diff options
| author | Roger Frank <rfrank@pglaf.org> | 2025-10-14 19:56:39 -0700 |
|---|---|---|
| committer | Roger Frank <rfrank@pglaf.org> | 2025-10-14 19:56:39 -0700 |
| commit | e4c14ce522f20d68b508e451d6f025d716c0df3a (patch) | |
| tree | 30b13c70af6d6e8223fe28608439a0c3b7dcff34 /31906-h | |
Diffstat (limited to '31906-h')
| -rw-r--r-- | 31906-h/31906-h.htm | 3018 | ||||
| -rw-r--r-- | 31906-h/images/a_sousa.png | bin | 0 -> 312039 bytes |
2 files changed, 3018 insertions, 0 deletions
diff --git a/31906-h/31906-h.htm b/31906-h/31906-h.htm new file mode 100644 index 0000000..ad5e23e --- /dev/null +++ b/31906-h/31906-h.htm @@ -0,0 +1,3018 @@ +<!DOCTYPE html PUBLIC "-//W3C//DTD HTML 4.01 Transitional//EN" + "http://www.w3.org/TR/html4/loose.dtd"> +<html> +<head> + <title>Memorias de um pobre diabo, por Aritoteles de Sousa</title> + <meta name="Author" content="Aristoteles de Sousa"> + <meta name="Edition" content="Rio de Janeiro. Typographia Perseverança, 1868"> + <meta http-equiv="content-type" content="text/html; charset=iso-8859-15"> + <style type="text/css"> + body{margin-left: 10%; + margin-right: 10%; + } + .pn { + text-indent: 0em; + position: absolute; + left: 92%; + font-size: smaller; + text-align: right; + color: silver; + } + #corpo p{text-align: justify; text-indent: 1em;} + h1 {text-align: center; margin-top: 5em; margin-bottom: 5em;} + h2, h3 {text-align: center;} + #corpo p.ni {text-indent: 0;} + hr {border: 0; border-top: solid 1px #000; width: 90%;} + blockquote {margin-left: 20%; font-size: small;} + .rodape { + font-size: 0.8em; + margin: 2em; + } + a {text-decoration: none;} + </style> +</head> + +<body> + + +<pre> + +The Project Gutenberg EBook of Memorias de um pobre diabo, by +Bruno Henriques de Almeida Seabra + +This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with +almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or +re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included +with this eBook or online at www.gutenberg.org + + +Title: Memorias de um pobre diabo + +Author: Bruno Henriques de Almeida Seabra + +Release Date: April 6, 2010 [EBook #31906] + +Language: Portuguese + +Character set encoding: ISO-8859-1 + +*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK MEMORIAS DE UM POBRE DIABO *** + + + + +Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images +of public domain material from Google Book Search) + + + + + + +</pre> + +<p> </p> + +<div style="text-align:center;"> +<p style="font-size: 2em;">MEMORIAS</p> + +<p>DE</p> + +<p style="font-size: 2.5em;">UM POBRE DIABO</p> + +<p style="font-size: 0.8em;">POR</p> + +<p style="font-size: 1.2em;">ARISTOTELES DE SOUSA.</p> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<p> </p> +<hr style="width: 20%"> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<p><strong>RIO DE JANEIRO</strong></p> + +<p>LIVRARIA LUSO-BRASILEIRA</p> + +<p><small>30—RUA DA QUITANDA—30</small></p> +</div> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<p style="text-align:center;"><img src="images/a_sousa.png" border="0" alt="Aristoteles de Sousa"></p> +<p> </p> + +<p> </p> + +<p style="text-align:center; font-size: 1.6em;">MEMORIAS DE UM POBRE DIABO.</p> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<div style="text-align:center; font-size: 0.8em;"> +<p>Typographia—P<small>ERSEVERANÇA</small>—rua do Hospicio n. 91</p> + +<p>1868</p> +</div> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<div style="text-align:center;margin-left:auto;margin-right:auto;"> +<p style="font-size: 2em;">MEMORIAS</p> + +<p>DE</p> + +<p style="font-size: 2.5em;">UM POBRE DIABO</p> + +<p style="font-size: 0.8em;">POR</p> + +<p style="font-size: 1.2em;">ARISTOTELES DE SOUSA.</p> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<blockquote> + ARISTOTELES DE SOUSA.<br> + <em> Do autor.</em> </blockquote> + + +<p><strong>RIO DE JANEIRO</strong></p> + +<p>LIVRARIA LUSO-BRASILEIRA</p> + +<p><small>30—RUA DA QUITANDA—30</small></p> +</div> + +<p> <span class="pn">{4}<br> +{5}</span></p> + +<div id="corpo"> +<p> </p> + +<h1><a name="SECTION000100">Prologo.</a></h1> + +<p>Pobreza não é vileza. Aviados andariam os vicios se fizessem conta dos +pobres. Por não ser a pobreza vicio, fogem della, até os... escriptores... E +como esperar <em>um pobre diabo</em> que outrem, que não elle, escreva <em>suas +memorias</em>?</p> + +<p>Responda o respeitavel—Publico—, sujeito em quem nesta occasião +não descarrego a mais tremenda das descomposturas por amor á vazão deste +livrinho. Cá me fica ella, porém, de reserva para quando eu haja de escrever +algum <em>juizo critico</em> sobre alheia obra.<span class="pn">{6}</span></p> + +<p>Eis ahi o que é um <em>prologo</em>; em latim—<em>exordium</em>, em +francez—<em>avant-propos</em>, no alemão—<em>Einleitung</em>, no +inglez... <em>foolery</em>, e em as outras linguas como queiram, excepto no +grego quê por fôrça será <em>pro-logos</em>, de <em>logos</em> discurso, +<em>pró</em> antecipado, para se não dizer que embaço.</p> + +<p>Este prologo e os capitulos seguintes são escriptos em portuguez, com perdão +do meu professor de grammatica.<span class="pn">{7}</span></p> + +<p> </p> + +<h1><a name="SECTION000200">PRIMEIRA PARTE.</a></h1> + +<p> <span class="pn">{8}<br> +{9}</span></p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000210">CAPITULO I.</a></h3> + +<p>Vim á luz ao pôr do sol, minutos antes do toque das Ave-Marias. Hora fresca. +No anno em que nasci, não appareceu nenhum cometa por cima de mim. Não requeri +para <em>vir á luz</em> e, ai de nós! se o nascimento dependesse de +um—<em>como requer!</em>—A esta hora meio mundo não teria feito a +barba.</p> + +<p>Do dia do nascimento aos meus oito annos de idade, deram-se mil e uma +circumstancias; notem que não digo—<em>pormenores</em> e aprendam a +evitar um <em>hespanholismo</em>.<span class="pn">{10}</span></p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000220">CAPITULO II.</a></h3> + +<p>Aos doze annos lia, escrevia, contava e até <em>grammaticava</em>, se dou +crédito ao attestado do meu professor, que, nesse tempo, escrevia deste +modo—<em>proFeçôr</em>.</p> + +<p>Ainda noje não atinei como aprendi a lêr, a escrever, a contar e a +grammaticar com um professor, que lia <em>Simeão da Nautica</em> em vez de +<em>Simão de Nantua</em>, orthographava professor d'aquelle modo, contando +pelos dedos quando sommava 3+2+5?!</p> + +<p>Tambem já não tinha medo de almas do outro mundo.</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000230">CAPITULO III.</a></h3> + +<p>Ouçam isto:</p> + +<p>—Senhor meu sobrinho! abeire-se cá, sommemos as nossas contas. Ha dous +mezes esteve vossê de cama, em risco de morrer entrevado, consequencias das +suas sahidas de casa a deshoras; pondo novamente os<span class="pn">{11}</span> +pés na rua foi contrahir uma divida na importancia de oitenta e cinco mil e +quinhentos réis; aqui tenho a nota:</p> + +<table border="0" style="width: 100%" summary="nota da divida"> + <col> + <col> + <col> + <tbody> + <tr> + <td>1</td> + <td>Vestido de cambraia de côr com babados.</td> + <td style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">15$000<br> + </td> + </tr> + <tr> + <td>1</td> + <td>Chale de lã e sêda.</td> + <td style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">10$000<br> + </td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>Dinheiro pedido.</td> + <td style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">6$000<br> + </td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>Juros.</td> + <td style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">2$000</td> + </tr> + <tr> + <td>2</td> + <td>Pares de chinelas de saltinho.</td> + <td style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">6$000<br> + </td> + </tr> + <tr> + <td>1</td> + <td>Peça de morim francez.</td> + <td style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">8$000</td> + </tr> + <tr> + <td>1</td> + <td>Vidro d'agua de Colonia.</td> + <td style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">1$500</td> + </tr> + <tr> + <td>1</td> + <td>Dito de Patchouly.</td> + <td style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">1$000</td> + </tr> + <tr> + <td>1</td> + <td>Pente de tartaruga (imitação).</td> + <td style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">10$000</td> + </tr> + <tr> + <td>1</td> + <td>Pote de pomada.</td> + <td style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">1$000</td> + </tr> + <tr> + <td>1</td> + <td>Par de brincos (ouro de lei).</td> + <td style="text-align:right; border-bottom: solid 1px #000;">25$000</td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">Rs...</td> + <td style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">85$500</td> + </tr> + </tbody> +</table> + +<p class="ni">pagos por mim ao Sr. Moreira, por honra das cinzas de meu irmão. +Não satisfeito com esta compra, que vossê diz ter feito para seu uso, como se +eu fosse algum pato, ave a mais estupida dos gallinheiros, tanto assim que +sempre ouvi chamar <em>pato</em> a quem se deixa levar, sobretudo, pelos +<em>não me-deixes</em> de certas mulheres; não satisfeito, dizia, ha oito dias +recebeu vossê uma <em>sova de peias</em>,<span class="pn">{12}</span> em +resposta aos desaforados versos que dirigio á santa mulher do honrado visinho o +Sr. Onofre. Somme as parcellas, subtrahindo a <em>sova a seu favor</em>, e veja +quanto me resta? O embolso é a sua entrada para a escola de aprendizes +marinheiros.... Vá aprender a ser homem....</p> + +<p>—E os meus estudos, tio? balbuciei.</p> + +<p>—Os seus estudos! replicou elle; o que estuda vossê?</p> + +<p>—Oh tio! o latim....</p> + +<p>—Sim, o latim.... ha quatro annos anda vossê estudando o latim; e o +que sabe delle?</p> + +<p>—Já declino os <em>nominativos</em>, tio....</p> + +<p>Que vergonha! eu chegava aos 16 annos!</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000240">CAPITULO IV.</a></h3> + +<p>O excellente velho era homem de têmpera austera, não lia os jornaes. Se os +lesse teria visto que eu, apezar de haver gasto quatro annos para no cabo +chegar aos nominativos da <em>artinha</em>, por outro lado, dava provas do meu +talento.<span class="pn">{13}</span></p> + +<p>N'aquella idade já o <em>Camarão</em> e o <em>Lagarto</em>, periodicos +<em>literarios</em>, <em>artisticos</em>, <em>politicos</em> e +<em>burlescos</em> publicados então, chamavam a attenção dos leitores, o +primeiro para o meu artigo intitulado <em>O homem deve ser sceptico</em> e o +outro sobre a minha poesia—<em>Ella</em> (á qual meu tio alludio quando +fallou na santa mulher do nosso honrado visinho o Sr. Onofre).</p> + +<p>O meu primeiro escripto que andou em letra redonda foi o artigo. Quem +conhece o gigante pelo dedo, conhecerá o artigo inteiro por este +começar:—«Eil-o cabisbaixo e taciturno fitando o horisonte da +existencia... Esqueleto de crenças resequidas, elle descrê da luz e das trévas, +de si e de todos, etc.»</p> + +<p>O <em>Camarão</em>, sem inquirir como póde a gente <em>cabisbaixa</em> fitar +o horisonte da existencia, e muito menos a que animal pertencera o +<em>esqueleto de crenças resequidas</em>, rematava o encomio ao artigo com +estas palavras de arromba:</p> + +<p>«É de crêr que o joven e talentoso escriptor com o andar do tempo modifique +as doentias idéas, prematuramente bebidas nas fontes de Benedicto Spinosa, J. +J. Rousseau,<span class="pn">{14}</span> Claudio Helvecio, e outros +materialistas. Asseveramos, no entanto, que se este artigo levasse o nome de um +destes autores—seria uma faisca electrica lançada no meio da sociedade; +tal é o vigor dos seus paradoxos...»</p> + +<p>Muito obrigado, aos Srs. Redactores do <em>Camarão</em>.</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000250">CAPITULO V.</a></h3> + +<p>Quando escrevi—<em>O homem deve ser sceptico</em>, eu sabia onde +ficava a fonte de Helvecio, Rousseau, Spinosa e outros, que o <em>Camarão</em> +conhecia igualmente, como no Japão a esta hora se sabe que hontem chegou o +vapor do Norte! Mas tal nomeada de literato consummado ganhei na opinião dos +ledores do <em>Camarão</em>, que a redacção do <em>Lagarto</em>, receiando +desequilibrar a prosperidade, poz logo á minha disposição todas as suas +columnas.</p> + +<p>Respondi á offerta enviando a minha—<em>Ella</em>.</p> + +<p>Tres dias depois, corria ella o mundo,<span class="pn">{15}</span> inserta +na 1.ª columna do 1.º numero da 2.ª serie do periodico, levando na cabeça este +chapelinho:</p> + +<p>«—A redacção do <em>Lagarto</em> sente ineffavel satisfação dando aos +seus assignantes a grata noticia de haver o muito talentoso, muito sympathico e +já assaz conhecido autor do—<em>Homem deve ser sceptico</em>, honrado as +humildes columnas do nosso periodico com o prestigio do seu invejavel nome. A +poesia abaixo inserta, verdadeiro primor da imaginação, fôra o melhor padrão da +gloria de Petrarcha, se Petrarcha a escrevesse. Felicitamo-nos, pois, +reconhecendo que o mavioso poeta deste torrão, reune em si conjunctamente as +qualidades dos cysnes do Senna, do Tejo, de Thebas, de Albião, de Torento, da +Ausonia, etc.» </p> + +<p>Leiam a primeira estrophe <em>d'ella</em>:</p> + +<blockquote> + —Não sei dizer se a flôr da larangeira<br> + É tão formosa, tão gentil, tão bella,<br> + Como a flôr do jardim da phantasia,<br> + A flôr do meu amor, a minha—<em>Ella</em>...</blockquote> + +<p>Quem souber, diga.</p> + +<p>Vim a saber mais tarde que cysne Ausonio<span class="pn">{16}</span> queria +dizer—Virgilio; cysne de Torento—Torquato Tasso; Cysne de +Albião—Miltão; cysne de Thebas—Pindaro; cysne do Tejo—Camões; +cysne do Senna—Lamartine; cysne da... n'uma palavra, que todos os poetas +tem o seu <em>quê de pato</em>.</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000260">CAPITULO VI.</a></h3> + +<p>Peroremos: meu tio não tentára torcer a minha vocação se lesse os jornaes, +ficando provado que se <em>ella</em> fosse outra e não a pessoa da Sra. D. +Balbina, santa mulher do Sr. Onofre, de memoria não saudosa para meus ossos, eu +não teria levado a <em>sova de peias</em> estreando na poesia.</p> + +<blockquote> + —Do berço á tumba só padece o genio!</blockquote> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000270">CAPITULO VII.</a></h3> + +<p>O irmão de meu pai não faltava quando promettia.<span +class="pn">{17}</span></p> + +<p>Era seu dizer de todos os dias que o <em>cumprimento devia andar nas ancas +do prometter</em>, (ditado da maior embirração dos ministros).</p> + +<p>Prometteu-lhe no domingo, cumprio na segunda.</p> + +<p>Sahia-me eu lepido com a <em>artinha</em> debaixo do braço.</p> + +<p>—Aonde vamos? pergunta.</p> + +<p>—A aula; respondo.</p> + +<p>—Não senhor, não é a aula, vamos para o arsenal de marinha... +marche...</p> + +<p>—Eu juro ao tio... gaguejei, esfregando os olhos com as costas da mão, +de ora em diante estudar, como se fosse um boi...</p> + +<p>Tinham-me contado que se os bois fossem homens seriam grandes letrados.</p> + +<p>—Para boi caminha vossê, replica elle, que para bezerro não lhe falta +nada. </p> + +<p>Já estavamos no meio da rua. E a mulher do Sr. Onofre na janella.</p> + +<p>Nem de caso pensado, meu tio foi em direitura. Eu tinha desejado o +contrario... n'aquelle dia bastava eu desejar, para succeder ás avessas, fosse +o que fosse.<span class="pn">{18}</span></p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000280">CAPITULO VIII.</a></h3> + +<p>—Bom dia, vizinha; disse elle parando a um metro de distancia.</p> + +<p>—Deus lhe dê o mesmo; respondeu ella.</p> + +<p>—O vizinho Onofre, está?</p> + +<p>—Sahio.</p> + +<p>—Tinha a dar-lhe boa noticia.</p> + +<p>—Que noticia é, então?</p> + +<p>—A da entrada deste <em>meco</em> para a companhia de aprendizes +marinheiros... além de outros, pelo atrevimento... a vizinha bem sabe...</p> + +<p>Para encobrir o pudor, que me colorio as faces, abri a artinha fingindo +declinar o <em>servus servi</em>, observando de esguelha a vizinha.</p> + +<p>—Por isso não vá agora o vizinho, acudio ella medindo as palavras, +desencaminhar o moço dos estudos.... sabe que... repelli o atrevimento... +Disse—<em>repelli</em>—em tom menor.</p> + +<p>—Desencaminhado anda elle, ha muito tempo, tornou meu tio... Ainda +hontem, fui saber no mercado que o nome deste madraço já corre em +<em>letras</em> de <em>fórma</em>.<span class="pn">{19}</span></p> + +<p>O Sr. Onofre apontou na esquina.</p> + +<p>Patife!</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000290">CAPITULO IX.</a></h3> + +<p>—Perguntava pelo vizinho.</p> + +<p>—Apre! diz o Sr. Onofre, já não se póde em dias de hoje comer +farinha... cára como o assucar... Como vai o rapazete? (continua, dirigindo-me +a palavra). </p> + +<p>Não me pude conter. Tudo quanto quizesse, menos rapazete diante da mulher. +</p> + +<p>—Sr. Onofre, investi, veja como falla!... Rapazete foi o senhor quando +tinha 16 annos; eu aos 16 annos não sou rapazete, sou um homem de muito talento +e escriptor de boa nota e como tal reconhecido pelo <em>Camarão</em> e pelo +<em>Lagarto</em>, fique sabendo, se não sabe lêr. Se o senhor me chama rapazete +porque não tenho barbas, saiba que não faço caso de cabellos, desses +distinctivos do toucinho ordinario, e que não tenho barbas porque não as quero +ter. E de mais, assim como ha mulheres as quaes não sendo do genero<span +class="pn">{20}</span> masculino têm barbas, de igual modo, ha homens os quaes +não sendo do genero feminino não as têm...</p> + +<p>Os circumstantes pasmaram.</p> + +<p>De relance, pensei que meu tio gostara da resposta, quando... zás... +atira-me uma tapona, verdadeira tapona, tapona com todos os ff e rr e mais esta +addenda:</p> + +<p>—Leve, malcriado, para môlho do <em>Camarão</em> mais do seu +<em>Lagarto</em>.</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0002100">CAPITULO X.</a></h3> + +<p>Atirando o Antonio Pereira pelos ares, deixando voar o chapéo, deitei a +correr pela rua fóra, enfiando-me pelo primeiro becco, como navio fugindo do +temporal pela primeira enseada.</p> + +<p>Abençoado becco!</p> + +<p>Abençoadas pernas!</p> + +<p>Abençoados oitenta e cinco mil e quinhentos réis, pagos por meu tio ao Sr. +Moreira!</p> + +<p>Abençoado tambem seja o dito Sr. Moreira, pelo bom conceito, que fez do meu +credito!<span class="pn">{21}</span></p> + +<p>Bem empregados oitenta e cinco mil e quinhentos réis dispendidos +comtigo,—Aurora!</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0002110">CAPITULO XI.</a></h3> + +<p>Na aurora da vida, ao alvorecer do amor, a primeira mulher que amei +chamava-se—Aurora!</p> + +<p>Como é poetica esta coincidencia, e como ficou bem phraseada! Quando eu for +homem celebre ahi fica o thema para uma Epopéa.</p> + +<p>Aurora morava no becco!</p> + +<p>Relatei-lhe a occurrencia, guardando reserva ácerca da tapona.</p> + +<p>Para ganhar mais no seu coração, fallei nos oitenta e cinco mil e quinhentos +réis, acrescentando, se eu tal adivinhára houvera empenhado na loja do Sr. +Moreira todos os teres e haveres de meu tio.</p> + +<p>O galanteio influe naturalmente no coração da mulher, soube aos 16 annos, +antes de saber latim, e, conseguintemente, antes de lêr Ovidio.</p> + +<p>O numero do <em>Camarão</em> onde vinha inserto<span class="pn">{22}</span> +o meu artigo <em>O homem deve ser sceptico</em>, e o do <em>Lagarto</em> onde +vinha a <em>Ella</em>, andavam comigo como talismans. Tirei do bolso o +<em>Lagarto</em> e dei a Aurora para lêr os versos, declarando serem feitos +quando pensava n'ella.</p> + +<p>A rapariga ainda ignorava mais essa prova de amor, (que tão cara me sahira +quando a dei á visinha).</p> + +<p>A ultima quadra commoveu-a de uma vez: tambem era o <em>sentimentalismo</em> +metrificado.</p> + +<p>Que peito de mulher não commoverá esta quadra:</p> + +<blockquote> + «Sê minha? Serei teu.... abre-me os braços....<br> + Voemos deste mundo.... Sacuras<br> + Fujamos do paul.... vamos, querida,<br> + Fazer o nosso ninho nas alturas?! </blockquote> + +<p>Aurora lia soletrando palavra por palavra. Quando acabou de lêr eu estava +com fome. Davam tres horas da tarde:</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0002120">CAPITULO XII.</a></h3> + +<p>Eu contava 16 annos.</p> + +<p>Aurora cerca de 26. <span class="pn">{23}</span></p> + +<p>Meu tio ignorava o rumo, que eu tomara, em seguida a tapona; Aurora não +tinha a quem désse contas do rumo e nem quem lhe désse taponas.</p> + +<p>Eu precisava de <em>credito</em> no coração de Aurora; Aurora +<em>creditava</em> meu amor...</p> + +<p>N'uma palavra, se me afiançam dous dias, tão saudosos, como os que passei ao +abrigo de Aurora, vá feito, aceito uma tapona de tres em tres dias... Não posso +ser mais rasoavel.</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0002130">CAPITULO XIII.</a></h3> + +<p>Verdade lizas diziam os antigos, diziam elles: <em>hospede ao terceiro dia +fede.</em></p> + +<p>Na casa do proprio amor, tres dias depois, não cheira o hospede.</p> + +<p>Ao quarto dia, me disse Aurora:</p> + +<p>—Não te amuas comigo?</p> + +<p>—Porque? perguntei.</p> + +<p>—Se eu te disser a verdade?</p> + +<p>—Não.</p> + +<p>—És um <em>empecilho</em>...</p> + +<p>—Só?<span class="pn">{24}</span></p> + +<p>—E é pouco?</p> + +<p>Era de facto assaz. Puz-me a pensar.</p> + +<p>—No que pensas? tornou ella.</p> + +<p>—Na cousa mais simples deste mundo.</p> + +<p>—Qual?</p> + +<p>—N'um chapéo...</p> + +<p>—Por fallares em chapéo, de quem será um, que anda pelo sotão?</p> + +<p>—Poderá ser meu... anda vêr...</p> + +<p>A rapariga não se deixou rogar. Lesta foi, lesta voltou.</p> + +<p>—É justamente meu, clamei, antes de pôr o chapéo na cabeça.</p> + +<p>O chapéo era tanto meu como de quem me ouve. Ficava-me na cabeça por muito +obsequio.</p> + +<p>—Acautela-te, acudio Aurora, olha que elle quer subir...</p> + +<p>—Aurora, lhe disse com seriedade, toma um beijo... é tudo quanto posso +dar-te, como lembrança de minha gratidão...</p> + +<p>Ao proferir a palavra gratidão—cresceu-me o nó da garganta.</p> + +<p>—Não me deves nada, meu querido, respondeu a meia voz. Eu sinto muito +mas... tu sabes...<span class="pn">{25}</span></p> + +<p>—Sei... tens razão... adeus...</p> + +<p>Beijamo-nos...</p> + +<p>—Tornas ao tio?</p> + +<p>—Torno.</p> + +<p>Sahi.</p> + +<p>—Pois, se tornares ao tio, rematou ella fechando a porta, apparece por +aqui de quando em quando...</p> + +<p>—Se tornares ao tio, repeti a mim mesmo, sim! se tornares ao tio, isto +é, quando tiveres casa, a minha estará as tuas ordens... Agradecido, Aurora.</p> + +<p>No entanto, Aurora tinha coração.</p> + +<p>Assim houvesse ella juizo.</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0002140">CAPITULO XIV.</a></h3> + +<p>Entrei em casa com cara de quem voltava da missa.</p> + +<p>Meu tio estava almoçando.</p> + +<p>—Quem é? perguntou ouvindo os meus passos, e sem volver os olhos.</p> + +<p>—Sou eu... tio... respondi, entre dentes.<span +class="pn">{26}</span></p> + +<p>—Quem?</p> + +<p>—O Sr. moço; respondeu por mim Nicoláo.</p> + +<p>—Senta-te, meu filho; o almoço não se diminuio, nem o jantar... nem o +amor. Disse com natural bondade.</p> + +<p>A minha cadeira estava como d'antes á sua esquerda, o talher e o prato no +lugar do costume.</p> + +<p>Sentei-me e cruzei os braços como um penitente.</p> + +<p>Meu tio continuou a almoçar sem dar palavra.</p> + +<p>Eu tinha almoçado no becco...</p> + +<p>Nicoláo trouxe a nata, sobremesa que meu tio nunca dispensava ao almoço. +Regeitou-a. O preto carregou as sobrancelhas admirado. Pôz-lhe o café na +chicara; sorveu-o e, emfim, levantou-se.</p> + +<p>Levantei-me tambem.</p> + +<p>—Agora venha esta sobremesa, melhor que todas as natas, disse abrindo +os braços.</p> + +<p>Atirei-me n'elles como o prodigo nos de seu pae.</p> + +<p>Solucei devéras, pela primeira vez em dias de minha vida.<span +class="pn">{27}</span></p> + +<p>Tambem pela primeira vez a modo que vi lagrimas nos olhos de meu tio.</p> + +<p>Este capitulo ia tomando fórma de <em>eça</em>?</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0002150">CAPITULO XV.</a></h3> + +<p>Nasceram-me n'aquelle dia os dentes do siso.</p> + +<p>Oito mezes depois, fui examinado e aprovado <em>cum laude</em> em latim e +francez. Após dous annos, em geographia e historia, philosophia, rhetorica e +lingua tupy. Presidio aos exames um bispo.</p> + +<p>As pitadas de algebra e geometria, inglez, physica e chimica, tomei-as mais +tarde aqui no Rio de Janeiro.</p> + +<p>Reunindo tudo o que sei, fico sabendo conscienciosamente que careço aprender +tudo de novo, menos o methodo de passar por sabio.</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0002160">EPILOGO DA PRIMEIRA PARTE.</a></h3> + +<p>Os ultimos dias dos meus dezenove annos correram nesta côrte.<span +class="pn">{28}</span></p> + +<p>Meu tio já havia fallecido quando deixei o torrão natal:</p> + +<p>A santa mulher do Sr. Onofre enviuvado segunda vez:</p> + +<p>O redactor em chefe do <em>Camarão</em>, pedido demissão de supplente de +delegado de policia, por desaccordo politico com o redactor do +<em>Lagarto</em>, que se fizera genro do delegado.</p> + +<p>Se as cousas não pararam alli, a esta hora o delegado está avô de alguns +netos, estes inspectores de quarteirão e a Sra. Balbina viuva pela quinta vez. +</p> + +<p>Mulher de nome Balbina, perca as esperanças, comigo não casa.<span +class="pn">{29}</span></p> + +<p> </p> + +<h1><a name="SECTION000300">SEGUNDA PARTE.</a></h1> + +<p> <span class="pn">{30}<br> +{31}</span></p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000310">CAPITULO I.</a></h3> + +<p>Devo muito ao Rio de Janeiro, não é por estar na sua presença.</p> + +<p>Ha um sentimento que eleva o cão acima de muitos homens: o reconhecimento do +bem que se lhe faz.</p> + +<p>Verdade, verdade; por esse lado, corro parelhas com a parentella de +Pythagoras, cada vez mais numerosa, apezar das <em>bolas</em>.</p> + +<p>Quando cheguei a esta capital, contava ella apenas <em>seis peccados +mortaes</em>; dias depois, prefazia o numero dos indicados na cartilha.<span +class="pn">{32}</span> </p> + +<p>Não vim prefazer o setimo, como já pensaram; foi o ministerio n. 7, que se +criou depois da minha chegada.</p> + +<p>De haver a minha estrella influido para essa <em>criação</em>, é que não é +nenhum juizo temerario, caipora depois de mim, só eu mesmo.</p> + +<p>Isto não é politica.</p> + +<p>Lembro-me que o programma do <em>Camarão</em> rematava assim (<em>vide esse +periodico n. 1, I.ª colum. ultimas linhas</em>).</p> + +<p>«Não somos politicos; a politica é uma escada; os <em>tolos</em> são os +degráos por onde os <em>ladinos</em> sobem....»</p> + +<p>Bem bonita definição.</p> + +<p>«Não somos <em>tão tolos</em>, continuava a rezar o programma, que de nós +deixemos fazer degráos, nem <em>tão ladinos</em> que queiramos subir.»</p> + +<p>Linda epigraphe para a testa de um <em>jornal</em> intitulado <em>O +modesto</em>.</p> + +<p>E, pois, nunca fui <em>tão tolo</em> nem <em>tão ladino</em>, isto é, +<em>politico</em>.</p> + +<p>O que eu aspirava <em>ex-corde</em>, dos <em>seios da alma</em>, como hoje +dizem, dando a alma a propriedade de <em>amas de leite</em>, era ser +<em>literato</em>.<span class="pn">{33}</span></p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000320">CAPITULO II.</a></h3> + +<p>Ser literato... fosse como fosse, custasse o que custasse, desse no que +desse, era o meu diuturno desejo.</p> + +<p>Sahi do torrão natal no firme proposito de estudar <em>mathematicas</em> e +os primeiros livros que comprei nesta côrte foram o <em>Diccionario +poetico</em>, por Candido Lusitano e o das <em>Rimas</em> por Beltrano de Tal +Guerreiro.</p> + +<p>Eu era um <em>montão de poetas</em> a um só tempo, não se enganara o +<em>Lagarto</em>.</p> + +<p>Todas as paixões me ferviam dentro da alma, como a um tempo fervem muitas +panellas n'um só fogão.</p> + +<p>Na segunda feira, eu era poeta sceptico e crente; na terça, ascetico e +materialista; na quarta, pudico e licencioso, e d'ahi até o domingo, mais seis +poetas extremamente oppostos.</p> + +<p>Animações choviam.</p> + +<p>Os <em>jornaes diarios</em> e <em>periodicos</em>, a partir dos mais +rispidos e terminando na benevolentissima <em>Marmota Fluminense</em>, me +gritavam <em>avante</em>!<span class="pn">{34}</span></p> + +<p>Se eu dava á luz uma poesia recendendo scepticismo—é Byron, é +Voltaire... diziam elles; se asceticismo—é o novo padre Caldas, é Racine +(pai e filho), é o nosso David... se materialismo—é, outra vez, Byron, +Piron, Parny... se tristeza—André Chénier e mais quatro; se +facecia—é Bocage, Diniz e não sei quaes mais... se pudicicia e amor, não +tem que vêr,—é Bernardim Ribeiro e até Sapho! se epigramma—é +Juvenal, é Marcial, é Nicoláo Tolentino e mais tres vivos, sendo um destes o +meu amigo Faustino Xavier de Novaes... se... o menos que me chamaram foi +Homero!</p> + +<p>E o echo repercutia pelos angulos do imperio—Homero!</p> + +<p>Estavam cumpridas as prophecias do <em>Camarão</em> mais do +<em>Lagarto</em>: na minha vanguarda não se via outro literato mais consummado. +</p> + +<p>E quando ao por do sol, do postigo das minhas aguas-furtadas, eu percorria +in mente as paginas da literatura de todas as nações partindo do 1.º até o 19.º +seculos, eu desdenhava os genios com a sobranceria do Pão d'Assucar +contemplando as microscopicas ilhas<span class="pn">{35}</span> dispersas pelo +oceano, como pés de repolhos á tona d'agua.</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000330">CAPITULO III.</a></h3> + +<p>Aos vinte e dous annos colleccionei meus manuscritos que, impressos, dariam +tres volumes, inclusive versos e prosas, romances e dramas, comedias e algumas +maximas.</p> + +<p>Dirigia-me ao prélo com os originaes do primeiro volume (poesias), quando +encontrei o maior enthusiasta e admirador do genio que o céo cobre, moço de 25 +annos de idade, bacharelado em letras pelo collegio de Pedro II.</p> + +<p>—Que andas fazendo, meu poeta? perguntou elle.</p> + +<p>—Vou á typographia, respondi.</p> + +<p>—O que estás imprimindo?</p> + +<p>—As minhas obras, disse enchendo a bocca....</p> + +<p>—Meus parabens, a ti e ao Brazil. Ora, graças a Deus! vamos ter uma +literatura patria.<span class="pn">{36}</span></p> + +<p>Enguli a pilula sem difficuldade, como outros muitos a—tem engulido +depois de mim.</p> + +<p>—Quantos volumes?</p> + +<p>—Tres.</p> + +<p>—Só?! clamou admirado.</p> + +<p>Como se aos vinte e dous annos de idade tres volumes de asneiras não +bastassem.</p> + +<p>—E quando sahem?</p> + +<p>—Breve, aqui levo os originaes do primeiro volume.</p> + +<p>—Permittes?....</p> + +<p>—Pódes vêr.</p> + +<p>O bacharel, meu amigo e enthusiasta, depois de varrer duas vezes com os +olhos os originaes, assim se exprimio, como quem entendia do riscado.</p> + +<p>—O titulo abrange o <em>totum</em>; direi até—este titulo foi +inspirado e leu.</p> + +<p> </p> + +<p style="text-align: center;" class="ni">«<em>Horas incertas<br> +Versos, prosas e comedias,<br> +Dramas, maximas e pensamentos<br> +do<br> +Exilio.</em>»</p> + +<p> </p> + +<p>—É como digo, proseguio; isto que é<span class="pn">{37}</span> saber +achar um titulo. Horas incertas! quanta profundeza nestas duas palavras +<em>horas incertas!...</em> Se as horas da vida são incertas, mais incertas são +as horas do genio....</p> + +<p>(Sim, porque o genio não tem horas certas, é da sua indole não saber nunca a +quantas anda.)</p> + +<p>—Concedes-me uma observação.</p> + +<p>—Faze-a.</p> + +<p>—Gósto de tudo isto, tudo isto é grande, menos a epigraphe. Esta +epigraphe não cabe nas obras de um genio.... E leu a epigraphe:</p> + +<p> </p> + +<p>«Joios da adolescencia levados á praça pela precisão.»</p> + +<p> </p> + +<p>—Joios! chamar joios a um celeiro de trigo são! e depois, levados á +praça pela precisão! que significa isto?</p> + +<p>—Eu te explico....</p> + +<p>—Não pergunto por ignorar o teu pensamento; sinto-lhe a essencia; sei +o que tu queres dizer: levados á praça pela precisão, todos entenderão a +elipse, pela precisão de... voar... sim, de voar, porque o genio precisa voar +como a aguia, como o condor. Os malevolos, porém e invejosos cujas linguas<span +class="pn">{38}</span> não poupam os genios, esses dirão ser a precisão de +dinheiro, apezar de todos saberem que tu de dinheiro não precisas...</p> + +<p>Estavam adiantados! era justamente do que eu mais precisava<a +name="tex2html1" href="#foot241"><sup>[1]</sup></a>.</p> + +<p>—Ou precisas? perguntou com ar de quem responderia sentir muito não me +poder servir na occasião, se lhe eu respondesse pela affirmativa.</p> + +<p>—Ora... desdenhei. Eu lá careço de dinheiro!</p> + +<p>—Se precisas, tornou animadamente, não faças ceremonia comigo.</p> + +<p>E sem esperar pelo <em>muito obrigado</em>, continuou.</p> + +<p>—O estylo é o homem, disse Buffon; por minha vez tambem digo: o nome +do autor é a epigraphe do seu livro; tu não te deves rebaixar deitando outra +epigraphe nas tuas obras que não teu proprio nome.</p> + +<p>Á vista disto, chegando ao prélo borrei a epigraphe.<span +class="pn">{39}</span></p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000340">CAPITULO IV.</a></h3> + +<p>Já se achava quasi finda a impressão do primeiro volume, quando em um bom +dia recebi este bilhete traçado a lapis:</p> + +<p>«Illm. Sr.—Vou suspender a impressão das suas poesias, até que V. S. +satisfaça a importancia de 113$500 das ultimas folhas impressas.»</p> + +<p>Subi ás nuvens. O recadinho vinha escripto no reverso da prova de uma das +minhas mais mimosas poesias.</p> + +<p>Tomei a penna e desanquei o recado com esta resposta:</p> + +<p>«Illm. Sr.—Que eu deva não admira, todos os autores celebres têm +contrahido dividas com a imprensa, e sabem todos que a machina inventada por +Guttemberg não é simplesmente machina de imprimir, é tambem <em>machina de +abonar o credito dos homens</em>. O que, porém, admira até os calcanhares é um +sectario de Guttemberg menospresar a seiva, digamos assim, de que se nutre a +imprensa, isto é, os fructos da intelligencia. V. S. é um renegado, queira +perdoar. Commetteu<span class="pn">{40}</span> crime de +leza-literattura-nacional traçando o seu recado nas costas, digo, no reverso da +prova da minha poesia intitulada a <em>Piroga</em>! Suspenda, portanto, a +continuação da impressão do meu volume, até minha segunda ordem.»</p> + +<p>Levou a lição!</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000350">CAPITULO V.</a></h3> + +<p>Em verdade, eu devia ao prélo cento e treze mil e quinhentos réis.</p> + +<p>Do que me gabo hoje é que, actualmente nas typographias, o credito dos +escriptores não monta áquella quantia.</p> + +<p>—Diabo!.. ruminei, alguns jornaes já annunciaram o proximo +apparecimento de minhas poesias: se não satisfaço a conta pára a impressão; se +a impressão pára, começam os typographos a decorar os versos impressos... elles +então que são <em>cantadores de modinhas</em>! e decorados, adeus novidade! +Ruminando na solucção do imprevisto embaraço, fui interrompido pelo padre +Severino. Conhecem-o?</p> + +<p>Eu tambem já o-conhecia.<span class="pn">{41}</span></p> + +<p>O reverendo entrou pelo meu habitaculo clamando:</p> + +<blockquote> + —Leva-me preso comtigo<br> + N'um fio dos teus cabellos! </blockquote> + +<p>—Glose este motte, meu poeta.</p> + +<p>Nós já nos não respeitavamos.</p> + +<p>—Ouça isto, foi proseguindo:</p> + +<blockquote> + Não se sabe apartar quem ama e pena,<br> + E quem nisto é mais fraco, este é mais forte;<br> + A dôr da mesma morte é mais pequena,<br> + Que quem morre melhora muito a sorte;<br> + Quem morre acaba o mal, quê toda a pena<br> + Dura co'a vida sem passar da morte:<br> + Maior pena padece o que está ausente,<br> + Pois morre de saudade e morto sente.</blockquote> + +<p>—O que acha?</p> + +<p>—Que li algures...</p> + +<p>—Onde homem? isto é meu e muito meu. Pensa vossê que só faz versos? +Por mais prosa que a gente seja, batendo-lhe devéras o coração, torna-se poeta. +Adivinhe o que me succedeu?</p> + +<p>—Suspenderam-lhe as ordens...</p> + +<p>—Assim fosse; cousa mais seria; partio para a Bahia a +Mariquinhas...<span class="pn">{42}</span> </p> + +<p>—Qual dellas? o padre falla em tantas...</p> + +<p>—A da rua da Lapa, a unica Mariquinhas, que tenho confessado, de olhos +azúes. O marido foi removido.</p> + +<p>—Coitado do homem!</p> + +<p>—Faça idéa do meu pezar ao receber esta noticia, chegando hontem de +Petropolis.</p> + +<p>—Avalio!</p> + +<p>—Vossê, deve escrever um artigo contra o ministerio, tosando a valer o +ministro da fazenda. Isso é cousa que se pratique, remover d'aqui para alli e +sem porquê um pobre empregado publico?</p> + +<p>—E de mais a mais casado!...</p> + +<p>—E querem moralidade, e exigem honradez da pobreza obrigando-a a fazer +sacrificios... escreva o artigo, mostre tambem saber prosa.</p> + +<p>—Mas, padre, porque não o-escreve vossê, que é o interessado?</p> + +<p>—Muito obrigado! então vossê porque não é padre, não se interessa +pelos seus semelhantes?</p> + +<blockquote> + <em>Non sibi soli se natum homo</em><br> + <em>Meminerit...</em></blockquote> + +<p>Seja menos egoista meu poeta, e glose o motte:<span +class="pn">{43}</span></p> + +<blockquote> + Leva-me preso comtigo<br> + N'um fio dos teus cabellos,</blockquote> + +<p class="ni">que é para eu remetter com aquella oitava a Mariquinhas. Quero +uma decima triste, triste como o <em>miserere</em>.</p> + +<p>—Temos outra. Pois se o padre é quem está triste, porque não compõe a +glosa?</p> + +<p>—Porque tenho que pregar um sermão na quinta-feira, o vapor sahe +amanhã para a Bahia e hoje é terça.</p> + +<p>—Pois eu, reverendo, não terei cabeça para glosar motte algum, +emquanto não resolver este problema: cento e treze mil e quinhentos réis, que +devo, estão para o que tenho, como o que tenho está para X...</p> + +<p>E ficamos a olhar um para o outro, durante cinco minutos.</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000360">CAPITULO VI.</a></h3> + +<p>—É como conto, tornei interrompendo o silencio, devo cento e treze mil +e quinhentos réis e não possuo um real para chamariz dos outros.</p> + +<p>—A quem deve?<span class="pn">{44}</span></p> + +<p>—Á typographia onde estou imprimindo as minhas poesias.</p> + +<p>—Vossê ha de ter algum amigo, que lhe empreste essa quantia, nem por +isso é grande.</p> + +<p>—Empresta-m'a o padre?</p> + +<p>—Eu? pobre de mim! Meu caro, nós os padres não ganhamos, como +vulgarmente se pensa, mundos e fundos. Quantas vezes tenho, em vez de +encommendar á Deus, encommendado ao diabo algumas almas... uma encommendação +por dous mil réis só feita ao diabo! Já não se póde viver nesta côrte, +acredite-me, encommendando; e por fallar nisto, vou vêr se fallo ao vigario +capitular, quero conseguir ao menos, a nomeação de vigario encommendado. Até +breve, meu poeta. Tomára já vêl-o em outra posição.</p> + +<p>E sahio.</p> + +<p>E que me dizem?...</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000370">CAPITULO VII.</a></h3> + +<p>Suggerio-me á mente uma ideia a visita do padre. Havia elle, dias antes, +publicado<span class="pn">{45}</span> um estirado artigo relativamente á +instrucção publica e com particularidade á <em>desmoralisação do clero</em>. +Quanto a esta não sei se fallou de cadeira, lá quanto á instrucção deixou +impressas mil barbaridades. </p> + +<p>—Se o conselho da instrucção publica, pensei, mandasse admittir nas +escolas as minhas maximas? E porque não? As de La Rochefoucauld são muito +sediças; as do marquez de Maricá inadmissiveis por extensas; as de Vauvenargues +ninguem ainda leu; as do conselheiro Bastos ultramontanas exageradas; as de +Montesquieu são carapuças politicas; as... as minhas são modernas... e, +approvadas pelo conselho da instrucção publica, editores não faltarão.</p> + +<p>Estava dada solução ao embaraço dos cento e treze mil e quinhentos; vendi, +in-mente, a primeira edição das maximas.</p> + +<p>Nesse mesmo dia fiz o requerimento ao conselho da instrucção publica +remettendo os originaes. As sommas das maximas montava ao numero 1250, sendo +algumas rimadas e outras anotadas—entre parenthesis.</p> + +<p>Apreciem-me por esse lado, emquanto avio a lavadeira, que chega a +pello.<span class="pn">{46}</span></p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000380">CAPITULO VIII.</a></h3> + +<p>A V<small>IDA</small>:—A vida é um <em>pique-nique</em>, e nós, ainda +os mais refinados caloteiros, havemos de pagar o nosso <em>escote</em> á morte. +</p> + +<p>(Para these dos sermões de quarta feira de cinza não conheço outra. O +<em>memento homo</em> já não produz nada...)</p> +<hr style="width: 20%;"> + +<p>V<small>ERDADE</small>:—Uma verdade é uma mentira ás avessas.</p> + +<p>(Difinição a mais clara possivel).</p> +<hr style="width: 20%;"> + +<p>D<small>ISPENSA</small>:—<a name="tex2html2" +href="#foot277"><sup>[2]</sup></a>A mulher que pensa<br> +Engorda a dispensa.</p> + +<p>(E a familia toda. Na casa das minhas avós até as baratas da dispensa eram +gordas, não fallando nos ratos).</p> +<hr style="width: 20%;"> + +<p>A<small>MOR</small>:—O amôr<br> +Não tem côr.</p> + +<p>(Neguem, se são capazes).<span class="pn">{47}</span></p> +<hr style="width: 20%;"> + +<p>A<small>MAR</small>:—Quem ama perdoa,<br> +E não vive á toa.</p> +<hr style="width: 20%;"> + +<p>C<small>IDADÃO</small>:—O cidadão deve ser para a patria o que o +menino é para a escola.</p> + +<p>(Conhecem moralista mais governista?)</p> +<hr style="width: 20%;"> + +<p>F<small>ALLAR</small>:—Quanto menos fallares ao jantar,<br> +Menos fome terás ao ceiar.</p> + +<p>(Lição altamente economica).</p> +<hr style="width: 20%;"> + +<p>C<small>HÁ DO VISINHO</small>:—Ha pessoas que tem quebrado muitas abas +de chapéo fino e sujado muitas luvas de pellica—pela obrigação de uma +chicara de chá do visinho.</p> + +<p>(Conheço tres duzias).</p> +<hr style="width: 20%;"> + +<p>P<small>ROSPERIDADE HUMANA</small>:—Prosperaria mais a humanidade, se +os padres semeassem trigo em vez de absurdos.</p> + +<p>(Não creio nisso; escrevi a maxima para bolir com o padre Ventura, que então +ainda vivia.)</p> +<hr style="width: 20%;"> + +<p>C<small>ONDECORAÇÕES</small>:—Se as condecorações estimulassem o +caracter para o bem, a esta hora no Brasil não haveria máos caracteres.<span +class="pn">{48}</span></p> + +<p>(Negarei a paternidade desta maxima, quando fôr commendador).</p> +<hr style="width: 20%;"> + +<p>B<small>APTISMO</small>:—O baptismo só é util pelo lado da +estatistica.</p> + +<p>(Esta é para bolir com o padre Severino.)</p> +<hr style="width: 20%;"> + +<p>A<small>THEO</small>:—O atheo é um ente tão desprezivel, que, não +achando entre os homens quem queira ser seu inimigo, faz-se inimigo de Deus.</p> + +<p>(Esta salva as memorias da condemnação do index).</p> + +<p>& & & & & & & & & & & &</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000390">CAPITULO IX.</a></h3> + +<p>Primeiro que as maximas obtivessem despacho, recebi da minha terra uma carta +do muito probo Sr. Silva, cognominado pelo vulgo o <em>tira pelle</em>, +negociante com armazem de <em>seccos e molhados</em> na travessa da Forquilha. +</p> + +<p>Recommendo este estabelecimento aos que procuram do bom e barato.<span +class="pn">{49}</span></p> + +<p>O vulgo, que sempre ha de mostrar ser vulgo, cousa baixa e vil e mais baixa +e mais vil depois das eleições concluidas, cognominára <em>tira pelle</em> a +esse honrado cavalheiro por um facto, que, em seu nome, justificarei.</p> + +<p>O Sr. Silva nunca tirou nem pretendeu tirar o couro, quanto mais a pelle, á +ninguem.... obrigaram-o a isso.</p> + +<p>O meu amigo, actualmente negociante matriculado, começou a vida refinando +assucar. Honra lhe seja feita, antes principiar a vida refinando assucar do que +leval-a ao cabo na qualidade de refinado vadio, ou refinadissimo velhaco.</p> + +<p>Achava-se certa vez na sua labutação, quando apparece na cosinha um +individuo, que entrou pela casa como se fosse o dono.</p> + +<p>—Sr. Silva! diz o individuo com má catadura.</p> + +<p>—Bom dia, Sr. Alves, acode o laborioso refinador; e foi continuando a +mecher o tacho com a grande escumadeira.</p> + +<p>—Não temos cá bons dias! replica Alves. Quero que diga, quantas +arrobas de mascavo-claro mandei refinar.</p> + +<p>—Cinco, respondeu o refinador.<span class="pn">{50}</span></p> + +<p>—Justas, cinco; e quantas enviou?</p> + +<p>—Quatro e meia.</p> + +<p>—Justas, quatro e meia. Quatro e meia, sim, quatro e meia.... porém, +duas e meia de assucar e as outras do que, Sr. Silva?</p> + +<p>—Tambem de assucar, está claro.</p> + +<p>—De assucar.... de assucar, êim, Sr. Silva? Digo-lhe, todavia, que +entendo de refinação....</p> + +<p>—Não duvido.</p> + +<p>—Duvide ou não duvide, o que digo, digo. E quando digo que cinco +arrobas de assucar são cento e sessenta libras, é porque sei que uma arroba, +seja lá do que fôr, tem trinta e duas libras. Ora, sendo certo, como é +incontestavel, que cada arroba de mascavo-claro perde na refinação, quando +muito cinco libras, é porque tambem sei que em cinco arrobas perderá vinte e +cinco, já que a taboada quer que cinco vezes cinco sejam vinte e cinco.</p> + +<p>—Noves fóra sete, diz rindo-se Silva.</p> + +<p>—Não preciso que o senhor me ensine a tirar os <em>noves fóra</em>, o +que preciso é saber como é isto....</p> + +<p>—O que? pergunta o outro.</p> + +<p>—Que devendo eu, por consequencia, receber<span class="pn">{51}</span> +quatro arrobas e sete libras de assucar refinado, recebi quatro arrobas e +meia?</p> + +<p>—Está-se mettendo pelos olhos; é que mandei nove libras de mais, +segundo a sua taboada.</p> + +<p>—A taboada não é minha, Sr. Silva! brada Alves, enfurecendo-se mais. A +taboada é de todo o mundo, entendeu?</p> + +<p>—Entendi... entendi... responde o meu amigo com santa calma.</p> + +<p>—O que é meu é o calculo, e, conforme calculei, entre as quatro e meia +arrobas de assucar, foram duas de arêa, fique sabendo de arêa...</p> + +<p>—De arêa? acode o refinador cahindo das estrelas; essa agora é sua... +ou então o portador...</p> + +<p>—Não temos aqui portador nem portadores. Os meus caixeiros são homens +de bem, e o senhor devia saber que, sendo meu freguez o presidente da camara, +mais dia menos dia, eu seria multado pela sua... e engulio a palavra.</p> + +<p>—Solte a palavra... brada Silva.</p> + +<p>—A palavra é ladroeira, responde Alves.</p> + +<p>—Então sou ladrão? Diga, se é capaz, sou ou não sou?<span +class="pn">{52}</span></p> + +<p>Alves não se intimidou e asseverou;</p> + +<p>—É, é, e é ladrão, e ladrão refinado...</p> + +<p>O meu amigo não podia ser mais prudente do que o foi até alli. A prudencia, +porém, tem o seu termo. Alves não previu que, obrigando o honrado refinador a +sahir fóra do termo da prudencia uma pollegada, sugeitava-se a receber, como +recebeu, na cara a escumadeira impregnada de assucar em calda a ferver. Sem +esperar repetição da dóse, Alves sahio vendendo mel ás canadas.</p> + +<p>Quinze dias depois tinha a mesma cara, menos a pelle.</p> + +<p>Propalado o caso, deu-se ao meu amigo o cognome citado, que nada teve com a +substituição do assucar trocado por arêa, como prova a carta a qual me repórto. +</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0003100">CAPITULO X.</a></h3> + +<p>Eis a carta em capitulo separado.</p> + +<p>«Illm. Sr. (<em>Historica.</em>)</p> + +<p style="text-align: right;">Presadissimo amigo. </p> + +<p>«Inclusa remetto a V. S. uma letra saccada<span class="pn">{53}</span> a seu +favor sobre a casa Souto & C., dessa côrte, obsequio que faço a sua +madrinha de baptismo, viuva do seu padrinho, ultimamente fallecido. Sendo-lhe +deixada em testamento pelo dito fallecido, pelo que aceite os meus pezames, a +quantia de 450$000, a letra vai saccada no valor de 437$820 por +<em>subtração</em> a que tenho direito de 12$180, sendo:</p> + +<table border="0" style="width: 100%" summary="subtracção"> + <col> + <col> + <tbody> + <tr> + <td>Direito de confiança, 2%.</td> + <td style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">9$000</td> + </tr> + <tr> + <td>Sello e seguro desta.</td> + <td style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">1$180</td> + </tr> + <tr> + <td>Papel e expediente.</td> + <td style="text-align:right; border-bottom: solid 1px #000;">2$000</td> + </tr> + <tr> + <td + style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">Somma...</td> + <td style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">12$180</td> + </tr> + </tbody> +</table> + +<p>«Poupe o seu dinheiro, meu amigo, olhe que muito custa <em>havel-o</em>.</p> + +<p style="text-align: right;">«Sou seu amigo e criado.» </p> + +<p>Não foi elle quem grifou a palavra subtracção.</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0003110">CAPITULO XI.</a></h3> + +<p>Quando o conselho da instrucção publica deu este despacho ao meu +requerimento: «<em>Junte o supplicante folhas corridas</em>», eu já<span +class="pn">{54}</span> não precisava de editor para as maximas.—Resgatado +da imprensa o meu 1.º volume já corria pelo mundo.</p> + +<p>Estava saboreando a leitura do mais pomposo elogio, que jámais se teceu a +nenhum outro homem de letras, quando entrou o Sr. Gusmão. O Sr. Gusmão era +typographo e trabalhava na officina onde se imprimio o volume. Vinha buscar os +originaes do segundo.</p> + +<p>—Meu caro Sr. Gusmão, assente-se, então como vai?</p> + +<p>—Remendando a vida.</p> + +<p>—Já leu o meu livro?</p> + +<p>—Sim, senhor.</p> + +<p>—Francamente, como o-acha?</p> + +<p>—Volumoso...</p> + +<p>—Volumoso, sim, quasi que abrange trezentas paginas. Já comecei a +urdir um poema heroico.</p> + +<p>—Que titulo?</p> + +<p>—Homem, ainda não sei; talvez lhe ponha o titulo em lingua indigena, +quero vêr se desperto a literatura nacional.</p> + +<p>—É muito preciso.</p> + +<p>—Se o-é. O Sr. Gusmão entende de poesias?<span +class="pn">{55}</span></p> + +<p>—Gosto de lêr, sim, senhor.</p> + +<p>—De qual genero gosta mais?</p> + +<p>—De todos, sendo a poesia boa.</p> + +<p>—Gosta do meu genero?</p> + +<p>—Qual é?</p> + +<p>—São todos, pois os jornaes não disseram que eu primo em todos os +generos? Então não leu o meu livro?</p> + +<p>—O senhor sabe, lêr é um caso e compôr é outro. Na qualidade de +compositor li-o quando o-compunha, na qualidade, de leitor, propriamente dito, +ainda não o-li.</p> + +<p>—Então não sabe dizer se os versos são bons, se as rimas ricas, se é +corrente a grammatica, se ha ideia...</p> + +<p>—Mas V. S. deve estar contente com a opinião dos jornaes.</p> + +<p>—Contentissimo. De cada vez que leio um elogio releio o volume, e +quando acabo de relêr a este tenho vontade de escrever outro.</p> + +<p>—Lá isso ha de ter.</p> + +<p>—Diga com franqueza, nem de passagem notou tal ou qual defeito?</p> + +<p>—Ninguem anda isento delles.</p> + +<p>—Nos versos?<span class="pn">{56}</span></p> + +<p>—A sua metrificação é regular.</p> + +<p>—Nas rimas?</p> + +<p>—As rimas são toleraveis, excepto algumas como, por exemplo, +<em>nuvem</em> com <em>houve</em>...</p> + +<p>—E que diz da dicção?</p> + +<p>—A dicção...</p> + +<p>—Seja franco, eu não sou parente daquelle cura, que foi amo de +Gil-Braz. </p> + +<p>—Como pede franqueza direi que, se não fosse a grammatica, o livrinho +podia passar incolume, mas a sua grammatica é muito differente d'aquella por +onde aprendi.</p> + +<p>—Aprendi pela do Lobato.</p> + +<p>—Então é a mesma. Queira vêr os originaes do segundo volume.</p> + +<p>—Ainda não os-reuni todos, volte amanhã, se não fôr incommodo. Quer +fumar, offereço-lhe um charuto de Havana.</p> + +<p>—Não senhor, obrigado, eu não fumo se não charutos de vintem.</p> + +<p>Eu fiquei <em>fumando</em>...</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0003111">CAPITULO XII.</a></h3> + +<p>De que lado estava a verdade, do Sr. Gusmão<span class="pn">{57}</span> ou +dos jornaes? Afinal de contas, o typographo tinha razão. Entretanto, a primeira +parte do meu <em>celeiro de bom trigo</em>, no conceito do meu amigo bacharel, +estava esgotada!</p> + +<p>Hoje, quando corro os olhos pelo exemplar que, por castigo, releio uma vez +na semana, dirijo ao creador este acto de contricção: «Meu Deus e meu Senhor! +por serdes vós, quem sois, permitti que os irmãos deste exemplar caiam todos +n'uma padaria e passem para as fornalhas como auxiliares da lenha, que nesse +dia cosinhe os pães! São elhas por elhas, Senhor, trigo cosinhando trigo. +Amen.»</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0003120">CAPITULO XIII.</a></h3> + +<p>Ao outro dia recebi o Sr. Gusmão entre os braços.</p> + +<p>—Entre, meu amigo, assente-se e conversemos. Ainda aqui está o charuto +de Havana, aceite-o.</p> + +<p>—Obrigado, mas não aceito, insistio o homem. Penso diversamente dos +outros; o<span class="pn">{58}</span> que não posso sustentar todos os dias, +não alardeio uma vez. Demais, habituado a fumar charutos de vintem, sabem-me a +<em>pessimos</em> os de tostão para cima.</p> + +<p>—Respeito o seu modo de pensar. Dou-lhe parte que suspendo a +publicação das minhas obras.</p> + +<p>—Então tomou a peito a opinião de um typographo?</p> + +<p>—E o typographo não póde ter opinião aceitavel, não póde saber +grammatica? </p> + +<p>—Que opinião póde ter o homem, que anda de ventanilha? Lá quanto a +grammatica devia saber. Onde me vê, com o pouco que entendo della, tenho salvo +a reputação futura de muitos escriptores, aliás intelligencias brilhantes, +emendando-lhes, quando componho seus originaes, erros de tirar couro e +cabello...</p> + +<p>—Ora, Sr. Gusmão, porque não emendou os meus?</p> + +<p>—O senhor desejava um volume de trezentas paginas e se eu corrigisse +os seus descuidos não ficava o livro com cem....</p> + +<p>Apre! tambem esta foi de tirar couro e cabello!<span +class="pn">{59}</span></p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0003130">EPILOGO DA SEGUNDA PARTE.</a></h3> + +<p>Ahi vai em italico o que devo ao Rio de Janeiro; saiba o Imperio todo:</p> + +<p>—Devo o conhecimento do Sr. Gusmão,—que me mandou +aprender—grammatica—depois dos jornaes me +haverem—chamado—Homero—!</p> + +<p>Cautela com as reputações.<span class="pn">{60}<br>{61}</span></p> + +<p> </p> + +<h1><a name="SECTION000400">TERCEIRA PARTE.</a></h1> + +<p> <span class="pn">{62}<br> +{63}</span></p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000410">CAPITULO I.</a></h3> + +<p>Cheguei ao estado de dizer com o philosopho grego:</p> + +<blockquote> + «<em>Omnia mea mecum porto.</em>»</blockquote> + +<p>Ignoro se os gregos fallavam latim no tempo de Bias.</p> + +<p>Cifravam-se as minhas posses em 25 annos de idade e na roupa do corpo, sendo +que essa já estava fóra da moda.</p> + +<p>O melhor excitante para o fastio do espirito é, incontestavelmente, a +privação. Essa é a razão porque no vigor da idade não são os desejos +vehementissimos, como aos 90<span class="pn">{64}</span> annos, na decrepitude, +quando já se não póde com um gato morto, para não dizer <em>gata</em>... e isso +por ser a privação, em todos os sentidos, irreparavel. Induza-se d'ahi o gráo +da minha excitação, privado de meios com os quaes satisfizesse desejos, que, +como vespas damnadas, me agrilhoavam por todos os modos e em todos os +sentidos?!</p> + +<p>Silencio, bocca!...</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000420">CAPITULO II.</a></h3> + +<p>Sem credito literario diante dos meus proprios olhos—abertos pelo bom +senso do typographo Gusmão; sem abono-monetario diante de todos os olhos +fechados pelas minhas circumstancias; eu andava a pleno ar a procura de um +meio, que me arredasse do precipicio para cujas bordas já me +encaminhava—o jogo. Eu teria calado no fundo desse abysmo, se houvesse +tido para a primeira parada.</p> + +<p>Capitulos da altura deste não indigestam. Digerem como sorvas, e fazem +render um livro...<span class="pn">{65}</span></p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000430">CAPITULO III.</a></h3> + +<p>Todas as mulheres deviam collocar na alcova de orações um nicho, e dentro +delle o busto de Aristophanes. Ao mordaz atheniense são ellas obrigadas pela +reforma do meu juizo a seu respeito. Antes de lêr <em>Lysistrata</em>, meu +pensar era que as mulheres rezavam pela cartilha da Sra. Balbina.</p> + +<p>Emendei-me, dando rédeas ao amor.</p> + +<p>Amei com impeto! como o leão seria capaz de amar, se as leôas das brenhas +soubessem como as das cidades—encarentar favores...</p> + +<p>O amor! o amor! Dizem que não come! se não comesse não se alojaria no +coração—que fica ás portas do estomago.</p> + +<p>Montaigne já o-chamava <em>sêde da mocidade</em>.</p> + +<p>Da sêde á fome vai só um passo.</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000440">CAPITULO IV.</a></h3> + +<blockquote> + «Eu sempre ouvi dizer:—frade nem vivo,<br> + Nem morto e nem pintado na parede.—<span class="pn">{66}</span><br> + A rasão deste dito salta aos olhos;<br> + O que frades, outr'ora, não fizessem<br> + Incumbir ao diabo era debalde:<br> + E as chronicas referem muitos casos<br> + De quináos, que ao diabo os frades deram.<br> + Mas verdade verdade, o frade de hoje,<br> + Labéo das frias cinzas de Epicuro,<br> + Não chega ao calcanhar do velho frade.»<br> + <br> + Repetindo em voz alta estas blasphemias,<br> + Os olhos affinquei n'um poento quadro,<br> + Meu fiel companheiro no deserto<br> + Em que a mão da fortuna me lançára.<br> + <br> + O quadro figurava um frei Rotundo,<br> + Nutrido e nédio, rindo-se á sorrélfa<br> + Da feia carantonha do diabo,<br> + Que raivoso mordia um par de dados.<br> + <br> + Mingúa a humanidade a pouco e pouco!<br> + Já se não topa mais um frei Bojudo<br> + Estillando gordura ao sol em pino.<br> + Que ditosa panella, a de outros tempos,<br> + Onde cahisse o lenço de Alcobaça<br> + Que limpasse o cachaço de algum frade!<br> + Sahia a olha convertida em banha.<br> + Hoje o frade, sequer, sabe o Larraga<br> + Ou Brillat-Savarin. Dantes o frade<br> + Era um poço ambulante de sciencias.<br> + E os costumes? e o lar? se bem me lembro,<span class="pn">{67}</span><br> + Algures li que, vós, ditosos monges,<br> + Fostes, nas priscas eras dos conventos,<br> + Pesadelo de todos os maridos,<br> + E horror! horror! horror! das raparigas!<br> + <br> + «Illustre Guardião (clamo inspirado)<br> + Tu mais que Belphegor sagaz nos tramas,<br> + Mais roliço e mais sabio, tu me ensina<br> + O meio de sahir destes apuros!»<br> + <br> + Avalie-se agora o que eram frades<br> + Em tempos que lá vão,—que desenhados<br> + Inda fazem milagres. Repentino<br> + Me occorre um pensamento de alta monta.</blockquote> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000450">CAPITULO V.</a></h3> + +<p>Escrevi esta epistola:</p> + +<p>«Senhora.—Vós sois a belleza, de mimosos contornos; eu sou o bello, de +rudes musculos. Vós sois a bonina, que murcha ao primeiro raio do sol; eu sou o +sol, que o diluvio não apagou. Vós sois a debil pastorinha avergada ao peso dos +trevos com que se enfeita; eu sou o vigoroso camponez, que leva as costas um +boi sem lhe sentir o peso.<span class="pn">{68}</span> Senhora! meditai nestas +parabolicas palavras! e se julgardes ser a força o amparo da fraqueza, +respondei em carta fechada com endereço a ***, que eu mesmo a-irei tirar da +latinha do escriptorio do <em>Jornal do Commercio</em>.»</p> + +<p>O remate estragou a epistola.</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000460">CAPITULO VI.</a></h3> + +<p>Eram oito horas e meia da noite, subi e desci a rua do Ouvidor.</p> + +<p>Nenhum <em>ignotus Deus!</em> nenhuma mulher com cara de entender a +epistola!</p> + +<p>Mas eu confiava na inspiração!</p> + +<p>As transeuntes levavam todas a reboque um marido ou cousa com semelhança +disso.</p> + +<p>Eram nove e meia. Ainda nada.</p> + +<p>Mas o frade não me sahia da mente!</p> + +<p>—Dar-se-ha o caso, reflecti, que hoje seja a noite tão sómente dos +casados? </p> + +<p>Entendamo-nos. Queria dizer, a noite de sómente passeiarem os casados; nós +sabemos que todas as noites são delles, <em>quand-même</em>...<span +class="pn">{69}</span></p> + +<p>Puz-me a olhar através dos vidros os livros expostos á venda na casa +Garnier.</p> + +<p>D'ahi a pouco, chega e pára a outra vidraça uma mulher <em>só</em>... Só +digo eu, não contando o cãosinho felpudo, que a-seguia.</p> + +<p>Era um animalsinho com ar inoffensivo e prasenteiro e cara de quem não +aceitaria, se lhe mandassem, um cartel. Começa a mão do frade!</p> + +<p>Olhou... olhou... (ella e não o cão), e entrou na livraria. Ouvi-a dizer em +francez de Racine:</p> + +<p>—<em>Les Femmes, par Alphonse Karr?</em></p> + +<p>—É justamente a mulher, que eu sonhava, disse a mim mesmo; mulher que +lêsse o autor de <em>La pêche.... en eau douce... et en eau salée....</em> +Abeirei-me á porta.</p> + +<p>Deram-lhe o livro; folheou-o, pagou-o sem questionar o preço, deu boa-noite +e sahio.</p> + +<p>Fóra da loja, tomei-lhe a frente, comprimentei-a com acatamento, rogando-lhe +aceitasse a carta.</p> + +<p>—Quem é o senhor? e donde vem essa carta? perguntou meio +desdenhosa.</p> + +<p>—É tudo um mysterio, respondi. Lendo a carta saberá.<span +class="pn">{70}</span></p> + +<p>—Ah! cheira a mysterio? pois sim, dê-m'a, eu gosto dos mysterios.</p> + +<p>Tomou-a e partio com ar senhoril. E viva o frade!</p> + +<p>Ao desapparecer na turbamulta, aproximou-se-me um permanente pedindo-me o +charuto para acender um cigarro.</p> + +<p>—Camarada, lhe disse, eu não inventei a polvora, porque nasci depois +della inventada.</p> + +<p>Elle concordou, rosnando:</p> + +<p>—Polvora! polvora! que diabo é polvora?</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000470">CAPITULO VII.</a></h3> + +<p>Doze horas depois fui ao escriptorio do <em>Jornal</em>; lá estava uma +cartinha com a minha senha. Constava de duas linhas bem traçadas, quanto á +essencia; quanto á calligraphia, nunca vi peóres gregotins.</p> + +<p>«Sr. ***.—Ora queira Deus e Deus queira vos não mettais em camisa de +onze varas! Rua do Conde n....»<span class="pn">{71}</span></p> + +<p>Resposta mais laconica e expressiva, só um couce, mal comparada.</p> + +<p>Sem perder os estribos da confiança, em presença de tamanha ameaça, fui.</p> + +<p>Eram onze horas da manhã, duas horas depois de feita a digestão dos que +almoçam ás nove.</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000480">CAPITULO VIII.</a></h3> + +<p>Ha trinta minutos.</p> + +<p>—Que idade tendes? pergunta ella.</p> + +<p>—Vinte e cinco annos; respondo.</p> + +<p>—Como sois moço!... Meu marido morreu dessa idade.</p> + +<p>—É lei da natureza, que se morra de toda idade.</p> + +<p>Proferi o axioma na intenção de afugentar qualquer idéa negra, que, por +ventura, viesse perturbar a interlocução.</p> + +<p>—É facto, concordou, accrescentando, como quem a si propria dava +desculpa: tambem elle era muito franzino...</p> + +<p>E de esguelha, pela oitava vez, medio-me com os olhos de alto a baixo.<span +class="pn">{72}</span> </p> + +<p>Neste ensejo, tomei-me o pulso. Deitava 105 pulsações por minuto. Eu na +vespera almoçára mão de vacca.</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000490">CAPITULO IX.</a></h3> + +<blockquote> + Ha dous mezes.<br> + Deu-se garrote á prudencia.<br> + Reina o commumnismo.<br> + Folga Épicuro.<br> + Vai tudo de afogadilho.<br> + O trem assovia.<br> + Tenha o leitor paciencia.<br> + Escasseiam-me trégoas.</blockquote> + +<p>Isto é prosa.</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0004100">CAPITULO X.</a></h3> + +<p>Chamava-se Monica; nome que não anda na bocca de todos, e a essa vantagem +reune a de ser esdruxulo.</p> + +<p>Casára aos vinte nove annos de idade com um rapaz de vinte e quatro; e +enviuvou<span class="pn">{73}</span> no anno seguinte. Tudo isto foi muito +natural, sendo mais natural a morte do rapaz.</p> + +<p>Não era bonita, era sympathica. Não era sabia como D. Maria Caetana Agnezi, +mas era intelligente; e mais <em>espiritada</em> do que espirituosa. Neste +ponto trivialissima.</p> + +<p>Lia o portuguez corrente como um juiz de paz, e trazia o francez em sarilho. +Tocava a <em>saloia</em> ao piano, e nutria a presumpção de saber contar.</p> + +<p>Quando a-conheci seus progenitores já haviam levado a breca.</p> + +<p>Pretendeu-a na viuvez um capitalista, tambem viuvo.</p> + +<p>Monica accedeu á licita pretenção. Nas vesperas das bodas, revelou-se-lhe o +noivo com queda para a literatura-<em>funda</em>, ao lêr um artigo, inserto não +sei em qual periodico, onde, <em>ad-rem</em>, o escriptor citava este aphorismo +de Balzac:</p> + +<p> </p> + +<p>«<em>Un mari ne doit jamais s'endormir le premier ni se réveiller le +dernier.</em>»</p> + +<p> </p> + +<p>Seguia-se a traducção, o pomo da discordia: «<em>O marido não deve pegar no +somno antes da mulher e nem acordar depois della.</em>»<span +class="pn">{74}</span></p> + +<p>—Como isto é fundo! exclamou o capitalista, chamando a attenção da +noiva para o conselho em portuguez.</p> + +<p>—E o senhor, perguntou Monica, no seu tempo de casado seguio isso á +risca? </p> + +<p>—Como seguiria, se é agora que sei disto?! Ah! se eu em outro tempo +adivinhára... e engasgou-se com o resto. Mas, proseguio, cá me fica no +canhenho; conselhos como estes não se perdem.</p> + +<p>Confessemos, o capitalista não andava corrente com o <em>Codigo do +Bom-Tom</em>. Declarar á noiva que um aphorismo de tal jaez lhe ficava no +canhenho, foi falta de tino imperdoavel.</p> + +<p>Monica, que lia Alphonse Karr e tencionava dar um pulo até á França para +comprimentar o autor das <em>Guêpes</em>, com o que o Sr. Alphonse Karr, por +sem duvida, muito se lisongearia, não contendeu.</p> + +<p>Na manhã do dia seguinte pespegou ao capitalista em carta este +<em>bofetão</em>:</p> + +<p>«Senhor.—Toda a noite considerei no conselho de hontem e não me +convenci que seja o marido quem deva pegar no somno depois da mulher e acordar +antes della, por<span class="pn">{75}</span> muitas e longas razões com as +quaes eu encheria uma resma de papel, se quizesse argumentar. Tendo V. S. no +seu canhenho, tomado nota do conselho, pol-o-ha em pratica depois de casado; +achando-me em opposição a semelhante pratica, desisto do meu compromisso. V. S. +está livre, disponha do seu coração. Prefiro a <em>monogamia</em> ás desavenças +do lar.</p> + +<p style="text-align: right;">«Sua criada </p> + +<p style="text-align: right;">«M<small>ONICA.</small>»</p> + +<p>Quando um homem recebe nas bochechas um recado destes, é mister que saibam +todos o seu nome.</p> + +<p>O capitalista chamava-se Joaquim.</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0004110">CAPITULO XI.</a></h3> + +<p>O Sr. Joaquim leu, releu e treleu a carta. Ao depois chamou o guarda-livros. +</p> + +<p>—Sô Pinto? chegue-se, faça favor.</p> + +<p>Pinto aproxima-se.</p> + +<p>—Que palavra é esta? pergunta mostrando a Pinto a segunda palavra do +remate da carta.<span class="pn">{76}</span></p> + +<p>Pinto arregalou os olhos, soletrou a palavra e +leu—<em>monógámia</em>... e repetio separando as syllabas: +Mo-nó-gá-mi-a... Isto não é palavra, decidio. </p> + +<p>—A mim tambem me parece que não é, concordou o Sr. Joaquim, cuja +intelligencia dava pelo estalão da do outro.</p> + +<p>Pinto voltou aos livros.</p> + +<p>O Sr. Joaquim garatujou;</p> + +<p> </p> + +<p>«Senhora.—Eu quando digo as cousas é porque sei. Não é debalde que sou +viuvo. O meu pezar é ter aberto os olhos quando a mulher fechou os seus. O +conselho do periodico é fundo como um poço, e os periodicos quando dizem as +cousas—são como eu—sabem o que dizem. Estou no mesmo pé. A mulher +ha de pegar no somno antes do marido e acordar depois delle, sem esta condição +saia não me torna a entrar em casa. A palavrinha monogamia não leva a resposta +devida por não ser palavra.</p> + +<p>«E temos conversado.»</p> + +<p> </p> + +<p>Monica revelou-me este episódio uma vez quando lhe disse andar perto de +querer casar com ella.<span class="pn">{77}</span></p> + +<p>No fim da narração, pendi para a opinião do Sr. Joaquim.</p> + +<p>Não sei porque, mais tarde, fizeram barão a este homem, que tanto senso +parecia ter!</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0004120">CAPITULO XII.</a></h3> + +<p>Não fui eu, propriamente dito, que cahi na graça da viuva.</p> + +<p>Disse-me ella:</p> + +<p>—Á primeira vista antipathisei com o teu focinho. Cahio-me no gôto o +teu singular modo de amar. Fui sempre enfermiça do desejo de ser amada por um +<em>exquisito</em>, um original fosse em que fosse. Meu marido foi um homem +como os mais, media pela bitola geral. Não se lhe notava particularidade +alguma, que o destacasse do <em>chavão</em> commum. Tu me pareceste um homem +raro, a julgar pela tua carta.</p> + +<p>E case-se um homem <em>commum</em>?!</p> + +<p>—Tenho desmentido a tua espectativa? perguntei.</p> + +<p>—Vais descahindo... vais... ha dias a esta parte: respondeu.<span +class="pn">{78}</span></p> + +<p>De facto, eu descahia a ôlho.</p> + +<p>Que querem?</p> + +<p><em>L'amour use vite les hommes; il soutient longtemps les femmes...</em> +</p> + +<p>Aphorismo é isto.</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0004130">CAPITULO XIII.</a></h3> + +<p>Balzac limpe as mãos á parede.</p> + +<p>«É mais facil, diz elle, ser-se amante do que marido, por isso que é mais +difficil ter-se espirito todos os dias do que, de quando em quando, +amabilidades para dizer».</p> + +<p>E quando o amante, meu caro Sr. Balzac, no meu caso, á guisa de marido, +cohabita com a amante, é facil ter espirito todos os dias?</p> + +<p>Nem uma nem outra cousa. Eu já não tenho que dizer a Monica.</p> + +<p>No capitulo passado não briguei com ella por evitar a descripção da queréla. +E se não fosse o medico, a botica, o padre, a confissão e depois o enterro, e +em seguida as missas e no fim, tres dias de nôjo—matava-a neste.<span +class="pn">{79}</span></p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0004140">CAPITULO XIV.</a></h3> + +<p>Uma tarde, no largo de S. Francisco de Paula, no espaço onde plantaram o +actual lampeão, que lá existe com ar de vedeta desarmada, encontrando-me com o +meu velho amigo Simphoriano, o unico que possuo com este nome, me disse elle: +</p> + +<p>—Que tens tu? estás pallido como uma abobora?</p> + +<p>Simphoriano é filho de uma provincia do Norte, cujos naturaes chamam +<em>pallidas</em> ás aboboras <em>maduras</em>.</p> + +<p>—Falta de sangue, meu caro; o sangue se me aguou todo, depois da +ictericia, respondi.</p> + +<p>Elle sabia que essa doença me acommettera havia dous annos.</p> + +<p>—E a magreza? replicou.</p> + +<p>—Que queres? transpira-se muito neste Rio de Janeiro... o sol +derrete... </p> + +<p>—Fosse essa a causa...</p> + +<p>—Não sei de outra.</p> + +<p>—Disse-me o Patricio (Patricio era um <em>trocatintas</em> do meu +conhecimento), que tu <em>sacrificas em demazia ás graças</em>...<span +class="pn">{80}</span></p> + +<p>—És tu quem sacrifica a verdade á peta, trepliquei, pelo gostinho de +alardeares certa illustração. Quem ainda não sabe que Platão aconselhava ao +discipulo Xenócrates, austero, como Newton, nos costumes, a sacrificar ás +graças? Ouve o que do mesmo Xenócrates disse o padre José Agostinho na +<em>Viagem extatica</em>:</p> + +<blockquote> + «Da belleza inimigo e da ternura,<br> + Xenócrates descubro austero e triste,<br> + Vergonhoso baldão da especie humana,<br> + Que nem ao vivo scintilar de uns olhos,<br> + Nem ao mago sorriso deslizado<br> + De um labio, côr de purpura, ou de rosas,<br> + Ou aos aureos anneis de tranças de ouro,<br> + Da natureza escuta a voz suave,<br> + E sopro avivador, que atêa o fogo,<br> + Tão grato ao coração, que é delle a vida;<br> + Fogo, que até do mar no abysmo fundo<br> + Sujeita a seu imperio equóreos monstros,<br> + E a sanguinario tigre, indocil sempre,<br> + Amar ensina, e conhecer ternura.»</blockquote> + +<p>—Isto disse o padre, como entendedor que era, na <em>Viagem +extatica</em> que, ao depois, crismou com o nome de <em>Newton</em> emendando +entre outros, este verso, que tu nem ninguem recitará sem ao principio latir o +seu pouco:<span class="pn">{81}</span></p> + +<blockquote> + O<small>U AOS AUREOS</small>—anneis de tranças de ouro.</blockquote> + +<p>—Concorda, prosegui, não me achaste descalço. Agora o suppores que +abuso do <em>sacrificio</em> é outro engano. O <em>nequid +nimis</em>—equivalente ao preceito de Hippocrates:</p> + +<p>«<em>Omne nimium naturae inimicum est</em>» foi sempre a minha divisa.</p> + +<p>Houve excepção....</p> + +<p>Simphoriano ia tomando a mão.</p> + +<p>Atalhei-o, já esquentado.</p> + +<p>—Andas sempre a prasmar contra os que sacrificam ás graças. Quererás +ser tido na conta dos ditos Xenócrates e Newton ou de Kan, Vico, W. Pitt ou +Carlos XII?</p> + +<p>Pensas que ignoro que Mirabeau morreu aos quarenta e dous annos em +consequencia do abuso desse sacrificio e que pela mesma consequencia morreria +Bichat, a quem Bourg levantou uma estatua, se não morresse em 1802 aos trinta e +um annos, da queda que deu descendo as escadas do <em>Hotel de Dieu</em> cujo +medico era? Vês que ás apalpadellas não ando nos factos da historia, e será bom +que percas o sestro de <em>literato á la violeta</em>.</p> + +<p>Com effeito, Simphoriano era boa creatura,<span class="pn">{82}</span> mas +não soltava tres palavras sem citar dous ditos ou nomes de homens celebres, +seus conhecidos—pelos catalagos dos livros.</p> + +<p>E eu sem saber o cabo que darei a Monica?!</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0004150">CAPITULO XV.</a></h3> + +<p>—Estás sufficientemente barbado, proseguia de outra feita o meu amigo. +A ultima de mão que a natureza dá ao homem são as barbas....</p> + +<p>Isto dito em francez—passava a proverbio.</p> + +<p>—Portanto, continuava elle, és homem feito, em todos os sentidos.</p> + +<p>—Em sentido algum, nunca deixei....</p> + +<p>—Não me atrapalhes e nem comeces a zombar, senão, calo-me. Trata-se de +cousa séria; sou mais velho, sou teu amigo, ouve-me.</p> + +<p>—Sou todo ouvidos, falla.</p> + +<p>—Bem. Estás perto dos trinta annos...</p> + +<p>—Cinco annos distante...</p> + +<p>—Aos vinte e cinco já se tem andado quazi meio caminho da vida. Na +outra metade<span class="pn">{83}</span> precisamos pôr todo o cuidado. D'aqui +a vinte e cinco annos serás velho, e esse espaço de tempo, além de curto, passa +com a velocidade do vento. Em que te occupas presentemente? Dás pasto á +ociosidade abusando da tua compleição.... vives, portas a dentro, com uma +desgraçada, que te suga a seiva da mocidade e até os brios...</p> + +<p>—Alto lá....</p> + +<p>—E os brios, sim. Que esperas do futuro? o menospreço publico—a +mais digna herança dos <em>chichisbéos</em>....</p> + +<p>—Perdôa-me, atalhei-o, senão arrebento. De accordo com o +<em>Diccionario do amor</em>, chichisbéo é, commummente, um celibatario maduro, +namorador assiduo, servo de uma mulher casada com todos os <em>onus</em> do +marido, excepto os <em>lucros</em>... Ora;—não me deves metter na conta +dos celibatarios, por que, ha dous dias, posso dizer, cheguei á idade rébora, +juridicamente fallando; e quanto á <em>graça</em> a quem <em>sacrifico</em> é +viuva e o homem, que foi seu marido, já está livre dos onus... Applica-me outro +substantivo, menos esse. </p> + +<p>—Como enxergas tudo, rematou Simphoriano<span class="pn">{84}</span> +murchamente, pelo prisma da facecia, tua alma—tua palma, adeus.</p> + +<p>E desappareceu na primeira esquina da rua o unico amigo, que eu possuia com +aquelle nome.</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0004160">CAPITULO XVI.</a></h3> + +<p>Cocegaram-me o arrependimento aquellas palavras.</p> + +<p>Cocegar era o unico verbo cuja falta se sentia na lingua portugueza. +Criei-o, ahi fica. Não m'o-estraguem.</p> + +<p>Percorri com os olhos o horizonte do meu futuro. Trevas e só trevas... +nenhum vagalume, no espaço!</p> + +<p>Cheguei a casa com vontade de brigar.</p> + +<p>Monica, que não levou ainda a breca, estava risonha, como um dia de +primavera.</p> + +<p>Eu levava o inverno dentro d'alma.</p> + +<p>—Chegas a proposito, disse acariciando-me; lê esta cartinha.</p> + +<p>Tomei-a e li sem desfranzir as sobrancelhas:<span class="pn">{85}</span></p> + +<p> </p> + +<p>«Senhora Dona Monica.</p> + +<p>«Participo-lhe, para seu castigo, que tirei o <em>diploma</em> de barão, +ficando a senhora sem ser barôa por querer pegar no somno depois de mim...»</p> + +<p> </p> + +<p>—De quem é esta carta? bufei, arremessando-a precipitadamente ao +soalho, sem terminar a leitura.</p> + +<p>—De quem ha de ser? do Joaquim, respondeu Monica.</p> + +<p>—Qual Joaquim?</p> + +<p>—O Joaquim do aphorismo, aquelle capitalista... mas estás pallido e a +ranger os dentes! que tens?</p> + +<p>—Remorsos, senhora! respondi já de cothurnos. Remorsos, perfida, tres +vezes perfida! Era assim que tu correspondias ao meu amor! era assim! +entretendo relações pela surdina com esse Sr. Joaquim, que já é barão! Com que +cara hei de sahir á rua?!</p> + +<p>—Vossê endoideceu, homem! diz ella, rindo-se a bandeiras +despregadas.</p> + +<p>—Doido!... sim, mulher, endoideci... com um <em>endoideceu</em> é que +se desculpa o escandalo!!<span class="pn">{86}</span> Mulheres! mulheres! todas +são a mesma estampa...</p> + +<blockquote> + —Com flores o punhal disfarçam rindo!</blockquote> + +<p>—Ande vêr a minha mala, senhora, quero sahir desta casa...</p> + +<p>—Qual mala nem pêra mala! objectou com despreso ironico; vossê quando +entrou nesta casa não trouxe a mala, se é que algum dia a-teve.</p> + +<p>Tolerei a vergalhada sem replicar.</p> + +<p>—Quer sahir, saia, proseguio, ingrato de um dardo! não me deixa +saudades; e saiba que já não estou em Paris por sua causa; ainda tenho com que +pagar a passagem.</p> + +<p>—Pois, não a-demorarei mais. O paquete parte a vinte e cinco, estamos +a dezoito, sobejam-lhe sete dias para arrumar os bahús. Boa-viagem. Se +encontrar no Mabille o Alphonse Karr, dê-lhe lembranças minhas.</p> + +<p>E sahi.</p> + +<p>E lá vai a Monica...</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0004170">CAPITULO XVII.</a></h3> + +<p>Cahia a noite e a chuva.<span class="pn">{87}</span></p> + +<p>Não se me dava a queda da noite, importava-me a queda da agua.</p> + +<p>Eu não tinha guarda-chuva.</p> + +<p>Identificando o corpo com as paredes das casas, cheguei ao +<em>Restaurant</em> do Mangini ensopado como uma garoupa de escabeche, pois que +fallei em restaurant.</p> + +<p>Por felicidade das tres quatro partes do genero humano, se a agua da chuva +tem a propriedade de ensopar o facto, este tem a de enxugar passado o preciso +tempo. Panno para mangas tinha eu aqui, se quizesse mostrar até onde chego em +physica.</p> + +<p>Assentei-me junto a uma meza, onde não dava em cheio a luz.</p> + +<p>Nenhum dos caixeiros do estabelecimento fez conta da minha +<em>humida-individualidade</em>.</p> + +<p>Cheguei no momento em que um sujeito, galhardamente vestido á moderna, +travava razões com um dos caixeiros. Dizia elle, calçando as luvas e olhando de +travez para a nota da despeza, que fizera:</p> + +<p>—Oh! senhor! esta conta está exacta? em que despendi essa enorme +somma? nem no hotel da Europa.</p> + +<p>—V. S. veja a lista, acodia o caixeiro.<span class="pn">{88}</span></p> + +<p>—Vêr o que, homem? pois eu quando como, olho lá o preço das iguarias? +peço o que quero, porque não venho a estas casas comer de graça, fique sabendo, +mas isto é um roubo.</p> + +<p>—Confira pela lista e verá que lhe não levamos um vintem de mais...</p> + +<p>—Não sou conferente de casas de pasto, ouvio? bradou o homem com nobre +altivez. Confira vossê.</p> + +<p>O proprietario do estabelecimento que se achava ao balcão, dirige-se ao +cavalheiro, e com bons modos, lhe disse que se não amofinasse, que a conta +estava exacta, mas se não queria pagar—seria o mesmo.</p> + +<p>—Tenho muito dinheiro, alardeou o freguez; não preciso do seu jantar. +Nem ando comendo nos <em>botequins</em>; se entrei neste, antes foi para +esperar que passasse a chuva do que para outro fim. Almoço, janto e ceio no +hotel da Europa, porém, não quero ser roubado, não estamos na Siberia.</p> + +<p>Ein, Siberia?</p> + +<p>—Pois, senhor, a chuva já passou, V. S. não deve nada, respondeu o +proprietario.</p> + +<p>—Então, não reforma a conta?<span class="pn">{89}</span></p> + +<p>—Está exacta.</p> + +<p>—Ah! está exacta! pois sim, já disse que não estamos na Siberia, +adeus.</p> + +<p>E partio.</p> + +<p>O dono da casa aproximou-se-me dizendo;</p> + +<p>—Veja isto; um homem, que calça luvas de pellica, almoça, janta e ceia +no hotel da Europa, sahe d'aqui deixando o debito de dous mil setecentos e +sessenta réis. Ha de vêr que é sustentado por alguma...</p> + +<p>Não o-deixei acabar, todo o corpo se me arrepiou...</p> + +<p>—Um calix de cognac!</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0004180">CAPITULO XVIII.</a></h3> + +<p>Sorvendo a ultima gota do licor, affigurou-se-me Monica arrumando as malas. +</p> + +<p>—Monica vai para Paris, disse entre mim. O Sr, Joaquim já é barão... e +eu aqui fico, sem eira nem beira... nem ao menos sou commendador!... Paris! +todos fallam em Paris e eu mesmo já o-descrevi em verso, sem ainda lá ter +ido:<span class="pn">{90}</span></p> + +<blockquote> + Paris! Paris! Paris! terra de encantos,<br> + Eterno, ebri-festante paraiso,<br> + Aonde os risos de prazer são tantos,<br> + Que só é sério quem não tem juizo!...</blockquote> + +<p>As melhores descripções são devidas aos que pintam lugares, que nunca viram. +Isto já passa em julgado e, passará a anexim, quando apparecer o meu romance +passado om Djirjeh, no alto Egypto, aonde não pretendo jámais pizar.</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0004190">CAPITULO XIX.</a></h3> + +<p>Decidido a mudar de rumo, fui levar essa nova a Simphoriano.</p> + +<p>Entrei pé ante pé. O meu amigo estudava. Simphoriano ainda acreditava que, +para se saber alguma cousa, fosse mister—queimar as pestanas. Toleirão +por esse lado.</p> + +<p>Não se convencia que a <em>sapience-moufle</em> do filho de Gargantua é a +que mais <em>apanha</em> neste abençoado torrão, aonde de meia em meia braça se +esbarra a gente com um Dr. Tubal Holoferne.<span class="pn">{91}</span></p> + +<p>Isto não offende a ninguem... É pura inveja.</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0004200">CAPITULO XX.</a></h3> + +<p>—Boa noite, Simphoriano!</p> + +<p>—Ah!... Sê bem vindo.</p> + +<p>—Deus te pague. O que fazes?</p> + +<p>—Nada; estou lendo.</p> + +<p>—A <em>Historia de Cezar</em>, por Napoleão?</p> + +<p>—Leio Humboldt.</p> + +<p>—Perdes o tempo: Humboldt não sabia nada, foi um pessimo copista de +Plinio. </p> + +<p>—Sim? quando leste Plinio?</p> + +<p>—Nunca, e nem Humboldt e nem precisava para formar o meu juizo.</p> + +<p>—Achaste a pedra philosophal?</p> + +<p>—Nem nada. Ouvi dizer que Plinio estudava a natureza; depois me +disseram que o mesmo fez Humboldt. Logo, tudo quanto este fez copiou do outro, +isto é logico. Seja lá no que fôr, segue este methodo e farás figura, passando +por sabio. Ideias associadas, Humboldt foi barão e o Sr. Joaquim<span +class="pn">{92}</span> tambem já o-é. E, passando a inscrever o nome na +nobiliarchia deste Imperio, julgou-se com direito de enviar um epigramma á +<em>graça</em> á qual não <em>sacrificarei</em> mais, o que te participo, sob a +condição de uma hospedagem por esta noite, senão vou dormir ao relento.</p> + +<p>E narrei o succedido.</p> + +<p>Simphoriano pulou de contentamento.</p> + +<p>Fallou em <em>regeneração</em> (palavrinha a mais elastica dos tempos +modernos), citando todos os moralistas das cinco partes do globo, inclusive um +poeta de nome Sadi ou Saadi, que elle jurou ser perso e eu suppunha italiano, +por acabar o nome em—<em>i.</em>—</p> + +<p>Prasmou contra o meu passado aconselhando-me a cuidar do futuro.</p> + +<p>—Vejo por ahi muitos futuros á feição do meu desejo, mas os homens não +me protegem.</p> + +<p>—Homem, sentenciou o meu amigo, é aquelle que é o que quer ser e não o +que os outros querem que elle seja. Toma nota disto. Arrima-te na perseverança; +faze della bastão e caminha. Caminha... e se encontrares obstaculos, que te +empeçam os passos,<span class="pn">{93}</span> desanda-lhes a perseverança. +Tornam a apparecer adiante? torna a dar. Dá, dá de rijo, dá a valer, não te +doam os pulsos e verás se chegas a ser o que quizeres.</p> + +<p>Copiei a receita para matar os obstaculos, mas em vez de bastão comprei um +guarda sol, que tambem guarda da chuva e serve de bengala sendo preciso.</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0004210">CAPITULO XXI.</a></h3> + +<p>Por desobriga de minha consciencia, respondi á mofa do Sr. Joaquim. Exigia a +lembrança do passado que eu vingasse a viuva da affronta do capitalista. +Mandei-lhe a resposta. Ignoro se elle a-recebeu e se Monica chegou a ter +conhecimento da remessa feita em seu nome.</p> + +<p>Disse-lhe:</p> + +<p style="text-align: right;"><em>Illm. e Exm. Sr. Joaquim, barão.</em> </p> + +<p>«E tenho observado que, ha trinta annos a esta parte, essa molestia +(<em>empanturração</em>) só aos burros cançados e a <em>certos barões</em> +acommette... (Dr. Gomez d'Eça. Art. Veterinaria;<span class="pn">{94}</span> +cap. XXV, § II—; edição de Simão Thadeo Ferreira. Lisboa 1718)»</p> + +<p style="text-align: right;">Sua criada </p> + +<p style="text-align: right;">«M<small>ONICA.</small>»</p> + +<p>E ficamos, de uma vez para sempre, livres della e do barão, que já se me ia +apegando.</p> + +<p>Abrenuntio!</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0004220">CAPITULO XXII.</a></h3> + +<p>Até esta data, comigo ainda não se verificou a sentença <em>si vis +potes</em>. Ha quatro annos—<em>quero</em>—succeder na herança de +uma velha rica e nenhuma ainda morreu, que se lembrasse de mim. Isto é o +menos.</p> + +<p><em>Quero</em>—que o tabellião, em cujo cartorio sou +<em>copista</em>,—augmente <em>dez vintens</em> no meu salario de mil +réis e em vão tenho querido isto—ha quarenta e oito mezes.</p> + +<p>Não obstante, vislumbro ainda muitas esperanças, mormente, quando considero +que o mesmo Simphoriano <em>quiz</em> ser e <em>foi</em> condecorado pelos +relevantes serviços, que prestou ao Brazil no Paraguay aonde nunca poz os +pés!... (É facto).<span class="pn">{95}</span></p> + +<p>Tambem o padre Severino <em>quiz</em> ser vigario e <em>foi</em>,—e a +população da freguezia... <em>cresce</em>...</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0004230">EPILOGO DA TERCEIRA E ULTIMA PARTE.</a></h3> + +<p>Agua vai!</p> + +<p>Quem em dias de sua vida não pregou um calote?</p> + +<p>Esperava o leitor que os meus conhecidos morressem apunhalados, e, sabidas +as contas, apenas falleceram dous, em consequencia dos remedios das boticas! +</p> + +<p>Fallei em bodas e o Sr. Joaquim roeu-nos a corda.</p> + +<p>Moraes no seu diccionario, a proposito da palavra—<em>boi</em>, cita +estes versos:</p> + +<blockquote> + Coisas ha hi que passam sem ser cridas,<br> + E coisas cridas ha nunca passadas...</blockquote> + +<p>E eu, a proposito do amor, fui mais laconico que o <em>veni, vidi, +vici</em>; tantas vezes citado e nem uma só comprehendido!</p> + +<p>Puz em scena um enthusiasta do genio e não me referi ao—<em>stultorum +infinitus est numerus</em> de Salomão!<span class="pn">{96}</span></p> + +<p>Abiquei o Parnaso e não arenguei á cerca da impropriedade deste decasyllabo +de Francisco Manoel:</p> + +<blockquote> + <em>Capri-barbi-corní-pedes-felpudos!</em></blockquote> + +<p>Agatanhei Plinio e não trouxe á balha o livro 7.º cap. 9.º onde diz que +a—<em>gloria para uma mulher é suspender das orelhas duas +perolas</em>!</p> + +<p>Notei Pantagruel e não aproveitei este remate de um discurso, (vai a um de +fundo):</p> + +<p style="text-align: center;" class="ni"><em>dos<br> +poros<br> +dos<br> +nossos<br> +corações,<br> +transuda<br> +a<br> +mais<br> +pura<br> +essencia,<br> +que<br> +póde<br> +ser<br> +respirada<br> +pelo<span class="pn">{97}</span><br> +olfacto<br> +da<br> +patria;</em><a name="tex2html3" href="#foot553"><sup>[3]</sup></a></p> + +<p class="ni">para analysar o <em>Tratado do Sublime</em> do conselheiro da +rainha Zenobia!</p> + +<p>Embarquei Monica para a França e não lhe besuntei os labios com o adeus de +Scipião ao sahir de Roma:</p> + +<p><em>Ingrata patria, non possidebis ossa mea!</em></p> + +<p>Tropecei no <em>commumnismo</em> e nem patavina com referencia á +<em>Republica</em> de Platão, ou á <em>Utopia</em> do Moro, ou á <em>Civitas +solis</em> de Thomaz de Campanella, o Calabrez, que nunca li.</p> + +<p>Obviei... É tarde.</p> + +<p>Ah! se não fosse tarde! Só na applicação, que Monica fez da palavra +<em>monogamia</em> (que não é palavra, conforme decidiram o capitalista e o seu +guarda-livros), tinhamos materia para um in-folio, se, ácinte, eu pretendesse +revoltar contra mim trezentos e sessenta e cinco doutores, pelo minimo. Mas é +que tenho teiró ás inimizades.<span class="pn">{98}</span></p> + +<p>E os plagiatos? Neste ponto o reverendo padre Severino fôra como um Potosi. +Tem-lhe custado caro alguns! Rendeu-lhe, por exemplo, tres mezes de cama esta +odesinha copiada, assignada e enviada a quem não a inspirara.</p> + +<blockquote> + <strong>A M....<br> + </strong> (<em>O original dizia—A R....</em>)<br> + Não cumpriste o promettido,<br> + Teu marido,<br> + Teu marido t'o-privou!<br> + Não te salva essa desculpa...<br> + Teve a culpa,<br> + Teve a culpa—quem faltou.<br> + —<br> + Teu marido... oh que embaraço<br> + Erro crasso;<br> + Erro crasso, e provo-o já;<br> + Elle velava ou dormia:<br> + Que fazia?<br> + Que fazia, dize lá?<br> + —<br> + Se velava e... cobiçoso...<br> + Desejoso...<br> + Desejoso em... te ameigar...<br> + Entre os braços te-prendia;<br> + Não podia,<br> + Não te-podia... <em>obrigar</em>...<span class="pn">{99}</span><br> + —<br> + Se dormia—estava morto.<br> + Franco o <em>porto</em>...<br> + Franco o porto estava então...<br> + Mas, não dormia; velava,<br> + Devorava...<br> + Devorava o meu <em>quinhão</em>...<br> + —<br> + Adormeceste cançada,<br> + Fatigada,<br> + Fatigada... Deus do Céo!<br> + Elle tambem—fatigado,<br> + Do seu lado,<br> + A teu lado adormeceu!<br> + —<br> + E eu? lá ao sereno exposto!<br> + Dando o gôsto,<br> + Dando o gosto ao meu rival,<br> + De me vêr magro... e desfeito,<br> + Pelo effeito,<br> + Effeito... da catarrhal!<br> + —<br> + Não cumpriste o promettido!<br> + Teu marido,<br> + Teu marido t'o-privou;<br> + Não te salva essa desculpa:<br> + Teve a culpa<br> + Quem com elle se <em>fartou</em>... </blockquote> + +<p>Pobre pastor!<span class="pn">{100}</span> </p> + +<p>Verificou-se-lhe no lombo o rifão—guardado está o bocado para quem o +hade comer.</p> + +<p>Eu compuz as estrophes e elle comeu a... sova!</p> + +<p>Antes assim! que lhe faça bom proveito.</p> + +<p style="text-align: center;">......</p> + +<p>Leitor!... talvez não acredites e no entanto assim é: vou passar a limpo uma +escriptura!</p> + +<p>Se alguma vez eu escrever as minhas aventuras, abarrotar-te-hei de +<em>pasteis</em>....</p> + +<p style="text-align: center;"><em>P. S.</em></p> + +<p>P<small>OSTERIDADE!</small></p> + +<p>—Fallei a puro esmo em quanto disse.... da minha pessoa. Quando +escreveres a minha biographia procura em outra fonte os apontamentos, senão +irás de gatinhas como até esta data em todas as mais... tens ido.</p> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<p style="text-align: center;">FIM. </p> + +<p> </p> + +<div class="rodape"> +<p><a name="foot241" href="#tex2html1"><sup>[1]</sup></a> E se ha ahi quem +saiba de algum remedio, que repare essa doença, annuncie pelos jornaes, por +especial favor a uma creatura sugeita, desde aquella época até hoje, aos seus +accessos.</p> + +<p><a name="foot277" href="#tex2html2"><sup>[2]</sup></a> Quartinho escuro onde +se guardam viveres. Em a dona da casa sendo desconfiada é difficil perder a +chave.</p> + +<p><a name="foot553" href="#tex2html3"><sup>[3]</sup></a> Vide supplemento do +<em>Jornal do Commercio</em> de 16 de maio de 1866, <em>correspondencias do +Norte</em>.</p> +</div> +</div> + + + + + + + +<pre> + + + + + +End of the Project Gutenberg EBook of Memorias de um pobre diabo, by +Bruno Henriques de Almeida Seabra + +*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK MEMORIAS DE UM POBRE DIABO *** + +***** This file should be named 31906-h.htm or 31906-h.zip ***** +This and all associated files of various formats will be found in: + https://www.gutenberg.org/3/1/9/0/31906/ + +Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images +of public domain material from Google Book Search) + + +Updated editions will replace the previous one--the old editions +will be renamed. + +Creating the works from public domain print editions means that no +one owns a United States copyright in these works, so the Foundation +(and you!) can copy and distribute it in the United States without +permission and without paying copyright royalties. Special rules, +set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to +copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to +protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. Project +Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you +charge for the eBooks, unless you receive specific permission. If you +do not charge anything for copies of this eBook, complying with the +rules is very easy. You may use this eBook for nearly any purpose +such as creation of derivative works, reports, performances and +research. They may be modified and printed and given away--you may do +practically ANYTHING with public domain eBooks. Redistribution is +subject to the trademark license, especially commercial +redistribution. + + + +*** START: FULL LICENSE *** + +THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE +PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK + +To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free +distribution of electronic works, by using or distributing this work +(or any other work associated in any way with the phrase "Project +Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full Project +Gutenberg-tm License (available with this file or online at +https://gutenberg.org/license). + + +Section 1. General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tm +electronic works + +1.A. By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm +electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to +and accept all the terms of this license and intellectual property +(trademark/copyright) agreement. If you do not agree to abide by all +the terms of this agreement, you must cease using and return or destroy +all copies of Project Gutenberg-tm electronic works in your possession. +If you paid a fee for obtaining a copy of or access to a Project +Gutenberg-tm electronic work and you do not agree to be bound by the +terms of this agreement, you may obtain a refund from the person or +entity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8. + +1.B. "Project Gutenberg" is a registered trademark. It may only be +used on or associated in any way with an electronic work by people who +agree to be bound by the terms of this agreement. There are a few +things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works +even without complying with the full terms of this agreement. See +paragraph 1.C below. There are a lot of things you can do with Project +Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement +and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic +works. See paragraph 1.E below. + +1.C. The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation" +or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project +Gutenberg-tm electronic works. Nearly all the individual works in the +collection are in the public domain in the United States. If an +individual work is in the public domain in the United States and you are +located in the United States, we do not claim a right to prevent you from +copying, distributing, performing, displaying or creating derivative +works based on the work as long as all references to Project Gutenberg +are removed. Of course, we hope that you will support the Project +Gutenberg-tm mission of promoting free access to electronic works by +freely sharing Project Gutenberg-tm works in compliance with the terms of +this agreement for keeping the Project Gutenberg-tm name associated with +the work. You can easily comply with the terms of this agreement by +keeping this work in the same format with its attached full Project +Gutenberg-tm License when you share it without charge with others. + +1.D. The copyright laws of the place where you are located also govern +what you can do with this work. Copyright laws in most countries are in +a constant state of change. If you are outside the United States, check +the laws of your country in addition to the terms of this agreement +before downloading, copying, displaying, performing, distributing or +creating derivative works based on this work or any other Project +Gutenberg-tm work. The Foundation makes no representations concerning +the copyright status of any work in any country outside the United +States. + +1.E. Unless you have removed all references to Project Gutenberg: + +1.E.1. The following sentence, with active links to, or other immediate +access to, the full Project Gutenberg-tm License must appear prominently +whenever any copy of a Project Gutenberg-tm work (any work on which the +phrase "Project Gutenberg" appears, or with which the phrase "Project +Gutenberg" is associated) is accessed, displayed, performed, viewed, +copied or distributed: + +This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with +almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or +re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included +with this eBook or online at www.gutenberg.org + +1.E.2. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is derived +from the public domain (does not contain a notice indicating that it is +posted with permission of the copyright holder), the work can be copied +and distributed to anyone in the United States without paying any fees +or charges. If you are redistributing or providing access to a work +with the phrase "Project Gutenberg" associated with or appearing on the +work, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1 +through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and the +Project Gutenberg-tm trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or +1.E.9. + +1.E.3. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is posted +with the permission of the copyright holder, your use and distribution +must comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additional +terms imposed by the copyright holder. Additional terms will be linked +to the Project Gutenberg-tm License for all works posted with the +permission of the copyright holder found at the beginning of this work. + +1.E.4. Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg-tm +License terms from this work, or any files containing a part of this +work or any other work associated with Project Gutenberg-tm. + +1.E.5. Do not copy, display, perform, distribute or redistribute this +electronic work, or any part of this electronic work, without +prominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 with +active links or immediate access to the full terms of the Project +Gutenberg-tm License. + +1.E.6. You may convert to and distribute this work in any binary, +compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including any +word processing or hypertext form. However, if you provide access to or +distribute copies of a Project Gutenberg-tm work in a format other than +"Plain Vanilla ASCII" or other format used in the official version +posted on the official Project Gutenberg-tm web site (www.gutenberg.org), +you must, at no additional cost, fee or expense to the user, provide a +copy, a means of exporting a copy, or a means of obtaining a copy upon +request, of the work in its original "Plain Vanilla ASCII" or other +form. Any alternate format must include the full Project Gutenberg-tm +License as specified in paragraph 1.E.1. + +1.E.7. Do not charge a fee for access to, viewing, displaying, +performing, copying or distributing any Project Gutenberg-tm works +unless you comply with paragraph 1.E.8 or 1.E.9. + +1.E.8. You may charge a reasonable fee for copies of or providing +access to or distributing Project Gutenberg-tm electronic works provided +that + +- You pay a royalty fee of 20% of the gross profits you derive from + the use of Project Gutenberg-tm works calculated using the method + you already use to calculate your applicable taxes. The fee is + owed to the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, but he + has agreed to donate royalties under this paragraph to the + Project Gutenberg Literary Archive Foundation. Royalty payments + must be paid within 60 days following each date on which you + prepare (or are legally required to prepare) your periodic tax + returns. Royalty payments should be clearly marked as such and + sent to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation at the + address specified in Section 4, "Information about donations to + the Project Gutenberg Literary Archive Foundation." + +- You provide a full refund of any money paid by a user who notifies + you in writing (or by e-mail) within 30 days of receipt that s/he + does not agree to the terms of the full Project Gutenberg-tm + License. You must require such a user to return or + destroy all copies of the works possessed in a physical medium + and discontinue all use of and all access to other copies of + Project Gutenberg-tm works. + +- You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any + money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the + electronic work is discovered and reported to you within 90 days + of receipt of the work. + +- You comply with all other terms of this agreement for free + distribution of Project Gutenberg-tm works. + +1.E.9. If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm +electronic work or group of works on different terms than are set +forth in this agreement, you must obtain permission in writing from +both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael +Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark. Contact the +Foundation as set forth in Section 3 below. + +1.F. + +1.F.1. Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable +effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread +public domain works in creating the Project Gutenberg-tm +collection. Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic +works, and the medium on which they may be stored, may contain +"Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or +corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual +property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a +computer virus, or computer codes that damage or cannot be read by +your equipment. + +1.F.2. LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the "Right +of Replacement or Refund" described in paragraph 1.F.3, the Project +Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project +Gutenberg-tm trademark, and any other party distributing a Project +Gutenberg-tm electronic work under this agreement, disclaim all +liability to you for damages, costs and expenses, including legal +fees. YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICT +LIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSE +PROVIDED IN PARAGRAPH F3. YOU AGREE THAT THE FOUNDATION, THE +TRADEMARK OWNER, AND ANY DISTRIBUTOR UNDER THIS AGREEMENT WILL NOT BE +LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR +INCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCH +DAMAGE. + +1.F.3. LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover a +defect in this electronic work within 90 days of receiving it, you can +receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a +written explanation to the person you received the work from. If you +received the work on a physical medium, you must return the medium with +your written explanation. The person or entity that provided you with +the defective work may elect to provide a replacement copy in lieu of a +refund. If you received the work electronically, the person or entity +providing it to you may choose to give you a second opportunity to +receive the work electronically in lieu of a refund. If the second copy +is also defective, you may demand a refund in writing without further +opportunities to fix the problem. + +1.F.4. Except for the limited right of replacement or refund set forth +in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER +WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO +WARRANTIES OF MERCHANTIBILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE. + +1.F.5. Some states do not allow disclaimers of certain implied +warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages. +If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the +law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be +interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by +the applicable state law. The invalidity or unenforceability of any +provision of this agreement shall not void the remaining provisions. + +1.F.6. INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the +trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone +providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance +with this agreement, and any volunteers associated with the production, +promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works, +harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees, +that arise directly or indirectly from any of the following which you do +or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm +work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any +Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause. + + +Section 2. Information about the Mission of Project Gutenberg-tm + +Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of +electronic works in formats readable by the widest variety of computers +including obsolete, old, middle-aged and new computers. It exists +because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from +people in all walks of life. + +Volunteers and financial support to provide volunteers with the +assistance they need are critical to reaching Project Gutenberg-tm's +goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will +remain freely available for generations to come. In 2001, the Project +Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure +and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations. +To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation +and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4 +and the Foundation web page at https://www.pglaf.org. + + +Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive +Foundation + +The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit +501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the +state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal +Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification +number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at +https://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg +Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent +permitted by U.S. federal laws and your state's laws. + +The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S. +Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered +throughout numerous locations. Its business office is located at +809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email +business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact +information can be found at the Foundation's web site and official +page at https://pglaf.org + +For additional contact information: + Dr. Gregory B. Newby + Chief Executive and Director + gbnewby@pglaf.org + + +Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg +Literary Archive Foundation + +Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide +spread public support and donations to carry out its mission of +increasing the number of public domain and licensed works that can be +freely distributed in machine readable form accessible by the widest +array of equipment including outdated equipment. Many small donations +($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt +status with the IRS. + +The Foundation is committed to complying with the laws regulating +charities and charitable donations in all 50 states of the United +States. Compliance requirements are not uniform and it takes a +considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up +with these requirements. We do not solicit donations in locations +where we have not received written confirmation of compliance. To +SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any +particular state visit https://pglaf.org + +While we cannot and do not solicit contributions from states where we +have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition +against accepting unsolicited donations from donors in such states who +approach us with offers to donate. + +International donations are gratefully accepted, but we cannot make +any statements concerning tax treatment of donations received from +outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff. + +Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation +methods and addresses. Donations are accepted in a number of other +ways including including checks, online payments and credit card +donations. To donate, please visit: https://pglaf.org/donate + + +Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic +works. + +Professor Michael S. Hart was the originator of the Project Gutenberg-tm +concept of a library of electronic works that could be freely shared +with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project +Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support. + + +Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed +editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S. +unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily +keep eBooks in compliance with any particular paper edition. + + +Most people start at our Web site which has the main PG search facility: + + https://www.gutenberg.org + +This Web site includes information about Project Gutenberg-tm, +including how to make donations to the Project Gutenberg Literary +Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to +subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks. + + +</pre> + +</body> +</html> diff --git a/31906-h/images/a_sousa.png b/31906-h/images/a_sousa.png Binary files differnew file mode 100644 index 0000000..3f1eefb --- /dev/null +++ b/31906-h/images/a_sousa.png |
