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| author | Roger Frank <rfrank@pglaf.org> | 2025-10-14 19:56:39 -0700 |
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You may copy it, give it away or +re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included +with this eBook or online at www.gutenberg.org + + +Title: Memorias de um pobre diabo + +Author: Bruno Henriques de Almeida Seabra + +Release Date: April 6, 2010 [EBook #31906] + +Language: Portuguese + +Character set encoding: ISO-8859-1 + +*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK MEMORIAS DE UM POBRE DIABO *** + + + + +Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images +of public domain material from Google Book Search) + + + + + + + + MEMORIAS + + DE + + UM POBRE DIABO + + POR + + ARISTOTELES DE SOUSA. + + + + RIO DE JANEIRO + + LIVRARIA LUSO-BRASILEIRA + + 30--RUA DA QUITANDA--30 + + + +MEMORIAS DE UM POBRE DIABO. + + + +LIVRARIA BRAZILEIRA + +DE + +TANCREDO DE BARROS PAIVA + +132, Rua do Lavradio, 132 + +Annuncia ás Terças-feiras no "Jornal do Commercio" + + + +Typographia--PERSEVERANÇA--rua do Hospicio n. 91 + +1868 + + + +MEMORIAS + +DE + +UM POBRE DIABO + +POR + +ARISTOTELES DE SOUSA. + + + + ARISTOTELES DE SOUSA. + + _Do autor._ + + + +RIO DE JANEIRO + +LIVRARIA LUSO-BRASILEIRA + +30--RUA DA QUITANDA--30 + + + + +Prologo. + +Pobreza não é vileza. Aviados andariam os vicios se fizessem conta dos +pobres. Por não ser a pobreza vicio, fogem della, até os... +escriptores... E como esperar _um pobre diabo_ que outrem, que não elle, +escreva _suas memorias_? + +Responda o respeitavel--Publico--, sujeito em quem nesta occasião não +descarrego a mais tremenda das descomposturas por amor á vazão deste +livrinho. Cá me fica ella, porém, de reserva para quando eu haja de +escrever algum _juizo critico_ sobre alheia obra. + +Eis ahi o que é um _prologo_; em latim--_exordium_, em +francez--_avant-propos_, no alemão--_Einleitung_, no inglez... +_foolery_, e em as outras linguas como queiram, excepto no grego quê por +fôrça será _pro-logos_, de _logos_ discurso, _pró_ antecipado, para se +não dizer que embaço. + +Este prologo e os capitulos seguintes são escriptos em portuguez, com +perdão do meu professor de grammatica. + + + + +PRIMEIRA PARTE. + + +CAPITULO I. + +Vim á luz ao pôr do sol, minutos antes do toque das Ave-Marias. Hora +fresca. No anno em que nasci, não appareceu nenhum cometa por cima de +mim. Não requeri para _vir á luz_ e, ai de nós! se o nascimento +dependesse de um--_como requer!_--A esta hora meio mundo não teria feito +a barba. + +Do dia do nascimento aos meus oito annos de idade, deram-se mil e uma +circumstancias; notem que não digo--_pormenores_ e aprendam a evitar um +_hespanholismo_. + + +CAPITULO II. + +Aos doze annos lia, escrevia, contava e até _grammaticava_, se dou +crédito ao attestado do meu professor, que, nesse tempo, escrevia deste +modo--_proFeçôr_. + +Ainda noje não atinei como aprendi a lêr, a escrever, a contar e a +grammaticar com um professor, que lia _Simeão da Nautica_ em vez de +_Simão de Nantua_, orthographava professor d'aquelle modo, contando +pelos dedos quando sommava 3+2+5?! + +Tambem já não tinha medo de almas do outro mundo. + + +CAPITULO III. + +Ouçam isto: + +--Senhor meu sobrinho! abeire-se cá, sommemos as nossas contas. Ha dous +mezes esteve vossê de cama, em risco de morrer entrevado, consequencias +das suas sahidas de casa a deshoras; pondo novamente os pés na rua foi +contrahir uma divida na importancia de oitenta e cinco mil e quinhentos +réis; aqui tenho a nota: + + 1 Vestido de cambraia de côr com babados... 15$000 + 1 Chale de lã e sêda....................... 10$000 + Dinheiro pedido........................... 6$000 + Juros..................................... 2$000 + 2 Pares de chinelas de saltinho............. 6$000 + 1 Peça de morim francez..................... 8$000 + 1 Vidro d'agua de Colonia................... 1$500 + 1 Dito de Patchouly......................... 1$000 + 1 Pente de tartaruga (imitação)............ 10$000 + 1 Pote de pomada............................ 1$000 + 1 Par de brincos (ouro de lei)............. 25$000 + Rs..... 85$500 + +pagos por mim ao Sr. Moreira, por honra das cinzas de meu irmão. Não +satisfeito com esta compra, que vossê diz ter feito para seu uso, como +se eu fosse algum pato, ave a mais estupida dos gallinheiros, tanto +assim que sempre ouvi chamar _pato_ a quem se deixa levar, sobretudo, +pelos _não me-deixes_ de certas mulheres; não satisfeito, dizia, ha oito +dias recebeu vossê uma _sova de peias_, em resposta aos desaforados +versos que dirigio á santa mulher do honrado visinho o Sr. Onofre. Somme +as parcellas, subtrahindo a _sova a seu favor_, e veja quanto me resta? +O embolso é a sua entrada para a escola de aprendizes marinheiros.... Vá +aprender a ser homem.... + +--E os meus estudos, tio? balbuciei. + +--Os seus estudos! replicou elle; o que estuda vossê? + +--Oh tio! o latim.... + +--Sim, o latim.... ha quatro annos anda vossê estudando o latim; e o que +sabe delle? + +--Já declino os _nominativos_, tio.... + +Que vergonha! eu chegava aos 16 annos! + + +CAPITULO IV. + +O excellente velho era homem de têmpera austera, não lia os jornaes. Se +os lesse teria visto que eu, apezar de haver gasto quatro annos para no +cabo chegar aos nominativos da _artinha_, por outro lado, dava provas do +meu talento. + +N'aquella idade já o _Camarão_ e o _Lagarto_, periodicos _literarios_, +_artisticos_, _politicos_ e _burlescos_ publicados então, chamavam a +attenção dos leitores, o primeiro para o meu artigo intitulado _O homem +deve ser sceptico_ e o outro sobre a minha poesia--_Ella_ (á qual meu +tio alludio quando fallou na santa mulher do nosso honrado visinho o Sr. +Onofre). + +O meu primeiro escripto que andou em letra redonda foi o artigo. Quem +conhece o gigante pelo dedo, conhecerá o artigo inteiro por este +começar:--«Eil-o cabisbaixo e taciturno fitando o horisonte da +existencia... Esqueleto de crenças resequidas, elle descrê da luz e das +trévas, de si e de todos, etc.» + +O _Camarão_, sem inquirir como póde a gente _cabisbaixa_ fitar o +horisonte da existencia, e muito menos a que animal pertencera o +_esqueleto de crenças resequidas_, rematava o encomio ao artigo com +estas palavras de arromba: + +«É de crêr que o joven e talentoso escriptor com o andar do tempo +modifique as doentias idéas, prematuramente bebidas nas fontes de +Benedicto Spinosa, J. J. Rousseau, Claudio Helvecio, e outros +materialistas. Asseveramos, no entanto, que se este artigo levasse o +nome de um destes autores--seria uma faisca electrica lançada no meio da +sociedade; tal é o vigor dos seus paradoxos...» + +Muito obrigado, aos Srs. Redactores do _Camarão_. + + +CAPITULO V. + +Quando escrevi--_O homem deve ser sceptico_, eu sabia onde ficava a +fonte de Helvecio, Rousseau, Spinosa e outros, que o _Camarão_ conhecia +igualmente, como no Japão a esta hora se sabe que hontem chegou o vapor +do Norte! Mas tal nomeada de literato consummado ganhei na opinião dos +ledores do _Camarão_, que a redacção do _Lagarto_, receiando +desequilibrar a prosperidade, poz logo á minha disposição todas as suas +columnas. + +Respondi á offerta enviando a minha--_Ella_. + +Tres dias depois, corria ella o mundo, inserta na 1.ª columna do 1.º +numero da 2.ª serie do periodico, levando na cabeça este chapelinho: + +«--A redacção do _Lagarto_ sente ineffavel satisfação dando aos seus +assignantes a grata noticia de haver o muito talentoso, muito sympathico +e já assaz conhecido autor do--_Homem deve ser sceptico_, honrado as +humildes columnas do nosso periodico com o prestigio do seu invejavel +nome. A poesia abaixo inserta, verdadeiro primor da imaginação, fôra o +melhor padrão da gloria de Petrarcha, se Petrarcha a escrevesse. +Felicitamo-nos, pois, reconhecendo que o mavioso poeta deste torrão, +reune em si conjunctamente as qualidades dos cysnes do Senna, do Tejo, +de Thebas, de Albião, de Torento, da Ausonia, etc.» + +Leiam a primeira estrophe _d'ella_: + + --Não sei dizer se a flôr da larangeira + É tão formosa, tão gentil, tão bella, + Como a flôr do jardim da phantasia, + A flôr do meu amor, a minha--_Ella_... + +Quem souber, diga. + +Vim a saber mais tarde que cysne Ausonio queria dizer--Virgilio; cysne +de Torento--Torquato Tasso; Cysne de Albião--Miltão; cysne de +Thebas--Pindaro; cysne do Tejo--Camões; cysne do Senna--Lamartine; cysne +da... n'uma palavra, que todos os poetas tem o seu _quê de pato_. + + +CAPITULO VI. + +Peroremos: meu tio não tentára torcer a minha vocação se lesse os +jornaes, ficando provado que se _ella_ fosse outra e não a pessoa da +Sra. D. Balbina, santa mulher do Sr. Onofre, de memoria não saudosa para +meus ossos, eu não teria levado a _sova de peias_ estreando na poesia. + +--Do berço á tumba só padece o genio! + + +CAPITULO VII. + +O irmão de meu pai não faltava quando promettia. + +Era seu dizer de todos os dias que o _cumprimento devia andar nas ancas +do prometter_, (ditado da maior embirração dos ministros). + +Prometteu-lhe no domingo, cumprio na segunda. + +Sahia-me eu lepido com a _artinha_ debaixo do braço. + +--Aonde vamos? pergunta. + +--A aula; respondo. + +--Não senhor, não é a aula, vamos para o arsenal de marinha... marche... + +--Eu juro ao tio... gaguejei, esfregando os olhos com as costas da mão, +de ora em diante estudar, como se fosse um boi... + +Tinham-me contado que se os bois fossem homens seriam grandes letrados. + +--Para boi caminha vossê, replica elle, que para bezerro não lhe falta +nada. + +Já estavamos no meio da rua. E a mulher do Sr. Onofre na janella. + +Nem de caso pensado, meu tio foi em direitura. Eu tinha desejado o +contrario... n'aquelle dia bastava eu desejar, para succeder ás avessas, +fosse o que fosse. + + +CAPITULO VIII. + +--Bom dia, vizinha; disse elle parando a um metro de distancia. + +--Deus lhe dê o mesmo; respondeu ella. + +--O vizinho Onofre, está? + +--Sahio. + +--Tinha a dar-lhe boa noticia. + +--Que noticia é, então? + +--A da entrada deste _meco_ para a companhia de aprendizes +marinheiros... além de outros, pelo atrevimento... a vizinha bem sabe... + +Para encobrir o pudor, que me colorio as faces, abri a artinha fingindo +declinar o _servus servi_, observando de esguelha a vizinha. + +--Por isso não vá agora o vizinho, acudio ella medindo as palavras, +desencaminhar o moço dos estudos.... sabe que... repelli o +atrevimento... Disse--_repelli_--em tom menor. + +--Desencaminhado anda elle, ha muito tempo, tornou meu tio... Ainda +hontem, fui saber no mercado que o nome deste madraço já corre em +_letras_ de _fórma_. + +O Sr. Onofre apontou na esquina. + +Patife! + + +CAPITULO IX. + +--Perguntava pelo vizinho. + +--Apre! diz o Sr. Onofre, já não se póde em dias de hoje comer +farinha... cára como o assucar... Como vai o rapazete? (continua, +dirigindo-me a palavra). + +Não me pude conter. Tudo quanto quizesse, menos rapazete diante da +mulher. + +--Sr. Onofre, investi, veja como falla!... Rapazete foi o senhor quando +tinha 16 annos; eu aos 16 annos não sou rapazete, sou um homem de muito +talento e escriptor de boa nota e como tal reconhecido pelo _Camarão_ e +pelo _Lagarto_, fique sabendo, se não sabe lêr. Se o senhor me chama +rapazete porque não tenho barbas, saiba que não faço caso de cabellos, +desses distinctivos do toucinho ordinario, e que não tenho barbas porque +não as quero ter. E de mais, assim como ha mulheres as quaes não sendo +do genero masculino têm barbas, de igual modo, ha homens os quaes não +sendo do genero feminino não as têm... + +Os circumstantes pasmaram. + +De relance, pensei que meu tio gostara da resposta, quando... zás... +atira-me uma tapona, verdadeira tapona, tapona com todos os ff e rr e +mais esta addenda: + +--Leve, malcriado, para môlho do _Camarão_ mais do seu _Lagarto_. + + +CAPITULO X. + +Atirando o Antonio Pereira pelos ares, deixando voar o chapéo, deitei a +correr pela rua fóra, enfiando-me pelo primeiro becco, como navio +fugindo do temporal pela primeira enseada. + +Abençoado becco! + +Abençoadas pernas! + +Abençoados oitenta e cinco mil e quinhentos réis, pagos por meu tio ao +Sr. Moreira! + +Abençoado tambem seja o dito Sr. Moreira, pelo bom conceito, que fez do +meu credito! + +Bem empregados oitenta e cinco mil e quinhentos réis dispendidos +comtigo,--Aurora! + + +CAPITULO XI. + +Na aurora da vida, ao alvorecer do amor, a primeira mulher que amei +chamava-se--Aurora! + +Como é poetica esta coincidencia, e como ficou bem phraseada! Quando eu +for homem celebre ahi fica o thema para uma Epopéa. + +Aurora morava no becco! + +Relatei-lhe a occurrencia, guardando reserva ácerca da tapona. + +Para ganhar mais no seu coração, fallei nos oitenta e cinco mil e +quinhentos réis, acrescentando, se eu tal adivinhára houvera empenhado +na loja do Sr. Moreira todos os teres e haveres de meu tio. + +O galanteio influe naturalmente no coração da mulher, soube aos 16 +annos, antes de saber latim, e, conseguintemente, antes de lêr Ovidio. + +O numero do _Camarão_ onde vinha inserto o meu artigo _O homem deve ser +sceptico_, e o do _Lagarto_ onde vinha a _Ella_, andavam comigo como +talismans. Tirei do bolso o _Lagarto_ e dei a Aurora para lêr os versos, +declarando serem feitos quando pensava n'ella. + +A rapariga ainda ignorava mais essa prova de amor, (que tão cara me +sahira quando a dei á visinha). + +A ultima quadra commoveu-a de uma vez: tambem era o _sentimentalismo_ +metrificado. + +Que peito de mulher não commoverá esta quadra: + + «Sê minha? Serei teu.... abre-me os braços.... + Voemos deste mundo.... Sacuras + Fujamos do paul.... vamos, querida, + Fazer o nosso ninho nas alturas?! + +Aurora lia soletrando palavra por palavra. Quando acabou de lêr eu +estava com fome. Davam tres horas da tarde: + + +CAPITULO XII. + +Eu contava 16 annos. + +Aurora cerca de 26. + +Meu tio ignorava o rumo, que eu tomara, em seguida a tapona; Aurora não +tinha a quem désse contas do rumo e nem quem lhe désse taponas. + +Eu precisava de _credito_ no coração de Aurora; Aurora _creditava_ meu +amor... + +N'uma palavra, se me afiançam dous dias, tão saudosos, como os que +passei ao abrigo de Aurora, vá feito, aceito uma tapona de tres em tres +dias... Não posso ser mais rasoavel. + + +CAPITULO XIII. + +Verdade lizas diziam os antigos, diziam elles: _hospede ao terceiro dia +fede._ + +Na casa do proprio amor, tres dias depois, não cheira o hospede. + +Ao quarto dia, me disse Aurora: + +--Não te amuas comigo? + +--Porque? perguntei. + +--Se eu te disser a verdade? + +--Não. + +--És um _empecilho_... + +--Só? + +--E é pouco? + +Era de facto assaz. Puz-me a pensar. + +--No que pensas? tornou ella. + +--Na cousa mais simples deste mundo. + +--Qual? + +--N'um chapéo... + +--Por fallares em chapéo, de quem será um, que anda pelo sotão? + +--Poderá ser meu... anda vêr... + +A rapariga não se deixou rogar. Lesta foi, lesta voltou. + +--É justamente meu, clamei, antes de pôr o chapéo na cabeça. + +O chapéo era tanto meu como de quem me ouve. Ficava-me na cabeça por +muito obsequio. + +--Acautela-te, acudio Aurora, olha que elle quer subir... + +--Aurora, lhe disse com seriedade, toma um beijo... é tudo quanto posso +dar-te, como lembrança de minha gratidão... + +Ao proferir a palavra gratidão--cresceu-me o nó da garganta. + +--Não me deves nada, meu querido, respondeu a meia voz. Eu sinto muito +mas... tu sabes... + +--Sei... tens razão... adeus... + +Beijamo-nos... + +--Tornas ao tio? + +--Torno. + +Sahi. + +--Pois, se tornares ao tio, rematou ella fechando a porta, apparece por +aqui de quando em quando... + +--Se tornares ao tio, repeti a mim mesmo, sim! se tornares ao tio, isto +é, quando tiveres casa, a minha estará as tuas ordens... Agradecido, +Aurora. + +No entanto, Aurora tinha coração. + +Assim houvesse ella juizo. + + +CAPITULO XIV. + +Entrei em casa com cara de quem voltava da missa. + +Meu tio estava almoçando. + +--Quem é? perguntou ouvindo os meus passos, e sem volver os olhos. + +--Sou eu... tio... respondi, entre dentes. + +--Quem? + +--O Sr. moço; respondeu por mim Nicoláo. + +--Senta-te, meu filho; o almoço não se diminuio, nem o jantar... nem o +amor. Disse com natural bondade. + +A minha cadeira estava como d'antes á sua esquerda, o talher e o prato +no lugar do costume. + +Sentei-me e cruzei os braços como um penitente. + +Meu tio continuou a almoçar sem dar palavra. + +Eu tinha almoçado no becco... + +Nicoláo trouxe a nata, sobremesa que meu tio nunca dispensava ao almoço. +Regeitou-a. O preto carregou as sobrancelhas admirado. Pôz-lhe o café na +chicara; sorveu-o e, emfim, levantou-se. + +Levantei-me tambem. + +--Agora venha esta sobremesa, melhor que todas as natas, disse abrindo +os braços. + +Atirei-me n'elles como o prodigo nos de seu pae. + +Solucei devéras, pela primeira vez em dias de minha vida. + +Tambem pela primeira vez a modo que vi lagrimas nos olhos de meu tio. + +Este capitulo ia tomando fórma de _eça_? + + +CAPITULO XV. + +Nasceram-me n'aquelle dia os dentes do siso. + +Oito mezes depois, fui examinado e aprovado _cum laude_ em latim e +francez. Após dous annos, em geographia e historia, philosophia, +rhetorica e lingua tupy. Presidio aos exames um bispo. + +As pitadas de algebra e geometria, inglez, physica e chimica, tomei-as +mais tarde aqui no Rio de Janeiro. + +Reunindo tudo o que sei, fico sabendo conscienciosamente que careço +aprender tudo de novo, menos o methodo de passar por sabio. + + +EPILOGO DA PRIMEIRA PARTE. + +Os ultimos dias dos meus dezenove annos correram nesta côrte. + +Meu tio já havia fallecido quando deixei o torrão natal: + +A santa mulher do Sr. Onofre enviuvado segunda vez: + +O redactor em chefe do _Camarão_, pedido demissão de supplente de +delegado de policia, por desaccordo politico com o redactor do +_Lagarto_, que se fizera genro do delegado. + +Se as cousas não pararam alli, a esta hora o delegado está avô de alguns +netos, estes inspectores de quarteirão e a Sra. Balbina viuva pela +quinta vez. + +Mulher de nome Balbina, perca as esperanças, comigo não casa. + + + + +SEGUNDA PARTE. + + +CAPITULO I. + +Devo muito ao Rio de Janeiro, não é por estar na sua presença. + +Ha um sentimento que eleva o cão acima de muitos homens: o +reconhecimento do bem que se lhe faz. + +Verdade, verdade; por esse lado, corro parelhas com a parentella de +Pythagoras, cada vez mais numerosa, apezar das _bolas_. + +Quando cheguei a esta capital, contava ella apenas _seis peccados +mortaes_; dias depois, prefazia o numero dos indicados na cartilha. + +Não vim prefazer o setimo, como já pensaram; foi o ministerio n. 7, que +se criou depois da minha chegada. + +De haver a minha estrella influido para essa _criação_, é que não é +nenhum juizo temerario, caipora depois de mim, só eu mesmo. + +Isto não é politica. + +Lembro-me que o programma do _Camarão_ rematava assim (_vide esse +periodico n. 1, I.ª colum. ultimas linhas_). + +«Não somos politicos; a politica é uma escada; os _tolos_ são os degráos +por onde os _ladinos_ sobem....» + +Bem bonita definição. + +«Não somos _tão tolos_, continuava a rezar o programma, que de nós +deixemos fazer degráos, nem _tão ladinos_ que queiramos subir.» + +Linda epigraphe para a testa de um _jornal_ intitulado _O modesto_. + +E, pois, nunca fui _tão tolo_ nem _tão ladino_, isto é, _politico_. + +O que eu aspirava _ex-corde_, dos _seios da alma_, como hoje dizem, +dando a alma a propriedade de _amas de leite_, era ser _literato_. + + +CAPITULO II. + +Ser literato... fosse como fosse, custasse o que custasse, desse no que +desse, era o meu diuturno desejo. + +Sahi do torrão natal no firme proposito de estudar _mathematicas_ e os +primeiros livros que comprei nesta côrte foram o _Diccionario poetico_, +por Candido Lusitano e o das _Rimas_ por Beltrano de Tal Guerreiro. + +Eu era um _montão de poetas_ a um só tempo, não se enganara o _Lagarto_. + +Todas as paixões me ferviam dentro da alma, como a um tempo fervem +muitas panellas n'um só fogão. + +Na segunda feira, eu era poeta sceptico e crente; na terça, ascetico e +materialista; na quarta, pudico e licencioso, e d'ahi até o domingo, +mais seis poetas extremamente oppostos. + +Animações choviam. + +Os _jornaes diarios_ e _periodicos_, a partir dos mais rispidos e +terminando na benevolentissima _Marmota Fluminense_, me gritavam +_avante_! + +Se eu dava á luz uma poesia recendendo scepticismo--é Byron, é +Voltaire... diziam elles; se asceticismo--é o novo padre Caldas, é +Racine (pai e filho), é o nosso David... se materialismo--é, outra vez, +Byron, Piron, Parny... se tristeza--André Chénier e mais quatro; se +facecia--é Bocage, Diniz e não sei quaes mais... se pudicicia e amor, +não tem que vêr,--é Bernardim Ribeiro e até Sapho! se epigramma--é +Juvenal, é Marcial, é Nicoláo Tolentino e mais tres vivos, sendo um +destes o meu amigo Faustino Xavier de Novaes... se... o menos que me +chamaram foi Homero! + +E o echo repercutia pelos angulos do imperio--Homero! + +Estavam cumpridas as prophecias do _Camarão_ mais do _Lagarto_: na minha +vanguarda não se via outro literato mais consummado. + +E quando ao por do sol, do postigo das minhas aguas-furtadas, eu +percorria in mente as paginas da literatura de todas as nações partindo +do 1.º até o 19.º seculos, eu desdenhava os genios com a sobranceria do +Pão d'Assucar contemplando as microscopicas ilhas dispersas pelo oceano, +como pés de repolhos á tona d'agua. + + +CAPITULO III. + +Aos vinte e dous annos colleccionei meus manuscritos que, impressos, +dariam tres volumes, inclusive versos e prosas, romances e dramas, +comedias e algumas maximas. + +Dirigia-me ao prélo com os originaes do primeiro volume (poesias), +quando encontrei o maior enthusiasta e admirador do genio que o céo +cobre, moço de 25 annos de idade, bacharelado em letras pelo collegio de +Pedro II. + +--Que andas fazendo, meu poeta? perguntou elle. + +--Vou á typographia, respondi. + +--O que estás imprimindo? + +--As minhas obras, disse enchendo a bocca.... + +--Meus parabens, a ti e ao Brazil. Ora, graças a Deus! vamos ter uma +literatura patria. + +Enguli a pilula sem difficuldade, como outros muitos a--tem engulido +depois de mim. + +--Quantos volumes? + +--Tres. + +--Só?! clamou admirado. + +Como se aos vinte e dous annos de idade tres volumes de asneiras não +bastassem. + +--E quando sahem? + +--Breve, aqui levo os originaes do primeiro volume. + +--Permittes?.... + +--Pódes vêr. + +O bacharel, meu amigo e enthusiasta, depois de varrer duas vezes com os +olhos os originaes, assim se exprimio, como quem entendia do riscado. + +--O titulo abrange o _totum_; direi até--este titulo foi inspirado e +leu. + + «_Horas incertas + Versos, prosas e comedias, + Dramas, maximas e pensamentos + do + Exilio._» + +--É como digo, proseguio; isto que é saber achar um titulo. Horas +incertas! quanta profundeza nestas duas palavras _horas incertas!..._ Se +as horas da vida são incertas, mais incertas são as horas do genio.... + +(Sim, porque o genio não tem horas certas, é da sua indole não saber +nunca a quantas anda.) + +--Concedes-me uma observação. + +--Faze-a. + +--Gósto de tudo isto, tudo isto é grande, menos a epigraphe. Esta +epigraphe não cabe nas obras de um genio.... E leu a epigraphe: + + «Joios da adolescencia levados á praça pela precisão.» + +--Joios! chamar joios a um celeiro de trigo são! e depois, levados á +praça pela precisão! que significa isto? + +--Eu te explico.... + +--Não pergunto por ignorar o teu pensamento; sinto-lhe a essencia; sei o +que tu queres dizer: levados á praça pela precisão, todos entenderão a +elipse, pela precisão de... voar... sim, de voar, porque o genio precisa +voar como a aguia, como o condor. Os malevolos, porém e invejosos cujas +linguas não poupam os genios, esses dirão ser a precisão de dinheiro, +apezar de todos saberem que tu de dinheiro não precisas... + +Estavam adiantados! era justamente do que eu mais precisava[1]. + +--Ou precisas? perguntou com ar de quem responderia sentir muito não me +poder servir na occasião, se lhe eu respondesse pela affirmativa. + +--Ora... desdenhei. Eu lá careço de dinheiro! + +--Se precisas, tornou animadamente, não faças ceremonia comigo. + +E sem esperar pelo _muito obrigado_, continuou. + +--O estylo é o homem, disse Buffon; por minha vez tambem digo: o nome do +autor é a epigraphe do seu livro; tu não te deves rebaixar deitando +outra epigraphe nas tuas obras que não teu proprio nome. + +Á vista disto, chegando ao prélo borrei a epigraphe. + + +CAPITULO IV. + +Já se achava quasi finda a impressão do primeiro volume, quando em um +bom dia recebi este bilhete traçado a lapis: + +«Illm. Sr.--Vou suspender a impressão das suas poesias, até que V. S. +satisfaça a importancia de 113$500 das ultimas folhas impressas.» + +Subi ás nuvens. O recadinho vinha escripto no reverso da prova de uma +das minhas mais mimosas poesias. + +Tomei a penna e desanquei o recado com esta resposta: + +«Illm. Sr.--Que eu deva não admira, todos os autores celebres têm +contrahido dividas com a imprensa, e sabem todos que a machina inventada +por Guttemberg não é simplesmente machina de imprimir, é tambem _machina +de abonar o credito dos homens_. O que, porém, admira até os calcanhares +é um sectario de Guttemberg menospresar a seiva, digamos assim, de que +se nutre a imprensa, isto é, os fructos da intelligencia. V. S. é um +renegado, queira perdoar. Commetteu crime de leza-literattura-nacional +traçando o seu recado nas costas, digo, no reverso da prova da minha +poesia intitulada a _Piroga_! Suspenda, portanto, a continuação da +impressão do meu volume, até minha segunda ordem.» + +Levou a lição! + + +CAPITULO V. + +Em verdade, eu devia ao prélo cento e treze mil e quinhentos réis. + +Do que me gabo hoje é que, actualmente nas typographias, o credito dos +escriptores não monta áquella quantia. + +--Diabo!.. ruminei, alguns jornaes já annunciaram o proximo +apparecimento de minhas poesias: se não satisfaço a conta pára a +impressão; se a impressão pára, começam os typographos a decorar os +versos impressos... elles então que são _cantadores de modinhas_! e +decorados, adeus novidade! Ruminando na solucção do imprevisto embaraço, +fui interrompido pelo padre Severino. Conhecem-o? + +Eu tambem já o-conhecia. + +O reverendo entrou pelo meu habitaculo clamando: + + --Leva-me preso comtigo + N'um fio dos teus cabellos! + +--Glose este motte, meu poeta. + +Nós já nos não respeitavamos. + +--Ouça isto, foi proseguindo: + + Não se sabe apartar quem ama e pena, + E quem nisto é mais fraco, este é mais forte; + A dôr da mesma morte é mais pequena, + Que quem morre melhora muito a sorte; + Quem morre acaba o mal, quê toda a pena + Dura co'a vida sem passar da morte: + Maior pena padece o que está ausente, + Pois morre de saudade e morto sente. + +--O que acha? + +--Que li algures... + +--Onde homem? isto é meu e muito meu. Pensa vossê que só faz versos? Por +mais prosa que a gente seja, batendo-lhe devéras o coração, torna-se +poeta. Adivinhe o que me succedeu? + +--Suspenderam-lhe as ordens... + +--Assim fosse; cousa mais seria; partio para a Bahia a Mariquinhas... + +--Qual dellas? o padre falla em tantas... + +--A da rua da Lapa, a unica Mariquinhas, que tenho confessado, de olhos +azúes. O marido foi removido. + +--Coitado do homem! + +--Faça idéa do meu pezar ao receber esta noticia, chegando hontem de +Petropolis. + +--Avalio! + +--Vossê, deve escrever um artigo contra o ministerio, tosando a valer o +ministro da fazenda. Isso é cousa que se pratique, remover d'aqui para +alli e sem porquê um pobre empregado publico? + +--E de mais a mais casado!... + +--E querem moralidade, e exigem honradez da pobreza obrigando-a a fazer +sacrificios... escreva o artigo, mostre tambem saber prosa. + +--Mas, padre, porque não o-escreve vossê, que é o interessado? + +--Muito obrigado! então vossê porque não é padre, não se interessa pelos +seus semelhantes? + + _Non sibi soli se natum homo_ + _Meminerit..._ + +Seja menos egoista meu poeta, e glose o motte: + + Leva-me preso comtigo + N'um fio dos teus cabellos, + +que é para eu remetter com aquella oitava a Mariquinhas. Quero uma +decima triste, triste como o _miserere_. + +--Temos outra. Pois se o padre é quem está triste, porque não compõe a +glosa? + +--Porque tenho que pregar um sermão na quinta-feira, o vapor sahe amanhã +para a Bahia e hoje é terça. + +--Pois eu, reverendo, não terei cabeça para glosar motte algum, emquanto +não resolver este problema: cento e treze mil e quinhentos réis, que +devo, estão para o que tenho, como o que tenho está para X... + +E ficamos a olhar um para o outro, durante cinco minutos. + + +CAPITULO VI. + +--É como conto, tornei interrompendo o silencio, devo cento e treze mil +e quinhentos réis e não possuo um real para chamariz dos outros. + +--A quem deve? + +--Á typographia onde estou imprimindo as minhas poesias. + +--Vossê ha de ter algum amigo, que lhe empreste essa quantia, nem por +isso é grande. + +--Empresta-m'a o padre? + +--Eu? pobre de mim! Meu caro, nós os padres não ganhamos, como +vulgarmente se pensa, mundos e fundos. Quantas vezes tenho, em vez de +encommendar á Deus, encommendado ao diabo algumas almas... uma +encommendação por dous mil réis só feita ao diabo! Já não se póde viver +nesta côrte, acredite-me, encommendando; e por fallar nisto, vou vêr se +fallo ao vigario capitular, quero conseguir ao menos, a nomeação de +vigario encommendado. Até breve, meu poeta. Tomára já vêl-o em outra +posição. + +E sahio. + +E que me dizem?... + + +CAPITULO VII. + +Suggerio-me á mente uma ideia a visita do padre. Havia elle, dias antes, +publicado um estirado artigo relativamente á instrucção publica e com +particularidade á _desmoralisação do clero_. Quanto a esta não sei se +fallou de cadeira, lá quanto á instrucção deixou impressas mil +barbaridades. + +--Se o conselho da instrucção publica, pensei, mandasse admittir nas +escolas as minhas maximas? E porque não? As de La Rochefoucauld são +muito sediças; as do marquez de Maricá inadmissiveis por extensas; as de +Vauvenargues ninguem ainda leu; as do conselheiro Bastos ultramontanas +exageradas; as de Montesquieu são carapuças politicas; as... as minhas +são modernas... e, approvadas pelo conselho da instrucção publica, +editores não faltarão. + +Estava dada solução ao embaraço dos cento e treze mil e quinhentos; +vendi, in-mente, a primeira edição das maximas. + +Nesse mesmo dia fiz o requerimento ao conselho da instrucção publica +remettendo os originaes. As sommas das maximas montava ao numero 1250, +sendo algumas rimadas e outras anotadas--entre parenthesis. + +Apreciem-me por esse lado, emquanto avio a lavadeira, que chega a pello. + + +CAPITULO VIII. + +A VIDA:--A vida é um _pique-nique_, e nós, ainda os mais refinados +caloteiros, havemos de pagar o nosso _escote_ á morte. + +(Para these dos sermões de quarta feira de cinza não conheço outra. O +_memento homo_ já não produz nada...) + + +VERDADE:--Uma verdade é uma mentira ás avessas. + +(Difinição a mais clara possivel). + + +DISPENSA:--[2] A mulher que pensa + Engorda a dispensa. + +(E a familia toda. Na casa das minhas avós até as baratas da dispensa +eram gordas, não fallando nos ratos). + + +AMOR:--O amôr + Não tem côr. + +(Neguem, se são capazes). + + +AMAR:--Quem ama perdoa, + E não vive á toa. + + +CIDADÃO:--O cidadão deve ser para a patria o que o menino é para a escola. + +(Conhecem moralista mais governista?) + + +FALLAR:--Quanto menos fallares ao jantar, + Menos fome terás ao ceiar. + +(Lição altamente economica). + + +CHÁ DO VISINHO:--Ha pessoas que tem quebrado muitas abas de chapéo fino +e sujado muitas luvas de pellica--pela obrigação de uma chicara de chá +do visinho. + +(Conheço tres duzias). + + +PROSPERIDADE HUMANA:--Prosperaria mais a humanidade, se os padres +semeassem trigo em vez de absurdos. + +(Não creio nisso; escrevi a maxima para bolir com o padre Ventura, que +então ainda vivia.) + + +CONDECORAÇÕES:--Se as condecorações estimulassem o caracter para o bem, +a esta hora no Brasil não haveria máos caracteres. + +(Negarei a paternidade desta maxima, quando fôr commendador). + + +BAPTISMO:--O baptismo só é util pelo lado da estatistica. + +(Esta é para bolir com o padre Severino.) + + +ATHEO:--O atheo é um ente tão desprezivel, que, não achando entre os +homens quem queira ser seu inimigo, faz-se inimigo de Deus. + +(Esta salva as memorias da condemnação do index). + +& & & & & & & & & & & & + + +CAPITULO IX. + +Primeiro que as maximas obtivessem despacho, recebi da minha terra uma +carta do muito probo Sr. Silva, cognominado pelo vulgo o _tira pelle_, +negociante com armazem de _seccos e molhados_ na travessa da Forquilha. + +Recommendo este estabelecimento aos que procuram do bom e barato. + +O vulgo, que sempre ha de mostrar ser vulgo, cousa baixa e vil e mais +baixa e mais vil depois das eleições concluidas, cognominára _tira +pelle_ a esse honrado cavalheiro por um facto, que, em seu nome, +justificarei. + +O Sr. Silva nunca tirou nem pretendeu tirar o couro, quanto mais a +pelle, á ninguem.... obrigaram-o a isso. + +O meu amigo, actualmente negociante matriculado, começou a vida +refinando assucar. Honra lhe seja feita, antes principiar a vida +refinando assucar do que leval-a ao cabo na qualidade de refinado vadio, +ou refinadissimo velhaco. + +Achava-se certa vez na sua labutação, quando apparece na cosinha um +individuo, que entrou pela casa como se fosse o dono. + +--Sr. Silva! diz o individuo com má catadura. + +--Bom dia, Sr. Alves, acode o laborioso refinador; e foi continuando a +mecher o tacho com a grande escumadeira. + +--Não temos cá bons dias! replica Alves. Quero que diga, quantas arrobas +de mascavo-claro mandei refinar. + +--Cinco, respondeu o refinador. + +--Justas, cinco; e quantas enviou? + +--Quatro e meia. + +--Justas, quatro e meia. Quatro e meia, sim, quatro e meia.... porém, +duas e meia de assucar e as outras do que, Sr. Silva? + +--Tambem de assucar, está claro. + +--De assucar.... de assucar, êim, Sr. Silva? Digo-lhe, todavia, que +entendo de refinação.... + +--Não duvido. + +--Duvide ou não duvide, o que digo, digo. E quando digo que cinco +arrobas de assucar são cento e sessenta libras, é porque sei que uma +arroba, seja lá do que fôr, tem trinta e duas libras. Ora, sendo certo, +como é incontestavel, que cada arroba de mascavo-claro perde na +refinação, quando muito cinco libras, é porque tambem sei que em cinco +arrobas perderá vinte e cinco, já que a taboada quer que cinco vezes +cinco sejam vinte e cinco. + +--Noves fóra sete, diz rindo-se Silva. + +--Não preciso que o senhor me ensine a tirar os _noves fóra_, o que +preciso é saber como é isto.... + +--O que? pergunta o outro. + +--Que devendo eu, por consequencia, receber quatro arrobas e sete libras +de assucar refinado, recebi quatro arrobas e meia? + +--Está-se mettendo pelos olhos; é que mandei nove libras de mais, +segundo a sua taboada. + +--A taboada não é minha, Sr. Silva! brada Alves, enfurecendo-se mais. A +taboada é de todo o mundo, entendeu? + +--Entendi... entendi... responde o meu amigo com santa calma. + +--O que é meu é o calculo, e, conforme calculei, entre as quatro e meia +arrobas de assucar, foram duas de arêa, fique sabendo de arêa... + +--De arêa? acode o refinador cahindo das estrelas; essa agora é sua... +ou então o portador... + +--Não temos aqui portador nem portadores. Os meus caixeiros são homens +de bem, e o senhor devia saber que, sendo meu freguez o presidente da +camara, mais dia menos dia, eu seria multado pela sua... e engulio a +palavra. + +--Solte a palavra... brada Silva. + +--A palavra é ladroeira, responde Alves. + +--Então sou ladrão? Diga, se é capaz, sou ou não sou? + +Alves não se intimidou e asseverou; + +--É, é, e é ladrão, e ladrão refinado... + +O meu amigo não podia ser mais prudente do que o foi até alli. A +prudencia, porém, tem o seu termo. Alves não previu que, obrigando o +honrado refinador a sahir fóra do termo da prudencia uma pollegada, +sugeitava-se a receber, como recebeu, na cara a escumadeira impregnada +de assucar em calda a ferver. Sem esperar repetição da dóse, Alves sahio +vendendo mel ás canadas. + +Quinze dias depois tinha a mesma cara, menos a pelle. + +Propalado o caso, deu-se ao meu amigo o cognome citado, que nada teve +com a substituição do assucar trocado por arêa, como prova a carta a +qual me repórto. + + +CAPITULO X. + +Eis a carta em capitulo separado. + +«Illm. Sr. (_Historica._) + + Presadissimo amigo. + +«Inclusa remetto a V. S. uma letra saccada a seu favor sobre a casa +Souto & C., dessa côrte, obsequio que faço a sua madrinha de baptismo, +viuva do seu padrinho, ultimamente fallecido. Sendo-lhe deixada em +testamento pelo dito fallecido, pelo que aceite os meus pezames, a +quantia de 450$000, a letra vai saccada no valor de 437$820 por +_subtração_ a que tenho direito de 12$180, sendo: + + Direito de confiança, 2%.............. 9$000 + Sello e seguro desta.................. 1$180 + Papel e expediente.................... 2$000 + Somma.................... 12$180 + +«Poupe o seu dinheiro, meu amigo, olhe que muito custa _havel-o_. + + «Sou seu amigo e criado.» + +Não foi elle quem grifou a palavra subtracção. + + +CAPITULO XI. + +Quando o conselho da instrucção publica deu este despacho ao meu +requerimento: «_Junte o supplicante folhas corridas_», eu já não +precisava de editor para as maximas.--Resgatado da imprensa o meu 1.º +volume já corria pelo mundo. + +Estava saboreando a leitura do mais pomposo elogio, que jámais se teceu +a nenhum outro homem de letras, quando entrou o Sr. Gusmão. O Sr. Gusmão +era typographo e trabalhava na officina onde se imprimio o volume. Vinha +buscar os originaes do segundo. + +--Meu caro Sr. Gusmão, assente-se, então como vai? + +--Remendando a vida. + +--Já leu o meu livro? + +--Sim, senhor. + +--Francamente, como o-acha? + +--Volumoso... + +--Volumoso, sim, quasi que abrange trezentas paginas. Já comecei a urdir +um poema heroico. + +--Que titulo? + +--Homem, ainda não sei; talvez lhe ponha o titulo em lingua indigena, +quero vêr se desperto a literatura nacional. + +--É muito preciso. + +--Se o-é. O Sr. Gusmão entende de poesias? + +--Gosto de lêr, sim, senhor. + +--De qual genero gosta mais? + +--De todos, sendo a poesia boa. + +--Gosta do meu genero? + +--Qual é? + +--São todos, pois os jornaes não disseram que eu primo em todos os +generos? Então não leu o meu livro? + +--O senhor sabe, lêr é um caso e compôr é outro. Na qualidade de +compositor li-o quando o-compunha, na qualidade, de leitor, propriamente +dito, ainda não o-li. + +--Então não sabe dizer se os versos são bons, se as rimas ricas, se é +corrente a grammatica, se ha ideia... + +--Mas V. S. deve estar contente com a opinião dos jornaes. + +--Contentissimo. De cada vez que leio um elogio releio o volume, e +quando acabo de relêr a este tenho vontade de escrever outro. + +--Lá isso ha de ter. + +--Diga com franqueza, nem de passagem notou tal ou qual defeito? + +--Ninguem anda isento delles. + +--Nos versos? + +--A sua metrificação é regular. + +--Nas rimas? + +--As rimas são toleraveis, excepto algumas como, por exemplo, _nuvem_ +com _houve_... + +--E que diz da dicção? + +--A dicção... + +--Seja franco, eu não sou parente daquelle cura, que foi amo de +Gil-Braz. + +--Como pede franqueza direi que, se não fosse a grammatica, o livrinho +podia passar incolume, mas a sua grammatica é muito differente d'aquella +por onde aprendi. + +--Aprendi pela do Lobato. + +--Então é a mesma. Queira vêr os originaes do segundo volume. + +--Ainda não os-reuni todos, volte amanhã, se não fôr incommodo. Quer +fumar, offereço-lhe um charuto de Havana. + +--Não senhor, obrigado, eu não fumo se não charutos de vintem. + +Eu fiquei _fumando_... + + +CAPITULO XII. + +De que lado estava a verdade, do Sr. Gusmão ou dos jornaes? Afinal de +contas, o typographo tinha razão. Entretanto, a primeira parte do meu +_celeiro de bom trigo_, no conceito do meu amigo bacharel, estava +esgotada! + +Hoje, quando corro os olhos pelo exemplar que, por castigo, releio uma +vez na semana, dirijo ao creador este acto de contricção: «Meu Deus e +meu Senhor! por serdes vós, quem sois, permitti que os irmãos deste +exemplar caiam todos n'uma padaria e passem para as fornalhas como +auxiliares da lenha, que nesse dia cosinhe os pães! São elhas por elhas, +Senhor, trigo cosinhando trigo. Amen.» + + +CAPITULO XIII. + +Ao outro dia recebi o Sr. Gusmão entre os braços. + +--Entre, meu amigo, assente-se e conversemos. Ainda aqui está o charuto +de Havana, aceite-o. + +--Obrigado, mas não aceito, insistio o homem. Penso diversamente dos +outros; o que não posso sustentar todos os dias, não alardeio uma vez. +Demais, habituado a fumar charutos de vintem, sabem-me a _pessimos_ os +de tostão para cima. + +--Respeito o seu modo de pensar. Dou-lhe parte que suspendo a publicação +das minhas obras. + +--Então tomou a peito a opinião de um typographo? + +--E o typographo não póde ter opinião aceitavel, não póde saber +grammatica? + +--Que opinião póde ter o homem, que anda de ventanilha? Lá quanto a +grammatica devia saber. Onde me vê, com o pouco que entendo della, tenho +salvo a reputação futura de muitos escriptores, aliás intelligencias +brilhantes, emendando-lhes, quando componho seus originaes, erros de +tirar couro e cabello... + +--Ora, Sr. Gusmão, porque não emendou os meus? + +--O senhor desejava um volume de trezentas paginas e se eu corrigisse os +seus descuidos não ficava o livro com cem.... + +Apre! tambem esta foi de tirar couro e cabello! + + +EPILOGO DA SEGUNDA PARTE. + +Ahi vai em italico o que devo ao Rio de Janeiro; saiba o Imperio todo: + +--Devo o conhecimento do Sr. Gusmão,--que me mandou +aprender--grammatica--depois dos jornaes me haverem--chamado--Homero--! + +Cautela com as reputações. + + + + +TERCEIRA PARTE. + + +CAPITULO I. + +Cheguei ao estado de dizer com o philosopho grego: + + «_Omnia mea mecum porto._» + +Ignoro se os gregos fallavam latim no tempo de Bias. + +Cifravam-se as minhas posses em 25 annos de idade e na roupa do corpo, +sendo que essa já estava fóra da moda. + +O melhor excitante para o fastio do espirito é, incontestavelmente, a +privação. Essa é a razão porque no vigor da idade não são os desejos +vehementissimos, como aos 90 annos, na decrepitude, quando já se não +póde com um gato morto, para não dizer _gata_... e isso por ser a +privação, em todos os sentidos, irreparavel. Induza-se d'ahi o gráo da +minha excitação, privado de meios com os quaes satisfizesse desejos, +que, como vespas damnadas, me agrilhoavam por todos os modos e em todos +os sentidos?! + +Silencio, bocca!... + + +CAPITULO II. + +Sem credito literario diante dos meus proprios olhos--abertos pelo bom +senso do typographo Gusmão; sem abono-monetario diante de todos os olhos +fechados pelas minhas circumstancias; eu andava a pleno ar a procura de +um meio, que me arredasse do precipicio para cujas bordas já me +encaminhava--o jogo. Eu teria calado no fundo desse abysmo, se houvesse +tido para a primeira parada. + +Capitulos da altura deste não indigestam. Digerem como sorvas, e fazem +render um livro... + + +CAPITULO III. + +Todas as mulheres deviam collocar na alcova de orações um nicho, e +dentro delle o busto de Aristophanes. Ao mordaz atheniense são ellas +obrigadas pela reforma do meu juizo a seu respeito. Antes de lêr +_Lysistrata_, meu pensar era que as mulheres rezavam pela cartilha da +Sra. Balbina. + +Emendei-me, dando rédeas ao amor. + +Amei com impeto! como o leão seria capaz de amar, se as leôas das +brenhas soubessem como as das cidades--encarentar favores... + +O amor! o amor! Dizem que não come! se não comesse não se alojaria no +coração--que fica ás portas do estomago. + +Montaigne já o-chamava _sêde da mocidade_. + +Da sêde á fome vai só um passo. + + +CAPITULO IV. + + «Eu sempre ouvi dizer:--frade nem vivo, + Nem morto e nem pintado na parede.-- + A rasão deste dito salta aos olhos; + O que frades, outr'ora, não fizessem + Incumbir ao diabo era debalde: + E as chronicas referem muitos casos + De quináos, que ao diabo os frades deram. + Mas verdade verdade, o frade de hoje, + Labéo das frias cinzas de Epicuro, + Não chega ao calcanhar do velho frade.» + + Repetindo em voz alta estas blasphemias, + Os olhos affinquei n'um poento quadro, + Meu fiel companheiro no deserto + Em que a mão da fortuna me lançára. + + O quadro figurava um frei Rotundo, + Nutrido e nédio, rindo-se á sorrélfa + Da feia carantonha do diabo, + Que raivoso mordia um par de dados. + + Mingúa a humanidade a pouco e pouco! + Já se não topa mais um frei Bojudo + Estillando gordura ao sol em pino. + Que ditosa panella, a de outros tempos, + Onde cahisse o lenço de Alcobaça + Que limpasse o cachaço de algum frade! + Sahia a olha convertida em banha. + Hoje o frade, sequer, sabe o Larraga + Ou Brillat-Savarin. Dantes o frade + Era um poço ambulante de sciencias. + E os costumes? e o lar? se bem me lembro, + Algures li que, vós, ditosos monges, + Fostes, nas priscas eras dos conventos, + Pesadelo de todos os maridos, + E horror! horror! horror! das raparigas! + + «Illustre Guardião (clamo inspirado) + Tu mais que Belphegor sagaz nos tramas, + Mais roliço e mais sabio, tu me ensina + O meio de sahir destes apuros!» + + Avalie-se agora o que eram frades + Em tempos que lá vão,--que desenhados + Inda fazem milagres. Repentino + Me occorre um pensamento de alta monta. + + +CAPITULO V. + +Escrevi esta epistola: + +«Senhora.--Vós sois a belleza, de mimosos contornos; eu sou o bello, de +rudes musculos. Vós sois a bonina, que murcha ao primeiro raio do sol; +eu sou o sol, que o diluvio não apagou. Vós sois a debil pastorinha +avergada ao peso dos trevos com que se enfeita; eu sou o vigoroso +camponez, que leva as costas um boi sem lhe sentir o peso. Senhora! +meditai nestas parabolicas palavras! e se julgardes ser a força o amparo +da fraqueza, respondei em carta fechada com endereço a ***, que eu mesmo +a-irei tirar da latinha do escriptorio do _Jornal do Commercio_.» + +O remate estragou a epistola. + + +CAPITULO VI. + +Eram oito horas e meia da noite, subi e desci a rua do Ouvidor. + +Nenhum _ignotus Deus!_ nenhuma mulher com cara de entender a epistola! + +Mas eu confiava na inspiração! + +As transeuntes levavam todas a reboque um marido ou cousa com semelhança +disso. + +Eram nove e meia. Ainda nada. + +Mas o frade não me sahia da mente! + +--Dar-se-ha o caso, reflecti, que hoje seja a noite tão sómente dos +casados? + +Entendamo-nos. Queria dizer, a noite de sómente passeiarem os casados; +nós sabemos que todas as noites são delles, _quand-même_... + +Puz-me a olhar através dos vidros os livros expostos á venda na casa +Garnier. + +D'ahi a pouco, chega e pára a outra vidraça uma mulher _só_... Só digo +eu, não contando o cãosinho felpudo, que a-seguia. + +Era um animalsinho com ar inoffensivo e prasenteiro e cara de quem não +aceitaria, se lhe mandassem, um cartel. Começa a mão do frade! + +Olhou... olhou... (ella e não o cão), e entrou na livraria. Ouvi-a dizer +em francez de Racine: + +--_Les Femmes, par Alphonse Karr?_ + +--É justamente a mulher, que eu sonhava, disse a mim mesmo; mulher que +lêsse o autor de _La pêche.... en eau douce... et en eau salée...._ +Abeirei-me á porta. + +Deram-lhe o livro; folheou-o, pagou-o sem questionar o preço, deu +boa-noite e sahio. + +Fóra da loja, tomei-lhe a frente, comprimentei-a com acatamento, +rogando-lhe aceitasse a carta. + +--Quem é o senhor? e donde vem essa carta? perguntou meio desdenhosa. + +--É tudo um mysterio, respondi. Lendo a carta saberá. + +--Ah! cheira a mysterio? pois sim, dê-m'a, eu gosto dos mysterios. + +Tomou-a e partio com ar senhoril. E viva o frade! + +Ao desapparecer na turbamulta, aproximou-se-me um permanente pedindo-me +o charuto para acender um cigarro. + +--Camarada, lhe disse, eu não inventei a polvora, porque nasci depois +della inventada. + +Elle concordou, rosnando: + +--Polvora! polvora! que diabo é polvora? + + +CAPITULO VII. + +Doze horas depois fui ao escriptorio do _Jornal_; lá estava uma cartinha +com a minha senha. Constava de duas linhas bem traçadas, quanto á +essencia; quanto á calligraphia, nunca vi peóres gregotins. + +«Sr. ***.--Ora queira Deus e Deus queira vos não mettais em camisa de +onze varas! Rua do Conde n....» + +Resposta mais laconica e expressiva, só um couce, mal comparada. + +Sem perder os estribos da confiança, em presença de tamanha ameaça, fui. + +Eram onze horas da manhã, duas horas depois de feita a digestão dos que +almoçam ás nove. + + +CAPITULO VIII. + +Ha trinta minutos. + +--Que idade tendes? pergunta ella. + +--Vinte e cinco annos; respondo. + +--Como sois moço!... Meu marido morreu dessa idade. + +--É lei da natureza, que se morra de toda idade. + +Proferi o axioma na intenção de afugentar qualquer idéa negra, que, por +ventura, viesse perturbar a interlocução. + +--É facto, concordou, accrescentando, como quem a si propria dava +desculpa: tambem elle era muito franzino... + +E de esguelha, pela oitava vez, medio-me com os olhos de alto a baixo. + +Neste ensejo, tomei-me o pulso. Deitava 105 pulsações por minuto. Eu na +vespera almoçára mão de vacca. + + +CAPITULO IX. + + Ha dous mezes. + Deu-se garrote á prudencia. + Reina o commumnismo. + Folga Épicuro. + Vai tudo de afogadilho. + O trem assovia. + Tenha o leitor paciencia. + Escasseiam-me trégoas. + +Isto é prosa. + + +CAPITULO X. + +Chamava-se Monica; nome que não anda na bocca de todos, e a essa +vantagem reune a de ser esdruxulo. + +Casára aos vinte nove annos de idade com um rapaz de vinte e quatro; e +enviuvou no anno seguinte. Tudo isto foi muito natural, sendo mais +natural a morte do rapaz. + +Não era bonita, era sympathica. Não era sabia como D. Maria Caetana +Agnezi, mas era intelligente; e mais _espiritada_ do que espirituosa. +Neste ponto trivialissima. + +Lia o portuguez corrente como um juiz de paz, e trazia o francez em +sarilho. Tocava a _saloia_ ao piano, e nutria a presumpção de saber +contar. + +Quando a-conheci seus progenitores já haviam levado a breca. + +Pretendeu-a na viuvez um capitalista, tambem viuvo. + +Monica accedeu á licita pretenção. Nas vesperas das bodas, +revelou-se-lhe o noivo com queda para a literatura-_funda_, ao lêr um +artigo, inserto não sei em qual periodico, onde, _ad-rem_, o escriptor +citava este aphorismo de Balzac: + + +«_Un mari ne doit jamais s'endormir le premier ni se réveiller le +dernier._» + + +Seguia-se a traducção, o pomo da discordia: «_O marido não deve pegar no +somno antes da mulher e nem acordar depois della._» + +--Como isto é fundo! exclamou o capitalista, chamando a attenção da +noiva para o conselho em portuguez. + +--E o senhor, perguntou Monica, no seu tempo de casado seguio isso á +risca? + +--Como seguiria, se é agora que sei disto?! Ah! se eu em outro tempo +adivinhára... e engasgou-se com o resto. Mas, proseguio, cá me fica no +canhenho; conselhos como estes não se perdem. + +Confessemos, o capitalista não andava corrente com o _Codigo do +Bom-Tom_. Declarar á noiva que um aphorismo de tal jaez lhe ficava no +canhenho, foi falta de tino imperdoavel. + +Monica, que lia Alphonse Karr e tencionava dar um pulo até á França para +comprimentar o autor das _Guêpes_, com o que o Sr. Alphonse Karr, por +sem duvida, muito se lisongearia, não contendeu. + +Na manhã do dia seguinte pespegou ao capitalista em carta este +_bofetão_: + +«Senhor.--Toda a noite considerei no conselho de hontem e não me +convenci que seja o marido quem deva pegar no somno depois da mulher e +acordar antes della, por muitas e longas razões com as quaes eu encheria +uma resma de papel, se quizesse argumentar. Tendo V. S. no seu canhenho, +tomado nota do conselho, pol-o-ha em pratica depois de casado; +achando-me em opposição a semelhante pratica, desisto do meu +compromisso. V. S. está livre, disponha do seu coração. Prefiro a +_monogamia_ ás desavenças do lar. + + «Sua criada + + «MONICA.» + +Quando um homem recebe nas bochechas um recado destes, é mister que +saibam todos o seu nome. + +O capitalista chamava-se Joaquim. + + +CAPITULO XI. + +O Sr. Joaquim leu, releu e treleu a carta. Ao depois chamou o +guarda-livros. + +--Sô Pinto? chegue-se, faça favor. + +Pinto aproxima-se. + +--Que palavra é esta? pergunta mostrando a Pinto a segunda palavra do +remate da carta. + +Pinto arregalou os olhos, soletrou a palavra e leu--_monógámia_... e +repetio separando as syllabas: Mo-nó-gá-mi-a... Isto não é palavra, +decidio. + +--A mim tambem me parece que não é, concordou o Sr. Joaquim, cuja +intelligencia dava pelo estalão da do outro. + +Pinto voltou aos livros. + +O Sr. Joaquim garatujou; + + +«Senhora.--Eu quando digo as cousas é porque sei. Não é debalde que sou +viuvo. O meu pezar é ter aberto os olhos quando a mulher fechou os seus. +O conselho do periodico é fundo como um poço, e os periodicos quando +dizem as cousas--são como eu--sabem o que dizem. Estou no mesmo pé. A +mulher ha de pegar no somno antes do marido e acordar depois delle, sem +esta condição saia não me torna a entrar em casa. A palavrinha monogamia +não leva a resposta devida por não ser palavra. + +«E temos conversado.» + + +Monica revelou-me este episódio uma vez quando lhe disse andar perto de +querer casar com ella. + +No fim da narração, pendi para a opinião do Sr. Joaquim. + +Não sei porque, mais tarde, fizeram barão a este homem, que tanto senso +parecia ter! + + +CAPITULO XII. + +Não fui eu, propriamente dito, que cahi na graça da viuva. + +Disse-me ella: + +--Á primeira vista antipathisei com o teu focinho. Cahio-me no gôto o +teu singular modo de amar. Fui sempre enfermiça do desejo de ser amada +por um _exquisito_, um original fosse em que fosse. Meu marido foi um +homem como os mais, media pela bitola geral. Não se lhe notava +particularidade alguma, que o destacasse do _chavão_ commum. Tu me +pareceste um homem raro, a julgar pela tua carta. + +E case-se um homem _commum_?! + +--Tenho desmentido a tua espectativa? perguntei. + +--Vais descahindo... vais... ha dias a esta parte: respondeu. + +De facto, eu descahia a ôlho. + +Que querem? + +_L'amour use vite les hommes; il soutient longtemps les femmes..._ + +Aphorismo é isto. + + +CAPITULO XIII. + +Balzac limpe as mãos á parede. + +«É mais facil, diz elle, ser-se amante do que marido, por isso que é +mais difficil ter-se espirito todos os dias do que, de quando em quando, +amabilidades para dizer». + +E quando o amante, meu caro Sr. Balzac, no meu caso, á guisa de marido, +cohabita com a amante, é facil ter espirito todos os dias? + +Nem uma nem outra cousa. Eu já não tenho que dizer a Monica. + +No capitulo passado não briguei com ella por evitar a descripção da +queréla. E se não fosse o medico, a botica, o padre, a confissão e +depois o enterro, e em seguida as missas e no fim, tres dias de +nôjo--matava-a neste. + + +CAPITULO XIV. + +Uma tarde, no largo de S. Francisco de Paula, no espaço onde plantaram o +actual lampeão, que lá existe com ar de vedeta desarmada, encontrando-me +com o meu velho amigo Simphoriano, o unico que possuo com este nome, me +disse elle: + +--Que tens tu? estás pallido como uma abobora? + +Simphoriano é filho de uma provincia do Norte, cujos naturaes chamam +_pallidas_ ás aboboras _maduras_. + +--Falta de sangue, meu caro; o sangue se me aguou todo, depois da +ictericia, respondi. + +Elle sabia que essa doença me acommettera havia dous annos. + +--E a magreza? replicou. + +--Que queres? transpira-se muito neste Rio de Janeiro... o sol +derrete... + +--Fosse essa a causa... + +--Não sei de outra. + +--Disse-me o Patricio (Patricio era um _trocatintas_ do meu +conhecimento), que tu _sacrificas em demazia ás graças_... + +--És tu quem sacrifica a verdade á peta, trepliquei, pelo gostinho de +alardeares certa illustração. Quem ainda não sabe que Platão aconselhava +ao discipulo Xenócrates, austero, como Newton, nos costumes, a +sacrificar ás graças? Ouve o que do mesmo Xenócrates disse o padre José +Agostinho na _Viagem extatica_: + + «Da belleza inimigo e da ternura, + Xenócrates descubro austero e triste, + Vergonhoso baldão da especie humana, + Que nem ao vivo scintilar de uns olhos, + Nem ao mago sorriso deslizado + De um labio, côr de purpura, ou de rosas, + Ou aos aureos anneis de tranças de ouro, + Da natureza escuta a voz suave, + E sopro avivador, que atêa o fogo, + Tão grato ao coração, que é delle a vida; + Fogo, que até do mar no abysmo fundo + Sujeita a seu imperio equóreos monstros, + E a sanguinario tigre, indocil sempre, + Amar ensina, e conhecer ternura.» + +--Isto disse o padre, como entendedor que era, na _Viagem extatica_ que, +ao depois, crismou com o nome de _Newton_ emendando entre outros, este +verso, que tu nem ninguem recitará sem ao principio latir o seu pouco: + + OU AOS AUREOS--anneis de tranças de ouro. + +--Concorda, prosegui, não me achaste descalço. Agora o suppores que +abuso do _sacrificio_ é outro engano. O _nequid nimis_--equivalente ao +preceito de Hippocrates: + +«_Omne nimium naturae inimicum est_» foi sempre a minha divisa. + +Houve excepção.... + +Simphoriano ia tomando a mão. + +Atalhei-o, já esquentado. + +--Andas sempre a prasmar contra os que sacrificam ás graças. Quererás +ser tido na conta dos ditos Xenócrates e Newton ou de Kan, Vico, W. Pitt +ou Carlos XII? + +Pensas que ignoro que Mirabeau morreu aos quarenta e dous annos em +consequencia do abuso desse sacrificio e que pela mesma consequencia +morreria Bichat, a quem Bourg levantou uma estatua, se não morresse em +1802 aos trinta e um annos, da queda que deu descendo as escadas do +_Hotel de Dieu_ cujo medico era? Vês que ás apalpadellas não ando nos +factos da historia, e será bom que percas o sestro de _literato á la +violeta_. + +Com effeito, Simphoriano era boa creatura, mas não soltava tres palavras +sem citar dous ditos ou nomes de homens celebres, seus conhecidos--pelos +catalagos dos livros. + +E eu sem saber o cabo que darei a Monica?! + + +CAPITULO XV. + +--Estás sufficientemente barbado, proseguia de outra feita o meu amigo. +A ultima de mão que a natureza dá ao homem são as barbas.... + +Isto dito em francez--passava a proverbio. + +--Portanto, continuava elle, és homem feito, em todos os sentidos. + +--Em sentido algum, nunca deixei.... + +--Não me atrapalhes e nem comeces a zombar, senão, calo-me. Trata-se de +cousa séria; sou mais velho, sou teu amigo, ouve-me. + +--Sou todo ouvidos, falla. + +--Bem. Estás perto dos trinta annos... + +--Cinco annos distante... + +--Aos vinte e cinco já se tem andado quazi meio caminho da vida. Na +outra metade precisamos pôr todo o cuidado. D'aqui a vinte e cinco annos +serás velho, e esse espaço de tempo, além de curto, passa com a +velocidade do vento. Em que te occupas presentemente? Dás pasto á +ociosidade abusando da tua compleição.... vives, portas a dentro, com +uma desgraçada, que te suga a seiva da mocidade e até os brios... + +--Alto lá.... + +--E os brios, sim. Que esperas do futuro? o menospreço publico--a mais +digna herança dos _chichisbéos_.... + +--Perdôa-me, atalhei-o, senão arrebento. De accordo com o _Diccionario +do amor_, chichisbéo é, commummente, um celibatario maduro, namorador +assiduo, servo de uma mulher casada com todos os _onus_ do marido, +excepto os _lucros_... Ora;--não me deves metter na conta dos +celibatarios, por que, ha dous dias, posso dizer, cheguei á idade +rébora, juridicamente fallando; e quanto á _graça_ a quem _sacrifico_ é +viuva e o homem, que foi seu marido, já está livre dos onus... +Applica-me outro substantivo, menos esse. + +--Como enxergas tudo, rematou Simphoriano murchamente, pelo prisma da +facecia, tua alma--tua palma, adeus. + +E desappareceu na primeira esquina da rua o unico amigo, que eu possuia +com aquelle nome. + + +CAPITULO XVI. + +Cocegaram-me o arrependimento aquellas palavras. + +Cocegar era o unico verbo cuja falta se sentia na lingua portugueza. +Criei-o, ahi fica. Não m'o-estraguem. + +Percorri com os olhos o horizonte do meu futuro. Trevas e só trevas... +nenhum vagalume, no espaço! + +Cheguei a casa com vontade de brigar. + +Monica, que não levou ainda a breca, estava risonha, como um dia de +primavera. + +Eu levava o inverno dentro d'alma. + +--Chegas a proposito, disse acariciando-me; lê esta cartinha. + +Tomei-a e li sem desfranzir as sobrancelhas: + + +«Senhora Dona Monica. + +«Participo-lhe, para seu castigo, que tirei o _diploma_ de barão, +ficando a senhora sem ser barôa por querer pegar no somno depois de +mim...» + + +--De quem é esta carta? bufei, arremessando-a precipitadamente ao +soalho, sem terminar a leitura. + +--De quem ha de ser? do Joaquim, respondeu Monica. + +--Qual Joaquim? + +--O Joaquim do aphorismo, aquelle capitalista... mas estás pallido e a +ranger os dentes! que tens? + +--Remorsos, senhora! respondi já de cothurnos. Remorsos, perfida, tres +vezes perfida! Era assim que tu correspondias ao meu amor! era assim! +entretendo relações pela surdina com esse Sr. Joaquim, que já é barão! +Com que cara hei de sahir á rua?! + +--Vossê endoideceu, homem! diz ella, rindo-se a bandeiras despregadas. + +--Doido!... sim, mulher, endoideci... com um _endoideceu_ é que se +desculpa o escandalo!! Mulheres! mulheres! todas são a mesma estampa... + + --Com flores o punhal disfarçam rindo! + +--Ande vêr a minha mala, senhora, quero sahir desta casa... + +--Qual mala nem pêra mala! objectou com despreso ironico; vossê quando +entrou nesta casa não trouxe a mala, se é que algum dia a-teve. + +Tolerei a vergalhada sem replicar. + +--Quer sahir, saia, proseguio, ingrato de um dardo! não me deixa +saudades; e saiba que já não estou em Paris por sua causa; ainda tenho +com que pagar a passagem. + +--Pois, não a-demorarei mais. O paquete parte a vinte e cinco, estamos a +dezoito, sobejam-lhe sete dias para arrumar os bahús. Boa-viagem. Se +encontrar no Mabille o Alphonse Karr, dê-lhe lembranças minhas. + +E sahi. + +E lá vai a Monica... + + +CAPITULO XVII. + +Cahia a noite e a chuva. + +Não se me dava a queda da noite, importava-me a queda da agua. + +Eu não tinha guarda-chuva. + +Identificando o corpo com as paredes das casas, cheguei ao _Restaurant_ +do Mangini ensopado como uma garoupa de escabeche, pois que fallei em +restaurant. + +Por felicidade das tres quatro partes do genero humano, se a agua da +chuva tem a propriedade de ensopar o facto, este tem a de enxugar +passado o preciso tempo. Panno para mangas tinha eu aqui, se quizesse +mostrar até onde chego em physica. + +Assentei-me junto a uma meza, onde não dava em cheio a luz. + +Nenhum dos caixeiros do estabelecimento fez conta da minha +_humida-individualidade_. + +Cheguei no momento em que um sujeito, galhardamente vestido á moderna, +travava razões com um dos caixeiros. Dizia elle, calçando as luvas e +olhando de travez para a nota da despeza, que fizera: + +--Oh! senhor! esta conta está exacta? em que despendi essa enorme somma? +nem no hotel da Europa. + +--V. S. veja a lista, acodia o caixeiro. + +--Vêr o que, homem? pois eu quando como, olho lá o preço das iguarias? +peço o que quero, porque não venho a estas casas comer de graça, fique +sabendo, mas isto é um roubo. + +--Confira pela lista e verá que lhe não levamos um vintem de mais... + +--Não sou conferente de casas de pasto, ouvio? bradou o homem com nobre +altivez. Confira vossê. + +O proprietario do estabelecimento que se achava ao balcão, dirige-se ao +cavalheiro, e com bons modos, lhe disse que se não amofinasse, que a +conta estava exacta, mas se não queria pagar--seria o mesmo. + +--Tenho muito dinheiro, alardeou o freguez; não preciso do seu jantar. +Nem ando comendo nos _botequins_; se entrei neste, antes foi para +esperar que passasse a chuva do que para outro fim. Almoço, janto e ceio +no hotel da Europa, porém, não quero ser roubado, não estamos na +Siberia. + +Ein, Siberia? + +--Pois, senhor, a chuva já passou, V. S. não deve nada, respondeu o +proprietario. + +--Então, não reforma a conta? + +--Está exacta. + +--Ah! está exacta! pois sim, já disse que não estamos na Siberia, adeus. + +E partio. + +O dono da casa aproximou-se-me dizendo; + +--Veja isto; um homem, que calça luvas de pellica, almoça, janta e ceia +no hotel da Europa, sahe d'aqui deixando o debito de dous mil setecentos +e sessenta réis. Ha de vêr que é sustentado por alguma... + +Não o-deixei acabar, todo o corpo se me arrepiou... + +--Um calix de cognac! + + +CAPITULO XVIII. + +Sorvendo a ultima gota do licor, affigurou-se-me Monica arrumando as +malas. + +--Monica vai para Paris, disse entre mim. O Sr, Joaquim já é barão... e +eu aqui fico, sem eira nem beira... nem ao menos sou commendador!... +Paris! todos fallam em Paris e eu mesmo já o-descrevi em verso, sem +ainda lá ter ido: + + Paris! Paris! Paris! terra de encantos, + Eterno, ebri-festante paraiso, + Aonde os risos de prazer são tantos, + Que só é sério quem não tem juizo!... + +As melhores descripções são devidas aos que pintam lugares, que nunca +viram. Isto já passa em julgado e, passará a anexim, quando apparecer o +meu romance passado om Djirjeh, no alto Egypto, aonde não pretendo +jámais pizar. + + +CAPITULO XIX. + +Decidido a mudar de rumo, fui levar essa nova a Simphoriano. + +Entrei pé ante pé. O meu amigo estudava. Simphoriano ainda acreditava +que, para se saber alguma cousa, fosse mister--queimar as pestanas. +Toleirão por esse lado. + +Não se convencia que a _sapience-moufle_ do filho de Gargantua é a que +mais _apanha_ neste abençoado torrão, aonde de meia em meia braça se +esbarra a gente com um Dr. Tubal Holoferne. + +Isto não offende a ninguem... É pura inveja. + + +CAPITULO XX. + +--Boa noite, Simphoriano! + +--Ah!... Sê bem vindo. + +--Deus te pague. O que fazes? + +--Nada; estou lendo. + +--A _Historia de Cezar_, por Napoleão? + +--Leio Humboldt. + +--Perdes o tempo: Humboldt não sabia nada, foi um pessimo copista de +Plinio. + +--Sim? quando leste Plinio? + +--Nunca, e nem Humboldt e nem precisava para formar o meu juizo. + +--Achaste a pedra philosophal? + +--Nem nada. Ouvi dizer que Plinio estudava a natureza; depois me +disseram que o mesmo fez Humboldt. Logo, tudo quanto este fez copiou do +outro, isto é logico. Seja lá no que fôr, segue este methodo e farás +figura, passando por sabio. Ideias associadas, Humboldt foi barão e o +Sr. Joaquim tambem já o-é. E, passando a inscrever o nome na +nobiliarchia deste Imperio, julgou-se com direito de enviar um epigramma +á _graça_ á qual não _sacrificarei_ mais, o que te participo, sob a +condição de uma hospedagem por esta noite, senão vou dormir ao relento. + +E narrei o succedido. + +Simphoriano pulou de contentamento. + +Fallou em _regeneração_ (palavrinha a mais elastica dos tempos +modernos), citando todos os moralistas das cinco partes do globo, +inclusive um poeta de nome Sadi ou Saadi, que elle jurou ser perso e eu +suppunha italiano, por acabar o nome em--_i._-- + +Prasmou contra o meu passado aconselhando-me a cuidar do futuro. + +--Vejo por ahi muitos futuros á feição do meu desejo, mas os homens não +me protegem. + +--Homem, sentenciou o meu amigo, é aquelle que é o que quer ser e não o +que os outros querem que elle seja. Toma nota disto. Arrima-te na +perseverança; faze della bastão e caminha. Caminha... e se encontrares +obstaculos, que te empeçam os passos, desanda-lhes a perseverança. +Tornam a apparecer adiante? torna a dar. Dá, dá de rijo, dá a valer, não +te doam os pulsos e verás se chegas a ser o que quizeres. + +Copiei a receita para matar os obstaculos, mas em vez de bastão comprei +um guarda sol, que tambem guarda da chuva e serve de bengala sendo +preciso. + + +CAPITULO XXI. + +Por desobriga de minha consciencia, respondi á mofa do Sr. Joaquim. +Exigia a lembrança do passado que eu vingasse a viuva da affronta do +capitalista. Mandei-lhe a resposta. Ignoro se elle a-recebeu e se Monica +chegou a ter conhecimento da remessa feita em seu nome. + +Disse-lhe: + + + _Illm. e Exm. Sr. Joaquim, barão._ + +«E tenho observado que, ha trinta annos a esta parte, essa molestia +(_empanturração_) só aos burros cançados e a _certos barões_ +acommette... (Dr. Gomez d'Eça. Art. Veterinaria; cap. XXV, § II--; +edição de Simão Thadeo Ferreira. Lisboa 1718)» + + Sua criada + + «MONICA.» + +E ficamos, de uma vez para sempre, livres della e do barão, que já se me +ia apegando. + +Abrenuntio! + + +CAPITULO XXII. + +Até esta data, comigo ainda não se verificou a sentença _si vis potes_. +Ha quatro annos--_quero_--succeder na herança de uma velha rica e +nenhuma ainda morreu, que se lembrasse de mim. Isto é o menos. + +_Quero_--que o tabellião, em cujo cartorio sou _copista_,--augmente _dez +vintens_ no meu salario de mil réis e em vão tenho querido isto--ha +quarenta e oito mezes. + +Não obstante, vislumbro ainda muitas esperanças, mormente, quando +considero que o mesmo Simphoriano _quiz_ ser e _foi_ condecorado pelos +relevantes serviços, que prestou ao Brazil no Paraguay aonde nunca poz +os pés!... (É facto). + +Tambem o padre Severino _quiz_ ser vigario e _foi_,--e a população da +freguezia... _cresce_... + + +EPILOGO DA TERCEIRA E ULTIMA PARTE. + +Agua vai! + +Quem em dias de sua vida não pregou um calote? + +Esperava o leitor que os meus conhecidos morressem apunhalados, e, +sabidas as contas, apenas falleceram dous, em consequencia dos remedios +das boticas! + +Fallei em bodas e o Sr. Joaquim roeu-nos a corda. + +Moraes no seu diccionario, a proposito da palavra--_boi_, cita estes +versos: + + Coisas ha hi que passam sem ser cridas, + E coisas cridas ha nunca passadas... + +E eu, a proposito do amor, fui mais laconico que o _veni, vidi, vici_; +tantas vezes citado e nem uma só comprehendido! + +Puz em scena um enthusiasta do genio e não me referi ao--_stultorum +infinitus est numerus_ de Salomão! + +Abiquei o Parnaso e não arenguei á cerca da impropriedade deste +decasyllabo de Francisco Manoel: + + _Capri-barbi-corní-pedes-felpudos!_ + +Agatanhei Plinio e não trouxe á balha o livro 7.º cap. 9.º onde diz que +a--_gloria para uma mulher é suspender das orelhas duas perolas_! + +Notei Pantagruel e não aproveitei este remate de um discurso, (vai a um +de fundo): + + _dos + poros + dos + nossos + corações, + transuda + a + mais + pura + essencia, + que + póde + ser + respirada + pelo + olfacto + da + patria;_[3] + +para analysar o _Tratado do Sublime_ do conselheiro da rainha Zenobia! + +Embarquei Monica para a França e não lhe besuntei os labios com o adeus +de Scipião ao sahir de Roma: + +_Ingrata patria, non possidebis ossa mea!_ + +Tropecei no _commumnismo_ e nem patavina com referencia á _Republica_ de +Platão, ou á _Utopia_ do Moro, ou á _Civitas solis_ de Thomaz de +Campanella, o Calabrez, que nunca li. + +Obviei... É tarde. + +Ah! se não fosse tarde! Só na applicação, que Monica fez da palavra +_monogamia_ (que não é palavra, conforme decidiram o capitalista e o seu +guarda-livros), tinhamos materia para um in-folio, se, ácinte, eu +pretendesse revoltar contra mim trezentos e sessenta e cinco doutores, +pelo minimo. Mas é que tenho teiró ás inimizades. + +E os plagiatos? Neste ponto o reverendo padre Severino fôra como um +Potosi. Tem-lhe custado caro alguns! Rendeu-lhe, por exemplo, tres mezes +de cama esta odesinha copiada, assignada e enviada a quem não a +inspirara. + + A M.... + (_O original dizia--A R...._) + + Não cumpriste o promettido, + Teu marido, + Teu marido t'o-privou! + Não te salva essa desculpa... + Teve a culpa, + Teve a culpa--quem faltou. + --- + Teu marido... oh que embaraço + Erro crasso; + Erro crasso, e provo-o já; + Elle velava ou dormia: + Que fazia? + Que fazia, dize lá? + --- + Se velava e... cobiçoso... + Desejoso... + Desejoso em... te ameigar... + Entre os braços te-prendia; + Não podia, + Não te-podia... _obrigar_... + --- + Se dormia--estava morto. + Franco o _porto_... + Franco o porto estava então... + Mas, não dormia; velava, + Devorava... + Devorava o meu _quinhão_... + --- + Adormeceste cançada, + Fatigada, + Fatigada... Deus do Céo! + Elle tambem--fatigado, + Do seu lado, + A teu lado adormeceu! + --- + E eu? lá ao sereno exposto! + Dando o gôsto, + Dando o gosto ao meu rival, + De me vêr magro... e desfeito, + Pelo effeito, + Effeito... da catarrhal! + --- + Não cumpriste o promettido! + Teu marido, + Teu marido t'o-privou; + Não te salva essa desculpa: + Teve a culpa + Quem com elle se _fartou_... + +Pobre pastor! + +Verificou-se-lhe no lombo o rifão--guardado está o bocado para quem o +hade comer. + +Eu compuz as estrophes e elle comeu a... sova! + +Antes assim! que lhe faça bom proveito. + + ........... + +Leitor!... talvez não acredites e no entanto assim é: vou passar a limpo +uma escriptura! + +Se alguma vez eu escrever as minhas aventuras, abarrotar-te-hei de +_pasteis_.... + + +_P. S._ + +POSTERIDADE! + +--Fallei a puro esmo em quanto disse.... da minha pessoa. Quando +escreveres a minha biographia procura em outra fonte os apontamentos, +senão irás de gatinhas como até esta data em todas as mais... tens ido. + + +FIM. + + + [1] E se ha ahi quem saiba de algum remedio, que repare essa doença, + annuncie pelos jornaes, por especial favor a uma creatura sugeita, + desde aquella época até hoje, aos seus accessos. + + [2] Quartinho escuro onde se guardam viveres. Em a dona da casa + sendo desconfiada é difficil perder a chave. + + [3] Vide supplemento do _Jornal do Commercio_ de 16 de maio de 1866, + _correspondencias do Norte_. + + + + + + +End of the Project Gutenberg EBook of Memorias de um pobre diabo, by +Bruno Henriques de Almeida Seabra + +*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK MEMORIAS DE UM POBRE DIABO *** + +***** This file should be named 31906-8.txt or 31906-8.zip ***** +This and all associated files of various formats will be found in: + https://www.gutenberg.org/3/1/9/0/31906/ + +Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images +of public domain material from Google Book Search) + + +Updated editions will replace the previous one--the old editions +will be renamed. + +Creating the works from public domain print editions means that no +one owns a United States copyright in these works, so the Foundation +(and you!) can copy and distribute it in the United States without +permission and without paying copyright royalties. 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It exists +because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from +people in all walks of life. + +Volunteers and financial support to provide volunteers with the +assistance they need are critical to reaching Project Gutenberg-tm's +goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will +remain freely available for generations to come. In 2001, the Project +Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure +and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations. +To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation +and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4 +and the Foundation web page at https://www.pglaf.org. + + +Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive +Foundation + +The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit +501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the +state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal +Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification +number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at +https://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg +Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent +permitted by U.S. federal laws and your state's laws. + +The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S. +Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered +throughout numerous locations. Its business office is located at +809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email +business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact +information can be found at the Foundation's web site and official +page at https://pglaf.org + +For additional contact information: + Dr. Gregory B. Newby + Chief Executive and Director + gbnewby@pglaf.org + + +Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg +Literary Archive Foundation + +Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide +spread public support and donations to carry out its mission of +increasing the number of public domain and licensed works that can be +freely distributed in machine readable form accessible by the widest +array of equipment including outdated equipment. Many small donations +($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt +status with the IRS. + +The Foundation is committed to complying with the laws regulating +charities and charitable donations in all 50 states of the United +States. 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Thus, we do not necessarily +keep eBooks in compliance with any particular paper edition. + + +Most people start at our Web site which has the main PG search facility: + + https://www.gutenberg.org + +This Web site includes information about Project Gutenberg-tm, +including how to make donations to the Project Gutenberg Literary +Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to +subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks. diff --git a/31906-8.zip b/31906-8.zip Binary files differnew file mode 100644 index 0000000..a4edd9b --- /dev/null +++ b/31906-8.zip diff --git a/31906-h.zip b/31906-h.zip Binary files differnew file mode 100644 index 0000000..6af58ff --- /dev/null +++ b/31906-h.zip diff --git a/31906-h/31906-h.htm b/31906-h/31906-h.htm new file mode 100644 index 0000000..ad5e23e --- /dev/null +++ b/31906-h/31906-h.htm @@ -0,0 +1,3018 @@ +<!DOCTYPE html PUBLIC "-//W3C//DTD HTML 4.01 Transitional//EN" + "http://www.w3.org/TR/html4/loose.dtd"> +<html> +<head> + <title>Memorias de um pobre diabo, por Aritoteles de Sousa</title> + <meta name="Author" content="Aristoteles de Sousa"> + <meta name="Edition" content="Rio de Janeiro. Typographia Perseverança, 1868"> + <meta http-equiv="content-type" content="text/html; charset=iso-8859-15"> + <style type="text/css"> + body{margin-left: 10%; + margin-right: 10%; + } + .pn { + text-indent: 0em; + position: absolute; + left: 92%; + font-size: smaller; + text-align: right; + color: silver; + } + #corpo p{text-align: justify; text-indent: 1em;} + h1 {text-align: center; margin-top: 5em; margin-bottom: 5em;} + h2, h3 {text-align: center;} + #corpo p.ni {text-indent: 0;} + hr {border: 0; border-top: solid 1px #000; width: 90%;} + blockquote {margin-left: 20%; font-size: small;} + .rodape { + font-size: 0.8em; + margin: 2em; + } + a {text-decoration: none;} + </style> +</head> + +<body> + + +<pre> + +The Project Gutenberg EBook of Memorias de um pobre diabo, by +Bruno Henriques de Almeida Seabra + +This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with +almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or +re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included +with this eBook or online at www.gutenberg.org + + +Title: Memorias de um pobre diabo + +Author: Bruno Henriques de Almeida Seabra + +Release Date: April 6, 2010 [EBook #31906] + +Language: Portuguese + +Character set encoding: ISO-8859-1 + +*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK MEMORIAS DE UM POBRE DIABO *** + + + + +Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images +of public domain material from Google Book Search) + + + + + + +</pre> + +<p> </p> + +<div style="text-align:center;"> +<p style="font-size: 2em;">MEMORIAS</p> + +<p>DE</p> + +<p style="font-size: 2.5em;">UM POBRE DIABO</p> + +<p style="font-size: 0.8em;">POR</p> + +<p style="font-size: 1.2em;">ARISTOTELES DE SOUSA.</p> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<p> </p> +<hr style="width: 20%"> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<p><strong>RIO DE JANEIRO</strong></p> + +<p>LIVRARIA LUSO-BRASILEIRA</p> + +<p><small>30—RUA DA QUITANDA—30</small></p> +</div> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<p style="text-align:center;"><img src="images/a_sousa.png" border="0" alt="Aristoteles de Sousa"></p> +<p> </p> + +<p> </p> + +<p style="text-align:center; font-size: 1.6em;">MEMORIAS DE UM POBRE DIABO.</p> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<div style="text-align:center; font-size: 0.8em;"> +<p>Typographia—P<small>ERSEVERANÇA</small>—rua do Hospicio n. 91</p> + +<p>1868</p> +</div> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<div style="text-align:center;margin-left:auto;margin-right:auto;"> +<p style="font-size: 2em;">MEMORIAS</p> + +<p>DE</p> + +<p style="font-size: 2.5em;">UM POBRE DIABO</p> + +<p style="font-size: 0.8em;">POR</p> + +<p style="font-size: 1.2em;">ARISTOTELES DE SOUSA.</p> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<blockquote> + ARISTOTELES DE SOUSA.<br> + <em> Do autor.</em> </blockquote> + + +<p><strong>RIO DE JANEIRO</strong></p> + +<p>LIVRARIA LUSO-BRASILEIRA</p> + +<p><small>30—RUA DA QUITANDA—30</small></p> +</div> + +<p> <span class="pn">{4}<br> +{5}</span></p> + +<div id="corpo"> +<p> </p> + +<h1><a name="SECTION000100">Prologo.</a></h1> + +<p>Pobreza não é vileza. Aviados andariam os vicios se fizessem conta dos +pobres. Por não ser a pobreza vicio, fogem della, até os... escriptores... E +como esperar <em>um pobre diabo</em> que outrem, que não elle, escreva <em>suas +memorias</em>?</p> + +<p>Responda o respeitavel—Publico—, sujeito em quem nesta occasião +não descarrego a mais tremenda das descomposturas por amor á vazão deste +livrinho. Cá me fica ella, porém, de reserva para quando eu haja de escrever +algum <em>juizo critico</em> sobre alheia obra.<span class="pn">{6}</span></p> + +<p>Eis ahi o que é um <em>prologo</em>; em latim—<em>exordium</em>, em +francez—<em>avant-propos</em>, no alemão—<em>Einleitung</em>, no +inglez... <em>foolery</em>, e em as outras linguas como queiram, excepto no +grego quê por fôrça será <em>pro-logos</em>, de <em>logos</em> discurso, +<em>pró</em> antecipado, para se não dizer que embaço.</p> + +<p>Este prologo e os capitulos seguintes são escriptos em portuguez, com perdão +do meu professor de grammatica.<span class="pn">{7}</span></p> + +<p> </p> + +<h1><a name="SECTION000200">PRIMEIRA PARTE.</a></h1> + +<p> <span class="pn">{8}<br> +{9}</span></p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000210">CAPITULO I.</a></h3> + +<p>Vim á luz ao pôr do sol, minutos antes do toque das Ave-Marias. Hora fresca. +No anno em que nasci, não appareceu nenhum cometa por cima de mim. Não requeri +para <em>vir á luz</em> e, ai de nós! se o nascimento dependesse de +um—<em>como requer!</em>—A esta hora meio mundo não teria feito a +barba.</p> + +<p>Do dia do nascimento aos meus oito annos de idade, deram-se mil e uma +circumstancias; notem que não digo—<em>pormenores</em> e aprendam a +evitar um <em>hespanholismo</em>.<span class="pn">{10}</span></p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000220">CAPITULO II.</a></h3> + +<p>Aos doze annos lia, escrevia, contava e até <em>grammaticava</em>, se dou +crédito ao attestado do meu professor, que, nesse tempo, escrevia deste +modo—<em>proFeçôr</em>.</p> + +<p>Ainda noje não atinei como aprendi a lêr, a escrever, a contar e a +grammaticar com um professor, que lia <em>Simeão da Nautica</em> em vez de +<em>Simão de Nantua</em>, orthographava professor d'aquelle modo, contando +pelos dedos quando sommava 3+2+5?!</p> + +<p>Tambem já não tinha medo de almas do outro mundo.</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000230">CAPITULO III.</a></h3> + +<p>Ouçam isto:</p> + +<p>—Senhor meu sobrinho! abeire-se cá, sommemos as nossas contas. Ha dous +mezes esteve vossê de cama, em risco de morrer entrevado, consequencias das +suas sahidas de casa a deshoras; pondo novamente os<span class="pn">{11}</span> +pés na rua foi contrahir uma divida na importancia de oitenta e cinco mil e +quinhentos réis; aqui tenho a nota:</p> + +<table border="0" style="width: 100%" summary="nota da divida"> + <col> + <col> + <col> + <tbody> + <tr> + <td>1</td> + <td>Vestido de cambraia de côr com babados.</td> + <td style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">15$000<br> + </td> + </tr> + <tr> + <td>1</td> + <td>Chale de lã e sêda.</td> + <td style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">10$000<br> + </td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>Dinheiro pedido.</td> + <td style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">6$000<br> + </td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>Juros.</td> + <td style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">2$000</td> + </tr> + <tr> + <td>2</td> + <td>Pares de chinelas de saltinho.</td> + <td style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">6$000<br> + </td> + </tr> + <tr> + <td>1</td> + <td>Peça de morim francez.</td> + <td style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">8$000</td> + </tr> + <tr> + <td>1</td> + <td>Vidro d'agua de Colonia.</td> + <td style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">1$500</td> + </tr> + <tr> + <td>1</td> + <td>Dito de Patchouly.</td> + <td style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">1$000</td> + </tr> + <tr> + <td>1</td> + <td>Pente de tartaruga (imitação).</td> + <td style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">10$000</td> + </tr> + <tr> + <td>1</td> + <td>Pote de pomada.</td> + <td style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">1$000</td> + </tr> + <tr> + <td>1</td> + <td>Par de brincos (ouro de lei).</td> + <td style="text-align:right; border-bottom: solid 1px #000;">25$000</td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">Rs...</td> + <td style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">85$500</td> + </tr> + </tbody> +</table> + +<p class="ni">pagos por mim ao Sr. Moreira, por honra das cinzas de meu irmão. +Não satisfeito com esta compra, que vossê diz ter feito para seu uso, como se +eu fosse algum pato, ave a mais estupida dos gallinheiros, tanto assim que +sempre ouvi chamar <em>pato</em> a quem se deixa levar, sobretudo, pelos +<em>não me-deixes</em> de certas mulheres; não satisfeito, dizia, ha oito dias +recebeu vossê uma <em>sova de peias</em>,<span class="pn">{12}</span> em +resposta aos desaforados versos que dirigio á santa mulher do honrado visinho o +Sr. Onofre. Somme as parcellas, subtrahindo a <em>sova a seu favor</em>, e veja +quanto me resta? O embolso é a sua entrada para a escola de aprendizes +marinheiros.... Vá aprender a ser homem....</p> + +<p>—E os meus estudos, tio? balbuciei.</p> + +<p>—Os seus estudos! replicou elle; o que estuda vossê?</p> + +<p>—Oh tio! o latim....</p> + +<p>—Sim, o latim.... ha quatro annos anda vossê estudando o latim; e o +que sabe delle?</p> + +<p>—Já declino os <em>nominativos</em>, tio....</p> + +<p>Que vergonha! eu chegava aos 16 annos!</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000240">CAPITULO IV.</a></h3> + +<p>O excellente velho era homem de têmpera austera, não lia os jornaes. Se os +lesse teria visto que eu, apezar de haver gasto quatro annos para no cabo +chegar aos nominativos da <em>artinha</em>, por outro lado, dava provas do meu +talento.<span class="pn">{13}</span></p> + +<p>N'aquella idade já o <em>Camarão</em> e o <em>Lagarto</em>, periodicos +<em>literarios</em>, <em>artisticos</em>, <em>politicos</em> e +<em>burlescos</em> publicados então, chamavam a attenção dos leitores, o +primeiro para o meu artigo intitulado <em>O homem deve ser sceptico</em> e o +outro sobre a minha poesia—<em>Ella</em> (á qual meu tio alludio quando +fallou na santa mulher do nosso honrado visinho o Sr. Onofre).</p> + +<p>O meu primeiro escripto que andou em letra redonda foi o artigo. Quem +conhece o gigante pelo dedo, conhecerá o artigo inteiro por este +começar:—«Eil-o cabisbaixo e taciturno fitando o horisonte da +existencia... Esqueleto de crenças resequidas, elle descrê da luz e das trévas, +de si e de todos, etc.»</p> + +<p>O <em>Camarão</em>, sem inquirir como póde a gente <em>cabisbaixa</em> fitar +o horisonte da existencia, e muito menos a que animal pertencera o +<em>esqueleto de crenças resequidas</em>, rematava o encomio ao artigo com +estas palavras de arromba:</p> + +<p>«É de crêr que o joven e talentoso escriptor com o andar do tempo modifique +as doentias idéas, prematuramente bebidas nas fontes de Benedicto Spinosa, J. +J. Rousseau,<span class="pn">{14}</span> Claudio Helvecio, e outros +materialistas. Asseveramos, no entanto, que se este artigo levasse o nome de um +destes autores—seria uma faisca electrica lançada no meio da sociedade; +tal é o vigor dos seus paradoxos...»</p> + +<p>Muito obrigado, aos Srs. Redactores do <em>Camarão</em>.</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000250">CAPITULO V.</a></h3> + +<p>Quando escrevi—<em>O homem deve ser sceptico</em>, eu sabia onde +ficava a fonte de Helvecio, Rousseau, Spinosa e outros, que o <em>Camarão</em> +conhecia igualmente, como no Japão a esta hora se sabe que hontem chegou o +vapor do Norte! Mas tal nomeada de literato consummado ganhei na opinião dos +ledores do <em>Camarão</em>, que a redacção do <em>Lagarto</em>, receiando +desequilibrar a prosperidade, poz logo á minha disposição todas as suas +columnas.</p> + +<p>Respondi á offerta enviando a minha—<em>Ella</em>.</p> + +<p>Tres dias depois, corria ella o mundo,<span class="pn">{15}</span> inserta +na 1.ª columna do 1.º numero da 2.ª serie do periodico, levando na cabeça este +chapelinho:</p> + +<p>«—A redacção do <em>Lagarto</em> sente ineffavel satisfação dando aos +seus assignantes a grata noticia de haver o muito talentoso, muito sympathico e +já assaz conhecido autor do—<em>Homem deve ser sceptico</em>, honrado as +humildes columnas do nosso periodico com o prestigio do seu invejavel nome. A +poesia abaixo inserta, verdadeiro primor da imaginação, fôra o melhor padrão da +gloria de Petrarcha, se Petrarcha a escrevesse. Felicitamo-nos, pois, +reconhecendo que o mavioso poeta deste torrão, reune em si conjunctamente as +qualidades dos cysnes do Senna, do Tejo, de Thebas, de Albião, de Torento, da +Ausonia, etc.» </p> + +<p>Leiam a primeira estrophe <em>d'ella</em>:</p> + +<blockquote> + —Não sei dizer se a flôr da larangeira<br> + É tão formosa, tão gentil, tão bella,<br> + Como a flôr do jardim da phantasia,<br> + A flôr do meu amor, a minha—<em>Ella</em>...</blockquote> + +<p>Quem souber, diga.</p> + +<p>Vim a saber mais tarde que cysne Ausonio<span class="pn">{16}</span> queria +dizer—Virgilio; cysne de Torento—Torquato Tasso; Cysne de +Albião—Miltão; cysne de Thebas—Pindaro; cysne do Tejo—Camões; +cysne do Senna—Lamartine; cysne da... n'uma palavra, que todos os poetas +tem o seu <em>quê de pato</em>.</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000260">CAPITULO VI.</a></h3> + +<p>Peroremos: meu tio não tentára torcer a minha vocação se lesse os jornaes, +ficando provado que se <em>ella</em> fosse outra e não a pessoa da Sra. D. +Balbina, santa mulher do Sr. Onofre, de memoria não saudosa para meus ossos, eu +não teria levado a <em>sova de peias</em> estreando na poesia.</p> + +<blockquote> + —Do berço á tumba só padece o genio!</blockquote> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000270">CAPITULO VII.</a></h3> + +<p>O irmão de meu pai não faltava quando promettia.<span +class="pn">{17}</span></p> + +<p>Era seu dizer de todos os dias que o <em>cumprimento devia andar nas ancas +do prometter</em>, (ditado da maior embirração dos ministros).</p> + +<p>Prometteu-lhe no domingo, cumprio na segunda.</p> + +<p>Sahia-me eu lepido com a <em>artinha</em> debaixo do braço.</p> + +<p>—Aonde vamos? pergunta.</p> + +<p>—A aula; respondo.</p> + +<p>—Não senhor, não é a aula, vamos para o arsenal de marinha... +marche...</p> + +<p>—Eu juro ao tio... gaguejei, esfregando os olhos com as costas da mão, +de ora em diante estudar, como se fosse um boi...</p> + +<p>Tinham-me contado que se os bois fossem homens seriam grandes letrados.</p> + +<p>—Para boi caminha vossê, replica elle, que para bezerro não lhe falta +nada. </p> + +<p>Já estavamos no meio da rua. E a mulher do Sr. Onofre na janella.</p> + +<p>Nem de caso pensado, meu tio foi em direitura. Eu tinha desejado o +contrario... n'aquelle dia bastava eu desejar, para succeder ás avessas, fosse +o que fosse.<span class="pn">{18}</span></p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000280">CAPITULO VIII.</a></h3> + +<p>—Bom dia, vizinha; disse elle parando a um metro de distancia.</p> + +<p>—Deus lhe dê o mesmo; respondeu ella.</p> + +<p>—O vizinho Onofre, está?</p> + +<p>—Sahio.</p> + +<p>—Tinha a dar-lhe boa noticia.</p> + +<p>—Que noticia é, então?</p> + +<p>—A da entrada deste <em>meco</em> para a companhia de aprendizes +marinheiros... além de outros, pelo atrevimento... a vizinha bem sabe...</p> + +<p>Para encobrir o pudor, que me colorio as faces, abri a artinha fingindo +declinar o <em>servus servi</em>, observando de esguelha a vizinha.</p> + +<p>—Por isso não vá agora o vizinho, acudio ella medindo as palavras, +desencaminhar o moço dos estudos.... sabe que... repelli o atrevimento... +Disse—<em>repelli</em>—em tom menor.</p> + +<p>—Desencaminhado anda elle, ha muito tempo, tornou meu tio... Ainda +hontem, fui saber no mercado que o nome deste madraço já corre em +<em>letras</em> de <em>fórma</em>.<span class="pn">{19}</span></p> + +<p>O Sr. Onofre apontou na esquina.</p> + +<p>Patife!</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000290">CAPITULO IX.</a></h3> + +<p>—Perguntava pelo vizinho.</p> + +<p>—Apre! diz o Sr. Onofre, já não se póde em dias de hoje comer +farinha... cára como o assucar... Como vai o rapazete? (continua, dirigindo-me +a palavra). </p> + +<p>Não me pude conter. Tudo quanto quizesse, menos rapazete diante da mulher. +</p> + +<p>—Sr. Onofre, investi, veja como falla!... Rapazete foi o senhor quando +tinha 16 annos; eu aos 16 annos não sou rapazete, sou um homem de muito talento +e escriptor de boa nota e como tal reconhecido pelo <em>Camarão</em> e pelo +<em>Lagarto</em>, fique sabendo, se não sabe lêr. Se o senhor me chama rapazete +porque não tenho barbas, saiba que não faço caso de cabellos, desses +distinctivos do toucinho ordinario, e que não tenho barbas porque não as quero +ter. E de mais, assim como ha mulheres as quaes não sendo do genero<span +class="pn">{20}</span> masculino têm barbas, de igual modo, ha homens os quaes +não sendo do genero feminino não as têm...</p> + +<p>Os circumstantes pasmaram.</p> + +<p>De relance, pensei que meu tio gostara da resposta, quando... zás... +atira-me uma tapona, verdadeira tapona, tapona com todos os ff e rr e mais esta +addenda:</p> + +<p>—Leve, malcriado, para môlho do <em>Camarão</em> mais do seu +<em>Lagarto</em>.</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0002100">CAPITULO X.</a></h3> + +<p>Atirando o Antonio Pereira pelos ares, deixando voar o chapéo, deitei a +correr pela rua fóra, enfiando-me pelo primeiro becco, como navio fugindo do +temporal pela primeira enseada.</p> + +<p>Abençoado becco!</p> + +<p>Abençoadas pernas!</p> + +<p>Abençoados oitenta e cinco mil e quinhentos réis, pagos por meu tio ao Sr. +Moreira!</p> + +<p>Abençoado tambem seja o dito Sr. Moreira, pelo bom conceito, que fez do meu +credito!<span class="pn">{21}</span></p> + +<p>Bem empregados oitenta e cinco mil e quinhentos réis dispendidos +comtigo,—Aurora!</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0002110">CAPITULO XI.</a></h3> + +<p>Na aurora da vida, ao alvorecer do amor, a primeira mulher que amei +chamava-se—Aurora!</p> + +<p>Como é poetica esta coincidencia, e como ficou bem phraseada! Quando eu for +homem celebre ahi fica o thema para uma Epopéa.</p> + +<p>Aurora morava no becco!</p> + +<p>Relatei-lhe a occurrencia, guardando reserva ácerca da tapona.</p> + +<p>Para ganhar mais no seu coração, fallei nos oitenta e cinco mil e quinhentos +réis, acrescentando, se eu tal adivinhára houvera empenhado na loja do Sr. +Moreira todos os teres e haveres de meu tio.</p> + +<p>O galanteio influe naturalmente no coração da mulher, soube aos 16 annos, +antes de saber latim, e, conseguintemente, antes de lêr Ovidio.</p> + +<p>O numero do <em>Camarão</em> onde vinha inserto<span class="pn">{22}</span> +o meu artigo <em>O homem deve ser sceptico</em>, e o do <em>Lagarto</em> onde +vinha a <em>Ella</em>, andavam comigo como talismans. Tirei do bolso o +<em>Lagarto</em> e dei a Aurora para lêr os versos, declarando serem feitos +quando pensava n'ella.</p> + +<p>A rapariga ainda ignorava mais essa prova de amor, (que tão cara me sahira +quando a dei á visinha).</p> + +<p>A ultima quadra commoveu-a de uma vez: tambem era o <em>sentimentalismo</em> +metrificado.</p> + +<p>Que peito de mulher não commoverá esta quadra:</p> + +<blockquote> + «Sê minha? Serei teu.... abre-me os braços....<br> + Voemos deste mundo.... Sacuras<br> + Fujamos do paul.... vamos, querida,<br> + Fazer o nosso ninho nas alturas?! </blockquote> + +<p>Aurora lia soletrando palavra por palavra. Quando acabou de lêr eu estava +com fome. Davam tres horas da tarde:</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0002120">CAPITULO XII.</a></h3> + +<p>Eu contava 16 annos.</p> + +<p>Aurora cerca de 26. <span class="pn">{23}</span></p> + +<p>Meu tio ignorava o rumo, que eu tomara, em seguida a tapona; Aurora não +tinha a quem désse contas do rumo e nem quem lhe désse taponas.</p> + +<p>Eu precisava de <em>credito</em> no coração de Aurora; Aurora +<em>creditava</em> meu amor...</p> + +<p>N'uma palavra, se me afiançam dous dias, tão saudosos, como os que passei ao +abrigo de Aurora, vá feito, aceito uma tapona de tres em tres dias... Não posso +ser mais rasoavel.</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0002130">CAPITULO XIII.</a></h3> + +<p>Verdade lizas diziam os antigos, diziam elles: <em>hospede ao terceiro dia +fede.</em></p> + +<p>Na casa do proprio amor, tres dias depois, não cheira o hospede.</p> + +<p>Ao quarto dia, me disse Aurora:</p> + +<p>—Não te amuas comigo?</p> + +<p>—Porque? perguntei.</p> + +<p>—Se eu te disser a verdade?</p> + +<p>—Não.</p> + +<p>—És um <em>empecilho</em>...</p> + +<p>—Só?<span class="pn">{24}</span></p> + +<p>—E é pouco?</p> + +<p>Era de facto assaz. Puz-me a pensar.</p> + +<p>—No que pensas? tornou ella.</p> + +<p>—Na cousa mais simples deste mundo.</p> + +<p>—Qual?</p> + +<p>—N'um chapéo...</p> + +<p>—Por fallares em chapéo, de quem será um, que anda pelo sotão?</p> + +<p>—Poderá ser meu... anda vêr...</p> + +<p>A rapariga não se deixou rogar. Lesta foi, lesta voltou.</p> + +<p>—É justamente meu, clamei, antes de pôr o chapéo na cabeça.</p> + +<p>O chapéo era tanto meu como de quem me ouve. Ficava-me na cabeça por muito +obsequio.</p> + +<p>—Acautela-te, acudio Aurora, olha que elle quer subir...</p> + +<p>—Aurora, lhe disse com seriedade, toma um beijo... é tudo quanto posso +dar-te, como lembrança de minha gratidão...</p> + +<p>Ao proferir a palavra gratidão—cresceu-me o nó da garganta.</p> + +<p>—Não me deves nada, meu querido, respondeu a meia voz. Eu sinto muito +mas... tu sabes...<span class="pn">{25}</span></p> + +<p>—Sei... tens razão... adeus...</p> + +<p>Beijamo-nos...</p> + +<p>—Tornas ao tio?</p> + +<p>—Torno.</p> + +<p>Sahi.</p> + +<p>—Pois, se tornares ao tio, rematou ella fechando a porta, apparece por +aqui de quando em quando...</p> + +<p>—Se tornares ao tio, repeti a mim mesmo, sim! se tornares ao tio, isto +é, quando tiveres casa, a minha estará as tuas ordens... Agradecido, Aurora.</p> + +<p>No entanto, Aurora tinha coração.</p> + +<p>Assim houvesse ella juizo.</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0002140">CAPITULO XIV.</a></h3> + +<p>Entrei em casa com cara de quem voltava da missa.</p> + +<p>Meu tio estava almoçando.</p> + +<p>—Quem é? perguntou ouvindo os meus passos, e sem volver os olhos.</p> + +<p>—Sou eu... tio... respondi, entre dentes.<span +class="pn">{26}</span></p> + +<p>—Quem?</p> + +<p>—O Sr. moço; respondeu por mim Nicoláo.</p> + +<p>—Senta-te, meu filho; o almoço não se diminuio, nem o jantar... nem o +amor. Disse com natural bondade.</p> + +<p>A minha cadeira estava como d'antes á sua esquerda, o talher e o prato no +lugar do costume.</p> + +<p>Sentei-me e cruzei os braços como um penitente.</p> + +<p>Meu tio continuou a almoçar sem dar palavra.</p> + +<p>Eu tinha almoçado no becco...</p> + +<p>Nicoláo trouxe a nata, sobremesa que meu tio nunca dispensava ao almoço. +Regeitou-a. O preto carregou as sobrancelhas admirado. Pôz-lhe o café na +chicara; sorveu-o e, emfim, levantou-se.</p> + +<p>Levantei-me tambem.</p> + +<p>—Agora venha esta sobremesa, melhor que todas as natas, disse abrindo +os braços.</p> + +<p>Atirei-me n'elles como o prodigo nos de seu pae.</p> + +<p>Solucei devéras, pela primeira vez em dias de minha vida.<span +class="pn">{27}</span></p> + +<p>Tambem pela primeira vez a modo que vi lagrimas nos olhos de meu tio.</p> + +<p>Este capitulo ia tomando fórma de <em>eça</em>?</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0002150">CAPITULO XV.</a></h3> + +<p>Nasceram-me n'aquelle dia os dentes do siso.</p> + +<p>Oito mezes depois, fui examinado e aprovado <em>cum laude</em> em latim e +francez. Após dous annos, em geographia e historia, philosophia, rhetorica e +lingua tupy. Presidio aos exames um bispo.</p> + +<p>As pitadas de algebra e geometria, inglez, physica e chimica, tomei-as mais +tarde aqui no Rio de Janeiro.</p> + +<p>Reunindo tudo o que sei, fico sabendo conscienciosamente que careço aprender +tudo de novo, menos o methodo de passar por sabio.</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0002160">EPILOGO DA PRIMEIRA PARTE.</a></h3> + +<p>Os ultimos dias dos meus dezenove annos correram nesta côrte.<span +class="pn">{28}</span></p> + +<p>Meu tio já havia fallecido quando deixei o torrão natal:</p> + +<p>A santa mulher do Sr. Onofre enviuvado segunda vez:</p> + +<p>O redactor em chefe do <em>Camarão</em>, pedido demissão de supplente de +delegado de policia, por desaccordo politico com o redactor do +<em>Lagarto</em>, que se fizera genro do delegado.</p> + +<p>Se as cousas não pararam alli, a esta hora o delegado está avô de alguns +netos, estes inspectores de quarteirão e a Sra. Balbina viuva pela quinta vez. +</p> + +<p>Mulher de nome Balbina, perca as esperanças, comigo não casa.<span +class="pn">{29}</span></p> + +<p> </p> + +<h1><a name="SECTION000300">SEGUNDA PARTE.</a></h1> + +<p> <span class="pn">{30}<br> +{31}</span></p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000310">CAPITULO I.</a></h3> + +<p>Devo muito ao Rio de Janeiro, não é por estar na sua presença.</p> + +<p>Ha um sentimento que eleva o cão acima de muitos homens: o reconhecimento do +bem que se lhe faz.</p> + +<p>Verdade, verdade; por esse lado, corro parelhas com a parentella de +Pythagoras, cada vez mais numerosa, apezar das <em>bolas</em>.</p> + +<p>Quando cheguei a esta capital, contava ella apenas <em>seis peccados +mortaes</em>; dias depois, prefazia o numero dos indicados na cartilha.<span +class="pn">{32}</span> </p> + +<p>Não vim prefazer o setimo, como já pensaram; foi o ministerio n. 7, que se +criou depois da minha chegada.</p> + +<p>De haver a minha estrella influido para essa <em>criação</em>, é que não é +nenhum juizo temerario, caipora depois de mim, só eu mesmo.</p> + +<p>Isto não é politica.</p> + +<p>Lembro-me que o programma do <em>Camarão</em> rematava assim (<em>vide esse +periodico n. 1, I.ª colum. ultimas linhas</em>).</p> + +<p>«Não somos politicos; a politica é uma escada; os <em>tolos</em> são os +degráos por onde os <em>ladinos</em> sobem....»</p> + +<p>Bem bonita definição.</p> + +<p>«Não somos <em>tão tolos</em>, continuava a rezar o programma, que de nós +deixemos fazer degráos, nem <em>tão ladinos</em> que queiramos subir.»</p> + +<p>Linda epigraphe para a testa de um <em>jornal</em> intitulado <em>O +modesto</em>.</p> + +<p>E, pois, nunca fui <em>tão tolo</em> nem <em>tão ladino</em>, isto é, +<em>politico</em>.</p> + +<p>O que eu aspirava <em>ex-corde</em>, dos <em>seios da alma</em>, como hoje +dizem, dando a alma a propriedade de <em>amas de leite</em>, era ser +<em>literato</em>.<span class="pn">{33}</span></p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000320">CAPITULO II.</a></h3> + +<p>Ser literato... fosse como fosse, custasse o que custasse, desse no que +desse, era o meu diuturno desejo.</p> + +<p>Sahi do torrão natal no firme proposito de estudar <em>mathematicas</em> e +os primeiros livros que comprei nesta côrte foram o <em>Diccionario +poetico</em>, por Candido Lusitano e o das <em>Rimas</em> por Beltrano de Tal +Guerreiro.</p> + +<p>Eu era um <em>montão de poetas</em> a um só tempo, não se enganara o +<em>Lagarto</em>.</p> + +<p>Todas as paixões me ferviam dentro da alma, como a um tempo fervem muitas +panellas n'um só fogão.</p> + +<p>Na segunda feira, eu era poeta sceptico e crente; na terça, ascetico e +materialista; na quarta, pudico e licencioso, e d'ahi até o domingo, mais seis +poetas extremamente oppostos.</p> + +<p>Animações choviam.</p> + +<p>Os <em>jornaes diarios</em> e <em>periodicos</em>, a partir dos mais +rispidos e terminando na benevolentissima <em>Marmota Fluminense</em>, me +gritavam <em>avante</em>!<span class="pn">{34}</span></p> + +<p>Se eu dava á luz uma poesia recendendo scepticismo—é Byron, é +Voltaire... diziam elles; se asceticismo—é o novo padre Caldas, é Racine +(pai e filho), é o nosso David... se materialismo—é, outra vez, Byron, +Piron, Parny... se tristeza—André Chénier e mais quatro; se +facecia—é Bocage, Diniz e não sei quaes mais... se pudicicia e amor, não +tem que vêr,—é Bernardim Ribeiro e até Sapho! se epigramma—é +Juvenal, é Marcial, é Nicoláo Tolentino e mais tres vivos, sendo um destes o +meu amigo Faustino Xavier de Novaes... se... o menos que me chamaram foi +Homero!</p> + +<p>E o echo repercutia pelos angulos do imperio—Homero!</p> + +<p>Estavam cumpridas as prophecias do <em>Camarão</em> mais do +<em>Lagarto</em>: na minha vanguarda não se via outro literato mais consummado. +</p> + +<p>E quando ao por do sol, do postigo das minhas aguas-furtadas, eu percorria +in mente as paginas da literatura de todas as nações partindo do 1.º até o 19.º +seculos, eu desdenhava os genios com a sobranceria do Pão d'Assucar +contemplando as microscopicas ilhas<span class="pn">{35}</span> dispersas pelo +oceano, como pés de repolhos á tona d'agua.</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000330">CAPITULO III.</a></h3> + +<p>Aos vinte e dous annos colleccionei meus manuscritos que, impressos, dariam +tres volumes, inclusive versos e prosas, romances e dramas, comedias e algumas +maximas.</p> + +<p>Dirigia-me ao prélo com os originaes do primeiro volume (poesias), quando +encontrei o maior enthusiasta e admirador do genio que o céo cobre, moço de 25 +annos de idade, bacharelado em letras pelo collegio de Pedro II.</p> + +<p>—Que andas fazendo, meu poeta? perguntou elle.</p> + +<p>—Vou á typographia, respondi.</p> + +<p>—O que estás imprimindo?</p> + +<p>—As minhas obras, disse enchendo a bocca....</p> + +<p>—Meus parabens, a ti e ao Brazil. Ora, graças a Deus! vamos ter uma +literatura patria.<span class="pn">{36}</span></p> + +<p>Enguli a pilula sem difficuldade, como outros muitos a—tem engulido +depois de mim.</p> + +<p>—Quantos volumes?</p> + +<p>—Tres.</p> + +<p>—Só?! clamou admirado.</p> + +<p>Como se aos vinte e dous annos de idade tres volumes de asneiras não +bastassem.</p> + +<p>—E quando sahem?</p> + +<p>—Breve, aqui levo os originaes do primeiro volume.</p> + +<p>—Permittes?....</p> + +<p>—Pódes vêr.</p> + +<p>O bacharel, meu amigo e enthusiasta, depois de varrer duas vezes com os +olhos os originaes, assim se exprimio, como quem entendia do riscado.</p> + +<p>—O titulo abrange o <em>totum</em>; direi até—este titulo foi +inspirado e leu.</p> + +<p> </p> + +<p style="text-align: center;" class="ni">«<em>Horas incertas<br> +Versos, prosas e comedias,<br> +Dramas, maximas e pensamentos<br> +do<br> +Exilio.</em>»</p> + +<p> </p> + +<p>—É como digo, proseguio; isto que é<span class="pn">{37}</span> saber +achar um titulo. Horas incertas! quanta profundeza nestas duas palavras +<em>horas incertas!...</em> Se as horas da vida são incertas, mais incertas são +as horas do genio....</p> + +<p>(Sim, porque o genio não tem horas certas, é da sua indole não saber nunca a +quantas anda.)</p> + +<p>—Concedes-me uma observação.</p> + +<p>—Faze-a.</p> + +<p>—Gósto de tudo isto, tudo isto é grande, menos a epigraphe. Esta +epigraphe não cabe nas obras de um genio.... E leu a epigraphe:</p> + +<p> </p> + +<p>«Joios da adolescencia levados á praça pela precisão.»</p> + +<p> </p> + +<p>—Joios! chamar joios a um celeiro de trigo são! e depois, levados á +praça pela precisão! que significa isto?</p> + +<p>—Eu te explico....</p> + +<p>—Não pergunto por ignorar o teu pensamento; sinto-lhe a essencia; sei +o que tu queres dizer: levados á praça pela precisão, todos entenderão a +elipse, pela precisão de... voar... sim, de voar, porque o genio precisa voar +como a aguia, como o condor. Os malevolos, porém e invejosos cujas linguas<span +class="pn">{38}</span> não poupam os genios, esses dirão ser a precisão de +dinheiro, apezar de todos saberem que tu de dinheiro não precisas...</p> + +<p>Estavam adiantados! era justamente do que eu mais precisava<a +name="tex2html1" href="#foot241"><sup>[1]</sup></a>.</p> + +<p>—Ou precisas? perguntou com ar de quem responderia sentir muito não me +poder servir na occasião, se lhe eu respondesse pela affirmativa.</p> + +<p>—Ora... desdenhei. Eu lá careço de dinheiro!</p> + +<p>—Se precisas, tornou animadamente, não faças ceremonia comigo.</p> + +<p>E sem esperar pelo <em>muito obrigado</em>, continuou.</p> + +<p>—O estylo é o homem, disse Buffon; por minha vez tambem digo: o nome +do autor é a epigraphe do seu livro; tu não te deves rebaixar deitando outra +epigraphe nas tuas obras que não teu proprio nome.</p> + +<p>Á vista disto, chegando ao prélo borrei a epigraphe.<span +class="pn">{39}</span></p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000340">CAPITULO IV.</a></h3> + +<p>Já se achava quasi finda a impressão do primeiro volume, quando em um bom +dia recebi este bilhete traçado a lapis:</p> + +<p>«Illm. Sr.—Vou suspender a impressão das suas poesias, até que V. S. +satisfaça a importancia de 113$500 das ultimas folhas impressas.»</p> + +<p>Subi ás nuvens. O recadinho vinha escripto no reverso da prova de uma das +minhas mais mimosas poesias.</p> + +<p>Tomei a penna e desanquei o recado com esta resposta:</p> + +<p>«Illm. Sr.—Que eu deva não admira, todos os autores celebres têm +contrahido dividas com a imprensa, e sabem todos que a machina inventada por +Guttemberg não é simplesmente machina de imprimir, é tambem <em>machina de +abonar o credito dos homens</em>. O que, porém, admira até os calcanhares é um +sectario de Guttemberg menospresar a seiva, digamos assim, de que se nutre a +imprensa, isto é, os fructos da intelligencia. V. S. é um renegado, queira +perdoar. Commetteu<span class="pn">{40}</span> crime de +leza-literattura-nacional traçando o seu recado nas costas, digo, no reverso da +prova da minha poesia intitulada a <em>Piroga</em>! Suspenda, portanto, a +continuação da impressão do meu volume, até minha segunda ordem.»</p> + +<p>Levou a lição!</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000350">CAPITULO V.</a></h3> + +<p>Em verdade, eu devia ao prélo cento e treze mil e quinhentos réis.</p> + +<p>Do que me gabo hoje é que, actualmente nas typographias, o credito dos +escriptores não monta áquella quantia.</p> + +<p>—Diabo!.. ruminei, alguns jornaes já annunciaram o proximo +apparecimento de minhas poesias: se não satisfaço a conta pára a impressão; se +a impressão pára, começam os typographos a decorar os versos impressos... elles +então que são <em>cantadores de modinhas</em>! e decorados, adeus novidade! +Ruminando na solucção do imprevisto embaraço, fui interrompido pelo padre +Severino. Conhecem-o?</p> + +<p>Eu tambem já o-conhecia.<span class="pn">{41}</span></p> + +<p>O reverendo entrou pelo meu habitaculo clamando:</p> + +<blockquote> + —Leva-me preso comtigo<br> + N'um fio dos teus cabellos! </blockquote> + +<p>—Glose este motte, meu poeta.</p> + +<p>Nós já nos não respeitavamos.</p> + +<p>—Ouça isto, foi proseguindo:</p> + +<blockquote> + Não se sabe apartar quem ama e pena,<br> + E quem nisto é mais fraco, este é mais forte;<br> + A dôr da mesma morte é mais pequena,<br> + Que quem morre melhora muito a sorte;<br> + Quem morre acaba o mal, quê toda a pena<br> + Dura co'a vida sem passar da morte:<br> + Maior pena padece o que está ausente,<br> + Pois morre de saudade e morto sente.</blockquote> + +<p>—O que acha?</p> + +<p>—Que li algures...</p> + +<p>—Onde homem? isto é meu e muito meu. Pensa vossê que só faz versos? +Por mais prosa que a gente seja, batendo-lhe devéras o coração, torna-se poeta. +Adivinhe o que me succedeu?</p> + +<p>—Suspenderam-lhe as ordens...</p> + +<p>—Assim fosse; cousa mais seria; partio para a Bahia a +Mariquinhas...<span class="pn">{42}</span> </p> + +<p>—Qual dellas? o padre falla em tantas...</p> + +<p>—A da rua da Lapa, a unica Mariquinhas, que tenho confessado, de olhos +azúes. O marido foi removido.</p> + +<p>—Coitado do homem!</p> + +<p>—Faça idéa do meu pezar ao receber esta noticia, chegando hontem de +Petropolis.</p> + +<p>—Avalio!</p> + +<p>—Vossê, deve escrever um artigo contra o ministerio, tosando a valer o +ministro da fazenda. Isso é cousa que se pratique, remover d'aqui para alli e +sem porquê um pobre empregado publico?</p> + +<p>—E de mais a mais casado!...</p> + +<p>—E querem moralidade, e exigem honradez da pobreza obrigando-a a fazer +sacrificios... escreva o artigo, mostre tambem saber prosa.</p> + +<p>—Mas, padre, porque não o-escreve vossê, que é o interessado?</p> + +<p>—Muito obrigado! então vossê porque não é padre, não se interessa +pelos seus semelhantes?</p> + +<blockquote> + <em>Non sibi soli se natum homo</em><br> + <em>Meminerit...</em></blockquote> + +<p>Seja menos egoista meu poeta, e glose o motte:<span +class="pn">{43}</span></p> + +<blockquote> + Leva-me preso comtigo<br> + N'um fio dos teus cabellos,</blockquote> + +<p class="ni">que é para eu remetter com aquella oitava a Mariquinhas. Quero +uma decima triste, triste como o <em>miserere</em>.</p> + +<p>—Temos outra. Pois se o padre é quem está triste, porque não compõe a +glosa?</p> + +<p>—Porque tenho que pregar um sermão na quinta-feira, o vapor sahe +amanhã para a Bahia e hoje é terça.</p> + +<p>—Pois eu, reverendo, não terei cabeça para glosar motte algum, +emquanto não resolver este problema: cento e treze mil e quinhentos réis, que +devo, estão para o que tenho, como o que tenho está para X...</p> + +<p>E ficamos a olhar um para o outro, durante cinco minutos.</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000360">CAPITULO VI.</a></h3> + +<p>—É como conto, tornei interrompendo o silencio, devo cento e treze mil +e quinhentos réis e não possuo um real para chamariz dos outros.</p> + +<p>—A quem deve?<span class="pn">{44}</span></p> + +<p>—Á typographia onde estou imprimindo as minhas poesias.</p> + +<p>—Vossê ha de ter algum amigo, que lhe empreste essa quantia, nem por +isso é grande.</p> + +<p>—Empresta-m'a o padre?</p> + +<p>—Eu? pobre de mim! Meu caro, nós os padres não ganhamos, como +vulgarmente se pensa, mundos e fundos. Quantas vezes tenho, em vez de +encommendar á Deus, encommendado ao diabo algumas almas... uma encommendação +por dous mil réis só feita ao diabo! Já não se póde viver nesta côrte, +acredite-me, encommendando; e por fallar nisto, vou vêr se fallo ao vigario +capitular, quero conseguir ao menos, a nomeação de vigario encommendado. Até +breve, meu poeta. Tomára já vêl-o em outra posição.</p> + +<p>E sahio.</p> + +<p>E que me dizem?...</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000370">CAPITULO VII.</a></h3> + +<p>Suggerio-me á mente uma ideia a visita do padre. Havia elle, dias antes, +publicado<span class="pn">{45}</span> um estirado artigo relativamente á +instrucção publica e com particularidade á <em>desmoralisação do clero</em>. +Quanto a esta não sei se fallou de cadeira, lá quanto á instrucção deixou +impressas mil barbaridades. </p> + +<p>—Se o conselho da instrucção publica, pensei, mandasse admittir nas +escolas as minhas maximas? E porque não? As de La Rochefoucauld são muito +sediças; as do marquez de Maricá inadmissiveis por extensas; as de Vauvenargues +ninguem ainda leu; as do conselheiro Bastos ultramontanas exageradas; as de +Montesquieu são carapuças politicas; as... as minhas são modernas... e, +approvadas pelo conselho da instrucção publica, editores não faltarão.</p> + +<p>Estava dada solução ao embaraço dos cento e treze mil e quinhentos; vendi, +in-mente, a primeira edição das maximas.</p> + +<p>Nesse mesmo dia fiz o requerimento ao conselho da instrucção publica +remettendo os originaes. As sommas das maximas montava ao numero 1250, sendo +algumas rimadas e outras anotadas—entre parenthesis.</p> + +<p>Apreciem-me por esse lado, emquanto avio a lavadeira, que chega a +pello.<span class="pn">{46}</span></p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000380">CAPITULO VIII.</a></h3> + +<p>A V<small>IDA</small>:—A vida é um <em>pique-nique</em>, e nós, ainda +os mais refinados caloteiros, havemos de pagar o nosso <em>escote</em> á morte. +</p> + +<p>(Para these dos sermões de quarta feira de cinza não conheço outra. O +<em>memento homo</em> já não produz nada...)</p> +<hr style="width: 20%;"> + +<p>V<small>ERDADE</small>:—Uma verdade é uma mentira ás avessas.</p> + +<p>(Difinição a mais clara possivel).</p> +<hr style="width: 20%;"> + +<p>D<small>ISPENSA</small>:—<a name="tex2html2" +href="#foot277"><sup>[2]</sup></a>A mulher que pensa<br> +Engorda a dispensa.</p> + +<p>(E a familia toda. Na casa das minhas avós até as baratas da dispensa eram +gordas, não fallando nos ratos).</p> +<hr style="width: 20%;"> + +<p>A<small>MOR</small>:—O amôr<br> +Não tem côr.</p> + +<p>(Neguem, se são capazes).<span class="pn">{47}</span></p> +<hr style="width: 20%;"> + +<p>A<small>MAR</small>:—Quem ama perdoa,<br> +E não vive á toa.</p> +<hr style="width: 20%;"> + +<p>C<small>IDADÃO</small>:—O cidadão deve ser para a patria o que o +menino é para a escola.</p> + +<p>(Conhecem moralista mais governista?)</p> +<hr style="width: 20%;"> + +<p>F<small>ALLAR</small>:—Quanto menos fallares ao jantar,<br> +Menos fome terás ao ceiar.</p> + +<p>(Lição altamente economica).</p> +<hr style="width: 20%;"> + +<p>C<small>HÁ DO VISINHO</small>:—Ha pessoas que tem quebrado muitas abas +de chapéo fino e sujado muitas luvas de pellica—pela obrigação de uma +chicara de chá do visinho.</p> + +<p>(Conheço tres duzias).</p> +<hr style="width: 20%;"> + +<p>P<small>ROSPERIDADE HUMANA</small>:—Prosperaria mais a humanidade, se +os padres semeassem trigo em vez de absurdos.</p> + +<p>(Não creio nisso; escrevi a maxima para bolir com o padre Ventura, que então +ainda vivia.)</p> +<hr style="width: 20%;"> + +<p>C<small>ONDECORAÇÕES</small>:—Se as condecorações estimulassem o +caracter para o bem, a esta hora no Brasil não haveria máos caracteres.<span +class="pn">{48}</span></p> + +<p>(Negarei a paternidade desta maxima, quando fôr commendador).</p> +<hr style="width: 20%;"> + +<p>B<small>APTISMO</small>:—O baptismo só é util pelo lado da +estatistica.</p> + +<p>(Esta é para bolir com o padre Severino.)</p> +<hr style="width: 20%;"> + +<p>A<small>THEO</small>:—O atheo é um ente tão desprezivel, que, não +achando entre os homens quem queira ser seu inimigo, faz-se inimigo de Deus.</p> + +<p>(Esta salva as memorias da condemnação do index).</p> + +<p>& & & & & & & & & & & &</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000390">CAPITULO IX.</a></h3> + +<p>Primeiro que as maximas obtivessem despacho, recebi da minha terra uma carta +do muito probo Sr. Silva, cognominado pelo vulgo o <em>tira pelle</em>, +negociante com armazem de <em>seccos e molhados</em> na travessa da Forquilha. +</p> + +<p>Recommendo este estabelecimento aos que procuram do bom e barato.<span +class="pn">{49}</span></p> + +<p>O vulgo, que sempre ha de mostrar ser vulgo, cousa baixa e vil e mais baixa +e mais vil depois das eleições concluidas, cognominára <em>tira pelle</em> a +esse honrado cavalheiro por um facto, que, em seu nome, justificarei.</p> + +<p>O Sr. Silva nunca tirou nem pretendeu tirar o couro, quanto mais a pelle, á +ninguem.... obrigaram-o a isso.</p> + +<p>O meu amigo, actualmente negociante matriculado, começou a vida refinando +assucar. Honra lhe seja feita, antes principiar a vida refinando assucar do que +leval-a ao cabo na qualidade de refinado vadio, ou refinadissimo velhaco.</p> + +<p>Achava-se certa vez na sua labutação, quando apparece na cosinha um +individuo, que entrou pela casa como se fosse o dono.</p> + +<p>—Sr. Silva! diz o individuo com má catadura.</p> + +<p>—Bom dia, Sr. Alves, acode o laborioso refinador; e foi continuando a +mecher o tacho com a grande escumadeira.</p> + +<p>—Não temos cá bons dias! replica Alves. Quero que diga, quantas +arrobas de mascavo-claro mandei refinar.</p> + +<p>—Cinco, respondeu o refinador.<span class="pn">{50}</span></p> + +<p>—Justas, cinco; e quantas enviou?</p> + +<p>—Quatro e meia.</p> + +<p>—Justas, quatro e meia. Quatro e meia, sim, quatro e meia.... porém, +duas e meia de assucar e as outras do que, Sr. Silva?</p> + +<p>—Tambem de assucar, está claro.</p> + +<p>—De assucar.... de assucar, êim, Sr. Silva? Digo-lhe, todavia, que +entendo de refinação....</p> + +<p>—Não duvido.</p> + +<p>—Duvide ou não duvide, o que digo, digo. E quando digo que cinco +arrobas de assucar são cento e sessenta libras, é porque sei que uma arroba, +seja lá do que fôr, tem trinta e duas libras. Ora, sendo certo, como é +incontestavel, que cada arroba de mascavo-claro perde na refinação, quando +muito cinco libras, é porque tambem sei que em cinco arrobas perderá vinte e +cinco, já que a taboada quer que cinco vezes cinco sejam vinte e cinco.</p> + +<p>—Noves fóra sete, diz rindo-se Silva.</p> + +<p>—Não preciso que o senhor me ensine a tirar os <em>noves fóra</em>, o +que preciso é saber como é isto....</p> + +<p>—O que? pergunta o outro.</p> + +<p>—Que devendo eu, por consequencia, receber<span class="pn">{51}</span> +quatro arrobas e sete libras de assucar refinado, recebi quatro arrobas e +meia?</p> + +<p>—Está-se mettendo pelos olhos; é que mandei nove libras de mais, +segundo a sua taboada.</p> + +<p>—A taboada não é minha, Sr. Silva! brada Alves, enfurecendo-se mais. A +taboada é de todo o mundo, entendeu?</p> + +<p>—Entendi... entendi... responde o meu amigo com santa calma.</p> + +<p>—O que é meu é o calculo, e, conforme calculei, entre as quatro e meia +arrobas de assucar, foram duas de arêa, fique sabendo de arêa...</p> + +<p>—De arêa? acode o refinador cahindo das estrelas; essa agora é sua... +ou então o portador...</p> + +<p>—Não temos aqui portador nem portadores. Os meus caixeiros são homens +de bem, e o senhor devia saber que, sendo meu freguez o presidente da camara, +mais dia menos dia, eu seria multado pela sua... e engulio a palavra.</p> + +<p>—Solte a palavra... brada Silva.</p> + +<p>—A palavra é ladroeira, responde Alves.</p> + +<p>—Então sou ladrão? Diga, se é capaz, sou ou não sou?<span +class="pn">{52}</span></p> + +<p>Alves não se intimidou e asseverou;</p> + +<p>—É, é, e é ladrão, e ladrão refinado...</p> + +<p>O meu amigo não podia ser mais prudente do que o foi até alli. A prudencia, +porém, tem o seu termo. Alves não previu que, obrigando o honrado refinador a +sahir fóra do termo da prudencia uma pollegada, sugeitava-se a receber, como +recebeu, na cara a escumadeira impregnada de assucar em calda a ferver. Sem +esperar repetição da dóse, Alves sahio vendendo mel ás canadas.</p> + +<p>Quinze dias depois tinha a mesma cara, menos a pelle.</p> + +<p>Propalado o caso, deu-se ao meu amigo o cognome citado, que nada teve com a +substituição do assucar trocado por arêa, como prova a carta a qual me repórto. +</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0003100">CAPITULO X.</a></h3> + +<p>Eis a carta em capitulo separado.</p> + +<p>«Illm. Sr. (<em>Historica.</em>)</p> + +<p style="text-align: right;">Presadissimo amigo. </p> + +<p>«Inclusa remetto a V. S. uma letra saccada<span class="pn">{53}</span> a seu +favor sobre a casa Souto & C., dessa côrte, obsequio que faço a sua +madrinha de baptismo, viuva do seu padrinho, ultimamente fallecido. Sendo-lhe +deixada em testamento pelo dito fallecido, pelo que aceite os meus pezames, a +quantia de 450$000, a letra vai saccada no valor de 437$820 por +<em>subtração</em> a que tenho direito de 12$180, sendo:</p> + +<table border="0" style="width: 100%" summary="subtracção"> + <col> + <col> + <tbody> + <tr> + <td>Direito de confiança, 2%.</td> + <td style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">9$000</td> + </tr> + <tr> + <td>Sello e seguro desta.</td> + <td style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">1$180</td> + </tr> + <tr> + <td>Papel e expediente.</td> + <td style="text-align:right; border-bottom: solid 1px #000;">2$000</td> + </tr> + <tr> + <td + style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">Somma...</td> + <td style="text-align:right;margin-left:auto;margin-right:0;">12$180</td> + </tr> + </tbody> +</table> + +<p>«Poupe o seu dinheiro, meu amigo, olhe que muito custa <em>havel-o</em>.</p> + +<p style="text-align: right;">«Sou seu amigo e criado.» </p> + +<p>Não foi elle quem grifou a palavra subtracção.</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0003110">CAPITULO XI.</a></h3> + +<p>Quando o conselho da instrucção publica deu este despacho ao meu +requerimento: «<em>Junte o supplicante folhas corridas</em>», eu já<span +class="pn">{54}</span> não precisava de editor para as maximas.—Resgatado +da imprensa o meu 1.º volume já corria pelo mundo.</p> + +<p>Estava saboreando a leitura do mais pomposo elogio, que jámais se teceu a +nenhum outro homem de letras, quando entrou o Sr. Gusmão. O Sr. Gusmão era +typographo e trabalhava na officina onde se imprimio o volume. Vinha buscar os +originaes do segundo.</p> + +<p>—Meu caro Sr. Gusmão, assente-se, então como vai?</p> + +<p>—Remendando a vida.</p> + +<p>—Já leu o meu livro?</p> + +<p>—Sim, senhor.</p> + +<p>—Francamente, como o-acha?</p> + +<p>—Volumoso...</p> + +<p>—Volumoso, sim, quasi que abrange trezentas paginas. Já comecei a +urdir um poema heroico.</p> + +<p>—Que titulo?</p> + +<p>—Homem, ainda não sei; talvez lhe ponha o titulo em lingua indigena, +quero vêr se desperto a literatura nacional.</p> + +<p>—É muito preciso.</p> + +<p>—Se o-é. O Sr. Gusmão entende de poesias?<span +class="pn">{55}</span></p> + +<p>—Gosto de lêr, sim, senhor.</p> + +<p>—De qual genero gosta mais?</p> + +<p>—De todos, sendo a poesia boa.</p> + +<p>—Gosta do meu genero?</p> + +<p>—Qual é?</p> + +<p>—São todos, pois os jornaes não disseram que eu primo em todos os +generos? Então não leu o meu livro?</p> + +<p>—O senhor sabe, lêr é um caso e compôr é outro. Na qualidade de +compositor li-o quando o-compunha, na qualidade, de leitor, propriamente dito, +ainda não o-li.</p> + +<p>—Então não sabe dizer se os versos são bons, se as rimas ricas, se é +corrente a grammatica, se ha ideia...</p> + +<p>—Mas V. S. deve estar contente com a opinião dos jornaes.</p> + +<p>—Contentissimo. De cada vez que leio um elogio releio o volume, e +quando acabo de relêr a este tenho vontade de escrever outro.</p> + +<p>—Lá isso ha de ter.</p> + +<p>—Diga com franqueza, nem de passagem notou tal ou qual defeito?</p> + +<p>—Ninguem anda isento delles.</p> + +<p>—Nos versos?<span class="pn">{56}</span></p> + +<p>—A sua metrificação é regular.</p> + +<p>—Nas rimas?</p> + +<p>—As rimas são toleraveis, excepto algumas como, por exemplo, +<em>nuvem</em> com <em>houve</em>...</p> + +<p>—E que diz da dicção?</p> + +<p>—A dicção...</p> + +<p>—Seja franco, eu não sou parente daquelle cura, que foi amo de +Gil-Braz. </p> + +<p>—Como pede franqueza direi que, se não fosse a grammatica, o livrinho +podia passar incolume, mas a sua grammatica é muito differente d'aquella por +onde aprendi.</p> + +<p>—Aprendi pela do Lobato.</p> + +<p>—Então é a mesma. Queira vêr os originaes do segundo volume.</p> + +<p>—Ainda não os-reuni todos, volte amanhã, se não fôr incommodo. Quer +fumar, offereço-lhe um charuto de Havana.</p> + +<p>—Não senhor, obrigado, eu não fumo se não charutos de vintem.</p> + +<p>Eu fiquei <em>fumando</em>...</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0003111">CAPITULO XII.</a></h3> + +<p>De que lado estava a verdade, do Sr. Gusmão<span class="pn">{57}</span> ou +dos jornaes? Afinal de contas, o typographo tinha razão. Entretanto, a primeira +parte do meu <em>celeiro de bom trigo</em>, no conceito do meu amigo bacharel, +estava esgotada!</p> + +<p>Hoje, quando corro os olhos pelo exemplar que, por castigo, releio uma vez +na semana, dirijo ao creador este acto de contricção: «Meu Deus e meu Senhor! +por serdes vós, quem sois, permitti que os irmãos deste exemplar caiam todos +n'uma padaria e passem para as fornalhas como auxiliares da lenha, que nesse +dia cosinhe os pães! São elhas por elhas, Senhor, trigo cosinhando trigo. +Amen.»</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0003120">CAPITULO XIII.</a></h3> + +<p>Ao outro dia recebi o Sr. Gusmão entre os braços.</p> + +<p>—Entre, meu amigo, assente-se e conversemos. Ainda aqui está o charuto +de Havana, aceite-o.</p> + +<p>—Obrigado, mas não aceito, insistio o homem. Penso diversamente dos +outros; o<span class="pn">{58}</span> que não posso sustentar todos os dias, +não alardeio uma vez. Demais, habituado a fumar charutos de vintem, sabem-me a +<em>pessimos</em> os de tostão para cima.</p> + +<p>—Respeito o seu modo de pensar. Dou-lhe parte que suspendo a +publicação das minhas obras.</p> + +<p>—Então tomou a peito a opinião de um typographo?</p> + +<p>—E o typographo não póde ter opinião aceitavel, não póde saber +grammatica? </p> + +<p>—Que opinião póde ter o homem, que anda de ventanilha? Lá quanto a +grammatica devia saber. Onde me vê, com o pouco que entendo della, tenho salvo +a reputação futura de muitos escriptores, aliás intelligencias brilhantes, +emendando-lhes, quando componho seus originaes, erros de tirar couro e +cabello...</p> + +<p>—Ora, Sr. Gusmão, porque não emendou os meus?</p> + +<p>—O senhor desejava um volume de trezentas paginas e se eu corrigisse +os seus descuidos não ficava o livro com cem....</p> + +<p>Apre! tambem esta foi de tirar couro e cabello!<span +class="pn">{59}</span></p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0003130">EPILOGO DA SEGUNDA PARTE.</a></h3> + +<p>Ahi vai em italico o que devo ao Rio de Janeiro; saiba o Imperio todo:</p> + +<p>—Devo o conhecimento do Sr. Gusmão,—que me mandou +aprender—grammatica—depois dos jornaes me +haverem—chamado—Homero—!</p> + +<p>Cautela com as reputações.<span class="pn">{60}<br>{61}</span></p> + +<p> </p> + +<h1><a name="SECTION000400">TERCEIRA PARTE.</a></h1> + +<p> <span class="pn">{62}<br> +{63}</span></p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000410">CAPITULO I.</a></h3> + +<p>Cheguei ao estado de dizer com o philosopho grego:</p> + +<blockquote> + «<em>Omnia mea mecum porto.</em>»</blockquote> + +<p>Ignoro se os gregos fallavam latim no tempo de Bias.</p> + +<p>Cifravam-se as minhas posses em 25 annos de idade e na roupa do corpo, sendo +que essa já estava fóra da moda.</p> + +<p>O melhor excitante para o fastio do espirito é, incontestavelmente, a +privação. Essa é a razão porque no vigor da idade não são os desejos +vehementissimos, como aos 90<span class="pn">{64}</span> annos, na decrepitude, +quando já se não póde com um gato morto, para não dizer <em>gata</em>... e isso +por ser a privação, em todos os sentidos, irreparavel. Induza-se d'ahi o gráo +da minha excitação, privado de meios com os quaes satisfizesse desejos, que, +como vespas damnadas, me agrilhoavam por todos os modos e em todos os +sentidos?!</p> + +<p>Silencio, bocca!...</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000420">CAPITULO II.</a></h3> + +<p>Sem credito literario diante dos meus proprios olhos—abertos pelo bom +senso do typographo Gusmão; sem abono-monetario diante de todos os olhos +fechados pelas minhas circumstancias; eu andava a pleno ar a procura de um +meio, que me arredasse do precipicio para cujas bordas já me +encaminhava—o jogo. Eu teria calado no fundo desse abysmo, se houvesse +tido para a primeira parada.</p> + +<p>Capitulos da altura deste não indigestam. Digerem como sorvas, e fazem +render um livro...<span class="pn">{65}</span></p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000430">CAPITULO III.</a></h3> + +<p>Todas as mulheres deviam collocar na alcova de orações um nicho, e dentro +delle o busto de Aristophanes. Ao mordaz atheniense são ellas obrigadas pela +reforma do meu juizo a seu respeito. Antes de lêr <em>Lysistrata</em>, meu +pensar era que as mulheres rezavam pela cartilha da Sra. Balbina.</p> + +<p>Emendei-me, dando rédeas ao amor.</p> + +<p>Amei com impeto! como o leão seria capaz de amar, se as leôas das brenhas +soubessem como as das cidades—encarentar favores...</p> + +<p>O amor! o amor! Dizem que não come! se não comesse não se alojaria no +coração—que fica ás portas do estomago.</p> + +<p>Montaigne já o-chamava <em>sêde da mocidade</em>.</p> + +<p>Da sêde á fome vai só um passo.</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000440">CAPITULO IV.</a></h3> + +<blockquote> + «Eu sempre ouvi dizer:—frade nem vivo,<br> + Nem morto e nem pintado na parede.—<span class="pn">{66}</span><br> + A rasão deste dito salta aos olhos;<br> + O que frades, outr'ora, não fizessem<br> + Incumbir ao diabo era debalde:<br> + E as chronicas referem muitos casos<br> + De quináos, que ao diabo os frades deram.<br> + Mas verdade verdade, o frade de hoje,<br> + Labéo das frias cinzas de Epicuro,<br> + Não chega ao calcanhar do velho frade.»<br> + <br> + Repetindo em voz alta estas blasphemias,<br> + Os olhos affinquei n'um poento quadro,<br> + Meu fiel companheiro no deserto<br> + Em que a mão da fortuna me lançára.<br> + <br> + O quadro figurava um frei Rotundo,<br> + Nutrido e nédio, rindo-se á sorrélfa<br> + Da feia carantonha do diabo,<br> + Que raivoso mordia um par de dados.<br> + <br> + Mingúa a humanidade a pouco e pouco!<br> + Já se não topa mais um frei Bojudo<br> + Estillando gordura ao sol em pino.<br> + Que ditosa panella, a de outros tempos,<br> + Onde cahisse o lenço de Alcobaça<br> + Que limpasse o cachaço de algum frade!<br> + Sahia a olha convertida em banha.<br> + Hoje o frade, sequer, sabe o Larraga<br> + Ou Brillat-Savarin. Dantes o frade<br> + Era um poço ambulante de sciencias.<br> + E os costumes? e o lar? se bem me lembro,<span class="pn">{67}</span><br> + Algures li que, vós, ditosos monges,<br> + Fostes, nas priscas eras dos conventos,<br> + Pesadelo de todos os maridos,<br> + E horror! horror! horror! das raparigas!<br> + <br> + «Illustre Guardião (clamo inspirado)<br> + Tu mais que Belphegor sagaz nos tramas,<br> + Mais roliço e mais sabio, tu me ensina<br> + O meio de sahir destes apuros!»<br> + <br> + Avalie-se agora o que eram frades<br> + Em tempos que lá vão,—que desenhados<br> + Inda fazem milagres. Repentino<br> + Me occorre um pensamento de alta monta.</blockquote> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000450">CAPITULO V.</a></h3> + +<p>Escrevi esta epistola:</p> + +<p>«Senhora.—Vós sois a belleza, de mimosos contornos; eu sou o bello, de +rudes musculos. Vós sois a bonina, que murcha ao primeiro raio do sol; eu sou o +sol, que o diluvio não apagou. Vós sois a debil pastorinha avergada ao peso dos +trevos com que se enfeita; eu sou o vigoroso camponez, que leva as costas um +boi sem lhe sentir o peso.<span class="pn">{68}</span> Senhora! meditai nestas +parabolicas palavras! e se julgardes ser a força o amparo da fraqueza, +respondei em carta fechada com endereço a ***, que eu mesmo a-irei tirar da +latinha do escriptorio do <em>Jornal do Commercio</em>.»</p> + +<p>O remate estragou a epistola.</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000460">CAPITULO VI.</a></h3> + +<p>Eram oito horas e meia da noite, subi e desci a rua do Ouvidor.</p> + +<p>Nenhum <em>ignotus Deus!</em> nenhuma mulher com cara de entender a +epistola!</p> + +<p>Mas eu confiava na inspiração!</p> + +<p>As transeuntes levavam todas a reboque um marido ou cousa com semelhança +disso.</p> + +<p>Eram nove e meia. Ainda nada.</p> + +<p>Mas o frade não me sahia da mente!</p> + +<p>—Dar-se-ha o caso, reflecti, que hoje seja a noite tão sómente dos +casados? </p> + +<p>Entendamo-nos. Queria dizer, a noite de sómente passeiarem os casados; nós +sabemos que todas as noites são delles, <em>quand-même</em>...<span +class="pn">{69}</span></p> + +<p>Puz-me a olhar através dos vidros os livros expostos á venda na casa +Garnier.</p> + +<p>D'ahi a pouco, chega e pára a outra vidraça uma mulher <em>só</em>... Só +digo eu, não contando o cãosinho felpudo, que a-seguia.</p> + +<p>Era um animalsinho com ar inoffensivo e prasenteiro e cara de quem não +aceitaria, se lhe mandassem, um cartel. Começa a mão do frade!</p> + +<p>Olhou... olhou... (ella e não o cão), e entrou na livraria. Ouvi-a dizer em +francez de Racine:</p> + +<p>—<em>Les Femmes, par Alphonse Karr?</em></p> + +<p>—É justamente a mulher, que eu sonhava, disse a mim mesmo; mulher que +lêsse o autor de <em>La pêche.... en eau douce... et en eau salée....</em> +Abeirei-me á porta.</p> + +<p>Deram-lhe o livro; folheou-o, pagou-o sem questionar o preço, deu boa-noite +e sahio.</p> + +<p>Fóra da loja, tomei-lhe a frente, comprimentei-a com acatamento, rogando-lhe +aceitasse a carta.</p> + +<p>—Quem é o senhor? e donde vem essa carta? perguntou meio +desdenhosa.</p> + +<p>—É tudo um mysterio, respondi. Lendo a carta saberá.<span +class="pn">{70}</span></p> + +<p>—Ah! cheira a mysterio? pois sim, dê-m'a, eu gosto dos mysterios.</p> + +<p>Tomou-a e partio com ar senhoril. E viva o frade!</p> + +<p>Ao desapparecer na turbamulta, aproximou-se-me um permanente pedindo-me o +charuto para acender um cigarro.</p> + +<p>—Camarada, lhe disse, eu não inventei a polvora, porque nasci depois +della inventada.</p> + +<p>Elle concordou, rosnando:</p> + +<p>—Polvora! polvora! que diabo é polvora?</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000470">CAPITULO VII.</a></h3> + +<p>Doze horas depois fui ao escriptorio do <em>Jornal</em>; lá estava uma +cartinha com a minha senha. Constava de duas linhas bem traçadas, quanto á +essencia; quanto á calligraphia, nunca vi peóres gregotins.</p> + +<p>«Sr. ***.—Ora queira Deus e Deus queira vos não mettais em camisa de +onze varas! Rua do Conde n....»<span class="pn">{71}</span></p> + +<p>Resposta mais laconica e expressiva, só um couce, mal comparada.</p> + +<p>Sem perder os estribos da confiança, em presença de tamanha ameaça, fui.</p> + +<p>Eram onze horas da manhã, duas horas depois de feita a digestão dos que +almoçam ás nove.</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000480">CAPITULO VIII.</a></h3> + +<p>Ha trinta minutos.</p> + +<p>—Que idade tendes? pergunta ella.</p> + +<p>—Vinte e cinco annos; respondo.</p> + +<p>—Como sois moço!... Meu marido morreu dessa idade.</p> + +<p>—É lei da natureza, que se morra de toda idade.</p> + +<p>Proferi o axioma na intenção de afugentar qualquer idéa negra, que, por +ventura, viesse perturbar a interlocução.</p> + +<p>—É facto, concordou, accrescentando, como quem a si propria dava +desculpa: tambem elle era muito franzino...</p> + +<p>E de esguelha, pela oitava vez, medio-me com os olhos de alto a baixo.<span +class="pn">{72}</span> </p> + +<p>Neste ensejo, tomei-me o pulso. Deitava 105 pulsações por minuto. Eu na +vespera almoçára mão de vacca.</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION000490">CAPITULO IX.</a></h3> + +<blockquote> + Ha dous mezes.<br> + Deu-se garrote á prudencia.<br> + Reina o commumnismo.<br> + Folga Épicuro.<br> + Vai tudo de afogadilho.<br> + O trem assovia.<br> + Tenha o leitor paciencia.<br> + Escasseiam-me trégoas.</blockquote> + +<p>Isto é prosa.</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0004100">CAPITULO X.</a></h3> + +<p>Chamava-se Monica; nome que não anda na bocca de todos, e a essa vantagem +reune a de ser esdruxulo.</p> + +<p>Casára aos vinte nove annos de idade com um rapaz de vinte e quatro; e +enviuvou<span class="pn">{73}</span> no anno seguinte. Tudo isto foi muito +natural, sendo mais natural a morte do rapaz.</p> + +<p>Não era bonita, era sympathica. Não era sabia como D. Maria Caetana Agnezi, +mas era intelligente; e mais <em>espiritada</em> do que espirituosa. Neste +ponto trivialissima.</p> + +<p>Lia o portuguez corrente como um juiz de paz, e trazia o francez em sarilho. +Tocava a <em>saloia</em> ao piano, e nutria a presumpção de saber contar.</p> + +<p>Quando a-conheci seus progenitores já haviam levado a breca.</p> + +<p>Pretendeu-a na viuvez um capitalista, tambem viuvo.</p> + +<p>Monica accedeu á licita pretenção. Nas vesperas das bodas, revelou-se-lhe o +noivo com queda para a literatura-<em>funda</em>, ao lêr um artigo, inserto não +sei em qual periodico, onde, <em>ad-rem</em>, o escriptor citava este aphorismo +de Balzac:</p> + +<p> </p> + +<p>«<em>Un mari ne doit jamais s'endormir le premier ni se réveiller le +dernier.</em>»</p> + +<p> </p> + +<p>Seguia-se a traducção, o pomo da discordia: «<em>O marido não deve pegar no +somno antes da mulher e nem acordar depois della.</em>»<span +class="pn">{74}</span></p> + +<p>—Como isto é fundo! exclamou o capitalista, chamando a attenção da +noiva para o conselho em portuguez.</p> + +<p>—E o senhor, perguntou Monica, no seu tempo de casado seguio isso á +risca? </p> + +<p>—Como seguiria, se é agora que sei disto?! Ah! se eu em outro tempo +adivinhára... e engasgou-se com o resto. Mas, proseguio, cá me fica no +canhenho; conselhos como estes não se perdem.</p> + +<p>Confessemos, o capitalista não andava corrente com o <em>Codigo do +Bom-Tom</em>. Declarar á noiva que um aphorismo de tal jaez lhe ficava no +canhenho, foi falta de tino imperdoavel.</p> + +<p>Monica, que lia Alphonse Karr e tencionava dar um pulo até á França para +comprimentar o autor das <em>Guêpes</em>, com o que o Sr. Alphonse Karr, por +sem duvida, muito se lisongearia, não contendeu.</p> + +<p>Na manhã do dia seguinte pespegou ao capitalista em carta este +<em>bofetão</em>:</p> + +<p>«Senhor.—Toda a noite considerei no conselho de hontem e não me +convenci que seja o marido quem deva pegar no somno depois da mulher e acordar +antes della, por<span class="pn">{75}</span> muitas e longas razões com as +quaes eu encheria uma resma de papel, se quizesse argumentar. Tendo V. S. no +seu canhenho, tomado nota do conselho, pol-o-ha em pratica depois de casado; +achando-me em opposição a semelhante pratica, desisto do meu compromisso. V. S. +está livre, disponha do seu coração. Prefiro a <em>monogamia</em> ás desavenças +do lar.</p> + +<p style="text-align: right;">«Sua criada </p> + +<p style="text-align: right;">«M<small>ONICA.</small>»</p> + +<p>Quando um homem recebe nas bochechas um recado destes, é mister que saibam +todos o seu nome.</p> + +<p>O capitalista chamava-se Joaquim.</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0004110">CAPITULO XI.</a></h3> + +<p>O Sr. Joaquim leu, releu e treleu a carta. Ao depois chamou o guarda-livros. +</p> + +<p>—Sô Pinto? chegue-se, faça favor.</p> + +<p>Pinto aproxima-se.</p> + +<p>—Que palavra é esta? pergunta mostrando a Pinto a segunda palavra do +remate da carta.<span class="pn">{76}</span></p> + +<p>Pinto arregalou os olhos, soletrou a palavra e +leu—<em>monógámia</em>... e repetio separando as syllabas: +Mo-nó-gá-mi-a... Isto não é palavra, decidio. </p> + +<p>—A mim tambem me parece que não é, concordou o Sr. Joaquim, cuja +intelligencia dava pelo estalão da do outro.</p> + +<p>Pinto voltou aos livros.</p> + +<p>O Sr. Joaquim garatujou;</p> + +<p> </p> + +<p>«Senhora.—Eu quando digo as cousas é porque sei. Não é debalde que sou +viuvo. O meu pezar é ter aberto os olhos quando a mulher fechou os seus. O +conselho do periodico é fundo como um poço, e os periodicos quando dizem as +cousas—são como eu—sabem o que dizem. Estou no mesmo pé. A mulher +ha de pegar no somno antes do marido e acordar depois delle, sem esta condição +saia não me torna a entrar em casa. A palavrinha monogamia não leva a resposta +devida por não ser palavra.</p> + +<p>«E temos conversado.»</p> + +<p> </p> + +<p>Monica revelou-me este episódio uma vez quando lhe disse andar perto de +querer casar com ella.<span class="pn">{77}</span></p> + +<p>No fim da narração, pendi para a opinião do Sr. Joaquim.</p> + +<p>Não sei porque, mais tarde, fizeram barão a este homem, que tanto senso +parecia ter!</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0004120">CAPITULO XII.</a></h3> + +<p>Não fui eu, propriamente dito, que cahi na graça da viuva.</p> + +<p>Disse-me ella:</p> + +<p>—Á primeira vista antipathisei com o teu focinho. Cahio-me no gôto o +teu singular modo de amar. Fui sempre enfermiça do desejo de ser amada por um +<em>exquisito</em>, um original fosse em que fosse. Meu marido foi um homem +como os mais, media pela bitola geral. Não se lhe notava particularidade +alguma, que o destacasse do <em>chavão</em> commum. Tu me pareceste um homem +raro, a julgar pela tua carta.</p> + +<p>E case-se um homem <em>commum</em>?!</p> + +<p>—Tenho desmentido a tua espectativa? perguntei.</p> + +<p>—Vais descahindo... vais... ha dias a esta parte: respondeu.<span +class="pn">{78}</span></p> + +<p>De facto, eu descahia a ôlho.</p> + +<p>Que querem?</p> + +<p><em>L'amour use vite les hommes; il soutient longtemps les femmes...</em> +</p> + +<p>Aphorismo é isto.</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0004130">CAPITULO XIII.</a></h3> + +<p>Balzac limpe as mãos á parede.</p> + +<p>«É mais facil, diz elle, ser-se amante do que marido, por isso que é mais +difficil ter-se espirito todos os dias do que, de quando em quando, +amabilidades para dizer».</p> + +<p>E quando o amante, meu caro Sr. Balzac, no meu caso, á guisa de marido, +cohabita com a amante, é facil ter espirito todos os dias?</p> + +<p>Nem uma nem outra cousa. Eu já não tenho que dizer a Monica.</p> + +<p>No capitulo passado não briguei com ella por evitar a descripção da queréla. +E se não fosse o medico, a botica, o padre, a confissão e depois o enterro, e +em seguida as missas e no fim, tres dias de nôjo—matava-a neste.<span +class="pn">{79}</span></p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0004140">CAPITULO XIV.</a></h3> + +<p>Uma tarde, no largo de S. Francisco de Paula, no espaço onde plantaram o +actual lampeão, que lá existe com ar de vedeta desarmada, encontrando-me com o +meu velho amigo Simphoriano, o unico que possuo com este nome, me disse elle: +</p> + +<p>—Que tens tu? estás pallido como uma abobora?</p> + +<p>Simphoriano é filho de uma provincia do Norte, cujos naturaes chamam +<em>pallidas</em> ás aboboras <em>maduras</em>.</p> + +<p>—Falta de sangue, meu caro; o sangue se me aguou todo, depois da +ictericia, respondi.</p> + +<p>Elle sabia que essa doença me acommettera havia dous annos.</p> + +<p>—E a magreza? replicou.</p> + +<p>—Que queres? transpira-se muito neste Rio de Janeiro... o sol +derrete... </p> + +<p>—Fosse essa a causa...</p> + +<p>—Não sei de outra.</p> + +<p>—Disse-me o Patricio (Patricio era um <em>trocatintas</em> do meu +conhecimento), que tu <em>sacrificas em demazia ás graças</em>...<span +class="pn">{80}</span></p> + +<p>—És tu quem sacrifica a verdade á peta, trepliquei, pelo gostinho de +alardeares certa illustração. Quem ainda não sabe que Platão aconselhava ao +discipulo Xenócrates, austero, como Newton, nos costumes, a sacrificar ás +graças? Ouve o que do mesmo Xenócrates disse o padre José Agostinho na +<em>Viagem extatica</em>:</p> + +<blockquote> + «Da belleza inimigo e da ternura,<br> + Xenócrates descubro austero e triste,<br> + Vergonhoso baldão da especie humana,<br> + Que nem ao vivo scintilar de uns olhos,<br> + Nem ao mago sorriso deslizado<br> + De um labio, côr de purpura, ou de rosas,<br> + Ou aos aureos anneis de tranças de ouro,<br> + Da natureza escuta a voz suave,<br> + E sopro avivador, que atêa o fogo,<br> + Tão grato ao coração, que é delle a vida;<br> + Fogo, que até do mar no abysmo fundo<br> + Sujeita a seu imperio equóreos monstros,<br> + E a sanguinario tigre, indocil sempre,<br> + Amar ensina, e conhecer ternura.»</blockquote> + +<p>—Isto disse o padre, como entendedor que era, na <em>Viagem +extatica</em> que, ao depois, crismou com o nome de <em>Newton</em> emendando +entre outros, este verso, que tu nem ninguem recitará sem ao principio latir o +seu pouco:<span class="pn">{81}</span></p> + +<blockquote> + O<small>U AOS AUREOS</small>—anneis de tranças de ouro.</blockquote> + +<p>—Concorda, prosegui, não me achaste descalço. Agora o suppores que +abuso do <em>sacrificio</em> é outro engano. O <em>nequid +nimis</em>—equivalente ao preceito de Hippocrates:</p> + +<p>«<em>Omne nimium naturae inimicum est</em>» foi sempre a minha divisa.</p> + +<p>Houve excepção....</p> + +<p>Simphoriano ia tomando a mão.</p> + +<p>Atalhei-o, já esquentado.</p> + +<p>—Andas sempre a prasmar contra os que sacrificam ás graças. Quererás +ser tido na conta dos ditos Xenócrates e Newton ou de Kan, Vico, W. Pitt ou +Carlos XII?</p> + +<p>Pensas que ignoro que Mirabeau morreu aos quarenta e dous annos em +consequencia do abuso desse sacrificio e que pela mesma consequencia morreria +Bichat, a quem Bourg levantou uma estatua, se não morresse em 1802 aos trinta e +um annos, da queda que deu descendo as escadas do <em>Hotel de Dieu</em> cujo +medico era? Vês que ás apalpadellas não ando nos factos da historia, e será bom +que percas o sestro de <em>literato á la violeta</em>.</p> + +<p>Com effeito, Simphoriano era boa creatura,<span class="pn">{82}</span> mas +não soltava tres palavras sem citar dous ditos ou nomes de homens celebres, +seus conhecidos—pelos catalagos dos livros.</p> + +<p>E eu sem saber o cabo que darei a Monica?!</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0004150">CAPITULO XV.</a></h3> + +<p>—Estás sufficientemente barbado, proseguia de outra feita o meu amigo. +A ultima de mão que a natureza dá ao homem são as barbas....</p> + +<p>Isto dito em francez—passava a proverbio.</p> + +<p>—Portanto, continuava elle, és homem feito, em todos os sentidos.</p> + +<p>—Em sentido algum, nunca deixei....</p> + +<p>—Não me atrapalhes e nem comeces a zombar, senão, calo-me. Trata-se de +cousa séria; sou mais velho, sou teu amigo, ouve-me.</p> + +<p>—Sou todo ouvidos, falla.</p> + +<p>—Bem. Estás perto dos trinta annos...</p> + +<p>—Cinco annos distante...</p> + +<p>—Aos vinte e cinco já se tem andado quazi meio caminho da vida. Na +outra metade<span class="pn">{83}</span> precisamos pôr todo o cuidado. D'aqui +a vinte e cinco annos serás velho, e esse espaço de tempo, além de curto, passa +com a velocidade do vento. Em que te occupas presentemente? Dás pasto á +ociosidade abusando da tua compleição.... vives, portas a dentro, com uma +desgraçada, que te suga a seiva da mocidade e até os brios...</p> + +<p>—Alto lá....</p> + +<p>—E os brios, sim. Que esperas do futuro? o menospreço publico—a +mais digna herança dos <em>chichisbéos</em>....</p> + +<p>—Perdôa-me, atalhei-o, senão arrebento. De accordo com o +<em>Diccionario do amor</em>, chichisbéo é, commummente, um celibatario maduro, +namorador assiduo, servo de uma mulher casada com todos os <em>onus</em> do +marido, excepto os <em>lucros</em>... Ora;—não me deves metter na conta +dos celibatarios, por que, ha dous dias, posso dizer, cheguei á idade rébora, +juridicamente fallando; e quanto á <em>graça</em> a quem <em>sacrifico</em> é +viuva e o homem, que foi seu marido, já está livre dos onus... Applica-me outro +substantivo, menos esse. </p> + +<p>—Como enxergas tudo, rematou Simphoriano<span class="pn">{84}</span> +murchamente, pelo prisma da facecia, tua alma—tua palma, adeus.</p> + +<p>E desappareceu na primeira esquina da rua o unico amigo, que eu possuia com +aquelle nome.</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0004160">CAPITULO XVI.</a></h3> + +<p>Cocegaram-me o arrependimento aquellas palavras.</p> + +<p>Cocegar era o unico verbo cuja falta se sentia na lingua portugueza. +Criei-o, ahi fica. Não m'o-estraguem.</p> + +<p>Percorri com os olhos o horizonte do meu futuro. Trevas e só trevas... +nenhum vagalume, no espaço!</p> + +<p>Cheguei a casa com vontade de brigar.</p> + +<p>Monica, que não levou ainda a breca, estava risonha, como um dia de +primavera.</p> + +<p>Eu levava o inverno dentro d'alma.</p> + +<p>—Chegas a proposito, disse acariciando-me; lê esta cartinha.</p> + +<p>Tomei-a e li sem desfranzir as sobrancelhas:<span class="pn">{85}</span></p> + +<p> </p> + +<p>«Senhora Dona Monica.</p> + +<p>«Participo-lhe, para seu castigo, que tirei o <em>diploma</em> de barão, +ficando a senhora sem ser barôa por querer pegar no somno depois de mim...»</p> + +<p> </p> + +<p>—De quem é esta carta? bufei, arremessando-a precipitadamente ao +soalho, sem terminar a leitura.</p> + +<p>—De quem ha de ser? do Joaquim, respondeu Monica.</p> + +<p>—Qual Joaquim?</p> + +<p>—O Joaquim do aphorismo, aquelle capitalista... mas estás pallido e a +ranger os dentes! que tens?</p> + +<p>—Remorsos, senhora! respondi já de cothurnos. Remorsos, perfida, tres +vezes perfida! Era assim que tu correspondias ao meu amor! era assim! +entretendo relações pela surdina com esse Sr. Joaquim, que já é barão! Com que +cara hei de sahir á rua?!</p> + +<p>—Vossê endoideceu, homem! diz ella, rindo-se a bandeiras +despregadas.</p> + +<p>—Doido!... sim, mulher, endoideci... com um <em>endoideceu</em> é que +se desculpa o escandalo!!<span class="pn">{86}</span> Mulheres! mulheres! todas +são a mesma estampa...</p> + +<blockquote> + —Com flores o punhal disfarçam rindo!</blockquote> + +<p>—Ande vêr a minha mala, senhora, quero sahir desta casa...</p> + +<p>—Qual mala nem pêra mala! objectou com despreso ironico; vossê quando +entrou nesta casa não trouxe a mala, se é que algum dia a-teve.</p> + +<p>Tolerei a vergalhada sem replicar.</p> + +<p>—Quer sahir, saia, proseguio, ingrato de um dardo! não me deixa +saudades; e saiba que já não estou em Paris por sua causa; ainda tenho com que +pagar a passagem.</p> + +<p>—Pois, não a-demorarei mais. O paquete parte a vinte e cinco, estamos +a dezoito, sobejam-lhe sete dias para arrumar os bahús. Boa-viagem. Se +encontrar no Mabille o Alphonse Karr, dê-lhe lembranças minhas.</p> + +<p>E sahi.</p> + +<p>E lá vai a Monica...</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0004170">CAPITULO XVII.</a></h3> + +<p>Cahia a noite e a chuva.<span class="pn">{87}</span></p> + +<p>Não se me dava a queda da noite, importava-me a queda da agua.</p> + +<p>Eu não tinha guarda-chuva.</p> + +<p>Identificando o corpo com as paredes das casas, cheguei ao +<em>Restaurant</em> do Mangini ensopado como uma garoupa de escabeche, pois que +fallei em restaurant.</p> + +<p>Por felicidade das tres quatro partes do genero humano, se a agua da chuva +tem a propriedade de ensopar o facto, este tem a de enxugar passado o preciso +tempo. Panno para mangas tinha eu aqui, se quizesse mostrar até onde chego em +physica.</p> + +<p>Assentei-me junto a uma meza, onde não dava em cheio a luz.</p> + +<p>Nenhum dos caixeiros do estabelecimento fez conta da minha +<em>humida-individualidade</em>.</p> + +<p>Cheguei no momento em que um sujeito, galhardamente vestido á moderna, +travava razões com um dos caixeiros. Dizia elle, calçando as luvas e olhando de +travez para a nota da despeza, que fizera:</p> + +<p>—Oh! senhor! esta conta está exacta? em que despendi essa enorme +somma? nem no hotel da Europa.</p> + +<p>—V. S. veja a lista, acodia o caixeiro.<span class="pn">{88}</span></p> + +<p>—Vêr o que, homem? pois eu quando como, olho lá o preço das iguarias? +peço o que quero, porque não venho a estas casas comer de graça, fique sabendo, +mas isto é um roubo.</p> + +<p>—Confira pela lista e verá que lhe não levamos um vintem de mais...</p> + +<p>—Não sou conferente de casas de pasto, ouvio? bradou o homem com nobre +altivez. Confira vossê.</p> + +<p>O proprietario do estabelecimento que se achava ao balcão, dirige-se ao +cavalheiro, e com bons modos, lhe disse que se não amofinasse, que a conta +estava exacta, mas se não queria pagar—seria o mesmo.</p> + +<p>—Tenho muito dinheiro, alardeou o freguez; não preciso do seu jantar. +Nem ando comendo nos <em>botequins</em>; se entrei neste, antes foi para +esperar que passasse a chuva do que para outro fim. Almoço, janto e ceio no +hotel da Europa, porém, não quero ser roubado, não estamos na Siberia.</p> + +<p>Ein, Siberia?</p> + +<p>—Pois, senhor, a chuva já passou, V. S. não deve nada, respondeu o +proprietario.</p> + +<p>—Então, não reforma a conta?<span class="pn">{89}</span></p> + +<p>—Está exacta.</p> + +<p>—Ah! está exacta! pois sim, já disse que não estamos na Siberia, +adeus.</p> + +<p>E partio.</p> + +<p>O dono da casa aproximou-se-me dizendo;</p> + +<p>—Veja isto; um homem, que calça luvas de pellica, almoça, janta e ceia +no hotel da Europa, sahe d'aqui deixando o debito de dous mil setecentos e +sessenta réis. Ha de vêr que é sustentado por alguma...</p> + +<p>Não o-deixei acabar, todo o corpo se me arrepiou...</p> + +<p>—Um calix de cognac!</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0004180">CAPITULO XVIII.</a></h3> + +<p>Sorvendo a ultima gota do licor, affigurou-se-me Monica arrumando as malas. +</p> + +<p>—Monica vai para Paris, disse entre mim. O Sr, Joaquim já é barão... e +eu aqui fico, sem eira nem beira... nem ao menos sou commendador!... Paris! +todos fallam em Paris e eu mesmo já o-descrevi em verso, sem ainda lá ter +ido:<span class="pn">{90}</span></p> + +<blockquote> + Paris! Paris! Paris! terra de encantos,<br> + Eterno, ebri-festante paraiso,<br> + Aonde os risos de prazer são tantos,<br> + Que só é sério quem não tem juizo!...</blockquote> + +<p>As melhores descripções são devidas aos que pintam lugares, que nunca viram. +Isto já passa em julgado e, passará a anexim, quando apparecer o meu romance +passado om Djirjeh, no alto Egypto, aonde não pretendo jámais pizar.</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0004190">CAPITULO XIX.</a></h3> + +<p>Decidido a mudar de rumo, fui levar essa nova a Simphoriano.</p> + +<p>Entrei pé ante pé. O meu amigo estudava. Simphoriano ainda acreditava que, +para se saber alguma cousa, fosse mister—queimar as pestanas. Toleirão +por esse lado.</p> + +<p>Não se convencia que a <em>sapience-moufle</em> do filho de Gargantua é a +que mais <em>apanha</em> neste abençoado torrão, aonde de meia em meia braça se +esbarra a gente com um Dr. Tubal Holoferne.<span class="pn">{91}</span></p> + +<p>Isto não offende a ninguem... É pura inveja.</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0004200">CAPITULO XX.</a></h3> + +<p>—Boa noite, Simphoriano!</p> + +<p>—Ah!... Sê bem vindo.</p> + +<p>—Deus te pague. O que fazes?</p> + +<p>—Nada; estou lendo.</p> + +<p>—A <em>Historia de Cezar</em>, por Napoleão?</p> + +<p>—Leio Humboldt.</p> + +<p>—Perdes o tempo: Humboldt não sabia nada, foi um pessimo copista de +Plinio. </p> + +<p>—Sim? quando leste Plinio?</p> + +<p>—Nunca, e nem Humboldt e nem precisava para formar o meu juizo.</p> + +<p>—Achaste a pedra philosophal?</p> + +<p>—Nem nada. Ouvi dizer que Plinio estudava a natureza; depois me +disseram que o mesmo fez Humboldt. Logo, tudo quanto este fez copiou do outro, +isto é logico. Seja lá no que fôr, segue este methodo e farás figura, passando +por sabio. Ideias associadas, Humboldt foi barão e o Sr. Joaquim<span +class="pn">{92}</span> tambem já o-é. E, passando a inscrever o nome na +nobiliarchia deste Imperio, julgou-se com direito de enviar um epigramma á +<em>graça</em> á qual não <em>sacrificarei</em> mais, o que te participo, sob a +condição de uma hospedagem por esta noite, senão vou dormir ao relento.</p> + +<p>E narrei o succedido.</p> + +<p>Simphoriano pulou de contentamento.</p> + +<p>Fallou em <em>regeneração</em> (palavrinha a mais elastica dos tempos +modernos), citando todos os moralistas das cinco partes do globo, inclusive um +poeta de nome Sadi ou Saadi, que elle jurou ser perso e eu suppunha italiano, +por acabar o nome em—<em>i.</em>—</p> + +<p>Prasmou contra o meu passado aconselhando-me a cuidar do futuro.</p> + +<p>—Vejo por ahi muitos futuros á feição do meu desejo, mas os homens não +me protegem.</p> + +<p>—Homem, sentenciou o meu amigo, é aquelle que é o que quer ser e não o +que os outros querem que elle seja. Toma nota disto. Arrima-te na perseverança; +faze della bastão e caminha. Caminha... e se encontrares obstaculos, que te +empeçam os passos,<span class="pn">{93}</span> desanda-lhes a perseverança. +Tornam a apparecer adiante? torna a dar. Dá, dá de rijo, dá a valer, não te +doam os pulsos e verás se chegas a ser o que quizeres.</p> + +<p>Copiei a receita para matar os obstaculos, mas em vez de bastão comprei um +guarda sol, que tambem guarda da chuva e serve de bengala sendo preciso.</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0004210">CAPITULO XXI.</a></h3> + +<p>Por desobriga de minha consciencia, respondi á mofa do Sr. Joaquim. Exigia a +lembrança do passado que eu vingasse a viuva da affronta do capitalista. +Mandei-lhe a resposta. Ignoro se elle a-recebeu e se Monica chegou a ter +conhecimento da remessa feita em seu nome.</p> + +<p>Disse-lhe:</p> + +<p style="text-align: right;"><em>Illm. e Exm. Sr. Joaquim, barão.</em> </p> + +<p>«E tenho observado que, ha trinta annos a esta parte, essa molestia +(<em>empanturração</em>) só aos burros cançados e a <em>certos barões</em> +acommette... (Dr. Gomez d'Eça. Art. Veterinaria;<span class="pn">{94}</span> +cap. XXV, § II—; edição de Simão Thadeo Ferreira. Lisboa 1718)»</p> + +<p style="text-align: right;">Sua criada </p> + +<p style="text-align: right;">«M<small>ONICA.</small>»</p> + +<p>E ficamos, de uma vez para sempre, livres della e do barão, que já se me ia +apegando.</p> + +<p>Abrenuntio!</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0004220">CAPITULO XXII.</a></h3> + +<p>Até esta data, comigo ainda não se verificou a sentença <em>si vis +potes</em>. Ha quatro annos—<em>quero</em>—succeder na herança de +uma velha rica e nenhuma ainda morreu, que se lembrasse de mim. Isto é o +menos.</p> + +<p><em>Quero</em>—que o tabellião, em cujo cartorio sou +<em>copista</em>,—augmente <em>dez vintens</em> no meu salario de mil +réis e em vão tenho querido isto—ha quarenta e oito mezes.</p> + +<p>Não obstante, vislumbro ainda muitas esperanças, mormente, quando considero +que o mesmo Simphoriano <em>quiz</em> ser e <em>foi</em> condecorado pelos +relevantes serviços, que prestou ao Brazil no Paraguay aonde nunca poz os +pés!... (É facto).<span class="pn">{95}</span></p> + +<p>Tambem o padre Severino <em>quiz</em> ser vigario e <em>foi</em>,—e a +população da freguezia... <em>cresce</em>...</p> + +<p> </p> + +<h3><a name="SECTION0004230">EPILOGO DA TERCEIRA E ULTIMA PARTE.</a></h3> + +<p>Agua vai!</p> + +<p>Quem em dias de sua vida não pregou um calote?</p> + +<p>Esperava o leitor que os meus conhecidos morressem apunhalados, e, sabidas +as contas, apenas falleceram dous, em consequencia dos remedios das boticas! +</p> + +<p>Fallei em bodas e o Sr. Joaquim roeu-nos a corda.</p> + +<p>Moraes no seu diccionario, a proposito da palavra—<em>boi</em>, cita +estes versos:</p> + +<blockquote> + Coisas ha hi que passam sem ser cridas,<br> + E coisas cridas ha nunca passadas...</blockquote> + +<p>E eu, a proposito do amor, fui mais laconico que o <em>veni, vidi, +vici</em>; tantas vezes citado e nem uma só comprehendido!</p> + +<p>Puz em scena um enthusiasta do genio e não me referi ao—<em>stultorum +infinitus est numerus</em> de Salomão!<span class="pn">{96}</span></p> + +<p>Abiquei o Parnaso e não arenguei á cerca da impropriedade deste decasyllabo +de Francisco Manoel:</p> + +<blockquote> + <em>Capri-barbi-corní-pedes-felpudos!</em></blockquote> + +<p>Agatanhei Plinio e não trouxe á balha o livro 7.º cap. 9.º onde diz que +a—<em>gloria para uma mulher é suspender das orelhas duas +perolas</em>!</p> + +<p>Notei Pantagruel e não aproveitei este remate de um discurso, (vai a um de +fundo):</p> + +<p style="text-align: center;" class="ni"><em>dos<br> +poros<br> +dos<br> +nossos<br> +corações,<br> +transuda<br> +a<br> +mais<br> +pura<br> +essencia,<br> +que<br> +póde<br> +ser<br> +respirada<br> +pelo<span class="pn">{97}</span><br> +olfacto<br> +da<br> +patria;</em><a name="tex2html3" href="#foot553"><sup>[3]</sup></a></p> + +<p class="ni">para analysar o <em>Tratado do Sublime</em> do conselheiro da +rainha Zenobia!</p> + +<p>Embarquei Monica para a França e não lhe besuntei os labios com o adeus de +Scipião ao sahir de Roma:</p> + +<p><em>Ingrata patria, non possidebis ossa mea!</em></p> + +<p>Tropecei no <em>commumnismo</em> e nem patavina com referencia á +<em>Republica</em> de Platão, ou á <em>Utopia</em> do Moro, ou á <em>Civitas +solis</em> de Thomaz de Campanella, o Calabrez, que nunca li.</p> + +<p>Obviei... É tarde.</p> + +<p>Ah! se não fosse tarde! Só na applicação, que Monica fez da palavra +<em>monogamia</em> (que não é palavra, conforme decidiram o capitalista e o seu +guarda-livros), tinhamos materia para um in-folio, se, ácinte, eu pretendesse +revoltar contra mim trezentos e sessenta e cinco doutores, pelo minimo. Mas é +que tenho teiró ás inimizades.<span class="pn">{98}</span></p> + +<p>E os plagiatos? Neste ponto o reverendo padre Severino fôra como um Potosi. +Tem-lhe custado caro alguns! Rendeu-lhe, por exemplo, tres mezes de cama esta +odesinha copiada, assignada e enviada a quem não a inspirara.</p> + +<blockquote> + <strong>A M....<br> + </strong> (<em>O original dizia—A R....</em>)<br> + Não cumpriste o promettido,<br> + Teu marido,<br> + Teu marido t'o-privou!<br> + Não te salva essa desculpa...<br> + Teve a culpa,<br> + Teve a culpa—quem faltou.<br> + —<br> + Teu marido... oh que embaraço<br> + Erro crasso;<br> + Erro crasso, e provo-o já;<br> + Elle velava ou dormia:<br> + Que fazia?<br> + Que fazia, dize lá?<br> + —<br> + Se velava e... cobiçoso...<br> + Desejoso...<br> + Desejoso em... te ameigar...<br> + Entre os braços te-prendia;<br> + Não podia,<br> + Não te-podia... <em>obrigar</em>...<span class="pn">{99}</span><br> + —<br> + Se dormia—estava morto.<br> + Franco o <em>porto</em>...<br> + Franco o porto estava então...<br> + Mas, não dormia; velava,<br> + Devorava...<br> + Devorava o meu <em>quinhão</em>...<br> + —<br> + Adormeceste cançada,<br> + Fatigada,<br> + Fatigada... Deus do Céo!<br> + Elle tambem—fatigado,<br> + Do seu lado,<br> + A teu lado adormeceu!<br> + —<br> + E eu? lá ao sereno exposto!<br> + Dando o gôsto,<br> + Dando o gosto ao meu rival,<br> + De me vêr magro... e desfeito,<br> + Pelo effeito,<br> + Effeito... da catarrhal!<br> + —<br> + Não cumpriste o promettido!<br> + Teu marido,<br> + Teu marido t'o-privou;<br> + Não te salva essa desculpa:<br> + Teve a culpa<br> + Quem com elle se <em>fartou</em>... </blockquote> + +<p>Pobre pastor!<span class="pn">{100}</span> </p> + +<p>Verificou-se-lhe no lombo o rifão—guardado está o bocado para quem o +hade comer.</p> + +<p>Eu compuz as estrophes e elle comeu a... sova!</p> + +<p>Antes assim! que lhe faça bom proveito.</p> + +<p style="text-align: center;">......</p> + +<p>Leitor!... talvez não acredites e no entanto assim é: vou passar a limpo uma +escriptura!</p> + +<p>Se alguma vez eu escrever as minhas aventuras, abarrotar-te-hei de +<em>pasteis</em>....</p> + +<p style="text-align: center;"><em>P. S.</em></p> + +<p>P<small>OSTERIDADE!</small></p> + +<p>—Fallei a puro esmo em quanto disse.... da minha pessoa. Quando +escreveres a minha biographia procura em outra fonte os apontamentos, senão +irás de gatinhas como até esta data em todas as mais... tens ido.</p> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<p style="text-align: center;">FIM. </p> + +<p> </p> + +<div class="rodape"> +<p><a name="foot241" href="#tex2html1"><sup>[1]</sup></a> E se ha ahi quem +saiba de algum remedio, que repare essa doença, annuncie pelos jornaes, por +especial favor a uma creatura sugeita, desde aquella época até hoje, aos seus +accessos.</p> + +<p><a name="foot277" href="#tex2html2"><sup>[2]</sup></a> Quartinho escuro onde +se guardam viveres. Em a dona da casa sendo desconfiada é difficil perder a +chave.</p> + +<p><a name="foot553" href="#tex2html3"><sup>[3]</sup></a> Vide supplemento do +<em>Jornal do Commercio</em> de 16 de maio de 1866, <em>correspondencias do +Norte</em>.</p> +</div> +</div> + + + + + + + +<pre> + + + + + +End of the Project Gutenberg EBook of Memorias de um pobre diabo, by +Bruno Henriques de Almeida Seabra + +*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK MEMORIAS DE UM POBRE DIABO *** + +***** This file should be named 31906-h.htm or 31906-h.zip ***** +This and all associated files of various formats will be found in: + https://www.gutenberg.org/3/1/9/0/31906/ + +Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images +of public domain material from Google Book Search) + + +Updated editions will replace the previous one--the old editions +will be renamed. + +Creating the works from public domain print editions means that no +one owns a United States copyright in these works, so the Foundation +(and you!) can copy and distribute it in the United States without +permission and without paying copyright royalties. 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It exists +because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from +people in all walks of life. + +Volunteers and financial support to provide volunteers with the +assistance they need are critical to reaching Project Gutenberg-tm's +goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will +remain freely available for generations to come. In 2001, the Project +Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure +and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations. +To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation +and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4 +and the Foundation web page at https://www.pglaf.org. + + +Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive +Foundation + +The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit +501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the +state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal +Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification +number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at +https://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg +Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent +permitted by U.S. federal laws and your state's laws. + +The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S. +Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered +throughout numerous locations. Its business office is located at +809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email +business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact +information can be found at the Foundation's web site and official +page at https://pglaf.org + +For additional contact information: + Dr. Gregory B. Newby + Chief Executive and Director + gbnewby@pglaf.org + + +Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg +Literary Archive Foundation + +Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide +spread public support and donations to carry out its mission of +increasing the number of public domain and licensed works that can be +freely distributed in machine readable form accessible by the widest +array of equipment including outdated equipment. Many small donations +($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt +status with the IRS. + +The Foundation is committed to complying with the laws regulating +charities and charitable donations in all 50 states of the United +States. 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Donations are accepted in a number of other +ways including including checks, online payments and credit card +donations. To donate, please visit: https://pglaf.org/donate + + +Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic +works. + +Professor Michael S. Hart was the originator of the Project Gutenberg-tm +concept of a library of electronic works that could be freely shared +with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project +Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support. + + +Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed +editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S. +unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily +keep eBooks in compliance with any particular paper edition. + + +Most people start at our Web site which has the main PG search facility: + + https://www.gutenberg.org + +This Web site includes information about Project Gutenberg-tm, +including how to make donations to the Project Gutenberg Literary +Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to +subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks. + + +</pre> + +</body> +</html> diff --git a/31906-h/images/a_sousa.png b/31906-h/images/a_sousa.png Binary files differnew file mode 100644 index 0000000..3f1eefb --- /dev/null +++ b/31906-h/images/a_sousa.png diff --git a/LICENSE.txt b/LICENSE.txt new file mode 100644 index 0000000..6312041 --- /dev/null +++ b/LICENSE.txt @@ -0,0 +1,11 @@ +This eBook, including all associated images, markup, improvements, +metadata, and any other content or labor, has been confirmed to be +in the PUBLIC DOMAIN IN THE UNITED STATES. + +Procedures for determining public domain status are described in +the "Copyright How-To" at https://www.gutenberg.org. + +No investigation has been made concerning possible copyrights in +jurisdictions other than the United States. 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