summaryrefslogtreecommitdiff
path: root/25594-h
diff options
context:
space:
mode:
Diffstat (limited to '25594-h')
-rw-r--r--25594-h/25594-h.htm2084
1 files changed, 2084 insertions, 0 deletions
diff --git a/25594-h/25594-h.htm b/25594-h/25594-h.htm
new file mode 100644
index 0000000..2502217
--- /dev/null
+++ b/25594-h/25594-h.htm
@@ -0,0 +1,2084 @@
+<!DOCTYPE HTML PUBLIC "-//W3C//DTD HTML 4.01 Transitional//EN" "http://www.w3.org/TR/html4/loose.dtd">
+<html>
+<head>
+<title>O Engeitado</title>
+<meta name="AUTHOR" content="Alberto Braga">
+<meta http-equiv="Content-Type" content="text/html; charset=iso-8859-1">
+<meta name="KEYWORDS" content="">
+<style type="text/css">
+@media print {
+.pagenum { display: none;}
+}
+@media handheld {
+.pagenum { display: none;}
+}
+body {width: 520px; margin-left: 90px; text-align: justify;}
+.pagenum {font-size: 0.6em; font-style: normal;color: #666666;
+position:absolute; left: 630px;}
+.capa {text-align: center; border: solid 1px #000000;}
+hr {
+border: none;
+border-bottom: solid 2px #000000;
+text-align: center;
+}
+a {text-decoration: none;}
+sup {font-size: 0.8em;}
+h1, h2, h3, h4, h5, h6 {text-align: center;}
+.small-caps {
+font-variant: small-caps;
+}
+.direita {
+text-align: right;
+}
+.centrado {
+text-align: center;
+}
+.poesia {
+margin: 2em;
+text-align: left;
+}
+.citacao {
+margin-left: 50%;
+text-align: left;
+}
+blockquote {
+font-size: 0.8em;
+}
+#rodape {
+font-size: 0.8em;
+margin: 2em;
+}
+#corpo p{
+text-indent: 1em;
+}
+#rodape p{text-indent: 0;}
+</style>
+</head>
+<body>
+
+
+<pre>
+
+The Project Gutenberg EBook of O Engeitado, by Alberto Braga
+
+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
+almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
+re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
+with this eBook or online at www.gutenberg.org
+
+
+Title: O Engeitado
+
+Author: Alberto Braga
+
+Release Date: May 25, 2008 [EBook #25594]
+
+Language: Portuguese
+
+Character set encoding: ISO-8859-1
+
+*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK O ENGEITADO ***
+
+
+
+
+Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images
+of public domain material from Google Book Search)
+
+
+
+
+
+
+</pre>
+
+<br>
+<br>
+<br>
+<br>
+<h2>Sala das Perolas</h2>
+<br>
+<br>
+<br>
+<br>
+<div class="capa">
+<p>
+<span style="font-size: 2em">SALA</span>
+<br>
+<small>DAS</small>
+<br>
+<span style="font-size: 4em">PEROLAS</span>
+</p>
+
+<P>Contos Modernos</p>
+<br>
+<br>
+<br>
+<br>
+<br>
+<br>
+<br>
+<br>
+<p>
+<small>LISBOA
+<br>
+&mdash;&mdash;
+<br>
+LIVRARIA DE ANTONIO MARIA PEREIRA
+<br>
+<em>50&mdash;Rua Augusta&mdash;52</em>
+<br>
+&mdash;&mdash;
+<br>
+M DCCC LXXX VIII</small></p>
+</div>
+<br>
+<br>
+<br>
+<br>
+<h2>O ENGEITADO</h2>
+<br>
+<br>
+<br>
+<br>
+<div class="capa">
+<h2>ALBERTO BRAGA</h2>
+
+<hr style="width: 20%;">
+<br>
+<br>
+<br>
+<br>
+<p style="font-size: 4em">O ENGEITADO.</p>
+<br>
+<br>
+<br>
+<br>
+<br>
+<br>
+<br>
+<br>
+<p>LISBOA
+<br>
+<em>TYP. E STEREOTYPIA MODERNA</em>
+<br>
+<em>11&mdash;Apostolos&mdash;11</em>
+<br>
+1888</p>
+</div>
+<br>
+<br>
+<br>
+<br>
+<H1>O ENGEITADO</H1>
+
+<div id="corpo">
+<P>
+A Joaquina do Espinhal tinha ido, no fim da tarde, lavar ao rio a
+roupa dos pequenos. Era no mez de dezembro. A agua corria por entre
+os choupos, fria e levemente encrespada pela brisa que soprava do
+norte. Joaquina do Espinhal, com as saias arregaçadas na cintura,
+as pernas mettidas na agua ate ao joelho, ensaboava a roupa e batia-a
+com força sobre a pedra poida e lustrosa do lavadouro.
+
+<P>
+Da outra banda, pelo carreiro que havia á beira do rio, passou o filho
+do moleiro a tanger os machos. O rapaz ia tranzido de frio, com a
+golla da jaqueta apanhada para as orelhas, a assobiar alto. Assim
+que reconheceu a lavadeira, parou, fincou a mão ao tronco d'uma arvore,
+e, debruçando-se sobre o rio, perguntou de lá:
+
+<P>
+&mdash;Vocemecê não tem frio?
+
+<P>
+A Joaquina aprumou-se e respondeu:
+
+<P>
+<A NAME="6"></A>&mdash;Ai! és tu, Jeronymo! Frio? Quem fala n'isso? Quando a
+gente tem filhos, não deita conta a nada. Onde ides?
+
+<P>
+&mdash;Vou levar a fornada a casa do sr. doutor.
+
+<P>
+&mdash;Pois vae com Deus, vae.
+
+<P>
+Mas o rapaz deixou-se ficar immovel a olhar para ella. Os machos iam
+tosando nas silvas.
+
+<P>
+&mdash;Que frio!&mdash;exclamava elle todo arripiado.
+
+<P>
+&mdash;Credo! Se eu a visse ahi de noite, diabos me levem se não deitava
+a fugir com medo!
+
+<P>
+A lavadeira ria-se.
+
+<P>
+&mdash;Medo de quê, rapaz?
+
+<P>
+&mdash;Sume-te!&mdash;dizia o moleiro.&mdash;De noite, só as bruxas é que veem
+lavar aos rios... Adeusinho, tia Joaquina.
+
+<P>
+&mdash;Adeus, ó Jeronymo.
+
+<P>
+Era já noite, quando a Joaquina voltou para casa, carregada com o
+alguidar da roupa molhada á cabeça. Atravessou uma bouça; e, quando
+ia a transpor o portello, que dava para a estrada, estacou de repente.
+Tinha ouvido uns gemidos vagos ali perto. Debaixo da lagem do portello,
+por entre o tojo, alvejava alguma coisa que se movia. Cuidou ao principio
+que fosse um cão; e ia a dar-lhe com a ponteira da chinella, quando
+os gemidos se repetiram.
+
+<P>
+&mdash;Elle que dianho é?
+
+<P>
+Poisou resolutamente o alguidar no primeiro degráo do portello, abaixou-se
+para examinar de perto; e, ao levantar uma ponta da trouxa, viu uma
+criança recemnascida, nua, embrulhada n'um lençol velho. Tomou logo
+a creança nos braços, e, achegando-a ao calor do peito, exclamava
+commovida:
+
+<P>
+&mdash;Ó meu rico filho! Que grande cadella foi a tua mãe! Que grande
+desavergonhada!
+
+<P>
+<A NAME="7"></A>Quando entrou em casa, o marido estava com os dois pequenos
+sentado ao calor da lareira. A Joaquina correu o ferrolho interior
+da porta, e, chegando-se junto do homem, apresentou-lhe nos braços
+o engeitado.
+
+<P>
+&mdash;Aqui tens este leitão.
+
+<P>
+O João do Espinhal poz-se logo de pé muito espantado. A criança, livida
+de frio, ao sentir o calor do lume, agitava-se no lençol, abria os
+olhos e a bocca, procurando com impaciencia e avidez o leite do seio
+materno.
+
+<P>
+&mdash;Meu rico anjinho!?&mdash;exclamava a Joaquina, bafejando-lhe as mãosinhas.&mdash;Que
+frio e que fome que tu tens!
+
+<P>
+Referiu ao homem como encontrára, ao voltar do rio, aquelle innocentinho
+abandonado no meio do tojo.
+
+<P>
+&mdash;Se o não topo no caminho, a criancinha a esta hora tinha morrido
+de frio.
+
+<P>
+&mdash;Mas tu que lhe queres fazer?&mdash;perguntou o marido, passado um momento
+de surpresa.
+
+<P>
+&mdash;Que lhe quero fazer!! Vou d'aqui pedir á mulher do Cosme que chegue
+o peito a este innocente; e ámanhã veremos então a volta que lhe hei
+de dar.
+
+<P>
+O João, immovel e callado, com os olhos postos na labareda da lareira,
+coçava a nuca. O que elle não queria era augmentar os encargos da
+familia com mais um extranho. A féria de pedreiro, que recebia aos
+sabbados, mal lhe chegava para o sustento da mulher e dos dois filhos;
+agora, se a Joaquina teimasse em ficar com o engeitado...
+
+<P>
+&mdash;É uma dos diabos!&mdash;pensava elle, franzindo os beiços.
+
+<P>
+A Joaquina sahiu de casa com a criança ao <A NAME="8"></A> collo, e voltou
+pouco depois, explicando ao homem o que tinha succedido. A Josepha
+do Cosme tomava conta do innocente, chegava-lhe o peito; mas queria
+que alguem desse parte ao regedor, porque não estava para se metter
+em trabalhos.
+
+<P>
+&mdash;Porque&mdash;dizia a mulher&mdash;o leite que tenho, graças a Deus, chega
+bem para elle, sem o tirar á filha; mas, sr.ª Joaquina, é preciso
+que alguem de futuro tome conta da criança...
+
+<P>
+A Joaquina combinou com a visinha irem no dia seguinte a casa do regedor;
+e depois talvez que o fidalgo da Tojeira tivesse dó do engeitainho,
+e tomasse conta d'elle. E senão&mdash;insistia ella&mdash;tomo eu! Pois! Onde
+houver um bocado de pão para os filhos, ha de haver uma migalha para
+o innocente.
+
+<P>
+O João ouvia isto contrariado e sisudo, mas sem replicar. Mandou deitar
+os pequenos. Quando despiu a jaqueta, para se metter tambem na cama,
+encostou-se á ilharga da enxerga, e voltando-se para a mulher perguntou:
+
+<P>
+&mdash;Mas, ó mulher, e se o fidalgo o não quizer? Sim; vamos a futurar
+que o fidalgo, que é teimoso com'a burro, não está por o que vocês
+lhe dizem?
+
+<P>
+&mdash;Adeus!&mdash;replicou peremptoriamente a Joaquina, encolhendo os hombros.&mdash;Ao
+monte não atiro eu outra vez o innocente!
+
+<P>
+No dia seguinte, a Josepha do Cosme vestiu uma camisa velha á creanca,
+embrulhou-a n'uma baeta escarlate, e com ella ao collo, foi ter com
+a Joaquina. Sahiram ambas para casa do regedor. A Joaquina referiu
+o caso, com grandes injurias contra a desalmada que abandonou assim
+o filho por um inverno d'aquelles! O regedor, <A NAME="9"></A> que era sugeito
+circunspecto e methodico, entendia que o verdadeiro era irem d'ali
+a casa do abbade.
+
+<P>
+&mdash;Primeiro que tudo, mulheres&mdash;ponderou elle&mdash;vamos a fazer d'isto
+uma alma christã. Uma de vocês serve-lhe de madrinha, e então o fidalgo,
+se estiver por isso, que seja o padrinho.
+
+<P>
+Pozeram-se a caminho da residencia.
+
+<P>
+O abbade tinha engrolado á pressa o latim da missa do dia, com grande
+appetite do café quente do almoço. Ia a sair apressadamente da egreja,
+quando viu entrar no adro as duas mulheres acompanhadas pelo regedor.
+
+<P>
+&mdash;Vae torta!&mdash;resmungou elle, a tiritar de frio, com as mãos entanguidas
+enfiadas nos bolsos das calças. Parou no limiar; e, logo que ellas
+se aproximaram:&mdash;Que temos? Perguntou com modo desabrido, batendo
+com ambos os pés na soleira da porta.
+
+<P>
+A Joaquina repetiu outra vez deante do abbade o mesmo que tinha dito
+ao regedor.
+
+<P>
+&mdash;Mas quem será a mãe?&mdash;perguntava elle, tentando descobrir nas
+feições indecisas da criança uma denuncia.
+
+<P>
+&mdash;Quem sabe lá, sr. abbade&mdash;dizia a Josepha.
+
+<P>
+E com a dobra da mantilha resguardava dos olhares cupidos e profanos
+do padre o peito alvo e apojado em que a criança mamava.
+
+<P>
+&mdash;Mas que grande bebeda, sr. abbade!&mdash;rosnava a Joaquina.&mdash;Que
+grande... com licença de v. sr.ª... que grande cabra!
+
+<P>
+O abbade replicou-lhe:
+
+<P>
+&mdash;Não insulte as cabras, mulher; não insulte as cabras, que essas
+não engeitam os filhos.
+
+<P>
+Combinou-se ali em que as duas mulheres fossem pedir ao morgado para
+ser o padrinho.
+
+<P>
+<A NAME="10"></A>&mdash;E se elle acceder&mdash;disse o abbade, safando-se para
+a residencia&mdash;mandem-me parte, que eu baptiso-o hoje mesmo. Vivam!
+
+<P>
+O fidalgo da Tojeira era madrugador. Andava já a passear ao sol da
+varanda alpendrada da casa, quando o criado lhe veiu annunciar que
+a do João do Espinhal e a do Cosme lhe queriam falar.
+
+<P>
+&mdash;Que venham aqui.
+
+<P>
+Entrou, á frente, a Joaquina do Espinhal, seguida da mulher do Cosme.
+Ao principio, o morgado disse que não. Na sua opinião, quem faz os
+filhos que os crie. Elle não estava ali para remediar as poucas vergonhas
+do mundo. A Joaquina, porém, não desanimava; e, em quanto o fidalgo
+passeiava ao longo da varanda, obstinado no seu proposito, a mulher
+ajuntava supplica sobre supplica, e nas costas d'elle ia piscando
+o olho matreiro á visinha. Instado por fortes razões humanitarias,
+o fidalgo cedeu.
+
+<P>
+&mdash;Pois bem&mdash;disse elle, parando do seu passeio.&mdash;Eu irei ser o
+padrinho; mas uma de vocês que se encarregue de o criar.
+
+<P>
+O engeitado foi baptisado ás tres horas da tarde d'esse mesmo dia.
+Na sachristia o abbade, em quanto enfiava a sobrepeliz em frente do
+arcaz, lamentava que se tivesse dado aquelle caso na freguezia.
+
+<P>
+&mdash;Mas quem será o maroto do pae!&mdash;perguntava o fidalgo.
+
+<P>
+&mdash;Quem sabe lá, sr. D. Bernardo! Nem talvez a propria mãe! Isto hoje,
+meu senhor, o mundo vae todo assim!
+
+<P>
+D. Bernardo, quando se offerecia ensejo gostava de chalacear.
+
+<P>
+&mdash;Pois, abbade&mdash;replicou elle&mdash;pae tem a <A NAME="11"></A> criança; salvo
+se ellas fazem como as egoas de Virgilio, lembra-se?
+
+<P>
+<BLOCKQUOTE>
+<em><SMALL>.......................et saepe sine ullis</SMALL></em>
+<br>
+<em><SMALL>Conjugiis vento gravidae (mirabile dictu!)</SMALL></em></BLOCKQUOTE>
+
+<p>
+O pequeno recebeu na pia baptismal o nome de Simão. Foi o que occorreu
+á lembrança do padrinho, que tivera assim chamado outro afilhado,
+morto de meningite uma semana depois de baptisado.
+
+<P class="centrado">
+:==:
+
+<P>
+D. Bernardo da Cunha era um velho celibatario, egoista e avarento.
+Assignava a <em>Nação</em> e o <em>Bem Publico</em>; mas lia o <em>Primeiro
+de Janeiro</em>, que lhe dava a cotação exacta dos fundos portuguezes.
+
+<P>
+Por tradições de familia, dizia-se legitimista, com quanto na sua
+consciencia os correligionarios enthusiastas e crentes não passassem
+d'um <em>bando de visionarios</em>.
+
+<P>
+Vivia retirado do contacto do mundo, entre as velhas e sombrias paredes
+do seu solar; mas, á cautella, ia seguindo, dia a dia, as cambalhotas
+da politica constitucional, e sobre tudo a influencia que ella exercia
+na alta e baixa das inscripções. Era como um passageiro esperto d'esta
+velha nau combalida e desconjuntada, que tem thesouro com que possa
+salvar-se, no caso de naufragio!
+
+<P>
+Quando acontecia que algum velho padre correligionario ia á Tojeira,
+e fallava com voz pungente da immoralidade dos governos, das torpezas
+das eleições, da dissolução dos costumes e da perda irreparavel do
+paiz, o morgado, ouvidas <A NAME="12"></A> as lamentações do Jeremias, encrespava
+nos labios um sorriso zombeteiro, e exclamava:
+
+<P>
+&mdash;Isto, meu caro amigo, está a acabar. É tudo uma bandalheira!
+
+<P>
+Parecia uma phrase de Tacito, escrevendo <em>sine ira et studio</em>,
+a historia da dissolução dos romanos!
+
+<P>
+Era senhor de um morgadio avultado. Tinha uma irmã mais nova, senhora
+de 59 annos, professa no convento de S. Salvador, em Braga, que lhe
+escrevia de longe em longe, falando-lhe muito dos seus achaques, e
+de todos os santos canonisados do agiologio christão, e dos não canonisados,
+inclusive o fradinho João da Neiva do Carmo.
+
+<P>
+D. Bernardo, depois que a Joaquina e a Josepha se retiraram da egreja,
+chamou de parte o abbade, e perguntou-lhe se devia dar alguma coisa
+á ama do engeitado e afilhado. O abbade era de opinião que a mulher
+merecia recompensa.
+
+<P>
+&mdash;Dando-lhe dois pintos cada mez?&mdash;perguntou o fidalgo.
+
+<P>
+&mdash;Paga v. ex.ª mui bizarramente, sr. D. Bernardo&mdash;disse o padre.
+
+<P>
+Simão cresceu e medrou. No fim d'um anno, ensaiava os primeiros passos
+ao lado da filha da Josepha. Foram desmamados ao mesmo tempo; e, d'ahi
+por diante, a tigela de sopas era commum dos dois. A Josepha criou
+uma grande affeição pelo pequeno. Isto causou um grande pasmo entre
+as vizinhas, que estavam costumadas a ver tratar os engeitados com
+desapiedado abandono das mulheres que os recebiam.
+
+<P>
+&mdash;Não, que uma coisa assim!&mdash;diziam ellas admiradas.&mdash;O pequeno
+parece filho d'ella!
+
+<P>
+<A NAME="13"></A>A unica differença sensivel aos olhos dos circumstantes
+era esta: quando acontecia ir D. Bernardo por casa do Cosme, a mulher
+obrigava o Simão a beijar a mão do fidalgo, acto respeitoso e humilde,
+a que não sugeitava a filha. O pequeno olhava o padrinho com o terror
+instinctivo nas crianças para com as pessoas graves, que os não amimam.
+Mas, afinal, o habito quasi lhe venceu a repugnancia; e, ao cabo de
+dois annos, com quanto a presença do fidalgo ainda o constrangesse
+e esfriasse no meio das suas alegres brincadeiras com a Magdalena,
+chegava-se a elle, humilde, e pedia-lhe a benção, balbuciante e tremulo:
+
+<P>
+&mdash;A sua benção, meu padrinho!
+
+<P>
+Decorreram os annos, sem alteração digna de chronica no desenvolvimento
+do rapaz. Sahiu delicado de feições, de cabellos castanhos, os olhos
+claros e uma pelle fina e branca, muito sensivel aos ardores do sol
+do estio e aos nordestes asperos do inverno.
+
+<P>
+Se acontecia demorar-se com Magdalena fóra de casa, pelo meio dos
+campos, com a cabeça exposta ao sol, carminavam-se-lhe as faces,
+e recolhia a pingar sangue pelo nariz. Á noite a Josepha, quando o
+deitava, chegava-lhe vinagre ao nariz e aos pulsos; e, apalpando-lhe
+o ventre, achava-lhe sempre uma pontinha de febre. Este facto entristecia-a.
+
+<P>
+&mdash;És um pelem, meu filho!&mdash;dizia-lhe no outro dia, olhando o
+pequeno com piedosa ternura.
+
+<P>
+No inverno, constipava-se frequentemente. E em quanto a Magdalena,
+forte, robusta, sadia, com as bochechas rosadas e luzidias como uma
+maçã madura, brincava fóra, chapinando nas poças do <A NAME="14"></A> caminho,
+o Simão ficava em casa, muito enroupado, friorento, agachado a um
+canto junto da mãe.
+
+<P>
+Pela volta dos oito annos, o pequeno principiou a andar muito triste.
+Não queria brincar. Até então, era elle o companheiro inseparavel
+da Magdalena e dos filhos da Joaquina do Espinhal. Logo que principiava
+a nascer nos campos o centeio, o Simão preparava as palheiras com
+o visco, collocava-as em sitio apropriado, e escondido com os amigos
+entre as giestas dos vallados, espreitava d'ali que os pardaes cahissem.
+Jogava o eixo e o botão com os rapazes que sahiam da escola. A Magdalena
+preferia-o a todos. Não a largava nunca; e se o Simão, nas duvidas
+do jogo, se pegava com alguns rapazes mais alentados, Magdalena punha-se
+da banda d'elle, e arremettia valentemente.
+
+<P>
+Mas o Simão principiou a não querer sahir. Ia a Magdalena para a rua,
+e ficava elle sósinho em casa, encostado á janella, vendo a brincar
+de dentro dos vidros. Andava muito pallido e murcho; e, se se encostava
+sobre uma caixa, adormecia.
+
+<P>
+&mdash;Tu tens morrinha, rapaz&mdash;dizia-lhe a Josepha assustada e afflicta.&mdash;Tu,
+que te doe, menino?
+
+<P>
+O rapaz não se queixava; mas a Josepha não tinha socego.
+
+<P>
+Foi um dia de manhã, quando o Simão almoçava ao pé de Magdalena, que
+a Josepha reparou que elle engolia o pão com esforço. Chamou-o logo
+junto de si, e apalpou-lhe o pescoço. Sob a pressão dos dedos sentiu
+a dureza dos ganglios enfartados por detraz das orelhas.
+
+<P>
+&mdash;Tens humores frios, filho!&mdash;exclamou ella com uma voz dilacerante.&mdash;Doe-te?
+
+<P>
+<A NAME="15"></A>As duas crianças, ao verem a cara assustada e afflictiva
+da mãe, desataram ambas uma risada.
+
+<P>
+&mdash;Não doe nada, não, minha mãe&mdash;asseverava elle.
+
+<P>
+N'esse mesmo dia, a Josepha vestiu-lhe camisa lavada e o melhor fato,
+e foi com elle a casa do padrinho.
+
+<P>
+&mdash;A Lena não vem?&mdash;perguntava o Simão com pena de a deixar só.
+
+<P>
+Pelo caminho, a idéa da separação aterrava-o.
+
+<P>
+&mdash;Eu não torno a ver a Lena, minha mãe?&mdash;insistia elle, virando
+para a Josepha os olhos supplicantes.
+
+<P>
+Ao chegarem a casa de D. Bernardo, a mulher explicou o motivo da visita.
+
+<P>
+&mdash;O pequeno sahiu enfezadito, meu senhor. Anda triste, come pouco,
+e agora veja v. ex.ª
+
+<P>
+E expunha aos olhos do fidalgo o cachaço rubro e inchado do rapaz.
+
+<P>
+&mdash;Apalpe aqui. Vê v. ex.ª? O rapazinho padece de humores frios.
+
+<P>
+D. Bernardo apalpou; e, ao ver ali o engeitado, com a carita muito
+pallida, magro, abatido, com a tristeza melancolica das crianças doentes
+o que é como um presentimento da morte, teve sincera commiseração.
+
+<P>
+&mdash;Leve-o de meu mando ao cirurgião&mdash;disse elle.&mdash;E o que receitar,
+que lh'o aviem na botica por minha conta.
+
+<P>
+E quando a Josepha ia a sahir chamou-a atraz.
+
+<P>
+&mdash;Olhe, mulherzinha; e precisando de mais alguma coisa appareça por
+aqui.
+
+<P>
+O cirurgião receitou ferruginosos e banhos do mar.
+
+<P>
+Por esse tempo, recebeu D. Bernardo uma carta da irmã freira, dizendo
+que o medico lhe <A NAME="16"></A> prescrevera o uso de banhos do mar. Para
+não incommodar o mano, tinha indagado no recolhimento se alguma senhora
+iria ás praias; mas, infelizmente, nenhuma ia! Era uma desgraça!
+
+<P>
+Respondeu o morgado que pedisse a mana ao sr. arcebispo licença para
+sahir e iria elle acompanhal-a á Povoa de Varzim, logo que findassem
+as vindimas. Accrescentava que levaria comsigo um engeitado seu afilhado,
+que padecia de escrofulas. Recommendava-lhe que pedisse saude e a
+graça de Deus, que trabalhos e canceiras não faltavam n'este mundo!
+
+<P>
+No meado de outubro, por um tempo secco, mas um pouco frio dos ventos
+outomniços, appareceu na Tojeira a irmã do fidalgo seguida de uma
+criada velha.
+
+<P>
+Resolveram partir na madrugada do dia seguinte para a Povoa.
+
+<P>
+Na vespera, antes de se deitar, esteve a Josepha a apertar n'uma pequena
+trouxa a roupinha do engeitado.
+
+<P>
+&mdash;Tu porta-te bem, Simão&mdash;recommendava-lhe ella.&mdash;Olha que aquelles
+fidalgos são os teus bemfeitores. Ouviste?
+
+<P>
+O pequeno ouvia-a sem poder falar. Sentia comprimida a garganta e
+os olhos embaciados de lagrimas. Passou quasi toda a noite em claro.
+A idéa da separação proxima fazia o chorar copiosamente.
+
+<P>
+Escondia a cabeça debaixo do lençol; e alli, collado á parede, chorava
+e soluçava baixinho, com receio de acordar a Lena. Só muito tarde,
+prostrado pela commoção, é que adormeceu.
+
+<P>
+Rompia a luz da madrugada pelas frinchas da janella, quando a Josepha
+se levantou. Chegou-se á cama do pequeno, abanou-o e acordou-o.
+
+<P>
+<A NAME="17"></A>&mdash;Simão, ó Simão!
+
+<P>
+O rapaz ergueu-se atarantado.
+
+<P>
+&mdash;Veste-te, filho. Anda, que são horas.
+
+<P>
+O Simão saltou abaixo da cama, e principiou a vestir-se de vagar,
+atordoado, sem dar tino do que fazia.
+
+<P>
+A Josepha ajudava-o com o coração opprimido, mas fingindo não comprehender
+a tortura do pequeno.
+
+<P>
+&mdash;Não faças bulha, que acordas a Lena&mdash;recommendou ella a meia voz.
+
+<P>
+Mas do leito da mãe, a Lena ouviu e respondeu:
+
+<P>
+&mdash;Eu não durmo, minha mãe.
+
+<P>
+E sentou-se na cama, para se vestir á pressa.
+
+<P>
+Quando o pequeno estava vestido e prompto, a Josepha sobraçou a trouxa,
+e disse resolutamente:
+
+<P>
+&mdash;Vamos, filho, vamos.
+
+<P>
+A Lena tambem queria ir.
+
+<P>
+A mãe oppoz-se, dizendo que estava a manhã muito fria. Lena desatou
+a chorar, voltada para o lado.
+
+<P>
+Na occasião que a Josepha abriu a porta da casa para sair, o Simão
+ficou um momento hesitante e ancioso. Approximou-se da Magdalena;
+e, com um sorriso contrafeito, como a querer suster as lagrimas, despediu-se
+com uma voz suffocada:
+
+<P>
+&mdash;Adeus, Lena.
+
+<P>
+A pequena não respondeu. Com as costas voltadas para elle, immovel
+no meio do quarto, encolheu os hombros.
+
+<P>
+&mdash;Adeus, Lena&mdash;repetiu elle mais alto e a chorar.
+
+<P>
+Então a pequena, n'uma grande effusão de <A NAME="18"></A> ternura, lançando-lhe
+os braços ao pescoço, beijou-o repetidas vezes:
+
+<P>
+&mdash;Adeus, Simão.
+
+<P>
+E quando o engeitado ia já longe, pelo atalho fóra, ao lado da mãe,
+Magdalena da porta da casa seguia-o com os olhos cheios de lagrimas
+e dizia-lhe baixinho adeus, acenando com a mão:
+
+<P>
+&mdash;Adeus, Simão! Adeus!
+
+<P class="centrado">
+:==:
+
+<P>
+A familia da Tojeira esteve um mez a banhos na Povoa de Varzim. Habitava
+uma casa pequena na rua da Junqueira. A sr.ª D. Leonarda levantava-se
+de madrugada, e ia para a praia, seguida da criada e do Simão.
+
+<P>
+Nos primeiros dias, o pequeno sentiu um horror extraordinario pelo
+mar.
+
+<P>
+Entrava na barraca a tremer e a chorar, pedindo a Deus que o matasse!
+
+<P>
+A sr.ª D. Leonarda, a sós com elle, falava-lhe com aspereza e de sobrecenho
+carregado. O rapazito reprimia as primeiras lagrimas, e ouvia-a com
+submissão e humildade.
+
+<P>
+&mdash;Pois o sr. D. Bernardo e eu&mdash;gritava a freira&mdash;a termos toda
+a caridade por ti, e tu, ingrato, ainda choras!
+
+<P>
+E, como Simão, com a cabecinha baixa como um réo convicto, principiasse
+a soluçar, e as lagrimas lhe cahissem em fio, D. Leonarda indignada,
+levantava a voz e gesticulava convulsa:
+
+<P>
+&mdash;Tu porque choras, rapaz? Ingrato!&mdash;e, olhando sobre o hombro,
+observava com ironica <A NAME="19"></A> piedade:&mdash;Sempre has de mostrar
+que és filho do peccado!
+
+<P>
+Diante de extranhos, no grupo das senhoras que lhe falavam, a freira
+de S. Salvador mudava de tom. Tinha uma voz meliflua, vagarosa, e,
+dando aos olhos uma feição terna, dizia do rapaz:
+
+<P>
+&mdash;É um engeitadinho, que o mano protege. Elle é que o não merece!&mdash;accrescentava
+D. Leonarda, azedando a voz.&mdash;É muito ingrato! Ah! nem v. ex.<sup>a</sup>
+
+fazem idéa! Depois, quasi confidencialmente, explicava:
+
+<P>
+&mdash;Sempre estes desgraçados hão de mostrar que vieram a este mundo
+contra a vontade de Nosso Senhor!
+
+<P>
+Simão ouvia isto sem levantar os olhos. De volta para casa, a freira
+não cessava de o reprehender.
+
+<P>
+Um dia, na ausencia de D. Bernardo, D. Leonarda, durante o almoço,
+esteve constantemente a gritar ao pequeno. Simão, sentado defronte,
+ouvia-a silencioso, sorvendo o café a pequeninos golos. D. Leonarda,
+no auge da sua irritação, gritou-lhe:
+
+<P>
+&mdash;Levanta a cabeça, rapaz! Deixa o café. O rapazinho poisou logo
+a chicara e o pão, engoliu com esforço o bocado que mastigava, e deixou
+pender os braços.
+
+<P>
+Não pôde comer mais.
+
+<P>
+Os unicos momentos felizes durante o mez que esteve na Povoa eram
+os que passava na varanda da casa, depois do jantar, em quanto D.
+Bernardo e D. Leonarda dormiam a sesta. Na cosinha, a criada, sentada
+n'uma cadeira junto da janella que deitava para uma horta, cabeceava.
+Simão atravessava então o corredor <A NAME="20"></A> em bicos de pés, e
+ia debruçar-se no peitoril da varanda, distraido a ver na rua a concorrencia
+de banhistas. A vista da gente da aldeia alegrava-o. Todas as raparigas
+da altura da Magdalena, vistas de longe, lhe pareciam a irmã.&mdash;Se
+fosse!&mdash;pensava elle. Estava uma tarde muito entretido a olhar um
+saltimbanco que trabalhava no largo da fonte, quando ouviu que o chamavam
+da rua. Era a Joaquina do Espinhal. O pequeno, assim que a reconheceu,
+sentiu o coração pular-lhe de jubilo. A Joaquina perguntou-lhe como
+estava, e deu-lhe muitas saudades da Lena.
+
+<P>
+&mdash;Tu ainda te lembras d'ella?&mdash;perguntava a visinha.
+
+<P>
+Elle respondia affirmativamente e ficava muito vermelho, quasi a chorar.
+Pediu á Joaquina que esperasse um instante. Foi ao quarto em que dormia,
+tirou d'uma gaveta a medalha do Bom Jesus, que lhe dera D. Leonarda,
+e desceu com ella á rua para a enviar á irmã.
+
+<P>
+Logo que sahiu a porta, D. Leonarda assomou á varanda. Observou de
+cima o pequeno entregar á vizinha a medalha que lhe tinha dado. Teve
+um accesso de indignação, e esteve para gritar, mas conteve-a a idéa
+do escandalo.
+
+<P>
+Quando a mulher se separou, a freira berrou para baixo ao Simão, que
+tinha ficado parado á porta da rua:
+
+<P>
+&mdash;Ó rapaz! Sobe!
+
+<P>
+E mostrou-lhe tamanha indignação nos olhos arregalados, que o pequeno
+subiu as escadas a tremer, e a supplicar baixinho de mãos postas:
+
+<P>
+&mdash;Ai! minha Nossa Senhora! Valei-me, que ella mata-me!
+
+<P>
+<A NAME="21"></A>Apenas chegou ao patamar, D. Leonarda inquiriu com voz
+ameaçadora:
+
+<P>
+&mdash;Quem te deu licença de entregares áquella mulher a medalha que
+te dei?
+
+<P>
+E, como o pequeno não respondesse, applicou-lhe uma bofetada com tamanha
+violencia, que o fez cambalear e cahir para traz, batendo com a cabeça
+na esquina do degráo.
+
+<P>
+&mdash;Pedaço de maroto!&mdash;rosnava a freira convulsa.&mdash;Levanta-te!
+
+<P>
+E fitava os olhos coruscantes sobre o Simão, sem reparar que elle
+ficára ali, sem sentidos, estendido sobre o patamar, com um fio de
+sangue a escorrer-lhe da nuca!
+
+<P class="centrado">
+:==:
+
+<P>
+O engeitado esteve oito dias de cama, com assistencia de facultativo.
+Havia receio de que ao abalo da queda sobreviesse uma meningite. Se
+se declarasse, dizia o medico, o caso era grave e podia ser fatal!
+
+<P>
+Ao cahir da tarde, accommettia-o uma febre intensa, que o fazia delirar.
+N'essas crises, deitado de costas; com as faces affogueadas e os olhos
+muito brilhantes e fixos n'um ponto vago, o doente falava e gesticulava,
+proferindo repetidas vezes o nome da mãe e da Lena. D. Bernardo, sentado
+ao lado, perguntava-lhe com voz carinhosa:
+
+<P>
+&mdash;Tu que dizes?
+
+<P>
+Simão, como se despertasse no meio d'um pezadello, voltava os olhos
+para D. Bernardo, e estremecia.
+
+<P>
+&mdash;Tu que queres, Simão?&mdash;insistia o fidalgo, apalpando-lhe a fronte
+esbrazeada.
+
+<P>
+<A NAME="22"></A>O pequeno recuava para o fundo da cama, assustado, com
+os olhos espantados e a tremer.
+
+<P>
+&mdash;Não quero a senhora&mdash;balbuciava elle tranzido e a chorar.&mdash;Ella
+mata-me! Ai! eu quero a minha mãe! Ó meu padrinho, a senhora mata-me.
+
+<P>
+E segurava com força a mão de D. Bernardo, olhando para a porta com
+terror da presença da freira.
+
+<P>
+D. Bernardo, no dia em que o pequeno foi castigado, censurára a brutalidade
+da irmã.
+
+<P>
+&mdash;Não são modos de tratar as crianças, mana&mdash;tinha elle dito.
+
+<P>
+D. Leonarda replicou com azedume; e, quando D. Bernardo lhe pediu
+que se calasse, a freira retirou-se da sala com modo altivo, resmungando
+pelo corredor:
+
+<P>
+&mdash;Eu já o presumia! Bem me quiz parecer que para afilhado, era muito
+amor!
+
+<P>
+Denunciára-se a freira! A suspeita de que o engeitado fosse filho
+do irmão tinha-a sobresaltado. Nutrira sempre a esperança de ficar
+herdeira universal da casa da Tojeira. Á primeira noticia da existencia
+do afilhado, todos os seus calculos ambiciosos se abalaram. Teve o
+receio instinctivo do mendigo, que vê concorrente á mesma porta! Recebeu
+o pequeno com fingida ternura e piedade, mal podendo conter, mais
+tarde, o rancor que a sua presença lhe inspirava.
+
+<P>
+Quando reparou que elle estava desmaiado aos seus pés, a escorrer
+sangue, assaltou-a um sentimento de terror, julgando que o tinha morto.
+Chamou em altos brados pela criada, que appareceu no mesmo instante.
+O rapaz foi transportado em braços para o leito. Ao <A NAME="23"></A> chegar
+D. Bernardo a casa, a criada referiu o que tinha succedido, desculpando
+a senhora da melhor maneira que pôde.
+
+<P>
+&mdash;Onde está a sr.ª D. Leonarda?&mdash;perguntou o morgado com ar grave
+e carrancudo.
+
+<P>
+&mdash;Está no quarto&mdash;respondeu a velha.&mdash;A senhora tambem ficou doente.
+Isto abalou-a muito.
+
+<P>
+Ao quarto dia a febre remittiu. Os receios do facultativo desvaneceram-se.
+No fim de uma semana, o doente sahiu da cama para uma cadeira da sala.
+
+<P>
+Caminhava amparado ao braço do padrinho, muito desfallecido de forças,
+pallido e tremulo. A freira via então o pequeno duas vezes por dia.
+Falava-lhe sem rancor, mas visivelmente constrangida.
+
+<P>
+Durante a enfermidade, a tal ponto D. Bernardo se affeiçoou ao afilhado,
+que passava os dias sentado junto d'elle, conversando e lendo-lhe
+d'alto as noticias dos jornaes.
+
+<P>
+&mdash;Quando voltarmos para a terra&mdash;dizia-lhe elle&mdash;has de tambem
+aprender a ler. Queres?
+
+<P>
+&mdash;Quero, meu padrinho&mdash;respondia o Simão.
+
+<P>
+Um instante depois, perguntava:
+
+<P>
+&mdash;E a Lena?
+
+<P>
+&mdash;A Lena tambem ha de aprender como tu.
+
+<P class="centrado">:==:
+
+<P>
+Á noitinha, logo depois do toque das <em>ave-marias</em>, a Josepha
+chegava á porta a chamar os filhos, que andavam fóra a brincar.
+
+<P>
+&mdash;Venham estudar, que é noite.
+
+<P>
+<A NAME="24"></A>E accendia a candeia, que pendurava n'um gancho da parede
+superior a uma meza de pinho. Sentava-se depois ao lado, com a roca
+mettida á cinta, a fiar.
+
+<P>
+Como a mestra curava mais de ensinar ás discipulas a meia e a costura,
+pondo em ultimo logar a leitura e a escripta, o Simão, em poucos dias,
+adiantou-se na lição á Magdaena. Por isso era elle quem, estudada
+a sua, ensinava a lição á irmã. Debruçados sobre o mesmo livro, com
+as cabeças chegadas uma á outra, Simão ia apontando com o dedo as
+syllabas que Magdalena soletrava:
+
+<P>
+&mdash;<em>Ma-ri-nha.</em>
+
+<P>
+E erguia os olhos do livro, hesitante, fitando-os em Simão, que a
+animava risonho.
+
+<P>
+&mdash;Marinha&mdash;dizia a pequena. O Simão irradiava de jubilo.
+
+<P>
+&mdash;Bem!&mdash;exclamava elle.&mdash;Agora para diante.
+
+<P>
+Então apparecia uma palavra enorme, que era um martyrio para Magdalena.
+Era ainda o Simão que a auxiliava amorosa e pacientemente, Fazendo-a
+reter bem as primeiras syllabas. Diziam simultaneamente:
+
+<P>
+&mdash;<em>Na-tu-ra-li-da-de.</em>
+
+<P>
+E se a Magdalena dizia bem, o Simão, n'um impeto de contentamento,
+tomava-lhe a cabeça entre as mãos, e beijava-a na testa.
+
+<P>
+&mdash;Muito bem, Lena, muito bem!
+
+<P>
+No dia seguinte, sahiam de casa juntos para a escola. Mettiam por
+um atalho aberto no meio d'um pinhal. Era um caminho triste e sombrio,
+com um chão humido e molle todo sulcado pelas rodas dos carros e murado
+d'ambos os lados pelos taludes barrentos, onde, no inverno, escorriam
+as chuvas. Acabava n'um <A NAME="25"></A> terreno baixo desmoutado e areiento,
+ao qual vinham dar as aguas d'um regueiro. Á tardinha vinha ali beber
+uma revoada de pombas brancas. Mais adiante, o caminho bifurcava-se
+pelo meio de campos de milho. Junto ao portão d'uma quinta murada
+havia um grande sobreiro, a cujo tronco estava arrumada uma pedra
+tosca coberta de musgo requeimado. Era ali que os dois pequenos tinham
+de se separar, mettendo Magdalena por uma azinhaga, onde ficava a
+mestra-regia, e Simão por outro lado, na direcção da escola dos rapazes.
+Nunca o faziam, porém, sem se sentarem algum tempo a conversar. N'esses
+instantes Simão contava á irmã os acontecimentos da Povoa de Varzim.
+Magdalena ouvia-o muito attenta, com os olhos abertos, que se embaciavam
+de lagrimas nos lances mais commoventes.
+
+<P>
+&mdash;Eu perguntava sempre á mãe quando tu vinhas&mdash;dizia Magdalena,
+enxugando os olhos nas costas da mão.&mdash;Não gostava de estar sem ti.
+Olha Simão&mdash;pedia ella, lançando-lhe um braço sobre os hombros&mdash;agora,
+nunca mais has de ir embora, não?
+
+<P>
+&mdash;Quem sabe lá!&mdash;respondia o engeitado, incerto do futuro, muito
+triste, com os olhos fitos n'um grupo de arvores, que havia defronte...
+
+<P>
+Ás vezes, no inverno, quando um aguaceiro os surprehendia no caminho,
+corriam a abrigar-se debaixo d'aquella arvore. Ficavam ambos ali,
+muito achegados ao tronco, e tão esquecidos e abstractos, que nem
+davam tino da chuva que escorria dos ramos&mdash;como os dois namorados
+vistos por Diderot!
+
+<P>
+<A NAME="26"></A>Decorreram assim tres annos.
+
+<P>
+Magdalena já costurava e bordava com tal perfeição, que era o espanto
+das visinhas. Quando a Josepha mostrou uma toalha de linho bordada
+pela filha, para ser offerecida ao fidalgo da Tojeira, a Joaquina
+do Espinhal levantou nos braços a rapariga, beijou a na bocca e exclamou:
+
+<P>
+&mdash;És uma rosa, Magdalena! Louvado seja Deus! Tens umas mãos, que
+são uma riqueza!
+
+<P>
+O Simão lia correntemente, escrevia com boa caligraphia, sabia as
+quatro operações, e até já auxiliava o mestre. Era o decurião da aula.
+Os discipulos mais venturosos eram ensinados por elle, propenso sempre
+á complacencia e ao perdão, em quanto os desafortunados se viam nas
+mãos do sr. mestre, um velhote estupido e rabujento, que se vingava
+das horrendas miserias a que o lançavam os governos relapsos no calote,
+macerando as mãosinhas tenras das crianças com estrondosas palmatoadas!
+
+<P>
+Um domingo, na occasião em que os freguezes da missa sahiam da egreja
+para o adro, o mestre-escola foi ao encontro de D. Bernardo, que vinha
+da porta lateral da sachristia, e deu-lhe do afilhado as melhores
+informações. Era uma grande cabeça que ali se perdia, se o deixassem
+seguir a lavoura&mdash;dizia elle. O pequeno, além d'isso, era fraco e
+doente; e parece que estava talhado para seguir a vida ecclesiastica.
+
+<P>
+D. Bernardo recolheu a casa, pensando no que o mestre lhe dissera.
+Era realmente preciso tratar do futuro do afilhado. Se a vocação <A NAME="27"></A>
+o não contrariasse, a vida tranquilla de sacerdote era a que mais
+se coadunava com as qualidades physicas do pequeno. Passados dois
+dias chamou-o a jantar comsigo. No fim, perguntou-lhe se queria ser
+padre. O pequeno não respondeu. Poz-se a correr entre os dedos a dobra
+da toalha, com os olhos no prato e sem proferir palavra.
+
+<P>
+&mdash;Queres, ou não queres?&mdash;insistiu D. Bernardo.
+
+<P>
+&mdash;Não, senhor&mdash;respondeu o pequeno a medo.
+
+<P>
+Desejava seguir uma vida que o não affastasse da Magdalena. O fidalgo
+discordou. Ponderou com palavras carinhosas que era preciso seguir
+uma carreira que o fizesse um homem de bem. Elle que o mandára á escola,
+não era de certo para o deixar ficar assim, sem um modo de vida...
+
+<P>
+&mdash;Não,&mdash;disse D. Bernardo&mdash;se não queres ser padre, ninguem te
+fórça. Serás outra coisa. Mas previne a tua mãe de que para a semana
+has de ir para Braga.
+
+<P>
+O pequeno desatou a chorar.
+
+<P>
+&mdash;Não chores&mdash;disse-lhe D. Bernardo, que se recordava das scenas
+da Povoa&mdash;não chores. Vaes para um collegio de meninos como tu; e
+nas ferias vae tua mãe buscar-te para vires á terra!
+
+<P>
+A proposito, e para desanuvear o coração do afilhado, contou-lhe varias
+brincadeiras do seu tempo de collegial.
+
+<P class="centrado">:==:
+
+<P>
+<A NAME="28"></A>Simão foi acompanhado pela Josepha a casa do padre Barreiros,
+na rua da Conega, em Braga. A mulher entregou uma carta do fidalgo
+da Tojeira. O padre montou os oculos, e leu a recommendação do seu
+amigo e antigo protector.
+
+<P>
+&mdash;Muito bem&mdash;disse no fim, retirando os oculos, e dobrando a carta.&mdash;Então,
+este pequeno é o afilhado do sr. D. Bernardo?
+
+<P>
+&mdash;É, meu senhor&mdash;respondeu a Josepha.
+
+<P>
+&mdash;E é seu filho?&mdash;perguntou o padre.
+
+<P>
+A Josepha hesitou na resposta. Olhou para o pequeno, e disse baixinho:
+
+<P>
+&mdash;Elle é engeitado; mas quem o criou fui eu.
+
+<P>
+Na tarde d'esse mesmo dia o Simão entrava como alumno interno no collegio
+de Jesuitas do <em>Campo das hortas</em>.
+
+<P>
+Foi recebido carinhosamente pelo director&mdash;um homem alto, rubicundo,
+vestido com uma ampla batina de clerigo. O padre Barreiros mostrou
+a carta do fidalgo da Tojeira, e accrescentou:
+
+<P>
+&mdash;O meu amigo é um dos membros mais valiosos do partido do sr. D.
+Miguel! Este pequeno é seu afilhado; e, pelos modos, o sr. D. Bernardo
+dedica-o aos estudos.
+
+<P>
+Os primeiros dias foram uma nova tortura para o pobre coração do engeitado!
+Andava pelos cantos da casa a chorar. A cada momento, chegava-se ás
+janellas, e detinha-se a contemplar a paizagem. Faziam-lhe inveja
+os homens que trabalhavam no campo. Procurava ver entre o arvoredo
+o caminho por onde viera para Braga, e ia seguindo quasi instinctivamente
+a estrada, que ora se perdia encoberta pela ramaria <A NAME="29"></A> dos
+carvalhos, ora surgia em retalho n'uma clareira para apparecer depois
+ao longe, ondeando pela encosta acima, muito branca entre a verdura
+do monte!...
+
+<P>
+Mas ao terceiro dia, o director chamou-o ao quarto, e entregou-lhe
+um pacote de livros, batendo-lhe carinhosamente na cara. Recommendou-lhe
+que estudasse muito.
+
+<P>
+&mdash;Ouviste? Para seres agradavel a Deus, Nosso Senhor, e aos teus
+paes.
+
+<P>
+O Simão retirou-se vivamente commovido. A idéa de que tinha de estudar
+todos aquelles livros, despertava-lhe na alma um agradavel sentimento
+de orgulho!
+
+<P>
+Nas ferias do Natal, o padre Barreiros foi buscal-o ao collegio, e
+enviou-o para a terra, muito recommendado a um almocreve, que passava
+perto da Tojeira. O pequeno não cabia em si de contente! Caminhava
+ao lado do recoveiro, revendo com immenso prazer os sitios por onde
+tinha passado mezes antes, quando viera para o collegio. Ia impaciente!
+A cada passo perguntava:
+
+<P>
+&mdash;Agora já devemos estar perto? O almocreve dizia:
+
+<P>
+&mdash;Ainda temos muito que andar.
+
+<P>
+E continuavam os dois pela estrada fóra, sem dizerem palavra. O almocreve,
+segurando no sovaco a arreata do primeiro macho da recova, caminhava
+n'um passo regular, assobiando. O Simão ia ao lado. A perspectiva
+triste e melancolica da paizagem n'uma manhã fria de dezembro tinha
+para elle encantos indefinidos! As arvores despidas da folhagem, os
+campos sem verdura, o ceo baixo e ennevoado, toda aquella desolação
+do inverno <A NAME="30"></A> apresentava-se a elle com um aspecto risonho
+e seductor!
+
+<P>
+&mdash;Ainda temos muito caminho a andar?&mdash;tornava elle ancioso.
+
+<P>
+O almocreve respondia:
+
+<P>
+&mdash;Vê o menino além aquella ermida, que fica na chapada? pois em lá
+chegando, já póde ver o telhado da casa do fidalgo da Tojeira.
+
+<P>
+Era ainda uma boa meia hora de caminhada! Quando iam a dobrar uma
+curva da estrada, Simão soltou um grito de alegria, e deitou a correr
+para a frente. Ao longe, vinha a Lena ao lado da mãe para o esperarem
+no caminho. A pequena correu tambem; e apenas se encontraram, abraçaram-se
+os dois n'uma grande expansão de ternura!
+
+<P>
+O pequeno teve umas ferias deliciosas. O padrinho tinha recebido excellentes
+informações dos padres do collegio. O alumno era intelligente, estudioso
+e bem comportado.
+
+<P>
+&mdash;Se tiveres sempre juizo&mdash;recommendava-lhe D. Bernardo satisfeito&mdash;podes
+ainda vir a ser um doutor! Queres?
+
+<P>
+O Simão não respondia. Ruborisava-se todo e, olhando para Lena, que
+assistia ao lado, sorriam-se os dois!
+
+<P>
+Na vespera de voltar Simão para Braga, a Lena deu-lhe uma pequenina
+cruz de metal suspensa d'uma fita verde.
+
+<P>
+&mdash;Toma&mdash;disse, ella, pondo-lhe a fita ao pescoço.&mdash;É a cruz de
+Nosso Senhor, que eu beijo sempre ao deitar. Não te esqueças de fazer
+o mesmo, não, Simão?
+
+<P class="centrado">:==:
+
+<P>
+<A NAME="31"></A>N'esse dia, um mez depois das ferias, o director, antes
+de terminarem as autos, mandou reunir na grande sala d'estudo todo
+o collegio. Ao lado d'elle collocaram-se os professores e os prefeitos.
+O director subiu ao estrado, e pronunciou de lá um longo discurso,
+falando em amor de Deus, em humildade, em dedicação ao estudo, em
+obediencia a mestres, e superiores! Os alumnos, agglomerados na vasta
+sala, ouviam silenciosamente, n'uma compostura grave, com os braços
+cahidos ao longo do corpo. Ia distribuir-se um premio a um estudante,
+que pela sua applicação, pela sua intelligencia e pelo seu comportamento
+exemplar, se tornava digno d'aquelia distincção honrosa!
+
+<P>
+O director fez uma pausa, e em seguida proferiu com voz cheia e solemne
+o nome do alumno distincto:
+
+<P>
+&mdash;Simão Ferreira, filho de...
+
+<P>
+E, como na registo não houvesse designação de nome dos paes, emendou:
+
+<P>
+&mdash;Natural de S. Silvestre.
+
+<P>
+O Simão sahiu d'entre a multidão, muito vermelho e commovido, adiantando-se
+na sala com um passo hesitante. O director fel-o subir ao estrado;
+e, collocando a mão sobre a cabeça do pequeno, proferiu ainda uma
+breve allocução laudatoria, e entregou-lhe um livro encadernado em
+marroquim azul com letras doiradas no frontispicio. Os professores
+bateram palmas, abraçaram o estudante; e Simão atravessou por entre
+os condiscipulos no meio d'uma saudação enthusiastica!
+
+<P>
+Á tarde, quando estava no recreio, um criado veiu chamal-o para ir
+á presença do sr. director. <A NAME="32"></A> Ao entrar na sala, Simão viu
+ao lado do director o padre Barreiros. Tinham ambos um ar sombrio
+e pesado. O director, logo que o pequeno entrou, disse-lhe pausadamente,
+pondo-lhe uma mão no hombro:
+
+<P>
+&mdash;Meu filho! O sr. padre Barreiros acaba de me annunciar a morte
+do teu padrinho...
+
+<P>
+O Simão fez-se pallido, e volveu para o padre os olhos marejados de
+lagrimas.
+
+<P>
+&mdash;Morreu hontem de repente&mdash;disse o padre Barreiros.
+
+<P>
+&mdash;Por isso&mdash;continuou o director&mdash;vaes-te vestir para ires com
+o sr. padre Barreiros. Não sei se voltarás para o collegio, meu filho.
+Se não vieres, lembra-te sempre dos teus amigos, e continua a ser
+obediente e trabalhador.
+
+<P>
+O pequeno tinha o presentimento vago de que na sua vida aquelle acontecimento
+funesto devia ser de alta importancia. Ficou meio atordoado, como
+se viesse de assistir a uma catastrophe!
+
+<P>
+Que iriam fazer d'elle, sem o auxilio do seu padrinho?
+
+<P>
+Esteve dois dias mettido em casa do padre Barreiros. Ao cabo d'esse
+tempo, o padre disse-lhe, durante o jantar, que o sr. D. Bernardo
+tinha morrido repentinamente, sem deixar testamento.
+
+<P>
+Simão mal comprehendia o alcance d'aquella revelação; mas, pelo modo
+como o padre falava, pareceu-lhe que era de gravidade o caso.
+
+<P>
+&mdash;Procurei a mana no convento&mdash;proseguiu o padre Barreiros&mdash;e
+perguntei-lhe se queria continuar a proteger-te. Disse-me que o não
+fazia, por ora, sem saber o valor da sua casa. Ahi tens tu, Simão,
+como estão as coisas! Por <A NAME="33"></A> isso, entendo que deves procurar
+outro modo de vida. Tens hoje treze annos, sabes ler, escrever e contar,
+um bocado de francez e de latim. Deves seguir o commercio para, em
+pouco tempo, poderes proteger a mãe que te criou, que ha de carecer
+do teu amparo. Queres?
+
+<P>
+De todas as considerações feitas pelo padre, Simão concluiu apenas
+que estava desamparado, e que era preciso trabalhar! Disse que sim,
+que fizesse o sr. padre Barreiros o que entendesse.
+
+<P>
+No dia immediato, o padre Barreiros foi procurar um sobrinho estabelecido
+com loja de ferragens na <em>Fonte da Corcova</em>, e offereceu-lhe
+o pequeno. O ferragista annuiu; mas declarou logo que o facto do rapaz
+ter andado no collegio «era o diabo»! Elle preferia os que sahiam
+das aldeias, sujeitos a toda a casta de trabalhos. Emfim, uma vez
+que o tio queria...
+
+<P>
+Simão entrou para a loja ao anoitecer. O patrão falou-lhe com ar carrancudo,
+tratando-o por tu, e dando-lhe a entender que, se o recebia, era por
+ser do agrado do tio. Simão não respondeu.
+
+<P>
+O tratamento grosseiro e aspero do patrão e do caixeiro mais velho
+da loja, a rudeza do trabalho, as condições pessimas do quarto em
+que dormia, sem luz, com pouco ar, entre quatro paredes humidas e
+pegajosas, a lida continua desde o amanhecer ate á noite, transformaram
+em pouco tempo o pobre rapaz, como se o minasse uma doença grave.
+Tinha perdido a côr sadia e a vontade de comer. Dormia mal, sobresaltado
+por aquella subita mudança nos habitos <A NAME="34"></A> da sua vida! O
+patrão obrigava-o a trabalhos pesados; e, quando o via fraquejar sob
+o pezo das grandes cargas de ferragem, gritava-lhe:&mdash;Anda, avia-te!
+Quem não póde, arreia! Não sei de que te serve a comida!
+
+<P>
+E outras brutalidades, que melindravam e aviltavam o pequeno.
+
+<P>
+De uma vez, chamou-o para pesar n'uma grande balança, que havia ao
+fundo da loja, n'um armazem escuro e frio, umas canastras de fechaduras.
+Simão, com o suor a escorrer-lhe na testa, segurava a cesta d'um lado,
+o patrão do outro, e, a um impulso simultaneo, collocavam-n'a sobre
+o prato da balança. Á terceira carga, o pequeno não pôde mais, e deixou
+cahir das mãos a canastra. O patrão deu um salto, e applicou-lhe dois
+pontapés valentes, dados com a biqueira do tamanco. Simão principiou
+a chorar.
+
+<P>
+&mdash;Mexe-te&mdash;berrava o ferragista&mdash;mexe-te, ou levas outros!
+
+<P>
+Na madrugada do dia seguinte, quando o caixeiro o foi acordar para
+ir para a loja, Simão queixou-se d'uma forte dôr de cabeça, e pediu-lhe
+que o deixassem ficar na cama. Logo que o patrão appareceu, o caixeiro
+disse-lhe que o rapaz estava doente.
+
+<P>
+&mdash;Eu lá vou!&mdash;rosnou ameaçador o ferragista; e entrou no quarto
+do rapaz, ordenando que se levantasse immediatamente.&mdash;Eu tiro-te
+o mimo, meu menino!&mdash;dizia elle ao pequeno.&mdash;O que tu tens é ronha,
+grande mandrião!
+
+<P>
+Simão ergueu-se a tremer de frio. Vestiu-se á pressa, e desceu para
+a loja, adiante das ameaças e injurias do patrão. Passado um instante,
+vendo que o caixeiro se tinha ausentado, levantou a porta do mostrador,
+e fugiu para a rua. O <A NAME="35"></A> patrão, que o avistara do fundo
+do armazem, saltou fóra, e veiu agarral-o por uma orelha no <em>Campo
+da vinha</em>. Quando se viu preso, Simão julgou-se perdido. Foi levado
+para casa, perseguido de successivos pontapés. Umas mulheres que passavam,
+pararam na rua, ao ver a furia do homem, e compadecidas do rapazinho,
+que, a cada momento se voltava para traz, pedindo perdão com as mãos
+postas:
+
+<P>
+&mdash;Perdôe ao rapazinho&mdash;imploravam ellas segurando o ferragista.&mdash;Perdôe-lhe
+por esta vez. sr. José.
+
+<P>
+O ferragista, porém, era implacavel.
+
+<P>
+Chegado a casa, subiu com o rapaz a uma sala do andar superior, fel-o
+despir a jaqueta e as calças, pegou n'um junco, e gritou-lhe pallido
+e tremulo de raiva:
+
+<P>
+&mdash;Ajoelhe-se, e peça perdão!
+
+<P>
+Simão cahiu de joelhos no sobrado, e ergueu as mãos.
+
+<P>
+&mdash;Agora&mdash;disse o ferragista&mdash;vamos ao correctivo.
+
+<P>
+E, com o junco vibrado com toda a força, principiou a vergastar as
+costas do rapaz. Simão retrahia-se d'encontro á parede, clamando por
+soccorro. O patrão enfurecia-se mais aos brados do padecente, e, cego
+de indignação, quasi sem respirar, n'um impeto convulso de fera, saltou
+sobre o rapaz a bater-lhe com tanta violencia, que o fez cahir no
+chão, soltando gritos afflictivos, com as costas retalhadas e a escorrer
+em sangue!
+
+<P>
+O patrão cançado e offegante abriu então a porta da sala, e sahiu.
+
+<P>
+Simão, quando se viu só, ergueu-se d'um impeto, desceu á pressa as
+escadas, e saltou para a <A NAME="36"></A> rua a gritar. Ao dar meia duzia
+de passos, cahiu extenuado sobre o lagedo do passeio.
+
+<P>
+Reuniu-se muita gente em volta d'elle. As mulheres, em grande alarido,
+davam <em>morras!</em> contra o malfeitor.
+
+<P>
+Alguns homens tentaram levantar do chão o pequeno; mas as mulheres
+oppozeram-se. Uma d'ellas retirou um lençol d'uma trouxa que levava
+á cabeça, e embrulhou n'elle o rapazito.
+
+<P>
+&mdash;Matem este patife!&mdash;gritavam as mulheres raivosas, com as lagrimas
+a saltarem-lhes dos olhos.&mdash;Matem!
+
+<P>
+A multidão crescia. Logo que constou no mercado, quasi todas as vendedeiras
+acudiram a ver. O Simão ia já levado nos braços d'uma, com a cabeça
+pendente no hombro d'ella, quando d'entre o povo, que seguia atraz,
+se ouviu este grito dilacerante:
+
+<P>
+&mdash;Ai! que elle é o meu filho!
+
+<P>
+E uma pobre mulher da aldeia correu para elle afflicta com os braços
+abertos. Era a Josepha, que, n'esse dia, tinha vindo a Braga. Andava
+a mercar na feira umas camisolas, que ia levar ao filho. Ao ouvir
+os clamores do mulherio, adiantou-se para ver. Pobre mulher!
+
+<P>
+Tomou ella o Simão nos braços; e, perdida pela afflicção, caminhava
+á toa, sem destino, lamentando que lhe tinham matado o filho do seu
+coração.
+
+<P>
+&mdash;Leve-o ao hospital&mdash;disseram as mulheres que a acompanhavam.
+
+<P>
+Atravessaram as ruas, seguidas da multidão, que ia engrossando de
+cada vez vez mais, ate ao largo dos Remedios. Chegadas ao hospital
+de S. Marcos, a Josepha entrou só, subindo as escadas a chorar. O
+facultativo fez deitar o <A NAME="37"></A> pequeno, observou-lhe as contusões
+do corpo, e disse:
+
+<P>
+&mdash;O homem que fez isto deve ser preso!
+
+<P>
+O pequeno só cobrou os sentidos, quando lhe applicaram as compressas
+de arnica sobre os vergões. Principiou a gemer, e a chamar pela mãe.
+
+<P>
+&mdash;Eu estou aqui, Simão&mdash;dizia a Josepha debruçando-se sobre elle.&mdash;Não
+chores, meu filho.
+
+<P>
+&mdash;Eu morro, minha mãe&mdash;dizia o pequeno, segurando-lhe as mãos, e
+levantando para ella os olhos supplicantes e cheios de lagrimas.
+
+<P>
+O povo, que acompanhou o Simão ao hospital, desandou em grande turba
+para casa do ferragista. Ali, ajuntou-se a um magote, que estava já
+estacionado á porta. O patrão tinha desapparecido da loja. Ao canto
+do balcão, o caixeiro, muito assustado pelo aspecto ameaçador da gente,
+não se mexia.
+
+<P>
+&mdash;Morra o patife!&mdash;gritou uma mulher.
+
+<P>
+&mdash;Morra! repetiram as outras.
+
+<P>
+E a multidão cresceu sobre a loja.
+
+<P>
+Foi precisa a intervenção da auctoridade, reclamada pelos visinhos
+do ferragista.
+
+<P>
+O administrador appareceu seguido do escrivão e de alguns policias,
+e ordenou ao povo que se dispersasse.
+
+<P>
+&mdash;Não sahimos, sem que o malvado seja preso&mdash;berrou um operario
+face a face ao administrador.
+
+<P>
+O agente da auctoridade entrou na loja. Passado pouco tempo a policia
+foi reforçada pela cavallaria, que conseguiu dispersar o ajuntamento.
+E, logo em seguida, o ferragista, pallido, a tremer, olhando assustado
+para os dois lados da <A NAME="38"></A> rua, atravessou-a a correr, entre
+policias, para dar entrada na cadeia!
+
+<P class="centrado">:==:
+
+<P>
+No outro dia de manhã, o medico do hospital mandou collocar o biombo
+em volta da cama do Simão.
+
+<P>
+&mdash;Está a manifestar-se a congestão&mdash;explicou elle baixo á enfermeira.
+
+<P>
+Os outros doentes da enfermaria, quando viram o medico falar confidencialmente,
+olharam uns para os outros, desconfiados, com um ar abatido e triste.
+Ao longo de toda a sala havia um grande silencio, percursor do silencio
+frio da morte. Os serventes do hospital atravessavam por entre as
+filas das camas em bicos de pés.
+
+<P>
+Ás nove horas, a enfermeira acendeu as velas de cêra de dois tocheiros,
+que ladeavam a imagem do Senhor crucificado, ao fundo da sala. Em
+seguida aproximou-se do leito do Simão. Estava deitado de costas,
+com os olhos fixos já meio embaciados... Respirava com oppressão;
+e a bocca entre-aberta formava-lhe um traço escuro na pallidez cadaverica
+do rosto.
+
+<P>
+&mdash;Quer alguma coisa?&mdash;disse-lhe a enfermeira ao ouvido.
+
+<P>
+&mdash;A minha mãe?&mdash;perguntou baixo o moribundo.
+
+<P>
+&mdash;Ainda não veiu.
+
+<P>
+Houve uma grande pausa.
+
+<P>
+&mdash;Quando ella vier&mdash;pediu o Simão com uma voz debil&mdash;se eu tiver
+morrido, dê-lhe a cruz que tenho ao pescoço; sim?
+
+<P>
+<A NAME="39"></A>Parou um instante para respirar, e accrescentou:
+
+<P>
+&mdash;É para a Lena.
+
+<P>
+A enfermeira tentou animal-o, dizendo-lhe que elle havia de melhorar.
+
+<P>
+Simão fez um leve sorriso de descrença, e respondeu:
+
+<P>
+&mdash;Eu bem sei que morro... Ouvi o medico dizel-o ha pouco... Ai! já
+me falta o ar! Oh! minha mãe!
+
+<P>
+Quando a Josepha chegou á porta do hospital, o sino da capella começava
+a tocar a agonia!
+
+<P>
+A enfermeira esperou-a no patamar, e disse-lhe que o filho estava
+a morrer. Havia então na sala um silencio lugubre! Alguns enfermos,
+sentados no leito, murmuravam orações, com as mãos postas em supplica.
+Ouvia-se, de quando em quando, um gemido que partia do biombo.
+
+<P>
+A Josepha foi direita á cama do Simão. Estava a expirar! Ainda reconheceu
+a mãe; porque, fixando n'ella os olhos quasi apagados, procurou com
+anciedade a Lena. Como a não visse, rebentaram-lhe duas grossas lagrimas,
+e murmurou baixinho:
+
+<P>
+&mdash;Adeus!
+
+<P>
+E estremeceu todo, exhalando o ultimo alento n'uma aspiração tremula,
+como um suspiro de alivio!
+
+<P>
+&nbsp;
+
+<P>
+<small>Coimbra, fevereiro de 1884.</small></P>
+</div>
+<br>
+<br>
+<br>
+<br>
+
+<div style="margin: 5%; padding:0.5em;border: solid 4px gray;">
+<P class="centrado">
+<br>
+VENDA
+<br>
+NA
+<br>
+Livraria de Antonio Maria PEREIRA
+<br>
+<em>50&mdash;Rua Augusta&mdash;52</em>
+<br>
+LISBOA
+
+<hr>
+
+<P>
+<em>Amores á beira-mar</em>, conto por Alberto Braga,
+200 réis.
+<P>
+
+
+<P>
+<em>Ás mães e ás filhas</em>, contos de Caïel, 2.ª edição,
+500 réis.
+<P>
+
+
+<P>
+<em>O mysterio da estrada de Cintra</em>, romance de
+Ramalho Ortigão e Eça de Queiroz, 2.ª edição, 600 réis.
+<P>
+
+
+<P>
+<em>Rei ou impostor?</em>, romance historico por José
+de Torres, 500 réis.
+<P>
+
+<P>
+<em>Digressões e novellas</em>, por Bulhão Pato, 600
+réis.
+<P>
+
+<P>
+<em>Romance d'um rapaz pobre</em>, por Octavio Feuillet,
+traducção de Camillo Castello Branco. Esplendida edição illustrada,
+em grande formato, magnifico papel, soberbas gravuras, capa em chromo,
+etc. 1 vol.
+</div>
+
+
+
+
+
+
+
+<pre>
+
+
+
+
+
+End of the Project Gutenberg EBook of O Engeitado, by Alberto Braga
+
+*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK O ENGEITADO ***
+
+***** This file should be named 25594-h.htm or 25594-h.zip *****
+This and all associated files of various formats will be found in:
+ https://www.gutenberg.org/2/5/5/9/25594/
+
+Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images
+of public domain material from Google Book Search)
+
+
+Updated editions will replace the previous one--the old editions
+will be renamed.
+
+Creating the works from public domain print editions means that no
+one owns a United States copyright in these works, so the Foundation
+(and you!) can copy and distribute it in the United States without
+permission and without paying copyright royalties. Special rules,
+set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to
+copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to
+protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. Project
+Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you
+charge for the eBooks, unless you receive specific permission. If you
+do not charge anything for copies of this eBook, complying with the
+rules is very easy. You may use this eBook for nearly any purpose
+such as creation of derivative works, reports, performances and
+research. They may be modified and printed and given away--you may do
+practically ANYTHING with public domain eBooks. Redistribution is
+subject to the trademark license, especially commercial
+redistribution.
+
+
+
+*** START: FULL LICENSE ***
+
+THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE
+PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK
+
+To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free
+distribution of electronic works, by using or distributing this work
+(or any other work associated in any way with the phrase "Project
+Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full Project
+Gutenberg-tm License (available with this file or online at
+https://gutenberg.org/license).
+
+
+Section 1. General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tm
+electronic works
+
+1.A. By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm
+electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to
+and accept all the terms of this license and intellectual property
+(trademark/copyright) agreement. If you do not agree to abide by all
+the terms of this agreement, you must cease using and return or destroy
+all copies of Project Gutenberg-tm electronic works in your possession.
+If you paid a fee for obtaining a copy of or access to a Project
+Gutenberg-tm electronic work and you do not agree to be bound by the
+terms of this agreement, you may obtain a refund from the person or
+entity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8.
+
+1.B. "Project Gutenberg" is a registered trademark. It may only be
+used on or associated in any way with an electronic work by people who
+agree to be bound by the terms of this agreement. There are a few
+things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works
+even without complying with the full terms of this agreement. See
+paragraph 1.C below. There are a lot of things you can do with Project
+Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement
+and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic
+works. See paragraph 1.E below.
+
+1.C. The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation"
+or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project
+Gutenberg-tm electronic works. Nearly all the individual works in the
+collection are in the public domain in the United States. If an
+individual work is in the public domain in the United States and you are
+located in the United States, we do not claim a right to prevent you from
+copying, distributing, performing, displaying or creating derivative
+works based on the work as long as all references to Project Gutenberg
+are removed. Of course, we hope that you will support the Project
+Gutenberg-tm mission of promoting free access to electronic works by
+freely sharing Project Gutenberg-tm works in compliance with the terms of
+this agreement for keeping the Project Gutenberg-tm name associated with
+the work. You can easily comply with the terms of this agreement by
+keeping this work in the same format with its attached full Project
+Gutenberg-tm License when you share it without charge with others.
+
+1.D. The copyright laws of the place where you are located also govern
+what you can do with this work. Copyright laws in most countries are in
+a constant state of change. If you are outside the United States, check
+the laws of your country in addition to the terms of this agreement
+before downloading, copying, displaying, performing, distributing or
+creating derivative works based on this work or any other Project
+Gutenberg-tm work. The Foundation makes no representations concerning
+the copyright status of any work in any country outside the United
+States.
+
+1.E. Unless you have removed all references to Project Gutenberg:
+
+1.E.1. The following sentence, with active links to, or other immediate
+access to, the full Project Gutenberg-tm License must appear prominently
+whenever any copy of a Project Gutenberg-tm work (any work on which the
+phrase "Project Gutenberg" appears, or with which the phrase "Project
+Gutenberg" is associated) is accessed, displayed, performed, viewed,
+copied or distributed:
+
+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
+almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
+re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
+with this eBook or online at www.gutenberg.org
+
+1.E.2. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is derived
+from the public domain (does not contain a notice indicating that it is
+posted with permission of the copyright holder), the work can be copied
+and distributed to anyone in the United States without paying any fees
+or charges. If you are redistributing or providing access to a work
+with the phrase "Project Gutenberg" associated with or appearing on the
+work, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1
+through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and the
+Project Gutenberg-tm trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or
+1.E.9.
+
+1.E.3. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is posted
+with the permission of the copyright holder, your use and distribution
+must comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additional
+terms imposed by the copyright holder. Additional terms will be linked
+to the Project Gutenberg-tm License for all works posted with the
+permission of the copyright holder found at the beginning of this work.
+
+1.E.4. Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg-tm
+License terms from this work, or any files containing a part of this
+work or any other work associated with Project Gutenberg-tm.
+
+1.E.5. Do not copy, display, perform, distribute or redistribute this
+electronic work, or any part of this electronic work, without
+prominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 with
+active links or immediate access to the full terms of the Project
+Gutenberg-tm License.
+
+1.E.6. You may convert to and distribute this work in any binary,
+compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including any
+word processing or hypertext form. However, if you provide access to or
+distribute copies of a Project Gutenberg-tm work in a format other than
+"Plain Vanilla ASCII" or other format used in the official version
+posted on the official Project Gutenberg-tm web site (www.gutenberg.org),
+you must, at no additional cost, fee or expense to the user, provide a
+copy, a means of exporting a copy, or a means of obtaining a copy upon
+request, of the work in its original "Plain Vanilla ASCII" or other
+form. Any alternate format must include the full Project Gutenberg-tm
+License as specified in paragraph 1.E.1.
+
+1.E.7. Do not charge a fee for access to, viewing, displaying,
+performing, copying or distributing any Project Gutenberg-tm works
+unless you comply with paragraph 1.E.8 or 1.E.9.
+
+1.E.8. You may charge a reasonable fee for copies of or providing
+access to or distributing Project Gutenberg-tm electronic works provided
+that
+
+- You pay a royalty fee of 20% of the gross profits you derive from
+ the use of Project Gutenberg-tm works calculated using the method
+ you already use to calculate your applicable taxes. The fee is
+ owed to the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, but he
+ has agreed to donate royalties under this paragraph to the
+ Project Gutenberg Literary Archive Foundation. Royalty payments
+ must be paid within 60 days following each date on which you
+ prepare (or are legally required to prepare) your periodic tax
+ returns. Royalty payments should be clearly marked as such and
+ sent to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation at the
+ address specified in Section 4, "Information about donations to
+ the Project Gutenberg Literary Archive Foundation."
+
+- You provide a full refund of any money paid by a user who notifies
+ you in writing (or by e-mail) within 30 days of receipt that s/he
+ does not agree to the terms of the full Project Gutenberg-tm
+ License. You must require such a user to return or
+ destroy all copies of the works possessed in a physical medium
+ and discontinue all use of and all access to other copies of
+ Project Gutenberg-tm works.
+
+- You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any
+ money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the
+ electronic work is discovered and reported to you within 90 days
+ of receipt of the work.
+
+- You comply with all other terms of this agreement for free
+ distribution of Project Gutenberg-tm works.
+
+1.E.9. If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm
+electronic work or group of works on different terms than are set
+forth in this agreement, you must obtain permission in writing from
+both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael
+Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark. Contact the
+Foundation as set forth in Section 3 below.
+
+1.F.
+
+1.F.1. Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable
+effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread
+public domain works in creating the Project Gutenberg-tm
+collection. Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic
+works, and the medium on which they may be stored, may contain
+"Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or
+corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual
+property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a
+computer virus, or computer codes that damage or cannot be read by
+your equipment.
+
+1.F.2. LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the "Right
+of Replacement or Refund" described in paragraph 1.F.3, the Project
+Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project
+Gutenberg-tm trademark, and any other party distributing a Project
+Gutenberg-tm electronic work under this agreement, disclaim all
+liability to you for damages, costs and expenses, including legal
+fees. YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICT
+LIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSE
+PROVIDED IN PARAGRAPH F3. YOU AGREE THAT THE FOUNDATION, THE
+TRADEMARK OWNER, AND ANY DISTRIBUTOR UNDER THIS AGREEMENT WILL NOT BE
+LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR
+INCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCH
+DAMAGE.
+
+1.F.3. LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover a
+defect in this electronic work within 90 days of receiving it, you can
+receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a
+written explanation to the person you received the work from. If you
+received the work on a physical medium, you must return the medium with
+your written explanation. The person or entity that provided you with
+the defective work may elect to provide a replacement copy in lieu of a
+refund. If you received the work electronically, the person or entity
+providing it to you may choose to give you a second opportunity to
+receive the work electronically in lieu of a refund. If the second copy
+is also defective, you may demand a refund in writing without further
+opportunities to fix the problem.
+
+1.F.4. Except for the limited right of replacement or refund set forth
+in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER
+WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO
+WARRANTIES OF MERCHANTIBILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE.
+
+1.F.5. Some states do not allow disclaimers of certain implied
+warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages.
+If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the
+law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be
+interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by
+the applicable state law. The invalidity or unenforceability of any
+provision of this agreement shall not void the remaining provisions.
+
+1.F.6. INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the
+trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone
+providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance
+with this agreement, and any volunteers associated with the production,
+promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works,
+harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees,
+that arise directly or indirectly from any of the following which you do
+or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm
+work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any
+Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause.
+
+
+Section 2. Information about the Mission of Project Gutenberg-tm
+
+Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of
+electronic works in formats readable by the widest variety of computers
+including obsolete, old, middle-aged and new computers. It exists
+because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from
+people in all walks of life.
+
+Volunteers and financial support to provide volunteers with the
+assistance they need, is critical to reaching Project Gutenberg-tm's
+goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will
+remain freely available for generations to come. In 2001, the Project
+Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
+and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations.
+To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
+and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
+and the Foundation web page at https://www.pglaf.org.
+
+
+Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive
+Foundation
+
+The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
+501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
+state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal
+Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification
+number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at
+https://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
+permitted by U.S. federal laws and your state's laws.
+
+The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S.
+Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered
+throughout numerous locations. Its business office is located at
+809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email
+business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact
+information can be found at the Foundation's web site and official
+page at https://pglaf.org
+
+For additional contact information:
+ Dr. Gregory B. Newby
+ Chief Executive and Director
+ gbnewby@pglaf.org
+
+
+Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation
+
+Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide
+spread public support and donations to carry out its mission of
+increasing the number of public domain and licensed works that can be
+freely distributed in machine readable form accessible by the widest
+array of equipment including outdated equipment. Many small donations
+($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt
+status with the IRS.
+
+The Foundation is committed to complying with the laws regulating
+charities and charitable donations in all 50 states of the United
+States. Compliance requirements are not uniform and it takes a
+considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up
+with these requirements. We do not solicit donations in locations
+where we have not received written confirmation of compliance. To
+SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any
+particular state visit https://pglaf.org
+
+While we cannot and do not solicit contributions from states where we
+have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition
+against accepting unsolicited donations from donors in such states who
+approach us with offers to donate.
+
+International donations are gratefully accepted, but we cannot make
+any statements concerning tax treatment of donations received from
+outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff.
+
+Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation
+methods and addresses. Donations are accepted in a number of other
+ways including including checks, online payments and credit card
+donations. To donate, please visit: https://pglaf.org/donate
+
+
+Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic
+works.
+
+Professor Michael S. Hart was the originator of the Project Gutenberg-tm
+concept of a library of electronic works that could be freely shared
+with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project
+Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support.
+
+
+Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed
+editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S.
+unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily
+keep eBooks in compliance with any particular paper edition.
+
+
+Most people start at our Web site which has the main PG search facility:
+
+ https://www.gutenberg.org
+
+This Web site includes information about Project Gutenberg-tm,
+including how to make donations to the Project Gutenberg Literary
+Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to
+subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.
+
+
+</pre>
+
+</BODY>
+</HTML>