>
+
+<p>&mdash;Vou á typographia, respondi.</p>
+
+<p>&mdash;O que estás imprimindo?</p>
+
+<p>&mdash;As minhas obras, disse enchendo a bocca....</p>
+
+<p>&mdash;Meus parabens, a ti e ao Brazil. Ora, graças a Deus! vamos ter uma
+literatura patria.<span class="pn">{36}</span></p>
+
+<p>Enguli a pilula sem difficuldade, como outros muitos a&mdash;tem engulido
+depois de mim.</p>
+
+<p>&mdash;Quantos volumes?</p>
+
+<p>&mdash;Tres.</p>
+
+<p>&mdash;Só?! clamou admirado.</p>
+
+<p>Como se aos vinte e dous annos de idade tres volumes de asneiras não
+bastassem.</p>
+
+<p>&mdash;E quando sahem?</p>
+
+<p>&mdash;Breve, aqui levo os originaes do primeiro volume.</p>
+
+<p>&mdash;Permittes?....</p>
+
+<p>&mdash;Pódes vêr.</p>
+
+<p>O bacharel, meu amigo e enthusiasta, depois de varrer duas vezes com os
+olhos os originaes, assim se exprimio, como quem entendia do riscado.</p>
+
+<p>&mdash;O titulo abrange o <em>totum</em>; direi até&mdash;este titulo foi
+inspirado e leu.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="text-align: center;" class="ni">«<em>Horas incertas<br>
+Versos, prosas e comedias,<br>
+Dramas, maximas e pensamentos<br>
+do<br>
+Exilio.</em>»</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&mdash;É como digo, proseguio; isto que é<span class="pn">{37}</span> saber
+achar um titulo. Horas incertas! quanta profundeza nestas duas palavras
+<em>horas incertas!...</em> Se as horas da vida são incertas, mais incertas são
+as horas do genio....</p>
+
+<p>(Sim, porque o genio não tem horas certas, é da sua indole não saber nunca a
+quantas anda.)</p>
+
+<p>&mdash;Concedes-me uma observação.</p>
+
+<p>&mdash;Faze-a.</p>
+
+<p>&mdash;Gósto de tudo isto, tudo isto é grande, menos a epigraphe. Esta
+epigraphe não cabe nas obras de um genio.... E leu a epigraphe:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«Joios da adolescencia levados á praça pela precisão.»</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&mdash;Joios! chamar joios a um celeiro de trigo são! e depois, levados á
+praça pela precisão! que significa isto?</p>
+
+<p>&mdash;Eu te explico....</p>
+
+<p>&mdash;Não pergunto por ignorar o teu pensamento; sinto-lhe a essencia; sei
+o que tu queres dizer: levados á praça pela precisão, todos entenderão a
+elipse, pela precisão de... voar... sim, de voar, porque o genio precisa voar
+como a aguia, como o condor. Os malevolos, porém e invejosos cujas linguas<span
+class="pn">{38}</span> não poupam os genios, esses dirão ser a precisão de
+dinheiro, apezar de todos saberem que tu de dinheiro não precisas...</p>
+
+<p>Estavam adiantados! era justamente do que eu mais precisava<a
+name="tex2html1" href="#foot241"><sup>[1]</sup></a>.</p>
+
+<p>&mdash;Ou precisas? perguntou com ar de quem responderia sentir muito não me
+poder servir na occasião, se lhe eu respondesse pela affirmativa.</p>
+
+<p>&mdash;Ora... desdenhei. Eu lá careço de dinheiro!</p>
+
+<p>&mdash;Se precisas, tornou animadamente, não faças ceremonia comigo.</p>
+
+<p>E sem esperar pelo <em>muito obrigado</em>, continuou.</p>
+
+<p>&mdash;O estylo é o homem, disse Buffon; por minha vez tambem digo: o nome
+do autor é a epigraphe do seu livro; tu não te deves rebaixar deitando outra
+epigraphe nas tuas obras que não teu proprio nome.</p>
+
+<p>Á vista disto, chegando ao prélo borrei a epigraphe.<span
+class="pn">{39}</span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION000340">CAPITULO IV.</a></h3>
+
+<p>Já se achava quasi finda a impressão do primeiro volume, quando em um bom
+dia recebi este bilhete traçado a lapis:</p>
+
+<p>«Illm. Sr.&mdash;Vou suspender a impressão das suas poesias, até que V. S.
+satisfaça a importancia de 113$500 das ultimas folhas impressas.»</p>
+
+<p>Subi ás nuvens. O recadinho vinha escripto no reverso da prova de uma das
+minhas mais mimosas poesias.</p>
+
+<p>Tomei a penna e desanquei o recado com esta resposta:</p>
+
+<p>«Illm. Sr.&mdash;Que eu deva não admira, todos os autores celebres têm
+contrahido dividas com a imprensa, e sabem todos que a machina inventada por
+Guttemberg não é simplesmente machina de imprimir, é tambem <em>machina de
+abonar o credito dos homens</em>. O que, porém, admira até os calcanhares é um
+sectario de Guttemberg menospresar a seiva, digamos assim, de que se nutre a
+imprensa, isto é, os fructos da intelligencia. V. S. é um renegado, queira
+perdoar. Commetteu<span class="pn">{40}</span> crime de
+leza-literattura-nacional traçando o seu recado nas costas, digo, no reverso da
+prova da minha poesia intitulada a <em>Piroga</em>! Suspenda, portanto, a
+continuação da impressão do meu volume, até minha segunda ordem.»</p>
+
+<p>Levou a lição!</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION000350">CAPITULO V.</a></h3>
+
+<p>Em verdade, eu devia ao prélo cento e treze mil e quinhentos réis.</p>
+
+<p>Do que me gabo hoje é que, actualmente nas typographias, o credito dos
+escriptores não monta áquella quantia.</p>
+
+<p>&mdash;Diabo!.. ruminei, alguns jornaes já annunciaram o proximo
+apparecimento de minhas poesias: se não satisfaço a conta pára a impressão; se
+a impressão pára, começam os typographos a decorar os versos impressos... elles
+então que são <em>cantadores de modinhas</em>! e decorados, adeus novidade!
+Ruminando na solucção do imprevisto embaraço, fui interrompido pelo padre
+Severino. Conhecem-o?</p>
+
+<p>Eu tambem já o-conhecia.<span class="pn">{41}</span></p>
+
+<p>O reverendo entrou pelo meu habitaculo clamando:</p>
+
+<blockquote>
+ &mdash;Leva-me preso comtigo<br>
+ N'um fio dos teus cabellos! </blockquote>
+
+<p>&mdash;Glose este motte, meu poeta.</p>
+
+<p>Nós já nos não respeitavamos.</p>
+
+<p>&mdash;Ouça isto, foi proseguindo:</p>
+
+<blockquote>
+ Não se sabe apartar quem ama e pena,<br>
+ E quem nisto é mais fraco, este é mais forte;<br>
+ A dôr da mesma morte é mais pequena,<br>
+ Que quem morre melhora muito a sorte;<br>
+ Quem morre acaba o mal, quê toda a pena<br>
+ Dura co'a vida sem passar da morte:<br>
+ Maior pena padece o que está ausente,<br>
+ Pois morre de saudade e morto sente.</blockquote>
+
+<p>&mdash;O que acha?</p>
+
+<p>&mdash;Que li algures...</p>
+
+<p>&mdash;Onde homem? isto é meu e muito meu. Pensa vossê que só faz versos?
+Por mais prosa que a gente seja, batendo-lhe devéras o coração, torna-se poeta.
+Adivinhe o que me succedeu?</p>
+
+<p>&mdash;Suspenderam-lhe as ordens...</p>
+
+<p>&mdash;Assim fosse; cousa mais seria; partio para a Bahia a
+Mariquinhas...<span class="pn">{42}</span> </p>
+
+<p>&mdash;Qual dellas? o padre falla em tantas...</p>
+
+<p>&mdash;A da rua da Lapa, a unica Mariquinhas, que tenho confessado, de olhos
+azúes. O marido foi removido.</p>
+
+<p>&mdash;Coitado do homem!</p>
+
+<p>&mdash;Faça idéa do meu pezar ao receber esta noticia, chegando hontem de
+Petropolis.</p>
+
+<p>&mdash;Avalio!</p>
+
+<p>&mdash;Vossê, deve escrever um artigo contra o ministerio, tosando a valer o
+ministro da fazenda. Isso é cousa que se pratique, remover d'aqui para alli e
+sem porquê um pobre empregado publico?</p>
+
+<p>&mdash;E de mais a mais casado!...</p>
+
+<p>&mdash;E querem moralidade, e exigem honradez da pobreza obrigando-a a fazer
+sacrificios... escreva o artigo, mostre tambem saber prosa.</p>
+
+<p>&mdash;Mas, padre, porque não o-escreve vossê, que é o interessado?</p>
+
+<p>&mdash;Muito obrigado! então vossê porque não é padre, não se interessa
+pelos seus semelhantes?</p>
+
+<blockquote>
+ <em>Non sibi soli se natum homo</em><br>
+ <em>Meminerit...</em></blockquote>
+
+<p>Seja menos egoista meu poeta, e glose o motte:<span
+class="pn">{43}</span></p>
+
+<blockquote>
+ Leva-me preso comtigo<br>
+ N'um fio dos teus cabellos,</blockquote>
+
+<p class="ni">que é para eu remetter com aquella oitava a Mariquinhas. Quero
+uma decima triste, triste como o <em>miserere</em>.</p>
+
+<p>&mdash;Temos outra. Pois se o padre é quem está triste, porque não compõe a
+glosa?</p>
+
+<p>&mdash;Porque tenho que pregar um sermão na quinta-feira, o vapor sahe
+amanhã para a Bahia e hoje é terça.</p>
+
+<p>&mdash;Pois eu, reverendo, não terei cabeça para glosar motte algum,
+emquanto não resolver este problema: cento e treze mil e quinhentos réis, que
+devo, estão para o que tenho, como o que tenho está para X...</p>
+
+<p>E ficamos a olhar um para o outro, durante cinco minutos.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION000360">CAPITULO VI.</a></h3>
+
+<p>&mdash;É como conto, tornei interrompendo o silencio, devo cento e treze mil
+e quinhentos réis e não possuo um real para chamariz dos outros.</p>
+
+<p>&mdash;A quem deve?<span class="pn">{44}</span></p>
+
+<p>&mdash;Á typographia onde estou imprimindo as minhas poesias.</p>
+
+<p>&mdash;Vossê ha de ter algum amigo, que lhe empreste essa quantia, nem por
+isso é grande.</p>
+
+<p>&mdash;Empresta-m'a o padre?</p>
+
+<p>&mdash;Eu? pobre de mim! Meu caro, nós os padres não ganhamos, como
+vulgarmente se pensa, mundos e fundos. Quantas vezes tenho, em vez de
+encommendar á Deus, encommendado ao diabo algumas almas... uma encommendação
+por dous mil réis só feita ao diabo! Já não se póde viver nesta côrte,
+acredite-me, encommendando; e por fallar nisto, vou vêr se fallo ao vigario
+capitular, quero conseguir ao menos, a nomeação de vigario encommendado. Até
+breve, meu poeta. Tomára já vêl-o em outra posição.</p>
+
+<p>E sahio.</p>
+
+<p>E que me dizem?...</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION000370">CAPITULO VII.</a></h3>
+
+<p>Suggerio-me á mente uma ideia a visita do padre. Havia elle, dias antes,
+publicado<span class="pn">{45}</span> um estirado artigo relativamente á
+instrucção publica e com particularidade á <em>desmoralisação do clero</em>.
+Quanto a esta não sei se fallou de cadeira, lá quanto á instrucção deixou
+impressas mil barbaridades. </p>
+
+<p>&mdash;Se o conselho da instrucção publica, pensei, mandasse admittir nas
+escolas as minhas maximas? E porque não? As de La Rochefoucauld são muito
+sediças; as do marquez de Maricá inadmissiveis por extensas; as de Vauvenargues
+ninguem ainda leu; as do conselheiro Bastos ultramontanas exageradas; as de
+Montesquieu são carapuças politicas; as... as minhas são modernas... e,
+approvadas pelo conselho da instrucção publica, editores não faltarão.</p>
+
+<p>Estava dada solução ao embaraço dos cento e treze mil e quinhentos; vendi,
+in-mente, a primeira edição das maximas.</p>
+
+<p>Nesse mesmo dia fiz o requerimento ao conselho da instrucção publica
+remettendo os originaes. As sommas das maximas montava ao numero 1250, sendo
+algumas rimadas e outras anotadas&mdash;entre parenthesis.</p>
+
+<p>Apreciem-me por esse lado, emquanto avio a lavadeira, que chega a
+pello.<span class="pn">{46}</span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION000380">CAPITULO VIII.</a></h3>
+
+<p>A V<small>IDA</small>:&mdash;A vida é um <em>pique-nique</em>, e nós, ainda
+os mais refinados caloteiros, havemos de pagar o nosso <em>escote</em> á morte.
+</p>
+
+<p>(Para these dos sermões de quarta feira de cinza não conheço outra. O
+<em>memento homo</em> já não produz nada...)</p>
+<hr style="width: 20%;">
+
+<p>V<small>ERDADE</small>:&mdash;Uma verdade é uma mentira ás avessas.</p>
+
+<p>(Difinição a mais clara possivel).</p>
+<hr style="width: 20%;">
+
+<p>D<small>ISPENSA</small>:&mdash;<a name="tex2html2"
+href="#foot277"><sup>[2]</sup></a>A mulher que pensa<br>
+Engorda a dispensa.</p>
+
+<p>(E a familia toda. Na casa das minhas avós até as baratas da dispensa eram
+gordas, não fallando nos ratos).</p>
+<hr style="width: 20%;">
+
+<p>A<small>MOR</small>:&mdash;O amôr<br>
+Não tem côr.</p>
+
+<p>(Neguem, se são capazes).<span class="pn">{47}</span></p>
+<hr style="width: 20%;">
+
+<p>A<small>MAR</small>:&mdash;Quem ama perdoa,<br>
+E não vive á toa.</p>
+<hr style="width: 20%;">
+
+<p>C<small>IDADÃO</small>:&mdash;O cidadão deve ser para a patria o que o
+menino é para a escola.</p>
+
+<p>(Conhecem moralista mais governista?)</p>
+<hr style="width: 20%;">
+
+<p>F<small>ALLAR</small>:&mdash;Quanto menos fallares ao jantar,<br>
+Menos fome terás ao ceiar.</p>
+
+<p>(Lição altamente economica).</p>
+<hr style="width: 20%;">
+
+<p>C<small>HÁ DO VISINHO</small>:&mdash;Ha pessoas que tem quebrado muitas abas
+de chapéo fino e sujado muitas luvas de pellica&mdash;pela obrigação de uma
+chicara de chá do visinho.</p>
+
+<p>(Conheço tres duzias).</p>
+<hr style="width: 20%;">
+
+<p>P<small>ROSPERIDADE HUMANA</small>:&mdash;Prosperaria mais a humanidade, se
+os padres semeassem trigo em vez de absurdos.</p>
+
+<p>(Não creio nisso; escrevi a maxima para bolir com o padre Ventura, que então
+ainda vivia.)</p>
+<hr style="width: 20%;">
+
+<p>C<small>ONDECORAÇÕES</small>:&mdash;Se as condecorações estimulassem o
+caracter para o bem, a esta hora no Brasil não haveria máos caracteres.<span
+class="pn">{48}</span></p>
+
+<p>(Negarei a paternidade desta maxima, quando fôr commendador).</p>
+<hr style="width: 20%;">
+
+<p>B<small>APTISMO</small>:&mdash;O baptismo só é util pelo lado da
+estatistica.</p>
+
+<p>(Esta é para bolir com o padre Severino.)</p>
+<hr style="width: 20%;">
+
+<p>A<small>THEO</small>:&mdash;O atheo é um ente tão desprezivel, que, não
+achando entre os homens quem queira ser seu inimigo, faz-se inimigo de Deus.</p>
+
+<p>(Esta salva as memorias da condemnação do index).</p>
+
+<p>&amp; &amp; &amp; &amp; &amp; &amp; &amp; &amp; &amp; &amp; &amp; &amp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION000390">CAPITULO IX.</a></h3>
+
+<p>Primeiro que as maximas obtivessem despacho, recebi da minha terra uma carta
+do muito probo Sr. Silva, cognominado pelo vulgo o <em>tira pelle</em>,
+negociante com armazem de <em>seccos e molhados</em> na travessa da Forquilha.
+</p>
+
+<p>Recommendo este estabelecimento aos que procuram do bom e barato.<span
+class="pn">{49}</span></p>
+
+<p>O vulgo, que sempre ha de mostrar ser vulgo, cousa baixa e vil e mais baixa
+e mais vil depois das eleições concluidas, cognominára <em>tira pelle</em> a
+esse honrado cavalheiro por um facto, que, em seu nome, justificarei.</p>
+
+<p>O Sr. Silva nunca tirou nem pretendeu tirar o couro, quanto mais a pelle, á
+ninguem.... obrigaram-o a isso.</p>
+
+<p>O meu amigo, actualmente negociante matriculado, começou a vida refinando
+assucar. Honra lhe seja feita, antes principiar a vida refinando assucar do que
+leval-a ao cabo na qualidade de refinado vadio, ou refinadissimo velhaco.</p>
+
+<p>Achava-se certa vez na sua labutação, quando apparece na cosinha um
+individuo, que entrou pela casa como se fosse o dono.</p>
+
+<p>&mdash;Sr. Silva! diz o individuo com má catadura.</p>
+
+<p>&mdash;Bom dia, Sr. Alves, acode o laborioso refinador; e foi continuando a
+mecher o tacho com a grande escumadeira.</p>
+
+<p>&mdash;Não temos cá bons dias! replica Alves. Quero que diga, quantas
+arrobas de mascavo-claro mandei refinar.</p>
+
+<p>&mdash;Cinco, respondeu o refinador.<span class="pn">{50}</span></p>
+
+<p>&mdash;Justas, cinco; e quantas enviou?</p>
+
+<p>&mdash;Quatro e meia.</p>
+
+<p>&mdash;Justas, quatro e meia. Quatro e meia, sim, quatro e meia.... porém,
+duas e meia de assucar e as outras do que, Sr. Silva?</p>
+
+<p>&mdash;Tambem de assucar, está claro.</p>
+
+<p>&mdash;De assucar.... de assucar, êim, Sr. Silva? Digo-lhe, todavia, que
+entendo de refinação....</p>
+
+<p>&mdash;Não duvido.</p>
+
+<p>&mdash;Duvide ou não duvide, o que digo, digo. E quando digo que cinco
+arrobas de assucar são cento e sessenta libras, é porque sei que uma arroba,
+seja lá do que fôr, tem trinta e duas libras. Ora, sendo certo, como é
+incontestavel, que cada arroba de mascavo-claro perde na refinação, quando
+muito cinco libras, é porque tambem sei que em cinco arrobas perderá vinte e
+cinco, já que a taboada quer que cinco vezes cinco sejam vinte e cinco.</p>
+
+<p>&mdash;Noves fóra sete, diz rindo-se Silva.</p>
+
+<p>&mdash;Não preciso que o senhor me ensine a tirar os <em>noves fóra</em>, o
+que preciso é saber como é isto....</p>
+
+<p>&mdash;O que? pergunta o outro.</p>
+
+<p>&mdash;Que devendo eu, por consequencia, receber<span class="pn">{51}</span>
+quatro arrobas e sete libras de assucar refinado, recebi quatro arrobas e
+meia?</p>
+
+<p>&mdash;Está-se mettendo pelos olhos; é que mandei nove libras de mais,
+segundo a sua taboada.</p>
+
+<p>&mdash;A taboada não é minha, Sr. Silva! brada Alves, enfurecendo-se mais. A
+taboada é de todo o mundo, entendeu?</p>
+
+<p>&mdash;Entendi... entendi... responde o meu amigo com santa calma.</p>
+
+<p>&mdash;O que é meu é o calculo, e, conforme calculei, entre as quatro e meia
+arrobas de assucar, foram duas de arêa, fique sabendo de arêa...</p>
+
+<p>&mdash;De arêa? acode o refinador cahindo das estrelas; essa agora é sua...
+ou então o portador...</p>
+
+<p>&mdash;Não temos aqui portador nem portadores. Os meus caixeiros são homens
+de bem, e o senhor devia saber que, sendo meu freguez o presidente da camara,
+mais dia menos dia, eu seria multado pela sua... e engulio a palavra.</p>
+
+<p>&mdash;Solte a palavra... brada Silva.</p>
+
+<p>&mdash;A palavra é ladroeira, responde Alves.</p>
+
+<p>&mdash;Então sou ladrão? Diga, se é capaz, sou ou não sou?<span
+class="pn">{52}</span></p>
+
+<p>Alves não se intimidou e asseverou;</p>
+
+<p>&mdash;É, é, e é ladrão, e ladrão refinado...</p>
+
+<p>O meu amigo não podia ser mais prudente do que o foi até alli. A prudencia,
+porém, tem o seu termo. Alves não previu que, obrigando o honrado refinador a
+sahir fóra do termo da prudencia uma pollegada, sugeitava-se a receber, como
+recebeu, na cara a escumadeira impregnada de assucar em calda a ferver. Sem
+esperar repetição da dóse, Alves sahio vendendo mel ás canadas.</p>
+
+<p>Quinze dias depois tinha a mesma cara, menos a pelle.</p>
+
+<p>Propalado o caso, deu-se ao meu amigo o cognome citado, que nada teve com a
+substituição do assucar trocado por arêa, como prova a carta a qual me repórto.
+</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION0003100">CAPITULO X.</a></h3>
+
+<p>Eis a carta em capitulo separado.</p>
+
+<p>«Illm. Sr. (<em>Historica.</em>)</p>
+
+<p style="text-align: right;">Presadissimo amigo. </p>
+
+<p>«Inclusa remetto a V. S. uma letra saccada<span class="pn">{53}</span> a seu
+favor sobre a casa Souto &amp; C., dessa côrte, obsequio que faço a sua
+madrinha de baptismo, viuva do seu padrinho, ultimamente fallecido. Sendo-lhe
+deixada em testamento pelo dito fallecido, pelo que aceite os meus pezames, a
+quantia de 450$000, a letra vai saccada no valor de 437$820 por
+<em>subtração</em> a que tenho direito de 12$180, sendo:</p>
+
+<table border="0" style="width: 100%" summary="subtracção">
+ <col>
+ <col>
+ <tbody>
+ <tr>
+ <td>Direito de confiança, 2%.</td>
+ <td style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">9$000</td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Sello e seguro desta.</td>
+ <td style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">1$180</td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Papel e expediente.</td>
+ <td style="text-align:right; border-bottom: solid 1px #000;">2$000</td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td
+ style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">Somma...</td>
+ <td style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">12$180</td>
+ </tr>
+ </tbody>
+</table>
+
+<p>«Poupe o seu dinheiro, meu amigo, olhe que muito custa <em>havel-o</em>.</p>
+
+<p style="text-align: right;">«Sou seu amigo e criado.» </p>
+
+<p>Não foi elle quem grifou a palavra subtracção.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION0003110">CAPITULO XI.</a></h3>
+
+<p>Quando o conselho da instrucção publica deu este despacho ao meu
+requerimento: «<em>Junte o supplicante folhas corridas</em>», eu já<span
+class="pn">{54}</span> não precisava de editor para as maximas.&mdash;Resgatado
+da imprensa o meu 1.º volume já corria pelo mundo.</p>
+
+<p>Estava saboreando a leitura do mais pomposo elogio, que jámais se teceu a
+nenhum outro homem de letras, quando entrou o Sr. Gusmão. O Sr. Gusmão era
+typographo e trabalhava na officina onde se imprimio o volume. Vinha buscar os
+originaes do segundo.</p>
+
+<p>&mdash;Meu caro Sr. Gusmão, assente-se, então como vai?</p>
+
+<p>&mdash;Remendando a vida.</p>
+
+<p>&mdash;Já leu o meu livro?</p>
+
+<p>&mdash;Sim, senhor.</p>
+
+<p>&mdash;Francamente, como o-acha?</p>
+
+<p>&mdash;Volumoso...</p>
+
+<p>&mdash;Volumoso, sim, quasi que abrange trezentas paginas. Já comecei a
+urdir um poema heroico.</p>
+
+<p>&mdash;Que titulo?</p>
+
+<p>&mdash;Homem, ainda não sei; talvez lhe ponha o titulo em lingua indigena,
+quero vêr se desperto a literatura nacional.</p>
+
+<p>&mdash;É muito preciso.</p>
+
+<p>&mdash;Se o-é. O Sr. Gusmão entende de poesias?<span
+class="pn">{55}</span></p>
+
+<p>&mdash;Gosto de lêr, sim, senhor.</p>
+
+<p>&mdash;De qual genero gosta mais?</p>
+
+<p>&mdash;De todos, sendo a poesia boa.</p>
+
+<p>&mdash;Gosta do meu genero?</p>
+
+<p>&mdash;Qual é?</p>
+
+<p>&mdash;São todos, pois os jornaes não disseram que eu primo em todos os
+generos? Então não leu o meu livro?</p>
+
+<p>&mdash;O senhor sabe, lêr é um caso e compôr é outro. Na qualidade de
+compositor li-o quando o-compunha, na qualidade, de leitor, propriamente dito,
+ainda não o-li.</p>
+
+<p>&mdash;Então não sabe dizer se os versos são bons, se as rimas ricas, se é
+corrente a grammatica, se ha ideia...</p>
+
+<p>&mdash;Mas V. S. deve estar contente com a opinião dos jornaes.</p>
+
+<p>&mdash;Contentissimo. De cada vez que leio um elogio releio o volume, e
+quando acabo de relêr a este tenho vontade de escrever outro.</p>
+
+<p>&mdash;Lá isso ha de ter.</p>
+
+<p>&mdash;Diga com franqueza, nem de passagem notou tal ou qual defeito?</p>
+
+<p>&mdash;Ninguem anda isento delles.</p>
+
+<p>&mdash;Nos versos?<span class="pn">{56}</span></p>
+
+<p>&mdash;A sua metrificação é regular.</p>
+
+<p>&mdash;Nas rimas?</p>
+
+<p>&mdash;As rimas são toleraveis, excepto algumas como, por exemplo,
+<em>nuvem</em> com <em>houve</em>...</p>
+
+<p>&mdash;E que diz da dicção?</p>
+
+<p>&mdash;A dicção...</p>
+
+<p>&mdash;Seja franco, eu não sou parente daquelle cura, que foi amo de
+Gil-Braz. </p>
+
+<p>&mdash;Como pede franqueza direi que, se não fosse a grammatica, o livrinho
+podia passar incolume, mas a sua grammatica é muito differente d'aquella por
+onde aprendi.</p>
+
+<p>&mdash;Aprendi pela do Lobato.</p>
+
+<p>&mdash;Então é a mesma. Queira vêr os originaes do segundo volume.</p>
+
+<p>&mdash;Ainda não os-reuni todos, volte amanhã, se não fôr incommodo. Quer
+fumar, offereço-lhe um charuto de Havana.</p>
+
+<p>&mdash;Não senhor, obrigado, eu não fumo se não charutos de vintem.</p>
+
+<p>Eu fiquei <em>fumando</em>...</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION0003111">CAPITULO XII.</a></h3>
+
+<p>De que lado estava a verdade, do Sr. Gusmão<span class="pn">{57}</span> ou
+dos jornaes? Afinal de contas, o typographo tinha razão. Entretanto, a primeira
+parte do meu <em>celeiro de bom trigo</em>, no conceito do meu amigo bacharel,
+estava esgotada!</p>
+
+<p>Hoje, quando corro os olhos pelo exemplar que, por castigo, releio uma vez
+na semana, dirijo ao creador este acto de contricção: «Meu Deus e meu Senhor!
+por serdes vós, quem sois, permitti que os irmãos deste exemplar caiam todos
+n'uma padaria e passem para as fornalhas como auxiliares da lenha, que nesse
+dia cosinhe os pães! São elhas por elhas, Senhor, trigo cosinhando trigo.
+Amen.»</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION0003120">CAPITULO XIII.</a></h3>
+
+<p>Ao outro dia recebi o Sr. Gusmão entre os braços.</p>
+
+<p>&mdash;Entre, meu amigo, assente-se e conversemos. Ainda aqui está o charuto
+de Havana, aceite-o.</p>
+
+<p>&mdash;Obrigado, mas não aceito, insistio o homem. Penso diversamente dos
+outros; o<span class="pn">{58}</span> que não posso sustentar todos os dias,
+não alardeio uma vez. Demais, habituado a fumar charutos de vintem, sabem-me a
+<em>pessimos</em> os de tostão para cima.</p>
+
+<p>&mdash;Respeito o seu modo de pensar. Dou-lhe parte que suspendo a
+publicação das minhas obras.</p>
+
+<p>&mdash;Então tomou a peito a opinião de um typographo?</p>
+
+<p>&mdash;E o typographo não póde ter opinião aceitavel, não póde saber
+grammatica? </p>
+
+<p>&mdash;Que opinião póde ter o homem, que anda de ventanilha? Lá quanto a
+grammatica devia saber. Onde me vê, com o pouco que entendo della, tenho salvo
+a reputação futura de muitos escriptores, aliás intelligencias brilhantes,
+emendando-lhes, quando componho seus originaes, erros de tirar couro e
+cabello...</p>
+
+<p>&mdash;Ora, Sr. Gusmão, porque não emendou os meus?</p>
+
+<p>&mdash;O senhor desejava um volume de trezentas paginas e se eu corrigisse
+os seus descuidos não ficava o livro com cem....</p>
+
+<p>Apre! tambem esta foi de tirar couro e cabello!<span
+class="pn">{59}</span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION0003130">EPILOGO DA SEGUNDA PARTE.</a></h3>
+
+<p>Ahi vai em italico o que devo ao Rio de Janeiro; saiba o Imperio todo:</p>
+
+<p>&mdash;Devo o conhecimento do Sr. Gusmão,&mdash;que me mandou
+aprender&mdash;grammatica&mdash;depois dos jornaes me
+haverem&mdash;chamado&mdash;Homero&mdash;!</p>
+
+<p>Cautela com as reputações.<span class="pn">{60}<br>{61}</span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h1><a name="SECTION000400">TERCEIRA PARTE.</a></h1>
+
+<p> <span class="pn">{62}<br>
+{63}</span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION000410">CAPITULO I.</a></h3>
+
+<p>Cheguei ao estado de dizer com o philosopho grego:</p>
+
+<blockquote>
+ «<em>Omnia mea mecum porto.</em>»</blockquote>
+
+<p>Ignoro se os gregos fallavam latim no tempo de Bias.</p>
+
+<p>Cifravam-se as minhas posses em 25 annos de idade e na roupa do corpo, sendo
+que essa já estava fóra da moda.</p>
+
+<p>O melhor excitante para o fastio do espirito é, incontestavelmente, a
+privação. Essa é a razão porque no vigor da idade não são os desejos
+vehementissimos, como aos 90<span class="pn">{64}</span> annos, na decrepitude,
+quando já se não póde com um gato morto, para não dizer <em>gata</em>... e isso
+por ser a privação, em todos os sentidos, irreparavel. Induza-se d'ahi o gráo
+da minha excitação, privado de meios com os quaes satisfizesse desejos, que,
+como vespas damnadas, me agrilhoavam por todos os modos e em todos os
+sentidos?!</p>
+
+<p>Silencio, bocca!...</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION000420">CAPITULO II.</a></h3>
+
+<p>Sem credito literario diante dos meus proprios olhos&mdash;abertos pelo bom
+senso do typographo Gusmão; sem abono-monetario diante de todos os olhos
+fechados pelas minhas circumstancias; eu andava a pleno ar a procura de um
+meio, que me arredasse do precipicio para cujas bordas já me
+encaminhava&mdash;o jogo. Eu teria calado no fundo desse abysmo, se houvesse
+tido para a primeira parada.</p>
+
+<p>Capitulos da altura deste não indigestam. Digerem como sorvas, e fazem
+render um livro...<span class="pn">{65}</span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION000430">CAPITULO III.</a></h3>
+
+<p>Todas as mulheres deviam collocar na alcova de orações um nicho, e dentro
+delle o busto de Aristophanes. Ao mordaz atheniense são ellas obrigadas pela
+reforma do meu juizo a seu respeito. Antes de lêr <em>Lysistrata</em>, meu
+pensar era que as mulheres rezavam pela cartilha da Sra. Balbina.</p>
+
+<p>Emendei-me, dando rédeas ao amor.</p>
+
+<p>Amei com impeto! como o leão seria capaz de amar, se as leôas das brenhas
+soubessem como as das cidades&mdash;encarentar favores...</p>
+
+<p>O amor! o amor! Dizem que não come! se não comesse não se alojaria no
+coração&mdash;que fica ás portas do estomago.</p>
+
+<p>Montaigne já o-chamava <em>sêde da mocidade</em>.</p>
+
+<p>Da sêde á fome vai só um passo.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION000440">CAPITULO IV.</a></h3>
+
+<blockquote>
+ «Eu sempre ouvi dizer:&mdash;frade nem vivo,<br>
+ Nem morto e nem pintado na parede.&mdash;<span class="pn">{66}</span><br>
+ A rasão deste dito salta aos olhos;<br>
+ O que frades, outr'ora, não fizessem<br>
+ Incumbir ao diabo era debalde:<br>
+ E as chronicas referem muitos casos<br>
+ De quináos, que ao diabo os frades deram.<br>
+ Mas verdade verdade, o frade de hoje,<br>
+ Labéo das frias cinzas de Epicuro,<br>
+ Não chega ao calcanhar do velho frade.»<br>
+ <br>
+ Repetindo em voz alta estas blasphemias,<br>
+ Os olhos affinquei n'um poento quadro,<br>
+ Meu fiel companheiro no deserto<br>
+ Em que a mão da fortuna me lançára.<br>
+ <br>
+ O quadro figurava um frei Rotundo,<br>
+ Nutrido e nédio, rindo-se á sorrélfa<br>
+ Da feia carantonha do diabo,<br>
+ Que raivoso mordia um par de dados.<br>
+ <br>
+ Mingúa a humanidade a pouco e pouco!<br>
+ Já se não topa mais um frei Bojudo<br>
+ Estillando gordura ao sol em pino.<br>
+ Que ditosa panella, a de outros tempos,<br>
+ Onde cahisse o lenço de Alcobaça<br>
+ Que limpasse o cachaço de algum frade!<br>
+ Sahia a olha convertida em banha.<br>
+ Hoje o frade, sequer, sabe o Larraga<br>
+ Ou Brillat-Savarin. Dantes o frade<br>
+ Era um poço ambulante de sciencias.<br>
+ E os costumes? e o lar? se bem me lembro,<span class="pn">{67}</span><br>
+ Algures li que, vós, ditosos monges,<br>
+ Fostes, nas priscas eras dos conventos,<br>
+ Pesadelo de todos os maridos,<br>
+ E horror! horror! horror! das raparigas!<br>
+ <br>
+ «Illustre Guardião (clamo inspirado)<br>
+ Tu mais que Belphegor sagaz nos tramas,<br>
+ Mais roliço e mais sabio, tu me ensina<br>
+ O meio de sahir destes apuros!»<br>
+ <br>
+ Avalie-se agora o que eram frades<br>
+ Em tempos que lá vão,&mdash;que desenhados<br>
+ Inda fazem milagres. Repentino<br>
+ Me occorre um pensamento de alta monta.</blockquote>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION000450">CAPITULO V.</a></h3>
+
+<p>Escrevi esta epistola:</p>
+
+<p>«Senhora.&mdash;Vós sois a belleza, de mimosos contornos; eu sou o bello, de
+rudes musculos. Vós sois a bonina, que murcha ao primeiro raio do sol; eu sou o
+sol, que o diluvio não apagou. Vós sois a debil pastorinha avergada ao peso dos
+trevos com que se enfeita; eu sou o vigoroso camponez, que leva as costas um
+boi sem lhe sentir o peso.<span class="pn">{68}</span> Senhora! meditai nestas
+parabolicas palavras! e se julgardes ser a força o amparo da fraqueza,
+respondei em carta fechada com endereço a ***, que eu mesmo a-irei tirar da
+latinha do escriptorio do <em>Jornal do Commercio</em>.»</p>
+
+<p>O remate estragou a epistola.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION000460">CAPITULO VI.</a></h3>
+
+<p>Eram oito horas e meia da noite, subi e desci a rua do Ouvidor.</p>
+
+<p>Nenhum <em>ignotus Deus!</em> nenhuma mulher com cara de entender a
+epistola!</p>
+
+<p>Mas eu confiava na inspiração!</p>
+
+<p>As transeuntes levavam todas a reboque um marido ou cousa com semelhança
+disso.</p>
+
+<p>Eram nove e meia. Ainda nada.</p>
+
+<p>Mas o frade não me sahia da mente!</p>
+
+<p>&mdash;Dar-se-ha o caso, reflecti, que hoje seja a noite tão sómente dos
+casados? </p>
+
+<p>Entendamo-nos. Queria dizer, a noite de sómente passeiarem os casados; nós
+sabemos que todas as noites são delles, <em>quand-même</em>...<span
+class="pn">{69}</span></p>
+
+<p>Puz-me a olhar através dos vidros os livros expostos á venda na casa
+Garnier.</p>
+
+<p>D'ahi a pouco, chega e pára a outra vidraça uma mulher <em>só</em>... Só
+digo eu, não contando o cãosinho felpudo, que a-seguia.</p>
+
+<p>Era um animalsinho com ar inoffensivo e prasenteiro e cara de quem não
+aceitaria, se lhe mandassem, um cartel. Começa a mão do frade!</p>
+
+<p>Olhou... olhou... (ella e não o cão), e entrou na livraria. Ouvi-a dizer em
+francez de Racine:</p>
+
+<p>&mdash;<em>Les Femmes, par Alphonse Karr?</em></p>
+
+<p>&mdash;É justamente a mulher, que eu sonhava, disse a mim mesmo; mulher que
+lêsse o autor de <em>La pêche.... en eau douce... et en eau salée....</em>
+Abeirei-me á porta.</p>
+
+<p>Deram-lhe o livro; folheou-o, pagou-o sem questionar o preço, deu boa-noite
+e sahio.</p>
+
+<p>Fóra da loja, tomei-lhe a frente, comprimentei-a com acatamento, rogando-lhe
+aceitasse a carta.</p>
+
+<p>&mdash;Quem é o senhor? e donde vem essa carta? perguntou meio
+desdenhosa.</p>
+
+<p>&mdash;É tudo um mysterio, respondi. Lendo a carta saberá.<span
+class="pn">{70}</span></p>
+
+<p>&mdash;Ah! cheira a mysterio? pois sim, dê-m'a, eu gosto dos mysterios.</p>
+
+<p>Tomou-a e partio com ar senhoril. E viva o frade!</p>
+
+<p>Ao desapparecer na turbamulta, aproximou-se-me um permanente pedindo-me o
+charuto para acender um cigarro.</p>
+
+<p>&mdash;Camarada, lhe disse, eu não inventei a polvora, porque nasci depois
+della inventada.</p>
+
+<p>Elle concordou, rosnando:</p>
+
+<p>&mdash;Polvora! polvora! que diabo é polvora?</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION000470">CAPITULO VII.</a></h3>
+
+<p>Doze horas depois fui ao escriptorio do <em>Jornal</em>; lá estava uma
+cartinha com a minha senha. Constava de duas linhas bem traçadas, quanto á
+essencia; quanto á calligraphia, nunca vi peóres gregotins.</p>
+
+<p>«Sr. ***.&mdash;Ora queira Deus e Deus queira vos não mettais em camisa de
+onze varas! Rua do Conde n....»<span class="pn">{71}</span></p>
+
+<p>Resposta mais laconica e expressiva, só um couce, mal comparada.</p>
+
+<p>Sem perder os estribos da confiança, em presença de tamanha ameaça, fui.</p>
+
+<p>Eram onze horas da manhã, duas horas depois de feita a digestão dos que
+almoçam ás nove.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION000480">CAPITULO VIII.</a></h3>
+
+<p>Ha trinta minutos.</p>
+
+<p>&mdash;Que idade tendes? pergunta ella.</p>
+
+<p>&mdash;Vinte e cinco annos; respondo.</p>
+
+<p>&mdash;Como sois moço!... Meu marido morreu dessa idade.</p>
+
+<p>&mdash;É lei da natureza, que se morra de toda idade.</p>
+
+<p>Proferi o axioma na intenção de afugentar qualquer idéa negra, que, por
+ventura, viesse perturbar a interlocução.</p>
+
+<p>&mdash;É facto, concordou, accrescentando, como quem a si propria dava
+desculpa: tambem elle era muito franzino...</p>
+
+<p>E de esguelha, pela oitava vez, medio-me com os olhos de alto a baixo.<span
+class="pn">{72}</span> </p>
+
+<p>Neste ensejo, tomei-me o pulso. Deitava 105 pulsações por minuto. Eu na
+vespera almoçára mão de vacca.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION000490">CAPITULO IX.</a></h3>
+
+<blockquote>
+ Ha dous mezes.<br>
+     Deu-se garrote á prudencia.<br>
+ Reina o commumnismo.<br>
+     Folga Épicuro.<br>
+ Vai tudo de afogadilho.<br>
+     O trem assovia.<br>
+ Tenha o leitor paciencia.<br>
+     Escasseiam-me trégoas.</blockquote>
+
+<p>Isto é prosa.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION0004100">CAPITULO X.</a></h3>
+
+<p>Chamava-se Monica; nome que não anda na bocca de todos, e a essa vantagem
+reune a de ser esdruxulo.</p>
+
+<p>Casára aos vinte nove annos de idade com um rapaz de vinte e quatro; e
+enviuvou<span class="pn">{73}</span> no anno seguinte. Tudo isto foi muito
+natural, sendo mais natural a morte do rapaz.</p>
+
+<p>Não era bonita, era sympathica. Não era sabia como D. Maria Caetana Agnezi,
+mas era intelligente; e mais <em>espiritada</em> do que espirituosa. Neste
+ponto trivialissima.</p>
+
+<p>Lia o portuguez corrente como um juiz de paz, e trazia o francez em sarilho.
+Tocava a <em>saloia</em> ao piano, e nutria a presumpção de saber contar.</p>
+
+<p>Quando a-conheci seus progenitores já haviam levado a breca.</p>
+
+<p>Pretendeu-a na viuvez um capitalista, tambem viuvo.</p>
+
+<p>Monica accedeu á licita pretenção. Nas vesperas das bodas, revelou-se-lhe o
+noivo com queda para a literatura-<em>funda</em>, ao lêr um artigo, inserto não
+sei em qual periodico, onde, <em>ad-rem</em>, o escriptor citava este aphorismo
+de Balzac:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«<em>Un mari ne doit jamais s'endormir le premier ni se réveiller le
+dernier.</em>»</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Seguia-se a traducção, o pomo da discordia: «<em>O marido não deve pegar no
+somno antes da mulher e nem acordar depois della.</em>»<span
+class="pn">{74}</span></p>
+
+<p>&mdash;Como isto é fundo! exclamou o capitalista, chamando a attenção da
+noiva para o conselho em portuguez.</p>
+
+<p>&mdash;E o senhor, perguntou Monica, no seu tempo de casado seguio isso á
+risca? </p>
+
+<p>&mdash;Como seguiria, se é agora que sei disto?! Ah! se eu em outro tempo
+adivinhára... e engasgou-se com o resto. Mas, proseguio, cá me fica no
+canhenho; conselhos como estes não se perdem.</p>
+
+<p>Confessemos, o capitalista não andava corrente com o <em>Codigo do
+Bom-Tom</em>. Declarar á noiva que um aphorismo de tal jaez lhe ficava no
+canhenho, foi falta de tino imperdoavel.</p>
+
+<p>Monica, que lia Alphonse Karr e tencionava dar um pulo até á França para
+comprimentar o autor das <em>Guêpes</em>, com o que o Sr. Alphonse Karr, por
+sem duvida, muito se lisongearia, não contendeu.</p>
+
+<p>Na manhã do dia seguinte pespegou ao capitalista em carta este
+<em>bofetão</em>:</p>
+
+<p>«Senhor.&mdash;Toda a noite considerei no conselho de hontem e não me
+convenci que seja o marido quem deva pegar no somno depois da mulher e acordar
+antes della, por<span class="pn">{75}</span> muitas e longas razões com as
+quaes eu encheria uma resma de papel, se quizesse argumentar. Tendo V. S. no
+seu canhenho, tomado nota do conselho, pol-o-ha em pratica depois de casado;
+achando-me em opposição a semelhante pratica, desisto do meu compromisso. V. S.
+está livre, disponha do seu coração. Prefiro a <em>monogamia</em> ás desavenças
+do lar.</p>
+
+<p style="text-align: right;">«Sua criada    </p>
+
+<p style="text-align: right;">«M<small>ONICA.</small>»</p>
+
+<p>Quando um homem recebe nas bochechas um recado destes, é mister que saibam
+todos o seu nome.</p>
+
+<p>O capitalista chamava-se Joaquim.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION0004110">CAPITULO XI.</a></h3>
+
+<p>O Sr. Joaquim leu, releu e treleu a carta. Ao depois chamou o guarda-livros.
+</p>
+
+<p>&mdash;Sô Pinto? chegue-se, faça favor.</p>
+
+<p>Pinto aproxima-se.</p>
+
+<p>&mdash;Que palavra é esta? pergunta mostrando a Pinto a segunda palavra do
+remate da carta.<span class="pn">{76}</span></p>
+
+<p>Pinto arregalou os olhos, soletrou a palavra e
+leu&mdash;<em>monógámia</em>... e repetio separando as syllabas:
+Mo-nó-gá-mi-a... Isto não é palavra, decidio. </p>
+
+<p>&mdash;A mim tambem me parece que não é, concordou o Sr. Joaquim, cuja
+intelligencia dava pelo estalão da do outro.</p>
+
+<p>Pinto voltou aos livros.</p>
+
+<p>O Sr. Joaquim garatujou;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«Senhora.&mdash;Eu quando digo as cousas é porque sei. Não é debalde que sou
+viuvo. O meu pezar é ter aberto os olhos quando a mulher fechou os seus. O
+conselho do periodico é fundo como um poço, e os periodicos quando dizem as
+cousas&mdash;são como eu&mdash;sabem o que dizem. Estou no mesmo pé. A mulher
+ha de pegar no somno antes do marido e acordar depois delle, sem esta condição
+saia não me torna a entrar em casa. A palavrinha monogamia não leva a resposta
+devida por não ser palavra.</p>
+
+<p>«E temos conversado.»</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Monica revelou-me este episódio uma vez quando lhe disse andar perto de
+querer casar com ella.<span class="pn">{77}</span></p>
+
+<p>No fim da narração, pendi para a opinião do Sr. Joaquim.</p>
+
+<p>Não sei porque, mais tarde, fizeram barão a este homem, que tanto senso
+parecia ter!</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION0004120">CAPITULO XII.</a></h3>
+
+<p>Não fui eu, propriamente dito, que cahi na graça da viuva.</p>
+
+<p>Disse-me ella:</p>
+
+<p>&mdash;Á primeira vista antipathisei com o teu focinho. Cahio-me no gôto o
+teu singular modo de amar. Fui sempre enfermiça do desejo de ser amada por um
+<em>exquisito</em>, um original fosse em que fosse. Meu marido foi um homem
+como os mais, media pela bitola geral. Não se lhe notava particularidade
+alguma, que o destacasse do <em>chavão</em> commum. Tu me pareceste um homem
+raro, a julgar pela tua carta.</p>
+
+<p>E case-se um homem <em>commum</em>?!</p>
+
+<p>&mdash;Tenho desmentido a tua espectativa? perguntei.</p>
+
+<p>&mdash;Vais descahindo... vais... ha dias a esta parte: respondeu.<span
+class="pn">{78}</span></p>
+
+<p>De facto, eu descahia a ôlho.</p>
+
+<p>Que querem?</p>
+
+<p><em>L'amour use vite les hommes; il soutient longtemps les femmes...</em>
+</p>
+
+<p>Aphorismo é isto.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION0004130">CAPITULO XIII.</a></h3>
+
+<p>Balzac limpe as mãos á parede.</p>
+
+<p>«É mais facil, diz elle, ser-se amante do que marido, por isso que é mais
+difficil ter-se espirito todos os dias do que, de quando em quando,
+amabilidades para dizer».</p>
+
+<p>E quando o amante, meu caro Sr. Balzac, no meu caso, á guisa de marido,
+cohabita com a amante, é facil ter espirito todos os dias?</p>
+
+<p>Nem uma nem outra cousa. Eu já não tenho que dizer a Monica.</p>
+
+<p>No capitulo passado não briguei com ella por evitar a descripção da queréla.
+E se não fosse o medico, a botica, o padre, a confissão e depois o enterro, e
+em seguida as missas e no fim, tres dias de nôjo&mdash;matava-a neste.<span
+class="pn">{79}</span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION0004140">CAPITULO XIV.</a></h3>
+
+<p>Uma tarde, no largo de S. Francisco de Paula, no espaço onde plantaram o
+actual lampeão, que lá existe com ar de vedeta desarmada, encontrando-me com o
+meu velho amigo Simphoriano, o unico que possuo com este nome, me disse elle:
+</p>
+
+<p>&mdash;Que tens tu? estás pallido como uma abobora?</p>
+
+<p>Simphoriano é filho de uma provincia do Norte, cujos naturaes chamam
+<em>pallidas</em> ás aboboras <em>maduras</em>.</p>
+
+<p>&mdash;Falta de sangue, meu caro; o sangue se me aguou todo, depois da
+ictericia, respondi.</p>
+
+<p>Elle sabia que essa doença me acommettera havia dous annos.</p>
+
+<p>&mdash;E a magreza? replicou.</p>
+
+<p>&mdash;Que queres? transpira-se muito neste Rio de Janeiro... o sol
+derrete... </p>
+
+<p>&mdash;Fosse essa a causa...</p>
+
+<p>&mdash;Não sei de outra.</p>
+
+<p>&mdash;Disse-me o Patricio (Patricio era um <em>trocatintas</em> do meu
+conhecimento), que tu <em>sacrificas em demazia ás graças</em>...<span
+class="pn">{80}</span></p>
+
+<p>&mdash;És tu quem sacrifica a verdade á peta, trepliquei, pelo gostinho de
+alardeares certa illustração. Quem ainda não sabe que Platão aconselhava ao
+discipulo Xenócrates, austero, como Newton, nos costumes, a sacrificar ás
+graças? Ouve o que do mesmo Xenócrates disse o padre José Agostinho na
+<em>Viagem extatica</em>:</p>
+
+<blockquote>
+ «Da belleza inimigo e da ternura,<br>
+ Xenócrates descubro austero e triste,<br>
+ Vergonhoso baldão da especie humana,<br>
+ Que nem ao vivo scintilar de uns olhos,<br>
+ Nem ao mago sorriso deslizado<br>
+ De um labio, côr de purpura, ou de rosas,<br>
+ Ou aos aureos anneis de tranças de ouro,<br>
+ Da natureza escuta a voz suave,<br>
+ E sopro avivador, que atêa o fogo,<br>
+ Tão grato ao coração, que é delle a vida;<br>
+ Fogo, que até do mar no abysmo fundo<br>
+ Sujeita a seu imperio equóreos monstros,<br>
+ E a sanguinario tigre, indocil sempre,<br>
+ Amar ensina, e conhecer ternura.»</blockquote>
+
+<p>&mdash;Isto disse o padre, como entendedor que era, na <em>Viagem
+extatica</em> que, ao depois, crismou com o nome de <em>Newton</em> emendando
+entre outros, este verso, que tu nem ninguem recitará sem ao principio latir o
+seu pouco:<span class="pn">{81}</span></p>
+
+<blockquote>
+ O<small>U AOS AUREOS</small>&mdash;anneis de tranças de ouro.</blockquote>
+
+<p>&mdash;Concorda, prosegui, não me achaste descalço. Agora o suppores que
+abuso do <em>sacrificio</em> é outro engano. O <em>nequid
+nimis</em>&mdash;equivalente ao preceito de Hippocrates:</p>
+
+<p>«<em>Omne nimium naturae inimicum est</em>» foi sempre a minha divisa.</p>
+
+<p>Houve excepção....</p>
+
+<p>Simphoriano ia tomando a mão.</p>
+
+<p>Atalhei-o, já esquentado.</p>
+
+<p>&mdash;Andas sempre a prasmar contra os que sacrificam ás graças. Quererás
+ser tido na conta dos ditos Xenócrates e Newton ou de Kan, Vico, W. Pitt ou
+Carlos XII?</p>
+
+<p>Pensas que ignoro que Mirabeau morreu aos quarenta e dous annos em
+consequencia do abuso desse sacrificio e que pela mesma consequencia morreria
+Bichat, a quem Bourg levantou uma estatua, se não morresse em 1802 aos trinta e
+um annos, da queda que deu descendo as escadas do <em>Hotel de Dieu</em> cujo
+medico era? Vês que ás apalpadellas não ando nos factos da historia, e será bom
+que percas o sestro de <em>literato á la violeta</em>.</p>
+
+<p>Com effeito, Simphoriano era boa creatura,<span class="pn">{82}</span> mas
+não soltava tres palavras sem citar dous ditos ou nomes de homens celebres,
+seus conhecidos&mdash;pelos catalagos dos livros.</p>
+
+<p>E eu sem saber o cabo que darei a Monica?!</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION0004150">CAPITULO XV.</a></h3>
+
+<p>&mdash;Estás sufficientemente barbado, proseguia de outra feita o meu amigo.
+A ultima de mão que a natureza dá ao homem são as barbas....</p>
+
+<p>Isto dito em francez&mdash;passava a proverbio.</p>
+
+<p>&mdash;Portanto, continuava elle, és homem feito, em todos os sentidos.</p>
+
+<p>&mdash;Em sentido algum, nunca deixei....</p>
+
+<p>&mdash;Não me atrapalhes e nem comeces a zombar, senão, calo-me. Trata-se de
+cousa séria; sou mais velho, sou teu amigo, ouve-me.</p>
+
+<p>&mdash;Sou todo ouvidos, falla.</p>
+
+<p>&mdash;Bem. Estás perto dos trinta annos...</p>
+
+<p>&mdash;Cinco annos distante...</p>
+
+<p>&mdash;Aos vinte e cinco já se tem andado quazi meio caminho da vida. Na
+outra metade<span class="pn">{83}</span> precisamos pôr todo o cuidado. D'aqui
+a vinte e cinco annos serás velho, e esse espaço de tempo, além de curto, passa
+com a velocidade do vento. Em que te occupas presentemente? Dás pasto á
+ociosidade abusando da tua compleição.... vives, portas a dentro, com uma
+desgraçada, que te suga a seiva da mocidade e até os brios...</p>
+
+<p>&mdash;Alto lá....</p>
+
+<p>&mdash;E os brios, sim. Que esperas do futuro? o menospreço publico&mdash;a
+mais digna herança dos <em>chichisbéos</em>....</p>
+
+<p>&mdash;Perdôa-me, atalhei-o, senão arrebento. De accordo com o
+<em>Diccionario do amor</em>, chichisbéo é, commummente, um celibatario maduro,
+namorador assiduo, servo de uma mulher casada com todos os <em>onus</em> do
+marido, excepto os <em>lucros</em>... Ora;&mdash;não me deves metter na conta
+dos celibatarios, por que, ha dous dias, posso dizer, cheguei á idade rébora,
+juridicamente fallando; e quanto á <em>graça</em> a quem <em>sacrifico</em> é
+viuva e o homem, que foi seu marido, já está livre dos onus... Applica-me outro
+substantivo, menos esse. </p>
+
+<p>&mdash;Como enxergas tudo, rematou Simphoriano<span class="pn">{84}</span>
+murchamente, pelo prisma da facecia, tua alma&mdash;tua palma, adeus.</p>
+
+<p>E desappareceu na primeira esquina da rua o unico amigo, que eu possuia com
+aquelle nome.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION0004160">CAPITULO XVI.</a></h3>
+
+<p>Cocegaram-me o arrependimento aquellas palavras.</p>
+
+<p>Cocegar era o unico verbo cuja falta se sentia na lingua portugueza.
+Criei-o, ahi fica. Não m'o-estraguem.</p>
+
+<p>Percorri com os olhos o horizonte do meu futuro. Trevas e só trevas...
+nenhum vagalume, no espaço!</p>
+
+<p>Cheguei a casa com vontade de brigar.</p>
+
+<p>Monica, que não levou ainda a breca, estava risonha, como um dia de
+primavera.</p>
+
+<p>Eu levava o inverno dentro d'alma.</p>
+
+<p>&mdash;Chegas a proposito, disse acariciando-me; lê esta cartinha.</p>
+
+<p>Tomei-a e li sem desfranzir as sobrancelhas:<span class="pn">{85}</span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«Senhora Dona Monica.</p>
+
+<p>«Participo-lhe, para seu castigo, que tirei o <em>diploma</em> de barão,
+ficando a senhora sem ser barôa por querer pegar no somno depois de mim...»</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&mdash;De quem é esta carta? bufei, arremessando-a precipitadamente ao
+soalho, sem terminar a leitura.</p>
+
+<p>&mdash;De quem ha de ser? do Joaquim, respondeu Monica.</p>
+
+<p>&mdash;Qual Joaquim?</p>
+
+<p>&mdash;O Joaquim do aphorismo, aquelle capitalista... mas estás pallido e a
+ranger os dentes! que tens?</p>
+
+<p>&mdash;Remorsos, senhora! respondi já de cothurnos. Remorsos, perfida, tres
+vezes perfida! Era assim que tu correspondias ao meu amor! era assim!
+entretendo relações pela surdina com esse Sr. Joaquim, que já é barão! Com que
+cara hei de sahir á rua?!</p>
+
+<p>&mdash;Vossê endoideceu, homem! diz ella, rindo-se a bandeiras
+despregadas.</p>
+
+<p>&mdash;Doido!... sim, mulher, endoideci... com um <em>endoideceu</em> é que
+se desculpa o escandalo!!<span class="pn">{86}</span> Mulheres! mulheres! todas
+são a mesma estampa...</p>
+
+<blockquote>
+ &mdash;Com flores o punhal disfarçam rindo!</blockquote>
+
+<p>&mdash;Ande vêr a minha mala, senhora, quero sahir desta casa...</p>
+
+<p>&mdash;Qual mala nem pêra mala! objectou com despreso ironico; vossê quando
+entrou nesta casa não trouxe a mala, se é que algum dia a-teve.</p>
+
+<p>Tolerei a vergalhada sem replicar.</p>
+
+<p>&mdash;Quer sahir, saia, proseguio, ingrato de um dardo! não me deixa
+saudades; e saiba que já não estou em Paris por sua causa; ainda tenho com que
+pagar a passagem.</p>
+
+<p>&mdash;Pois, não a-demorarei mais. O paquete parte a vinte e cinco, estamos
+a dezoito, sobejam-lhe sete dias para arrumar os bahús. Boa-viagem. Se
+encontrar no Mabille o Alphonse Karr, dê-lhe lembranças minhas.</p>
+
+<p>E sahi.</p>
+
+<p>E lá vai a Monica...</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION0004170">CAPITULO XVII.</a></h3>
+
+<p>Cahia a noite e a chuva.<span class="pn">{87}</span></p>
+
+<p>Não se me dava a queda da noite, importava-me a queda da agua.</p>
+
+<p>Eu não tinha guarda-chuva.</p>
+
+<p>Identificando o corpo com as paredes das casas, cheguei ao
+<em>Restaurant</em> do Mangini ensopado como uma garoupa de escabeche, pois que
+fallei em restaurant.</p>
+
+<p>Por felicidade das tres quatro partes do genero humano, se a agua da chuva
+tem a propriedade de ensopar o facto, este tem a de enxugar passado o preciso
+tempo. Panno para mangas tinha eu aqui, se quizesse mostrar até onde chego em
+physica.</p>
+
+<p>Assentei-me junto a uma meza, onde não dava em cheio a luz.</p>
+
+<p>Nenhum dos caixeiros do estabelecimento fez conta da minha
+<em>humida-individualidade</em>.</p>
+
+<p>Cheguei no momento em que um sujeito, galhardamente vestido á moderna,
+travava razões com um dos caixeiros. Dizia elle, calçando as luvas e olhando de
+travez para a nota da despeza, que fizera:</p>
+
+<p>&mdash;Oh! senhor! esta conta está exacta? em que despendi essa enorme
+somma? nem no hotel da Europa.</p>
+
+<p>&mdash;V. S. veja a lista, acodia o caixeiro.<span class="pn">{88}</span></p>
+
+<p>&mdash;Vêr o que, homem? pois eu quando como, olho lá o preço das iguarias?
+peço o que quero, porque não venho a estas casas comer de graça, fique sabendo,
+mas isto é um roubo.</p>
+
+<p>&mdash;Confira pela lista e verá que lhe não levamos um vintem de mais...</p>
+
+<p>&mdash;Não sou conferente de casas de pasto, ouvio? bradou o homem com nobre
+altivez. Confira vossê.</p>
+
+<p>O proprietario do estabelecimento que se achava ao balcão, dirige-se ao
+cavalheiro, e com bons modos, lhe disse que se não amofinasse, que a conta
+estava exacta, mas se não queria pagar&mdash;seria o mesmo.</p>
+
+<p>&mdash;Tenho muito dinheiro, alardeou o freguez; não preciso do seu jantar.
+Nem ando comendo nos <em>botequins</em>; se entrei neste, antes foi para
+esperar que passasse a chuva do que para outro fim. Almoço, janto e ceio no
+hotel da Europa, porém, não quero ser roubado, não estamos na Siberia.</p>
+
+<p>Ein, Siberia?</p>
+
+<p>&mdash;Pois, senhor, a chuva já passou, V. S. não deve nada, respondeu o
+proprietario.</p>
+
+<p>&mdash;Então, não reforma a conta?<span class="pn">{89}</span></p>
+
+<p>&mdash;Está exacta.</p>
+
+<p>&mdash;Ah! está exacta! pois sim, já disse que não estamos na Siberia,
+adeus.</p>
+
+<p>E partio.</p>
+
+<p>O dono da casa aproximou-se-me dizendo;</p>
+
+<p>&mdash;Veja isto; um homem, que calça luvas de pellica, almoça, janta e ceia
+no hotel da Europa, sahe d'aqui deixando o debito de dous mil setecentos e
+sessenta réis. Ha de vêr que é sustentado por alguma...</p>
+
+<p>Não o-deixei acabar, todo o corpo se me arrepiou...</p>
+
+<p>&mdash;Um calix de cognac!</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION0004180">CAPITULO XVIII.</a></h3>
+
+<p>Sorvendo a ultima gota do licor, affigurou-se-me Monica arrumando as malas.
+</p>
+
+<p>&mdash;Monica vai para Paris, disse entre mim. O Sr, Joaquim já é barão... e
+eu aqui fico, sem eira nem beira... nem ao menos sou commendador!... Paris!
+todos fallam em Paris e eu mesmo já o-descrevi em verso, sem ainda lá ter
+ido:<span class="pn">{90}</span></p>
+
+<blockquote>
+ Paris! Paris! Paris! terra de encantos,<br>
+ Eterno, ebri-festante paraiso,<br>
+ Aonde os risos de prazer são tantos,<br>
+ Que só é sério quem não tem juizo!...</blockquote>
+
+<p>As melhores descripções são devidas aos que pintam lugares, que nunca viram.
+Isto já passa em julgado e, passará a anexim, quando apparecer o meu romance
+passado om Djirjeh, no alto Egypto, aonde não pretendo jámais pizar.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION0004190">CAPITULO XIX.</a></h3>
+
+<p>Decidido a mudar de rumo, fui levar essa nova a Simphoriano.</p>
+
+<p>Entrei pé ante pé. O meu amigo estudava. Simphoriano ainda acreditava que,
+para se saber alguma cousa, fosse mister&mdash;queimar as pestanas. Toleirão
+por esse lado.</p>
+
+<p>Não se convencia que a <em>sapience-moufle</em> do filho de Gargantua é a
+que mais <em>apanha</em> neste abençoado torrão, aonde de meia em meia braça se
+esbarra a gente com um Dr. Tubal Holoferne.<span class="pn">{91}</span></p>
+
+<p>Isto não offende a ninguem... É pura inveja.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION0004200">CAPITULO XX.</a></h3>
+
+<p>&mdash;Boa noite, Simphoriano!</p>
+
+<p>&mdash;Ah!... Sê bem vindo.</p>
+
+<p>&mdash;Deus te pague. O que fazes?</p>
+
+<p>&mdash;Nada; estou lendo.</p>
+
+<p>&mdash;A <em>Historia de Cezar</em>, por Napoleão?</p>
+
+<p>&mdash;Leio Humboldt.</p>
+
+<p>&mdash;Perdes o tempo: Humboldt não sabia nada, foi um pessimo copista de
+Plinio. </p>
+
+<p>&mdash;Sim? quando leste Plinio?</p>
+
+<p>&mdash;Nunca, e nem Humboldt e nem precisava para formar o meu juizo.</p>
+
+<p>&mdash;Achaste a pedra philosophal?</p>
+
+<p>&mdash;Nem nada. Ouvi dizer que Plinio estudava a natureza; depois me
+disseram que o mesmo fez Humboldt. Logo, tudo quanto este fez copiou do outro,
+isto é logico. Seja lá no que fôr, segue este methodo e farás figura, passando
+por sabio. Ideias associadas, Humboldt foi barão e o Sr. Joaquim<span
+class="pn">{92}</span> tambem já o-é. E, passando a inscrever o nome na
+nobiliarchia deste Imperio, julgou-se com direito de enviar um epigramma á
+<em>graça</em> á qual não <em>sacrificarei</em> mais, o que te participo, sob a
+condição de uma hospedagem por esta noite, senão vou dormir ao relento.</p>
+
+<p>E narrei o succedido.</p>
+
+<p>Simphoriano pulou de contentamento.</p>
+
+<p>Fallou em <em>regeneração</em> (palavrinha a mais elastica dos tempos
+modernos), citando todos os moralistas das cinco partes do globo, inclusive um
+poeta de nome Sadi ou Saadi, que elle jurou ser perso e eu suppunha italiano,
+por acabar o nome em&mdash;<em>i.</em>&mdash;</p>
+
+<p>Prasmou contra o meu passado aconselhando-me a cuidar do futuro.</p>
+
+<p>&mdash;Vejo por ahi muitos futuros á feição do meu desejo, mas os homens não
+me protegem.</p>
+
+<p>&mdash;Homem, sentenciou o meu amigo, é aquelle que é o que quer ser e não o
+que os outros querem que elle seja. Toma nota disto. Arrima-te na perseverança;
+faze della bastão e caminha. Caminha... e se encontrares obstaculos, que te
+empeçam os passos,<span class="pn">{93}</span> desanda-lhes a perseverança.
+Tornam a apparecer adiante? torna a dar. Dá, dá de rijo, dá a valer, não te
+doam os pulsos e verás se chegas a ser o que quizeres.</p>
+
+<p>Copiei a receita para matar os obstaculos, mas em vez de bastão comprei um
+guarda sol, que tambem guarda da chuva e serve de bengala sendo preciso.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION0004210">CAPITULO XXI.</a></h3>
+
+<p>Por desobriga de minha consciencia, respondi á mofa do Sr. Joaquim. Exigia a
+lembrança do passado que eu vingasse a viuva da affronta do capitalista.
+Mandei-lhe a resposta. Ignoro se elle a-recebeu e se Monica chegou a ter
+conhecimento da remessa feita em seu nome.</p>
+
+<p>Disse-lhe:</p>
+
+<p style="text-align: right;"><em>Illm. e Exm. Sr. Joaquim, barão.</em> </p>
+
+<p>«E tenho observado que, ha trinta annos a esta parte, essa molestia
+(<em>empanturração</em>) só aos burros cançados e a <em>certos barões</em>
+acommette... (Dr. Gomez d'Eça. Art. Veterinaria;<span class="pn">{94}</span>
+cap. XXV, § II&mdash;; edição de Simão Thadeo Ferreira. Lisboa 1718)»</p>
+
+<p style="text-align: right;">Sua criada     </p>
+
+<p style="text-align: right;">«M<small>ONICA.</small>»</p>
+
+<p>E ficamos, de uma vez para sempre, livres della e do barão, que já se me ia
+apegando.</p>
+
+<p>Abrenuntio!</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION0004220">CAPITULO XXII.</a></h3>
+
+<p>Até esta data, comigo ainda não se verificou a sentença <em>si vis
+potes</em>. Ha quatro annos&mdash;<em>quero</em>&mdash;succeder na herança de
+uma velha rica e nenhuma ainda morreu, que se lembrasse de mim. Isto é o
+menos.</p>
+
+<p><em>Quero</em>&mdash;que o tabellião, em cujo cartorio sou
+<em>copista</em>,&mdash;augmente <em>dez vintens</em> no meu salario de mil
+réis e em vão tenho querido isto&mdash;ha quarenta e oito mezes.</p>
+
+<p>Não obstante, vislumbro ainda muitas esperanças, mormente, quando considero
+que o mesmo Simphoriano <em>quiz</em> ser e <em>foi</em> condecorado pelos
+relevantes serviços, que prestou ao Brazil no Paraguay aonde nunca poz os
+pés!... (É facto).<span class="pn">{95}</span></p>
+
+<p>Tambem o padre Severino <em>quiz</em> ser vigario e <em>foi</em>,&mdash;e a
+população da freguezia... <em>cresce</em>...</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h3><a name="SECTION0004230">EPILOGO DA TERCEIRA E ULTIMA PARTE.</a></h3>
+
+<p>Agua vai!</p>
+
+<p>Quem em dias de sua vida não pregou um calote?</p>
+
+<p>Esperava o leitor que os meus conhecidos morressem apunhalados, e, sabidas
+as contas, apenas falleceram dous, em consequencia dos remedios das boticas!
+</p>
+
+<p>Fallei em bodas e o Sr. Joaquim roeu-nos a corda.</p>
+
+<p>Moraes no seu diccionario, a proposito da palavra&mdash;<em>boi</em>, cita
+estes versos:</p>
+
+<blockquote>
+ Coisas ha hi que passam sem ser cridas,<br>
+ E coisas cridas ha nunca passadas...</blockquote>
+
+<p>E eu, a proposito do amor, fui mais laconico que o <em>veni, vidi,
+vici</em>; tantas vezes citado e nem uma só comprehendido!</p>
+
+<p>Puz em scena um enthusiasta do genio e não me referi ao&mdash;<em>stultorum
+infinitus est numerus</em> de Salomão!<span class="pn">{96}</span></p>
+
+<p>Abiquei o Parnaso e não arenguei á cerca da impropriedade deste decasyllabo
+de Francisco Manoel:</p>
+
+<blockquote>
+ <em>Capri-barbi-corní-pedes-felpudos!</em></blockquote>
+
+<p>Agatanhei Plinio e não trouxe á balha o livro 7.º cap. 9.º onde diz que
+a&mdash;<em>gloria para uma mulher é suspender das orelhas duas
+perolas</em>!</p>
+
+<p>Notei Pantagruel e não aproveitei este remate de um discurso, (vai a um de
+fundo):</p>
+
+<p style="text-align: center;" class="ni"><em>dos<br>
+poros<br>
+dos<br>
+nossos<br>
+corações,<br>
+transuda<br>
+a<br>
+mais<br>
+pura<br>
+essencia,<br>
+que<br>
+póde<br>
+ser<br>
+respirada<br>
+pelo<span class="pn">{97}</span><br>
+olfacto<br>
+da<br>
+patria;</em><a name="tex2html3" href="#foot553"><sup>[3]</sup></a></p>
+
+<p class="ni">para analysar o <em>Tratado do Sublime</em> do conselheiro da
+rainha Zenobia!</p>
+
+<p>Embarquei Monica para a França e não lhe besuntei os labios com o adeus de
+Scipião ao sahir de Roma:</p>
+
+<p><em>Ingrata patria, non possidebis ossa mea!</em></p>
+
+<p>Tropecei no <em>commumnismo</em> e nem patavina com referencia á
+<em>Republica</em> de Platão, ou á <em>Utopia</em> do Moro, ou á <em>Civitas
+solis</em> de Thomaz de Campanella, o Calabrez, que nunca li.</p>
+
+<p>Obviei... É tarde.</p>
+
+<p>Ah! se não fosse tarde! Só na applicação, que Monica fez da palavra
+<em>monogamia</em> (que não é palavra, conforme decidiram o capitalista e o seu
+guarda-livros), tinhamos materia para um in-folio, se, ácinte, eu pretendesse
+revoltar contra mim trezentos e sessenta e cinco doutores, pelo minimo. Mas é
+que tenho teiró ás inimizades.<span class="pn">{98}</span></p>
+
+<p>E os plagiatos? Neste ponto o reverendo padre Severino fôra como um Potosi.
+Tem-lhe custado caro alguns! Rendeu-lhe, por exemplo, tres mezes de cama esta
+odesinha copiada, assignada e enviada a quem não a inspirara.</p>
+
+<blockquote>
+               <strong>A M....<br>
+ </strong>  (<em>O original dizia&mdash;A R....</em>)<br>
+ Não cumpriste o promettido,<br>
+       Teu marido,<br>
+ Teu marido t'o-privou!<br>
+ Não te salva essa desculpa...<br>
+       Teve a culpa,<br>
+ Teve a culpa&mdash;quem faltou.<br>
+           &mdash;<br>
+ Teu marido... oh que embaraço<br>
+       Erro crasso;<br>
+ Erro crasso, e provo-o já;<br>
+ Elle velava ou dormia:<br>
+       Que fazia?<br>
+ Que fazia, dize lá?<br>
+           &mdash;<br>
+ Se velava e... cobiçoso...<br>
+       Desejoso...<br>
+ Desejoso em... te ameigar...<br>
+ Entre os braços te-prendia;<br>
+       Não podia,<br>
+ Não te-podia... <em>obrigar</em>...<span class="pn">{99}</span><br>
+           &mdash;<br>
+ Se dormia&mdash;estava morto.<br>
+       Franco o <em>porto</em>...<br>
+ Franco o porto estava então...<br>
+ Mas, não dormia; velava,<br>
+       Devorava...<br>
+ Devorava o meu <em>quinhão</em>...<br>
+           &mdash;<br>
+ Adormeceste cançada,<br>
+       Fatigada,<br>
+ Fatigada... Deus do Céo!<br>
+ Elle tambem&mdash;fatigado,<br>
+       Do seu lado,<br>
+ A teu lado adormeceu!<br>
+           &mdash;<br>
+ E eu? lá ao sereno exposto!<br>
+       Dando o gôsto,<br>
+ Dando o gosto ao meu rival,<br>
+ De me vêr magro... e desfeito,<br>
+       Pelo effeito,<br>
+ Effeito... da catarrhal!<br>
+           &mdash;<br>
+ Não cumpriste o promettido!<br>
+       Teu marido,<br>
+ Teu marido t'o-privou;<br>
+ Não te salva essa desculpa:<br>
+       Teve a culpa<br>
+ Quem com elle se <em>fartou</em>... </blockquote>
+
+<p>Pobre pastor!<span class="pn">{100}</span> </p>
+
+<p>Verificou-se-lhe no lombo o rifão&mdash;guardado está o bocado para quem o
+hade comer.</p>
+
+<p>Eu compuz as estrophes e elle comeu a... sova!</p>
+
+<p>Antes assim! que lhe faça bom proveito.</p>
+
+<p style="text-align: center;">......</p>
+
+<p>Leitor!... talvez não acredites e no entanto assim é: vou passar a limpo uma
+escriptura!</p>
+
+<p>Se alguma vez eu escrever as minhas aventuras, abarrotar-te-hei de
+<em>pasteis</em>....</p>
+
+<p style="text-align: center;"><em>P. S.</em></p>
+
+<p>P<small>OSTERIDADE!</small></p>
+
+<p>&mdash;Fallei a puro esmo em quanto disse.... da minha pessoa. Quando
+escreveres a minha biographia procura em outra fonte os apontamentos, senão
+irás de gatinhas como até esta data em todas as mais... tens ido.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="text-align: center;">FIM. </p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<div class="rodape">
+<p><a name="foot241" href="#tex2html1"><sup>[1]</sup></a> E se ha ahi quem
+saiba de algum remedio, que repare essa doença, annuncie pelos jornaes, por
+especial favor a uma creatura sugeita, desde aquella época até hoje, aos seus
+accessos.</p>
+
+<p><a name="foot277" href="#tex2html2"><sup>[2]</sup></a> Quartinho escuro onde
+se guardam viveres. Em a dona da casa sendo desconfiada é difficil perder a
+chave.</p>
+
+<p><a name="foot553" href="#tex2html3"><sup>[3]</sup></a> Vide supplemento do
+<em>Jornal do Commercio</em> de 16 de maio de 1866, <em>correspondencias do
+Norte</em>.</p>
+</div>
+</div>
+
+
+
+
+
+
+
+<pre>
+
+
+
+
+
+End of the Project Gutenberg EBook of Memorias de um pobre diabo, by
+Bruno Henriques de Almeida Seabra
+
+*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK MEMORIAS DE UM POBRE DIABO ***
+
+***** This file should be named 31906-h.htm or 31906-h.zip *****
+This and all associated files of various formats will be found in:
+ https://www.gutenberg.org/3/1/9/0/31906/
+
+Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images
+of public domain material from Google Book Search)
+
+
+Updated editions will replace the previous one--the old editions
+will be renamed.
+
+Creating the works from public domain print editions means that no
+one owns a United States copyright in these works, so the Foundation
+(and you!) can copy and distribute it in the United States without
+permission and without paying copyright royalties. Special rules,
+set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to
+copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to
+protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. Project
+Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you
+charge for the eBooks, unless you receive specific permission. If you
+do not charge anything for copies of this eBook, complying with the
+rules is very easy. You may use this eBook for nearly any purpose
+such as creation of derivative works, reports, performances and
+research. They may be modified and printed and given away--you may do
+practically ANYTHING with public domain eBooks. Redistribution is
+subject to the trademark license, especially commercial
+redistribution.
+
+
+
+*** START: FULL LICENSE ***
+
+THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE
+PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK
+
+To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free
+distribution of electronic works, by using or distributing this work
+(or any other work associated in any way with the phrase "Project
+Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full Project
+Gutenberg-tm License (available with this file or online at
+https://gutenberg.org/license).
+
+
+Section 1. General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tm
+electronic works
+
+1.A. By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm
+electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to
+and accept all the terms of this license and intellectual property
+(trademark/copyright) agreement. If you do not agree to abide by all
+the terms of this agreement, you must cease using and return or destroy
+all copies of Project Gutenberg-tm electronic works in your possession.
+If you paid a fee for obtaining a copy of or access to a Project
+Gutenberg-tm electronic work and you do not agree to be bound by the
+terms of this agreement, you may obtain a refund from the person or
+entity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8.
+
+1.B. "Project Gutenberg" is a registered trademark. It may only be
+used on or associated in any way with an electronic work by people who
+agree to be bound by the terms of this agreement. There are a few
+things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works
+even without complying with the full terms of this agreement. See
+paragraph 1.C below. There are a lot of things you can do with Project
+Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement
+and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic
+works. See paragraph 1.E below.
+
+1.C. The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation"
+or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project
+Gutenberg-tm electronic works. Nearly all the individual works in the
+collection are in the public domain in the United States. If an
+individual work is in the public domain in the United States and you are
+located in the United States, we do not claim a right to prevent you from
+copying, distributing, performing, displaying or creating derivative
+works based on the work as long as all references to Project Gutenberg
+are removed. Of course, we hope that you will support the Project
+Gutenberg-tm mission of promoting free access to electronic works by
+freely sharing Project Gutenberg-tm works in compliance with the terms of
+this agreement for keeping the Project Gutenberg-tm name associated with
+the work. You can easily comply with the terms of this agreement by
+keeping this work in the same format with its attached full Project
+Gutenberg-tm License when you share it without charge with others.
+
+1.D. The copyright laws of the place where you are located also govern
+what you can do with this work. Copyright laws in most countries are in
+a constant state of change. If you are outside the United States, check
+the laws of your country in addition to the terms of this agreement
+before downloading, copying, displaying, performing, distributing or
+creating derivative works based on this work or any other Project
+Gutenberg-tm work. The Foundation makes no representations concerning
+the copyright status of any work in any country outside the United
+States.
+
+1.E. Unless you have removed all references to Project Gutenberg:
+
+1.E.1. The following sentence, with active links to, or other immediate
+access to, the full Project Gutenberg-tm License must appear prominently
+whenever any copy of a Project Gutenberg-tm work (any work on which the
+phrase "Project Gutenberg" appears, or with which the phrase "Project
+Gutenberg" is associated) is accessed, displayed, performed, viewed,
+copied or distributed:
+
+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
+almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
+re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
+with this eBook or online at www.gutenberg.org
+
+1.E.2. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is derived
+from the public domain (does not contain a notice indicating that it is
+posted with permission of the copyright holder), the work can be copied
+and distributed to anyone in the United States without paying any fees
+or charges. If you are redistributing or providing access to a work
+with the phrase "Project Gutenberg" associated with or appearing on the
+work, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1
+through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and the
+Project Gutenberg-tm trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or
+1.E.9.
+
+1.E.3. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is posted
+with the permission of the copyright holder, your use and distribution
+must comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additional
+terms imposed by the copyright holder. Additional terms will be linked
+to the Project Gutenberg-tm License for all works posted with the
+permission of the copyright holder found at the beginning of this work.
+
+1.E.4. Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg-tm
+License terms from this work, or any files containing a part of this
+work or any other work associated with Project Gutenberg-tm.
+
+1.E.5. Do not copy, display, perform, distribute or redistribute this
+electronic work, or any part of this electronic work, without
+prominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 with
+active links or immediate access to the full terms of the Project
+Gutenberg-tm License.
+
+1.E.6. You may convert to and distribute this work in any binary,
+compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including any
+word processing or hypertext form. However, if you provide access to or
+distribute copies of a Project Gutenberg-tm work in a format other than
+"Plain Vanilla ASCII" or other format used in the official version
+posted on the official Project Gutenberg-tm web site (www.gutenberg.org),
+you must, at no additional cost, fee or expense to the user, provide a
+copy, a means of exporting a copy, or a means of obtaining a copy upon
+request, of the work in its original "Plain Vanilla ASCII" or other
+form. Any alternate format must include the full Project Gutenberg-tm
+License as specified in paragraph 1.E.1.
+
+1.E.7. Do not charge a fee for access to, viewing, displaying,
+performing, copying or distributing any Project Gutenberg-tm works
+unless you comply with paragraph 1.E.8 or 1.E.9.
+
+1.E.8. You may charge a reasonable fee for copies of or providing
+access to or distributing Project Gutenberg-tm electronic works provided
+that
+
+- You pay a royalty fee of 20% of the gross profits you derive from
+ the use of Project Gutenberg-tm works calculated using the method
+ you already use to calculate your applicable taxes. The fee is
+ owed to the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, but he
+ has agreed to donate royalties under this paragraph to the
+ Project Gutenberg Literary Archive Foundation. Royalty payments
+ must be paid within 60 days following each date on which you
+ prepare (or are legally required to prepare) your periodic tax
+ returns. Royalty payments should be clearly marked as such and
+ sent to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation at the
+ address specified in Section 4, "Information about donations to
+ the Project Gutenberg Literary Archive Foundation."
+
+- You provide a full refund of any money paid by a user who notifies
+ you in writing (or by e-mail) within 30 days of receipt that s/he
+ does not agree to the terms of the full Project Gutenberg-tm
+ License. You must require such a user to return or
+ destroy all copies of the works possessed in a physical medium
+ and discontinue all use of and all access to other copies of
+ Project Gutenberg-tm works.
+
+- You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any
+ money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the
+ electronic work is discovered and reported to you within 90 days
+ of receipt of the work.
+
+- You comply with all other terms of this agreement for free
+ distribution of Project Gutenberg-tm works.
+
+1.E.9. If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm
+electronic work or group of works on different terms than are set
+forth in this agreement, you must obtain permission in writing from
+both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael
+Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark. Contact the
+Foundation as set forth in Section 3 below.
+
+1.F.
+
+1.F.1. Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable
+effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread
+public domain works in creating the Project Gutenberg-tm
+collection. Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic
+works, and the medium on which they may be stored, may contain
+"Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or
+corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual
+property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a
+computer virus, or computer codes that damage or cannot be read by
+your equipment.
+
+1.F.2. LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the "Right
+of Replacement or Refund" described in paragraph 1.F.3, the Project
+Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project
+Gutenberg-tm trademark, and any other party distributing a Project
+Gutenberg-tm electronic work under this agreement, disclaim all
+liability to you for damages, costs and expenses, including legal
+fees. YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICT
+LIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSE
+PROVIDED IN PARAGRAPH F3. YOU AGREE THAT THE FOUNDATION, THE
+TRADEMARK OWNER, AND ANY DISTRIBUTOR UNDER THIS AGREEMENT WILL NOT BE
+LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR
+INCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCH
+DAMAGE.
+
+1.F.3. LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover a
+defect in this electronic work within 90 days of receiving it, you can
+receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a
+written explanation to the person you received the work from. If you
+received the work on a physical medium, you must return the medium with
+your written explanation. The person or entity that provided you with
+the defective work may elect to provide a replacement copy in lieu of a
+refund. If you received the work electronically, the person or entity
+providing it to you may choose to give you a second opportunity to
+receive the work electronically in lieu of a refund. If the second copy
+is also defective, you may demand a refund in writing without further
+opportunities to fix the problem.
+
+1.F.4. Except for the limited right of replacement or refund set forth
+in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER
+WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO
+WARRANTIES OF MERCHANTIBILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE.
+
+1.F.5. Some states do not allow disclaimers of certain implied
+warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages.
+If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the
+law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be
+interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by
+the applicable state law. The invalidity or unenforceability of any
+provision of this agreement shall not void the remaining provisions.
+
+1.F.6. INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the
+trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone
+providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance
+with this agreement, and any volunteers associated with the production,
+promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works,
+harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees,
+that arise directly or indirectly from any of the following which you do
+or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm
+work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any
+Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause.
+
+
+Section 2. Information about the Mission of Project Gutenberg-tm
+
+Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of
+electronic works in formats readable by the widest variety of computers
+including obsolete, old, middle-aged and new computers. It exists
+because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from
+people in all walks of life.
+
+Volunteers and financial support to provide volunteers with the
+assistance they need are critical to reaching Project Gutenberg-tm's
+goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will
+remain freely available for generations to come. In 2001, the Project
+Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
+and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations.
+To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
+and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
+and the Foundation web page at https://www.pglaf.org.
+
+
+Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive
+Foundation
+
+The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
+501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
+state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal
+Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification
+number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at
+https://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
+permitted by U.S. federal laws and your state's laws.
+
+The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S.
+Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered
+throughout numerous locations. Its business office is located at
+809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email
+business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact
+information can be found at the Foundation's web site and official
+page at https://pglaf.org
+
+For additional contact information:
+ Dr. Gregory B. Newby
+ Chief Executive and Director
+ gbnewby@pglaf.org
+
+
+Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation
+
+Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide
+spread public support and donations to carry out its mission of
+increasing the number of public domain and licensed works that can be
+freely distributed in machine readable form accessible by the widest
+array of equipment including outdated equipment. Many small donations
+($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt
+status with the IRS.
+
+The Foundation is committed to complying with the laws regulating
+charities and charitable donations in all 50 states of the United
+States. Compliance requirements are not uniform and it takes a
+considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up
+with these requirements. We do not solicit donations in locations
+where we have not received written confirmation of compliance. To
+SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any
+particular state visit https://pglaf.org
+
+While we cannot and do not solicit contributions from states where we
+have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition
+against accepting unsolicited donations from donors in such states who
+approach us with offers to donate.
+
+International donations are gratefully accepted, but we cannot make
+any statements concerning tax treatment of donations received from
+outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff.
+
+Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation
+methods and addresses. Donations are accepted in a number of other
+ways including including checks, online payments and credit card
+donations. To donate, please visit: https://pglaf.org/donate
+
+
+Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic
+works.
+
+Professor Michael S. Hart was the originator of the Project Gutenberg-tm
+concept of a library of electronic works that could be freely shared
+with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project
+Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support.
+
+
+Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed
+editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S.
+unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily
+keep eBooks in compliance with any particular paper edition.
+
+
+Most people start at our Web site which has the main PG search facility:
+
+ https://www.gutenberg.org
+
+This Web site includes information about Project Gutenberg-tm,
+including how to make donations to the Project Gutenberg Literary
+Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to
+subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.
+
+
+</pre>
+
+</body>
+</html>
diff --git a/31906-h/images/a_sousa.png b/31906-h/images/a_sousa.png
new file mode 100644
index 0000000..3f1eefb
--- /dev/null
+++ b/31906-h/images/a_sousa.png
Binary files differ