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+Project Gutenberg's Theophilo braga e a lenda do crisfal, by Delfim Guimarães
+
+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
+almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
+re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
+with this eBook or online at www.gutenberg.org
+
+
+Title: Theophilo braga e a lenda do crisfal
+
+Author: Delfim Guimarães
+
+Release Date: May 15, 2008 [EBook #25479]
+
+Language: Portuguese
+
+Character set encoding: ISO-8859-1
+
+*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK THEOPHILO BRAGA E A LENDA ***
+
+
+
+
+Produced by Rita Farinha and the Online Distributed
+Proofreading Team at https://www.pgdp.net (This file was
+produced from images generously made available by National
+Library of Portugal (Biblioteca Nacional de Portugal).)
+
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+
+ *Nota de editor:* Devido à quantidade de erros tipográficos
+ existentes neste texto, foram tomadas várias decisões quanto à
+ versão final. Em caso de dúvida, a grafia foi mantida de acordo com
+ o original. No final deste livro encontrará a lista de erros
+ corrigidos.
+
+ Rita Farinha (Maio 2008)
+
+
+
+
+Theóphilo Braga
+
+E
+
+A LENDA DO CRISFAL
+
+
+
+
+Obras de Delfim Guimarães
+
+
+PROSA:
+
+*Alma dorida*, com prefácio de Teixeira Bastos, 1 vol broch. 500 réis
+
+*A Viagem por terra do snr. João Penha*, (crítica literária) 1 folh. 100 »
+
+*O Rosquedo* (Scenas da vida de província). Esgot.^o
+
+*Ares do Minho* (Contos) 1 vol. broch. 200 réis
+
+*Bernardim Ribeiro*: O poeta Crisfal (Subsídios para a Historia da
+literatura portuguêsa) 1 vol. broch. 800 »
+
+
+EM PREPARAÇÃO:
+
+*Luis de Camões.--Diogo Bernardes.*
+
+
+VERSO:
+
+*Lisboa Negra*, 1 fol. 200 »
+
+*Confidencias*, 1 vol. broch. 400 »
+
+*Evangelho*, 1 vol. 400 »
+
+*Não! Mil vezes não!* 1 fol. 200 »
+
+*Sim! Mil vezes sim!* 1 fol. 100 »
+
+*Sonho Garretteano* Esgot.^o
+
+*A Virgem do Castelo*, (2.^a edição) 1 fol. 100 reis
+
+*Outonaes*, 1 vol. broch. 500 »
+
+
+NO PRELO:
+
+*Flores do mal* (interpretação em versos portuguêses de poesias de
+Carlos Baudelaire)
+
+
+TEATRO:
+
+*Aldeia na Côrte*, drama em 3 actos, de colaboração com D. João da
+Camara, representado no D. Amelia, 1 vol. broch. 500 réis
+
+*Juramento Sagrado*, comedia n'um acto em verso, representada no D.
+Maria II, 1 fol. 200 »
+
+
+A PUBLICAR:
+
+*Domingo de Páscoa*, peça de costumes minhotos.
+
+
+OUTROS TRABALHOS:
+
+*A Dama das Camelias*, de _Dumas, filho_ (tradução), 1 vol. broch. 200
+réis
+
+*Saudades*, (História de Menina e moça), de _Bernardim Ribeiro_, edição
+revista (vol. 29 da Colecção Horas de Leitura) 200 »
+
+*Trovas de Crisfal*, de _Bernardim Ribeiro_, edição revista 300 »
+
+*Versos portuguêses*, de _Sá de Miranda_, edição revista 500 »
+
+
+
+
+DELFIM GUIMARÃES
+
+
+Theóphilo Braga
+
+E
+
+A Lenda do Crisfal
+
+
+1909
+Livraria Editora
+GUIMARÃES & C.^a
+68, Rua de S. Roque, 70
+LISBOA
+
+
+
+
+THEÓPHILO BRAGA
+E A LENDA DO CRISFAL
+
+
+
+
+I
+
+Razão de ser d'este livro
+
+
+Quando em maio de 1908 tornamos pública a conclusão a que haviamos
+chegado de ser _Crisfal_ um pseudónimo do autor da _Menina e moça_, como
+procurámos demonstrar no volume recentemente dado á estampa: *Bernardim
+Ribeiro* (_O Poeta Crisfal_), tinhamos o convencimento pleno de que uma
+tal nova, divulgada pela imprensa, seria bem acolhida por quantos se
+interessam pelo estudo da nossa História literária, com excepção apenas
+do snr. dr. Theóphilo Braga. O laureado professor do Curso Superior de
+Letras não perdoa a quem quer que seja que ouse discordar de suas
+sentenças, nem vê com bons olhos que outros, que não s. ex.^a, encarem
+problemas que se prendam com a História da literatura portuguêsa.
+
+E n'este caso do _Poeta Crisfal_, mais do que em nenhum outro, o snr.
+dr. Theóphilo Braga não desejava que ninguem bulisse, pelo motivo que
+teremos ocasião de apontar no decurso d'este livro.
+
+Não contavamos com o acolhimento benévolo do infatigavel escritor. Para
+fundamentar o nosso juizo, bastava-nos invocar os precedentes sabidos,
+tristemente lembrados, e, muito em especial, o desforço pouco generoso
+do snr. dr. Theóphilo Braga para com a memória d'esse desventurado que
+se chamou Antero,--porque o poeta incomparavel dos _Sonetos_ ousara
+flagelar o dogmatismo scientífico do antigo camarada universitário; o
+fel que o plumitivo da *Historia da Litteratura* deixa transparecer nas
+apreciações com que, baldadamente, procura amesquinhar a figura
+gigantesca de Herculano,--porque o insigne historiador nacional jàmais
+se associou aos turibulários do filósofo comtista (sem calemburgo);--o
+desdem com que o professor de literatura apoda, soberanamente, de
+_gramático_, o distinto romanista, snr. Epiphánio Dias,--por este haver
+despedaçado, com a autoridade do seu nome, aquela invenção alegre dos
+_cantos de ledino_, em que o snr. dr. Theóphilo continua a persistir,
+apesar de tudo, com manifesta falta de sinceridade.
+
+Mas não ignorando taes precedentes, e conhecendo que o estudo que iamos
+apresentar ao público não deixaria de nos acarretar a má vontade do
+autor da _História da Litteratura Portugueza_, nem por um momento
+hesitamos em levar a bom termo o nosso trabalho, tendo em atenção tam
+sòmente que se tratava de desfazer uma lenda, estúpida como tantas
+outras lendas, que privava de parte da glória a que tinha jus o nome
+aureolado de um dos maiores poetas portuguêses, o delicado e inditoso
+Bernardim Ribeiro, o nosso querido Bernardim.
+
+Derruíamos a coluna em que se firmava um espantalho, mas erguiamos a um
+pedestal mais grandioso e altívolo a figura amoravel do grande
+bucolista.
+
+A literatura portuguêsa só ganhava com a descoberta. Que, se alguma
+cousa perdesse, era sobeja compensação o que se conquistava para a
+verdade histórica...
+
+Mas a proclamação de uma tal verdade ia prejudicar um livro, ou livros,
+do snr. dr. Theóphilo Braga... Não havia dúvida. Que importava isso?
+Para reivindicar para Bernardim Ribeiro a autoria da Carta e da Écloga
+de _Crisfal_, não valeria a pena sacrificar uma das muitas produções do
+operoso escritor?
+
+Bernardim Ribeiro é um dos astros fulgurantes da rútila constelação que
+brilha, intensa e perduravelmente, no ceu de Portugal. Já conta alguns
+séculos, e ainda hoje nos deslumbra o seu fulgor...
+
+Após a local produzida pelo snr. dr. Alfredo da Cunha no seu _Diario de
+Noticias_, dando conta dos nossos trabalhos de investigação, que punham
+termo á lenda de _Crisfal_, tivemos a ventura de ver que o snr. José
+Pereira Sampaio (_Bruno_) havia chegado a conclusão idêntica á nossa,
+como foi registado n'um brilhante artigo de João Grave no _Diario da
+Tarde_, do Porto, confirmado inteiramente por uma carta de _Bruno_,
+reproduzida no jornal citado, em que o prestigioso publicista, com a
+reconhecida autoridade do seu nome, que nada deve ao reclamo, afirmava
+de maneira absoluta que estavamos com a verdade; que o _trovador_
+Cristovam Falcão era simples produto de uma lenda, que o criptónimo
+_Crisfal_ pertencia a Bernardim Ribeiro.
+
+Do artigo do nosso camarada João Grave, e da carta do ilustre escritor
+snr. José Sampaio, não faremos citações n'esta altura. Ambos os
+preciosos documentos se encontram integralmente exarados no nosso livro
+_Bernardim Ribeiro_. Não os desconhecem, por certo, aqueles que nos dão
+a honra da leitura d'este trabalho.
+
+Como recebeu o snr. dr. Theóphilo Braga essas comunicações do _Diario de
+Noticias_, de Lisboa, e do _Diario da Tarde_, do Porto?
+
+--Passando a José Pereira Sampaio (_Bruno_), e a nós outros, um diploma
+de ignorantes!
+
+Em 29 de maio, um amigo salientou-nos no jornal _A Epoca_ a secção que o
+escritor snr. Silva Pinto tinha a seu cargo, e que n'essa data
+estampava, reproduzida do _Diario da Tarde_ do Porto, a seguinte carta
+do snr. dr. Theóphilo Braga:
+
+
+ _«Meu caro João Grave_:--Encantou-me o favor da sua carta,
+ communicando-me o problema litterario que preoccupa o nosso velho
+ amigo e luminoso critico José Sampaio sobre a apochryficidade do
+ auctor do «Crisfal», e que annuncia o primoroso litterato Delfim
+ Guimarães. É sempre boa a vindicação d'uma verdade em qualquer
+ campo: no campo litterario e artistico, isso tem o relevo d'uma
+ conquista, d'um triumpho.
+
+ Ninguem mais desejaria que fossem possiveis, isto é realidade
+ demonstrada, as descobertas de Sampaio (Bruno) ou de Delfim
+ Guimarães, sobre a identidade de Christovam Falcão em Bernardim
+ Ribeiro. *Isso, porém, não passa d'uma miragem, por falta de
+ conhecimento dos existentes recursos historicos*[1].
+
+ Diogo do Couto falla em Christovam Falcão como celebrado auctor do
+ «Crisfal», quando narra factos praticados por seu irmão Damião de
+ Sousa. Ora, Diogo do Couto, contemporaneo d'este na India,
+ inventava-lhe um irmão? E tendo sido impresso o «Crisfal» sem nome
+ d'auctor, (no _pliego-suelto_ da Bibliotheca Nacional de Lisboa)
+ dava-o como auctor d'essa celebrada écloga a capricho seu? O Padre
+ Antonio Cordeiro, na «Historia Insulana», (resumo das «Saudades da
+ terra», do dr. Gaspar Fructuoso, amigo de Camões) tambem faz as
+ mesmas referencias ao _poeta_ Christovam Falcão. E a edição de
+ Ferrara, de 1554, e a de Colonia, de 1559, inscrevendo o seu nome?
+ E Frei Bernardo de Brito, fazendo a «Silva de Lisardo», ou segunda
+ parte do «Crisfal», falla nas serras de Lor-vam, onde esteve D.
+ Maria Brandão, a namorada d'este poeta do «Crisfal».
+
+ Nada d'isto leva a admittir a hypothese. No emtanto, que tragam a
+ lume os seus resultados. A vantagem é de nós todos.
+
+ Com um abraço do seu, etc.
+
+ Theophilo Braga.»
+
+
+Para o professor do Curso Superior de Letras, a conclusão a que, tanto
+_Bruno_ como nós, haviamos chegado, não passava *d'uma miragem, por
+falta de conhecimento dos existentes recursos historicos*, e esta
+sentença autoritária vinha a público quando o snr. dr. Theóphilo Braga
+ignorava em absoluto quaes os argumentos com que nós e o insigne
+publicista nosso conterráneo procurariamos fazer vingar nossas teses.
+
+Magoou-nos a impertinência, confessamos, e não resistimos a manifestar
+publicamente a impressão em nós produzida pela prosa do snr. dr.
+Theóphilo Braga, dirigindo n'esse mesmo dia a seguinte carta a João
+Grave, que este distinto jornalista fez inserir no numero de 1 de junho
+do _Diario da Tarde_:
+
+
+ «_Meu prezado camarada João Grave_:--Acabo de ler, reproduzida por
+ Silva Pinto na «Epoca», a carta que o snr. dr. Theóphilo Braga
+ dirigiu ao meu caro João Grave a propósito do trabalho que preparo,
+ em que me proponho demonstrar que «Crisfal» foi simplesmente um
+ anagrama cabalístico de Bernardim Ribeiro, pertencendo por
+ conseguinte a este lírico as poesias que uma lenda fez atribuir a
+ Cristovam Falcão.
+
+ O nosso bom amigo e erudito escritor José Pereira
+ Sampaio--_Bruno_--, como se viu da interessante carta que estampou
+ no «Diario da Tarde», como complemento ao artigo que o meu caro
+ João Grave publicou sobre o assunto, chegara a conclusões eguaes, e
+ para mim foi extremamente grato que o nome prestigioso de Bruno
+ viesse valorizar a minha descoberta com a grande autoridade do seu
+ concurso.
+
+ Ao ilustre professor, snr. dr. Theóphilo Braga, afigura-se isto uma
+ «_miragem, por falta de conhecimento dos existentes recursos
+ historicos_», que cita, desde Diogo do Couto a frei Bernardo de
+ Brito.
+
+ Peço-lhe, pois, meu caro João Grave, a fineza de dizer no seu
+ jornal que conheço perfeitamente os _recursos históricos_ a que
+ alude o incansavel historiador da _Litteratura Portugueza_, como
+ não podia deixar de conhecer pela leitura das edições do «Bernardim
+ Ribeiro e o Bucolismo» do snr. dr. T. Braga.
+
+ Que Bruno não ignora nenhum d'esses _recursos_, estou convicto,
+ que, de resto, nem o distinto escritor snr. dr. Theóphilo Braga
+ póde ter dúvidas a tal respeito, porque isso seria fazer ofensa ao
+ justificado nome literário de José Sampaio.
+
+ Para fechar, devo ainda dizer-lhe, meu bom amigo, que de modo
+ nenhum eu vou sustentar que não existiram vários _cavalheiros_ com
+ o nome de Cristovam Falcão. Se estes não tivessem existido não
+ tomaria vulto até aos nossos dias a lenda do «Crisfal»!
+
+ Não o enfado mais.
+
+ Creia-me, com verdadeira estima,
+
+ seu amigo, adm.^{dor} e obg.^{do}
+
+ S/C. Lisboa, 29-maio/90.
+
+ Delfim Guimarães.»
+
+
+A _Bruno_ tambem não passou despercebido o _amavel_ diploma do professor
+do Curso Superior de Letras, e que o ilustre escritor se sentiu
+melindrado prova-o suficientemente a carta que dirigiu a João Grave, e
+que, confiados na benevolência do sr. José Pereira Sampaio, vamos
+trasladar das colunas do jornal _A Epoca_, que a reproduziu do _Diario
+da Tarde_:
+
+
+ «_Meu caro João Grave_:--Novamente o venho importunar, pois entendo
+ que, perante a carta, aliás tão bondosa e honrosa para mim, do dr.
+ Theophilo Braga, hontem inserta no seu jornal, me cumpre consignar
+ em publico, ainda uma vez, que após o apparecimento do livro de
+ Delfim Guimarães, defendendo a propozição de que Christovam Falcão
+ não é mais do que Bernardim Ribeiro, eu publicarei o meu, já por V.
+ na sua folha duas vezes amavelmente annunciado, e onde, entre
+ outros, sustentarei egualmente o mesmo ponto, pensando que
+ refutarei ahi cabalmente as asserções, na sua carta de hontem no
+ «Diario da Tarde», pelo nosso doutissimo confrade e illustre
+ publicista produzidas, mostrando então, com todo o respeito devido
+ a tão indefesso e insigne trabalhador, que a minha hypothese (e de
+ Delfim Guimarães) não é tal uma miragem e que, pelo contrario, o
+ ensino corrente no assumpto é que é inteiramente phantastico e
+ chimerico.
+
+ A V., prezado collega, reitero os protestos do meu agradecimento.
+
+ Todo seu
+
+ Porto, 27 de Maio de 1908.
+
+ José Pereira Sampaio (Bruno).»
+
+
+O snr. dr. Theóphilo Braga achou que era prudente não voltar á estacada,
+e assim deixou passar em julgado a nossa carta e aquela em que o snr.
+José Sampaio, por uma fórma categórica, visando directamente as lições
+ministradas pelo professor de literatura, declarava que o ensino
+corrente sobre Cristovam Falcão era _inteiramente phantastico e
+chimerico_.
+
+Na elaboração do livro: *Bernardim Ribeiro* (_O Poeta Crisfal_)
+obedecemos ao propósito de não converter o nosso trabalho n'uma
+diatribe, e procuramos suavizar quanto possivel a situação em que eramos
+forçados a colocar o snr. dr. Theóphilo Braga, em obediência á verdade,
+e não porque nos animasse qualquer desejo de ser desagradaveis ao
+infatigavel vulgarizador. E, procedendo assim, entendiamos cumprir um
+dever, que tinha sobeja justificação nos cabelos brancos do professor do
+Curso Superior de Letras, cuja primeira edição do seu _Bernardim
+Ribeiro_ coincidiu com o ano do nosso nascimento. Não esquecemos nunca
+que fomos educados no respeito devido á velhice.
+
+No trabalho da revisão das provas do nosso estudo, em que fomos
+auxiliados pela prestante amizade de Henrique Marques, mais de uma vez
+modificámos referências feitas ao professor que contraditavamos, e
+sempre da melhor vontade substituiamos um adjectivo, suavizavamos a
+saliência de um erro do Mestre, desde que o nosso amigo Henrique
+Marques, com o seu apreciavel critério, nos fazia notar que uma palavra,
+uma frase nossa, poderia ser tomada como um desprimor para com o snr.
+dr. Theóphilo Braga.
+
+Queriamos fazer vingar uma obra de justiça; não era nosso intento
+agravar quem quer que fosse.
+
+E que não fomos descortêses, nem violentos, nem injustos, para com o
+professor que contraditavamos, prova-o o testemunho insuspeito do
+eminente publicista snr. José Caldas, que nos honrou com uma carta
+penhorantíssima, de que reproduziremos neste lugar algumas linhas:
+
+«*A delicadeza das suas referencias, com relação aos auctôres cujas
+conclusões não acceita ou impugna, é verdadeiramente modelar.*»
+
+Se houvessemos sido menos cortêses para com o snr. dr. Theóphilo Braga,
+s. ex.^a não se julgaria, com certeza, no dever de agradecer-nos a
+oferta do exemplar do nosso trabalho que entendemos enviar lhe. E o
+professor do Curso Superior de Letras escreveu-nos a agradecer o livro,
+embora na sua carta transpareça o despeito que lhe produziu o nosso
+estudo sobre Bernardim Ribeiro, em que desvendamos vários erros contidos
+em volumes da _Historia da Litteratura Portugueza_.
+
+Registâmos aqui essa carta do snr. dr. Theóphilo Braga, que não deixa de
+constituir um documento interessante para aqueles que seguirem com
+atenção a marcha dos acontecimentos provocados pela pendência literária
+em que estamos envolvidos.
+
+É, textualmente, como segue:
+
+
+ «Lisboa, 25 de Novembro de 1908
+
+
+ _...sr. Delfim Guimarães
+ e meu presadissimo amigo_
+
+
+ Muito me penhora a honrosa offerta do seu recente trabalho, em que
+ apresenta o seu processo para a identificação do poeta Bernardim
+ Ribeiro com o Crisfal ou Christovam Falcão. A ninguem interessaria
+ tanto o conhecimento d'este problema, como a mim, que esbocei uma
+ biographia de Christovam Falcão com elementos historicos
+ (documentos authenticos) comprovando dados genealogicos. Tive de
+ ler immediatamente o seu livro, para vêr que materiaes traria para
+ o aperfeiçoamento do meu trabalho. Mesmo no prologo fez-me V. a
+ justiça de que eu aproveitaria tudo quanto se prestasse a futuras
+ emendas. Desde as noticias genealogicas trazidas por Braancamp
+ Freire sobre D. Maria Brandão, que Christovam Falcão amou, sendo
+ ambos muito creanças, via-me forçado a tomar o nascimento d'elle no
+ fim do primeiro quartel do seculo XVI. Isto me impossibilitava de
+ continuar a admittir as relações pessoaes de Christovam Falcão com
+ Bernardim Ribeiro já velho e dementado em confidencias de amor com
+ um rapaz no viço da mocidade; e por tanto as Eclogas em que elle
+ figurava interpretativamente tinham de ser lidas a outra luz. V.,
+ acabando de fazer a destrinça entre o Poeta e seu primo mais
+ antigo, deu-me elementos para uma melhor interpretação das Eclogas
+ de Bernardim, (eliminadas as relações com Christovam Falcão), e
+ mostrando como realmente as poesias d'aquelle, como mestre,
+ influiram no mais moço, que como novel chega a fazer centões e
+ intercalações de versos de Bernardim Ribeiro. Ha uma affirmativa
+ historica, de Diogo do Couto, na sua _Decada VIII_, que, fallando
+ de Damião de Sousa Falcão, accrescenta como reforço historico:
+ «irmão de *Christovam Falcão*, aquelle que fez aquellas cantigas
+ nomeadas do Crisfal...» E tambem no seculo XVI Fructuoso (resumido
+ pelo P.^e Antonio Cordeiro na Historia insulana) diz de Christovam
+ Falcão: «parente do Barão velho e do famoso poeta Christovam
+ Falcão, que fez a celebre Ecloga Crisfal das primeiras syllabas do
+ seu nome...» Tambem nas edições de Ferrara e Colonia, feitas por
+ curiosos sem criterio litterario se repete a attribuição «_que
+ dizem ser_ de Christovam Falcam, ho que parece alludir o nome da
+ mesma Ecloga». Não se podem refutar por negativa estes testemunhos
+ de homens de letras do seculo XVI, e que se reflectiram nos
+ genealogistas. A Ecloga do Crisfal não podia ser publicada pelo seu
+ auctor, nem pelo seu consentimento porque era uma _inconfidencia_
+ de antigas relações amorosas com uma senhora que estava casada. A
+ edição sem data, de Lisboa, só podia ser feita por 1542, quando
+ Christovam Falcão estava em Roma; e quando Camões foi para Ceuta em
+ 1547 na carta que d'ali escreveu emprega muitos versos do
+ _Crisfal_, que então, andava no gosto. Na edição de Lisboa vem duas
+ estrophes supprimidas no texto de Ferrara e Colonia, por que
+ continham uma _inconfidencia_. Isto leva a explicar como Christovam
+ Falcão tentaria apagar a paternidade da Ecloga fundamentando-se-lhe
+ a imputação com o anagramma das primeiras syllabas do nome. Os
+ logares communs a Bernardim Ribeiro e Christovam Falcão provam mais
+ a favor da imitação de um discipulo, do que á fusão dos dois
+ poetas, repetindo-se o mestre na decadencia. Emfim ha dois schemas
+ de paixão amorosa que se não confundem: o de Joanna e Fauno, Aonia
+ e Bimnarder, e o de Maria e Crisfal. São duas almas, sentindo em
+ situações differentes. Através de todo o hypercriticismo o livro
+ sobre Bernardim Ribeiro revela um trabalhador fervoroso, que me
+ veio revelar a existencia de um exemplar da edição de Ferrara, no
+ Porto, e que aqui descobriu o texto precioso da Ecloga _Alexo_
+ assignada por Sá de Miranda. Felicitando-o pelo seu importante
+ estudo, sou
+
+
+ admirador obr.^{mo} e amigo
+
+ Theophilo Braga»
+
+
+Começa a carta do snr. dr. Theóphilo Braga por um _rebuçado de ovos_: o
+tratamento de «prezadissimo amigo», que não tinha qualquer
+justificação... Isto é, tinha uma justificação única, qual era a de nos
+adoçar a bôca, para engulirmos sem relutância aquela amargosa pílula com
+que fecha a epístola de s. ex.^a, quando, com generosa magnanimidade,
+confessa que o nosso livro _revelou um trabalhador fervoroso_, que ao
+professor do Curso Superior de Letras foi _revelar a existencia de um
+exemplar da edição de Ferrara, no Porto_, e que em Lisboa _descobriu o
+texto precioso da ecloga_ *Alexo* _assignada por Sá de Miranda_.
+
+E, graças a estas _revelações-revelativas_, a que não ligavamos
+importância de maior, o historiador da *Litteratura Portugueza*
+felicitava-nos pelo nosso _importante estudo_, que, volvidas algumas
+semanas, havia de classificar de fruto de _processos á tôa_!
+
+Na devida altura, comentaremos largamente a carta substanciosa do snr.
+dr. Theóphilo Braga.
+
+Por agora, continuemos na catalogação das peças d'este processo, para
+que os leitores julguem da justiça que nos cabe, e avaliem da
+sinceridade, da correcção, e dos processos do professor intangivel.
+
+No jornal _O Mundo_, de 3 de dezembro de 1908, na local consagrada á
+sessão da Academia das Sciencias de Portugal realizada no dia 2, vimos
+que o snr. dr. Theóphilo Braga fizera uma comunicação, que outra cousa
+não era senão um desmentido formal e gratuito ás conclusões do nosso
+livro,--mas sem a mais leve citação ao nosso obscuro nome, sem a menor
+referência ao nosso desluzido trabalho, embora aproveitando-lhe os
+subsídios. Comprehende-se: o ilustre académico não desejava contribuir
+de modo nenhum para o reclamo que a imprensa estava dispensando ao
+volume sobre o _Poeta Crisfal_.
+
+Transcrevemos do _Mundo_ o periodo referente a tal comunicação...
+scientífica:
+
+
+ «...finalmente, trata de Bernardim Ribeiro e Christovam Falcão,
+ mostrando como a vida amorosa d'este oscilla entre 1525 e 1526,
+ sendo n'aquella data moço fidalgo, tendo pelo menos 12 annos, ao
+ passo que aquelle era já edoso; evidencia como na Ecloga
+ transparecem diversas situações da vida de Christovam Falcão, e
+ termina por invocar as opiniões de Diogo Couto, Gaspar Fructuoso e
+ outros que comprovam a existencia das duas individualidades que
+ apesar de similhantes n'algumas situações da vida, não podem jàmais
+ confundir-se».
+
+
+Ante este procedimento do nosso _prezadissimo amigo_, não pudemos ficar
+silenciosos, e, como um desforço legítimo, inadiavel, apelamos para o
+snr. dr. Brito Camacho, pedindo-lhe se dignasse publicar nas colunas da
+_Lucta_ a seguinte carta, que o ilustre jornalista fez inserir no numero
+de 4 de dezembro do seu diário:
+
+
+ _«Ex.^{mo} Snr. Dr. Brito Camacho,
+ meu prezado amigo:_
+
+
+ Pelos extratos, publicados em alguns jornaes de hoje, do que se
+ passou na sessão de hontem da Academia de Sciencias de Portugal, vi
+ que o snr. dr. Theóphilo Braga disse o que quer que fosse,
+ procurando refutar o meu recente trabalho sobre Bernardim Ribeiro,
+ e insistindo na lenda do _poeta_ Cristovam Falcão de Sousa.
+
+ Não me admira que o original autor da «Historia da Litteratura
+ Portugueza» persista n'um erro crasso, só para não se confessar
+ vencido, porque já o caso engraçadíssimo dos _cantos de ledino_ era
+ precedente bastante para se ajuizar que o afamado professor do
+ Curso Superior de Letras prefere manter um absurdo a ter de
+ reconhecer publicamente que errou. Está no seu direito, e ninguem
+ lh'o contesta.
+
+ Parecia-me, porem, que, publicado o meu estudo sobre Bernardim
+ Ribeiro, em que não torci a meu bel-prazer a verdade, nem
+ falsifiquei documentos, o snr. dr. Theóphilo Braga tinha o dever
+ moral de, pela imprensa ou em livro, dizer da sua justiça, antes de
+ ir para o seio de uma agremiação, a que eu não pertenço, impor um
+ desmentido formal e dogmatico, ao mesmo tempo que gratuito, ao meu
+ trabalho.
+
+ E tanto mais estranhavel se me afigura o procedimento do snr. dr.
+ Braga, contestando á porta fechada a minha tese, quanto é certo que
+ s. ex.^a não desconhece que o insigne publicista snr. José Pereira
+ Sampaio (Bruno) prepara um livro sobre o mesmo assunto do meu.
+
+ Se o afamado professor do Curso Superior de Letras está de boa fé,
+ quem lhe assegura que os argumentos de Bruno não conseguirão
+ convencê-lo, já que os meus, conforme de resto eu esperava, tal não
+ conseguiram?
+
+ É tempo de pôr de parte o _magister dixit_, porque, felizmente, os
+ processos crìticos dos Farias e Bernardos de Brito são coisas que
+ passaram á _historia_, e que não se ressuscitam já facilmente.
+
+ Muito especialmente me obsequeia o meu bom amigo dando publicidade
+ na nossa _Lucta_ a esta minha carta, que representa o legítimo
+ desabafo de um trabalhador que se preza de ser honesto, e que como
+ tal tem jus a ser considerado.
+
+ Mais uma vez agradecido o que se confessa, por estima e dever,
+
+
+ De V. Ex.^a
+
+ amigo, admirador e obrigado
+
+ S/C, Lisboa, 3-12-908.
+
+ Delfim Guimarães.»
+
+
+Com o espírito de rectidão que todos, amigos e adversários, são
+concordes em reconhecer ao snr. dr. Brito Camacho, o brilhante
+jornalista deu acolhimento benévolo á nossa carta, acrescentando-lhe as
+seguintes linhas de saudação ao professor do Curso Superior de Letras:
+
+
+ «O nosso ilustre correligionario dr. Theóphilo Braga tem as
+ columnas d'este jornal ás suas ordens para dizer da sua justiça,
+ como quizer. Trata-se d'uma questão de facto em historia literária,
+ e não d'uma birra entre dois homens. Muito prazer teremos em que
+ seja o nosso jornal o campo em que se dirima o pleito.»
+
+
+Não correspondeu o snr. dr. Theophilo Braga á gentileza do director da
+_Lucta_; e até para comnosco estamos persuadidos de que, desde o momento
+em que s. ex.^a viu a nossa carta irreverente no jornal de que Brito
+Camacho é a alma, o pontífice da _Litteratura Portugueza_ excomungou o
+intemerato jornalista. Que o dr. Camacho nos perdôe a excomunhão que,
+involuntariamente, lhe acarretamos!
+
+Guardou silêncio o snr. dr. Theóphilo Braga durante semanas, mas não
+esteve inactivo, ao contrário do que muitos poderiam supor. Com todo o
+engenho e arte, s. ex.^a consagrou-se ao fabrico de uma peça, que não
+podemos classificar de literária, porque é a negação de todos os
+processos literários dignos de este nome, mas a que poderá caber a
+designação de produto de arte... culinária. Como _pastelão_, faria honra
+a um cozinheiro, mas cremos bem que o snr. dr. Theóphilo Braga deseja
+passar á posteridade como um discípulo fervoroso de Augusto Comte, e não
+como aprendiz ilustre da _sciência_ de Vatel.
+
+A redacção do jornal _O Dia_, seguindo a praxe dos anos anteriores,
+honrou o snr. dr. Theóphilo Braga pedindo lhe um artigo sobre o
+movimento literário português em 1908, para o numero de 31 de dezembro
+d'esse ano. Como nunca, recebeu o snr. dr. Theóphilo Braga jubilosamente
+o amavel convite. Tinha ensejo para impingir... o _pastelão_. Era o
+momento oportuno para respostar á nossa carta publicada na _Lucta_, sem
+nos dar a honra de deixar sair dos bicos da pena aprimorada a confissão
+de que havia lido o nosso protesto. Podiamos, porventura, esperar outro
+procedimento por parte do snr. dr. Theóphilo Braga? Não, evidentemente.
+Pois não haviamos nós,--cúmulo das audácias!--ousado protestar contra a
+comunicação do presidente da Academia de Sciencias de Portugal?!
+
+Reproduzimos do _Dia_ de 31 de dezembro do ano findo a parte do artigo
+do snr. Theóphilo Braga que diz respeito á questão literária suscitada
+pelo nosso livro:
+
+
+ «...No recente fasciculo (do Archivo historico português) ficou
+ publicada uma interessantissima monographia sobre a antiga Feitoria
+ de Flandres, um dos mais necessarios capitulos da nossa historia
+ financeira e administrativa; o sr. Braancamp Freire intitula-o
+ _Maria Brandoa a do Crisfal_, por que o pae d'esta dama, que
+ inspirou o amor e a Ecloga de Christovão Falcão, foi o pae d'ella,
+ João Brandão Sanches, segundo encontrara no nobiliario de Diogo
+ Gomes de Figueiredo.
+
+ Em dois nobiliarios da bibliotheca da Ajuda tambem se acha esta
+ mesma inscrição: _Maria Brandoa a do Crisfal_; e nos livros dos
+ linhagistas Manso de Lima e Rangel de Macedo, da Bibliotheca
+ Nacional, vem o mesmo schema genealogico, vendo-se toda a
+ parentella da inspiradora de Crisfal no titulo dos Brandões
+ Sanches, confundidos por vezes com os Brandões do Porto, com os de
+ Coimbra e com os de Elvas. O sr. Anselmo Braancamp Freire, escreve
+ em uma nota: «Sei que se trata de provar, que a Ecloga de Crisfal
+ não foi escripta por Christovam Falcão, mas por Bernardim Ribeiro,
+ e que por tanto a heroina não é Maria Brandão, mas sim a mesma do
+ romance _Menina e Moça_ d'aquelle auctor.» E accrescenta que o sr.
+ Delfim Guimarães empenhado na interessante averiguação o
+ consultara, communicando-lhe as bases em que fundava a sua
+ argumentação, as quaes não conseguiram demovel-o da rotina.
+
+ Quasi ao mesmo tempo, o sr. Delfim Guimarães publicava o seu livro
+ _Bernardim Ribeiro_--_o Poeta Crisfal_, em que resume o já sabido
+ da biographia do auctor da _Menina e Moça_, forçando interpretações
+ de versos a significarem os factos que imagina. Como lhe nasceu no
+ espirito a ideia de fazer esta descoberta? Pela impressão que lhe
+ causára a leitura dos versos de Bernardim Ribeiro e os de
+ Christovam Falcão,--«dois poetas de temperamento semelhante, com
+ eguaes influencias e educações litterarias, com eguaes episodios
+ nos seus infortunados amores, e havendo entre ambos versos
+ absolutamente eguaes.» D'aqui o identificar os dois poetas em um
+ unico; como conseguil-o? Considerou a individualidade poetica de
+ Christovão Falcão como uma lenda estupida formada pelos
+ genealogistas, e formou o nome de _Crisfal_ indo buscar á tôa as
+ palavras _Crisma falsa_, tirando-lhes as syllabas iniciaes para
+ designarem a seu talante Bernardim Ribeiro. «Fez-se então uma
+ grande luz no nosso espirito. Não se tratava de dois poetas muito
+ parecidos, de um creador e de um imitador. Bernardim Ribeiro e
+ Crisfal eram um e mesmo poeta. O trovador Christovam Falcão era o
+ producto de uma lenda nascida da interpretação dada pelo vulgo
+ (![2]) ao anagrama _Crisfal_.» (Op. cit., p. 10). «Alcançada a
+ convicção de que _Crisfal_ era um anagramma de Bernardim Ribeiro, e
+ norteados pelo conhecimento de que nas suas producções o poeta
+ mudava constantemente os seus nomes pastoris, com pequeno trabalho
+ de raciocinio não nos foi difficil deduzir a constituição do
+ cryptogramma, que era formado pelas primeiras syllabas das palavras
+ _Crisma_ e _Falso_.»
+
+ E depois d'este processo que, na opinião do sr. Gonçalves
+ Vianna--honra a erudição portugueza,--ataca as fontes genealogicas
+ d'onde Diogo do Couto e Gaspar Fructuoso acceitaram «como ouro de
+ lei o peschesbeque de uma lenda estupida tecida pelo vulgo
+ ignorante, e posta a correr mundo graças á inepcia dos editores dos
+ escriptos legados por esse grande e infortunado poeta que foi
+ Bernardim Ribeiro!» (Ib. p. 11.) E mais adiante, volta a repetir:
+ «A uma lenda estupida deveu esse rebento inglorio de John Falconet
+ a celebridade que durante seculos usufruiu, em prejuizo do renome
+ litterario do verdadeiro _Crisfal_, o doce, o inimitavel e
+ inegualado Bernardim Ribeiro, etc.» (p. 185.) Mas, como se póde
+ chamar estupida a lenda genealogica se os nomes contidos na Ecloga
+ de _Crisfal_ condizem com os seus parentes taes como o de
+ _Pantaleão_ Dias de Landim seu avô, e a Joanna, que lhe denuncia o
+ casamento clandestino, uma prima, como o notou o sr. Jordão de
+ Freitas?
+
+ Os manuscriptos conhecidos de Bernardim Ribeiro andavam ligados com
+ os de Christovam Falcão, como se vê pela descripção do n.^o 180 da
+ Livraria do Conde de Vimieiro: Obras em prosa e verso de Sá de
+ Miranda, Bernardim Ribeiro e Christovam Falcão; tambem o Arcediago
+ do Barreiro, dr. Jeronymo José Rodrigues, examinou no Porto um
+ manuscripto analogo ao das edições de 1559, em que vinham a _Menina
+ e Moça_, duas eclogas de Bernardim Ribeiro--«e até se acham no fim
+ algumas poesias de Christovão Falcão, do que se faz menção no mesmo
+ logar de Nicoláo Antonio.» (Innocencio, _Dic. Bibliog._)
+
+ Para que chamar ineptos aos editores de Ferrara de 1554 e de
+ Colonia de 1559, por terem reproduzido esses textos manuscriptos
+ como os encontraram? Quando o sr. Delfim Guimarães trabalhava para
+ destruir uma miragem de seculos, foi communicar ao sr. dr. Alfredo
+ da Cunha «a descoberta que tinha feito e que, sem falsa modestia,
+ reputava de alta importancia para a historia das lettras
+ portuguezas.» Era uma Noticia litteraria de sensação, o dr. Alfredo
+ da Cunha deu alentos á grande descoberta de que a figura do poeta
+ Christovam Falcão «pertence exclusivamente ao dominio da lenda, por
+ isso que tal poeta só existiu na imaginação d'aquelles que viram
+ n'um anagrama cabalistico de Bernardim Ribeiro a encarnação de
+ outra individualidade.»
+
+ No noticiario de outro jornal sairam affirmações absolutas,
+ proclamando a sensacional descoberta, com uma sinceridade
+ inconsciente que affasta de todo a ideia de ironia. A verdadeira
+ descoberta pertence ao sr. Braancamp Freire determinando a epoca em
+ que esteve em Flandres João Brandão Sanches, e quando elle morreu,
+ dando nos assim a data em que existiram os amores de sua filha
+ unica D. Maria Brandão, a do Crisfal, que plausivelmente se fixam
+ em 1530. O documento de 1527 referindo-se a Christovam Falcão, com
+ a tença de môço fidalgo, leva a deduzir que nascera em 1512. Ha
+ portanto a eliminar todas as relações pessoaes entre Christovam
+ Falcão e Bernardim Ribeiro, como julgamos nos nossos estudos,
+ corrigindo a interpretação da Ecloga I e III de Bernardim. Os
+ logares communs a Christovam Falcão e Bernardim Ribeiro provam a
+ distancia da edade que levou o mais novo a imitar aquelle que já
+ era admirado, cujos versos, Camões, na sua Carta de Africa,
+ intercalava na sua prosa.»
+
+
+Esta produção peregrina do snr. Dr. Theóphilo Braga veio publicada no
+jornal _O Dia_ com a assinatura do professor do Curso Superior de Letras
+em _fac-simile_, e ainda bem, para que não se pudesse ajuizar tratar-se
+de uma brincadeira de mau gosto de quem quer que fosse.
+
+Quando lemos um tal documento, a primeira impressão que se apoderou de
+nós foi a de revolta; mas logo um outro sentimento veio substituir
+esta--um sentimento muito fundo de tristeza, de sincera mágoa...
+
+E, sem prazer, pudemos constatar que a impressão que o snr. Dr.
+Theóphilo Braga deixára nos leitores inteligentes do seu tendencioso
+_Movimento Litterario_ era egual á nossa,--uma sincera mágoa.
+
+Mas no artigo do eminente professor eramos tam directamente alvejados, e
+o nosso trabalho depreciado com tal rancor e má fé, que não podiamos
+ficar silenciosos.
+
+No jornal a _Lucta_, do dia 3 de Janeiro d'este ano, como protesto,
+publicamos o artigo que vamos reproduzir:
+
+
+*Os processos... scientíficos do snr. dr. Theóphilo Braga*
+
+Não se dignou o sr. dr. Theóphilo Braga aceitar o oferecimento que o
+distinto jornalista que dirige _A Lucta_ lhe fez em 4 de dezembro
+ultimo: pondo á disposição de s. ex.^a as colunas deste diário, para que
+o professor do Curso Superior de Letras dissesse da sua justiça em face
+da carta que tive ensejo de dirigir ao meu bom amigo snr. dr. Brito
+Camacho, estampada n'este jornal, motivada pelo procedimento estranhavel
+seguido para comigo pelo snr. dr. Theóphilo Braga.
+
+Passaram-se dias, passaram-se semanas, e, quando todos julgavam que o
+professor do Curso Superior de Letras adoptara de Conrado o prudente
+silêncio, eis que o sr. dr. Theóphilo Braga, a pretexto de pôr os
+leitores do _Dia_ ao corrente do movimento literário no ano findo, com
+ares dogmáticos e desdenhosos, enche perto d'uma coluna d'aquele jornal
+com um aranzel cheio de lugares comuns, procurando refutar as conclusões
+do meu recente estudo sobre Bernardim Ribeiro.
+
+Não me surpreendeu o rancor que transparece no artigo do snr. dr.
+Theóphilo Braga. Imagino quanto deve ser doloroso para o professor do
+Curso Superior de Letras o ter de refundir mais uma vez dois dos volumes
+da sua chamada edição integral da _Historia da Litteratura Portugueza_:
+«Sá de Miranda» e «Bernardim Ribeiro». Isto, junto ao conhecimento que
+possuo da maneira de ser do snr. dr. Theóphilo Braga, é para mim
+explicação bastante do seu ressentimento, que a prosa do infatigavel
+«carreador de materiaes» não consegue disfarçar.
+
+A todos os pontos tocados no aranzel do snr. dr. Theóphilo Braga, darei
+resposta em livro, e d'essa tarefa procurarei desempenhar-me em curto
+praso, com a largueza e documentação que o assunto requer, o que não é
+compativel com o espaço que a trabalhos d'esta espécie pode dispensar um
+jornal da índole da _Lucta_.
+
+Por hoje, e certo da amabilidade com que me distingue o meu prezado
+amigo snr. dr. Brito Camacho, desejo apenas salientar, muito ao de leve,
+algumas inexactidões flagrantes do artigo _Movimento litterario_, do
+snr. dr. Theóphilo Braga, que bem demonstram a _correcção_ dos
+processos... scientíficos do professor do Curso Superior de Letras.
+
+Referindo-se ao ultimo tomo do _Archivo Historico_, a revista dirigida
+pela superior competência do snr. Braamcamp Freire, em que este escritor
+encetou a publicação da sua monografia sobre Maria Brandão, diz o snr.
+dr. Th. Braga que a monografia «ficou publicada», procurando assim dar a
+entender que o estudo do snr. Braamcamp Freire está ultimado, quando é
+facto que ainda lhe falta o capítulo em especial referente a Maria
+Brandão, destinado por certo a ser o mais curioso, pela luz que ha de
+fazer jorrar sobre a figura da suposta amada do poeta _Crisfal_.
+
+Mas ao snr. dr. Theóphilo Braga conveio torcer a verdade, para que com
+maior presteza os leitores ingénuos acreditassem nos seguintes períodos
+ardilosamente engendrados:
+
+
+ «O sr. Anselmo Braancamp Freire escreve em nota: «Sei que se trata
+ de provar que a Ecloga de Crisfal não foi escripta por Christovam
+ Falcão, mas por Bernardim Ribeiro, e que por tanto a heroina não é
+ Maria Brandão, mas sim a mesma do romance _Menina e Moça_ d'aquelle
+ auctor». E accrescenta, que o sr. Delfim Guimarães, empenhado na
+ interessante averiguação, o consultara, communicando lhe as bases em
+ que fundava a sua argumentação, as quaes não conseguiram demovel-o
+ da rotina.»
+
+
+Ao contrário da afirmação do snr. dr. Theóphilo, o snr. Braamcamp Freire
+não declara tal que eu o consultara sobre a averiguação que fiz, como
+não escreveu na nota citada pelo snr. dr. Theóphilo Braga aquilo que s.
+ex.^a gratuitamente lhe atribue.
+
+Reproduzo textualmente o período que o snr. dr. Theóphilo Braga
+interpretou a seu bel-prazer, para melhor juizo dos que me lêem:
+
+
+ «O sr. Delfim de Brito Guimarães, que anda empenhado na interessante
+ averiguação, teve a bondade de me comunicar as principaes bases que
+ servirão de alicerce á sua argumentação: entretanto, emquanto não
+ apparecerem os considerandos e a sentença sobre a prova nelles feita
+ não transitar sem apelação em julgado, não me compete intervir no
+ pleito e continuarei com a rotina.»
+
+
+Como se vê, o snr. Braamcamp Freire não escreveu que eu lhe comunicara
+as _bases_ em que fundava a minha argumentação, mas sim unicamente _as
+principaes bases_, e o consciencioso investigador não declarava que taes
+bases _não conseguiram demovê-lo da rotina_, mas sim que «em quanto não
+aparecessem os considerandos e a sentença sobre a prova nelles feita não
+transitasse sem apelação em julgado, _não lhe competia intervir no
+pleito e continuava com a rotina_».
+
+Para que torceu, a seu talante o snr. dr. Theóphilo Braga a nota cheia
+de correcção do ilustre escritor?--Para se servir, como de um escudo
+protector e cómodo, do nome prestigioso de Braamcamp Freire, procurando,
+com tal engenho e arte, fazer acreditar aos papalvos desprevenidos que
+tinha a apoiar o seu desmentido formal ás conclusões do meu trabalho a
+individualidade, a todos os títulos eminente, do ilustre director do
+_Archivo Historico_.
+
+Ora a nota invocada pelo snr. dr. Theóphilo Braga encontra-se logo na
+2.^a pagina do estudo do snr. Braamcamp, e foi produzida quando o
+erudito escritor traçou os primeiros períodos do seu trabalho,
+conhecendo apenas as «bases principaes» com que elaborei o meu livro
+_Bernardim Ribeiro (O Poeta Crisfal)_.
+
+Depois da leitura do meu modesto estudo, o snr. Braamcamp Freire teve a
+gentileza de me comunicar que os meus argumentos haviam logrado
+convencê-lo. E por tal fórma o convenceram que o ilustre escritor logo
+abandonou a rotina, não carecendo para isso que a sentença sobre a prova
+feita transitasse em julgado--muito embora isto pese ao snr. dr.
+Theóphilo Braga, que até viu com desgosto que o abalisado professor snr.
+Gonçalves Viana, achasse que o meu livro _Bernardim Ribeiro_ fazia honra
+á erudição portuguêsa.
+
+Mais, o snr. Braamcamp Freire não só me felicitou calorosamente pelo
+éxito do meu trabalho, que representava a justa reparação devida a um
+dos maiores poetas da nossa terra, como teve a bondade de enviar-me a
+prova tipográfica de uma passagem do seu estudo, então no prélo, em que
+o conceituado escritor confessava publicamente que Maria Brandoa, a
+lendária amada do Crisfal, passara á historia...
+
+Foi fazer companhia aos _cantos de ledino_...
+
+Tal passagem se encontra a pag. 402 do ultimo tomo do «Archivo
+Historico», mas o snr. dr. Theóphilo Braga seguindo os processos...
+scientíficos que o enaltecem, ocultou-a propositadamente,
+intencionalmente, aos leitores do seu artigo estampado no _Dia_.
+
+É como segue:
+
+
+ «...do catalogo porém limitar-me-ei agora a extrair os nomes dos
+ oficiaes da feitoria, reservando-me para aproveitar d'elle, n'outro
+ capitulo, um dado importante para a biographia de *Maria Brandôa,
+ já, coitadita! quando este estudo aparecer a publico, apiada de
+ heroina da ecloga Crisfal*.»
+
+
+Ás afirmações, em apoio da minha tese, feitas em maio de 1908 no _Diario
+da Tarde_, do Porto, pelo insigne publicista snr. José Pereira Sampaio
+(_Bruno_), refere-se tambem o snr. dr. Theóphilo Braga da seguinte
+maneira:
+
+
+ «No noticiario de outro jornal sairam afirmações absolutas,
+ proclamando a sensacional descoberta, com uma sinceridade
+ inconsciente que afasta de todo a idéa de ironia».
+
+
+O snr dr. Theóphilo Braga, referindo-se, com desdem, á _sinceridade
+inconsciente_ de Bruno, não nos magôa sómente a nós, que votamos uma
+grande estima ao ilustre escritor portuense: ofende as Letras
+Portuguêsas, que teem no snr. José Sampaio uma das suas mais legítimas
+glórias.
+
+Tristes processos está seguindo o snr. dr. Theóphilo Braga!
+
+
+ Delfim Guimarães
+
+
+
+O snr. dr. Brito Camacho, dando hospitalidade nas colunas da _Lucta_ ao
+nosso artigo, nòvamente pôs o seu jornal á disposição do snr. dr.
+Theóphilo Braga, para que s. ex.^a, querendo, dissesse de sua justiça. O
+professor do Curso Superior de Letras não aceitou o oferecimento que
+pela segunda vez lhe era feito.
+
+E, em verdade, que havia o autor do artigo _Movimento Litterário_ de
+dizer em contestação do libelo documentado que tinhamos produzido?
+Nenhuma justiça lhe assistia, e por consequência não ousou reclamar.
+Recolheu-se ao silêncio,--áquele prudentíssimo silêncio que se seguiu á
+publicação do notavel trabalho do Dr. Sílvio Romero sobre a _Patria
+Portuguêsa_.
+
+No artigo que publicamos na _Lucta_, de 3 de janeiro do ano em curso,
+tomámos o compromisso de tratar em livro todos os pontos tocados pelo
+snr. dr. Theóphilo Braga no seu aranzel do _Dia_, com a largueza e
+documentação que o assunto exige, em homenagem á memória de Bernardim
+Ribeiro; pelo dever moral que nos impusemos de contribuir, quanto em
+nossas mingoadas forças caiba, para que justiça seja feita, embora
+tardia, a um dos mais belos temperamentos poéticos da nossa terra.
+
+Uma lenda é fácil de forjar, e com facilidade toma corpo e lança raizes,
+obcecando muitas vezes os mais esclarecidos espíritos.
+
+A nossa Historia Literária está cheia de lendas e embustes, graças aos
+Farias e Sousa e Bernardos de Brito. Mas a Verdade, superior a todas as
+lendas, e a todas as reputações de historiadores burlões e de críticos
+trapaceiros, acaba sempre por triunfar, embora isso leve anos, embora
+decorram séculos.
+
+Na defeza da causa que prosseguimos, que é nobre e justa, não nos animam
+quaesquer intuitos de evidenciação, não nos move qualquer mesquinho
+sentimento de despeito; lutamos pela verdade, procuramos contribuir com
+o nosso esforço de modestos obreiros das letras para desfazer um erro
+que a ignorância engendrou, que a rotina não-te-ralesca impôs como um
+dogma, e que a vaidade irritada e irritante do snr. dr. Theóphilo Braga
+persiste em sustentar, a torto, que não a direito, impondo-o
+autocraticamente a quantos vêem no professor do Curso Superior de Letras
+o pontífice máximo, ditador inviolavel e sagrado da Republica... das
+letras portuguêsas.
+
+
+
+
+II
+
+O snr. dr. Theóphilo Braga, descobrindo a verdade, e procurando
+enterrá-la
+
+
+Ao preparar os materiaes para a refundição de seu livro sobre Bernardim
+Ribeiro, o snr. dr. Theóphilo Braga teve ensejo de reconhecer que a
+figura do _trovador_ Cristovam Falcão era mero produto de uma lenda, mas
+não teve a coragem precisa para vir a público declarar que tinha errado
+ao dar á estampa o seu primeiro volume sobre os poetas bucolistas, em
+que, seguindo a rotina, dera existência real ao suposto poeta, que já
+havia classificado de *ultimo eco do alaúde provençal, modificado pelo
+gosto hespanhol de Padron e Stuniga*.[3]
+
+E não querendo confessar que errara, como se semelhante facto
+constituisse desdoiro ou apoucasse de qualquer fórma seus méritos, o
+autor do livro _Bernardim Ribeiro e o Bucolismo_ procurou, por um
+processo que não nos atrevemos a chamar genial, enterrar a verdade,
+sepultando-a sob um pedregulho enorme, para que ali dormisse um sono de
+séculos, tantos séculos pelo menos como a lenda contava, para que,
+assim, ninguem pudesse aludir ao erro em que se deixara enredar o
+professor do Curso Superior de Letras.
+
+Como o snr. dr. Theóphilo Braga procedeu, vão os leitores conhecer, e
+depois ficarão habilitados a julgar da sinceridade com que o infatigavel
+escritor impugna o nosso livro sobre o poeta _Crisfal_.
+
+A pag. 356/7 do seu livro _Bernardim Ribeiro e o Bucolismo_, na parte
+respeitante a Cristovam Falcão, escreveu o snr. dr. Theóphilo Braga:
+
+
+ *«O primeiro documento historico que encontramos acerca do poeta,
+ de um modo irrefragavel, é datado de 1517; é uma graça régia
+ motivada talvez pela sympathia que suscitava a sua desgraçada
+ paixão, ou apparentemente pelos serviços de seu pae. Em um alvará
+ ao Almoxarife de Coimbra foi passada ordem para que dê o rendimento
+ d'este anno de 1517 a Christovam Falcão: 97:000 réis. Recebeu-os o
+ seu procurador Mestre Jorge.»*
+
+
+Como se vê da transcrição feita, o autor declarava que o documento
+invocado referia-se ao suposto poeta *de um modo irrefragavel*, isto é:
+«*irrecusavelmente, incontestavelmente*.» Esse documento dizia respeito,
+segundo inculcava o snr. dr. Theóphilo Braga, a _uma graça régia_, mercê
+de _97$000 réis_, concedida ao suposto bardo _talvez pela sympathia que
+suscitava a sua desgraçada paixão, ou apparentemente pelos serviços de
+seu pae_.
+
+Ora fazendo taes afirmativas, autoritária e catedraticamente, o snr. dr.
+Theóphilo Braga abusava da boa fé dos seus leitores, por isso que s.
+ex.^a muito bem conhecia que estava deturpando a verdade, a seu
+bel-prazer, que nada d'aquilo que apregoava como autêntico era
+verdadeiro.
+
+Nem o alvará de 1517 dizia respeito ao suposto poeta, nem semelhante
+alvará mencionava a verba de 97$000 réis.
+
+Tratava-se de uma tença de 97$734 reis (resultante de dois padrões) que
+pertencia a Cristovam Falcão, senhor da vila de Pereira, e não ao
+suposto poeta Cristovam Falcão de Sousa.
+
+Ignorava, porventura, o snr. dr. Theóphilo Braga a existência dos dois
+padrões constituitivos da referida tença?--Não ignorava. E a prova de
+que os não desconhecia está nas citações que s. ex.^a faz a paginas
+331/2 do seu mencionado livro, atribuindo-os a quem eles diziam
+respeito, isto é a Cristovam Falcão, senhor da vila de Pereira, que nada
+tinha que ver com o suposto poeta, como o snr. dr. Theóphilo Braga, de
+resto, muito bem estabelecia.
+
+Mas a existência de uma tença de 97$000 reis, pelas alturas de 1517, a
+favor de Cristovão Falcão de Sousa, comprovaria de certo modo a data em
+que o snr. dr. Theóphilo Braga fixou habilidosamente o nascimento do
+_ultimo eco do alaúde_, e permitia ao fantasioso escritor justificar tam
+rasgada mercê régia atribuindo-a á _sympathia que suscitava a sua
+desgraçada paixão_.
+
+D'esta maneira, servindo-se de um alvará que não dizia respeito ao
+suposto poeta, e alterando-lhe caprichosamente a quantia mencionada, o
+snr. dr. T. Braga creava um _recurso histórico_ graças ao qual os
+discípulos do professor do Curso Superior de Letras podiam aceitar que
+pelas alturas do ano da graça de 1517 já existia um afamado poeta com o
+nome de Cristovão Falcão, tam desventurado em seus amores que el-rei,
+compadecido, lhe fizera mercê da tença, verdadeiramente principesca, de
+97$000 réis! E sucedendo um _caso_ d'estes em nossos dias, ainda ha quem
+ache estranho que Faria e Sousa e frei Bernardo de Brito improvisassem
+(é este o termo próprio?) documentos... históricos!
+
+Ao publicarmos o nosso trabalho sobre Bernardim Ribeiro, não salientamos
+devidamente estes pouco recomendaveis processos do snr. dr. Theóphilo
+Braga, poupando, com generosidade, o nome do encanecido trabalhador, em
+respeito aos seus cabelos brancos.
+
+E á nossa manifesta generosidade correspondeu o aclamado professor
+apodando os nossos processos críticos de:--processos... á tôa!
+
+Que nome conceder a esses processos do snr. dr. Theóphilo Braga?
+
+Mas não ficaram por aqui as habilidades de que se serviu o autor da
+_Historia da Litteratura Portugueza_. E chamamos-lhes _habilidades_, por
+não encontrarmos á mão um termo mais anodino, mais suave, mais doce,
+para definir o feito, e não por qualquer propósito agressivo.
+
+Existem na Torre do Tombo cartas autógrafas do suposto autor do
+_Crisfal_. A simples publicação d'essas cartas constituiria um golpe
+decisivo na lenda que atribuia produções de Bernardim Ribeiro a
+Cristovão Falcão de Sousa, por isso que taes documentos revelam que
+este, alem de iletrado, não escrevia meia dúzia de linhas sem uma
+enfiada de asneiras...--«_uma acumulação de tolices_», no dizer
+insuspeito de uma ilustre escritora.
+
+Que fez o snr. dr. Theóphilo Braga?
+
+Publicou essas cartas, alterando-lhe, paternalmente, a ortografia e a
+gramática, e deixando assim transparecer que o autor de taes escritos
+poderia muito bem ter produzido as poesias bucólicas que lhe atribuiam.
+
+Para que se não ajuízasse que faziamos uma afirmação gratuita ao dizer
+que o snr. dr. Th. Braga publicara _emendada_ a obra... em prosa de
+Cristovam Falcão, démos no volume _Bernardim Ribeiro_ (O Poeta Crisfal)
+uma reprodução foto-zincográfica de uma das cartas do suposto poeta, e,
+não desejando colocar n'uma situação pouco invejavel o professor do
+Curso Superior de Letras, escrevemos, procurando desculpar o seu
+procedimento:
+
+
+ «........o copista, a quem o distinto professor encarregou de
+ reproduzir o documento existente na Torre do Tombo, forneceu-lhe
+ uma reprodução _com summa deligencia emendada_, que o snr. dr.
+ Theóphilo, com a melhor boa fé, estampou no seu livro, e que muito
+ se afasta do original.»[4]
+
+
+Nem na sua comunicação á Academia das Sciências de Portugal, nem no seu
+artigo do jornal «O Dia», nem na carta que nos dirigiu, se referiu,
+embora ao de leve, o snr. dr. T. Braga á carta de Cristovam Falcão de
+Sousa... Compreende-se. O documento é tam esmagador, que o infatigavel
+polígrafo foge d'ele como dizem que o diabo foge da cruz.
+
+Mas, embora isso não agrade a s. ex.^a, vamos dar aqui a reprodução
+paleográfica de outra carta de Cristovam Falcão de Sousa, devendo
+elucidar os leitores que o snr. dr. Theóphilo Braga já deu publicidade a
+tal documento a pag. 368/70 do seu _Bernardim Ribeiro_ (edição
+refundida). Mas deu-lhe publicidade: _emendando-o_...
+
+Como não temos a peito celebrizar o alto engenho e mais partes que
+concorriam na pessoa do suposto poeta, reproduzimos a carta fielmente,
+e, para desfazer algum erro de leitura ou qualquer _gralha_ que passe á
+revisão, juntamos em foto-gravura o seu _fac-simile_.
+
+Eis a carta:
+
+[Figura: Reproducção foto-zincográfica da carta de Cristovam Falcão de
+Sousa]
+
+
+ «Sñor. mjnha jrmã dona bracajda faleceo da ujda presemte a dez dias
+ deste mes pasado estando eu nesa corte [~e] serujço de v. a. onde
+ me foy a noua pera [~q] viese prover [~e] alg[~u]as cousas da su
+ alma por me ela dejxar por seu testam[~e]tejro cõ seu marido ejtor
+ de figuejredo. fiquou-lhe h[~u] só filho e doutro marido [~q] deste
+ não ouve nenh[~u] e tão Riquo [~q] me diz[~e] que foy posta a
+ faz[~e]da de seu pay quãdo faleceo (que eu não era no Rejno) [~e]
+ doze contos. fez meu pay antes [~q] eu de la partise petição a uosa
+ a. [~q] lhe mãdase [~e]tregar seu neto e tirar de poder de seu
+ padrasto. sayo lhe na petição [~q] Requerese ao Juiz dos orfãos da
+ uila donde ho moço está que he borba donde seu padrasto he natural
+ e alquajde mor pelo duque de bragança e que ele prouerja e que não
+ no faz[~e]do proverja [~e]tão vosa a. a qual delig[~e]cia eu tenho
+ fejto que Requery ao Juiz [~q] lho tjrase de poder e que fose loguo
+ por [~q] eu tjnha sabjdo [~q] eitor de figueiredo detremjnaua
+ quasar ho moço cõ sua f.^a no fim deste mes [~e] que lhe diziã que
+ ho moço faz quatorze anos pera ho matrimonjo ser valioso. mãdou ho
+ Juiz dar ujsta de meu Requerim.^{to} a eitor de figueiredo e njsto
+ e [~e] ele Responder pasaram ojto dias e nestes me fizerão mujtos
+ agrauos alomgãdo me ho tempo e me fizerão perdediça h[~u]a petjção
+ dagrauo na qual agrauaua pera v. a. apresemtandoa eu [~e] audiencja
+ onde foy lida e jsto tudo por ele ser alquajde mor e ser toda a
+ ujla de seus paremtes e criados e por [~q] da li não pasão os
+ agrauos se não pera ho ouujdor do duque onde tão b[~e] me deterjão
+ pera ho moço chegar ao termo dos quatorze anos detremjney dejxar a
+ cousa neste termo e fazelo saber a v. a. pera [~q] proueja njsto
+ como lhe parecer serujço de deos e seu que mjlhor proueja [~q] pois
+ t[~e] tal faz[~e]da que v. a. ho quase cõ qu[~e] ouuer por seu
+ serujço [~q] não [~q] ho orfão seia asy Roubado. no que v. a. deue
+ loguo prouer como pay dos orfãos [~q] he quanto mais [~q] quarega
+ jsto sobre cõcj[~e]cja de v. a. por h[~u] alu.^{rá} que vosa a.
+ pasou a ejtor de figueiredo ao t[~e]po [~q] quasou cõ mjnha Jrmã
+ pelo qual tjrou a titorja a meu pay de seu neto por lha dar a ele.
+ ao qual agora ajnda se pega, como se não fose cerada a cousa por
+ morte de mjnha Jrmã. e o [~q] me parece [~q] se deue fazer he pasar
+ v. a. logo alu.^{rá} por esta quarta [~q] pode serujr de petjção,
+ [~q] polo qual mãde a h[~u] dos quoReiadores destremoz elvas ou por
+ talegre [~q] qualquer deles va a borba e tjre ho moço de poder de
+ seu padrasto e [~e]tregue sua p.^a a meu pay seu auô ou a meu jrmão
+ barnabé de sousa [~q] t[~e] faz[~e]da p.^a ho mjlhor mãter [~q]
+ biue [~e] portalegre onde ho moço t[~e] parte de sua faz[~e]da e
+ lhe he já dado por tutor desta fazemda e despois do moço tjrado
+ prouer v. a. [~e] qu[~e] seia seu tutor e seja ouujdo ejtor de
+ figuejredo das Rezomis [~q] diz ter pera [~q] ho moço quase cõ sua
+ f.^a mas jsto deuela ser amte v. a. [~q] qua não sey quãto se
+ gardara Justiça e ho aluará pode v. a. mãdar dar a demjão de sousa
+ meu irmão [~q] la amda [~q] ele ho fará vir cõ mujta delig[~e]cia
+ [~q] eu fiquo qua esperamdo p.^a ho Requerer e apresemtar. e
+ l[~e]bro mais a uosa a. [~q] mãde ao mesmo coReiador que
+ [~e]t[~e]da nas partjlhas e jmb[~e]tajro [~q] doutra manejra será
+ Roubado ho orfão e asi [~q] o t[~e]po aquaba p.^a fim deste mes e
+ eu s.^{or} neste trabalho nõ pretendo mais [~q] fazer ho [~q] deuo
+ e tenho dejxado os Requerjm.^{tos} que trago cõ v. a. [~e] mão de
+ fernão daluarez peço a v. a. que nõ perqua por ausente de ser
+ despachado. a qu[~e] deos a ujda e Real estado acrec[~e]te. de
+ portalegre sete de novembro. as Reajs mãos de v. a. bejjo. xpouão
+ falcão de sousa.»[5]
+
+ !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
+
+
+Ao leitor deixamos a faculdade de comentar a carta _primorosa_ do
+sarrafaçal engenho que durante alguns séculos gosou da fama de poeta
+insigne, em prejuizo do nome aureolado de Bernardim Ribeiro.
+
+
+
+
+III
+
+Anotações á carta que nos dirigiu o snr. dr. Theóphilo Braga
+
+
+*1*
+
+ «A ninguem interessaria tanto o conhecimento d'este problema, como
+ a mim, que esbocei uma biographia de Christovam Falcão com
+ elementos historicos (documentos authenticos) comprovando dados
+ genealogicos.»
+
+ _Carta do snr. dr. Th. Braga._
+
+
+
+Não ha a menor dúvida quanto á primeira parte d'esta afirmação.
+
+Com efeito, o snr. dr. Theóphilo Braga esboçou uma biografia de
+Cristovam Falcão, e ninguem ousará contestar-lhe o mérito de haver sido
+o Plutarco do suposto trovador.
+
+Esboçando-lhe a biografia, o abalisado professor de literatura serviu-se
+de documentos autênticos... mas utilizando alguns que não diziam
+respeito ao pseudo-poeta, e sim a um outro Cristovam; e interpretando,
+modificando e adulterando outros documentos ao sabor do seu paladar, ao
+capricho da sua fantasia.
+
+No capitulo XIX do nosso estudo sobre Bernardim Ribeiro destrinçamos os
+documentos históricos que o snr. dr. Theóphilo Braga propositadamente
+confundiu, e restabelecemos o texto de uma das cartas de Cristovam
+Falcão de Sousa que o habil professor _emendara_, com o zelo de Plutarco
+cioso do bom nome do seu heroe... lendário.
+
+No segundo capítulo d'este livro, ficou tambem fielmente reproduzida
+outra carta de Cristovam Falcão, que o infatigavel historiador havia
+_corrigido_, como se se tratasse de um tema de algum discípulo seu.
+Mesmo quando se entrega a trabalhos de reconstituição histórica, o snr.
+dr. Theóphilo Braga não se esquece de que é professor de literatura
+portuguêsa!
+
+Depois de isto, como ousa o snr. dr. Theóphilo Braga invocar os
+documentos autênticos de que tam mau uso fez?
+
+
+*2*
+
+ «Tive de ler immediatamente o seu livro, para ver que materiaes
+ traria para o aperfeiçoamento do meu trabalho.»
+
+ _Carta do snr. dr. Th. Braga._
+
+
+Tem graça, e não ofende!
+
+Se leu imediatamente o nosso livro, não foi para ver que novos subsídios
+forneciamos para o estudo da história da literatura portuguêsa, mas sim
+para conhecer quaes os materiaes que lhe facultariamos para o
+aperfeiçoamento do seu trabalho...
+
+Cabe n'esta altura, a talho de foice, deixar consignada certa passagem
+de uma palestra que o snr. dr. Theóphilo Braga teve com um dos seus mais
+inteligentes discípulos a propósito da publicação do nosso livro sobre
+Bernardim Ribeiro:
+
+«V. compreende... Eu sou como um mestre de obras... na construção de um
+edificio. Ha vários pedreiros... Vão-me chegando ás mãos diversas
+pedras... Aproveito aquelas que se me afiguram de feição, geitosas,
+convenientes para a minha obra, e as outras ponho as de parte, deito-as
+fóra.»
+
+E a um distinto confrade nas letras, ainda por motivo da publicação do
+nosso livro, o professor do Curso Superior de Letras teve ensejo de
+referir-se á nossa obscura pessoa, fazendo o favor de nos reconhecer
+talento, mas... _que os estudos de investigação histórica eram umas
+teclas muito dificeis, muito complicadas_...
+
+O apreciado _mestre de obras_ (segundo a frase de s. ex.^a) escusava de
+ter lido o nosso trabalho. O sub-título do livro, _O Poeta Crisfal_,
+demonstrava suficientemente ao snr. dr. Theóphilo Braga que nenhuma
+pedra de feição poderiamos proporcionar-lhe para o _aperfeiçoamento_ da
+sua obra, porque o nosso livro lhe atirava a terra com os alicerces em
+que se firmava o edificio... ou monumento erguido ao falso _Crisfal_.
+
+Foi um castelo de cartas que um sopro deitou ao chão...
+
+Oh! os estudos de investigação histórica são realmente... umas teclas
+muito complicadas!
+
+
+*3*
+
+ «Mesmo no prologo fez-me V. a justiça de que eu aproveitaria tudo
+ quanto se prestasse a futuras emendas.»
+
+ _Carta do snr. dr. Th. Braga._
+
+
+Não escrevemos tal no prólogo do nosso livro que o snr. dr. Theóphilo
+Braga aproveitaria d'ele _tudo quanto se prestasse a futuras emendas_.
+
+O que nós escrevemos a pag. 24 do nosso estudo sobre Bernardim é o
+período que segue:
+
+«Embora, em resultado da nossa descoberta, o snr. dr. Theóphilo Braga
+tenha de refundir mais uma vez os seus trabalhos sobre Bernardim Ribeiro
+e Sá de Miranda, estamos plenamente convencidos de que ninguem estimará
+mais do que o incansavel professor do Curso Superior de Letras a luz
+derramada sobre a figura do grande poeta bucolista, amigo de Francisco
+de Sá.»
+
+Nas linhas transcritas, o que havia da nossa parte era um cumprimento de
+cortesia,--uma gentileza, uma amabilidade, própria de quem, não tendo
+qualquer agravo do snr. dr. Theóphilo Braga, procurava colocar s. ex.^a
+em bom terreno, oferecendo lhe, por assim dizer, uma ponte, uma táboa de
+salvação, pela qual, sem quebra de linha, o escritor consagrado pudesse
+atravessar, reconhecendo, ou fingindo reconhecer, o mau terreno que
+estava pisando, e abraçando honestamente a verdade evidenciada.
+
+Era um cumprimento, repetimos; não um acto de justiça, que a ele não
+tinha jus o infátigo escritor. E da mesma natureza, no decurso do nosso
+trabalho, outras demonstrações de cortesia ficaram assinaladas,
+prestando homenagem á vida laboriosa do escritor encanecido cujos erros
+combatiamos.
+
+Mas como as amabilidades se agradecem, e os actos de justiça não são
+credores de qualquer agradecimento, aprouve ao snr. dr. Th. Braga ver
+nas nossas palavras um acto de justiça.
+
+Não lhe queremos mal por isso, pode crer o venerado professor.
+
+Cada qual segue os impulsos do seu temperamento.
+
+
+*4*
+
+ «Desde as noticias genealogicas trazidas por Braancamp Freire sobre
+ D. Maria Brandão, que Cristovam Falcão amou, sendo ambos muito
+ crianças, via-me forçado a tomar o nascimento d'elle no fim do
+ primeiro quartel do seculo XVI.»
+
+ _Carta do snr. dr. Th. Braga._
+
+
+Quando chegámos a esta altura da preciosa carta do snr. dr. Theóphilo
+Braga ficamos verdadeiramente surpreendidos, para não dizer
+boquiabertos!
+
+Lemos e tornamos a ler o período transcrito, pesamos detida e
+pacientemente cada uma das palavras que o constituem, e, ao cabo,
+alcançamos o convencimento de que uma tal afirmação constituia uma
+habilidade, um processo, uma engenhoca,--deixem chamar-lhe assim, embora
+o termo destôe, por menos académico,--a que o professor de literatura
+recorria para não confessar ter sido o nosso trabalho que o obrigava a
+aceitar o nascimento do suposto poeta no fim do primeiro quartel do
+seculo XVI.
+
+Fôra pelas noticias genealogicas trazidas pelo snr. Braamcamp Freire
+sobre D. Maria Brandão que o snr. dr. Theóphilo Braga, conforme nos
+escrevia, se vira forçado a não insistir no nascimento do pseudo Crisfal
+no ano de 1497, se não antes!
+
+Mas como podia isto ser, se o trabalho do ilustre escritor invocado pelo
+snr. dr. Theóphilo ainda não fôra dado á estampa?
+
+Teria o professor do Curso Superior de Letras recebido qualquer
+comunicação sobre o assunto por parte do snr. Anselmo Braamcamp
+Freire?--Não, não tinha recebido, como o demonstram eloquentemente os
+seguintes períodos de uma carta que em 5 de dezembro de 1908 nos
+dirigiu, em resposta a uma nossa, o primoroso director do _Archivo
+Historico_:
+
+
+ «Vamos agora á sua pergunta de hoje originada pela carta do dr.
+ Teofilo Braga. Elle não conhece nada do meu trabalho sobre a Maria
+ Brandoa, e faça-me a justiça de crer que, não lho tendo mostrado a
+ si, não o mostraria a mais ninguem. Não lho mostrei a si, porque
+ nas 150 paginas já impressas, de que em breve lhe mandarei um
+ exemplar, nada digo a respeito de Maria Brandoa: trato dos Brandões
+ do _Cancioneiro_ e da Feitoria de Flandres.»
+
+
+Depois da transcrição d'estas linhas, eloquentes e insuspeitas, do snr.
+Braamcamp Freire, tornam-se desnecessários de nossa parte quaesquer
+comentários á afirmação sem base do snr. dr. Theóphilo Braga.
+
+Passemos adeante sobre este caso triste!
+
+
+*5*
+
+ «Isto nos impossibilitava de continuar a admittir as relações
+ pessoaes de Cristovam Falcão com Bernardim Ribeiro já velho e
+ dementado em confidencias de amor com um rapaz no viço da mocidade;
+ e por tanto as Eclogas em que elle figurava interpretativamente
+ tinham de ser lidas a outra luz. V. acabando de fazer a destrinça
+ entre o Poeta e seu primo mais antigo, deu-me elementos para uma
+ melhor interpretação das Eclogas de Bernardim, (eliminadas as
+ relações com Cristovam Falcão), e mostrando como realmente as
+ poesias d'aquelle, como mestre, influiram no mais moço, que como
+ novel chega a fazer centões e intercalações de versos de Bernardim
+ Ribeiro.»
+
+ _Carta do snr. dr. Th. Braga._
+
+
+Pelo exposto, entende o snr. dr. Theóphilo Braga que nós lhe demos
+elementos para uma melhor interpretação das éclogas de Bernardim, o que
+importa implicitamente a afirmação de que não soubemos interpretá-las,
+ou que erramos a exegese com que julgavamos ter corrigido as lições
+ministradas pelo ilustre professor.
+
+Aguardemos, pacientemente, que o snr. dr. Theóphilo Braga refunda mais
+uma vez o seu livro sobre Bernardim Ribeiro, para então apreciarmos as
+novas interpretações que o imaginoso historiador se propõe apresentar
+das éclogas de Bernardim, e ficarmos tambem conhecendo quaes os _centões
+e intercalações_ de versos de Ribeiro que o novel Falcão introduziu nas
+suas produções... em prosa, únicas que obrou. Obrou, no sentido de:
+produziu, claro está.
+
+
+*6*
+
+ «Ha uma affirmativa histórica, de Diogo do Couto, na sua _Decada
+ VIII_, que fallando de Damião de Sousa Falcão, accrescenta como
+ reforço historico: «irmão de *Cristovam Falcão*, aquelle que fez
+ aquellas cantigas nomeadas de Crisfal...» E tambem no seculo XVI
+ Fructuoso (resumido pelo P.^e Antonio Cordeiro na Historia
+ insulana) diz de Cristovam Falcão: «parente do Barão velho e do
+ famoso poeta Cristovam Falcão, que fez a celebre Ecloga Crisfal das
+ primeiras syllabas do seu nome...» Tambem nas edições de Ferrara e
+ Colonia, feitas por curiosos sem criterio litterario, se repete a
+ attribuição «_que dizem ser_ de Cristovam Falcão, ho que parece
+ alludir o nome da mesma Ecloga». Não se podem refutar por negativa
+ estes testemunhos de homens de letras do seculo XVI, e que se
+ reflectiram nos genealogistas.»
+
+ _Carta do snr. dr. Th. Braga._
+
+
+A habilidade, ou antes o processo habilidoso, ou, melhor, a tendenciosa
+redacção d'estes períodos não consegue iludir ninguem... Julgou talvez o
+snr. dr. Theóphilo Braga que nos desnortearia com esta subtileza de
+processos... críticos. Tal não conseguiu, como terá de reconhecer no
+foro íntimo da sua consciência.
+
+Vamos por partes:
+
+Foram os editores de Ferrara e Colónia que propagaram pela imprensa a
+lenda de que a paternidade da carta e ecloga de Crisfal era atribuida a
+Cristovam Falcão, e, fazendo-o, limitaram-se, com honestidade, a
+escrever: «que dizem ser... ao que parece aludir o nome da mesma
+ecloga». Ao contrário do que o snr. dr. Theóphilo Braga procura fazer
+incutir, tendenciosamente, os editores citados não repetiram uma
+atribuição de homens de letras do seculo XVI...
+
+Os homens de letras do seculo XVI é que repetiram, fazendo-a certa, a
+atribuição feita com reservas pelos editores das obras de Bernardim
+Ribeiro em 1554 e 1559. Aceitaram por boa, sem se darem ao trabalho de a
+verificar, uma simples atoarda.
+
+Quem eram os editores de 1554 e 1559 das obras de Bernardim Ribeiro?
+
+Di-lo, judiciosamente, o snr. dr. Theóphilo Braga na carta que vamos
+analisando:
+
+Eram «*curiosos sem critério literário*».
+
+Será a estes obscuros obreiros do século XVI que o laureado professor
+quer guindar á categoria de homens de letras com foros de autoridades?
+
+Não, os editores de 1554 e 1559 foram realmente creaturas sem o menor
+critério literário, e por isso deram alentos á lenda forjada pelo vulgo;
+mas não resta a menor dúvida de que eram pessoas de bem, porque
+consignaram uma _tradição vaga_, sem se atreverem a registá-la como um
+facto positivo, indiscutivel, incontroverso. A cobrir a sua
+responsabilidade de editores conscienciosos, lá estamparam: «que dizem
+ser... ao que parece aludir.» Outros fossem eles, que asseverassem que
+as duas produções, carta e écloga, pertenciam a Cristovam Falcão
+incontestavelmente, irrefragavelmente!
+
+Ignorava, porventura, o snr. dr. Theóphilo Braga que os editores da obra
+de Bernardim Ribeiro, ao produzirem as rúbricas respeitantes ao suposto
+autor do Crisfal, mencionavam apenas uma atoarda, uma vaga tradição?
+
+Não; o venerado professor não ignorava isso. Testemunha-o o que s. ex.^a
+escreveu a paginas 21 da sua chamada edição crítica das obras de...
+Cristovam Falcão:
+
+*«As rubricas do editor de Colonia, encerram as tradições vagas, que,
+passados nove annos, ainda corriam ácerca d'aquelle infeliz namorado.»*
+
+Para que veio pois o snr. dr. Theóphilo Braga asseverar que _tambem nas
+edições de Ferrara e de Colonia se repete a atribuição_?
+
+Mais diz o apreciavel escritor que «não se podem refutar por negativa»
+as atribuições que Diogo do Couto e Frutuoso fizeram, repetindo _como
+certo_ o que os editores das obras de Bernardim registaram _sob
+reservas_.
+
+Não se podem refutar por negativa, não; mas podem refutar-se cabalmente,
+pondo em confronto da obra poética atribuida a Cristovam Falcão a obra
+em prosa que ninguem ousará disputar ao suposto trovador.
+
+E a admitir alguem, de reconhecida inteligência e critério, que o autor
+das cartas em prosa podia ser o poeta da Carta e da Ecloga de _Crisfal_,
+o mesmo equivaleria a aceitar como razoavel que Rosalino Candido pudesse
+firmar as obras do snr. dr. Theóphilo Braga, e que, consequentemente, o
+laureado professor de literatura fosse capaz de produzir a obra
+gigantesca de Victor Hugo.
+
+É realmente desolador, para a fabula consagrada, que a Torre do Tombo
+conserve os autógrafos de Cristovam Falcão de Sousa!
+
+
+*7*
+
+ «A ecloga de Crisfal não podia ser publicada pelo seu autor, nem
+ pelo seu consentimento porque era uma _inconfidencia_ de antigas
+ relações amorosas com uma senhora que estava casada.»
+
+ _Carta do snr. dr. Th. Braga._
+
+
+Esta bizarra revelação do snr. dr. Theóphilo Braga constitue,
+naturalmente, uma desenfastiada brincadeira de s. ex.^a.
+
+Pois qual é a obra _lírica_ onde se não encontrem _inconfidências_
+semelhantes ás da ecloga de Crisfal?
+
+O snr. dr. Theóphilo Braga, que aos catorze anos já se entregava a
+devaneios poéticos, não deixou certamente de dar publicidade a versos em
+que foi decantada alguma dama unida pelos laços matrimoniaes... E
+estamos convencidos de que ninguem chamou _inconfidências_ aos suspiros
+poeticos do trovador açoreano. As inconfidências não servem de tema ás
+locubrações dos vates; onde existe arte, no bom sentido da palavra, não
+ha inconfidências, embora n'este ponto estejamos em absoluta
+discordância com a doutrina exposta pelo professor do Curso Superior de
+Letras.
+
+Em toda a obra, prosa ou verso, de Bernardim Ribeiro, vive, palpita, a
+história ingénua da sua vida, o trama dos seus mal-aventurados amores
+por uma dama que trocou a afeição do poeta pela de um outro zagal. Foi
+um inconfidente o magoado Bernardim?--Não, foi um artista, foi um poeta
+apaixonado, alma de eleição que da sua dor fez um poema, como diria
+Goethe. E que adoravel e sentido poema nos legou o grande poeta
+bucolista!
+
+Mas não vale a pena insistir mais n'este ponto. A afirmativa do snr. dr.
+Theóphilo Braga constitue, naturalmente, um gracejo inofensivo de s.
+ex.^a.
+
+
+*8*
+
+ «A edição sem data, de Lisboa, só podia ser feita por 1542, quando
+ Cristovam Falcão estava em Roma; e quando Camões foi para Ceuta em
+ 1547 na Carta que d'ali escreveu emprega muitos versos do
+ _Crisfal_, que então andava no gosto.»
+
+ _Carta do snr. dr. Th. Braga._
+
+
+Reproduzamos aqui o que o autor da _Historia da Litteratura Portugueza_
+escreveu a paginas 394/5 do seu volume _Bernardim Ribeiro_ (edição
+refundida):
+
+
+ «N'esta folha volante não vem a _Carta_, nem as _Cantigas_ e
+ _Esparsas_ incluidas na edição de Colonia. Parece mais uma
+ vulgarisação popular, talvez uma das muitas que tornaram a Ecloga
+ _muy nomeada_, e de que a reprodução de 1571, feita em Lisboa
+ (existiu na Livraria de Joaquim Pereira da Costa) seria o typo que
+ serviu para a reprodução de 1619, em que apparecem elementos só
+ conhecidos pela edição de 1559.
+
+ «A folha volante _sem data_ diverge do texto de Colonia
+ profundamente; basta observar as variantes entre as lições das
+ estrophes 51 e 52. Attribuimos a impressão das _Trovas de Crisfal_,
+ a 1536, quando appareceram tambem em folha volante as _Trovas de
+ Dois Pastores_ (Ecloga III) de Bernardim Ribeiro.
+
+ «A vinheta do Pastor com capuz e cajado no _Crisfal_ é a mesma que
+ serve nas _Trovas de dois Pastores_; o typo gothico corpo 12 do
+ titulo do folheto de 1536 é o empregado no texto do _Crisfal_.
+ Tambem a vinheta da Dama, que vem no titulo, appareceu empregada em
+ outra folha volante de 1536, intitulada _Tragedia de los amores de
+ Eneas y de la reina Dido_.»
+
+
+Procedemos ao mesmo exame a que o snr. dr. Theóphilo Braga sujeitou o
+_pliego-suelto_, e chegamos a egual conclusão. Algumas vezes nos
+haviamos de encontrar em concordância de vistas com s. ex.^a. E porque o
+nosso pensar sobre o assunto egualava o do ilustre professor, escrevemos
+a pag. 119 do livro _Bernardim Ribeiro_ (O Poeta Crisfal), aludindo ao
+folheto sem indicação de data nem de lugar de impressão:
+
+[Figura]
+
+«...mas reconhecendo-se, pelo confronto com outros folhetos, ser de
+1536).
+
+«Como muito bem observou o snr. dr. Theóphilo Braga, etc.»
+
+Seguiu-se a transcrição do parágrafo do snr. dr. Th. Braga que atrás
+reproduzimos.
+
+Mudou o abalisado professor de opinião quanto á data do _pliego-suelto_,
+querendo agora fixar-lhe o ano de 1542, como poderia fixar-lhe o de 1552
+ou 1562, arbitrariamente.
+
+Se ao menos s. ex.^a tivesse a condescendência de indicar-nos quando
+seguiu os _processos inductivos da crítica moderna_! Ao fixar a data de
+1536 ou quando arbitrou a de 1542?
+
+Em folha apensa, damos uma reprodução foto-zincográfica das primeiras
+páginas dos tres folhetos que levaram o snr. dr. Theóphilo Braga a fixar
+a data da primeira edição conhecida das _Trovas de Crisfal_ em 1536.
+
+Se nos perguntarem se estamos dispostos a quebrar lanças para sustentar
+a antiga opinião do historiador da _Litteratura Portugueza_,
+responderemos, com toda a franqueza, negativamente. O que não podemos
+admitir é que se procure agora determinar-lhe _com precisão_ a data de
+1542, com o simples fundamento de que n'esse ano estava em Roma o seu
+suposto autor...
+
+Alude o snr. dr. Theóphilo Braga ao facto de Camões empregar versos do
+_Crisfal_.
+
+A explicação, a nosso ver, é muito simples:
+
+Em Faria e Sousa, o insigne fabulista, autor muito da predilecção do
+snr. dr. Theóphilo, encontra-se uma afirmativa, que constitue em nosso
+juizo uma das raras que merecem algum crédito, não obstante a impureza
+da _fonte_.
+
+Referindo-se a Bernardim Ribeiro, escreveu Faria e Sousa: «poeta bien
+conocido y a quien llamava su Enio el divino Camões.»
+
+Não desconhece isto o professor do Curso Superior de Letras, porque a
+pag. 131 da primeira edição do seu _Bernardim Ribeiro_ reproduziu da
+_Fuente de Aganipe_ o dizer de Faria.
+
+Como demonstrámos no volume sobre o _Poeta Crisfal_, Camões glosou o
+magoado solau da _Menina e moça_, de Bernardim Ribeiro.
+
+Em uma das cartas atribuidas ao cantor dos _Lusiadas_, encontra-se uma
+alusão directa ao autor das _Saudades_, indicando-lhe o nome: _Bernardim
+Ribeiro_.
+
+Se Bernardim era o seu _Enio_, naturalíssimo é que Camões se deixasse
+influenciar pelo Mestre, imitando alguns dos seus versos.
+
+A não ser que o snr dr. Theóphilo Braga queira concluir que, sendo
+Bernardim o _Enio_ de Camões, Cristovam Falcão era o _Enio_ numero 2 do
+mesmo poeta,--assim a modos de um _Enio_ barato, para trazer por casa.
+
+Prossigamos...
+
+
+*9*
+
+ «Na edição de Lisboa vem duas estrophes supprimidas no texto de
+ Ferrara e Colonia, por que continham uma _inconfidencia_. Isto leva
+ a explicar como Cristovam Falcão tentaria apagar a paternidade da
+ Ecloga fundamentando-se-lhe a imputação com o anagramma das
+ primeiras syllabas do nome.»
+
+ _Carta do snr. dr. Th. Braga._
+
+
+Salvo erro, o snr. dr. Theóphilo Braga quer referir-se apenas a uma, e
+não a duas estrofes.
+
+E á estrofe que reza:
+
+
+ Muitos pastores buscaram
+ mas um pastor por ser-te amigo,
+ e outro por ser-te enemigo,
+ um e outro se escusaram.
+ E dão-lhe logo comigo
+ gados que farão mil queijos;
+ mas como se despediam
+ é já mostrar que temiam
+ que o sabor dos teus beijos
+ na minha boca achariam!
+
+
+Falava-se em _beijos_... Era uma _inconfidência_, e gravíssima, e por
+isso a estrofe foi suprimida nas edições de Ferrara e de Colónia! Está
+claro, e tam claro que, no dizer do snr. dr. Th. Braga, «_isto leva a
+explicar como Cristovam Falcão tentaria apagar a paternidade da
+Ecloga_...»
+
+Ora admitindo por um momento que Cristovam Falcão houvesse sido poeta, e
+tivesse a lembrança de escrever uma écloga abundante em
+_inconfidências_, pespegava-lhe, sem mais nem menos, com um anagrama
+deduzido das primeiras sílabas do seu nome, para que toda a gente logo o
+apontasse a dedo como _inconfidente_?
+
+De mais a mais, como quer o snr. dr. Th. Braga na sua exegese, se o
+suposto poeta empregasse os nomes verdadeiros de todas as personagens
+que a écloga alvejava, isso constituiria um _apagamento_ de paternidade
+muito pouco apagado...
+
+Todo o mistério, o discreto veu da fantasia, a cobrir a realidade dos
+episódios que a écloga do _Crisfal_ menciona, equivaleria á ingenuidade
+infantil d'aquela antiga adivinha: «Branco é, galinha o põe»!
+
+Ponha se o snr. dr. Th. Braga no lugar do pseudo-trovador, imagíne que
+resolvia arquitectar uma écloga cheia de _inconfidências_, e diga-nos,
+com franqueza, se, desejando apagar a paternidade de um tal feito,
+assinaria a sua produção com o anagrama _Theobra_?
+
+Logo os seus discípulos concluiriam, triunfalmente: «Cá temos mais um
+poema do Mestre!» E fosse lá s. ex.^a convencê-los de que não era tal o
+autor da _inconfidência_!
+
+
+*10*
+
+ «Os logares communs a Bernardim Ribeiro e Cristovam Falcão provam
+ mais a favor da imitação de um discipulo, do que á fusão dos dois
+ poetas, repetindo-se o mestre na decadencia.»
+
+ _Carta do snr. dr. Th. Braga._
+
+
+Com o respeito devido ao professor de literatura, de modo nenhum podemos
+aceitar a sentença de s. ex.^a
+
+A _subtileza_ do snr. dr. Theóphilo Braga, proclamando que os lugares
+comuns a Bernardim Ribeiro e Cristovam Falcão provam mais a favor da
+imitação de um discípulo do que á fusão dos dois poetas, é da natureza
+do conhecido artifício pelo qual se póde sustentar que cinco vintens não
+são um tostão, ou vice-versa!
+
+Admitindo que Cristovam Falcão tivesse sido um imitador de Bernardim,
+como quer o abalisado professor, explica-se porventura que levasse tam
+longe a sua improbidade literária, que roubasse por inteiro versos e
+cantigas ao seu mestre, com a maior desfaçatez? Pois o autor da _Carta_
+e da _Eclóga de Crisfal_, a ser um imitador, não teria o bom senso
+suficiente para reconhecer que, roubando versos de Bernardim, não
+alcançaria renome de poeta, mas o apodo de salteador literário?
+
+Um imitador, por mais inexperiente e tacanho, não se aproveita dos
+textos que imita de maneira a que lhe possam apontar os versos
+_palmados_. Ou não será isto o que a lógica permite conjecturar?
+
+Como ignoramos _os processos inductivos da critica moderna_, é possivel
+que estejamos em erro, e que da mesma ignorância resulte não alcançarmos
+o sentido das palavras do snr. dr. Theóphilo Braga quando afirma que o
+mestre (Bernardim Ribeiro) se repetiu na decadência.
+
+Que repetições? e que decadência?
+
+
+*11*
+
+ «Emfim ha dois schemas de paixão amorosa que se não confundem: o de
+ Joana e Fauno, Aonia e Bimnarder, e o de Maria e Crisfal. São duas
+ almas, sentindo em situações differentes.»
+
+ _Carta do snr. dr. Th. Braga._
+
+
+Ha dois schemas de paixão amorosa que se não confundem, diz o snr. dr.
+Theóphilo Braga na carta que, pacientemente, estamos anotando.
+
+É verdadeira esta afirmativa?
+
+--Não, não é verdadeira, e o professor do Curso Superior de Letras sabe
+muito bem que o não é.
+
+Em 1897, ao publicar a sua edição refundida do livro _Bernardim
+Ribeiro_, confrontando versos de Bernardim com os atribuidos a Cristovam
+Falcão, escreveu o professor de literatura.
+
+«Vê-se que á medida que *a situação dos amores de Bernardim Ribeiro
+seguia o mesmo desfecho dos amores de Cristovam Falcão*, os dois poetas
+communicavam entre si os seus versos, sendo por este modo que se
+salvaram as poesias do auctor do _Crisfal_.»[6]
+
+
+Ha dois schemas de paixão amorosa que se não confundem, diz s. ex.^a,
+procurando agarrar-se a uma boia salvadora...
+
+Mas tanto a paixão é uma só que o snr. dr. Theóphilo Braga, na écloga em
+que Bernardim se personifica sob o nome bucólico de _Persio_, viu n'essa
+personagem *Cristovam Falcão*! E estamos em crer que o ilustre professor
+não irá agora sentencear que a écloga primeira de Bernardim tambem foi
+elaborada pelo suposto trovador...
+
+Pois se o snr. dr. Theóphilo Braga até concluiu que tanto Bernardim como
+Cristovão Falcão sofreram as agruras do _carcere privado_!
+
+Como póde suceder que o distinto escritor já se não recorde do que
+escreveu a pag. 76/78 da sua edição refundida do livro «Bernardim
+Ribeiro», arquivemos aqui algumas das suas passagens:
+
+ «...Não ignorava Bernardim que o namorado de Maria tambem estivera
+ em carcere privado:
+
+ _Vi-me já preso_; contente
+ A meu mal queria bem.
+
+ «Na Carta, que escreveu _estando preso_, e mandou áquella com quem
+ estava casado a furto, diz Christovam Falcão:
+
+ Mal cuja dor se não crê
+ de _prisão_ e de ausencia!
+ .............................
+
+ Bem se enxerga nos meus danos
+ _que estou preso ha cinco annos_,
+ afóra os que heide estar...
+
+ «Retratando o cuidado de Persio, diz Bernardim Ribeiro:
+
+ Logo então começou
+ _Seu gado a emagrecer,
+ Nunca mais d'elle curou_,
+ Foi-se-lhe todo a perder
+ Com o cuidado que cobrou.
+
+ «Em Christovam Falcão lê-se:
+
+ Crisfal não era entam
+ dos bens do mundo abastado,
+ tanto como de cuidado,
+ que por curar da paixão
+ _não curava do seu gado_.
+
+ «E continuando o parallelismo, por onde se vê que os dois poetas
+ eram mutuos confidentes, e se influenciaram, temos mais estes
+ traços com que Bernardim Ribeiro retrata o _Crisfal_:
+
+ Sentava-me em um penedo
+ Que no meio d'agua estava;
+ Então alli só e quedo
+ A minha frauta tocava.
+
+ «E no _Crisfal_, quasi pela mesma maneira:
+
+ Alli sobre uma ribeira
+ de mui alta penedia,
+
+ d'onde a agua d'alto caía,
+ dizendo d'esta maneira
+ estava a noite e o dia...
+
+ «Bastam estas comparações para se reconhecer a communhão artistica
+ entre os dois namorados poetas.»
+
+
+Depois de haver escrito o que acaba de ler-se, como se compreende que o
+snr. dr. Theóphilo Braga venha proclamar, com a maior sem-cerimónia, que
+ha _dois schemas de paixão amorosa que se não confundem_!
+
+Quanto a _Fauno_, nome pastoril que, em uma das éclogas, Bernardim dá ao
+seu amigo, confidente e colega Francisco de Sá de Miranda, quer o snr.
+dr. Theóphilo Braga que seja a personificação do próprio B.
+Ribeiro,--talvez para não confessar que nós acertamos na interpretação
+apresentada no _Poeta Crisfal_.
+
+Temos certa curiosidade em saber se na futura refundição do livro sobre
+os poetas bucolistas o seu autor transferirá para Sá de Miranda o crisma
+de _Persio_, na impossibilidade de continuar a ver na mesma figura os
+traços de Cristovam Falcão...
+
+De uns versos de Francisco de Sá, imitando uma canção de Petrarca, já o
+ilustre professor concluiu que o amigo de Bernardim sofrera a prisão,
+por motivo de amores... É meio caminho andado para que, na fantasia de
+s. ex.^a, o douto Sá de Miranda vá tomar o pouso do derreado Falcão.
+
+A ver vamos... como dizia o cego, e cada vez via menos!
+
+
+*12*
+
+ «Através de todo o hypercriticismo, o livro sobre Bernardim revela
+ um trabalhador fervoroso, etc.»
+
+ _Carta do snr. dr. Th. Braga._
+
+
+Duas palavras apenas:
+
+A nosso juizo, aquele _através_ está a substituir, amavelmente, o
+advérbio _apesar_... É o que julgamos depreender da sequência da frase.
+
+No nosso modesto e desvalioso estudo, o snr. dr. Theóphilo Braga apenas
+viu _hipercriticismo_, o que de modo nenhum póde agradar ao historiador
+da _Litteratura Portugueza_, que só emprega os modernos processos da
+crítica scientífica,--graças aos quaes... se vê obrigado a refundir
+amiude os seus trabalhos!
+
+Continuaremos, impenitentes, a cultivar o _hipercriticismo_, deixando ao
+snr. dr. Theóphilo Braga o uso exclusivo dos seus processos, que não nos
+seduzem, com toda a franqueza o dizemos.
+
+
+
+
+IV
+
+A comunicação do presidente da Academia das Sciencias de Portugal
+
+
+No seio da sociedade scientífica e litéraria, de que é ilustre
+presidente, proclamou o snr. dr. Theóphilo Braga, á porta fechada, isto
+é, em reunião privativa dos sócios d'aquela Academia, que a vida amorosa
+de Cristovam Falcão «_oscila entre 1525 e 1526, sendo n'aquella data
+moço fidalgo, tendo pelo menos 12 annos_».
+
+Cristovam Falcão de Sousa era moço fidalgo em 1527, como se demonstra
+indubitavelmente pelo registo exarado n'um livro que existe no arquivo
+da Torre do Tombo, registo que reproduzimos com fidelidade a paginas
+168/9 do nosso estudo sobre Bernardim Ribeiro.
+
+Na sua erudita comunicação á Academia das Sciencias de Portugal, afirmou
+o snr. dr. Theóphilo Braga que o suposto autor do _Crisfal_ tinha _pelo
+menos 12 anos á data de 1525_...
+
+Não indicou o douto académico o documento ou _recurso histórico_, em que
+se estribava para sentencear, sem admitir réplica, que o pseudo-trovador
+tinha _pelo menos 12 anos á data de 1525_, mas é possivel que s. ex.^a
+esteja munido de concludentes provas para demonstrar a justeza da sua
+afirmativa, se alguem se lembrar de contestar-lhe tam peremptória
+opinião.
+
+Se o ilustre professor não possue a tal respeito documentos bastantes,
+póde dar-se o caso de alguem vir àmanhan, quando mais não seja para
+fazer pirraça a s. ex.^a, declarar que Cristovam Falcão de Sousa, á data
+de 1525, não era ainda nascido, ou, quando muito, teria doze mêses, e
+não 12 anos...
+
+Mas é possivel que o snr. dr. Theóphilo Braga tenha conseguido descobrir
+qualquer documento em que apoie a sua sentença. É até muito possivel!
+
+O importante, por agora, é verificar que o laureado académico fixou o
+ano do nascimento do pseudo-poeta em 1513, poucos mêses mais, poucos
+mêses menos, se a lógica não é uma cantata para adormecer meninos.
+
+Ora, sendo assim, vê-se que alguma cousa se ganhou com a publicação do
+nosso livro sobre o _Poeta Crisfal_, onde a paginas 176 escrevemos:
+
+«*Quanto a Cristovam Falcão de Sousa, moço fidalgo em 1527, por muito
+que se queira afastar a data do seu nascimento, não poderá esta ser
+fixada em ano anterior a 1510. Fixando-se o seu nascimento entre os anos
+de 1510 a 1515, é natural que se fique muito próximo da verdade.*»
+
+O snr. dr. Theóphilo Braga, em face do nosso estudo, escolheu o ano de
+1513, cifra que se encontra compreendida _entre 1510 a 1515_, salvo
+erro.
+
+Nós, porém, com inteira franqueza o dizemos, temos ainda suas dúvidas, e
+após recentes pesquizas, em que vamos prosseguindo, inclinamo-nos a
+ajuizar que o pseudo-_ultimo eco do alaúde_ ainda não era nascido no ano
+de 1516...
+
+Mas, para aclarar este ponto de capital importância, aguardemos a nova
+versão que o snr. dr. Theóphilo Braga tem na forja sobre os poetas
+bucolistas.
+
+Além de ter modificado a sua antiga doutrina sobre a epoca em que
+floresceu o falso _Crisfal_, na sua comunicação ao grémio literário a
+cujos destinos preside, o snr. dr. Theóphilo determinou que a vida
+amorosa do homenzinho oscilara *entre 1525 e 1526*,--isto é no período
+ingénuo e viçoso dos doze para os treze anos, quando a suposta mulher
+amada pelo Xpouão contaria, na melhor das hipóteses, as suas fagueiras e
+menineiras dez primaveras...
+
+Mas, decorrido menos de um mês sobre a comunicação... scientífica, o
+egrégio conferente emendou este seu parecer, como se verá quando
+analisarmos o artigo epigrafado _Movimento litterario_.
+
+Segundo o extrato publicado no jornal «O Mundo», que condizia com os de
+outras gazetas, o snr. dr. Theóphilo Braga «_evidenciou que na ecloga
+«Crisfal» transpareciam diversas situações da vida de Cristovam
+Falcão_.»
+
+Infelizmente, os jornaes não nos forneceram qualquer pormenor
+elucidativo sobre a referida _evidenciação_, pelo que ficamos, com
+verdadeiro pesar, privados de reconhecer a maneira engenhosa pela qual o
+distincto professor de literatura conseguiu demonstrar, _urbi et orbi_,
+que na magoada écloga de Bernardim Ribeiro transpareciam _diversas
+situações da vida de Cristovam Falcão_.
+
+É possivel, porém, que na próxima futura refundição do seu livro sobre
+os bucolistas, o snr. dr. Theóphilo Braga inclua um largo capítulo em
+que trate o assunto com o devido desenvolvimento, completando o extrato
+que os jornaes fizeram da sua apreciavel comunicação, com o que
+preencherá uma sensivel lacuna. Oxalá assim suceda.
+
+Terminou o conferente a sua palestra por invocar, mais uma vez, Diogo do
+Couto e Gaspar Frutuoso; e mais uma vez afirmou que as duas
+individualidades (Bernardim Ribeiro e Cristovam Falcão de Sousa) _não
+podem jàmais confundir-se_.
+
+Perfeitamente de acordo, n'esta parte, com o venerado professor!
+
+Cristovam Falcão, o iletrado autor das _Quartas_, não póde jàmais
+confundir-se com Bernardim Ribeiro, o mavioso autor da _Carta_ e da
+_Ecloga de Crisfal_...
+
+Pelo que, implicitamente, fica demonstrado que nós não temos dúvida em
+adoptar uma ou outra das conclusões do presidente da Academia das
+Sciencias de Portugal, apesar de todo o nosso hipercriticismo, como está
+vendo o nosso _prezadíssimo amigo_!
+
+
+
+
+V
+
+O artigo «Movimento litterário»
+
+
+Como os leitores viram, pela reprodução que fizemos no primeiro capítulo
+d'este trabalho, no artigo que publicamos nas colunas do diário «A
+Lucta», sob a epigrafe: «_Os processos... scientificos do snr. dr.
+Theóphilo Braga_», salientámos várias inexactidões contidas no capcioso
+desarrazoado que o professor do Curso Superior de Letras estampou no
+jornal «O Dia», a pretexto de dar notícia do movimento literário
+português no ano de 1908.
+
+Não insistiremos sobre os pontos já visados, embora prestassem o flanco
+a mais largas considerações, mas nem o tempo nos é sobejo nem tam pouco
+desejamos abusar da benevolência dos que nos lêem, prolongando
+demasiadamente este comentário desenfastiado e despretencioso ás
+refutações embrogliadoras e falhas de sinceridade do snr. dr. Theóphilo
+Braga.
+
+Sem a publicação do artigo _Movimento litterário_, aguardariamos
+pacientemente a futura refundição do livro consagrado ao estudo dos
+poetas bucolistas pelo egrégio professor, e só em face das novas
+exegeses fantasiadas pelo snr. dr. Theóphilo Braga viriamos a público
+dizer o que se nos oferecesse, defendendo, o melhor que soubessemos e
+pudessemos, as conclusões que apresentámos no nosso trabalho sobre o
+_Poeta Crisfal_.
+
+Não o quis assim o distinto escritor açoreano. Seja feita a sua vontade!
+
+
+*1*
+
+ «...o snr. Delfim Guimarães publicava o seu livro _Bernardim
+ Ribeiro--O Poeta Crisfal_, em que resume o já sabido da biographia
+ do auctor da Menina e Moça, forçando interpretações de versos a
+ significarem os factos que imagina.»
+
+ _Do artigo «Movimento Litterario_.»
+
+
+Na opinião soberana do consagrado professor, no nosso livro sobre
+Bernardim Ribeiro resumimos o _já sabido_ da biografia do autor da
+_Menina e moça_, e forçámos interpretações de versos a significar os
+factos que imaginámos!
+
+Tem carradas de razão o implacavel crítico quando proclama, desdenhoso,
+que nós resumimos o que já era sabido da biografia do grande poeta
+bucolista.
+
+Resumimos quanto pudemos, exageradamente talvez, o que _já era sabido_
+da biografia de Bernardim Ribeiro, mas muito de propósito assim
+procedemos, para que ninguem, em face do nosso trabalho, pudesse dizer
+com justiça que fôra nosso intento fazer substituir no mercado o livro
+do snr. dr. Theóphilo Braga pelo nosso.
+
+É certo que nos poderiamos ter conduzido pela mesma fórma adoptada pelo
+consciencioso escritor ao _resumir_ no seu _Garrett_ o trabalho
+desenvolvido de Gomes de Amorim, mas não quisemos seguir semelhante
+conduta, muito embora pudessemos invocar, como modêlo, o exemplo que nos
+fornecia o historiador da *Litteratura Portugueza*.
+
+Não quisemos enveredar por esse caminho, e não estamos arrependidos,
+apesar do remoque com que fomos alvejados. Cada qual segue os processos
+que muito bem entende, mais em harmonia com o seu temperamento ou
+educação.
+
+Resumimos o já sabido da biografia de Bernardim, é um facto; mas tivemos
+o cuidado de não aproveitar aquela descoberta mais que problemática que
+localizou a _Quinta dos Lobos_ na _Quinta da Piedade_, em Sintra, e nem
+por um momento nos passou pela cabeça perfilhar as palavras do snr. dr.
+Theóphilo Braga quando vê «*a persistencia do elemento mauresco, na
+paixão exaltada do poeta e no calor surprehendente da sua
+linguagem*».[7]
+
+Não seguimos tam pouco na esteira do eminente exegeta quando s. ex.^a
+pinta, ao sabor da sua fantasia rocamboliana, Bernardim Ribeiro:
+«*moreno, fino e enchuto de carnes, com a perdição no olhar e a
+fatalidade invencivel no amor*.»[8]
+
+Resumimos o já sabido da biografia de Bernardim, alto e bom som o
+declaramos; mas alguns erros tivemos ocasião de apontar ao biógrafo
+ilustre do autor da _Menina e moça_, para que os corrija, querendo, nas
+futuras edições, pelo que nenhum agradecimento nos deve, seja dito.
+
+Que teria perdido o renome universal do Mestre em se mostrar, não
+diremos mais benevolente, mas mais justo? Oh! o positivismo!...
+
+Mas assevera o snr. dr. Theóphilo Braga que nós *forçamos interpretações
+de versos a significarem os factos que imaginamos*!
+
+Onde viu s. ex.^a essas interpretações forçadas?
+
+Tendo-as visto, por que motivo não veio indicá-las em público, para
+exautoração do nosso _hipercriticismo_, para maior glória do seu
+laureado nome, para mais intenso fulgor da nossa História literária?
+
+Forçâmos interpretações de versos!
+
+Se o professor de literatura estivesse de boa fé, e entendesse realmente
+que nós haviamos errado a interpretação de versos de Bernardim, que lhe
+competia fazer, que lhe cumpria fazer?
+
+--Indicar-nos onde haviamos errado, fazendo-nos ver que estavamos em
+erro; e quando s. ex.^a nos convencesse da razão das suas corrigendas,
+ou reprimendas, acredite o snr. dr. Theóphilo Braga que havia de ver-nos
+confessar, com honestidade, sem o menor rebuço, que tinhamos errado, e
+não fugiriamos a apregoar que o ilustre censor nos aplicara umas
+palmatoadas merecidas.
+
+Mas quando mesmo (o que não está demonstrado) tivessemos incorrido em
+erros ao interpretar versos de Bernardim, tinha, porventura, o snr. dr.
+Theóphilo Braga a precisa autoridade para os apontar por aquela fórma
+agressiva, com semelhante crueza?
+
+--Não tinha. S. ex.^a não póde arguir quem quer que seja de _forçar
+interpretações_, porque ninguem como o professor do Curso Superior de
+Letras é useiro em amoldar interpretações de versos ao sabor da sua
+imaginação.
+
+Para que ninguem nos incrimine de injustos para com o snr. dr. Theóphilo
+Braga, vamos demonstrar com exemplos colhidos em obras do Mestre algumas
+_interpretações_ bizarras, que oferecemos ao critério dos que nos lêem:
+
+N'uma das éclogas de Bernardim Ribeiro, o poeta bucolista, referindo-se
+a uma visita que lhe fez o seu amigo Sá de Miranda, escreveu a narrar o
+facto:
+
+
+ .......................
+ e neste mêo chegou
+ um pastor seu conhecido,
+ e que dormia cuidou.
+
+ Franco de Sandovir era
+ o seu nome, e buscava
+ [~u]a frauta que perdera,
+ que elle mais que a si amava.
+ Este era aquelle pastor
+ a quem Celia muito amou,
+ ninfa do maior primor
+ que em Mondego se banhou,
+ e que cantava melhor.
+
+Veja-se como o snr. dr. Theóphilo Braga anotou estes versos:
+
+
+ «*Deve entender-se que foi o pastor, que se banhou no Mondego, e
+ não Celia, como pode inferir-se*.»
+
+ _Sá de Miranda e a Eschola Italiana, p. 49_
+
+
+ * * * * *
+
+
+Na écloga em que Bernardim adoptou o criptónimo _Crisfal_, descreve o
+poeta a aparição da mulher amada, que vê em sonho
+
+
+ vestida de *arenoso*,
+
+
+ou seja de amarelo, a côr simbólica do pesar ou desespero, o que
+qualquer bronco namorado de aldeia sertaneja não ignora.
+
+Pois o snr. dr. Theóphilo, querendo fazer da mulher amada por _Crisfal_
+uma freira cisterciense, interpretou a passagem aludida pela seguinte
+maneira:
+
+
+ «*Crisfal viu a sua Maria vestida de côr de arenoso, ou do habito
+ amarellado da Ordem cisterciense*...»
+
+ _Obras de Christovam Falcão, p. 11_
+
+
+Ora o hábito da Ordem de Cister não era amarelado, mas branco!
+
+Não obstante, seguindo o mesmo critério, o distinto professor tambem
+quis reivindicar para o suposto poeta Falcão a paternidade de uma poesia
+de Bernardim Ribeiro consagrada a _uma senhora que se vestiu de
+amarelo_...
+
+
+ Té aqui me pude enganar,
+ mas agora que podeis
+ trazer a *côr do pesar*
+ pera mim só a trazeis...
+
+
+que o snr. dr. Theóphilo Braga comentou pelo seguinte processo
+_inductivo_:
+
+
+ «*Ora o amarello só podia ser côr de pezar no caso de representar a
+ cúgula cisterciense; e em vista dos factos sabidos, só estava no
+ caso de escrever esta cantiga Christovam Falcão, e não Bernardim
+ Ribeiro pelo que se sabe da sua vida*.»
+
+ _Obras de Christovam Falcão, p. 12_
+
+
+Mas, felizmente para a memória do poeta bucolista, a poesia em questão
+foi uma das que o benemérito Garcia de Rèsende reproduziu no Cancioneiro
+Geral, publicado em 1516, quando Cristovam Falcão de Sousa... ainda
+andava de coeiros, se é que já pertencia ao numero dos vivos...
+
+Ora que distinção concederia o ilustre professor áquele dos seus
+discípulos que, interrogado sobre a _côr branca_ do cavalo de Napoleão
+1.^o, lhe respondesse que o sobredito imperial cavalo _branco_... era
+_amarelo_?
+
+
+ * * * * *
+
+
+Em uma das suas éclogas, o poeta-filósofo Sá de Miranda, aludindo ao
+Amor, causa da desventura do seu camarada Bernardim Ribeiro, expressa-se
+por esta fórma:
+
+
+ Amor burlando vá, muerto me deja;
+ Tiene de que por cierto; a su merced
+ Como de señor vine; armó la red,
+ Puso me en prision dura, ende me aqueja;
+ Cada ora mas se aleja
+ De mi, mucho cruel. Quien me desmiente?
+ Ah que lo saben todos! quien ganó
+ El precio de la lucha, ese perdió!
+ Enemigo señor que tal consiente!
+
+
+Pois no Amor, no travesso, inconstante e cruel Cupido, o snr. dr.
+Theóphilo viu nada menos que a personificação do favorito d'el-rei D.
+João III, D. António de Ataíde, conde da Castanheira!
+
+Para que os leitores não julguem que fomos nós que interpretamos mal
+quaesquer palavras do arguto exegeta, reproduzimos a sua anotação:
+
+
+ «...*aquelle retrato do inimigo senhor que tal consente, bem se
+ parece com o omnipotente valido o conde da Castanheira*.»
+
+ _Sá de Miranda e a Eschola Italiana, p. 206_
+
+
+ * * * * *
+
+
+Por um recente trabalho do nosso estimado camarada Hemetério Arantes
+sobre Frei Agostinho da Cruz, já os leitores não ignoram que o professor
+do curso Superior de Letras fez de *um gato bravo... uma cavalgadura*, e
+do *Monte do Lobo... um lobo* carniceiro que devorou, chamando-lhe um
+figo, a sobredita cuja cavalgadura!
+
+Para fechar esta exposição, referiremos ainda mais um interessante
+episódio exegético da obra do Mestre:
+
+Em uma das poesias líricas de Luis de Camões, alude o grande poeta á
+desventura que desde a infância o perseguia, como se vê dos seguintes
+magoados versos:
+
+
+ Foi minha ama uma fera; que o destino
+ Não quis que mulher fosse a que tivesse
+ Tal nome para mi, nem haveria.
+ Assi criado fui porque bebesse
+ O veneno amoroso de menino...
+
+
+de que tambem se conhece a seguinte variante:
+
+
+ Por ama tive [~u]a fera, que o destino
+ Não quis que melhor fosse a que tivesse
+ Para o que elle de mi fazer queria...
+
+
+Em face da segunda versão, concluiu o snr. dr. Theóphilo Braga,
+arguciosa e sibilinamente:
+
+
+ «*Esta versão tira todo o sentido figurado á antecedente, e d'aqui
+ se conclue, que Camões fora amamentado por uma alimaria, etc.*»
+
+ _Historia de Camões, Parte II, Livro II, p. 564_
+
+
+Esta ideia verdadeiramente original de interpretar os versos de Camões,
+dando-lhe por ama uma *alimária*, ou seja uma cavalgadura ou uma besta,
+corre parelhas com a interpretação dada á _gineta_ de Frei Agostinho da
+Cruz.
+
+Não se póde dizer que o eminente professor faça de um argueiro um
+cavaleiro, mas não ha a menor dúvida de que s. ex.^a transforma um gato
+bravo e uma brava ama de leite... em cavalgaduras!
+
+Pelo que respeita á ama de Camões, o que vale ao snr. dr. Theóphilo
+Braga é o facto do nosso grande épico não poder, com facilidade,
+escapulir-se do túmulo em que repousa no Panteão dos Jerónimos, _si vera
+est fama_! De contrário, o _Trincafortes_ era capaz de fazer uma das
+suas.
+
+
+Parece-nos que fica suficientemente demonstrado quem é que fórça
+interpretações de versos alheios a significarem aquilo que imagina...
+
+
+*2*
+
+ «Como lhe nasceu no espirito a ideia de fazer esta descoberta? Pela
+ impressão que lhe causára a leitura dos versos de Bernardim Ribeiro
+ e os de Christovam Falcão--«dois poetas de temperamento semelhante,
+ com eguaes influencias e educações litterarias, com eguaes
+ episodios nos seus infortunados amores, e havendo entre ambos
+ versos absolutamente eguaes.»
+
+ _Do artigo «Movimento litterário»_
+
+
+Pela transcrição que o snr. dr. Theóphilo Braga indica, póde alguem
+acreditar que foram realmente aquelas as palavras por nós empregadas no
+nosso estudo. Não foram. O ilustre professor modificou a seu bel-prazer
+o que nós escrevemos, que se lê a paginas 6 do nosso livro sobre
+Bernardim:
+
+
+«Muito embora o temperamento dos dois poetas fosse semelhante, mesmo
+muito semelhante, e eguaes as influências e educações literárias que
+houvessem recebido; embora fossem eguaes os episódios dos seus
+infortunados amores, é estranho que por fórma tam absolutamente
+semelhante traduzissem o seu sentir, revelassem o seu temperamento
+artístico, chegando a empregar versos absolutamente eguaes! etc.».
+
+
+Porque não reproduziu, _fielmente_, o snr. dr. Theóphilo Braga aquilo
+que escrevemos? Estranha maneira de exercer a crítica... moderna!
+
+
+*3*
+
+ «D'aqui o identificar os dois poetas em um unico; como conseguil-o?
+ Considerou a individualidade poetica de Cristovam Falcão como uma
+ lenda estupida formada pelos genealogistas, e formou o nome de
+ _Crisfal_ indo buscar á tôa ás palavras _Crisma falsa_,
+ tirando-lhes as syllabas iniciaes para designarem a seu talante
+ Bernardim Ribeiro.»
+
+ _Do artigo «Movimento litterário»_
+
+
+Afirma o snr. dr. Theóphilo Braga que consideramos a individualidade
+poética de Cristovam Falcão como uma lenda estúpida formada pelos
+genealogistas... Onde encontrou s. ex.^a a base em que firma a sua menos
+verdadeira afirmativa?
+
+Vamos reproduzir o que escrevemos a paginas 9/10 do nosso livro, para
+desfazer a arbitrária interpretação do venerado professor.
+
+
+ «Cotejámos então as referências de Bernardim a Francisco de Sá com
+ a alusão que na écloga de _Crisfal_ haviamos interpretado como
+ visando esse poeta, e qual não foi a nossa alegria, a nossa viva
+ satisfação ao reconhecer que os versos de _Crisfal_ que alvejavam
+ Miranda condiziam perfeitamente com as referências das éclogas de
+ Bernardim ao seu grande amigo e confidente! Não condiziam apenas:
+ completavam, aclaravam, a nosso ver, essas alusões.
+
+ «Fez-se então uma grande luz no nosso espírito. Não se tratava de
+ dois poetas muito parecidos, de um creador e de um imitador.
+ Bernardim Ribeiro e _Crisfal_ eram um ùnico poeta. O trovador
+ Cristovam Falcão era o produto de uma lenda nascida da
+ interpretação dada pelo vulgo ao anagrama _Crisfal_.
+
+ «E, para que o nosso convencimento mais se robustecesse, lá estavam
+ os dizeres alusivos á ecloga de _Crisfal_ da edição de Colónia,
+ revelada pelo snr. dr. Th. Braga, e estudada pelo snr. Epiphánio
+ Dias: «_que dizem ser_ de Cristovam Falcão, _ao que parece aludir_
+ o nome da mesma écloga.»
+
+ «_Que dizem ser_... _ao que parece aludir_...
+
+ «Isto, a nossos olhos, era decisivo. «Os editores de 1559 das obras
+ de Bernardim Ribeiro, e antes de eles os de 1554, como depois
+ viemos a apurar, tinham registado com relação á écloga uma fábula
+ que devia datar da primeira edição das _Trovas de Crisfal_, etc.»
+
+
+O que nós dissemos, pois, e isso sustentâmos, é que a individualidade
+poética de Cristovam Falcão nascera da errada interpretação prestada
+pelo vulgo ao anagrama _Crisfal_,--fábula que os editores de 1554 e 1559
+das obras de Bernardim Ribeiro tinham registado, _sob reservas_.
+
+Como haviamos nós de propalar terem sido os genealogistas que formaram a
+lenda, se os genealogistas, depois de 1554 e 1559, é que foram buscar as
+_tradições vagas_ recolhidas pelos editores de Bernardim?
+
+Onde estão os genealogistas anteriores ás edições de Ferrara e de
+Colónia que se fizessem éco da fábula do _Crisfal_?
+
+Ah! malfadados _processos inductivos da crítica moderna_!
+
+
+Diz o snr. dr. Theóphilo Braga que nós fomos buscar _á tôa_ as primeiras
+sílabas das palavras _Crisma_ e _falso_ para a nosso alvedrio designarem
+Bernardim Ribeiro!
+
+Não foi _á tôa_, como inculca o nosso acerbo censor, que conseguimos
+apurar a constituição do criptónimo _Crisfal_; e que não foi á tôa
+sabe-o muito bem o implacavel critico, que não deixou de ler, e que até
+a reproduziu, a explicação que sobre tal facto demos:
+
+
+ «Alcançada a convicção de que _Crisfal_ era um anagrama de
+ Bernardim Ribeiro, e norteados pelo conhecimento de que nas suas
+ produções o poeta mudava constantemente os seus nomes pastoris, com
+ um pequeno trabalho de raciocínio não nos foi dificil deduzir a
+ constituição do criptograma, que era formado pelas primeiras
+ sílabas das palavras _Crisma_ e _Falso_.»
+
+
+E corroborando estes dizeres do prólogo do nosso livro (p. 10),
+escrevemos mais adeante (p. 82/83) ao tratar da interpretação da écloga
+atribuida ao suposto _Crisfal_, Cristovam:
+
+
+ «Bernardim deduziu o anagrama com que se denomina n'esta écloga das
+ palavras _Crisma_ e _Falso_, de que aproveitou as primeiras
+ sílabas, formando assim a palavra _Crisfal_.
+
+ «Os nomes pastoris que figuram n'esta écloga, obedecendo á ideia
+ que fundamentou a composição, são todos êles _crismas falsos_,
+ sendo dificil profundar quaes as personagens reaes que o poeta pôs
+ em scena, o que deu lugar a erradíssimas interpretações,
+ contribuindo para que tomasse vulto a lenda, que resultou do
+ próprio anagrama _Crisfal_, que foi tomado como deduzido dos nomes
+ de Cristovam Falcão.»
+
+
+Não foi á tôa mas seguindo uma orientação criteriosa, que alcançámos a
+verdade, que nenhuma subtileza conseguirá destruir já agora.
+
+Outro-tanto não se póde dizer da maneira pela qual o snr. dr. Theóphilo
+Braga conseguiu, por exemplo: decretar os *cantos de ledino, estampar
+como documento do século XVI um apócrifo contendo versos do século
+XVIII, e fazer Camões bacharel formado... em latim pela Universidade de
+Coimbra*!
+
+Se nós, invocando esses precedentes, ousassemos retorquir que _á tôa_
+costumava proceder o escritor que contraditâmos, caía-nos em cima o
+Carmo e a Trindade!
+
+_Á tôa!_... É realmente forte, e não deixa de ofender.
+
+
+*4*
+
+ «Mas, como se póde chamar estupida a lenda genealogica se os nomes
+ contidos na écloga de _Crisfal_ condizem com os seus parentes taes
+ como o de _Pantaleão_ Dias de Landim, seu avô, e a Joanna, que lhe
+ denuncia o casamento clandestino, uma prima, como o notou o snr.
+ Jordão de Freitas?»
+
+ _Do artigo «Movimento litterário»._
+
+
+_Lenda genealógica_, chama o snr. dr. Theóphilo Braga á lenda do
+_Crisfal_, como se fossem os genealogistas que a inventassem, quando s.
+ex.^a muito bem sabe que estes não tiveram tal primasia... O caso está
+sobejamente debatido, e por isso não vale a pena perder mais tempo com
+tam ruim defunto.
+
+Tratemos do _Pantaleão_...
+
+Na eclóga de _Crisfal_, refere se Bernardim ao _Val de Pantaleão_...
+
+O snr. dr. Theóphilo Braga, interpretando erradamente uma passagem da
+_Pedatura_ do genealogista Alão de Moraes, em que se mencionava o
+casamento de uma parenta remota de Maria Brandôa com um João _Patalim_,
+escreveu a pag. 344 do seu livro _Bernardim Ribeiro e o Bucolismo_:
+
+
+ «Pelo Manuscripto já citado de Alão de Moraes acha-se noticia do
+ aqui chamado _Val de Pantaleão_: D. Joanna, tia avó de D. Maria
+ Brandão, casara a primeira vez com João _Pantalião_; etc.»
+
+
+No nosso estudo sobre Bernardim Ribeiro, desfizemos esse erro,
+escrevendo a pag. 159:
+
+
+ «O ilustre professor equivocou-se na leitura do texto. Não se trata
+ de nenhum João _Pantalião_, como erradamente leu, mas sim de um
+ João _Patalim_, que é o que se lê no manuscrito de Alão de Moraes,
+ como verificámos por nossos próprios olhos.»
+
+
+Desfeita essa interpretação, não se dá o snr. dr. Theóphilo Braga por
+vencido, e vae agarrar-se a um avoengo de Maria Brandôa para justificar
+a referência ao _Val de Pantaleão_...
+
+Quanto á _Joana_, o caso não é menos interessante...
+
+Vejamos o que, no seu _Bernardim Ribeiro e o Bucolismo_ (pag. 342),
+escreveu o snr. dr. Theóphilo Braga em 1897:
+
+
+ «Esta Joanna, que denunciou os amores de Crisfal e Maria, era D.
+ Joanna Pereira, sua irmã mais velha; Maria era a mais nova, de
+ cinco filhos que tinha o Contador João Brandão.»
+
+
+Foi esta mais uma _gaffe_ em que o snr. dr. Theóphilo incorreu, por
+haver confiado demasiadamente nos créditos do genealogista Alão de
+Moraes.
+
+A pag. 162 do nosso livro sobre o _Poeta Crisfal_, desfizemos esse erro,
+escrevendo:
+
+
+ «Maria Brandão, a lendária amada do _Crisfal_, não teve nenhuma
+ irman! era filha única!»
+
+
+Em face da corrigenda, o distinto escritor não se sentiu com coragem
+para sentencear que Joana era irman natural de Maria Brandôa, mas
+procurou arranjar (iamos a escrever _á tôa_, mas não tivemos coragem)
+outra Joana, e, á primeira que encontrou á mão, chamou-a em seu auxílio.
+
+Dera-se o caso de o snr. Jordão de Freitas, distinto funcionário da
+biblioteca da Ajuda, no louvavel empenho de auxiliar aqueles que
+quisessem discutir a questão literária suscitada pelo nosso livro,
+publicar no «Diario de Noticias» o resultado das suas pesquizas nos
+arquivos, reproduzindo quanto julgou interessante para o estudo do
+problema.
+
+Fez s. ex.^a menção de uma parenta de Maria Brandôa com o nome de
+Joana...
+
+Como um naufrago, que se agarra á primeira táboa que lobriga ao alcance
+da mão, o snr. dr. Theóphilo agarrou-se (no bom sentido da palavra, bem
+entendido!) á sobre-dita Joana, e, radiante de contentamento,
+exclamou:--«Estou salvo!»
+
+E, julgando-se, realmente, salvo da rascada, escreveu ufano:
+
+
+ «...a Joanna, que lhe denuncia o casamento clandestino, uma prima,
+ como o notou o sr. Jordão de Freitas.»
+
+
+A esse engano de alma, ledo e cego, foi arrancá-lo o snr. Jordão,
+desapiedadamente na carta que, a propósito, dirigiu ao «Dia», e de que
+reproduziremos a parte essencial:
+
+
+ «O sr. dr. Theóphilo Braga equivocou-se na sua referencia a Joanna
+ e ao que diz ter sido notado por mim.
+
+ .................................................................
+
+
+ ...tive unicamente em vista assentar que Joanna Brandão não era tia
+ avó de Maria Brandão, como erroneamente escrevera o sr. dr.
+ Theophilo Braga, mas sim sua prima remota.
+
+ «Tão remota, direi agora, que era neta de um irmão (Diogo Lopes
+ Brandão) do 4.^o avô (Gonçalo Brandão) de Maria Brandão
+ (Bibliotheca Real da Ajuda, 49-XII-28, pag. 259).
+
+ «Sendo assim, nem é presumivel que aquella chegasse a viver no
+ tempo de Maria Brandoa, quanto mais que andasse a pastorear com
+ ella, etc.»[9]
+
+
+Veremos, depois de este insucésso, que nova Joana nos apresentará na
+primeira oportunidade o distinto escritor...
+
+Quem sabe se a Joana do _Crisfal_ não teria sido aquela encantadora
+Joaninha dos olhos verdes, que tanto enfeitiçou Garrett... Mas não; em
+caso contrário o autor das _Viagens_ não deixaria de mencionar essa
+circunstância!
+
+ * * * * *
+
+Na estrofe de Bernardim Ribeiro, na écloga _Crisfal_, em que a amada do
+poeta se refere a ter passado para o _casal da Figueira_ do _Val de
+Pantaleão_, designações que a nosso ver disfarçam, sob _falsos crismas_,
+os nomes verdadeiros da casa e localidade para onde se transferiu,
+talvez após o casamento, a decantada _Aonia_, encontra-se, nítida, a
+alusão á ultima entrevista dos namorados:
+
+
+ «Quando contigo falei
+ aquela ultima vez,
+ o choro que então chorei,
+ que o teu chorar me fez,
+ nunca o esquecerei.
+ Foi esta a vez derradeira,
+ mas começo de paixão,
+ passando-me eu então
+ pera o casal da Figueira
+ do Val de Pantalião.»
+
+
+Achamos interessante reproduzir, n'esta altura, do capítulo XXVIII da
+_Menina e moça_, os periodos referentes á ultima entrevista de
+_Bimnarder e Aonia_ para que os leitores, com maior facilidade, possam
+orientar o seu juizo, verificando a absoluta identidade entre as duas
+produções de Bernardim Ribeiro:
+
+
+«...Buscando achaque de querer lá ir pera detraz das casas, levando Enis
+consigo, ouve tempo pera Aonia entrar onde elle (Bimnarder) estava então
+deitado, escontra a outra parte da parede, chorando, porque não vira
+Aonia ao passar, que bem se podera elle erguer. E como isto perdera,
+cuidava tambem que avia de perder a tornada; porque um mal nunca lhe
+viera sem outro; pelo que estava no maior pranto do mundo, antre si.
+
+«Entrada Aonia, deteve-se um pouco, e sentiu que elle chorava, e
+suspirava baixo, de maneira que como, naquello, se forçava a si mesmo.
+
+«Ella, para ver se poderia saber o porquê, que tudo desejava saber
+d'elle, deteve-se ainda mais; mas elle, com pensamentos muitos, que
+sobrevinham ao choro, mais o acrescentava do que o diminuia.
+
+«Assentando-se então Aonia na borda d'aquella sua pobre cama, lhe pôs a
+mão, e quisera-lhe dizer alguma cousa, mas não pôde, que lhe faleceu o
+espirito.
+
+«Virando-se Bimnarder, e vendo a, tambem lhe faleceu o seu.
+
+«Estiveram assi ambos um grande pedaço sem se dizerem nada um ao outro:
+e elle, com os olhos postos em Aonia, e Aonia postos os seus no chão,
+que, em se virando Birmnarder, tomou vergonha. Levando-os assi á terra,
+cobriu-se-lhe o seu fermoso rosto de uma tamalavez de côr, alem da
+natural; e soía dizer meu pae (que parte d'esta historia em seu tempo se
+soubera) que não parecia se não que viera aquella côr como por ajudar
+ainda Aonia escontra Bimnarder, tam formosa a ella, formosa, fizera.
+
+«Mas, estando assi nisto elles ambos, e não estando elles ambos ali,
+chegou Enis muito rijo á porta, dizendo que se queriam já ir, e que a
+mandavam chamar.
+
+«Assi, foi forçado levantar-se Aonia, e ir se, e Bimnarder ver tudo, e
+ficar.
+
+«Mas Aonia, que bem via os olhos de Bimnarder como ficavam, tomou uma
+manga de sua camisa, e, rompendo-a, pera remedio de suas lagrimas lh'a
+deu, significando, na maneira só de como lha deu, o pera que lh'a dava;
+que parece que a dor grande que sentia não lh'o deixou dizer por
+palavras; mas, em lh'a dando, pôs os olhos nos seus, dizendo-lhe só
+assi:
+
+--«Pesa-me, pois a minha ventura ou desaventura, não quis que eu vos
+deixasse de magoar com o que eu não quisera.»--
+
+«E estas palavras lhe disse já fora da porta.
+
+«E com ellas, e com o que sentiu ao dizer d'ellas, duas e duas, lhe
+começaram as lagrimas a correr dos seus fermosos olhos, e, pelas suas
+faces fermosas abaixo, lhe iam fazendo carreiras por onde iam, que
+Bimnarder a tanto pranto convidou quanta era a rezão d'elle, pois perdia
+a vista.
+
+«Foi tanto o choro, que não lhe abastavam os seus olhos ás suas
+lagrimas...»
+
+
+*5*
+
+ «Os manuscriptos conhecidos de Bernardim Ribeiro andavam ligados
+ com os de Christovam Falcão, como se vê pela descripção do n.^o 180
+ da Livraria do Conde de Vimieiro: Obras em prosa e verso de Sá de
+ Miranda, Bernardim Ribeiro e Christovam Falcão;»
+
+ _Do artigo «Movimento litterário»._
+
+
+É com verdadeiro pesar que vemos o encanecido trabalhador recorrer a
+processos como o que ressalta da afirmação que deixamos transcrita, só
+pela caturrice de não querer confessar que errou...
+
+O leitor desprevenido ficou julgando, certamente, por honra da firma que
+subscrevia o artigo _Movimento litterario_, que na livraria do Conde de
+Vimieiro tinham existido _os manuscritos conhecidos de Bernardim
+Ribeiro_, que _andavam ligados com os de Christovam Falcão_...
+
+Pois, se tal ficou julgando, enganou-se redondamente.
+
+O snr. dr. Theóphilo Braga adulterou a verdade dos factos, procurando
+talvez iludir-se a si proprio, pois não podemos admitir que s. ex.^a
+imaginasse, por tal processo, mistificar alguem. É até possivel,
+muitissimo provavel mesmo, que o ilustre escritor não pesasse
+devidamente as palavras de que se serviu, e que assim incorresse, na
+melhor boa fé, n'uma indesculpavel inexactidão.
+
+Vejamos onde o snr. dr. Theóphilo Braga foi fazer a descoberta preciosa
+dos _manuscritos conhecidos de Bernardim Ribeiro_...
+
+Ao n.^o 180 do catalogo da Livraria do Conde de Vimieiro, como consta do
+tomo V da _Colleçam dos documentos, e memorias da Academia Real da
+Historia Portugueza_.
+
+O distinto professor não indicou a _fonte_, certamente por lapso, mas
+nós conseguimos descobri-la sem carecer do auxílio de _dunguinha_.
+
+Ouçamos agora a conferência do Conde da Ericeira, D. Francisco Xavier de
+Menezes, em relação ao codice N.^o 180:
+
+
+ «Tem o volume que examinei 287 folhas, as quaes nos primeiros
+ numeros eram 330, porem as que lhe faltão, parecem mudadas para
+ outras Collecções, e sendo a letra, e papel de duzentos annos de
+ antiguidade, pois a folhas 122 se acabão as noticias com a morte
+ del Rei D. Manoel, que foi a 13 de Dezembro de 1521; se conserva
+ este manuscripto inteiro, e em bom estado.......................
+
+ (Traz a divisão do livro em 5 partes e segue:
+
+ «A segunda divisão deste livro consiste em algumas Memorias de
+ successos raros de Europa, como são uma carta del Rei Ludovico de
+ Hungria para o Emperador na ultima batalha que deu ao Turco, uma
+ Relação dos infelizes principios de Luthero, e outros. Seguem-se
+ cartas de homens celebres d'aquelle tempo pelo seu engenho, e
+ graça, que entre as alusões jocoserias descobrem memorias
+ particulares: deste genero são sete de Antonio Ribeiro Chiado, duas
+ de Lourenço de Caceres, e outros. As obras em prosa, e verso de
+ Francisco de Sá de Miranda, as de Bernardim Ribeiro, Christovão
+ Falcão, André Soares, Francisco de Moraes, Gil Vicente, Duarte de
+ Oliveira, o Barão D. Diogo Lobo, e outros Poetas antigos, servem de
+ verificar as varias lições das impressas, e de restituir as
+ manuscriptas.»[10]
+
+
+Como se vê, por uma fórma irrefragavel, não se tratava dos manuscritos
+conhecidos de Bernardim Ribeiro, como não se tratava egualmente de
+manuscritos de Cristovam Falcão...
+
+Tratava-se de uma miscelánea manuscrita, em prosa e verso, que continha
+produções de vários poetas, e, entre essas, as que se atribuiam ao
+suposto _Crisfal_. A simples citação do nome de Cr. Falcão logo após o
+de Bernardim não bastará para se ajuizar que no manuscrito havia cópia
+das poesias que nas obras de B. Ribeiro vinham atribuidas, sob reservas,
+ao suposto trovador?
+
+Se nós, para documentarmos o nosso livro _Bernardim Ribeiro_, tivessemos
+recorrido a expedientes semelhantes, como não seriamos julgados pelo
+snr. dr. Theóphilo!
+
+
+*6*
+
+ «tambem o Arcediago do Barreiro, dr. Jeronymo José Rodrigues
+ examinou no Porto um manuscripto analogo ao das edições de 1559, em
+ que vinham a _Menina e Moça_, duas eclogas de Bernardim Ribeiro--«e
+ até se acham no fim algumas poesias de Christovam Falcão, do que se
+ faz menção no mesmo logar de Nicoláo Antonio.» (Innocencio, _Dicc.
+ Bibliog._)»
+
+ _Do artigo «Movimento litterario»._
+
+
+O arcediago do Barreiro, invocado pelo snr. dr. Theóphilo Braga, era o
+arcediago do Barroso, cujos apontamentos manuscritos foram explorados
+por Innocencio.
+
+Vejamos o que o benemérito bibliófilo escreveu a pag. 379 do seu
+_Diccionario Bibliographico portuguez_:
+
+
+ «Nos apontamentos manuscriptos do arcediago de Barroso Jeronymo
+ José Rodrigues, de que já outras vezes me aproveitei n'este volume,
+ encontro ácerca do auctor da _Menina e moça_ o trecho que se segue:
+
+
+ «As obras de Bernaldim Ribeiro (que assim se acha escripto o seu
+ nome no manuscripto que lemos, e assim diz Nicolau Antonio na
+ _Bibl. Hispanica_, que vulgarmente era chamado) por sua muita
+ raridade são difficeis de encontrar, e duvidamos que se hajam
+ impresso todas. A _Bibl. Lus._ faz só menção da Menina e moça, ou
+ _Saudades de Bernardim Ribeiro_. Além das impressões que alli cita,
+ que são tres, faz Nicolau Antonio menção de uma, impressa em Lisboa
+ em 1559, em 8.^o, que em tudo tem muita semilhança com o
+ manuscripto, que tivemos alguns tempos em nossa mão, e que vamos
+ aqui extractar. O titulo em nada desmente do que traz a _Bibl.
+ Hisp._, e até se acham no fim algumas poesias de Christovam Falcão,
+ de que se faz menção n'este mesmo logar de Nicolau Antonio.--O
+ titulo que se lê no manuscripto é: _Historia da Menina e moça, por
+ Bernaldim Ribeiro_. Principia: «_Menina e moça me levaram de casa
+ de minha may para muito longe_», e acaba: «_Com demasiada ira disse
+ contra a Donzela que ho aly trouxera estas palavras_». Consta de
+ historia em prosa, e inclue em alguns lugares poesias de gosto são
+ e pura linguagem, etc. E além da historia, acham-se no manuscripto
+ duas eclogas de que o abbade Barbosa talvez não teve noticia. Na
+ primeira são interlocutores Persio e Fauno; principia: «_Nas selvas
+ junto do mar_», e consta de trinta e quatro estancias de dez versos
+ cada uma.--Na segunda são interlocutores Jano e Franco, principia:
+ «Dizem que havia um pastor», e acaba: «Tambem tempo é tormento.»
+
+ «De tudo o que diz aqui o arcediago de Barroso concluo, que não só
+ elle ignorou a existencia da moderna edição da _Menina e moça_,
+ feita em Lisboa no anno de 1785, mas tambem só conheceu de nome as
+ edições anteriores sem que lograsse ter presente algumas d'ellas,
+ pois que a tel-as visto, nenhuma novidade encontraria nas duas
+ éclogas que cita do tal manuscripto, onde pelo que se mostra
+ faltavam todas as outras já então impressas.»
+
+
+Não conheceu Innocencio a edição das obras de Bernardim Ribeiro
+publicada em Ferrara em 1554, porque se a houvesse conhecido logo
+concluiria que o manuscrito examinado pelo arcediago de Barroso outra
+cousa não era mais do que uma cópia incompleta d'essa edição.
+
+Ignora o, porventura, o snr. dr. Theóphilo Braga?
+
+Se o não ignora, para que veio a público com a citação incompleta da
+passagem do Diccionário de Innocêncio?
+
+Bom serviço prestou o arcediago de Barroso trasladando o período inicial
+na novela na edição de 1554, conforme o manuscrito que teve entre mãos:
+«Menina e moça me levaram de casa de minha may...»
+
+
+*7*
+
+ «Para que chamar ineptos aos editores de Ferrara de 1554 e de
+ Colonia de 1559, por terem reproduzido esses textos manuscriptos
+ como os encontraram?»
+
+ _Do artigo «Movimento litterario»_.
+
+
+Chamámos ineptos aos editores das obras de Bernardim Ribeiro, e que não
+erramos em nossa apreciação demonstra-o evidentemente o próprio snr. dr.
+Theóphilo Braga, quando na carta que nos escreveu, referindo-se ás
+edições de Ferrara e de Colónia, diz terem sido feitas _por curiosos sem
+critério litterário_.
+
+Se esses curiosos não fossem ineptos, podia porventura o ilustre
+professor negar-lhes _critério_?
+
+As rúbricas da edição de Colónia, em 1559, são reprodução das de 1554,
+como o snr. dr. Theóphilo Braga não desconhece.
+
+Pertencem as rúbricas da edição de 1554 ao seu editor ou este não fez
+mais do que reproduzi-las da primeira edição?
+
+Sem que seja conhecida a edição principe das obras de Bernardim Ribeiro,
+não é possivel aclarar este ponto, mas o que ninguem póde dizer com
+autoridade é que taes rúbricas: «que dizem ser... ao que parece
+aludir...» pertencessem aos manuscritos do infortunado Bernardim.
+
+«Por terem reproduzido _esses textos_ manuscriptos como os encontraram»,
+escreveu o snr. dr. Theóphilo Braga, procurando incutir que taes edições
+foram feitas sobre os manuscritos pertencentes ao Conde de Vimieiro e
+sobre o outro examinado pelo arcediago do Barroso!
+
+A primeira edição das obras do poeta bucolista resultou dos manuscritos
+de Bernardim Ribeiro, recolhidos após a morte do apaixonado cantor de
+Joana, ou no ultimo período da sua desventurada existência, e dados á
+estampa por qualquer curioso sem critério literário...
+
+E proclamando isto, que representa a expressão do nosso sentir pessoal,
+estamos convencidos de que está com a nossa opinião o snr. dr. Theóphilo
+Braga, que sempre tem sustentado que as edições das obras de Bernardim
+se fizeram sobre os manuscritos encontrados no seu espólio....
+
+Mudará s. ex.^a de orientação? Até prova em contrário, não acreditamos.
+
+
+*8*
+
+ «...o dr. Alfredo da Cunha deu alentos á grande descoberta...»
+
+ _Do artigo «Movimento litterário»_
+
+
+«_Grande descoberta_», é como o snr. dr. Theóphilo Braga chama,
+ironicamente, ao resultado dos nossos trabalhos... Pequena ou grande
+descoberta, o facto é que està de pé, não conseguindo o abalisado
+professor destrui-la.
+
+Compreendemos bem que isso seja pouco agradavel a s. ex.^a, que tanto se
+havia empenhado em pôr um pedregulho sobre o caso do poeta _Crisfal_,
+mas nós, só pelo prazer de ser agradaveis ao ilustre escritor, é que não
+vamos ressuscitar o trovador Cristovam Falcão. Deixá-lo dormir em paz,
+serenamente.
+
+Quanto a descobertas grandes, lembra-nos citar uma que _in illo tempore_
+fez o snr. dr. Theóphilo Braga...
+
+Dirigia o distinto poeta snr. Joaquim de Araujo uma publicação
+camoneana, cujo título nos não ocorre.
+
+Vae se não quando recebe uma comunicação do snr. dr. Theóphilo Braga...
+Uma descoberta importante... Nada menos que um parente ignorado do
+grande épico Luis de Camões.
+
+Chamava-se o homem _Pero Camões_, segundo o ilustre professor lera,
+radiante, em determinado texto...
+
+Pois, senhores, na volta do correio, Joaquim de Araujo prevenia
+generosamente o Mestre de que este errara a leitura do texto... O _Pero
+Camões_ do snr. dr. Theóphilo Braga era um simples e inofensivo *pero
+camoês*!
+
+
+*9*
+
+ «No noticiario de outro jornal sairam affirmações absolutas,
+ proclamando a sensacional descoberta, com uma sinceridade
+ inconsciente que affasta de todo a ideia de ironia.»
+
+ _Do artigo «Movimento litterário»_
+
+
+Por esta fórma pouco... _generosa_ se referiu o snr. dr. Theóphilo Braga
+ás palavras de caloroso elogio com que o ilustre escritor snr. José
+Pereira Sampaio, em carta publicada no «Diario da Tarde», do Porto,
+valorizou com o prestígio do seu nome o fruto do nosso trabalho.
+
+Contra a injusta apreciação do professor do Curso Superior de Letras, já
+lavrámos o nosso protesto, de amigos e admiradores de _Bruno_, no artigo
+que publicámos na «Lucta» e que vae transcrito no primeiro capítulo
+d'este livro.
+
+Quando mesmo, o que não sucede, o ilustre escritor portuense estivesse
+em erro, era digna de todo o respeito a sua opinião, e não seria nunca o
+snr. dr. Theóphilo Braga, com a sua consciente falta de sinceridade,
+quem teria direito para o arguir pela maneira insólita por que o fez.
+
+Será, porventura, o _positivismo_ inimigo inconciliavel da Justiça?
+
+
+*10*
+
+ «A verdadeira descoberta pertence ao snr. Braancamp Freire
+ determinando a epoca em que esteve em Flandres João Brandão
+ Sanches, e quando elle morreu, dando nos assim a data em que
+ existiram os amores de sua filha unica D. Maria Brandão, a do
+ Crisfal, que plausivelmente se fixam em 1530. O documento de 1527
+ refere se a Christovam Falcão, com a tença de moço fidalgo leva a
+ deduzir que nascera em 1512.»
+
+ _Do artigo «Movimento litterário»_
+
+
+Fixa o snr. dr. Theóphilo em 1530 os amores do suposto poeta com a sua
+suposta amada Maria Brandôa.
+
+Muito bem.
+
+Admitindo que assim fosse, só depois de 1530 Cristovam Falcão poderia
+ter produzido a _Carta_ e a _Écloga_ que lhe foram atribuidas...
+
+Ora como podia isto ser, em face dos _processos inductivos da critica
+moderna_, tam preconizados pelo snr. dr. Theóphilo Braga?
+
+Ouçamos a lição autorizada do ilustre professor, que se lê a pag. 4 da
+sua chamada edição das obras de Cristovam Falcão:
+
+
+ «*Se Christovam Falcão escrevesse depois de 1527, quando Sá de
+ Miranda propagou as fórmas da poetica italiana, teria então
+ adoptado o verso endecasyllabo, a fórma da OUTAVA e do TERCETO, o
+ SONETO, e teria perdido o conceito provençalesco dos poetas que
+ seguiam o INFERNO DO AMOR; Falcão desconheceu esta nova poetica.*»
+
+
+Pela mesma maneira se exprimiu o snr. dr. Theóphilo Braga na sua edição
+de _Bernardim Ribeiro e os Bucolistas_.
+
+Repudia s. ex.^a o que com tanta clareza e precisão deixou estampado?
+
+Seria caso para invocar o _era, não era, andava lavrando_...
+
+Para o nascimento do pseudo-trovador, escolhe o snr. dr. Theóphilo
+Braga, em ultima análise, a data de 1512, sem se lembrar talvez de que
+por essa fórma caía em contradição consigo proprio...
+
+Vejamos:
+
+Na carta que nos dirigiu, escreveu o distincto escritor:
+
+«...D. Maria Brandão, que Cristovam Falcão amou, _sendo ambos muito
+crianças_...»
+
+Ora tendo Cristovam nascido em 1512, como afirma o snr. dr. Theóphilo
+Braga, e fixando-se as suas relações amorosas em 1530, como quer s.
+ex.^a, tinha o mancebo quando começou a namoriscar os seus dezoito anos
+seguros...
+
+A um rapazola de 18 anos ninguem com propriedade poderá classificar de
+_muito creança_, a não ser por troça,--salvo melhor opinião.
+
+
+*11*
+
+ «Ha portanto a eliminar todas as relações pessoaes entre Cristovão
+ Falcão e Bernardim Ribeiro, como julgamos nos nossos estudos,
+ corrigindo a interpretação da Ecloga I e III de Bernardim.»
+
+ _Do artigo «Movimento litterário»_
+
+
+Não só corrigimos a interpretação das eclogas I e III de Bernardim
+Ribeiro como todas as outras do desventurado poeta... Mas o snr. dr.
+Theóphilo Braga entende em seu alto critério que só ha a corrigir as
+duas que citou, e essa correcção reserva-se s. ex. fazê-la, certamente.
+Aguardemos a futura refundição do livro sobre os bucolistas, para
+ajuizarmos da fertilidade inventiva do ilustre professor,--_de fantasia
+fertil em combinações_, no dizer autorizado da senhora D. Carolina
+Michaëlis.
+
+
+*12*
+
+ «Os logares comuns a Cristovam Falcão e Bernardim Ribeiro provam a
+ distancia da edade que levou o mais novo a imitar aquelle que já
+ era admirado, cujos versos, Camões, na sua carta de Africa
+ intercalava na sua prosa.»
+
+ _Do artigo «Movimento litterário»_
+
+
+Como comentário único, permitir nos-emos endereçar algumas perguntas ao
+snr. dr. Theóphilo Braga:
+
+Estando Bernardim Ribeiro louco no ano de 1532, como o próprio snr. dr.
+Theóphilo tem sustentado, como explica o ilustre professor que no
+espólio do poeta bucolista fossem encontradas as composições atribuidas
+ao falso Crisfal?
+
+Na edição refundida do seu livro sobre os bucolistas, em 1897, o snr.
+dr. Theóphilo Braga explicou o facto da seguinte maneira:
+
+
+«...*os dois poetas communicavam entre si os seus versos, sendo por este
+modo que se salvaram as poesias do auctor do Crisfal.*»
+
+
+Ora não podendo o abalisado professor continuar persistindo em que
+Bernardim Ribeiro teve por amigo e confidente Cristovam Falcão de Sousa,
+como poderá s. ex.^a explicar que entre os manuscritos legados por
+Bernardim se encontrassem as composições do... _último eco do alaúde_?
+
+Para prevenir qualquer subtiliza de argumentação, é conveniente não
+esquecer s. ex.^a que na écloga _Crisfal_ se encontram lugares comuns a
+todas as éclogas de Bernardim Ribeiro e á própria novela _Menina e
+moça_.
+
+E não esquecer egualmente que, após a publicação do nosso estudo sobre o
+_Poeta Crisfal_, já o snr. dr. Theóphilo Braga foi obrigado a reconhecer
+que: não podia continuar a admittir _as relações pessoaes de Cristovam
+Falcão com Bernardim Ribeiro já velho e dementado em confidencias de
+amor com um rapaz no viço da mocidade_.
+
+Bernardim nasceu em _1482_, é bom não olvidar tambem.
+
+Cristovam Falcão de Sousa nasceu em... _1512_, conforme a ultima versão
+apresentada pelo articulista do _Movimento litterário_.
+
+Os amores de Falcão e Maria Brandôa foram fixados pelo snr. dr.
+Theóphilo Braga, em ultima análise, no ano de _1530_.
+
+Ora na _Carta de Crisfal_, fala o poeta na prisão de amor que está
+sofrendo _ha cinco anos_... Logo, ou não ha lógica, uma das composições
+do suposto trovador foi elaborada pelo ano da graça de _1535_, quando
+Bernardim havia já três anos que fôra ferido pela desgraça que o levou
+ao hospital de Todos os Santos, onde veio a acabar seus desventurados
+dias em _1552_.
+
+Consignado o que fica exposto, aguardemos a resposta ás perguntas atrás
+formuladas, e, para fechar o capítulo, façamos nossos os seguintes
+versos de Bernardim:
+
+
+ Baste o que tenho dito
+ pera aver, por galardão,
+ tres regras de vossa mão,
+ pera resposta das quaes
+ ......... fique o mais
+ que aqui escrever devera,
+ se o escrever podera.
+
+
+
+
+VI
+
+Uma patranha genealógica
+
+
+Seguindo a lição de vários genealogistas, démos curso, no nosso estudo
+sobre Bernardim Ribeiro, á atoarda que fazia Cristovam Falcão de Sousa
+descendente de certo John Falconet, cavalheiro inglês que viera para o
+nosso país na comitiva da desposada d'el-rei D. João I, Filipa de
+Lencastre. Antes de nós, os snrs. Epiphánio Dias e dr. Theóphilo Braga
+haviam incorrido no mesmo erro.
+
+Publicado o nosso trabalho, honrou-nos o erudito escritor sr. Anselmo
+Braamcamp Freire com o seguinte esclarecimento, que registamos com
+prazer:
+
+
+ «...Julgo-me obrigado a advertil-o que publiquei um documento no
+ _Archivo histórico_, suficiente para destruir a petarola inventada
+ pelos genealogistas dos Falcões descenderem do tal Falconet.
+ Catorze anos antes deste chegar a Portugal já existiam Falcões,
+ proprietarios em Evora, e vassalos de D. Fernando (_Arch. hist._
+ III, 407.) É uma minucia que não influe em nada no seu têma; mas,
+ repito, entendo dever meu avisál-o».
+
+
+Não será este, certamente, o único erro em que teremos incorrido no
+nosso trabalho, e de que nos penitenciâmos sem a menor relutância.
+
+Errar é próprio dos homens, como afirma o conhecido aforismo latino; o
+que é condenavel é persistir no erro.
+
+Não temos a estulta vaidade de haver produzido um trabalho sem defeitos,
+e de bom grado aceitaremos as correcções que nos ministrarem, e com que
+o nosso critério se conforme. Somos incapazes de persistir n'um erro por
+simples capricho de amor-próprio, indesculpavel em assuntos de natureza
+_histórica_.
+
+Bem presentes conservâmos as palavras sensatíssimas do professor
+bracarense Pereira Caldas: «Em _história_, ha sempre que discutir,
+sempre que examinar, sempre que emendar, sempre que aditar.»
+
+
+
+
+VII
+
+O criptónimo «Fileno»
+
+
+No numero do jornal _O Dia_, de 15 de dezembro de 1908, consagrou-nos o
+conceituado filólogo, snr. A. R. Gonçalves Viana, uma das suas
+interessantes _Palestras filológicas_.
+
+É aquela que vamos registar, e que em seguida comentaremos:
+
+
+ «Delfim Guimarães, no seu livro recentemente publicado, e que faz
+ honra á erudição portuguesa, com o titulo *Bernardim Ribeiro*, e o
+ sub titulo *O poeta Crisfal*, aventa a idea de que o criptónimo
+ _Fileno_ seja o disfarce do adjectivo _felino_, latim _felinus_,
+ procedente do substantivo _felis_, «gato», por alusão ao apelido
+ _Gato_, do marido de Joana Tavares, sua apaixonada.
+
+ «Não se pode aceitar esta origem do dito nome, porque tal adjectivo
+ não existia em português ao tempo do poeta. É êle modernissimo na
+ lingua, pois nem Bluteau o incluiu no seu *Vocabulario portuguez e
+ latino*, nem mesmo no próprio *Diccionario portuguez* de Morais e
+ Silva figura tal adjectivo atè á 3.^a edição, feita no anno de
+ 1823, «correcta e acrescentada.» Vê-se pois que a introdução do
+ vocabulo _felino_ é não só posterior, e muito, ao século XV, mas
+ até aos começos do XIX, e que o poeta o desconhecia portanto.
+
+ «Assim, pois, o nome Fileno, masculino, foi talvez fabricado
+ conforme o femenino Filene, que os gregos usaram, e cujo radical
+ será o de _Filipe_, por exemplo.»
+
+
+Em primeiro lugar agradecemos ao snr. Gonçalves Viana o cumprimento
+amabilissimo com que nos penhorou, que muito bem sabemos representar uma
+gentileza, que não um acto de justiça. A benevolência usada para
+comnosco por s. ex.^a motivou um remoque do snr. dr. Theóphilo Braga, do
+que resulta tornar se ainda maior a nossa dívida de reconhecimento para
+com o sábio poliglota, o que temos a peito deixar registado nas páginas
+d'este trabalho.
+
+Consignado isto, digamos o que se nos oferece sobre a _palestra_
+motivada pelo nosso livro:
+
+Coube ao snr. visconde de Sanches de Baena a interpretação do nome
+_Fileno_ como criptónimo de _Felino_, em alusão a *Pero Gato*, que o
+referido titular apresenta como marido de Joana (_Aonia_).
+
+Nós não acreditamos na existência do Pero Gato do snr. Sanches de Baena,
+como com inteira franqueza deixamos exarado nas páginas do nosso
+trabalho; mas não nos repugnou admitir que o criptónimo invocado
+alvejasse a alusão a um animal felino. E assim escrevemos a pag. 87 do
+nosso estudo sobre Bernardim:
+
+«O anagrama _Fileno_ oculta, provavelmente, um individuo que tinha por
+nome, apelido ou alcunha o nome de um animal _felino_. Seria Pantaleão?
+Seria Gato? Estamos em crer que o assunto ainda poderá ser resolvido,
+como outros muitos pontos por aclarar respeitantes á vida de Bernardim.»
+
+E na mesma página, a propósito do nome de _Lor_, ou _Lor-Vão_, referido
+nalgumas edições da écloga de _Crisfal_, escrevemos nós:
+
+«Desde que se apure, *com segurança*, quem fosse o marido de Joana etc.»
+
+O não se ter ainda apurado quem fosse o feliz rival de Bernardim, não se
+nos afigura motivo para pôr de parte, por em quanto, a interpretação
+enunciada pelo snr. visconde de Sanches de Baena quanto a Fileno, aceite
+pelo snr. dr. Theóphilo Braga, e a que nós tambem demos curso, embora
+sob reservas.
+
+O facto dos antigos dicionários não fazerem menção do vocábulo _felino_
+não constitue razão para que se abandone essa hipótese, que póde não ser
+exacta, mas que é sem dúvida racional. Como o snr. Gonçalves Viana muito
+bem sabe, desde que no latim existiam os vocabulos _felis_, _felinus_,
+com o significado de _gato_, ou _respeitante a gato_, nada mais natural
+do que um escritor ter introduzido, lógicamente, o termo português
+_felino_. E ninguem poderá contestar que Bernardim Ribeiro tivesse
+envergadura sobeja para crear essa palavra. Bacharel formado em direito,
+e poeta bucolista não ignorava certamente o vocábulo latino.
+
+A ser exacta a maneira de ver do snr. Gonçalves Viana sobre semelhante
+assunto, como poderiam justificar-se tambem os numerosos neologismos com
+que Luis de Camões enriqueceu a lingoa portuguêsa?
+
+Hoje mesmo, após recentes trabalhos de dicionaristas distintos, quantos
+vocábulos portuguêses não falta ainda registar?!
+
+A hipótese, porém, que o ilustre filólogo apresenta merece ser ponderada
+devidamente, sendo até possivel que s. ex.^a tenha resolvido o problema
+quanto ao nome do marido de Joana Tavares, que poderia muito bem ter
+sido _Filipe_.
+
+N'um _pliego-suelto_ castelhano do século XVI, de que existe um exemplar
+na secção dos _Reservados_ da Biblioteca Nacional de Lisboa, ha um
+dialogo em verso entre as personagens: _Alethio_ e _Fileno_.--Aleixo e
+Filipe? Talvez!
+
+Em fim, parafraseando o que já escrevemos: Quando se apure _com
+segurança_ quem foi o marido da mulher amada por Bernardim Ribeiro,
+estarà implicitamente resolvido este problema.
+
+
+
+
+VIII
+
+In terminis
+
+
+Não estamos sós no combate que tivemos a satisfação de iniciar em prol
+da obra de Bernardim Ribeiro.
+
+Ao nosso lado contamos a individualidade cheia de prestígio do snr. José
+Pereira Sampaio, que em breve defenderá em livro tese idêntica á nossa,
+demonstrando que o Poeta Crisfal é o bucólico Bernardim.
+
+Se de estímulo carecessemos para prosseguir confiadamente na tarefa que
+nos impusemos, seria incentivo bastante o contarmos já entre aqueles que
+se confessam convencidos pelo nosso trabalho, alem de muitos outros
+espìritos esclarecidos, os nomes preeminentes dos srs. Anselmo Braamcamp
+Freire, José Caldas e dr. Sylvio Romero.
+
+Não conseguiremos nós fazer vingar em nossos dias, por uma fórma
+absoluta, a obra de justiça a que metemos hombros? Não será dada essa
+satisfação ao ilustre escritor snr. José Sampaio?
+
+--Que importa? As sementes estão lançadas, o solo não é ingrato... As
+sementes hão de vingar; a verdade triunfará, alastrando, impondo-se...
+
+Por fim, só nos resta endereçar, muito comovidamente, um aperto de mão,
+agradecido e sincero, a quantos--bons amigos, camaradas e simples
+conhecidos--nos teem bafejado com palavras de elogio e incitamento por
+motivo da publicação do livro que deu origem a este novo trabalho.
+
+
+ _Amadora, 16 de março de 1909_.
+
+
+
+
+APRECIAÇÕES DA IMPRENSA
+AO LIVRO
+"Bernardim Ribeiro
+(O POETA CRISFAL)"
+
+
+
+
+
+«Bernardim Ribeiro»
+(O Poeta Crisfal)
+
+
+Delfim Guimarães é um poeta e um contista que há muitos annos firmou
+brilhantemente o seu nome. Alma delicada de poeta, é, ao mesmo tempo, um
+prosador elegante e correcto que conhece a sua lingua e sabe maneja-la.
+Afastado de todas as egreginhas literarias, isento de todos os
+snobismos, sem perder tempo nos cenaculos dos cafés, Delfim Guimarães
+tem-se destacado e destaca se entre os da sua geração, sem dever nada ao
+reclamo.
+
+Admirador entusiastico, apaixonado, de Bernardim Ribeiro, Delfim
+Guimarães apurou um facto da mais alta importancia para a historia
+literaria do seu paiz:--que Christovão Falcão e Bernardim Ribeiro são
+uma mesma entidade.
+
+É essa demonstração, consciente, documentada, que o nosso amigo vem de
+fazer neste livro--_Bernardim Ribeiro (o Poeta Crisfal)_--que é digno de
+ser lido por quantos querem conhecer a historia das letras patrias.
+
+A Delfim Guimarães, os nossos parabens pelo seu valioso trabalho.
+
+ (Do jornal _O Mundo_, de 16 de Novembro de 1909)
+
+
+
+
+
+«Bernardim Ribeiro»
+por Delfim Guimarães
+
+
+É um livro de incontestavel valor, este que o sr. Delfim Guimarães acaba
+de publicar, editado pela Livraria Guimarães & C.^a, da rua de S. Roque.
+Fructo de um aturado e consciencioso estudo, n'elle se demonstra que
+Bernardim Ribeiro e _Crisfal_ representam um unico poeta, e que
+_Crisfal_ é apenas um criptogramma formado pelas primeiras syllabas das
+palavras _Crisma_ e _Falso_, não passando, portanto, de uma lenda a
+existencia do poeta Christovão Falcão. Como se vê, o assumpto d'este
+livro do laborioso e intelligente escriptor é de molde a interessar
+vivamente todos quantos se dedicam ao estudo da nossa litteratura
+patria.
+
+ (Do jornal _O Seculo_, de 16 de Novembro de 1909).
+
+
+
+
+«Bernardim Ribeiro»
+(O Poeta Crisfal)
+
+ _Subsidios para a história da literatura portuguesa_, por Delfim
+ Guimarães.--Lisboa, 1908. Livraria Editora Guimarães & C.^a, 274
+ pág. 800 réis.
+
+
+É o livro sensacional da semana que hoje finda. É o desabar de uma lenda
+secular. A ineptidão de uns editores quinhentistas insinuara a crença de
+que as trovas de _Crisfal_ eram de _Cristovam Falcão_, cujo nome era
+representado pelo anagrama, formado da primeira silaba do nome e a
+primeira do apelido.
+
+A lenda criou raizes; e, não obstante as hesitações e dúvidas de alguns
+criticos, ninguém, até hoje, contestara abertamente em publico a
+personalidade poética de Cristovam Falcão.
+
+Mas Delfim Guimarães, estudando Bernardim Ribeiro, editorando-lhe as
+_Saudades_, e confrontando os trabalhos dos bucolistas do século XVI,
+chegou á convicção de que, tendo havido algumas personalidades com o
+nome de Cristovam Falcão, este nome não pertencia a nenhum poéta, e as
+trovas de Crisfal eram obra de Bernardim Ribeiro.
+
+Documentando e justificando a sua convicção, acaba êle de dar á estampa
+o substancioso volume que hoje noticiamos.
+
+No prefácio da obra, expõi o autor, com a devida lealdade, as
+circunstâncias e o processo que o levaram á absoluta rejeição da
+referida lenda, e congratula-se justamente por ter agora a noticia de
+que o ponderado publicista Pereira de Sampaio (Bruno), tinha já
+adquirido convicção análoga, que esperava justificar em livro.
+
+Metodizando as provas e a documentação de que o poeta _Crisfal_ não é
+outro, senão Bernardim Ribeiro, Delfim Guimarães faz minuciosamente a
+biografia crítica do poeta, estuda e analisa a primeira edição das obras
+de Bernardim, dá nos a história e a genealogia do suposto poeta Falcão;
+e, depois, de nos dar a exegese de numerosos factos e documentos, cerra
+o seu volume com a reproducção da _Carta_ e da _Écloga_ de _Crisfal_, e
+de _três_ poesias mais de Bernardim Ribeiro, até agora ignoradas.
+
+Claro é que, de um livro de tal significado e alcance, mal se podem
+formular juizos e sentenças em meia dúzia de linhas do nosso registo
+bibliográfico; e temos de nos restringir a dar da obra ideia sumária,
+chamando para ela a atenção, e naturalmente o apreço, de quantos se
+interessam pelos mais momentosos problemas da nossa história literária.
+
+Mas remorder-nos-ia a consciência, se cerrássemos já a presente noticia,
+sem significar a Delfim Guimarães a satisfação que nos deu o seu
+melindroso e arrojado trabalho, e o encanto com que repassamos os olhos
+pelo ingénuo e delicioso bucolismo dos avoengos da poesía nacional.
+
+Formoso livro e serviço memorável.
+
+
+ Dr. Candido de Figueiredo
+
+
+ (Do _Diario de Noticias_, de Lisboa, de 28 de novembro de 1908).
+
+
+
+
+O poeta Chrisfal
+
+ _Delfim Guimarães_: Bernardim Ribeiro (o Poeta Crisfal)--Subsidios
+ para a historia da literatura portuguêsa--1908--Livraria Editora
+ Guimarães & C.^a--68, R. de S. Roque, 70--Lisboa.
+
+
+Ha uns espiritos fortes, solidos--e que tanto abundam n'esta nossa bôa
+terra de Portugal--que hão de sentir-se escandalisados com a arrogancia
+d'alguem que, contra a opinião dogmatica e ensinamento incontestado dos
+grandes Sacerdotes, se abalança a demonstrar que os bucolistas Bernardim
+Ribeiro e Chrisfal (pretenso anagramma de Christovam Falcão) são uma e
+mesma pessoa; isto é: que o glorioso auctor da 1.^a parte da novella
+pastoral «Menina e Moça» é igualmente auctor da celebre peça poetica
+conhecida pelo nome da «Egloga de Chrisfal»--n'uma palavra, que o poeta
+Christovam Falcão nunca existiu e que a maioria das composições poeticas
+que andam com o seu nome pertencem de juro e herdade ao principe do
+bucolismo entre nós, a esse surprehendente Bernardim Ribeiro, que é, em
+toda a nossa litteratura, o vaso d'eleição d'onde mais trasborda o
+sentimento augusto da alma portugueza.
+
+Mas outra raça d'espiritos não menos solidos sorrirá piedosamente (e,
+n'este caso, o sorriso é uma outra fórma de nos sentirmos
+escandalisados) perante a utilidade proxima ou longinqua que póde
+adquirir-se d'uma descoberta d'esta ordem.
+
+Que importa ao bem do individuo ou da collectividade de hoje, que uns
+versos repassados d'uma verdade sentimental, á força de sentida quasi
+incomprehensivel,--versos, demais a mais vasados n'uma trama ingenua,
+bucolica, pastoril, sejam obra d'um ou d'outro recuado quinhentista ou,
+mesmo, tenham sido levados á conta d'um lendario personagem que, como
+poeta, nunca tivesse existido, a não ser na phantasia d'uns novelleiros
+de profissão que, com o rodar do tempo, conseguiram guindar a sua
+improbidade litteraria aos pinaculos d'uma certeza irrefutavel?!
+
+Pois essa arrojada impiedade e esse improductivo bysantinismo--esse
+magno escandalo--acaba de perpetral-os o meu velho amigo Delfim
+Guimarães, poeta de verdade, infatigavel estudioso, paciente
+investigador, acurado cultista em materia litteraria, com a publicação
+do seu recente estudo «_Bernardim Ribeiro_ (_o poeta Chrisfal_)», cujo
+apparecimento estas ligeiras notas intentam celebrar.
+
+O mesmo é dizer que me não sinto com forças para, pormenorisadamente,
+passo a passo, ir vincando as passagens exegeticas d'este trabalho
+masculo e delicado que revela, no seu auctor, uma erudição e um methodo
+que eu entendo precisos n'aquelles que se propuzerem critical-o.
+
+Não é, pois, um artigo critico o que vou fazer; mas se uma affirmação
+sincera e sentida, de valor nimiamente critico, me é permittido
+accentuar desde já, eu direi: Delfim Guimarães está na verdade.
+Christovam Falcão, poeta, nunca existiu. Chrisfal é um pseudonymo de
+Bernardim Ribeiro.
+
+E isto porquê?!
+
+Porque todos os que se occupam de Falcão o dizem pessoa de
+qualidade--pertencia á primeira fidalguia portugueza, diz o sr. dr. Th.
+Braga--e, quanto ao valor do seu estro, tanto era que mereceu ser
+confundido com Bernardim Ribeiro seu amigo e confidente, quando não seu
+predecessor. Como se explica, pois, que um tão illustre personagem não
+figure no Cancioneiro de Resende, onde aliás se encontram, com tão
+assombrosa profusão, nomes que, nem pela clareza da estirpe nem pelo
+fulgor do engenho, se impunham á consideração dos posteros?!
+
+É crivel que o erudito, o dedicadissimo collector que se chamou Garcia
+de Resende--o homem, do seu tempo, que mais larga e intensamente privou
+na corte dos nossos reis--não tivesse noticia d'uma individualidade tão
+fortemente accentuada e tão parecida com o então e já apreciadissimo
+Bernardim?! Não me parece.
+
+Seria qualquer despeito, qualquer d'estas pequeninas miserias que se
+transmudavam em acerbos espinhos d'odio (e ao tempo e antes e depois e
+sempre tão vulgares!) que levariam mesquinhamente o celebre collector do
+Cancioneiro a relegar, da convivencia dos seus 351 poetas, esse illustre
+Chrisfal e ao mesmo tempo (segundo o ensinamento do sr. dr. Theophilo
+Braga) a recolher, como de Bernardim Ribeiro, versos de Falcão?!
+
+Não me parece. Gil Vicente, como é sabido, apodára cruelmente Resende, e
+nem por isso deixou de figurar no Cancioneiro.
+
+Estes simples e, quero crel-o, contestaveis argumentos levavam-me de ha
+muito, a duvidar da existencia poetica de Christovam Falcão, só muito
+mais tarde posta em fóco, entre outros, por Faria e Sousa, cujos
+_escrupulos_ de caracter são por demais conhecidos.
+
+Mas a simples argumentação sobre cancioneiros nem sempre é de colher,
+como um facto recente me leva a constatar.
+
+Ha dois annos (outomno de 1906) appareceu nas livrarias a seguinte
+publicação: _Odysséa dos Tysicos--Album de Musicas para piano e canto,
+original de Raul Pereira, sobre versos de poetas portugueses?_ É obra
+musical do sr. Raul Pereira que, á falta d'outra indicação, entendo
+dever tambem consideral-o como collector das varias poesias que o album
+encerra.
+
+A primeira d'estas poesias, posta em musica apparece sob um retrato com
+esta epigraphe: _Guilherme Braga (1845-1874)_, e tem este titulo «_A
+Jesus Crucificado_», e é como segue:
+
+
+ A Vós, correndo vou, braços sagrados
+ N'essa cruz sacrosanta descobertos
+ Que para receber-me estaes abertos
+ E, por não castigar-me, estaes cravados.
+
+ A Vós, olhos divinos eclypsados
+ De tanto sangue e lagrimas cobertos:
+ Que para perdoar-me estaes despertos
+ E por não devassar-me estaes fechados.
+
+ A Vós, pregados pés, por não fugir-me;
+ A Vós, cabeça baixa, por chamar-me;
+ A Vós, sangue vertido para ungir-me;
+
+ A Vós, lado patente, quero unir-me,
+ A Vós, cravos preciosos, quero atar-me,
+ Para ficar unido, atado e firme.
+
+
+Devo confessar que ao ler este soneto nasceram-me duvidas--muito vagas,
+é certo--sobre a sua authenticidade quanto ao nome que o firmava. E como
+não o encontrasse entre as poesias colligidas nas _Heras e Violetas_,
+assentei, á falta de melhor solução, que se tratava de uma poesia solta,
+religiosamente recolhida por pessoa intima ou admiradora convicta do
+insigne e mallogrado poeta portuense.
+
+N'isto estava, quando o acaso d'uma busca litteraria me levou a folhear,
+na Bibliotheca Publica, _O Ramalhete_, «jornal de Instrucção e Recreio»
+(2.^a série, n.^o 165, 4.^o anno) e a encontrar, a paginas 112 do vol.
+IV, o mesmissimo soneto, sem descrepancia d'uma unica palavra, sob esta
+assás curiosa rubrica:
+
+
+«_No momento derradeiro da vida humana, qual o estado de moribundo, nada
+excita amor e conforto como a doce inspiração de abraçar um crucifixo,
+unico remedio d'alma. Por este motivo fez o dr. Manuel da Nobrega o
+seguinte soneto: «A Jesus Crucificado»_».
+
+
+Portanto, teremos nós: os vindouros, que não leram o _Ramalhete_, a
+attribuir a Guilherme Braga (que, segundo o sr. Raul Pereira, nasceu em
+1845, embora Innocencio nos diga 1843) uns versos do dr. Manuel da
+Nobrega, que vieram á estampa em 1841.
+
+Veiu isto a proposito da confiança absoluta a depositar nos
+cancioneiros. Verdade seja que entre Garcia de Resende e o sr. Raul
+Pereira (que eu não tenho a honra de conhecer), o unico elo que os
+prende deve ser, se não laboro em erro, o laço musical...
+
+Outras razões, porém, antes do trabalho de Delfim Guimarães, me levavam
+a pender para o arrocho da não existencia poetica de Christovam Falcão.
+É certo que a Renascença produzira uma eclosão genial em todos os ramos
+da vida sentimental, artistica e scientifica do occidente europeu, e que
+nós tivemos largo quinhão nas benemerencias d'esse glorioso Sol--e tão
+grande que ainda hoje d'elle vivemos. Mas é igualmente certo que, por
+grande que fosse, e foi, a prodigalidade do estro que nos coube, não era
+natural que dois vultos geniaes, a um tempo, surgissem tão parecidos,
+tão irmãos na concepção sentimental, na realisação artistica e
+até--suprema coincidencia--nos azares da vida amorosa! Delfim Guimarães
+embrenha-se em trabalhos de genealogia e de exegese litteraria,
+pacientemente cuidados, para nos infiltrar o convencimento que eu, sem
+razões de peso e sem auctoridade para as formular, de ha muito _sentia_
+da existencia d'um só poeta na obra de Bernardim e na obra de Chrisfal.
+
+É, pois, para mim um livro de consolação. Por um lado, simplifica, no
+meu espirito, um caso que se achava enredado nas malhas autoritarias,
+embora convencionaes, de nomes respeitados; por outro, entorna, no meu
+coração, o intimo, o ineffavel jubilo de ver alguem da minha estima e do
+meu tempo elevar-se tanto, pelo trabalho intelligente e probo, n'uma
+manifestação eloquente de força moral e espirito combativo de que tanto
+carecemos.
+
+E esta probidade litteraria não é coisa de pouca monta ou que alguem
+possa dispensar-se de a encarar com o mais profundo respeito, porque me
+hei de lembrar d'aquelle supremo prefacio do _Disciple_ de Paul Bourget,
+quando elle se dirige á mocidade da sua terra: _Dentro de vinte annos
+tereis em vossas mãos a fortuna d'esta velha patria, nossa mãe commum.
+Vós sereis a propria patria. Que tereis recolhido nas nossas obras?
+Pensando n'isto, não ha homem de lettras, por mais modesto que seja, que
+não deva tremer de responsabilidade_...
+
+
+ Hemeterio Arantes.
+
+ (Do _Diario Illustrado_, de 2 de dezembro de 1908).
+
+
+
+
+«Bernardim Ribeiro»
+(O Poeta Crisfal)
+
+ _Subsidios para a historia da litteratura portugueza_, por Delfim
+ Guimarães. 1 vol. de 278 pag. Livraria editora Guimarães & C.^a
+ 1908 Lisboa, typ. Libanio da Silva.
+
+
+A velha sentença portugueza--_o seu a seu dono_ viria muito a propósito,
+noticiando o apparecimento d'este livro, com que se pretende, e consegue
+a nosso ver, reivindicar para o nome do grande poeta quinhentista a
+autoria e a glória de differentes producções que inconscientemente
+andavam attribuidas a outros. E se não fosse a bella coragem do sr.
+Delfim Guimarães, nosso antigo e presado amigo, que sendo poeta muito
+primoroso é tambem investigador ordenado e pacientissimo, o deploravel
+engano continuar-se-ia por muito tempo, ou, peor ainda, não se
+desvaneceria jámais talvez.
+
+Entre outras, a lenda de que existira um Christovam Falcão, pretenso
+poeta de tão alto valor como Bernardim Ribeiro, e, assim, auctor tambem
+de maviosos versos, principiara a correr mundo em 1554, dois annos
+depois de fallecido este, e teria origem, parece, em certa nota posta
+n'uma edição pouco criteriosa feita n'aquelle anno, de differentes
+poesias, esparsas umas, outras logo colligidas após a morte de
+Bernardim, edição onde veem de mistura com a _Historia de Menina e
+Moça_, diversos motes, cantigas e églogas e entre estas, (diz a tal
+nota) «_h[~u]a muy nomeada e agradavel... chamada Crisfal, que dizem ser
+de Christovão Falcam, ho que parece alludir o nome da mesma egloga_...»
+
+D'isto, e de outras investigações pacientemente realizadas pelo sr.
+Guimarães resulta a presumpção de provir a dita lenda principalmente
+d'aquellas vagas referencias e a allusão que o editor julgou encontrar
+em o nome de Crisfal do facto de serem as duas syllabas de que elle se
+compõe eguaes ás primeiras dos dois nomes *Cris*tóvam e *Fal*cão. Mas
+isto, que não constitue prova e não passa de mera hypothese, teria de
+cahir redondamente, quando se verificasse que esse Falcão era homem de
+poucas lettras e, portanto, incapaz de produzir trabalho de tanta valia
+como é a _Égloga de Crisfal_.
+
+E assim succederia talvez se o sr. dr. Theophilo Braga não houvesse, em
+má hora, pretendido transformar a hypothese em lei, apresentando como
+definitivamente adquirida para Falcão a paternidade d'aquella e de
+outras poesias de altissimo valor litterario.
+
+Não seguiremos o sr. Delfim Guimarães na critica acerba, se bem que
+correctissima, com que se refere a este erro do sr. dr. Theophilo Braga
+e ainda a muitos outros. Este operoso escriptor dirá de certo da sua
+justiça, não deixando, d'esta vez, mal parada a sua fama de erudito. E,
+sendo como é, sempre consciencioso nos seus trabalhos de historiador
+litterario, virá certamente á estacada, para explicar a razão do seu
+engano.
+
+Muitos outros descobrimentos são indicados n'esta valorosa
+reivindicação, não se mostrando possiveis mais duvidas a respeito da não
+existencia de Christovam Falcão, poeta, e parecendo ao contrario
+definitivamente provado que o nome de Crisfal fôra um dos muitos
+pseudónymos e anagrammas adoptados por Bernardim Ribeiro nas suas obras.
+Tambem graças ao indefesso trabalho do sr. Delfim Guimarães ficará
+pertencendo irrevogavelmente ao poeta de _Menina e moça_ não sómente a
+celebre égloga, mas ainda outras poesias attribuidas a diversos e que
+veem apontadas ou reproduzidas n'este volume.
+
+Em compensação, porém, algumas até agora emprestadas ao bucólico poeta,
+lidima gloria das lettras portuguezas, terão de passar para outros, com
+o que, seja dito de passagem, a exceptuarmos o solau[11]--_Pensando-vos
+estou filha_, que o sr. dr. Theophilo Braga deu, tambem levianamente,
+como de Bernardim, sendo aliás de Camões, nada virá a perder o nome de
+Bernardim Ribeiro--antes pelo contrario!
+
+N'este trabalho notavel do sr. Guimarães, obra de paciente investigação
+e bem disciplinado criterio, faz-se referencia a muitos outros factos
+interessantes, que nos abstêmos de contar, porque do livro apenas
+pretendemos dar rapida noticia; mas todos os elogios serão poucos a quem
+com coragem estréme veio inteirar a gloria de Bernardim Ribeiro que,
+desventuroso poeta, de uma parte d'ella havia sido espoliado.
+
+Muito agradecemos a captivante offerta de um exemplar de _Bernardim
+Ribeiro_, com que fomos brindados pelo auctor.
+
+ (Da _Mala da Europa_, de Lisboa, n.^o 669, de 6 de dezembro de 1908).
+
+
+
+
+Ainda Chrisfal
+
+
+Longe estava de ver tão depressa e amplamente confirmada a minha
+asserção de que o trabalho de Delfim Guimarães «_Bernardim Ribeiro (o
+Poeta Crisfal)_» era, para mim, um «livro de consolação», quando o
+_Diario de Noticias_ de 3 do corrente, sob a epigraphe «_Academia de
+Sciencias de Portugal_» me trouxe esse verdadeiro manjar (para lhe não
+chamar capitoso petisco...) espiritual á minha insaciavel fome de
+aprender.
+
+É como segue a passagem, que me interessa da local jornalistica em
+questão:
+
+
+«_Em seguida_ (o sr. dr. Theophilo Braga) _realisa uma communicação
+sobre Bernardim Ribeiro e Christovam Falcão mostrando como a vida
+amorosa d'este oscilla entre 1525 e 1565, senão n'aquella data moço
+fidalgo, e tendo pelo menos 12 annos, ao passo que aquelle era já idoso;
+evidencia como na Égloga transparecem diversas situações da vida de
+Christovam Falcão, e termina por invocar as opiniões de Diogo Couto,
+Gaspar Fructuoso e outros que comprovam a existencia das duas
+individualidades que apesar de similhantes n'algumas situações da vida,
+não podem jámais confundir-se_».
+
+
+Eu imagino estar vendo estas palavras cahir do labio venerando, sobre a
+douta assembleia, como outras tantas perolas que, depois de serem ali
+devidamente apreciadas, resvalaram cá p'ra fóra, para o monturo anonymo,
+offerecidas em repasto magnifico aos cerdos iconoclastas.
+
+Bacorejemos, pois, as preciosas gemmas...
+
+Diz o Mestre que a _vida amorosa_ de Christovam Falcão oscilla entre
+1525 e 1565, sem ficarmos sabendo se a sua _vida poetica_ tambem oscilla
+dentro do mesmo periodo, isto é: se a actividade _amorosa_ e a
+actividade _poetica_ de Chrisfal se confundem, caminham a par-e-passo ou
+se, pelo contrario, é o amoroso que precede o vate, se este antecede o
+namorado.
+
+Eu, por mim, se alguma coisa entendo n'esta complicada psycologia, estou
+em dizer que, em geral, as duas actividades se confundem, são
+isochronas, e, segundo este criterio, Falcão só poetou com exito desde
+1525.
+
+Não póde elle, pois, ter figurado no Cancioneiro de Resende, que tem a
+data de 1516, como o sr. dr. Theophilo Braga pretendia até ha uma duzia
+d'annos atraz--opinião que depois modificou no seu trabalho, sobre
+Bernardim Ribeiro, que veio á estampa em 1897.
+
+Mas o Mestre, em 1897, deixou de lhe dar entrada no Cancioneiro pela
+subtil razão de que Chrisfal não poetára nos Serões da côrte por
+pertencer ao _ramo pobre_ dos Falcões. Lembrança exegetica que nos leva
+a concluir que todos os poetas do Cancioneiro poetaram nos ditos serões
+e demais a mais com a escarcella bem provida d'aureos recursos--embora
+muitas e muitas poesias d'aquella grandiosa collecção resvalem da
+casuistica amorosa, que é a caracteristica da poetica palaciana, para a
+lucta dos interesses em que se revela a necessidade do vil metal.
+
+Mas agora que o insigne Professor colloca a vida amorosa de Falcão entre
+1525 e 1565, pergunto eu: permanece este argumento para a sua exclusão
+do Cancioneiro ou teremos de assentar que Chrisfal n'elle não figurou
+pela simples razão de, em 1516, andar ainda com coeiros?
+
+Naturalmente teremos de optar por esta ultima versão e, portanto, pôr de
+banda a sua amisade e apregoadas confidencias com o auctor das
+_Saudades_.
+
+Fica de vez assente, pois, que Christovam Falcão não foi poeta do Seculo
+XV.
+
+Proponho-me agora provar, _currente calamo_ (como não pode deixar de ser
+tratando-se d'alguem que se não familiarisou com _os processos
+inductivos da critica moderna_... ) que Christovam Falcão tambem não foi
+poeta do Seculo XVI, como agora pretende o sr. dr. Theophilo Braga.
+
+E isto porquê?!
+
+Porque eu posso duvidar (ainda que me apodem de irreverente pedantismo)
+das, por vezes, arrojadas conclusões chronologicas do insigne Professor.
+Mais anno menos anno, mais seculo menos seculo são, para os grandes
+Generalisadores, coisas d'uma importancia mediocre. Outro tanto me não
+succede, quando a generalisação visa um assumpto basilar na essencia, no
+modo de ser do facto scientifico.
+
+E é este o caso. Cristovam Falcão foi poeta entre 1525 e 1565?!
+
+Ouçamos o sr. dr. Theophilo Braga:
+
+
+ «Se Cristovam Falcão escrevesse depois de 1527, quando Sá de Miranda
+ propagou as formas da poetica italiana, teria então adoptado o verso
+ endecasyllabo, e a fórma da _outava_, do _terceto_, e trocaria pelo
+ _soneto_ o conceite provençalesco dos que ainda seguiam o typo do
+ Inferno de Amor (_Bern. Rib. e os Bucolistas_, pag. 141)».
+
+
+Na edição refundida do seu Bernardim Ribeiro, publicada em 1897, esta
+affirmação cathegorica permanece igual ou identica, como, aliás, não
+podia deixar de ser.
+
+Demos de barato que se possa ter opinião diversa da do insigne lente do
+Curso Superior de Lettras, o que ninguem póde é contrariar a _realidade
+historica_, porque, como é sabido, contra factos não ha argumentos.
+
+E esta _realidade_ diz-nos que, depois de Sá de Miranda, não houve um
+uníco poeta que não tivesse experimentado as formas petrarchinas e o
+verso heroico.
+
+Houve um dr. Antonio Ferreira que nunca em sua vida fez um verso de
+_medida velha_; houve muitos, e entre elles o proprio iniciador da
+poetica italiana, que não desdenharam a redondilha e os velhos
+agrupamentos metricos. De quem poetasse _exclusivamente_ pelos antigos
+processos... não consta.
+
+Logo, a não ser que rasguemos a _logica_ do Mestre e a _verdade_ da
+Historia, Christovam Falcão não encontra cadeira onde se sente, nem na
+vasta saleta da poesia palaciana, nem no refulgente salão do Seculo de
+Quinhentos!
+
+ * * * * *
+
+Uma passagem do meu ultimo artigo teve o condão d'excitar duas
+communicaçôes que amavelmente me foram endereçadas.
+
+A primeira, d'um amigo, que me escreve: «Sobre o soneto attribuido a
+Guilherme Braga, devo dizer-lhe que o auctor do mesmo não é o dr. Manuel
+da Nobrega, mas sim outro poeta.»
+
+Claramente, corri logo a casa d'este amigo que me aconselhou uma
+intervista com o insigne bibliophilo e bibliographo sr. Annibal
+Fernandes Thomaz, o que, para mim, foi d'um prazer espiritual, como, de
+ha muito, me não era dado gosar.
+
+Annibal Fernandes Thomaz é pessoa familiar a todos que n'este paiz se
+occupam de livros e--coisa rara!--a todos sorri, a todos mette no
+coração e em todos tem um admirador dos seus vastissimos conhecimentos
+e, o que é mais, um amigo devotado das suas grandes qualidades.
+
+Disse-lhe ao que ia; mas, como da nossa conferencia resulta uma resposta
+á segunda communicação que recebi, é bem que n'este momento aqui fique
+exarada essa communicação.
+
+Trata-se d'um bilhete-postal anonymo, e, se quebro a minha velha praxe e
+o bom-conselho de todos de lançar para os papeis inuteis esta ordem de
+documentos, é porque se trata d'um assumpto litterario e o meu
+correspondente, por qualquer razão se não querer fazer conhecido, o que
+muito me contraria. Diz assim:
+
+«O soneto que v. reproduziu no _Diario Illustrado_ tem mais de dois
+seculos. Bastava o estylo para o denunciar seiscentista; mas a prova
+positiva está em a Nova Floresta, terceiro tomo, tit. V, apopht. LIV.
+Permitta-se a um obscuro padre dizer mais. Com essa ancianidade de taes
+versos toma nova força o contra argumento de v. sobre o silencio dos
+cancioneiros a respeito de Crisfal. Na margem do soneto pag. 207, da
+edição da _Nova Floresta_ de 1759 (4.^a impressão que tenho á vista) lê
+se o nome do autor assim: _Do Doutor Manuel da Nobrega_. Quem fez um tal
+soneto, tão seriamente engenhoso, apesar do gongorismo, e tão bem
+metrificado, havia de ter mais poesias: e sendo _doutor_, não era um
+desconhecido. Que temos d'elle na _Fenix Renascida_? Quem o conhece?
+Alguns annos ha, o soneto reproduzido anónimo em muitos livros devotos,
+foi publicado em o _Novo Mensageiro do Coração de Jesus_ (revista
+piedosa mas de muita litteratura) com a indicação, que a minha memoria
+aproveitou agora, da _Nova Floresta_, e com uma nota que dizia ser o
+nome do Dr. M. Nobrega desconhecido dos bibliographos.»
+
+Vamos agora, rapidamente, ao resultado das pesquizas com Fernandes
+Thomaz.
+
+O soneto _A vós, correndo vou, braços sagrados_ encontra-se a fechar uma
+dedicatoria a «Jesus Christo Senhor Nosso Crucificado» d'um curiosissimo
+livro de 1734 intitulado «_Anacephaleosis medico theologica, moral e
+politica_, etc., etc.», obra d'um tal Bernardo Pereyra, medico do
+partido da villa do Sardoal.
+
+O meu primeiro correspondente, que conhecia o livro, attribuiu
+facilmente a Pereira a autoria do soneto, por não reparar nas palavras
+que precedem a sua reproducção, e que dizem:
+
+«...e finalmente como se consegue a gloria que é a melhor conclusão que
+se tira depois de sahir da Universidade do mundo para as Escollas do
+Céo; mas será bem, meu amoroso Jesus, _que antes de tudo diga com hum
+devoto_ que hoje para renacer do estado da culpa ao da graça, que de vós
+espero, para seguir o caminho por onde não vá precipitado, mas antes com
+a vossa direcção fortalecido!
+
+«_A vós correndo vou, braços sagrados_, etc., etc.»
+
+Mas (e vae isto em resposta ao anonymo correspondente) tanto Barbosa, na
+sua _Bibliotheca_, como Innocencio, no _Diccionario_, citam Manuel da
+Nobrega, como auctor do _Epicedio inconsolavel á morte do Ser. Principe
+de Portugal D. Theodosio que falleceu em 15 de maio de 1653_ e como
+collaborador nas _Memorias funebres de D. Maria de Athayde_ fallecida em
+22 de agosto de 1649.
+
+É livro muito interessante estas «_Memorias funebres sentidas pelos
+engenhos portugueses na morte da Senhora D. Maria de Athayde_». N'ellas
+se encontram poesias em portuguez, francez, hespanhol, italiano, latim,
+assignadas pelos nomes dos poetas mais illustres do tempo e, para não
+citar outros, bastará lembrar os de Soror Violante do Céo e D. Francisco
+Manuel de Mello.
+
+Ao que parece tratava-se d'uma extremada formosura _doublée_ (como hoje
+se diz) d'uma alma de eleição. _O Doutor Manuel de Nobrega_ concorre a
+este florilegio poetico com um soneto e uma egloga. O soneto:
+
+_Aquelle bello Sol, que amanhecia_, não desmerece, antes tem grandes
+ares de familia com o que tem sido causa d'esta palestra... algo pesada.
+
+Não quero, porém, terminal-a sem exarar o meu parecer de que o Soneto,
+embora _culterano_, tem tão pouco de _gongorico_ que Guilherme Braga, ou
+qualquer outro grande poeta de hoje, não desdenharia assignal-o, se essa
+fosse _a sua corda_.
+
+
+ Hemeterio Arantes.
+
+ (Do _Diario Illustrado_, de Lisboa, de 9 de dezembro de 1908).
+
+
+
+
+
+«Bernardim Ribeiro»
+(O Poeta Crisfal)
+
+ Subsidios para a Historia da literatura portuguesa, por Delfim
+ Guimarães. 1908--Liv. ed. Guimarães & C.^a Lisboa--8.^o, 274 pag.
+
+ Delfim Guimarães, Bibliographia: Prosa: _Alma Dorida_, com prefacio
+ de Teixeira Bastos, _O Rosquedo_ (scenas do Minho), _Ares do Minho_
+ (contos).--Critica litteraria: _A viagem por terra do sr. João
+ Penha_.--Verso: _Lisboa negra_, _Confidencias_, _Evangelho_, _Não!
+ mil vezes não!_, _Sim! mil vezes sim!_, _Sonho Garretteano_, _A
+ Virgem do Castello_ e _Outonaes_.--Theatro:--_Aldeia na Côrte_, de
+ collaboração com D. João da Camara. (3 actos--Th. D. Amelia),
+ _Juramento sagrado_ (1 acto, verso.--Th. D. Maria). Traduziu a
+ _Dama das Camelias_, de Dumas, filho; reviu e publicou as
+ _Saudades_ de Bernardim Ribeiro e as _Trovas de Crisfal_, do mesmo
+ auctor. Fundou e dirige a Bibliotheca Classica Popular. Collaborou
+ longo tempo na _Mala da Europa_, _Provincia_, _O Lima_, _Chronica_,
+ _etc._ Varias obras de Delfim Guimarães teem já 2.^a edição,
+ estando algumas outras exgotadas.
+
+
+Desde longos tempos até este anno 1908 da era de Xpõ, como escreviam os
+nossos velhotes, tudo era suppor que, ahi por alturas de mil quinhentos
+e tal da mesma era do Senhor, viveu, floresceu, e ninguem mais soube
+d'elle, certo _Crisfal_, poeta e namorado, que toda a gente indicava
+como sendo Christovão Falcão, um Christovão Falcão que se sabe agora
+escrever como um carreiro e ter mais erros de orthographia do que
+cabellos tinha na cabeça... se a Historia não provar que elle era
+careca. Indicava se Christovão Falcão tacteando. Para manter a suspeição
+havia só o corresponder o pseudonymo _Cris fal_ ás primeiras sylabas do
+nome do supposto poeta. Longo tempo a mentira prevaleceu e longo tempo
+os doutos acceitaram de boamente a patranha, uns supplementando-a com
+fabulações _á priori_, outros asseverando que tal era porque era e «por
+ser verdade passavam a presente que assignavam».
+
+Caminhava tudo em doce paz quando Delfim Guimarães, publicando o livro
+de que nos occupamos, desfez a lenda, tombou os castellos e pôz a cousa
+nos devidos termos. Mas vamos ao que importa.
+
+«De como e porquê Delfim Guimarães achou que _Crisfal_ não passou de um
+pseudonymo de Bernardim Ribeiro e de cousas varias que ao deante se
+verão», é um capitulo que, n'esta critica, deve interessar o leitor,
+agora que já sabe que tal _Crisfal_ nunca existiu.
+
+Delfim Guimarães é um estudioso e um devotado. Manuseia os classicos com
+a mesma curiosidade com que aguarda o ultimo livro de Anatole France ou
+o novo romance de Octave Mirbeau.
+
+Ha tempo, dirigindo uma collecção, publicou as _Saudades_ do nosso
+Bernardim, auctor que, por sua natural tristura e dulçorosidade, desde
+menino e moço mais o prendia e captivava. Tudo estaria bem até aqui se,
+mente cogitativa e emprehendedora, não scismasse em publicar uma
+Bibliotheca de Classicos animado pelo exito das _Saudades_. Uma
+Bibliotheca de vulgarisação, destinada a mostrar á alma do vulgo o
+escrinio das melhores joias dos nossos antepassados.
+
+Anteriormente uma natural curiosidade o levara a estudar os poetas que
+se apontavam como maiores amigos de Bernardim: Sá de Miranda e
+_Crisfal_, o celebrado Christovam Falcão que hoje deve ás musas a
+celebreira que por seculos desfructou,--elephante que conseguiu passar
+por canario, o animal.
+
+A extraordinaria semelhança de _Crisfal_ a Bernardim, os mesmos
+lamentos, a mesma situação amorosa, os mesmos queixumes; a ausencia
+absoluta de noticias e referencias na obra de Sá de Miranda e Bernardim
+ao poeta coevo e imitador, tudo isto deu a Delfim Guimarães a certeza de
+que _Crisfal_ e Bernardim era o mesmo, só, e altissimo poeta. Além
+d'isto nenhum documento da epocha autorisava a pôr a carapuça _Crisfal_
+em cabeça de Christovam Falcão. O mesmo editor de Bernardim, edição de
+1554, onde se acha incorporada a «Egloga chamada Crisfal» escreve,
+referindo-se-lhe: «_que dizem ser_ de Christovam Falcam, ho que parece
+alludir ho nome da mesma Egloga».
+
+Estudado o contemporaneo Christovão Falcão, vê-se que elle era pouco
+menos de bronco e não poderia ser nunca o auctor da _Egloga_. Adquirida
+a certeza, que era _Crisfal_? E logo, deductivo, Delfim Guimarães achou
+a chave. É _crisma falso_, pois que na Egloga se move a mesma
+passionalidade de Bernardim com supositicios nomes--falsos crismas.
+
+O livro do escriptor é ilustrado com um fac-simile de uma carta do
+pretenso Christovam Falcão e acompanhado de uma arvore genealogica dos
+Falcões. De uma logica cerrada e inteligente, preciosamente documentado,
+é um trabalho collosal que dará echoantissimo nome ao seu auctor. E
+enquanto se não perder na memoria das gerações o nome do bardo amoroso,
+o triste Bernardim, o nome de Delfim Guimarães não se desacorrentará da
+gloria de ter focado com intensa luz um tão curioso e deturpado caso da
+litteratura portugueza.
+
+Lá fóra esta obra faria não só a gloria mas o nome de um trabalhador. As
+Academias levar-lhe-hiam o seu _fauteuil_ estofado, e os editores
+disputariam a honra de lhe pagar.
+
+Cá dá desgostos, nada mais.
+
+O illustre publicista José Sampaio (Bruno) chegára ás mesmas conclusões.
+Anselmo Braamcamp Freire vae publicar um trabalho curiosissimo sobre
+Maria Brandão; José Caldas é da opinião de que se achou a verdade. Quem
+resta? Carolina Michaelis, cuja opinião importa saber, e Theophilo
+Braga, que discorda.
+
+As impugnações que Delfim Guimarães fez aos livros de Theophilo estão em
+aberto. E Delfim veio com este seu trabalho não só elliminar um
+Christovam da litteratura e uma Maria das muitas Marias enamoradas, mas
+fazer luz sobre uma poesia de Camões falsamente attribuida a Bernardim
+Ribeiro, e documentar que _sómente_ Sá de Miranda foi o introductor da
+Escola Italiana em Portugal. Bernardim Ribeiro foi o introductor mas das
+novas eglogas vergilianas.
+
+Raro talento, muito estudo, aturada analyse, observação profunda e um
+grande serviço prestado á litteratura, eis como julgamos o livro
+_Bernardim Ribeiro_. Com ares impugnativos veio o sr. Jordão A. de
+Freitas no _Diario de Noticias_ carretar materiaes para o rude e
+esforçado prelio a travar-se. Não crêmos que o haja. Theophilo Braga,
+porém, que tem estado silencioso, dirá de sua justiça. O trabalho de
+Delfim Guimarães é probo e consciencioso. Merece o applauso
+incondicional de todos, e que rejubile a litteratura que ainda tem
+artistas que, fructo de seu labor, lhe dão tão bellas obras.
+
+
+ Albino Forjaz de Sampayo.
+
+ (Do jornal _A Lucta_, de Lisboa, de 16 de dezembro de 1908).
+
+
+
+
+
+«Bernardim Ribeiro»
+por Delfim Guimarães
+
+
+A obra que Delfim Guimarães acaba de publicar é o producto d'um lucido
+criterio aliado a uma habil quanto meticulosa investigação. Sem ser um
+erudito nem rebuscador d'archivos, Delfim Guimarães, antes de encetar
+quaesquer pesquizas, teve a maravilhosa intuição--ou elle não fosse um
+poeta--de que os admiraveis versos do _Crisfal_, desirmanados no
+decorrer do tempo da obra litteraria de Bernardim, constituiam com o
+poetico romance de _Menina e Moça_, reflexos d'um mesmo espirito,
+vibrações d'um unico coração.
+
+É que o illustre critico interpretára com verdadeiro sentimento o genio
+do infortunado poeta, levando a tal ponto a sua predilecção por elle,
+que com as _Saudades_ abrira essa galeria de publicações classicas
+portuguezas em edições populares vulgarisadas, cujo inicio no nosso meio
+litterario a Delfim Guimarães se deve.
+
+Toda aquella paixão do enternecido bucolista das _Saudades_, a fluidez
+incomparavel d'essa linguagem que é na sua simplicidade uma mimica
+d'alma e tem a harmonia d'um fio d'agua gorgolejante, tudo isso,--o
+sentimento, que é a vida na obra d'arte, Delfim Guimarães foi encontrar
+nas composições erradamente attribuidas a Cristovam Falcão.
+
+Obtida a prova subjectiva de que o poeta das _Saudades_ era o trovador
+do _Crisfal_--na realidade um criptogramma formado pelas primeiras
+syllabas das palavras _crisma_ e _falso_--o distincto escriptor encetou
+a investigação historica do que para elle fôra um presentimento e pelo
+estudo feito sobre os documentos da epoca, seu confronto e
+interpretação, conseguiu destruir n'uma argumentação irrefutavel e cheia
+de brilho, a lenda feita tradição e cimentada pelo mais auctorisado
+critico da nossa litteratura, que o trovador do _Crisfal_ nunca poderia
+ter sido Cristovam Falcão.
+
+A carta d'este moço fidalgo a D. João III, que Delfim Guimarães
+transcreve na integra e que na edição de Theophilo Braga apparecera
+deturpada, é inquestionavelmente a prova mais evidente--e outras não
+houvesse com relação a datas--de que nunca o espirito trivial que
+alinhavou aquelles periodos--se é que ali os ha--idealisaria a
+enternecida ecloga do _Crisfal_, que é ainda, a alguns seculos de
+distancia, n'esta epocha em que a arte possue riquissimos processos de
+technica e a linguagem tanto ganhou em expressão emocional,--uma soberba
+joia litteraria.
+
+Nesta obra, tão cheia de revelações, começa o auctor por fixar em bases
+positivas as _étapes_ da infortunada vida de Bernardim, desde o seu
+nascimento no Alemtejo em 1482 até á sua morte no Hospital de Todos os
+Santos, de Lisboa, em 1552, submerso nas trevas horriveis da loucura.
+Depois com o esboço dos seus amores da adolescencia e paixão tragica que
+votou a Joanna Tavares, que foi a mais intensa affeição de Bernardim e a
+inspiradora do seu triste trovar, entra-se nos capitulos da exegese,
+sendo todo o livro uma refutação completa das idéas correntes sobre a
+problematica personagem do trovador do _Crisfal_. Nêle se visionam
+muitos pontos de vista até então desconhecidos e se estabelecem novas
+pistas para norteamento dos estudiosos, as quaes, certamente, muito
+contribuirão para que todo o interessante enigma literario se desvele em
+absoluto.
+
+Nas suas curiosas investigações, fez Delfim Guimarães preciosos achados
+que denotam uma grande subtileza nas suas faculdades de critico, como a
+da poesia de Camões, erradamente atribuida a Bernardim, que se acha no
+cancioneiro de Luis Franco, existente na Biblioteca Nacional de Lisboa,
+tão interessantemente descoberta, e o das tres poesias constantes d'um
+_pliego-suelto_ de 1656, da mesma Biblioteca, que o distincto escriptor
+filia com boas razões no estro de Bernardim.
+
+Mercê da linguagem castiça, tão saborosamente portugueza, de que o
+auctor se serve, assim identificada com o thema historico versado, a
+obra é por si só, e independente da maneira de vêr do auctor, o trabalho
+honesto de um escritôr que é ao mesmo tempo um artista, n'essa evocação,
+d'um tão forte relevo, das saudosas edades em que os poetas amavam mais
+sinceramente e eram menos complicados, a arte não sendo como hoje um
+_métier_ lucrativo, mas a manifestação espontanea d'um espirito no vôo
+errante da inspiração.
+
+Fecha o livro um curioso estudo sobre a vida de Cristovam Falcão e sua
+genealogia, certamente o mais completo até agora.
+
+Felicitamos Delfim Guimarães pelo seu valioso trabalho que vem deslocar
+cómodos preconceitos arreigados e abrir novos horizontes aos que se
+interessam--que são todos os portuguezes--pelo estudo da litteratura
+portugueza no periodo aureo d'esta nacionalidade.
+
+ (Do jornal _O Dia_, de Lisboa, de 9 de janeiro de 1909.)
+
+
+
+
+«Bernardim Ribeiro»
+(O Poeta Crisfal)
+
+
+É esta obra que perpetuará o nome do seu auctor, se bem que Delfim
+Guimarães em precedentes trabalhos litterarios tenha já adduzido sobejas
+provas para que lhe possâmos reconhecer um elevado grau de
+intelligencia.
+
+Com a publicação do volume cujo titulo encima esta noticia, o serviço
+prestado por Delfim Guimarães á historia da litteratura patria está
+sendo louvado tão extraordinariamente a ponto do sr. Albino Forjaz de
+Sampaio, primoroso chronista da _Lucta_, não ter duvida em afirmar que
+no Estrangeiro tal publicação franquearia ao seu auctor as portas d'uma
+Academia.
+
+O livro apresentado é o producto d'uma ardua tarefa em que pacientes
+faculdades de investigação, alliadas a uma singular vivacidade, removem
+com cauteloso tino os escabrosos obstaculos que tão ingrato estudo
+frequentemente depára. Por isso é que, sem receio de contradicta, nos
+afoutamos a asseverar que em Portugal ninguem melhor do que Delfim
+Guimarães conhece o periodo da historia litteraria a que o mesmo
+assumpto directamente respeita. E nem isso pode causar surpreza ao
+leitor illustrado, uma vez que a arrojada affirmativa do illustre
+publicista, que é por signal a _negação_ da existencia de Christovam
+Falcão, como trovador quinhentista, demandava um minucioso exame
+analytico a todos os documentos litterarios de então; e nisso só a mais
+escrupulosa cautella conjugada com uma aguda perspicacia, como já
+deixamos dito, poderia lograr o exito desejado.
+
+Os materiaes que Delfim Guimarães colligiu para invalidar a
+personalidade litteraria de Christovam Falcão, deixa-os elle dispersos
+nos varios capitulos do seu livro, os quaes sobrepostos uns aos outros,
+á medida que se vai avançando na leitura, introduzem em qualquer
+espirito a certeza da these que o auctor se propoz comprovar.
+
+De envolta com os persuasivos esclarecimentos allegados em prol do seu
+proposito, o auctor rectifica raciocinios errados e affirmações
+insustentaveis de Theophilo Braga, se bem que o sabor acre d'essas
+frequentes correcções seja attenuado ou neutralisado quasi pelas
+assucaradas referencias ao passado de tão incançavel trabalhador.
+
+Pelo volume a que estamos alludindo vê-se que a obra de Bernardim
+Ribeiro chegou para fazer a reputação de dous homens, vindo o nome de
+Christovam Falcão usurpar em seu proveito algumas das produções
+d'aquelle mavioso lyrico, e sendo, portanto, a sua memoria um nefasto
+saprophyta que do merito alheio foi vivendo durante um longo periodo de
+tempo. A duplicidade desapparece agora com as aturadas canceiras de
+Delfim Guimarães que assim reivindica para o grande corypheu do
+bucolismo em Portugal todos os fructos do seu prodigioso talento,
+corrigindo um erro em que os bibliophilos laboraram durante seculos.
+D'aqui resalta--e é esse um dos evidentes intuitos do auctor do livro em
+questão--o desenho da verdadeira figura de Bernardim Ribeiro, com as
+proporções proprias da sua gigantesca estatura litteraria, em cima do
+seu elevado pedestal de gloria, pedestal a que algumas pedras foram
+subtrahidas para sobre ellas figurar o ficticio vulto trovadoresco de
+Christovam Falcão.
+
+Em Portugal abundam os devotados enthusiastas de Camões e Camillo,
+apparecendo agora um ardente propugnador d'outro nome tambem illustre, a
+legitima-lo como uma das maiores glorias litterarias de que se pode
+ufanar um povo. Esse nome é Bernardim Ribeiro e entrelaçado n'elle
+apparecerá d'oravante o de Delfim Guimarães, que acaba de restituir a
+obra do immortal bucolista á sua primitiva integridade.
+
+
+ Antonio Ferreira
+
+ (Do _Commercio do Lima_, de Ponte do Lima, de 9 de Janeiro de 1909).
+
+
+
+
+«Bernardim Ribeiro»
+
+
+Com este titulo e o sub-titulo de _O Poeta Crisfal_, tambem o distincto
+escriptor a cujo nome, já tão merecidamente aureolado, fica feita
+referencia na rubrica anterior, publicou recentemente um interessante
+volume, apodado por esse proprio auctor de _subsidios para a historia da
+litteratura portugueza_, e que não é nem mais nem menos do que a
+demonstração a nosso vêr evidentissima, digam os _mestres_ pilhados em
+deturpação o que quizerem, de que Bernardim Ribeiro e _Crisfal_ são uma
+e a mesma pessoa, não sendo _Crisfal_ pseudonimo de Christovão Falcão,
+mas sim um composto das primeiras sylabas das palavras _Crisma falso_,
+de que Bernardim Ribeiro fez uso. Percorrendo se, com olhos de ver, e
+com vontade de acertar com a demonstração explanada por Delfim
+Guimarães, todas as 200 e tantas paginas do volume em questão,
+adquire-se o convencimento de que ficaram por terra, uma a uma, «as
+pedras basilares com que o nome consagrado do sr. dr. Theóphilo Braga
+ergueu o monumento, aparentemente solido, que offertou ás lettras
+patrias, fazendo quase real, palpavel, uma miragem secular»--que dava
+_Crisfal_ como sendo Christovão Falcão, quando este não pertence senão
+ao dominio da lenda, sendo uma perfeita mystificação a sua pretendida
+existencia de litterato.
+
+O trabalho de verdadeiro erudito, que representa o livro de Delfim
+Guimarães, assignala de um modo inconfundivel o seu alto valor de
+estudioso, de investigador benemerito e de operoso trabalhador das
+nossas lettras. Felicitando-o cordealmente por esta nova prova das suas
+excepcionaes qualidades, cumprimos apenas um dever.
+
+
+ A. B.
+
+ (Do _Jornal das Colonias_, de Lisboa, de 13 janeiro de 1909).
+
+
+
+
+«Bernardim Ribeiro»
+
+
+Temos retardado a noticia do apparecimento d'este livro notavel do
+illustre poeta e prosador, sr. Delfim Guimarães, porque quizemos
+consagrar á sua leitura algumas horas socegadas, afim de poder estudar
+convenientemente o problema litterario que em suas paginas se debate.
+
+Esta obra é o resultado de longas e aturadas investigações e de um
+estudo conscienciosissimo, não só da obra de Bernardim Ribeiro, mas
+ainda da obra de todos os poetas, apontados como seus amigos e
+companheiros.
+
+Cotejando os versos do iniciador do lirismo portuguez com os que se
+attribuem a Cristovão Falcão, o sr. Delfim Guimarães facilmente
+reconheceu que, embora pudésse admittir-se que a educação litteraria dos
+dois poetas tivesse sido a mesma, não era possivel que as suas
+tendencias esteticas fossem por tal maneira similhantes, que os seus
+versos chegassem a confundir-se. Um d'elles teria sido seguramente o
+imitador do outro.
+
+Continuando nas suas indagações, e apreciando demoradamente a obra
+supposta contemporanea de Cristovão Falcão, notou ainda o sr. Delfim
+Guimarães que era frequente Sá de Miranda referir-se a Bernardim Ribeiro
+nas suas obras poeticas, havendo tambem allusões repetidas, nos versos
+d'este poeta, ao seu amigo e confidente. Ao auctor do _Crisfal_ não
+notou a mais leve referencia.
+
+N'aquelle bello poema havia allusões que alvejavam claramente Sá de
+Miranda, e foi do estudo attento d'essas allusões, que perfeitamente
+condiziam com as referencias das éclogas de Bernardim Ribeiro ao seu
+amigo, que resultou chegar aquelle illustre escriptor a conclusões
+inteiramente satisfatorias.
+
+A analise de varios documentos de caracter historico e juridico produziu
+no espirito do sr. Delfim Guimarães a convicção de que a personalidade
+litteraria de Cristovão Falcão não existiu, sendo a obra que se lhe
+attribue toda do autor das _Saudades_.
+
+Houve, é certo, um Cristovão Falcão de Sousa, que foi moço fidalgo em
+1527 e capitão da fortaleza de Arguim em 1545, mas este personagem, na
+opinião de Delfim Guimarães, era incapaz de escrever a mais
+insignificante das quadras de Bernardim Ribeiro.
+
+Como se vê, é realmente muito notavel este livro, que os eruditos e
+todos os que se interessam pelo movimento litterario portuguez,
+certamente deverão apreciar pela intensa luz que projecta sobre um dos
+principaes capitulos da historia da poesia nacional.
+
+(Do jornal _O Primeiro de Janeiro_, do Porto, de 20 de janeiro de 1909).
+
+
+
+
+
+«Bernardim Ribeiro»
+por Delfim Guimarães
+
+
+Não pode um povo viver sem ideal e esse ideal ha de ser como a flôr que
+firma as raizes no terreno proprio das suas tradições. O futuro ha de
+ser explicado pelo passado em que potencialmente está contido.
+
+Assim, comprehende-se quanta importancia tem para a vida intellectual e
+artistica d'um povo o conhecimento de tudo quanto se refere á evolução
+litteraria dos generos e ás condições mesologicas em que os seus grandes
+prosadores e poetas produziram monumentos de dura.
+
+É por isso que lá fóra se não considera trabalho inutil todo aquelle que
+consiste em escavar no passado, com paciencia e com intelligencia, para
+d'elle desenterrar uma ideia, uma verdade, a correcção d'uma data, a
+explicação de um texto obscuro.
+
+É sobre este trabalho á primeira vista inglorio que philosophos e
+historiadores edificam as largas syntheses, cuja necessidade é
+redundancia encarecer para a comprehensão da psychologia d'um povo.
+
+Entre nós, modernamente, nada ou quasi nada se tem feito n'esse sentido.
+Os nossos manuaes de litteratura repetem cegamente o que estava dito e
+feito, antes da descoberta dos modernos processos de critica e
+interpretação do passado.
+
+Apenas o sr. Theophilo Braga com louvavel tenacidade se tem consagrado á
+especialidade, nem sempre sendo feliz, não só pela sua tendencia a tudo
+systhematisar, forçando os factos para os encaixar nas suas concepções
+aprioristicas, mas tambem pela vastidão do assumpto que é impossivel ser
+abrangido pelo trabalho de um homem só, principalmente quando não teve
+quem lhe preparasse o terreno.
+
+Estas considerações accodem-nos a proposito do livro de Delfim
+Guimarães--BERNARDIM RIBEIRO--que representa incontestavelmente o
+acontecimento mais importante em historia litteraria do nosso tempo.
+
+O facto, que é já do dominio publico, é este: Christovão Falcão, que
+passava por auctor da ecloga «Crisfal», uma das joias da nossa
+litteratura, foi na realidade um mediocre fidalgo, incapaz de produzir
+aquella obra prima. O auctor d'esta foi, effectivamente, Bernardim
+Ribeiro, o meigo poeta das «Saudades» que serviu de modelo e estimulo a
+Luiz de Camões.
+
+O livro de Delfim Guimarães, que é um modelo de investigação paciente e
+de critica leal não deixa duvidas a tal respeito. Seria descabido aqui
+repetir os argumentos que por ora ninguem desfez em que o auctor
+fundamenta a sua sensacional descoberta.
+
+Limitamo-nos simplesmente a consignar que se Delfim Guimarães revelou
+uma extraordinaria sagacidade estabelecendo «a priori» a identidade de
+Bernardim Ribeiro e do auctor de «Crisfal», a fórma cheia de probidade
+por que procurou «a posteriori» justificar a sua opinião honra não
+sómente as suas faculdades de investigador, mas tambem o seu caracter.
+
+Quer nos parecer que, depois d'este precioso livro, a ninguem é licito
+alimentar duvidas a tal respeito. E se se perde para o quadro dos nossos
+poetas um nome, fica enriquecido e aureolado com gloria nova, mas que
+lhe pertencia o doce e encantador namorado da «Menina e Moça».
+
+A Delfim Guimarães os nossos parabens e, com elles, os nossos
+agradecimentos.
+
+ (Do _Jornal de Noticias_, do Porto, de 8 de fevereiro de 1909).
+
+
+
+
+
+Divagações
+
+I
+
+
+Só agora,--ainda que me não creiam--, só agora acaba de morrer, neste
+anno da graça de 1909, um dos grandes bucolicos da época de ouro dos
+escriptores quinhentistas!
+
+Esse macrobio das letras, Mathusalem portuguez, de nome e de nação, era,
+sem mais nem menos, Chistovam Falcão de Sousa, que, embora quatro vezes
+secular, me parece, indefinidamente vivo continuaria se não o tivessem
+acaso assassinado...
+
+Companheiro, amigo e confidente de Bernardim Ribeiro, houvera entre os
+dois, segundo Theophilo Braga, a infeliz conformidade de uma sorte
+infeliz; pois, ao passo que aquelle se desperdiçava por amores, tambem
+este por amores se perdia...
+
+As celebradas «Trovas de Chrisfal» collocavam a figura de Maria Brandão,
+«com a casta graciosidade de uma virgem de Cimabue, dentro de paisagens
+que pareciam ter os traços do pincel de Giotto»; e toda a tradição
+popular, já assignalada pelo chronista Diogo do Couto, era unanime em
+considerar esse nome de «Chrisfal» como formado das duas primeiras
+syllabas do prenome e appellido de Christovam Falcão. De outra parte, o
+poema das «Saudades», ou a «Menina e moça», de Bernardim Ribeiro,
+lembrava a desventurada paixão do poeta pelo typo feminil de Joanna
+Tavares, que elle disfarçava com o pseudonymo pastoril de «Aonia».
+
+Tão notavel se afigurava a individualidade literaria de «Chrisfal» que,
+para a illustre romanista D. Carolina Michaëlis, elle teria sido o
+creador do genero bucolico em Portugal, e Bernardim apenas o seu
+immediato imitador; mas, tambem, a semelhança entre elles era tal que,
+conforme a judiciosa observação do professor Simões Dias, «as obras de
+um podiam passar como feitas pelo outro.»
+
+E assim se devia entender e ensinar nas escolas, até que um novo
+escriptor lusitano, o sr. Delfim Guimarães, nos apparecesse com um
+trabalho recente e valioso, onde a toda luz demonstra, com grande
+escandalo dos mestres, que Christovam Falcão é, sem menos nem mais, o
+mesmo Bernardim Ribeiro, que adoptara nas «Trovas» o chris (ma) fal (so)
+de Chrisfal». E a «Maria» de taes versos tambem constituia, a seu turno,
+mais um cryptonymo de amor...
+
+Por certo que existiu Christovam Falcão, e existiu naquelles mesmos
+annos, mas o sr. Delfim Guimarães prova que semelhante personagem era um
+ignorantaço de marca.
+
+--Arranque-se-lhe, por conseguinte, e para sempre, o rutilante diadema
+de poeta com que lhe cingiram a cabeça romantica... Puramente emprestada
+era a luz que o sobredourava na historia,--luz que lhe não provinha do
+merito, senão antes da phantasia dos criticos.
+
+Em todo o caso, e emquanto houver a memoria dos homens, viverá o seu
+«renome», attribuido apenas á felicidade do «nome»...
+
+Se elle, como escriptor, morreu, ha de ser, comtudo, evocado nas obras
+de erudição, ao menos, quiçá, como testemunho de quanto podem os enganos
+e a tardia justiça dos homens.
+
+O trabalho consciencioso do sr. Delfim Guimarães honra a sua fina
+argucia, e nos leva a confiar no indefectivel juizo da historia cuja
+precaria relatividade é razão sobeja para nos empenharmos contra os
+«tortos» iniquos de que nos faça réos a precipitação ou a desidia. A
+averiguação do que pertence a cada um não transcende as raias da
+judicatura terrestre; e, para os que esperam na vida futura, parece que,
+perante o seu tribunal supremo, com jurisdicção apenas sobre o bem e o
+mal, não se levarão os problemas de preeminencia literaria, nem
+scientifica...
+
+Á posteridade é que compete extremar as glorias de cada autor; sendo
+que, muitas vezes, a injustiça ou a ignorancia dos coevos, não impedem
+que as gralhas sejam finalmente despojadas do atavio das pennas do
+pavão.
+
+Recordando o padre Manuel Bernardes o costume romano de ser punido, com
+o venablo e a nota de infamia, o legionario fanfarrão que enchia a boca
+de mentirosas façanhas, accrescenta que, se houvera de andar semelhante
+correição pelos ostentadores de engenho, muitos funccionarios exigiria a
+devida e cabal applicação da pena, que, na velha organisação militar,
+era privativa dos «tribunos». Verifica-se, porém, que, com o correr dos
+tempos, nunca faltam «tribunos» da milicia literaria, para o castigo dos
+soldados, «que blasonam falsas valentias», ou para que se desmascarem os
+miseraveis impostores da sciencia. Se até os reis, desde Homero, e, como
+dizia Camões,
+
+
+ «Dão os premios, de Ajace merecídos,
+ Á lingua vã de Ulysses fraudulenta»
+
+
+vêm mais tarde os divinos aedos, que, no tribunal dos pósteros,
+pleiteiam e ganham a causa dos que foram injustamente aggravados.
+
+Não permitte, afinal, o criterio dos competentes, que um simples
+erudito, como Ptolomeu, usurpe, inappellavelmente, a fama devida ao
+saber mathematico de Hipparcho.
+
+Este não é precisamente o caso de Christovam Falcão de Sousa, que não
+póde responder pelo erro dos que lhe enfiaram na modesta fronte uma
+corôa gloriosa de poeta. Elle, se vivo fôra, repugnaria acceitar o que a
+outrem pertencia de direito; pois, se os elogios que não merecemos, nos
+deprimem, em vez de exaltar-nos, o protesto da nossa consciencia não
+deve tardar quando aquillo que nos dão representa o resultado de uma
+espoliação alheia.
+
+Reproduzindo a carta que ainda se encontra na Torre do Tombo, o sr.
+Delfim Guimarães apurou, e deixou de manifesto, que o suposto trovador
+tinha apenas a instrucção rudimentar dos moços fidalgos do seu tempo.
+
+Se «idiotas», na accepção archaica de--«sem letras», eram, como sabemos,
+os barões da edade media, que até disso mesmo se ufanavam, a ponto
+de--«o condestavel Duguesclin nunca ter querido sujeitar-se á
+doutrinação de um mestre», nem ainda na aurora da Renascença pareceu
+melhor a cultura de certos homens, apesar de illustres.
+
+Francisco Pizarro, logar-tenente de Sua Alteza, cavalleiro da ordem de
+Santiago e conquistador do Perú, ouviu ler, deante do Grande Concelho
+dos nobres de Hespanha, a minuta do decreto que o fazia senhor de todas
+terras descobertas e por descobrir;--e, como, na expressão de Heredia,
+não pudesse assignar o protocollo,
+
+
+ «Fit sa croix, déclarant ne savoir pas écrire,
+ Mais d'un ton si autain que nul ne put en rire.»
+
+
+Á vista de tal exemplo, não ha extranhar, no gentil-homem Christavam
+Falcão, nem as faltas de grammatica, nem as de orthographia, patentes em
+sua carta a el-rei, conforme o documento que ainda se conserva na Torre
+do Tombo... Mas essas faltas e a rudeza geral do estilo são bastantes
+para que não mais o tenhamos na conta de um emulo do suave e
+melancholico Bernardim Ribeiro, autor incontestavel das «Trovas de
+Chrisfal», depois de tantos argumentos sagazmente colhidos de uma
+profunda analyse psychologica e linguistica.
+
+Um dos mais fortes indicios (aliás não aproveitado pelo sr. Delfim
+Guimarães) consiste na estrophe 77, das «Trovas», com o começo, em
+prosa, do poema das «Saudades»:
+
+
+ Por ti me vi desterrada
+ em estas estranhas terras
+ de donde eu fui criada,
+ e, por ti, antre estas serras,
+ em vida, são sepullada:
+ onde, a se me perderem
+ a frol dos annos se vão;
+ ora julga se é rezão
+ das minhas lagrimas serem
+ menos daquestas que são!
+
+
+Ha aqui uma clara allusão ao mesmo facto referido no trecho:
+
+
+«Menina e moça me levaram de casa de meu pae para longes terras; qual
+fosse então a causa daquella minha levada, era pequena, não na soube.»
+
+
+O sr. Delfim Guimarães deixa agora envolta em trevas a personalidade de
+Christovam Falcão; mas o raio de luz que deste se afasta, só serve de
+augmentar a gloria de Bernardim Bibeiro, cujo peregrino talento até hoje
+scintillava repartido pela auréola de dois nomes de poeta...
+
+
+ Silvio de Almeida.
+
+(Do jornal _O Estado de S. Paulo_, de S. Paulo, Brasil, de 29 de março
+de 1909).
+
+
+
+
+Divagações
+
+II
+
+
+Que extranha e mal debuxada figura não era a desse Christovam Falcão, a
+quem, de principio, a gente ignara, depois editores sem critica, e, por
+fim, os mesmos autorisados mestres, attribuiram a paternidade das
+«Trovas de Crisfal», sem outro algum motivo que só este, aliás, deveras
+pueril: conjugarem-se na palavra «Crisfal» as duas primeiras syllabas de
+«Christovam» e de «Falcão»!
+
+Unicamente, pois, a sorte de seu «nome» lhe grangeára o dilatado
+«renome» de quatro seculos, cheios de uma admiração que tanto (segundo o
+costume) tinha de enthusiastica, quanto mais era infundada e gratuita.
+
+Aos phantasistas nada, certo, importava que jamais fosse o ideal
+trovador, nem uma vez, referido no volumoso in-folio do «Cancioneiro» de
+«Rezende», em cujo indice se catalógam até as mediocridades pulhas
+daquelle tempo. Nem cuidaram tampouco que a sua unica pretendida obra
+lyrica (não sem causa deparada entre os papéis, que foram, de Bernardim
+Ribeiro)--versava o mesmo assumpto predilecto deste ultimo, reflectia o
+mesmo gosto da paisagem, era fundida nos moldes do mesmo estilo, vinha
+molhada pelas lagrimas da mesma dorida commoção!
+
+A todos que tenham olhos de ver, demonstra agora o sr. Delfim Guimarães,
+com miudezas de analyse, que certos passos das «Trovas», ou reproduzem
+heptasyllabos das pastoraes ribeirescas, ou correspondem a phrases
+similares do romancete das «Saudades».
+
+Deixando, porém, de lado dezenas de significativas coincidencias
+esparsas, como entre o verso da egloga 4.^a:
+
+
+ «Coitado, não sei que diga,
+
+
+e o da estrophe 21 de «Crisfal»:
+
+
+ «Mas, triste, não sei que digo»;
+
+
+eu apenas aqui darei o que não expoz o novél escriptor portuguez, ou
+aquillo que elle só levemente adduziu.
+
+Já na carta prefacial das «Trovas», cujo tom dagua chorosa nos suggere o
+«memento» do «Cancioneiro», os versos:
+
+
+ «Cuidai quanto nos quisemos,
+ e não vos possa mudar
+ dizer que vos podem dar
+ outrem que tenha mais que eu»,
+
+
+perfeitamente combinam com a 1.^a egloga:
+
+
+ «Veio ahi outro pastor ter:
+ com o que prometteu ou deu
+ se deixou delle vencer»,
+
+
+e com a «Menina e moça»:
+
+--«...succedeu, no castello, um filho de um cavalleiro muito valído e
+rico nesta terra, que por meio de vizinhos desejou Aonia por mulher»;
+
+--«...bem lhe pareceu que se não descontentaria Aonia do esposo, porque
+era bem aposto cavalleiro e dos bens do mundo abastado».
+
+Note-se, mais, que a locução--«dos bens do mundo abastado», tambem
+inserta na 2.^a bucolica, reapparece na 5.^a estrophe de «Crisfal», cujo
+introito (conforme com as eglogas 1.^a, 2.^a e 5.^a) faz das «selvas
+junto do mar» o delicioso theatro dos amores dos dois zagaes.
+
+A descripção desse local (de Sintra e de seu Val de Lobos), apenas
+esboçada no começo das «Trovas», melhor se delineia da estrophe 55 em
+deante:
+
+
+ «Vão alli grandes montanhas
+ de alguns valles abertas,
+ todas de soutos cubertas,
+ aos naturaes extranhas,
+ mas á saudade certas.
+ .......................
+ Cuberta era a fonte
+ de tam fresco arvoredo,
+ que não sei como o conte,
+ muito quieto e mui quedo,
+ por ser antre monte e monte.
+ .............................
+ Ao pé de um castanheiro
+ me pus, triste, assentado,
+ ouvindo o tom de um ribeiro.
+ Meus olhos e eu passámos
+ alli a noite em amores.
+ .............................
+ Naqueste tempo corrompe
+ a ave que chamam leal
+ o silencio do seu mal,
+ que é quando a alva rompe
+ e ao dia faz signal».
+
+
+Depois disso, abram o livro da «Menina e moça», e façam-me o favor de
+ler:
+
+«Neste «monte mais alto de todos» (que eu vim buscar pela suavidade de
+outros que nelle achei) passava eu a minha vida como podia; ora em me ir
+«pelos fundos valles que os cingem dearredor», ora em me pôr do mais
+alto delles olhar a terra como ia acabar ao mar; e depois o mar como se
+estendia logo após ella, pera acabar onde ninguem o visse».
+
+--«E ainda bem não foi alto dia, quando eu (parece que acinte)
+determinei ir-me pera o pé deste monte, «que d'arvoredos grandes e
+verdes ervas e deleitosas sombras» é cheio, «por onde corre um pequeno
+ribeiro» de agua de todo o anno, que nas noites caladas, o rogido delle
+faz no mais alto deste monte um «saudoso tom, que muitas vezes me tolhe
+o sono».
+
+--«Não tardou muito que, estando eu assim cuidando, sobre um verde ramo
+que por cima da agua se estendia, «veio pousar um rouxinol».
+
+Para completar a symetria e a belleza idyllica da pintura, nem faltou a
+esse quadro o vultinho animado da mesma «ave leal» de que nos. falavam
+as «Trovas».
+
+Quanto ao par apaixonado, a referencia da 2.^a estrophe de «Crisfal»:
+
+
+ «Sendo de pouca edade,
+ não se ver tanto sentiam
+ que o dia que se não viam,
+ se via na saudade
+ o que se ambos queriam».
+
+
+ligada á da 77:
+
+
+ «a frol dos annos se vão»,
+
+
+e á da 84:
+
+
+ «Quando vos dei a vontade,
+ inda vós ereis menina,
+ e eu de pouca edade»,
+
+
+em nada discrepa da do capitulo 18 das «Saudades» de Bernardim:
+
+
+--«...a senhora Aonia, que ainda então era donzella d'antre treze ou
+quatorze annos...»;
+
+--«...a barba um pouco espessa e um pouco crescida, que a elle traz,
+parece que é aquella a primeira ainda...»
+
+
+Em relação ao poeta, a 2.^a egloga positivamente declara que contava os
+seus vinte e um de edade quando se fez «servidor» de Aonia.
+
+Mas dos parentes desta a interesseira má vontade, que «Crisfal»
+vehemente assignala, assentou de lhe curar o coração doente de mulher
+pelo processo sedativo de um apartamento para «longes terras» (expressão
+egual da estrophe 7.^a e do 1.^o capitulo da «Menina e Moça»).
+
+Ainda na 2.^a egloga, Bernardim, que com os italianos aprendera o
+reavidado uso das allegorias de Vergilio, se manifesta como um pastor
+nascido «antre Tejo e Odiana»; e muito é para notar que nas «Trovas»
+tambem exista o mesmo verso (6.^o da 30.^a estrophe).
+
+Attingido o pegureiro (na 2.^a bucolica) do encantamento de amor,
+
+
+ «logo então começou
+ seu gado a emagrecer:
+ nunca mais delle curou.»
+
+
+E «Crisfal», outrosim (como réza a 5.^a estrophe),
+
+
+ «...por curar da paixão,
+ não curava do seu gado».
+
+
+O mesmo pensamento se exprimiu, pois, aqui, sómente com tal ou qual
+superioridade artistica, que não é a injusta superioridade de Christovam
+Falcão sobre Bernardim Ribeiro, senão antes a deste sobre si proprio, no
+progressivo burilamento da fórma impeccavel.--Mas o artista, como que
+apostado em exceder-se cada vez mais, só achou a sua melhor expressão
+esthetica quando depois insistiu, na estrophe 22:
+
+
+ «descuido matou meu gado,
+ cuidado matou a mim».
+
+
+A antithese (que tira de duas idéas oppostas a scintillação do choque de
+duas pedras) constitue quasi sempre o ultimo resultado de uma longa
+elaboração mental.
+
+Ha, na melancholia das «Saudades», um topico onde o seu autor diz que,
+já de affeito ás dores, parecia viver nellas. E tal conceito assume, na
+10.^a estrophe das «Trovas», uma formulação mais abstracta e geral:
+
+
+ «O longo uso dos danos
+ se converte em natureza».
+
+
+A hypothese de «Crisfal» ser Christovam Falcão exigiria, portanto, que
+delle fosse, tambem, um simples reflector o nosso, aliás original,
+Bernardim Ribeiro; ou isso, ou, então, plagiario o outro...
+
+Gemeos intellectuaes, e ainda irmãos no infortunio de seus affectos,
+nunca se houvera visto, sequer em dois relogios, uma tão completa
+concordancia!
+
+Mas, dentre o suffocante accumulo de provas contrarias, uma, sobretudo,
+victoriosamente resalta da egloga «Alejo» de Sá de Miranda, o
+«philosopho» amigo e confidente do «ternissimo» Bernardim Ribeiro.
+
+Alli diz o Miranda, disfarçado sob o cryptonymo de «Antonio»:
+
+
+ «Vine por Ribero ver,
+ como otras vezes solia.»
+
+
+Pois bem: Esse mesmo «Antonio» apparece na estrophe 32 de «Crisfal», que
+delle assevera:
+
+
+ «Aqueste é o pastor
+ que aqui vêo buscar-me.»
+
+
+De semelhante parallelismo não ha concluir senão que «Ribero» e
+«Crisfal» representam um só e mesmo «pastor», o que vale dizer «poeta»,
+na linguagem allegorica do bucolismo.
+
+Demais:
+
+Os versos que se acham em «Alejo»:
+
+
+ «Io sonava que me via
+ entre unas cerradas breñas;
+ de una parte i de otra peñas,
+ do nunca el sol descobria»,
+
+
+traduzem no castelhano os da estrophe 7.^a das «Trovas»:
+
+
+«esconderam-me antre serras,
+onde o sol nunca era visto,»
+
+
+Ora, se (a paginas 188 de sua obra refundida sobre Sá de Miranda)
+reconhece Theophilo Braga, como todos, em «Alejo», uma segunda figura de
+Bernardim, deverá reconhecer ainda que «Crisfal», sendo «Alejo», é
+Bernardim tambem.
+
+
+A gloria do sr. Delfim Guimarães foi de haver apanhado a verdade, que
+tão fóra andava da corrente unanime do parecer dos mestres.
+
+Mas, já das muitas adhesões que elle conquistou, licito me seja destacar
+o voto preponderante da senhora dona Carolina Michaëlis de
+Vasconcellos,[12] como primeira autoridade--que ella o é--da moderna
+philologia portugueza.
+
+Tambem, no Brasil, Sylvio Romero entende que estão reivindicados, de uma
+vez, os direitos de Bernardim Ribeiro «a essa bella parte da sua obra
+que a lenda lhe andava a tirar estupidamente»...
+
+
+ Silvio de Almeida.
+
+(Do jornal _O Estado de S. Paulo_, de S. Paulo, Brasil de 5 de Abril de
+1909).
+
+
+
+
+Indice
+
+
+Theóphilo Braga e a lenda do Crisfal
+
+
+
+I. Razão de ser d'este livro 5
+
+II. O snr. dr. Theóphilo Braga descobrindo a verdade, e procurando
+enterrá-la 29
+
+III. Anotações á carta que nos dirigiu o snr. dr. Theóphilo Braga 37
+
+IV. A comunicação do presidente da Academia das Sciencias de Portugal 59
+
+V. O artigo «Movimento litterário» 63
+
+VI. Uma patranha genealógica 97
+
+VII. O criptónimo «Fileno» 99
+
+VIII. In terminis 103
+
+
+ * * * * *
+
+Apreciações da imprensa ao livro:
+
+
+«Bernardim Ribeiro (O Poeta Crisfal)»
+
+
+Do jornal «_O Mundo_», de Lisboa 107
+
+» » «_O Seculo_», » » 109
+
+» » «_Diario de Noticias_», de Lisboa,--artigo do snr. dr. Candido de
+Figueiredo 111
+
+» » «_Diario Illustrado_», de Lisboa,--artigos
+do snr. Hemetério Arantes 113 e 125
+
+» » «_A Mala da Europa_», de Lisboa 121
+
+» » «_A Lucta_,» de Lisboa,--artigo do snr. Albino Forjaz de Sampayo 133
+
+» » «_O Dia_», de Lisboa 139
+
+» » «_O Commercio de Lima_», de Ponte do Lima--artigo do snr. dr.
+Antonio Ferreira 143
+
+» «_Jornal das Colonias_», de Lisboa,--artigo de A. B. 147
+
+» jornal «_O Primeiro de Janeiro_», do Porto 149
+
+» «_Jornal de Noticias_», do Porto 151
+
+» jornal «_O Estado de S. Paulo_», de S. Paulo, Brasil,--artigos do snr.
+Sílvio de Almeida 155
+
+
+
+
+
+*Notas:*
+
+[1] O _normando_ é nosso.
+
+[2] Este _ponto de admiração_ pertence exclusivamente ao snr. dr.
+Theóphilo Braga.
+
+[3] T. Braga.--_Obras de Christovam Falcão_, Porto, 1871--pag. 4.
+
+[4] _Bernardim Ribeiro (O Poeta Crisfal)_, pag. 180.
+
+[5] Torre do Tombo--Gaveta 20--maço 5--n.^o 10.
+
+[6] Bernardim Ribeiro e o Bucolismo, pag. 63-64.
+
+[7] _Bernardim Ribeiro e o Bucolismo_, pag. 19.
+
+[8] _Bernardim Ribeiro e o Bucolismo_, pag. 19.
+
+[9] Carta do snr. Jordão de Freitas no jornal «O Dia» em 2 de janeiro de
+1909.
+
+[10] Conferencia de 8 de Junho de 1725 pelo Conde da Ericeira, na
+Colleçam dos documentos e memorias da Academia Real da Historia
+Portugueza.
+
+[11] Aliás, as glosas ao solau.
+
+ _Nota de D. G._
+
+[12] Reproduzindo integralmente o artigo do nosso ilustre confrade
+brasileiro, cabe-nos o dever de declarar que a insigne romanista,
+senhora D. Carolina Michaëlis, que nós saibamos, ainda não manifestou a
+sua opinião.
+
+ _Nota de D. G._
+
+
+
+
+Lista de erros corrigidos
+
+
+Aqui encontram-se listados todos os erros encontrados e corrigidos:
+
+
+ +----------+---------------------+----------------------+
+ | | Original | Correcção |
+ +----------+---------------------+----------------------+
+ |#pág. 12| auxilados | auxiliados |
+ |#pág. 28| impondo-a | impondo-o* |
+ |#pág. 29| Pedron | Padron* |
+ |#pág. 32| paternalmente | paternalmente,* |
+ |#pág. 38| primeiro | segundo* |
+ |#pág. 85| com o | como |
+ |#pág. 90| empenhada | empenhado |
+ |#pág. 94| com todas | como todas* |
+ |#pág. 95| Falção | Falcão* |
+ |#pág. 102| portuguesês | portuguêses |
+ |#pág. 107| Chistovão | Christovão |
+ +----------+---------------------+----------------------+
+
+
+* correcções feitas com base na errata do próprio livro.
+
+As figuras da página 34 e da página 49 estão ilegíveis, motivo pelo qual
+não foram adicionadas. Fica no entanto a sua indicação.
+
+
+
+
+
+End of the Project Gutenberg EBook of Theophilo braga e a lenda do crisfal, by
+Delfim Guimarães
+
+*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK THEOPHILO BRAGA E A LENDA ***
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+works. See paragraph 1.E below.
+
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+Foundation as set forth in Section 3 below.
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+1.F.
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+opportunities to fix the problem.
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+in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER
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+trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone
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+or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm
+work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any
+Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause.
+
+
+Section 2. Information about the Mission of Project Gutenberg-tm
+
+Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of
+electronic works in formats readable by the widest variety of computers
+including obsolete, old, middle-aged and new computers. It exists
+because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from
+people in all walks of life.
+
+Volunteers and financial support to provide volunteers with the
+assistance they need, is critical to reaching Project Gutenberg-tm's
+goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will
+remain freely available for generations to come. In 2001, the Project
+Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
+and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations.
+To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
+and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
+and the Foundation web page at https://www.pglaf.org.
+
+
+Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive
+Foundation
+
+The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
+501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
+state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal
+Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification
+number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at
+https://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
+permitted by U.S. federal laws and your state's laws.
+
+The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S.
+Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered
+throughout numerous locations. Its business office is located at
+809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email
+business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact
+information can be found at the Foundation's web site and official
+page at https://pglaf.org
+
+For additional contact information:
+ Dr. Gregory B. Newby
+ Chief Executive and Director
+ gbnewby@pglaf.org
+
+
+Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation
+
+Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide
+spread public support and donations to carry out its mission of
+increasing the number of public domain and licensed works that can be
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+array of equipment including outdated equipment. Many small donations
+($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt
+status with the IRS.
+
+The Foundation is committed to complying with the laws regulating
+charities and charitable donations in all 50 states of the United
+States. Compliance requirements are not uniform and it takes a
+considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up
+with these requirements. We do not solicit donations in locations
+where we have not received written confirmation of compliance. To
+SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any
+particular state visit https://pglaf.org
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+While we cannot and do not solicit contributions from states where we
+have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition
+against accepting unsolicited donations from donors in such states who
+approach us with offers to donate.
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+outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff.
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+
+Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic
+works.
+
+Professor Michael S. Hart was the originator of the Project Gutenberg-tm
+concept of a library of electronic works that could be freely shared
+with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project
+Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support.
+
+
+Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed
+editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S.
+unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily
+keep eBooks in compliance with any particular paper edition.
+
+
+Most people start at our Web site which has the main PG search facility:
+
+ https://www.gutenberg.org
+
+This Web site includes information about Project Gutenberg-tm,
+including how to make donations to the Project Gutenberg Literary
+Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to
+subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.
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--- /dev/null
+++ b/25479-h.zip
Binary files differ
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@@ -0,0 +1,13365 @@
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+<pre>
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+Project Gutenberg's Theophilo braga e a lenda do crisfal, by Delfim Guimarães
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+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
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+re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
+with this eBook or online at www.gutenberg.org
+
+
+Title: Theophilo braga e a lenda do crisfal
+
+Author: Delfim Guimarães
+
+Release Date: May 15, 2008 [EBook #25479]
+
+Language: Portuguese
+
+Character set encoding: ISO-8859-1
+
+*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK THEOPHILO BRAGA E A LENDA ***
+
+
+
+
+Produced by Rita Farinha and the Online Distributed
+Proofreading Team at https://www.pgdp.net (This file was
+produced from images generously made available by National
+Library of Portugal (Biblioteca Nacional de Portugal).)
+
+
+
+
+
+
+</pre>
+
+
+
+<div>
+<div class="fbox"><b>Nota de editor:</b>
+Devido &agrave;
+quantidade de erros tipogr&aacute;ficos existentes neste texto,
+foram tomadas v&aacute;rias decis&otilde;es quanto &agrave;
+vers&atilde;o final. Em caso de d&uacute;vida, a grafia foi
+mantida de acordo com o original. No final deste livro
+encontrar&aacute; a lista de erros corrigidos.<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div style="text-align: right; font-style: italic;">Rita
+Farinha (Maio 2008)
+</div>
+
+
+</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<h1>
+The&oacute;philo Braga<br />
+
+
+</h1>
+
+
+<h3>E</h3>
+
+
+<h2>A LENDA DO CRISFAL</h2>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<h3>Obras de Delfim Guimar&atilde;es </h3>
+
+
+<br />
+
+
+<table style="text-align: left; width: 100%;" border="0" cellpadding="2" cellspacing="2">
+
+
+ <tbody>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td>PROSA:</td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td><b>Alma dorida</b>, com pref&aacute;cio
+de Teixeira Bastos, 1 vol
+broch.</td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td style="text-align: right;">500</td>
+
+
+ <td style="text-align: right;">r&eacute;is</td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td style="text-align: justify;"><b>A Viagem
+por terra do snr. Jo&atilde;o
+Penha</b>, (cr&iacute;tica liter&aacute;ria) 1
+folh.</td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td style="text-align: right; vertical-align: bottom;">100</td>
+
+
+ <td style="text-align: center; vertical-align: bottom;">&raquo;</td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td><b>O Rosquedo</b> (Scenas da vida de
+prov&iacute;ncia)</td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td style="text-align: center;" colspan="2" rowspan="1">Esgot.<sup>o</sup></td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td><b>Ares do Minho</b> (Contos) 1 vol.
+broch.</td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td style="text-align: right;">200</td>
+
+
+ <td style="text-align: center;">&raquo;</td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td style="text-align: justify;"><b>Bernardim
+Ribeiro</b>: <span class="smallcaps">O poeta Crisfal</span>
+(Subs&iacute;dios para a Historia da literatura
+portugu&ecirc;sa) 1 vol.
+broch.</td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td style="text-align: right; vertical-align: bottom;">800</td>
+
+
+ <td style="text-align: center; vertical-align: bottom;">&raquo;</td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td>&nbsp;</td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td>EM PREPARA&Ccedil;&Atilde;O: </td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td><b>Luis de Cam&otilde;es.&#8213;Diogo
+Bernardes.</b></td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td>&nbsp;</td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td>VERSO:</td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td><b>Lisboa Negra</b>, 1
+fol.</td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td style="text-align: right;">200</td>
+
+
+ <td style="text-align: center;">&raquo;</td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td><b>Confidencias</b>, 1 vol.
+broch.</td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td style="text-align: right;">400</td>
+
+
+ <td style="text-align: center;">&raquo;</td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td><b>Evangelho</b>, 1
+vol.</td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td style="text-align: right;">400</td>
+
+
+ <td style="text-align: center;">&raquo;</td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td><b>N&atilde;o! Mil vezes
+n&atilde;o!</b> 1
+fol.</td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td style="text-align: right;">200</td>
+
+
+ <td style="text-align: center;">&raquo;</td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td><b>Sim! Mil vezes sim!</b> 1
+fol.</td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td style="text-align: right;">100</td>
+
+
+ <td style="text-align: center;">&raquo;</td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td><b>Sonho
+Garretteano</b></td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td style="text-align: center;" colspan="2" rowspan="1">Esgot.<sup>o</sup></td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td><b>A Virgem do Castelo</b>, (2.&ordf;
+edi&ccedil;&atilde;o) 1
+fol.</td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td style="text-align: right;">100</td>
+
+
+ <td style="text-align: right;">reis</td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td><b>Outonaes</b>, 1 vol.
+broch.</td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td style="text-align: right;">500</td>
+
+
+ <td style="text-align: center;">&raquo;</td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td>&nbsp;</td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td>NO PRELO: </td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr align="justify">
+
+
+ <td colspan="4" rowspan="1"><b>Flores
+do mal</b>
+(interpreta&ccedil;&atilde;o em versos portugu&ecirc;ses de
+poesias de Carlos Baudelaire) </td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td>&nbsp;</td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td>TEATRO:</td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td style="text-align: justify;"><b>Aldeia na
+C&ocirc;rte</b>, drama em
+3 actos, de colabora&ccedil;&atilde;o com D. Jo&atilde;o da
+Camara, representado no D. Amelia, 1 vol.
+broch.</td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td style="text-align: right; vertical-align: bottom;">500</td>
+
+
+ <td style="text-align: right; vertical-align: bottom;">r&eacute;is</td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td style="text-align: justify;"><b>Juramento
+Sagrado</b>, comedia n'um acto
+em verso, representada no D. Maria II, 1
+fol.</td>
+
+
+ <td></td>
+
+
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+
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+
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+
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+
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+ <td>A PUBLICAR:</td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td><b>Domingo de P&aacute;scoa</b>,
+pe&ccedil;a de costumes minhotos </td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td>&nbsp;</td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td>OUTROS TRABALHOS: </td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td style="text-align: justify;"><b>A Dama das
+Camelias</b>, de <em>Dumas, filho</em>
+(tradu&ccedil;&atilde;o), 1 vol.
+broch.</td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td style="text-align: right; vertical-align: bottom;">200</td>
+
+
+ <td style="text-align: right; vertical-align: bottom;">r&eacute;is</td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td style="text-align: justify;"><b>Saudades</b>,
+(Hist&oacute;ria de
+Menina e mo&ccedil;a), de <em>Bernardim Ribeiro</em>,
+edi&ccedil;&atilde;o revista (vol. 29 da
+Colec&ccedil;&atilde;o Horas de
+Leitura)</td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td style="text-align: right; vertical-align: bottom;">200</td>
+
+
+ <td style="text-align: center; vertical-align: bottom;">&raquo;</td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td><b>Trovas de Crisfal</b>, de <em>Bernardim
+Ribeiro</em>,
+edi&ccedil;&atilde;o
+revista</td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td style="text-align: right;">300</td>
+
+
+ <td style="text-align: center;">&raquo;</td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td><b>Versos portugu&ecirc;ses</b>, de <em>S&aacute;
+de Miranda</em>,
+edi&ccedil;&atilde;o
+revista</td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td style="text-align: right;">500</td>
+
+
+ <td style="text-align: center;">&raquo;</td>
+
+
+ </tr>
+
+
+
+ </tbody>
+</table>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="bbox">
+<h2>DELFIM GUIMAR&Atilde;ES </h2>
+
+
+<br />
+
+
+<h1>The&oacute;philo Braga </h1>
+
+
+<h3>
+E </h3>
+
+
+<h2>
+A Lenda do Crisfal </h2>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<table style="text-align: left; width: 100%;" border="0" cellpadding="2" cellspacing="2">
+
+
+ <tbody>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td style="text-align: right; width: 259px;"><img style="width: 150px; height: 145px;" alt="" src="images/fig01.png" /></td>
+
+
+ <td style="width: 270px;"><b>1909<br />
+
+
+Livraria Editora<br />
+
+
+GUIMAR&Atilde;ES &amp; C.<sup>a</sup><br />
+
+
+68, Rua de S. Roque, 70<br />
+
+
+ <span class="smallcaps">Lisboa</span></b></td>
+
+
+ </tr>
+
+
+
+ </tbody>
+</table>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<h2>THE&Oacute;PHILO BRAGA<br />
+
+
+E A LENDA DO CRISFAL </h2>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<h3><a name="c1"></a>I<br />
+
+
+<br />
+
+
+Raz&atilde;o de ser d'este livro </h3>
+
+
+<br />
+
+
+Quando em maio de 1908 tornamos p&uacute;blica a
+conclus&atilde;o a que haviamos chegado de ser <em>Crisfal</em>
+um pseud&oacute;nimo do
+autor da <em>Menina e mo&ccedil;a</em>, como
+procur&aacute;mos
+demonstrar no volume recentemente dado &aacute; estampa: <b>Bernardim
+Ribeiro</b> (<em>O Poeta Crisfal</em>), tinhamos o
+convencimento pleno de que uma tal nova, divulgada pela imprensa, seria
+bem acolhida por quantos se interessam pelo estudo da nossa
+Hist&oacute;ria
+liter&aacute;ria, com excep&ccedil;&atilde;o apenas do snr.
+dr.
+The&oacute;philo Braga. O laureado professor do Curso Superior de
+Letras n&atilde;o perdoa a quem quer que seja que ouse discordar de
+suas senten&ccedil;as, nem v&ecirc; com bons olhos que outros,
+que n&atilde;o s. ex.<sup>a</sup>, encarem problemas
+que se prendam com a Hist&oacute;ria da literatura
+portugu&ecirc;sa. <br />
+
+
+<br />
+
+
+E n'este caso do <em>Poeta Crisfal</em>, mais
+do que em nenhum outro, o snr. dr. The&oacute;philo Braga
+n&atilde;o desejava que ninguem bulisse, pelo motivo que teremos
+ocasi&atilde;o de apontar no decurso d'este livro. <br />
+
+
+<br />
+
+
+N&atilde;o contavamos com o acolhimento ben&eacute;volo
+<span class="pagenum">[6]</span>
+do infatigavel escritor. Para
+fundamentar o nosso juizo, bastava-nos invocar os precedentes sabidos,
+tristemente lembrados, e, muito em especial, o desfor&ccedil;o
+pouco generoso do snr. dr. The&oacute;philo Braga para com a
+mem&oacute;ria d'esse desventurado que se chamou Antero,&#8213;porque o
+poeta incomparavel dos <em>Sonetos</em>
+ousara flagelar o dogmatismo scient&iacute;fico do antigo camarada
+universit&aacute;rio; o fel que o plumitivo da
+<b>Historia da Litteratura</b> deixa transparecer nas
+aprecia&ccedil;&otilde;es com que, baldadamente, procura
+amesquinhar a figura gigantesca de Herculano,&#8213;porque o insigne
+historiador nacional j&agrave;mais se associou aos
+turibul&aacute;rios do fil&oacute;sofo comtista (sem
+calemburgo);&#8213;o desdem com que o professor de literatura apoda,
+soberanamente, de
+<em>gram&aacute;tico</em>, o distinto romanista, snr.
+Epiph&aacute;nio Dias,&#8213;por este haver despeda&ccedil;ado, com
+a autoridade do seu nome, aquela inven&ccedil;&atilde;o alegre
+dos <em>cantos de ledino</em>, em
+que o snr. dr. The&oacute;philo continua a persistir, apesar de
+tudo, com manifesta falta de sinceridade. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Mas n&atilde;o ignorando taes precedentes, e conhecendo que o
+estudo que iamos apresentar ao p&uacute;blico n&atilde;o
+deixaria de nos acarretar a
+m&aacute; vontade do autor da <em>Hist&oacute;ria da
+Litteratura
+Portugueza</em>, nem por um momento hesitamos em levar a bom
+termo o nosso trabalho, tendo em aten&ccedil;&atilde;o tam
+s&ograve;mente que se tratava de
+desfazer uma lenda, est&uacute;pida como tantas outras lendas, que
+privava de parte da gl&oacute;ria a que tinha jus o nome aureolado
+de um dos maiores poetas portugu&ecirc;ses, o delicado e inditoso
+Bernardim Ribeiro, o nosso querido Bernardim. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Derru&iacute;amos a coluna em que se firmava um espantalho, mas
+erguiamos a um pedestal mais
+<span class="pagenum">[7]</span>
+grandioso
+e alt&iacute;volo a figura amoravel do grande bucolista. <br />
+
+
+<br />
+
+
+A literatura portugu&ecirc;sa s&oacute; ganhava com a
+descoberta. Que, se alguma cousa perdesse, era sobeja
+compensa&ccedil;&atilde;o o que se conquistava para a verdade
+hist&oacute;rica... <br />
+
+
+<br />
+
+
+Mas a proclama&ccedil;&atilde;o de uma tal verdade ia
+prejudicar um livro, ou livros, do snr. dr. The&oacute;philo
+Braga... N&atilde;o havia d&uacute;vida. Que importava isso?
+Para reivindicar para Bernardim Ribeiro a autoria da Carta e da
+&Eacute;cloga de
+<em>Crisfal</em>, n&atilde;o valeria a pena sacrificar
+uma das muitas produ&ccedil;&otilde;es do operoso escritor? <br />
+
+
+<br />
+
+
+Bernardim Ribeiro &eacute; um dos astros fulgurantes da
+r&uacute;tila constela&ccedil;&atilde;o que brilha,
+intensa e perduravelmente, no ceu de Portugal. J&aacute; conta
+alguns s&eacute;culos, e ainda hoje nos deslumbra o seu fulgor... <br />
+
+
+<br />
+
+
+Ap&oacute;s a local produzida pelo snr. dr. Alfredo da Cunha no seu
+<em>Diario de Noticias</em>,
+dando conta dos nossos trabalhos de investiga&ccedil;&atilde;o,
+que punham termo &aacute; lenda de
+<em>Crisfal</em>, tivemos a ventura de ver que o snr.
+Jos&eacute; Pereira Sampaio (<em>Bruno</em>) havia
+chegado a
+conclus&atilde;o id&ecirc;ntica &aacute; nossa, como foi
+registado n'um brilhante artigo de Jo&atilde;o Grave no <em>Diario
+da
+Tarde</em>, do Porto, confirmado inteiramente por uma carta de <em>Bruno</em>,
+reproduzida no jornal
+citado, em que o prestigioso publicista, com a reconhecida autoridade
+do seu nome, que nada deve ao reclamo, afirmava de maneira absoluta que
+estavamos com a verdade; que o <em>trovador</em>
+Cristovam Falc&atilde;o era simples produto de uma lenda, que o
+cript&oacute;nimo <em>Crisfal</em>
+pertencia a Bernardim Ribeiro. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Do artigo do nosso camarada Jo&atilde;o Grave, e
+<span class="pagenum">[8]</span>
+da carta do ilustre escritor snr.
+Jos&eacute; Sampaio, n&atilde;o faremos
+cita&ccedil;&otilde;es n'esta altura.
+Ambos os preciosos documentos se encontram integralmente exarados no
+nosso livro <em>Bernardim
+Ribeiro</em>. N&atilde;o os desconhecem, por certo, aqueles
+que nos d&atilde;o a honra da leitura d'este trabalho. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Como recebeu o snr. dr. The&oacute;philo Braga essas
+comunica&ccedil;&otilde;es do <em>Diario de
+Noticias</em>, de Lisboa, e do <em>Diario da Tarde</em>,
+do
+Porto? <br />
+
+
+<br />
+
+
+&#8213;Passando a Jos&eacute; Pereira Sampaio
+(<em>Bruno</em>), e a n&oacute;s outros, um diploma de
+ignorantes! <br />
+
+
+<br />
+
+
+Em 29 de maio, um amigo salientou-nos no jornal <em>A Epoca</em>
+a
+sec&ccedil;&atilde;o que o escritor snr. Silva Pinto tinha a
+seu cargo, e que n'essa data estampava, reproduzida do <em>Diario
+da
+Tarde</em> do Porto, a seguinte carta do snr. dr.
+The&oacute;philo Braga: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="tinyl">&laquo;<em>Meu caro
+Jo&atilde;o
+Grave</em>:&#8213;Encantou-me o favor da sua carta, communicando-me o
+problema litterario que preoccupa o nosso velho amigo e luminoso
+critico Jos&eacute; Sampaio sobre a apochryficidade do auctor do
+&laquo;Crisfal&raquo;, e que annuncia o primoroso litterato
+Delfim Guimar&atilde;es. &Eacute; sempre boa a
+vindica&ccedil;&atilde;o d'uma
+verdade em qualquer campo: no campo litterario e artistico, isso tem o
+relevo d'uma conquista, d'um triumpho. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Ninguem mais desejaria que fossem possiveis, isto &eacute;
+realidade demonstrada, as descobertas de Sampaio (Bruno) ou de Delfim
+Guimar&atilde;es, sobre a identidade de Christovam
+Falc&atilde;o em Bernardim Ribeiro. <b>Isso,
+por&eacute;m, n&atilde;o passa d'uma miragem, por falta de
+conhecimento dos existentes recursos historicos</b><sup><a href="#1">[1]</a></sup>. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Diogo do Couto falla em
+Christovam Falc&atilde;o como celebrado
+auctor do &laquo;Crisfal&raquo;, quando narra factos
+praticados por seu irm&atilde;o Dami&atilde;o de Sousa. Ora,
+Diogo do Couto, contemporaneo d'este na India, inventava-lhe um
+irm&atilde;o? E tendo sido impresso o
+&laquo;Crisfal&raquo; sem nome&nbsp;
+d'auctor, (no <em>pliego-suelto</em>
+da
+Bibliotheca Nacional de Lisboa) dava-o como auctor d'essa celebrada
+&eacute;cloga a capricho seu? O Padre Antonio Cordeiro, na
+&laquo;Historia Insulana&raquo;, (resumo das
+&laquo;Saudades da
+terra&raquo;, do dr. Gaspar Fructuoso, amigo de Cam&otilde;es)
+tambem faz as mesmas referencias ao <em>poeta</em>
+Christovam
+Falc&atilde;o. E a edi&ccedil;&atilde;o de Ferrara, de
+1554, e a de Colonia, de 1559, inscrevendo o seu nome? E Frei Bernardo
+de Brito, fazendo a &laquo;Silva de Lisardo&raquo;, ou segunda
+parte do
+&laquo;Crisfal&raquo;, falla nas serras de Lor-vam, onde esteve
+D. Maria Brand&atilde;o, a namorada d'este poeta do
+&laquo;Crisfal&raquo;.</div>
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[9]</span>
+<div class="tinyl">Nada d'isto leva a admittir a
+hypothese. No emtanto, que tragam a lume
+os seus resultados. A vantagem &eacute; de n&oacute;s todos. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Com um abra&ccedil;o do seu, etc. <br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature"><span class="smallcaps">Theophilo
+Braga</span>.&raquo;</div>
+
+
+</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Para o professor do Curso Superior de Letras, a conclus&atilde;o a
+que, tanto
+<em>Bruno</em> como n&oacute;s, haviamos chegado,
+n&atilde;o passava <b>d'uma
+miragem, por falta de conhecimento dos existentes recursos historicos</b>,
+e esta senten&ccedil;a
+autorit&aacute;ria vinha a p&uacute;blico quando o snr. dr.
+The&oacute;philo Braga ignorava em absoluto quaes os argumentos com
+que n&oacute;s e o insigne publicista nosso conterr&aacute;neo
+procurariamos fazer vingar nossas teses. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Magoou-nos a impertin&ecirc;ncia, confessamos, e n&atilde;o
+resistimos a manifestar publicamente a
+impress&atilde;o em n&oacute;s produzida pela prosa do snr. dr.
+The&oacute;philo Braga, dirigindo n'esse mesmo dia a seguinte carta
+a Jo&atilde;o Grave, que este distinto jornalista fez inserir no
+numero de 1 de junho do <em>Diario da Tarde</em>: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="tinyl">&laquo;<em>Meu prezado
+camarada Jo&atilde;o
+Grave</em>:&#8213;Acabo de ler, reproduzida por Silva Pinto na
+&laquo;Epoca&raquo;, a carta que
+o snr. dr. The&oacute;philo Braga dirigiu ao meu caro
+Jo&atilde;o
+Grave a prop&oacute;sito do trabalho que preparo, em que me
+proponho demonstrar que &laquo;Crisfal&raquo; foi simplesmente
+um anagrama cabal&iacute;stico de Bernardim Ribeiro, pertencendo
+por conseguinte a este
+l&iacute;rico as poesias que uma lenda fez atribuir a Cristovam
+Falc&atilde;o.</div>
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[10]</span>
+<div class="tinyl">O nosso bom amigo e erudito escritor
+Jos&eacute; Pereira Sampaio&#8213;<em>Bruno</em>&#8213;,
+como se viu da
+interessante carta que estampou no &laquo;Diario da
+Tarde&raquo;, como complemento
+ao artigo que o meu caro Jo&atilde;o Grave publicou sobre o
+assunto, chegara a conclus&otilde;es eguaes, e para mim foi
+extremamente grato que o nome prestigioso de Bruno viesse valorizar a
+minha descoberta com a grande autoridade do seu concurso. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Ao ilustre professor, snr. dr. The&oacute;philo Braga, afigura-se
+isto uma &laquo;<em>miragem, por falta de conhecimento
+dos existentes recursos historicos</em>&raquo;, que cita,
+desde Diogo do Couto a frei Bernardo de Brito. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Pe&ccedil;o-lhe, pois, meu caro Jo&atilde;o Grave, a fineza de
+dizer no seu jornal que conhe&ccedil;o perfeitamente os
+<em>recursos hist&oacute;ricos</em> a que alude o
+incansavel
+historiador da <em>Litteratura Portugueza</em>, como
+n&atilde;o podia deixar de conhecer pela leitura das
+edi&ccedil;&otilde;es do &laquo;Bernardim
+Ribeiro e o Bucolismo&raquo; do snr. dr. T. Braga. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Que Bruno n&atilde;o ignora nenhum d'esses
+<em>recursos</em>, estou convicto, que, de resto, nem o
+distinto escritor snr. dr. The&oacute;philo Braga p&oacute;de
+ter d&uacute;vidas a tal
+respeito, porque isso seria fazer ofensa ao justificado nome
+liter&aacute;rio de Jos&eacute; Sampaio. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Para fechar, devo ainda dizer-lhe, meu bom amigo, que de modo nenhum eu
+vou sustentar que n&atilde;o existiram v&aacute;rios <em>cavalheiros</em>
+com o
+nome de Cristovam Falc&atilde;o. Se estes n&atilde;o tivessem
+existido n&atilde;o tomaria vulto at&eacute; aos nossos dias a
+lenda do
+&laquo;Crisfal&raquo;! <br />
+
+
+<br />
+
+
+N&atilde;o o enfado mais. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Creia-me, com verdadeira estima, <br />
+
+
+<div style="text-align: right;">seu amigo, adm.<sup>dor</sup>
+e obg.<sup>do</sup>
+</div>
+
+
+S/C. Lisboa, 29-maio/90. <br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature"><span class="smallcaps">Delfim
+Guimar&atilde;es</span>.&raquo;</div>
+
+
+</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+A <em>Bruno</em> tambem n&atilde;o passou
+despercebido o <em>amavel</em> diploma do professor do
+Curso
+Superior de Letras, e que o ilustre escritor se sentiu melindrado
+prova-o suficientemente a carta que dirigiu a Jo&atilde;o Grave, e
+que, confiados na benevol&ecirc;ncia do sr. Jos&eacute; Pereira
+Sampaio, vamos
+<span class="pagenum">[11]</span>
+trasladar
+das&nbsp; colunas do jornal <em>A
+Epoca</em>, que a reproduziu do <em>Diario da Tarde</em>:<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="tinyl">&laquo;<em>Meu caro
+Jo&atilde;o
+Grave</em>:&#8213;Novamente o venho importunar, pois entendo que,
+perante a carta, ali&aacute;s t&atilde;o
+bondosa e honrosa para mim, do dr. Theophilo Braga, hontem inserta no
+seu jornal, me cumpre consignar em publico, ainda uma vez, que
+ap&oacute;s o apparecimento do livro de Delfim
+Guimar&atilde;es, defendendo a
+propozi&ccedil;&atilde;o de que Christovam Falc&atilde;o
+n&atilde;o &eacute; mais do
+que Bernardim Ribeiro, eu publicarei o meu, j&aacute; por V. na sua
+folha duas vezes amavelmente annunciado, e onde, entre outros,
+sustentarei egualmente o mesmo ponto, pensando que refutarei ahi
+cabalmente as asser&ccedil;&otilde;es, na sua
+carta de hontem no &laquo;Diario da Tarde&raquo;, pelo nosso
+doutissimo confrade e illustre publicista produzidas, mostrando
+ent&atilde;o, com todo o respeito devido a t&atilde;o indefesso
+e insigne trabalhador, que a minha hypothese (e de Delfim
+Guimar&atilde;es) n&atilde;o &eacute; tal uma miragem e
+que, pelo contrario, o ensino corrente no assumpto &eacute; que
+&eacute;
+inteiramente phantastico e chimerico. <br />
+
+
+<br />
+
+
+A V., prezado collega, reitero os protestos do meu agradecimento. <br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature1">Todo seu</div>
+
+
+Porto, 27 de Maio de 1908. <br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature"><span class="smallcaps">Jos&eacute;
+Pereira Sampaio
+(Bruno)</span>.&raquo;</div>
+
+
+</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+O snr. dr. The&oacute;philo Braga achou que era prudente
+n&atilde;o voltar &aacute; estacada, e assim deixou passar em
+julgado a nossa carta e aquela em que o snr. Jos&eacute; Sampaio,
+por uma f&oacute;rma
+categ&oacute;rica, visando directamente as
+li&ccedil;&otilde;es ministradas pelo professor de literatura,
+declarava que o ensino corrente sobre Cristovam Falc&atilde;o era <em>inteiramente
+phantastico e
+chimerico</em>. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Na elabora&ccedil;&atilde;o do livro:
+<b>Bernardim Ribeiro</b> (<em>O Poeta Crisfal</em>)
+obedecemos ao
+prop&oacute;sito de n&atilde;o converter o nosso trabalho n'uma
+diatribe, e procuramos suavizar quanto possivel a
+situa&ccedil;&atilde;o em que eramos for&ccedil;ados a
+colocar o snr.
+<span class="pagenum"><a name="p12">[12]</a></span>
+dr. The&oacute;philo Braga, em obedi&ecirc;ncia
+&aacute; verdade, e n&atilde;o porque nos animasse qualquer
+desejo de ser desagradaveis ao infatigavel vulgarizador. E, procedendo
+assim, entendiamos cumprir um dever, que tinha sobeja
+justifica&ccedil;&atilde;o nos cabelos brancos do professor do
+Curso Superior de Letras, cuja primeira edi&ccedil;&atilde;o do
+seu
+<em>Bernardim Ribeiro</em> coincidiu com o ano do nosso
+nascimento. N&atilde;o esquecemos nunca que fomos educados no
+respeito devido &aacute; velhice. <br />
+
+
+<br />
+
+
+No trabalho da revis&atilde;o das provas do nosso estudo, em que
+fomos <a href="#e1">auxiliados</a> pela prestante
+amizade de Henrique
+Marques, mais de uma vez modific&aacute;mos refer&ecirc;ncias
+feitas ao professor que contraditavamos, e sempre da melhor vontade
+substituiamos um adjectivo, suavizavamos a sali&ecirc;ncia de um
+erro do Mestre, desde que o nosso amigo Henrique Marques, com o seu
+apreciavel crit&eacute;rio, nos fazia notar que uma palavra, uma
+frase nossa, poderia ser tomada como um desprimor para com o snr. dr.
+The&oacute;philo Braga. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Queriamos fazer vingar uma obra de justi&ccedil;a; n&atilde;o
+era nosso intento agravar quem quer que fosse. <br />
+
+
+<br />
+
+
+E que n&atilde;o fomos descort&ecirc;ses, nem violentos, nem
+injustos, para com o professor que contraditavamos, prova-o o
+testemunho insuspeito do eminente publicista snr. Jos&eacute;
+Caldas, que nos honrou com uma carta penhorant&iacute;ssima, de que
+reproduziremos neste lugar algumas linhas: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="tinyl">&laquo;<b>A delicadeza das
+suas referencias, com
+rela&ccedil;&atilde;o aos auct&ocirc;res cujas
+conclus&otilde;es n&atilde;o
+acceita ou impugna, &eacute; verdadeiramente
+modelar.</b>&raquo;</div>
+
+
+<br />
+
+
+Se houvessemos sido menos cort&ecirc;ses para
+<span class="pagenum">[13]</span>
+com o snr. dr. The&oacute;philo Braga,
+s. ex.<sup>a</sup>
+n&atilde;o se julgaria, com certeza, no dever de agradecer-nos a
+oferta do exemplar do nosso trabalho que entendemos enviar lhe. E o
+professor do Curso Superior de Letras
+escreveu-nos a agradecer o livro, embora na sua carta
+transpare&ccedil;a o despeito que lhe produziu o nosso estudo sobre
+Bernardim Ribeiro, em que desvendamos v&aacute;rios erros contidos
+em volumes da <em>Historia da Litteratura Portugueza</em>.
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Regist&acirc;mos aqui essa carta do snr. dr. The&oacute;philo
+Braga, que n&atilde;o deixa de constituir um documento interessante
+para aqueles que seguirem com aten&ccedil;&atilde;o a marcha
+dos acontecimentos provocados pela pend&ecirc;ncia
+liter&aacute;ria em que estamos envolvidos. <br />
+
+
+<br />
+
+
+&Eacute;, textualmente, como segue: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="tinyl">&laquo;Lisboa, 25 de Novembro de
+1908 <br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature">
+<em>...sr. Delfim Guimar&atilde;es<br />
+
+
+e meu presadissimo
+amigo</em></div>
+
+
+</div>
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[14]</span>
+<div class="tinyl">Muito me penhora a honrosa offerta do
+seu recente trabalho, em que
+apresenta o seu processo para a
+identifica&ccedil;&atilde;o do poeta Bernardim Ribeiro com o
+Crisfal ou Christovam Falc&atilde;o. A ninguem interessaria tanto o
+conhecimento d'este problema, como a mim, que esbocei uma biographia de
+Christovam Falc&atilde;o com elementos historicos (documentos
+authenticos) comprovando dados genealogicos. Tive de ler immediatamente
+o seu livro, para v&ecirc;r que materiaes traria para o
+aperfei&ccedil;oamento do meu trabalho. Mesmo no prologo fez-me V.
+a justi&ccedil;a de que eu aproveitaria tudo quanto se prestasse a
+futuras emendas. Desde as noticias genealogicas trazidas por Braancamp
+Freire sobre D. Maria Brand&atilde;o, que Christovam
+Falc&atilde;o amou, sendo ambos muito crean&ccedil;as, via-me
+for&ccedil;ado a tomar o
+nascimento d'elle no fim do primeiro quartel do seculo XVI. Isto me
+impossibilitava de continuar a admittir as
+rela&ccedil;&otilde;es pessoaes de Christovam Falc&atilde;o
+com Bernardim Ribeiro
+j&aacute; velho e dementado em confidencias de amor com um rapaz no
+vi&ccedil;o da mocidade; e por tanto as Eclogas em que elle
+figurava interpretativamente tinham de ser lidas a outra luz. V.,
+acabando de fazer a destrin&ccedil;a entre o Poeta e seu primo mais
+antigo, deu-me elementos para uma melhor
+interpreta&ccedil;&atilde;o das Eclogas de Bernardim,
+(eliminadas as rela&ccedil;&otilde;es com Christovam
+Falc&atilde;o), e mostrando como realmente as poesias d'aquelle,
+como mestre, influiram no mais mo&ccedil;o, que como novel chega a
+fazer cent&otilde;es e
+intercala&ccedil;&otilde;es de versos de Bernardim Ribeiro. Ha
+uma affirmativa historica, de Diogo do Couto, na sua <em>Decada
+VIII</em>, que, fallando de Dami&atilde;o de Sousa
+Falc&atilde;o, accrescenta
+como refor&ccedil;o historico: &laquo;irm&atilde;o de
+<b>Christovam Falc&atilde;o</b>, aquelle que fez
+aquellas cantigas nomeadas do Crisfal...&raquo; E tambem no seculo
+XVI Fructuoso (resumido pelo P.<sup>e</sup> Antonio
+Cordeiro na Historia insulana)
+diz de Christovam Falc&atilde;o: &laquo;parente do
+Bar&atilde;o
+velho e do famoso poeta Christovam Falc&atilde;o, que fez a celebre
+Ecloga Crisfal das primeiras syllabas do seu nome...&raquo; Tambem
+nas edi&ccedil;&otilde;es de Ferrara e Colonia, feitas por
+curiosos sem criterio litterario se repete a
+attribui&ccedil;&atilde;o &laquo;<em>que dizem ser</em>
+de
+Christovam Falcam, ho que parece alludir o nome da mesma
+Ecloga&raquo;. N&atilde;o se podem
+refutar por negativa estes testemunhos de homens de letras do seculo
+XVI, e que se reflectiram nos genealogistas. A Ecloga do Crisfal
+n&atilde;o podia ser publicada pelo seu auctor, nem pelo seu
+consentimento porque era uma <em>inconfidencia</em> de
+antigas
+rela&ccedil;&otilde;es amorosas com uma senhora que estava
+casada. A edi&ccedil;&atilde;o sem data, de
+Lisboa, s&oacute; podia ser feita por 1542, quando Christovam
+Falc&atilde;o estava em Roma; e quando Cam&otilde;es foi para
+Ceuta em 1547 na carta que d'ali escreveu emprega muitos versos do <em>Crisfal</em>,
+que
+ent&atilde;o, andava no gosto. Na edi&ccedil;&atilde;o de
+Lisboa vem duas estrophes supprimidas
+no texto de Ferrara e Colonia, por que continham uma
+<em>inconfidencia</em>. Isto leva a explicar como
+Christovam Falc&atilde;o tentaria apagar a paternidade da Ecloga
+fundamentando-se-lhe a imputa&ccedil;&atilde;o com o anagramma
+das primeiras syllabas do nome. Os logares communs a Bernardim Ribeiro
+e Christovam Falc&atilde;o provam mais a favor da
+imita&ccedil;&atilde;o de um discipulo, do que
+&aacute; fus&atilde;o dos dois poetas, repetindo-se o mestre na
+decadencia. Emfim ha dois schemas de paix&atilde;o amorosa que se
+n&atilde;o
+confundem: o de Joanna e Fauno, Aonia e Bimnarder, e o de Maria e
+Crisfal. S&atilde;o duas
+almas, sentindo em
+situa&ccedil;&otilde;es differentes. Atrav&eacute;s de todo
+o hypercriticismo o livro sobre Bernardim Ribeiro revela um trabalhador
+fervoroso, que me veio revelar a existencia de um exemplar da
+edi&ccedil;&atilde;o de Ferrara, no Porto, e que aqui
+descobriu o texto precioso da Ecloga <em>Alexo</em>
+assignada por S&aacute; de Miranda. Felicitando-o pelo seu
+importante estudo, sou</div>
+
+
+<span class="pagenum">[15]</span>
+<div class="tinyl"><br />
+
+
+<div class="signature1">admirador obr.<sup>mo</sup>
+e amigo<br />
+
+
+</div>
+
+
+<div class="signature"><span class="smallcaps">Theophilo
+Braga</span>&raquo;
+</div>
+
+
+</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Come&ccedil;a a carta do snr. dr. The&oacute;philo Braga por um
+<em>rebu&ccedil;ado de ovos</em>:
+o tratamento de &laquo;prezadissimo amigo&raquo;, que
+n&atilde;o tinha qualquer
+justifica&ccedil;&atilde;o... Isto &eacute;, tinha uma
+justifica&ccedil;&atilde;o
+&uacute;nica, qual era a de nos ado&ccedil;ar a b&ocirc;ca,
+para engulirmos sem relut&acirc;ncia aquela amargosa
+p&iacute;lula com que fecha a ep&iacute;stola de s. ex.<sup>a</sup>,
+quando, com generosa magnanimidade, confessa que o nosso livro <em>revelou
+um trabalhador
+fervoroso</em>, que ao professor do Curso Superior de Letras foi <em>revelar
+a existencia de um exemplar da edi&ccedil;&atilde;o de Ferrara,
+no Porto</em>, e que em Lisboa
+<em>descobriu o texto precioso da ecloga</em>
+<b>Alexo</b> <em>assignada por
+S&aacute; de Miranda</em>.<br />
+
+
+<br />
+
+
+E, gra&ccedil;as a estas
+<em>revela&ccedil;&otilde;es-revelativas</em>,
+a que n&atilde;o ligavamos import&acirc;ncia de maior, o
+historiador da <b>Litteratura Portugueza</b>
+felicitava-nos pelo nosso <em>importante estudo</em>, que,
+volvidas algumas semanas, havia de classificar de fruto de <em>processos
+&aacute;
+t&ocirc;a</em>! <br />
+
+
+<br />
+
+
+Na devida altura, comentaremos largamente a carta substanciosa do snr.
+dr. The&oacute;philo Braga. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Por agora, continuemos na cataloga&ccedil;&atilde;o das
+pe&ccedil;as d'este processo, para que os leitores julguem da
+justi&ccedil;a que nos cabe, e avaliem da sinceridade, da
+correc&ccedil;&atilde;o, e dos processos do professor
+intangivel.
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[16]</span>
+No jornal <em>O Mundo</em>, de 3 de dezembro
+de 1908, na local consagrada &aacute; sess&atilde;o da Academia
+das Sciencias de Portugal realizada no dia 2, vimos que o snr. dr.
+The&oacute;philo Braga fizera uma
+comunica&ccedil;&atilde;o, que outra cousa n&atilde;o
+era sen&atilde;o um desmentido formal e gratuito &aacute;s
+conclus&otilde;es do nosso livro,&#8213;mas sem a mais leve
+cita&ccedil;&atilde;o ao nosso obscuro nome, sem a menor
+refer&ecirc;ncia ao nosso desluzido trabalho, embora
+aproveitando-lhe os subs&iacute;dios. Comprehende-se: o ilustre
+acad&eacute;mico n&atilde;o desejava contribuir de modo nenhum
+para o reclamo que a imprensa estava dispensando ao volume sobre o <em>Poeta
+Crisfal</em>. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Transcrevemos do <em>Mundo</em> o periodo
+referente a tal comunica&ccedil;&atilde;o...
+scient&iacute;fica: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="tinyl">&laquo;...finalmente, trata de
+Bernardim Ribeiro e Christovam
+Falc&atilde;o, mostrando como a vida amorosa d'este oscilla entre
+1525 e 1526, sendo n'aquella data mo&ccedil;o
+fidalgo, tendo pelo menos 12 annos, ao passo que aquelle era
+j&aacute; edoso; evidencia como na Ecloga transparecem diversas
+situa&ccedil;&otilde;es da vida de Christovam
+Falc&atilde;o, e termina por invocar as opini&otilde;es de
+Diogo Couto, Gaspar Fructuoso e outros que comprovam a existencia das
+duas individualidades que apesar de similhantes n'algumas
+situa&ccedil;&otilde;es da vida, n&atilde;o podem
+j&agrave;mais confundir-se&raquo;.</div>
+
+
+<br />
+
+
+Ante este procedimento do nosso <em>prezadissimo amigo</em>,
+n&atilde;o pudemos ficar silenciosos, e,
+como um desfor&ccedil;o leg&iacute;timo, inadiavel, apelamos
+para o snr. dr. Brito Camacho, pedindo-lhe se dignasse publicar nas
+colunas da <em>Lucta</em> a
+seguinte carta, que o ilustre jornalista fez inserir no numero de 4 de
+dezembro do seu di&aacute;rio: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature tinyl"><em>&laquo;Ex.<sup>mo</sup>
+Snr. Dr. Brito
+Camacho,</em></div>
+
+
+<div class="signature1"><em>meu prezado amigo:</em></div>
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[17]</span>
+<div class="tinyl">Pelos extratos, publicados em alguns
+jornaes de hoje, do que se passou
+na sess&atilde;o de hontem da Academia de Sciencias de Portugal, vi
+que o
+snr. dr. The&oacute;philo Braga disse o que quer que fosse,
+procurando refutar o meu recente trabalho sobre Bernardim Ribeiro, e
+insistindo na lenda do <em>poeta</em>
+Cristovam Falc&atilde;o de Sousa. <br />
+
+
+<br />
+
+
+N&atilde;o me admira que o original autor da &laquo;Historia da
+Litteratura Portugueza&raquo; persista n'um erro crasso,
+s&oacute; para n&atilde;o se confessar vencido, porque
+j&aacute; o caso
+engra&ccedil;ad&iacute;ssimo dos <em>cantos de ledino</em>
+era precedente
+bastante para se ajuizar que o afamado professor do Curso Superior de
+Letras prefere manter um absurdo a ter de reconhecer publicamente que
+errou. Est&aacute; no seu direito, e ninguem lh'o contesta. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Parecia-me, porem, que, publicado o meu estudo sobre Bernardim Ribeiro,
+em que n&atilde;o torci a meu bel-*prazer a verdade, nem
+falsifiquei documentos, o snr. dr. The&oacute;philo Braga tinha o
+dever moral de, pela imprensa ou em livro, dizer da sua
+justi&ccedil;a, antes de ir para o seio de uma
+agremia&ccedil;&atilde;o, a que eu
+n&atilde;o perten&ccedil;o, impor um desmentido formal e
+dogmatico, ao mesmo tempo que gratuito, ao meu trabalho. <br />
+
+
+<br />
+
+
+E tanto mais estranhavel se me afigura o procedimento do snr. dr.
+Braga, contestando &aacute; porta fechada a minha tese, quanto
+&eacute; certo que s. ex.<sup>a</sup>
+n&atilde;o
+desconhece que o insigne publicista snr. Jos&eacute; Pereira
+Sampaio (Bruno) prepara um livro sobre o mesmo assunto do meu. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Se o afamado professor do Curso Superior de Letras est&aacute; de
+boa f&eacute;, quem lhe assegura que os
+argumentos de Bruno n&atilde;o conseguir&atilde;o
+convenc&ecirc;-lo,
+j&aacute; que os meus, conforme de resto eu esperava, tal
+n&atilde;o conseguiram? <br />
+
+
+<br />
+
+
+&Eacute; tempo de p&ocirc;r de parte o
+<em>magister dixit</em>, porque, felizmente, os processos
+cr&igrave;ticos dos Farias e Bernardos de Brito s&atilde;o
+coisas que passaram &aacute;
+<em>historia</em>, e que n&atilde;o se ressuscitam
+j&aacute; facilmente. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Muito especialmente me obsequeia o meu bom amigo dando publicidade na
+nossa <em>Lucta</em> a
+esta minha carta, que representa o leg&iacute;timo desabafo de um
+trabalhador que se preza de ser honesto, e que como tal tem jus a ser
+considerado. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Mais uma vez agradecido o que se confessa, por estima e dever, <br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature1">De V. Ex.<sup>a</sup></div>
+
+
+<br />
+
+
+<div style="text-align: right;">amigo, admirador e
+obrigado <br />
+
+
+</div>
+
+
+S/C, Lisboa, 3-12-908. <br />
+
+
+<div class="signature"><span class="smallcaps">Delfim
+Guimar&atilde;es</span>.&raquo;</div>
+
+
+</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[18]</span>
+Com o esp&iacute;rito de rectid&atilde;o que todos, amigos e
+advers&aacute;rios, s&atilde;o concordes em reconhecer ao snr.
+dr. Brito Camacho, o brilhante jornalista deu acolhimento
+ben&eacute;volo &aacute; nossa carta, acrescentando-lhe as
+seguintes linhas de sauda&ccedil;&atilde;o
+ao professor do Curso Superior de Letras: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="tinyl">&laquo;O nosso ilustre
+correligionario dr. The&oacute;philo
+Braga tem as columnas d'este jornal &aacute;s suas ordens para
+dizer da sua justi&ccedil;a, como quizer. Trata-se d'uma
+quest&atilde;o de facto em historia liter&aacute;ria, e
+n&atilde;o d'uma birra
+entre dois homens. Muito prazer teremos em que seja o nosso jornal o
+campo em que se dirima o pleito.&raquo;</div>
+
+
+<br />
+
+
+N&atilde;o correspondeu o snr. dr. Theophilo Braga &aacute;
+gentileza do director da
+<em>Lucta</em>; e at&eacute; para comnosco estamos
+persuadidos de que, desde o momento em que s. ex.<sup>a</sup>
+viu a nossa carta irreverente no jornal de que Brito Camacho
+&eacute; a alma, o pont&iacute;fice da <em>Litteratura
+Portugueza</em> excomungou o intemerato jornalista. Que o dr.
+Camacho nos perd&ocirc;e a excomunh&atilde;o que,
+involuntariamente, lhe acarretamos! <br />
+
+
+<br />
+
+
+Guardou sil&ecirc;ncio o snr. dr. The&oacute;philo Braga
+durante semanas, mas n&atilde;o esteve inactivo, ao
+contr&aacute;rio do que muitos poderiam supor. Com todo o engenho e
+arte, s. ex.<sup>a</sup> consagrou-se ao fabrico de uma
+pe&ccedil;a, que n&atilde;o podemos classificar de
+liter&aacute;ria, porque &eacute; a
+nega&ccedil;&atilde;o de todos os processos
+liter&aacute;rios dignos de este nome, mas a que poder&aacute;
+caber a designa&ccedil;&atilde;o de
+produto de arte... culin&aacute;ria. Como
+<em>pastel&atilde;o</em>, faria honra a um cozinheiro,
+mas cremos bem que o snr. dr. The&oacute;philo Braga deseja passar
+&aacute;
+posteridade como um disc&iacute;pulo fervoroso de Augusto Comte, e
+n&atilde;o como aprendiz ilustre da <em>sci&ecirc;ncia</em>
+de Vatel.
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[19]</span>
+A redac&ccedil;&atilde;o do jornal <em>O
+Dia</em>, seguindo a praxe dos anos anteriores, honrou o snr. dr.
+The&oacute;philo Braga pedindo lhe um
+artigo sobre o movimento liter&aacute;rio portugu&ecirc;s em
+1908, para o numero de 31 de dezembro d'esse ano. Como nunca, recebeu o
+snr. dr. The&oacute;philo Braga jubilosamente o amavel convite.
+Tinha ensejo para impingir... o
+<em>pastel&atilde;o</em>. Era o momento oportuno para
+respostar &aacute; nossa carta publicada na <em>Lucta</em>,
+sem nos dar a honra de
+deixar sair dos bicos da pena aprimorada a confiss&atilde;o de que
+havia lido o nosso protesto. Podiamos, porventura, esperar outro
+procedimento por parte do snr. dr. The&oacute;philo Braga?
+N&atilde;o,
+evidentemente. Pois n&atilde;o haviamos
+n&oacute;s,&#8213;c&uacute;mulo das aud&aacute;cias!&#8213;ousado
+protestar contra a
+comunica&ccedil;&atilde;o do presidente da Academia de
+Sciencias de Portugal?! <br />
+
+
+<br />
+
+
+Reproduzimos do <em>Dia</em> de 31 de
+dezembro do ano findo a parte do artigo do snr. The&oacute;philo
+Braga que diz respeito &aacute; quest&atilde;o
+liter&aacute;ria suscitada pelo nosso livro: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="tinyl">&laquo;...No recente fasciculo (do
+Archivo
+historico
+portugu&ecirc;s) ficou publicada uma interessantissima monographia
+sobre a antiga Feitoria de Flandres, um dos mais necessarios capitulos
+da nossa historia financeira e administrativa; o sr. Braancamp Freire
+intitula-o <em>Maria Brandoa a do Crisfal</em>, por que
+o pae d'esta dama, que inspirou o amor e a Ecloga de
+Christov&atilde;o
+Falc&atilde;o, foi o pae d'ella, Jo&atilde;o Brand&atilde;o
+Sanches, segundo
+encontrara no nobiliario de Diogo Gomes de Figueiredo.</div>
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[20]</span>
+<div class="tinyl">Em dois nobiliarios da bibliotheca da
+Ajuda tambem se acha esta mesma
+inscri&ccedil;&atilde;o:
+<em>Maria Brandoa a do Crisfal</em>; e nos
+livros dos linhagistas
+Manso de Lima e Rangel de Macedo, da Bibliotheca Nacional, vem o mesmo
+schema genealogico, vendo-se toda a parentella da inspiradora de
+Crisfal no titulo dos Brand&otilde;es Sanches, confundidos por
+vezes com os Brand&otilde;es do Porto, com os de Coimbra e com os
+de Elvas. O sr. Anselmo Braancamp Freire, escreve em uma nota:
+&laquo;Sei que se trata de
+provar, que a Ecloga de Crisfal n&atilde;o foi escripta por
+Christovam Falc&atilde;o, mas por Bernardim Ribeiro, e que por
+tanto a heroina n&atilde;o &eacute; Maria
+Brand&atilde;o, mas sim a mesma do romance <em>Menina e
+Mo&ccedil;a</em> d'aquelle auctor.&raquo; E accrescenta
+que o sr. Delfim Guimar&atilde;es empenhado na interessante
+averigua&ccedil;&atilde;o o consultara,
+communicando-lhe as bases em que fundava a sua
+argumenta&ccedil;&atilde;o, as quaes n&atilde;o conseguiram
+demovel-o da rotina. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Quasi ao mesmo tempo, o sr. Delfim Guimar&atilde;es publicava o seu
+livro <em>Bernardim Ribeiro</em>&#8213;<em>o Poeta
+Crisfal</em>, em que resume o j&aacute; sabido da biographia
+do auctor da <em>Menina e Mo&ccedil;a</em>,
+for&ccedil;ando interpreta&ccedil;&otilde;es de versos a
+significarem os factos que imagina. Como lhe nasceu no espirito a ideia
+de fazer esta descoberta? Pela impress&atilde;o que lhe
+caus&aacute;ra a leitura dos versos de Bernardim Ribeiro e os de
+Christovam Falc&atilde;o,&#8213;&laquo;dois poetas
+de temperamento semelhante, com eguaes influencias e
+educa&ccedil;&otilde;es litterarias, com eguaes episodios nos
+seus infortunados amores, e havendo entre ambos versos absolutamente
+eguaes.&raquo; D'aqui o identificar os dois poetas em um unico;
+como conseguil-o? Considerou a individualidade poetica de
+Christov&atilde;o Falc&atilde;o como
+uma lenda estupida formada pelos genealogistas, e formou o nome de <em>Crisfal</em>
+indo buscar
+&aacute; t&ocirc;a as palavras <em>Crisma falsa</em>,
+tirando-lhes as
+syllabas iniciaes para designarem a seu talante Bernardim Ribeiro.
+&laquo;Fez-se ent&atilde;o uma grande luz no nosso espirito.
+N&atilde;o se tratava de dois poetas muito parecidos, de um creador
+e de um imitador. Bernardim Ribeiro e Crisfal eram um e mesmo poeta. O
+trovador Christovam Falc&atilde;o era o producto de uma lenda
+nascida da interpreta&ccedil;&atilde;o dada pelo vulgo (!<sup><a href="#2">[2]</a></sup>)
+ao anagrama
+<em>Crisfal</em>.&raquo; (Op. cit., p.
+10). &laquo;Alcan&ccedil;ada a convic&ccedil;&atilde;o
+de que
+<em>Crisfal</em> era um anagramma de Bernardim Ribeiro, e
+norteados pelo conhecimento de que nas suas
+produc&ccedil;&otilde;es o poeta mudava
+constantemente os seus nomes pastoris, com pequeno trabalho de
+raciocinio n&atilde;o nos foi difficil deduzir a
+constitui&ccedil;&atilde;o do cryptogramma, que era formado
+pelas primeiras syllabas das palavras <em>Crisma</em> e
+<em>Falso</em>.&raquo;</div>
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[21]</span>
+<div class="tinyl">E depois d'este processo que, na
+opini&atilde;o do sr.
+Gon&ccedil;alves Vianna&#8213;honra a
+erudi&ccedil;&atilde;o
+portugueza,&#8213;ataca as fontes genealogicas d'onde Diogo do Couto e
+Gaspar Fructuoso acceitaram &laquo;como ouro de lei o peschesbeque
+de uma lenda estupida tecida pelo vulgo ignorante, e posta a correr
+mundo gra&ccedil;as &aacute; inepcia dos
+editores dos escriptos legados por esse grande e infortunado poeta que
+foi Bernardim Ribeiro!&raquo; (Ib. p. 11.) E mais adiante, volta a
+repetir: &laquo;A uma lenda estupida deveu esse rebento inglorio de
+John Falconet a celebridade que durante seculos usufruiu, em prejuizo
+do renome litterario do verdadeiro <em>Crisfal</em>, o
+doce, o inimitavel e inegualado Bernardim Ribeiro, etc.&raquo; (p.
+185.) Mas, como se p&oacute;de chamar estupida a lenda genealogica
+se os nomes contidos na Ecloga de <em>Crisfal</em>
+condizem com os seus parentes taes como o de
+<em>Pantale&atilde;o</em> Dias de Landim seu
+av&ocirc;, e a Joanna, que lhe denuncia o casamento clandestino,
+uma prima, como o notou o sr. Jord&atilde;o de Freitas? <br />
+
+
+<br />
+
+
+Os manuscriptos conhecidos de Bernardim Ribeiro andavam ligados com os
+de Christovam Falc&atilde;o, como se v&ecirc; pela
+descrip&ccedil;&atilde;o do n.&ordm;
+180 da
+Livraria do Conde de Vimieiro: Obras em prosa e verso de S&aacute;
+de Miranda, Bernardim Ribeiro e Christovam Falc&atilde;o; tambem o
+Arcediago do Barreiro, dr. Jeronymo Jos&eacute; Rodrigues, examinou
+no Porto um manuscripto analogo ao das edi&ccedil;&otilde;es de
+1559, em que vinham a
+<em>Menina e Mo&ccedil;a</em>, duas eclogas de
+Bernardim Ribeiro&#8213;&laquo;e at&eacute; se acham no fim algumas
+poesias de Christov&atilde;o Falc&atilde;o, do que
+se faz men&ccedil;&atilde;o no mesmo logar de
+Nicol&aacute;o
+Antonio.&raquo; (Innocencio, <em>Dic. Bibliog.</em>) <br />
+
+
+<br />
+
+
+Para que chamar ineptos aos editores de Ferrara de 1554 e de Colonia de
+1559, por terem reproduzido esses textos manuscriptos como os
+encontraram? Quando o sr. Delfim Guimar&atilde;es trabalhava para
+destruir uma miragem de seculos, foi communicar ao sr. dr. Alfredo da
+Cunha &laquo;a descoberta que tinha feito e que, sem falsa
+modestia, reputava de alta importancia para a historia das lettras
+portuguezas.&raquo; Era uma Noticia litteraria
+de sensa&ccedil;&atilde;o, o dr. Alfredo da Cunha deu alentos
+&aacute; grande descoberta de que a figura do poeta Christovam
+Falc&atilde;o &laquo;pertence exclusivamente ao dominio da
+lenda, por isso que tal poeta s&oacute; existiu na
+imagina&ccedil;&atilde;o d'aquelles que viram n'um anagrama
+cabalistico de Bernardim Ribeiro a encarna&ccedil;&atilde;o de
+outra
+individualidade.&raquo;</div>
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[22]</span>
+<div class="tinyl">No noticiario de outro jornal sairam
+affirma&ccedil;&otilde;es
+absolutas, proclamando a
+sensacional descoberta, com uma sinceridade inconsciente que affasta de
+todo a ideia de ironia. A verdadeira descoberta pertence ao sr.
+Braancamp Freire determinando a epoca em que esteve em Flandres
+Jo&atilde;o Brand&atilde;o Sanches, e quando elle morreu, dando
+nos assim a data em que existiram os amores de sua filha unica D. Maria
+Brand&atilde;o, a do Crisfal, que plausivelmente se fixam em 1530.
+O documento de 1527 referindo-se a Christovam Falc&atilde;o, com a
+ten&ccedil;a de m&ocirc;&ccedil;o fidalgo, leva a deduzir
+que nascera em
+1512. Ha portanto a eliminar todas as rela&ccedil;&otilde;es
+pessoaes
+entre Christovam Falc&atilde;o e Bernardim Ribeiro, como julgamos
+nos nossos estudos, corrigindo a interpreta&ccedil;&atilde;o da
+Ecloga I e III de Bernardim. Os logares communs a Christovam
+Falc&atilde;o e Bernardim Ribeiro provam a distancia da edade que
+levou o mais novo a imitar aquelle que j&aacute; era admirado,
+cujos versos, Cam&otilde;es, na sua
+Carta de Africa, intercalava na sua prosa.&raquo;</div>
+
+
+<br />
+
+
+Esta produ&ccedil;&atilde;o peregrina do snr. Dr.
+The&oacute;philo Braga veio publicada no jornal <em>O Dia</em>
+com a assinatura do professor do Curso Superior de Letras em <em>fac-simile</em>,
+e ainda
+bem, para que n&atilde;o se pudesse ajuizar tratar-se de uma
+brincadeira de mau gosto de quem quer que fosse. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Quando lemos um tal documento, a primeira impress&atilde;o que se
+apoderou de n&oacute;s foi a de
+revolta; mas logo um outro sentimento veio substituir esta&#8213;um
+sentimento muito fundo de tristeza, de sincera m&aacute;goa... <br />
+
+
+<br />
+
+
+E, sem prazer, pudemos constatar que a impress&atilde;o que o snr.
+Dr. The&oacute;philo Braga deix&aacute;ra nos leitores
+inteligentes do seu tendencioso <em>Movimento Litterario</em>
+era egual
+&aacute; nossa,&#8213;uma sincera m&aacute;goa. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Mas no artigo do eminente professor eramos tam directamente alvejados,
+e o nosso trabalho depreciado com tal rancor e m&aacute;
+f&eacute;, que n&atilde;o podiamos ficar silenciosos.
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[23]</span>
+No jornal a <em>Lucta</em>, do dia 3 de
+Janeiro d'este ano, como protesto, publicamos o artigo que vamos
+reproduzir: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="tinyl">
+<div style="text-align: center;"><b>Os processos...
+scient&iacute;ficos</b><br />
+
+
+<b>do snr. dr.
+The&oacute;philo Braga</b> <br />
+
+
+</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+N&atilde;o se dignou o sr. dr. The&oacute;philo Braga aceitar o
+oferecimento que o distinto jornalista que dirige <em>A
+Lucta</em> lhe fez em 4 de dezembro ultimo: pondo &aacute;
+disposi&ccedil;&atilde;o de s. ex.<sup>a</sup> as
+colunas deste di&aacute;rio,
+para que o professor do Curso Superior de Letras dissesse da sua
+justi&ccedil;a em face da carta que tive ensejo de dirigir ao meu
+bom amigo snr. dr. Brito Camacho, estampada n'este jornal, motivada
+pelo procedimento estranhavel seguido para comigo pelo snr. dr.
+The&oacute;philo Braga. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Passaram-se dias, passaram-se semanas, e, quando todos julgavam que o
+professor do Curso Superior de Letras adoptara de Conrado o prudente
+sil&ecirc;ncio, eis que o sr. dr. The&oacute;philo Braga, a
+pretexto de p&ocirc;r
+os leitores do <em>Dia</em> ao corrente do
+movimento liter&aacute;rio no ano findo, com ares
+dogm&aacute;ticos e desdenhosos, enche perto d'uma coluna d'aquele
+jornal com um aranzel cheio de lugares comuns, procurando refutar as
+conclus&otilde;es do meu recente estudo sobre Bernardim Ribeiro. <br />
+
+
+<br />
+
+
+N&atilde;o me surpreendeu o rancor que transparece no artigo do
+snr. dr. The&oacute;philo Braga. Imagino quanto deve ser doloroso
+para o professor do Curso Superior de Letras o ter de refundir mais uma
+vez dois dos volumes da sua chamada edi&ccedil;&atilde;o
+integral da
+<em>Historia da Litteratura Portugueza</em>:
+&laquo;S&aacute; de
+Miranda&raquo; e &laquo;Bernardim Ribeiro&raquo;. Isto,
+junto ao conhecimento que possuo da maneira de ser do snr. dr.
+The&oacute;philo Braga, &eacute; para mim
+explica&ccedil;&atilde;o bastante do seu ressentimento, que a
+prosa do infatigavel &laquo;carreador de materiaes&raquo;
+n&atilde;o consegue disfar&ccedil;ar.</div>
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[24]</span>
+<div class="tinyl">A todos os pontos tocados no aranzel do
+snr. dr. The&oacute;philo Braga, darei resposta
+em livro, e d'essa tarefa procurarei desempenhar-me em curto praso, com
+a largueza e documenta&ccedil;&atilde;o que o assunto requer, o
+que n&atilde;o &eacute; compativel com o espa&ccedil;o que
+a
+trabalhos d'esta esp&eacute;cie pode dispensar um jornal da
+&iacute;ndole da
+<em>Lucta</em>. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Por hoje, e certo da amabilidade com que me distingue o meu prezado
+amigo snr. dr. Brito Camacho, desejo apenas salientar, muito ao de
+leve, algumas inexactid&otilde;es flagrantes do artigo <em>Movimento
+litterario</em>, do snr. dr. The&oacute;philo Braga, que bem
+demonstram a
+<em>correc&ccedil;&atilde;o</em> dos processos...
+scient&iacute;ficos do professor do Curso Superior de Letras. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Referindo-se ao ultimo tomo do <em>Archivo
+Historico</em>, a revista dirigida pela superior
+compet&ecirc;ncia do snr. Braamcamp Freire, em que este escritor
+encetou a
+publica&ccedil;&atilde;o da sua monografia sobre Maria
+Brand&atilde;o, diz o snr. dr. Th. Braga que a monografia
+&laquo;ficou
+publicada&raquo;, procurando assim dar a entender que o estudo do
+snr. Braamcamp Freire est&aacute; ultimado, quando &eacute;
+facto
+que ainda lhe falta o cap&iacute;tulo em especial referente a Maria
+Brand&atilde;o, destinado por certo a ser o mais curioso, pela luz
+que ha de fazer jorrar sobre a figura da suposta amada do poeta <em>Crisfal</em>.
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Mas ao snr. dr. The&oacute;philo Braga conveio torcer a verdade,
+para que com maior presteza os leitores ing&eacute;nuos
+acreditassem nos seguintes per&iacute;odos ardilosamente
+engendrados:</div>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="tinyl quote1">
+&laquo;O sr. Anselmo Braancamp Freire escreve em nota:
+&laquo;Sei que se trata de provar que a Ecloga de Crisfal
+n&atilde;o foi escripta por Christovam Falc&atilde;o, mas por
+Bernardim Ribeiro, e que por tanto a heroina n&atilde;o
+&eacute; Maria Brand&atilde;o, mas sim a
+mesma do romance <em>Menina e Mo&ccedil;a</em>
+d'aquelle auctor&raquo;. E accrescenta, que o sr. Delfim
+Guimar&atilde;es, empenhado na interessante
+averigua&ccedil;&atilde;o, o consultara, communicando lhe as
+bases em que fundava a sua argumenta&ccedil;&atilde;o, as quaes
+n&atilde;o
+conseguiram demovel-o da rotina.&raquo;</div>
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[25]</span>
+<div class="tinyl">Ao contr&aacute;rio da
+afirma&ccedil;&atilde;o do snr. dr.
+The&oacute;philo, o snr. Braamcamp Freire n&atilde;o declara
+tal que eu o consultara sobre a averigua&ccedil;&atilde;o que
+fiz, como n&atilde;o
+escreveu na nota citada pelo snr. dr. The&oacute;philo Braga aquilo
+que s. ex.<sup>a</sup> gratuitamente lhe atribue. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Reproduzo textualmente o per&iacute;odo que o snr. dr.
+The&oacute;philo Braga interpretou a seu bel-prazer, para melhor
+juizo dos que me l&ecirc;em:</div>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="tinyl quote1">
+&laquo;O sr. Delfim de Brito Guimar&atilde;es, que anda
+empenhado na interessante averigua&ccedil;&atilde;o, teve a
+bondade de me comunicar as principaes bases que servir&atilde;o de
+alicerce &aacute; sua
+argumenta&ccedil;&atilde;o: entretanto, emquanto n&atilde;o
+apparecerem os considerandos e a senten&ccedil;a sobre a prova
+nelles feita n&atilde;o transitar sem
+apela&ccedil;&atilde;o em julgado,
+n&atilde;o me compete intervir no pleito e continuarei com a
+rotina.&raquo;</div>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="tinyl">
+Como se v&ecirc;, o snr. Braamcamp Freire n&atilde;o escreveu
+que eu lhe comunicara as <em>bases</em> em
+que fundava a minha argumenta&ccedil;&atilde;o, mas sim
+unicamente
+<em>as principaes bases</em>, e o consciencioso
+investigador n&atilde;o
+declarava que taes bases <em>n&atilde;o conseguiram
+demov&ecirc;-lo da rotina</em>, mas sim que &laquo;em
+quanto n&atilde;o aparecessem os considerandos e
+a senten&ccedil;a sobre a prova nelles feita n&atilde;o
+transitasse sem apela&ccedil;&atilde;o em julgado,
+<em>n&atilde;o lhe competia intervir no pleito e continuava
+com a rotina</em>&raquo;.<br />
+
+
+<br />
+
+
+Para que torceu, a seu talante o snr. dr. The&oacute;philo Braga a
+nota cheia de correc&ccedil;&atilde;o do ilustre
+escritor?&#8213;Para se servir, como de um escudo protector e
+c&oacute;modo, do nome prestigioso de Braamcamp Freire, procurando,
+com tal engenho e arte, fazer acreditar aos papalvos desprevenidos que
+tinha a apoiar o seu desmentido formal &aacute;s
+conclus&otilde;es do meu trabalho a
+individualidade, a todos os t&iacute;tulos eminente, do ilustre
+director do <em>Archivo Historico</em>.</div>
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[26]</span>
+<div class="tinyl">Ora a nota invocada pelo snr. dr.
+The&oacute;philo Braga encontra-se logo na
+2.&ordf; pagina do estudo do snr. Braamcamp, e foi produzida quando
+o erudito escritor tra&ccedil;ou os primeiros per&iacute;odos
+do seu trabalho, conhecendo apenas as &laquo;bases
+principaes&raquo; com que elaborei o meu
+livro <em>Bernardim Ribeiro (O Poeta
+Crisfal)</em>. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Depois da leitura do meu modesto estudo, o snr. Braamcamp Freire teve a
+gentileza de me comunicar que os meus argumentos haviam logrado
+convenc&ecirc;-lo. E por tal f&oacute;rma o convenceram que o
+ilustre escritor logo abandonou a rotina, n&atilde;o carecendo para
+isso que a senten&ccedil;a sobre a prova feita transitasse em
+julgado&#8213;muito
+embora isto pese ao snr. dr. The&oacute;philo Braga, que
+at&eacute; viu com desgosto que o abalisado professor snr.
+Gon&ccedil;alves Viana, achasse que o meu livro
+<em>Bernardim Ribeiro</em> fazia honra &aacute;
+erudi&ccedil;&atilde;o portugu&ecirc;sa. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Mais, o snr. Braamcamp Freire n&atilde;o s&oacute; me felicitou
+calorosamente pelo &eacute;xito do meu trabalho, que representava a
+justa repara&ccedil;&atilde;o devida a um dos maiores poetas da
+nossa terra, como teve a bondade de enviar-me a prova
+tipogr&aacute;fica de uma passagem do seu estudo, ent&atilde;o
+no pr&eacute;lo, em que o conceituado escritor
+confessava publicamente que Maria Brandoa, a lend&aacute;ria amada
+do Crisfal, passara &aacute; historia... <br />
+
+
+<br />
+
+
+Foi fazer companhia aos <em>cantos de
+ledino</em>... <br />
+
+
+<br />
+
+
+Tal passagem se encontra a pag. 402 do ultimo tomo do
+&laquo;Archivo Historico&raquo;, mas o snr. dr.
+The&oacute;philo Braga seguindo os processos...
+scient&iacute;ficos que o enaltecem, ocultou-a propositadamente,
+intencionalmente, aos leitores do seu artigo estampado no <em>Dia</em>.
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+&Eacute; como segue: </div>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="tinyl quote1">
+&laquo;...do catalogo por&eacute;m limitar-me-ei agora a
+extrair os nomes dos oficiaes da feitoria, reservando-me para
+aproveitar d'elle, n'outro capitulo, um dado importante para a
+biographia de <b>Maria Brand&ocirc;a, j&aacute;,
+coitadita!
+quando este estudo aparecer a publico, apiada de heroina da ecloga
+Crisfal</b>.&raquo;</div>
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[27]</span>
+<div class="tinyl">&Aacute;s
+afirma&ccedil;&otilde;es, em apoio da minha tese,
+feitas em maio de 1908 no <em>Diario da Tarde</em>, do
+Porto, pelo insigne publicista snr. Jos&eacute; Pereira Sampaio
+(<em>Bruno</em>), refere-se tambem o snr. dr.
+The&oacute;philo Braga da seguinte maneira:</div>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="tinyl quote1">&laquo;No noticiario de
+outro jornal sairam
+afirma&ccedil;&otilde;es absolutas, proclamando a sensacional
+descoberta, com uma sinceridade inconsciente que afasta de todo a
+id&eacute;a de ironia&raquo;.</div>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="tinyl">O snr dr. The&oacute;philo Braga,
+referindo-se, com desdem,
+&aacute; <em>sinceridade
+inconsciente</em> de Bruno, n&atilde;o nos
+mag&ocirc;a s&oacute;mente a n&oacute;s, que votamos uma
+grande estima ao ilustre escritor portuense: ofende as Letras
+Portugu&ecirc;sas, que teem no snr. Jos&eacute; Sampaio uma das
+suas mais leg&iacute;timas gl&oacute;rias. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Tristes processos est&aacute; seguindo o snr. dr.
+The&oacute;philo Braga! </div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature"><span class="smallcaps">Delfim
+Guimar&atilde;es</span>
+</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+O snr. dr. Brito Camacho, dando hospitalidade nas colunas da <em>Lucta</em>
+ao nosso
+artigo, n&ograve;vamente p&ocirc;s o seu jornal &aacute;
+disposi&ccedil;&atilde;o do snr. dr. The&oacute;philo
+Braga, para que s. ex.<sup>a</sup>,
+querendo, dissesse de sua justi&ccedil;a. O professor do Curso
+Superior de Letras n&atilde;o aceitou o oferecimento que pela
+segunda vez lhe era feito. <br />
+
+
+<br />
+
+
+E, em verdade, que havia o autor do artigo <em>Movimento
+Litter&aacute;rio</em> de
+dizer em contesta&ccedil;&atilde;o do libelo documentado que
+tinhamos produzido? Nenhuma justi&ccedil;a lhe assistia, e por
+consequ&ecirc;ncia n&atilde;o ousou reclamar. Recolheu-se ao
+sil&ecirc;ncio,&#8213;&aacute;quele prudent&iacute;ssimo
+sil&ecirc;ncio que se seguiu &aacute;
+publica&ccedil;&atilde;o do notavel
+trabalho do Dr. S&iacute;lvio Romero sobre a <em>Patria
+Portugu&ecirc;sa</em>. <br />
+
+
+<br />
+
+
+No artigo que publicamos na <em>Lucta</em>,
+de 3 de janeiro do ano em curso, tom&aacute;mos o compromisso
+<span class="pagenum"><a name="p28">[28]</a></span>
+de tratar em livro todos
+os pontos tocados pelo snr. dr. The&oacute;philo Braga no seu
+aranzel do <em>Dia</em>, com a largueza e
+documenta&ccedil;&atilde;o que o assunto exige, em homenagem
+&aacute; mem&oacute;ria de Bernardim Ribeiro; pelo dever moral
+que nos impusemos de contribuir, quanto em nossas mingoadas
+for&ccedil;as caiba, para que justi&ccedil;a seja feita, embora
+tardia, a um dos mais belos temperamentos po&eacute;ticos da nossa
+terra. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Uma lenda &eacute; f&aacute;cil de forjar, e com facilidade
+toma corpo e lan&ccedil;a raizes, obcecando muitas vezes os mais
+esclarecidos esp&iacute;ritos. <br />
+
+
+<br />
+
+
+A nossa Historia Liter&aacute;ria est&aacute; cheia de lendas e
+embustes, gra&ccedil;as aos Farias e Sousa e Bernardos de Brito.
+Mas a Verdade, superior a todas as lendas, e a todas as
+reputa&ccedil;&otilde;es de historiadores burl&otilde;es e
+de cr&iacute;ticos trapaceiros, acaba sempre por triunfar, embora
+isso leve anos, embora decorram s&eacute;culos. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Na defeza da causa que prosseguimos, que &eacute; nobre e justa,
+n&atilde;o nos animam quaesquer intuitos de
+evidencia&ccedil;&atilde;o, n&atilde;o nos move qualquer
+mesquinho sentimento de despeito; lutamos pela verdade, procuramos
+contribuir com o nosso esfor&ccedil;o de modestos obreiros das
+letras para desfazer um erro que a ignor&acirc;ncia engendrou, que
+a rotina n&atilde;o-te-ralesca imp&ocirc;s como um dogma, e que
+a vaidade irritada e irritante do snr. dr. The&oacute;philo Braga
+persiste em sustentar, a torto, que n&atilde;o a direito, <a href="#e2">impondo-o</a>
+autocraticamente a quantos v&ecirc;em no professor do Curso
+Superior de Letras o pont&iacute;fice m&aacute;ximo, ditador
+inviolavel e sagrado da Republica... das letras portugu&ecirc;sas.<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<h3><a name="c2"></a>II<br />
+
+
+<br />
+
+
+O snr. dr. The&oacute;philo Braga,<br />
+
+
+descobrindo a verdade, e
+procurando<br />
+
+
+enterr&aacute;-la </h3>
+
+
+<br />
+
+
+Ao preparar os materiaes para a refundi&ccedil;&atilde;o de seu
+livro sobre Bernardim Ribeiro, o snr. dr. The&oacute;philo Braga
+teve ensejo de reconhecer que a figura do <em>trovador</em>
+Cristovam
+Falc&atilde;o era mero produto de uma lenda, mas n&atilde;o
+teve a coragem precisa para vir a p&uacute;blico declarar que tinha
+errado ao dar &aacute; estampa o seu primeiro volume sobre os
+poetas bucolistas, em que, seguindo a rotina, dera exist&ecirc;ncia
+real ao suposto poeta, que j&aacute; havia classificado de
+<b>ultimo eco do ala&uacute;de proven&ccedil;al,
+modificado pelo gosto hespanhol de <a href="#e3">Padron</a>
+e Stuniga</b>.<sup><a href="#3">[3]</a></sup><br />
+
+
+<br />
+
+
+E n&atilde;o querendo confessar que errara, como se semelhante
+facto constituisse desdoiro ou apoucasse de qualquer f&oacute;rma
+seus m&eacute;ritos, o autor do livro <em>Bernardim Ribeiro
+e o
+Bucolismo</em> procurou, por um processo que n&atilde;o nos
+atrevemos a chamar genial, enterrar a verdade, sepultando-a sob um
+pedregulho enorme, para que ali dormisse um sono de s&eacute;culos,
+tantos s&eacute;culos pelo menos como a lenda contava, para que,
+assim, ninguem pudesse aludir ao erro em
+<span class="pagenum">[30]</span>
+que se deixara enredar o professor do Curso
+Superior de Letras.<br />
+
+
+<br />
+
+
+Como o snr. dr. The&oacute;philo Braga procedeu, v&atilde;o os
+leitores conhecer, e depois ficar&atilde;o
+habilitados a julgar da sinceridade com que o infatigavel escritor
+impugna o nosso livro sobre o poeta <em>Crisfal</em>. <br />
+
+
+<br />
+
+
+A pag. 356/7 do seu livro <em>Bernardim Ribeiro e o Bucolismo</em>,
+na parte respeitante a Cristovam Falc&atilde;o, escreveu o snr. dr.
+The&oacute;philo Braga: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<b>&laquo;O primeiro
+documento historico que encontramos acerca do
+poeta, de um modo irrefragavel, &eacute; datado de 1517;
+&eacute; uma gra&ccedil;a
+r&eacute;gia motivada talvez pela sympathia que suscitava a sua
+desgra&ccedil;ada paix&atilde;o, ou apparentemente pelos
+servi&ccedil;os de seu pae. Em um alvar&aacute; ao Almoxarife
+de Coimbra foi passada ordem para que d&ecirc; o rendimento d'este
+anno de 1517 a Christovam Falc&atilde;o: 97:000 r&eacute;is.
+Recebeu-os
+o seu procurador Mestre Jorge.&raquo;</b><br />
+
+
+<br />
+
+
+Como se v&ecirc; da transcri&ccedil;&atilde;o feita, o
+autor declarava que o documento invocado referia-se ao suposto poeta <b>de
+um modo
+irrefragavel</b>, isto &eacute;: &laquo;<b>irrecusavelmente,
+incontestavelmente</b>.&raquo; Esse documento dizia respeito,
+segundo inculcava o snr. dr. The&oacute;philo Braga, a <em>uma
+gra&ccedil;a r&eacute;gia</em>, merc&ecirc; de <em>97$000
+r&eacute;is</em>, concedida ao suposto bardo <em>talvez
+pela sympathia que suscitava a sua desgra&ccedil;ada
+paix&atilde;o, ou apparentemente pelos
+servi&ccedil;os de seu pae</em>. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Ora fazendo taes afirmativas, autorit&aacute;ria e
+catedraticamente, o snr. dr. The&oacute;philo Braga abusava da boa
+f&eacute; dos seus leitores, por isso que s. ex.<sup>a</sup>
+muito bem conhecia que estava
+deturpando a verdade, a seu bel-prazer, que nada d'aquilo que
+apregoava como aut&ecirc;ntico era verdadeiro.
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[31]</span>
+Nem o alvar&aacute; de 1517 dizia respeito ao suposto poeta, nem
+semelhante alvar&aacute; mencionava a verba de 97$000
+r&eacute;is. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Tratava-se de uma ten&ccedil;a de 97$734 reis (resultante de dois
+padr&otilde;es) que pertencia a Cristovam Falc&atilde;o, senhor
+da vila de Pereira, e n&atilde;o ao suposto poeta Cristovam
+Falc&atilde;o de Sousa. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Ignorava, porventura, o snr. dr. The&oacute;philo Braga a
+exist&ecirc;ncia dos dois padr&otilde;es constituitivos
+da referida ten&ccedil;a?&#8213;N&atilde;o ignorava. E a prova de
+que os n&atilde;o desconhecia est&aacute; nas
+cita&ccedil;&otilde;es que s. ex.<sup>a</sup> faz a
+paginas 331/2 do seu
+mencionado livro, atribuindo-os a quem eles diziam respeito, isto
+&eacute; a Cristovam Falc&atilde;o, senhor da vila de Pereira,
+que nada tinha que ver com o suposto poeta, como o snr. dr.
+The&oacute;philo Braga, de resto, muito bem estabelecia. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Mas a exist&ecirc;ncia de uma ten&ccedil;a de 97$000 reis,
+pelas alturas de 1517, a favor de Cristov&atilde;o
+Falc&atilde;o de Sousa, comprovaria de certo modo a data em que o
+snr. dr. The&oacute;philo Braga fixou habilidosamente o nascimento
+do <em>ultimo eco do ala&uacute;de</em>, e permitia ao
+fantasioso
+escritor justificar tam rasgada merc&ecirc; r&eacute;gia
+atribuindo-a &aacute; <em>sympathia que suscitava a sua
+desgra&ccedil;ada paix&atilde;o</em>. <br />
+
+
+<br />
+
+
+D'esta maneira, servindo-se de um alvar&aacute; que n&atilde;o
+dizia respeito ao suposto poeta, e alterando-lhe caprichosamente a
+quantia mencionada, o snr. dr. T. Braga creava um <em>recurso
+hist&oacute;rico</em> gra&ccedil;as ao qual os
+disc&iacute;pulos do professor do Curso Superior de Letras podiam
+aceitar que pelas alturas do ano da gra&ccedil;a de 1517
+j&aacute; existia um afamado poeta com o nome de
+Cristov&atilde;o Falc&atilde;o, tam desventurado em seus amores
+que el-rei, compadecido, lhe fizera merc&ecirc; da
+<span class="pagenum"><a name="p32">[32]</a></span>
+ten&ccedil;a, verdadeiramente principesca, de
+97$000 r&eacute;is! E sucedendo um <em>caso</em>
+d'estes em nossos dias, ainda ha quem ache estranho que Faria e Sousa e
+frei Bernardo de Brito improvisassem (&eacute; este o termo
+pr&oacute;prio?) documentos...
+hist&oacute;ricos! <br />
+
+
+<br />
+
+
+Ao publicarmos o nosso trabalho sobre Bernardim Ribeiro, n&atilde;o
+salientamos devidamente estes pouco recomendaveis processos do snr. dr.
+The&oacute;philo Braga, poupando, com generosidade, o nome do
+encanecido trabalhador, em respeito aos seus cabelos brancos. <br />
+
+
+<br />
+
+
+E &aacute; nossa manifesta generosidade correspondeu o aclamado
+professor apodando os nossos processos cr&iacute;ticos
+de:&#8213;processos... &aacute;
+t&ocirc;a! <br />
+
+
+<br />
+
+
+Que nome conceder a esses processos do snr. dr. The&oacute;philo
+Braga? <br />
+
+
+<br />
+
+
+Mas n&atilde;o ficaram por aqui as habilidades de que se serviu o
+autor da <em>Historia da Litteratura Portugueza</em>. E
+chamamos-lhes
+<em>habilidades</em>, por n&atilde;o encontrarmos
+&aacute; m&atilde;o um termo mais
+anodino, mais suave, mais doce, para definir o feito, e n&atilde;o
+por qualquer prop&oacute;sito agressivo. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Existem na Torre do Tombo cartas aut&oacute;grafas do suposto autor
+do <em>Crisfal</em>. A
+simples publica&ccedil;&atilde;o d'essas cartas constituiria um
+golpe decisivo na lenda que atribuia produ&ccedil;&otilde;es de
+Bernardim Ribeiro a Cristov&atilde;o Falc&atilde;o de Sousa,
+por isso que taes documentos revelam que este, alem de iletrado,
+n&atilde;o escrevia meia d&uacute;zia de linhas sem uma enfiada
+de
+asneiras...&#8213;&laquo;<em>uma acumula&ccedil;&atilde;o
+de
+tolices</em>&raquo;, no dizer insuspeito de uma ilustre
+escritora. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Que fez o snr. dr. The&oacute;philo Braga? <br />
+
+
+<br />
+
+
+Publicou essas cartas, alterando-lhe, <a href="#e4">paternalmente,</a>
+a ortografia e a
+gram&aacute;tica, e deixando
+<span class="pagenum">[33]</span>
+assim transparecer que o autor de taes escritos poderia muito bem ter
+produzido as poesias buc&oacute;licas que lhe atribuiam. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Para que se n&atilde;o aju&iacute;zasse que faziamos uma
+afirma&ccedil;&atilde;o gratuita ao dizer que o snr. dr. Th.
+Braga publicara <em>emendada</em> a obra...
+em prosa de Cristovam Falc&atilde;o, d&eacute;mos no volume
+<em>Bernardim Ribeiro</em> (O Poeta Crisfal) uma
+reprodu&ccedil;&atilde;o foto-zincogr&aacute;fica de uma
+das cartas do suposto poeta, e, n&atilde;o desejando colocar n'uma
+situa&ccedil;&atilde;o pouco invejavel o professor do Curso
+Superior de Letras, escrevemos, procurando desculpar o seu
+procedimento: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="tinyl">&laquo;........o copista, a quem o
+distinto professor
+encarregou de reproduzir o documento existente na Torre do Tombo,
+forneceu-lhe uma reprodu&ccedil;&atilde;o
+<em>com summa deligencia emendada</em>, que o snr. dr.
+The&oacute;philo, com a
+melhor boa f&eacute;, estampou no seu livro, e que muito se afasta
+do original.&raquo;<sup><a href="#4">[4]</a></sup></div>
+
+
+<br />
+
+
+Nem na sua comunica&ccedil;&atilde;o &aacute; Academia das
+Sci&ecirc;ncias de Portugal, nem no seu artigo do jornal
+&laquo;O Dia&raquo;, nem na carta que nos dirigiu, se referiu,
+embora ao de leve, o snr. dr. T. Braga &aacute; carta de Cristovam
+Falc&atilde;o de Sousa... Compreende-se. O documento &eacute;
+tam esmagador, que o infatigavel pol&iacute;grafo foge d'ele como
+dizem que o diabo foge da cruz. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Mas, embora isso n&atilde;o agrade a s. ex.<sup>a</sup>,
+vamos dar aqui a reprodu&ccedil;&atilde;o
+paleogr&aacute;fica de
+outra carta de Cristovam Falc&atilde;o de Sousa, devendo elucidar
+os leitores que o snr. dr. The&oacute;philo Braga j&aacute; deu
+publicidade a tal documento a pag. 368/70 do seu <em>Bernardim
+Ribeiro</em>
+(edi&ccedil;&atilde;o
+<span class="pagenum">[34]</span>
+refundida). Mas deu-lhe publicidade:
+<em>emendando-o</em>... <br />
+
+
+<br />
+
+
+Como n&atilde;o temos a peito celebrizar o alto engenho e mais
+partes que concorriam na pessoa do suposto poeta, reproduzimos a carta
+fielmente, e, para desfazer algum erro de leitura ou qualquer <em>gralha</em>
+que passe
+&aacute; revis&atilde;o, juntamos em foto-gravura o seu <em>fac-simile</em>.
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Eis a carta: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<a name="f1"></a>[Figura:
+Reproduc&ccedil;&atilde;o
+foto-zincogr&aacute;fica da carta de Cristovam Falc&atilde;o de
+Sousa]<br />
+
+
+<br />
+
+
+&laquo;S&ntilde;or. mjnha jrm&atilde; dona bracajda
+faleceo
+da ujda presemte a dez dias deste mes pasado estando eu nesa corte &#7869;
+seruj&ccedil;o de v. a. onde me foy a noua pera [~q] viese prover &#7869;
+alg&#361;as cousas da su alma por me ela dejxar por seu
+testam&#7869;tejro c&otilde; seu marido ejtor de figuejredo.
+fiquou-lhe h&#361; s&oacute; filho e doutro marido [~q] deste
+n&atilde;o
+ouve nenh&#361; e t&atilde;o Riquo [~q] me diz&#7869; que foy posta a
+faz&#7869;da de seu pay qu&atilde;do faleceo (que eu n&atilde;o
+era no Rejno) &#7869; doze contos. fez meu pay antes [~q] eu de la partise
+peti&ccedil;&atilde;o a uosa a. [~q] lhe m&atilde;dase
+&#7869;tregar seu neto e tirar de poder de seu padrasto. sayo lhe na
+peti&ccedil;&atilde;o [~q] Requerese ao Juiz dos
+orf&atilde;os da uila donde ho mo&ccedil;o
+est&aacute; que he borba donde seu padrasto he natural e alquajde
+mor pelo duque de bragan&ccedil;a e que ele prouerja e que
+n&atilde;o no faz&#7869;do proverja &#7869;t&atilde;o vosa a. a qual
+delig&#7869;cia eu tenho fejto que Requery ao Juiz [~q] lho tjrase de
+poder e que fose loguo por [~q] eu tjnha sabjdo [~q] eitor de
+figueiredo detremjnaua quasar ho mo&ccedil;o c&otilde; sua f.<sup>a</sup>
+no fim deste mes &#7869; que lhe
+dizi&atilde; que ho
+mo&ccedil;o
+<span class="pagenum">[35]</span>
+faz quatorze anos pera ho matrimonjo ser
+valioso. m&atilde;dou ho Juiz dar ujsta de meu Requerim.<sup>to</sup>
+a eitor de figueiredo e njsto e &#7869; ele Responder pasaram ojto dias e
+nestes me fizer&atilde;o mujtos agrauos alomg&atilde;do me ho
+tempo e me fizer&atilde;o perdedi&ccedil;a h&#361;a
+petj&ccedil;&atilde;o dagrauo na qual agrauaua pera v. a.
+apresemtandoa eu &#7869; audiencja onde foy lida e jsto tudo por ele ser
+alquajde mor e ser toda a ujla de seus paremtes e criados e por [~q] da
+li n&atilde;o pas&atilde;o os agrauos se n&atilde;o pera ho
+ouujdor do duque onde t&atilde;o b&#7869; me deterj&atilde;o pera
+ho mo&ccedil;o
+chegar ao termo dos quatorze anos detremjney dejxar a cousa neste termo
+e fazelo saber a v. a. pera [~q] proueja njsto como lhe parecer
+seruj&ccedil;o de deos e seu que mjlhor proueja [~q] pois t&#7869; tal
+faz&#7869;da que v. a. ho quase c&otilde; qu&#7869; ouuer por seu
+seruj&ccedil;o
+[~q] n&atilde;o [~q] ho orf&atilde;o seia asy Roubado. no que
+v. a. deue loguo prouer como pay dos orf&atilde;os [~q] he quanto
+mais [~q] quarega jsto sobre c&otilde;cj&#7869;cja de v. a. por h&#361;
+alu.<sup>r&aacute;</sup> que vosa a. pasou a ejtor de
+figueiredo ao t&#7869;po
+[~q] quasou c&otilde; mjnha Jrm&atilde;
+pelo qual tjrou a titorja a meu pay de seu neto por lha dar a ele. ao
+qual agora ajnda se pega, como se n&atilde;o fose cerada a cousa
+por morte de mjnha Jrm&atilde;. e o [~q] me parece [~q] se deue
+fazer he pasar v. a. logo alu.<sup>r&aacute;</sup> por
+esta quarta [~q]
+pode serujr de petj&ccedil;&atilde;o, [~q] polo qual
+m&atilde;de
+a h&#361; dos quoReiadores destremoz elvas ou por talegre [~q] qualquer
+deles va a borba e tjre ho mo&ccedil;o de
+<span class="pagenum">[36]</span>
+poder de seu padrasto e
+&#7869;tregue sua p.<sup>a</sup> a meu pay seu au&ocirc; ou a
+meu
+jrm&atilde;o barnab&eacute; de
+sousa [~q] t&#7869; faz&#7869;da p.<sup>a</sup> ho mjlhor
+m&atilde;ter [~q] biue &#7869;
+portalegre onde ho mo&ccedil;o t&#7869; parte de sua faz&#7869;da e lhe
+he j&aacute; dado por tutor desta fazemda e despois do
+mo&ccedil;o tjrado prouer v. a. &#7869; qu&#7869; seia seu tutor e seja
+ouujdo ejtor de figuejredo das Rezomis [~q] diz ter pera [~q] ho
+mo&ccedil;o quase c&otilde;
+sua f.<sup>a</sup> mas jsto deuela ser amte v. a. [~q] qua
+n&atilde;o sey qu&atilde;to se gardara Justi&ccedil;a e ho
+aluar&aacute; pode v. a. m&atilde;dar dar a demj&atilde;o
+de sousa meu
+irm&atilde;o [~q] la amda [~q] ele ho far&aacute; vir
+c&otilde; mujta
+delig&#7869;cia [~q] eu fiquo qua esperamdo p.<sup>a</sup> ho
+Requerer e apresemtar.
+e l&#7869;bro mais a uosa a. [~q] m&atilde;de ao mesmo coReiador que
+&#7869;t&#7869;da nas partjlhas e jmb&#7869;tajro [~q] doutra manejra
+ser&aacute; Roubado ho orf&atilde;o e asi [~q] o t&#7869;po aquaba
+p.<sup>a</sup> fim deste mes e eu s.<sup>or</sup>
+neste trabalho
+n&otilde; pretendo
+mais [~q] fazer ho [~q] deuo e tenho dejxado os Requerjm.<sup>tos</sup>
+que
+trago c&otilde; v. a. &#7869; m&atilde;o de fern&atilde;o
+daluarez pe&ccedil;o a
+v. a. que n&otilde; perqua por ausente de ser despachado. a qu&#7869;
+deos a ujda e Real estado acrec&#7869;te. de portalegre sete de novembro.
+as&nbsp; Reajs m&atilde;os de v. a. bejjo. xpou&atilde;o
+falc&atilde;o de sousa.&raquo;<sup><a href="#5">[5]</a></sup><br />
+
+
+<br />
+
+
+<div style="text-align: justify;">
+<table style="width: 100%;" border="0" cellpadding="2" cellspacing="2">
+
+
+ <tbody>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td style="text-align: justify;">!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!</td>
+
+
+ </tr>
+
+
+
+ </tbody>
+</table>
+
+
+<br />
+
+
+</div>
+
+
+Ao leitor deixamos a faculdade de comentar a carta <em>primorosa</em>
+do
+sarrafa&ccedil;al engenho que durante alguns s&eacute;culos
+gosou da fama de poeta insigne, em prejuizo do nome aureolado de
+Bernardim Ribeiro. <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<h3><a name="c3"></a>III<br />
+
+
+<br />
+
+
+Anota&ccedil;&otilde;es &aacute; carta que nos dirigiu<br />
+
+
+o
+snr. dr. The&oacute;philo Braga </h3>
+
+
+<br />
+
+
+<h4>1 </h4>
+
+
+<div class="quote2 tinyl">
+&laquo;A ninguem interessaria
+tanto
+o conhecimento d'este
+problema, como a mim, que esbocei uma biographia de Christovam
+Falc&atilde;o com elementos historicos (documentos authenticos)
+comprovando dados genealogicos.&raquo; </div>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature"><em>Carta do snr. dr. Th.
+Braga.</em></div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+N&atilde;o ha a menor d&uacute;vida quanto &aacute;
+primeira parte d'esta afirma&ccedil;&atilde;o. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Com efeito, o snr. dr. The&oacute;philo Braga esbo&ccedil;ou
+uma biografia de Cristovam Falc&atilde;o, e ninguem
+ousar&aacute; contestar-lhe o m&eacute;rito de haver sido o
+Plutarco do suposto trovador. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Esbo&ccedil;ando-lhe a biografia, o abalisado professor de
+literatura serviu-se de documentos aut&ecirc;nticos... mas
+utilizando alguns que n&atilde;o diziam respeito ao pseudo-poeta, e
+sim a um outro Cristovam; e interpretando, modificando e adulterando
+outros documentos ao sabor do seu paladar, ao capricho da sua fantasia.
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+No capitulo XIX do nosso estudo sobre Bernardim Ribeiro
+destrin&ccedil;amos os documentos hist&oacute;ricos que o snr.
+dr. The&oacute;philo Braga propositadamente
+<span class="pagenum"><a name="p38">[38]</a></span>
+confundiu, e restabelecemos o
+texto de uma das cartas de Cristovam Falc&atilde;o de Sousa que o
+habil professor
+<em>emendara</em>, com o zelo de Plutarco cioso do bom nome
+do seu heroe... lend&aacute;rio. <br />
+
+
+<br />
+
+
+No <a href="#e5">segundo</a> cap&iacute;tulo
+d'este livro, ficou tambem fielmente
+reproduzida outra carta de Cristovam Falc&atilde;o, que o
+infatigavel historiador havia <em>corrigido</em>, como se
+se tratasse de um
+tema de algum disc&iacute;pulo seu. Mesmo quando se entrega a
+trabalhos de reconstitui&ccedil;&atilde;o
+hist&oacute;rica, o snr. dr. The&oacute;philo Braga
+n&atilde;o se esquece de que &eacute; professor de literatura
+portugu&ecirc;sa! <br />
+
+
+<br />
+
+
+Depois de isto, como ousa o snr. dr. The&oacute;philo Braga invocar
+os documentos aut&ecirc;nticos de que tam mau uso fez?<br />
+
+
+<br />
+
+
+<h4>2 </h4>
+
+
+<div class="quote2 tinyl">
+&laquo;Tive de ler immediatamente o seu livro, para ver que
+materiaes traria para o aperfei&ccedil;oamento do meu
+trabalho.&raquo; </div>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature"><em>Carta do snr.
+dr.&nbsp; Th.
+Braga.</em></div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Tem gra&ccedil;a, e n&atilde;o ofende! <br />
+
+
+<br />
+
+
+Se leu imediatamente o nosso livro, n&atilde;o foi para ver que
+novos subs&iacute;dios forneciamos para o estudo da
+hist&oacute;ria da literatura portugu&ecirc;sa, mas sim para
+conhecer quaes os materiaes que lhe facultariamos para o
+aperfei&ccedil;oamento do seu trabalho... <br />
+
+
+<br />
+
+
+Cabe n'esta altura, a talho de foice, deixar consignada certa passagem
+de uma palestra que o snr. dr. The&oacute;philo Braga teve com um
+dos seus mais inteligentes disc&iacute;pulos a prop&oacute;sito
+da
+<span class="pagenum">[39]</span>
+publica&ccedil;&atilde;o do nosso livro sobre Bernardim
+Ribeiro: <br />
+
+
+<br />
+
+
+&laquo;V. compreende... Eu sou como um mestre de obras... na
+constru&ccedil;&atilde;o de um edificio. Ha v&aacute;rios
+pedreiros... V&atilde;o-me chegando &aacute;s
+m&atilde;os diversas pedras... Aproveito aquelas que se me afiguram
+de fei&ccedil;&atilde;o, geitosas, convenientes para a minha
+obra, e as outras ponho as de parte, deito-as
+f&oacute;ra.&raquo; <br />
+
+
+<br />
+
+
+E a um distinto confrade nas letras, ainda por motivo da
+publica&ccedil;&atilde;o do nosso livro, o professor do Curso
+Superior de Letras teve ensejo de referir-se &aacute; nossa obscura
+pessoa, fazendo o favor de nos reconhecer talento, mas... <em>que
+os estudos de investiga&ccedil;&atilde;o
+hist&oacute;rica eram umas teclas muito dificeis, muito
+complicadas</em>...<br />
+
+
+<br />
+
+
+O apreciado <em>mestre de obras</em> (segundo
+a frase de s. ex.<sup>a</sup>) escusava de ter lido o nosso
+trabalho. O sub-t&iacute;tulo do livro, <em>O Poeta
+Crisfal</em>, demonstrava suficientemente ao snr. dr.
+The&oacute;philo Braga que nenhuma pedra de
+fei&ccedil;&atilde;o poderiamos proporcionar-lhe para o
+<em>aperfei&ccedil;oamento</em> da sua obra, porque o
+nosso livro lhe atirava a terra com os alicerces em que se firmava o
+edificio... ou monumento erguido ao falso
+<em>Crisfal</em>. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Foi um castelo de cartas que um sopro deitou ao ch&atilde;o... <br />
+
+
+<br />
+
+
+Oh! os estudos de investiga&ccedil;&atilde;o
+hist&oacute;rica s&atilde;o realmente... umas teclas muito
+complicadas! <br />
+
+
+<br />
+
+
+<h4>3</h4>
+
+
+<div class="quote2 tinyl">
+&laquo;Mesmo no prologo fez-me V.
+a justi&ccedil;a de que eu
+aproveitaria tudo quanto se prestasse a futuras emendas.&raquo; </div>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature"><em>Carta do snr. dr. Th.
+Braga.</em></div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[40]</span>
+N&atilde;o escrevemos tal no pr&oacute;logo do nosso livro que
+o snr. dr. The&oacute;philo Braga aproveitaria d'ele <em>tudo
+quanto se prestasse a futuras
+emendas</em>. <br />
+
+
+<br />
+
+
+O que n&oacute;s escrevemos a pag. 24 do nosso estudo sobre
+Bernardim &eacute; o per&iacute;odo que segue: <br />
+
+
+<br />
+
+
+&laquo;Embora, em resultado da nossa descoberta, o snr. dr.
+The&oacute;philo Braga tenha de refundir mais uma vez os seus
+trabalhos sobre Bernardim Ribeiro e S&aacute; de Miranda, estamos
+plenamente convencidos de que ninguem estimar&aacute; mais do que o
+incansavel professor do Curso Superior de Letras a luz derramada sobre
+a figura do grande poeta bucolista, amigo de Francisco de
+S&aacute;.&raquo; <br />
+
+
+<br />
+
+
+Nas linhas transcritas, o que havia da nossa parte era um cumprimento
+de cortesia,&#8213;uma gentileza, uma amabilidade, pr&oacute;pria de
+quem, n&atilde;o tendo qualquer agravo do snr. dr.
+The&oacute;philo Braga, procurava colocar s. ex.<sup>a</sup>
+em bom terreno, oferecendo lhe, por assim
+dizer, uma ponte, uma t&aacute;boa de
+salva&ccedil;&atilde;o, pela
+qual, sem quebra de linha, o escritor consagrado pudesse atravessar,
+reconhecendo, ou fingindo reconhecer, o mau terreno que estava pisando,
+e abra&ccedil;ando honestamente a verdade evidenciada. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Era um cumprimento, repetimos; n&atilde;o um acto de
+justi&ccedil;a, que a ele n&atilde;o tinha jus o
+inf&aacute;tigo escritor. E da mesma natureza, no decurso do nosso
+trabalho, outras demonstra&ccedil;&otilde;es de cortesia
+ficaram assinaladas, prestando homenagem &aacute; vida laboriosa do
+escritor encanecido cujos erros combatiamos. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Mas como as amabilidades se agradecem, e os actos de justi&ccedil;a
+n&atilde;o s&atilde;o credores
+de qualquer agradecimento, aprouve ao snr. dr. Th. Braga ver nas nossas
+palavras um acto de justi&ccedil;a.<br />
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[41]</span>
+N&atilde;o lhe queremos mal por isso, pode crer o venerado
+professor. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Cada qual segue os impulsos do seu temperamento. <br />
+
+
+<br />
+
+
+<h4>4</h4>
+
+
+<div class="quote2 tinyl">
+&laquo;Desde as noticias
+genealogicas trazidas por Braancamp
+Freire sobre D. Maria Brand&atilde;o, que Cristovam
+Falc&atilde;o amou, sendo ambos muito crian&ccedil;as, via-me
+for&ccedil;ado a tomar o nascimento d'elle no fim do primeiro
+quartel do seculo XVI.&raquo;</div>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature"><em>Carta do snr. dr. Th.
+Braga.</em></div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Quando cheg&aacute;mos a esta altura da preciosa carta do snr. dr.
+The&oacute;philo Braga ficamos verdadeiramente surpreendidos, para
+n&atilde;o dizer boquiabertos! <br />
+
+
+<br />
+
+
+Lemos e tornamos a ler o per&iacute;odo transcrito, pesamos detida
+e pacientemente cada uma das palavras que o constituem, e, ao cabo,
+alcan&ccedil;amos o convencimento de que uma tal
+afirma&ccedil;&atilde;o constituia uma habilidade, um processo,
+uma engenhoca,&#8213;deixem chamar-lhe assim, embora o termo
+dest&ocirc;e, por menos acad&eacute;mico,&#8213;a que o professor de
+literatura recorria para n&atilde;o confessar ter sido o nosso
+trabalho que o obrigava a aceitar o nascimento do suposto poeta no fim
+do primeiro quartel do seculo XVI. <br />
+
+
+<br />
+
+
+F&ocirc;ra pelas noticias genealogicas trazidas pelo snr. Braamcamp
+Freire sobre D. Maria Brand&atilde;o que o snr. dr.
+The&oacute;philo Braga, conforme nos escrevia, se vira
+for&ccedil;ado a n&atilde;o insistir no nascimento do pseudo
+Crisfal no ano de 1497, se n&atilde;o antes! <br />
+
+
+<br />
+
+
+Mas como podia isto ser, se o trabalho do
+<span class="pagenum">[42]</span>
+ilustre escritor invocado pelo snr. dr.
+The&oacute;philo ainda n&atilde;o f&ocirc;ra dado
+&aacute; estampa? <br />
+
+
+<br />
+
+
+Teria o professor do Curso Superior de Letras recebido qualquer
+comunica&ccedil;&atilde;o sobre o assunto por parte do snr.
+Anselmo Braamcamp Freire?&#8213;N&atilde;o, n&atilde;o tinha
+recebido, como o
+demonstram eloquentemente os seguintes per&iacute;odos de uma carta
+que em 5 de dezembro de 1908 nos dirigiu, em resposta a uma nossa, o
+primoroso director do <em>Archivo
+Historico</em>: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="tinyl">&laquo;Vamos agora &aacute; sua
+pergunta de hoje originada
+pela
+carta do dr. Teofilo Braga. Elle n&atilde;o conhece nada do meu
+trabalho sobre a Maria Brandoa, e fa&ccedil;a-me a
+justi&ccedil;a de crer que, n&atilde;o lho tendo mostrado a si,
+n&atilde;o o mostraria a mais ninguem. N&atilde;o lho mostrei a
+si, porque nas 150 paginas j&aacute; impressas, de que em breve lhe
+mandarei um exemplar, nada digo a respeito de Maria Brandoa: trato dos
+Brand&otilde;es do
+<em>Cancioneiro</em> e da Feitoria de Flandres.&raquo;
+</div>
+
+
+<br />
+
+
+Depois da transcri&ccedil;&atilde;o d'estas linhas, eloquentes
+e insuspeitas, do snr. Braamcamp Freire, tornam-se
+desnecess&aacute;rios de nossa parte quaesquer
+coment&aacute;rios &aacute; afirma&ccedil;&atilde;o sem
+base do snr. dr. The&oacute;philo Braga. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Passemos adeante sobre este caso triste! <br />
+
+
+<br />
+
+
+<h4>5</h4>
+
+
+<div class="quote2 tinyl">
+&laquo;Isto nos impossibilitava de continuar a admittir as
+rela&ccedil;&otilde;es pessoaes de Cristovam
+Falc&atilde;o com Bernardim Ribeiro j&aacute; velho e dementado
+em confidencias de amor com um rapaz no vi&ccedil;o da mocidade; e
+por tanto as Eclogas em que elle figurava interpretativamente tinham de
+ser lidas a outra luz. V.
+acabando de fazer a destrin&ccedil;a entre o Poeta e seu primo mais
+antigo, deu-me elementos para uma melhor
+interpreta&ccedil;&atilde;o das Eclogas de Bernardim,
+(eliminadas as rela&ccedil;&otilde;es com Cristovam
+Falc&atilde;o), e mostrando como realmente as poesias d'aquelle,
+como mestre, influiram no mais mo&ccedil;o, que como novel chega a
+fazer cent&otilde;es e intercala&ccedil;&otilde;es de
+versos de Bernardim
+Ribeiro.&raquo; </div>
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[43]</span>
+<div class="signature"><em>Carta do snr. dr. Th.
+Braga.</em></div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Pelo exposto, entende o snr. dr. The&oacute;philo Braga que
+n&oacute;s lhe demos elementos para uma melhor
+interpreta&ccedil;&atilde;o das &eacute;clogas de
+Bernardim, o que importa implicitamente a
+afirma&ccedil;&atilde;o de que n&atilde;o soubemos
+interpret&aacute;-las, ou que erramos a exegese com que julgavamos
+ter corrigido as li&ccedil;&otilde;es ministradas pelo ilustre
+professor. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Aguardemos, pacientemente, que o snr. dr. The&oacute;philo Braga
+refunda mais uma vez o seu livro sobre Bernardim Ribeiro, para
+ent&atilde;o apreciarmos as novas
+interpreta&ccedil;&otilde;es que o imaginoso historiador se
+prop&otilde;e apresentar das &eacute;clogas de Bernardim, e
+ficarmos tambem conhecendo quaes os <em>cent&otilde;es e
+intercala&ccedil;&otilde;es</em> de versos de Ribeiro que
+o novel Falc&atilde;o introduziu nas suas
+produ&ccedil;&otilde;es... em prosa, &uacute;nicas que
+obrou. Obrou, no sentido de: produziu, claro est&aacute;.
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<h4>6</h4>
+
+
+<span class="pagenum">[44]</span>
+<div class="quote2 tinyl">&laquo;Ha uma affirmativa
+hist&oacute;rica, de Diogo do
+Couto, na sua <em>Decada VIII</em>, que
+fallando de Dami&atilde;o de Sousa Falc&atilde;o, accrescenta
+como refor&ccedil;o historico: &laquo;irm&atilde;o de <b>Cristovam
+Falc&atilde;o</b>, aquelle que fez aquellas cantigas nomeadas
+de Crisfal...&raquo; E
+tambem no seculo XVI Fructuoso (resumido pelo P.<sup>e</sup>
+Antonio Cordeiro na Historia insulana) diz de Cristovam
+Falc&atilde;o: &laquo;parente do
+Bar&atilde;o velho e do famoso poeta Cristovam Falc&atilde;o,
+que fez a celebre Ecloga Crisfal das primeiras syllabas do seu
+nome...&raquo; Tambem nas edi&ccedil;&otilde;es de
+Ferrara e Colonia, feitas por curiosos sem criterio litterario, se
+repete a attribui&ccedil;&atilde;o
+&laquo;<em>que dizem ser</em> de Cristovam
+Falc&atilde;o, ho que parece alludir o nome da mesma
+Ecloga&raquo;. N&atilde;o se podem refutar por
+negativa estes testemunhos de homens de letras do seculo XVI, e que se
+reflectiram nos genealogistas.&raquo; </div>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature"><em>Carta do snr. dr. Th.
+Braga.</em></div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+A habilidade, ou antes o processo habilidoso, ou, melhor, a tendenciosa
+redac&ccedil;&atilde;o d'estes
+per&iacute;odos n&atilde;o consegue iludir ninguem... Julgou
+talvez o snr. dr. The&oacute;philo Braga que nos desnortearia com
+esta subtileza de processos... cr&iacute;ticos. Tal n&atilde;o
+conseguiu, como ter&aacute;
+de reconhecer no foro &iacute;ntimo da sua consci&ecirc;ncia. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Vamos por partes: <br />
+
+
+<br />
+
+
+Foram os editores de Ferrara e Col&oacute;nia que propagaram pela
+imprensa a lenda de que a paternidade da carta e ecloga de Crisfal era
+atribuida a Cristovam Falc&atilde;o, e, fazendo-o, limitaram-se,
+com honestidade, a escrever: &laquo;que dizem ser... ao que parece
+aludir o nome da mesma ecloga&raquo;. Ao contr&aacute;rio do
+que o snr. dr.
+The&oacute;philo Braga procura fazer incutir, tendenciosamente, os
+editores citados n&atilde;o repetiram uma
+atribui&ccedil;&atilde;o de homens de letras do seculo XVI... <br />
+
+
+<br />
+
+
+Os homens de letras do seculo XVI &eacute; que repetiram, fazendo-a
+certa, a atribui&ccedil;&atilde;o feita com reservas pelos
+editores das obras de Bernardim Ribeiro em 1554 e 1559. Aceitaram
+<span class="pagenum">[45]</span>
+por boa, sem se darem ao
+trabalho de a verificar, uma simples atoarda. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Quem eram os editores de 1554 e 1559 das obras de Bernardim Ribeiro? <br />
+
+
+<br />
+
+
+Di-lo, judiciosamente, o snr. dr. The&oacute;philo Braga na carta
+que vamos analisando: <br />
+
+
+<br />
+
+
+Eram &laquo;<b>curiosos sem crit&eacute;rio
+liter&aacute;rio</b>&raquo;. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Ser&aacute; a estes obscuros obreiros do s&eacute;culo XVI que
+o laureado professor quer guindar &aacute; categoria de homens de
+letras com foros de autoridades? <br />
+
+
+<br />
+
+
+N&atilde;o, os editores de 1554 e 1559 foram realmente creaturas
+sem o menor crit&eacute;rio liter&aacute;rio, e por isso deram
+alentos &aacute; lenda forjada pelo vulgo; mas n&atilde;o resta
+a menor d&uacute;vida de que eram pessoas de bem, porque
+consignaram uma <em>tradi&ccedil;&atilde;o vaga</em>,
+sem se atreverem a regist&aacute;-la como um facto positivo,
+indiscutivel, incontroverso. A cobrir a sua responsabilidade de
+editores conscienciosos, l&aacute; estamparam: &laquo;que dizem
+ser... ao que parece aludir.&raquo; Outros fossem eles, que
+asseverassem que as duas produ&ccedil;&otilde;es, carta e
+&eacute;cloga, pertenciam a Cristovam Falc&atilde;o
+incontestavelmente, irrefragavelmente! <br />
+
+
+<br />
+
+
+Ignorava, porventura, o snr. dr. The&oacute;philo Braga que os
+editores da obra de Bernardim Ribeiro, ao produzirem as
+r&uacute;bricas respeitantes ao suposto autor do Crisfal,
+mencionavam apenas uma atoarda, uma vaga
+tradi&ccedil;&atilde;o? <br />
+
+
+<br />
+
+
+N&atilde;o; o venerado professor n&atilde;o ignorava isso.
+Testemunha-o o que s. ex.<sup>a</sup> escreveu a paginas 21
+da sua chamada edi&ccedil;&atilde;o cr&iacute;tica das
+obras de... Cristovam Falc&atilde;o: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<b>&laquo;As rubricas do editor de Colonia, encerram
+<span class="pagenum">[46]</span>
+as
+tradi&ccedil;&otilde;es vagas, que, passados nove annos, ainda
+corriam &aacute;cerca d'aquelle infeliz namorado.&raquo;</b>
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Para que veio pois o snr. dr. The&oacute;philo Braga asseverar que <em>tambem
+nas
+edi&ccedil;&otilde;es de Ferrara e de Colonia se repete a
+atribui&ccedil;&atilde;o</em>? <br />
+
+
+<br />
+
+
+Mais diz o apreciavel escritor que &laquo;n&atilde;o se podem
+refutar por negativa&raquo; as
+atribui&ccedil;&otilde;es que Diogo do Couto e Frutuoso
+fizeram, repetindo <em>como certo</em> o que os editores
+das
+obras de Bernardim registaram <em>sob reservas</em>. <br />
+
+
+<br />
+
+
+N&atilde;o se podem refutar por negativa, n&atilde;o; mas podem
+refutar-se cabalmente, pondo em confronto da obra po&eacute;tica
+atribuida a Cristovam Falc&atilde;o a obra em prosa que ninguem
+ousar&aacute; disputar ao suposto trovador. <br />
+
+
+<br />
+
+
+E a admitir alguem, de reconhecida intelig&ecirc;ncia e
+crit&eacute;rio, que o autor das cartas em prosa podia ser o poeta
+da Carta e da Ecloga de <em>Crisfal</em>, o mesmo
+equivaleria a
+aceitar como razoavel que Rosalino Candido pudesse firmar as obras do
+snr. dr. The&oacute;philo Braga, e que, consequentemente, o
+laureado professor de literatura fosse capaz de produzir a obra
+gigantesca de Victor Hugo. <br />
+
+
+<br />
+
+
+&Eacute; realmente desolador, para a fabula consagrada, que a Torre
+do Tombo conserve os aut&oacute;grafos de Cristovam
+Falc&atilde;o de Sousa! <br />
+
+
+<br />
+
+
+<h4>7</h4>
+
+
+<div class="quote2 tinyl">
+&laquo;A ecloga de Crisfal
+n&atilde;o podia ser publicada
+pelo seu autor, nem pelo seu consentimento porque era uma <em>inconfidencia</em>
+de antigas
+rela&ccedil;&otilde;es amorosas com uma senhora que estava
+casada.&raquo; </div>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature"><em>Carta do snr. dr. Th.
+Braga.</em></div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[47]</span>
+Esta bizarra revela&ccedil;&atilde;o do snr. dr.
+The&oacute;philo Braga constitue, naturalmente, uma desenfastiada
+brincadeira de s. ex.<sup>a</sup>. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Pois qual &eacute; a obra
+<em>l&iacute;rica</em> onde se
+n&atilde;o encontrem <em>inconfid&ecirc;ncias</em>
+semelhantes
+&aacute;s da ecloga de Crisfal? <br />
+
+
+<br />
+
+
+O snr. dr. The&oacute;philo Braga, que aos catorze anos
+j&aacute; se entregava a devaneios po&eacute;ticos,
+n&atilde;o deixou certamente de dar publicidade a versos em que foi
+decantada alguma dama unida pelos la&ccedil;os matrimoniaes... E
+estamos convencidos de que ninguem chamou
+<em>inconfid&ecirc;ncias</em> aos suspiros poeticos do
+trovador a&ccedil;oreano. As
+inconfid&ecirc;ncias n&atilde;o servem de tema &aacute;s
+locubra&ccedil;&otilde;es dos vates; onde existe arte, no bom
+sentido da palavra, n&atilde;o ha inconfid&ecirc;ncias, embora
+n'este ponto estejamos em absoluta discord&acirc;ncia com a
+doutrina exposta pelo professor do Curso Superior de Letras. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Em toda a obra, prosa ou verso, de Bernardim Ribeiro, vive, palpita, a
+hist&oacute;ria ing&eacute;nua da sua vida, o trama dos seus
+mal-aventurados amores por uma dama que trocou a
+afei&ccedil;&atilde;o do poeta pela de um outro zagal. Foi um
+inconfidente o magoado Bernardim?&#8213;N&atilde;o, foi um artista, foi
+um poeta apaixonado, alma de elei&ccedil;&atilde;o que da sua
+dor fez um poema, como diria Goethe. E que adoravel e sentido poema nos
+legou o grande poeta bucolista! <br />
+
+
+<br />
+
+
+Mas n&atilde;o vale a pena insistir mais n'este ponto. A afirmativa
+do snr. dr. The&oacute;philo Braga constitue, naturalmente, um
+gracejo inofensivo de s. ex.<sup>a</sup>. <br />
+
+
+<br />
+
+
+<h4>8 </h4>
+
+
+<span class="pagenum">[48]</span>
+<div class="quote2 tinyl">&laquo;A
+edi&ccedil;&atilde;o sem data, de Lisboa,
+s&oacute; podia ser feita por 1542, quando Cristovam
+Falc&atilde;o estava em Roma; e
+quando Cam&otilde;es foi para Ceuta em 1547 na Carta que d'ali
+escreveu emprega muitos versos do <em>Crisfal</em>, que
+ent&atilde;o andava no gosto.&raquo; </div>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature"><em>Carta do snr. dr. Th.
+Braga.</em></div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Reproduzamos aqui o que o autor da <em>Historia da Litteratura
+Portugueza</em> escreveu a paginas 394/5 do seu volume <em>Bernardim
+Ribeiro</em> (edi&ccedil;&atilde;o refundida): <br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="tinyl">&laquo;N'esta folha volante
+n&atilde;o vem a
+<em>Carta</em>, nem as
+<em>Cantigas</em> e <em>Esparsas</em>
+incluidas na
+edi&ccedil;&atilde;o de Colonia. Parece mais uma
+vulgarisa&ccedil;&atilde;o popular, talvez uma das
+muitas que tornaram a Ecloga <em>muy nomeada</em>, e
+de que a reprodu&ccedil;&atilde;o de 1571, feita em Lisboa
+(existiu na Livraria de Joaquim Pereira da Costa) seria o typo que
+serviu para a reprodu&ccedil;&atilde;o de 1619, em que
+apparecem elementos
+s&oacute; conhecidos pela edi&ccedil;&atilde;o de 1559. <br />
+
+
+<br />
+
+
+&laquo;A folha volante <em>sem data</em>
+diverge do texto de Colonia profundamente; basta observar as variantes
+entre as li&ccedil;&otilde;es das estrophes 51 e 52.
+Attribuimos a
+impress&atilde;o das <em>Trovas de Crisfal</em>, a
+1536,
+quando appareceram tambem em folha volante as <em>Trovas de Dois
+Pastores</em> (Ecloga III) de Bernardim Ribeiro. <br />
+
+
+<br />
+
+
+&laquo;A vinheta do Pastor com capuz e cajado no
+<em>Crisfal</em> &eacute; a mesma que serve nas <em>Trovas
+de dois
+Pastores</em>; o typo gothico corpo 12 do titulo do folheto de
+1536 &eacute; o empregado no texto do <em>Crisfal</em>.
+Tambem a
+vinheta da Dama, que vem no titulo, appareceu empregada em outra folha
+volante de 1536, intitulada <em>Tragedia de los
+amores de Eneas y de la reina Dido</em>.&raquo;</div>
+
+
+<br />
+
+
+Procedemos ao mesmo exame a que o snr. dr. The&oacute;philo Braga
+sujeitou o
+<em>pliego-suelto</em>, e chegamos a egual
+conclus&atilde;o. Algumas vezes nos haviamos de encontrar em
+concord&acirc;ncia de vistas com s. ex.<sup>a</sup>. E
+porque o nosso pensar
+sobre o assunto egualava o do ilustre professor, escrevemos a pag. 119
+do livro <em>Bernardim
+Ribeiro</em> (O Poeta Crisfal), aludindo ao folheto sem
+<span class="pagenum">[49]</span>
+indica&ccedil;&atilde;o de data nem
+de lugar de
+impress&atilde;o: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<div style="text-align: center;"><a name="f2"></a>[Figura]<br />
+
+
+</div>
+
+
+<br />
+
+
+&laquo;...mas reconhecendo-se, pelo confronto com outros folhetos,
+ser de 1536). <br />
+
+
+<br />
+
+
+&laquo;Como muito bem observou o snr. dr. The&oacute;philo
+Braga, etc.&raquo; <br />
+
+
+<br />
+
+
+Seguiu-se a transcri&ccedil;&atilde;o do par&aacute;grafo
+do snr. dr. Th. Braga que atr&aacute;s reproduzimos. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Mudou o abalisado professor de opini&atilde;o quanto &aacute;
+data do
+<em>pliego-suelto</em>, querendo agora fixar-lhe o ano de
+1542, como poderia fixar-lhe o de 1552 ou 1562, arbitrariamente. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Se ao menos s. ex.<sup>a</sup> tivesse a
+condescend&ecirc;ncia de indicar-nos quando seguiu os <em>processos
+inductivos da cr&iacute;tica moderna</em>! Ao fixar a
+data de 1536 ou quando arbitrou a de 1542? <br />
+
+
+<br />
+
+
+Em folha apensa, damos uma reprodu&ccedil;&atilde;o
+foto-zincogr&aacute;fica das primeiras p&aacute;ginas dos tres
+folhetos que levaram o snr. dr. The&oacute;philo Braga a fixar a
+data da primeira edi&ccedil;&atilde;o conhecida das <em>Trovas
+de Crisfal</em> em 1536. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Se nos perguntarem se estamos dispostos a quebrar lan&ccedil;as
+para sustentar a antiga opini&atilde;o do historiador da <em>Litteratura
+Portugueza</em>, responderemos, com toda a franqueza,
+negativamente. O que n&atilde;o podemos admitir &eacute; que se
+procure agora determinar-lhe <em>com
+precis&atilde;o</em> a data de 1542, com o simples fundamento
+de que n'esse ano estava em Roma o seu suposto autor... <br />
+
+
+<br />
+
+
+Alude o snr. dr. The&oacute;philo Braga ao facto de
+Cam&otilde;es empregar versos do
+<em>Crisfal</em>. <br />
+
+
+<br />
+
+
+A explica&ccedil;&atilde;o, a nosso ver, &eacute; muito
+simples: <br />
+
+
+<br />
+
+
+Em Faria e Sousa, o insigne fabulista, autor muito da
+predilec&ccedil;&atilde;o do snr. dr.
+The&oacute;philo, encontra-se uma afirmativa, que constitue em
+nosso juizo uma das raras que merecem algum cr&eacute;dito,
+n&atilde;o obstante a impureza da
+<em>fonte</em>.
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[50]</span>
+Referindo-se a Bernardim Ribeiro, escreveu Faria e Sousa:
+&laquo;poeta bien conocido y a quien llamava su Enio el divino
+Cam&otilde;es.&raquo; <br />
+
+
+<br />
+
+
+N&atilde;o desconhece isto o professor do Curso Superior de Letras,
+porque a pag. 131 da primeira edi&ccedil;&atilde;o do seu <em>Bernardim
+Ribeiro</em> reproduziu da <em>Fuente de Aganipe</em>
+o dizer de
+Faria. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Como demonstr&aacute;mos no volume sobre o <em>Poeta Crisfal</em>,
+Cam&otilde;es glosou o magoado solau da <em>Menina e
+mo&ccedil;a</em>, de
+Bernardim Ribeiro. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Em uma das cartas atribuidas ao cantor dos <em>Lusiadas</em>,
+encontra-se uma
+alus&atilde;o directa ao autor das <em>Saudades</em>,
+indicando-lhe o
+nome: <em>Bernardim Ribeiro</em>. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Se Bernardim era o seu <em>Enio</em>,
+natural&iacute;ssimo &eacute; que Cam&otilde;es se deixasse
+influenciar pelo Mestre,
+imitando alguns dos seus versos. <br />
+
+
+<br />
+
+
+A n&atilde;o ser que o snr dr. The&oacute;philo Braga queira
+concluir que, sendo Bernardim o
+<em>Enio</em> de Cam&otilde;es, Cristovam
+Falc&atilde;o era o
+<em>Enio</em> numero 2 do mesmo poeta,&#8213;assim a modos de um
+<em>Enio</em> barato, para trazer por
+casa. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Prossigamos... <br />
+
+
+<br />
+
+
+<h4>
+9
+</h4>
+
+
+<div class="quote2 tinyl">
+&laquo;Na
+edi&ccedil;&atilde;o de Lisboa vem duas
+estrophes
+supprimidas no texto de Ferrara e Colonia, por que continham uma <em>inconfidencia</em>.
+Isto
+leva a explicar como Cristovam Falc&atilde;o tentaria apagar a
+paternidade da Ecloga fundamentando-se-lhe a
+imputa&ccedil;&atilde;o com o anagramma das primeiras syllabas
+do nome.&raquo; </div>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature"><em>Carta do snr. dr. Th.
+Braga.</em></div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Salvo erro, o snr. dr. The&oacute;philo Braga quer
+<span class="pagenum">[51]</span>
+referir-se apenas a uma, e n&atilde;o a
+duas estrofes. <br />
+
+
+<br />
+
+
+E &aacute; estrofe que reza: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="poetry tinyl">Muitos pastores buscaram<br />
+
+
+mas um pastor por ser-te amigo,<br />
+
+
+e outro por
+ser-te enemigo,<br />
+
+
+um e outro se escusaram.<br />
+
+
+E d&atilde;o-lhe logo
+comigo<br />
+
+
+gados que far&atilde;o mil queijos;<br />
+
+
+mas como se despediam<br />
+
+
+&eacute; j&aacute; mostrar que temiam<br />
+
+
+que o sabor dos teus
+beijos<br />
+
+
+na minha boca achariam!</div>
+
+
+<br />
+
+
+Falava-se em <em>beijos</em>... Era uma
+<em>inconfid&ecirc;ncia</em>, e grav&iacute;ssima,
+e por isso a estrofe foi suprimida nas edi&ccedil;&otilde;es de
+Ferrara e de Col&oacute;nia!
+Est&aacute; claro, e tam claro que, no dizer do snr. dr. Th. Braga,
+&laquo;<em>isto leva a explicar como Cristovam
+Falc&atilde;o tentaria apagar a paternidade da Ecloga</em>...&raquo;
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Ora admitindo por um momento que Cristovam Falc&atilde;o houvesse
+sido poeta, e tivesse a lembran&ccedil;a de escrever uma
+&eacute;cloga abundante em <em>inconfid&ecirc;ncias</em>,
+pespegava-lhe, sem mais nem menos, com um anagrama deduzido das
+primeiras s&iacute;labas do seu nome, para que toda a gente logo o
+apontasse a dedo como
+<em>inconfidente</em>? <br />
+
+
+<br />
+
+
+De mais a mais, como quer o snr. dr. Th. Braga na sua exegese, se o
+suposto poeta empregasse os nomes verdadeiros de todas as personagens
+que a &eacute;cloga alvejava, isso constituiria um <em>apagamento</em>
+de paternidade muito
+pouco apagado... <br />
+
+
+<br />
+
+
+Todo o mist&eacute;rio, o discreto veu da fantasia, a cobrir a
+realidade dos epis&oacute;dios que a &eacute;cloga do <em>Crisfal</em>
+menciona, equivaleria
+&aacute; ingenuidade infantil d'aquela antiga adivinha:
+&laquo;Branco &eacute;, galinha o p&otilde;e&raquo;!
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[52]</span>
+Ponha se o snr. dr. Th. Braga no lugar do pseudo-trovador,
+imag&iacute;ne que resolvia arquitectar uma &eacute;cloga cheia
+de
+<em>inconfid&ecirc;ncias</em>, e
+diga-nos, com franqueza, se, desejando apagar a paternidade de um tal
+feito, assinaria a sua produ&ccedil;&atilde;o com o anagrama <em>Theobra</em>?
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Logo os seus disc&iacute;pulos concluiriam, triunfalmente:
+&laquo;C&aacute; temos mais um poema do Mestre!&raquo; E
+fosse l&aacute; s. ex.<sup>a</sup>
+convenc&ecirc;-los de que
+n&atilde;o era tal o autor da
+<em>inconfid&ecirc;ncia</em>! <br />
+
+
+<br />
+
+
+<h4>10</h4>
+
+
+<div class="quote2 tinyl">
+&laquo;Os logares communs a
+Bernardim Ribeiro e Cristovam
+Falc&atilde;o provam mais a favor da
+imita&ccedil;&atilde;o de um discipulo, do que &aacute;
+fus&atilde;o dos dois poetas, repetindo-se o mestre na
+decadencia.&raquo; </div>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature"><em>Carta do snr. dr. Th.
+Braga.</em></div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Com o respeito devido ao professor de literatura, de modo nenhum
+podemos aceitar a senten&ccedil;a de s. ex.<sup>a</sup>
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+A <em>subtileza</em> do snr. dr.
+The&oacute;philo Braga, proclamando que os lugares comuns a
+Bernardim Ribeiro e Cristovam Falc&atilde;o provam mais a favor da
+imita&ccedil;&atilde;o de um disc&iacute;pulo do que
+&aacute; fus&atilde;o dos dois poetas, &eacute; da natureza
+do conhecido
+artif&iacute;cio pelo qual se p&oacute;de sustentar que cinco
+vintens n&atilde;o s&atilde;o um tost&atilde;o, ou
+vice-versa! <br />
+
+
+<br />
+
+
+Admitindo que Cristovam Falc&atilde;o tivesse sido um imitador de
+Bernardim, como quer o abalisado professor, explica-se porventura que
+levasse tam longe a sua improbidade liter&aacute;ria, que roubasse
+por inteiro versos e cantigas ao seu mestre, com a maior
+desfa&ccedil;atez?
+<span class="pagenum">[53]</span>
+Pois o autor
+da <em>Carta</em> e da
+<em>Ecl&oacute;ga de
+Crisfal</em>, a ser um imitador, n&atilde;o teria o bom senso
+suficiente para reconhecer que, roubando versos de Bernardim,
+n&atilde;o alcan&ccedil;aria renome de poeta, mas o apodo de
+salteador liter&aacute;rio? <br />
+
+
+<br />
+
+
+Um imitador, por mais inexperiente e tacanho, n&atilde;o se
+aproveita dos textos que imita de maneira a que lhe possam apontar os
+versos <em>palmados</em>. Ou n&atilde;o
+ser&aacute; isto o que a l&oacute;gica permite conjecturar? <br />
+
+
+<br />
+
+
+Como ignoramos <em>os processos inductivos da critica moderna</em>,
+&eacute; possivel que estejamos em erro, e que da mesma
+ignor&acirc;ncia resulte n&atilde;o
+alcan&ccedil;armos o sentido das palavras do snr. dr.
+The&oacute;philo Braga quando afirma que o mestre (Bernardim
+Ribeiro) se repetiu na decad&ecirc;ncia. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Que repeti&ccedil;&otilde;es? e que decad&ecirc;ncia? <br />
+
+
+<br />
+
+
+<h4>11</h4>
+
+
+<div class="quote2 tinyl">&laquo;Emfim ha dois schemas
+de
+paix&atilde;o amorosa que se
+n&atilde;o confundem: o de Joana e Fauno, Aonia e Bimnarder, e o de
+Maria e Crisfal. S&atilde;o duas almas, sentindo em
+situa&ccedil;&otilde;es
+differentes.&raquo; </div>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature"><em>Carta do snr. dr. Th.
+Braga.</em></div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Ha dois schemas de paix&atilde;o amorosa que se n&atilde;o
+confundem, diz o snr. dr. The&oacute;philo Braga na carta que,
+pacientemente, estamos anotando. <br />
+
+
+<br />
+
+
+&Eacute; verdadeira esta afirmativa? <br />
+
+
+<br />
+
+
+&#8213;N&atilde;o, n&atilde;o &eacute; verdadeira, e o professor
+do Curso Superior de Letras sabe muito bem que o n&atilde;o
+&eacute;. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Em 1897, ao publicar a sua edi&ccedil;&atilde;o refundida do
+livro <em>Bernardim Ribeiro</em>,
+confrontando versos
+<span class="pagenum">[54]</span>
+de
+Bernardim com os atribuidos a Cristovam Falc&atilde;o, escreveu o
+professor de literatura. <br />
+
+
+<br />
+
+
+&laquo;V&ecirc;-se que &aacute; medida que
+<b>a situa&ccedil;&atilde;o dos amores de Bernardim
+Ribeiro seguia o mesmo desfecho dos amores de Cristovam
+Falc&atilde;o</b>, os dois poetas communicavam entre si os
+seus versos, sendo por este modo que se salvaram as poesias do auctor
+do <em>Crisfal</em>.&raquo;<sup><a href="#6">[6]</a></sup><br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Ha dois schemas de paix&atilde;o amorosa que se n&atilde;o
+confundem, diz s. ex.<sup>a</sup>,
+procurando agarrar-se a uma boia salvadora... <br />
+
+
+<br />
+
+
+Mas tanto a paix&atilde;o &eacute; uma s&oacute; que o snr.
+dr. The&oacute;philo Braga, na &eacute;cloga em que Bernardim
+se personifica sob o nome buc&oacute;lico de
+<em>Persio</em>, viu n'essa personagem <b>Cristovam
+Falc&atilde;o</b>! E estamos em crer que o ilustre professor
+n&atilde;o ir&aacute; agora sentencear que a &eacute;cloga
+primeira de Bernardim tambem foi elaborada pelo suposto trovador... <br />
+
+
+<br />
+
+
+Pois se o snr. dr. The&oacute;philo Braga at&eacute; concluiu
+que tanto Bernardim como Cristov&atilde;o Falc&atilde;o
+sofreram as agruras do <em>carcere
+privado</em>! <br />
+
+
+<br />
+
+
+Como p&oacute;de suceder que o distinto escritor j&aacute; se
+n&atilde;o recorde do que escreveu a pag. 76/78 da sua
+edi&ccedil;&atilde;o refundida do livro
+&laquo;Bernardim Ribeiro&raquo;, arquivemos aqui algumas das
+suas passagens: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="quote1 tinyl">&laquo;...N&atilde;o
+ignorava
+Bernardim que o namorado de
+Maria tambem estivera em carcere privado: </div>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="poetry tinyl"><em>Vi-me j&aacute;
+preso</em>;
+contente<br />
+
+
+A meu mal
+queria bem.</div>
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[55]</span>
+<div class="quote1 tinyl">&laquo;Na Carta, que
+escreveu <em>estando
+preso</em>, e mandou &aacute;quella com quem estava casado a
+furto, diz Christovam Falc&atilde;o: </div>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="poetry tinyl">Mal cuja dor se n&atilde;o
+cr&ecirc;<br />
+
+
+de <em>pris&atilde;o</em>
+e de ausencia!<br />
+
+
+<table style="text-align: left; width: 251px; height: 39px;" border="0" cellpadding="2" cellspacing="2">
+
+
+ <tbody>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td>
+
+ <div class="dots"></div>
+
+
+ </td>
+
+
+ </tr>
+
+
+
+ </tbody>
+</table>
+
+
+<br />
+
+
+Bem se enxerga nos meus danos<br />
+
+
+<em>que estou preso ha cinco annos</em>,<br />
+
+
+af&oacute;ra os que heide estar...</div>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="quote1 tinyl">
+&laquo;Retratando o cuidado de Persio, diz Bernardim Ribeiro: </div>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="poetry tinyl">Logo ent&atilde;o
+come&ccedil;ou<br />
+
+
+<em>Seu gado a
+emagrecer,<br />
+
+
+Nunca mais d'elle curou</em>,<br />
+
+
+Foi-se-lhe todo a perder<br />
+
+
+Com o cuidado que cobrou.</div>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="quote1 tinyl">&laquo;Em Christovam
+Falc&atilde;o l&ecirc;-se: </div>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="poetry tinyl">
+Crisfal n&atilde;o era entam<br />
+
+
+dos bens do mundo abastado,<br />
+
+
+tanto
+como de cuidado,<br />
+
+
+que por curar da paix&atilde;o<br />
+
+
+<em>n&atilde;o
+curava do seu gado</em>.</div>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="quote1 tinyl">&laquo;E continuando o
+parallelismo, por onde se v&ecirc; que
+os dois poetas eram mutuos confidentes, e se influenciaram, temos mais
+estes tra&ccedil;os com que Bernardim Ribeiro retrata o
+<em>Crisfal</em>: </div>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="poetry tinyl">Sentava-me em um penedo<br />
+
+
+Que no meio d'agua estava;<br />
+
+
+Ent&atilde;o
+alli s&oacute; e quedo<br />
+
+
+A minha frauta tocava.</div>
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[56]</span>
+<div class="quote1 tinyl">&laquo;E no <em>Crisfal</em>,
+quasi pela
+mesma maneira: </div>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="poetry tinyl">Alli sobre uma ribeira<br />
+
+
+de mui alta penedia, <br />
+
+
+<br />
+
+
+d'onde a agua d'alto ca&iacute;a,<br />
+
+
+dizendo d'esta maneira<br />
+
+
+estava a
+noite e o dia...</div>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="quote1 tinyl">&laquo;Bastam estas
+compara&ccedil;&otilde;es para se
+reconhecer a communh&atilde;o artistica entre os dois namorados
+poetas.&raquo;</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Depois de haver escrito o que acaba de ler-se, como se compreende que o
+snr. dr. The&oacute;philo Braga venha proclamar, com a maior
+sem-cerim&oacute;nia, que ha <em>dois schemas de
+paix&atilde;o amorosa que se n&atilde;o confundem</em>! <br />
+
+
+<br />
+
+
+Quanto a <em>Fauno</em>, nome pastoril que,
+em uma das &eacute;clogas, Bernardim d&aacute; ao seu amigo,
+confidente e colega Francisco de S&aacute; de Miranda, quer o snr.
+dr. The&oacute;philo Braga que seja a
+personifica&ccedil;&atilde;o do pr&oacute;prio B.
+Ribeiro,&#8213;talvez para n&atilde;o confessar que n&oacute;s
+acertamos na
+interpreta&ccedil;&atilde;o apresentada no <em>Poeta
+Crisfal</em>. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Temos certa curiosidade em saber se na futura
+refundi&ccedil;&atilde;o do livro sobre os poetas bucolistas o
+seu autor transferir&aacute; para S&aacute; de Miranda o crisma
+de <em>Persio</em>, na
+impossibilidade de continuar a ver na mesma figura os tra&ccedil;os
+de Cristovam Falc&atilde;o... <br />
+
+
+<br />
+
+
+De uns versos de Francisco de S&aacute;, imitando uma
+can&ccedil;&atilde;o de Petrarca, j&aacute; o ilustre
+professor concluiu que o amigo de Bernardim sofrera a
+pris&atilde;o, por motivo de amores... &Eacute; meio caminho
+andado para que, na fantasia de s. ex.<sup>a</sup>, o
+<span class="pagenum">[57]</span>
+douto S&aacute; de Miranda
+v&aacute; tomar o pouso do derreado Falc&atilde;o. <br />
+
+
+<br />
+
+
+A ver vamos... como dizia o cego, e cada vez via menos! <br />
+
+
+<br />
+
+
+<h4>12 </h4>
+
+
+<div class="quote2 tinyl">&laquo;Atrav&eacute;s de
+todo o hypercriticismo, o livro
+sobre Bernardim revela um trabalhador fervoroso, etc.&raquo; </div>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature"><em>Carta do snr. dr. Th.
+Braga.</em></div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Duas palavras apenas: <br />
+
+
+<br />
+
+
+A nosso juizo, aquele
+<em>atrav&eacute;s</em> est&aacute; a
+substituir, amavelmente, o adv&eacute;rbio
+<em>apesar</em>... &Eacute; o que julgamos depreender
+da sequ&ecirc;ncia da frase. <br />
+
+
+<br />
+
+
+No nosso modesto e desvalioso estudo, o snr. dr. The&oacute;philo
+Braga apenas viu
+<em>hipercriticismo</em>, o que de modo nenhum
+p&oacute;de agradar ao historiador da <em>Litteratura
+Portugueza</em>, que
+s&oacute; emprega os modernos processos da cr&iacute;tica
+scient&iacute;fica,&#8213;gra&ccedil;as aos quaes... se v&ecirc;
+obrigado a refundir amiude os seus trabalhos! <br />
+
+
+<br />
+
+
+Continuaremos, impenitentes, a cultivar o
+<em>hipercriticismo</em>, deixando ao snr. dr.
+The&oacute;philo Braga o uso exclusivo dos seus processos, que
+n&atilde;o nos seduzem, com toda a franqueza o dizemos.<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<h3><a name="c4"></a>IV<br />
+
+
+<br />
+
+
+A comunica&ccedil;&atilde;o do presidente<br />
+
+
+da Academia das
+Sciencias<br />
+
+
+de Portugal </h3>
+
+
+<br />
+
+
+No seio da sociedade scient&iacute;fica e lit&eacute;raria, de
+que &eacute; ilustre presidente,
+proclamou o snr. dr. The&oacute;philo Braga, &aacute; porta
+fechada, isto
+&eacute;, em reuni&atilde;o privativa dos s&oacute;cios
+d'aquela
+Academia, que a vida amorosa de Cristovam Falc&atilde;o &laquo;<em>oscila
+entre 1525 e 1526, sendo n'aquella
+data mo&ccedil;o fidalgo, tendo pelo menos 12
+annos</em>&raquo;. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Cristovam Falc&atilde;o de Sousa era mo&ccedil;o fidalgo em
+1527, como se demonstra indubitavelmente pelo registo exarado n'um
+livro que existe no arquivo da Torre do Tombo, registo que reproduzimos
+com fidelidade a paginas 168/9 do nosso estudo sobre Bernardim Ribeiro.
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Na sua erudita comunica&ccedil;&atilde;o &aacute; Academia
+das Sciencias de Portugal, afirmou o snr. dr. The&oacute;philo
+Braga que o suposto autor do <em>Crisfal</em>
+tinha <em>pelo menos 12 anos &aacute; data de
+1525</em>... <br />
+
+
+<br />
+
+
+N&atilde;o indicou o douto acad&eacute;mico o documento ou <em>recurso
+hist&oacute;rico</em>, em
+que se estribava para sentencear, sem admitir r&eacute;plica, que o
+pseudo-trovador tinha <em>pelo menos 12 anos &aacute; data
+de
+1525</em>, mas &eacute; possivel que s. ex.<sup>a</sup>
+esteja
+munido de
+<span class="pagenum">[60]</span>
+concludentes provas para
+demonstrar a justeza da sua afirmativa, se alguem se lembrar de
+contestar-lhe tam perempt&oacute;ria opini&atilde;o. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Se o ilustre professor n&atilde;o possue a tal respeito documentos
+bastantes, p&oacute;de dar-se o caso de alguem vir
+&agrave;manhan, quando mais n&atilde;o seja para fazer
+pirra&ccedil;a a s. ex.<sup>a</sup>,
+declarar que Cristovam Falc&atilde;o de Sousa, &aacute; data de
+1525, n&atilde;o era ainda nascido, ou, quando muito, teria doze
+m&ecirc;ses, e n&atilde;o 12 anos... <br />
+
+
+<br />
+
+
+Mas &eacute; possivel que o snr. dr. The&oacute;philo Braga
+tenha conseguido descobrir qualquer documento em que apoie a sua
+senten&ccedil;a. &Eacute; at&eacute; muito possivel! <br />
+
+
+<br />
+
+
+O importante, por agora, &eacute; verificar que o laureado
+acad&eacute;mico fixou o ano do nascimento do pseudo-poeta em 1513,
+poucos m&ecirc;ses mais, poucos m&ecirc;ses menos, se a
+l&oacute;gica n&atilde;o
+&eacute; uma cantata para adormecer meninos. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Ora, sendo assim, v&ecirc;-se que alguma cousa se ganhou com a
+publica&ccedil;&atilde;o do nosso livro sobre o <em>Poeta
+Crisfal</em>, onde a paginas 176
+escrevemos: <br />
+
+
+<br />
+
+
+&laquo;<b>Quanto a Cristovam Falc&atilde;o de
+Sousa, mo&ccedil;o fidalgo em 1527, por muito que se queira afastar
+a data do seu nascimento, n&atilde;o poder&aacute; esta ser
+fixada em ano anterior a 1510. Fixando-se o seu nascimento entre os
+anos de 1510 a 1515, &eacute; natural que se fique muito
+pr&oacute;ximo da
+verdade.</b>&raquo;<br />
+
+
+<br />
+
+
+O snr. dr. The&oacute;philo Braga, em face do nosso estudo,
+escolheu o ano de 1513, cifra que se encontra compreendida <em>entre
+1510 a
+1515</em>, salvo erro. <br />
+
+
+<br />
+
+
+N&oacute;s, por&eacute;m, com inteira franqueza o dizemos,
+temos ainda suas d&uacute;vidas, e ap&oacute;s recentes
+pesquizas, em que vamos prosseguindo, inclinamo-nos
+<span class="pagenum">[61]</span>
+a&nbsp; ajuizar que o pseudo-<em>ultimo
+eco
+do ala&uacute;de</em> ainda n&atilde;o era nascido no
+ano de 1516... <br />
+
+
+<br />
+
+
+Mas, para aclarar este ponto de capital import&acirc;ncia,
+aguardemos a nova vers&atilde;o que o snr. dr. The&oacute;philo
+Braga tem na forja sobre os poetas bucolistas. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Al&eacute;m de ter modificado a sua antiga doutrina sobre a epoca
+em que floresceu o falso <em>Crisfal</em>, na sua
+comunica&ccedil;&atilde;o ao gr&eacute;mio
+liter&aacute;rio a cujos destinos preside, o snr. dr.
+The&oacute;philo determinou que a vida amorosa do homenzinho
+oscilara <b>entre 1525 e 1526</b>,&#8213;isto
+&eacute; no per&iacute;odo ing&eacute;nuo e
+vi&ccedil;oso dos doze para os treze anos, quando a suposta mulher
+amada pelo Xpou&atilde;o contaria, na melhor das
+hip&oacute;teses, as suas fagueiras e menineiras dez primaveras... <br />
+
+
+<br />
+
+
+Mas, decorrido menos de um m&ecirc;s sobre a
+comunica&ccedil;&atilde;o... scient&iacute;fica, o
+egr&eacute;gio conferente emendou este seu parecer, como se
+ver&aacute; quando analisarmos o artigo epigrafado <em>Movimento
+litterario</em>. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Segundo o extrato publicado no jornal &laquo;O Mundo&raquo;,
+que condizia com os de outras gazetas, o snr. dr. The&oacute;philo
+Braga
+&laquo;<em>evidenciou que na ecloga
+&laquo;Crisfal&raquo; transpareciam diversas
+situa&ccedil;&otilde;es da vida de Cristovam Falc&atilde;o</em>.&raquo;
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Infelizmente, os jornaes n&atilde;o nos forneceram qualquer
+pormenor elucidativo sobre a referida <em>evidencia&ccedil;&atilde;o</em>,
+pelo que ficamos, com verdadeiro pesar, privados de reconhecer a
+maneira engenhosa pela qual o distincto professor de literatura
+conseguiu demonstrar, <em>urbi et orbi</em>,
+que na magoada &eacute;cloga de Bernardim Ribeiro transpareciam <em>diversas
+situa&ccedil;&otilde;es da vida de
+Cristovam Falc&atilde;o</em>. <br />
+
+
+<br />
+
+
+&Eacute; possivel, por&eacute;m, que na pr&oacute;xima
+futura
+<span class="pagenum">[62]</span>
+refundi&ccedil;&atilde;o do seu livro sobre os bucolistas, o
+snr. dr. The&oacute;philo Braga inclua um largo cap&iacute;tulo
+em que trate o assunto com o devido desenvolvimento, completando o
+extrato que os jornaes fizeram da sua apreciavel
+comunica&ccedil;&atilde;o, com o que preencher&aacute; uma
+sensivel lacuna. Oxal&aacute; assim suceda. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Terminou o conferente a sua palestra por invocar, mais uma vez, Diogo
+do Couto e Gaspar Frutuoso; e mais uma vez afirmou que as duas
+individualidades (Bernardim Ribeiro e Cristovam Falc&atilde;o de
+Sousa) <em>n&atilde;o
+podem j&agrave;mais confundir-se</em>. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Perfeitamente de acordo, n'esta parte, com o venerado professor! <br />
+
+
+<br />
+
+
+Cristovam Falc&atilde;o, o iletrado autor das
+<em>Quartas</em>, n&atilde;o p&oacute;de
+j&agrave;mais confundir-se com
+Bernardim Ribeiro, o mavioso autor da <em>Carta</em> e
+da <em>Ecloga de Crisfal</em>... <br />
+
+
+<br />
+
+
+Pelo que, implicitamente, fica demonstrado que n&oacute;s
+n&atilde;o temos d&uacute;vida em adoptar
+uma ou outra das conclus&otilde;es do presidente da Academia das
+Sciencias de Portugal, apesar de todo o nosso hipercriticismo, como
+est&aacute; vendo o nosso <em>prezad&iacute;ssimo amigo</em>!<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<h3><a name="c5"></a>V<br />
+
+
+<br />
+
+
+O artigo &laquo;Movimento litter&aacute;rio&raquo; </h3>
+
+
+<br />
+
+
+Como os leitores viram, pela reprodu&ccedil;&atilde;o que
+fizemos no primeiro cap&iacute;tulo d'este trabalho, no artigo que
+publicamos nas colunas do di&aacute;rio &laquo;A
+Lucta&raquo;, sob a epigrafe:
+&laquo;<em>Os processos... scientificos do snr. dr.
+The&oacute;philo
+Braga</em>&raquo;, salient&aacute;mos v&aacute;rias
+inexactid&otilde;es contidas no capcioso desarrazoado que o
+professor do Curso Superior de Letras estampou no jornal &laquo;O
+Dia&raquo;, a pretexto de dar not&iacute;cia do movimento
+liter&aacute;rio portugu&ecirc;s no ano de 1908. <br />
+
+
+<br />
+
+
+N&atilde;o insistiremos sobre os pontos j&aacute; visados,
+embora prestassem o flanco a mais largas
+considera&ccedil;&otilde;es, mas nem o tempo nos &eacute;
+sobejo nem tam pouco desejamos abusar da benevol&ecirc;ncia dos que
+nos l&ecirc;em, prolongando demasiadamente este
+coment&aacute;rio desenfastiado e despretencioso &aacute;s
+refuta&ccedil;&otilde;es embrogliadoras e falhas
+de sinceridade do snr. dr. The&oacute;philo Braga. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Sem a publica&ccedil;&atilde;o do artigo
+<em>Movimento litter&aacute;rio</em>, aguardariamos
+pacientemente a futura refundi&ccedil;&atilde;o do livro
+consagrado ao estudo dos poetas bucolistas pelo egr&eacute;gio
+professor, e s&oacute; em face das novas exegeses fantasiadas pelo
+snr.
+<span class="pagenum">[64]</span>
+dr. The&oacute;philo Braga
+viriamos a p&uacute;blico dizer o que se nos oferecesse,
+defendendo, o melhor que soubessemos e pudessemos, as
+conclus&otilde;es que apresent&aacute;mos no nosso trabalho
+sobre o <em>Poeta Crisfal</em>. <br />
+
+
+<br />
+
+
+N&atilde;o o quis assim o distinto escritor a&ccedil;oreano.
+Seja feita a sua vontade! <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<h4>1 </h4>
+
+
+<div class="quote2 tinyl">&laquo;...o snr. Delfim
+Guimar&atilde;es publicava o seu
+livro <em>Bernardim Ribeiro&#8213;O Poeta
+Crisfal</em>, em que resume o j&aacute; sabido da biographia
+do auctor da Menina e Mo&ccedil;a, for&ccedil;ando
+interpreta&ccedil;&otilde;es de versos a significarem os factos
+que imagina.&raquo; </div>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature"><em>Do artigo
+&laquo;Movimento
+Litterario</em>.&raquo;</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Na opini&atilde;o soberana do consagrado professor, no nosso livro
+sobre Bernardim Ribeiro resumimos o <em>j&aacute; sabido</em>
+da
+biografia do autor da <em>Menina e mo&ccedil;a</em>, e
+for&ccedil;&aacute;mos interpreta&ccedil;&otilde;es de
+versos a significar os factos que imagin&aacute;mos! <br />
+
+
+<br />
+
+
+Tem carradas de raz&atilde;o o implacavel cr&iacute;tico quando
+proclama, desdenhoso, que n&oacute;s resumimos o que j&aacute;
+era sabido da biografia do grande poeta bucolista. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Resumimos quanto pudemos, exageradamente talvez, o que <em>j&aacute;
+era
+sabido</em> da biografia de Bernardim Ribeiro, mas muito de
+prop&oacute;sito assim procedemos, para que ninguem, em face do
+nosso trabalho, pudesse dizer com justi&ccedil;a que f&ocirc;ra
+nosso intento fazer substituir no mercado o livro do snr. dr.
+The&oacute;philo Braga pelo nosso. <br />
+
+
+<br />
+
+
+&Eacute; certo que nos poderiamos ter conduzido pela mesma
+f&oacute;rma adoptada pelo consciencioso escritor ao <em>resumir</em>
+no seu
+<em>Garrett</em> o trabalho
+<span class="pagenum">[65]</span>
+desenvolvido de Gomes de Amorim, mas
+n&atilde;o quisemos seguir semelhante conduta, muito embora
+pudessemos invocar, como mod&ecirc;lo, o exemplo que nos fornecia o
+historiador da <b>Litteratura Portugueza</b>. <br />
+
+
+<br />
+
+
+N&atilde;o quisemos enveredar por esse caminho, e n&atilde;o
+estamos arrependidos, apesar do remoque com que fomos alvejados. Cada
+qual segue os processos que muito bem entende, mais em harmonia com o
+seu temperamento ou educa&ccedil;&atilde;o. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Resumimos o j&aacute; sabido da biografia de Bernardim,
+&eacute; um facto; mas tivemos o cuidado de n&atilde;o
+aproveitar aquela descoberta mais que problem&aacute;tica que
+localizou a <em>Quinta dos
+Lobos</em> na <em>Quinta da Piedade</em>, em Sintra,
+e
+nem por um momento nos passou pela cabe&ccedil;a perfilhar as
+palavras do snr. dr. The&oacute;philo Braga quando v&ecirc;
+&laquo;<b>a persistencia do elemento
+mauresco, na paix&atilde;o exaltada do poeta e no calor
+surprehendente da sua linguagem</b>&raquo;.<sup><a href="#7">[7]</a></sup><br />
+
+
+<br />
+
+
+N&atilde;o seguimos tam pouco na esteira do eminente exegeta quando
+s. ex.<sup>a</sup> pinta, ao sabor da sua fantasia
+rocamboliana, Bernardim Ribeiro: &laquo;<b>moreno, fino e
+enchuto de carnes, com a
+perdi&ccedil;&atilde;o no olhar e a fatalidade invencivel no
+amor</b>.&raquo;<sup><a href="#8">[8]</a></sup><br />
+
+
+<br />
+
+
+Resumimos o j&aacute; sabido da biografia de Bernardim, alto e bom
+som o declaramos; mas alguns erros tivemos ocasi&atilde;o de
+apontar ao bi&oacute;grafo ilustre do autor da <em>Menina e
+mo&ccedil;a</em>, para que os corrija, querendo, nas futuras
+edi&ccedil;&otilde;es, pelo que nenhum agradecimento nos deve,
+seja dito. <br />
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[66]</span>
+Que teria perdido o renome universal do Mestre em se mostrar,
+n&atilde;o diremos mais benevolente, mas mais justo? Oh! o
+positivismo!... <br />
+
+
+<br />
+
+
+Mas assevera o snr. dr. The&oacute;philo Braga que n&oacute;s <b>for&ccedil;amos
+interpreta&ccedil;&otilde;es de versos a significarem os factos
+que imaginamos</b>! <br />
+
+
+<br />
+
+
+Onde viu s. ex.<sup>a</sup> essas
+interpreta&ccedil;&otilde;es
+for&ccedil;adas? <br />
+
+
+<br />
+
+
+Tendo-as visto, por que motivo n&atilde;o veio
+indic&aacute;-las em p&uacute;blico, para
+exautora&ccedil;&atilde;o do nosso <em>hipercriticismo</em>,
+para maior
+gl&oacute;ria do seu laureado nome, para mais intenso fulgor da
+nossa Hist&oacute;ria liter&aacute;ria? <br />
+
+
+<br />
+
+
+For&ccedil;&acirc;mos interpreta&ccedil;&otilde;es de
+versos! <br />
+
+
+<br />
+
+
+Se o professor de literatura estivesse de boa f&eacute;, e
+entendesse realmente que n&oacute;s haviamos errado a
+interpreta&ccedil;&atilde;o de versos de Bernardim, que lhe
+competia fazer, que lhe cumpria fazer? <br />
+
+
+<br />
+
+
+&#8213;Indicar-nos onde haviamos errado, fazendo-nos ver que estavamos em
+erro; e quando s. ex.<sup>a</sup> nos convencesse da
+raz&atilde;o das
+suas corrigendas, ou reprimendas, acredite o snr. dr.
+The&oacute;philo Braga que havia de ver-nos confessar, com
+honestidade, sem o menor rebu&ccedil;o, que tinhamos errado, e
+n&atilde;o fugiriamos a apregoar que o ilustre censor nos aplicara
+umas palmatoadas merecidas. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Mas quando mesmo (o que n&atilde;o est&aacute; demonstrado)
+tivessemos incorrido em erros ao interpretar versos de Bernardim,
+tinha, porventura, o snr. dr. The&oacute;philo Braga a precisa
+autoridade para os apontar por aquela f&oacute;rma agressiva, com
+semelhante crueza? <br />
+
+
+<br />
+
+
+&#8213;N&atilde;o tinha. S. ex.<sup>a</sup> n&atilde;o
+p&oacute;de arguir
+quem quer que seja de <em>for&ccedil;ar
+interpreta&ccedil;&otilde;es</em>, porque
+<span class="pagenum">[67]</span>
+ninguem como o professor do Curso Superior de
+Letras &eacute; useiro em amoldar
+interpreta&ccedil;&otilde;es de versos ao sabor da sua
+imagina&ccedil;&atilde;o. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Para que ninguem nos incrimine de injustos para com o snr. dr.
+The&oacute;philo Braga, vamos demonstrar com exemplos colhidos em
+obras do Mestre algumas
+<em>interpreta&ccedil;&otilde;es</em>
+bizarras, que oferecemos ao crit&eacute;rio dos que nos
+l&ecirc;em: <br />
+
+
+<br />
+
+
+N'uma das &eacute;clogas de Bernardim Ribeiro, o poeta bucolista,
+referindo-se a uma visita que lhe fez o seu amigo S&aacute; de
+Miranda, escreveu a narrar o facto: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="poetry">
+<table style="text-align: left; width: 251px; height: 39px;" border="0" cellpadding="2" cellspacing="2">
+
+
+ <tbody>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td>
+
+ <div class="dots"></div>
+
+
+ </td>
+
+
+ </tr>
+
+
+
+ </tbody>
+</table>
+
+
+e neste m&ecirc;o chegou<br />
+
+
+um pastor seu
+conhecido,<br />
+
+
+e que dormia cuidou. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Franco de Sandovir era<br />
+
+
+o seu nome, e buscava<br />
+
+
+&#361;a frauta que perdera,<br />
+
+
+que elle mais que a si amava.<br />
+
+
+Este era aquelle pastor<br />
+
+
+a quem Celia
+muito amou,<br />
+
+
+ninfa do maior primor<br />
+
+
+que em Mondego se banhou,<br />
+
+
+e que
+cantava melhor.</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Veja-se como o snr. dr. The&oacute;philo Braga anotou estes versos:
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="quote1">&laquo;<b>Deve entender-se
+que foi o pastor, que se banhou
+no Mondego, e n&atilde;o Celia, como pode inferir-se</b>.&raquo;
+</div>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature"><em>S&aacute; de Miranda
+e a Eschola Italiana, p.
+49</em></div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[68]</span>
+<div class="break">
+<hr /></div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Na &eacute;cloga em que Bernardim adoptou o cript&oacute;nimo <em>Crisfal</em>,
+descreve o poeta a
+apari&ccedil;&atilde;o da mulher amada, que v&ecirc; em
+sonho <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="poetry">vestida de <b>arenoso</b>,</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+ou seja de amarelo, a c&ocirc;r simb&oacute;lica do pesar ou
+desespero, o que qualquer bronco namorado de aldeia sertaneja
+n&atilde;o ignora. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Pois o snr. dr. The&oacute;philo, querendo fazer da mulher amada
+por <em>Crisfal</em> uma
+freira cisterciense, interpretou a passagem aludida pela seguinte
+maneira: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="quote1">
+&laquo;<b>Crisfal viu a sua Maria vestida de
+c&ocirc;r de arenoso, ou do habito amarellado da Ordem
+cisterciense</b>...&raquo; </div>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature"><em>Obras de Christovam
+Falc&atilde;o, p.
+11</em></div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Ora o h&aacute;bito da Ordem de Cister n&atilde;o era
+amarelado, mas branco! <br />
+
+
+<br />
+
+
+N&atilde;o obstante, seguindo o mesmo crit&eacute;rio, o
+distinto professor tambem quis reivindicar para o suposto poeta
+Falc&atilde;o a paternidade de uma poesia de Bernardim Ribeiro
+consagrada a <em>uma senhora que se vestiu de amarelo</em>...
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="poetry">T&eacute; aqui me pude enganar,<br />
+
+
+mas agora que podeis<br />
+
+
+trazer a <b>c&ocirc;r
+do pesar</b><br />
+
+
+pera mim s&oacute; a trazeis...</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+que o snr. dr. The&oacute;philo Braga comentou pelo seguinte
+processo <em>inductivo</em>:<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[69]</span>
+<div class="quote1">&laquo;<b>Ora o amarello
+s&oacute;
+podia ser c&ocirc;r de pezar no caso de representar a
+c&uacute;gula cisterciense; e em vista dos factos sabidos,
+s&oacute; estava no caso de escrever esta cantiga Christovam
+Falc&atilde;o, e n&atilde;o Bernardim Ribeiro pelo que se sabe
+da sua vida</b>.&raquo;</div>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature"><em>Obras de Christovam
+Falc&atilde;o, p.
+12</em></div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Mas, felizmente para a mem&oacute;ria do poeta bucolista, a poesia
+em quest&atilde;o foi uma das que o benem&eacute;rito Garcia de
+R&egrave;sende reproduziu no Cancioneiro Geral, publicado em 1516,
+quando Cristovam Falc&atilde;o de Sousa... ainda andava de coeiros,
+se &eacute; que j&aacute; pertencia ao numero dos vivos... <br />
+
+
+<br />
+
+
+Ora que distin&ccedil;&atilde;o concederia o ilustre professor
+&aacute;quele dos seus disc&iacute;pulos que, interrogado sobre
+a <em>c&ocirc;r branca</em> do
+cavalo de Napole&atilde;o 1.&ordm;, lhe respondesse que o
+sobredito imperial cavalo <em>branco</em>... era
+<em>amarelo</em>?<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="break">
+<hr /></div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Em uma das suas &eacute;clogas, o poeta-fil&oacute;sofo
+S&aacute; de Miranda, aludindo ao Amor, causa da desventura do seu
+camarada Bernardim Ribeiro, expressa-se por esta f&oacute;rma: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="poetry1">Amor burlando v&aacute;, muerto
+me deja;<br />
+
+
+Tiene de que por
+cierto; a su merced<br />
+
+
+Como de se&ntilde;or vine; arm&oacute; la
+red,<br />
+
+
+Puso me en prision dura, ende me aqueja;<br />
+
+
+Cada ora mas se aleja<br />
+
+
+De
+mi, mucho cruel. Quien me desmiente?<br />
+
+
+Ah que lo saben todos! quien
+gan&oacute;<br />
+
+
+El precio de la lucha, ese perdi&oacute;!<br />
+
+
+Enemigo
+se&ntilde;or que tal consiente!</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[70]</span>
+Pois no Amor, no travesso, inconstante e cruel Cupido, o snr. dr.
+The&oacute;philo viu nada menos que a
+personifica&ccedil;&atilde;o do favorito d'el-rei D.
+Jo&atilde;o III, D. Ant&oacute;nio de Ata&iacute;de,
+conde da Castanheira! <br />
+
+
+<br />
+
+
+Para que os leitores n&atilde;o julguem que fomos n&oacute;s
+que interpretamos mal quaesquer palavras do arguto exegeta,
+reproduzimos a sua anota&ccedil;&atilde;o: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="quote1">&laquo;...<b>aquelle retrato
+do inimigo senhor que tal
+consente, bem se parece com o omnipotente valido o conde da Castanheira</b>.&raquo;
+</div>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature"><em>S&aacute; de Miranda
+e a Eschola Italiana, p.
+206</em></div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="break">
+<hr /></div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Por um recente trabalho do nosso estimado camarada Hemet&eacute;rio
+Arantes sobre Frei Agostinho da Cruz, j&aacute; os leitores
+n&atilde;o ignoram que o professor do curso Superior de Letras fez
+de <b>um gato bravo... uma cavalgadura</b>, e
+do <b>Monte do Lobo... um lobo</b> carniceiro que devorou,
+chamando-lhe um figo, a sobredita cuja cavalgadura! <br />
+
+
+<br />
+
+
+Para fechar esta exposi&ccedil;&atilde;o, referiremos ainda
+mais um interessante epis&oacute;dio exeg&eacute;tico da obra
+do Mestre: <br />
+
+
+<br />
+
+
+Em uma das poesias l&iacute;ricas de Luis de Cam&otilde;es,
+alude o grande poeta &aacute; desventura que desde a
+inf&acirc;ncia o perseguia, como se v&ecirc; dos seguintes
+magoados versos: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="poetry1">Foi minha ama uma fera; que o destino<br />
+
+
+N&atilde;o quis que mulher
+fosse a que tivesse<br />
+
+
+Tal nome para mi, nem haveria.<br />
+
+
+Assi criado fui
+porque bebesse<br />
+
+
+O veneno amoroso de menino...</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[71]</span>de que tambem se
+conhece a seguinte variante:
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="poetry1">Por ama tive &#361;a fera, que o destino<br />
+
+
+N&atilde;o quis que
+melhor fosse a que tivesse<br />
+
+
+Para o que elle de mi fazer queria...</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Em face da segunda vers&atilde;o, concluiu o snr. dr.
+The&oacute;philo Braga, arguciosa e sibilinamente: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="quote1">&laquo;<b>Esta
+vers&atilde;o tira todo o sentido
+figurado &aacute; antecedente, e d'aqui se conclue, que
+Cam&otilde;es fora amamentado por uma alimaria, etc.</b>&raquo;
+</div>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature"><em>Historia de
+Cam&otilde;es, Parte II, Livro II, p.
+564</em></div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Esta ideia verdadeiramente original de interpretar os versos de
+Cam&otilde;es, dando-lhe por ama uma <b>alim&aacute;ria</b>,
+ou seja uma
+cavalgadura ou uma besta, corre parelhas com a
+interpreta&ccedil;&atilde;o dada &aacute; <em>gineta</em>
+de Frei
+Agostinho da Cruz. <br />
+
+
+<br />
+
+
+N&atilde;o se p&oacute;de dizer que o eminente professor
+fa&ccedil;a de um argueiro um cavaleiro, mas n&atilde;o ha a
+menor d&uacute;vida de que s. ex.<sup>a</sup>
+transforma um gato bravo e uma brava ama de leite... em cavalgaduras! <br />
+
+
+<br />
+
+
+Pelo que respeita &aacute; ama de Cam&otilde;es, o que vale ao
+snr. dr. The&oacute;philo Braga &eacute; o facto do nosso
+grande &eacute;pico n&atilde;o poder, com facilidade,
+escapulir-se do t&uacute;mulo em que repousa no Pante&atilde;o
+dos Jer&oacute;nimos, <em>si vera est
+fama</em>! De contr&aacute;rio, o <em>Trincafortes</em>
+era capaz de fazer
+uma das suas. <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Parece-nos que fica suficientemente demonstrado quem &eacute; que
+f&oacute;r&ccedil;a
+interpreta&ccedil;&otilde;es de versos alheios a significarem
+aquilo que imagina...<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[72]</span>
+<h4>2 </h4>
+
+
+<div class="quote2 tinyl">&laquo;Como lhe nasceu no
+espirito a ideia de fazer esta
+descoberta? Pela impress&atilde;o que lhe caus&aacute;ra a
+leitura dos versos de Bernardim Ribeiro e os de Christovam
+Falc&atilde;o&#8213;&laquo;dois poetas de temperamento
+semelhante, com eguaes influencias e educa&ccedil;&otilde;es
+litterarias, com eguaes episodios nos seus infortunados amores, e
+havendo entre ambos versos absolutamente eguaes.&raquo;</div>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature"><em>Do artigo
+&laquo;Movimento
+litter&aacute;rio&raquo;</em></div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Pela transcri&ccedil;&atilde;o que o snr. dr.
+The&oacute;philo Braga indica, p&oacute;de alguem acreditar que
+foram realmente aquelas as palavras por n&oacute;s empregadas no
+nosso estudo. N&atilde;o foram. O ilustre professor modificou a seu
+bel-prazer o que n&oacute;s escrevemos, que se l&ecirc; a
+paginas 6 do nosso livro sobre Bernardim: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+&laquo;Muito embora o temperamento dos dois poetas fosse
+semelhante, mesmo muito semelhante, e eguaes as influ&ecirc;ncias e
+educa&ccedil;&otilde;es
+liter&aacute;rias que houvessem recebido; embora fossem eguaes os
+epis&oacute;dios dos seus infortunados amores, &eacute;
+estranho que por f&oacute;rma tam
+absolutamente semelhante traduzissem o seu sentir, revelassem o seu
+temperamento art&iacute;stico, chegando a empregar versos
+absolutamente eguaes! etc.&raquo;.<br />
+
+
+&nbsp;<br />
+
+
+<br />
+
+
+Porque n&atilde;o reproduziu,
+<em>fielmente</em>, o snr. dr. The&oacute;philo Braga
+aquilo que escrevemos? Estranha maneira de exercer a
+cr&iacute;tica... moderna!<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[73]</span>
+<h4>3 </h4>
+
+
+<div class="quote2 tinyl">
+&laquo;D'aqui o identificar os dois poetas em um unico; como
+conseguil-o? Considerou a individualidade poetica de Cristovam
+Falc&atilde;o como uma lenda estupida formada pelos genealogistas,
+e formou o nome de <em>Crisfal</em> indo buscar
+&aacute; t&ocirc;a &aacute;s palavras <em>Crisma
+falsa</em>, tirando-lhes
+as syllabas iniciaes para designarem a seu talante Bernardim
+Ribeiro.&raquo; </div>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature"><em>Do artigo
+&laquo;Movimento
+litter&aacute;rio&raquo;</em></div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Afirma o snr. dr. The&oacute;philo Braga que consideramos a
+individualidade po&eacute;tica de Cristovam Falc&atilde;o como
+uma lenda est&uacute;pida formada pelos genealogistas... Onde
+encontrou s. ex.<sup>a</sup> a base em que firma a sua
+menos
+verdadeira afirmativa? <br />
+
+
+<br />
+
+
+Vamos reproduzir o que escrevemos a paginas 9/10 do nosso livro, para
+desfazer a arbitr&aacute;ria interpreta&ccedil;&atilde;o do
+venerado professor. <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="quote1">&laquo;Cotej&aacute;mos
+ent&atilde;o as
+refer&ecirc;ncias de Bernardim a Francisco de S&aacute; com a
+alus&atilde;o que na &eacute;cloga de <em>Crisfal</em>
+haviamos interpretado como visando esse poeta, e qual n&atilde;o
+foi a nossa alegria, a nossa viva
+satisfa&ccedil;&atilde;o ao reconhecer que os versos de <em>Crisfal</em>
+que alvejavam Miranda
+condiziam perfeitamente com as refer&ecirc;ncias das
+&eacute;clogas de Bernardim ao seu grande amigo e confidente!
+N&atilde;o condiziam apenas: completavam, aclaravam, a nosso ver,
+essas alus&otilde;es.</div>
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[74]</span>
+<div class="quote1">&laquo;Fez-se ent&atilde;o uma
+grande luz no nosso
+esp&iacute;rito.
+N&atilde;o se tratava de dois poetas muito parecidos, de um creador
+e de um imitador. Bernardim Ribeiro e
+<em>Crisfal</em> eram um &ugrave;nico poeta. O trovador
+Cristovam Falc&atilde;o era o produto de uma lenda nascida da
+interpreta&ccedil;&atilde;o dada pelo vulgo ao anagrama <em>Crisfal</em>.
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+&laquo;E, para que o nosso convencimento mais se robustecesse,
+l&aacute; estavam os dizeres alusivos &aacute; ecloga de
+<em>Crisfal</em> da
+edi&ccedil;&atilde;o de Col&oacute;nia, revelada pelo snr.
+dr. Th. Braga, e estudada pelo snr. Epiph&aacute;nio Dias:
+&laquo;<em>que dizem ser</em> de
+Cristovam Falc&atilde;o, <em>ao que parece
+aludir</em> o nome da mesma &eacute;cloga.&raquo; <br />
+
+
+<br />
+
+
+&laquo;<em>Que dizem ser</em>...
+<em>ao que parece aludir</em>... <br />
+
+
+<br />
+
+
+&laquo;Isto, a nossos olhos, era decisivo. &laquo;Os editores
+de 1559 das obras de Bernardim Ribeiro, e antes de eles os de 1554,
+como depois viemos a apurar, tinham registado com
+rela&ccedil;&atilde;o &aacute;
+&eacute;cloga uma f&aacute;bula que devia datar da primeira
+edi&ccedil;&atilde;o das <em>Trovas de Crisfal</em>,
+etc.&raquo;</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+O que n&oacute;s dissemos, pois, e isso sustent&acirc;mos,
+&eacute; que a individualidade po&eacute;tica de Cristovam
+Falc&atilde;o nascera da errada interpreta&ccedil;&atilde;o
+prestada pelo vulgo ao anagrama
+<em>Crisfal</em>,&#8213;f&aacute;bula que os editores de
+1554 e 1559 das obras de Bernardim Ribeiro tinham registado, <em>sob
+reservas</em>. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Como haviamos n&oacute;s de propalar terem sido os genealogistas
+que formaram a lenda, se os genealogistas, depois de 1554 e 1559,
+&eacute; que foram buscar as <em>tradi&ccedil;&otilde;es
+vagas</em> recolhidas pelos editores de Bernardim? <br />
+
+
+<br />
+
+
+Onde est&atilde;o os genealogistas anteriores &aacute;s
+<span class="pagenum">[75]</span>
+edi&ccedil;&otilde;es de
+Ferrara e de Col&oacute;nia que se
+fizessem &eacute;co da f&aacute;bula do
+<em>Crisfal</em>? <br />
+
+
+<br />
+
+
+Ah! malfadados <em>processos inductivos da
+cr&iacute;tica moderna</em>! <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Diz o snr. dr. The&oacute;philo Braga que n&oacute;s fomos
+buscar <em>&aacute; t&ocirc;a</em> as
+primeiras s&iacute;labas das palavras <em>Crisma</em>
+e
+<em>falso</em> para a nosso alvedrio
+designarem Bernardim Ribeiro! <br />
+
+
+<br />
+
+
+N&atilde;o foi <em>&aacute;
+t&ocirc;a</em>, como inculca o nosso acerbo censor, que
+conseguimos apurar a constitui&ccedil;&atilde;o do
+cript&oacute;nimo <em>Crisfal</em>; e
+que n&atilde;o foi &aacute; t&ocirc;a sabe-o muito bem o
+implacavel critico, que n&atilde;o deixou de ler, e que
+at&eacute; a reproduziu, a
+explica&ccedil;&atilde;o que sobre tal facto demos: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="quote1">&laquo;Alcan&ccedil;ada a
+convic&ccedil;&atilde;o de
+que <em>Crisfal</em> era um anagrama de Bernardim Ribeiro,
+e norteados pelo conhecimento de que nas suas
+produ&ccedil;&otilde;es o poeta mudava constantemente os seus
+nomes pastoris, com um pequeno trabalho de racioc&iacute;nio
+n&atilde;o nos foi dificil deduzir a
+constitui&ccedil;&atilde;o do
+criptograma, que era formado pelas primeiras s&iacute;labas das
+palavras
+<em>Crisma</em> e
+<em>Falso</em>.&raquo;</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+E corroborando estes dizeres do pr&oacute;logo do nosso livro (p.
+10), escrevemos mais adeante (p. 82/83) ao tratar da
+interpreta&ccedil;&atilde;o da
+&eacute;cloga atribuida ao suposto <em>Crisfal</em>,
+Cristovam: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="quote1">&laquo;Bernardim deduziu o
+anagrama com que se denomina n'esta
+&eacute;cloga das palavras <em>Crisma</em> e
+<em>Falso</em>, de que aproveitou as primeiras
+s&iacute;labas, formando assim a palavra <em>Crisfal</em>.</div>
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[76]</span>
+<div class="quote1">&laquo;Os nomes pastoris que
+figuram n'esta &eacute;cloga,
+obedecendo &aacute; ideia que fundamentou a
+composi&ccedil;&atilde;o, s&atilde;o todos &ecirc;les
+<em>crismas falsos</em>, sendo dificil profundar quaes as
+personagens reaes que o poeta p&ocirc;s em scena, o que deu lugar a
+errad&iacute;ssimas
+interpreta&ccedil;&otilde;es, contribuindo para que tomasse
+vulto a lenda, que resultou do pr&oacute;prio anagrama <em>Crisfal</em>,
+que foi tomado como deduzido dos nomes de Cristovam
+Falc&atilde;o.&raquo;</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+N&atilde;o foi &aacute; t&ocirc;a mas seguindo uma
+orienta&ccedil;&atilde;o criteriosa, que
+alcan&ccedil;&aacute;mos a verdade, que nenhuma
+subtileza conseguir&aacute; destruir j&aacute; agora. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Outro-tanto n&atilde;o se p&oacute;de dizer da maneira pela
+qual o snr. dr. The&oacute;philo Braga conseguiu, por exemplo:
+decretar os <b>cantos de ledino, estampar como documento do
+s&eacute;culo XVI um ap&oacute;crifo contendo versos do
+s&eacute;culo XVIII, e fazer Cam&otilde;es bacharel formado...
+em latim pela Universidade de Coimbra</b>! <br />
+
+
+<br />
+
+
+Se n&oacute;s, invocando esses precedentes, ousassemos retorquir
+que <em>&aacute;
+t&ocirc;a</em> costumava proceder o escritor que
+contradit&acirc;mos, ca&iacute;a-nos em cima o Carmo e a
+Trindade! <br />
+
+
+<br />
+
+
+<em>&Aacute; t&ocirc;a!</em>...
+&Eacute; realmente forte, e n&atilde;o deixa de ofender. <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<h4>4 </h4>
+
+
+<div class="quote2 tinyl">&laquo;Mas, como se
+p&oacute;de chamar estupida a lenda
+genealogica se os nomes contidos na &eacute;cloga de <em>Crisfal</em>
+condizem com os seus
+parentes taes como o de <em>Pantale&atilde;o</em> Dias
+de
+Landim, seu av&ocirc;, e a Joanna, que lhe denuncia o casamento
+clandestino, uma prima, como o notou o snr. Jord&atilde;o de
+Freitas?&raquo; </div>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature"><em>Do artigo
+&laquo;Movimento
+litter&aacute;rio&raquo;.</em></div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[77]</span>
+<em>Lenda geneal&oacute;gica</em>, chama
+o snr. dr. The&oacute;philo Braga &aacute; lenda do <em>Crisfal</em>,
+como se fossem os genealogistas que a inventassem, quando s. ex.<sup>a</sup>
+muito bem sabe que estes n&atilde;o
+tiveram tal primasia... O caso est&aacute; sobejamente debatido, e
+por isso n&atilde;o vale a pena perder mais tempo com tam ruim
+defunto. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Tratemos do <em>Pantale&atilde;o</em>... <br />
+
+
+<br />
+
+
+Na ecl&oacute;ga de
+<em>Crisfal</em>, refere se Bernardim ao <em>Val de
+Pantale&atilde;o</em>... <br />
+
+
+<br />
+
+
+O snr. dr. The&oacute;philo Braga, interpretando erradamente uma
+passagem da <em>Pedatura</em>
+do genealogista Al&atilde;o de Moraes, em que se mencionava o
+casamento de uma parenta remota de Maria Brand&ocirc;a com um
+Jo&atilde;o
+<em>Patalim</em>, escreveu a pag. 344 do seu livro <em>Bernardim
+Ribeiro e o Bucolismo</em>: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="quote1">&laquo;Pelo Manuscripto
+j&aacute; citado de Al&atilde;o
+de Moraes acha-se noticia do aqui chamado <em>Val de
+Pantale&atilde;o</em>: D.
+Joanna, tia av&oacute; de D. Maria Brand&atilde;o, casara a
+primeira vez com Jo&atilde;o
+<em>Pantali&atilde;o</em>;
+etc.&raquo;</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+No nosso estudo sobre Bernardim Ribeiro, desfizemos esse erro,
+escrevendo a pag. 159: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="quote1">
+&laquo;O ilustre professor equivocou-se na leitura do texto.
+N&atilde;o se trata de nenhum Jo&atilde;o
+<em>Pantali&atilde;o</em>, como
+erradamente leu, mas sim de um Jo&atilde;o
+<em>Patalim</em>, que &eacute; o que se l&ecirc; no
+manuscrito de Al&atilde;o de Moraes, como verific&aacute;mos
+por nossos pr&oacute;prios olhos.&raquo;</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Desfeita essa interpreta&ccedil;&atilde;o, n&atilde;o se
+d&aacute; o snr.
+<span class="pagenum">[78]</span>
+dr.
+The&oacute;philo Braga por vencido, e vae agarrar-se a um avoengo
+de Maria Brand&ocirc;a para justificar a refer&ecirc;ncia ao <em>Val
+de
+Pantale&atilde;o</em>... <br />
+
+
+<br />
+
+
+Quanto &aacute; <em>Joana</em>, o caso
+n&atilde;o &eacute; menos interessante... <br />
+
+
+<br />
+
+
+Vejamos o que, no seu <em>Bernardim Ribeiro e o Bucolismo</em>
+(pag. 342), escreveu o snr. dr.
+The&oacute;philo Braga em 1897: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="quote1">&laquo;Esta Joanna, que denunciou
+os amores de Crisfal e Maria,
+era D. Joanna Pereira, sua irm&atilde; mais velha; Maria era a mais
+nova, de cinco filhos que tinha o Contador Jo&atilde;o
+Brand&atilde;o.&raquo;</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Foi esta mais uma <em>gaffe</em> em que o
+snr. dr. The&oacute;philo incorreu, por haver confiado
+demasiadamente nos cr&eacute;ditos do genealogista Al&atilde;o
+de Moraes. <br />
+
+
+<br />
+
+
+A pag. 162 do nosso livro sobre o <em>Poeta Crisfal</em>,
+desfizemos esse erro, escrevendo: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="quote1">&laquo;Maria Brand&atilde;o, a
+lend&aacute;ria amada do <em>Crisfal</em>,
+n&atilde;o teve nenhuma
+irman! era filha &uacute;nica!&raquo;</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Em face da corrigenda, o distinto escritor n&atilde;o se sentiu com
+coragem para sentencear que Joana era irman natural de Maria
+Brand&ocirc;a, mas procurou arranjar (iamos a escrever <em>&aacute;
+t&ocirc;a</em>, mas n&atilde;o tivemos coragem) outra
+Joana, e, &aacute; primeira que encontrou &aacute;
+m&atilde;o, chamou-a em seu aux&iacute;lio. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Dera-se o caso de o snr. Jord&atilde;o de Freitas, distinto
+funcion&aacute;rio da biblioteca da Ajuda, no louvavel empenho de
+auxiliar aqueles que
+<span class="pagenum">[79]</span>
+quisessem
+discutir a quest&atilde;o liter&aacute;ria suscitada pelo nosso
+livro, publicar no &laquo;Diario de Noticias&raquo; o resultado
+das suas pesquizas nos arquivos, reproduzindo quanto julgou
+interessante para o estudo do problema. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Fez s. ex.<sup>a</sup> men&ccedil;&atilde;o de uma
+parenta de Maria Brand&ocirc;a com o nome de Joana... <br />
+
+
+<br />
+
+
+Como um naufrago, que se agarra &aacute; primeira t&aacute;boa
+que lobriga ao alcance da m&atilde;o, o snr. dr.
+The&oacute;philo agarrou-se (no bom sentido da palavra, bem
+entendido!) &aacute; sobre-dita Joana, e, radiante de
+contentamento, exclamou:&#8213;&laquo;Estou salvo!&raquo; <br />
+
+
+<br />
+
+
+E, julgando-se, realmente, salvo da rascada, escreveu ufano: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="quote1">
+&laquo;...a Joanna, que lhe denuncia o casamento clandestino,
+uma prima, como o notou o sr. Jord&atilde;o de Freitas.&raquo;
+</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+A esse engano de alma, ledo e cego, foi arranc&aacute;-lo o snr.
+Jord&atilde;o, desapiedadamente na carta que, a
+prop&oacute;sito, dirigiu ao
+&laquo;Dia&raquo;, e de que reproduziremos a parte essencial: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="quote1">&laquo;O sr. dr.
+The&oacute;philo Braga equivocou-se na sua
+referencia a Joanna e ao que diz ter sido notado por mim.
+<div class="dots"><br />
+
+
+</div>
+
+
+<br />
+
+
+...tive unicamente em vista assentar que Joanna Brand&atilde;o
+n&atilde;o era tia av&oacute; de Maria Brand&atilde;o, como
+erroneamente escrevera o sr. dr. Theophilo Braga, mas sim sua prima
+remota.</div>
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[80]</span>
+<div class="quote1">&laquo;T&atilde;o remota,
+direi agora, que era neta de um
+irm&atilde;o (Diogo Lopes Brand&atilde;o) do 4.&ordm;
+av&ocirc;
+(Gon&ccedil;alo Brand&atilde;o) de
+Maria Brand&atilde;o (Bibliotheca Real da Ajuda, 49-XII-28, pag.
+259). <br />
+
+
+<br />
+
+
+&laquo;Sendo assim, nem &eacute; presumivel que aquella
+chegasse a viver no tempo de Maria Brandoa, quanto mais que andasse a
+pastorear com ella, etc.&raquo;<sup><a href="#9">[9]</a></sup></div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Veremos, depois de este insuc&eacute;sso, que nova Joana nos
+apresentar&aacute; na primeira oportunidade o distinto escritor... <br />
+
+
+<br />
+
+
+Quem sabe se a Joana do <em>Crisfal</em>
+n&atilde;o teria sido aquela encantadora Joaninha dos olhos verdes,
+que tanto enfeiti&ccedil;ou Garrett... Mas n&atilde;o; em caso
+contr&aacute;rio o autor das
+<em>Viagens</em> n&atilde;o deixaria de mencionar essa
+circunst&acirc;ncia! <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="break">
+<hr /></div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Na estrofe de Bernardim Ribeiro, na &eacute;cloga <em>Crisfal</em>,
+em que a amada do poeta se
+refere a ter passado para o <em>casal da Figueira</em>
+do <em>Val de Pantale&atilde;o</em>,
+designa&ccedil;&otilde;es que a nosso ver disfar&ccedil;am,
+sob <em>falsos crismas</em>, os nomes
+verdadeiros da casa e localidade para onde se transferiu, talvez
+ap&oacute;s o casamento, a decantada
+<em>Aonia</em>, encontra-se, n&iacute;tida, a
+alus&atilde;o &aacute; ultima
+entrevista dos namorados: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="poetry">&laquo;Quando contigo falei<br />
+
+
+aquela ultima vez,<br />
+
+
+o choro que
+ent&atilde;o chorei,</div>
+
+
+<span class="pagenum">[81]</span>
+<div class="poetry">que o teu chorar me fez,<br />
+
+
+nunca o
+esquecerei.<br />
+
+
+Foi esta a vez derradeira,<br />
+
+
+mas come&ccedil;o de
+paix&atilde;o,<br />
+
+
+passando-me eu ent&atilde;o <br />
+
+
+era o casal da
+Figueira<br />
+
+
+do Val de Pantali&atilde;o.&raquo;</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Achamos interessante reproduzir, n'esta altura, do cap&iacute;tulo
+XXVIII da <em>Menina e
+mo&ccedil;a</em>, os periodos referentes &aacute; ultima
+entrevista de
+<em>Bimnarder e Aonia</em> para que os leitores, com maior
+facilidade, possam orientar o seu juizo, verificando a absoluta
+identidade entre as duas produ&ccedil;&otilde;es de Bernardim
+Ribeiro: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+&laquo;...Buscando achaque de querer l&aacute; ir pera
+detraz das casas, levando Enis consigo, ouve tempo pera Aonia entrar
+onde elle (Bimnarder) estava ent&atilde;o deitado, escontra a outra
+parte da parede, chorando, porque n&atilde;o vira Aonia ao passar,
+que bem se podera elle erguer. E como isto perdera, cuidava tambem que
+avia de perder a tornada; porque um mal nunca lhe viera sem outro; pelo
+que estava no maior pranto do mundo, antre si. <br />
+
+
+<br />
+
+
+&laquo;Entrada Aonia, deteve-se um pouco, e sentiu que elle
+chorava, e suspirava baixo, de maneira que como, naquello, se
+for&ccedil;ava a si mesmo. <br />
+
+
+<br />
+
+
+&laquo;Ella, para ver se poderia saber o porqu&ecirc;, que tudo
+desejava saber d'elle, deteve-se ainda mais; mas elle, com pensamentos
+muitos, que sobrevinham ao choro, mais o acrescentava do que o
+diminuia. <br />
+
+
+<br />
+
+
+&laquo;Assentando-se ent&atilde;o Aonia na borda d'aquella sua
+pobre cama, lhe p&ocirc;s a m&atilde;o, e quisera-lhe
+<span class="pagenum">[82]</span>
+dizer alguma cousa, mas
+n&atilde;o p&ocirc;de, que lhe faleceu o espirito. <br />
+
+
+<br />
+
+
+&laquo;Virando-se Bimnarder, e vendo a, tambem
+lhe faleceu o seu. <br />
+
+
+<br />
+
+
+&laquo;Estiveram assi ambos um grande peda&ccedil;o sem se
+dizerem nada um ao outro: e elle, com os olhos postos em Aonia, e Aonia
+postos os seus no ch&atilde;o, que, em se virando Birmnarder, tomou
+vergonha. Levando-os assi &aacute; terra, cobriu-se-lhe o seu
+fermoso rosto de uma tamalavez de c&ocirc;r, alem da natural; e
+so&iacute;a dizer meu pae (que parte d'esta historia em seu tempo
+se soubera) que n&atilde;o parecia se n&atilde;o que viera
+aquella c&ocirc;r como por ajudar ainda Aonia escontra Bimnarder,
+tam formosa a ella, formosa, fizera. <br />
+
+
+<br />
+
+
+&laquo;Mas, estando assi nisto elles ambos, e n&atilde;o
+estando elles ambos ali, chegou Enis muito rijo &aacute; porta,
+dizendo que se queriam j&aacute; ir, e que a mandavam chamar. <br />
+
+
+<br />
+
+
+&laquo;Assi, foi for&ccedil;ado levantar-se Aonia, e
+ir se, e Bimnarder ver tudo, e ficar. <br />
+
+
+<br />
+
+
+&laquo;Mas Aonia, que bem via os olhos de Bimnarder como ficavam,
+tomou uma manga de sua camisa, e, rompendo-a, pera remedio de suas
+lagrimas lh'a deu, significando, na maneira s&oacute; de como lha
+deu, o pera que lh'a dava; que parece que a dor grande que sentia
+n&atilde;o lh'o deixou dizer por palavras; mas, em lh'a dando,
+p&ocirc;s os olhos nos seus, dizendo-lhe s&oacute; assi: <br />
+
+
+<br />
+
+
+&#8213;&laquo;Pesa-me, pois a minha ventura ou desaventura,
+n&atilde;o quis que eu vos deixasse de magoar com o que eu
+n&atilde;o quisera.&raquo;&#8213; <br />
+
+
+<br />
+
+
+&laquo;E estas palavras lhe disse j&aacute; fora da porta. <br />
+
+
+<br />
+
+
+&laquo;E com ellas, e com o que sentiu ao dizer
+<span class="pagenum">[83]</span>
+d'ellas, duas e duas, lhe
+come&ccedil;aram as lagrimas a correr dos seus fermosos olhos, e,
+pelas suas faces fermosas abaixo, lhe iam fazendo carreiras por onde
+iam, que Bimnarder a tanto pranto convidou quanta era a
+rez&atilde;o d'elle, pois perdia a vista. <br />
+
+
+<br />
+
+
+&laquo;Foi tanto o choro, que n&atilde;o lhe abastavam os seus
+olhos &aacute;s suas lagrimas...&raquo;<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<h4>5 </h4>
+
+
+<div class="quote2 tinyl">&laquo;Os manuscriptos
+conhecidos de Bernardim Ribeiro andavam
+ligados com os de Christovam Falc&atilde;o, como se v&ecirc;
+pela
+descrip&ccedil;&atilde;o do n.&ordm; 180 da Livraria do
+Conde de Vimieiro: Obras em prosa e verso de S&aacute; de Miranda,
+Bernardim Ribeiro e Christovam Falc&atilde;o;&raquo; </div>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature"><em>Do artigo
+&laquo;Movimento
+litter&aacute;rio&raquo;.</em></div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+&Eacute; com verdadeiro pesar que vemos o encanecido trabalhador
+recorrer a processos como o que ressalta da
+afirma&ccedil;&atilde;o que deixamos
+transcrita, s&oacute; pela caturrice de n&atilde;o querer
+confessar que errou... <br />
+
+
+<br />
+
+
+O leitor desprevenido ficou julgando, certamente, por honra da firma
+que subscrevia o artigo <em>Movimento litterario</em>, que
+na
+livraria do Conde de Vimieiro tinham existido <em>os manuscritos
+conhecidos de Bernardim Ribeiro</em>, que
+<em>andavam ligados com os de Christovam Falc&atilde;o</em>...
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Pois, se tal ficou julgando, enganou-se redondamente. <br />
+
+
+<br />
+
+
+O snr. dr. The&oacute;philo Braga adulterou a verdade dos factos,
+procurando talvez iludir-se a si proprio, pois n&atilde;o podemos
+admitir que s.
+<span class="pagenum">[84]</span>
+ex.<sup>a</sup>
+imaginasse, por tal processo, mistificar
+alguem. &Eacute; at&eacute; possivel, muitissimo provavel
+mesmo, que o ilustre escritor n&atilde;o pesasse devidamente as
+palavras de que se serviu, e que assim incorresse, na melhor boa
+f&eacute;, n'uma indesculpavel inexactid&atilde;o. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Vejamos onde o snr. dr. The&oacute;philo Braga foi fazer a
+descoberta preciosa dos <em>manuscritos conhecidos de Bernardim
+Ribeiro</em>... <br />
+
+
+<br />
+
+
+Ao n.&ordm; 180 do catalogo da Livraria do Conde de Vimieiro, como
+consta do tomo V da
+<em>Colle&ccedil;am dos documentos, e memorias da Academia
+Real da Historia Portugueza</em>. <br />
+
+
+<br />
+
+
+O distinto professor n&atilde;o indicou a
+<em>fonte</em>, certamente por lapso, mas n&oacute;s
+conseguimos descobri-la sem carecer do aux&iacute;lio de
+<em>dunguinha</em>. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Ou&ccedil;amos agora a confer&ecirc;ncia do Conde da Ericeira,
+D. Francisco Xavier de Menezes, em rela&ccedil;&atilde;o ao
+codice N.&ordm; 180: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="quote1">&laquo;Tem o volume que examinei
+287 folhas, as quaes nos
+primeiros numeros eram 330, porem as que lhe falt&atilde;o, parecem
+mudadas para outras Collec&ccedil;&otilde;es, e sendo a letra,
+e papel de duzentos annos de antiguidade, pois a folhas 122 se
+acab&atilde;o as noticias com a morte del Rei D. Manoel, que foi a
+13 de Dezembro de 1521; se conserva este manuscripto inteiro, e em bom
+estado
+<div class="dots"><br />
+
+
+</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+(Traz a divis&atilde;o do livro em 5 partes e segue: </div>
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum"><a name="p85">[85]</a></span>
+<div class="quote1">&laquo;A segunda
+divis&atilde;o deste livro consiste em algumas
+Memorias de successos raros de Europa, como s&atilde;o uma carta
+del Rei Ludovico de Hungria para o Emperador na ultima batalha que deu
+ao Turco, uma
+Rela&ccedil;&atilde;o dos infelizes principios de Luthero, e
+outros. Seguem-se cartas de homens celebres d'aquelle tempo pelo seu
+engenho, e gra&ccedil;a, que entre as alus&otilde;es jocoserias
+descobrem memorias particulares: deste genero s&atilde;o sete de
+Antonio Ribeiro Chiado, duas de Louren&ccedil;o de Caceres, e
+outros. As obras em prosa, e verso de Francisco de S&aacute; de
+Miranda, as de Bernardim Ribeiro, Christov&atilde;o
+Falc&atilde;o, Andr&eacute; Soares, Francisco de Moraes, Gil
+Vicente, Duarte de Oliveira, o Bar&atilde;o D. Diogo Lobo, e outros
+Poetas antigos, servem de verificar as varias
+li&ccedil;&otilde;es das impressas, e de restituir as
+manuscriptas.&raquo;<sup><a href="#10">[10]</a></sup></div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Como se v&ecirc;, por uma f&oacute;rma irrefragavel,
+n&atilde;o se tratava dos manuscritos conhecidos de Bernardim
+Ribeiro, <a href="#e6">como</a> n&atilde;o se
+tratava egualmente de
+manuscritos de Cristovam Falc&atilde;o... <br />
+
+
+<br />
+
+
+Tratava-se de uma miscel&aacute;nea manuscrita, em prosa e verso,
+que continha produ&ccedil;&otilde;es de v&aacute;rios
+poetas, e, entre essas, as que se atribuiam ao suposto <em>Crisfal</em>.
+A simples
+cita&ccedil;&atilde;o do nome de Cr. Falc&atilde;o logo
+ap&oacute;s o de Bernardim n&atilde;o bastar&aacute; para
+se ajuizar que no manuscrito havia c&oacute;pia das poesias que nas
+obras de B. Ribeiro vinham atribuidas, sob reservas, ao suposto
+trovador? <br />
+
+
+<br />
+
+
+Se n&oacute;s, para documentarmos o nosso livro
+<span class="pagenum">[86]</span>
+<em>Bernardim
+Ribeiro</em>, tivessemos
+recorrido a expedientes semelhantes, como n&atilde;o seriamos
+julgados pelo snr. dr. The&oacute;philo! <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<h4>6 </h4>
+
+
+<div class="quote2 tinyl">&laquo;tambem o Arcediago do
+Barreiro, dr. Jeronymo
+Jos&eacute; Rodrigues examinou no Porto um manuscripto analogo ao
+das edi&ccedil;&otilde;es de 1559, em que vinham a <em>Menina
+e Mo&ccedil;a</em>, duas
+eclogas de Bernardim Ribeiro&#8213;&laquo;e at&eacute; se acham no
+fim algumas poesias de Christovam Falc&atilde;o, do que se faz
+men&ccedil;&atilde;o no mesmo logar de Nicol&aacute;o
+Antonio.&raquo; (Innocencio, <em>Dicc. Bibliog.</em>)&raquo;
+</div>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature"><em>Do artigo
+&laquo;Movimento
+litterario&raquo;.</em></div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+O arcediago do Barreiro, invocado pelo snr. dr. The&oacute;philo
+Braga, era o arcediago do Barroso, cujos apontamentos manuscritos foram
+explorados por Innocencio. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Vejamos o que o benem&eacute;rito bibli&oacute;filo escreveu a
+pag. 379 do seu <em>Diccionario Bibliographico portuguez</em>:
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="quote1">&laquo;Nos apontamentos
+manuscriptos do arcediago de Barroso
+Jeronymo Jos&eacute; Rodrigues, de que j&aacute; outras vezes
+me aproveitei n'este volume, encontro &aacute;cerca do auctor da <em>Menina
+e mo&ccedil;a</em> o
+trecho que se segue: </div>
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[87]</span>
+<div class="quote2">&laquo;As obras de Bernaldim
+Ribeiro (que assim se acha escripto
+o seu nome no manuscripto que lemos, e assim diz Nicolau Antonio na <em>Bibl.
+Hispanica</em>, que vulgarmente era chamado) por sua muita
+raridade s&atilde;o difficeis de encontrar, e duvidamos que
+se hajam impresso todas. A <em>Bibl.
+Lus.</em> faz s&oacute; men&ccedil;&atilde;o da
+Menina e
+mo&ccedil;a, ou <em>Saudades de Bernardim Ribeiro</em>.
+Al&eacute;m das impress&otilde;es que alli cita, que
+s&atilde;o tres, faz Nicolau Antonio men&ccedil;&atilde;o
+de uma, impressa em Lisboa em 1559, em 8.&ordm;, que em tudo tem
+muita semilhan&ccedil;a com o manuscripto, que tivemos alguns
+tempos em nossa m&atilde;o, e que vamos aqui extractar. O titulo em
+nada desmente do que traz a <em>Bibl. Hisp.</em>, e
+at&eacute; se acham no fim algumas poesias de Christovam
+Falc&atilde;o, de que se faz men&ccedil;&atilde;o n'este
+mesmo logar de Nicolau Antonio.&#8213;O titulo que se l&ecirc; no
+manuscripto &eacute;: <em>Historia da Menina e
+mo&ccedil;a, por Bernaldim Ribeiro</em>. Principia:
+<span style="font-style: italic;">&laquo;</span><em>Menina
+e mo&ccedil;a me levaram de
+casa de minha may para muito longe</em>&raquo;, e acaba:
+&laquo;<em>Com demasiada ira disse contra a Donzela que ho
+aly trouxera estas
+palavras</em>&raquo;. Consta de historia em prosa, e inclue
+em alguns lugares poesias de gosto s&atilde;o e pura linguagem,
+etc. E al&eacute;m da historia, acham-se no manuscripto duas
+eclogas de que o abbade Barbosa talvez n&atilde;o teve noticia. Na
+primeira s&atilde;o interlocutores Persio e Fauno; principia:
+&laquo;<em>Nas selvas junto do mar</em>&raquo;, e
+consta de trinta e quatro estancias de dez versos cada uma.&#8213;Na segunda
+s&atilde;o interlocutores Jano e Franco, principia:
+&laquo;Dizem que havia um pastor&raquo;, e acaba:
+&laquo;Tambem tempo &eacute; tormento.&raquo;</div>
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[88]</span>
+<div class="quote2">&laquo;De tudo o que diz aqui o
+arcediago de Barroso concluo, que
+n&atilde;o s&oacute; elle ignorou a existencia da moderna
+edi&ccedil;&atilde;o da <em>Menina e mo&ccedil;a</em>,
+feita em
+Lisboa no anno de 1785, mas tambem s&oacute; conheceu de nome as
+edi&ccedil;&otilde;es anteriores sem que lograsse ter presente
+algumas d'ellas, pois que a tel-as visto, nenhuma novidade encontraria
+nas duas &eacute;clogas que cita do tal manuscripto, onde pelo que
+se mostra faltavam todas as outras j&aacute; ent&atilde;o
+impressas.&raquo;</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+N&atilde;o conheceu Innocencio a edi&ccedil;&atilde;o das
+obras de Bernardim Ribeiro publicada em Ferrara em 1554, porque se a
+houvesse conhecido logo concluiria que o manuscrito examinado pelo
+arcediago de Barroso outra cousa n&atilde;o era mais do que uma
+c&oacute;pia incompleta d'essa
+edi&ccedil;&atilde;o. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Ignora o, porventura, o snr. dr.
+The&oacute;philo Braga? <br />
+
+
+<br />
+
+
+Se o n&atilde;o ignora, para que veio a p&uacute;blico com a
+cita&ccedil;&atilde;o incompleta da passagem do
+Diccion&aacute;rio de Innoc&ecirc;ncio? <br />
+
+
+<br />
+
+
+Bom servi&ccedil;o prestou o arcediago de Barroso trasladando o
+per&iacute;odo inicial na novela na
+edi&ccedil;&atilde;o de 1554, conforme o manuscrito que teve
+entre m&atilde;os: &laquo;Menina e mo&ccedil;a me levaram
+de casa de minha may...&raquo; <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<h4>7 </h4>
+
+
+<div class="quote2 tinyl">&laquo;Para que chamar
+ineptos aos editores de Ferrara de 1554 e
+de Colonia de 1559, por terem reproduzido esses textos manuscriptos
+como os encontraram?&raquo; </div>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature"><em>Do artigo
+&laquo;Movimento
+litterario&raquo;</em>.</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[89]</span>
+Cham&aacute;mos ineptos aos editores das obras de Bernardim
+Ribeiro, e que n&atilde;o erramos em nossa
+aprecia&ccedil;&atilde;o demonstra-o evidentemente o
+pr&oacute;prio snr. dr. The&oacute;philo Braga, quando na carta
+que nos escreveu, referindo-se &aacute;s
+edi&ccedil;&otilde;es
+de Ferrara e de Col&oacute;nia, diz terem sido feitas <em>por
+curiosos sem crit&eacute;rio litter&aacute;rio</em>. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Se esses curiosos n&atilde;o fossem ineptos, podia porventura o
+ilustre professor negar-lhes
+<em>crit&eacute;rio</em>? <br />
+
+
+<br />
+
+
+As r&uacute;bricas da edi&ccedil;&atilde;o de
+Col&oacute;nia, em 1559, s&atilde;o
+reprodu&ccedil;&atilde;o das de 1554, como o
+snr. dr. The&oacute;philo Braga n&atilde;o desconhece. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Pertencem as r&uacute;bricas da edi&ccedil;&atilde;o de
+1554 ao seu editor ou este n&atilde;o fez mais do que reproduzi-las
+da primeira edi&ccedil;&atilde;o? <br />
+
+
+<br />
+
+
+Sem que seja conhecida a edi&ccedil;&atilde;o principe das
+obras de Bernardim Ribeiro, n&atilde;o &eacute; possivel
+aclarar este ponto, mas o que ninguem p&oacute;de dizer com
+autoridade &eacute; que taes
+r&uacute;bricas: &laquo;que dizem ser... ao que parece
+aludir...&raquo; pertencessem aos manuscritos do infortunado
+Bernardim. <br />
+
+
+<br />
+
+
+&laquo;Por terem reproduzido <em>esses
+textos</em> manuscriptos como os encontraram&raquo;, escreveu
+o snr. dr. The&oacute;philo Braga, procurando incutir que taes
+edi&ccedil;&otilde;es foram feitas sobre os manuscritos
+pertencentes ao Conde de Vimieiro e sobre o outro examinado pelo
+arcediago do Barroso! <br />
+
+
+<br />
+
+
+A primeira edi&ccedil;&atilde;o das obras do poeta bucolista
+resultou dos manuscritos de Bernardim Ribeiro, recolhidos
+ap&oacute;s a morte do apaixonado cantor de Joana, ou no ultimo
+per&iacute;odo da sua desventurada exist&ecirc;ncia, e dados
+&aacute; estampa por qualquer curioso sem crit&eacute;rio
+liter&aacute;rio... <br />
+
+
+<br />
+
+
+E proclamando isto, que representa a express&atilde;o
+<span class="pagenum"><a name="p90">[90]</a></span>
+do nosso sentir pessoal,
+estamos convencidos de que est&aacute; com a nossa
+opini&atilde;o o snr. dr. The&oacute;philo Braga, que sempre
+tem sustentado que as edi&ccedil;&otilde;es das obras de
+Bernardim se fizeram sobre os manuscritos encontrados no seu
+esp&oacute;lio....<br />
+
+
+<br />
+
+
+Mudar&aacute; s. ex.<sup>a</sup> de
+orienta&ccedil;&atilde;o?
+At&eacute; prova em contr&aacute;rio, n&atilde;o
+acreditamos. <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<h4>8 </h4>
+
+
+<div class="quote2 tinyl">&laquo;...o dr. Alfredo da
+Cunha deu alentos &aacute; grande
+descoberta...&raquo; </div>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature"><em>Do artigo
+&laquo;Movimento
+litter&aacute;rio&raquo;</em></div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+&laquo;<em>Grande
+descoberta</em>&raquo;, &eacute; como o snr. dr.
+The&oacute;philo Braga chama, ironicamente, ao resultado dos nossos
+trabalhos... Pequena ou grande descoberta, o facto &eacute; que
+est&agrave; de p&eacute;,
+n&atilde;o conseguindo o abalisado professor destrui-la. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Compreendemos bem que isso seja pouco agradavel a s. ex.<sup>a</sup>,
+que tanto se havia
+<a href="#e7">empenhado</a> em p&ocirc;r um
+pedregulho sobre o caso do
+poeta <em>Crisfal</em>, mas n&oacute;s,
+s&oacute; pelo prazer de ser agradaveis ao ilustre escritor,
+&eacute; que n&atilde;o vamos ressuscitar o trovador Cristovam
+Falc&atilde;o. Deix&aacute;-lo dormir em paz, serenamente. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Quanto a descobertas grandes, lembra-nos citar uma que <em>in
+illo tempore</em> fez o
+snr. dr. The&oacute;philo Braga... <br />
+
+
+<br />
+
+
+Dirigia o distinto poeta snr. Joaquim de Araujo uma
+publica&ccedil;&atilde;o camoneana, cujo
+t&iacute;tulo nos n&atilde;o ocorre. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Vae se n&atilde;o quando recebe uma
+comunica&ccedil;&atilde;o do snr. dr. The&oacute;philo
+Braga... Uma descoberta
+<span class="pagenum">[91]</span>
+importante... Nada menos que um parente ignorado do grande
+&eacute;pico Luis de Cam&otilde;es. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Chamava-se o homem <em>Pero
+Cam&otilde;es</em>, segundo o ilustre professor lera,
+radiante, em determinado texto... <br />
+
+
+<br />
+
+
+Pois, senhores, na volta do correio, Joaquim de Araujo prevenia
+generosamente o Mestre de que este errara a leitura do texto... O <em>Pero
+Cam&otilde;es</em> do snr. dr. The&oacute;philo
+Braga era um simples e inofensivo <b>pero
+camo&ecirc;s</b>! <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<h4>9 </h4>
+
+
+<div class="quote2 tinyl">&laquo;No noticiario de
+outro jornal sairam
+affirma&ccedil;&otilde;es absolutas, proclamando a sensacional
+descoberta, com uma sinceridade inconsciente que affasta de todo a
+ideia de ironia.&raquo; </div>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature"><em>Do artigo
+&laquo;Movimento
+litter&aacute;rio&raquo;</em></div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Por esta f&oacute;rma pouco...
+<em>generosa</em> se referiu o snr. dr.
+The&oacute;philo Braga &aacute;s palavras de
+caloroso elogio com que o ilustre escritor snr. Jos&eacute; Pereira
+Sampaio, em carta publicada no &laquo;Diario da Tarde&raquo;,
+do Porto, valorizou com o prest&iacute;gio do seu nome o fruto do
+nosso trabalho. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Contra a injusta aprecia&ccedil;&atilde;o do professor do Curso
+Superior de Letras, j&aacute; lavr&aacute;mos o nosso protesto,
+de amigos e admiradores de
+<em>Bruno</em>, no artigo que public&aacute;mos na
+&laquo;Lucta&raquo; e
+que vae transcrito no primeiro cap&iacute;tulo d'este livro. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Quando mesmo, o que n&atilde;o sucede, o ilustre escritor portuense
+estivesse em erro, era digna de todo o respeito a sua
+opini&atilde;o, e n&atilde;o seria
+<span class="pagenum">[92]</span>
+nunca o snr. dr. The&oacute;philo Braga,
+com a sua consciente falta de sinceridade, quem teria direito para o
+arguir pela maneira ins&oacute;lita por que o fez. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Ser&aacute;, porventura, o
+<em>positivismo</em> inimigo inconciliavel da
+Justi&ccedil;a? <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<h4>10 </h4>
+
+
+<div class="quote2 tinyl">&laquo;A verdadeira
+descoberta pertence ao snr. Braancamp Freire
+determinando a epoca em que esteve em Flandres Jo&atilde;o
+Brand&atilde;o Sanches, e quando elle morreu, dando nos assim a
+data em que existiram os amores de sua filha unica D. Maria
+Brand&atilde;o, a do Crisfal, que plausivelmente se fixam em 1530.
+O documento de 1527 refere se a Christovam Falc&atilde;o, com a
+ten&ccedil;a de mo&ccedil;o
+fidalgo leva a deduzir que nascera em 1512.&raquo; </div>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature"><em>Do artigo
+&laquo;Movimento
+litter&aacute;rio&raquo;</em></div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Fixa o snr. dr. The&oacute;philo em 1530 os amores do suposto poeta
+com a sua suposta amada Maria Brand&ocirc;a. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Muito bem. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Admitindo que assim fosse, s&oacute; depois de 1530 Cristovam
+Falc&atilde;o poderia ter produzido a <em>Carta</em> e
+a
+<em>&Eacute;cloga</em> que lhe foram
+atribuidas... <br />
+
+
+<br />
+
+
+Ora como podia isto ser, em face dos <em>processos inductivos da
+critica moderna</em>, tam preconizados pelo snr. dr.
+The&oacute;philo Braga? <br />
+
+
+<br />
+
+
+Ou&ccedil;amos a li&ccedil;&atilde;o autorizada do ilustre
+professor, que se l&ecirc; a pag. 4 da sua chamada
+edi&ccedil;&atilde;o das obras de Cristovam Falc&atilde;o: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+&laquo;<b>Se Christovam Falc&atilde;o escrevesse
+depois de 1527, quando S&aacute; de Miranda propagou as
+<span class="pagenum">[93]</span>
+f&oacute;rmas
+da poetica italiana, teria
+ent&atilde;o adoptado o verso endecasyllabo, a f&oacute;rma da
+OUTAVA e do TERCETO, o SONETO, e teria perdido o conceito
+proven&ccedil;alesco dos poetas que seguiam o INFERNO DO AMOR;
+Falc&atilde;o desconheceu esta nova poetica.</b>&raquo;
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Pela mesma maneira se exprimiu o snr. dr. The&oacute;philo Braga na
+sua edi&ccedil;&atilde;o de
+<em>Bernardim Ribeiro e os Bucolistas</em>. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Repudia s. ex.<sup>a</sup> o que com tanta clareza e
+precis&atilde;o deixou estampado? <br />
+
+
+<br />
+
+
+Seria caso para invocar o <em>era, n&atilde;o era,
+andava lavrando</em>... <br />
+
+
+<br />
+
+
+Para o nascimento do pseudo-trovador, escolhe o snr. dr.
+The&oacute;philo Braga, em ultima an&aacute;lise, a data de
+1512, sem se lembrar talvez de que por essa f&oacute;rma
+ca&iacute;a em
+contradi&ccedil;&atilde;o consigo proprio... <br />
+
+
+<br />
+
+
+Vejamos: <br />
+
+
+<br />
+
+
+Na carta que nos dirigiu, escreveu o distincto escritor: <br />
+
+
+<br />
+
+
+&laquo;...D. Maria Brand&atilde;o, que Cristovam
+Falc&atilde;o amou, <em>sendo ambos muito
+crian&ccedil;as</em>...&raquo; <br />
+
+
+<br />
+
+
+Ora tendo Cristovam nascido em 1512, como afirma o snr. dr.
+The&oacute;philo Braga, e fixando-se as suas
+rela&ccedil;&otilde;es amorosas em 1530, como quer s. ex.<sup>a</sup>,
+tinha o mancebo quando
+come&ccedil;ou a namoriscar os seus dezoito anos seguros... <br />
+
+
+<br />
+
+
+A um rapazola de 18 anos ninguem com propriedade poder&aacute;
+classificar de <em>muito
+crean&ccedil;a</em>, a n&atilde;o ser por
+tro&ccedil;a,&#8213;salvo melhor
+opini&atilde;o. <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<h4>11 </h4>
+
+
+<div class="quote2 tinyl">&laquo;Ha portanto a
+eliminar todas as
+rela&ccedil;&otilde;es pessoaes entre Cristov&atilde;o
+Falc&atilde;o e Bernardim Ribeiro, como julgamos nos nossos
+estudos,
+corrigindo a interpreta&ccedil;&atilde;o da Ecloga I e III de
+Bernardim.&raquo; </div>
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum"><a name="p94">[94]</a></span>
+<div class="signature"><em>Do artigo
+&laquo;Movimento
+litter&aacute;rio&raquo;</em></div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+N&atilde;o s&oacute; corrigimos a
+interpreta&ccedil;&atilde;o das eclogas I e III de Bernardim
+Ribeiro <a href="#e8">como todas</a> as outras do
+desventurado poeta... Mas o
+snr. dr. The&oacute;philo Braga entende em seu alto
+crit&eacute;rio que s&oacute; ha a corrigir as duas que citou,
+e essa correc&ccedil;&atilde;o reserva-se s. ex.
+faz&ecirc;-la,
+certamente. Aguardemos a futura refundi&ccedil;&atilde;o do
+livro sobre os bucolistas, para ajuizarmos da fertilidade inventiva do
+ilustre professor,&#8213;<em>de fantasia fertil em
+combina&ccedil;&otilde;es</em>, no dizer
+autorizado da senhora D. Carolina Micha&euml;lis. <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<h4>12 </h4>
+
+
+<div class="quote2 tinyl">&laquo;Os logares comuns a
+Cristovam Falc&atilde;o e
+Bernardim Ribeiro provam a distancia da edade que levou o mais novo a
+imitar aquelle que j&aacute; era admirado, cujos versos,
+Cam&otilde;es, na sua carta de Africa intercalava na sua
+prosa.&raquo; </div>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature"><em>Do artigo
+&laquo;Movimento
+litter&aacute;rio&raquo;</em></div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Como coment&aacute;rio &uacute;nico, permitir nos-emos
+endere&ccedil;ar algumas perguntas ao
+snr. dr. The&oacute;philo
+Braga: <br />
+
+
+<br />
+
+
+Estando Bernardim Ribeiro louco no ano de 1532, como o
+pr&oacute;prio snr. dr. The&oacute;philo tem sustentado, como
+explica o ilustre professor que no esp&oacute;lio do poeta
+bucolista fossem encontradas as composi&ccedil;&otilde;es
+atribuidas ao falso Crisfal? <br />
+
+
+<br />
+
+
+Na edi&ccedil;&atilde;o refundida do seu livro sobre os
+bucolistas,
+<span class="pagenum"><a name="p95">[95]</a></span>
+em 1897, o snr. dr.
+The&oacute;philo Braga explicou o facto da seguinte maneira: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+&laquo;...<b>os dois poetas communicavam entre si os seus
+versos, sendo por este modo que se salvaram as poesias do auctor do
+Crisfal.</b>&raquo; <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Ora n&atilde;o podendo o abalisado professor continuar persistindo
+em que Bernardim Ribeiro teve por amigo e confidente Cristovam
+Falc&atilde;o de Sousa, como poder&aacute; s. ex.<sup>a</sup>
+explicar
+que entre os manuscritos legados por Bernardim se encontrassem as
+composi&ccedil;&otilde;es do...
+<em>&uacute;ltimo eco do ala&uacute;de</em>? <br />
+
+
+<br />
+
+
+Para prevenir qualquer subtiliza de argumenta&ccedil;&atilde;o,
+&eacute; conveniente n&atilde;o esquecer s. ex.<sup>a</sup>
+que na &eacute;cloga <em>Crisfal</em> se
+encontram lugares comuns a todas as &eacute;clogas de Bernardim
+Ribeiro e &aacute;
+pr&oacute;pria novela <em>Menina e mo&ccedil;a</em>.
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+E n&atilde;o esquecer egualmente que, ap&oacute;s a
+publica&ccedil;&atilde;o do nosso estudo sobre o <em>Poeta
+Crisfal</em>, j&aacute; o snr. dr. The&oacute;philo Braga
+foi obrigado a reconhecer que: n&atilde;o podia continuar a
+admittir <em>as rela&ccedil;&otilde;es pessoaes de
+Cristovam Falc&atilde;o com Bernardim Ribeiro j&aacute; velho e
+dementado em confidencias de amor com um rapaz no vi&ccedil;o da
+mocidade</em>. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Bernardim nasceu em <em>1482</em>,
+&eacute; bom n&atilde;o olvidar tambem. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Cristovam Falc&atilde;o de Sousa nasceu em... <em>1512</em>,
+conforme a ultima
+vers&atilde;o apresentada pelo articulista do <em>Movimento
+litter&aacute;rio</em>. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Os amores de <a href="#e9">Falc&atilde;o</a> e
+Maria Brand&ocirc;a foram fixados
+pelo snr. dr. The&oacute;philo Braga, em ultima an&aacute;lise,
+no ano de <em>1530</em>. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Ora na <em>Carta de Crisfal</em>, fala o
+poeta na pris&atilde;o de amor que est&aacute; sofrendo <em>ha
+cinco
+anos</em>... Logo, ou n&atilde;o ha l&oacute;gica, uma
+das
+composi&ccedil;&otilde;es
+<span class="pagenum">[96]</span>
+do suposto trovador foi elaborada pelo ano da gra&ccedil;a de <em>1535</em>,
+quando
+Bernardim havia j&aacute; tr&ecirc;s anos que f&ocirc;ra
+ferido pela desgra&ccedil;a
+que o levou ao hospital de Todos os Santos, onde veio a acabar seus
+desventurados dias em
+<em>1552</em>. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Consignado o que fica exposto, aguardemos a resposta &aacute;s
+perguntas atr&aacute;s formuladas, e, para fechar o
+cap&iacute;tulo, fa&ccedil;amos nossos os
+seguintes versos de Bernardim: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="poetry">Baste o que tenho dito<br />
+
+
+pera aver, por galard&atilde;o,<br />
+
+
+tres
+regras de vossa m&atilde;o,<br />
+
+
+pera resposta das quaes<br />
+
+
+......... fique
+o mais<br />
+
+
+que aqui escrever devera,<br />
+
+
+se o escrever podera.</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<h3><a name="c6"></a>VI<br />
+
+
+<br />
+
+
+Uma patranha geneal&oacute;gica </h3>
+
+
+<br />
+
+
+Seguindo a li&ccedil;&atilde;o de v&aacute;rios
+genealogistas, d&eacute;mos curso, no nosso estudo sobre Bernardim
+Ribeiro, &aacute; atoarda que fazia Cristovam Falc&atilde;o de
+Sousa descendente de certo John Falconet, cavalheiro ingl&ecirc;s
+que viera para o nosso pa&iacute;s na comitiva da desposada
+d'el-rei D. Jo&atilde;o I,
+Filipa de Lencastre. Antes de n&oacute;s, os snrs.
+Epiph&aacute;nio Dias e dr. The&oacute;philo Braga haviam
+incorrido no mesmo erro. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Publicado o nosso trabalho, honrou-nos o erudito escritor sr. Anselmo
+Braamcamp Freire com o seguinte esclarecimento, que registamos com
+prazer: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="quote1">&laquo;...Julgo-me obrigado a
+advertil-o que publiquei um
+documento no <em>Archivo
+hist&oacute;rico</em>, suficiente para destruir a petarola
+inventada pelos genealogistas dos Falc&otilde;es descenderem do tal
+Falconet. Catorze anos antes deste chegar a Portugal j&aacute;
+existiam Falc&otilde;es, proprietarios em Evora, e vassalos de D.
+Fernando
+(<em>Arch. hist.</em>
+III, 407.) &Eacute; uma
+minucia que n&atilde;o influe em nada no seu t&ecirc;ma; mas,
+repito, entendo dever meu avis&aacute;l-o&raquo;.</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[98]</span>
+N&atilde;o ser&aacute; este, certamente, o &uacute;nico
+erro em que teremos incorrido no nosso trabalho, e de que nos
+penitenci&acirc;mos sem a menor relut&acirc;ncia. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Errar &eacute; pr&oacute;prio dos homens, como afirma o
+conhecido aforismo latino; o que &eacute; condenavel &eacute;
+persistir no erro. <br />
+
+
+<br />
+
+
+N&atilde;o temos a estulta vaidade de haver produzido um trabalho
+sem defeitos, e de bom grado aceitaremos as
+correc&ccedil;&otilde;es que nos
+ministrarem, e com que o nosso crit&eacute;rio se conforme. Somos
+incapazes de persistir n'um erro por simples capricho de
+amor-pr&oacute;prio, indesculpavel em assuntos de natureza
+<em>hist&oacute;rica</em>. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Bem presentes conserv&acirc;mos as palavras
+sensat&iacute;ssimas do professor bracarense Pereira Caldas:
+&laquo;Em <em>hist&oacute;ria</em>,
+ha sempre que discutir, sempre que examinar, sempre que emendar, sempre
+que aditar.&raquo;<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<h3><a name="c7"></a>VII<br />
+
+
+<br />
+
+
+O cript&oacute;nimo &laquo;Fileno&raquo; </h3>
+
+
+<br />
+
+
+No numero do jornal <em>O Dia</em>, de 15 de
+dezembro de 1908, consagrou-nos o conceituado fil&oacute;logo, snr.
+A. R. Gon&ccedil;alves Viana, uma das suas interessantes <em>Palestras
+filol&oacute;gicas</em>. <br />
+
+
+<br />
+
+
+&Eacute; aquela que vamos registar, e que em seguida comentaremos: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="quote1">&laquo;Delfim
+Guimar&atilde;es, no seu livro recentemente
+publicado, e que faz honra &aacute; erudi&ccedil;&atilde;o
+portuguesa, com o titulo <b>Bernardim Ribeiro</b>, e o sub
+titulo <b>O poeta
+Crisfal</b>, aventa a idea de que o cript&oacute;nimo
+<em>Fileno</em> seja o disfarce do adjectivo <em>felino</em>,
+latim <em>felinus</em>, procedente do substantivo
+<em>felis</em>, &laquo;gato&raquo;, por
+alus&atilde;o ao apelido
+<em>Gato</em>, do marido de Joana Tavares, sua apaixonada. </div>
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[100]</span>
+<div class="quote1">&laquo;N&atilde;o se pode
+aceitar esta origem do dito nome,
+porque tal adjectivo n&atilde;o existia em portugu&ecirc;s ao
+tempo do poeta. &Eacute; &ecirc;le modernissimo na lingua, pois
+nem Bluteau o incluiu no seu <b>Vocabulario
+portuguez
+e latino</b>, nem mesmo no
+pr&oacute;prio <b>Diccionario portuguez</b> de Morais
+e
+Silva figura tal adjectivo at&egrave; &aacute; 3.&ordf;
+edi&ccedil;&atilde;o, feita no anno de 1823,
+&laquo;correcta e acrescentada.&raquo; V&ecirc;-se pois que
+a introdu&ccedil;&atilde;o do vocabulo
+<em>felino</em> &eacute; n&atilde;o
+s&oacute; posterior, e muito, ao s&eacute;culo XV, mas
+at&eacute; aos come&ccedil;os do XIX, e que o poeta o
+desconhecia portanto. <br />
+
+
+<br />
+
+
+&laquo;Assim, pois, o nome Fileno, masculino, foi talvez fabricado
+conforme o femenino Filene, que os gregos usaram, e cujo radical
+ser&aacute; o de
+<em>Filipe</em>, por exemplo.&raquo;</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Em primeiro lugar agradecemos ao snr. Gon&ccedil;alves Viana o
+cumprimento amabilissimo com que nos penhorou, que muito bem sabemos
+representar uma gentileza, que n&atilde;o um acto de
+justi&ccedil;a. A benevol&ecirc;ncia usada para comnosco por s.
+ex.<sup>a</sup> motivou um remoque do snr. dr.
+The&oacute;philo Braga, do que resulta tornar
+se ainda maior a nossa d&iacute;vida de reconhecimento para com o
+s&aacute;bio poliglota, o que temos a peito deixar registado nas
+p&aacute;ginas d'este trabalho. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Consignado isto, digamos o que se nos oferece sobre a <em>palestra</em>
+motivada pelo nosso
+livro: <br />
+
+
+<br />
+
+
+Coube ao snr. visconde de Sanches de Baena a
+interpreta&ccedil;&atilde;o do nome
+<em>Fileno</em> como cript&oacute;nimo de <em>Felino</em>,
+em alus&atilde;o a
+<b>Pero Gato</b>, que o referido titular apresenta como
+marido de Joana
+(<em>Aonia</em>). <br />
+
+
+<br />
+
+
+N&oacute;s n&atilde;o acreditamos na exist&ecirc;ncia do
+Pero Gato do snr. Sanches de Baena, como com inteira franqueza deixamos
+exarado nas p&aacute;ginas do nosso trabalho; mas n&atilde;o
+nos repugnou admitir que o cript&oacute;nimo invocado alvejasse a
+alus&atilde;o
+<span class="pagenum">[101]</span>
+a um animal
+felino. E assim escrevemos a pag. 87 do nosso estudo sobre Bernardim: <br />
+
+
+<br />
+
+
+&laquo;O anagrama <em>Fileno</em> oculta,
+provavelmente, um individuo que tinha por nome, apelido ou alcunha o
+nome de um animal <em>felino</em>.
+Seria Pantale&atilde;o? Seria Gato? Estamos em crer que o assunto
+ainda poder&aacute; ser resolvido, como outros muitos pontos por
+aclarar respeitantes &aacute; vida de Bernardim.&raquo; <br />
+
+
+<br />
+
+
+E na mesma p&aacute;gina, a prop&oacute;sito do nome de <em>Lor</em>,
+ou
+<em>Lor-V&atilde;o</em>, referido
+nalgumas edi&ccedil;&otilde;es da &eacute;cloga de <em>Crisfal</em>,
+escrevemos n&oacute;s: <br />
+
+
+<br />
+
+
+&laquo;Desde que se apure, <b>com
+seguran&ccedil;a</b>, quem fosse o marido de Joana
+etc.&raquo; <br />
+
+
+<br />
+
+
+O n&atilde;o se ter ainda apurado quem fosse o feliz rival de
+Bernardim, n&atilde;o se nos afigura motivo para p&ocirc;r de
+parte, por em quanto, a
+interpreta&ccedil;&atilde;o enunciada pelo snr. visconde de
+Sanches de Baena quanto a Fileno, aceite pelo snr. dr.
+The&oacute;philo Braga, e a que n&oacute;s tambem demos curso,
+embora sob reservas. <br />
+
+
+<br />
+
+
+O facto dos antigos dicion&aacute;rios n&atilde;o fazerem
+men&ccedil;&atilde;o do voc&aacute;bulo
+<em>felino</em> n&atilde;o constitue
+raz&atilde;o para que se abandone essa hip&oacute;tese, que
+p&oacute;de n&atilde;o ser exacta, mas que &eacute; sem
+d&uacute;vida
+racional. Como o snr. Gon&ccedil;alves Viana muito bem sabe, desde
+que no latim existiam os vocabulos
+<em>felis</em>, <em>felinus</em>, com o
+significado de
+<em>gato</em>, ou
+<em>respeitante a gato</em>, nada mais natural do que um
+escritor ter introduzido, l&oacute;gicamente, o termo
+portugu&ecirc;s <em>felino</em>. E ninguem
+poder&aacute;
+contestar que Bernardim Ribeiro tivesse envergadura sobeja para crear
+essa palavra. Bacharel formado em direito, e poeta bucolista
+n&atilde;o ignorava certamente o voc&aacute;bulo latino. <br />
+
+
+<br />
+
+
+A ser exacta a maneira de ver do snr. Gon&ccedil;alves
+<span class="pagenum"><a name="p102">[102]</a></span>
+Viana sobre semelhante
+assunto, como poderiam justificar-se tambem os numerosos neologismos
+com que Luis de Cam&otilde;es enriqueceu a lingoa
+portugu&ecirc;sa? <br />
+
+
+<br />
+
+
+Hoje mesmo, ap&oacute;s recentes trabalhos de dicionaristas
+distintos, quantos voc&aacute;bulos <a href="#e10">portugu&ecirc;ses</a>
+n&atilde;o falta ainda
+registar?! <br />
+
+
+<br />
+
+
+A hip&oacute;tese, por&eacute;m, que o ilustre
+fil&oacute;logo apresenta merece ser ponderada devidamente, sendo
+at&eacute; possivel que s. ex.<sup>a</sup> tenha
+resolvido o problema quanto ao nome do marido de Joana Tavares, que
+poderia muito bem ter sido
+<em>Filipe</em>. <br />
+
+
+<br />
+
+
+N'um <em>pliego-suelto</em> castelhano do
+s&eacute;culo XVI, de que existe um exemplar na
+sec&ccedil;&atilde;o dos
+<em>Reservados</em> da Biblioteca Nacional de Lisboa, ha um
+dialogo em verso entre as personagens:
+<em>Alethio</em> e <em>Fileno</em>.&#8213;Aleixo e
+Filipe? Talvez! <br />
+
+
+<br />
+
+
+Em fim, parafraseando o que j&aacute; escrevemos: Quando se apure <em>com
+seguran&ccedil;a</em> quem foi o marido da mulher amada por
+Bernardim Ribeiro, estar&agrave; implicitamente resolvido este
+problema.<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<h3><a name="c8"></a>VIII<br />
+
+
+<br />
+
+
+In terminis </h3>
+
+
+<br />
+
+
+N&atilde;o estamos s&oacute;s no combate que tivemos a
+satisfa&ccedil;&atilde;o de iniciar em prol da obra de
+Bernardim Ribeiro. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Ao nosso lado contamos a individualidade cheia de prest&iacute;gio
+do snr. Jos&eacute; Pereira Sampaio, que em breve
+defender&aacute; em livro tese id&ecirc;ntica &aacute;
+nossa, demonstrando que o Poeta Crisfal &eacute; o
+buc&oacute;lico Bernardim. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Se de est&iacute;mulo carecessemos para prosseguir confiadamente na
+tarefa que nos impusemos, seria incentivo bastante o contarmos
+j&aacute; entre aqueles que se confessam convencidos pelo nosso
+trabalho, alem de muitos outros esp&igrave;ritos esclarecidos, os
+nomes preeminentes dos srs. Anselmo Braamcamp Freire, Jos&eacute;
+Caldas e dr. Sylvio Romero. <br />
+
+
+<br />
+
+
+N&atilde;o conseguiremos n&oacute;s fazer vingar em nossos
+dias, por uma f&oacute;rma absoluta, a obra de justi&ccedil;a a
+que metemos hombros? N&atilde;o ser&aacute; dada essa
+satisfa&ccedil;&atilde;o ao ilustre escritor snr.
+Jos&eacute; Sampaio? <br />
+
+
+<br />
+
+
+&#8213;Que importa? As sementes est&atilde;o lan&ccedil;adas,
+<span class="pagenum">[104]</span>
+o solo n&atilde;o &eacute;
+ingrato... As sementes
+h&atilde;o de vingar; a verdade triunfar&aacute;, alastrando,
+impondo-se... <br />
+
+
+<br />
+
+
+Por fim, s&oacute; nos resta endere&ccedil;ar, muito
+comovidamente, um aperto de m&atilde;o, agradecido e sincero, a
+quantos&#8213;bons amigos, camaradas e simples conhecidos&#8213;nos teem bafejado
+com palavras de elogio e incitamento por motivo da
+publica&ccedil;&atilde;o do livro que deu origem a este novo
+trabalho. <br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature"><em>Amadora, 16 de
+mar&ccedil;o de
+1909</em>.</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<h3>
+APRECIA&Ccedil;&Otilde;ES DA IMPRENSA<br />
+
+
+<br />
+
+
+<span class="smallcaps">ao livro</span><br />
+
+
+<br />
+
+
+"Bernardim Ribeiro<br />
+
+
+<br />
+
+
+(O POETA CRISFAL)"</h3>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<h3 style="text-align: left;"><a name="a1"></a>&laquo;Bernardim
+Ribeiro&raquo;<br />
+
+
+(O Poeta Crisfal) </h3>
+
+
+<br />
+
+
+Delfim Guimar&atilde;es &eacute; um poeta e um contista que
+h&aacute; muitos annos firmou brilhantemente o seu nome. Alma
+delicada de poeta, &eacute;, ao mesmo tempo, um prosador elegante e
+correcto que conhece a sua lingua e sabe maneja-la. Afastado de todas
+as egreginhas literarias, isento de todos os snobismos, sem perder
+tempo nos cenaculos dos caf&eacute;s, Delfim Guimar&atilde;es
+tem-se destacado e destaca se entre os da sua
+gera&ccedil;&atilde;o, sem dever nada ao reclamo. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Admirador entusiastico, apaixonado, de Bernardim Ribeiro, Delfim
+Guimar&atilde;es apurou um facto da mais alta importancia para a
+historia literaria do seu paiz:&#8213;que Christov&atilde;o
+Falc&atilde;o e Bernardim Ribeiro s&atilde;o uma mesma
+entidade. <br />
+
+
+<br />
+
+
+&Eacute; essa demonstra&ccedil;&atilde;o, consciente,
+documentada, que o nosso amigo vem de fazer neste livro&#8213;<em>Bernardim
+Ribeiro (o Poeta
+Crisfal)</em>&#8213;que &eacute; digno de ser lido por quantos
+querem conhecer a historia das letras patrias. <br />
+
+
+<br />
+
+
+A Delfim Guimar&atilde;es, os nossos parabens pelo seu valioso
+trabalho. <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature">(Do jornal <em>O Mundo</em>,
+de 16 de
+Novembro de 1909)</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<h3 style="text-align: left;"><a name="a2"></a>&laquo;Bernardim
+Ribeiro&raquo;<br />
+
+
+por Delfim Guimar&atilde;es
+</h3>
+
+
+<br />
+
+
+&Eacute; um livro de incontestavel valor, este que o sr. Delfim
+Guimar&atilde;es acaba de publicar, editado pela Livraria
+Guimar&atilde;es &amp; C.<sup>a</sup>,
+da rua de S. Roque. Fructo de um aturado e consciencioso estudo, n'elle
+se demonstra que Bernardim Ribeiro e <em>Crisfal</em>
+representam um
+unico poeta, e que <em>Crisfal</em> &eacute;
+apenas um criptogramma formado pelas primeiras syllabas das palavras <em>Crisma</em>
+e
+<em>Falso</em>, n&atilde;o passando,
+portanto, de uma lenda a existencia do poeta <a href="#e11">Christov&atilde;o</a>
+Falc&atilde;o. Como se v&ecirc;, o assumpto d'este
+livro do laborioso e intelligente escriptor &eacute; de molde a
+interessar vivamente todos quantos se dedicam ao estudo da nossa
+litteratura patria. <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature">(Do jornal <em>O Seculo</em>,
+de 16 de
+N, de 16 de
+Novembro de 1909).</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<h3 style="text-align: left;"><a name="a3"></a>&laquo;Bernardim
+Ribeiro&raquo;<br />
+
+
+(O Poeta Crisfal) </h3>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="quote2 tinyl"><em>Subsidios para a
+hist&oacute;ria da literatura
+portuguesa</em>, por Delfim Guimar&atilde;es.&#8213;Lisboa, 1908.
+Livraria Editora Guimar&atilde;es &amp; C.<sup>a</sup>,
+274 p&aacute;g. 800
+r&eacute;is.</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+&Eacute; o livro sensacional da semana que hoje finda. &Eacute;
+o desabar de uma lenda secular. A ineptid&atilde;o de uns editores
+quinhentistas insinuara a cren&ccedil;a de que as trovas de
+<em>Crisfal</em> eram de <em>Cristovam
+Falc&atilde;o</em>, cujo
+nome era representado pelo anagrama, formado da primeira silaba do nome
+e a primeira do apelido. <br />
+
+
+<br />
+
+
+A lenda criou raizes; e, n&atilde;o obstante as
+hesita&ccedil;&otilde;es e d&uacute;vidas de alguns
+criticos, ningu&eacute;m, at&eacute; hoje, contestara
+abertamente em publico a personalidade po&eacute;tica de Cristovam
+Falc&atilde;o. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Mas Delfim Guimar&atilde;es, estudando Bernardim Ribeiro,
+editorando-lhe as <em>Saudades</em>,
+e confrontando os trabalhos dos bucolistas do s&eacute;culo XVI,
+chegou &aacute; convic&ccedil;&atilde;o de que, tendo
+havido algumas personalidades com o nome de Cristovam
+Falc&atilde;o, este nome n&atilde;o pertencia a nenhum
+po&eacute;ta, e as trovas de Crisfal eram obra de Bernardim
+Ribeiro. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Documentando e justificando a sua convic&ccedil;&atilde;o,
+acaba &ecirc;le de dar &aacute; estampa o substancioso volume
+que hoje noticiamos. <br />
+
+
+<br />
+
+
+No pref&aacute;cio da obra, exp&otilde;i o autor, com a devida
+lealdade, as circunst&acirc;ncias e o processo
+<span class="pagenum">[112]</span>
+que o levaram &aacute; absoluta
+rejei&ccedil;&atilde;o da
+referida lenda, e congratula-se justamente por ter agora a noticia de
+que o ponderado publicista Pereira de Sampaio (Bruno), tinha
+j&aacute; adquirido
+convic&ccedil;&atilde;o an&aacute;loga, que esperava
+justificar em livro. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Metodizando as provas e a documenta&ccedil;&atilde;o de que o
+poeta <em>Crisfal</em> n&atilde;o
+&eacute; outro, sen&atilde;o Bernardim Ribeiro, Delfim
+Guimar&atilde;es faz minuciosamente a biografia cr&iacute;tica
+do poeta, estuda e analisa a primeira edi&ccedil;&atilde;o das
+obras de Bernardim,
+d&aacute; nos a hist&oacute;ria e a genealogia do suposto poeta
+Falc&atilde;o; e, depois, de nos dar a exegese de numerosos factos
+e documentos, cerra o seu volume com a
+reproduc&ccedil;&atilde;o da
+<em>Carta</em> e da <em>&Eacute;cloga</em>
+de
+<em>Crisfal</em>, e de
+<em>tr&ecirc;s</em> poesias mais de Bernardim Ribeiro,
+at&eacute; agora ignoradas. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Claro &eacute; que, de um livro de tal significado e alcance, mal
+se podem formular juizos e senten&ccedil;as em meia
+d&uacute;zia de linhas do nosso registo bibliogr&aacute;fico; e
+temos de nos restringir a dar da obra ideia sum&aacute;ria,
+chamando para ela a aten&ccedil;&atilde;o, e naturalmente o
+apre&ccedil;o, de
+quantos se interessam pelos mais momentosos problemas da nossa
+hist&oacute;ria liter&aacute;ria. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Mas remorder-nos-ia a consci&ecirc;ncia, se cerr&aacute;ssemos
+j&aacute; a presente noticia, sem significar a Delfim
+Guimar&atilde;es a satisfa&ccedil;&atilde;o que nos
+deu o seu melindroso e arrojado trabalho, e o encanto com que
+repassamos os olhos pelo ing&eacute;nuo e delicioso bucolismo dos
+avoengos da poes&iacute;a nacional. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Formoso livro e servi&ccedil;o memor&aacute;vel. <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature"><span class="smallcaps">Dr.
+Candido de Figueiredo</span>
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+(Do <em>Diario de Noticias</em>, de Lisboa,
+de 28 de novembro de 1908).</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<h3 style="text-align: left;"><a name="a4"></a>O
+poeta Chrisfal </h3>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="quote2 tinyl"><em>Delfim
+Guimar&atilde;es</em>:
+Bernardim Ribeiro (o Poeta Crisfal)&#8213;Subsidios para a historia da
+literatura portugu&ecirc;sa&#8213;1908&#8213;Livraria Editora
+Guimar&atilde;es &amp; C.<sup>a</sup>&#8213;68, R. de S.
+Roque, 70&#8213;Lisboa.</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Ha uns espiritos fortes, solidos&#8213;e que tanto abundam n'esta nossa
+b&ocirc;a terra de Portugal&#8213;que h&atilde;o de sentir-se
+escandalisados com a arrogancia d'alguem que, contra a
+opini&atilde;o dogmatica e ensinamento incontestado dos grandes
+Sacerdotes, se abalan&ccedil;a a demonstrar que os bucolistas
+Bernardim Ribeiro e Chrisfal (pretenso anagramma de Christovam
+Falc&atilde;o) s&atilde;o uma e mesma pessoa; isto
+&eacute;: que o glorioso auctor da 1.&ordf; parte da novella
+pastoral &laquo;Menina e Mo&ccedil;a&raquo; &eacute;
+igualmente auctor da celebre
+pe&ccedil;a poetica conhecida pelo nome da &laquo;Egloga de
+Chrisfal&raquo;&#8213;n'uma palavra, que o poeta Christovam
+Falc&atilde;o nunca existiu e que a maioria das
+composi&ccedil;&otilde;es poeticas que andam com o seu nome
+pertencem de juro e herdade ao principe do bucolismo entre
+n&oacute;s, a esse surprehendente Bernardim Ribeiro, que
+&eacute;, em toda a nossa litteratura, o vaso
+d'elei&ccedil;&atilde;o d'onde mais trasborda o sentimento
+augusto da alma portugueza.
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[114]</span>
+Mas outra ra&ccedil;a d'espiritos n&atilde;o menos solidos
+sorrir&aacute; piedosamente (e, n'este caso, o sorriso &eacute;
+uma outra f&oacute;rma de nos sentirmos
+escandalisados) perante a utilidade proxima ou longinqua que
+p&oacute;de adquirir-se d'uma descoberta d'esta ordem. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Que importa ao bem do individuo ou da collectividade de hoje, que uns
+versos repassados d'uma verdade sentimental, &aacute;
+for&ccedil;a de sentida quasi incomprehensivel,&#8213;versos, demais a
+mais vasados n'uma trama ingenua, bucolica, pastoril, sejam obra d'um
+ou d'outro recuado quinhentista ou, mesmo, tenham sido levados
+&aacute; conta d'um lendario personagem que, como poeta, nunca
+tivesse existido, a n&atilde;o ser na phantasia d'uns novelleiros
+de profiss&atilde;o que, com o rodar do tempo, conseguiram guindar
+a sua improbidade litteraria aos pinaculos d'uma certeza irrefutavel?! <br />
+
+
+<br />
+
+
+Pois essa arrojada impiedade e esse improductivo bysantinismo&#8213;esse
+magno escandalo&#8213;acaba de perpetral-os o meu velho amigo Delfim
+Guimar&atilde;es, poeta de verdade, infatigavel estudioso, paciente
+investigador, acurado cultista em materia litteraria, com a
+publica&ccedil;&atilde;o do seu recente estudo &laquo;<em>Bernardim
+Ribeiro</em> (<em>o poeta Chrisfal</em>)&raquo;,
+cujo apparecimento estas
+ligeiras notas intentam celebrar. <br />
+
+
+<br />
+
+
+O mesmo &eacute; dizer que me n&atilde;o sinto com
+for&ccedil;as para, pormenorisadamente, passo a passo, ir vincando
+as passagens exegeticas d'este trabalho masculo e delicado que revela,
+no seu auctor, uma erudi&ccedil;&atilde;o e um methodo que eu
+entendo precisos n'aquelles que se propuzerem critical-o. <br />
+
+
+<br />
+
+
+N&atilde;o &eacute;, pois, um artigo critico o que vou fazer;
+<span class="pagenum">[115]</span>
+mas se uma
+affirma&ccedil;&atilde;o sincera e sentida, de valor
+nimiamente critico, me &eacute; permittido
+accentuar desde j&aacute;, eu direi: Delfim Guimar&atilde;es
+est&aacute; na verdade. Christovam Falc&atilde;o, poeta, nunca
+existiu. Chrisfal &eacute; um pseudonymo de Bernardim Ribeiro. <br />
+
+
+<br />
+
+
+E isto porqu&ecirc;?! <br />
+
+
+<br />
+
+
+Porque todos os que se occupam de Falc&atilde;o o dizem pessoa de
+qualidade&#8213;pertencia &aacute; primeira fidalguia portugueza, diz o
+sr. dr. Th. Braga&#8213;e, quanto ao valor do seu estro, tanto era que
+mereceu ser confundido com Bernardim Ribeiro seu amigo e confidente,
+quando n&atilde;o seu predecessor. Como se explica, pois, que um
+t&atilde;o illustre personagem n&atilde;o figure no
+Cancioneiro de Resende, onde ali&aacute;s se encontram, com
+t&atilde;o assombrosa profus&atilde;o, nomes que, nem pela
+clareza da estirpe nem pelo fulgor do engenho, se impunham &aacute;
+considera&ccedil;&atilde;o dos
+posteros?! <br />
+
+
+<br />
+
+
+&Eacute; crivel que o erudito, o dedicadissimo collector que se
+chamou Garcia de Resende&#8213;o homem, do seu tempo, que mais larga e
+intensamente privou na corte dos nossos reis&#8213;n&atilde;o tivesse
+noticia d'uma individualidade t&atilde;o fortemente accentuada e
+t&atilde;o parecida com o ent&atilde;o e j&aacute;
+apreciadissimo Bernardim?! N&atilde;o me parece. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Seria qualquer despeito, qualquer d'estas pequeninas miserias que se
+transmudavam em acerbos espinhos d'odio (e ao tempo e antes e depois e
+sempre t&atilde;o vulgares!) que levariam mesquinhamente o celebre
+collector do Cancioneiro a relegar, da convivencia dos seus 351 poetas,
+esse illustre Chrisfal e ao mesmo tempo (s
+Seria qualquer despeito, qualquer d'estas pequeninas miserias que se
+transmudavam em acerbos espinhos d'odio (e ao tempo e antes e depois e
+sempre t&atilde;o vulgares!) que levariam mesquinhamente o celebre
+collector do Cancioneiro a relegar, da convivencia dos seus 351 poetas,
+esse illustre Chrisfal e ao mesmo tempo (segundo o ensinamento do sr.
+dr. Theophilo
+<span class="pagenum">[116]</span>
+Braga) a recolher,
+como de Bernardim Ribeiro, versos de Falc&atilde;o?! <br />
+
+
+<br />
+
+
+N&atilde;o me parece. Gil Vicente, como &eacute; sabido,
+apod&aacute;ra cruelmente Resende, e nem por isso deixou de figurar
+no Cancioneiro. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Estes simples e, quero crel-o, contestaveis argumentos levavam-me de ha
+muito, a duvidar da existencia poetica de Christovam Falc&atilde;o,
+s&oacute; muito mais tarde posta em f&oacute;co, entre outros,
+por Faria e Sousa, cujos
+<em>escrupulos</em> de caracter s&atilde;o por demais
+conhecidos. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Mas a simples argumenta&ccedil;&atilde;o sobre cancioneiros nem
+sempre &eacute; de colher, como um facto recente me leva a
+constatar. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Ha dois annos (outomno de 1906) appareceu nas livrarias a seguinte
+publica&ccedil;&atilde;o:
+<em>Odyss&eacute;a dos Tysicos&#8213;Album de Musicas para piano e
+canto, original de Raul Pereira, sobre versos de poetas portugueses?</em>
+&Eacute; obra musical do sr. Raul
+Pereira que, &aacute; falta d'outra
+indica&ccedil;&atilde;o,
+entendo dever tambem consideral-o como collector das varias poesias que
+o album encerra. <br />
+
+
+<br />
+
+
+A primeira d'estas poesias, posta em musica apparece sob um retrato com
+esta epigraphe: <em>Guilherme Braga (1845-1874)</em>, e
+tem
+este titulo &laquo;<em>A Jesus
+Crucificado</em>&raquo;, e &eacute; como segue: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="poetry1">A V&oacute;s, correndo vou,
+bra&ccedil;os sagrados<br />
+
+
+N'essa
+cruz sacrosanta descobertos<br />
+
+
+Que para receber-me estaes abertos<br />
+
+
+E, por
+n&atilde;o castigar-me, estaes cravados. <br />
+
+
+<br />
+
+
+A V&oacute;s, olhos divinos eclypsados<br />
+
+
+De tanto sangue e lagrimas
+cobertos:<br />
+
+
+Que para perdoar-me estaes despertos<br />
+
+
+E por n&atilde;o
+devassar-me estaes fechados.<br />
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[117]</span>A V&oacute;s,
+pregados p&eacute;s, por n&atilde;o
+fugir-me;<br />
+
+
+A V&oacute;s, cabe&ccedil;a baixa, por chamar-me;<br />
+
+
+A
+V&oacute;s, sangue vertido para ungir-me; <br />
+
+
+<br />
+
+
+A V&oacute;s, lado patente, quero unir-me,<br />
+
+
+A V&oacute;s, cravos
+preciosos, quero atar-me,<br />
+
+
+Para ficar unido, atado e firme.</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Devo confessar que ao ler este soneto nasceram-me duvidas&#8213;muito vagas,
+&eacute; certo&#8213;sobre a sua authenticidade quanto ao nome que o
+firmava. E como n&atilde;o o encontrasse entre as poesias
+colligidas nas <em>Heras e
+Violetas</em>, assentei, &aacute; falta de melhor
+solu&ccedil;&atilde;o, que se
+tratava de uma poesia solta, religiosamente recolhida por pessoa intima
+ou admiradora convicta do insigne e mallogrado poeta portuense. <br />
+
+
+<br />
+
+
+N'isto estava, quando o acaso d'uma busca litteraria me levou a
+folhear, na Bibliotheca Publica, <em>O Ramalhete</em>,
+&laquo;jornal de Instruc&ccedil;&atilde;o e
+Recreio&raquo; (2.&ordf; s&eacute;rie, n.&ordm; 165,
+4.&ordm; anno) e a
+encontrar, a paginas 112 do vol. IV, o mesmissimo soneto, sem
+descrepancia d'uma unica palavra, sob esta ass&aacute;s curiosa
+rubrica: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+&laquo;<em>No momento derradeiro da vida humana, qual o
+estado de moribundo, nada excita amor e conforto como a doce
+inspira&ccedil;&atilde;o de abra&ccedil;ar um
+crucifixo, unico remedio d'alma. Por este motivo fez o dr. Manuel da
+Nobrega o seguinte soneto: &laquo;A Jesus Crucificado&raquo;</em>&raquo;.<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Portanto, teremos n&oacute;s: os vindouros, que n&atilde;o
+leram o <em>Ramalhete</em>, a
+attribuir a Guilherme Braga (que, segundo o sr. Raul Pereira, nasceu em
+1845, embora Innocencio nos diga 1843)
+<span class="pagenum">[118]</span>
+uns versos do dr. Manuel da Nobrega, que
+vieram &aacute; estampa em 1841. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Veiu isto a proposito da confian&ccedil;a absoluta a depositar nos
+cancioneiros. Verdade seja que entre Garcia de Resende e o sr. Raul
+Pereira (que eu n&atilde;o tenho a honra de conhecer), o unico elo
+que os prende deve ser, se n&atilde;o laboro em erro, o
+la&ccedil;o musical... <br />
+
+
+<br />
+
+
+Outras raz&otilde;es, por&eacute;m, antes do trabalho de Delfim
+Guimar&atilde;es, me levavam a pender para o arrocho da
+n&atilde;o existencia poetica de Christovam Falc&atilde;o.
+&Eacute; certo que a Renascen&ccedil;a
+produzira uma eclos&atilde;o genial em todos os ramos da vida
+sentimental, artistica e scientifica do occidente europeu, e que
+n&oacute;s tivemos largo
+quinh&atilde;o nas benemerencias d'esse glorioso Sol&#8213;e
+t&atilde;o grande que ainda hoje d'elle vivemos. Mas &eacute;
+igualmente certo que, por grande que fosse, e foi, a prodigalidade do
+estro que nos coube, n&atilde;o era natural que dois vultos
+geniaes, a um tempo, surgissem t&atilde;o parecidos, t&atilde;o
+irm&atilde;os na concep&ccedil;&atilde;o sentimental, na
+realisa&ccedil;&atilde;o artistica e at&eacute;&#8213;suprema
+coincidencia&#8213;nos azares da vida amorosa! Delfim Guimar&atilde;es
+embrenha-se em trabalhos de genealogia e de exegese litteraria,
+pacientemente cuidados, para nos infiltrar o convencimento que eu, sem
+raz&otilde;es de peso e sem auctoridade para as formular, de ha
+muito <em>sentia</em> da existencia d'um
+s&oacute; poeta na obra de Bernardim e na obra de Chrisfal. <br />
+
+
+<br />
+
+
+&Eacute;, pois, para mim um livro de
+consola&ccedil;&atilde;o. Por um lado, simplifica, no meu
+espirito, um caso que se achava enredado nas malhas autoritarias,
+embora convencionaes, de nomes respeitados; por outro, entorna, no meu
+cora&ccedil;&atilde;o, o intimo, o ineffavel jubilo de ver
+alguem da
+<span class="pagenum">[119]</span>
+minha estima e do meu
+tempo elevar-se tanto, pelo trabalho intelligente e probo, n'uma
+manifesta&ccedil;&atilde;o eloquente de for&ccedil;a moral
+e espirito combativo de que tanto carecemos. <br />
+
+
+<br />
+
+
+E esta probidade litteraria n&atilde;o &eacute; coisa de pouca
+monta ou que alguem possa dispensar-se de a encarar com o mais profundo
+respeito, porque me hei de lembrar d'aquelle supremo prefacio do <em>Disciple</em>
+de Paul
+Bourget, quando elle se dirige &aacute; mocidade da sua terra:
+<em>Dentro de vinte annos tereis em vossas m&atilde;os a
+fortuna d'esta velha patria, nossa m&atilde;e commum.
+V&oacute;s sereis
+a propria patria. Que tereis recolhido nas nossas obras? Pensando
+n'isto, n&atilde;o ha homem de lettras, por mais modesto que seja,
+que n&atilde;o deva tremer de responsabilidade</em>...<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature"><span class="smallcaps">Hemeterio
+Arantes</span>.
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+(Do <em>Diario Illustrado</em>, de 2 de
+dezembro de 1908).</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<h3 style="text-align: left;"><a name="a5"></a>&laquo;Bernardim
+Ribeiro&raquo;<br />
+
+
+(O Poeta Crisfal) </h3>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="quote2 tinyl"><em>Subsidios para a
+historia da litteratura portugueza</em>,
+por Delfim Guimar&atilde;es. 1 vol. de 278 pag. Livraria editora
+Guimar&atilde;es &amp; C.<sup>a</sup> 1908 Lisboa,
+typ. Libanio da Silva.</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+A velha senten&ccedil;a portugueza&#8213;<em>o seu a seu dono</em>
+viria muito a prop&oacute;sito, noticiando o
+apparecimento d'este livro, com que se pretende, e consegue a nosso
+ver, reivindicar para o nome do grande poeta quinhentista a autoria e a
+gl&oacute;ria de differentes produc&ccedil;&otilde;es que
+inconscientemente andavam attribuidas a outros. E se n&atilde;o
+fosse a bella coragem do sr. Delfim Guimar&atilde;es, nosso antigo
+e presado amigo, que sendo poeta muito primoroso &eacute; tambem
+investigador ordenado e pacientissimo, o deploravel engano
+continuar-se-ia por muito tempo, ou, peor ainda, n&atilde;o se
+desvaneceria j&aacute;mais talvez. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Entre outras, a lenda de que existira um Christovam Falc&atilde;o,
+pretenso poeta de t&atilde;o alto valor como Bernardim Ribeiro, e,
+assim, auctor tambem de maviosos versos, principiara a correr mundo em
+1554, dois annos depois de fallecido
+<span class="pagenum">[122]</span>
+este, e teria origem, parece, em certa nota posta n'uma
+edi&ccedil;&atilde;o pouco criteriosa feita n'aquelle anno, de
+differentes poesias, esparsas umas, outras logo colligidas
+ap&oacute;s a morte de Bernardim, edi&ccedil;&atilde;o onde
+veem de mistura com a <em>Historia de Menina e
+Mo&ccedil;a</em>, diversos motes, cantigas e
+&eacute;glogas e entre estas, (diz a tal nota) &laquo;<em>h&#361;a
+muy nomeada e agradavel... chamada
+Crisfal, que dizem ser de Christov&atilde;o Falcam, ho que parece
+alludir o nome da mesma egloga</em>...&raquo;<br />
+
+
+<br />
+
+
+D'isto, e de outras investiga&ccedil;&otilde;es pacientemente
+realizadas pelo sr. Guimar&atilde;es resulta a
+presump&ccedil;&atilde;o de provir a dita lenda principalmente
+d'aquellas vagas referencias e a allus&atilde;o que o editor julgou
+encontrar em o nome de Crisfal do facto de serem as duas syllabas de
+que elle se comp&otilde;e eguaes &aacute;s primeiras dos dois
+nomes <b>Cris</b>t&oacute;vam e
+<b>Fal</b>c&atilde;o. Mas isto, que n&atilde;o
+constitue prova e n&atilde;o passa de mera
+hypothese, teria de cahir redondamente, quando se verificasse que esse
+Falc&atilde;o era homem de poucas lettras e, portanto, incapaz de
+produzir trabalho de tanta valia como &eacute; a <em>&Eacute;gloga
+de Crisfal</em>. <br />
+
+
+<br />
+
+
+E assim succederia talvez se o sr. dr. Theophilo Braga n&atilde;o
+houvesse, em m&aacute; hora, pretendido transformar a hypothese em
+lei, apresentando como definitivamente adquirida para Falc&atilde;o
+a paternidade d'aquella e de outras poesias de altissimo valor
+litterario. <br />
+
+
+<br />
+
+
+N&atilde;o seguiremos o sr. Delfim Guimar&atilde;es na critica
+acerba, se bem que correctissima, com que se refere a este erro do sr.
+dr. Theophilo Braga e ainda a muitos outros. Este operoso escriptor
+dir&aacute; de certo da sua justi&ccedil;a,
+n&atilde;o deixando, d'esta vez, mal parada a sua fama de erudito.
+E, sendo como &eacute;, sempre consciencioso
+<span class="pagenum">[123]</span>
+nos seus trabalhos de historiador litterario,
+vir&aacute; certamente &aacute; estacada, para explicar a
+raz&atilde;o do seu engano. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Muitos outros descobrimentos s&atilde;o indicados n'esta valorosa
+reivindica&ccedil;&atilde;o, n&atilde;o se
+mostrando possiveis mais duvidas a respeito da n&atilde;o
+existencia de Christovam Falc&atilde;o, poeta, e parecendo ao
+contrario definitivamente provado que o nome de Crisfal f&ocirc;ra
+um dos muitos pseud&oacute;nymos e anagrammas adoptados por
+Bernardim Ribeiro nas suas obras. Tambem gra&ccedil;as ao indefesso
+trabalho do sr. Delfim Guimar&atilde;es ficar&aacute;
+pertencendo irrevogavelmente ao poeta de <em>Menina e
+mo&ccedil;a</em> n&atilde;o s&oacute;mente a
+celebre &eacute;gloga, mas ainda outras poesias attribuidas a
+diversos e que veem apontadas ou reproduzidas n'este volume. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Em compensa&ccedil;&atilde;o, por&eacute;m, algumas
+at&eacute; agora emprestadas ao buc&oacute;lico poeta, lidima
+gloria das lettras portuguezas, ter&atilde;o de passar para outros,
+com o que, seja dito de passagem, a exceptuarmos o solau<sup><a href="#11">[11]</a></sup>&#8213;<em>Pensando-vos
+estou
+filha</em>, que o sr. dr. Theophilo Braga deu, tambem
+levianamente, como de Bernardim, sendo ali&aacute;s de
+Cam&otilde;es, nada vir&aacute; a perder o nome de Bernardim
+Ribeiro&#8213;antes pelo contrario! <br />
+
+
+<br />
+
+
+N'este trabalho notavel do sr. Guimar&atilde;es, obra de paciente
+investiga&ccedil;&atilde;o e bem disciplinado criterio, faz-se
+referencia a muitos outros factos interessantes, que nos
+abst&ecirc;mos de contar, porque do livro apenas pretendemos dar
+rapida noticia; mas todos os elogios ser&atilde;o poucos a quem com
+coragem estr&eacute;me veio inteirar
+<span class="pagenum">[124]</span>
+a gloria de
+Bernardim Ribeiro que, desventuroso poeta, de uma parte d'ella havia
+sido espoliado. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Muito agradecemos a captivante offerta de um exemplar de <em>Bernardim
+Ribeiro</em>,
+com que fomos brindados pelo auctor. <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature tinyl">(Da <em>Mala da Europa</em>,
+de L, de Lisboa, n.&ordm;
+669, de 6 de dezembro de 1908).</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<h3 style="text-align: left;"><a name="a6"></a>Ainda
+Chrisfal </h3>
+
+
+<br />
+
+
+Longe estava de ver t&atilde;o depressa e amplamente confirmada a
+minha asser&ccedil;&atilde;o de que o trabalho de Delfim
+Guimar&atilde;es
+&laquo;<em>Bernardim Ribeiro (o Poeta Crisfal)</em>&raquo;
+era, para mim,
+um &laquo;livro de consola&ccedil;&atilde;o&raquo;,
+quando
+o <em>Diario de Noticias</em> de 3 do corrente, sob a
+epigraphe &laquo;<em>Academia de Sciencias de Portugal</em>&raquo;
+me trouxe esse verdadeiro manjar (para lhe n&atilde;o chamar
+capitoso petisco...) espiritual &aacute; minha insaciavel fome de
+aprender. <br />
+
+
+<br />
+
+
+&Eacute; como segue a passagem, que me interessa da local
+jornalistica em quest&atilde;o: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+&laquo;<em>Em seguida</em> (o sr. dr.
+Theophilo Braga) <em>realisa uma
+communica&ccedil;&atilde;o sobre Bernardim Ribeiro e Christovam
+Falc&atilde;o mostrando como a vida amorosa d'este oscilla entre
+1525 e 1565, sen&atilde;o n'aquella data mo&ccedil;o fidalgo, e
+tendo pelo menos 12 annos, ao passo que aquelle era j&aacute;
+idoso; evidencia como na &Eacute;gloga transparecem diversas
+situa&ccedil;&otilde;es da vida de Christovam
+Falc&atilde;o, e termina por invocar as opini&otilde;es de
+Diogo Couto, Gaspar Fructuoso e outros que comprovam a existencia das
+duas individualidades que apesar de similhantes
+<span class="pagenum">[126]</span>
+n'algumas
+situa&ccedil;&otilde;es da vida,
+n&atilde;o podem j&aacute;mais confundir-se</em>&raquo;.
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Eu imagino estar vendo estas palavras cahir do labio venerando, sobre a
+douta assembleia, como outras tantas perolas que, depois de serem ali
+devidamente apreciadas, resvalaram c&aacute; p'ra f&oacute;ra,
+para o monturo anonymo, offerecidas em repasto magnifico aos cerdos
+iconoclastas. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Bacorejemos, pois, as preciosas gemmas... <br />
+
+
+<br />
+
+
+Diz o Mestre que a <em>vida amorosa</em> de
+Christovam Falc&atilde;o oscilla entre 1525 e 1565, sem ficarmos
+sabendo se a sua <em>vida poetica</em> tambem oscilla
+dentro do mesmo periodo, isto &eacute;: se a actividade <em>amorosa</em>
+e a actividade
+<em>poetica</em> de Chrisfal se confundem, caminham a
+par-e-passo ou se, pelo contrario, &eacute; o amoroso que precede o
+vate, se este antecede o namorado. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Eu, por mim, se alguma coisa entendo n'esta complicada psycologia,
+estou em dizer que, em geral, as duas actividades se confundem,
+s&atilde;o isochronas, e, segundo este criterio, Falc&atilde;o
+s&oacute; poetou com exito desde 1525. <br />
+
+
+<br />
+
+
+N&atilde;o p&oacute;de elle, pois, ter figurado no Cancioneiro
+de Resende, que tem a data de 1516, como o sr. dr. Theophilo Braga
+pretendia at&eacute; ha uma duzia d'annos atraz&#8213;opini&atilde;o
+que depois modificou no seu trabalho, sobre Bernardim Ribeiro, que veio
+&aacute; estampa em 1897. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Mas o Mestre, em 1897, deixou de lhe dar entrada no Cancioneiro pela
+subtil raz&atilde;o de que Chrisfal n&atilde;o
+poet&aacute;ra nos Ser&otilde;es da
+c&ocirc;rte por pertencer ao <em>ramo pobre</em> dos
+Falc&otilde;es. Lembran&ccedil;a exegetica que nos leva a
+concluir que todos os poetas do Cancioneiro poetaram nos ditos
+ser&otilde;es
+<span class="pagenum">[127]</span>
+e demais a mais com a
+escarcella bem provida d'aureos recursos&#8213;embora muitas e muitas
+poesias d'aquella grandiosa collec&ccedil;&atilde;o resvalem da
+casuistica amorosa, que &eacute; a caracteristica da poetica
+palaciana, para a lucta dos interesses em que se revela a necessidade
+do vil metal. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Mas agora que o insigne Professor colloca a vida amorosa de
+Falc&atilde;o entre 1525 e 1565, pergunto eu: permanece este
+argumento para a sua exclus&atilde;o do Cancioneiro ou teremos de
+assentar que Chrisfal n'elle n&atilde;o figurou pela simples
+raz&atilde;o de, em 1516, andar ainda com coeiros? <br />
+
+
+<br />
+
+
+Naturalmente teremos de optar por esta ultima vers&atilde;o e,
+portanto, p&ocirc;r de banda a sua amisade e apregoadas
+confidencias com o auctor das <em>Saudades</em>. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Fica de vez assente, pois, que Christovam Falc&atilde;o
+n&atilde;o foi poeta do Seculo XV. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Proponho-me agora provar, <em>currente
+calamo</em> (como n&atilde;o pode deixar de ser tratando-se
+d'alguem que se n&atilde;o familiarisou com <em>os processos
+inductivos da critica moderna</em>... ) que Christovam
+Falc&atilde;o tambem n&atilde;o foi poeta do Seculo XVI, como
+agora pretende o sr. dr. Theophilo Braga. <br />
+
+
+<br />
+
+
+E isto porqu&ecirc;?! <br />
+
+
+<br />
+
+
+Porque eu posso duvidar (ainda que me apodem de irreverente pedantismo)
+das, por vezes, arrojadas conclus&otilde;es chronologicas do
+insigne Professor. Mais anno menos anno, mais seculo menos seculo
+s&atilde;o, para os grandes Generalisadores, coisas d'uma
+importancia mediocre. Outro tanto me n&atilde;o succede, quando a
+generalisa&ccedil;&atilde;o visa um assumpto basilar na
+essencia, no modo de ser do facto scientifico.
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[128]</span>
+E &eacute; este o caso. Cristovam Falc&atilde;o foi poeta entre
+1525 e 1565?! <br />
+
+
+<br />
+
+
+Ou&ccedil;amos o sr. dr. Theophilo Braga: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+&laquo;Se Cristovam Falc&atilde;o escrevesse depois de 1527,
+quando S&aacute; de Miranda propagou as formas da poetica italiana,
+teria ent&atilde;o adoptado o verso endecasyllabo, e a
+f&oacute;rma da
+<em>outava</em>, do <em>terceto</em>, e
+trocaria pelo
+<em>soneto</em> o conceite proven&ccedil;alesco dos que
+ainda seguiam o typo do
+Inferno de Amor (<em>Bern. Rib. e os
+Bucolistas</em>, pag. 141)&raquo;.<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Na edi&ccedil;&atilde;o refundida do seu Bernardim Ribeiro,
+publicada em 1897, esta affirma&ccedil;&atilde;o cathegorica
+permanece igual ou identica, como, ali&aacute;s, n&atilde;o
+podia deixar de ser. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Demos de barato que se possa ter opini&atilde;o diversa da do
+insigne lente do Curso Superior de Lettras, o que ninguem
+p&oacute;de &eacute; contrariar a <em>realidade historica</em>,
+porque, como
+&eacute; sabido, contra factos n&atilde;o ha argumentos. <br />
+
+
+<br />
+
+
+E esta <em>realidade</em> diz-nos que, depois
+de S&aacute; de Miranda, n&atilde;o houve um
+un&iacute;co
+poeta que n&atilde;o tivesse experimentado as formas petrarchinas e
+o verso heroico. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Houve um dr. Antonio Ferreira que nunca em sua vida fez um verso de <em>medida
+velha</em>; houve muitos, e entre elles o proprio iniciador da
+poetica italiana, que n&atilde;o desdenharam a redondilha e os
+velhos agrupamentos metricos. De quem poetasse <em>exclusivamente</em>
+pelos antigos processos... n&atilde;o consta. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Logo, a n&atilde;o ser que rasguemos a
+<em>logica</em> do Mestre e a <em>verdade</em>
+da Historia,
+Christovam Falc&atilde;o n&atilde;o encontra cadeira onde se
+sente, nem na
+<span class="pagenum">[129]</span>
+vasta saleta da poesia
+palaciana, nem no refulgente sal&atilde;o do Seculo de Quinhentos! <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="break">
+<hr /></div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Uma passagem do meu ultimo artigo teve o cond&atilde;o d'excitar
+duas
+communica&ccedil;&ocirc;es que amavelmente me
+foram endere&ccedil;adas. <br />
+
+
+<br />
+
+
+A primeira, d'um amigo, que me escreve: &laquo;Sobre o soneto
+attribuido a Guilherme Braga, devo dizer-lhe que o auctor do mesmo
+n&atilde;o &eacute; o dr. Manuel da Nobrega, mas sim outro
+poeta.&raquo; <br />
+
+
+<br />
+
+
+Claramente, corri logo a casa d'este amigo que me aconselhou uma
+intervista com o insigne bibliophilo e bibliographo sr. Annibal
+Fernandes Thomaz, o que, para mim, foi d'um prazer espiritual, como, de
+ha muito, me n&atilde;o era dado gosar. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Annibal Fernandes Thomaz &eacute; pessoa familiar a todos que
+n'este paiz se occupam de livros e&#8213;coisa rara!&#8213;a todos sorri, a todos
+mette no cora&ccedil;&atilde;o e em todos tem um admirador dos
+seus vastissimos conhecimentos e, o que &eacute; mais, um amigo
+devotado das suas grandes qualidades. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Disse-lhe ao que ia; mas, como da nossa conferencia resulta uma
+resposta &aacute; segunda
+communica&ccedil;&atilde;o que recebi, &eacute; bem que
+n'este momento aqui fique exarada essa
+communica&ccedil;&atilde;o. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Trata-se d'um bilhete-postal anonymo, e, se quebro a minha velha praxe
+e o bom-conselho de todos de lan&ccedil;ar para os papeis inuteis
+esta ordem de documentos, &eacute; porque se trata d'um assumpto
+litterario e o meu correspondente, por qualquer raz&atilde;o se
+n&atilde;o querer fazer
+conhecido, o que muito me contraria. Diz assim:
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[130]</span>
+&laquo;O soneto que v. reproduziu no <em>Diario
+Illustrado</em> tem mais de dois seculos. Bastava o estylo para o
+denunciar seiscentista; mas a prova positiva est&aacute; em a Nova
+Floresta, terceiro tomo, tit. V, apopht. LIV. Permitta-se a um obscuro
+padre dizer mais. Com essa ancianidade de taes versos toma nova
+for&ccedil;a o contra argumento de v. sobre o silencio dos
+cancioneiros a respeito de Crisfal. Na margem do soneto pag. 207, da
+edi&ccedil;&atilde;o da
+<em>Nova Floresta</em> de 1759 (4.&ordf;
+impress&atilde;o que tenho &aacute;
+vista) l&ecirc; se o nome do autor assim:
+<em>Do Doutor Manuel da Nobrega</em>. Quem fez um tal
+soneto, t&atilde;o seriamente engenhoso, apesar do gongorismo, e
+t&atilde;o bem metrificado, havia de ter mais poesias: e sendo <em>doutor</em>,
+n&atilde;o era
+um desconhecido. Que temos d'elle na <em>Fenix Renascida</em>?
+Quem o conhece? Alguns annos ha, o soneto reproduzido
+an&oacute;nimo em muitos livros devotos, foi publicado em o <em>Novo
+Mensageiro do
+Cora&ccedil;&atilde;o de Jesus</em> (revista piedosa mas
+de muita litteratura) com a indica&ccedil;&atilde;o, que a
+minha memoria aproveitou agora, da <em>Nova Floresta</em>,
+e com uma nota que dizia ser o nome do Dr. M. Nobrega desconhecido dos
+bibliographos.&raquo; <br />
+
+
+<br />
+
+
+Vamos agora, rapidamente, ao resultado das pesquizas com Fernandes
+Thomaz. <br />
+
+
+<br />
+
+
+O soneto <em>A v&oacute;s, correndo vou,
+bra&ccedil;os sagrados</em> encontra-se a fechar uma
+dedicatoria a &laquo;Jesus Christo Senhor Nosso
+Crucificado&raquo; d'um curiosissimo livro de 1734 intitulado
+&laquo;<em>Anacephaleosis medico theologica, moral e politica</em>,
+etc.,
+etc.&raquo;, obra d'um tal Bernardo Pereyra, medico do partido da
+villa do Sardoal. <br />
+
+
+<br />
+
+
+O meu primeiro correspondente, que conhecia o livro, attribuiu
+facilmente a Pereira a autoria
+<span class="pagenum">[131]</span>
+do soneto, por n&atilde;o reparar nas palavras que precedem
+a sua reproduc&ccedil;&atilde;o, e que dizem: <br />
+
+
+<br />
+
+
+&laquo;...e finalmente como se consegue a gloria que &eacute;
+a melhor conclus&atilde;o que se tira depois de sahir da
+Universidade do mundo para as Escollas do C&eacute;o; mas
+ser&aacute; bem, meu amoroso Jesus, <em>que antes de tudo
+diga com hum
+devoto</em> que hoje para renacer do estado da culpa ao da
+gra&ccedil;a, que de v&oacute;s espero, para seguir o caminho
+por onde n&atilde;o v&aacute; precipitado, mas antes com a
+vossa direc&ccedil;&atilde;o fortalecido! <br />
+
+
+<br />
+
+
+&laquo;<em>A v&oacute;s correndo vou,
+bra&ccedil;os sagrados</em>, etc., etc.&raquo; <br />
+
+
+<br />
+
+
+Mas (e vae isto em resposta ao anonymo correspondente) tanto Barbosa,
+na sua <em>Bibliotheca</em>, como Innocencio, no <em>Diccionario</em>,
+citam Manuel da Nobrega, como auctor do <em>Epicedio
+inconsolavel &aacute; morte do Ser. Principe de Portugal D.
+Theodosio que falleceu em 15 de maio de 1653</em> e como
+collaborador nas <em>Memorias funebres de D. Maria de Athayde</em>
+fallecida em 22 de agosto de 1649. <br />
+
+
+<br />
+
+
+&Eacute; livro muito interessante estas
+&laquo;<em>Memorias funebres sentidas pelos engenhos
+portugueses na morte da Senhora D. Maria de Athayde</em>&raquo;.
+N'ellas se encontram poesias em portuguez, francez, hespanhol,
+italiano, latim, assignadas pelos nomes dos poetas mais illustres do
+tempo e, para n&atilde;o citar outros, bastar&aacute; lembrar
+os de Soror Violante do C&eacute;o e D. Francisco Manuel de Mello. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Ao que parece tratava-se d'uma extremada formosura <em>doubl&eacute;e</em>
+(como
+hoje se diz) d'uma alma de elei&ccedil;&atilde;o. <em>O
+Doutor Manuel de
+Nobrega</em> concorre a este florilegio poetico com um soneto e
+uma egloga. O soneto: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<em>Aquelle bello Sol, que amanhecia</em>,
+n&atilde;o desmerece, antes tem grandes ares de familia com o
+<span class="pagenum">[132]</span>
+que tem sido causa d'esta
+palestra... algo pesada. <br />
+
+
+<br />
+
+
+N&atilde;o quero, por&eacute;m, terminal-a sem exarar o meu
+parecer de que o Soneto, embora
+<em>culterano</em>, tem t&atilde;o pouco de
+<em>gongorico</em> que Guilherme Braga, ou qualquer outro
+grande poeta de hoje, n&atilde;o desdenharia assignal-o, se essa
+fosse <em>a
+sua corda</em>. <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature"><span class="smallcaps">Hemeterio
+Arantes</span>.
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+(Do <em>Diario Illustrado</em>, de Lisboa, de
+9 de dezembro de 1908).</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<h3 style="text-align: left;"><a name="a7"></a>&laquo;Bernardim
+Ribeiro&raquo;<br />
+
+
+(O Poeta Crisfal) </h3>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="quote2 tinyl">Subsidios para a Historia da
+literatura portuguesa, por Delfim
+Guimar&atilde;es. 1908&#8213;Liv. ed. Guimar&atilde;es &amp; C.<sup>a</sup>
+Lisboa&#8213;8.&ordm;, 274 pag. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Delfim Guimar&atilde;es, Bibliographia: Prosa: <em>Alma
+Dorida</em>, com prefacio de Teixeira Bastos, <em>O
+Rosquedo</em> (scenas
+do Minho), <em>Ares do Minho</em>
+(contos).&#8213;Critica litteraria: <em>A viagem por terra do sr.
+Jo&atilde;o Penha</em>.&#8213;Verso:
+<em>Lisboa negra</em>, <em>Confidencias</em>,
+<em>Evangelho</em>,
+<em>N&atilde;o! mil vezes n&atilde;o!</em>, <em>Sim!
+mil vezes
+sim!</em>, <em>Sonho
+Garretteano</em>, <em>A Virgem do Castello</em> e
+<em>Outonaes</em>.&#8213;Theatro:&#8213;<em>Aldeia
+na C&ocirc;rte</em>, de
+collabora&ccedil;&atilde;o com D. Jo&atilde;o da Camara. (3
+actos&#8213;Th. D. Amelia), <em>Juramento
+sagrado</em> (1 acto, verso.&#8213;Th. D. Maria). Traduziu a <em>Dama
+das Camelias</em>, de
+Dumas, filho; reviu e publicou as <em>Saudades</em> de
+Bernardim Ribeiro e as <em>Trovas de Crisfal</em>, do
+mesmo auctor. Fundou e dirige a Bibliotheca Classica Popular.
+Collaborou longo tempo na <em>Mala da Europa</em>, <em>Provincia</em>,
+<em>O Lima</em>,
+<em>Chronica</em>, <em>etc.</em> Varias obras
+de Delfim
+Guimar&atilde;es teem j&aacute; 2.&ordf;
+edi&ccedil;&atilde;o, estando
+algumas outras exgotadas.</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[134]</span>
+Desde longos tempos at&eacute; este anno 1908 da era de
+Xp&otilde;, como escreviam os nossos velhotes, tudo era suppor que,
+ahi por alturas de mil quinhentos e tal da mesma era do Senhor, viveu,
+floresceu, e ninguem mais soube d'elle, certo <em>Crisfal</em>,
+poeta e
+namorado, que toda a gente indicava como sendo Christov&atilde;o
+Falc&atilde;o, um Christov&atilde;o Falc&atilde;o que se
+sabe agora escrever como um carreiro e ter mais erros de orthographia
+do que cabellos tinha na cabe&ccedil;a... se a Historia
+n&atilde;o provar que elle era careca. Indicava se
+Christov&atilde;o Falc&atilde;o tacteando. Para manter a
+suspei&ccedil;&atilde;o havia s&oacute; o
+corresponder o pseudonymo <em>Cris fal</em> &aacute;s
+primeiras sylabas do nome do supposto poeta. Longo tempo a mentira
+prevaleceu e longo tempo os doutos acceitaram de boamente a patranha,
+uns supplementando-a com fabula&ccedil;&otilde;es <em>&aacute;
+priori</em>, outros asseverando que tal era porque era e
+&laquo;por ser verdade passavam a presente que
+assignavam&raquo;. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Caminhava tudo em doce paz quando Delfim Guimar&atilde;es,
+publicando o livro de que nos occupamos, desfez a lenda, tombou os
+castellos e p&ocirc;z a cousa nos devidos termos. Mas vamos ao que
+importa. <br />
+
+
+<br />
+
+
+&laquo;De como e porqu&ecirc; Delfim Guimar&atilde;es achou
+que <em>Crisfal</em> n&atilde;o passou de
+um pseudonymo de Bernardim Ribeiro e de cousas varias que ao deante se
+ver&atilde;o&raquo;, &eacute; um capitulo que,
+n'esta critica, deve interessar o leitor, agora que j&aacute; sabe
+que tal <em>Crisfal</em> nunca existiu. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Delfim Guimar&atilde;es &eacute; um estudioso e um devotado.
+Manuseia os classicos com a mesma curiosidade com que aguarda o ultimo
+livro de Anatole France ou o novo romance de Octave Mirbeau.
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[135]</span>
+Ha tempo, dirigindo uma collec&ccedil;&atilde;o, publicou as <em>Saudades</em>
+do nosso Bernardim,
+auctor que, por sua natural tristura e dul&ccedil;orosidade, desde
+menino e mo&ccedil;o mais o prendia e captivava. Tudo estaria bem
+at&eacute; aqui se, mente cogitativa e emprehendedora,
+n&atilde;o scismasse em publicar uma Bibliotheca de Classicos
+animado pelo exito das <em>Saudades</em>. Uma Bibliotheca
+de vulgarisa&ccedil;&atilde;o, destinada a mostrar &aacute;
+alma do vulgo o escrinio das melhores joias dos nossos antepassados. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Anteriormente uma natural curiosidade o levara a estudar os poetas que
+se apontavam como maiores amigos de Bernardim: S&aacute; de Miranda
+e <em>Crisfal</em>, o celebrado Christovam
+Falc&atilde;o que hoje deve &aacute;s musas a celebreira que
+por seculos desfructou,&#8213;elephante que conseguiu passar por canario, o
+animal. <br />
+
+
+<br />
+
+
+A extraordinaria semelhan&ccedil;a de
+<em>Crisfal</em> a Bernardim, os mesmos lamentos, a mesma
+situa&ccedil;&atilde;o amorosa, os mesmos queixumes; a ausencia
+absoluta de noticias e referencias na obra de S&aacute; de Miranda
+e Bernardim ao poeta coevo e imitador, tudo isto deu a Delfim
+Guimar&atilde;es a certeza de que <em>Crisfal</em> e
+Bernardim era o mesmo, s&oacute;, e altissimo poeta.
+Al&eacute;m d'isto nenhum documento da epocha autorisava a
+p&ocirc;r a carapu&ccedil;a <em>Crisfal</em> em
+cabe&ccedil;a de Christovam Falc&atilde;o. O mesmo editor de
+Bernardim,
+edi&ccedil;&atilde;o de 1554, onde se acha incorporada a
+&laquo;Egloga chamada Crisfal&raquo; escreve, referindo-se-lhe:
+&laquo;<em>que dizem ser</em> de Christovam Falcam, ho
+que parece alludir ho nome da mesma Egloga&raquo;. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Estudado o contemporaneo Christov&atilde;o Falc&atilde;o,
+v&ecirc;-se que elle era pouco menos de bronco e n&atilde;o
+poderia ser nunca o auctor da
+<em>Egloga</em>.
+<span class="pagenum">[136]</span>
+Adquirida a certeza, que era
+<em>Crisfal</em>? E logo, deductivo, Delfim
+Guimar&atilde;es achou a chave. &Eacute; <em>crisma falso</em>,
+pois que
+na Egloga se move a mesma passionalidade de Bernardim com supositicios
+nomes&#8213;falsos crismas. <br />
+
+
+<br />
+
+
+O livro do escriptor &eacute; ilustrado com um fac-simile de uma
+carta do pretenso Christovam Falc&atilde;o e acompanhado de uma
+arvore genealogica dos Falc&otilde;es. De uma logica cerrada e
+inteligente, preciosamente documentado, &eacute; um trabalho
+collosal que dar&aacute; echoantissimo nome ao seu auctor. E
+enquanto se n&atilde;o perder na memoria das
+gera&ccedil;&otilde;es o nome do bardo amoroso, o triste
+Bernardim, o nome de Delfim Guimar&atilde;es n&atilde;o se
+desacorrentar&aacute; da
+gloria de ter focado com intensa luz um t&atilde;o curioso e
+deturpado caso da litteratura portugueza. <br />
+
+
+<br />
+
+
+L&aacute; f&oacute;ra esta obra faria n&atilde;o
+s&oacute; a gloria mas o nome de um trabalhador. As Academias
+levar-lhe-hiam o seu <em>fauteuil</em> estofado, e os
+editores disputariam a honra de lhe pagar. <br />
+
+
+<br />
+
+
+C&aacute; d&aacute; desgostos, nada mais. <br />
+
+
+<br />
+
+
+O illustre publicista Jos&eacute; Sampaio (Bruno)
+cheg&aacute;ra &aacute;s mesmas conclus&otilde;es. Anselmo
+Braamcamp Freire vae publicar um trabalho curiosissimo sobre Maria
+Brand&atilde;o; Jos&eacute; Caldas &eacute; da
+opini&atilde;o de que se achou a verdade. Quem resta? Carolina
+Michaelis, cuja opini&atilde;o importa saber, e Theophilo Braga,
+que discorda. <br />
+
+
+<br />
+
+
+As impugna&ccedil;&otilde;es que Delfim Guimar&atilde;es
+fez aos livros de Theophilo est&atilde;o em aberto. E Delfim veio
+com este seu trabalho n&atilde;o s&oacute;
+elliminar um Christovam da litteratura e uma Maria das muitas Marias
+enamoradas, mas fazer luz sobre uma poesia de Cam&otilde;es
+falsamente attribuida a Bernardim Ribeiro, e documentar
+<span class="pagenum">[137]</span>
+que <em>s&oacute;mente</em>
+S&aacute;
+de Miranda foi o introductor da Escola Italiana em Portugal. Bernardim
+Ribeiro foi o introductor mas das novas eglogas vergilianas. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Raro talento, muito estudo, aturada analyse,
+observa&ccedil;&atilde;o profunda e um grande
+servi&ccedil;o prestado &aacute; litteratura, eis como julgamos
+o livro <em>Bernardim Ribeiro</em>. Com ares
+impugnativos veio o sr. Jord&atilde;o A. de Freitas no <em>Diario
+de
+Noticias</em> carretar materiaes para o rude e
+esfor&ccedil;ado prelio a travar-se. N&atilde;o
+cr&ecirc;mos que o haja. Theophilo Braga, por&eacute;m, que tem
+estado silencioso, dir&aacute; de sua justi&ccedil;a. O
+trabalho de Delfim
+Guimar&atilde;es &eacute; probo e consciencioso. Merece o
+applauso incondicional de todos, e que rejubile a litteratura que ainda
+tem artistas que, fructo de seu labor, lhe d&atilde;o
+t&atilde;o bellas obras. <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature"><span class="smallcaps">Albino
+Forjaz de Sampayo</span>.<br />
+
+
+<br />
+
+
+(Do jornal <em>A Lucta</em>, de Lisboa, de 16
+de dezembro de 1908).</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<h3 style="text-align: left;"><a name="a8"></a>&laquo;Bernardim
+Ribeiro&raquo;<br />
+
+
+por Delfim Guimar&atilde;es
+</h3>
+
+
+<br />
+
+
+A obra que Delfim Guimar&atilde;es acaba de publicar &eacute; o
+producto d'um lucido criterio aliado a uma habil quanto meticulosa
+investiga&ccedil;&atilde;o. Sem ser um erudito nem rebuscador
+d'archivos, Delfim Guimar&atilde;es, antes de encetar quaesquer
+pesquizas, teve a maravilhosa intui&ccedil;&atilde;o&#8213;ou elle
+n&atilde;o fosse um poeta&#8213;de que os admiraveis versos do <em>Crisfal</em>,
+desirmanados no
+decorrer do tempo da obra litteraria de Bernardim, constituiam com o
+poetico romance de <em>Menina e Mo&ccedil;a</em>,
+reflexos
+d'um mesmo espirito, vibra&ccedil;&otilde;es d'um unico
+cora&ccedil;&atilde;o. <br />
+
+
+<br />
+
+
+&Eacute; que o illustre critico interpret&aacute;ra com
+verdadeiro sentimento o genio do infortunado poeta, levando a tal ponto
+a sua predilec&ccedil;&atilde;o por elle, que com as <em>Saudades</em>
+abrira
+essa galeria de publica&ccedil;&otilde;es classicas portuguezas
+em
+edi&ccedil;&otilde;es populares vulgarisadas, cujo inicio no
+nosso meio litterario a Delfim Guimar&atilde;es se deve. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Toda aquella paix&atilde;o do enternecido bucolista das <em>Saudades</em>,
+a fluidez incomparavel
+d'essa linguagem que &eacute; na sua simplicidade uma mimica d'alma
+e tem a harmonia d'um fio d'agua gorgolejante,
+<span class="pagenum">[140]</span>
+tudo isso,&#8213;o sentimento, que
+&eacute; a vida na obra d'arte, Delfim Guimar&atilde;es foi
+encontrar nas composi&ccedil;&otilde;es erradamente attribuidas
+a Cristovam Falc&atilde;o. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Obtida a prova subjectiva de que o poeta das <em>Saudades</em>
+era o trovador do
+<em>Crisfal</em>&#8213;na realidade um criptogramma formado
+pelas primeiras syllabas das palavras <em>crisma</em> e
+<em>falso</em>&#8213;o distincto escriptor encetou a
+investiga&ccedil;&atilde;o historica do que para elle
+f&ocirc;ra um presentimento e pelo estudo feito sobre os documentos
+da epoca, seu confronto e interpreta&ccedil;&atilde;o,
+conseguiu destruir n'uma argumenta&ccedil;&atilde;o irrefutavel
+e cheia de brilho,
+a lenda feita tradi&ccedil;&atilde;o e cimentada pelo mais
+auctorisado critico da nossa litteratura, que o trovador do <em>Crisfal</em>
+nunca
+poderia ter sido Cristovam Falc&atilde;o. <br />
+
+
+<br />
+
+
+A carta d'este mo&ccedil;o fidalgo a D. Jo&atilde;o III, que
+Delfim Guimar&atilde;es transcreve na integra e que na
+edi&ccedil;&atilde;o de Theophilo Braga apparecera deturpada,
+&eacute; inquestionavelmente a prova mais evidente&#8213;e outras
+n&atilde;o houvesse com
+rela&ccedil;&atilde;o a datas&#8213;de que nunca o espirito trivial
+que alinhavou aquelles periodos&#8213;se &eacute; que ali os
+ha&#8213;idealisaria a enternecida ecloga do
+<em>Crisfal</em>, que &eacute; ainda, a alguns seculos
+de distancia, n'esta epocha em que a arte possue riquissimos processos
+de technica e a linguagem tanto ganhou em express&atilde;o
+emocional,&#8213;uma soberba joia litteraria. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Nesta obra, t&atilde;o cheia de revela&ccedil;&otilde;es,
+come&ccedil;a o auctor por fixar em bases positivas as
+<em>&eacute;tapes</em> da infortunada vida de
+Bernardim, desde o seu nascimento no Alemtejo em 1482 at&eacute;
+&aacute; sua morte no Hospital de Todos os Santos, de Lisboa, em
+1552, submerso nas trevas horriveis
+<span class="pagenum">[141]</span>
+da loucura. Depois com o esbo&ccedil;o dos seus amores da
+adolescencia e paix&atilde;o tragica que votou a Joanna Tavares,
+que foi a mais intensa affei&ccedil;&atilde;o de Bernardim e a
+inspiradora do seu triste trovar, entra-se nos capitulos da exegese,
+sendo todo o livro uma refuta&ccedil;&atilde;o completa das
+id&eacute;as correntes sobre a problematica personagem do trovador
+do <em>Crisfal</em>.
+N&ecirc;le se visionam muitos pontos de vista at&eacute;
+ent&atilde;o desconhecidos e se estabelecem novas pistas para
+norteamento dos estudiosos, as quaes, certamente, muito
+contribuir&atilde;o para que todo o interessante enigma literario
+se desvele em absoluto. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Nas suas curiosas investiga&ccedil;&otilde;es, fez Delfim
+Guimar&atilde;es preciosos achados que denotam uma grande subtileza
+nas suas faculdades de critico, como a da poesia de Cam&otilde;es,
+erradamente atribuida a Bernardim, que se acha no cancioneiro de Luis
+Franco, existente na Biblioteca Nacional de Lisboa, t&atilde;o
+interessantemente descoberta, e o das tres poesias constantes d'um <em>pliego-suelto</em>
+de 1656, da mesma
+Biblioteca, que o distincto escriptor filia com boas raz&otilde;es
+no estro de Bernardim. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Merc&ecirc; da linguagem casti&ccedil;a, t&atilde;o
+saborosamente portugueza, de que o auctor se serve, assim identificada
+com o thema historico versado, a obra &eacute; por si
+s&oacute;, e independente da maneira de v&ecirc;r do auctor, o
+trabalho honesto de um escrit&ocirc;r que &eacute; ao mesmo
+tempo um artista, n'essa evoca&ccedil;&atilde;o, d'um
+t&atilde;o forte
+relevo, das saudosas edades em que os poetas amavam mais sinceramente e
+eram menos complicados, a arte n&atilde;o sendo como hoje um
+<em>m&eacute;tier</em> lucrativo, mas a
+manifesta&ccedil;&atilde;o espontanea d'um espirito no
+v&ocirc;o errante da inspira&ccedil;&atilde;o.
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[142]</span>
+Fecha o livro um curioso estudo sobre a vida de Cristovam
+Falc&atilde;o e sua genealogia, certamente o mais completo
+at&eacute; agora. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Felicitamos Delfim Guimar&atilde;es pelo seu valioso trabalho que
+vem deslocar c&oacute;modos preconceitos arreigados e abrir novos
+horizontes aos que se interessam&#8213;que s&atilde;o todos os
+portuguezes&#8213;pelo estudo da litteratura portugueza no periodo aureo
+d'esta nacionalidade. <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature">(Do jornal <em>O Dia</em>,
+de Lisboa, de 9 de
+janeiro de 1909.)</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<h3 style="text-align: left;"><a name="a9"></a>&laquo;Bernardim
+Ribeiro&raquo;<br />
+
+
+(O Poeta Crisfal) </h3>
+
+
+<br />
+
+
+&Eacute; esta obra que perpetuar&aacute; o nome do seu auctor,
+se bem que Delfim Guimar&atilde;es em precedentes trabalhos
+litterarios tenha j&aacute; adduzido sobejas provas para que lhe
+poss&acirc;mos reconhecer um elevado grau de intelligencia. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Com a publica&ccedil;&atilde;o do volume cujo titulo encima
+esta noticia, o servi&ccedil;o prestado por Delfim
+Guimar&atilde;es &aacute; historia da litteratura patria
+est&aacute; sendo louvado t&atilde;o extraordinariamente a
+ponto do sr. Albino Forjaz de Sampaio, primoroso chronista da <em>Lucta</em>,
+n&atilde;o
+ter duvida em afirmar que no Estrangeiro tal
+publica&ccedil;&atilde;o
+franquearia ao seu auctor as portas d'uma Academia. <br />
+
+
+<br />
+
+
+O livro apresentado &eacute; o producto d'uma ardua tarefa em que
+pacientes faculdades de
+investiga&ccedil;&atilde;o, alliadas a uma singular vivacidade,
+removem com cauteloso tino os escabrosos obstaculos que t&atilde;o
+ingrato estudo frequentemente dep&aacute;ra. Por isso &eacute;
+que, sem receio de
+contradicta, nos afoutamos a asseverar que em Portugal ninguem melhor
+do que Delfim Guimar&atilde;es conhece o periodo da historia
+litteraria a que o
+<span class="pagenum">[144]</span>
+mesmo assumpto
+directamente respeita. E nem isso pode causar surpreza ao leitor
+illustrado, uma vez que a arrojada affirmativa do illustre publicista,
+que &eacute; por signal a
+<em>nega&ccedil;&atilde;o</em> da
+existencia de Christovam Falc&atilde;o, como trovador quinhentista,
+demandava um minucioso exame analytico a todos os documentos
+litterarios de ent&atilde;o; e nisso s&oacute; a mais
+escrupulosa cautella conjugada com uma aguda perspicacia, como
+j&aacute; deixamos dito, poderia lograr o exito desejado. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Os materiaes que Delfim Guimar&atilde;es colligiu para invalidar a
+personalidade litteraria de Christovam Falc&atilde;o, deixa-os elle
+dispersos nos varios capitulos do seu livro, os quaes sobrepostos uns
+aos outros, &aacute; medida que se vai avan&ccedil;ando na
+leitura, introduzem em qualquer espirito a certeza da these que o
+auctor se propoz comprovar. <br />
+
+
+<br />
+
+
+De envolta com os persuasivos esclarecimentos allegados em prol do seu
+proposito, o auctor rectifica raciocinios errados e
+affirma&ccedil;&otilde;es insustentaveis de Theophilo Braga, se
+bem que o sabor acre d'essas frequentes
+correc&ccedil;&otilde;es seja attenuado ou neutralisado quasi
+pelas assucaradas referencias ao passado de t&atilde;o
+incan&ccedil;avel trabalhador. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Pelo volume a que estamos alludindo v&ecirc;-se que a obra de
+Bernardim Ribeiro chegou para fazer a reputa&ccedil;&atilde;o
+de dous homens, vindo o nome de Christovam Falc&atilde;o usurpar em
+seu proveito algumas das produ&ccedil;&otilde;es d'aquelle
+mavioso lyrico, e sendo, portanto, a sua memoria um nefasto saprophyta
+que do merito alheio foi vivendo durante um longo periodo de tempo. A
+duplicidade desapparece agora com as aturadas
+<span class="pagenum">[145]</span>
+canceiras de Delfim Guimar&atilde;es
+que assim reivindica para o grande corypheu do bucolismo em Portugal
+todos os fructos do seu prodigioso talento, corrigindo um erro em que
+os bibliophilos laboraram durante seculos. D'aqui resalta&#8213;e
+&eacute; esse um dos evidentes intuitos do auctor do livro em
+quest&atilde;o&#8213;o desenho da verdadeira figura de Bernardim
+Ribeiro, com as propor&ccedil;&otilde;es proprias da sua
+gigantesca estatura litteraria, em cima do seu elevado pedestal de
+gloria, pedestal a que algumas pedras foram subtrahidas para sobre
+ellas figurar o ficticio vulto trovadoresco de Christovam
+Falc&atilde;o. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Em Portugal abundam os devotados enthusiastas de Cam&otilde;es e
+Camillo, apparecendo agora um ardente propugnador d'outro nome tambem
+illustre, a legitima-lo como uma das maiores glorias litterarias de que
+se pode ufanar um povo. Esse nome &eacute; Bernardim Ribeiro e
+entrela&ccedil;ado
+n'elle apparecer&aacute; d'oravante o de Delfim
+Guimar&atilde;es, que acaba de restituir a obra do immortal
+bucolista &aacute; sua primitiva integridade. <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature tinyl"><span class="smallcaps">Antonio
+Ferreira</span><br />
+
+
+<br />
+
+
+(Do <em>Commercio do Lima</em>, de Ponte do
+Lima, de 9 de Janeiro de 1909).</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+&nbsp;<br />
+
+
+<br />
+
+
+<h3 style="text-align: left;"><br />
+
+
+<a name="a10"></a>&laquo;Bernardim
+Ribeiro&raquo; </h3>
+
+
+<br />
+
+
+Com este titulo e o sub-titulo de <em>O Poeta Crisfal</em>,
+tambem o distincto escriptor a cujo nome, j&aacute; t&atilde;o
+merecidamente aureolado, fica feita referencia na rubrica anterior,
+publicou recentemente um interessante volume, apodado por esse proprio
+auctor de <em>subsidios para a historia da litteratura portugueza</em>,
+e que n&atilde;o
+&eacute; nem mais nem menos do que a
+demonstra&ccedil;&atilde;o a nosso
+v&ecirc;r evidentissima, digam os <em>mestres</em>
+pilhados em deturpa&ccedil;&atilde;o o que quizerem, de que
+Bernardim Ribeiro e <em>Crisfal</em> s&atilde;o uma
+e a mesma pessoa, n&atilde;o sendo <em>Crisfal</em>
+pseudonimo de Christov&atilde;o Falc&atilde;o, mas sim um
+composto das primeiras sylabas das palavras <em>Crisma falso</em>,
+de que Bernardim Ribeiro fez uso. Percorrendo se, com olhos de
+ver, e com vontade de acertar com a demonstra&ccedil;&atilde;o
+explanada por Delfim
+Guimar&atilde;es, todas as 200 e tantas paginas do volume em
+quest&atilde;o, adquire-se o convencimento de que ficaram por
+terra, uma a uma, &laquo;as pedras basilares com que o nome
+consagrado do sr. dr. The&oacute;philo Braga ergueu o monumento,
+aparentemente solido, que offertou &aacute;s lettras patrias,
+fazendo quase real, palpavel, uma miragem secular&raquo;&#8213;que
+<span class="pagenum">[148]</span>
+dava <em>Crisfal</em>
+como sendo
+Christov&atilde;o Falc&atilde;o, quando este n&atilde;o
+pertence sen&atilde;o ao dominio da lenda, sendo uma perfeita
+mystifica&ccedil;&atilde;o a sua pretendida existencia de
+litterato. <br />
+
+
+<br />
+
+
+O trabalho de verdadeiro erudito, que representa o livro de Delfim
+Guimar&atilde;es, assignala de um modo inconfundivel o seu alto
+valor de estudioso, de investigador benemerito e de operoso trabalhador
+das nossas lettras. Felicitando-o cordealmente por esta nova prova das
+suas excepcionaes qualidades, cumprimos apenas um dever. <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature tinyl">A. B.<br />
+
+
+<br />
+
+
+(Do <em>Jornal das Colonias</em>, de Lisboa,
+de 13 janeiro de 1909).</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<h3 style="text-align: left;"><a name="a11"></a>&laquo;Bernardim
+Ribeiro&raquo; </h3>
+
+
+<br />
+
+
+Temos retardado a noticia do apparecimento d'este livro notavel do
+illustre poeta e prosador, sr. Delfim Guimar&atilde;es, porque
+quizemos consagrar &aacute; sua leitura algumas horas socegadas,
+afim de poder estudar convenientemente o problema litterario que em
+suas paginas se debate. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Esta obra &eacute; o resultado de longas e aturadas
+investiga&ccedil;&otilde;es e de um estudo conscienciosissimo,
+n&atilde;o s&oacute; da obra de Bernardim Ribeiro, mas ainda da
+obra de todos os poetas, apontados como seus amigos e companheiros. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Cotejando os versos do iniciador do lirismo portuguez com os que se
+attribuem a Cristov&atilde;o Falc&atilde;o, o sr. Delfim
+Guimar&atilde;es facilmente
+reconheceu que, embora pud&eacute;sse admittir-se que a
+educa&ccedil;&atilde;o litteraria dos dois poetas tivesse sido
+a mesma, n&atilde;o era possivel que as suas tendencias esteticas
+fossem por tal maneira similhantes, que os seus versos chegassem a
+confundir-se. Um d'elles teria sido seguramente o imitador do outro. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Continuando nas suas indaga&ccedil;&otilde;es, e apreciando
+demoradamente a obra supposta contemporanea
+<span class="pagenum">[150]</span>
+de Cristov&atilde;o Falc&atilde;o, notou ainda o
+sr. Delfim Guimar&atilde;es que era frequente S&aacute; de
+Miranda referir-se a Bernardim Ribeiro nas suas obras poeticas, havendo
+tambem allus&otilde;es repetidas, nos versos d'este poeta, ao seu
+amigo e confidente. Ao auctor do <em>Crisfal</em>
+n&atilde;o notou a mais leve referencia. <br />
+
+
+<br />
+
+
+N'aquelle bello poema havia allus&otilde;es que alvejavam
+claramente S&aacute; de Miranda, e foi do estudo attento d'essas
+allus&otilde;es, que perfeitamente condiziam com as referencias das
+&eacute;clogas de Bernardim Ribeiro ao seu amigo, que resultou
+chegar aquelle illustre escriptor a conclus&otilde;es inteiramente
+satisfatorias. <br />
+
+
+<br />
+
+
+A analise de varios documentos de caracter historico e juridico
+produziu no espirito do sr. Delfim Guimar&atilde;es a
+convic&ccedil;&atilde;o de que a
+personalidade litteraria de Cristov&atilde;o Falc&atilde;o
+n&atilde;o existiu, sendo a obra que se lhe attribue toda do autor
+das <em>Saudades</em>. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Houve, &eacute; certo, um Cristov&atilde;o Falc&atilde;o de
+Sousa, que foi mo&ccedil;o fidalgo em 1527 e capit&atilde;o da
+fortaleza de Arguim em 1545, mas este personagem, na opini&atilde;o
+de Delfim Guimar&atilde;es, era incapaz de escrever a mais
+insignificante das quadras de Bernardim Ribeiro. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Como se v&ecirc;, &eacute; realmente muito notavel este livro,
+que os eruditos e todos os que se interessam pelo movimento litterario
+portuguez, certamente dever&atilde;o apreciar pela intensa luz que
+projecta sobre um dos principaes capitulos da historia da poesia
+nacional. <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature">(Do jornal <em>O Primeiro de
+Janeiro</em>, do
+Porto, de 20 de janeiro de 1909).</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<h3 style="text-align: left;"><a name="a12"></a>&laquo;Bernardim
+Ribeiro&raquo;<br />
+
+
+por Delfim Guimar&atilde;es
+</h3>
+
+
+<br />
+
+
+N&atilde;o pode um povo viver sem ideal e esse ideal ha de ser como
+a fl&ocirc;r que firma as raizes no terreno proprio das suas
+tradi&ccedil;&otilde;es. O futuro ha de ser explicado pelo
+passado em que potencialmente est&aacute; contido. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Assim, comprehende-se quanta importancia tem para a vida intellectual e
+artistica d'um povo o conhecimento de tudo quanto se refere
+&aacute; evolu&ccedil;&atilde;o litteraria dos generos e
+&aacute;s condi&ccedil;&otilde;es mesologicas em que os
+seus grandes prosadores e poetas produziram monumentos de dura. <br />
+
+
+<br />
+
+
+&Eacute; por isso que l&aacute; f&oacute;ra se
+n&atilde;o considera trabalho inutil todo aquelle que consiste em
+escavar no passado, com paciencia e com intelligencia, para d'elle
+desenterrar uma ideia, uma verdade, a correc&ccedil;&atilde;o
+d'uma data, a
+explica&ccedil;&atilde;o de um texto obscuro. <br />
+
+
+<br />
+
+
+&Eacute; sobre este trabalho &aacute; primeira vista inglorio
+que philosophos e historiadores edificam as largas syntheses, cuja
+necessidade &eacute; redundancia encarecer para a
+comprehens&atilde;o da psychologia d'um povo. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Entre n&oacute;s, modernamente, nada ou quasi
+<span class="pagenum">[152]</span>
+nada se tem feito n'esse sentido. Os nossos manuaes
+de litteratura repetem cegamente o que estava dito e feito, antes da
+descoberta dos modernos processos de critica e
+interpreta&ccedil;&atilde;o do passado. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Apenas o sr. Theophilo Braga com louvavel tenacidade se tem consagrado
+&aacute; especialidade, nem sempre sendo feliz, n&atilde;o
+s&oacute; pela sua tendencia
+a tudo systhematisar, for&ccedil;ando os factos para os encaixar
+nas suas concep&ccedil;&otilde;es
+aprioristicas, mas tambem pela vastid&atilde;o do assumpto que
+&eacute; impossivel ser abrangido pelo trabalho de um homem
+s&oacute;, principalmente quando n&atilde;o teve quem lhe
+preparasse o terreno. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Estas considera&ccedil;&otilde;es accodem-nos a proposito do
+livro de Delfim Guimar&atilde;es&#8213;BERNARDIM RIBEIRO&#8213;que representa
+incontestavelmente o acontecimento mais importante em historia
+litteraria do nosso tempo. <br />
+
+
+<br />
+
+
+O facto, que &eacute; j&aacute; do dominio publico,
+&eacute; este: Christov&atilde;o Falc&atilde;o, que passava
+por auctor da ecloga &laquo;Crisfal&raquo;, uma das joias da
+nossa
+litteratura, foi na realidade um mediocre fidalgo, incapaz de produzir
+aquella obra prima. O auctor d'esta foi, effectivamente, Bernardim
+Ribeiro, o meigo poeta das &laquo;Saudades&raquo; que serviu de
+modelo e estimulo a Luiz de Cam&otilde;es. <br />
+
+
+<br />
+
+
+O livro de Delfim Guimar&atilde;es, que &eacute; um modelo de
+investiga&ccedil;&atilde;o paciente e de critica leal
+n&atilde;o deixa duvidas a tal respeito. Seria descabido aqui
+repetir os argumentos que por ora ninguem desfez em que o auctor
+fundamenta a sua sensacional descoberta. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Limitamo-nos simplesmente a consignar que se Delfim
+Guimar&atilde;es revelou uma extraordinaria sagacidade
+estabelecendo &laquo;a priori&raquo; a identidade
+<span class="pagenum">[153]</span>
+de Bernardim Ribeiro e do auctor de
+&laquo;Crisfal&raquo;, a f&oacute;rma cheia de probidade
+por que procurou &laquo;a posteriori&raquo; justificar a sua
+opini&atilde;o honra n&atilde;o s&oacute;mente as suas
+faculdades de
+investigador, mas tambem o seu caracter. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Quer nos parecer que, depois d'este precioso livro, a ninguem
+&eacute; licito alimentar duvidas a tal respeito. E se se perde
+para o quadro dos nossos poetas um nome, fica enriquecido e aureolado
+com gloria nova, mas que lhe pertencia o doce e encantador namorado da
+&laquo;Menina e Mo&ccedil;a&raquo;. <br />
+
+
+<br />
+
+
+A Delfim Guimar&atilde;es os nossos parabens e, com elles, os
+nossos agradecimentos. <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature">(Do <em>Jornal de Noticias</em>,
+do Porto, de
+8 de fevereiro de 1909).</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<h3 style="text-align: left;"><a name="a13"></a>Divaga&ccedil;&otilde;es
+</h3>
+
+
+<h4>
+I </h4>
+
+
+S&oacute; agora,&#8213;ainda que me n&atilde;o creiam&#8213;,
+s&oacute; agora acaba de morrer, neste anno da gra&ccedil;a de
+1909, um dos grandes bucolicos da &eacute;poca de ouro dos
+escriptores quinhentistas! <br />
+
+
+<br />
+
+
+Esse macrobio das letras, Mathusalem portuguez, de nome e de
+na&ccedil;&atilde;o, era, sem mais nem menos, Chistovam
+Falc&atilde;o de Sousa, que, embora quatro vezes secular, me
+parece, indefinidamente vivo continuaria se n&atilde;o o tivessem
+acaso assassinado... <br />
+
+
+<br />
+
+
+Companheiro, amigo e confidente de Bernardim Ribeiro, houvera entre os
+dois, segundo Theophilo Braga, a infeliz conformidade de uma sorte
+infeliz; pois, ao passo que aquelle se desperdi&ccedil;ava por
+amores, tambem este por amores se perdia... <br />
+
+
+<br />
+
+
+As celebradas &laquo;Trovas de Chrisfal&raquo; collocavam a
+figura de Maria Brand&atilde;o, &laquo;com a casta graciosidade
+de uma virgem de Cimabue, dentro de paisagens que pareciam ter os
+tra&ccedil;os do pincel de Giotto&raquo;; e toda a
+tradi&ccedil;&atilde;o
+popular, j&aacute; assignalada pelo chronista Diogo do Couto,
+<span class="pagenum">[156]</span>
+era unanime em considerar esse
+nome de &laquo;Chrisfal&raquo; como formado das duas primeiras
+syllabas do prenome e appellido de Christovam Falc&atilde;o. De
+outra parte, o poema das
+&laquo;Saudades&raquo;, ou a &laquo;Menina e
+mo&ccedil;a&raquo;, de Bernardim
+Ribeiro, lembrava a desventurada paix&atilde;o do poeta pelo typo
+feminil de Joanna Tavares, que elle disfar&ccedil;ava com o
+pseudonymo pastoril de
+&laquo;Aonia&raquo;. <br />
+
+
+<br />
+
+
+T&atilde;o notavel se afigurava a individualidade literaria de
+&laquo;Chrisfal&raquo; que, para a illustre
+romanista D. Carolina Micha&euml;lis, elle teria sido o creador do
+genero bucolico em Portugal, e Bernardim apenas o seu immediato
+imitador; mas, tambem, a semelhan&ccedil;a entre elles era tal que,
+conforme a judiciosa observa&ccedil;&atilde;o do professor
+Sim&otilde;es Dias, &laquo;as obras de um podiam passar como
+feitas pelo outro.&raquo; <br />
+
+
+<br />
+
+
+E assim se devia entender e ensinar nas escolas, at&eacute; que um
+novo escriptor lusitano, o sr. Delfim Guimar&atilde;es, nos
+apparecesse com um trabalho recente e valioso, onde a toda luz
+demonstra, com grande escandalo dos mestres, que Christovam
+Falc&atilde;o &eacute;, sem menos nem mais, o mesmo Bernardim
+Ribeiro, que adoptara nas
+<span class="smallcaps">&laquo;Trovas&raquo; o
+chris (ma) fal
+(so)</span> de Chrisfal&raquo;. E a
+&laquo;Maria&raquo; de taes versos tambem constituia, a seu
+turno, mais um cryptonymo de amor... <br />
+
+
+<br />
+
+
+Por certo que existiu Christovam Falc&atilde;o, e existiu naquelles
+mesmos annos, mas o sr. Delfim Guimar&atilde;es prova que
+semelhante personagem era um ignoranta&ccedil;o de marca. <br />
+
+
+<br />
+
+
+&#8213;Arranque-se-lhe, por conseguinte, e para sempre, o rutilante diadema
+de poeta com que lhe cingiram a cabe&ccedil;a romantica...
+Puramente emprestada era a luz que o sobredourava na
+<span class="pagenum">[157]</span>
+historia,&#8213;luz que lhe n&atilde;o
+provinha do merito, sen&atilde;o antes da phantasia dos criticos. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Em todo o caso, e emquanto houver a memoria dos homens,
+viver&aacute; o seu &laquo;renome&raquo;,
+attribuido apenas &aacute; felicidade do
+&laquo;nome&raquo;... <br />
+
+
+<br />
+
+
+Se elle, como escriptor, morreu, ha de ser, comtudo, evocado nas obras
+de erudi&ccedil;&atilde;o, ao menos,
+qui&ccedil;&aacute;, como testemunho de quanto podem os enganos
+e a tardia justi&ccedil;a dos homens. <br />
+
+
+<br />
+
+
+O trabalho consciencioso do sr. Delfim Guimar&atilde;es honra a sua
+fina argucia, e nos leva a confiar no indefectivel juizo da historia
+cuja precaria relatividade &eacute; raz&atilde;o sobeja para
+nos empenharmos contra os &laquo;tortos&raquo; iniquos de que
+nos fa&ccedil;a r&eacute;os a
+precipita&ccedil;&atilde;o ou a desidia. A
+averigua&ccedil;&atilde;o do que pertence a cada um
+n&atilde;o transcende as raias da judicatura terrestre; e, para os
+que esperam na vida futura, parece que, perante o seu tribunal supremo,
+com jurisdic&ccedil;&atilde;o apenas sobre o bem e o mal,
+n&atilde;o se levar&atilde;o os problemas de preeminencia
+literaria, nem scientifica... <br />
+
+
+<br />
+
+
+&Aacute; posteridade &eacute; que compete extremar as glorias
+de cada autor; sendo que, muitas vezes, a injusti&ccedil;a ou a
+ignorancia dos coevos, n&atilde;o impedem que as gralhas sejam
+finalmente despojadas do atavio das pennas do pav&atilde;o. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Recordando o padre Manuel Bernardes o costume romano de ser punido, com
+o venablo e a nota de infamia, o legionario fanfarr&atilde;o que
+enchia a boca de mentirosas fa&ccedil;anhas, accrescenta que, se
+houvera de andar semelhante correi&ccedil;&atilde;o pelos
+ostentadores de engenho, muitos funccionarios exigiria a devida e cabal
+applica&ccedil;&atilde;o da pena, que, na velha
+organisa&ccedil;&atilde;o militar, era privativa dos
+&laquo;tribunos&raquo;. Verifica-se, por&eacute;m,
+<span class="pagenum">[158]</span>
+que, com o correr dos
+tempos, nunca faltam &laquo;tribunos&raquo; da milicia
+literaria, para o castigo dos soldados, &laquo;que blasonam falsas
+valentias&raquo;, ou para que se desmascarem os miseraveis
+impostores da sciencia. Se at&eacute; os reis, desde Homero, e,
+como dizia Cam&otilde;es, <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="poetry1">&laquo;D&atilde;o os premios,
+de Ajace merec&iacute;dos,<br />
+
+
+&Aacute; lingua v&atilde; de Ulysses fraudulenta&raquo;</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+v&ecirc;m mais tarde os divinos aedos, que, no tribunal dos
+p&oacute;steros, pleiteiam e ganham a causa dos que foram
+injustamente aggravados. <br />
+
+
+<br />
+
+
+N&atilde;o permitte, afinal, o criterio dos competentes, que um
+simples erudito, como Ptolomeu, usurpe, inappellavelmente, a fama
+devida ao saber mathematico de Hipparcho. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Este n&atilde;o &eacute; precisamente o caso de Christovam
+Falc&atilde;o de Sousa, que n&atilde;o p&oacute;de
+responder pelo erro dos que lhe enfiaram na modesta fronte uma
+cor&ocirc;a gloriosa de poeta. Elle, se vivo f&ocirc;ra,
+repugnaria acceitar o que a outrem pertencia de direito; pois, se os
+elogios que n&atilde;o merecemos, nos deprimem, em vez de
+exaltar-nos, o protesto da nossa consciencia n&atilde;o deve tardar
+quando aquillo que nos d&atilde;o representa o resultado de uma
+espolia&ccedil;&atilde;o alheia. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Reproduzindo a carta que ainda se encontra na Torre do Tombo, o sr.
+Delfim Guimar&atilde;es apurou, e deixou de manifesto, que o
+suposto trovador tinha apenas a instruc&ccedil;&atilde;o
+rudimentar dos mo&ccedil;os fidalgos do seu tempo. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Se &laquo;idiotas&raquo;, na accep&ccedil;&atilde;o
+archaica de&#8213;&laquo;sem letras&raquo;, eram, como sabemos, os
+bar&otilde;es da edade media, que at&eacute; disso mesmo se
+ufanavam, a ponto de&#8213;&laquo;o condestavel Duguesclin nunca
+<span class="pagenum">[159]</span>
+ter querido sujeitar-se
+&aacute; doutrina&ccedil;&atilde;o
+de um mestre&raquo;, nem ainda na aurora da Renascen&ccedil;a
+pareceu melhor a cultura de certos homens, apesar de illustres. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Francisco Pizarro, logar-tenente de Sua Alteza, cavalleiro da ordem de
+Santiago e conquistador do Per&uacute;, ouviu ler, deante do Grande
+Concelho dos nobres de Hespanha, a minuta do decreto que o fazia senhor
+de todas terras descobertas e por descobrir;&#8213;e, como, na
+express&atilde;o de Heredia, n&atilde;o pudesse assignar o
+protocollo, <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="poetry1">&laquo;Fit sa croix,
+d&eacute;clarant ne savoir pas
+&eacute;crire,<br />
+
+
+Mais d'un ton si autain que nul ne put en
+rire.&raquo;</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+&Aacute; vista de tal exemplo, n&atilde;o ha extranhar, no
+gentil-homem Christavam Falc&atilde;o, nem as faltas de grammatica,
+nem as de orthographia, patentes em sua carta a el-rei, conforme o
+documento que ainda se conserva na Torre do Tombo... Mas essas faltas e
+a rudeza geral do estilo s&atilde;o bastantes para que
+n&atilde;o mais o tenhamos
+na conta de um emulo do suave e melancholico Bernardim Ribeiro, autor
+incontestavel das &laquo;Trovas de Chrisfal&raquo;, depois de
+tantos
+argumentos sagazmente colhidos de uma profunda analyse psychologica e
+linguistica. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Um dos mais fortes indicios (ali&aacute;s n&atilde;o
+aproveitado pelo sr. Delfim Guimar&atilde;es) consiste na estrophe
+77, das &laquo;Trovas&raquo;, com o come&ccedil;o,
+em prosa, do poema das &laquo;Saudades&raquo;: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="poetry">Por ti me vi desterrada<br />
+
+
+em estas estranhas terras<br />
+
+
+de donde eu fui
+criada,<br />
+
+
+e, por ti, antre estas serras,<br />
+
+
+<span class="pagenum">[160]</span>
+em vida, s&atilde;o sepullada:<br />
+
+
+onde, a se
+me perderem<br />
+
+
+a frol dos annos se v&atilde;o;<br />
+
+
+ora julga se
+&eacute; rez&atilde;o<br />
+
+
+das minhas lagrimas serem<br />
+
+
+menos daquestas
+que s&atilde;o!</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Ha aqui uma clara allus&atilde;o ao mesmo facto referido no trecho:
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+&laquo;Menina e mo&ccedil;a me levaram de casa de meu pae
+para longes terras; qual fosse ent&atilde;o a causa daquella minha
+levada, era pequena, n&atilde;o na soube.&raquo;<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+O sr. Delfim Guimar&atilde;es deixa agora envolta em trevas a
+personalidade de Christovam Falc&atilde;o; mas o raio de luz que
+deste se afasta, s&oacute; serve de augmentar a gloria de Bernardim
+Bibeiro, cujo peregrino talento at&eacute; hoje scintillava
+repartido pela aur&eacute;ola de dois nomes de poeta... <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature tinyl"><span class="smallcaps">Silvio
+de Almeida</span>.<br />
+
+
+<br />
+
+
+(Do jornal <em>O Estado de S. Paulo</em>, de
+S. Paulo, Brasil, de 29 de mar&ccedil;o de 1909).</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<h3 style="text-align: left;"><a name="a14"></a>Divaga&ccedil;&otilde;es
+</h3>
+
+
+<h4>
+II </h4>
+
+
+Que extranha e mal debuxada figura n&atilde;o era a desse
+Christovam Falc&atilde;o, a quem, de principio, a gente ignara,
+depois editores sem critica, e, por fim, os mesmos autorisados mestres,
+attribuiram a paternidade das &laquo;Trovas de Crisfal&raquo;,
+sem outro algum motivo que s&oacute; este, ali&aacute;s,
+deveras pueril: conjugarem-se na palavra &laquo;Crisfal&raquo;
+as duas primeiras syllabas de &laquo;Christovam&raquo; e de
+&laquo;Falc&atilde;o&raquo;! <br />
+
+
+<br />
+
+
+Unicamente, pois, a sorte de seu &laquo;nome&raquo; lhe
+grange&aacute;ra o dilatado &laquo;renome&raquo; de quatro
+seculos, cheios de uma admira&ccedil;&atilde;o que tanto
+(segundo o costume) tinha de enthusiastica, quanto mais era infundada e
+gratuita. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Aos phantasistas nada, certo, importava que jamais fosse o ideal
+trovador, nem uma vez, referido no volumoso in-folio do
+&laquo;Cancioneiro&raquo; de &laquo;Rezende&raquo;, em
+cujo indice se
+catal&oacute;gam at&eacute; as mediocridades pulhas daquelle
+tempo. Nem cuidaram tampouco que a sua unica pretendida obra lyrica
+(n&atilde;o sem causa deparada entre os pap&eacute;is, que
+foram, de Bernardim Ribeiro)&#8213;versava Aos phantasistas nada, certo,
+importava que jamais fosse o ideal
+trovador, nem uma vez, referido no volumoso in-folio do
+&laquo;Cancioneiro&raquo; de &laquo;Rezende&raquo;, em
+cujo indice se
+catal&oacute;gam at&eacute; as mediocridades pulhas daquelle
+tempo. Nem cuidaram tampouco que a sua unica pretendida obra lyrica
+(n&atilde;o sem causa deparada entre os pap&eacute;is, que
+foram, de Bernardim Ribeiro)&#8213;versava o mesmo assumpto predilecto deste
+ultimo,
+<span class="pagenum">[162]</span>
+reflectia o mesmo gosto da
+paisagem, era fundida nos moldes do mesmo estilo, vinha molhada pelas
+lagrimas da mesma dorida commo&ccedil;&atilde;o! <br />
+
+
+<br />
+
+
+A todos que tenham olhos de ver, demonstra agora o sr. Delfim
+Guimar&atilde;es, com miudezas de analyse, que certos passos das
+&laquo;Trovas&raquo;, ou reproduzem heptasyllabos das pastoraes
+ribeirescas, ou correspondem a phrases similares do romancete das
+&laquo;Saudades&raquo;. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Deixando, por&eacute;m, de lado dezenas de significativas
+coincidencias esparsas, como entre o verso da egloga 4.&ordf;: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div style="text-align: center;">&laquo;Coitado,
+n&atilde;o sei que diga,<br />
+
+
+</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+e o da estrophe 21 de &laquo;Crisfal&raquo;:<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div style="text-align: center;">&laquo;Mas, triste,
+n&atilde;o sei que digo&raquo;;<br />
+
+
+</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+eu apenas aqui darei o que n&atilde;o expoz o nov&eacute;l
+escriptor portuguez, ou aquillo que elle s&oacute; levemente
+adduziu. <br />
+
+
+<br />
+
+
+J&aacute; na carta prefacial das &laquo;Trovas&raquo;, cujo
+tom dagua chorosa nos suggere o &laquo;memento&raquo; do
+&laquo;Cancioneiro&raquo;, os versos: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="poetry">&laquo;Cuidai quanto nos quisemos,<br />
+
+
+e n&atilde;o vos possa
+mudar<br />
+
+
+dizer que vos podem dar<br />
+
+
+outrem que tenha mais que eu&raquo;,
+</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+perfeitamente combinam com a 1.&ordf; egloga: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="poetry">&laquo;Veio ahi outro pastor ter:<br />
+
+
+com o que prometteu ou deu<br />
+
+
+se
+deixou delle vencer&raquo;,</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+e com a &laquo;Menina e mo&ccedil;a&raquo;:
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[163]</span> &#8213;&laquo;...succedeu, no castello, um filho de um cavalleiro muito
+val&iacute;do e rico nesta terra, que por meio de vizinhos desejou
+Aonia por mulher&raquo;; <br />
+
+
+<br />
+
+
+&#8213;&laquo;...bem lhe pareceu que se n&atilde;o descontentaria
+Aonia do esposo, porque era bem aposto cavalleiro e dos bens do mundo
+abastado&raquo;. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Note-se, mais, que a locu&ccedil;&atilde;o&#8213;&laquo;dos bens
+do mundo abastado&raquo;, tambem inserta na 2.&ordf; bucolica,
+reapparece na 5.&ordf; estrophe de &laquo;Crisfal&raquo;,
+cujo introito (conforme com as eglogas 1.&ordf;, 2.&ordf; e
+5.&ordf;) faz das &laquo;selvas junto do mar&raquo; o
+delicioso theatro dos amores dos dois zagaes. <br />
+
+
+<br />
+
+
+A descrip&ccedil;&atilde;o desse local (de Sintra e de seu Val
+de Lobos), apenas esbo&ccedil;ada no come&ccedil;o das
+&laquo;Trovas&raquo;, melhor se delineia da estrophe 55 em
+deante: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="poetry">&laquo;V&atilde;o alli grandes
+montanhas<br />
+
+
+de alguns valles
+abertas,<br />
+
+
+todas de soutos cubertas,<br />
+
+
+aos naturaes extranhas,<br />
+
+
+mas
+&aacute; saudade certas.<br />
+
+
+<table style="text-align: left; width: 251px; height: 39px;" border="0" cellpadding="2" cellspacing="2">
+
+
+ <tbody>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td>
+
+ <div class="dots"></div>
+
+
+ </td>
+
+
+ </tr>
+
+
+
+ </tbody>
+</table>
+
+
+Cuberta era a
+fonte<br />
+
+
+de tam fresco arvoredo,<br />
+
+
+que n&atilde;o sei como o conte,<br />
+
+
+muito quieto e mui quedo,<br />
+
+
+por ser antre monte e monte.<br />
+
+
+<table style="text-align: left; width: 251px; height: 39px;" border="0" cellpadding="2" cellspacing="2">
+
+
+ <tbody>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td>
+
+ <div class="dots"></div>
+
+
+ </td>
+
+
+ </tr>
+
+
+
+ </tbody>
+</table>
+
+
+Ao p&eacute; de um castanheiro<br />
+
+
+me
+pus, triste, assentado,<br />
+
+
+ouvindo o tom de um ribeiro.<br />
+
+
+Meus olhos e eu
+pass&aacute;mos<br />
+
+
+alli a noite em amores.<br />
+
+
+<table style="text-align: left; width: 251px; height: 39px;" border="0" cellpadding="2" cellspacing="2">
+
+
+ <tbody>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td>
+
+ <div class="dots"></div>
+
+
+ </td>
+
+
+ </tr>
+
+
+
+ </tbody>
+</table>
+
+
+Naqueste tempo corrompe<br />
+
+
+a ave que chamam
+leal<br />
+
+
+o silencio do seu mal,<br />
+
+
+que &eacute; quando a alva rompe<br />
+
+
+e ao
+dia faz signal&raquo;.</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[164]</span>
+Depois disso, abram o livro da &laquo;Menina e
+mo&ccedil;a&raquo;, e fa&ccedil;am-me o favor de ler: <br />
+
+
+<br />
+
+
+&laquo;Neste &laquo;monte mais alto de todos&raquo; (que eu
+vim buscar pela suavidade de outros que nelle achei) passava eu a minha
+vida como podia; ora em me ir &laquo;pelos fundos valles que os
+cingem dearredor&raquo;, ora em me p&ocirc;r do mais alto
+delles olhar a terra como ia acabar ao mar; e depois o mar como se
+estendia logo ap&oacute;s ella, pera acabar onde ninguem o
+visse&raquo;. <br />
+
+
+<br />
+
+
+&#8213;&laquo;E ainda bem n&atilde;o foi alto dia, quando eu (parece
+que acinte) determinei ir-me pera o p&eacute; deste monte,
+&laquo;que d'arvoredos grandes e verdes ervas e deleitosas
+sombras&raquo; &eacute; cheio,
+&laquo;por onde corre um pequeno ribeiro&raquo; de agua de todo
+o anno, que nas noites caladas, o rogido delle faz no mais alto deste
+monte um &laquo;saudoso tom, que muitas vezes me tolhe o
+sono&raquo;. <br />
+
+
+<br />
+
+
+&#8213;&laquo;N&atilde;o tardou muito que, estando eu assim
+cuidando, sobre um verde ramo que por cima da agua se estendia,
+&laquo;veio pousar um rouxinol&raquo;. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Para completar a symetria e a belleza idyllica da pintura, nem faltou a
+esse quadro o vultinho animado da mesma &laquo;ave leal&raquo;
+de que nos. falavam as &laquo;Trovas&raquo;. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Quanto ao par apaixonado, a referencia da 2.&ordf; estrophe de
+&laquo;Crisfal&raquo;: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="poetry">&laquo;Sendo de pouca edade,<br />
+
+
+n&atilde;o se ver tanto sentiam<br />
+
+
+que o dia que se n&atilde;o viam,<br />
+
+
+se via na saudade<br />
+
+
+o que se ambos
+queriam&raquo;.</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+ligada &aacute; da 77: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="poetry">&laquo;a frol dos annos se
+v&atilde;o&raquo;,</div>
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[165]</span>e &aacute; da
+84: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="poetry2">&laquo;Quando vos dei a vontade,</div>
+
+
+<div class="poetry">inda v&oacute;s
+ereis menina,<br />
+
+
+e eu de pouca edade&raquo;,</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+em nada discrepa da do capitulo 18 das &laquo;Saudades&raquo;
+de Bernardim: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+&#8213;&laquo;...a senhora Aonia, que ainda ent&atilde;o era
+donzella d'antre treze ou quatorze annos...&raquo;; <br />
+
+
+<br />
+
+
+&#8213;&laquo;...a barba um pouco espessa e um pouco crescida, que a
+elle traz, parece que &eacute; aquella a primeira
+ainda...&raquo; <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Em rela&ccedil;&atilde;o ao poeta, a 2.&ordf; egloga
+positivamente declara que contava os seus vinte e um de edade quando se
+fez &laquo;servidor&raquo; de Aonia. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Mas dos parentes desta a interesseira m&aacute; vontade, que
+&laquo;Crisfal&raquo; vehemente assignala, assentou de lhe
+curar o cora&ccedil;&atilde;o doente de mulher pelo processo
+sedativo de um apartamento para &laquo;longes terras&raquo;
+(express&atilde;o egual da
+estrophe 7.&ordf; e do 1.&ordm; capitulo da &laquo;Menina e
+Mo&ccedil;a&raquo;). <br />
+
+
+<br />
+
+
+Ainda na 2.&ordf; egloga, Bernardim, que com os italianos aprendera
+o reavidado uso das allegorias de Vergilio, se manifesta como um pastor
+nascido &laquo;antre Tejo e Odiana&raquo;; e muito &eacute;
+para notar que nas &laquo;Trovas&raquo; tambem exista o mesmo
+verso (6.&ordm; da 30.&ordf; estrophe). <br />
+
+
+<br />
+
+
+Attingido o pegureiro (na 2.&ordf; bucolica) do encantamento de
+amor, <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="poetry">&laquo;logo ent&atilde;o
+come&ccedil;ou<br />
+
+
+seu gado a
+emagrecer:<br />
+
+
+nunca mais delle curou.&raquo;</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[166]</span>
+E &laquo;Crisfal&raquo;, outrosim
+(como r&eacute;za a
+5.&ordf;
+estrophe), <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="poetry">&laquo;...por curar da
+paix&atilde;o,<br />
+
+
+n&atilde;o curava
+do seu gado&raquo;.</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+O mesmo pensamento se exprimiu, pois, aqui, s&oacute;mente com tal
+ou qual superioridade artistica, que n&atilde;o &eacute; a
+injusta superioridade de Christovam Falc&atilde;o sobre Bernardim
+Ribeiro, sen&atilde;o antes a deste sobre si proprio, no
+progressivo burilamento da f&oacute;rma impeccavel.&#8213;Mas o artista,
+como que apostado em exceder-se cada vez mais, s&oacute; achou a
+sua melhor express&atilde;o
+esthetica quando depois insistiu, na estrophe 22: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="poetry">&laquo;descuido matou meu gado,<br />
+
+
+cuidado matou a mim&raquo;.
+</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+A antithese (que tira de duas id&eacute;as oppostas a
+scintilla&ccedil;&atilde;o do choque de duas pedras)
+constitue quasi sempre o ultimo resultado de uma longa
+elabora&ccedil;&atilde;o mental. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Ha, na melancholia das &laquo;Saudades&raquo;, um topico onde o
+seu autor diz que, j&aacute; de affeito &aacute;s dores,
+parecia viver nellas. E tal conceito assume, na 10.&ordf; estrophe
+das &laquo;Trovas&raquo;, uma
+formula&ccedil;&atilde;o mais abstracta e geral: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="poetry">&laquo;O longo uso dos danos<br />
+
+
+se converte em natureza&raquo;.
+</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+A hypothese de &laquo;Crisfal&raquo; ser Christovam
+Falc&atilde;o exigiria, portanto, que delle fosse, tambem, um
+simples reflector o nosso, ali&aacute;s original, Bernardim
+Ribeiro; ou isso, ou, ent&atilde;o, plagiario o outro...
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[167]</span>
+Gemeos intellectuaes, e ainda irm&atilde;os no infortunio de seus
+affectos, nunca se houvera visto, sequer em dois relogios, uma
+t&atilde;o completa concordancia! <br />
+
+
+<br />
+
+
+Mas, dentre o suffocante accumulo de provas contrarias, uma, sobretudo,
+victoriosamente resalta da egloga &laquo;Alejo&raquo; de
+S&aacute; de Miranda, o &laquo;philosopho&raquo; amigo e
+confidente do
+&laquo;ternissimo&raquo; Bernardim Ribeiro. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Alli diz o Miranda, disfar&ccedil;ado sob o cryptonymo de
+&laquo;Antonio&raquo;: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="poetry">&laquo;Vine por Ribero ver,<br />
+
+
+como otras vezes solia.&raquo;
+</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+Pois bem: Esse mesmo &laquo;Antonio&raquo; apparece na estrophe
+32 de &laquo;Crisfal&raquo;, que delle assevera: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="poetry">&laquo;Aqueste &eacute; o
+pastor<br />
+
+
+que aqui v&ecirc;o
+buscar-me.&raquo;</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+De semelhante parallelismo n&atilde;o ha concluir sen&atilde;o
+que &laquo;Ribero&raquo; e
+&laquo;Crisfal&raquo; representam um s&oacute; e mesmo
+&laquo;pastor&raquo;, o que vale dizer
+&laquo;poeta&raquo;, na linguagem allegorica do bucolismo. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Demais: <br />
+
+
+<br />
+
+
+Os versos que se acham em &laquo;Alejo&raquo;: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="poetry">&laquo;Io sonava que me via<br />
+
+
+entre unas cerradas
+bre&ntilde;as;<br />
+
+
+de una parte i de otra pe&ntilde;as,<br />
+
+
+do nunca el
+sol descobria&raquo;,</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+traduzem no castelhano os da estrophe 7.&ordf; das
+&laquo;Trovas&raquo;: <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="poetry">&laquo;esconderam-me antre serras,<br />
+
+
+onde o sol nunca era
+visto,&raquo;</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<span class="pagenum">[168]</span>
+Ora, se (a paginas 188 de sua obra refundida sobre S&aacute; de
+Miranda) reconhece Theophilo Braga, como todos, em
+&laquo;Alejo&raquo;, uma segunda figura de Bernardim,
+dever&aacute; reconhecer ainda que &laquo;Crisfal&raquo;,
+sendo &laquo;Alejo&raquo;,
+&eacute; Bernardim tambem. <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+A gloria do sr. Delfim Guimar&atilde;es foi de haver apanhado a
+verdade, que t&atilde;o f&oacute;ra andava da corrente unanime
+do parecer dos mestres. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Mas, j&aacute; das muitas adhes&otilde;es que elle conquistou,
+licito me seja destacar o voto preponderante da senhora dona Carolina
+Micha&euml;lis de Vasconcellos,<sup><a href="#12">[12]</a></sup>
+como primeira autoridade&#8213;que
+ella o &eacute;&#8213;da moderna philologia portugueza. <br />
+
+
+<br />
+
+
+Tambem, no Brasil, Sylvio Romero entende que est&atilde;o
+reivindicados, de uma vez, os direitos de Bernardim Ribeiro
+&laquo;a essa bella parte da sua obra que a lenda lhe andava a
+tirar estupidamente&raquo;... <br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature tinyl"><span class="smallcaps">Silvio
+de Almeida</span>.<br />
+
+
+<br />
+
+
+(Do jornal <em>O Estado de S. Paulo</em>, de
+S. Paulo, Brasil de 5 de Abril de 1909).</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<h2>Indice </h2>
+
+
+<br />
+
+
+<div class="sbreak">
+<hr /></div>
+
+
+<br />
+
+
+<h3>The&oacute;philo Braga e a lenda do Crisfal </h3>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<table style="text-align: left; width: 100%;" border="0" cellpadding="2" cellspacing="2">
+
+
+ <tbody>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td style="text-align: right;">Pag.</td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td style="text-align: right;">I.</td>
+
+
+ <td style="text-align: justify;">Raz&atilde;o de
+ser d'este
+livro</td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td style="text-align: right;"><a href="#c1">5</a></td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td style="text-align: right; vertical-align: top;">II.</td>
+
+
+ <td style="text-align: justify;">O snr. dr.
+The&oacute;philo Braga descobrindo a verdade, e
+procurando
+enterr&aacute;-la</td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td style="text-align: right; vertical-align: bottom;"><a href="#c2">29</a></td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td style="text-align: right;">III.</td>
+
+
+ <td style="text-align: justify;">Anota&ccedil;&otilde;es
+&aacute; carta que nos dirigiu
+o snr. dr. The&oacute;philo
+Braga</td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td style="text-align: right;"><a href="#c3">37</a></td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td style="text-align: right; vertical-align: top;">IV.</td>
+
+
+ <td style="text-align: justify;">A
+comunica&ccedil;&atilde;o do presidente da Academia das
+Sciencias de
+Portugal</td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td style="text-align: right; vertical-align: bottom;"><a href="#c4">59</a></td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td style="text-align: right;">V.</td>
+
+
+ <td style="text-align: justify;">O artigo
+&laquo;Movimento
+litter&aacute;rio&raquo;</td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td style="text-align: right;"><a href="#c5">63</a></td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td style="text-align: right;">VI.</td>
+
+
+ <td>Uma patranha
+geneal&oacute;gica</td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td style="text-align: right;"><a href="#c6">97</a></td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td style="text-align: right;">VII.</td>
+
+
+ <td>O cript&oacute;nimo
+&laquo;Fileno&raquo;</td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td style="text-align: right;"><a href="#c7">99</a></td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td style="text-align: right;">VIII.</td>
+
+
+ <td>In terminis</td>
+
+
+ <td></td>
+
+
+ <td style="text-align: right;"><a href="#c8">103</a></td>
+
+
+ </tr>
+
+
+
+ </tbody>
+</table>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="sbreak">
+<hr /></div>
+
+
+<br />
+
+
+<h3 style="text-align: left;"><span class="smallcaps">Aprecia&ccedil;&otilde;es
+da imprensa ao
+livro</span>: </h3>
+
+
+<h4>&laquo;Bernardim Ribeiro (O Poeta Crisfal)&raquo; </h4>
+
+
+<br />
+
+
+<table style="text-align: left; width: 100%;" border="0" cellpadding="2" cellspacing="2">
+
+
+ <tbody>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td colspan="2" rowspan="1" style="text-align: right; width: 40px;">Do jornal</td>
+
+
+ <td colspan="1" rowspan="1" style="width: 416px;">&laquo;<em>O
+Mundo</em>&raquo;, de Lisboa</td>
+
+
+ <td style="width: 30px;"></td>
+
+
+ <td style="text-align: right; width: 41px;"><a href="#a1">107</a></td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td style="width: 41px; text-align: center;">&raquo;</td>
+
+
+ <td style="text-align: center; width: 40px;">&raquo;</td>
+
+
+ <td style="width: 416px;">&laquo;<em>O
+Seculo</em>&raquo;, &nbsp;&raquo; &nbsp;
+&nbsp; &raquo;</td>
+
+
+ <td style="width: 30px;"></td>
+
+
+ <td style="text-align: right; width: 41px;"><a href="#a2">109</a></td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td style="width: 41px; text-align: center; vertical-align: top;">&raquo;</td>
+
+
+ <td style="text-align: center; width: 40px; vertical-align: top;">&raquo;</td>
+
+
+ <td style="text-align: justify; width: 416px;">&laquo;<em>Diario
+de
+Noticias</em>&raquo;,&nbsp;de Lisboa,&#8213;artigo do snr. dr.
+Candido
+de
+Figueiredo</td>
+
+
+ <td style="width: 30px;"></td>
+
+
+ <td style="text-align: right; width: 41px; vertical-align: bottom;"><a href="#a3">111</a></td>
+
+
+ </tr>
+
+
+
+ </tbody>
+</table>
+
+
+<span class="pagenum">[174]</span>
+<table style="text-align: left; width: 100%;" border="0" cellpadding="2" cellspacing="2">
+
+
+ <tbody>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td colspan="1" rowspan="1" style="width: 40px; text-align: center; vertical-align: top;">&raquo;</td>
+
+
+ <td style="text-align: center; vertical-align: top;">&raquo;</td>
+
+
+ <td colspan="1" rowspan="1" style="text-align: justify; width: 423px;">&laquo;<em>Diario
+Illustrado</em>&raquo;, de Lisboa,&#8213;artigos do snr.
+Hemet&eacute;rio
+Arantes</td>
+
+
+ <td colspan="2" rowspan="1" style="text-align: right; vertical-align: bottom; width: 28px;"><a href="#a4">113</a> e <a href="#a6">125</a></td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td style="width: 41px; text-align: center;">&raquo;</td>
+
+
+ <td style="width: 40px; text-align: center;">&raquo;</td>
+
+
+ <td style="text-align: justify; width: 423px;">&laquo;<em>A
+Mala da
+Europa</em>&raquo;, de
+Lisboa</td>
+
+
+ <td style="width: 28px;"></td>
+
+
+ <td style="text-align: right; width: 45px;"><a href="#a5">121</a></td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td style="width: 41px; vertical-align: top; text-align: center;">&raquo;</td>
+
+
+ <td style="width: 40px; vertical-align: top; text-align: center;">&raquo;</td>
+
+
+ <td style="text-align: justify; width: 423px;">&laquo;<em>A
+Lucta</em>,&raquo;
+de Lisboa,&#8213;artigo do snr. Albino Forjaz de
+Sampayo</td>
+
+
+ <td style="width: 28px;"></td>
+
+
+ <td style="text-align: right; vertical-align: bottom; width: 45px;"><a href="#a7">133</a></td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td style="text-align: center;">&raquo;</td>
+
+
+ <td style="text-align: center;">&raquo;</td>
+
+
+ <td style="width: 423px;">&laquo;<em>O
+Dia</em>&raquo;, de
+Lisboa</td>
+
+
+ <td style="width: 28px;"></td>
+
+
+ <td style="text-align: right;"><a href="#a8">139</a></td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td style="text-align: center; vertical-align: top;">&raquo;</td>
+
+
+ <td style="text-align: center; vertical-align: top;">&raquo;</td>
+
+
+ <td style="width: 423px;">&laquo;<em>O
+Commercio de
+Lima</em>&raquo;, de Ponte do Lima&#8213;artigo do snr. dr.
+Antonio Ferreira</td>
+
+
+ <td style="width: 28px;"></td>
+
+
+ <td style="text-align: right; vertical-align: bottom;"><a href="#a9">143</a></td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td style="text-align: center;">&raquo;</td>
+
+
+ <td colspan="2" rowspan="1" style="text-align: justify; width: 423px;">&laquo;<em>Jornal
+das
+Colonias</em>&raquo;, de Lisboa,&#8213;artigo de A.
+B.</td>
+
+
+ <td style="width: 28px;"></td>
+
+
+ <td style="text-align: right;"><a href="#a10">147</a></td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td style="text-align: center;">&raquo;</td>
+
+
+ <td colspan="2" rowspan="1" style="text-align: justify; width: 423px;">jornal &laquo;<em>O
+Primeiro de
+Janeiro</em>&raquo;, do
+Porto&raquo;</td>
+
+
+ <td style="width: 28px;"></td>
+
+
+ <td style="text-align: right;"><a href="#a11">149</a></td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td style="text-align: center;">&raquo;</td>
+
+
+ <td style="width: 423px;" colspan="2" rowspan="1">&laquo;<em>Jornal
+de
+Noticias</em>&raquo;, do
+Porto</td>
+
+
+ <td style="width: 28px;"></td>
+
+
+ <td style="text-align: right;"><a href="#a12">151</a></td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td style="text-align: center; vertical-align: top;">&raquo;</td>
+
+
+ <td style="text-align: justify; width: 423px;" colspan="2" rowspan="1">jornal &laquo;<em>O
+Estado de S.
+Paulo</em>&raquo;, de S. Paulo, Brasil,&#8213;artigos do snr.
+S&iacute;lvio de
+Almeida</td>
+
+
+ <td style="width: 28px;"></td>
+
+
+ <td style="vertical-align: bottom; text-align: right;"><a href="#a13">155</a></td>
+
+
+ </tr>
+
+
+
+ </tbody>
+</table>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<b>Notas:</b><br />
+
+
+<br />
+
+
+<a name="1"></a><sup>[1]</sup> O <em>normando</em>
+&eacute;
+nosso.<br />
+
+
+<br />
+
+
+<a name="2"></a><sup>[2]</sup> Este <em>ponto
+de
+admira&ccedil;&atilde;o</em> pertence
+exclusivamente ao snr. dr. The&oacute;philo Braga.<br />
+
+
+<br />
+
+
+<a name="3"></a><sup>[3]</sup> T.
+Braga.&#8213;<em>Obras de Christovam
+Falc&atilde;o</em>, Porto, 1871&#8213;pag. 4.<br />
+
+
+<br />
+
+
+<a name="4"></a><sup>[4]</sup> <em>Bernardim
+Ribeiro (O Poeta
+Crisfal)</em>, pag. 180.<br />
+
+
+<br />
+
+
+<a name="5"></a><sup>[5]</sup> Torre
+do Tombo&#8213;Gaveta 20&#8213;ma&ccedil;o 5&#8213;n.&ordm;
+10.<br />
+
+
+<br />
+
+
+<a name="6"></a><sup>[6]</sup> Bernardim
+Ribeiro e o Bucolismo, pag. 63-64.<br />
+
+
+<br />
+
+
+<a name="7"></a><sup>[7]</sup> <em>Bernardim
+Ribeiro e o
+Bucolismo</em>, pag. 19. <br />
+
+
+<br />
+
+
+<a name="8"></a><sup>[8]</sup> <em>Bernardim
+Ribeiro e o
+Bucolismo</em>, pag. 19.<br />
+
+
+<br />
+
+
+<a name="9"></a><sup>[9]</sup> Carta
+do snr. Jord&atilde;o de Freitas no jornal
+&laquo;O Dia&raquo; em 2 de janeiro de 1909.<br />
+
+
+<br />
+
+
+<a name="10"></a><sup>[10]</sup>
+Conferencia
+de 8 de Junho de 1725 pelo Conde da Ericeira, na Colle&ccedil;am
+dos documentos e memorias da Academia Real da Historia Portugueza.<br />
+
+
+<br />
+
+
+<a name="11"></a><sup>[11]</sup>
+Ali&aacute;s,
+as glosas ao solau. <br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature"><em>Nota de D.
+G.</em></div>
+
+
+<br />
+
+
+<a name="12"></a><sup>[12]</sup>
+Reproduzindo integralmente o artigo do nosso
+ilustre
+confrade brasileiro, cabe-nos o dever de declarar que a insigne
+romanista, senhora D. Carolina Micha&euml;lis, que n&oacute;s
+saibamos, ainda n&atilde;o manifestou a sua opini&atilde;o. <br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="signature"><em>Nota de D. G.</em></div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div class="fbox">
+<h2>Lista de erros corrigidos</h2>
+
+
+<div style="text-align: center;">Aqui
+encontram-se
+listados todos os erros encontrados e corrigidos:</div>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<table style="width: 80%; text-align: left; margin-left: auto; margin-right: auto;" border="0" cellpadding="4" cellspacing="4">
+
+
+ <tbody>
+
+
+ <tr align="right">
+
+
+ <td style="width: 61px;"></td>
+
+
+ <td style="font-weight: bold; text-align: center; width: 121px;">Original</td>
+
+
+ <td style="text-align: center; width: 5px;"></td>
+
+
+ <td style="font-weight: bold; text-align: center; width: 135px;">Correc&ccedil;&atilde;o</td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td style="text-align: right; width: 61px;"><a name="e1"></a><a href="#p12">#p&aacute;g.
+12</a></td>
+
+
+ <td style="text-align: center; width: 121px;">auxilados</td>
+
+
+ <td style="text-align: center; width: 5px;">...</td>
+
+
+ <td style="text-align: center; width: 135px;">auxiliados</td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td style="text-align: right; width: 61px;"><a name="e2"></a><a href="#p28">#p&aacute;g.
+28</a></td>
+
+
+ <td style="text-align: center; width: 121px;">impondo-a</td>
+
+
+ <td style="text-align: center; width: 5px;">...</td>
+
+
+ <td style="text-align: center; width: 135px;">impondo-o*</td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td style="text-align: right; width: 61px;"><a name="e3"></a><a href="#c2">#p&aacute;g.
+29</a></td>
+
+
+ <td style="text-align: center; width: 121px;">Pedron</td>
+
+
+ <td style="text-align: center; width: 5px;">...</td>
+
+
+ <td style="text-align: center; width: 135px;">Padron*</td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td style="text-align: right; width: 61px;"><a name="e4"></a><a href="#p32">#p&aacute;g.
+32</a></td>
+
+
+ <td style="text-align: center; width: 121px;">paternalmente</td>
+
+
+ <td style="text-align: center; width: 5px;">...</td>
+
+
+ <td style="text-align: center; width: 135px;">paternalmente,*</td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td style="text-align: right; width: 61px;"><a name="e5"></a><a href="#p38">#p&aacute;g.
+38</a></td>
+
+
+ <td style="text-align: center; width: 121px;">primeiro</td>
+
+
+ <td style="text-align: center; width: 5px;">...</td>
+
+
+ <td style="text-align: center; width: 135px;">segundo*</td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td style="text-align: right; width: 61px;"><a name="e6"></a><a href="#p85">#p&aacute;g.
+85</a></td>
+
+
+ <td style="text-align: center; width: 121px;">com o</td>
+
+
+ <td style="text-align: center; width: 5px;">...</td>
+
+
+ <td style="text-align: center; width: 135px;">como</td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td style="text-align: right; width: 61px;"><a name="e7"></a><a href="#p90">#p&aacute;g.
+90</a></td>
+
+
+ <td style="text-align: center; width: 121px;">empenhada</td>
+
+
+ <td style="text-align: center; width: 5px;">...</td>
+
+
+ <td style="text-align: center; width: 135px;">empenhado</td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td style="text-align: right;"><a name="e8"></a><a href="#p94">#p&aacute;g. 94</a></td>
+
+
+ <td style="text-align: center;">com todas</td>
+
+
+ <td style="text-align: center;">...</td>
+
+
+ <td style="text-align: center;">como todas*</td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td style="text-align: right;"><a name="e9"></a><a href="#p95">#p&aacute;g. 95</a></td>
+
+
+ <td style="text-align: center;">Fal&ccedil;&atilde;o</td>
+
+
+ <td style="text-align: center;">...</td>
+
+
+ <td style="text-align: center;">Falc&atilde;o*</td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td style="text-align: right;"><a name="e10"></a><a href="#p102">#p&aacute;g. 102</a></td>
+
+
+ <td style="text-align: center;">portugues&ecirc;s</td>
+
+
+ <td style="text-align: center;">...</td>
+
+
+ <td style="text-align: center;">portugu&ecirc;ses</td>
+
+
+ </tr>
+
+
+ <tr>
+
+
+ <td style="text-align: right;"><a name="e11"></a><a href="#a2">#p&aacute;g. 107</a></td>
+
+
+ <td style="text-align: center;">Chistov&atilde;o</td>
+
+
+ <td style="text-align: center;">...</td>
+
+
+ <td style="text-align: center;">Christov&atilde;o</td>
+
+
+ </tr>
+
+
+
+ </tbody>
+</table>
+
+
+<br />
+
+
+<br />
+
+
+<div style="text-align: center;">*
+correc&ccedil;&otilde;es feitas com base na errata do
+pr&oacute;prio livro.<br />
+
+
+<br />
+
+
+As figuras da <a href="#f1">p&aacute;gina 34</a>
+e da <a href="#f2">p&aacute;gina 49</a>
+est&atilde;o ileg&iacute;veis, motivo pelo qual n&atilde;o
+foram adicionadas. Fica no entanto a sua
+indica&ccedil;&atilde;o.</div>
+
+
+<div style="text-align: center;"><br />
+
+
+<br />
+
+
+</div>
+
+
+</div>
+
+
+</div>
+
+
+
+
+
+
+
+
+
+<pre>
+
+
+
+
+
+End of the Project Gutenberg EBook of Theophilo braga e a lenda do crisfal, by
+Delfim Guimarães
+
+*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK THEOPHILO BRAGA E A LENDA ***
+
+***** This file should be named 25479-h.htm or 25479-h.zip *****
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+Produced by Rita Farinha and the Online Distributed
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+
+1.C. The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation"
+or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project
+Gutenberg-tm electronic works. Nearly all the individual works in the
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+individual work is in the public domain in the United States and you are
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+ money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the
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+
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+WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO
+WARRANTIES OF MERCHANTIBILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE.
+
+1.F.5. Some states do not allow disclaimers of certain implied
+warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages.
+If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the
+law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be
+interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by
+the applicable state law. The invalidity or unenforceability of any
+provision of this agreement shall not void the remaining provisions.
+
+1.F.6. INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the
+trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone
+providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance
+with this agreement, and any volunteers associated with the production,
+promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works,
+harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees,
+that arise directly or indirectly from any of the following which you do
+or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm
+work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any
+Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause.
+
+
+Section 2. Information about the Mission of Project Gutenberg-tm
+
+Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of
+electronic works in formats readable by the widest variety of computers
+including obsolete, old, middle-aged and new computers. It exists
+because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from
+people in all walks of life.
+
+Volunteers and financial support to provide volunteers with the
+assistance they need, is critical to reaching Project Gutenberg-tm's
+goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will
+remain freely available for generations to come. In 2001, the Project
+Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
+and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations.
+To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
+and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
+and the Foundation web page at https://www.pglaf.org.
+
+
+Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive
+Foundation
+
+The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
+501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
+state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal
+Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification
+number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at
+https://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
+permitted by U.S. federal laws and your state's laws.
+
+The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S.
+Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered
+throughout numerous locations. Its business office is located at
+809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email
+business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact
+information can be found at the Foundation's web site and official
+page at https://pglaf.org
+
+For additional contact information:
+ Dr. Gregory B. Newby
+ Chief Executive and Director
+ gbnewby@pglaf.org
+
+
+Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation
+
+Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide
+spread public support and donations to carry out its mission of
+increasing the number of public domain and licensed works that can be
+freely distributed in machine readable form accessible by the widest
+array of equipment including outdated equipment. Many small donations
+($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt
+status with the IRS.
+
+The Foundation is committed to complying with the laws regulating
+charities and charitable donations in all 50 states of the United
+States. Compliance requirements are not uniform and it takes a
+considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up
+with these requirements. We do not solicit donations in locations
+where we have not received written confirmation of compliance. To
+SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any
+particular state visit https://pglaf.org
+
+While we cannot and do not solicit contributions from states where we
+have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition
+against accepting unsolicited donations from donors in such states who
+approach us with offers to donate.
+
+International donations are gratefully accepted, but we cannot make
+any statements concerning tax treatment of donations received from
+outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff.
+
+Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation
+methods and addresses. Donations are accepted in a number of other
+ways including including checks, online payments and credit card
+donations. To donate, please visit: https://pglaf.org/donate
+
+
+Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic
+works.
+
+Professor Michael S. Hart was the originator of the Project Gutenberg-tm
+concept of a library of electronic works that could be freely shared
+with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project
+Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support.
+
+
+Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed
+editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S.
+unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily
+keep eBooks in compliance with any particular paper edition.
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+Most people start at our Web site which has the main PG search facility:
+
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+
+This Web site includes information about Project Gutenberg-tm,
+including how to make donations to the Project Gutenberg Literary
+Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to
+subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.
+
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