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| author | Roger Frank <rfrank@pglaf.org> | 2025-10-15 02:17:58 -0700 |
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You may copy it, give it away or +re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included +with this eBook or online at www.gutenberg.org + + +Title: O Engeitado + +Author: Alberto Braga + +Release Date: May 25, 2008 [EBook #25594] + +Language: Portuguese + +Character set encoding: ISO-8859-1 + +*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK O ENGEITADO *** + + + + +Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images +of public domain material from Google Book Search) + + + + + + + +Sala das Perolas + + + + +Sala das Perolas + +Contos Modernos + + +LISBOA +LIVRARIA DE ANTONIO MARIA PEREIRA +_50--Rua Augusta--52_ +M DCCC LXXX VIII + + + + +O ENGEITADO + + + + +ALBERTO BRAGA + + +O ENGEITADO. + + +LISBOA +_TYP. E STEREOTYPIA MODERNA_ +_11--Apostolos--11_ +1888 + + + + +O ENGEITADO + + +A Joaquina do Espinhal tinha ido, no fim da tarde, lavar ao rio a roupa +dos pequenos. Era no mez de dezembro. A agua corria por entre os +choupos, fria e levemente encrespada pela brisa que soprava do norte. +Joaquina do Espinhal, com as saias arregaçadas na cintura, as pernas +mettidas na agua ate ao joelho, ensaboava a roupa e batia-a com força +sobre a pedra poida e lustrosa do lavadouro. + +Da outra banda, pelo carreiro que havia á beira do rio, passou o filho +do moleiro a tanger os machos. O rapaz ia tranzido de frio, com a golla +da jaqueta apanhada para as orelhas, a assobiar alto. Assim que +reconheceu a lavadeira, parou, fincou a mão ao tronco d'uma arvore, e, +debruçando-se sobre o rio, perguntou de lá: + +--Vocemecê não tem frio? + +A Joaquina aprumou-se e respondeu: + +--Ai! és tu, Jeronymo! Frio? Quem fala n'isso? Quando a gente tem +filhos, não deita conta a nada. Onde ides? + +--Vou levar a fornada a casa do sr. doutor. + +--Pois vae com Deus, vae. + +Mas o rapaz deixou-se ficar immovel a olhar para ella. Os machos iam +tosando nas silvas. + +--Que frio!--exclamava elle todo arripiado. + +--Credo! Se eu a visse ahi de noite, diabos me levem se não deitava a +fugir com medo! + +A lavadeira ria-se. + +--Medo de quê, rapaz? + +--Sume-te!--dizia o moleiro.--De noite, só as bruxas é que veem lavar +aos rios... Adeusinho, tia Joaquina. + +--Adeus, ó Jeronymo. + +Era já noite, quando a Joaquina voltou para casa, carregada com o +alguidar da roupa molhada á cabeça. Atravessou uma bouça; e, quando ia a +transpor o portello, que dava para a estrada, estacou de repente. Tinha +ouvido uns gemidos vagos ali perto. Debaixo da lagem do portello, por +entre o tojo, alvejava alguma coisa que se movia. Cuidou ao principio +que fosse um cão; e ia a dar-lhe com a ponteira da chinella, quando os +gemidos se repetiram. + +--Elle que dianho é? + +Poisou resolutamente o alguidar no primeiro degráo do portello, +abaixou-se para examinar de perto; e, ao levantar uma ponta da trouxa, +viu uma criança recemnascida, nua, embrulhada n'um lençol velho. Tomou +logo a creança nos braços, e, achegando-a ao calor do peito, exclamava +commovida: + +--Ó meu rico filho! Que grande cadella foi a tua mãe! Que grande +desavergonhada! + +Quando entrou em casa, o marido estava com os dois pequenos sentado ao +calor da lareira. A Joaquina correu o ferrolho interior da porta, e, +chegando-se junto do homem, apresentou-lhe nos braços o engeitado. + +--Aqui tens este leitão. + +O João do Espinhal poz-se logo de pé muito espantado. A criança, livida +de frio, ao sentir o calor do lume, agitava-se no lençol, abria os olhos +e a bocca, procurando com impaciencia e avidez o leite do seio materno. + +--Meu rico anjinho!?--exclamava a Joaquina, bafejando-lhe as +mãosinhas.--Que frio e que fome que tu tens! + +Referiu ao homem como encontrára, ao voltar do rio, aquelle innocentinho +abandonado no meio do tojo. + +--Se o não topo no caminho, a criancinha a esta hora tinha morrido de +frio. + +--Mas tu que lhe queres fazer?--perguntou o marido, passado um momento +de surpresa. + +--Que lhe quero fazer!! Vou d'aqui pedir á mulher do Cosme que chegue o +peito a este innocente; e ámanhã veremos então a volta que lhe hei de +dar. + +O João, immovel e callado, com os olhos postos na labareda da lareira, +coçava a nuca. O que elle não queria era augmentar os encargos da +familia com mais um extranho. A féria de pedreiro, que recebia aos +sabbados, mal lhe chegava para o sustento da mulher e dos dois filhos; +agora, se a Joaquina teimasse em ficar com o engeitado... + +--É uma dos diabos!--pensava elle, franzindo os beiços. + +A Joaquina sahiu de casa com a criança ao collo, e voltou pouco depois, +explicando ao homem o que tinha succedido. A Josepha do Cosme tomava +conta do innocente, chegava-lhe o peito; mas queria que alguem desse +parte ao regedor, porque não estava para se metter em trabalhos. + +--Porque--dizia a mulher--o leite que tenho, graças a Deus, chega bem +para elle, sem o tirar á filha; mas, sr.ª Joaquina, é preciso que alguem +de futuro tome conta da criança... + +A Joaquina combinou com a visinha irem no dia seguinte a casa do +regedor; e depois talvez que o fidalgo da Tojeira tivesse dó do +engeitainho, e tomasse conta d'elle. E senão--insistia ella--tomo eu! +Pois! Onde houver um bocado de pão para os filhos, ha de haver uma +migalha para o innocente. + +O João ouvia isto contrariado e sisudo, mas sem replicar. Mandou deitar +os pequenos. Quando despiu a jaqueta, para se metter tambem na cama, +encostou-se á ilharga da enxerga, e voltando-se para a mulher perguntou: + +--Mas, ó mulher, e se o fidalgo o não quizer? Sim; vamos a futurar que o +fidalgo, que é teimoso com'a burro, não está por o que vocês lhe dizem? + +--Adeus!--replicou peremptoriamente a Joaquina, encolhendo os +hombros.--Ao monte não atiro eu outra vez o innocente! + +No dia seguinte, a Josepha do Cosme vestiu uma camisa velha á creanca, +embrulhou-a n'uma baeta escarlate, e com ella ao collo, foi ter com a +Joaquina. Sahiram ambas para casa do regedor. A Joaquina referiu o caso, +com grandes injurias contra a desalmada que abandonou assim o filho por +um inverno d'aquelles! O regedor, que era sugeito circunspecto e +methodico, entendia que o verdadeiro era irem d'ali a casa do abbade. + +--Primeiro que tudo, mulheres--ponderou elle--vamos a fazer d'isto uma +alma christã. Uma de vocês serve-lhe de madrinha, e então o fidalgo, se +estiver por isso, que seja o padrinho. + +Pozeram-se a caminho da residencia. + +O abbade tinha engrolado á pressa o latim da missa do dia, com grande +appetite do café quente do almoço. Ia a sair apressadamente da egreja, +quando viu entrar no adro as duas mulheres acompanhadas pelo regedor. + +--Vae torta!--resmungou elle, a tiritar de frio, com as mãos entanguidas +enfiadas nos bolsos das calças. Parou no limiar; e, logo que ellas se +aproximaram:--Que temos? Perguntou com modo desabrido, batendo com ambos +os pés na soleira da porta. + +A Joaquina repetiu outra vez deante do abbade o mesmo que tinha dito ao +regedor. + +--Mas quem será a mãe?--perguntava elle, tentando descobrir nas feições +indecisas da criança uma denuncia. + +--Quem sabe lá, sr. abbade--dizia a Josepha. + +E com a dobra da mantilha resguardava dos olhares cupidos e profanos do +padre o peito alvo e apojado em que a criança mamava. + +--Mas que grande bebeda, sr. abbade!--rosnava a Joaqui\-na.--Que +grande... com licença de v. sr.ª... que grande cabra! + +O abbade replicou-lhe: + +--Não insulte as cabras, mulher; não insulte as cabras, que essas não +engeitam os filhos. + +Combinou-se ali em que as duas mulheres fossem pedir ao morgado para ser +o padrinho. + +--E se elle acceder--disse o abbade, safando-se para a +residencia--mandem-me parte, que eu baptiso-o hoje mesmo. Vivam! + +O fidalgo da Tojeira era madrugador. Andava já a passear ao sol da +varanda alpendrada da casa, quando o criado lhe veiu annunciar que a do +João do Espinhal e a do Cosme lhe queriam falar. + +--Que venham aqui. + +Entrou, á frente, a Joaquina do Espinhal, seguida da mulher do Cosme. Ao +principio, o morgado disse que não. Na sua opinião, quem faz os filhos +que os crie. Elle não estava ali para remediar as poucas vergonhas do +mundo. A Joaquina, porém, não desanimava; e, em quanto o fidalgo +passeiava ao longo da varanda, obstinado no seu proposito, a mulher +ajuntava supplica sobre supplica, e nas costas d'elle ia piscando o olho +matreiro á visinha. Instado por fortes razões humanitarias, o fidalgo +cedeu. + +--Pois bem--disse elle, parando do seu passeio.--Eu irei ser o padrinho; +mas uma de vocês que se encarregue de o criar. + +O engeitado foi baptisado ás tres horas da tarde d'esse mesmo dia. Na +sachristia o abbade, em quanto enfiava a sobrepeliz em frente do arcaz, +lamentava que se tivesse dado aquelle caso na freguezia. + +--Mas quem será o maroto do pae!--perguntava o fidalgo. + +--Quem sabe lá, sr. D. Bernardo! Nem talvez a propria mãe! Isto hoje, +meu senhor, o mundo vae todo assim! + +D. Bernardo, quando se offerecia ensejo gostava de chalacear. + +--Pois, abbade--replicou elle--pae tem a criança; salvo se ellas fazem +como as egoas de Virgilio, lembra-se? + + _.......................et saepe sine ullis_ + _Conjugiis vento gravidae (mirabile dictu!)_ + +O pequeno recebeu na pia baptismal o nome de Simão. Foi o que occorreu á +lembrança do padrinho, que tivera assim chamado outro afilhado, morto de +meningite uma semana depois de baptisado. + + * * * * * + +D. Bernardo da Cunha era um velho celibatario, egoista e avarento. +Assignava a _Nação_ e o _Bem Publico_; mas lia o _Primeiro de Janeiro_, +que lhe dava a cotação exacta dos fundos portuguezes. + +Por tradições de familia, dizia-se legitimista, com quanto na sua +consciencia os correligionarios enthusiastas e crentes não passassem +d'um _bando de visionarios_. + +Vivia retirado do contacto do mundo, entre as velhas e sombrias paredes +do seu solar; mas, á cautella, ia seguindo, dia a dia, as cambalhotas da +politica constitucional, e sobre tudo a influencia que ella exercia na +alta e baixa das inscripções. Era como um passageiro esperto d'esta +velha nau combalida e desconjuntada, que tem thesouro com que possa +salvar-se, no caso de naufragio! + +Quando acontecia que algum velho padre correligionario ia á Tojeira, e +fallava com voz pungente da immoralidade dos governos, das torpezas das +eleições, da dissolução dos costumes e da perda irreparavel do paiz, o +morgado, ouvidas as lamentações do Jeremias, encrespava nos labios um +sorriso zombeteiro, e exclamava: + +--Isto, meu caro amigo, está a acabar. É tudo uma bandalheira! + +Parecia uma phrase de Tacito, escrevendo _sine ira et studio_, a +historia da dissolução dos romanos! + +Era senhor de um morgadio avultado. Tinha uma irmã mais nova, senhora de +59 annos, professa no convento de S. Salvador, em Braga, que lhe +escrevia de longe em longe, falando-lhe muito dos seus achaques, e de +todos os santos canonisados do agiologio christão, e dos não +canonisados, inclusive o fradinho João da Neiva do Carmo. + +D. Bernardo, depois que a Joaquina e a Josepha se retiraram da egreja, +chamou de parte o abbade, e perguntou-lhe se devia dar alguma coisa á +ama do engeitado e afilhado. O abbade era de opinião que a mulher +merecia recompensa. + +--Dando-lhe dois pintos cada mez?--perguntou o fidalgo. + +--Paga v. ex.ª mui bizarramente, sr. D. Bernardo--disse o padre. + +Simão cresceu e medrou. No fim d'um anno, ensaiava os primeiros passos +ao lado da filha da Josepha. Foram desmamados ao mesmo tempo; e, d'ahi +por diante, a tigela de sopas era commum dos dois. A Josepha criou uma +grande affeição pelo pequeno. Isto causou um grande pasmo entre as +vizinhas, que estavam costumadas a ver tratar os engeitados com +desapiedado abandono das mulheres que os recebiam. + +--Não, que uma coisa assim!--diziam ellas admiradas.--O pequeno parece +filho d'ella! + +A unica differença sensivel aos olhos dos circumstantes era esta: quando +acontecia ir D. Bernardo por casa do Cosme, a mulher obrigava o Simão a +beijar a mão do fidalgo, acto respeitoso e humilde, a que não sugeitava +a filha. O pequeno olhava o padrinho com o terror instinctivo nas +crianças para com as pessoas graves, que os não amimam. Mas, afinal, o +habito quasi lhe venceu a repugnancia; e, ao cabo de dois annos, com +quanto a presença do fidalgo ainda o constrangesse e esfriasse no meio +das suas alegres brincadeiras com a Magdalena, chegava-se a elle, +humilde, e pedia-lhe a benção, balbuciante e tremulo: + +--A sua benção, meu padrinho! + +Decorreram os annos, sem alteração digna de chronica no desenvolvimento +do rapaz. Sahiu delicado de feições, de cabellos castanhos, os olhos +claros e uma pelle fina e branca, muito sensivel aos ardores do sol do +estio e aos nordestes asperos do inverno. + +Se acontecia demorar-se com Magdalena fóra de casa, pelo meio dos +campos, com a cabeça exposta ao sol, carminavam-se-lhe as faces, e +recolhia a pingar sangue pelo nariz. Á noite a Josepha, quando o +deitava, chegava-lhe vinagre ao nariz e aos pulsos; e, apalpando-lhe o +ventre, achava-lhe sempre uma pontinha de febre. Este facto +entristecia-a. + +--És um pelem, meu filho!--dizia-lhe no outro dia, olhan\-do o pequeno +com piedosa ternura. + +No inverno, constipava-se frequentemente. E em quanto a Magdalena, +forte, robusta, sadia, com as bochechas rosadas e luzidias como uma maçã +madura, brincava fóra, chapinando nas poças do caminho, o Simão ficava +em casa, muito enroupado, friorento, agachado a um canto junto da mãe. + +Pela volta dos oito annos, o pequeno principiou a andar muito triste. +Não queria brincar. Até então, era elle o companheiro inseparavel da +Magdalena e dos filhos da Joaquina do Espinhal. Logo que principiava a +nascer nos campos o centeio, o Simão preparava as palheiras com o visco, +collocava-as em sitio apropriado, e escondido com os amigos entre as +giestas dos vallados, espreitava d'ali que os pardaes cahissem. Jogava o +eixo e o botão com os rapazes que sahiam da escola. A Magdalena +preferia-o a todos. Não a largava nunca; e se o Simão, nas duvidas do +jogo, se pegava com alguns rapazes mais alentados, Magdalena punha-se da +banda d'elle, e arremettia valentemente. + +Mas o Simão principiou a não querer sahir. Ia a Magdalena para a rua, e +ficava elle sósinho em casa, encostado á janella, vendo a brincar de +dentro dos vidros. Andava muito pallido e murcho; e, se se encostava +sobre uma caixa, adormecia. + +--Tu tens morrinha, rapaz--dizia-lhe a Josepha assustada e +afflicta.--Tu, que te doe, menino? + +O rapaz não se queixava; mas a Josepha não tinha socego. + +Foi um dia de manhã, quando o Simão almoçava ao pé de Magdalena, que a +Josepha reparou que elle engolia o pão com esforço. Chamou-o logo junto +de si, e apalpou-lhe o pescoço. Sob a pressão dos dedos sentiu a dureza +dos ganglios enfartados por detraz das orelhas. + +--Tens humores frios, filho!--exclamou ella com uma voz +dilacerante.--Doe-te? + +As duas crianças, ao verem a cara assustada e afflictiva da mãe, +desataram ambas uma risada. + +--Não doe nada, não, minha mãe--asseverava elle. + +N'esse mesmo dia, a Josepha vestiu-lhe camisa lavada e o melhor fato, e +foi com elle a casa do padrinho. + +--A Lena não vem?--perguntava o Simão com pena de a deixar só. + +Pelo caminho, a idéa da separação aterrava-o. + +--Eu não torno a ver a Lena, minha mãe?--insistia elle, virando para a +Josepha os olhos supplicantes. + +Ao chegarem a casa de D. Bernardo, a mulher explicou o motivo da visita. + +--O pequeno sahiu enfezadito, meu senhor. Anda triste, come pouco, e +agora veja v. ex.ª + +E expunha aos olhos do fidalgo o cachaço rubro e inchado do rapaz. + +--Apalpe aqui. Vê v. ex.ª? O rapazinho padece de humores frios. + +D. Bernardo apalpou; e, ao ver ali o engeitado, com a carita muito +pallida, magro, abatido, com a tristeza melancolica das crianças doentes +o que é como um presentimento da morte, teve sincera commiseração. + +--Leve-o de meu mando ao cirurgião--disse elle.--E o que receitar, que +lh'o aviem na botica por minha conta. + +E quando a Josepha ia a sahir chamou-a atraz. + +--Olhe, mulherzinha; e precisando de mais alguma coisa appareça por +aqui. + +O cirurgião receitou ferruginosos e banhos do mar. + +Por esse tempo, recebeu D. Bernardo uma carta da irmã freira, dizendo +que o medico lhe prescrevera o uso de banhos do mar. Para não incommodar +o mano, tinha indagado no recolhimento se alguma senhora iria ás praias; +mas, infelizmente, nenhuma ia! Era uma desgraça! + +Respondeu o morgado que pedisse a mana ao sr. arcebispo licença para +sahir e iria elle acompanhal-a á Povoa de Varzim, logo que findassem as +vindimas. Accrescentava que levaria comsigo um engeitado seu afilhado, +que padecia de escrofulas. Recommendava-lhe que pedisse saude e a graça +de Deus, que trabalhos e canceiras não faltavam n'este mundo! + +No meado de outubro, por um tempo secco, mas um pouco frio dos ventos +outomniços, appareceu na Tojeira a irmã do fidalgo seguida de uma criada +velha. + +Resolveram partir na madrugada do dia seguinte para a Povoa. + +Na vespera, antes de se deitar, esteve a Josepha a apertar n'uma pequena +trouxa a roupinha do engeitado. + +--Tu porta-te bem, Simão--recommendava-lhe ella.--Olha que aquelles +fidalgos são os teus bemfeitores. Ouviste? + +O pequeno ouvia-a sem poder falar. Sentia comprimida a garganta e os +olhos embaciados de lagrimas. Passou quasi toda a noite em claro. A idéa +da separação proxima fazia o chorar copiosamente. + +Escondia a cabeça debaixo do lençol; e alli, collado á parede, chorava e +soluçava baixinho, com receio de acordar a Lena. Só muito tarde, +prostrado pela commoção, é que adormeceu. + +Rompia a luz da madrugada pelas frinchas da janella, quando a Josepha se +levantou. Chegou-se á cama do pequeno, abanou-o e acordou-o. + +--Simão, ó Simão! + +O rapaz ergueu-se atarantado. + +--Veste-te, filho. Anda, que são horas. + +O Simão saltou abaixo da cama, e principiou a vestir-se de vagar, +atordoado, sem dar tino do que fazia. + +A Josepha ajudava-o com o coração opprimido, mas fingindo não +comprehender a tortura do pequeno. + +--Não faças bulha, que acordas a Lena--recommendou ella a meia voz. + +Mas do leito da mãe, a Lena ouviu e respondeu: + +--Eu não durmo, minha mãe. + +E sentou-se na cama, para se vestir á pressa. + +Quando o pequeno estava vestido e prompto, a Josepha sobraçou a trouxa, +e disse resolutamente: + +--Vamos, filho, vamos. + +A Lena tambem queria ir. + +A mãe oppoz-se, dizendo que estava a manhã muito fria. Lena desatou a +chorar, voltada para o lado. + +Na occasião que a Josepha abriu a porta da casa para sair, o Simão ficou +um momento hesitante e ancioso. Appro\-ximou-se da Magdalena; e, com um +sorriso contrafeito, como a querer suster as lagrimas, despediu-se com +uma voz suffocada: + +--Adeus, Lena. + +A pequena não respondeu. Com as costas voltadas para elle, immovel no +meio do quarto, encolheu os hombros. + +--Adeus, Lena--repetiu elle mais alto e a chorar. + +Então a pequena, n'uma grande effusão de ternura, lan\-çando-lhe os +braços ao pescoço, beijou-o repetidas vezes: + +--Adeus, Simão. + +E quando o engeitado ia já longe, pelo atalho fóra, ao lado da mãe, +Magdalena da porta da casa seguia-o com os olhos cheios de lagrimas e +dizia-lhe baixinho adeus, acenando com a mão: + +---Adeus, Simão! Adeus! + + * * * * * + +A familia da Tojeira esteve um mez a banhos na Povoa de Varzim. Habitava +uma casa pequena na rua da Junqueira. A sr.ª D. Leonarda levantava-se de +madrugada, e ia para a praia, seguida da criada e do Simão. + +Nos primeiros dias, o pequeno sentiu um horror extraordinario pelo mar. + +Entrava na barraca a tremer e a chorar, pedindo a Deus que o matasse! + +A sr.ª D. Leonarda, a sós com elle, falava-lhe com aspereza e de +sobrecenho carregado. O rapazito reprimia as primeiras lagrimas, e +ouvia-a com submissão e humildade. + +--Pois o sr. D. Bernardo e eu--gritava a freira--a termos toda a +caridade por ti, e tu, ingrato, ainda choras! + +E, como Simão, com a cabecinha baixa como um réo convicto, principiasse +a soluçar, e as lagrimas lhe cahissem em fio, D. Leonarda indignada, +levantava a voz e gesticulava convulsa: + +--Tu porque choras, rapaz? Ingrato!--e, olhando sobre o hombro, +observava com ironica piedade:--Sempre has de mostrar que és filho do +peccado! + +Diante de extranhos, no grupo das senhoras que lhe falavam, a freira de +S. Salvador mudava de tom. Tinha uma voz meliflua, vagarosa, e, dando +aos olhos uma feição terna, dizia do rapaz: + +--É um engeitadinho, que o mano protege. Elle é que o não +merece!--accrescentava D. Leonarda, azedando a voz.--É muito ingrato! +Ah! nem v. ex.^as fazem idéa! Depois, quasi confidencialmente, +explicava: + +--Sempre estes desgraçados hão de mostrar que vieram a este mundo contra +a vontade de Nosso Senhor! + +Simão ouvia isto sem levantar os olhos. De volta para casa, a freira não +cessava de o reprehender. + +Um dia, na ausencia de D. Bernardo, D. Leonarda, durante o almoço, +esteve constantemente a gritar ao pequeno. Simão, sentado defronte, +ouvia-a silencioso, sorvendo o café a pequeninos golos. D. Leonarda, no +auge da sua irritação, gritou-lhe: + +--Levanta a cabeça, rapaz! Deixa o café. O rapazinho poisou logo a +chicara e o pão, engoliu com esforço o bocado que mastigava, e deixou +pender os braços. + +Não pôde comer mais. + +Os unicos momentos felizes durante o mez que esteve na Povoa eram os que +passava na varanda da casa, depois do jantar, em quanto D. Bernardo e D. +Leonarda dormiam a sesta. Na cosinha, a criada, sentada n'uma cadeira +junto da janella que deitava para uma horta, cabeceava. Simão +atravessava então o corredor em bicos de pés, e ia debruçar-se no +peitoril da varanda, distraido a ver na rua a concorrencia de banhistas. +A vista da gente da aldeia alegrava-o. Todas as raparigas da altura da +Magdalena, vistas de longe, lhe pareciam a irmã.--Se fosse!--pensava +elle. Estava uma tarde muito entretido a olhar um saltimbanco que +trabalhava no largo da fonte, quando ouviu que o chamavam da rua. Era a +Joaquina do Espinhal. O pequeno, assim que a reconheceu, sentiu o +coração pular-lhe de jubilo. A Joaquina perguntou-lhe como estava, e +deu-lhe muitas saudades da Lena. + +--Tu ainda te lembras d'ella?--perguntava a visinha. + +Elle respondia affirmativamente e ficava muito vermelho, quasi a chorar. +Pediu á Joaquina que esperasse um instante. Foi ao quarto em que dormia, +tirou d'uma gaveta a medalha do Bom Jesus, que lhe dera D. Leonarda, e +desceu com ella á rua para a enviar á irmã. + +Logo que sahiu a porta, D. Leonarda assomou á varanda. Observou de cima +o pequeno entregar á vizinha a medalha que lhe tinha dado. Teve um +accesso de indignação, e esteve para gritar, mas conteve-a a idéa do +escandalo. + +Quando a mulher se separou, a freira berrou para baixo ao Simão, que +tinha ficado parado á porta da rua: + +--Ó rapaz! Sobe! + +E mostrou-lhe tamanha indignação nos olhos arregalados, que o pequeno +subiu as escadas a tremer, e a supplicar baixinho de mãos postas: + +--Ai! minha Nossa Senhora! Valei-me, que ella mata-me! + +Apenas chegou ao patamar, D. Leonarda inquiriu com voz ameaçadora: + +--Quem te deu licença de entregares áquella mulher a medalha que te dei? + +E, como o pequeno não respondesse, applicou-lhe uma bofetada com tamanha +violencia, que o fez cambalear e cahir para traz, batendo com a cabeça +na esquina do degráo. + +--Pedaço de maroto!--rosnava a freira convulsa.--Levan\-ta-te! + +E fitava os olhos coruscantes sobre o Simão, sem reparar que elle ficára +ali, sem sentidos, estendido sobre o patamar, com um fio de sangue a +escorrer-lhe da nuca! + + * * * * * + +O engeitado esteve oito dias de cama, com assistencia de facultativo. +Havia receio de que ao abalo da queda sobreviesse uma meningite. Se se +declarasse, dizia o medico, o caso era grave e podia ser fatal! + +Ao cahir da tarde, accommettia-o uma febre intensa, que o fazia delirar. +N'essas crises, deitado de costas; com as faces affogueadas e os olhos +muito brilhantes e fixos n'um ponto vago, o doente falava e gesticulava, +proferindo repetidas vezes o nome da mãe e da Lena. D. Bernardo, sentado +ao lado, perguntava-lhe com voz carinhosa: + +--Tu que dizes? + +Simão, como se despertasse no meio d'um pezadello, voltava os olhos para +D. Bernardo, e estremecia. + +--Tu que queres, Simão?--insistia o fidalgo, apalpando-lhe a fronte +esbrazeada. + +O pequeno recuava para o fundo da cama, assustado, com os olhos +espantados e a tremer. + +--Não quero a senhora--balbuciava elle tranzido e a chorar.--Ella +mata-me! Ai! eu quero a minha mãe! Ó meu padrinho, a senhora mata-me. + +E segurava com força a mão de D. Bernardo, olhando para a porta com +terror da presença da freira. + +D. Bernardo, no dia em que o pequeno foi castigado, censurára a +brutalidade da irmã. + +--Não são modos de tratar as crianças, mana--tinha elle dito. + +D. Leonarda replicou com azedume; e, quando D. Bernardo lhe pediu que se +calasse, a freira retirou-se da sala com modo altivo, resmungando pelo +corredor: + +--Eu já o presumia! Bem me quiz parecer que para afilhado, era muito +amor! + +Denunciára-se a freira! A suspeita de que o engeitado fosse filho do +irmão tinha-a sobresaltado. Nutrira sempre a esperança de ficar herdeira +universal da casa da Tojeira. Á primeira noticia da existencia do +afilhado, todos os seus calculos ambiciosos se abalaram. Teve o receio +instinctivo do mendigo, que vê concorrente á mesma porta! Recebeu o +pequeno com fingida ternura e piedade, mal podendo conter, mais tarde, o +rancor que a sua presença lhe inspirava. + +Quando reparou que elle estava desmaiado aos seus pés, a escorrer +sangue, assaltou-a um sentimento de terror, julgando que o tinha morto. +Chamou em altos brados pela criada, que appareceu no mesmo instante. O +rapaz foi transportado em braços para o leito. Ao chegar D. Bernardo a +casa, a criada referiu o que tinha succedido, desculpando a senhora da +melhor maneira que pôde. + +--Onde está a sr.ª D. Leonarda?--perguntou o morgado com ar grave e +carrancudo. + +--Está no quarto--respondeu a velha.--A senhora tambem ficou doente. +Isto abalou-a muito. + +Ao quarto dia a febre remittiu. Os receios do facultativo +desvaneceram-se. No fim de uma semana, o doente sahiu da cama para uma +cadeira da sala. + +Caminhava amparado ao braço do padrinho, muito desfallecido de forças, +pallido e tremulo. A freira via então o pequeno duas vezes por dia. +Falava-lhe sem rancor, mas visivelmente constrangida. + +Durante a enfermidade, a tal ponto D. Bernardo se affeiçoou ao afilhado, +que passava os dias sentado junto d'elle, conversando e lendo-lhe d'alto +as noticias dos jornaes. + +--Quando voltarmos para a terra--dizia-lhe elle--has de tambem aprender +a ler. Queres? + +--Quero, meu padrinho--respondia o Simão. + +Um instante depois, perguntava: + +--E a Lena? + +--A Lena tambem ha de aprender como tu. + + * * * * * + +Á noitinha, logo depois do toque das _ave-marias_, a Josepha chegava á +porta a chamar os filhos, que andavam fóra a brincar. + +--Venham estudar, que é noite. + +E accendia a candeia, que pendurava n'um gancho da parede superior a uma +meza de pinho. Sentava-se depois ao lado, com a roca mettida á cinta, a +fiar. + +Como a mestra curava mais de ensinar ás discipulas a meia e a costura, +pondo em ultimo logar a leitura e a escripta, o Simão, em poucos dias, +adiantou-se na lição á Magdaena. Por isso era elle quem, estudada a sua, +ensinava a lição á irmã. Debruçados sobre o mesmo livro, com as cabeças +chegadas uma á outra, Simão ia apontando com o dedo as syllabas que +Magdalena soletrava: + +--_Ma-ri-nha._ + +E erguia os olhos do livro, hesitante, fitando-os em Simão, que a +animava risonho. + +--Marinha--dizia a pequena. O Simão irradiava de jubilo. + +--Bem!--exclamava elle.--Agora para diante. + +Então apparecia uma palavra enorme, que era um martyrio para Magdalena. +Era ainda o Simão que a auxiliava amorosa e pacientemente, Fazendo-a +reter bem as primeiras syllabas. Diziam simultaneamente: + +--_Na-tu-ra-li-da-de._ + +E se a Magdalena dizia bem, o Simão, n'um impeto de contentamento, +tomava-lhe a cabeça entre as mãos, e beijava-a na testa. + +--Muito bem, Lena, muito bem! + +No dia seguinte, sahiam de casa juntos para a escola. Mettiam por um +atalho aberto no meio d'um pinhal. Era um caminho triste e sombrio, com +um chão humido e molle todo sulcado pelas rodas dos carros e murado +d'ambos os lados pelos taludes barrentos, onde, no inverno, escorriam as +chuvas. Acabava n'um terreno baixo desmoutado e areiento, ao qual vinham +dar as aguas d'um regueiro. Á tardinha vinha ali beber uma revoada de +pombas brancas. Mais adiante, o caminho bifurcava-se pelo meio de campos +de milho. Junto ao portão d'uma quinta murada havia um grande sobreiro, +a cujo tronco estava arrumada uma pedra tosca coberta de musgo +requeimado. Era ali que os dois pequenos tinham de se separar, mettendo +Magdalena por uma azinhaga, onde ficava a mestra-regia, e Simão por +outro lado, na direcção da escola dos rapazes. Nunca o faziam, porém, +sem se sentarem algum tempo a conversar. N'esses instantes Simão contava +á irmã os acontecimentos da Povoa de Varzim. Magdalena ouvia-o muito +attenta, com os olhos abertos, que se embaciavam de lagrimas nos lances +mais commoventes. + +--Eu perguntava sempre á mãe quando tu vinhas--dizia Magdalena, +enxugando os olhos nas costas da mão.--Não gostava de estar sem ti. Olha +Simão--pedia ella, lançando-lhe um braço sobre os hombros--agora, nunca +mais has de ir embora, não? + +--Quem sabe lá!--respondia o engeitado, incerto do futuro, muito triste, +com os olhos fitos n'um grupo de arvores, que havia defronte... + +Ás vezes, no inverno, quando um aguaceiro os surprehendia no caminho, +corriam a abrigar-se debaixo d'aquella arvore. Ficavam ambos ali, muito +achegados ao tronco, e tão esquecidos e abstractos, que nem davam tino +da chuva que escorria dos ramos--como os dois namorados vistos por +Diderot! + +Decorreram assim tres annos. + +Magdalena já costurava e bordava com tal perfeição, que era o espanto +das visinhas. Quando a Josepha mostrou uma toalha de linho bordada pela +filha, para ser offerecida ao fidalgo da Tojeira, a Joaquina do Espinhal +levantou nos braços a rapariga, beijou a na bocca e exclamou: + +--És uma rosa, Magdalena! Louvado seja Deus! Tens umas mãos, que são uma +riqueza! + +O Simão lia correntemente, escrevia com boa caligraphia, sabia as quatro +operações, e até já auxiliava o mestre. Era o decurião da aula. Os +discipulos mais venturosos eram ensinados por elle, propenso sempre á +complacencia e ao perdão, em quanto os desafortunados se viam nas mãos +do sr. mestre, um velhote estupido e rabujento, que se vingava das +horrendas miserias a que o lançavam os governos relapsos no calote, +macerando as mãosinhas tenras das crianças com estrondosas palmatoadas! + +Um domingo, na occasião em que os freguezes da missa sahiam da egreja +para o adro, o mestre-escola foi ao encontro de D. Bernardo, que vinha +da porta lateral da sachristia, e deu-lhe do afilhado as melhores +informações. Era uma grande cabeça que ali se perdia, se o deixassem +seguir a lavoura--dizia elle. O pequeno, além d'isso, era fraco e +doente; e parece que estava talhado para seguir a vida ecclesiastica. + +D. Bernardo recolheu a casa, pensando no que o mestre lhe dissera. Era +realmente preciso tratar do futuro do afilhado. Se a vocação o não +contrariasse, a vida tranquilla de sacerdote era a que mais se coadunava +com as qualidades physicas do pequeno. Passados dois dias chamou-o a +jantar comsigo. No fim, perguntou-lhe se queria ser padre. O pequeno não +respondeu. Poz-se a correr entre os dedos a dobra da toalha, com os +olhos no prato e sem proferir palavra. + +--Queres, ou não queres?--insistiu D. Bernardo. + +--Não, senhor--respondeu o pequeno a medo. + +Desejava seguir uma vida que o não affastasse da Magdalena. O fidalgo +discordou. Ponderou com palavras carinhosas que era preciso seguir uma +carreira que o fizesse um homem de bem. Elle que o mandára á escola, não +era de certo para o deixar ficar assim, sem um modo de vida... + +--Não,--disse D. Bernardo--se não queres ser padre, ninguem te fórça. +Serás outra coisa. Mas previne a tua mãe de que para a semana has de ir +para Braga. + +O pequeno desatou a chorar. + +--Não chores--disse-lhe D. Bernardo, que se recordava das scenas da +Povoa--não chores. Vaes para um collegio de meninos como tu; e nas +ferias vae tua mãe buscar-te para vires á terra! + +A proposito, e para desanuvear o coração do afilhado, contou-lhe varias +brincadeiras do seu tempo de collegial. + + * * * * * * * * * * + +Simão foi acompanhado pela Josepha a casa do padre Barreiros, na rua da +Conega, em Braga. A mulher entregou uma carta do fidalgo da Tojeira. O +padre montou os oculos, e leu a recommendação do seu amigo e antigo +protector. + +--Muito bem--disse no fim, retirando os oculos, e dobrando a +carta.--Então, este pequeno é o afilhado do sr. D. Bernardo? + +--É, meu senhor--respondeu a Josepha. + +--E é seu filho?--perguntou o padre. + +A Josepha hesitou na resposta. Olhou para o pequeno, e disse baixinho: + +--Elle é engeitado; mas quem o criou fui eu. + +Na tarde d'esse mesmo dia o Simão entrava como alumno interno no +collegio de Jesuitas do _Campo das hortas_. + +Foi recebido carinhosamente pelo director--um homem alto, rubicundo, +vestido com uma ampla batina de clerigo. O padre Barreiros mostrou a +carta do fidalgo da Tojeira, e accrescentou: + +--O meu amigo é um dos membros mais valiosos do partido do sr. D. +Miguel! Este pequeno é seu afilhado; e, pelos modos, o sr. D. Bernardo +dedica-o aos estudos. + +Os primeiros dias foram uma nova tortura para o pobre coração do +engeitado! Andava pelos cantos da casa a chorar. A cada momento, +chegava-se ás janellas, e detinha-se a contemplar a paizagem. Faziam-lhe +inveja os homens que trabalhavam no campo. Procurava ver entre o +arvoredo o caminho por onde viera para Braga, e ia seguindo quasi +instinctivamente a estrada, que ora se perdia encoberta pela ramaria dos +carvalhos, ora surgia em retalho n'uma clareira para apparecer depois ao +longe, ondeando pela encosta acima, muito branca entre a verdura do +monte!... + +Mas ao terceiro dia, o director chamou-o ao quarto, e entregou-lhe um +pacote de livros, batendo-lhe carinhosamente na cara. Recommendou-lhe +que estudasse muito. + +--Ouviste? Para seres agradavel a Deus, Nosso Senhor, e aos teus paes. + +O Simão retirou-se vivamente commovido. A idéa de que tinha de estudar +todos aquelles livros, despertava-lhe na alma um agradavel sentimento de +orgulho! + +Nas ferias do Natal, o padre Barreiros foi buscal-o ao collegio, e +enviou-o para a terra, muito recommendado a um almocreve, que passava +perto da Tojeira. O pequeno não cabia em si de contente! Caminhava ao +lado do recoveiro, revendo com immenso prazer os sitios por onde tinha +passado mezes antes, quando viera para o collegio. Ia impaciente! A cada +passo perguntava: + +--Agora já devemos estar perto? O almocreve dizia: + +--Ainda temos muito que andar. + +E continuavam os dois pela estrada fóra, sem dizerem palavra. O +almocreve, segurando no sovaco a arreata do primeiro macho da recova, +caminhava n'um passo regular, assobiando. O Simão ia ao lado. A +perspectiva triste e melancolica da paizagem n'uma manhã fria de +dezembro tinha para elle encantos indefinidos! As arvores despidas da +folhagem, os campos sem verdura, o ceo baixo e ennevoado, toda aquella +desolação do inverno apresentava-se a elle com um aspecto risonho e +seductor! + +--Ainda temos muito caminho a andar?--tornava elle ancioso. + +O almocreve respondia: + +--Vê o menino além aquella ermida, que fica na chapada? pois em lá +chegando, já póde ver o telhado da casa do fidalgo da Tojeira. + +Era ainda uma boa meia hora de caminhada! Quando iam a dobrar uma curva +da estrada, Simão soltou um grito de alegria, e deitou a correr para a +frente. Ao longe, vinha a Lena ao lado da mãe para o esperarem no +caminho. A pequena correu tambem; e apenas se encontraram, abraçaram-se +os dois n'uma grande expansão de ternura! + +O pequeno teve umas ferias deliciosas. O padrinho tinha recebido +excellentes informações dos padres do collegio. O alumno era +intelligente, estudioso e bem comportado. + +--Se tiveres sempre juizo--recommendava-lhe D. Bernardo +satisfeito--podes ainda vir a ser um doutor! Queres? + +O Simão não respondia. Ruborisava-se todo e, olhando para Lena, que +assistia ao lado, sorriam-se os dois! + +Na vespera de voltar Simão para Braga, a Lena deu-lhe uma pequenina cruz +de metal suspensa d'uma fita verde. + +--Toma--disse, ella, pondo-lhe a fita ao pescoço.--É a cruz de Nosso +Senhor, que eu beijo sempre ao deitar. Não te esqueças de fazer o mesmo, +não, Simão? + + * * * * * + +N'esse dia, um mez depois das ferias, o director, antes de terminarem as +autos, mandou reunir na grande sala d'estudo todo o collegio. Ao lado +d'elle collocaram-se os professores e os prefeitos. O director subiu ao +estrado, e pronunciou de lá um longo discurso, falando em amor de Deus, +em humildade, em dedicação ao estudo, em obediencia a mestres, e +superiores! Os alumnos, agglomerados na vasta sala, ouviam +silenciosamente, n'uma compostura grave, com os braços cahidos ao longo +do corpo. Ia distribuir-se um premio a um estudante, que pela sua +applicação, pela sua intelligencia e pelo seu comportamento exemplar, se +tornava digno d'aquelia distincção honrosa! + +O director fez uma pausa, e em seguida proferiu com voz cheia e solemne +o nome do alumno distincto: + +--Simão Ferreira, filho de... + +E, como na registo não houvesse designação de nome dos paes, emendou: + +--Natural de S. Silvestre. + +O Simão sahiu d'entre a multidão, muito vermelho e commovido, +adiantando-se na sala com um passo hesitante. O director fel-o subir ao +estrado; e, collocando a mão sobre a cabeça do pequeno, proferiu ainda +uma breve allocução laudatoria, e entregou-lhe um livro encadernado em +marroquim azul com letras doiradas no frontispicio. Os professores +bateram palmas, abraçaram o estudante; e Simão atravessou por entre os +condiscipulos no meio d'uma saudação enthusiastica! + +Á tarde, quando estava no recreio, um criado veiu chamal-o para ir á +presença do sr. director. Ao entrar na sala, Simão viu ao lado do +director o padre Barreiros. Tinham ambos um ar sombrio e pesado. O +director, logo que o pequeno entrou, disse-lhe pausadamente, pondo-lhe +uma mão no hombro: + +--Meu filho! O sr. padre Barreiros acaba de me annunciar a morte do teu +padrinho... + +O Simão fez-se pallido, e volveu para o padre os olhos marejados de +lagrimas. + +--Morreu hontem de repente--disse o padre Barreiros. + +--Por isso--continuou o director--vaes-te vestir para ires com o sr. +padre Barreiros. Não sei se voltarás para o collegio, meu filho. Se não +vieres, lembra-te sempre dos teus amigos, e continua a ser obediente e +trabalhador. + +O pequeno tinha o presentimento vago de que na sua vida aquelle +acontecimento funesto devia ser de alta importancia. Ficou meio +atordoado, como se viesse de assistir a uma catastrophe! + +Que iriam fazer d'elle, sem o auxilio do seu padrinho? + +Esteve dois dias mettido em casa do padre Barreiros. Ao cabo d'esse +tempo, o padre disse-lhe, durante o jantar, que o sr. D. Bernardo tinha +morrido repentinamente, sem deixar testamento. + +Simão mal comprehendia o alcance d'aquella revelação; mas, pelo modo +como o padre falava, pareceu-lhe que era de gravidade o caso. + +--Procurei a mana no convento--proseguiu o padre Bar\-reiros--e +perguntei-lhe se queria continuar a proteger-te. Disse-me que o não +fazia, por ora, sem saber o valor da sua casa. Ahi tens tu, Simão, como +estão as coisas! Por isso, entendo que deves procurar outro modo de +vida. Tens hoje treze annos, sabes ler, escrever e contar, um bocado de +francez e de latim. Deves seguir o commercio para, em pouco tempo, +poderes proteger a mãe que te criou, que ha de carecer do teu amparo. +Queres? + +De todas as considerações feitas pelo padre, Simão concluiu apenas que +estava desamparado, e que era preciso trabalhar! Disse que sim, que +fizesse o sr. padre Barreiros o que entendesse. + +No dia immediato, o padre Barreiros foi procurar um sobrinho +estabelecido com loja de ferragens na _Fonte da Corcova_, e +offereceu-lhe o pequeno. O ferragista annuiu; mas declarou logo que o +facto do rapaz ter andado no collegio «era o diabo»! Elle preferia os +que sahiam das aldeias, sujeitos a toda a casta de trabalhos. Emfim, uma +vez que o tio queria... + +Simão entrou para a loja ao anoitecer. O patrão falou-lhe com ar +carrancudo, tratando-o por tu, e dando-lhe a entender que, se o recebia, +era por ser do agrado do tio. Simão não respondeu. + +O tratamento grosseiro e aspero do patrão e do caixeiro mais velho da +loja, a rudeza do trabalho, as condições pessimas do quarto em que +dormia, sem luz, com pouco ar, entre quatro paredes humidas e pegajosas, +a lida continua desde o amanhecer ate á noite, transformaram em pouco +tempo o pobre rapaz, como se o minasse uma doença grave. Tinha perdido a +côr sadia e a vontade de comer. Dormia mal, sobresaltado por aquella +subita mudança nos habitos da sua vida! O patrão obrigava-o a trabalhos +pesados; e, quando o via fraquejar sob o pezo das grandes cargas de +ferragem, gritava-lhe:--Anda, avia-te! Quem não póde, arreia! Não sei de +que te serve a comida! + +E outras brutalidades, que melindravam e aviltavam o pequeno. + +De uma vez, chamou-o para pesar n'uma grande balança, que havia ao fundo +da loja, n'um armazem escuro e frio, umas canastras de fechaduras. +Simão, com o suor a escorrer-lhe na testa, segurava a cesta d'um lado, o +patrão do outro, e, a um impulso simultaneo, collocavam-n'a sobre o +prato da balança. Á terceira carga, o pequeno não pôde mais, e deixou +cahir das mãos a canastra. O patrão deu um salto, e applicou-lhe dois +pontapés valentes, dados com a biqueira do tamanco. Simão principiou a +chorar. + +--Mexe-te--berrava o ferragista--mexe-te, ou levas outros! + +Na madrugada do dia seguinte, quando o caixeiro o foi acordar para ir +para a loja, Simão queixou-se d'uma forte dôr de cabeça, e pediu-lhe que +o deixassem ficar na cama. Logo que o patrão appareceu, o caixeiro +disse-lhe que o rapaz estava doente. + +--Eu lá vou!--rosnou ameaçador o ferragista; e entrou no quarto do +rapaz, ordenando que se levantasse immedia\-tamente.--Eu tiro-te o mimo, +meu menino!--dizia elle ao pequeno.--O que tu tens é ronha, grande +mandrião! + +Simão ergueu-se a tremer de frio. Vestiu-se á pressa, e desceu para a +loja, adiante das ameaças e injurias do patrão. Passado um instante, +vendo que o caixeiro se tinha ausentado, levantou a porta do mostrador, +e fugiu para a rua. O patrão, que o avistara do fundo do armazem, saltou +fóra, e veiu agarral-o por uma orelha no _Campo da vinha_. Quando se viu +preso, Simão julgou-se perdido. Foi levado para casa, perseguido de +successivos pontapés. Umas mulheres que passavam, pararam na rua, ao ver +a furia do homem, e compadecidas do rapazinho, que, a cada momento se +voltava para traz, pedindo perdão com as mãos postas: + +--Perdôe ao rapazinho--imploravam ellas segurando o +ferragista.--Perdôe-lhe por esta vez. sr. José. + +O ferragista, porém, era implacavel. + +Chegado a casa, subiu com o rapaz a uma sala do andar superior, fel-o +despir a jaqueta e as calças, pegou n'um junco, e gritou-lhe pallido e +tremulo de raiva: + +--Ajoelhe-se, e peça perdão! + +Simão cahiu de joelhos no sobrado, e ergueu as mãos. + +--Agora--disse o ferragista--vamos ao correctivo. + +E, com o junco vibrado com toda a força, principiou a vergastar as +costas do rapaz. Simão retrahia-se d'encontro á parede, clamando por +soccorro. O patrão enfurecia-se mais aos brados do padecente, e, cego de +indignação, quasi sem respirar, n'um impeto convulso de fera, saltou +sobre o rapaz a bater-lhe com tanta violencia, que o fez cahir no chão, +soltando gritos afflictivos, com as costas retalhadas e a escorrer em +sangue! + +O patrão cançado e offegante abriu então a porta da sala, e sahiu. + +Simão, quando se viu só, ergueu-se d'um impeto, desceu á pressa as +escadas, e saltou para a rua a gritar. Ao dar meia duzia de passos, +cahiu extenuado sobre o lagedo do passeio. + +Reuniu-se muita gente em volta d'elle. As mulheres, em grande alarido, +davam _morras!_ contra o malfeitor. + +Alguns homens tentaram levantar do chão o pequeno; mas as mulheres +oppozeram-se. Uma d'ellas retirou um lençol d'uma trouxa que levava á +cabeça, e embrulhou n'elle o rapazito. + +--Matem este patife!--gritavam as mulheres raivosas, com as lagrimas a +saltarem-lhes dos olhos.--Matem! + +A multidão crescia. Logo que constou no mercado, quasi todas as +vendedeiras acudiram a ver. O Simão ia já levado nos braços d'uma, com a +cabeça pendente no hombro d'ella, quando d'entre o povo, que seguia +atraz, se ouviu este grito dilacerante: + +--Ai! que elle é o meu filho! + +E uma pobre mulher da aldeia correu para elle afflicta com os braços +abertos. Era a Josepha, que, n'esse dia, tinha vindo a Braga. Andava a +mercar na feira umas camisolas, que ia levar ao filho. Ao ouvir os +clamores do mulherio, adiantou-se para ver. Pobre mulher! + +Tomou ella o Simão nos braços; e, perdida pela afflicção, caminhava á +toa, sem destino, lamentando que lhe tinham matado o filho do seu +coração. + +--Leve-o ao hospital--disseram as mulheres que a acompanhavam. + +Atravessaram as ruas, seguidas da multidão, que ia engrossando de cada +vez vez mais, ate ao largo dos Remedios. Chegadas ao hospital de S. +Marcos, a Josepha entrou só, subindo as escadas a chorar. O facultativo +fez deitar o pequeno, observou-lhe as contusões do corpo, e disse: + +--O homem que fez isto deve ser preso! + +O pequeno só cobrou os sentidos, quando lhe applicaram as compressas de +arnica sobre os vergões. Principiou a gemer, e a chamar pela mãe. + +--Eu estou aqui, Simão--dizia a Josepha debruçando-se sobre elle.--Não +chores, meu filho. + +--Eu morro, minha mãe--dizia o pequeno, segurando-lhe as mãos, e +levantando para ella os olhos supplicantes e cheios de lagrimas. + +O povo, que acompanhou o Simão ao hospital, desandou em grande turba +para casa do ferragista. Ali, ajuntou-se a um magote, que estava já +estacionado á porta. O patrão tinha desapparecido da loja. Ao canto do +balcão, o caixeiro, muito assustado pelo aspecto ameaçador da gente, não +se mexia. + +--Morra o patife!--gritou uma mulher. + +--Morra! repetiram as outras. + +E a multidão cresceu sobre a loja. + +Foi precisa a intervenção da auctoridade, reclamada pelos visinhos do +ferragista. + +O administrador appareceu seguido do escrivão e de alguns policias, e +ordenou ao povo que se dispersasse. + +--Não sahimos, sem que o malvado seja preso--berrou um operario face a +face ao administrador. + +O agente da auctoridade entrou na loja. Passado pouco tempo a policia +foi reforçada pela cavallaria, que conseguiu dispersar o ajuntamento. E, +logo em seguida, o ferragista, pallido, a tremer, olhando assustado para +os dois lados da rua, atravessou-a a correr, entre policias, para dar +entrada na cadeia! + + * * * * * + +No outro dia de manhã, o medico do hospital mandou collocar o biombo em +volta da cama do Simão. + +--Está a manifestar-se a congestão--explicou elle baixo á enfermeira. + +Os outros doentes da enfermaria, quando viram o medico falar +confidencialmente, olharam uns para os outros, desconfiados, com um ar +abatido e triste. Ao longo de toda a sala havia um grande silencio, +percursor do silencio frio da morte. Os serventes do hospital +atravessavam por entre as filas das camas em bicos de pés. + +Ás nove horas, a enfermeira acendeu as velas de cêra de dois tocheiros, +que ladeavam a imagem do Senhor crucificado, ao fundo da sala. Em +seguida aproximou-se do leito do Simão. Estava deitado de costas, com os +olhos fixos já meio embaciados... Respirava com oppressão; e a bocca +entre-aberta formava-lhe um traço escuro na pallidez cadaverica do +rosto. + +--Quer alguma coisa?--disse-lhe a enfermeira ao ouvido. + +--A minha mãe?--perguntou baixo o moribundo. + +--Ainda não veiu. + +Houve uma grande pausa. + +--Quando ella vier--pediu o Simão com uma voz debil--se eu tiver +morrido, dê-lhe a cruz que tenho ao pescoço; sim? + +Parou um instante para respirar, e accrescentou: + +--É para a Lena. + +A enfermeira tentou animal-o, dizendo-lhe que elle havia de melhorar. + +Simão fez um leve sorriso de descrença, e respondeu: + +--Eu bem sei que morro... Ouvi o medico dizel-o ha pouco... Ai! já me +falta o ar! Oh! minha mãe! + +Quando a Josepha chegou á porta do hospital, o sino da capella começava +a tocar a agonia! + +A enfermeira esperou-a no patamar, e disse-lhe que o filho estava a +morrer. Havia então na sala um silencio lugubre! Alguns enfermos, +sentados no leito, murmuravam orações, com as mãos postas em supplica. +Ouvia-se, de quando em quando, um gemido que partia do biombo. + +A Josepha foi direita á cama do Simão. Estava a expirar! Ainda +reconheceu a mãe; porque, fixando n'ella os olhos quasi apagados, +procurou com anciedade a Lena. Como a não visse, rebentaram-lhe duas +grossas lagrimas, e murmurou baixinho: + +--Adeus! + +E estremeceu todo, exhalando o ultimo alento n'uma aspiração tremula, +como um suspiro de alivio! + + +Coimbra, fevereiro de 1884. + + +Á +VENDA +NA +Livraria de Antonio Maria PEREIRA +50--Rua Augusta--52 +LISBOA + +_Amores á beira-mar_, conto por Alberto Braga, 200 réis. + +_Ás mães e ás filhas_, contos de Caïel, 2.ª edição, +500 réis. + +_O mysterio da estrada de Cintra_, romance de +Ramalho Ortigão e Eça de Queiroz, 2.ª edição, 600 réis. + +_Rei ou impostor?_, romance historico por José +de Torres, 500 réis. + +_Digressões e novellas_, por Bulhão Pato, 600 réis. + +_Romance d'um rapaz pobre_, por Octavio Feuillet, +traducção de Camillo Castello Branco. Esplendida edição illustrada, +em grande formato, magnifico papel, soberbas gravuras, capa em chromo, +etc. 1 vol. + + + + + + +End of the Project Gutenberg EBook of O Engeitado, by Alberto Braga + +*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK O ENGEITADO *** + +***** This file should be named 25594-8.txt or 25594-8.zip ***** +This and all associated files of various formats will be found in: + https://www.gutenberg.org/2/5/5/9/25594/ + +Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images +of public domain material from Google Book Search) + + +Updated editions will replace the previous one--the old editions +will be renamed. + +Creating the works from public domain print editions means that no +one owns a United States copyright in these works, so the Foundation +(and you!) can copy and distribute it in the United States without +permission and without paying copyright royalties. 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It exists +because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from +people in all walks of life. + +Volunteers and financial support to provide volunteers with the +assistance they need, is critical to reaching Project Gutenberg-tm's +goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will +remain freely available for generations to come. In 2001, the Project +Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure +and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations. +To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation +and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4 +and the Foundation web page at https://www.pglaf.org. + + +Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive +Foundation + +The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit +501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the +state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal +Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification +number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at +https://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg +Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent +permitted by U.S. federal laws and your state's laws. + +The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S. +Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered +throughout numerous locations. Its business office is located at +809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email +business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact +information can be found at the Foundation's web site and official +page at https://pglaf.org + +For additional contact information: + Dr. Gregory B. Newby + Chief Executive and Director + gbnewby@pglaf.org + + +Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg +Literary Archive Foundation + +Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide +spread public support and donations to carry out its mission of +increasing the number of public domain and licensed works that can be +freely distributed in machine readable form accessible by the widest +array of equipment including outdated equipment. Many small donations +($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt +status with the IRS. + +The Foundation is committed to complying with the laws regulating +charities and charitable donations in all 50 states of the United +States. 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Donations are accepted in a number of other +ways including including checks, online payments and credit card +donations. To donate, please visit: https://pglaf.org/donate + + +Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic +works. + +Professor Michael S. Hart was the originator of the Project Gutenberg-tm +concept of a library of electronic works that could be freely shared +with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project +Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support. + + +Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed +editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S. +unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily +keep eBooks in compliance with any particular paper edition. + + +Most people start at our Web site which has the main PG search facility: + + https://www.gutenberg.org + +This Web site includes information about Project Gutenberg-tm, +including how to make donations to the Project Gutenberg Literary +Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to +subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks. diff --git a/25594-8.zip b/25594-8.zip Binary files differnew file mode 100644 index 0000000..c922a06 --- /dev/null +++ b/25594-8.zip diff --git a/25594-h.zip b/25594-h.zip Binary files differnew file mode 100644 index 0000000..6c0767c --- /dev/null +++ b/25594-h.zip diff --git a/25594-h/25594-h.htm b/25594-h/25594-h.htm new file mode 100644 index 0000000..2502217 --- /dev/null +++ b/25594-h/25594-h.htm @@ -0,0 +1,2084 @@ +<!DOCTYPE HTML PUBLIC "-//W3C//DTD HTML 4.01 Transitional//EN" "http://www.w3.org/TR/html4/loose.dtd"> +<html> +<head> +<title>O Engeitado</title> +<meta name="AUTHOR" content="Alberto Braga"> +<meta http-equiv="Content-Type" content="text/html; charset=iso-8859-1"> +<meta name="KEYWORDS" content=""> +<style type="text/css"> +@media print { +.pagenum { display: none;} +} +@media handheld { +.pagenum { display: none;} +} +body {width: 520px; margin-left: 90px; text-align: justify;} +.pagenum {font-size: 0.6em; font-style: normal;color: #666666; +position:absolute; left: 630px;} +.capa {text-align: center; border: solid 1px #000000;} +hr { +border: none; +border-bottom: solid 2px #000000; +text-align: center; +} +a {text-decoration: none;} +sup {font-size: 0.8em;} +h1, h2, h3, h4, h5, h6 {text-align: center;} +.small-caps { +font-variant: small-caps; +} +.direita { +text-align: right; +} +.centrado { +text-align: center; +} +.poesia { +margin: 2em; +text-align: left; +} +.citacao { +margin-left: 50%; +text-align: left; +} +blockquote { +font-size: 0.8em; +} +#rodape { +font-size: 0.8em; +margin: 2em; +} +#corpo p{ +text-indent: 1em; +} +#rodape p{text-indent: 0;} +</style> +</head> +<body> + + +<pre> + +The Project Gutenberg EBook of O Engeitado, by Alberto Braga + +This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with +almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or +re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included +with this eBook or online at www.gutenberg.org + + +Title: O Engeitado + +Author: Alberto Braga + +Release Date: May 25, 2008 [EBook #25594] + +Language: Portuguese + +Character set encoding: ISO-8859-1 + +*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK O ENGEITADO *** + + + + +Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images +of public domain material from Google Book Search) + + + + + + +</pre> + +<br> +<br> +<br> +<br> +<h2>Sala das Perolas</h2> +<br> +<br> +<br> +<br> +<div class="capa"> +<p> +<span style="font-size: 2em">SALA</span> +<br> +<small>DAS</small> +<br> +<span style="font-size: 4em">PEROLAS</span> +</p> + +<P>Contos Modernos</p> +<br> +<br> +<br> +<br> +<br> +<br> +<br> +<br> +<p> +<small>LISBOA +<br> +—— +<br> +LIVRARIA DE ANTONIO MARIA PEREIRA +<br> +<em>50—Rua Augusta—52</em> +<br> +—— +<br> +M DCCC LXXX VIII</small></p> +</div> +<br> +<br> +<br> +<br> +<h2>O ENGEITADO</h2> +<br> +<br> +<br> +<br> +<div class="capa"> +<h2>ALBERTO BRAGA</h2> + +<hr style="width: 20%;"> +<br> +<br> +<br> +<br> +<p style="font-size: 4em">O ENGEITADO.</p> +<br> +<br> +<br> +<br> +<br> +<br> +<br> +<br> +<p>LISBOA +<br> +<em>TYP. E STEREOTYPIA MODERNA</em> +<br> +<em>11—Apostolos—11</em> +<br> +1888</p> +</div> +<br> +<br> +<br> +<br> +<H1>O ENGEITADO</H1> + +<div id="corpo"> +<P> +A Joaquina do Espinhal tinha ido, no fim da tarde, lavar ao rio a +roupa dos pequenos. Era no mez de dezembro. A agua corria por entre +os choupos, fria e levemente encrespada pela brisa que soprava do +norte. Joaquina do Espinhal, com as saias arregaçadas na cintura, +as pernas mettidas na agua ate ao joelho, ensaboava a roupa e batia-a +com força sobre a pedra poida e lustrosa do lavadouro. + +<P> +Da outra banda, pelo carreiro que havia á beira do rio, passou o filho +do moleiro a tanger os machos. O rapaz ia tranzido de frio, com a +golla da jaqueta apanhada para as orelhas, a assobiar alto. Assim +que reconheceu a lavadeira, parou, fincou a mão ao tronco d'uma arvore, +e, debruçando-se sobre o rio, perguntou de lá: + +<P> +—Vocemecê não tem frio? + +<P> +A Joaquina aprumou-se e respondeu: + +<P> +<A NAME="6"></A>—Ai! és tu, Jeronymo! Frio? Quem fala n'isso? Quando a +gente tem filhos, não deita conta a nada. Onde ides? + +<P> +—Vou levar a fornada a casa do sr. doutor. + +<P> +—Pois vae com Deus, vae. + +<P> +Mas o rapaz deixou-se ficar immovel a olhar para ella. Os machos iam +tosando nas silvas. + +<P> +—Que frio!—exclamava elle todo arripiado. + +<P> +—Credo! Se eu a visse ahi de noite, diabos me levem se não deitava +a fugir com medo! + +<P> +A lavadeira ria-se. + +<P> +—Medo de quê, rapaz? + +<P> +—Sume-te!—dizia o moleiro.—De noite, só as bruxas é que veem +lavar aos rios... Adeusinho, tia Joaquina. + +<P> +—Adeus, ó Jeronymo. + +<P> +Era já noite, quando a Joaquina voltou para casa, carregada com o +alguidar da roupa molhada á cabeça. Atravessou uma bouça; e, quando +ia a transpor o portello, que dava para a estrada, estacou de repente. +Tinha ouvido uns gemidos vagos ali perto. Debaixo da lagem do portello, +por entre o tojo, alvejava alguma coisa que se movia. Cuidou ao principio +que fosse um cão; e ia a dar-lhe com a ponteira da chinella, quando +os gemidos se repetiram. + +<P> +—Elle que dianho é? + +<P> +Poisou resolutamente o alguidar no primeiro degráo do portello, abaixou-se +para examinar de perto; e, ao levantar uma ponta da trouxa, viu uma +criança recemnascida, nua, embrulhada n'um lençol velho. Tomou logo +a creança nos braços, e, achegando-a ao calor do peito, exclamava +commovida: + +<P> +—Ó meu rico filho! Que grande cadella foi a tua mãe! Que grande +desavergonhada! + +<P> +<A NAME="7"></A>Quando entrou em casa, o marido estava com os dois pequenos +sentado ao calor da lareira. A Joaquina correu o ferrolho interior +da porta, e, chegando-se junto do homem, apresentou-lhe nos braços +o engeitado. + +<P> +—Aqui tens este leitão. + +<P> +O João do Espinhal poz-se logo de pé muito espantado. A criança, livida +de frio, ao sentir o calor do lume, agitava-se no lençol, abria os +olhos e a bocca, procurando com impaciencia e avidez o leite do seio +materno. + +<P> +—Meu rico anjinho!?—exclamava a Joaquina, bafejando-lhe as mãosinhas.—Que +frio e que fome que tu tens! + +<P> +Referiu ao homem como encontrára, ao voltar do rio, aquelle innocentinho +abandonado no meio do tojo. + +<P> +—Se o não topo no caminho, a criancinha a esta hora tinha morrido +de frio. + +<P> +—Mas tu que lhe queres fazer?—perguntou o marido, passado um momento +de surpresa. + +<P> +—Que lhe quero fazer!! Vou d'aqui pedir á mulher do Cosme que chegue +o peito a este innocente; e ámanhã veremos então a volta que lhe hei +de dar. + +<P> +O João, immovel e callado, com os olhos postos na labareda da lareira, +coçava a nuca. O que elle não queria era augmentar os encargos da +familia com mais um extranho. A féria de pedreiro, que recebia aos +sabbados, mal lhe chegava para o sustento da mulher e dos dois filhos; +agora, se a Joaquina teimasse em ficar com o engeitado... + +<P> +—É uma dos diabos!—pensava elle, franzindo os beiços. + +<P> +A Joaquina sahiu de casa com a criança ao <A NAME="8"></A> collo, e voltou +pouco depois, explicando ao homem o que tinha succedido. A Josepha +do Cosme tomava conta do innocente, chegava-lhe o peito; mas queria +que alguem desse parte ao regedor, porque não estava para se metter +em trabalhos. + +<P> +—Porque—dizia a mulher—o leite que tenho, graças a Deus, chega +bem para elle, sem o tirar á filha; mas, sr.ª Joaquina, é preciso +que alguem de futuro tome conta da criança... + +<P> +A Joaquina combinou com a visinha irem no dia seguinte a casa do regedor; +e depois talvez que o fidalgo da Tojeira tivesse dó do engeitainho, +e tomasse conta d'elle. E senão—insistia ella—tomo eu! Pois! Onde +houver um bocado de pão para os filhos, ha de haver uma migalha para +o innocente. + +<P> +O João ouvia isto contrariado e sisudo, mas sem replicar. Mandou deitar +os pequenos. Quando despiu a jaqueta, para se metter tambem na cama, +encostou-se á ilharga da enxerga, e voltando-se para a mulher perguntou: + +<P> +—Mas, ó mulher, e se o fidalgo o não quizer? Sim; vamos a futurar +que o fidalgo, que é teimoso com'a burro, não está por o que vocês +lhe dizem? + +<P> +—Adeus!—replicou peremptoriamente a Joaquina, encolhendo os hombros.—Ao +monte não atiro eu outra vez o innocente! + +<P> +No dia seguinte, a Josepha do Cosme vestiu uma camisa velha á creanca, +embrulhou-a n'uma baeta escarlate, e com ella ao collo, foi ter com +a Joaquina. Sahiram ambas para casa do regedor. A Joaquina referiu +o caso, com grandes injurias contra a desalmada que abandonou assim +o filho por um inverno d'aquelles! O regedor, <A NAME="9"></A> que era sugeito +circunspecto e methodico, entendia que o verdadeiro era irem d'ali +a casa do abbade. + +<P> +—Primeiro que tudo, mulheres—ponderou elle—vamos a fazer d'isto +uma alma christã. Uma de vocês serve-lhe de madrinha, e então o fidalgo, +se estiver por isso, que seja o padrinho. + +<P> +Pozeram-se a caminho da residencia. + +<P> +O abbade tinha engrolado á pressa o latim da missa do dia, com grande +appetite do café quente do almoço. Ia a sair apressadamente da egreja, +quando viu entrar no adro as duas mulheres acompanhadas pelo regedor. + +<P> +—Vae torta!—resmungou elle, a tiritar de frio, com as mãos entanguidas +enfiadas nos bolsos das calças. Parou no limiar; e, logo que ellas +se aproximaram:—Que temos? Perguntou com modo desabrido, batendo +com ambos os pés na soleira da porta. + +<P> +A Joaquina repetiu outra vez deante do abbade o mesmo que tinha dito +ao regedor. + +<P> +—Mas quem será a mãe?—perguntava elle, tentando descobrir nas +feições indecisas da criança uma denuncia. + +<P> +—Quem sabe lá, sr. abbade—dizia a Josepha. + +<P> +E com a dobra da mantilha resguardava dos olhares cupidos e profanos +do padre o peito alvo e apojado em que a criança mamava. + +<P> +—Mas que grande bebeda, sr. abbade!—rosnava a Joaquina.—Que +grande... com licença de v. sr.ª... que grande cabra! + +<P> +O abbade replicou-lhe: + +<P> +—Não insulte as cabras, mulher; não insulte as cabras, que essas +não engeitam os filhos. + +<P> +Combinou-se ali em que as duas mulheres fossem pedir ao morgado para +ser o padrinho. + +<P> +<A NAME="10"></A>—E se elle acceder—disse o abbade, safando-se para +a residencia—mandem-me parte, que eu baptiso-o hoje mesmo. Vivam! + +<P> +O fidalgo da Tojeira era madrugador. Andava já a passear ao sol da +varanda alpendrada da casa, quando o criado lhe veiu annunciar que +a do João do Espinhal e a do Cosme lhe queriam falar. + +<P> +—Que venham aqui. + +<P> +Entrou, á frente, a Joaquina do Espinhal, seguida da mulher do Cosme. +Ao principio, o morgado disse que não. Na sua opinião, quem faz os +filhos que os crie. Elle não estava ali para remediar as poucas vergonhas +do mundo. A Joaquina, porém, não desanimava; e, em quanto o fidalgo +passeiava ao longo da varanda, obstinado no seu proposito, a mulher +ajuntava supplica sobre supplica, e nas costas d'elle ia piscando +o olho matreiro á visinha. Instado por fortes razões humanitarias, +o fidalgo cedeu. + +<P> +—Pois bem—disse elle, parando do seu passeio.—Eu irei ser o +padrinho; mas uma de vocês que se encarregue de o criar. + +<P> +O engeitado foi baptisado ás tres horas da tarde d'esse mesmo dia. +Na sachristia o abbade, em quanto enfiava a sobrepeliz em frente do +arcaz, lamentava que se tivesse dado aquelle caso na freguezia. + +<P> +—Mas quem será o maroto do pae!—perguntava o fidalgo. + +<P> +—Quem sabe lá, sr. D. Bernardo! Nem talvez a propria mãe! Isto hoje, +meu senhor, o mundo vae todo assim! + +<P> +D. Bernardo, quando se offerecia ensejo gostava de chalacear. + +<P> +—Pois, abbade—replicou elle—pae tem a <A NAME="11"></A> criança; salvo +se ellas fazem como as egoas de Virgilio, lembra-se? + +<P> +<BLOCKQUOTE> +<em><SMALL>.......................et saepe sine ullis</SMALL></em> +<br> +<em><SMALL>Conjugiis vento gravidae (mirabile dictu!)</SMALL></em></BLOCKQUOTE> + +<p> +O pequeno recebeu na pia baptismal o nome de Simão. Foi o que occorreu +á lembrança do padrinho, que tivera assim chamado outro afilhado, +morto de meningite uma semana depois de baptisado. + +<P class="centrado"> +:==: + +<P> +D. Bernardo da Cunha era um velho celibatario, egoista e avarento. +Assignava a <em>Nação</em> e o <em>Bem Publico</em>; mas lia o <em>Primeiro +de Janeiro</em>, que lhe dava a cotação exacta dos fundos portuguezes. + +<P> +Por tradições de familia, dizia-se legitimista, com quanto na sua +consciencia os correligionarios enthusiastas e crentes não passassem +d'um <em>bando de visionarios</em>. + +<P> +Vivia retirado do contacto do mundo, entre as velhas e sombrias paredes +do seu solar; mas, á cautella, ia seguindo, dia a dia, as cambalhotas +da politica constitucional, e sobre tudo a influencia que ella exercia +na alta e baixa das inscripções. Era como um passageiro esperto d'esta +velha nau combalida e desconjuntada, que tem thesouro com que possa +salvar-se, no caso de naufragio! + +<P> +Quando acontecia que algum velho padre correligionario ia á Tojeira, +e fallava com voz pungente da immoralidade dos governos, das torpezas +das eleições, da dissolução dos costumes e da perda irreparavel do +paiz, o morgado, ouvidas <A NAME="12"></A> as lamentações do Jeremias, encrespava +nos labios um sorriso zombeteiro, e exclamava: + +<P> +—Isto, meu caro amigo, está a acabar. É tudo uma bandalheira! + +<P> +Parecia uma phrase de Tacito, escrevendo <em>sine ira et studio</em>, +a historia da dissolução dos romanos! + +<P> +Era senhor de um morgadio avultado. Tinha uma irmã mais nova, senhora +de 59 annos, professa no convento de S. Salvador, em Braga, que lhe +escrevia de longe em longe, falando-lhe muito dos seus achaques, e +de todos os santos canonisados do agiologio christão, e dos não canonisados, +inclusive o fradinho João da Neiva do Carmo. + +<P> +D. Bernardo, depois que a Joaquina e a Josepha se retiraram da egreja, +chamou de parte o abbade, e perguntou-lhe se devia dar alguma coisa +á ama do engeitado e afilhado. O abbade era de opinião que a mulher +merecia recompensa. + +<P> +—Dando-lhe dois pintos cada mez?—perguntou o fidalgo. + +<P> +—Paga v. ex.ª mui bizarramente, sr. D. Bernardo—disse o padre. + +<P> +Simão cresceu e medrou. No fim d'um anno, ensaiava os primeiros passos +ao lado da filha da Josepha. Foram desmamados ao mesmo tempo; e, d'ahi +por diante, a tigela de sopas era commum dos dois. A Josepha criou +uma grande affeição pelo pequeno. Isto causou um grande pasmo entre +as vizinhas, que estavam costumadas a ver tratar os engeitados com +desapiedado abandono das mulheres que os recebiam. + +<P> +—Não, que uma coisa assim!—diziam ellas admiradas.—O pequeno +parece filho d'ella! + +<P> +<A NAME="13"></A>A unica differença sensivel aos olhos dos circumstantes +era esta: quando acontecia ir D. Bernardo por casa do Cosme, a mulher +obrigava o Simão a beijar a mão do fidalgo, acto respeitoso e humilde, +a que não sugeitava a filha. O pequeno olhava o padrinho com o terror +instinctivo nas crianças para com as pessoas graves, que os não amimam. +Mas, afinal, o habito quasi lhe venceu a repugnancia; e, ao cabo de +dois annos, com quanto a presença do fidalgo ainda o constrangesse +e esfriasse no meio das suas alegres brincadeiras com a Magdalena, +chegava-se a elle, humilde, e pedia-lhe a benção, balbuciante e tremulo: + +<P> +—A sua benção, meu padrinho! + +<P> +Decorreram os annos, sem alteração digna de chronica no desenvolvimento +do rapaz. Sahiu delicado de feições, de cabellos castanhos, os olhos +claros e uma pelle fina e branca, muito sensivel aos ardores do sol +do estio e aos nordestes asperos do inverno. + +<P> +Se acontecia demorar-se com Magdalena fóra de casa, pelo meio dos +campos, com a cabeça exposta ao sol, carminavam-se-lhe as faces, +e recolhia a pingar sangue pelo nariz. Á noite a Josepha, quando o +deitava, chegava-lhe vinagre ao nariz e aos pulsos; e, apalpando-lhe +o ventre, achava-lhe sempre uma pontinha de febre. Este facto entristecia-a. + +<P> +—És um pelem, meu filho!—dizia-lhe no outro dia, olhando o +pequeno com piedosa ternura. + +<P> +No inverno, constipava-se frequentemente. E em quanto a Magdalena, +forte, robusta, sadia, com as bochechas rosadas e luzidias como uma +maçã madura, brincava fóra, chapinando nas poças do <A NAME="14"></A> caminho, +o Simão ficava em casa, muito enroupado, friorento, agachado a um +canto junto da mãe. + +<P> +Pela volta dos oito annos, o pequeno principiou a andar muito triste. +Não queria brincar. Até então, era elle o companheiro inseparavel +da Magdalena e dos filhos da Joaquina do Espinhal. Logo que principiava +a nascer nos campos o centeio, o Simão preparava as palheiras com +o visco, collocava-as em sitio apropriado, e escondido com os amigos +entre as giestas dos vallados, espreitava d'ali que os pardaes cahissem. +Jogava o eixo e o botão com os rapazes que sahiam da escola. A Magdalena +preferia-o a todos. Não a largava nunca; e se o Simão, nas duvidas +do jogo, se pegava com alguns rapazes mais alentados, Magdalena punha-se +da banda d'elle, e arremettia valentemente. + +<P> +Mas o Simão principiou a não querer sahir. Ia a Magdalena para a rua, +e ficava elle sósinho em casa, encostado á janella, vendo a brincar +de dentro dos vidros. Andava muito pallido e murcho; e, se se encostava +sobre uma caixa, adormecia. + +<P> +—Tu tens morrinha, rapaz—dizia-lhe a Josepha assustada e afflicta.—Tu, +que te doe, menino? + +<P> +O rapaz não se queixava; mas a Josepha não tinha socego. + +<P> +Foi um dia de manhã, quando o Simão almoçava ao pé de Magdalena, que +a Josepha reparou que elle engolia o pão com esforço. Chamou-o logo +junto de si, e apalpou-lhe o pescoço. Sob a pressão dos dedos sentiu +a dureza dos ganglios enfartados por detraz das orelhas. + +<P> +—Tens humores frios, filho!—exclamou ella com uma voz dilacerante.—Doe-te? + +<P> +<A NAME="15"></A>As duas crianças, ao verem a cara assustada e afflictiva +da mãe, desataram ambas uma risada. + +<P> +—Não doe nada, não, minha mãe—asseverava elle. + +<P> +N'esse mesmo dia, a Josepha vestiu-lhe camisa lavada e o melhor fato, +e foi com elle a casa do padrinho. + +<P> +—A Lena não vem?—perguntava o Simão com pena de a deixar só. + +<P> +Pelo caminho, a idéa da separação aterrava-o. + +<P> +—Eu não torno a ver a Lena, minha mãe?—insistia elle, virando +para a Josepha os olhos supplicantes. + +<P> +Ao chegarem a casa de D. Bernardo, a mulher explicou o motivo da visita. + +<P> +—O pequeno sahiu enfezadito, meu senhor. Anda triste, come pouco, +e agora veja v. ex.ª + +<P> +E expunha aos olhos do fidalgo o cachaço rubro e inchado do rapaz. + +<P> +—Apalpe aqui. Vê v. ex.ª? O rapazinho padece de humores frios. + +<P> +D. Bernardo apalpou; e, ao ver ali o engeitado, com a carita muito +pallida, magro, abatido, com a tristeza melancolica das crianças doentes +o que é como um presentimento da morte, teve sincera commiseração. + +<P> +—Leve-o de meu mando ao cirurgião—disse elle.—E o que receitar, +que lh'o aviem na botica por minha conta. + +<P> +E quando a Josepha ia a sahir chamou-a atraz. + +<P> +—Olhe, mulherzinha; e precisando de mais alguma coisa appareça por +aqui. + +<P> +O cirurgião receitou ferruginosos e banhos do mar. + +<P> +Por esse tempo, recebeu D. Bernardo uma carta da irmã freira, dizendo +que o medico lhe <A NAME="16"></A> prescrevera o uso de banhos do mar. Para +não incommodar o mano, tinha indagado no recolhimento se alguma senhora +iria ás praias; mas, infelizmente, nenhuma ia! Era uma desgraça! + +<P> +Respondeu o morgado que pedisse a mana ao sr. arcebispo licença para +sahir e iria elle acompanhal-a á Povoa de Varzim, logo que findassem +as vindimas. Accrescentava que levaria comsigo um engeitado seu afilhado, +que padecia de escrofulas. Recommendava-lhe que pedisse saude e a +graça de Deus, que trabalhos e canceiras não faltavam n'este mundo! + +<P> +No meado de outubro, por um tempo secco, mas um pouco frio dos ventos +outomniços, appareceu na Tojeira a irmã do fidalgo seguida de uma +criada velha. + +<P> +Resolveram partir na madrugada do dia seguinte para a Povoa. + +<P> +Na vespera, antes de se deitar, esteve a Josepha a apertar n'uma pequena +trouxa a roupinha do engeitado. + +<P> +—Tu porta-te bem, Simão—recommendava-lhe ella.—Olha que aquelles +fidalgos são os teus bemfeitores. Ouviste? + +<P> +O pequeno ouvia-a sem poder falar. Sentia comprimida a garganta e +os olhos embaciados de lagrimas. Passou quasi toda a noite em claro. +A idéa da separação proxima fazia o chorar copiosamente. + +<P> +Escondia a cabeça debaixo do lençol; e alli, collado á parede, chorava +e soluçava baixinho, com receio de acordar a Lena. Só muito tarde, +prostrado pela commoção, é que adormeceu. + +<P> +Rompia a luz da madrugada pelas frinchas da janella, quando a Josepha +se levantou. Chegou-se á cama do pequeno, abanou-o e acordou-o. + +<P> +<A NAME="17"></A>—Simão, ó Simão! + +<P> +O rapaz ergueu-se atarantado. + +<P> +—Veste-te, filho. Anda, que são horas. + +<P> +O Simão saltou abaixo da cama, e principiou a vestir-se de vagar, +atordoado, sem dar tino do que fazia. + +<P> +A Josepha ajudava-o com o coração opprimido, mas fingindo não comprehender +a tortura do pequeno. + +<P> +—Não faças bulha, que acordas a Lena—recommendou ella a meia voz. + +<P> +Mas do leito da mãe, a Lena ouviu e respondeu: + +<P> +—Eu não durmo, minha mãe. + +<P> +E sentou-se na cama, para se vestir á pressa. + +<P> +Quando o pequeno estava vestido e prompto, a Josepha sobraçou a trouxa, +e disse resolutamente: + +<P> +—Vamos, filho, vamos. + +<P> +A Lena tambem queria ir. + +<P> +A mãe oppoz-se, dizendo que estava a manhã muito fria. Lena desatou +a chorar, voltada para o lado. + +<P> +Na occasião que a Josepha abriu a porta da casa para sair, o Simão +ficou um momento hesitante e ancioso. Approximou-se da Magdalena; +e, com um sorriso contrafeito, como a querer suster as lagrimas, despediu-se +com uma voz suffocada: + +<P> +—Adeus, Lena. + +<P> +A pequena não respondeu. Com as costas voltadas para elle, immovel +no meio do quarto, encolheu os hombros. + +<P> +—Adeus, Lena—repetiu elle mais alto e a chorar. + +<P> +Então a pequena, n'uma grande effusão de <A NAME="18"></A> ternura, lançando-lhe +os braços ao pescoço, beijou-o repetidas vezes: + +<P> +—Adeus, Simão. + +<P> +E quando o engeitado ia já longe, pelo atalho fóra, ao lado da mãe, +Magdalena da porta da casa seguia-o com os olhos cheios de lagrimas +e dizia-lhe baixinho adeus, acenando com a mão: + +<P> +—Adeus, Simão! Adeus! + +<P class="centrado"> +:==: + +<P> +A familia da Tojeira esteve um mez a banhos na Povoa de Varzim. Habitava +uma casa pequena na rua da Junqueira. A sr.ª D. Leonarda levantava-se +de madrugada, e ia para a praia, seguida da criada e do Simão. + +<P> +Nos primeiros dias, o pequeno sentiu um horror extraordinario pelo +mar. + +<P> +Entrava na barraca a tremer e a chorar, pedindo a Deus que o matasse! + +<P> +A sr.ª D. Leonarda, a sós com elle, falava-lhe com aspereza e de sobrecenho +carregado. O rapazito reprimia as primeiras lagrimas, e ouvia-a com +submissão e humildade. + +<P> +—Pois o sr. D. Bernardo e eu—gritava a freira—a termos toda +a caridade por ti, e tu, ingrato, ainda choras! + +<P> +E, como Simão, com a cabecinha baixa como um réo convicto, principiasse +a soluçar, e as lagrimas lhe cahissem em fio, D. Leonarda indignada, +levantava a voz e gesticulava convulsa: + +<P> +—Tu porque choras, rapaz? Ingrato!—e, olhando sobre o hombro, +observava com ironica <A NAME="19"></A> piedade:—Sempre has de mostrar +que és filho do peccado! + +<P> +Diante de extranhos, no grupo das senhoras que lhe falavam, a freira +de S. Salvador mudava de tom. Tinha uma voz meliflua, vagarosa, e, +dando aos olhos uma feição terna, dizia do rapaz: + +<P> +—É um engeitadinho, que o mano protege. Elle é que o não merece!—accrescentava +D. Leonarda, azedando a voz.—É muito ingrato! Ah! nem v. ex.<sup>a</sup> + +fazem idéa! Depois, quasi confidencialmente, explicava: + +<P> +—Sempre estes desgraçados hão de mostrar que vieram a este mundo +contra a vontade de Nosso Senhor! + +<P> +Simão ouvia isto sem levantar os olhos. De volta para casa, a freira +não cessava de o reprehender. + +<P> +Um dia, na ausencia de D. Bernardo, D. Leonarda, durante o almoço, +esteve constantemente a gritar ao pequeno. Simão, sentado defronte, +ouvia-a silencioso, sorvendo o café a pequeninos golos. D. Leonarda, +no auge da sua irritação, gritou-lhe: + +<P> +—Levanta a cabeça, rapaz! Deixa o café. O rapazinho poisou logo +a chicara e o pão, engoliu com esforço o bocado que mastigava, e deixou +pender os braços. + +<P> +Não pôde comer mais. + +<P> +Os unicos momentos felizes durante o mez que esteve na Povoa eram +os que passava na varanda da casa, depois do jantar, em quanto D. +Bernardo e D. Leonarda dormiam a sesta. Na cosinha, a criada, sentada +n'uma cadeira junto da janella que deitava para uma horta, cabeceava. +Simão atravessava então o corredor <A NAME="20"></A> em bicos de pés, e +ia debruçar-se no peitoril da varanda, distraido a ver na rua a concorrencia +de banhistas. A vista da gente da aldeia alegrava-o. Todas as raparigas +da altura da Magdalena, vistas de longe, lhe pareciam a irmã.—Se +fosse!—pensava elle. Estava uma tarde muito entretido a olhar um +saltimbanco que trabalhava no largo da fonte, quando ouviu que o chamavam +da rua. Era a Joaquina do Espinhal. O pequeno, assim que a reconheceu, +sentiu o coração pular-lhe de jubilo. A Joaquina perguntou-lhe como +estava, e deu-lhe muitas saudades da Lena. + +<P> +—Tu ainda te lembras d'ella?—perguntava a visinha. + +<P> +Elle respondia affirmativamente e ficava muito vermelho, quasi a chorar. +Pediu á Joaquina que esperasse um instante. Foi ao quarto em que dormia, +tirou d'uma gaveta a medalha do Bom Jesus, que lhe dera D. Leonarda, +e desceu com ella á rua para a enviar á irmã. + +<P> +Logo que sahiu a porta, D. Leonarda assomou á varanda. Observou de +cima o pequeno entregar á vizinha a medalha que lhe tinha dado. Teve +um accesso de indignação, e esteve para gritar, mas conteve-a a idéa +do escandalo. + +<P> +Quando a mulher se separou, a freira berrou para baixo ao Simão, que +tinha ficado parado á porta da rua: + +<P> +—Ó rapaz! Sobe! + +<P> +E mostrou-lhe tamanha indignação nos olhos arregalados, que o pequeno +subiu as escadas a tremer, e a supplicar baixinho de mãos postas: + +<P> +—Ai! minha Nossa Senhora! Valei-me, que ella mata-me! + +<P> +<A NAME="21"></A>Apenas chegou ao patamar, D. Leonarda inquiriu com voz +ameaçadora: + +<P> +—Quem te deu licença de entregares áquella mulher a medalha que +te dei? + +<P> +E, como o pequeno não respondesse, applicou-lhe uma bofetada com tamanha +violencia, que o fez cambalear e cahir para traz, batendo com a cabeça +na esquina do degráo. + +<P> +—Pedaço de maroto!—rosnava a freira convulsa.—Levanta-te! + +<P> +E fitava os olhos coruscantes sobre o Simão, sem reparar que elle +ficára ali, sem sentidos, estendido sobre o patamar, com um fio de +sangue a escorrer-lhe da nuca! + +<P class="centrado"> +:==: + +<P> +O engeitado esteve oito dias de cama, com assistencia de facultativo. +Havia receio de que ao abalo da queda sobreviesse uma meningite. Se +se declarasse, dizia o medico, o caso era grave e podia ser fatal! + +<P> +Ao cahir da tarde, accommettia-o uma febre intensa, que o fazia delirar. +N'essas crises, deitado de costas; com as faces affogueadas e os olhos +muito brilhantes e fixos n'um ponto vago, o doente falava e gesticulava, +proferindo repetidas vezes o nome da mãe e da Lena. D. Bernardo, sentado +ao lado, perguntava-lhe com voz carinhosa: + +<P> +—Tu que dizes? + +<P> +Simão, como se despertasse no meio d'um pezadello, voltava os olhos +para D. Bernardo, e estremecia. + +<P> +—Tu que queres, Simão?—insistia o fidalgo, apalpando-lhe a fronte +esbrazeada. + +<P> +<A NAME="22"></A>O pequeno recuava para o fundo da cama, assustado, com +os olhos espantados e a tremer. + +<P> +—Não quero a senhora—balbuciava elle tranzido e a chorar.—Ella +mata-me! Ai! eu quero a minha mãe! Ó meu padrinho, a senhora mata-me. + +<P> +E segurava com força a mão de D. Bernardo, olhando para a porta com +terror da presença da freira. + +<P> +D. Bernardo, no dia em que o pequeno foi castigado, censurára a brutalidade +da irmã. + +<P> +—Não são modos de tratar as crianças, mana—tinha elle dito. + +<P> +D. Leonarda replicou com azedume; e, quando D. Bernardo lhe pediu +que se calasse, a freira retirou-se da sala com modo altivo, resmungando +pelo corredor: + +<P> +—Eu já o presumia! Bem me quiz parecer que para afilhado, era muito +amor! + +<P> +Denunciára-se a freira! A suspeita de que o engeitado fosse filho +do irmão tinha-a sobresaltado. Nutrira sempre a esperança de ficar +herdeira universal da casa da Tojeira. Á primeira noticia da existencia +do afilhado, todos os seus calculos ambiciosos se abalaram. Teve o +receio instinctivo do mendigo, que vê concorrente á mesma porta! Recebeu +o pequeno com fingida ternura e piedade, mal podendo conter, mais +tarde, o rancor que a sua presença lhe inspirava. + +<P> +Quando reparou que elle estava desmaiado aos seus pés, a escorrer +sangue, assaltou-a um sentimento de terror, julgando que o tinha morto. +Chamou em altos brados pela criada, que appareceu no mesmo instante. +O rapaz foi transportado em braços para o leito. Ao <A NAME="23"></A> chegar +D. Bernardo a casa, a criada referiu o que tinha succedido, desculpando +a senhora da melhor maneira que pôde. + +<P> +—Onde está a sr.ª D. Leonarda?—perguntou o morgado com ar grave +e carrancudo. + +<P> +—Está no quarto—respondeu a velha.—A senhora tambem ficou doente. +Isto abalou-a muito. + +<P> +Ao quarto dia a febre remittiu. Os receios do facultativo desvaneceram-se. +No fim de uma semana, o doente sahiu da cama para uma cadeira da sala. + +<P> +Caminhava amparado ao braço do padrinho, muito desfallecido de forças, +pallido e tremulo. A freira via então o pequeno duas vezes por dia. +Falava-lhe sem rancor, mas visivelmente constrangida. + +<P> +Durante a enfermidade, a tal ponto D. Bernardo se affeiçoou ao afilhado, +que passava os dias sentado junto d'elle, conversando e lendo-lhe +d'alto as noticias dos jornaes. + +<P> +—Quando voltarmos para a terra—dizia-lhe elle—has de tambem +aprender a ler. Queres? + +<P> +—Quero, meu padrinho—respondia o Simão. + +<P> +Um instante depois, perguntava: + +<P> +—E a Lena? + +<P> +—A Lena tambem ha de aprender como tu. + +<P class="centrado">:==: + +<P> +Á noitinha, logo depois do toque das <em>ave-marias</em>, a Josepha +chegava á porta a chamar os filhos, que andavam fóra a brincar. + +<P> +—Venham estudar, que é noite. + +<P> +<A NAME="24"></A>E accendia a candeia, que pendurava n'um gancho da parede +superior a uma meza de pinho. Sentava-se depois ao lado, com a roca +mettida á cinta, a fiar. + +<P> +Como a mestra curava mais de ensinar ás discipulas a meia e a costura, +pondo em ultimo logar a leitura e a escripta, o Simão, em poucos dias, +adiantou-se na lição á Magdaena. Por isso era elle quem, estudada +a sua, ensinava a lição á irmã. Debruçados sobre o mesmo livro, com +as cabeças chegadas uma á outra, Simão ia apontando com o dedo as +syllabas que Magdalena soletrava: + +<P> +—<em>Ma-ri-nha.</em> + +<P> +E erguia os olhos do livro, hesitante, fitando-os em Simão, que a +animava risonho. + +<P> +—Marinha—dizia a pequena. O Simão irradiava de jubilo. + +<P> +—Bem!—exclamava elle.—Agora para diante. + +<P> +Então apparecia uma palavra enorme, que era um martyrio para Magdalena. +Era ainda o Simão que a auxiliava amorosa e pacientemente, Fazendo-a +reter bem as primeiras syllabas. Diziam simultaneamente: + +<P> +—<em>Na-tu-ra-li-da-de.</em> + +<P> +E se a Magdalena dizia bem, o Simão, n'um impeto de contentamento, +tomava-lhe a cabeça entre as mãos, e beijava-a na testa. + +<P> +—Muito bem, Lena, muito bem! + +<P> +No dia seguinte, sahiam de casa juntos para a escola. Mettiam por +um atalho aberto no meio d'um pinhal. Era um caminho triste e sombrio, +com um chão humido e molle todo sulcado pelas rodas dos carros e murado +d'ambos os lados pelos taludes barrentos, onde, no inverno, escorriam +as chuvas. Acabava n'um <A NAME="25"></A> terreno baixo desmoutado e areiento, +ao qual vinham dar as aguas d'um regueiro. Á tardinha vinha ali beber +uma revoada de pombas brancas. Mais adiante, o caminho bifurcava-se +pelo meio de campos de milho. Junto ao portão d'uma quinta murada +havia um grande sobreiro, a cujo tronco estava arrumada uma pedra +tosca coberta de musgo requeimado. Era ali que os dois pequenos tinham +de se separar, mettendo Magdalena por uma azinhaga, onde ficava a +mestra-regia, e Simão por outro lado, na direcção da escola dos rapazes. +Nunca o faziam, porém, sem se sentarem algum tempo a conversar. N'esses +instantes Simão contava á irmã os acontecimentos da Povoa de Varzim. +Magdalena ouvia-o muito attenta, com os olhos abertos, que se embaciavam +de lagrimas nos lances mais commoventes. + +<P> +—Eu perguntava sempre á mãe quando tu vinhas—dizia Magdalena, +enxugando os olhos nas costas da mão.—Não gostava de estar sem ti. +Olha Simão—pedia ella, lançando-lhe um braço sobre os hombros—agora, +nunca mais has de ir embora, não? + +<P> +—Quem sabe lá!—respondia o engeitado, incerto do futuro, muito +triste, com os olhos fitos n'um grupo de arvores, que havia defronte... + +<P> +Ás vezes, no inverno, quando um aguaceiro os surprehendia no caminho, +corriam a abrigar-se debaixo d'aquella arvore. Ficavam ambos ali, +muito achegados ao tronco, e tão esquecidos e abstractos, que nem +davam tino da chuva que escorria dos ramos—como os dois namorados +vistos por Diderot! + +<P> +<A NAME="26"></A>Decorreram assim tres annos. + +<P> +Magdalena já costurava e bordava com tal perfeição, que era o espanto +das visinhas. Quando a Josepha mostrou uma toalha de linho bordada +pela filha, para ser offerecida ao fidalgo da Tojeira, a Joaquina +do Espinhal levantou nos braços a rapariga, beijou a na bocca e exclamou: + +<P> +—És uma rosa, Magdalena! Louvado seja Deus! Tens umas mãos, que +são uma riqueza! + +<P> +O Simão lia correntemente, escrevia com boa caligraphia, sabia as +quatro operações, e até já auxiliava o mestre. Era o decurião da aula. +Os discipulos mais venturosos eram ensinados por elle, propenso sempre +á complacencia e ao perdão, em quanto os desafortunados se viam nas +mãos do sr. mestre, um velhote estupido e rabujento, que se vingava +das horrendas miserias a que o lançavam os governos relapsos no calote, +macerando as mãosinhas tenras das crianças com estrondosas palmatoadas! + +<P> +Um domingo, na occasião em que os freguezes da missa sahiam da egreja +para o adro, o mestre-escola foi ao encontro de D. Bernardo, que vinha +da porta lateral da sachristia, e deu-lhe do afilhado as melhores +informações. Era uma grande cabeça que ali se perdia, se o deixassem +seguir a lavoura—dizia elle. O pequeno, além d'isso, era fraco e +doente; e parece que estava talhado para seguir a vida ecclesiastica. + +<P> +D. Bernardo recolheu a casa, pensando no que o mestre lhe dissera. +Era realmente preciso tratar do futuro do afilhado. Se a vocação <A NAME="27"></A> +o não contrariasse, a vida tranquilla de sacerdote era a que mais +se coadunava com as qualidades physicas do pequeno. Passados dois +dias chamou-o a jantar comsigo. No fim, perguntou-lhe se queria ser +padre. O pequeno não respondeu. Poz-se a correr entre os dedos a dobra +da toalha, com os olhos no prato e sem proferir palavra. + +<P> +—Queres, ou não queres?—insistiu D. Bernardo. + +<P> +—Não, senhor—respondeu o pequeno a medo. + +<P> +Desejava seguir uma vida que o não affastasse da Magdalena. O fidalgo +discordou. Ponderou com palavras carinhosas que era preciso seguir +uma carreira que o fizesse um homem de bem. Elle que o mandára á escola, +não era de certo para o deixar ficar assim, sem um modo de vida... + +<P> +—Não,—disse D. Bernardo—se não queres ser padre, ninguem te +fórça. Serás outra coisa. Mas previne a tua mãe de que para a semana +has de ir para Braga. + +<P> +O pequeno desatou a chorar. + +<P> +—Não chores—disse-lhe D. Bernardo, que se recordava das scenas +da Povoa—não chores. Vaes para um collegio de meninos como tu; e +nas ferias vae tua mãe buscar-te para vires á terra! + +<P> +A proposito, e para desanuvear o coração do afilhado, contou-lhe varias +brincadeiras do seu tempo de collegial. + +<P class="centrado">:==: + +<P> +<A NAME="28"></A>Simão foi acompanhado pela Josepha a casa do padre Barreiros, +na rua da Conega, em Braga. A mulher entregou uma carta do fidalgo +da Tojeira. O padre montou os oculos, e leu a recommendação do seu +amigo e antigo protector. + +<P> +—Muito bem—disse no fim, retirando os oculos, e dobrando a carta.—Então, +este pequeno é o afilhado do sr. D. Bernardo? + +<P> +—É, meu senhor—respondeu a Josepha. + +<P> +—E é seu filho?—perguntou o padre. + +<P> +A Josepha hesitou na resposta. Olhou para o pequeno, e disse baixinho: + +<P> +—Elle é engeitado; mas quem o criou fui eu. + +<P> +Na tarde d'esse mesmo dia o Simão entrava como alumno interno no collegio +de Jesuitas do <em>Campo das hortas</em>. + +<P> +Foi recebido carinhosamente pelo director—um homem alto, rubicundo, +vestido com uma ampla batina de clerigo. O padre Barreiros mostrou +a carta do fidalgo da Tojeira, e accrescentou: + +<P> +—O meu amigo é um dos membros mais valiosos do partido do sr. D. +Miguel! Este pequeno é seu afilhado; e, pelos modos, o sr. D. Bernardo +dedica-o aos estudos. + +<P> +Os primeiros dias foram uma nova tortura para o pobre coração do engeitado! +Andava pelos cantos da casa a chorar. A cada momento, chegava-se ás +janellas, e detinha-se a contemplar a paizagem. Faziam-lhe inveja +os homens que trabalhavam no campo. Procurava ver entre o arvoredo +o caminho por onde viera para Braga, e ia seguindo quasi instinctivamente +a estrada, que ora se perdia encoberta pela ramaria <A NAME="29"></A> dos +carvalhos, ora surgia em retalho n'uma clareira para apparecer depois +ao longe, ondeando pela encosta acima, muito branca entre a verdura +do monte!... + +<P> +Mas ao terceiro dia, o director chamou-o ao quarto, e entregou-lhe +um pacote de livros, batendo-lhe carinhosamente na cara. Recommendou-lhe +que estudasse muito. + +<P> +—Ouviste? Para seres agradavel a Deus, Nosso Senhor, e aos teus +paes. + +<P> +O Simão retirou-se vivamente commovido. A idéa de que tinha de estudar +todos aquelles livros, despertava-lhe na alma um agradavel sentimento +de orgulho! + +<P> +Nas ferias do Natal, o padre Barreiros foi buscal-o ao collegio, e +enviou-o para a terra, muito recommendado a um almocreve, que passava +perto da Tojeira. O pequeno não cabia em si de contente! Caminhava +ao lado do recoveiro, revendo com immenso prazer os sitios por onde +tinha passado mezes antes, quando viera para o collegio. Ia impaciente! +A cada passo perguntava: + +<P> +—Agora já devemos estar perto? O almocreve dizia: + +<P> +—Ainda temos muito que andar. + +<P> +E continuavam os dois pela estrada fóra, sem dizerem palavra. O almocreve, +segurando no sovaco a arreata do primeiro macho da recova, caminhava +n'um passo regular, assobiando. O Simão ia ao lado. A perspectiva +triste e melancolica da paizagem n'uma manhã fria de dezembro tinha +para elle encantos indefinidos! As arvores despidas da folhagem, os +campos sem verdura, o ceo baixo e ennevoado, toda aquella desolação +do inverno <A NAME="30"></A> apresentava-se a elle com um aspecto risonho +e seductor! + +<P> +—Ainda temos muito caminho a andar?—tornava elle ancioso. + +<P> +O almocreve respondia: + +<P> +—Vê o menino além aquella ermida, que fica na chapada? pois em lá +chegando, já póde ver o telhado da casa do fidalgo da Tojeira. + +<P> +Era ainda uma boa meia hora de caminhada! Quando iam a dobrar uma +curva da estrada, Simão soltou um grito de alegria, e deitou a correr +para a frente. Ao longe, vinha a Lena ao lado da mãe para o esperarem +no caminho. A pequena correu tambem; e apenas se encontraram, abraçaram-se +os dois n'uma grande expansão de ternura! + +<P> +O pequeno teve umas ferias deliciosas. O padrinho tinha recebido excellentes +informações dos padres do collegio. O alumno era intelligente, estudioso +e bem comportado. + +<P> +—Se tiveres sempre juizo—recommendava-lhe D. Bernardo satisfeito—podes +ainda vir a ser um doutor! Queres? + +<P> +O Simão não respondia. Ruborisava-se todo e, olhando para Lena, que +assistia ao lado, sorriam-se os dois! + +<P> +Na vespera de voltar Simão para Braga, a Lena deu-lhe uma pequenina +cruz de metal suspensa d'uma fita verde. + +<P> +—Toma—disse, ella, pondo-lhe a fita ao pescoço.—É a cruz de +Nosso Senhor, que eu beijo sempre ao deitar. Não te esqueças de fazer +o mesmo, não, Simão? + +<P class="centrado">:==: + +<P> +<A NAME="31"></A>N'esse dia, um mez depois das ferias, o director, antes +de terminarem as autos, mandou reunir na grande sala d'estudo todo +o collegio. Ao lado d'elle collocaram-se os professores e os prefeitos. +O director subiu ao estrado, e pronunciou de lá um longo discurso, +falando em amor de Deus, em humildade, em dedicação ao estudo, em +obediencia a mestres, e superiores! Os alumnos, agglomerados na vasta +sala, ouviam silenciosamente, n'uma compostura grave, com os braços +cahidos ao longo do corpo. Ia distribuir-se um premio a um estudante, +que pela sua applicação, pela sua intelligencia e pelo seu comportamento +exemplar, se tornava digno d'aquelia distincção honrosa! + +<P> +O director fez uma pausa, e em seguida proferiu com voz cheia e solemne +o nome do alumno distincto: + +<P> +—Simão Ferreira, filho de... + +<P> +E, como na registo não houvesse designação de nome dos paes, emendou: + +<P> +—Natural de S. Silvestre. + +<P> +O Simão sahiu d'entre a multidão, muito vermelho e commovido, adiantando-se +na sala com um passo hesitante. O director fel-o subir ao estrado; +e, collocando a mão sobre a cabeça do pequeno, proferiu ainda uma +breve allocução laudatoria, e entregou-lhe um livro encadernado em +marroquim azul com letras doiradas no frontispicio. Os professores +bateram palmas, abraçaram o estudante; e Simão atravessou por entre +os condiscipulos no meio d'uma saudação enthusiastica! + +<P> +Á tarde, quando estava no recreio, um criado veiu chamal-o para ir +á presença do sr. director. <A NAME="32"></A> Ao entrar na sala, Simão viu +ao lado do director o padre Barreiros. Tinham ambos um ar sombrio +e pesado. O director, logo que o pequeno entrou, disse-lhe pausadamente, +pondo-lhe uma mão no hombro: + +<P> +—Meu filho! O sr. padre Barreiros acaba de me annunciar a morte +do teu padrinho... + +<P> +O Simão fez-se pallido, e volveu para o padre os olhos marejados de +lagrimas. + +<P> +—Morreu hontem de repente—disse o padre Barreiros. + +<P> +—Por isso—continuou o director—vaes-te vestir para ires com +o sr. padre Barreiros. Não sei se voltarás para o collegio, meu filho. +Se não vieres, lembra-te sempre dos teus amigos, e continua a ser +obediente e trabalhador. + +<P> +O pequeno tinha o presentimento vago de que na sua vida aquelle acontecimento +funesto devia ser de alta importancia. Ficou meio atordoado, como +se viesse de assistir a uma catastrophe! + +<P> +Que iriam fazer d'elle, sem o auxilio do seu padrinho? + +<P> +Esteve dois dias mettido em casa do padre Barreiros. Ao cabo d'esse +tempo, o padre disse-lhe, durante o jantar, que o sr. D. Bernardo +tinha morrido repentinamente, sem deixar testamento. + +<P> +Simão mal comprehendia o alcance d'aquella revelação; mas, pelo modo +como o padre falava, pareceu-lhe que era de gravidade o caso. + +<P> +—Procurei a mana no convento—proseguiu o padre Barreiros—e +perguntei-lhe se queria continuar a proteger-te. Disse-me que o não +fazia, por ora, sem saber o valor da sua casa. Ahi tens tu, Simão, +como estão as coisas! Por <A NAME="33"></A> isso, entendo que deves procurar +outro modo de vida. Tens hoje treze annos, sabes ler, escrever e contar, +um bocado de francez e de latim. Deves seguir o commercio para, em +pouco tempo, poderes proteger a mãe que te criou, que ha de carecer +do teu amparo. Queres? + +<P> +De todas as considerações feitas pelo padre, Simão concluiu apenas +que estava desamparado, e que era preciso trabalhar! Disse que sim, +que fizesse o sr. padre Barreiros o que entendesse. + +<P> +No dia immediato, o padre Barreiros foi procurar um sobrinho estabelecido +com loja de ferragens na <em>Fonte da Corcova</em>, e offereceu-lhe +o pequeno. O ferragista annuiu; mas declarou logo que o facto do rapaz +ter andado no collegio «era o diabo»! Elle preferia os que sahiam +das aldeias, sujeitos a toda a casta de trabalhos. Emfim, uma vez +que o tio queria... + +<P> +Simão entrou para a loja ao anoitecer. O patrão falou-lhe com ar carrancudo, +tratando-o por tu, e dando-lhe a entender que, se o recebia, era por +ser do agrado do tio. Simão não respondeu. + +<P> +O tratamento grosseiro e aspero do patrão e do caixeiro mais velho +da loja, a rudeza do trabalho, as condições pessimas do quarto em +que dormia, sem luz, com pouco ar, entre quatro paredes humidas e +pegajosas, a lida continua desde o amanhecer ate á noite, transformaram +em pouco tempo o pobre rapaz, como se o minasse uma doença grave. +Tinha perdido a côr sadia e a vontade de comer. Dormia mal, sobresaltado +por aquella subita mudança nos habitos <A NAME="34"></A> da sua vida! O +patrão obrigava-o a trabalhos pesados; e, quando o via fraquejar sob +o pezo das grandes cargas de ferragem, gritava-lhe:—Anda, avia-te! +Quem não póde, arreia! Não sei de que te serve a comida! + +<P> +E outras brutalidades, que melindravam e aviltavam o pequeno. + +<P> +De uma vez, chamou-o para pesar n'uma grande balança, que havia ao +fundo da loja, n'um armazem escuro e frio, umas canastras de fechaduras. +Simão, com o suor a escorrer-lhe na testa, segurava a cesta d'um lado, +o patrão do outro, e, a um impulso simultaneo, collocavam-n'a sobre +o prato da balança. Á terceira carga, o pequeno não pôde mais, e deixou +cahir das mãos a canastra. O patrão deu um salto, e applicou-lhe dois +pontapés valentes, dados com a biqueira do tamanco. Simão principiou +a chorar. + +<P> +—Mexe-te—berrava o ferragista—mexe-te, ou levas outros! + +<P> +Na madrugada do dia seguinte, quando o caixeiro o foi acordar para +ir para a loja, Simão queixou-se d'uma forte dôr de cabeça, e pediu-lhe +que o deixassem ficar na cama. Logo que o patrão appareceu, o caixeiro +disse-lhe que o rapaz estava doente. + +<P> +—Eu lá vou!—rosnou ameaçador o ferragista; e entrou no quarto +do rapaz, ordenando que se levantasse immediatamente.—Eu tiro-te +o mimo, meu menino!—dizia elle ao pequeno.—O que tu tens é ronha, +grande mandrião! + +<P> +Simão ergueu-se a tremer de frio. Vestiu-se á pressa, e desceu para +a loja, adiante das ameaças e injurias do patrão. Passado um instante, +vendo que o caixeiro se tinha ausentado, levantou a porta do mostrador, +e fugiu para a rua. O <A NAME="35"></A> patrão, que o avistara do fundo +do armazem, saltou fóra, e veiu agarral-o por uma orelha no <em>Campo +da vinha</em>. Quando se viu preso, Simão julgou-se perdido. Foi levado +para casa, perseguido de successivos pontapés. Umas mulheres que passavam, +pararam na rua, ao ver a furia do homem, e compadecidas do rapazinho, +que, a cada momento se voltava para traz, pedindo perdão com as mãos +postas: + +<P> +—Perdôe ao rapazinho—imploravam ellas segurando o ferragista.—Perdôe-lhe +por esta vez. sr. José. + +<P> +O ferragista, porém, era implacavel. + +<P> +Chegado a casa, subiu com o rapaz a uma sala do andar superior, fel-o +despir a jaqueta e as calças, pegou n'um junco, e gritou-lhe pallido +e tremulo de raiva: + +<P> +—Ajoelhe-se, e peça perdão! + +<P> +Simão cahiu de joelhos no sobrado, e ergueu as mãos. + +<P> +—Agora—disse o ferragista—vamos ao correctivo. + +<P> +E, com o junco vibrado com toda a força, principiou a vergastar as +costas do rapaz. Simão retrahia-se d'encontro á parede, clamando por +soccorro. O patrão enfurecia-se mais aos brados do padecente, e, cego +de indignação, quasi sem respirar, n'um impeto convulso de fera, saltou +sobre o rapaz a bater-lhe com tanta violencia, que o fez cahir no +chão, soltando gritos afflictivos, com as costas retalhadas e a escorrer +em sangue! + +<P> +O patrão cançado e offegante abriu então a porta da sala, e sahiu. + +<P> +Simão, quando se viu só, ergueu-se d'um impeto, desceu á pressa as +escadas, e saltou para a <A NAME="36"></A> rua a gritar. Ao dar meia duzia +de passos, cahiu extenuado sobre o lagedo do passeio. + +<P> +Reuniu-se muita gente em volta d'elle. As mulheres, em grande alarido, +davam <em>morras!</em> contra o malfeitor. + +<P> +Alguns homens tentaram levantar do chão o pequeno; mas as mulheres +oppozeram-se. Uma d'ellas retirou um lençol d'uma trouxa que levava +á cabeça, e embrulhou n'elle o rapazito. + +<P> +—Matem este patife!—gritavam as mulheres raivosas, com as lagrimas +a saltarem-lhes dos olhos.—Matem! + +<P> +A multidão crescia. Logo que constou no mercado, quasi todas as vendedeiras +acudiram a ver. O Simão ia já levado nos braços d'uma, com a cabeça +pendente no hombro d'ella, quando d'entre o povo, que seguia atraz, +se ouviu este grito dilacerante: + +<P> +—Ai! que elle é o meu filho! + +<P> +E uma pobre mulher da aldeia correu para elle afflicta com os braços +abertos. Era a Josepha, que, n'esse dia, tinha vindo a Braga. Andava +a mercar na feira umas camisolas, que ia levar ao filho. Ao ouvir +os clamores do mulherio, adiantou-se para ver. Pobre mulher! + +<P> +Tomou ella o Simão nos braços; e, perdida pela afflicção, caminhava +á toa, sem destino, lamentando que lhe tinham matado o filho do seu +coração. + +<P> +—Leve-o ao hospital—disseram as mulheres que a acompanhavam. + +<P> +Atravessaram as ruas, seguidas da multidão, que ia engrossando de +cada vez vez mais, ate ao largo dos Remedios. Chegadas ao hospital +de S. Marcos, a Josepha entrou só, subindo as escadas a chorar. O +facultativo fez deitar o <A NAME="37"></A> pequeno, observou-lhe as contusões +do corpo, e disse: + +<P> +—O homem que fez isto deve ser preso! + +<P> +O pequeno só cobrou os sentidos, quando lhe applicaram as compressas +de arnica sobre os vergões. Principiou a gemer, e a chamar pela mãe. + +<P> +—Eu estou aqui, Simão—dizia a Josepha debruçando-se sobre elle.—Não +chores, meu filho. + +<P> +—Eu morro, minha mãe—dizia o pequeno, segurando-lhe as mãos, e +levantando para ella os olhos supplicantes e cheios de lagrimas. + +<P> +O povo, que acompanhou o Simão ao hospital, desandou em grande turba +para casa do ferragista. Ali, ajuntou-se a um magote, que estava já +estacionado á porta. O patrão tinha desapparecido da loja. Ao canto +do balcão, o caixeiro, muito assustado pelo aspecto ameaçador da gente, +não se mexia. + +<P> +—Morra o patife!—gritou uma mulher. + +<P> +—Morra! repetiram as outras. + +<P> +E a multidão cresceu sobre a loja. + +<P> +Foi precisa a intervenção da auctoridade, reclamada pelos visinhos +do ferragista. + +<P> +O administrador appareceu seguido do escrivão e de alguns policias, +e ordenou ao povo que se dispersasse. + +<P> +—Não sahimos, sem que o malvado seja preso—berrou um operario +face a face ao administrador. + +<P> +O agente da auctoridade entrou na loja. Passado pouco tempo a policia +foi reforçada pela cavallaria, que conseguiu dispersar o ajuntamento. +E, logo em seguida, o ferragista, pallido, a tremer, olhando assustado +para os dois lados da <A NAME="38"></A> rua, atravessou-a a correr, entre +policias, para dar entrada na cadeia! + +<P class="centrado">:==: + +<P> +No outro dia de manhã, o medico do hospital mandou collocar o biombo +em volta da cama do Simão. + +<P> +—Está a manifestar-se a congestão—explicou elle baixo á enfermeira. + +<P> +Os outros doentes da enfermaria, quando viram o medico falar confidencialmente, +olharam uns para os outros, desconfiados, com um ar abatido e triste. +Ao longo de toda a sala havia um grande silencio, percursor do silencio +frio da morte. Os serventes do hospital atravessavam por entre as +filas das camas em bicos de pés. + +<P> +Ás nove horas, a enfermeira acendeu as velas de cêra de dois tocheiros, +que ladeavam a imagem do Senhor crucificado, ao fundo da sala. Em +seguida aproximou-se do leito do Simão. Estava deitado de costas, +com os olhos fixos já meio embaciados... Respirava com oppressão; +e a bocca entre-aberta formava-lhe um traço escuro na pallidez cadaverica +do rosto. + +<P> +—Quer alguma coisa?—disse-lhe a enfermeira ao ouvido. + +<P> +—A minha mãe?—perguntou baixo o moribundo. + +<P> +—Ainda não veiu. + +<P> +Houve uma grande pausa. + +<P> +—Quando ella vier—pediu o Simão com uma voz debil—se eu tiver +morrido, dê-lhe a cruz que tenho ao pescoço; sim? + +<P> +<A NAME="39"></A>Parou um instante para respirar, e accrescentou: + +<P> +—É para a Lena. + +<P> +A enfermeira tentou animal-o, dizendo-lhe que elle havia de melhorar. + +<P> +Simão fez um leve sorriso de descrença, e respondeu: + +<P> +—Eu bem sei que morro... Ouvi o medico dizel-o ha pouco... Ai! já +me falta o ar! Oh! minha mãe! + +<P> +Quando a Josepha chegou á porta do hospital, o sino da capella começava +a tocar a agonia! + +<P> +A enfermeira esperou-a no patamar, e disse-lhe que o filho estava +a morrer. Havia então na sala um silencio lugubre! Alguns enfermos, +sentados no leito, murmuravam orações, com as mãos postas em supplica. +Ouvia-se, de quando em quando, um gemido que partia do biombo. + +<P> +A Josepha foi direita á cama do Simão. Estava a expirar! Ainda reconheceu +a mãe; porque, fixando n'ella os olhos quasi apagados, procurou com +anciedade a Lena. Como a não visse, rebentaram-lhe duas grossas lagrimas, +e murmurou baixinho: + +<P> +—Adeus! + +<P> +E estremeceu todo, exhalando o ultimo alento n'uma aspiração tremula, +como um suspiro de alivio! + +<P> + + +<P> +<small>Coimbra, fevereiro de 1884.</small></P> +</div> +<br> +<br> +<br> +<br> + +<div style="margin: 5%; padding:0.5em;border: solid 4px gray;"> +<P class="centrado"> +Á +<br> +VENDA +<br> +NA +<br> +Livraria de Antonio Maria PEREIRA +<br> +<em>50—Rua Augusta—52</em> +<br> +LISBOA + +<hr> + +<P> +<em>Amores á beira-mar</em>, conto por Alberto Braga, +200 réis. +<P> + + +<P> +<em>Ás mães e ás filhas</em>, contos de Caïel, 2.ª edição, +500 réis. +<P> + + +<P> +<em>O mysterio da estrada de Cintra</em>, romance de +Ramalho Ortigão e Eça de Queiroz, 2.ª edição, 600 réis. +<P> + + +<P> +<em>Rei ou impostor?</em>, romance historico por José +de Torres, 500 réis. +<P> + +<P> +<em>Digressões e novellas</em>, por Bulhão Pato, 600 +réis. +<P> + +<P> +<em>Romance d'um rapaz pobre</em>, por Octavio Feuillet, +traducção de Camillo Castello Branco. Esplendida edição illustrada, +em grande formato, magnifico papel, soberbas gravuras, capa em chromo, +etc. 1 vol. +</div> + + + + + + + +<pre> + + + + + +End of the Project Gutenberg EBook of O Engeitado, by Alberto Braga + +*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK O ENGEITADO *** + +***** This file should be named 25594-h.htm or 25594-h.zip ***** +This and all associated files of various formats will be found in: + https://www.gutenberg.org/2/5/5/9/25594/ + +Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images +of public domain material from Google Book Search) + + +Updated editions will replace the previous one--the old editions +will be renamed. + +Creating the works from public domain print editions means that no +one owns a United States copyright in these works, so the Foundation +(and you!) can copy and distribute it in the United States without +permission and without paying copyright royalties. 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It exists +because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from +people in all walks of life. + +Volunteers and financial support to provide volunteers with the +assistance they need, is critical to reaching Project Gutenberg-tm's +goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will +remain freely available for generations to come. In 2001, the Project +Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure +and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations. +To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation +and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4 +and the Foundation web page at https://www.pglaf.org. + + +Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive +Foundation + +The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit +501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the +state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal +Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification +number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at +https://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg +Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent +permitted by U.S. federal laws and your state's laws. + +The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S. +Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered +throughout numerous locations. Its business office is located at +809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email +business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact +information can be found at the Foundation's web site and official +page at https://pglaf.org + +For additional contact information: + Dr. Gregory B. Newby + Chief Executive and Director + gbnewby@pglaf.org + + +Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg +Literary Archive Foundation + +Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide +spread public support and donations to carry out its mission of +increasing the number of public domain and licensed works that can be +freely distributed in machine readable form accessible by the widest +array of equipment including outdated equipment. Many small donations +($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt +status with the IRS. + +The Foundation is committed to complying with the laws regulating +charities and charitable donations in all 50 states of the United +States. 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Donations are accepted in a number of other +ways including including checks, online payments and credit card +donations. To donate, please visit: https://pglaf.org/donate + + +Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic +works. + +Professor Michael S. Hart was the originator of the Project Gutenberg-tm +concept of a library of electronic works that could be freely shared +with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project +Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support. + + +Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed +editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S. +unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily +keep eBooks in compliance with any particular paper edition. + + +Most people start at our Web site which has the main PG search facility: + + https://www.gutenberg.org + +This Web site includes information about Project Gutenberg-tm, +including how to make donations to the Project Gutenberg Literary +Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to +subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks. + + +</pre> + +</BODY> +</HTML> diff --git a/LICENSE.txt b/LICENSE.txt new file mode 100644 index 0000000..6312041 --- /dev/null +++ b/LICENSE.txt @@ -0,0 +1,11 @@ +This eBook, including all associated images, markup, improvements, +metadata, and any other content or labor, has been confirmed to be +in the PUBLIC DOMAIN IN THE UNITED STATES. + +Procedures for determining public domain status are described in +the "Copyright How-To" at https://www.gutenberg.org. + +No investigation has been made concerning possible copyrights in +jurisdictions other than the United States. 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