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diff --git a/.gitattributes b/.gitattributes new file mode 100644 index 0000000..6833f05 --- /dev/null +++ b/.gitattributes @@ -0,0 +1,3 @@ +* text=auto +*.txt text +*.md text diff --git a/30070-0.txt b/30070-0.txt new file mode 100644 index 0000000..c98f88b --- /dev/null +++ b/30070-0.txt @@ -0,0 +1,543 @@ +*** START OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK 30070 *** + + BOM-SENSO E BOM-GOSTO + + CARTA + + AO EXCELENTISSIMO SENHOR + + ANTONIO FELICIANO DE CASTILHO + + POR + + Anthero do Quental + + + + NOVEMBRO DE 1865 + + + + +BOM-SENSO E BOM-GOSTO + +CARTA + +AO EXCELENTISSIMO SENHOR + +ANTONIO FELICIANO DE CASTILHO + +POR + +Anthero do Quental + + +COIMBRA +IMPRENSA DA UNIVERSIDADE +1865 + + + + + Ex.mo Sr. + + +Acabo de ler um escripto[1] de v. ex.ª onde, a proposito de +faltas de bom-senso e de bom-gosto, se falla com aspera censura da +chamada eschola litteraria de Coimbra, e entre dois nomes illustres[2] +se cita o meu, quasi desconhecido e sobre tudo desambicioso. + +Esta minha obscuridade faz com que a parte de censura que me cabe seja +sobre maneira diminuta: em quanto que, por outro lado, a minha +despreoccupação de fama litteraria, os meus habitos de espirito e o meu +modo de vida, me tornam essa mesma pequena parte que me resta tão +indifferente, que é como que se a nada a reduzissemos. + +Estas circumstancias pareceriam sufficiente para me imporem um silencio, +ou modesto ou desdenhoso. Não o são, todavia. Eu tenho para fallar dois +fortes motivos. Um é a liberdade absoluta que a minha posição +independentissima de homem sem pretenções litterarias me dá para julgar +desassombradamente, com justiça, com frieza, com boa-fé. Como não +pretendo logar algum, mesmo infimo, na brilhante phalange das +reputações contemporaneas, é por isso que, estando de fóra, posso como +ninguem avaliar a figura, a destreza e o garbo ainda dos mais luzidos +chefes do glorioso esquadrão. Posso tambem fallar livremente. E não é +esta uma pequena superioridade neste tempo de conveniencias, de +precauções, de reticencias--ou, digamos a cousa pelo seu nome, de +hypocrisia e falsidade. Livre das vaidades, das ambições, das miserias +d'uma posição, que não pretendo, posso fallar nas miserias, nas +ambições, nas vaidades d'esse mundo tão extranho para mim, atravessando +por meio d'ellas e sahindo puro, limpo e innocente. + +A este primeiro motivo, que é um direito, uma faculdade só, accresce um +outro, e mais grave e mais obrigatorio, porque é um dever, uma +necessidade moral. É esta força desconhecida que nos leva muitas vezes, +ainda contra a vontade, ainda contra o gosto, ainda contra o interesse, +a erguer a voz pelo que julgamos a verdade, a erguer a mão pelo que +acreditamos a justiça. É ella que me manda fallar. Não que a justiça e a +verdade se offendessem com v. ex.ª ou com as suas apreciações. Verdade e +justiça estão tão altas, que não têm olhos com que vejam as pequenas +cousas e os pequenos homens das infimas questiunculas litterarias d'um +ignorado canto de terra, a que ainda se chama Portugal. + +Não é isso o que as offende. Mas as idéas que estão por de trás dos +homens; o mal profundo que as cousas apenas miseraveis representam; uma +grande doença moral accusada por uma pequenez intellectual; as +desgraças, tanto para reflexões lamentosas, d'esta terra, reveladas +pelas miserias, tão merecedoras de despreso, dos que cuidam dominal-a; +isso é que afflige excessivamente a razão e o sentimento, o que prende o +olhar ainda o mais desdenhoso a estas baças intrigas; isso é que levanta +esta questão do raso das personalidades para a elevar até á altura d'uma +questão de principios, e que dá ás ridiculas chufas, que entre si trocam +uns tristes litteratos, todo o valor d'uma discussão de philosophia e de +historia. + +Sim, ex.mo sr. Eu não sei se v. ex.ª tem olhos para ver tudo isto. +Cuido que não: porque a intelligencia dos habeis, dos prudentes, dos +espertissimos é muitas vezes cega em lhe faltando uma cousa bem +pequena, que se encontra nos simples e nos humildes--a boa-fé. + +Á luz d'ella, porem, eu hei de sempre ver uma pessima acção, digna de +toda a importancia d'um castigo, nas impensadas e infelizes palavras de +v. ex.ª, dignas quando muito d'um sorriso de desdem e do esquecimento. E +se eu nem sequer me daria ao incommodo de erguer a cabeça de cima do meu +trabalho para escutar essas palavras, entendo que não perco o meu tempo, +que sirvo a moral e a verdade, censurando, verberando a deshonesta acção +de v. ex.ª + +Porque é uma acção deshonesta. O que se ataca na eschola de Coimbra +(talvez mesmo v. ex.ª o ignore, porque ha malevolos innocentes e +inconscientes), o que se ataca não é uma opinião litteraria menos +provada, uma concepção poetica mais atrevida, um estylo ou uma idêa. +Isso é o pretexto, apenas. Mas a guerra faz-se á independencia +irreverente de escriptores, que entendem fazer por si o seu caminho, sem +pedirem licença aos _mestres_, mas consultando só o seu trabalho e a sua +consciencia. A guerra faz-se ao escandalo inaudito d'uma litteratura +desaforada, que cuidou poder correr mundo sem o sello e o visto da +chancelharia dos grãos-mestres officiaes. A guerra faz-se á impiedade +d'estes hereges das lettras, que se revoltam contra a auctoridade dos +papas e pontifices, porque, ao que parece, ainda a luz de cima lhes não +escreveu nas frontes o signal da infallibilidade. Faz-se contra quem +entende pensar por si e ser só responsavel por seus actos e palavras... + +Agora quem move estes ridiculos combates de phrases é a vaidade ferida +dos mestres e dos pontifices; é o espirito de rotina violentamente +incommodado por mãos rudes e inconvenientes; é a banalidade que quer +dormir socegada no seu leito de ninharias; é a vulgaridade que cuida que +a forçam--nós só lhe queremos puchar as orelhas! + +Isto, resumido em poucas palavras, quer dizer: combatem-se os hereges da +eschola de Coimbra por causa do negro crime de sua dignidade, do +atrevimento de sua rectidão moral, do attentado de sua probidade +litteraria, da impudencia e miseria de serem independentes e pensarem +por suas cabeças. E combatem-se por faltarem ás virtudes de respeito +humilde ás vaidades omnipotentes, de submissão estupida, de baixeza e +pequenez moral e intellectual. + +V. ex.ª, com a imparcialidade que todos lhe conhecemos, deve confessar +que uma guerra assim feita é não só mal feita, mas tambem pequena e +miseravelmente feita. Mas é que a eschola de Coimbra commetteu +effectivamente alguma cousa peior de que um crime--commetteu uma grande +falta: _quiz innovar_. Ora, para as litteraturas officiaes, para as +reputações estabelecidas, mais criminoso do que manchar a verdade com a +baba dos sophismas, do que envenenar com o erro as fontes do espirito +publico, do que pensar mal, do que escrever pessimamente, peior do que +isto é essa falta de querer caminhar por si, de _dizer_ e não _repetir_, +de _inventar_ e não de _copiar_. Por que? Porque todos os outros crimes +eram contra as idêas: haveria sempre um perdão para elles. Mas esta +falta era contra as pessoas: e essas taes são imperdoaveis. Innovar é +dizer aos prophetas, aos reveladores encartados: «ha alguma cousa que +vós ignoraes; alguma cousa que nunca pensastes nem dissestes; ha mundo +além do circulo que se vê com os vossos oculos de theatro; ha mundo +maior do que os vossos systemas, mais profundo do que os vossos +folhetins; ha universo um pouco mais extenso e mais agradavel sobre tudo +do que os vossos livros e os vossos discursos.» Isto, sim, que é +intoleravel! Isto, sim, que é infame e revoltante e impio e subversivo! +Contra isto, sim, ás armas, ergamo-nos na nossa força, mostremos o que +somos e o que podemos... escrevamos tres folhetins e um prologo!... + +V. ex.ª fez-se chefe d'esta cruzada tão desgraçada e tão mesquinha. Não +posso senão dar-lhe os pezames por tão triste papel. Mas se eu, como +homem, desprézo e esqueço, como escriptor é que não posso calar-me; +porque atacar a independencia do pensamento, a liberdade dos espiritos, +é não só offender o que ha de mais sancto nos individuos, mas é ainda +levantar mão roubadora contra o patrimonio sagrado da humanidade--o +futuro.--É seccar as nascentes da fonte aonde as gerações futuras têm +de beber. É cortar a raiz da arvore a que os vindoiros tinham de +pedir sombra e socego. E atrophiar as idêas e os sentimentos das cabeças +e dos corações que têm de vir. + +O contrario d'isto tudo é que é a bella, a immensa missão do escriptor. +É um sacerdocio, um officio publico e religioso de guarda incorruptivel +das idêas, dos sentimentos, dos costumes, das obras e das palavras. Para +isso toda a altura, toda a nobreza interior são pouco ainda. Para isso +toda a independencia de espirito, toda a despreoccupação de vaidades, +toda a liberdade de jugos impostos, de mestres, de auctoridades, nunca +será de mais. O mineiro quer os braços soltos para cavar buscando o ouro +entre as areias grossas. O piloto quer os olhos desvendados para ler nos +astros o caminho da náo por entre as ondas incertas. O sacerdote quer o +coração limpo de paixões, de interesses, para aconselhar, guiar, julgar, +imparcial e justo. O escriptor quer o espirito livre de jugos, o +pensamento livre de preconceitos e respeitos inuteis, o coração livre de +vaidades, incorruptivel e intemerato. Só assim serão grandes e fecundas +as suas obras: só assim merecerá o logar de censor entre os homens, +porque o terá alcançado, não pelo favor das turbas inconstantes e +injustas, ou pelo patronato degradante dos grandes e illustres, mas +elevando-se naturalmente sobre todos pela sciencia, pelo paciente estudo +de si e dos outros, pela limpeza interior d'uma alma que só vê e busca o +bem, o bello, o verdadeiro. + +Este é o escriptor, o poeta, o apostolo. Se o obrigassem a respeitos +convencionaes, a terrores supersticiosos diante de certos homens, a +espantos cegos diante de certas cousas; se o fizessem baixar a cabeça e +as costas para entrar a porta do pantheon litterario; elle, o pobre, +ficaria sempre curvo e submisso, humilde e sem força propria, servo de +alheias idêas e apostolo apenas de palavras decoradas e vazias d'alma. +Como se havia elle pois erguer, entre seus irmãos, tão alto que seus +olhos fossem uns como pharoes para todos os outros olhos, a sua fronte +uma como montanha de luz; tão alto que as palavras de sua bocca cahissem +sobre as cabeças como uma chuva benefica e fecundante? Seria, depois das +provas e das torturas, das genuflexões e das baixezas da iniciação no +gremio dos _senhores_, seria um aleijão e não gigante, um aborto em +vez de heroe e, em vez de sobr'exceder a todos com a fronte, andaria +sumido entre elles, visitado escassamente pelo sol e pela luz. Elle, que +não soubera procurar para si o seu caminho, como poderia elle allumiar o +dos outros? Elle, humilde, como ensinaria a altivez e a dignidade? +Respeitador de conveniencias estereis, como daria o exemplo das revoltas +fecundas? Sem alma, como a insuflaria no peito dos tristes e humilhados? +Sem vontade, como resistiria ás tyrannias da opinião omnipotente, ao +capricho dos grandes, ás ambições, ás tentações? + +As grandes, as bellas, as boas cousas só se fazem quando se é bom, bello +e grande. Mas a condição da grandeza, da belleza, da bondade, a primeira +e indispensavel condição, não é o talento, nem a sciencia, nem a +experiencia: é a elevação moral, a virtude da altivez interior, a +independencia da alma e a dignidade do pensamento e do caracter. Nem aos +_mestres_, aos que a maioria boçal aponta como illustres, nem á opinião, +á critica sem sciencia nem consciencia das turbas, do maior numero, deve +pedir conselhos e approvação, mas só ao seu entendimento, á sua +meditação, ás suas crenças. Nesta eschola do trabalho, da dignidade, das +altas convicções, se formam os homens em cujos peitos a humanidade +encontra sempre um vasto lago onde farte a sêde de verdade, de +consolações, de ensinos para a intelligencia e confortos para o coração. + +No peito dos outros, dos que andam de capella em capella na lida afanosa +de incensar cada dia todos os idolos, dos que fazem da gloria uma +bastilha para aventureiros levarem de assalto, e não pulpito aonde se +suba com respeito e amor, no peito d'esses não habita mais do que +ambição, vaidade, endurecimento e miseria. Esses lisongeiam os grandes; +e os grandes dão-lhes a mão para que subam, e desprezam-nos depois. +Lisongeiam as maiorias; e as maiorias inconstantes lançam-lhes no regaço +um pouco de ouro e algum applauso de momento, e depois passam e +esquecem. Afagam todas as vaidades; e têm em cada vicio humano um +capital, cujo juro dissipam em quanto vivos, porque essa moeda +corrompida para mais ninguem serve. Emfim, nos quinze ou vinte annos em +que dão que falar ás gazetas, aos botequins, aos gremios, a todos os +vadios, a todos os futeis, folgam, vivem alegres e esquecidos de tudo +quanto não seja a satisfação do que ha no homem de mais pequeno--a +vaidade e o interesse. + +Para os outros a obscuridade, e a miseria muita vez--mas a estima dos +melhores entre os homens pelo espirito, e, o que excede tudo, a posse +d'uma consciencia superior a quanto não seja a verdade, a justiça e a +formosura. As idêas serenas brilham-lhes na escuridão do isolamento e +alumiam-lhes com uma luz doce mas immensa toda a sua obscuridade. Dão-se +a desbaratar o mal dos outros homens, como muitos se dão a augmentar o +seu bem proprio. Vivem na região das bençãos, escutando as palavras da +bôcca invisivel, e com os echos d'essa voz celeste compõem os hymnos de +esperança e de amor para a humanidade. Morrem; mas morrem nobres e +puros. Tudo isto porque foram independentes. Não pertenceram a +corrilhos; não elogiaram ninguem para que os elogiassem a elles; não +incensaram os fetiches dos ridiculos pagodes litterarios. Foram +honrados. Foram simples. + +A estes taes chamo eu poetas. Porque nos ensinam o bem. Porque são +originaes e dizem sempre alguma cousa nova á nossa curiosidade de saber. +Porque dão com a elevação das vidas confirmação á sublimidade dos +escriptos. Porque são tão poeticos como os seus poemas. Porque vão +adiante abrindo á luz e ao amor novos horisontes. Porque não conhecem +ambições nem orgulhos. Porque têm a cabeça do genio e o coração da +innocencia. É por isso tudo que lhes chamo poetas. + +Os outros adoram a _palavra_, que illude o vulgo, e desprezam a _idêa_, +que custa muito e nada luz. São apostolos do diccionario, e têm por +evangelho um tractado de metrificação. Fazem da poesia o instrumento de +suas vaidades. Pregam o bem por uso e convenção litteraria, porque se +presta á declamação poetica, mas practicam o egoismo por indole e por +vontade. Fazem-nos descrer da grandeza humana, porque são uns sophismas +que nos mostram a pequenez e a má fé aonde as apparencias são todas de +nobreza. Preferem imitar a inventar; e a imitar preferem ainda traduzir. +Repetem o que está dicto ha mil annos, e fazem-nos duvidar se o +espirito humano será uma esteril e constante banalidade. São os +enfeitadores das ninharias luzidias. Põem os nadas em pé para parecerem +alguma cousa. São os idolos litterarios da multidão que mal sabe ler. +São os philosophos queridos da turba que nunca pensou. São, emfim, +genios no Brasil como v. ex.ª + +Estes taes escusam da nobreza e da dignidade: têm a habilidade e a +finura. Para a obra que fazem, isso lhes basta. Mas a obra, ex.mo sr., +é que é uma obra vulgar: bem feita para agradar ao ouvido, mas esteril +para o espirito. Sôa bem, mas não ensina nem eleva. Ora a humanidade +precisa que a levantem e que a doutrinem. São, pois, necessarias outras +e melhores obras. + +Mas, se já alguma hora da historia impoz aos que fallam alto entre os +povos obrigações de seriedade, de profunda abnegação, de sacrificio do +_eu_ ás tristezas e miserias da humanidade, de trabalho e silencioso +pensamento; se alguma hora lhes mandou serem graves, puros, crentes, é +certamente esta do dia de hoje, da edade de transformação dolorosa, de +scepticismo, de abaixamento moral, de descrença, que é o nosso seculo. +Refundem-se as crenças antigas. Geram-se com esforço novas idêas. +Desmoronam-se as velhas religiões. As instituições do passado abalam-se. +O futuro não apparece ainda. E, entre estas duvidas, estes abalos, estas +incertezas, as almas sentem-se menores, mais tristes, menos ambiciosas +de bem, menos dispostas ao sacrifício e ás abnegações da consciencia. Ha +toda uma humanidade em dissolução, de que é preciso extrahir uma +humanidade viva, sã, crente e formosa. + +Para este grande trabalho é que se querem os grandes homens. Sahirão +esses heroes das academias litterarias? das arcadias? das sinecuras +opulentas? dos corrilhos do elogio-mutuo? Sahirão as aguias das +capoeiras? Saltarão as idêas salvadoras do choque das maledicencias e +dos doestos? Nascerão as dedicações do casamento das vaidades? Darão a +grande novidade os ledores de Horacio? Inventarão as novas formulas os +que decoram as phrases rabugentas dos livros bolorentos que chamam +classicos? E os Socrates e os Epictetos descerão para as suas missões +das cadeiras almofadadas, das rendosas conezias litterarias, das +prebendas, das explorações? + +Fóra d'essa atmosphera corrupta, e, quando não corrupta, pelo menos +esterilisadora, é mais provavel encontrarem-se as condições que precisam +para viver e crescer os homens uteis e necessarios ás transformações do +espirito humano. + +Não é traduzindo os velhos poetas sensualistas da Grecia e de Roma;[3] +requentando fabulas insossas diluidas em milhares de versos +semsabores;[4] não é com idyllios grotescos sem expressão nem +originalidade, com allusões mythologicas que já faziam bocejar nossos +avós;[5] com phrases e sentimentos postiços de academico e rhetorico;[6] +com visualidades infantis e puerilidades vãs;[7] com prosas imitadas das +algaravias mysticas de frades estonteados;[8] com banalidades;[9] com +ninharias;[10] não é, sobre tudo, lisongeando o máo gosto e as pessimas +idêas das maiorias, indo atrás d'ellas, tomando por guia a ignorancia e +a vulgaridade, que se hão de produzir as ideias, as sciencias, as +crenças, os sentimentos de que a humanidade contemporanea precisa para +se reformar como uma fogueira a que a lenha vai faltando. + +Mas fóra de tudo isto, d'estas necedades tradicionaes, é o nevoeiro, é o +methaphysico, é o inattingivel--diz v. ex.ª + +Todavia, quem pensa e sabe hoje na Europa não é Portugal, não é Lisboa, +cuido eu: é Paris, é Londres, é Berlim. Não é a nossa divertida Academia +das Sciencias, que revolve, decompõe, classifica e explica o mundo dos +factos e das idêas. É o Instituto de França, é a Academia Scientifica de +Berlim, são as escholas de philosophia, de historia, de mathematica, de +physica, de biologia, de todas as sciencias e de todas as artes, em +França, em Inglaterra, em Allemanha. Pois bem: a Allemanha, a +Inglaterra, a França, comprazem-se no nevoeiro, são incomprehensiveis e +ridiculas, são methaphysicas tambem. As tres grandes nações pensantes +são risiveis deante da critica fradesca do sr. Castilho. Os grandes +genios modernos são grotescos e despreziveis aos olhos baços do banal +metrificador portuguez. + +O grande espirito philosophico do nosso tempo, a grande creação +original, immensa da nossa edade, não passa de confusão e embroglio +desprezivel para o professor de ninharias, que cuida que se fustiga +Hegel, Stuart Mill, Augusto Comte, Herder, Wolff, Vico, Michelet, +Proudhon, Littré, Feuerbach, Creuzer, Strauss, Taine, Renan, Buchner, +Quinet, a philosophia allemã, a critica franceza, o positivismo, o +naturalismo, a historia, a methaphysica, as immensas creações da alma +moderna, o espirito mesmo da nossa civilisação.... que se fustiga tudo +isto e se ridicularisa e se derriba com a mesma sem-cerimonia com que +elle dá palmatoadas nos seus meninos de 30, 40 e 50 annos, de Lisboa, do +Gremio, da Revista Contemporanea! + +Quem seguir tudo isto vai com o pensamento moderno; com as tendencias da +sciencia; com os resultados de trinta annos de critica; com a nova +eschola historica; com a renovação philosophica; com os pensadores; com +os sabios; com os genios; vai com a França; vai com a Allemanha--mas que +importa? não vai com o sr. Castilho! não vai com o novo methodo +repentista! não vai com o moderno folhetim portuguez! + +O metrificador das Cartas d'Echo diz ao pensador da Philosophia da +natureza--_tira-te do meu sol!_--O mythologo do diccionario da fabula +diz ao profundo descubridor da Symbolica--_és um ignorante!_--A +rethorica portugueza diz á sciencia, ao espirito moderno--_cala-te +d'ahi, papelão!_ + +É que tudo isto não passa de idêas. Ora ha uma cousa que o sr. Castilho +tomou á sua conta, que não deixa em paz, que nos prometteu destruir... é +a methaphysica... é o ideal... + +O ideal! palavra mystica; de gothica configuração; quasi impalpavel; +espiritualista; impopular; que o artigo de fundo repelle; que +desacreditaria o deputado do centro que a empregasse; que Victor Hugo +adora e de que se riem os localistas; que não chega para um folhetim e +que enche o maior poema; immensa aos olhos dos que a vêem com os +olhos fechados e que nunca viram os que os trazem sempre arregalados; +palavra pessima para uma rima de madrigal; palavra que faz desmaiar as +beatas; grotesca num botequim; disforme numa sala; medonha numa +assembleia de litteratos horacianos... decididamente v. ex.ª devia odiar +esta desgraçada palavra! + +O ideal quer dizer isto: desprezo das vaidades; amor desinteressado da +verdade; preoccupação exclusiva do grande e do bom; desdem do futil, do +convencional; boa fe; desinteresse; grandeza d'alma; simplicidade; +nobreza; soberano bom gosto e soberanissimo bom senso... tudo isto quer +dizer esta palavra de cinco letras--ideal. + +Por todos estes motivos ella é sobremaneira odiavel; ella é desprezivel +por todas estas causas; e v. ex.ª tem toda a razão, chacoteando, +bigodeando, pulverisando esse miseravel ideal. + +Elle, com effeito, nada do que elle é ou do que vem d'elle, serve ou +pode servir jamais para alguma cousa do que se procura na vida, do que +nella procuram os homens graves, os homens serios, os homens de senso e +gosto como v. ex.ª, que nada querem com ideaes ou com idêas, mas só com +realidades e com tactos; para captar a admiração das turbas; o applauso +das multidões; para formar um grande nome composto de pequeninas +lettras; para merecer os encomios dos grammaticões e o assombro dos +burguezes; para ser das academias; das arcadias; commendador; citado +pelos brasileiros retirados do commercio; decorado pelos directores de +collegio; o Tirteu dos mercieiros e um Homero constitucional. + +Para isto é que não serve o ideal. E é por isso, pela sua absurda +inutilidade, que v. ex.ª o apeia com tanta sem cerimonia do pedestal +aonde, para o adorarem, o têm posto os loucos que nunca foram nada neste +mundo, nem das academias nem do conselho de instrucção publica, um +Christo, um Socrates, um Homero... + +Por isso é que v. ex.ª faz muito bem em o destruir, a esse pobre diabo +do ideal; de o pôr fóra de casa a bofetões; de o bannir das suas obras, +que não haver por lá nem a mais leve sombra d'elle. Agradam a todos +assim. Os versos de v. ex.ª não têm ideal--mas começam por letra +pequena. As suas criticas não têm idêas--mas têm palavras quantas bastem +para um diccionario de synonimos. Os seus poemas lyricos não são +methaphysicos, não precisam d'uma excessiva attenção, de esforços de +pensamento para se comprehenderem--e têm a vantagem de não deixarem ver +nem um só ideal. Nas suas obras todas ha uma falta tão completa d'essas +incomprehensibilidades, que deve pôr muito á sua vontade os leitores que +v. ex.ª têm no Brasil. V. ex.ª diz tudo quanto se pode dizer sem +idêas--boa, excellente receita para não cahir nas nebulosidades do +ideal. Os seus escriptos são optimos escriptos--menos as idêas: e é v. +ex.ª um grande homem--menos o ideal. + +Dante, que era um barbaro, e Shakspeare, que era um selvagem, é que +rechearam as suas obras de ideal. Victor Hugo tambem cáe muito nesse +defeito. V. ex.ª é que o tem sempre evitado cautelosamente, e por isso +não é um barbaro como Dante, nem selvagem como Shakspeare, nem um máo +poeta como Victor Hugo. Não é Dante, nem Shakspeare, nem Hugo--mas é +amigo do sr. Viale, que falla latim como Mevio e Bavio. + +Mas, ex.mo sr., será possivel viver sem idêas? Esta é que é a grande +questão. Em Lisboa, no curso de lettras, na academia, no conselho +superior, no gremio, nos saraus de v. ex.ª, dizem-me que sim, e que é +mesmo uma condição para viver bem. Fóra de Lisboa, isto é, no resto do +mundo, em Paris, Berlim, Londres, Turim, Goettingue, New-York, Boston, +paizes mais desfavorecidos da sorte, na velha Grecia tambem e mesmo na +Roma antiga, é que nunca poderam passar sem essas magnificas +inutilidades. Ellas o muito que têm feito é servirem de entretenimento +aos visionarios como Christo (um metaphysico bem nebuloso), como +Socrates, como Çakia-Mouni, como Mahomet, como Confucio e outros +sujeitos de nenhuma consideração social, que se entretinham fazendo +systemas com ellas, e com os systemas religiões, e com as religiões +povos, e com os povos civilisações, e com as civilisações codigos, leis, +sentimentos, amores, paixões, crenças, a alma emfim da humanidade, cousa +que se não vê nem rende, e é tambem inutil e incomprehensivel. Eis ahi o +mais a que as idêas têm chegado. Creio que pouco mais ou nada mais +têm feito do que isto. + +Em Lisboa é que nem isto. Não sei se tem havido quem tente introduzil-as +nessa capital. V. ex.ª é que eu tenho a certeza de que não era capaz +d'essa má acção. Por isso Lisboa não cahe como cahiram Athenas e Roma, +por causa das suas idêas, e Jerusalem e outras cidades infelizes, cujos +poetas tiveram um amor demasiado ao ideal... Uma só cousa ficou d'ellas: +uma memoria grande, honrosa, nobilissima. Cahiram, mas deram ao mundo um +espectaculo raro--o espirito e a consciencia humana triumphando da +materia e brilhando no meio das ruinas como a chamma que se alimenta da +destruição da lenha d'onde sahe e que a gerou. Eu não sei se v. ex.ª +acha isto sensato e de bom gosto. Cuido que não. O que eu sei sómente é +que isto é sublime...................... + +Paro aqui, ex.mo sr. Muito tinha eu ainda que dizer: mas temo, no ardor +do discurso, faltar ao respeito a v. ex.ª, aos seus cabellos brancos. +Cuido mesmo que já me escapou uma ou outra phrase não tão reverente e +tão lisongeira como eu desejára. Mas é que realmente não sei como hei de +dizer, sem parecer ensinar, certas cousas elementares a um homem de +sessenta annos; dizel-as eu com os meus vinte e cinco! V. ex.ª aturou-me +em tempo no seu collegio do Portico, tinha eu ainda dez annos, e +confesso que devo á sua muita paciencia o pouco francez que ainda hoje +sei. Lembra-se, pois, da minha docilidade e adivinha quanto eu desejaria +agora podel-o seguir humildemente nos seus preceitos e nos seus +exemplos, em poesia e philosophia como outr'ora em grammatica franceza, +na comprehensão das verdades eternas como em outro tempo no entendimento +das fabulas de La Fontaine. Vejo, porem, com desgosto que temos muitas +vezes de renegar aos vinte e cinco annos do culto das auctoridades dos +dez; e que saber explicar bem Telemaco a crianças não é precisamente +quanto basta para dar o direito de ensinar a homens o que sejam razão e +gosto. Concluo d'aqui que a edade não a fazem os cabellos brancos, mas a +madureza das idêas, o tino e a seriedade: e, neste ponto, os meus vinte +e cinco annos têm-me as verduras de v. ex.ª convencido valerem pelo +menos os seus sessenta. Posso pois fallar sem desacato. Levanto-me +quando os cabellos brancos de v. ex.ª passam deante de mim. Mas o +travesso cerebro que está debaixo e as garridas e pequeninas cousas, que +sahem d'elle, confesso não me merecerem nem admiração nem respeito, nem +ainda estima. A futilidade num velho desgosta-me tanto como a gravidade +numa criança. V. ex.ª precisa menos cincoenta annos de edade, ou então +mais cincoenta de reflexão. + +É por estes motivos todos que lamento do fundo d'alma não me poder +confessar, como desejava, de v. ex.ª + + +Coimbra 2 de Novembro de 1865. + + + Nem admirador nem respeitador + + + _Anthero do Quental._ + + + + [1] No livro do sr. Pinheiro Chagas--_Poema da Mocidade_. + + [2] Os srs. Theophilo Braga e Vieira de Castro. + + [3] Allude as traducções de Ovidio e Anacreonte. + + [4] Allude as Cartas d'Echo e Narciso. + + [5] Allude á Primavera. + + [6] Allude ao Tributo Portuguez na morte de Pedro V. + + [7] Allude aos tractados de Metrificação e Mnemonica. + + [8] Allude a todas as obras em prosa. + + [9] Allude a todas as obras em verso. + + [10] Allude a todas as obras junctas, prosa e verso. + + + + + +_Vende-se nas principaes livrarias... preço 100 rs._ + +DO MESMO AUCTOR + +*Odes Modernas* 1 vol. em 8.º... preço 400 rs. + +_Em Lisboa na loja de livros de Lavado; Porto e Coimbra, na livraria da +Viuva Moré._ + + + + + +End of the Project Gutenberg EBook of Bom senso e bom gosto, carta ao ex.mo +sr. A. F. de Castilho, by Antero de Quental + +*** END OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK 30070 *** diff --git a/30070-h/30070-h.htm b/30070-h/30070-h.htm new file mode 100644 index 0000000..16c44cd --- /dev/null +++ b/30070-h/30070-h.htm @@ -0,0 +1,605 @@ +<!DOCTYPE HTML PUBLIC "-//W3C//DTD HTML 4.0 Transitional//EN"> +<html lang="pt"> +<head> + <title>Bom senso e Bom Gosto, por Anthero de Quental</title> + <meta name="Author" content="Anthero de Quental"> + <meta name="Publisher" content="Imprensa da Universidade"> + <meta name="Date" content="1865"> + <meta http-equiv="content-type" content="text/html; charset=UTF-8"> + <style type="text/css"> + body{margin-left: 10%; + margin-right: 10%; + font-family: sans-serif; + } + .pn { + text-indent: 0em; + position: absolute; + left: 92%; + font-size: smaller; + text-align: right; + color: silver; + } + #corpo p{text-align: justify; text-indent: 1em;} + h1, h2, h3, h4 {text-align: center; margin-top: 3em; margin-bottom: 2em;} + #corpo p.centrado {text-align: center; text-indent: 0;} + hr.dotted {border: 0; border-bottom: dotted 2px #000;} + hr {border: 0; border-bottom: solid 2px;} + .rodape { + font-size: 0.8em; + margin: 2em; + } + </style> +</head> + +<body> +<div>*** START OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK 30070 ***</div> + +<p> </p> + +<div style="text-align:center; border: solid 1px #000; padding: 1em;"> +<p style="font-size: 1.8em;">BOM-SENSO E BOM-GOSTO</p> + +<hr style="width: 30%;"> + +<p style="font-size: 1.8em;">CARTA</p> + +<p style="font-size: 0.8em;">AO EXCELENTISSIMO SENHOR</p> + +<p style="font-size: 1.2em;">ANTONIO FELICIANO DE CASTILHO</p> + +<p style="font-size: 0.8em;">POR</p> + +<p style="font-size: 1em;"><strong>Anthero do Quental</strong></p> + +<p> </p> +<p> </p> + +<hr style="width: 30%;"> +<p> </p> +<p> </p> + +<p>NOVEMBRO DE 1865</p> +</div> + +<p> </p> + +<div style="text-align: center;"> +<p style="font-size: 1.8em;">BOM-SENSO E BOM-GOSTO</p> + +<hr style="width: 30%;"> + +<p style="font-size: 1.8em;">CARTA</p> + +<p style="font-size: 0.8em;">AO EXCELENTISSIMO SENHOR</p> + +<p style="font-size: 1.2em;">ANTONIO FELICIANO DE CASTILHO</p> + +<p style="font-size: 0.8em;">POR</p> + +<p style="font-size: 1em;"><strong>Anthero do Quental</strong></p> + +<p> </p> +<p> </p> + +<hr style="width: 30%;"> +<p> </p> +<p> </p> + +<p>COIMBRA<br> +<small>IMPRENSA DA UNIVERSIDADE</small><br> +1865</p> +</div> + +<p> </p> + +<div id="corpo"> +<p><span class="pn">{3}</span></p> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<p style="text-align: right;">Ex.<sup>mo</sup> Sr.</p> + +<p> </p> + +<p>Acabo de ler um escripto<a name="tex2html1" +href="#foot103"><sup>[1]</sup></a> de v. ex.ª onde, a proposito de faltas de +bom-senso e de bom-gosto, se falla com aspera censura da chamada eschola +litteraria de Coimbra, e entre dois nomes illustres<a name="tex2html2" +href="#foot53"><sup>[2]</sup></a> se cita o meu, quasi desconhecido e sobre +tudo desambicioso.</p> + +<p>Esta minha obscuridade faz com que a parte de censura que me cabe seja sobre +maneira diminuta: em quanto que, por outro lado, a minha despreoccupação de +fama litteraria, os meus habitos de espirito e o meu modo de vida, me tornam +essa mesma pequena parte que me resta tão indifferente, que é como que se a +nada a reduzissemos.</p> + +<p>Estas circumstancias pareceriam sufficiente para me imporem um silencio, ou +modesto ou desdenhoso. Não o são, todavia. Eu tenho para fallar dois fortes +motivos. Um é a liberdade absoluta que a minha posição independentissima de +homem sem pretenções litterarias me dá para julgar desassombradamente, com +justiça, com frieza, com boa-fé. Como não pretendo logar algum, mesmo infimo, +na brilhante phalange<span class="pn">{4}</span> das reputações contemporaneas, +é por isso que, estando de fóra, posso como ninguem avaliar a figura, a +destreza e o garbo ainda dos mais luzidos chefes do glorioso esquadrão. Posso +tambem fallar livremente. E não é esta uma pequena superioridade neste tempo de +conveniencias, de precauções, de reticencias—ou, digamos a cousa pelo seu +nome, de hypocrisia e falsidade. Livre das vaidades, das ambições, das miserias +d'uma posição, que não pretendo, posso fallar nas miserias, nas ambições, nas +vaidades d'esse mundo tão extranho para mim, atravessando por meio d'ellas e +sahindo puro, limpo e innocente.</p> + +<p>A este primeiro motivo, que é um direito, uma faculdade só, accresce um +outro, e mais grave e mais obrigatorio, porque é um dever, uma necessidade +moral. É esta força desconhecida que nos leva muitas vezes, ainda contra a +vontade, ainda contra o gosto, ainda contra o interesse, a erguer a voz pelo +que julgamos a verdade, a erguer a mão pelo que acreditamos a justiça. É ella +que me manda fallar. Não que a justiça e a verdade se offendessem com v. ex.ª +ou com as suas apreciações. Verdade e justiça estão tão altas, que não têm +olhos com que vejam as pequenas cousas e os pequenos homens das infimas +questiunculas litterarias d'um ignorado canto de terra, a que ainda se chama +Portugal.</p> + +<p>Não é isso o que as offende. Mas as idéas que estão por de trás dos homens; +o mal profundo que as cousas apenas miseraveis representam; uma grande doença +moral accusada por uma pequenez intellectual; as desgraças, tanto para +reflexões lamentosas, d'esta terra, reveladas pelas miserias, tão merecedoras +de despreso, dos que cuidam dominal-a; isso é que afflige excessivamente a +razão e o sentimento, o que prende o olhar ainda o mais desdenhoso a estas +baças intrigas; isso é que levanta esta questão do raso das personalidades para +a elevar até á altura d'uma questão de principios, e que dá ás ridiculas +chufas, que entre si trocam uns tristes litteratos, todo o valor d'uma +discussão de philosophia e de historia.</p> + +<p>Sim, ex.<sup>mo</sup> sr. Eu não sei se v. ex.ª tem olhos para ver tudo +isto. Cuido que não: porque a intelligencia dos habeis, dos prudentes, dos +espertissimos é muitas vezes<span class="pn">{5}</span> cega em lhe faltando +uma cousa bem pequena, que se encontra nos simples e nos humildes—a boa-fé. +</p> + +<p>Á luz d'ella, porem, eu hei de sempre ver uma pessima acção, digna de toda a +importancia d'um castigo, nas impensadas e infelizes palavras de v. ex.ª, +dignas quando muito d'um sorriso de desdem e do esquecimento. E se eu nem +sequer me daria ao incommodo de erguer a cabeça de cima do meu trabalho para +escutar essas palavras, entendo que não perco o meu tempo, que sirvo a moral e +a verdade, censurando, verberando a deshonesta acção de v. ex.ª</p> + +<p>Porque é uma acção deshonesta. O que se ataca na eschola de Coimbra (talvez +mesmo v. ex.ª o ignore, porque ha malevolos innocentes e inconscientes), o que +se ataca não é uma opinião litteraria menos provada, uma concepção poetica mais +atrevida, um estylo ou uma idêa. Isso é o pretexto, apenas. Mas a guerra faz-se +á independencia irreverente de escriptores, que entendem fazer por si o seu +caminho, sem pedirem licença aos <em>mestres</em>, mas consultando só o seu +trabalho e a sua consciencia. A guerra faz-se ao escandalo inaudito d'uma +litteratura desaforada, que cuidou poder correr mundo sem o sello e o visto da +chancelharia dos grãos-mestres officiaes. A guerra faz-se á impiedade d'estes +hereges das lettras, que se revoltam contra a auctoridade dos papas e +pontifices, porque, ao que parece, ainda a luz de cima lhes não escreveu nas +frontes o signal da infallibilidade. Faz-se contra quem entende pensar por si e +ser só responsavel por seus actos e palavras...</p> + +<p>Agora quem move estes ridiculos combates de phrases é a vaidade ferida dos +mestres e dos pontifices; é o espirito de rotina violentamente incommodado por +mãos rudes e inconvenientes; é a banalidade que quer dormir socegada no seu +leito de ninharias; é a vulgaridade que cuida que a forçam—nós só lhe queremos +puchar as orelhas!</p> + +<p>Isto, resumido em poucas palavras, quer dizer: combatem-se os hereges da +eschola de Coimbra por causa do negro crime de sua dignidade, do atrevimento de +sua rectidão moral, do attentado de sua probidade litteraria, da impudencia e +miseria de serem independentes e pensarem<span class="pn">{6}</span> por suas +cabeças. E combatem-se por faltarem ás virtudes de respeito humilde ás vaidades +omnipotentes, de submissão estupida, de baixeza e pequenez moral e +intellectual.</p> + +<p>V. ex.ª, com a imparcialidade que todos lhe conhecemos, deve confessar que +uma guerra assim feita é não só mal feita, mas tambem pequena e miseravelmente +feita. Mas é que a eschola de Coimbra commetteu effectivamente alguma cousa +peior de que um crime—commetteu uma grande falta: <em>quiz innovar</em>. Ora, +para as litteraturas officiaes, para as reputações estabelecidas, mais +criminoso do que manchar a verdade com a baba dos sophismas, do que envenenar +com o erro as fontes do espirito publico, do que pensar mal, do que escrever +pessimamente, peior do que isto é essa falta de querer caminhar por si, de +<em>dizer</em> e não <em>repetir</em>, de <em>inventar</em> e não de +<em>copiar</em>. Por que? Porque todos os outros crimes eram contra as idêas: +haveria sempre um perdão para elles. Mas esta falta era contra as pessoas: e +essas taes são imperdoaveis. Innovar é dizer aos prophetas, aos reveladores +encartados: «ha alguma cousa que vós ignoraes; alguma cousa que nunca pensastes +nem dissestes; ha mundo além do circulo que se vê com os vossos oculos de +theatro; ha mundo maior do que os vossos systemas, mais profundo do que os +vossos folhetins; ha universo um pouco mais extenso e mais agradavel sobre tudo +do que os vossos livros e os vossos discursos.» Isto, sim, que é intoleravel! +Isto, sim, que é infame e revoltante e impio e subversivo! Contra isto, sim, ás +armas, ergamo-nos na nossa força, mostremos o que somos e o que podemos... +escrevamos tres folhetins e um prologo!...</p> + +<p>V. ex.ª fez-se chefe d'esta cruzada tão desgraçada e tão mesquinha. Não +posso senão dar-lhe os pezames por tão triste papel. Mas se eu, como homem, +desprézo e esqueço, como escriptor é que não posso calar-me; porque atacar a +independencia do pensamento, a liberdade dos espiritos, é não só offender o que +ha de mais sancto nos individuos, mas é ainda levantar mão roubadora contra o +patrimonio sagrado da humanidade—o futuro.—É seccar as nascentes da fonte +aonde as gerações futuras têm de<span class="pn">{7}</span> beber. É cortar a +raiz da arvore a que os vindoiros tinham de pedir sombra e socego. E atrophiar +as idêas e os sentimentos das cabeças e dos corações que têm de vir.</p> + +<p>O contrario d'isto tudo é que é a bella, a immensa missão do escriptor. É um +sacerdocio, um officio publico e religioso de guarda incorruptivel das idêas, +dos sentimentos, dos costumes, das obras e das palavras. Para isso toda a +altura, toda a nobreza interior são pouco ainda. Para isso toda a independencia +de espirito, toda a despreoccupação de vaidades, toda a liberdade de jugos +impostos, de mestres, de auctoridades, nunca será de mais. O mineiro quer os +braços soltos para cavar buscando o ouro entre as areias grossas. O piloto quer +os olhos desvendados para ler nos astros o caminho da náo por entre as ondas +incertas. O sacerdote quer o coração limpo de paixões, de interesses, para +aconselhar, guiar, julgar, imparcial e justo. O escriptor quer o espirito livre +de jugos, o pensamento livre de preconceitos e respeitos inuteis, o coração +livre de vaidades, incorruptivel e intemerato. Só assim serão grandes e +fecundas as suas obras: só assim merecerá o logar de censor entre os homens, +porque o terá alcançado, não pelo favor das turbas inconstantes e injustas, ou +pelo patronato degradante dos grandes e illustres, mas elevando-se naturalmente +sobre todos pela sciencia, pelo paciente estudo de si e dos outros, pela +limpeza interior d'uma alma que só vê e busca o bem, o bello, o verdadeiro.</p> + +<p>Este é o escriptor, o poeta, o apostolo. Se o obrigassem a respeitos +convencionaes, a terrores supersticiosos diante de certos homens, a espantos +cegos diante de certas cousas; se o fizessem baixar a cabeça e as costas para +entrar a porta do pantheon litterario; elle, o pobre, ficaria sempre curvo e +submisso, humilde e sem força propria, servo de alheias idêas e apostolo apenas +de palavras decoradas e vazias d'alma. Como se havia elle pois erguer, entre +seus irmãos, tão alto que seus olhos fossem uns como pharoes para todos os +outros olhos, a sua fronte uma como montanha de luz; tão alto que as palavras +de sua bocca cahissem sobre as cabeças como uma chuva benefica e fecundante? +Seria, depois das provas e das torturas, das genuflexões e das baixezas da +iniciação no gremio dos <em>senhores</em>, seria<span class="pn">{8}</span> um +aleijão e não gigante, um aborto em vez de heroe e, em vez de sobr'exceder a +todos com a fronte, andaria sumido entre elles, visitado escassamente pelo sol +e pela luz. Elle, que não soubera procurar para si o seu caminho, como poderia +elle allumiar o dos outros? Elle, humilde, como ensinaria a altivez e a +dignidade? Respeitador de conveniencias estereis, como daria o exemplo das +revoltas fecundas? Sem alma, como a insuflaria no peito dos tristes e +humilhados? Sem vontade, como resistiria ás tyrannias da opinião omnipotente, +ao capricho dos grandes, ás ambições, ás tentações?</p> + +<p>As grandes, as bellas, as boas cousas só se fazem quando se é bom, bello e +grande. Mas a condição da grandeza, da belleza, da bondade, a primeira e +indispensavel condição, não é o talento, nem a sciencia, nem a experiencia: é a +elevação moral, a virtude da altivez interior, a independencia da alma e a +dignidade do pensamento e do caracter. Nem aos <em>mestres</em>, aos que a +maioria boçal aponta como illustres, nem á opinião, á critica sem sciencia nem +consciencia das turbas, do maior numero, deve pedir conselhos e approvação, mas +só ao seu entendimento, á sua meditação, ás suas crenças. Nesta eschola do +trabalho, da dignidade, das altas convicções, se formam os homens em cujos +peitos a humanidade encontra sempre um vasto lago onde farte a sêde de verdade, +de consolações, de ensinos para a intelligencia e confortos para o coração.</p> + +<p>No peito dos outros, dos que andam de capella em capella na lida afanosa de +incensar cada dia todos os idolos, dos que fazem da gloria uma bastilha para +aventureiros levarem de assalto, e não pulpito aonde se suba com respeito e +amor, no peito d'esses não habita mais do que ambição, vaidade, endurecimento e +miseria. Esses lisongeiam os grandes; e os grandes dão-lhes a mão para que +subam, e desprezam-nos depois. Lisongeiam as maiorias; e as maiorias +inconstantes lançam-lhes no regaço um pouco de ouro e algum applauso de +momento, e depois passam e esquecem. Afagam todas as vaidades; e têm em cada +vicio humano um capital, cujo juro dissipam em quanto vivos, porque essa moeda +corrompida para mais ninguem serve. Emfim, nos quinze ou vinte annos em que dão +que<span class="pn">{9}</span> falar ás gazetas, aos botequins, aos gremios, a +todos os vadios, a todos os futeis, folgam, vivem alegres e esquecidos de tudo +quanto não seja a satisfação do que ha no homem de mais pequeno—a vaidade e o +interesse.</p> + +<p>Para os outros a obscuridade, e a miseria muita vez—mas a estima dos +melhores entre os homens pelo espirito, e, o que excede tudo, a posse d'uma +consciencia superior a quanto não seja a verdade, a justiça e a formosura. As +idêas serenas brilham-lhes na escuridão do isolamento e alumiam-lhes com uma +luz doce mas immensa toda a sua obscuridade. Dão-se a desbaratar o mal dos +outros homens, como muitos se dão a augmentar o seu bem proprio. Vivem na +região das bençãos, escutando as palavras da bôcca invisivel, e com os echos +d'essa voz celeste compõem os hymnos de esperança e de amor para a humanidade. +Morrem; mas morrem nobres e puros. Tudo isto porque foram independentes. Não +pertenceram a corrilhos; não elogiaram ninguem para que os elogiassem a elles; +não incensaram os fetiches dos ridiculos pagodes litterarios. Foram honrados. +Foram simples.</p> + +<p>A estes taes chamo eu poetas. Porque nos ensinam o bem. Porque são originaes +e dizem sempre alguma cousa nova á nossa curiosidade de saber. Porque dão com a +elevação das vidas confirmação á sublimidade dos escriptos. Porque são tão +poeticos como os seus poemas. Porque vão adiante abrindo á luz e ao amor novos +horisontes. Porque não conhecem ambições nem orgulhos. Porque têm a cabeça do +genio e o coração da innocencia. É por isso tudo que lhes chamo poetas.</p> + +<p>Os outros adoram a <em>palavra</em>, que illude o vulgo, e desprezam a +<em>idêa</em>, que custa muito e nada luz. São apostolos do diccionario, e têm +por evangelho um tractado de metrificação. Fazem da poesia o instrumento de +suas vaidades. Pregam o bem por uso e convenção litteraria, porque se presta á +declamação poetica, mas practicam o egoismo por indole e por vontade. Fazem-nos +descrer da grandeza humana, porque são uns sophismas que nos mostram a pequenez +e a má fé aonde as apparencias são todas de nobreza. Preferem imitar a +inventar; e a imitar preferem ainda traduzir. Repetem o que está dicto ha mil +annos, e<span class="pn">{10}</span> fazem-nos duvidar se o espirito humano +será uma esteril e constante banalidade. São os enfeitadores das ninharias +luzidias. Põem os nadas em pé para parecerem alguma cousa. São os idolos +litterarios da multidão que mal sabe ler. São os philosophos queridos da turba +que nunca pensou. São, emfim, genios no Brasil como v. ex.ª</p> + +<p>Estes taes escusam da nobreza e da dignidade: têm a habilidade e a finura. +Para a obra que fazem, isso lhes basta. Mas a obra, ex.<sup>mo</sup> sr., é que +é uma obra vulgar: bem feita para agradar ao ouvido, mas esteril para o +espirito. Sôa bem, mas não ensina nem eleva. Ora a humanidade precisa que a +levantem e que a doutrinem. São, pois, necessarias outras e melhores obras.</p> + +<p>Mas, se já alguma hora da historia impoz aos que fallam alto entre os povos +obrigações de seriedade, de profunda abnegação, de sacrificio do <em>eu</em> ás +tristezas e miserias da humanidade, de trabalho e silencioso pensamento; se +alguma hora lhes mandou serem graves, puros, crentes, é certamente esta do dia +de hoje, da edade de transformação dolorosa, de scepticismo, de abaixamento +moral, de descrença, que é o nosso seculo. Refundem-se as crenças antigas. +Geram-se com esforço novas idêas. Desmoronam-se as velhas religiões. As +instituições do passado abalam-se. O futuro não apparece ainda. E, entre estas +duvidas, estes abalos, estas incertezas, as almas sentem-se menores, mais +tristes, menos ambiciosas de bem, menos dispostas ao sacrifício e ás abnegações +da consciencia. Ha toda uma humanidade em dissolução, de que é preciso extrahir +uma humanidade viva, sã, crente e formosa.</p> + +<p>Para este grande trabalho é que se querem os grandes homens. Sahirão esses +heroes das academias litterarias? das arcadias? das sinecuras opulentas? dos +corrilhos do elogio-mutuo? Sahirão as aguias das capoeiras? Saltarão as idêas +salvadoras do choque das maledicencias e dos doestos? Nascerão as dedicações do +casamento das vaidades? Darão a grande novidade os ledores de Horacio? +Inventarão as novas formulas os que decoram as phrases rabugentas dos livros +bolorentos que chamam classicos? E os Socrates e os Epictetos descerão para as +suas missões das cadeiras almofadadas, das rendosas conezias litterarias, das +prebendas, das explorações?<span class="pn">{11}</span></p> + +<p>Fóra d'essa atmosphera corrupta, e, quando não corrupta, pelo menos +esterilisadora, é mais provavel encontrarem-se as condições que precisam para +viver e crescer os homens uteis e necessarios ás transformações do espirito +humano.</p> + +<p>Não é traduzindo os velhos poetas sensualistas da Grecia e de Roma;<a +name="tex2html3" href="#foot75"><sup>[3]</sup></a> requentando fabulas insossas +diluidas em milhares de versos semsabores;<a name="tex2html4" +href="#foot76"><sup>[4]</sup></a> não é com idyllios grotescos sem expressão +nem originalidade, com allusões mythologicas que já faziam bocejar nossos +avós;<a name="tex2html5" href="#foot77"><sup>[5]</sup></a> com phrases e +sentimentos postiços de academico e rhetorico;<a name="tex2html6" +href="#foot78"><sup>[6]</sup></a> com visualidades infantis e puerilidades +vãs;<a name="tex2html7" href="#foot79"><sup>[7]</sup></a> com prosas imitadas +das algaravias mysticas de frades estonteados;<a name="tex2html8" +href="#foot80"><sup>[8]</sup></a> com banalidades;<a name="tex2html9" +href="#foot81"><sup>[9]</sup></a> com ninharias;<a name="tex2html10" +href="#foot82"><sup>[10]</sup></a> não é, sobre tudo, lisongeando o máo gosto e +as pessimas idêas das maiorias, indo atrás d'ellas, tomando por guia a +ignorancia e a vulgaridade, que se hão de produzir as ideias, as sciencias, as +crenças, os sentimentos de que a humanidade contemporanea precisa para se +reformar como uma fogueira a que a lenha vai faltando.</p> + +<p>Mas fóra de tudo isto, d'estas necedades tradicionaes, é o nevoeiro, é o +methaphysico, é o inattingivel—diz v. ex.ª</p> + +<p>Todavia, quem pensa e sabe hoje na Europa não é Portugal, não é Lisboa, +cuido eu: é Paris, é Londres, é Berlim. Não é a nossa divertida Academia das +Sciencias, que revolve, decompõe, classifica e explica o mundo dos factos e das +idêas. É o Instituto de França, é a Academia Scientifica de Berlim, são as +escholas de philosophia, de historia, de mathematica, de physica, de biologia, +de todas as sciencias e de todas as artes, em França, em Inglaterra, em +Allemanha. Pois bem: a Allemanha, a Inglaterra, a França, comprazem-se no +nevoeiro, são incomprehensiveis<span class="pn">{12}</span> e ridiculas, são +methaphysicas tambem. As tres grandes nações pensantes são risiveis deante da +critica fradesca do sr. Castilho. Os grandes genios modernos são grotescos e +despreziveis aos olhos baços do banal metrificador portuguez.</p> + +<p>O grande espirito philosophico do nosso tempo, a grande creação original, +immensa da nossa edade, não passa de confusão e embroglio desprezivel para o +professor de ninharias, que cuida que se fustiga Hegel, Stuart Mill, Augusto +Comte, Herder, Wolff, Vico, Michelet, Proudhon, Littré, Feuerbach, Creuzer, +Strauss, Taine, Renan, Buchner, Quinet, a philosophia allemã, a critica +franceza, o positivismo, o naturalismo, a historia, a methaphysica, as immensas +creações da alma moderna, o espirito mesmo da nossa civilisação.... que se +fustiga tudo isto e se ridicularisa e se derriba com a mesma sem-cerimonia com +que elle dá palmatoadas nos seus meninos de 30, 40 e 50 annos, de Lisboa, do +Gremio, da Revista Contemporanea!</p> + +<p>Quem seguir tudo isto vai com o pensamento moderno; com as tendencias da +sciencia; com os resultados de trinta annos de critica; com a nova eschola +historica; com a renovação philosophica; com os pensadores; com os sabios; com +os genios; vai com a França; vai com a Allemanha—mas que importa? não vai com +o sr. Castilho! não vai com o novo methodo repentista! não vai com o moderno +folhetim portuguez!</p> + +<p>O metrificador das Cartas d'Echo diz ao pensador da Philosophia da +natureza—<em>tira-te do meu sol!</em>—O mythologo do diccionario da fabula +diz ao profundo descubridor da Symbolica—<em>és um ignorante!</em>—A +rethorica portugueza diz á sciencia, ao espirito moderno—<em>cala-te d'ahi, +papelão!</em></p> + +<p>É que tudo isto não passa de idêas. Ora ha uma cousa que o sr. Castilho +tomou á sua conta, que não deixa em paz, que nos prometteu destruir... é a +methaphysica... é o ideal...</p> + +<p>O ideal! palavra mystica; de gothica configuração; quasi impalpavel; +espiritualista; impopular; que o artigo de fundo repelle; que desacreditaria o +deputado do centro que a empregasse; que Victor Hugo adora e de que se riem os +localistas; que não chega para um folhetim e que<span class="pn">{13}</span> +enche o maior poema; immensa aos olhos dos que a vêem com os olhos fechados e +que nunca viram os que os trazem sempre arregalados; palavra pessima para uma +rima de madrigal; palavra que faz desmaiar as beatas; grotesca num botequim; +disforme numa sala; medonha numa assembleia de litteratos horacianos... +decididamente v. ex.ª devia odiar esta desgraçada palavra!</p> + +<p>O ideal quer dizer isto: desprezo das vaidades; amor desinteressado da +verdade; preoccupação exclusiva do grande e do bom; desdem do futil, do +convencional; boa fe; desinteresse; grandeza d'alma; simplicidade; nobreza; +soberano bom gosto e soberanissimo bom senso... tudo isto quer dizer esta +palavra de cinco letras—ideal.</p> + +<p>Por todos estes motivos ella é sobremaneira odiavel; ella é desprezivel por +todas estas causas; e v. ex.ª tem toda a razão, chacoteando, bigodeando, +pulverisando esse miseravel ideal.</p> + +<p>Elle, com effeito, nada do que elle é ou do que vem d'elle, serve ou pode +servir jamais para alguma cousa do que se procura na vida, do que nella +procuram os homens graves, os homens serios, os homens de senso e gosto como v. +ex.ª, que nada querem com ideaes ou com idêas, mas só com realidades e com +tactos; para captar a admiração das turbas; o applauso das multidões; para +formar um grande nome composto de pequeninas lettras; para merecer os encomios +dos grammaticões e o assombro dos burguezes; para ser das academias; das +arcadias; commendador; citado pelos brasileiros retirados do commercio; +decorado pelos directores de collegio; o Tirteu dos mercieiros e um Homero +constitucional.</p> + +<p>Para isto é que não serve o ideal. E é por isso, pela sua absurda +inutilidade, que v. ex.ª o apeia com tanta sem cerimonia do pedestal aonde, +para o adorarem, o têm posto os loucos que nunca foram nada neste mundo, nem +das academias nem do conselho de instrucção publica, um Christo, um Socrates, +um Homero...</p> + +<p>Por isso é que v. ex.ª faz muito bem em o destruir, a esse pobre diabo do +ideal; de o pôr fóra de casa a bofetões; de o bannir das suas obras, que não +haver por lá nem a mais leve sombra d'elle. Agradam a todos assim. Os +versos<span class="pn">{14}</span> de v. ex.ª não têm ideal—mas começam por +letra pequena. As suas criticas não têm idêas—mas têm palavras quantas bastem +para um diccionario de synonimos. Os seus poemas lyricos não são methaphysicos, +não precisam d'uma excessiva attenção, de esforços de pensamento para se +comprehenderem—e têm a vantagem de não deixarem ver nem um só ideal. Nas suas +obras todas ha uma falta tão completa d'essas incomprehensibilidades, que deve +pôr muito á sua vontade os leitores que v. ex.ª têm no Brasil. V. ex.ª diz tudo +quanto se pode dizer sem idêas—boa, excellente receita para não cahir nas +nebulosidades do ideal. Os seus escriptos são optimos escriptos—menos as +idêas: e é v. ex.ª um grande homem—menos o ideal.</p> + +<p>Dante, que era um barbaro, e Shakspeare, que era um selvagem, é que +rechearam as suas obras de ideal. Victor Hugo tambem cáe muito nesse defeito. +V. ex.ª é que o tem sempre evitado cautelosamente, e por isso não é um barbaro +como Dante, nem selvagem como Shakspeare, nem um máo poeta como Victor Hugo. +Não é Dante, nem Shakspeare, nem Hugo—mas é amigo do sr. Viale, que falla +latim como Mevio e Bavio.</p> + +<p>Mas, ex.<sup>mo</sup> sr., será possivel viver sem idêas? Esta é que é a +grande questão. Em Lisboa, no curso de lettras, na academia, no conselho +superior, no gremio, nos saraus de v. ex.ª, dizem-me que sim, e que é mesmo uma +condição para viver bem. Fóra de Lisboa, isto é, no resto do mundo, em Paris, +Berlim, Londres, Turim, Goettingue, New-York, Boston, paizes mais +desfavorecidos da sorte, na velha Grecia tambem e mesmo na Roma antiga, é que +nunca poderam passar sem essas magnificas inutilidades. Ellas o muito que têm +feito é servirem de entretenimento aos visionarios como Christo (um metaphysico +bem nebuloso), como Socrates, como Çakia-Mouni, como Mahomet, como Confucio e +outros sujeitos de nenhuma consideração social, que se entretinham fazendo +systemas com ellas, e com os systemas religiões, e com as religiões povos, e +com os povos civilisações, e com as civilisações codigos, leis, sentimentos, +amores, paixões, crenças, a alma emfim da humanidade, cousa que se não vê nem +rende, e é tambem inutil e incomprehensivel. Eis ahi o mais a que as idêas +têm<span class="pn">{15}</span> chegado. Creio que pouco mais ou nada mais têm +feito do que isto.</p> + +<p>Em Lisboa é que nem isto. Não sei se tem havido quem tente introduzil-as +nessa capital. V. ex.ª é que eu tenho a certeza de que não era capaz d'essa má +acção. Por isso Lisboa não cahe como cahiram Athenas e Roma, por causa das suas +idêas, e Jerusalem e outras cidades infelizes, cujos poetas tiveram um amor +demasiado ao ideal... Uma só cousa ficou d'ellas: uma memoria grande, honrosa, +nobilissima. Cahiram, mas deram ao mundo um espectaculo raro—o espirito e a +consciencia humana triumphando da materia e brilhando no meio das ruinas como a +chamma que se alimenta da destruição da lenha d'onde sahe e que a gerou. Eu não +sei se v. ex.ª acha isto sensato e de bom gosto. Cuido que não. O que eu sei +sómente é que isto é sublime......................</p> + +<p>Paro aqui, ex.<sup>mo</sup> sr. Muito tinha eu ainda que dizer: mas temo, no +ardor do discurso, faltar ao respeito a v. ex.ª, aos seus cabellos brancos. +Cuido mesmo que já me escapou uma ou outra phrase não tão reverente e tão +lisongeira como eu desejára. Mas é que realmente não sei como hei de dizer, sem +parecer ensinar, certas cousas elementares a um homem de sessenta annos; +dizel-as eu com os meus vinte e cinco! V. ex.ª aturou-me em tempo no seu +collegio do Portico, tinha eu ainda dez annos, e confesso que devo á sua muita +paciencia o pouco francez que ainda hoje sei. Lembra-se, pois, da minha +docilidade e adivinha quanto eu desejaria agora podel-o seguir humildemente nos +seus preceitos e nos seus exemplos, em poesia e philosophia como outr'ora em +grammatica franceza, na comprehensão das verdades eternas como em outro tempo +no entendimento das fabulas de La Fontaine. Vejo, porem, com desgosto que temos +muitas vezes de renegar aos vinte e cinco annos do culto das auctoridades dos +dez; e que saber explicar bem Telemaco a crianças não é precisamente quanto +basta para dar o direito de ensinar a homens o que sejam razão e gosto. Concluo +d'aqui que a edade não a fazem os cabellos brancos, mas a madureza das idêas, o +tino e a seriedade: e, neste ponto, os meus vinte e cinco annos têm-me as +verduras de v. ex.ª convencido valerem<span class="pn">{16}</span> pelo menos +os seus sessenta. Posso pois fallar sem desacato. Levanto-me quando os cabellos +brancos de v. ex.ª passam deante de mim. Mas o travesso cerebro que está +debaixo e as garridas e pequeninas cousas, que sahem d'elle, confesso não me +merecerem nem admiração nem respeito, nem ainda estima. A futilidade num velho +desgosta-me tanto como a gravidade numa criança. V. ex.ª precisa menos +cincoenta annos de edade, ou então mais cincoenta de reflexão.</p> + +<p>É por estes motivos todos que lamento do fundo d'alma não me poder +confessar, como desejava, de v. ex.ª</p> + +<p> </p> + +<p>Coimbra 2 de Novembro de 1865.</p> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<p style="text-align: right;">Nem admirador nem respeitador</p> + +<p> </p> + +<p style="text-align: right;"><em>Anthero do Quental.</em></p> + +<p> </p> +<p> </p> +<p> </p> + +<div class="rodape"> +<p><a name="foot103" href="#tex2html1"><sup>[1]</sup></a> +No livro do sr. Pinheiro Chagas—<em>Poema da Mocidade</em>. </p> + +<p><a name="foot53" href="#tex2html2"><sup>[2]</sup></a> +Os srs. Theophilo Braga e Vieira de Castro. </p> + +<p><a name="foot75" href="#tex2html3"><sup>[3]</sup></a> +Allude as traducções de Ovidio e Anacreonte. </p> + +<p><a name="foot76" href="#tex2html4"><sup>[4]</sup></a> +Allude as Cartas d'Echo e Narciso.</p> + +<p><a name="foot77" href="#tex2html5"><sup>[5]</sup></a> +Allude á Primavera. </p> + +<p><a name="foot78" href="#tex2html6"><sup>[6]</sup></a> +Allude ao Tributo Portuguez na morte de Pedro V. </p> + +<p><a name="foot79" href="#tex2html7"><sup>[7]</sup></a> +Allude aos tractados de Metrificação e Mnemonica. </p> + +<p><a name="foot80" href="#tex2html8"><sup>[8]</sup></a> +Allude a todas as obras em prosa. </p> + +<p><a name="foot81" href="#tex2html9"><sup>[9]</sup></a> +Allude a todas as obras em verso. </p> + +<p><a name="foot82" href="#tex2html10"><sup>[10]</sup></a> +Allude a todas as obras junctas, prosa e verso.</p> </div> +</div> + +<p> </p> +<p> </p> + + +<div style="text-align:center; border: solid 1px #000; padding: 1em;"> + +<p><em>Vende-se nas principaes livrarias... preço 100 rs.</em></p> + +<p>DO MESMO AUCTOR</p> + +<p><b>Odes Modernas</b> 1 vol. em 8.º... preço 400 rs.</p> + +<p><em>Em Lisboa na loja de livros de Lavado; Porto e Coimbra, na livraria da +Viuva Moré.</em></p> +</div> +<p> </p> + +<div>*** END OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK 30070 ***</div> +</body> +</html> diff --git a/LICENSE.txt b/LICENSE.txt new file mode 100644 index 0000000..6312041 --- /dev/null +++ b/LICENSE.txt @@ -0,0 +1,11 @@ +This eBook, including all associated images, markup, improvements, +metadata, and any other content or labor, has been confirmed to be +in the PUBLIC DOMAIN IN THE UNITED STATES. + +Procedures for determining public domain status are described in +the "Copyright How-To" at https://www.gutenberg.org. + +No investigation has been made concerning possible copyrights in +jurisdictions other than the United States. 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F. de Castilho + +Author: Antero de Quental + +Release Date: September 23, 2009 [EBook #30070] + +Language: Portuguese + +Character set encoding: ISO-8859-15 + +*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK BOM SENSO E BOM GOSTO--QUENTAL *** + + + + +Produced by Pedro Saborano + + + + + + BOM-SENSO E BOM-GOSTO + + CARTA + + AO EXCELENTISSIMO SENHOR + + ANTONIO FELICIANO DE CASTILHO + + POR + + Anthero do Quental + + + + NOVEMBRO DE 1865 + + + + +BOM-SENSO E BOM-GOSTO + +CARTA + +AO EXCELENTISSIMO SENHOR + +ANTONIO FELICIANO DE CASTILHO + +POR + +Anthero do Quental + + +COIMBRA +IMPRENSA DA UNIVERSIDADE +1865 + + + + + Ex.mo Sr. + + +Acabo de ler um escripto[1] de v. ex. onde, a proposito de +faltas de bom-senso e de bom-gosto, se falla com aspera censura da +chamada eschola litteraria de Coimbra, e entre dois nomes illustres[2] +se cita o meu, quasi desconhecido e sobre tudo desambicioso. + +Esta minha obscuridade faz com que a parte de censura que me cabe seja +sobre maneira diminuta: em quanto que, por outro lado, a minha +despreoccupao de fama litteraria, os meus habitos de espirito e o meu +modo de vida, me tornam essa mesma pequena parte que me resta to +indifferente, que como que se a nada a reduzissemos. + +Estas circumstancias pareceriam sufficiente para me imporem um silencio, +ou modesto ou desdenhoso. No o so, todavia. Eu tenho para fallar dois +fortes motivos. Um a liberdade absoluta que a minha posio +independentissima de homem sem pretenes litterarias me d para julgar +desassombradamente, com justia, com frieza, com boa-f. Como no +pretendo logar algum, mesmo infimo, na brilhante phalange das +reputaes contemporaneas, por isso que, estando de fra, posso como +ninguem avaliar a figura, a destreza e o garbo ainda dos mais luzidos +chefes do glorioso esquadro. Posso tambem fallar livremente. E no +esta uma pequena superioridade neste tempo de conveniencias, de +precaues, de reticencias--ou, digamos a cousa pelo seu nome, de +hypocrisia e falsidade. Livre das vaidades, das ambies, das miserias +d'uma posio, que no pretendo, posso fallar nas miserias, nas +ambies, nas vaidades d'esse mundo to extranho para mim, atravessando +por meio d'ellas e sahindo puro, limpo e innocente. + +A este primeiro motivo, que um direito, uma faculdade s, accresce um +outro, e mais grave e mais obrigatorio, porque um dever, uma +necessidade moral. esta fora desconhecida que nos leva muitas vezes, +ainda contra a vontade, ainda contra o gosto, ainda contra o interesse, +a erguer a voz pelo que julgamos a verdade, a erguer a mo pelo que +acreditamos a justia. ella que me manda fallar. No que a justia e a +verdade se offendessem com v. ex. ou com as suas apreciaes. Verdade e +justia esto to altas, que no tm olhos com que vejam as pequenas +cousas e os pequenos homens das infimas questiunculas litterarias d'um +ignorado canto de terra, a que ainda se chama Portugal. + +No isso o que as offende. Mas as idas que esto por de trs dos +homens; o mal profundo que as cousas apenas miseraveis representam; uma +grande doena moral accusada por uma pequenez intellectual; as +desgraas, tanto para reflexes lamentosas, d'esta terra, reveladas +pelas miserias, to merecedoras de despreso, dos que cuidam dominal-a; +isso que afflige excessivamente a razo e o sentimento, o que prende o +olhar ainda o mais desdenhoso a estas baas intrigas; isso que levanta +esta questo do raso das personalidades para a elevar at altura d'uma +questo de principios, e que d s ridiculas chufas, que entre si trocam +uns tristes litteratos, todo o valor d'uma discusso de philosophia e de +historia. + +Sim, ex.mo sr. Eu no sei se v. ex. tem olhos para ver tudo isto. +Cuido que no: porque a intelligencia dos habeis, dos prudentes, dos +espertissimos muitas vezes cega em lhe faltando uma cousa bem +pequena, que se encontra nos simples e nos humildes--a boa-f. + + luz d'ella, porem, eu hei de sempre ver uma pessima aco, digna de +toda a importancia d'um castigo, nas impensadas e infelizes palavras de +v. ex., dignas quando muito d'um sorriso de desdem e do esquecimento. E +se eu nem sequer me daria ao incommodo de erguer a cabea de cima do meu +trabalho para escutar essas palavras, entendo que no perco o meu tempo, +que sirvo a moral e a verdade, censurando, verberando a deshonesta aco +de v. ex. + +Porque uma aco deshonesta. O que se ataca na eschola de Coimbra +(talvez mesmo v. ex. o ignore, porque ha malevolos innocentes e +inconscientes), o que se ataca no uma opinio litteraria menos +provada, uma concepo poetica mais atrevida, um estylo ou uma ida. +Isso o pretexto, apenas. Mas a guerra faz-se independencia +irreverente de escriptores, que entendem fazer por si o seu caminho, sem +pedirem licena aos _mestres_, mas consultando s o seu trabalho e a sua +consciencia. A guerra faz-se ao escandalo inaudito d'uma litteratura +desaforada, que cuidou poder correr mundo sem o sello e o visto da +chancelharia dos gros-mestres officiaes. A guerra faz-se impiedade +d'estes hereges das lettras, que se revoltam contra a auctoridade dos +papas e pontifices, porque, ao que parece, ainda a luz de cima lhes no +escreveu nas frontes o signal da infallibilidade. Faz-se contra quem +entende pensar por si e ser s responsavel por seus actos e palavras... + +Agora quem move estes ridiculos combates de phrases a vaidade ferida +dos mestres e dos pontifices; o espirito de rotina violentamente +incommodado por mos rudes e inconvenientes; a banalidade que quer +dormir socegada no seu leito de ninharias; a vulgaridade que cuida que +a foram--ns s lhe queremos puchar as orelhas! + +Isto, resumido em poucas palavras, quer dizer: combatem-se os hereges da +eschola de Coimbra por causa do negro crime de sua dignidade, do +atrevimento de sua rectido moral, do attentado de sua probidade +litteraria, da impudencia e miseria de serem independentes e pensarem +por suas cabeas. E combatem-se por faltarem s virtudes de respeito +humilde s vaidades omnipotentes, de submisso estupida, de baixeza e +pequenez moral e intellectual. + +V. ex., com a imparcialidade que todos lhe conhecemos, deve confessar +que uma guerra assim feita no s mal feita, mas tambem pequena e +miseravelmente feita. Mas que a eschola de Coimbra commetteu +effectivamente alguma cousa peior de que um crime--commetteu uma grande +falta: _quiz innovar_. Ora, para as litteraturas officiaes, para as +reputaes estabelecidas, mais criminoso do que manchar a verdade com a +baba dos sophismas, do que envenenar com o erro as fontes do espirito +publico, do que pensar mal, do que escrever pessimamente, peior do que +isto essa falta de querer caminhar por si, de _dizer_ e no _repetir_, +de _inventar_ e no de _copiar_. Por que? Porque todos os outros crimes +eram contra as idas: haveria sempre um perdo para elles. Mas esta +falta era contra as pessoas: e essas taes so imperdoaveis. Innovar +dizer aos prophetas, aos reveladores encartados: ha alguma cousa que +vs ignoraes; alguma cousa que nunca pensastes nem dissestes; ha mundo +alm do circulo que se v com os vossos oculos de theatro; ha mundo +maior do que os vossos systemas, mais profundo do que os vossos +folhetins; ha universo um pouco mais extenso e mais agradavel sobre tudo +do que os vossos livros e os vossos discursos. Isto, sim, que +intoleravel! Isto, sim, que infame e revoltante e impio e subversivo! +Contra isto, sim, s armas, ergamo-nos na nossa fora, mostremos o que +somos e o que podemos... escrevamos tres folhetins e um prologo!... + +V. ex. fez-se chefe d'esta cruzada to desgraada e to mesquinha. No +posso seno dar-lhe os pezames por to triste papel. Mas se eu, como +homem, desprzo e esqueo, como escriptor que no posso calar-me; +porque atacar a independencia do pensamento, a liberdade dos espiritos, + no s offender o que ha de mais sancto nos individuos, mas ainda +levantar mo roubadora contra o patrimonio sagrado da humanidade--o +futuro.-- seccar as nascentes da fonte aonde as geraes futuras tm +de beber. cortar a raiz da arvore a que os vindoiros tinham de +pedir sombra e socego. E atrophiar as idas e os sentimentos das cabeas +e dos coraes que tm de vir. + +O contrario d'isto tudo que a bella, a immensa misso do escriptor. + um sacerdocio, um officio publico e religioso de guarda incorruptivel +das idas, dos sentimentos, dos costumes, das obras e das palavras. Para +isso toda a altura, toda a nobreza interior so pouco ainda. Para isso +toda a independencia de espirito, toda a despreoccupao de vaidades, +toda a liberdade de jugos impostos, de mestres, de auctoridades, nunca +ser de mais. O mineiro quer os braos soltos para cavar buscando o ouro +entre as areias grossas. O piloto quer os olhos desvendados para ler nos +astros o caminho da no por entre as ondas incertas. O sacerdote quer o +corao limpo de paixes, de interesses, para aconselhar, guiar, julgar, +imparcial e justo. O escriptor quer o espirito livre de jugos, o +pensamento livre de preconceitos e respeitos inuteis, o corao livre de +vaidades, incorruptivel e intemerato. S assim sero grandes e fecundas +as suas obras: s assim merecer o logar de censor entre os homens, +porque o ter alcanado, no pelo favor das turbas inconstantes e +injustas, ou pelo patronato degradante dos grandes e illustres, mas +elevando-se naturalmente sobre todos pela sciencia, pelo paciente estudo +de si e dos outros, pela limpeza interior d'uma alma que s v e busca o +bem, o bello, o verdadeiro. + +Este o escriptor, o poeta, o apostolo. Se o obrigassem a respeitos +convencionaes, a terrores supersticiosos diante de certos homens, a +espantos cegos diante de certas cousas; se o fizessem baixar a cabea e +as costas para entrar a porta do pantheon litterario; elle, o pobre, +ficaria sempre curvo e submisso, humilde e sem fora propria, servo de +alheias idas e apostolo apenas de palavras decoradas e vazias d'alma. +Como se havia elle pois erguer, entre seus irmos, to alto que seus +olhos fossem uns como pharoes para todos os outros olhos, a sua fronte +uma como montanha de luz; to alto que as palavras de sua bocca cahissem +sobre as cabeas como uma chuva benefica e fecundante? Seria, depois das +provas e das torturas, das genuflexes e das baixezas da iniciao no +gremio dos _senhores_, seria um aleijo e no gigante, um aborto em +vez de heroe e, em vez de sobr'exceder a todos com a fronte, andaria +sumido entre elles, visitado escassamente pelo sol e pela luz. Elle, que +no soubera procurar para si o seu caminho, como poderia elle allumiar o +dos outros? Elle, humilde, como ensinaria a altivez e a dignidade? +Respeitador de conveniencias estereis, como daria o exemplo das revoltas +fecundas? Sem alma, como a insuflaria no peito dos tristes e humilhados? +Sem vontade, como resistiria s tyrannias da opinio omnipotente, ao +capricho dos grandes, s ambies, s tentaes? + +As grandes, as bellas, as boas cousas s se fazem quando se bom, bello +e grande. Mas a condio da grandeza, da belleza, da bondade, a primeira +e indispensavel condio, no o talento, nem a sciencia, nem a +experiencia: a elevao moral, a virtude da altivez interior, a +independencia da alma e a dignidade do pensamento e do caracter. Nem aos +_mestres_, aos que a maioria boal aponta como illustres, nem opinio, + critica sem sciencia nem consciencia das turbas, do maior numero, deve +pedir conselhos e approvao, mas s ao seu entendimento, sua +meditao, s suas crenas. Nesta eschola do trabalho, da dignidade, das +altas convices, se formam os homens em cujos peitos a humanidade +encontra sempre um vasto lago onde farte a sde de verdade, de +consolaes, de ensinos para a intelligencia e confortos para o corao. + +No peito dos outros, dos que andam de capella em capella na lida afanosa +de incensar cada dia todos os idolos, dos que fazem da gloria uma +bastilha para aventureiros levarem de assalto, e no pulpito aonde se +suba com respeito e amor, no peito d'esses no habita mais do que +ambio, vaidade, endurecimento e miseria. Esses lisongeiam os grandes; +e os grandes do-lhes a mo para que subam, e desprezam-nos depois. +Lisongeiam as maiorias; e as maiorias inconstantes lanam-lhes no regao +um pouco de ouro e algum applauso de momento, e depois passam e +esquecem. Afagam todas as vaidades; e tm em cada vicio humano um +capital, cujo juro dissipam em quanto vivos, porque essa moeda +corrompida para mais ninguem serve. Emfim, nos quinze ou vinte annos em +que do que falar s gazetas, aos botequins, aos gremios, a todos os +vadios, a todos os futeis, folgam, vivem alegres e esquecidos de tudo +quanto no seja a satisfao do que ha no homem de mais pequeno--a +vaidade e o interesse. + +Para os outros a obscuridade, e a miseria muita vez--mas a estima dos +melhores entre os homens pelo espirito, e, o que excede tudo, a posse +d'uma consciencia superior a quanto no seja a verdade, a justia e a +formosura. As idas serenas brilham-lhes na escurido do isolamento e +alumiam-lhes com uma luz doce mas immensa toda a sua obscuridade. Do-se +a desbaratar o mal dos outros homens, como muitos se do a augmentar o +seu bem proprio. Vivem na regio das benos, escutando as palavras da +bcca invisivel, e com os echos d'essa voz celeste compem os hymnos de +esperana e de amor para a humanidade. Morrem; mas morrem nobres e +puros. Tudo isto porque foram independentes. No pertenceram a +corrilhos; no elogiaram ninguem para que os elogiassem a elles; no +incensaram os fetiches dos ridiculos pagodes litterarios. Foram +honrados. Foram simples. + +A estes taes chamo eu poetas. Porque nos ensinam o bem. Porque so +originaes e dizem sempre alguma cousa nova nossa curiosidade de saber. +Porque do com a elevao das vidas confirmao sublimidade dos +escriptos. Porque so to poeticos como os seus poemas. Porque vo +adiante abrindo luz e ao amor novos horisontes. Porque no conhecem +ambies nem orgulhos. Porque tm a cabea do genio e o corao da +innocencia. por isso tudo que lhes chamo poetas. + +Os outros adoram a _palavra_, que illude o vulgo, e desprezam a _ida_, +que custa muito e nada luz. So apostolos do diccionario, e tm por +evangelho um tractado de metrificao. Fazem da poesia o instrumento de +suas vaidades. Pregam o bem por uso e conveno litteraria, porque se +presta declamao poetica, mas practicam o egoismo por indole e por +vontade. Fazem-nos descrer da grandeza humana, porque so uns sophismas +que nos mostram a pequenez e a m f aonde as apparencias so todas de +nobreza. Preferem imitar a inventar; e a imitar preferem ainda traduzir. +Repetem o que est dicto ha mil annos, e fazem-nos duvidar se o +espirito humano ser uma esteril e constante banalidade. So os +enfeitadores das ninharias luzidias. Pem os nadas em p para parecerem +alguma cousa. So os idolos litterarios da multido que mal sabe ler. +So os philosophos queridos da turba que nunca pensou. So, emfim, +genios no Brasil como v. ex. + +Estes taes escusam da nobreza e da dignidade: tm a habilidade e a +finura. Para a obra que fazem, isso lhes basta. Mas a obra, ex.mo sr., + que uma obra vulgar: bem feita para agradar ao ouvido, mas esteril +para o espirito. Sa bem, mas no ensina nem eleva. Ora a humanidade +precisa que a levantem e que a doutrinem. So, pois, necessarias outras +e melhores obras. + +Mas, se j alguma hora da historia impoz aos que fallam alto entre os +povos obrigaes de seriedade, de profunda abnegao, de sacrificio do +_eu_ s tristezas e miserias da humanidade, de trabalho e silencioso +pensamento; se alguma hora lhes mandou serem graves, puros, crentes, +certamente esta do dia de hoje, da edade de transformao dolorosa, de +scepticismo, de abaixamento moral, de descrena, que o nosso seculo. +Refundem-se as crenas antigas. Geram-se com esforo novas idas. +Desmoronam-se as velhas religies. As instituies do passado abalam-se. +O futuro no apparece ainda. E, entre estas duvidas, estes abalos, estas +incertezas, as almas sentem-se menores, mais tristes, menos ambiciosas +de bem, menos dispostas ao sacrifcio e s abnegaes da consciencia. Ha +toda uma humanidade em dissoluo, de que preciso extrahir uma +humanidade viva, s, crente e formosa. + +Para este grande trabalho que se querem os grandes homens. Sahiro +esses heroes das academias litterarias? das arcadias? das sinecuras +opulentas? dos corrilhos do elogio-mutuo? Sahiro as aguias das +capoeiras? Saltaro as idas salvadoras do choque das maledicencias e +dos doestos? Nascero as dedicaes do casamento das vaidades? Daro a +grande novidade os ledores de Horacio? Inventaro as novas formulas os +que decoram as phrases rabugentas dos livros bolorentos que chamam +classicos? E os Socrates e os Epictetos descero para as suas misses +das cadeiras almofadadas, das rendosas conezias litterarias, das +prebendas, das exploraes? + +Fra d'essa atmosphera corrupta, e, quando no corrupta, pelo menos +esterilisadora, mais provavel encontrarem-se as condies que precisam +para viver e crescer os homens uteis e necessarios s transformaes do +espirito humano. + +No traduzindo os velhos poetas sensualistas da Grecia e de Roma;[3] +requentando fabulas insossas diluidas em milhares de versos +semsabores;[4] no com idyllios grotescos sem expresso nem +originalidade, com alluses mythologicas que j faziam bocejar nossos +avs;[5] com phrases e sentimentos postios de academico e rhetorico;[6] +com visualidades infantis e puerilidades vs;[7] com prosas imitadas das +algaravias mysticas de frades estonteados;[8] com banalidades;[9] com +ninharias;[10] no , sobre tudo, lisongeando o mo gosto e as pessimas +idas das maiorias, indo atrs d'ellas, tomando por guia a ignorancia e +a vulgaridade, que se ho de produzir as ideias, as sciencias, as +crenas, os sentimentos de que a humanidade contemporanea precisa para +se reformar como uma fogueira a que a lenha vai faltando. + +Mas fra de tudo isto, d'estas necedades tradicionaes, o nevoeiro, o +methaphysico, o inattingivel--diz v. ex. + +Todavia, quem pensa e sabe hoje na Europa no Portugal, no Lisboa, +cuido eu: Paris, Londres, Berlim. No a nossa divertida Academia +das Sciencias, que revolve, decompe, classifica e explica o mundo dos +factos e das idas. o Instituto de Frana, a Academia Scientifica de +Berlim, so as escholas de philosophia, de historia, de mathematica, de +physica, de biologia, de todas as sciencias e de todas as artes, em +Frana, em Inglaterra, em Allemanha. Pois bem: a Allemanha, a +Inglaterra, a Frana, comprazem-se no nevoeiro, so incomprehensiveis e +ridiculas, so methaphysicas tambem. As tres grandes naes pensantes +so risiveis deante da critica fradesca do sr. Castilho. Os grandes +genios modernos so grotescos e despreziveis aos olhos baos do banal +metrificador portuguez. + +O grande espirito philosophico do nosso tempo, a grande creao +original, immensa da nossa edade, no passa de confuso e embroglio +desprezivel para o professor de ninharias, que cuida que se fustiga +Hegel, Stuart Mill, Augusto Comte, Herder, Wolff, Vico, Michelet, +Proudhon, Littr, Feuerbach, Creuzer, Strauss, Taine, Renan, Buchner, +Quinet, a philosophia allem, a critica franceza, o positivismo, o +naturalismo, a historia, a methaphysica, as immensas creaes da alma +moderna, o espirito mesmo da nossa civilisao.... que se fustiga tudo +isto e se ridicularisa e se derriba com a mesma sem-cerimonia com que +elle d palmatoadas nos seus meninos de 30, 40 e 50 annos, de Lisboa, do +Gremio, da Revista Contemporanea! + +Quem seguir tudo isto vai com o pensamento moderno; com as tendencias da +sciencia; com os resultados de trinta annos de critica; com a nova +eschola historica; com a renovao philosophica; com os pensadores; com +os sabios; com os genios; vai com a Frana; vai com a Allemanha--mas que +importa? no vai com o sr. Castilho! no vai com o novo methodo +repentista! no vai com o moderno folhetim portuguez! + +O metrificador das Cartas d'Echo diz ao pensador da Philosophia da +natureza--_tira-te do meu sol!_--O mythologo do diccionario da fabula +diz ao profundo descubridor da Symbolica--_s um ignorante!_--A +rethorica portugueza diz sciencia, ao espirito moderno--_cala-te +d'ahi, papelo!_ + + que tudo isto no passa de idas. Ora ha uma cousa que o sr. Castilho +tomou sua conta, que no deixa em paz, que nos prometteu destruir... +a methaphysica... o ideal... + +O ideal! palavra mystica; de gothica configurao; quasi impalpavel; +espiritualista; impopular; que o artigo de fundo repelle; que +desacreditaria o deputado do centro que a empregasse; que Victor Hugo +adora e de que se riem os localistas; que no chega para um folhetim e +que enche o maior poema; immensa aos olhos dos que a vem com os +olhos fechados e que nunca viram os que os trazem sempre arregalados; +palavra pessima para uma rima de madrigal; palavra que faz desmaiar as +beatas; grotesca num botequim; disforme numa sala; medonha numa +assembleia de litteratos horacianos... decididamente v. ex. devia odiar +esta desgraada palavra! + +O ideal quer dizer isto: desprezo das vaidades; amor desinteressado da +verdade; preoccupao exclusiva do grande e do bom; desdem do futil, do +convencional; boa fe; desinteresse; grandeza d'alma; simplicidade; +nobreza; soberano bom gosto e soberanissimo bom senso... tudo isto quer +dizer esta palavra de cinco letras--ideal. + +Por todos estes motivos ella sobremaneira odiavel; ella desprezivel +por todas estas causas; e v. ex. tem toda a razo, chacoteando, +bigodeando, pulverisando esse miseravel ideal. + +Elle, com effeito, nada do que elle ou do que vem d'elle, serve ou +pode servir jamais para alguma cousa do que se procura na vida, do que +nella procuram os homens graves, os homens serios, os homens de senso e +gosto como v. ex., que nada querem com ideaes ou com idas, mas s com +realidades e com tactos; para captar a admirao das turbas; o applauso +das multides; para formar um grande nome composto de pequeninas +lettras; para merecer os encomios dos grammatices e o assombro dos +burguezes; para ser das academias; das arcadias; commendador; citado +pelos brasileiros retirados do commercio; decorado pelos directores de +collegio; o Tirteu dos mercieiros e um Homero constitucional. + +Para isto que no serve o ideal. E por isso, pela sua absurda +inutilidade, que v. ex. o apeia com tanta sem cerimonia do pedestal +aonde, para o adorarem, o tm posto os loucos que nunca foram nada neste +mundo, nem das academias nem do conselho de instruco publica, um +Christo, um Socrates, um Homero... + +Por isso que v. ex. faz muito bem em o destruir, a esse pobre diabo +do ideal; de o pr fra de casa a bofetes; de o bannir das suas obras, +que no haver por l nem a mais leve sombra d'elle. Agradam a todos +assim. Os versos de v. ex. no tm ideal--mas comeam por letra +pequena. As suas criticas no tm idas--mas tm palavras quantas bastem +para um diccionario de synonimos. Os seus poemas lyricos no so +methaphysicos, no precisam d'uma excessiva atteno, de esforos de +pensamento para se comprehenderem--e tm a vantagem de no deixarem ver +nem um s ideal. Nas suas obras todas ha uma falta to completa d'essas +incomprehensibilidades, que deve pr muito sua vontade os leitores que +v. ex. tm no Brasil. V. ex. diz tudo quanto se pode dizer sem +idas--boa, excellente receita para no cahir nas nebulosidades do +ideal. Os seus escriptos so optimos escriptos--menos as idas: e v. +ex. um grande homem--menos o ideal. + +Dante, que era um barbaro, e Shakspeare, que era um selvagem, que +rechearam as suas obras de ideal. Victor Hugo tambem ce muito nesse +defeito. V. ex. que o tem sempre evitado cautelosamente, e por isso +no um barbaro como Dante, nem selvagem como Shakspeare, nem um mo +poeta como Victor Hugo. No Dante, nem Shakspeare, nem Hugo--mas +amigo do sr. Viale, que falla latim como Mevio e Bavio. + +Mas, ex.mo sr., ser possivel viver sem idas? Esta que a grande +questo. Em Lisboa, no curso de lettras, na academia, no conselho +superior, no gremio, nos saraus de v. ex., dizem-me que sim, e que +mesmo uma condio para viver bem. Fra de Lisboa, isto , no resto do +mundo, em Paris, Berlim, Londres, Turim, Goettingue, New-York, Boston, +paizes mais desfavorecidos da sorte, na velha Grecia tambem e mesmo na +Roma antiga, que nunca poderam passar sem essas magnificas +inutilidades. Ellas o muito que tm feito servirem de entretenimento +aos visionarios como Christo (um metaphysico bem nebuloso), como +Socrates, como akia-Mouni, como Mahomet, como Confucio e outros +sujeitos de nenhuma considerao social, que se entretinham fazendo +systemas com ellas, e com os systemas religies, e com as religies +povos, e com os povos civilisaes, e com as civilisaes codigos, leis, +sentimentos, amores, paixes, crenas, a alma emfim da humanidade, cousa +que se no v nem rende, e tambem inutil e incomprehensivel. Eis ahi o +mais a que as idas tm chegado. Creio que pouco mais ou nada mais +tm feito do que isto. + +Em Lisboa que nem isto. No sei se tem havido quem tente introduzil-as +nessa capital. V. ex. que eu tenho a certeza de que no era capaz +d'essa m aco. Por isso Lisboa no cahe como cahiram Athenas e Roma, +por causa das suas idas, e Jerusalem e outras cidades infelizes, cujos +poetas tiveram um amor demasiado ao ideal... Uma s cousa ficou d'ellas: +uma memoria grande, honrosa, nobilissima. Cahiram, mas deram ao mundo um +espectaculo raro--o espirito e a consciencia humana triumphando da +materia e brilhando no meio das ruinas como a chamma que se alimenta da +destruio da lenha d'onde sahe e que a gerou. Eu no sei se v. ex. +acha isto sensato e de bom gosto. Cuido que no. O que eu sei smente +que isto sublime...................... + +Paro aqui, ex.mo sr. Muito tinha eu ainda que dizer: mas temo, no ardor +do discurso, faltar ao respeito a v. ex., aos seus cabellos brancos. +Cuido mesmo que j me escapou uma ou outra phrase no to reverente e +to lisongeira como eu desejra. Mas que realmente no sei como hei de +dizer, sem parecer ensinar, certas cousas elementares a um homem de +sessenta annos; dizel-as eu com os meus vinte e cinco! V. ex. aturou-me +em tempo no seu collegio do Portico, tinha eu ainda dez annos, e +confesso que devo sua muita paciencia o pouco francez que ainda hoje +sei. Lembra-se, pois, da minha docilidade e adivinha quanto eu desejaria +agora podel-o seguir humildemente nos seus preceitos e nos seus +exemplos, em poesia e philosophia como outr'ora em grammatica franceza, +na comprehenso das verdades eternas como em outro tempo no entendimento +das fabulas de La Fontaine. Vejo, porem, com desgosto que temos muitas +vezes de renegar aos vinte e cinco annos do culto das auctoridades dos +dez; e que saber explicar bem Telemaco a crianas no precisamente +quanto basta para dar o direito de ensinar a homens o que sejam razo e +gosto. Concluo d'aqui que a edade no a fazem os cabellos brancos, mas a +madureza das idas, o tino e a seriedade: e, neste ponto, os meus vinte +e cinco annos tm-me as verduras de v. ex. convencido valerem pelo +menos os seus sessenta. Posso pois fallar sem desacato. Levanto-me +quando os cabellos brancos de v. ex. passam deante de mim. Mas o +travesso cerebro que est debaixo e as garridas e pequeninas cousas, que +sahem d'elle, confesso no me merecerem nem admirao nem respeito, nem +ainda estima. A futilidade num velho desgosta-me tanto como a gravidade +numa criana. V. ex. precisa menos cincoenta annos de edade, ou ento +mais cincoenta de reflexo. + + por estes motivos todos que lamento do fundo d'alma no me poder +confessar, como desejava, de v. ex. + + +Coimbra 2 de Novembro de 1865. + + + Nem admirador nem respeitador + + + _Anthero do Quental._ + + + + [1] No livro do sr. Pinheiro Chagas--_Poema da Mocidade_. + + [2] Os srs. Theophilo Braga e Vieira de Castro. + + [3] Allude as traduces de Ovidio e Anacreonte. + + [4] Allude as Cartas d'Echo e Narciso. + + [5] Allude Primavera. + + [6] Allude ao Tributo Portuguez na morte de Pedro V. + + [7] Allude aos tractados de Metrificao e Mnemonica. + + [8] Allude a todas as obras em prosa. + + [9] Allude a todas as obras em verso. + + [10] Allude a todas as obras junctas, prosa e verso. + + + + + +_Vende-se nas principaes livrarias... preo 100 rs._ + +DO MESMO AUCTOR + +*Odes Modernas* 1 vol. em 8.... preo 400 rs. + +_Em Lisboa na loja de livros de Lavado; Porto e Coimbra, na livraria da +Viuva Mor._ + + + + + +End of the Project Gutenberg EBook of Bom senso e bom gosto, carta ao ex.mo +sr. A. F. de Castilho, by Antero de Quental + +*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK BOM SENSO E BOM GOSTO--QUENTAL *** + +***** This file should be named 30070-8.txt or 30070-8.zip ***** +This and all associated files of various formats will be found in: + https://www.gutenberg.org/3/0/0/7/30070/ + +Produced by Pedro Saborano + +Updated editions will replace the previous one--the old editions +will be renamed. + +Creating the works from public domain print editions means that no +one owns a United States copyright in these works, so the Foundation +(and you!) can copy and distribute it in the United States without +permission and without paying copyright royalties. Special rules, +set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to +copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to +protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. 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F. de Castilho, by Antero de Quental + +This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with +almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or +re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included +with this eBook or online at www.gutenberg.org + + +Title: Bom senso e bom gosto, carta ao ex.mo sr. A. F. de Castilho + +Author: Antero de Quental + +Release Date: September 23, 2009 [EBook #30070] + +Language: Portuguese + +Character set encoding: ISO-8859-15 + +*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK BOM SENSO E BOM GOSTO--QUENTAL *** + + + + +Produced by Pedro Saborano + + + + + +</pre> + +<p> </p> + +<div style="text-align:center; border: solid 1px #000; padding: 1em;"> +<p style="font-size: 1.8em;">BOM-SENSO E BOM-GOSTO</p> + +<hr style="width: 30%;"> + +<p style="font-size: 1.8em;">CARTA</p> + +<p style="font-size: 0.8em;">AO EXCELENTISSIMO SENHOR</p> + +<p style="font-size: 1.2em;">ANTONIO FELICIANO DE CASTILHO</p> + +<p style="font-size: 0.8em;">POR</p> + +<p style="font-size: 1em;"><strong>Anthero do Quental</strong></p> + +<p> </p> +<p> </p> + +<hr style="width: 30%;"> +<p> </p> +<p> </p> + +<p>NOVEMBRO DE 1865</p> +</div> + +<p> </p> + +<div style="text-align: center;"> +<p style="font-size: 1.8em;">BOM-SENSO E BOM-GOSTO</p> + +<hr style="width: 30%;"> + +<p style="font-size: 1.8em;">CARTA</p> + +<p style="font-size: 0.8em;">AO EXCELENTISSIMO SENHOR</p> + +<p style="font-size: 1.2em;">ANTONIO FELICIANO DE CASTILHO</p> + +<p style="font-size: 0.8em;">POR</p> + +<p style="font-size: 1em;"><strong>Anthero do Quental</strong></p> + +<p> </p> +<p> </p> + +<hr style="width: 30%;"> +<p> </p> +<p> </p> + +<p>COIMBRA<br> +<small>IMPRENSA DA UNIVERSIDADE</small><br> +1865</p> +</div> + +<p> </p> + +<div id="corpo"> +<p><span class="pn">{3}</span></p> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<p style="text-align: right;">Ex.<sup>mo</sup> Sr.</p> + +<p> </p> + +<p>Acabo de ler um escripto<a name="tex2html1" +href="#foot103"><sup>[1]</sup></a> de v. ex. onde, a proposito de faltas de +bom-senso e de bom-gosto, se falla com aspera censura da chamada eschola +litteraria de Coimbra, e entre dois nomes illustres<a name="tex2html2" +href="#foot53"><sup>[2]</sup></a> se cita o meu, quasi desconhecido e sobre +tudo desambicioso.</p> + +<p>Esta minha obscuridade faz com que a parte de censura que me cabe seja sobre +maneira diminuta: em quanto que, por outro lado, a minha despreoccupao de +fama litteraria, os meus habitos de espirito e o meu modo de vida, me tornam +essa mesma pequena parte que me resta to indifferente, que como que se a +nada a reduzissemos.</p> + +<p>Estas circumstancias pareceriam sufficiente para me imporem um silencio, ou +modesto ou desdenhoso. No o so, todavia. Eu tenho para fallar dois fortes +motivos. Um a liberdade absoluta que a minha posio independentissima de +homem sem pretenes litterarias me d para julgar desassombradamente, com +justia, com frieza, com boa-f. Como no pretendo logar algum, mesmo infimo, +na brilhante phalange<span class="pn">{4}</span> das reputaes contemporaneas, + por isso que, estando de fra, posso como ninguem avaliar a figura, a +destreza e o garbo ainda dos mais luzidos chefes do glorioso esquadro. Posso +tambem fallar livremente. E no esta uma pequena superioridade neste tempo de +conveniencias, de precaues, de reticencias—ou, digamos a cousa pelo seu +nome, de hypocrisia e falsidade. Livre das vaidades, das ambies, das miserias +d'uma posio, que no pretendo, posso fallar nas miserias, nas ambies, nas +vaidades d'esse mundo to extranho para mim, atravessando por meio d'ellas e +sahindo puro, limpo e innocente.</p> + +<p>A este primeiro motivo, que um direito, uma faculdade s, accresce um +outro, e mais grave e mais obrigatorio, porque um dever, uma necessidade +moral. esta fora desconhecida que nos leva muitas vezes, ainda contra a +vontade, ainda contra o gosto, ainda contra o interesse, a erguer a voz pelo +que julgamos a verdade, a erguer a mo pelo que acreditamos a justia. ella +que me manda fallar. No que a justia e a verdade se offendessem com v. ex. +ou com as suas apreciaes. Verdade e justia esto to altas, que no tm +olhos com que vejam as pequenas cousas e os pequenos homens das infimas +questiunculas litterarias d'um ignorado canto de terra, a que ainda se chama +Portugal.</p> + +<p>No isso o que as offende. Mas as idas que esto por de trs dos homens; +o mal profundo que as cousas apenas miseraveis representam; uma grande doena +moral accusada por uma pequenez intellectual; as desgraas, tanto para +reflexes lamentosas, d'esta terra, reveladas pelas miserias, to merecedoras +de despreso, dos que cuidam dominal-a; isso que afflige excessivamente a +razo e o sentimento, o que prende o olhar ainda o mais desdenhoso a estas +baas intrigas; isso que levanta esta questo do raso das personalidades para +a elevar at altura d'uma questo de principios, e que d s ridiculas +chufas, que entre si trocam uns tristes litteratos, todo o valor d'uma +discusso de philosophia e de historia.</p> + +<p>Sim, ex.<sup>mo</sup> sr. Eu no sei se v. ex. tem olhos para ver tudo +isto. Cuido que no: porque a intelligencia dos habeis, dos prudentes, dos +espertissimos muitas vezes<span class="pn">{5}</span> cega em lhe faltando +uma cousa bem pequena, que se encontra nos simples e nos humildes—a boa-f. +</p> + +<p> luz d'ella, porem, eu hei de sempre ver uma pessima aco, digna de toda a +importancia d'um castigo, nas impensadas e infelizes palavras de v. ex., +dignas quando muito d'um sorriso de desdem e do esquecimento. E se eu nem +sequer me daria ao incommodo de erguer a cabea de cima do meu trabalho para +escutar essas palavras, entendo que no perco o meu tempo, que sirvo a moral e +a verdade, censurando, verberando a deshonesta aco de v. ex.</p> + +<p>Porque uma aco deshonesta. O que se ataca na eschola de Coimbra (talvez +mesmo v. ex. o ignore, porque ha malevolos innocentes e inconscientes), o que +se ataca no uma opinio litteraria menos provada, uma concepo poetica mais +atrevida, um estylo ou uma ida. Isso o pretexto, apenas. Mas a guerra faz-se + independencia irreverente de escriptores, que entendem fazer por si o seu +caminho, sem pedirem licena aos <em>mestres</em>, mas consultando s o seu +trabalho e a sua consciencia. A guerra faz-se ao escandalo inaudito d'uma +litteratura desaforada, que cuidou poder correr mundo sem o sello e o visto da +chancelharia dos gros-mestres officiaes. A guerra faz-se impiedade d'estes +hereges das lettras, que se revoltam contra a auctoridade dos papas e +pontifices, porque, ao que parece, ainda a luz de cima lhes no escreveu nas +frontes o signal da infallibilidade. Faz-se contra quem entende pensar por si e +ser s responsavel por seus actos e palavras...</p> + +<p>Agora quem move estes ridiculos combates de phrases a vaidade ferida dos +mestres e dos pontifices; o espirito de rotina violentamente incommodado por +mos rudes e inconvenientes; a banalidade que quer dormir socegada no seu +leito de ninharias; a vulgaridade que cuida que a foram—ns s lhe queremos +puchar as orelhas!</p> + +<p>Isto, resumido em poucas palavras, quer dizer: combatem-se os hereges da +eschola de Coimbra por causa do negro crime de sua dignidade, do atrevimento de +sua rectido moral, do attentado de sua probidade litteraria, da impudencia e +miseria de serem independentes e pensarem<span class="pn">{6}</span> por suas +cabeas. E combatem-se por faltarem s virtudes de respeito humilde s vaidades +omnipotentes, de submisso estupida, de baixeza e pequenez moral e +intellectual.</p> + +<p>V. ex., com a imparcialidade que todos lhe conhecemos, deve confessar que +uma guerra assim feita no s mal feita, mas tambem pequena e miseravelmente +feita. Mas que a eschola de Coimbra commetteu effectivamente alguma cousa +peior de que um crime—commetteu uma grande falta: <em>quiz innovar</em>. Ora, +para as litteraturas officiaes, para as reputaes estabelecidas, mais +criminoso do que manchar a verdade com a baba dos sophismas, do que envenenar +com o erro as fontes do espirito publico, do que pensar mal, do que escrever +pessimamente, peior do que isto essa falta de querer caminhar por si, de +<em>dizer</em> e no <em>repetir</em>, de <em>inventar</em> e no de +<em>copiar</em>. Por que? Porque todos os outros crimes eram contra as idas: +haveria sempre um perdo para elles. Mas esta falta era contra as pessoas: e +essas taes so imperdoaveis. Innovar dizer aos prophetas, aos reveladores +encartados: ha alguma cousa que vs ignoraes; alguma cousa que nunca pensastes +nem dissestes; ha mundo alm do circulo que se v com os vossos oculos de +theatro; ha mundo maior do que os vossos systemas, mais profundo do que os +vossos folhetins; ha universo um pouco mais extenso e mais agradavel sobre tudo +do que os vossos livros e os vossos discursos. Isto, sim, que intoleravel! +Isto, sim, que infame e revoltante e impio e subversivo! Contra isto, sim, s +armas, ergamo-nos na nossa fora, mostremos o que somos e o que podemos... +escrevamos tres folhetins e um prologo!...</p> + +<p>V. ex. fez-se chefe d'esta cruzada to desgraada e to mesquinha. No +posso seno dar-lhe os pezames por to triste papel. Mas se eu, como homem, +desprzo e esqueo, como escriptor que no posso calar-me; porque atacar a +independencia do pensamento, a liberdade dos espiritos, no s offender o que +ha de mais sancto nos individuos, mas ainda levantar mo roubadora contra o +patrimonio sagrado da humanidade—o futuro.— seccar as nascentes da fonte +aonde as geraes futuras tm de<span class="pn">{7}</span> beber. cortar a +raiz da arvore a que os vindoiros tinham de pedir sombra e socego. E atrophiar +as idas e os sentimentos das cabeas e dos coraes que tm de vir.</p> + +<p>O contrario d'isto tudo que a bella, a immensa misso do escriptor. um +sacerdocio, um officio publico e religioso de guarda incorruptivel das idas, +dos sentimentos, dos costumes, das obras e das palavras. Para isso toda a +altura, toda a nobreza interior so pouco ainda. Para isso toda a independencia +de espirito, toda a despreoccupao de vaidades, toda a liberdade de jugos +impostos, de mestres, de auctoridades, nunca ser de mais. O mineiro quer os +braos soltos para cavar buscando o ouro entre as areias grossas. O piloto quer +os olhos desvendados para ler nos astros o caminho da no por entre as ondas +incertas. O sacerdote quer o corao limpo de paixes, de interesses, para +aconselhar, guiar, julgar, imparcial e justo. O escriptor quer o espirito livre +de jugos, o pensamento livre de preconceitos e respeitos inuteis, o corao +livre de vaidades, incorruptivel e intemerato. S assim sero grandes e +fecundas as suas obras: s assim merecer o logar de censor entre os homens, +porque o ter alcanado, no pelo favor das turbas inconstantes e injustas, ou +pelo patronato degradante dos grandes e illustres, mas elevando-se naturalmente +sobre todos pela sciencia, pelo paciente estudo de si e dos outros, pela +limpeza interior d'uma alma que s v e busca o bem, o bello, o verdadeiro.</p> + +<p>Este o escriptor, o poeta, o apostolo. Se o obrigassem a respeitos +convencionaes, a terrores supersticiosos diante de certos homens, a espantos +cegos diante de certas cousas; se o fizessem baixar a cabea e as costas para +entrar a porta do pantheon litterario; elle, o pobre, ficaria sempre curvo e +submisso, humilde e sem fora propria, servo de alheias idas e apostolo apenas +de palavras decoradas e vazias d'alma. Como se havia elle pois erguer, entre +seus irmos, to alto que seus olhos fossem uns como pharoes para todos os +outros olhos, a sua fronte uma como montanha de luz; to alto que as palavras +de sua bocca cahissem sobre as cabeas como uma chuva benefica e fecundante? +Seria, depois das provas e das torturas, das genuflexes e das baixezas da +iniciao no gremio dos <em>senhores</em>, seria<span class="pn">{8}</span> um +aleijo e no gigante, um aborto em vez de heroe e, em vez de sobr'exceder a +todos com a fronte, andaria sumido entre elles, visitado escassamente pelo sol +e pela luz. Elle, que no soubera procurar para si o seu caminho, como poderia +elle allumiar o dos outros? Elle, humilde, como ensinaria a altivez e a +dignidade? Respeitador de conveniencias estereis, como daria o exemplo das +revoltas fecundas? Sem alma, como a insuflaria no peito dos tristes e +humilhados? Sem vontade, como resistiria s tyrannias da opinio omnipotente, +ao capricho dos grandes, s ambies, s tentaes?</p> + +<p>As grandes, as bellas, as boas cousas s se fazem quando se bom, bello e +grande. Mas a condio da grandeza, da belleza, da bondade, a primeira e +indispensavel condio, no o talento, nem a sciencia, nem a experiencia: a +elevao moral, a virtude da altivez interior, a independencia da alma e a +dignidade do pensamento e do caracter. Nem aos <em>mestres</em>, aos que a +maioria boal aponta como illustres, nem opinio, critica sem sciencia nem +consciencia das turbas, do maior numero, deve pedir conselhos e approvao, mas +s ao seu entendimento, sua meditao, s suas crenas. Nesta eschola do +trabalho, da dignidade, das altas convices, se formam os homens em cujos +peitos a humanidade encontra sempre um vasto lago onde farte a sde de verdade, +de consolaes, de ensinos para a intelligencia e confortos para o corao.</p> + +<p>No peito dos outros, dos que andam de capella em capella na lida afanosa de +incensar cada dia todos os idolos, dos que fazem da gloria uma bastilha para +aventureiros levarem de assalto, e no pulpito aonde se suba com respeito e +amor, no peito d'esses no habita mais do que ambio, vaidade, endurecimento e +miseria. Esses lisongeiam os grandes; e os grandes do-lhes a mo para que +subam, e desprezam-nos depois. Lisongeiam as maiorias; e as maiorias +inconstantes lanam-lhes no regao um pouco de ouro e algum applauso de +momento, e depois passam e esquecem. Afagam todas as vaidades; e tm em cada +vicio humano um capital, cujo juro dissipam em quanto vivos, porque essa moeda +corrompida para mais ninguem serve. Emfim, nos quinze ou vinte annos em que do +que<span class="pn">{9}</span> falar s gazetas, aos botequins, aos gremios, a +todos os vadios, a todos os futeis, folgam, vivem alegres e esquecidos de tudo +quanto no seja a satisfao do que ha no homem de mais pequeno—a vaidade e o +interesse.</p> + +<p>Para os outros a obscuridade, e a miseria muita vez—mas a estima dos +melhores entre os homens pelo espirito, e, o que excede tudo, a posse d'uma +consciencia superior a quanto no seja a verdade, a justia e a formosura. As +idas serenas brilham-lhes na escurido do isolamento e alumiam-lhes com uma +luz doce mas immensa toda a sua obscuridade. Do-se a desbaratar o mal dos +outros homens, como muitos se do a augmentar o seu bem proprio. Vivem na +regio das benos, escutando as palavras da bcca invisivel, e com os echos +d'essa voz celeste compem os hymnos de esperana e de amor para a humanidade. +Morrem; mas morrem nobres e puros. Tudo isto porque foram independentes. No +pertenceram a corrilhos; no elogiaram ninguem para que os elogiassem a elles; +no incensaram os fetiches dos ridiculos pagodes litterarios. Foram honrados. +Foram simples.</p> + +<p>A estes taes chamo eu poetas. Porque nos ensinam o bem. Porque so originaes +e dizem sempre alguma cousa nova nossa curiosidade de saber. Porque do com a +elevao das vidas confirmao sublimidade dos escriptos. Porque so to +poeticos como os seus poemas. Porque vo adiante abrindo luz e ao amor novos +horisontes. Porque no conhecem ambies nem orgulhos. Porque tm a cabea do +genio e o corao da innocencia. por isso tudo que lhes chamo poetas.</p> + +<p>Os outros adoram a <em>palavra</em>, que illude o vulgo, e desprezam a +<em>ida</em>, que custa muito e nada luz. So apostolos do diccionario, e tm +por evangelho um tractado de metrificao. Fazem da poesia o instrumento de +suas vaidades. Pregam o bem por uso e conveno litteraria, porque se presta +declamao poetica, mas practicam o egoismo por indole e por vontade. Fazem-nos +descrer da grandeza humana, porque so uns sophismas que nos mostram a pequenez +e a m f aonde as apparencias so todas de nobreza. Preferem imitar a +inventar; e a imitar preferem ainda traduzir. Repetem o que est dicto ha mil +annos, e<span class="pn">{10}</span> fazem-nos duvidar se o espirito humano +ser uma esteril e constante banalidade. So os enfeitadores das ninharias +luzidias. Pem os nadas em p para parecerem alguma cousa. So os idolos +litterarios da multido que mal sabe ler. So os philosophos queridos da turba +que nunca pensou. So, emfim, genios no Brasil como v. ex.</p> + +<p>Estes taes escusam da nobreza e da dignidade: tm a habilidade e a finura. +Para a obra que fazem, isso lhes basta. Mas a obra, ex.<sup>mo</sup> sr., que + uma obra vulgar: bem feita para agradar ao ouvido, mas esteril para o +espirito. Sa bem, mas no ensina nem eleva. Ora a humanidade precisa que a +levantem e que a doutrinem. So, pois, necessarias outras e melhores obras.</p> + +<p>Mas, se j alguma hora da historia impoz aos que fallam alto entre os povos +obrigaes de seriedade, de profunda abnegao, de sacrificio do <em>eu</em> s +tristezas e miserias da humanidade, de trabalho e silencioso pensamento; se +alguma hora lhes mandou serem graves, puros, crentes, certamente esta do dia +de hoje, da edade de transformao dolorosa, de scepticismo, de abaixamento +moral, de descrena, que o nosso seculo. Refundem-se as crenas antigas. +Geram-se com esforo novas idas. Desmoronam-se as velhas religies. As +instituies do passado abalam-se. O futuro no apparece ainda. E, entre estas +duvidas, estes abalos, estas incertezas, as almas sentem-se menores, mais +tristes, menos ambiciosas de bem, menos dispostas ao sacrifcio e s abnegaes +da consciencia. Ha toda uma humanidade em dissoluo, de que preciso extrahir +uma humanidade viva, s, crente e formosa.</p> + +<p>Para este grande trabalho que se querem os grandes homens. Sahiro esses +heroes das academias litterarias? das arcadias? das sinecuras opulentas? dos +corrilhos do elogio-mutuo? Sahiro as aguias das capoeiras? Saltaro as idas +salvadoras do choque das maledicencias e dos doestos? Nascero as dedicaes do +casamento das vaidades? Daro a grande novidade os ledores de Horacio? +Inventaro as novas formulas os que decoram as phrases rabugentas dos livros +bolorentos que chamam classicos? E os Socrates e os Epictetos descero para as +suas misses das cadeiras almofadadas, das rendosas conezias litterarias, das +prebendas, das exploraes?<span class="pn">{11}</span></p> + +<p>Fra d'essa atmosphera corrupta, e, quando no corrupta, pelo menos +esterilisadora, mais provavel encontrarem-se as condies que precisam para +viver e crescer os homens uteis e necessarios s transformaes do espirito +humano.</p> + +<p>No traduzindo os velhos poetas sensualistas da Grecia e de Roma;<a +name="tex2html3" href="#foot75"><sup>[3]</sup></a> requentando fabulas insossas +diluidas em milhares de versos semsabores;<a name="tex2html4" +href="#foot76"><sup>[4]</sup></a> no com idyllios grotescos sem expresso +nem originalidade, com alluses mythologicas que j faziam bocejar nossos +avs;<a name="tex2html5" href="#foot77"><sup>[5]</sup></a> com phrases e +sentimentos postios de academico e rhetorico;<a name="tex2html6" +href="#foot78"><sup>[6]</sup></a> com visualidades infantis e puerilidades +vs;<a name="tex2html7" href="#foot79"><sup>[7]</sup></a> com prosas imitadas +das algaravias mysticas de frades estonteados;<a name="tex2html8" +href="#foot80"><sup>[8]</sup></a> com banalidades;<a name="tex2html9" +href="#foot81"><sup>[9]</sup></a> com ninharias;<a name="tex2html10" +href="#foot82"><sup>[10]</sup></a> no , sobre tudo, lisongeando o mo gosto e +as pessimas idas das maiorias, indo atrs d'ellas, tomando por guia a +ignorancia e a vulgaridade, que se ho de produzir as ideias, as sciencias, as +crenas, os sentimentos de que a humanidade contemporanea precisa para se +reformar como uma fogueira a que a lenha vai faltando.</p> + +<p>Mas fra de tudo isto, d'estas necedades tradicionaes, o nevoeiro, o +methaphysico, o inattingivel—diz v. ex.</p> + +<p>Todavia, quem pensa e sabe hoje na Europa no Portugal, no Lisboa, +cuido eu: Paris, Londres, Berlim. No a nossa divertida Academia das +Sciencias, que revolve, decompe, classifica e explica o mundo dos factos e das +idas. o Instituto de Frana, a Academia Scientifica de Berlim, so as +escholas de philosophia, de historia, de mathematica, de physica, de biologia, +de todas as sciencias e de todas as artes, em Frana, em Inglaterra, em +Allemanha. Pois bem: a Allemanha, a Inglaterra, a Frana, comprazem-se no +nevoeiro, so incomprehensiveis<span class="pn">{12}</span> e ridiculas, so +methaphysicas tambem. As tres grandes naes pensantes so risiveis deante da +critica fradesca do sr. Castilho. Os grandes genios modernos so grotescos e +despreziveis aos olhos baos do banal metrificador portuguez.</p> + +<p>O grande espirito philosophico do nosso tempo, a grande creao original, +immensa da nossa edade, no passa de confuso e embroglio desprezivel para o +professor de ninharias, que cuida que se fustiga Hegel, Stuart Mill, Augusto +Comte, Herder, Wolff, Vico, Michelet, Proudhon, Littr, Feuerbach, Creuzer, +Strauss, Taine, Renan, Buchner, Quinet, a philosophia allem, a critica +franceza, o positivismo, o naturalismo, a historia, a methaphysica, as immensas +creaes da alma moderna, o espirito mesmo da nossa civilisao.... que se +fustiga tudo isto e se ridicularisa e se derriba com a mesma sem-cerimonia com +que elle d palmatoadas nos seus meninos de 30, 40 e 50 annos, de Lisboa, do +Gremio, da Revista Contemporanea!</p> + +<p>Quem seguir tudo isto vai com o pensamento moderno; com as tendencias da +sciencia; com os resultados de trinta annos de critica; com a nova eschola +historica; com a renovao philosophica; com os pensadores; com os sabios; com +os genios; vai com a Frana; vai com a Allemanha—mas que importa? no vai com +o sr. Castilho! no vai com o novo methodo repentista! no vai com o moderno +folhetim portuguez!</p> + +<p>O metrificador das Cartas d'Echo diz ao pensador da Philosophia da +natureza—<em>tira-te do meu sol!</em>—O mythologo do diccionario da fabula +diz ao profundo descubridor da Symbolica—<em>s um ignorante!</em>—A +rethorica portugueza diz sciencia, ao espirito moderno—<em>cala-te d'ahi, +papelo!</em></p> + +<p> que tudo isto no passa de idas. Ora ha uma cousa que o sr. Castilho +tomou sua conta, que no deixa em paz, que nos prometteu destruir... a +methaphysica... o ideal...</p> + +<p>O ideal! palavra mystica; de gothica configurao; quasi impalpavel; +espiritualista; impopular; que o artigo de fundo repelle; que desacreditaria o +deputado do centro que a empregasse; que Victor Hugo adora e de que se riem os +localistas; que no chega para um folhetim e que<span class="pn">{13}</span> +enche o maior poema; immensa aos olhos dos que a vem com os olhos fechados e +que nunca viram os que os trazem sempre arregalados; palavra pessima para uma +rima de madrigal; palavra que faz desmaiar as beatas; grotesca num botequim; +disforme numa sala; medonha numa assembleia de litteratos horacianos... +decididamente v. ex. devia odiar esta desgraada palavra!</p> + +<p>O ideal quer dizer isto: desprezo das vaidades; amor desinteressado da +verdade; preoccupao exclusiva do grande e do bom; desdem do futil, do +convencional; boa fe; desinteresse; grandeza d'alma; simplicidade; nobreza; +soberano bom gosto e soberanissimo bom senso... tudo isto quer dizer esta +palavra de cinco letras—ideal.</p> + +<p>Por todos estes motivos ella sobremaneira odiavel; ella desprezivel por +todas estas causas; e v. ex. tem toda a razo, chacoteando, bigodeando, +pulverisando esse miseravel ideal.</p> + +<p>Elle, com effeito, nada do que elle ou do que vem d'elle, serve ou pode +servir jamais para alguma cousa do que se procura na vida, do que nella +procuram os homens graves, os homens serios, os homens de senso e gosto como v. +ex., que nada querem com ideaes ou com idas, mas s com realidades e com +tactos; para captar a admirao das turbas; o applauso das multides; para +formar um grande nome composto de pequeninas lettras; para merecer os encomios +dos grammatices e o assombro dos burguezes; para ser das academias; das +arcadias; commendador; citado pelos brasileiros retirados do commercio; +decorado pelos directores de collegio; o Tirteu dos mercieiros e um Homero +constitucional.</p> + +<p>Para isto que no serve o ideal. E por isso, pela sua absurda +inutilidade, que v. ex. o apeia com tanta sem cerimonia do pedestal aonde, +para o adorarem, o tm posto os loucos que nunca foram nada neste mundo, nem +das academias nem do conselho de instruco publica, um Christo, um Socrates, +um Homero...</p> + +<p>Por isso que v. ex. faz muito bem em o destruir, a esse pobre diabo do +ideal; de o pr fra de casa a bofetes; de o bannir das suas obras, que no +haver por l nem a mais leve sombra d'elle. Agradam a todos assim. Os +versos<span class="pn">{14}</span> de v. ex. no tm ideal—mas comeam por +letra pequena. As suas criticas no tm idas—mas tm palavras quantas bastem +para um diccionario de synonimos. Os seus poemas lyricos no so methaphysicos, +no precisam d'uma excessiva atteno, de esforos de pensamento para se +comprehenderem—e tm a vantagem de no deixarem ver nem um s ideal. Nas suas +obras todas ha uma falta to completa d'essas incomprehensibilidades, que deve +pr muito sua vontade os leitores que v. ex. tm no Brasil. V. ex. diz tudo +quanto se pode dizer sem idas—boa, excellente receita para no cahir nas +nebulosidades do ideal. Os seus escriptos so optimos escriptos—menos as +idas: e v. ex. um grande homem—menos o ideal.</p> + +<p>Dante, que era um barbaro, e Shakspeare, que era um selvagem, que +rechearam as suas obras de ideal. Victor Hugo tambem ce muito nesse defeito. +V. ex. que o tem sempre evitado cautelosamente, e por isso no um barbaro +como Dante, nem selvagem como Shakspeare, nem um mo poeta como Victor Hugo. +No Dante, nem Shakspeare, nem Hugo—mas amigo do sr. Viale, que falla +latim como Mevio e Bavio.</p> + +<p>Mas, ex.<sup>mo</sup> sr., ser possivel viver sem idas? Esta que a +grande questo. Em Lisboa, no curso de lettras, na academia, no conselho +superior, no gremio, nos saraus de v. ex., dizem-me que sim, e que mesmo uma +condio para viver bem. Fra de Lisboa, isto , no resto do mundo, em Paris, +Berlim, Londres, Turim, Goettingue, New-York, Boston, paizes mais +desfavorecidos da sorte, na velha Grecia tambem e mesmo na Roma antiga, que +nunca poderam passar sem essas magnificas inutilidades. Ellas o muito que tm +feito servirem de entretenimento aos visionarios como Christo (um metaphysico +bem nebuloso), como Socrates, como akia-Mouni, como Mahomet, como Confucio e +outros sujeitos de nenhuma considerao social, que se entretinham fazendo +systemas com ellas, e com os systemas religies, e com as religies povos, e +com os povos civilisaes, e com as civilisaes codigos, leis, sentimentos, +amores, paixes, crenas, a alma emfim da humanidade, cousa que se no v nem +rende, e tambem inutil e incomprehensivel. Eis ahi o mais a que as idas +tm<span class="pn">{15}</span> chegado. Creio que pouco mais ou nada mais tm +feito do que isto.</p> + +<p>Em Lisboa que nem isto. No sei se tem havido quem tente introduzil-as +nessa capital. V. ex. que eu tenho a certeza de que no era capaz d'essa m +aco. Por isso Lisboa no cahe como cahiram Athenas e Roma, por causa das suas +idas, e Jerusalem e outras cidades infelizes, cujos poetas tiveram um amor +demasiado ao ideal... Uma s cousa ficou d'ellas: uma memoria grande, honrosa, +nobilissima. Cahiram, mas deram ao mundo um espectaculo raro—o espirito e a +consciencia humana triumphando da materia e brilhando no meio das ruinas como a +chamma que se alimenta da destruio da lenha d'onde sahe e que a gerou. Eu no +sei se v. ex. acha isto sensato e de bom gosto. Cuido que no. O que eu sei +smente que isto sublime......................</p> + +<p>Paro aqui, ex.<sup>mo</sup> sr. Muito tinha eu ainda que dizer: mas temo, no +ardor do discurso, faltar ao respeito a v. ex., aos seus cabellos brancos. +Cuido mesmo que j me escapou uma ou outra phrase no to reverente e to +lisongeira como eu desejra. Mas que realmente no sei como hei de dizer, sem +parecer ensinar, certas cousas elementares a um homem de sessenta annos; +dizel-as eu com os meus vinte e cinco! V. ex. aturou-me em tempo no seu +collegio do Portico, tinha eu ainda dez annos, e confesso que devo sua muita +paciencia o pouco francez que ainda hoje sei. Lembra-se, pois, da minha +docilidade e adivinha quanto eu desejaria agora podel-o seguir humildemente nos +seus preceitos e nos seus exemplos, em poesia e philosophia como outr'ora em +grammatica franceza, na comprehenso das verdades eternas como em outro tempo +no entendimento das fabulas de La Fontaine. Vejo, porem, com desgosto que temos +muitas vezes de renegar aos vinte e cinco annos do culto das auctoridades dos +dez; e que saber explicar bem Telemaco a crianas no precisamente quanto +basta para dar o direito de ensinar a homens o que sejam razo e gosto. Concluo +d'aqui que a edade no a fazem os cabellos brancos, mas a madureza das idas, o +tino e a seriedade: e, neste ponto, os meus vinte e cinco annos tm-me as +verduras de v. ex. convencido valerem<span class="pn">{16}</span> pelo menos +os seus sessenta. Posso pois fallar sem desacato. Levanto-me quando os cabellos +brancos de v. ex. passam deante de mim. Mas o travesso cerebro que est +debaixo e as garridas e pequeninas cousas, que sahem d'elle, confesso no me +merecerem nem admirao nem respeito, nem ainda estima. A futilidade num velho +desgosta-me tanto como a gravidade numa criana. V. ex. precisa menos +cincoenta annos de edade, ou ento mais cincoenta de reflexo.</p> + +<p> por estes motivos todos que lamento do fundo d'alma no me poder +confessar, como desejava, de v. ex.</p> + +<p></p> + +<p>Coimbra 2 de Novembro de 1865.</p> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<p style="text-align: right;">Nem admirador nem respeitador</p> + +<p> </p> + +<p style="text-align: right;"><em>Anthero do Quental.</em></p> + +<p> </p> +<p> </p> +<p> </p> + +<div class="rodape"> +<p><a name="foot103" href="#tex2html1"><sup>[1]</sup></a> +No livro do sr. Pinheiro Chagas—<em>Poema da Mocidade</em>. </p> + +<p><a name="foot53" href="#tex2html2"><sup>[2]</sup></a> +Os srs. Theophilo Braga e Vieira de Castro. </p> + +<p><a name="foot75" href="#tex2html3"><sup>[3]</sup></a> +Allude as traduces de Ovidio e Anacreonte. </p> + +<p><a name="foot76" href="#tex2html4"><sup>[4]</sup></a> +Allude as Cartas d'Echo e Narciso.</p> + +<p><a name="foot77" href="#tex2html5"><sup>[5]</sup></a> +Allude Primavera. </p> + +<p><a name="foot78" href="#tex2html6"><sup>[6]</sup></a> +Allude ao Tributo Portuguez na morte de Pedro V. </p> + +<p><a name="foot79" href="#tex2html7"><sup>[7]</sup></a> +Allude aos tractados de Metrificao e Mnemonica. </p> + +<p><a name="foot80" href="#tex2html8"><sup>[8]</sup></a> +Allude a todas as obras em prosa. </p> + +<p><a name="foot81" href="#tex2html9"><sup>[9]</sup></a> +Allude a todas as obras em verso. </p> + +<p><a name="foot82" href="#tex2html10"><sup>[10]</sup></a> +Allude a todas as obras junctas, prosa e verso.</p> </div> +</div> + +<p> </p> +<p> </p> + + +<div style="text-align:center; border: solid 1px #000; padding: 1em;"> + +<p><em>Vende-se nas principaes livrarias... preo 100 rs.</em></p> + +<p>DO MESMO AUCTOR</p> + +<p><b>Odes Modernas</b> 1 vol. em 8.... preo 400 rs.</p> + +<p><em>Em Lisboa na loja de livros de Lavado; Porto e Coimbra, na livraria da +Viuva Mor.</em></p> +</div> +<p> </p> + + + + + + + + +<pre> + + + + + +End of the Project Gutenberg EBook of Bom senso e bom gosto, carta ao ex.mo +sr. A. F. de Castilho, by Antero de Quental + +*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK BOM SENSO E BOM GOSTO--QUENTAL *** + +***** This file should be named 30070-h.htm or 30070-h.zip ***** +This and all associated files of various formats will be found in: + https://www.gutenberg.org/3/0/0/7/30070/ + +Produced by Pedro Saborano + +Updated editions will replace the previous one--the old editions +will be renamed. + +Creating the works from public domain print editions means that no +one owns a United States copyright in these works, so the Foundation +(and you!) can copy and distribute it in the United States without +permission and without paying copyright royalties. Special rules, +set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to +copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to +protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. 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