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You may copy it, give it away or +re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included +with this eBook or online at www.gutenberg.org + + +Title: Theophilo braga e a lenda do crisfal + +Author: Delfim Guimarães + +Release Date: May 15, 2008 [EBook #25479] + +Language: Portuguese + +Character set encoding: ISO-8859-1 + +*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK THEOPHILO BRAGA E A LENDA *** + + + + +Produced by Rita Farinha and the Online Distributed +Proofreading Team at https://www.pgdp.net (This file was +produced from images generously made available by National +Library of Portugal (Biblioteca Nacional de Portugal).) + + + + + + + *Nota de editor:* Devido à quantidade de erros tipográficos + existentes neste texto, foram tomadas várias decisões quanto à + versão final. Em caso de dúvida, a grafia foi mantida de acordo com + o original. No final deste livro encontrará a lista de erros + corrigidos. + + Rita Farinha (Maio 2008) + + + + +Theóphilo Braga + +E + +A LENDA DO CRISFAL + + + + +Obras de Delfim Guimarães + + +PROSA: + +*Alma dorida*, com prefácio de Teixeira Bastos, 1 vol broch. 500 réis + +*A Viagem por terra do snr. João Penha*, (crítica literária) 1 folh. 100 » + +*O Rosquedo* (Scenas da vida de província). Esgot.^o + +*Ares do Minho* (Contos) 1 vol. broch. 200 réis + +*Bernardim Ribeiro*: O poeta Crisfal (Subsídios para a Historia da +literatura portuguêsa) 1 vol. broch. 800 » + + +EM PREPARAÇÃO: + +*Luis de Camões.--Diogo Bernardes.* + + +VERSO: + +*Lisboa Negra*, 1 fol. 200 » + +*Confidencias*, 1 vol. broch. 400 » + +*Evangelho*, 1 vol. 400 » + +*Não! Mil vezes não!* 1 fol. 200 » + +*Sim! Mil vezes sim!* 1 fol. 100 » + +*Sonho Garretteano* Esgot.^o + +*A Virgem do Castelo*, (2.^a edição) 1 fol. 100 reis + +*Outonaes*, 1 vol. broch. 500 » + + +NO PRELO: + +*Flores do mal* (interpretação em versos portuguêses de poesias de +Carlos Baudelaire) + + +TEATRO: + +*Aldeia na Côrte*, drama em 3 actos, de colaboração com D. João da +Camara, representado no D. Amelia, 1 vol. broch. 500 réis + +*Juramento Sagrado*, comedia n'um acto em verso, representada no D. +Maria II, 1 fol. 200 » + + +A PUBLICAR: + +*Domingo de Páscoa*, peça de costumes minhotos. + + +OUTROS TRABALHOS: + +*A Dama das Camelias*, de _Dumas, filho_ (tradução), 1 vol. broch. 200 +réis + +*Saudades*, (História de Menina e moça), de _Bernardim Ribeiro_, edição +revista (vol. 29 da Colecção Horas de Leitura) 200 » + +*Trovas de Crisfal*, de _Bernardim Ribeiro_, edição revista 300 » + +*Versos portuguêses*, de _Sá de Miranda_, edição revista 500 » + + + + +DELFIM GUIMARÃES + + +Theóphilo Braga + +E + +A Lenda do Crisfal + + +1909 +Livraria Editora +GUIMARÃES & C.^a +68, Rua de S. Roque, 70 +LISBOA + + + + +THEÓPHILO BRAGA +E A LENDA DO CRISFAL + + + + +I + +Razão de ser d'este livro + + +Quando em maio de 1908 tornamos pública a conclusão a que haviamos +chegado de ser _Crisfal_ um pseudónimo do autor da _Menina e moça_, como +procurámos demonstrar no volume recentemente dado á estampa: *Bernardim +Ribeiro* (_O Poeta Crisfal_), tinhamos o convencimento pleno de que uma +tal nova, divulgada pela imprensa, seria bem acolhida por quantos se +interessam pelo estudo da nossa História literária, com excepção apenas +do snr. dr. Theóphilo Braga. O laureado professor do Curso Superior de +Letras não perdoa a quem quer que seja que ouse discordar de suas +sentenças, nem vê com bons olhos que outros, que não s. ex.^a, encarem +problemas que se prendam com a História da literatura portuguêsa. + +E n'este caso do _Poeta Crisfal_, mais do que em nenhum outro, o snr. +dr. Theóphilo Braga não desejava que ninguem bulisse, pelo motivo que +teremos ocasião de apontar no decurso d'este livro. + +Não contavamos com o acolhimento benévolo do infatigavel escritor. Para +fundamentar o nosso juizo, bastava-nos invocar os precedentes sabidos, +tristemente lembrados, e, muito em especial, o desforço pouco generoso +do snr. dr. Theóphilo Braga para com a memória d'esse desventurado que +se chamou Antero,--porque o poeta incomparavel dos _Sonetos_ ousara +flagelar o dogmatismo scientífico do antigo camarada universitário; o +fel que o plumitivo da *Historia da Litteratura* deixa transparecer nas +apreciações com que, baldadamente, procura amesquinhar a figura +gigantesca de Herculano,--porque o insigne historiador nacional jàmais +se associou aos turibulários do filósofo comtista (sem calemburgo);--o +desdem com que o professor de literatura apoda, soberanamente, de +_gramático_, o distinto romanista, snr. Epiphánio Dias,--por este haver +despedaçado, com a autoridade do seu nome, aquela invenção alegre dos +_cantos de ledino_, em que o snr. dr. Theóphilo continua a persistir, +apesar de tudo, com manifesta falta de sinceridade. + +Mas não ignorando taes precedentes, e conhecendo que o estudo que iamos +apresentar ao público não deixaria de nos acarretar a má vontade do +autor da _História da Litteratura Portugueza_, nem por um momento +hesitamos em levar a bom termo o nosso trabalho, tendo em atenção tam +sòmente que se tratava de desfazer uma lenda, estúpida como tantas +outras lendas, que privava de parte da glória a que tinha jus o nome +aureolado de um dos maiores poetas portuguêses, o delicado e inditoso +Bernardim Ribeiro, o nosso querido Bernardim. + +Derruíamos a coluna em que se firmava um espantalho, mas erguiamos a um +pedestal mais grandioso e altívolo a figura amoravel do grande +bucolista. + +A literatura portuguêsa só ganhava com a descoberta. Que, se alguma +cousa perdesse, era sobeja compensação o que se conquistava para a +verdade histórica... + +Mas a proclamação de uma tal verdade ia prejudicar um livro, ou livros, +do snr. dr. Theóphilo Braga... Não havia dúvida. Que importava isso? +Para reivindicar para Bernardim Ribeiro a autoria da Carta e da Écloga +de _Crisfal_, não valeria a pena sacrificar uma das muitas produções do +operoso escritor? + +Bernardim Ribeiro é um dos astros fulgurantes da rútila constelação que +brilha, intensa e perduravelmente, no ceu de Portugal. Já conta alguns +séculos, e ainda hoje nos deslumbra o seu fulgor... + +Após a local produzida pelo snr. dr. Alfredo da Cunha no seu _Diario de +Noticias_, dando conta dos nossos trabalhos de investigação, que punham +termo á lenda de _Crisfal_, tivemos a ventura de ver que o snr. José +Pereira Sampaio (_Bruno_) havia chegado a conclusão idêntica á nossa, +como foi registado n'um brilhante artigo de João Grave no _Diario da +Tarde_, do Porto, confirmado inteiramente por uma carta de _Bruno_, +reproduzida no jornal citado, em que o prestigioso publicista, com a +reconhecida autoridade do seu nome, que nada deve ao reclamo, afirmava +de maneira absoluta que estavamos com a verdade; que o _trovador_ +Cristovam Falcão era simples produto de uma lenda, que o criptónimo +_Crisfal_ pertencia a Bernardim Ribeiro. + +Do artigo do nosso camarada João Grave, e da carta do ilustre escritor +snr. José Sampaio, não faremos citações n'esta altura. Ambos os +preciosos documentos se encontram integralmente exarados no nosso livro +_Bernardim Ribeiro_. Não os desconhecem, por certo, aqueles que nos dão +a honra da leitura d'este trabalho. + +Como recebeu o snr. dr. Theóphilo Braga essas comunicações do _Diario de +Noticias_, de Lisboa, e do _Diario da Tarde_, do Porto? + +--Passando a José Pereira Sampaio (_Bruno_), e a nós outros, um diploma +de ignorantes! + +Em 29 de maio, um amigo salientou-nos no jornal _A Epoca_ a secção que o +escritor snr. Silva Pinto tinha a seu cargo, e que n'essa data +estampava, reproduzida do _Diario da Tarde_ do Porto, a seguinte carta +do snr. dr. Theóphilo Braga: + + + _«Meu caro João Grave_:--Encantou-me o favor da sua carta, + communicando-me o problema litterario que preoccupa o nosso velho + amigo e luminoso critico José Sampaio sobre a apochryficidade do + auctor do «Crisfal», e que annuncia o primoroso litterato Delfim + Guimarães. É sempre boa a vindicação d'uma verdade em qualquer + campo: no campo litterario e artistico, isso tem o relevo d'uma + conquista, d'um triumpho. + + Ninguem mais desejaria que fossem possiveis, isto é realidade + demonstrada, as descobertas de Sampaio (Bruno) ou de Delfim + Guimarães, sobre a identidade de Christovam Falcão em Bernardim + Ribeiro. *Isso, porém, não passa d'uma miragem, por falta de + conhecimento dos existentes recursos historicos*[1]. + + Diogo do Couto falla em Christovam Falcão como celebrado auctor do + «Crisfal», quando narra factos praticados por seu irmão Damião de + Sousa. Ora, Diogo do Couto, contemporaneo d'este na India, + inventava-lhe um irmão? E tendo sido impresso o «Crisfal» sem nome + d'auctor, (no _pliego-suelto_ da Bibliotheca Nacional de Lisboa) + dava-o como auctor d'essa celebrada écloga a capricho seu? O Padre + Antonio Cordeiro, na «Historia Insulana», (resumo das «Saudades da + terra», do dr. Gaspar Fructuoso, amigo de Camões) tambem faz as + mesmas referencias ao _poeta_ Christovam Falcão. E a edição de + Ferrara, de 1554, e a de Colonia, de 1559, inscrevendo o seu nome? + E Frei Bernardo de Brito, fazendo a «Silva de Lisardo», ou segunda + parte do «Crisfal», falla nas serras de Lor-vam, onde esteve D. + Maria Brandão, a namorada d'este poeta do «Crisfal». + + Nada d'isto leva a admittir a hypothese. No emtanto, que tragam a + lume os seus resultados. A vantagem é de nós todos. + + Com um abraço do seu, etc. + + Theophilo Braga.» + + +Para o professor do Curso Superior de Letras, a conclusão a que, tanto +_Bruno_ como nós, haviamos chegado, não passava *d'uma miragem, por +falta de conhecimento dos existentes recursos historicos*, e esta +sentença autoritária vinha a público quando o snr. dr. Theóphilo Braga +ignorava em absoluto quaes os argumentos com que nós e o insigne +publicista nosso conterráneo procurariamos fazer vingar nossas teses. + +Magoou-nos a impertinência, confessamos, e não resistimos a manifestar +publicamente a impressão em nós produzida pela prosa do snr. dr. +Theóphilo Braga, dirigindo n'esse mesmo dia a seguinte carta a João +Grave, que este distinto jornalista fez inserir no numero de 1 de junho +do _Diario da Tarde_: + + + «_Meu prezado camarada João Grave_:--Acabo de ler, reproduzida por + Silva Pinto na «Epoca», a carta que o snr. dr. Theóphilo Braga + dirigiu ao meu caro João Grave a propósito do trabalho que preparo, + em que me proponho demonstrar que «Crisfal» foi simplesmente um + anagrama cabalístico de Bernardim Ribeiro, pertencendo por + conseguinte a este lírico as poesias que uma lenda fez atribuir a + Cristovam Falcão. + + O nosso bom amigo e erudito escritor José Pereira + Sampaio--_Bruno_--, como se viu da interessante carta que estampou + no «Diario da Tarde», como complemento ao artigo que o meu caro + João Grave publicou sobre o assunto, chegara a conclusões eguaes, e + para mim foi extremamente grato que o nome prestigioso de Bruno + viesse valorizar a minha descoberta com a grande autoridade do seu + concurso. + + Ao ilustre professor, snr. dr. Theóphilo Braga, afigura-se isto uma + «_miragem, por falta de conhecimento dos existentes recursos + historicos_», que cita, desde Diogo do Couto a frei Bernardo de + Brito. + + Peço-lhe, pois, meu caro João Grave, a fineza de dizer no seu + jornal que conheço perfeitamente os _recursos históricos_ a que + alude o incansavel historiador da _Litteratura Portugueza_, como + não podia deixar de conhecer pela leitura das edições do «Bernardim + Ribeiro e o Bucolismo» do snr. dr. T. Braga. + + Que Bruno não ignora nenhum d'esses _recursos_, estou convicto, + que, de resto, nem o distinto escritor snr. dr. Theóphilo Braga + póde ter dúvidas a tal respeito, porque isso seria fazer ofensa ao + justificado nome literário de José Sampaio. + + Para fechar, devo ainda dizer-lhe, meu bom amigo, que de modo + nenhum eu vou sustentar que não existiram vários _cavalheiros_ com + o nome de Cristovam Falcão. Se estes não tivessem existido não + tomaria vulto até aos nossos dias a lenda do «Crisfal»! + + Não o enfado mais. + + Creia-me, com verdadeira estima, + + seu amigo, adm.^{dor} e obg.^{do} + + S/C. Lisboa, 29-maio/90. + + Delfim Guimarães.» + + +A _Bruno_ tambem não passou despercebido o _amavel_ diploma do professor +do Curso Superior de Letras, e que o ilustre escritor se sentiu +melindrado prova-o suficientemente a carta que dirigiu a João Grave, e +que, confiados na benevolência do sr. José Pereira Sampaio, vamos +trasladar das colunas do jornal _A Epoca_, que a reproduziu do _Diario +da Tarde_: + + + «_Meu caro João Grave_:--Novamente o venho importunar, pois entendo + que, perante a carta, aliás tão bondosa e honrosa para mim, do dr. + Theophilo Braga, hontem inserta no seu jornal, me cumpre consignar + em publico, ainda uma vez, que após o apparecimento do livro de + Delfim Guimarães, defendendo a propozição de que Christovam Falcão + não é mais do que Bernardim Ribeiro, eu publicarei o meu, já por V. + na sua folha duas vezes amavelmente annunciado, e onde, entre + outros, sustentarei egualmente o mesmo ponto, pensando que + refutarei ahi cabalmente as asserções, na sua carta de hontem no + «Diario da Tarde», pelo nosso doutissimo confrade e illustre + publicista produzidas, mostrando então, com todo o respeito devido + a tão indefesso e insigne trabalhador, que a minha hypothese (e de + Delfim Guimarães) não é tal uma miragem e que, pelo contrario, o + ensino corrente no assumpto é que é inteiramente phantastico e + chimerico. + + A V., prezado collega, reitero os protestos do meu agradecimento. + + Todo seu + + Porto, 27 de Maio de 1908. + + José Pereira Sampaio (Bruno).» + + +O snr. dr. Theóphilo Braga achou que era prudente não voltar á estacada, +e assim deixou passar em julgado a nossa carta e aquela em que o snr. +José Sampaio, por uma fórma categórica, visando directamente as lições +ministradas pelo professor de literatura, declarava que o ensino +corrente sobre Cristovam Falcão era _inteiramente phantastico e +chimerico_. + +Na elaboração do livro: *Bernardim Ribeiro* (_O Poeta Crisfal_) +obedecemos ao propósito de não converter o nosso trabalho n'uma +diatribe, e procuramos suavizar quanto possivel a situação em que eramos +forçados a colocar o snr. dr. Theóphilo Braga, em obediência á verdade, +e não porque nos animasse qualquer desejo de ser desagradaveis ao +infatigavel vulgarizador. E, procedendo assim, entendiamos cumprir um +dever, que tinha sobeja justificação nos cabelos brancos do professor do +Curso Superior de Letras, cuja primeira edição do seu _Bernardim +Ribeiro_ coincidiu com o ano do nosso nascimento. Não esquecemos nunca +que fomos educados no respeito devido á velhice. + +No trabalho da revisão das provas do nosso estudo, em que fomos +auxiliados pela prestante amizade de Henrique Marques, mais de uma vez +modificámos referências feitas ao professor que contraditavamos, e +sempre da melhor vontade substituiamos um adjectivo, suavizavamos a +saliência de um erro do Mestre, desde que o nosso amigo Henrique +Marques, com o seu apreciavel critério, nos fazia notar que uma palavra, +uma frase nossa, poderia ser tomada como um desprimor para com o snr. +dr. Theóphilo Braga. + +Queriamos fazer vingar uma obra de justiça; não era nosso intento +agravar quem quer que fosse. + +E que não fomos descortêses, nem violentos, nem injustos, para com o +professor que contraditavamos, prova-o o testemunho insuspeito do +eminente publicista snr. José Caldas, que nos honrou com uma carta +penhorantíssima, de que reproduziremos neste lugar algumas linhas: + +«*A delicadeza das suas referencias, com relação aos auctôres cujas +conclusões não acceita ou impugna, é verdadeiramente modelar.*» + +Se houvessemos sido menos cortêses para com o snr. dr. Theóphilo Braga, +s. ex.^a não se julgaria, com certeza, no dever de agradecer-nos a +oferta do exemplar do nosso trabalho que entendemos enviar lhe. E o +professor do Curso Superior de Letras escreveu-nos a agradecer o livro, +embora na sua carta transpareça o despeito que lhe produziu o nosso +estudo sobre Bernardim Ribeiro, em que desvendamos vários erros contidos +em volumes da _Historia da Litteratura Portugueza_. + +Registâmos aqui essa carta do snr. dr. Theóphilo Braga, que não deixa de +constituir um documento interessante para aqueles que seguirem com +atenção a marcha dos acontecimentos provocados pela pendência literária +em que estamos envolvidos. + +É, textualmente, como segue: + + + «Lisboa, 25 de Novembro de 1908 + + + _...sr. Delfim Guimarães + e meu presadissimo amigo_ + + + Muito me penhora a honrosa offerta do seu recente trabalho, em que + apresenta o seu processo para a identificação do poeta Bernardim + Ribeiro com o Crisfal ou Christovam Falcão. A ninguem interessaria + tanto o conhecimento d'este problema, como a mim, que esbocei uma + biographia de Christovam Falcão com elementos historicos + (documentos authenticos) comprovando dados genealogicos. Tive de + ler immediatamente o seu livro, para vêr que materiaes traria para + o aperfeiçoamento do meu trabalho. Mesmo no prologo fez-me V. a + justiça de que eu aproveitaria tudo quanto se prestasse a futuras + emendas. Desde as noticias genealogicas trazidas por Braancamp + Freire sobre D. Maria Brandão, que Christovam Falcão amou, sendo + ambos muito creanças, via-me forçado a tomar o nascimento d'elle no + fim do primeiro quartel do seculo XVI. Isto me impossibilitava de + continuar a admittir as relações pessoaes de Christovam Falcão com + Bernardim Ribeiro já velho e dementado em confidencias de amor com + um rapaz no viço da mocidade; e por tanto as Eclogas em que elle + figurava interpretativamente tinham de ser lidas a outra luz. V., + acabando de fazer a destrinça entre o Poeta e seu primo mais + antigo, deu-me elementos para uma melhor interpretação das Eclogas + de Bernardim, (eliminadas as relações com Christovam Falcão), e + mostrando como realmente as poesias d'aquelle, como mestre, + influiram no mais moço, que como novel chega a fazer centões e + intercalações de versos de Bernardim Ribeiro. Ha uma affirmativa + historica, de Diogo do Couto, na sua _Decada VIII_, que, fallando + de Damião de Sousa Falcão, accrescenta como reforço historico: + «irmão de *Christovam Falcão*, aquelle que fez aquellas cantigas + nomeadas do Crisfal...» E tambem no seculo XVI Fructuoso (resumido + pelo P.^e Antonio Cordeiro na Historia insulana) diz de Christovam + Falcão: «parente do Barão velho e do famoso poeta Christovam + Falcão, que fez a celebre Ecloga Crisfal das primeiras syllabas do + seu nome...» Tambem nas edições de Ferrara e Colonia, feitas por + curiosos sem criterio litterario se repete a attribuição «_que + dizem ser_ de Christovam Falcam, ho que parece alludir o nome da + mesma Ecloga». Não se podem refutar por negativa estes testemunhos + de homens de letras do seculo XVI, e que se reflectiram nos + genealogistas. A Ecloga do Crisfal não podia ser publicada pelo seu + auctor, nem pelo seu consentimento porque era uma _inconfidencia_ + de antigas relações amorosas com uma senhora que estava casada. A + edição sem data, de Lisboa, só podia ser feita por 1542, quando + Christovam Falcão estava em Roma; e quando Camões foi para Ceuta em + 1547 na carta que d'ali escreveu emprega muitos versos do + _Crisfal_, que então, andava no gosto. Na edição de Lisboa vem duas + estrophes supprimidas no texto de Ferrara e Colonia, por que + continham uma _inconfidencia_. Isto leva a explicar como Christovam + Falcão tentaria apagar a paternidade da Ecloga fundamentando-se-lhe + a imputação com o anagramma das primeiras syllabas do nome. Os + logares communs a Bernardim Ribeiro e Christovam Falcão provam mais + a favor da imitação de um discipulo, do que á fusão dos dois + poetas, repetindo-se o mestre na decadencia. Emfim ha dois schemas + de paixão amorosa que se não confundem: o de Joanna e Fauno, Aonia + e Bimnarder, e o de Maria e Crisfal. São duas almas, sentindo em + situações differentes. Através de todo o hypercriticismo o livro + sobre Bernardim Ribeiro revela um trabalhador fervoroso, que me + veio revelar a existencia de um exemplar da edição de Ferrara, no + Porto, e que aqui descobriu o texto precioso da Ecloga _Alexo_ + assignada por Sá de Miranda. Felicitando-o pelo seu importante + estudo, sou + + + admirador obr.^{mo} e amigo + + Theophilo Braga» + + +Começa a carta do snr. dr. Theóphilo Braga por um _rebuçado de ovos_: o +tratamento de «prezadissimo amigo», que não tinha qualquer +justificação... Isto é, tinha uma justificação única, qual era a de nos +adoçar a bôca, para engulirmos sem relutância aquela amargosa pílula com +que fecha a epístola de s. ex.^a, quando, com generosa magnanimidade, +confessa que o nosso livro _revelou um trabalhador fervoroso_, que ao +professor do Curso Superior de Letras foi _revelar a existencia de um +exemplar da edição de Ferrara, no Porto_, e que em Lisboa _descobriu o +texto precioso da ecloga_ *Alexo* _assignada por Sá de Miranda_. + +E, graças a estas _revelações-revelativas_, a que não ligavamos +importância de maior, o historiador da *Litteratura Portugueza* +felicitava-nos pelo nosso _importante estudo_, que, volvidas algumas +semanas, havia de classificar de fruto de _processos á tôa_! + +Na devida altura, comentaremos largamente a carta substanciosa do snr. +dr. Theóphilo Braga. + +Por agora, continuemos na catalogação das peças d'este processo, para +que os leitores julguem da justiça que nos cabe, e avaliem da +sinceridade, da correcção, e dos processos do professor intangivel. + +No jornal _O Mundo_, de 3 de dezembro de 1908, na local consagrada á +sessão da Academia das Sciencias de Portugal realizada no dia 2, vimos +que o snr. dr. Theóphilo Braga fizera uma comunicação, que outra cousa +não era senão um desmentido formal e gratuito ás conclusões do nosso +livro,--mas sem a mais leve citação ao nosso obscuro nome, sem a menor +referência ao nosso desluzido trabalho, embora aproveitando-lhe os +subsídios. Comprehende-se: o ilustre académico não desejava contribuir +de modo nenhum para o reclamo que a imprensa estava dispensando ao +volume sobre o _Poeta Crisfal_. + +Transcrevemos do _Mundo_ o periodo referente a tal comunicação... +scientífica: + + + «...finalmente, trata de Bernardim Ribeiro e Christovam Falcão, + mostrando como a vida amorosa d'este oscilla entre 1525 e 1526, + sendo n'aquella data moço fidalgo, tendo pelo menos 12 annos, ao + passo que aquelle era já edoso; evidencia como na Ecloga + transparecem diversas situações da vida de Christovam Falcão, e + termina por invocar as opiniões de Diogo Couto, Gaspar Fructuoso e + outros que comprovam a existencia das duas individualidades que + apesar de similhantes n'algumas situações da vida, não podem jàmais + confundir-se». + + +Ante este procedimento do nosso _prezadissimo amigo_, não pudemos ficar +silenciosos, e, como um desforço legítimo, inadiavel, apelamos para o +snr. dr. Brito Camacho, pedindo-lhe se dignasse publicar nas colunas da +_Lucta_ a seguinte carta, que o ilustre jornalista fez inserir no numero +de 4 de dezembro do seu diário: + + + _«Ex.^{mo} Snr. Dr. Brito Camacho, + meu prezado amigo:_ + + + Pelos extratos, publicados em alguns jornaes de hoje, do que se + passou na sessão de hontem da Academia de Sciencias de Portugal, vi + que o snr. dr. Theóphilo Braga disse o que quer que fosse, + procurando refutar o meu recente trabalho sobre Bernardim Ribeiro, + e insistindo na lenda do _poeta_ Cristovam Falcão de Sousa. + + Não me admira que o original autor da «Historia da Litteratura + Portugueza» persista n'um erro crasso, só para não se confessar + vencido, porque já o caso engraçadíssimo dos _cantos de ledino_ era + precedente bastante para se ajuizar que o afamado professor do + Curso Superior de Letras prefere manter um absurdo a ter de + reconhecer publicamente que errou. Está no seu direito, e ninguem + lh'o contesta. + + Parecia-me, porem, que, publicado o meu estudo sobre Bernardim + Ribeiro, em que não torci a meu bel-prazer a verdade, nem + falsifiquei documentos, o snr. dr. Theóphilo Braga tinha o dever + moral de, pela imprensa ou em livro, dizer da sua justiça, antes de + ir para o seio de uma agremiação, a que eu não pertenço, impor um + desmentido formal e dogmatico, ao mesmo tempo que gratuito, ao meu + trabalho. + + E tanto mais estranhavel se me afigura o procedimento do snr. dr. + Braga, contestando á porta fechada a minha tese, quanto é certo que + s. ex.^a não desconhece que o insigne publicista snr. José Pereira + Sampaio (Bruno) prepara um livro sobre o mesmo assunto do meu. + + Se o afamado professor do Curso Superior de Letras está de boa fé, + quem lhe assegura que os argumentos de Bruno não conseguirão + convencê-lo, já que os meus, conforme de resto eu esperava, tal não + conseguiram? + + É tempo de pôr de parte o _magister dixit_, porque, felizmente, os + processos crìticos dos Farias e Bernardos de Brito são coisas que + passaram á _historia_, e que não se ressuscitam já facilmente. + + Muito especialmente me obsequeia o meu bom amigo dando publicidade + na nossa _Lucta_ a esta minha carta, que representa o legítimo + desabafo de um trabalhador que se preza de ser honesto, e que como + tal tem jus a ser considerado. + + Mais uma vez agradecido o que se confessa, por estima e dever, + + + De V. Ex.^a + + amigo, admirador e obrigado + + S/C, Lisboa, 3-12-908. + + Delfim Guimarães.» + + +Com o espírito de rectidão que todos, amigos e adversários, são +concordes em reconhecer ao snr. dr. Brito Camacho, o brilhante +jornalista deu acolhimento benévolo á nossa carta, acrescentando-lhe as +seguintes linhas de saudação ao professor do Curso Superior de Letras: + + + «O nosso ilustre correligionario dr. Theóphilo Braga tem as + columnas d'este jornal ás suas ordens para dizer da sua justiça, + como quizer. Trata-se d'uma questão de facto em historia literária, + e não d'uma birra entre dois homens. Muito prazer teremos em que + seja o nosso jornal o campo em que se dirima o pleito.» + + +Não correspondeu o snr. dr. Theophilo Braga á gentileza do director da +_Lucta_; e até para comnosco estamos persuadidos de que, desde o momento +em que s. ex.^a viu a nossa carta irreverente no jornal de que Brito +Camacho é a alma, o pontífice da _Litteratura Portugueza_ excomungou o +intemerato jornalista. Que o dr. Camacho nos perdôe a excomunhão que, +involuntariamente, lhe acarretamos! + +Guardou silêncio o snr. dr. Theóphilo Braga durante semanas, mas não +esteve inactivo, ao contrário do que muitos poderiam supor. Com todo o +engenho e arte, s. ex.^a consagrou-se ao fabrico de uma peça, que não +podemos classificar de literária, porque é a negação de todos os +processos literários dignos de este nome, mas a que poderá caber a +designação de produto de arte... culinária. Como _pastelão_, faria honra +a um cozinheiro, mas cremos bem que o snr. dr. Theóphilo Braga deseja +passar á posteridade como um discípulo fervoroso de Augusto Comte, e não +como aprendiz ilustre da _sciência_ de Vatel. + +A redacção do jornal _O Dia_, seguindo a praxe dos anos anteriores, +honrou o snr. dr. Theóphilo Braga pedindo lhe um artigo sobre o +movimento literário português em 1908, para o numero de 31 de dezembro +d'esse ano. Como nunca, recebeu o snr. dr. Theóphilo Braga jubilosamente +o amavel convite. Tinha ensejo para impingir... o _pastelão_. Era o +momento oportuno para respostar á nossa carta publicada na _Lucta_, sem +nos dar a honra de deixar sair dos bicos da pena aprimorada a confissão +de que havia lido o nosso protesto. Podiamos, porventura, esperar outro +procedimento por parte do snr. dr. Theóphilo Braga? Não, evidentemente. +Pois não haviamos nós,--cúmulo das audácias!--ousado protestar contra a +comunicação do presidente da Academia de Sciencias de Portugal?! + +Reproduzimos do _Dia_ de 31 de dezembro do ano findo a parte do artigo +do snr. Theóphilo Braga que diz respeito á questão literária suscitada +pelo nosso livro: + + + «...No recente fasciculo (do Archivo historico português) ficou + publicada uma interessantissima monographia sobre a antiga Feitoria + de Flandres, um dos mais necessarios capitulos da nossa historia + financeira e administrativa; o sr. Braancamp Freire intitula-o + _Maria Brandoa a do Crisfal_, por que o pae d'esta dama, que + inspirou o amor e a Ecloga de Christovão Falcão, foi o pae d'ella, + João Brandão Sanches, segundo encontrara no nobiliario de Diogo + Gomes de Figueiredo. + + Em dois nobiliarios da bibliotheca da Ajuda tambem se acha esta + mesma inscrição: _Maria Brandoa a do Crisfal_; e nos livros dos + linhagistas Manso de Lima e Rangel de Macedo, da Bibliotheca + Nacional, vem o mesmo schema genealogico, vendo-se toda a + parentella da inspiradora de Crisfal no titulo dos Brandões + Sanches, confundidos por vezes com os Brandões do Porto, com os de + Coimbra e com os de Elvas. O sr. Anselmo Braancamp Freire, escreve + em uma nota: «Sei que se trata de provar, que a Ecloga de Crisfal + não foi escripta por Christovam Falcão, mas por Bernardim Ribeiro, + e que por tanto a heroina não é Maria Brandão, mas sim a mesma do + romance _Menina e Moça_ d'aquelle auctor.» E accrescenta que o sr. + Delfim Guimarães empenhado na interessante averiguação o + consultara, communicando-lhe as bases em que fundava a sua + argumentação, as quaes não conseguiram demovel-o da rotina. + + Quasi ao mesmo tempo, o sr. Delfim Guimarães publicava o seu livro + _Bernardim Ribeiro_--_o Poeta Crisfal_, em que resume o já sabido + da biographia do auctor da _Menina e Moça_, forçando interpretações + de versos a significarem os factos que imagina. Como lhe nasceu no + espirito a ideia de fazer esta descoberta? Pela impressão que lhe + causára a leitura dos versos de Bernardim Ribeiro e os de + Christovam Falcão,--«dois poetas de temperamento semelhante, com + eguaes influencias e educações litterarias, com eguaes episodios + nos seus infortunados amores, e havendo entre ambos versos + absolutamente eguaes.» D'aqui o identificar os dois poetas em um + unico; como conseguil-o? Considerou a individualidade poetica de + Christovão Falcão como uma lenda estupida formada pelos + genealogistas, e formou o nome de _Crisfal_ indo buscar á tôa as + palavras _Crisma falsa_, tirando-lhes as syllabas iniciaes para + designarem a seu talante Bernardim Ribeiro. «Fez-se então uma + grande luz no nosso espirito. Não se tratava de dois poetas muito + parecidos, de um creador e de um imitador. Bernardim Ribeiro e + Crisfal eram um e mesmo poeta. O trovador Christovam Falcão era o + producto de uma lenda nascida da interpretação dada pelo vulgo + (![2]) ao anagrama _Crisfal_.» (Op. cit., p. 10). «Alcançada a + convicção de que _Crisfal_ era um anagramma de Bernardim Ribeiro, e + norteados pelo conhecimento de que nas suas producções o poeta + mudava constantemente os seus nomes pastoris, com pequeno trabalho + de raciocinio não nos foi difficil deduzir a constituição do + cryptogramma, que era formado pelas primeiras syllabas das palavras + _Crisma_ e _Falso_.» + + E depois d'este processo que, na opinião do sr. Gonçalves + Vianna--honra a erudição portugueza,--ataca as fontes genealogicas + d'onde Diogo do Couto e Gaspar Fructuoso acceitaram «como ouro de + lei o peschesbeque de uma lenda estupida tecida pelo vulgo + ignorante, e posta a correr mundo graças á inepcia dos editores dos + escriptos legados por esse grande e infortunado poeta que foi + Bernardim Ribeiro!» (Ib. p. 11.) E mais adiante, volta a repetir: + «A uma lenda estupida deveu esse rebento inglorio de John Falconet + a celebridade que durante seculos usufruiu, em prejuizo do renome + litterario do verdadeiro _Crisfal_, o doce, o inimitavel e + inegualado Bernardim Ribeiro, etc.» (p. 185.) Mas, como se póde + chamar estupida a lenda genealogica se os nomes contidos na Ecloga + de _Crisfal_ condizem com os seus parentes taes como o de + _Pantaleão_ Dias de Landim seu avô, e a Joanna, que lhe denuncia o + casamento clandestino, uma prima, como o notou o sr. Jordão de + Freitas? + + Os manuscriptos conhecidos de Bernardim Ribeiro andavam ligados com + os de Christovam Falcão, como se vê pela descripção do n.^o 180 da + Livraria do Conde de Vimieiro: Obras em prosa e verso de Sá de + Miranda, Bernardim Ribeiro e Christovam Falcão; tambem o Arcediago + do Barreiro, dr. Jeronymo José Rodrigues, examinou no Porto um + manuscripto analogo ao das edições de 1559, em que vinham a _Menina + e Moça_, duas eclogas de Bernardim Ribeiro--«e até se acham no fim + algumas poesias de Christovão Falcão, do que se faz menção no mesmo + logar de Nicoláo Antonio.» (Innocencio, _Dic. Bibliog._) + + Para que chamar ineptos aos editores de Ferrara de 1554 e de + Colonia de 1559, por terem reproduzido esses textos manuscriptos + como os encontraram? Quando o sr. Delfim Guimarães trabalhava para + destruir uma miragem de seculos, foi communicar ao sr. dr. Alfredo + da Cunha «a descoberta que tinha feito e que, sem falsa modestia, + reputava de alta importancia para a historia das lettras + portuguezas.» Era uma Noticia litteraria de sensação, o dr. Alfredo + da Cunha deu alentos á grande descoberta de que a figura do poeta + Christovam Falcão «pertence exclusivamente ao dominio da lenda, por + isso que tal poeta só existiu na imaginação d'aquelles que viram + n'um anagrama cabalistico de Bernardim Ribeiro a encarnação de + outra individualidade.» + + No noticiario de outro jornal sairam affirmações absolutas, + proclamando a sensacional descoberta, com uma sinceridade + inconsciente que affasta de todo a ideia de ironia. A verdadeira + descoberta pertence ao sr. Braancamp Freire determinando a epoca em + que esteve em Flandres João Brandão Sanches, e quando elle morreu, + dando nos assim a data em que existiram os amores de sua filha + unica D. Maria Brandão, a do Crisfal, que plausivelmente se fixam + em 1530. O documento de 1527 referindo-se a Christovam Falcão, com + a tença de môço fidalgo, leva a deduzir que nascera em 1512. Ha + portanto a eliminar todas as relações pessoaes entre Christovam + Falcão e Bernardim Ribeiro, como julgamos nos nossos estudos, + corrigindo a interpretação da Ecloga I e III de Bernardim. Os + logares communs a Christovam Falcão e Bernardim Ribeiro provam a + distancia da edade que levou o mais novo a imitar aquelle que já + era admirado, cujos versos, Camões, na sua Carta de Africa, + intercalava na sua prosa.» + + +Esta produção peregrina do snr. Dr. Theóphilo Braga veio publicada no +jornal _O Dia_ com a assinatura do professor do Curso Superior de Letras +em _fac-simile_, e ainda bem, para que não se pudesse ajuizar tratar-se +de uma brincadeira de mau gosto de quem quer que fosse. + +Quando lemos um tal documento, a primeira impressão que se apoderou de +nós foi a de revolta; mas logo um outro sentimento veio substituir +esta--um sentimento muito fundo de tristeza, de sincera mágoa... + +E, sem prazer, pudemos constatar que a impressão que o snr. Dr. +Theóphilo Braga deixára nos leitores inteligentes do seu tendencioso +_Movimento Litterario_ era egual á nossa,--uma sincera mágoa. + +Mas no artigo do eminente professor eramos tam directamente alvejados, e +o nosso trabalho depreciado com tal rancor e má fé, que não podiamos +ficar silenciosos. + +No jornal a _Lucta_, do dia 3 de Janeiro d'este ano, como protesto, +publicamos o artigo que vamos reproduzir: + + +*Os processos... scientíficos do snr. dr. Theóphilo Braga* + +Não se dignou o sr. dr. Theóphilo Braga aceitar o oferecimento que o +distinto jornalista que dirige _A Lucta_ lhe fez em 4 de dezembro +ultimo: pondo á disposição de s. ex.^a as colunas deste diário, para que +o professor do Curso Superior de Letras dissesse da sua justiça em face +da carta que tive ensejo de dirigir ao meu bom amigo snr. dr. Brito +Camacho, estampada n'este jornal, motivada pelo procedimento estranhavel +seguido para comigo pelo snr. dr. Theóphilo Braga. + +Passaram-se dias, passaram-se semanas, e, quando todos julgavam que o +professor do Curso Superior de Letras adoptara de Conrado o prudente +silêncio, eis que o sr. dr. Theóphilo Braga, a pretexto de pôr os +leitores do _Dia_ ao corrente do movimento literário no ano findo, com +ares dogmáticos e desdenhosos, enche perto d'uma coluna d'aquele jornal +com um aranzel cheio de lugares comuns, procurando refutar as conclusões +do meu recente estudo sobre Bernardim Ribeiro. + +Não me surpreendeu o rancor que transparece no artigo do snr. dr. +Theóphilo Braga. Imagino quanto deve ser doloroso para o professor do +Curso Superior de Letras o ter de refundir mais uma vez dois dos volumes +da sua chamada edição integral da _Historia da Litteratura Portugueza_: +«Sá de Miranda» e «Bernardim Ribeiro». Isto, junto ao conhecimento que +possuo da maneira de ser do snr. dr. Theóphilo Braga, é para mim +explicação bastante do seu ressentimento, que a prosa do infatigavel +«carreador de materiaes» não consegue disfarçar. + +A todos os pontos tocados no aranzel do snr. dr. Theóphilo Braga, darei +resposta em livro, e d'essa tarefa procurarei desempenhar-me em curto +praso, com a largueza e documentação que o assunto requer, o que não é +compativel com o espaço que a trabalhos d'esta espécie pode dispensar um +jornal da índole da _Lucta_. + +Por hoje, e certo da amabilidade com que me distingue o meu prezado +amigo snr. dr. Brito Camacho, desejo apenas salientar, muito ao de leve, +algumas inexactidões flagrantes do artigo _Movimento litterario_, do +snr. dr. Theóphilo Braga, que bem demonstram a _correcção_ dos +processos... scientíficos do professor do Curso Superior de Letras. + +Referindo-se ao ultimo tomo do _Archivo Historico_, a revista dirigida +pela superior competência do snr. Braamcamp Freire, em que este escritor +encetou a publicação da sua monografia sobre Maria Brandão, diz o snr. +dr. Th. Braga que a monografia «ficou publicada», procurando assim dar a +entender que o estudo do snr. Braamcamp Freire está ultimado, quando é +facto que ainda lhe falta o capítulo em especial referente a Maria +Brandão, destinado por certo a ser o mais curioso, pela luz que ha de +fazer jorrar sobre a figura da suposta amada do poeta _Crisfal_. + +Mas ao snr. dr. Theóphilo Braga conveio torcer a verdade, para que com +maior presteza os leitores ingénuos acreditassem nos seguintes períodos +ardilosamente engendrados: + + + «O sr. Anselmo Braancamp Freire escreve em nota: «Sei que se trata + de provar que a Ecloga de Crisfal não foi escripta por Christovam + Falcão, mas por Bernardim Ribeiro, e que por tanto a heroina não é + Maria Brandão, mas sim a mesma do romance _Menina e Moça_ d'aquelle + auctor». E accrescenta, que o sr. Delfim Guimarães, empenhado na + interessante averiguação, o consultara, communicando lhe as bases em + que fundava a sua argumentação, as quaes não conseguiram demovel-o + da rotina.» + + +Ao contrário da afirmação do snr. dr. Theóphilo, o snr. Braamcamp Freire +não declara tal que eu o consultara sobre a averiguação que fiz, como +não escreveu na nota citada pelo snr. dr. Theóphilo Braga aquilo que s. +ex.^a gratuitamente lhe atribue. + +Reproduzo textualmente o período que o snr. dr. Theóphilo Braga +interpretou a seu bel-prazer, para melhor juizo dos que me lêem: + + + «O sr. Delfim de Brito Guimarães, que anda empenhado na interessante + averiguação, teve a bondade de me comunicar as principaes bases que + servirão de alicerce á sua argumentação: entretanto, emquanto não + apparecerem os considerandos e a sentença sobre a prova nelles feita + não transitar sem apelação em julgado, não me compete intervir no + pleito e continuarei com a rotina.» + + +Como se vê, o snr. Braamcamp Freire não escreveu que eu lhe comunicara +as _bases_ em que fundava a minha argumentação, mas sim unicamente _as +principaes bases_, e o consciencioso investigador não declarava que taes +bases _não conseguiram demovê-lo da rotina_, mas sim que «em quanto não +aparecessem os considerandos e a sentença sobre a prova nelles feita não +transitasse sem apelação em julgado, _não lhe competia intervir no +pleito e continuava com a rotina_». + +Para que torceu, a seu talante o snr. dr. Theóphilo Braga a nota cheia +de correcção do ilustre escritor?--Para se servir, como de um escudo +protector e cómodo, do nome prestigioso de Braamcamp Freire, procurando, +com tal engenho e arte, fazer acreditar aos papalvos desprevenidos que +tinha a apoiar o seu desmentido formal ás conclusões do meu trabalho a +individualidade, a todos os títulos eminente, do ilustre director do +_Archivo Historico_. + +Ora a nota invocada pelo snr. dr. Theóphilo Braga encontra-se logo na +2.^a pagina do estudo do snr. Braamcamp, e foi produzida quando o +erudito escritor traçou os primeiros períodos do seu trabalho, +conhecendo apenas as «bases principaes» com que elaborei o meu livro +_Bernardim Ribeiro (O Poeta Crisfal)_. + +Depois da leitura do meu modesto estudo, o snr. Braamcamp Freire teve a +gentileza de me comunicar que os meus argumentos haviam logrado +convencê-lo. E por tal fórma o convenceram que o ilustre escritor logo +abandonou a rotina, não carecendo para isso que a sentença sobre a prova +feita transitasse em julgado--muito embora isto pese ao snr. dr. +Theóphilo Braga, que até viu com desgosto que o abalisado professor snr. +Gonçalves Viana, achasse que o meu livro _Bernardim Ribeiro_ fazia honra +á erudição portuguêsa. + +Mais, o snr. Braamcamp Freire não só me felicitou calorosamente pelo +éxito do meu trabalho, que representava a justa reparação devida a um +dos maiores poetas da nossa terra, como teve a bondade de enviar-me a +prova tipográfica de uma passagem do seu estudo, então no prélo, em que +o conceituado escritor confessava publicamente que Maria Brandoa, a +lendária amada do Crisfal, passara á historia... + +Foi fazer companhia aos _cantos de ledino_... + +Tal passagem se encontra a pag. 402 do ultimo tomo do «Archivo +Historico», mas o snr. dr. Theóphilo Braga seguindo os processos... +scientíficos que o enaltecem, ocultou-a propositadamente, +intencionalmente, aos leitores do seu artigo estampado no _Dia_. + +É como segue: + + + «...do catalogo porém limitar-me-ei agora a extrair os nomes dos + oficiaes da feitoria, reservando-me para aproveitar d'elle, n'outro + capitulo, um dado importante para a biographia de *Maria Brandôa, + já, coitadita! quando este estudo aparecer a publico, apiada de + heroina da ecloga Crisfal*.» + + +Ás afirmações, em apoio da minha tese, feitas em maio de 1908 no _Diario +da Tarde_, do Porto, pelo insigne publicista snr. José Pereira Sampaio +(_Bruno_), refere-se tambem o snr. dr. Theóphilo Braga da seguinte +maneira: + + + «No noticiario de outro jornal sairam afirmações absolutas, + proclamando a sensacional descoberta, com uma sinceridade + inconsciente que afasta de todo a idéa de ironia». + + +O snr dr. Theóphilo Braga, referindo-se, com desdem, á _sinceridade +inconsciente_ de Bruno, não nos magôa sómente a nós, que votamos uma +grande estima ao ilustre escritor portuense: ofende as Letras +Portuguêsas, que teem no snr. José Sampaio uma das suas mais legítimas +glórias. + +Tristes processos está seguindo o snr. dr. Theóphilo Braga! + + + Delfim Guimarães + + + +O snr. dr. Brito Camacho, dando hospitalidade nas colunas da _Lucta_ ao +nosso artigo, nòvamente pôs o seu jornal á disposição do snr. dr. +Theóphilo Braga, para que s. ex.^a, querendo, dissesse de sua justiça. O +professor do Curso Superior de Letras não aceitou o oferecimento que +pela segunda vez lhe era feito. + +E, em verdade, que havia o autor do artigo _Movimento Litterário_ de +dizer em contestação do libelo documentado que tinhamos produzido? +Nenhuma justiça lhe assistia, e por consequência não ousou reclamar. +Recolheu-se ao silêncio,--áquele prudentíssimo silêncio que se seguiu á +publicação do notavel trabalho do Dr. Sílvio Romero sobre a _Patria +Portuguêsa_. + +No artigo que publicamos na _Lucta_, de 3 de janeiro do ano em curso, +tomámos o compromisso de tratar em livro todos os pontos tocados pelo +snr. dr. Theóphilo Braga no seu aranzel do _Dia_, com a largueza e +documentação que o assunto exige, em homenagem á memória de Bernardim +Ribeiro; pelo dever moral que nos impusemos de contribuir, quanto em +nossas mingoadas forças caiba, para que justiça seja feita, embora +tardia, a um dos mais belos temperamentos poéticos da nossa terra. + +Uma lenda é fácil de forjar, e com facilidade toma corpo e lança raizes, +obcecando muitas vezes os mais esclarecidos espíritos. + +A nossa Historia Literária está cheia de lendas e embustes, graças aos +Farias e Sousa e Bernardos de Brito. Mas a Verdade, superior a todas as +lendas, e a todas as reputações de historiadores burlões e de críticos +trapaceiros, acaba sempre por triunfar, embora isso leve anos, embora +decorram séculos. + +Na defeza da causa que prosseguimos, que é nobre e justa, não nos animam +quaesquer intuitos de evidenciação, não nos move qualquer mesquinho +sentimento de despeito; lutamos pela verdade, procuramos contribuir com +o nosso esforço de modestos obreiros das letras para desfazer um erro +que a ignorância engendrou, que a rotina não-te-ralesca impôs como um +dogma, e que a vaidade irritada e irritante do snr. dr. Theóphilo Braga +persiste em sustentar, a torto, que não a direito, impondo-o +autocraticamente a quantos vêem no professor do Curso Superior de Letras +o pontífice máximo, ditador inviolavel e sagrado da Republica... das +letras portuguêsas. + + + + +II + +O snr. dr. Theóphilo Braga, descobrindo a verdade, e procurando +enterrá-la + + +Ao preparar os materiaes para a refundição de seu livro sobre Bernardim +Ribeiro, o snr. dr. Theóphilo Braga teve ensejo de reconhecer que a +figura do _trovador_ Cristovam Falcão era mero produto de uma lenda, mas +não teve a coragem precisa para vir a público declarar que tinha errado +ao dar á estampa o seu primeiro volume sobre os poetas bucolistas, em +que, seguindo a rotina, dera existência real ao suposto poeta, que já +havia classificado de *ultimo eco do alaúde provençal, modificado pelo +gosto hespanhol de Padron e Stuniga*.[3] + +E não querendo confessar que errara, como se semelhante facto +constituisse desdoiro ou apoucasse de qualquer fórma seus méritos, o +autor do livro _Bernardim Ribeiro e o Bucolismo_ procurou, por um +processo que não nos atrevemos a chamar genial, enterrar a verdade, +sepultando-a sob um pedregulho enorme, para que ali dormisse um sono de +séculos, tantos séculos pelo menos como a lenda contava, para que, +assim, ninguem pudesse aludir ao erro em que se deixara enredar o +professor do Curso Superior de Letras. + +Como o snr. dr. Theóphilo Braga procedeu, vão os leitores conhecer, e +depois ficarão habilitados a julgar da sinceridade com que o infatigavel +escritor impugna o nosso livro sobre o poeta _Crisfal_. + +A pag. 356/7 do seu livro _Bernardim Ribeiro e o Bucolismo_, na parte +respeitante a Cristovam Falcão, escreveu o snr. dr. Theóphilo Braga: + + + *«O primeiro documento historico que encontramos acerca do poeta, + de um modo irrefragavel, é datado de 1517; é uma graça régia + motivada talvez pela sympathia que suscitava a sua desgraçada + paixão, ou apparentemente pelos serviços de seu pae. Em um alvará + ao Almoxarife de Coimbra foi passada ordem para que dê o rendimento + d'este anno de 1517 a Christovam Falcão: 97:000 réis. Recebeu-os o + seu procurador Mestre Jorge.»* + + +Como se vê da transcrição feita, o autor declarava que o documento +invocado referia-se ao suposto poeta *de um modo irrefragavel*, isto é: +«*irrecusavelmente, incontestavelmente*.» Esse documento dizia respeito, +segundo inculcava o snr. dr. Theóphilo Braga, a _uma graça régia_, mercê +de _97$000 réis_, concedida ao suposto bardo _talvez pela sympathia que +suscitava a sua desgraçada paixão, ou apparentemente pelos serviços de +seu pae_. + +Ora fazendo taes afirmativas, autoritária e catedraticamente, o snr. dr. +Theóphilo Braga abusava da boa fé dos seus leitores, por isso que s. +ex.^a muito bem conhecia que estava deturpando a verdade, a seu +bel-prazer, que nada d'aquilo que apregoava como autêntico era +verdadeiro. + +Nem o alvará de 1517 dizia respeito ao suposto poeta, nem semelhante +alvará mencionava a verba de 97$000 réis. + +Tratava-se de uma tença de 97$734 reis (resultante de dois padrões) que +pertencia a Cristovam Falcão, senhor da vila de Pereira, e não ao +suposto poeta Cristovam Falcão de Sousa. + +Ignorava, porventura, o snr. dr. Theóphilo Braga a existência dos dois +padrões constituitivos da referida tença?--Não ignorava. E a prova de +que os não desconhecia está nas citações que s. ex.^a faz a paginas +331/2 do seu mencionado livro, atribuindo-os a quem eles diziam +respeito, isto é a Cristovam Falcão, senhor da vila de Pereira, que nada +tinha que ver com o suposto poeta, como o snr. dr. Theóphilo Braga, de +resto, muito bem estabelecia. + +Mas a existência de uma tença de 97$000 reis, pelas alturas de 1517, a +favor de Cristovão Falcão de Sousa, comprovaria de certo modo a data em +que o snr. dr. Theóphilo Braga fixou habilidosamente o nascimento do +_ultimo eco do alaúde_, e permitia ao fantasioso escritor justificar tam +rasgada mercê régia atribuindo-a á _sympathia que suscitava a sua +desgraçada paixão_. + +D'esta maneira, servindo-se de um alvará que não dizia respeito ao +suposto poeta, e alterando-lhe caprichosamente a quantia mencionada, o +snr. dr. T. Braga creava um _recurso histórico_ graças ao qual os +discípulos do professor do Curso Superior de Letras podiam aceitar que +pelas alturas do ano da graça de 1517 já existia um afamado poeta com o +nome de Cristovão Falcão, tam desventurado em seus amores que el-rei, +compadecido, lhe fizera mercê da tença, verdadeiramente principesca, de +97$000 réis! E sucedendo um _caso_ d'estes em nossos dias, ainda ha quem +ache estranho que Faria e Sousa e frei Bernardo de Brito improvisassem +(é este o termo próprio?) documentos... históricos! + +Ao publicarmos o nosso trabalho sobre Bernardim Ribeiro, não salientamos +devidamente estes pouco recomendaveis processos do snr. dr. Theóphilo +Braga, poupando, com generosidade, o nome do encanecido trabalhador, em +respeito aos seus cabelos brancos. + +E á nossa manifesta generosidade correspondeu o aclamado professor +apodando os nossos processos críticos de:--processos... á tôa! + +Que nome conceder a esses processos do snr. dr. Theóphilo Braga? + +Mas não ficaram por aqui as habilidades de que se serviu o autor da +_Historia da Litteratura Portugueza_. E chamamos-lhes _habilidades_, por +não encontrarmos á mão um termo mais anodino, mais suave, mais doce, +para definir o feito, e não por qualquer propósito agressivo. + +Existem na Torre do Tombo cartas autógrafas do suposto autor do +_Crisfal_. A simples publicação d'essas cartas constituiria um golpe +decisivo na lenda que atribuia produções de Bernardim Ribeiro a +Cristovão Falcão de Sousa, por isso que taes documentos revelam que +este, alem de iletrado, não escrevia meia dúzia de linhas sem uma +enfiada de asneiras...--«_uma acumulação de tolices_», no dizer +insuspeito de uma ilustre escritora. + +Que fez o snr. dr. Theóphilo Braga? + +Publicou essas cartas, alterando-lhe, paternalmente, a ortografia e a +gramática, e deixando assim transparecer que o autor de taes escritos +poderia muito bem ter produzido as poesias bucólicas que lhe atribuiam. + +Para que se não ajuízasse que faziamos uma afirmação gratuita ao dizer +que o snr. dr. Th. Braga publicara _emendada_ a obra... em prosa de +Cristovam Falcão, démos no volume _Bernardim Ribeiro_ (O Poeta Crisfal) +uma reprodução foto-zincográfica de uma das cartas do suposto poeta, e, +não desejando colocar n'uma situação pouco invejavel o professor do +Curso Superior de Letras, escrevemos, procurando desculpar o seu +procedimento: + + + «........o copista, a quem o distinto professor encarregou de + reproduzir o documento existente na Torre do Tombo, forneceu-lhe + uma reprodução _com summa deligencia emendada_, que o snr. dr. + Theóphilo, com a melhor boa fé, estampou no seu livro, e que muito + se afasta do original.»[4] + + +Nem na sua comunicação á Academia das Sciências de Portugal, nem no seu +artigo do jornal «O Dia», nem na carta que nos dirigiu, se referiu, +embora ao de leve, o snr. dr. T. Braga á carta de Cristovam Falcão de +Sousa... Compreende-se. O documento é tam esmagador, que o infatigavel +polígrafo foge d'ele como dizem que o diabo foge da cruz. + +Mas, embora isso não agrade a s. ex.^a, vamos dar aqui a reprodução +paleográfica de outra carta de Cristovam Falcão de Sousa, devendo +elucidar os leitores que o snr. dr. Theóphilo Braga já deu publicidade a +tal documento a pag. 368/70 do seu _Bernardim Ribeiro_ (edição +refundida). Mas deu-lhe publicidade: _emendando-o_... + +Como não temos a peito celebrizar o alto engenho e mais partes que +concorriam na pessoa do suposto poeta, reproduzimos a carta fielmente, +e, para desfazer algum erro de leitura ou qualquer _gralha_ que passe á +revisão, juntamos em foto-gravura o seu _fac-simile_. + +Eis a carta: + +[Figura: Reproducção foto-zincográfica da carta de Cristovam Falcão de +Sousa] + + + «Sñor. mjnha jrmã dona bracajda faleceo da ujda presemte a dez dias + deste mes pasado estando eu nesa corte [~e] serujço de v. a. onde + me foy a noua pera [~q] viese prover [~e] alg[~u]as cousas da su + alma por me ela dejxar por seu testam[~e]tejro cõ seu marido ejtor + de figuejredo. fiquou-lhe h[~u] só filho e doutro marido [~q] deste + não ouve nenh[~u] e tão Riquo [~q] me diz[~e] que foy posta a + faz[~e]da de seu pay quãdo faleceo (que eu não era no Rejno) [~e] + doze contos. fez meu pay antes [~q] eu de la partise petição a uosa + a. [~q] lhe mãdase [~e]tregar seu neto e tirar de poder de seu + padrasto. sayo lhe na petição [~q] Requerese ao Juiz dos orfãos da + uila donde ho moço está que he borba donde seu padrasto he natural + e alquajde mor pelo duque de bragança e que ele prouerja e que não + no faz[~e]do proverja [~e]tão vosa a. a qual delig[~e]cia eu tenho + fejto que Requery ao Juiz [~q] lho tjrase de poder e que fose loguo + por [~q] eu tjnha sabjdo [~q] eitor de figueiredo detremjnaua + quasar ho moço cõ sua f.^a no fim deste mes [~e] que lhe diziã que + ho moço faz quatorze anos pera ho matrimonjo ser valioso. mãdou ho + Juiz dar ujsta de meu Requerim.^{to} a eitor de figueiredo e njsto + e [~e] ele Responder pasaram ojto dias e nestes me fizerão mujtos + agrauos alomgãdo me ho tempo e me fizerão perdediça h[~u]a petjção + dagrauo na qual agrauaua pera v. a. apresemtandoa eu [~e] audiencja + onde foy lida e jsto tudo por ele ser alquajde mor e ser toda a + ujla de seus paremtes e criados e por [~q] da li não pasão os + agrauos se não pera ho ouujdor do duque onde tão b[~e] me deterjão + pera ho moço chegar ao termo dos quatorze anos detremjney dejxar a + cousa neste termo e fazelo saber a v. a. pera [~q] proueja njsto + como lhe parecer serujço de deos e seu que mjlhor proueja [~q] pois + t[~e] tal faz[~e]da que v. a. ho quase cõ qu[~e] ouuer por seu + serujço [~q] não [~q] ho orfão seia asy Roubado. no que v. a. deue + loguo prouer como pay dos orfãos [~q] he quanto mais [~q] quarega + jsto sobre cõcj[~e]cja de v. a. por h[~u] alu.^{rá} que vosa a. + pasou a ejtor de figueiredo ao t[~e]po [~q] quasou cõ mjnha Jrmã + pelo qual tjrou a titorja a meu pay de seu neto por lha dar a ele. + ao qual agora ajnda se pega, como se não fose cerada a cousa por + morte de mjnha Jrmã. e o [~q] me parece [~q] se deue fazer he pasar + v. a. logo alu.^{rá} por esta quarta [~q] pode serujr de petjção, + [~q] polo qual mãde a h[~u] dos quoReiadores destremoz elvas ou por + talegre [~q] qualquer deles va a borba e tjre ho moço de poder de + seu padrasto e [~e]tregue sua p.^a a meu pay seu auô ou a meu jrmão + barnabé de sousa [~q] t[~e] faz[~e]da p.^a ho mjlhor mãter [~q] + biue [~e] portalegre onde ho moço t[~e] parte de sua faz[~e]da e + lhe he já dado por tutor desta fazemda e despois do moço tjrado + prouer v. a. [~e] qu[~e] seia seu tutor e seja ouujdo ejtor de + figuejredo das Rezomis [~q] diz ter pera [~q] ho moço quase cõ sua + f.^a mas jsto deuela ser amte v. a. [~q] qua não sey quãto se + gardara Justiça e ho aluará pode v. a. mãdar dar a demjão de sousa + meu irmão [~q] la amda [~q] ele ho fará vir cõ mujta delig[~e]cia + [~q] eu fiquo qua esperamdo p.^a ho Requerer e apresemtar. e + l[~e]bro mais a uosa a. [~q] mãde ao mesmo coReiador que + [~e]t[~e]da nas partjlhas e jmb[~e]tajro [~q] doutra manejra será + Roubado ho orfão e asi [~q] o t[~e]po aquaba p.^a fim deste mes e + eu s.^{or} neste trabalho nõ pretendo mais [~q] fazer ho [~q] deuo + e tenho dejxado os Requerjm.^{tos} que trago cõ v. a. [~e] mão de + fernão daluarez peço a v. a. que nõ perqua por ausente de ser + despachado. a qu[~e] deos a ujda e Real estado acrec[~e]te. de + portalegre sete de novembro. as Reajs mãos de v. a. bejjo. xpouão + falcão de sousa.»[5] + + !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! + + +Ao leitor deixamos a faculdade de comentar a carta _primorosa_ do +sarrafaçal engenho que durante alguns séculos gosou da fama de poeta +insigne, em prejuizo do nome aureolado de Bernardim Ribeiro. + + + + +III + +Anotações á carta que nos dirigiu o snr. dr. Theóphilo Braga + + +*1* + + «A ninguem interessaria tanto o conhecimento d'este problema, como + a mim, que esbocei uma biographia de Christovam Falcão com + elementos historicos (documentos authenticos) comprovando dados + genealogicos.» + + _Carta do snr. dr. Th. Braga._ + + + +Não ha a menor dúvida quanto á primeira parte d'esta afirmação. + +Com efeito, o snr. dr. Theóphilo Braga esboçou uma biografia de +Cristovam Falcão, e ninguem ousará contestar-lhe o mérito de haver sido +o Plutarco do suposto trovador. + +Esboçando-lhe a biografia, o abalisado professor de literatura serviu-se +de documentos autênticos... mas utilizando alguns que não diziam +respeito ao pseudo-poeta, e sim a um outro Cristovam; e interpretando, +modificando e adulterando outros documentos ao sabor do seu paladar, ao +capricho da sua fantasia. + +No capitulo XIX do nosso estudo sobre Bernardim Ribeiro destrinçamos os +documentos históricos que o snr. dr. Theóphilo Braga propositadamente +confundiu, e restabelecemos o texto de uma das cartas de Cristovam +Falcão de Sousa que o habil professor _emendara_, com o zelo de Plutarco +cioso do bom nome do seu heroe... lendário. + +No segundo capítulo d'este livro, ficou tambem fielmente reproduzida +outra carta de Cristovam Falcão, que o infatigavel historiador havia +_corrigido_, como se se tratasse de um tema de algum discípulo seu. +Mesmo quando se entrega a trabalhos de reconstituição histórica, o snr. +dr. Theóphilo Braga não se esquece de que é professor de literatura +portuguêsa! + +Depois de isto, como ousa o snr. dr. Theóphilo Braga invocar os +documentos autênticos de que tam mau uso fez? + + +*2* + + «Tive de ler immediatamente o seu livro, para ver que materiaes + traria para o aperfeiçoamento do meu trabalho.» + + _Carta do snr. dr. Th. Braga._ + + +Tem graça, e não ofende! + +Se leu imediatamente o nosso livro, não foi para ver que novos subsídios +forneciamos para o estudo da história da literatura portuguêsa, mas sim +para conhecer quaes os materiaes que lhe facultariamos para o +aperfeiçoamento do seu trabalho... + +Cabe n'esta altura, a talho de foice, deixar consignada certa passagem +de uma palestra que o snr. dr. Theóphilo Braga teve com um dos seus mais +inteligentes discípulos a propósito da publicação do nosso livro sobre +Bernardim Ribeiro: + +«V. compreende... Eu sou como um mestre de obras... na construção de um +edificio. Ha vários pedreiros... Vão-me chegando ás mãos diversas +pedras... Aproveito aquelas que se me afiguram de feição, geitosas, +convenientes para a minha obra, e as outras ponho as de parte, deito-as +fóra.» + +E a um distinto confrade nas letras, ainda por motivo da publicação do +nosso livro, o professor do Curso Superior de Letras teve ensejo de +referir-se á nossa obscura pessoa, fazendo o favor de nos reconhecer +talento, mas... _que os estudos de investigação histórica eram umas +teclas muito dificeis, muito complicadas_... + +O apreciado _mestre de obras_ (segundo a frase de s. ex.^a) escusava de +ter lido o nosso trabalho. O sub-título do livro, _O Poeta Crisfal_, +demonstrava suficientemente ao snr. dr. Theóphilo Braga que nenhuma +pedra de feição poderiamos proporcionar-lhe para o _aperfeiçoamento_ da +sua obra, porque o nosso livro lhe atirava a terra com os alicerces em +que se firmava o edificio... ou monumento erguido ao falso _Crisfal_. + +Foi um castelo de cartas que um sopro deitou ao chão... + +Oh! os estudos de investigação histórica são realmente... umas teclas +muito complicadas! + + +*3* + + «Mesmo no prologo fez-me V. a justiça de que eu aproveitaria tudo + quanto se prestasse a futuras emendas.» + + _Carta do snr. dr. Th. Braga._ + + +Não escrevemos tal no prólogo do nosso livro que o snr. dr. Theóphilo +Braga aproveitaria d'ele _tudo quanto se prestasse a futuras emendas_. + +O que nós escrevemos a pag. 24 do nosso estudo sobre Bernardim é o +período que segue: + +«Embora, em resultado da nossa descoberta, o snr. dr. Theóphilo Braga +tenha de refundir mais uma vez os seus trabalhos sobre Bernardim Ribeiro +e Sá de Miranda, estamos plenamente convencidos de que ninguem estimará +mais do que o incansavel professor do Curso Superior de Letras a luz +derramada sobre a figura do grande poeta bucolista, amigo de Francisco +de Sá.» + +Nas linhas transcritas, o que havia da nossa parte era um cumprimento de +cortesia,--uma gentileza, uma amabilidade, própria de quem, não tendo +qualquer agravo do snr. dr. Theóphilo Braga, procurava colocar s. ex.^a +em bom terreno, oferecendo lhe, por assim dizer, uma ponte, uma táboa de +salvação, pela qual, sem quebra de linha, o escritor consagrado pudesse +atravessar, reconhecendo, ou fingindo reconhecer, o mau terreno que +estava pisando, e abraçando honestamente a verdade evidenciada. + +Era um cumprimento, repetimos; não um acto de justiça, que a ele não +tinha jus o infátigo escritor. E da mesma natureza, no decurso do nosso +trabalho, outras demonstrações de cortesia ficaram assinaladas, +prestando homenagem á vida laboriosa do escritor encanecido cujos erros +combatiamos. + +Mas como as amabilidades se agradecem, e os actos de justiça não são +credores de qualquer agradecimento, aprouve ao snr. dr. Th. Braga ver +nas nossas palavras um acto de justiça. + +Não lhe queremos mal por isso, pode crer o venerado professor. + +Cada qual segue os impulsos do seu temperamento. + + +*4* + + «Desde as noticias genealogicas trazidas por Braancamp Freire sobre + D. Maria Brandão, que Cristovam Falcão amou, sendo ambos muito + crianças, via-me forçado a tomar o nascimento d'elle no fim do + primeiro quartel do seculo XVI.» + + _Carta do snr. dr. Th. Braga._ + + +Quando chegámos a esta altura da preciosa carta do snr. dr. Theóphilo +Braga ficamos verdadeiramente surpreendidos, para não dizer +boquiabertos! + +Lemos e tornamos a ler o período transcrito, pesamos detida e +pacientemente cada uma das palavras que o constituem, e, ao cabo, +alcançamos o convencimento de que uma tal afirmação constituia uma +habilidade, um processo, uma engenhoca,--deixem chamar-lhe assim, embora +o termo destôe, por menos académico,--a que o professor de literatura +recorria para não confessar ter sido o nosso trabalho que o obrigava a +aceitar o nascimento do suposto poeta no fim do primeiro quartel do +seculo XVI. + +Fôra pelas noticias genealogicas trazidas pelo snr. Braamcamp Freire +sobre D. Maria Brandão que o snr. dr. Theóphilo Braga, conforme nos +escrevia, se vira forçado a não insistir no nascimento do pseudo Crisfal +no ano de 1497, se não antes! + +Mas como podia isto ser, se o trabalho do ilustre escritor invocado pelo +snr. dr. Theóphilo ainda não fôra dado á estampa? + +Teria o professor do Curso Superior de Letras recebido qualquer +comunicação sobre o assunto por parte do snr. Anselmo Braamcamp +Freire?--Não, não tinha recebido, como o demonstram eloquentemente os +seguintes períodos de uma carta que em 5 de dezembro de 1908 nos +dirigiu, em resposta a uma nossa, o primoroso director do _Archivo +Historico_: + + + «Vamos agora á sua pergunta de hoje originada pela carta do dr. + Teofilo Braga. Elle não conhece nada do meu trabalho sobre a Maria + Brandoa, e faça-me a justiça de crer que, não lho tendo mostrado a + si, não o mostraria a mais ninguem. Não lho mostrei a si, porque + nas 150 paginas já impressas, de que em breve lhe mandarei um + exemplar, nada digo a respeito de Maria Brandoa: trato dos Brandões + do _Cancioneiro_ e da Feitoria de Flandres.» + + +Depois da transcrição d'estas linhas, eloquentes e insuspeitas, do snr. +Braamcamp Freire, tornam-se desnecessários de nossa parte quaesquer +comentários á afirmação sem base do snr. dr. Theóphilo Braga. + +Passemos adeante sobre este caso triste! + + +*5* + + «Isto nos impossibilitava de continuar a admittir as relações + pessoaes de Cristovam Falcão com Bernardim Ribeiro já velho e + dementado em confidencias de amor com um rapaz no viço da mocidade; + e por tanto as Eclogas em que elle figurava interpretativamente + tinham de ser lidas a outra luz. V. acabando de fazer a destrinça + entre o Poeta e seu primo mais antigo, deu-me elementos para uma + melhor interpretação das Eclogas de Bernardim, (eliminadas as + relações com Cristovam Falcão), e mostrando como realmente as + poesias d'aquelle, como mestre, influiram no mais moço, que como + novel chega a fazer centões e intercalações de versos de Bernardim + Ribeiro.» + + _Carta do snr. dr. Th. Braga._ + + +Pelo exposto, entende o snr. dr. Theóphilo Braga que nós lhe demos +elementos para uma melhor interpretação das éclogas de Bernardim, o que +importa implicitamente a afirmação de que não soubemos interpretá-las, +ou que erramos a exegese com que julgavamos ter corrigido as lições +ministradas pelo ilustre professor. + +Aguardemos, pacientemente, que o snr. dr. Theóphilo Braga refunda mais +uma vez o seu livro sobre Bernardim Ribeiro, para então apreciarmos as +novas interpretações que o imaginoso historiador se propõe apresentar +das éclogas de Bernardim, e ficarmos tambem conhecendo quaes os _centões +e intercalações_ de versos de Ribeiro que o novel Falcão introduziu nas +suas produções... em prosa, únicas que obrou. Obrou, no sentido de: +produziu, claro está. + + +*6* + + «Ha uma affirmativa histórica, de Diogo do Couto, na sua _Decada + VIII_, que fallando de Damião de Sousa Falcão, accrescenta como + reforço historico: «irmão de *Cristovam Falcão*, aquelle que fez + aquellas cantigas nomeadas de Crisfal...» E tambem no seculo XVI + Fructuoso (resumido pelo P.^e Antonio Cordeiro na Historia + insulana) diz de Cristovam Falcão: «parente do Barão velho e do + famoso poeta Cristovam Falcão, que fez a celebre Ecloga Crisfal das + primeiras syllabas do seu nome...» Tambem nas edições de Ferrara e + Colonia, feitas por curiosos sem criterio litterario, se repete a + attribuição «_que dizem ser_ de Cristovam Falcão, ho que parece + alludir o nome da mesma Ecloga». Não se podem refutar por negativa + estes testemunhos de homens de letras do seculo XVI, e que se + reflectiram nos genealogistas.» + + _Carta do snr. dr. Th. Braga._ + + +A habilidade, ou antes o processo habilidoso, ou, melhor, a tendenciosa +redacção d'estes períodos não consegue iludir ninguem... Julgou talvez o +snr. dr. Theóphilo Braga que nos desnortearia com esta subtileza de +processos... críticos. Tal não conseguiu, como terá de reconhecer no +foro íntimo da sua consciência. + +Vamos por partes: + +Foram os editores de Ferrara e Colónia que propagaram pela imprensa a +lenda de que a paternidade da carta e ecloga de Crisfal era atribuida a +Cristovam Falcão, e, fazendo-o, limitaram-se, com honestidade, a +escrever: «que dizem ser... ao que parece aludir o nome da mesma +ecloga». Ao contrário do que o snr. dr. Theóphilo Braga procura fazer +incutir, tendenciosamente, os editores citados não repetiram uma +atribuição de homens de letras do seculo XVI... + +Os homens de letras do seculo XVI é que repetiram, fazendo-a certa, a +atribuição feita com reservas pelos editores das obras de Bernardim +Ribeiro em 1554 e 1559. Aceitaram por boa, sem se darem ao trabalho de a +verificar, uma simples atoarda. + +Quem eram os editores de 1554 e 1559 das obras de Bernardim Ribeiro? + +Di-lo, judiciosamente, o snr. dr. Theóphilo Braga na carta que vamos +analisando: + +Eram «*curiosos sem critério literário*». + +Será a estes obscuros obreiros do século XVI que o laureado professor +quer guindar á categoria de homens de letras com foros de autoridades? + +Não, os editores de 1554 e 1559 foram realmente creaturas sem o menor +critério literário, e por isso deram alentos á lenda forjada pelo vulgo; +mas não resta a menor dúvida de que eram pessoas de bem, porque +consignaram uma _tradição vaga_, sem se atreverem a registá-la como um +facto positivo, indiscutivel, incontroverso. A cobrir a sua +responsabilidade de editores conscienciosos, lá estamparam: «que dizem +ser... ao que parece aludir.» Outros fossem eles, que asseverassem que +as duas produções, carta e écloga, pertenciam a Cristovam Falcão +incontestavelmente, irrefragavelmente! + +Ignorava, porventura, o snr. dr. Theóphilo Braga que os editores da obra +de Bernardim Ribeiro, ao produzirem as rúbricas respeitantes ao suposto +autor do Crisfal, mencionavam apenas uma atoarda, uma vaga tradição? + +Não; o venerado professor não ignorava isso. Testemunha-o o que s. ex.^a +escreveu a paginas 21 da sua chamada edição crítica das obras de... +Cristovam Falcão: + +*«As rubricas do editor de Colonia, encerram as tradições vagas, que, +passados nove annos, ainda corriam ácerca d'aquelle infeliz namorado.»* + +Para que veio pois o snr. dr. Theóphilo Braga asseverar que _tambem nas +edições de Ferrara e de Colonia se repete a atribuição_? + +Mais diz o apreciavel escritor que «não se podem refutar por negativa» +as atribuições que Diogo do Couto e Frutuoso fizeram, repetindo _como +certo_ o que os editores das obras de Bernardim registaram _sob +reservas_. + +Não se podem refutar por negativa, não; mas podem refutar-se cabalmente, +pondo em confronto da obra poética atribuida a Cristovam Falcão a obra +em prosa que ninguem ousará disputar ao suposto trovador. + +E a admitir alguem, de reconhecida inteligência e critério, que o autor +das cartas em prosa podia ser o poeta da Carta e da Ecloga de _Crisfal_, +o mesmo equivaleria a aceitar como razoavel que Rosalino Candido pudesse +firmar as obras do snr. dr. Theóphilo Braga, e que, consequentemente, o +laureado professor de literatura fosse capaz de produzir a obra +gigantesca de Victor Hugo. + +É realmente desolador, para a fabula consagrada, que a Torre do Tombo +conserve os autógrafos de Cristovam Falcão de Sousa! + + +*7* + + «A ecloga de Crisfal não podia ser publicada pelo seu autor, nem + pelo seu consentimento porque era uma _inconfidencia_ de antigas + relações amorosas com uma senhora que estava casada.» + + _Carta do snr. dr. Th. Braga._ + + +Esta bizarra revelação do snr. dr. Theóphilo Braga constitue, +naturalmente, uma desenfastiada brincadeira de s. ex.^a. + +Pois qual é a obra _lírica_ onde se não encontrem _inconfidências_ +semelhantes ás da ecloga de Crisfal? + +O snr. dr. Theóphilo Braga, que aos catorze anos já se entregava a +devaneios poéticos, não deixou certamente de dar publicidade a versos em +que foi decantada alguma dama unida pelos laços matrimoniaes... E +estamos convencidos de que ninguem chamou _inconfidências_ aos suspiros +poeticos do trovador açoreano. As inconfidências não servem de tema ás +locubrações dos vates; onde existe arte, no bom sentido da palavra, não +ha inconfidências, embora n'este ponto estejamos em absoluta +discordância com a doutrina exposta pelo professor do Curso Superior de +Letras. + +Em toda a obra, prosa ou verso, de Bernardim Ribeiro, vive, palpita, a +história ingénua da sua vida, o trama dos seus mal-aventurados amores +por uma dama que trocou a afeição do poeta pela de um outro zagal. Foi +um inconfidente o magoado Bernardim?--Não, foi um artista, foi um poeta +apaixonado, alma de eleição que da sua dor fez um poema, como diria +Goethe. E que adoravel e sentido poema nos legou o grande poeta +bucolista! + +Mas não vale a pena insistir mais n'este ponto. A afirmativa do snr. dr. +Theóphilo Braga constitue, naturalmente, um gracejo inofensivo de s. +ex.^a. + + +*8* + + «A edição sem data, de Lisboa, só podia ser feita por 1542, quando + Cristovam Falcão estava em Roma; e quando Camões foi para Ceuta em + 1547 na Carta que d'ali escreveu emprega muitos versos do + _Crisfal_, que então andava no gosto.» + + _Carta do snr. dr. Th. Braga._ + + +Reproduzamos aqui o que o autor da _Historia da Litteratura Portugueza_ +escreveu a paginas 394/5 do seu volume _Bernardim Ribeiro_ (edição +refundida): + + + «N'esta folha volante não vem a _Carta_, nem as _Cantigas_ e + _Esparsas_ incluidas na edição de Colonia. Parece mais uma + vulgarisação popular, talvez uma das muitas que tornaram a Ecloga + _muy nomeada_, e de que a reprodução de 1571, feita em Lisboa + (existiu na Livraria de Joaquim Pereira da Costa) seria o typo que + serviu para a reprodução de 1619, em que apparecem elementos só + conhecidos pela edição de 1559. + + «A folha volante _sem data_ diverge do texto de Colonia + profundamente; basta observar as variantes entre as lições das + estrophes 51 e 52. Attribuimos a impressão das _Trovas de Crisfal_, + a 1536, quando appareceram tambem em folha volante as _Trovas de + Dois Pastores_ (Ecloga III) de Bernardim Ribeiro. + + «A vinheta do Pastor com capuz e cajado no _Crisfal_ é a mesma que + serve nas _Trovas de dois Pastores_; o typo gothico corpo 12 do + titulo do folheto de 1536 é o empregado no texto do _Crisfal_. + Tambem a vinheta da Dama, que vem no titulo, appareceu empregada em + outra folha volante de 1536, intitulada _Tragedia de los amores de + Eneas y de la reina Dido_.» + + +Procedemos ao mesmo exame a que o snr. dr. Theóphilo Braga sujeitou o +_pliego-suelto_, e chegamos a egual conclusão. Algumas vezes nos +haviamos de encontrar em concordância de vistas com s. ex.^a. E porque o +nosso pensar sobre o assunto egualava o do ilustre professor, escrevemos +a pag. 119 do livro _Bernardim Ribeiro_ (O Poeta Crisfal), aludindo ao +folheto sem indicação de data nem de lugar de impressão: + +[Figura] + +«...mas reconhecendo-se, pelo confronto com outros folhetos, ser de +1536). + +«Como muito bem observou o snr. dr. Theóphilo Braga, etc.» + +Seguiu-se a transcrição do parágrafo do snr. dr. Th. Braga que atrás +reproduzimos. + +Mudou o abalisado professor de opinião quanto á data do _pliego-suelto_, +querendo agora fixar-lhe o ano de 1542, como poderia fixar-lhe o de 1552 +ou 1562, arbitrariamente. + +Se ao menos s. ex.^a tivesse a condescendência de indicar-nos quando +seguiu os _processos inductivos da crítica moderna_! Ao fixar a data de +1536 ou quando arbitrou a de 1542? + +Em folha apensa, damos uma reprodução foto-zincográfica das primeiras +páginas dos tres folhetos que levaram o snr. dr. Theóphilo Braga a fixar +a data da primeira edição conhecida das _Trovas de Crisfal_ em 1536. + +Se nos perguntarem se estamos dispostos a quebrar lanças para sustentar +a antiga opinião do historiador da _Litteratura Portugueza_, +responderemos, com toda a franqueza, negativamente. O que não podemos +admitir é que se procure agora determinar-lhe _com precisão_ a data de +1542, com o simples fundamento de que n'esse ano estava em Roma o seu +suposto autor... + +Alude o snr. dr. Theóphilo Braga ao facto de Camões empregar versos do +_Crisfal_. + +A explicação, a nosso ver, é muito simples: + +Em Faria e Sousa, o insigne fabulista, autor muito da predilecção do +snr. dr. Theóphilo, encontra-se uma afirmativa, que constitue em nosso +juizo uma das raras que merecem algum crédito, não obstante a impureza +da _fonte_. + +Referindo-se a Bernardim Ribeiro, escreveu Faria e Sousa: «poeta bien +conocido y a quien llamava su Enio el divino Camões.» + +Não desconhece isto o professor do Curso Superior de Letras, porque a +pag. 131 da primeira edição do seu _Bernardim Ribeiro_ reproduziu da +_Fuente de Aganipe_ o dizer de Faria. + +Como demonstrámos no volume sobre o _Poeta Crisfal_, Camões glosou o +magoado solau da _Menina e moça_, de Bernardim Ribeiro. + +Em uma das cartas atribuidas ao cantor dos _Lusiadas_, encontra-se uma +alusão directa ao autor das _Saudades_, indicando-lhe o nome: _Bernardim +Ribeiro_. + +Se Bernardim era o seu _Enio_, naturalíssimo é que Camões se deixasse +influenciar pelo Mestre, imitando alguns dos seus versos. + +A não ser que o snr dr. Theóphilo Braga queira concluir que, sendo +Bernardim o _Enio_ de Camões, Cristovam Falcão era o _Enio_ numero 2 do +mesmo poeta,--assim a modos de um _Enio_ barato, para trazer por casa. + +Prossigamos... + + +*9* + + «Na edição de Lisboa vem duas estrophes supprimidas no texto de + Ferrara e Colonia, por que continham uma _inconfidencia_. Isto leva + a explicar como Cristovam Falcão tentaria apagar a paternidade da + Ecloga fundamentando-se-lhe a imputação com o anagramma das + primeiras syllabas do nome.» + + _Carta do snr. dr. Th. Braga._ + + +Salvo erro, o snr. dr. Theóphilo Braga quer referir-se apenas a uma, e +não a duas estrofes. + +E á estrofe que reza: + + + Muitos pastores buscaram + mas um pastor por ser-te amigo, + e outro por ser-te enemigo, + um e outro se escusaram. + E dão-lhe logo comigo + gados que farão mil queijos; + mas como se despediam + é já mostrar que temiam + que o sabor dos teus beijos + na minha boca achariam! + + +Falava-se em _beijos_... Era uma _inconfidência_, e gravíssima, e por +isso a estrofe foi suprimida nas edições de Ferrara e de Colónia! Está +claro, e tam claro que, no dizer do snr. dr. Th. Braga, «_isto leva a +explicar como Cristovam Falcão tentaria apagar a paternidade da +Ecloga_...» + +Ora admitindo por um momento que Cristovam Falcão houvesse sido poeta, e +tivesse a lembrança de escrever uma écloga abundante em +_inconfidências_, pespegava-lhe, sem mais nem menos, com um anagrama +deduzido das primeiras sílabas do seu nome, para que toda a gente logo o +apontasse a dedo como _inconfidente_? + +De mais a mais, como quer o snr. dr. Th. Braga na sua exegese, se o +suposto poeta empregasse os nomes verdadeiros de todas as personagens +que a écloga alvejava, isso constituiria um _apagamento_ de paternidade +muito pouco apagado... + +Todo o mistério, o discreto veu da fantasia, a cobrir a realidade dos +episódios que a écloga do _Crisfal_ menciona, equivaleria á ingenuidade +infantil d'aquela antiga adivinha: «Branco é, galinha o põe»! + +Ponha se o snr. dr. Th. Braga no lugar do pseudo-trovador, imagíne que +resolvia arquitectar uma écloga cheia de _inconfidências_, e diga-nos, +com franqueza, se, desejando apagar a paternidade de um tal feito, +assinaria a sua produção com o anagrama _Theobra_? + +Logo os seus discípulos concluiriam, triunfalmente: «Cá temos mais um +poema do Mestre!» E fosse lá s. ex.^a convencê-los de que não era tal o +autor da _inconfidência_! + + +*10* + + «Os logares communs a Bernardim Ribeiro e Cristovam Falcão provam + mais a favor da imitação de um discipulo, do que á fusão dos dois + poetas, repetindo-se o mestre na decadencia.» + + _Carta do snr. dr. Th. Braga._ + + +Com o respeito devido ao professor de literatura, de modo nenhum podemos +aceitar a sentença de s. ex.^a + +A _subtileza_ do snr. dr. Theóphilo Braga, proclamando que os lugares +comuns a Bernardim Ribeiro e Cristovam Falcão provam mais a favor da +imitação de um discípulo do que á fusão dos dois poetas, é da natureza +do conhecido artifício pelo qual se póde sustentar que cinco vintens não +são um tostão, ou vice-versa! + +Admitindo que Cristovam Falcão tivesse sido um imitador de Bernardim, +como quer o abalisado professor, explica-se porventura que levasse tam +longe a sua improbidade literária, que roubasse por inteiro versos e +cantigas ao seu mestre, com a maior desfaçatez? Pois o autor da _Carta_ +e da _Eclóga de Crisfal_, a ser um imitador, não teria o bom senso +suficiente para reconhecer que, roubando versos de Bernardim, não +alcançaria renome de poeta, mas o apodo de salteador literário? + +Um imitador, por mais inexperiente e tacanho, não se aproveita dos +textos que imita de maneira a que lhe possam apontar os versos +_palmados_. Ou não será isto o que a lógica permite conjecturar? + +Como ignoramos _os processos inductivos da critica moderna_, é possivel +que estejamos em erro, e que da mesma ignorância resulte não alcançarmos +o sentido das palavras do snr. dr. Theóphilo Braga quando afirma que o +mestre (Bernardim Ribeiro) se repetiu na decadência. + +Que repetições? e que decadência? + + +*11* + + «Emfim ha dois schemas de paixão amorosa que se não confundem: o de + Joana e Fauno, Aonia e Bimnarder, e o de Maria e Crisfal. São duas + almas, sentindo em situações differentes.» + + _Carta do snr. dr. Th. Braga._ + + +Ha dois schemas de paixão amorosa que se não confundem, diz o snr. dr. +Theóphilo Braga na carta que, pacientemente, estamos anotando. + +É verdadeira esta afirmativa? + +--Não, não é verdadeira, e o professor do Curso Superior de Letras sabe +muito bem que o não é. + +Em 1897, ao publicar a sua edição refundida do livro _Bernardim +Ribeiro_, confrontando versos de Bernardim com os atribuidos a Cristovam +Falcão, escreveu o professor de literatura. + +«Vê-se que á medida que *a situação dos amores de Bernardim Ribeiro +seguia o mesmo desfecho dos amores de Cristovam Falcão*, os dois poetas +communicavam entre si os seus versos, sendo por este modo que se +salvaram as poesias do auctor do _Crisfal_.»[6] + + +Ha dois schemas de paixão amorosa que se não confundem, diz s. ex.^a, +procurando agarrar-se a uma boia salvadora... + +Mas tanto a paixão é uma só que o snr. dr. Theóphilo Braga, na écloga em +que Bernardim se personifica sob o nome bucólico de _Persio_, viu n'essa +personagem *Cristovam Falcão*! E estamos em crer que o ilustre professor +não irá agora sentencear que a écloga primeira de Bernardim tambem foi +elaborada pelo suposto trovador... + +Pois se o snr. dr. Theóphilo Braga até concluiu que tanto Bernardim como +Cristovão Falcão sofreram as agruras do _carcere privado_! + +Como póde suceder que o distinto escritor já se não recorde do que +escreveu a pag. 76/78 da sua edição refundida do livro «Bernardim +Ribeiro», arquivemos aqui algumas das suas passagens: + + «...Não ignorava Bernardim que o namorado de Maria tambem estivera + em carcere privado: + + _Vi-me já preso_; contente + A meu mal queria bem. + + «Na Carta, que escreveu _estando preso_, e mandou áquella com quem + estava casado a furto, diz Christovam Falcão: + + Mal cuja dor se não crê + de _prisão_ e de ausencia! + ............................. + + Bem se enxerga nos meus danos + _que estou preso ha cinco annos_, + afóra os que heide estar... + + «Retratando o cuidado de Persio, diz Bernardim Ribeiro: + + Logo então começou + _Seu gado a emagrecer, + Nunca mais d'elle curou_, + Foi-se-lhe todo a perder + Com o cuidado que cobrou. + + «Em Christovam Falcão lê-se: + + Crisfal não era entam + dos bens do mundo abastado, + tanto como de cuidado, + que por curar da paixão + _não curava do seu gado_. + + «E continuando o parallelismo, por onde se vê que os dois poetas + eram mutuos confidentes, e se influenciaram, temos mais estes + traços com que Bernardim Ribeiro retrata o _Crisfal_: + + Sentava-me em um penedo + Que no meio d'agua estava; + Então alli só e quedo + A minha frauta tocava. + + «E no _Crisfal_, quasi pela mesma maneira: + + Alli sobre uma ribeira + de mui alta penedia, + + d'onde a agua d'alto caía, + dizendo d'esta maneira + estava a noite e o dia... + + «Bastam estas comparações para se reconhecer a communhão artistica + entre os dois namorados poetas.» + + +Depois de haver escrito o que acaba de ler-se, como se compreende que o +snr. dr. Theóphilo Braga venha proclamar, com a maior sem-cerimónia, que +ha _dois schemas de paixão amorosa que se não confundem_! + +Quanto a _Fauno_, nome pastoril que, em uma das éclogas, Bernardim dá ao +seu amigo, confidente e colega Francisco de Sá de Miranda, quer o snr. +dr. Theóphilo Braga que seja a personificação do próprio B. +Ribeiro,--talvez para não confessar que nós acertamos na interpretação +apresentada no _Poeta Crisfal_. + +Temos certa curiosidade em saber se na futura refundição do livro sobre +os poetas bucolistas o seu autor transferirá para Sá de Miranda o crisma +de _Persio_, na impossibilidade de continuar a ver na mesma figura os +traços de Cristovam Falcão... + +De uns versos de Francisco de Sá, imitando uma canção de Petrarca, já o +ilustre professor concluiu que o amigo de Bernardim sofrera a prisão, +por motivo de amores... É meio caminho andado para que, na fantasia de +s. ex.^a, o douto Sá de Miranda vá tomar o pouso do derreado Falcão. + +A ver vamos... como dizia o cego, e cada vez via menos! + + +*12* + + «Através de todo o hypercriticismo, o livro sobre Bernardim revela + um trabalhador fervoroso, etc.» + + _Carta do snr. dr. Th. Braga._ + + +Duas palavras apenas: + +A nosso juizo, aquele _através_ está a substituir, amavelmente, o +advérbio _apesar_... É o que julgamos depreender da sequência da frase. + +No nosso modesto e desvalioso estudo, o snr. dr. Theóphilo Braga apenas +viu _hipercriticismo_, o que de modo nenhum póde agradar ao historiador +da _Litteratura Portugueza_, que só emprega os modernos processos da +crítica scientífica,--graças aos quaes... se vê obrigado a refundir +amiude os seus trabalhos! + +Continuaremos, impenitentes, a cultivar o _hipercriticismo_, deixando ao +snr. dr. Theóphilo Braga o uso exclusivo dos seus processos, que não nos +seduzem, com toda a franqueza o dizemos. + + + + +IV + +A comunicação do presidente da Academia das Sciencias de Portugal + + +No seio da sociedade scientífica e litéraria, de que é ilustre +presidente, proclamou o snr. dr. Theóphilo Braga, á porta fechada, isto +é, em reunião privativa dos sócios d'aquela Academia, que a vida amorosa +de Cristovam Falcão «_oscila entre 1525 e 1526, sendo n'aquella data +moço fidalgo, tendo pelo menos 12 annos_». + +Cristovam Falcão de Sousa era moço fidalgo em 1527, como se demonstra +indubitavelmente pelo registo exarado n'um livro que existe no arquivo +da Torre do Tombo, registo que reproduzimos com fidelidade a paginas +168/9 do nosso estudo sobre Bernardim Ribeiro. + +Na sua erudita comunicação á Academia das Sciencias de Portugal, afirmou +o snr. dr. Theóphilo Braga que o suposto autor do _Crisfal_ tinha _pelo +menos 12 anos á data de 1525_... + +Não indicou o douto académico o documento ou _recurso histórico_, em que +se estribava para sentencear, sem admitir réplica, que o pseudo-trovador +tinha _pelo menos 12 anos á data de 1525_, mas é possivel que s. ex.^a +esteja munido de concludentes provas para demonstrar a justeza da sua +afirmativa, se alguem se lembrar de contestar-lhe tam peremptória +opinião. + +Se o ilustre professor não possue a tal respeito documentos bastantes, +póde dar-se o caso de alguem vir àmanhan, quando mais não seja para +fazer pirraça a s. ex.^a, declarar que Cristovam Falcão de Sousa, á data +de 1525, não era ainda nascido, ou, quando muito, teria doze mêses, e +não 12 anos... + +Mas é possivel que o snr. dr. Theóphilo Braga tenha conseguido descobrir +qualquer documento em que apoie a sua sentença. É até muito possivel! + +O importante, por agora, é verificar que o laureado académico fixou o +ano do nascimento do pseudo-poeta em 1513, poucos mêses mais, poucos +mêses menos, se a lógica não é uma cantata para adormecer meninos. + +Ora, sendo assim, vê-se que alguma cousa se ganhou com a publicação do +nosso livro sobre o _Poeta Crisfal_, onde a paginas 176 escrevemos: + +«*Quanto a Cristovam Falcão de Sousa, moço fidalgo em 1527, por muito +que se queira afastar a data do seu nascimento, não poderá esta ser +fixada em ano anterior a 1510. Fixando-se o seu nascimento entre os anos +de 1510 a 1515, é natural que se fique muito próximo da verdade.*» + +O snr. dr. Theóphilo Braga, em face do nosso estudo, escolheu o ano de +1513, cifra que se encontra compreendida _entre 1510 a 1515_, salvo +erro. + +Nós, porém, com inteira franqueza o dizemos, temos ainda suas dúvidas, e +após recentes pesquizas, em que vamos prosseguindo, inclinamo-nos a +ajuizar que o pseudo-_ultimo eco do alaúde_ ainda não era nascido no ano +de 1516... + +Mas, para aclarar este ponto de capital importância, aguardemos a nova +versão que o snr. dr. Theóphilo Braga tem na forja sobre os poetas +bucolistas. + +Além de ter modificado a sua antiga doutrina sobre a epoca em que +floresceu o falso _Crisfal_, na sua comunicação ao grémio literário a +cujos destinos preside, o snr. dr. Theóphilo determinou que a vida +amorosa do homenzinho oscilara *entre 1525 e 1526*,--isto é no período +ingénuo e viçoso dos doze para os treze anos, quando a suposta mulher +amada pelo Xpouão contaria, na melhor das hipóteses, as suas fagueiras e +menineiras dez primaveras... + +Mas, decorrido menos de um mês sobre a comunicação... scientífica, o +egrégio conferente emendou este seu parecer, como se verá quando +analisarmos o artigo epigrafado _Movimento litterario_. + +Segundo o extrato publicado no jornal «O Mundo», que condizia com os de +outras gazetas, o snr. dr. Theóphilo Braga «_evidenciou que na ecloga +«Crisfal» transpareciam diversas situações da vida de Cristovam +Falcão_.» + +Infelizmente, os jornaes não nos forneceram qualquer pormenor +elucidativo sobre a referida _evidenciação_, pelo que ficamos, com +verdadeiro pesar, privados de reconhecer a maneira engenhosa pela qual o +distincto professor de literatura conseguiu demonstrar, _urbi et orbi_, +que na magoada écloga de Bernardim Ribeiro transpareciam _diversas +situações da vida de Cristovam Falcão_. + +É possivel, porém, que na próxima futura refundição do seu livro sobre +os bucolistas, o snr. dr. Theóphilo Braga inclua um largo capítulo em +que trate o assunto com o devido desenvolvimento, completando o extrato +que os jornaes fizeram da sua apreciavel comunicação, com o que +preencherá uma sensivel lacuna. Oxalá assim suceda. + +Terminou o conferente a sua palestra por invocar, mais uma vez, Diogo do +Couto e Gaspar Frutuoso; e mais uma vez afirmou que as duas +individualidades (Bernardim Ribeiro e Cristovam Falcão de Sousa) _não +podem jàmais confundir-se_. + +Perfeitamente de acordo, n'esta parte, com o venerado professor! + +Cristovam Falcão, o iletrado autor das _Quartas_, não póde jàmais +confundir-se com Bernardim Ribeiro, o mavioso autor da _Carta_ e da +_Ecloga de Crisfal_... + +Pelo que, implicitamente, fica demonstrado que nós não temos dúvida em +adoptar uma ou outra das conclusões do presidente da Academia das +Sciencias de Portugal, apesar de todo o nosso hipercriticismo, como está +vendo o nosso _prezadíssimo amigo_! + + + + +V + +O artigo «Movimento litterário» + + +Como os leitores viram, pela reprodução que fizemos no primeiro capítulo +d'este trabalho, no artigo que publicamos nas colunas do diário «A +Lucta», sob a epigrafe: «_Os processos... scientificos do snr. dr. +Theóphilo Braga_», salientámos várias inexactidões contidas no capcioso +desarrazoado que o professor do Curso Superior de Letras estampou no +jornal «O Dia», a pretexto de dar notícia do movimento literário +português no ano de 1908. + +Não insistiremos sobre os pontos já visados, embora prestassem o flanco +a mais largas considerações, mas nem o tempo nos é sobejo nem tam pouco +desejamos abusar da benevolência dos que nos lêem, prolongando +demasiadamente este comentário desenfastiado e despretencioso ás +refutações embrogliadoras e falhas de sinceridade do snr. dr. Theóphilo +Braga. + +Sem a publicação do artigo _Movimento litterário_, aguardariamos +pacientemente a futura refundição do livro consagrado ao estudo dos +poetas bucolistas pelo egrégio professor, e só em face das novas +exegeses fantasiadas pelo snr. dr. Theóphilo Braga viriamos a público +dizer o que se nos oferecesse, defendendo, o melhor que soubessemos e +pudessemos, as conclusões que apresentámos no nosso trabalho sobre o +_Poeta Crisfal_. + +Não o quis assim o distinto escritor açoreano. Seja feita a sua vontade! + + +*1* + + «...o snr. Delfim Guimarães publicava o seu livro _Bernardim + Ribeiro--O Poeta Crisfal_, em que resume o já sabido da biographia + do auctor da Menina e Moça, forçando interpretações de versos a + significarem os factos que imagina.» + + _Do artigo «Movimento Litterario_.» + + +Na opinião soberana do consagrado professor, no nosso livro sobre +Bernardim Ribeiro resumimos o _já sabido_ da biografia do autor da +_Menina e moça_, e forçámos interpretações de versos a significar os +factos que imaginámos! + +Tem carradas de razão o implacavel crítico quando proclama, desdenhoso, +que nós resumimos o que já era sabido da biografia do grande poeta +bucolista. + +Resumimos quanto pudemos, exageradamente talvez, o que _já era sabido_ +da biografia de Bernardim Ribeiro, mas muito de propósito assim +procedemos, para que ninguem, em face do nosso trabalho, pudesse dizer +com justiça que fôra nosso intento fazer substituir no mercado o livro +do snr. dr. Theóphilo Braga pelo nosso. + +É certo que nos poderiamos ter conduzido pela mesma fórma adoptada pelo +consciencioso escritor ao _resumir_ no seu _Garrett_ o trabalho +desenvolvido de Gomes de Amorim, mas não quisemos seguir semelhante +conduta, muito embora pudessemos invocar, como modêlo, o exemplo que nos +fornecia o historiador da *Litteratura Portugueza*. + +Não quisemos enveredar por esse caminho, e não estamos arrependidos, +apesar do remoque com que fomos alvejados. Cada qual segue os processos +que muito bem entende, mais em harmonia com o seu temperamento ou +educação. + +Resumimos o já sabido da biografia de Bernardim, é um facto; mas tivemos +o cuidado de não aproveitar aquela descoberta mais que problemática que +localizou a _Quinta dos Lobos_ na _Quinta da Piedade_, em Sintra, e nem +por um momento nos passou pela cabeça perfilhar as palavras do snr. dr. +Theóphilo Braga quando vê «*a persistencia do elemento mauresco, na +paixão exaltada do poeta e no calor surprehendente da sua +linguagem*».[7] + +Não seguimos tam pouco na esteira do eminente exegeta quando s. ex.^a +pinta, ao sabor da sua fantasia rocamboliana, Bernardim Ribeiro: +«*moreno, fino e enchuto de carnes, com a perdição no olhar e a +fatalidade invencivel no amor*.»[8] + +Resumimos o já sabido da biografia de Bernardim, alto e bom som o +declaramos; mas alguns erros tivemos ocasião de apontar ao biógrafo +ilustre do autor da _Menina e moça_, para que os corrija, querendo, nas +futuras edições, pelo que nenhum agradecimento nos deve, seja dito. + +Que teria perdido o renome universal do Mestre em se mostrar, não +diremos mais benevolente, mas mais justo? Oh! o positivismo!... + +Mas assevera o snr. dr. Theóphilo Braga que nós *forçamos interpretações +de versos a significarem os factos que imaginamos*! + +Onde viu s. ex.^a essas interpretações forçadas? + +Tendo-as visto, por que motivo não veio indicá-las em público, para +exautoração do nosso _hipercriticismo_, para maior glória do seu +laureado nome, para mais intenso fulgor da nossa História literária? + +Forçâmos interpretações de versos! + +Se o professor de literatura estivesse de boa fé, e entendesse realmente +que nós haviamos errado a interpretação de versos de Bernardim, que lhe +competia fazer, que lhe cumpria fazer? + +--Indicar-nos onde haviamos errado, fazendo-nos ver que estavamos em +erro; e quando s. ex.^a nos convencesse da razão das suas corrigendas, +ou reprimendas, acredite o snr. dr. Theóphilo Braga que havia de ver-nos +confessar, com honestidade, sem o menor rebuço, que tinhamos errado, e +não fugiriamos a apregoar que o ilustre censor nos aplicara umas +palmatoadas merecidas. + +Mas quando mesmo (o que não está demonstrado) tivessemos incorrido em +erros ao interpretar versos de Bernardim, tinha, porventura, o snr. dr. +Theóphilo Braga a precisa autoridade para os apontar por aquela fórma +agressiva, com semelhante crueza? + +--Não tinha. S. ex.^a não póde arguir quem quer que seja de _forçar +interpretações_, porque ninguem como o professor do Curso Superior de +Letras é useiro em amoldar interpretações de versos ao sabor da sua +imaginação. + +Para que ninguem nos incrimine de injustos para com o snr. dr. Theóphilo +Braga, vamos demonstrar com exemplos colhidos em obras do Mestre algumas +_interpretações_ bizarras, que oferecemos ao critério dos que nos lêem: + +N'uma das éclogas de Bernardim Ribeiro, o poeta bucolista, referindo-se +a uma visita que lhe fez o seu amigo Sá de Miranda, escreveu a narrar o +facto: + + + ....................... + e neste mêo chegou + um pastor seu conhecido, + e que dormia cuidou. + + Franco de Sandovir era + o seu nome, e buscava + [~u]a frauta que perdera, + que elle mais que a si amava. + Este era aquelle pastor + a quem Celia muito amou, + ninfa do maior primor + que em Mondego se banhou, + e que cantava melhor. + +Veja-se como o snr. dr. Theóphilo Braga anotou estes versos: + + + «*Deve entender-se que foi o pastor, que se banhou no Mondego, e + não Celia, como pode inferir-se*.» + + _Sá de Miranda e a Eschola Italiana, p. 49_ + + + * * * * * + + +Na écloga em que Bernardim adoptou o criptónimo _Crisfal_, descreve o +poeta a aparição da mulher amada, que vê em sonho + + + vestida de *arenoso*, + + +ou seja de amarelo, a côr simbólica do pesar ou desespero, o que +qualquer bronco namorado de aldeia sertaneja não ignora. + +Pois o snr. dr. Theóphilo, querendo fazer da mulher amada por _Crisfal_ +uma freira cisterciense, interpretou a passagem aludida pela seguinte +maneira: + + + «*Crisfal viu a sua Maria vestida de côr de arenoso, ou do habito + amarellado da Ordem cisterciense*...» + + _Obras de Christovam Falcão, p. 11_ + + +Ora o hábito da Ordem de Cister não era amarelado, mas branco! + +Não obstante, seguindo o mesmo critério, o distinto professor tambem +quis reivindicar para o suposto poeta Falcão a paternidade de uma poesia +de Bernardim Ribeiro consagrada a _uma senhora que se vestiu de +amarelo_... + + + Té aqui me pude enganar, + mas agora que podeis + trazer a *côr do pesar* + pera mim só a trazeis... + + +que o snr. dr. Theóphilo Braga comentou pelo seguinte processo +_inductivo_: + + + «*Ora o amarello só podia ser côr de pezar no caso de representar a + cúgula cisterciense; e em vista dos factos sabidos, só estava no + caso de escrever esta cantiga Christovam Falcão, e não Bernardim + Ribeiro pelo que se sabe da sua vida*.» + + _Obras de Christovam Falcão, p. 12_ + + +Mas, felizmente para a memória do poeta bucolista, a poesia em questão +foi uma das que o benemérito Garcia de Rèsende reproduziu no Cancioneiro +Geral, publicado em 1516, quando Cristovam Falcão de Sousa... ainda +andava de coeiros, se é que já pertencia ao numero dos vivos... + +Ora que distinção concederia o ilustre professor áquele dos seus +discípulos que, interrogado sobre a _côr branca_ do cavalo de Napoleão +1.^o, lhe respondesse que o sobredito imperial cavalo _branco_... era +_amarelo_? + + + * * * * * + + +Em uma das suas éclogas, o poeta-filósofo Sá de Miranda, aludindo ao +Amor, causa da desventura do seu camarada Bernardim Ribeiro, expressa-se +por esta fórma: + + + Amor burlando vá, muerto me deja; + Tiene de que por cierto; a su merced + Como de señor vine; armó la red, + Puso me en prision dura, ende me aqueja; + Cada ora mas se aleja + De mi, mucho cruel. Quien me desmiente? + Ah que lo saben todos! quien ganó + El precio de la lucha, ese perdió! + Enemigo señor que tal consiente! + + +Pois no Amor, no travesso, inconstante e cruel Cupido, o snr. dr. +Theóphilo viu nada menos que a personificação do favorito d'el-rei D. +João III, D. António de Ataíde, conde da Castanheira! + +Para que os leitores não julguem que fomos nós que interpretamos mal +quaesquer palavras do arguto exegeta, reproduzimos a sua anotação: + + + «...*aquelle retrato do inimigo senhor que tal consente, bem se + parece com o omnipotente valido o conde da Castanheira*.» + + _Sá de Miranda e a Eschola Italiana, p. 206_ + + + * * * * * + + +Por um recente trabalho do nosso estimado camarada Hemetério Arantes +sobre Frei Agostinho da Cruz, já os leitores não ignoram que o professor +do curso Superior de Letras fez de *um gato bravo... uma cavalgadura*, e +do *Monte do Lobo... um lobo* carniceiro que devorou, chamando-lhe um +figo, a sobredita cuja cavalgadura! + +Para fechar esta exposição, referiremos ainda mais um interessante +episódio exegético da obra do Mestre: + +Em uma das poesias líricas de Luis de Camões, alude o grande poeta á +desventura que desde a infância o perseguia, como se vê dos seguintes +magoados versos: + + + Foi minha ama uma fera; que o destino + Não quis que mulher fosse a que tivesse + Tal nome para mi, nem haveria. + Assi criado fui porque bebesse + O veneno amoroso de menino... + + +de que tambem se conhece a seguinte variante: + + + Por ama tive [~u]a fera, que o destino + Não quis que melhor fosse a que tivesse + Para o que elle de mi fazer queria... + + +Em face da segunda versão, concluiu o snr. dr. Theóphilo Braga, +arguciosa e sibilinamente: + + + «*Esta versão tira todo o sentido figurado á antecedente, e d'aqui + se conclue, que Camões fora amamentado por uma alimaria, etc.*» + + _Historia de Camões, Parte II, Livro II, p. 564_ + + +Esta ideia verdadeiramente original de interpretar os versos de Camões, +dando-lhe por ama uma *alimária*, ou seja uma cavalgadura ou uma besta, +corre parelhas com a interpretação dada á _gineta_ de Frei Agostinho da +Cruz. + +Não se póde dizer que o eminente professor faça de um argueiro um +cavaleiro, mas não ha a menor dúvida de que s. ex.^a transforma um gato +bravo e uma brava ama de leite... em cavalgaduras! + +Pelo que respeita á ama de Camões, o que vale ao snr. dr. Theóphilo +Braga é o facto do nosso grande épico não poder, com facilidade, +escapulir-se do túmulo em que repousa no Panteão dos Jerónimos, _si vera +est fama_! De contrário, o _Trincafortes_ era capaz de fazer uma das +suas. + + +Parece-nos que fica suficientemente demonstrado quem é que fórça +interpretações de versos alheios a significarem aquilo que imagina... + + +*2* + + «Como lhe nasceu no espirito a ideia de fazer esta descoberta? Pela + impressão que lhe causára a leitura dos versos de Bernardim Ribeiro + e os de Christovam Falcão--«dois poetas de temperamento semelhante, + com eguaes influencias e educações litterarias, com eguaes + episodios nos seus infortunados amores, e havendo entre ambos + versos absolutamente eguaes.» + + _Do artigo «Movimento litterário»_ + + +Pela transcrição que o snr. dr. Theóphilo Braga indica, póde alguem +acreditar que foram realmente aquelas as palavras por nós empregadas no +nosso estudo. Não foram. O ilustre professor modificou a seu bel-prazer +o que nós escrevemos, que se lê a paginas 6 do nosso livro sobre +Bernardim: + + +«Muito embora o temperamento dos dois poetas fosse semelhante, mesmo +muito semelhante, e eguaes as influências e educações literárias que +houvessem recebido; embora fossem eguaes os episódios dos seus +infortunados amores, é estranho que por fórma tam absolutamente +semelhante traduzissem o seu sentir, revelassem o seu temperamento +artístico, chegando a empregar versos absolutamente eguaes! etc.». + + +Porque não reproduziu, _fielmente_, o snr. dr. Theóphilo Braga aquilo +que escrevemos? Estranha maneira de exercer a crítica... moderna! + + +*3* + + «D'aqui o identificar os dois poetas em um unico; como conseguil-o? + Considerou a individualidade poetica de Cristovam Falcão como uma + lenda estupida formada pelos genealogistas, e formou o nome de + _Crisfal_ indo buscar á tôa ás palavras _Crisma falsa_, + tirando-lhes as syllabas iniciaes para designarem a seu talante + Bernardim Ribeiro.» + + _Do artigo «Movimento litterário»_ + + +Afirma o snr. dr. Theóphilo Braga que consideramos a individualidade +poética de Cristovam Falcão como uma lenda estúpida formada pelos +genealogistas... Onde encontrou s. ex.^a a base em que firma a sua menos +verdadeira afirmativa? + +Vamos reproduzir o que escrevemos a paginas 9/10 do nosso livro, para +desfazer a arbitrária interpretação do venerado professor. + + + «Cotejámos então as referências de Bernardim a Francisco de Sá com + a alusão que na écloga de _Crisfal_ haviamos interpretado como + visando esse poeta, e qual não foi a nossa alegria, a nossa viva + satisfação ao reconhecer que os versos de _Crisfal_ que alvejavam + Miranda condiziam perfeitamente com as referências das éclogas de + Bernardim ao seu grande amigo e confidente! Não condiziam apenas: + completavam, aclaravam, a nosso ver, essas alusões. + + «Fez-se então uma grande luz no nosso espírito. Não se tratava de + dois poetas muito parecidos, de um creador e de um imitador. + Bernardim Ribeiro e _Crisfal_ eram um ùnico poeta. O trovador + Cristovam Falcão era o produto de uma lenda nascida da + interpretação dada pelo vulgo ao anagrama _Crisfal_. + + «E, para que o nosso convencimento mais se robustecesse, lá estavam + os dizeres alusivos á ecloga de _Crisfal_ da edição de Colónia, + revelada pelo snr. dr. Th. Braga, e estudada pelo snr. Epiphánio + Dias: «_que dizem ser_ de Cristovam Falcão, _ao que parece aludir_ + o nome da mesma écloga.» + + «_Que dizem ser_... _ao que parece aludir_... + + «Isto, a nossos olhos, era decisivo. «Os editores de 1559 das obras + de Bernardim Ribeiro, e antes de eles os de 1554, como depois + viemos a apurar, tinham registado com relação á écloga uma fábula + que devia datar da primeira edição das _Trovas de Crisfal_, etc.» + + +O que nós dissemos, pois, e isso sustentâmos, é que a individualidade +poética de Cristovam Falcão nascera da errada interpretação prestada +pelo vulgo ao anagrama _Crisfal_,--fábula que os editores de 1554 e 1559 +das obras de Bernardim Ribeiro tinham registado, _sob reservas_. + +Como haviamos nós de propalar terem sido os genealogistas que formaram a +lenda, se os genealogistas, depois de 1554 e 1559, é que foram buscar as +_tradições vagas_ recolhidas pelos editores de Bernardim? + +Onde estão os genealogistas anteriores ás edições de Ferrara e de +Colónia que se fizessem éco da fábula do _Crisfal_? + +Ah! malfadados _processos inductivos da crítica moderna_! + + +Diz o snr. dr. Theóphilo Braga que nós fomos buscar _á tôa_ as primeiras +sílabas das palavras _Crisma_ e _falso_ para a nosso alvedrio designarem +Bernardim Ribeiro! + +Não foi _á tôa_, como inculca o nosso acerbo censor, que conseguimos +apurar a constituição do criptónimo _Crisfal_; e que não foi á tôa +sabe-o muito bem o implacavel critico, que não deixou de ler, e que até +a reproduziu, a explicação que sobre tal facto demos: + + + «Alcançada a convicção de que _Crisfal_ era um anagrama de + Bernardim Ribeiro, e norteados pelo conhecimento de que nas suas + produções o poeta mudava constantemente os seus nomes pastoris, com + um pequeno trabalho de raciocínio não nos foi dificil deduzir a + constituição do criptograma, que era formado pelas primeiras + sílabas das palavras _Crisma_ e _Falso_.» + + +E corroborando estes dizeres do prólogo do nosso livro (p. 10), +escrevemos mais adeante (p. 82/83) ao tratar da interpretação da écloga +atribuida ao suposto _Crisfal_, Cristovam: + + + «Bernardim deduziu o anagrama com que se denomina n'esta écloga das + palavras _Crisma_ e _Falso_, de que aproveitou as primeiras + sílabas, formando assim a palavra _Crisfal_. + + «Os nomes pastoris que figuram n'esta écloga, obedecendo á ideia + que fundamentou a composição, são todos êles _crismas falsos_, + sendo dificil profundar quaes as personagens reaes que o poeta pôs + em scena, o que deu lugar a erradíssimas interpretações, + contribuindo para que tomasse vulto a lenda, que resultou do + próprio anagrama _Crisfal_, que foi tomado como deduzido dos nomes + de Cristovam Falcão.» + + +Não foi á tôa mas seguindo uma orientação criteriosa, que alcançámos a +verdade, que nenhuma subtileza conseguirá destruir já agora. + +Outro-tanto não se póde dizer da maneira pela qual o snr. dr. Theóphilo +Braga conseguiu, por exemplo: decretar os *cantos de ledino, estampar +como documento do século XVI um apócrifo contendo versos do século +XVIII, e fazer Camões bacharel formado... em latim pela Universidade de +Coimbra*! + +Se nós, invocando esses precedentes, ousassemos retorquir que _á tôa_ +costumava proceder o escritor que contraditâmos, caía-nos em cima o +Carmo e a Trindade! + +_Á tôa!_... É realmente forte, e não deixa de ofender. + + +*4* + + «Mas, como se póde chamar estupida a lenda genealogica se os nomes + contidos na écloga de _Crisfal_ condizem com os seus parentes taes + como o de _Pantaleão_ Dias de Landim, seu avô, e a Joanna, que lhe + denuncia o casamento clandestino, uma prima, como o notou o snr. + Jordão de Freitas?» + + _Do artigo «Movimento litterário»._ + + +_Lenda genealógica_, chama o snr. dr. Theóphilo Braga á lenda do +_Crisfal_, como se fossem os genealogistas que a inventassem, quando s. +ex.^a muito bem sabe que estes não tiveram tal primasia... O caso está +sobejamente debatido, e por isso não vale a pena perder mais tempo com +tam ruim defunto. + +Tratemos do _Pantaleão_... + +Na eclóga de _Crisfal_, refere se Bernardim ao _Val de Pantaleão_... + +O snr. dr. Theóphilo Braga, interpretando erradamente uma passagem da +_Pedatura_ do genealogista Alão de Moraes, em que se mencionava o +casamento de uma parenta remota de Maria Brandôa com um João _Patalim_, +escreveu a pag. 344 do seu livro _Bernardim Ribeiro e o Bucolismo_: + + + «Pelo Manuscripto já citado de Alão de Moraes acha-se noticia do + aqui chamado _Val de Pantaleão_: D. Joanna, tia avó de D. Maria + Brandão, casara a primeira vez com João _Pantalião_; etc.» + + +No nosso estudo sobre Bernardim Ribeiro, desfizemos esse erro, +escrevendo a pag. 159: + + + «O ilustre professor equivocou-se na leitura do texto. Não se trata + de nenhum João _Pantalião_, como erradamente leu, mas sim de um + João _Patalim_, que é o que se lê no manuscrito de Alão de Moraes, + como verificámos por nossos próprios olhos.» + + +Desfeita essa interpretação, não se dá o snr. dr. Theóphilo Braga por +vencido, e vae agarrar-se a um avoengo de Maria Brandôa para justificar +a referência ao _Val de Pantaleão_... + +Quanto á _Joana_, o caso não é menos interessante... + +Vejamos o que, no seu _Bernardim Ribeiro e o Bucolismo_ (pag. 342), +escreveu o snr. dr. Theóphilo Braga em 1897: + + + «Esta Joanna, que denunciou os amores de Crisfal e Maria, era D. + Joanna Pereira, sua irmã mais velha; Maria era a mais nova, de + cinco filhos que tinha o Contador João Brandão.» + + +Foi esta mais uma _gaffe_ em que o snr. dr. Theóphilo incorreu, por +haver confiado demasiadamente nos créditos do genealogista Alão de +Moraes. + +A pag. 162 do nosso livro sobre o _Poeta Crisfal_, desfizemos esse erro, +escrevendo: + + + «Maria Brandão, a lendária amada do _Crisfal_, não teve nenhuma + irman! era filha única!» + + +Em face da corrigenda, o distinto escritor não se sentiu com coragem +para sentencear que Joana era irman natural de Maria Brandôa, mas +procurou arranjar (iamos a escrever _á tôa_, mas não tivemos coragem) +outra Joana, e, á primeira que encontrou á mão, chamou-a em seu auxílio. + +Dera-se o caso de o snr. Jordão de Freitas, distinto funcionário da +biblioteca da Ajuda, no louvavel empenho de auxiliar aqueles que +quisessem discutir a questão literária suscitada pelo nosso livro, +publicar no «Diario de Noticias» o resultado das suas pesquizas nos +arquivos, reproduzindo quanto julgou interessante para o estudo do +problema. + +Fez s. ex.^a menção de uma parenta de Maria Brandôa com o nome de +Joana... + +Como um naufrago, que se agarra á primeira táboa que lobriga ao alcance +da mão, o snr. dr. Theóphilo agarrou-se (no bom sentido da palavra, bem +entendido!) á sobre-dita Joana, e, radiante de contentamento, +exclamou:--«Estou salvo!» + +E, julgando-se, realmente, salvo da rascada, escreveu ufano: + + + «...a Joanna, que lhe denuncia o casamento clandestino, uma prima, + como o notou o sr. Jordão de Freitas.» + + +A esse engano de alma, ledo e cego, foi arrancá-lo o snr. Jordão, +desapiedadamente na carta que, a propósito, dirigiu ao «Dia», e de que +reproduziremos a parte essencial: + + + «O sr. dr. Theóphilo Braga equivocou-se na sua referencia a Joanna + e ao que diz ter sido notado por mim. + + ................................................................. + + + ...tive unicamente em vista assentar que Joanna Brandão não era tia + avó de Maria Brandão, como erroneamente escrevera o sr. dr. + Theophilo Braga, mas sim sua prima remota. + + «Tão remota, direi agora, que era neta de um irmão (Diogo Lopes + Brandão) do 4.^o avô (Gonçalo Brandão) de Maria Brandão + (Bibliotheca Real da Ajuda, 49-XII-28, pag. 259). + + «Sendo assim, nem é presumivel que aquella chegasse a viver no + tempo de Maria Brandoa, quanto mais que andasse a pastorear com + ella, etc.»[9] + + +Veremos, depois de este insucésso, que nova Joana nos apresentará na +primeira oportunidade o distinto escritor... + +Quem sabe se a Joana do _Crisfal_ não teria sido aquela encantadora +Joaninha dos olhos verdes, que tanto enfeitiçou Garrett... Mas não; em +caso contrário o autor das _Viagens_ não deixaria de mencionar essa +circunstância! + + * * * * * + +Na estrofe de Bernardim Ribeiro, na écloga _Crisfal_, em que a amada do +poeta se refere a ter passado para o _casal da Figueira_ do _Val de +Pantaleão_, designações que a nosso ver disfarçam, sob _falsos crismas_, +os nomes verdadeiros da casa e localidade para onde se transferiu, +talvez após o casamento, a decantada _Aonia_, encontra-se, nítida, a +alusão á ultima entrevista dos namorados: + + + «Quando contigo falei + aquela ultima vez, + o choro que então chorei, + que o teu chorar me fez, + nunca o esquecerei. + Foi esta a vez derradeira, + mas começo de paixão, + passando-me eu então + pera o casal da Figueira + do Val de Pantalião.» + + +Achamos interessante reproduzir, n'esta altura, do capítulo XXVIII da +_Menina e moça_, os periodos referentes á ultima entrevista de +_Bimnarder e Aonia_ para que os leitores, com maior facilidade, possam +orientar o seu juizo, verificando a absoluta identidade entre as duas +produções de Bernardim Ribeiro: + + +«...Buscando achaque de querer lá ir pera detraz das casas, levando Enis +consigo, ouve tempo pera Aonia entrar onde elle (Bimnarder) estava então +deitado, escontra a outra parte da parede, chorando, porque não vira +Aonia ao passar, que bem se podera elle erguer. E como isto perdera, +cuidava tambem que avia de perder a tornada; porque um mal nunca lhe +viera sem outro; pelo que estava no maior pranto do mundo, antre si. + +«Entrada Aonia, deteve-se um pouco, e sentiu que elle chorava, e +suspirava baixo, de maneira que como, naquello, se forçava a si mesmo. + +«Ella, para ver se poderia saber o porquê, que tudo desejava saber +d'elle, deteve-se ainda mais; mas elle, com pensamentos muitos, que +sobrevinham ao choro, mais o acrescentava do que o diminuia. + +«Assentando-se então Aonia na borda d'aquella sua pobre cama, lhe pôs a +mão, e quisera-lhe dizer alguma cousa, mas não pôde, que lhe faleceu o +espirito. + +«Virando-se Bimnarder, e vendo a, tambem lhe faleceu o seu. + +«Estiveram assi ambos um grande pedaço sem se dizerem nada um ao outro: +e elle, com os olhos postos em Aonia, e Aonia postos os seus no chão, +que, em se virando Birmnarder, tomou vergonha. Levando-os assi á terra, +cobriu-se-lhe o seu fermoso rosto de uma tamalavez de côr, alem da +natural; e soía dizer meu pae (que parte d'esta historia em seu tempo se +soubera) que não parecia se não que viera aquella côr como por ajudar +ainda Aonia escontra Bimnarder, tam formosa a ella, formosa, fizera. + +«Mas, estando assi nisto elles ambos, e não estando elles ambos ali, +chegou Enis muito rijo á porta, dizendo que se queriam já ir, e que a +mandavam chamar. + +«Assi, foi forçado levantar-se Aonia, e ir se, e Bimnarder ver tudo, e +ficar. + +«Mas Aonia, que bem via os olhos de Bimnarder como ficavam, tomou uma +manga de sua camisa, e, rompendo-a, pera remedio de suas lagrimas lh'a +deu, significando, na maneira só de como lha deu, o pera que lh'a dava; +que parece que a dor grande que sentia não lh'o deixou dizer por +palavras; mas, em lh'a dando, pôs os olhos nos seus, dizendo-lhe só +assi: + +--«Pesa-me, pois a minha ventura ou desaventura, não quis que eu vos +deixasse de magoar com o que eu não quisera.»-- + +«E estas palavras lhe disse já fora da porta. + +«E com ellas, e com o que sentiu ao dizer d'ellas, duas e duas, lhe +começaram as lagrimas a correr dos seus fermosos olhos, e, pelas suas +faces fermosas abaixo, lhe iam fazendo carreiras por onde iam, que +Bimnarder a tanto pranto convidou quanta era a rezão d'elle, pois perdia +a vista. + +«Foi tanto o choro, que não lhe abastavam os seus olhos ás suas +lagrimas...» + + +*5* + + «Os manuscriptos conhecidos de Bernardim Ribeiro andavam ligados + com os de Christovam Falcão, como se vê pela descripção do n.^o 180 + da Livraria do Conde de Vimieiro: Obras em prosa e verso de Sá de + Miranda, Bernardim Ribeiro e Christovam Falcão;» + + _Do artigo «Movimento litterário»._ + + +É com verdadeiro pesar que vemos o encanecido trabalhador recorrer a +processos como o que ressalta da afirmação que deixamos transcrita, só +pela caturrice de não querer confessar que errou... + +O leitor desprevenido ficou julgando, certamente, por honra da firma que +subscrevia o artigo _Movimento litterario_, que na livraria do Conde de +Vimieiro tinham existido _os manuscritos conhecidos de Bernardim +Ribeiro_, que _andavam ligados com os de Christovam Falcão_... + +Pois, se tal ficou julgando, enganou-se redondamente. + +O snr. dr. Theóphilo Braga adulterou a verdade dos factos, procurando +talvez iludir-se a si proprio, pois não podemos admitir que s. ex.^a +imaginasse, por tal processo, mistificar alguem. É até possivel, +muitissimo provavel mesmo, que o ilustre escritor não pesasse +devidamente as palavras de que se serviu, e que assim incorresse, na +melhor boa fé, n'uma indesculpavel inexactidão. + +Vejamos onde o snr. dr. Theóphilo Braga foi fazer a descoberta preciosa +dos _manuscritos conhecidos de Bernardim Ribeiro_... + +Ao n.^o 180 do catalogo da Livraria do Conde de Vimieiro, como consta do +tomo V da _Colleçam dos documentos, e memorias da Academia Real da +Historia Portugueza_. + +O distinto professor não indicou a _fonte_, certamente por lapso, mas +nós conseguimos descobri-la sem carecer do auxílio de _dunguinha_. + +Ouçamos agora a conferência do Conde da Ericeira, D. Francisco Xavier de +Menezes, em relação ao codice N.^o 180: + + + «Tem o volume que examinei 287 folhas, as quaes nos primeiros + numeros eram 330, porem as que lhe faltão, parecem mudadas para + outras Collecções, e sendo a letra, e papel de duzentos annos de + antiguidade, pois a folhas 122 se acabão as noticias com a morte + del Rei D. Manoel, que foi a 13 de Dezembro de 1521; se conserva + este manuscripto inteiro, e em bom estado....................... + + (Traz a divisão do livro em 5 partes e segue: + + «A segunda divisão deste livro consiste em algumas Memorias de + successos raros de Europa, como são uma carta del Rei Ludovico de + Hungria para o Emperador na ultima batalha que deu ao Turco, uma + Relação dos infelizes principios de Luthero, e outros. Seguem-se + cartas de homens celebres d'aquelle tempo pelo seu engenho, e + graça, que entre as alusões jocoserias descobrem memorias + particulares: deste genero são sete de Antonio Ribeiro Chiado, duas + de Lourenço de Caceres, e outros. As obras em prosa, e verso de + Francisco de Sá de Miranda, as de Bernardim Ribeiro, Christovão + Falcão, André Soares, Francisco de Moraes, Gil Vicente, Duarte de + Oliveira, o Barão D. Diogo Lobo, e outros Poetas antigos, servem de + verificar as varias lições das impressas, e de restituir as + manuscriptas.»[10] + + +Como se vê, por uma fórma irrefragavel, não se tratava dos manuscritos +conhecidos de Bernardim Ribeiro, como não se tratava egualmente de +manuscritos de Cristovam Falcão... + +Tratava-se de uma miscelánea manuscrita, em prosa e verso, que continha +produções de vários poetas, e, entre essas, as que se atribuiam ao +suposto _Crisfal_. A simples citação do nome de Cr. Falcão logo após o +de Bernardim não bastará para se ajuizar que no manuscrito havia cópia +das poesias que nas obras de B. Ribeiro vinham atribuidas, sob reservas, +ao suposto trovador? + +Se nós, para documentarmos o nosso livro _Bernardim Ribeiro_, tivessemos +recorrido a expedientes semelhantes, como não seriamos julgados pelo +snr. dr. Theóphilo! + + +*6* + + «tambem o Arcediago do Barreiro, dr. Jeronymo José Rodrigues + examinou no Porto um manuscripto analogo ao das edições de 1559, em + que vinham a _Menina e Moça_, duas eclogas de Bernardim Ribeiro--«e + até se acham no fim algumas poesias de Christovam Falcão, do que se + faz menção no mesmo logar de Nicoláo Antonio.» (Innocencio, _Dicc. + Bibliog._)» + + _Do artigo «Movimento litterario»._ + + +O arcediago do Barreiro, invocado pelo snr. dr. Theóphilo Braga, era o +arcediago do Barroso, cujos apontamentos manuscritos foram explorados +por Innocencio. + +Vejamos o que o benemérito bibliófilo escreveu a pag. 379 do seu +_Diccionario Bibliographico portuguez_: + + + «Nos apontamentos manuscriptos do arcediago de Barroso Jeronymo + José Rodrigues, de que já outras vezes me aproveitei n'este volume, + encontro ácerca do auctor da _Menina e moça_ o trecho que se segue: + + + «As obras de Bernaldim Ribeiro (que assim se acha escripto o seu + nome no manuscripto que lemos, e assim diz Nicolau Antonio na + _Bibl. Hispanica_, que vulgarmente era chamado) por sua muita + raridade são difficeis de encontrar, e duvidamos que se hajam + impresso todas. A _Bibl. Lus._ faz só menção da Menina e moça, ou + _Saudades de Bernardim Ribeiro_. Além das impressões que alli cita, + que são tres, faz Nicolau Antonio menção de uma, impressa em Lisboa + em 1559, em 8.^o, que em tudo tem muita semilhança com o + manuscripto, que tivemos alguns tempos em nossa mão, e que vamos + aqui extractar. O titulo em nada desmente do que traz a _Bibl. + Hisp._, e até se acham no fim algumas poesias de Christovam Falcão, + de que se faz menção n'este mesmo logar de Nicolau Antonio.--O + titulo que se lê no manuscripto é: _Historia da Menina e moça, por + Bernaldim Ribeiro_. Principia: «_Menina e moça me levaram de casa + de minha may para muito longe_», e acaba: «_Com demasiada ira disse + contra a Donzela que ho aly trouxera estas palavras_». Consta de + historia em prosa, e inclue em alguns lugares poesias de gosto são + e pura linguagem, etc. E além da historia, acham-se no manuscripto + duas eclogas de que o abbade Barbosa talvez não teve noticia. Na + primeira são interlocutores Persio e Fauno; principia: «_Nas selvas + junto do mar_», e consta de trinta e quatro estancias de dez versos + cada uma.--Na segunda são interlocutores Jano e Franco, principia: + «Dizem que havia um pastor», e acaba: «Tambem tempo é tormento.» + + «De tudo o que diz aqui o arcediago de Barroso concluo, que não só + elle ignorou a existencia da moderna edição da _Menina e moça_, + feita em Lisboa no anno de 1785, mas tambem só conheceu de nome as + edições anteriores sem que lograsse ter presente algumas d'ellas, + pois que a tel-as visto, nenhuma novidade encontraria nas duas + éclogas que cita do tal manuscripto, onde pelo que se mostra + faltavam todas as outras já então impressas.» + + +Não conheceu Innocencio a edição das obras de Bernardim Ribeiro +publicada em Ferrara em 1554, porque se a houvesse conhecido logo +concluiria que o manuscrito examinado pelo arcediago de Barroso outra +cousa não era mais do que uma cópia incompleta d'essa edição. + +Ignora o, porventura, o snr. dr. Theóphilo Braga? + +Se o não ignora, para que veio a público com a citação incompleta da +passagem do Diccionário de Innocêncio? + +Bom serviço prestou o arcediago de Barroso trasladando o período inicial +na novela na edição de 1554, conforme o manuscrito que teve entre mãos: +«Menina e moça me levaram de casa de minha may...» + + +*7* + + «Para que chamar ineptos aos editores de Ferrara de 1554 e de + Colonia de 1559, por terem reproduzido esses textos manuscriptos + como os encontraram?» + + _Do artigo «Movimento litterario»_. + + +Chamámos ineptos aos editores das obras de Bernardim Ribeiro, e que não +erramos em nossa apreciação demonstra-o evidentemente o próprio snr. dr. +Theóphilo Braga, quando na carta que nos escreveu, referindo-se ás +edições de Ferrara e de Colónia, diz terem sido feitas _por curiosos sem +critério litterário_. + +Se esses curiosos não fossem ineptos, podia porventura o ilustre +professor negar-lhes _critério_? + +As rúbricas da edição de Colónia, em 1559, são reprodução das de 1554, +como o snr. dr. Theóphilo Braga não desconhece. + +Pertencem as rúbricas da edição de 1554 ao seu editor ou este não fez +mais do que reproduzi-las da primeira edição? + +Sem que seja conhecida a edição principe das obras de Bernardim Ribeiro, +não é possivel aclarar este ponto, mas o que ninguem póde dizer com +autoridade é que taes rúbricas: «que dizem ser... ao que parece +aludir...» pertencessem aos manuscritos do infortunado Bernardim. + +«Por terem reproduzido _esses textos_ manuscriptos como os encontraram», +escreveu o snr. dr. Theóphilo Braga, procurando incutir que taes edições +foram feitas sobre os manuscritos pertencentes ao Conde de Vimieiro e +sobre o outro examinado pelo arcediago do Barroso! + +A primeira edição das obras do poeta bucolista resultou dos manuscritos +de Bernardim Ribeiro, recolhidos após a morte do apaixonado cantor de +Joana, ou no ultimo período da sua desventurada existência, e dados á +estampa por qualquer curioso sem critério literário... + +E proclamando isto, que representa a expressão do nosso sentir pessoal, +estamos convencidos de que está com a nossa opinião o snr. dr. Theóphilo +Braga, que sempre tem sustentado que as edições das obras de Bernardim +se fizeram sobre os manuscritos encontrados no seu espólio.... + +Mudará s. ex.^a de orientação? Até prova em contrário, não acreditamos. + + +*8* + + «...o dr. Alfredo da Cunha deu alentos á grande descoberta...» + + _Do artigo «Movimento litterário»_ + + +«_Grande descoberta_», é como o snr. dr. Theóphilo Braga chama, +ironicamente, ao resultado dos nossos trabalhos... Pequena ou grande +descoberta, o facto é que està de pé, não conseguindo o abalisado +professor destrui-la. + +Compreendemos bem que isso seja pouco agradavel a s. ex.^a, que tanto se +havia empenhado em pôr um pedregulho sobre o caso do poeta _Crisfal_, +mas nós, só pelo prazer de ser agradaveis ao ilustre escritor, é que não +vamos ressuscitar o trovador Cristovam Falcão. Deixá-lo dormir em paz, +serenamente. + +Quanto a descobertas grandes, lembra-nos citar uma que _in illo tempore_ +fez o snr. dr. Theóphilo Braga... + +Dirigia o distinto poeta snr. Joaquim de Araujo uma publicação +camoneana, cujo título nos não ocorre. + +Vae se não quando recebe uma comunicação do snr. dr. Theóphilo Braga... +Uma descoberta importante... Nada menos que um parente ignorado do +grande épico Luis de Camões. + +Chamava-se o homem _Pero Camões_, segundo o ilustre professor lera, +radiante, em determinado texto... + +Pois, senhores, na volta do correio, Joaquim de Araujo prevenia +generosamente o Mestre de que este errara a leitura do texto... O _Pero +Camões_ do snr. dr. Theóphilo Braga era um simples e inofensivo *pero +camoês*! + + +*9* + + «No noticiario de outro jornal sairam affirmações absolutas, + proclamando a sensacional descoberta, com uma sinceridade + inconsciente que affasta de todo a ideia de ironia.» + + _Do artigo «Movimento litterário»_ + + +Por esta fórma pouco... _generosa_ se referiu o snr. dr. Theóphilo Braga +ás palavras de caloroso elogio com que o ilustre escritor snr. José +Pereira Sampaio, em carta publicada no «Diario da Tarde», do Porto, +valorizou com o prestígio do seu nome o fruto do nosso trabalho. + +Contra a injusta apreciação do professor do Curso Superior de Letras, já +lavrámos o nosso protesto, de amigos e admiradores de _Bruno_, no artigo +que publicámos na «Lucta» e que vae transcrito no primeiro capítulo +d'este livro. + +Quando mesmo, o que não sucede, o ilustre escritor portuense estivesse +em erro, era digna de todo o respeito a sua opinião, e não seria nunca o +snr. dr. Theóphilo Braga, com a sua consciente falta de sinceridade, +quem teria direito para o arguir pela maneira insólita por que o fez. + +Será, porventura, o _positivismo_ inimigo inconciliavel da Justiça? + + +*10* + + «A verdadeira descoberta pertence ao snr. Braancamp Freire + determinando a epoca em que esteve em Flandres João Brandão + Sanches, e quando elle morreu, dando nos assim a data em que + existiram os amores de sua filha unica D. Maria Brandão, a do + Crisfal, que plausivelmente se fixam em 1530. O documento de 1527 + refere se a Christovam Falcão, com a tença de moço fidalgo leva a + deduzir que nascera em 1512.» + + _Do artigo «Movimento litterário»_ + + +Fixa o snr. dr. Theóphilo em 1530 os amores do suposto poeta com a sua +suposta amada Maria Brandôa. + +Muito bem. + +Admitindo que assim fosse, só depois de 1530 Cristovam Falcão poderia +ter produzido a _Carta_ e a _Écloga_ que lhe foram atribuidas... + +Ora como podia isto ser, em face dos _processos inductivos da critica +moderna_, tam preconizados pelo snr. dr. Theóphilo Braga? + +Ouçamos a lição autorizada do ilustre professor, que se lê a pag. 4 da +sua chamada edição das obras de Cristovam Falcão: + + + «*Se Christovam Falcão escrevesse depois de 1527, quando Sá de + Miranda propagou as fórmas da poetica italiana, teria então + adoptado o verso endecasyllabo, a fórma da OUTAVA e do TERCETO, o + SONETO, e teria perdido o conceito provençalesco dos poetas que + seguiam o INFERNO DO AMOR; Falcão desconheceu esta nova poetica.*» + + +Pela mesma maneira se exprimiu o snr. dr. Theóphilo Braga na sua edição +de _Bernardim Ribeiro e os Bucolistas_. + +Repudia s. ex.^a o que com tanta clareza e precisão deixou estampado? + +Seria caso para invocar o _era, não era, andava lavrando_... + +Para o nascimento do pseudo-trovador, escolhe o snr. dr. Theóphilo +Braga, em ultima análise, a data de 1512, sem se lembrar talvez de que +por essa fórma caía em contradição consigo proprio... + +Vejamos: + +Na carta que nos dirigiu, escreveu o distincto escritor: + +«...D. Maria Brandão, que Cristovam Falcão amou, _sendo ambos muito +crianças_...» + +Ora tendo Cristovam nascido em 1512, como afirma o snr. dr. Theóphilo +Braga, e fixando-se as suas relações amorosas em 1530, como quer s. +ex.^a, tinha o mancebo quando começou a namoriscar os seus dezoito anos +seguros... + +A um rapazola de 18 anos ninguem com propriedade poderá classificar de +_muito creança_, a não ser por troça,--salvo melhor opinião. + + +*11* + + «Ha portanto a eliminar todas as relações pessoaes entre Cristovão + Falcão e Bernardim Ribeiro, como julgamos nos nossos estudos, + corrigindo a interpretação da Ecloga I e III de Bernardim.» + + _Do artigo «Movimento litterário»_ + + +Não só corrigimos a interpretação das eclogas I e III de Bernardim +Ribeiro como todas as outras do desventurado poeta... Mas o snr. dr. +Theóphilo Braga entende em seu alto critério que só ha a corrigir as +duas que citou, e essa correcção reserva-se s. ex. fazê-la, certamente. +Aguardemos a futura refundição do livro sobre os bucolistas, para +ajuizarmos da fertilidade inventiva do ilustre professor,--_de fantasia +fertil em combinações_, no dizer autorizado da senhora D. Carolina +Michaëlis. + + +*12* + + «Os logares comuns a Cristovam Falcão e Bernardim Ribeiro provam a + distancia da edade que levou o mais novo a imitar aquelle que já + era admirado, cujos versos, Camões, na sua carta de Africa + intercalava na sua prosa.» + + _Do artigo «Movimento litterário»_ + + +Como comentário único, permitir nos-emos endereçar algumas perguntas ao +snr. dr. Theóphilo Braga: + +Estando Bernardim Ribeiro louco no ano de 1532, como o próprio snr. dr. +Theóphilo tem sustentado, como explica o ilustre professor que no +espólio do poeta bucolista fossem encontradas as composições atribuidas +ao falso Crisfal? + +Na edição refundida do seu livro sobre os bucolistas, em 1897, o snr. +dr. Theóphilo Braga explicou o facto da seguinte maneira: + + +«...*os dois poetas communicavam entre si os seus versos, sendo por este +modo que se salvaram as poesias do auctor do Crisfal.*» + + +Ora não podendo o abalisado professor continuar persistindo em que +Bernardim Ribeiro teve por amigo e confidente Cristovam Falcão de Sousa, +como poderá s. ex.^a explicar que entre os manuscritos legados por +Bernardim se encontrassem as composições do... _último eco do alaúde_? + +Para prevenir qualquer subtiliza de argumentação, é conveniente não +esquecer s. ex.^a que na écloga _Crisfal_ se encontram lugares comuns a +todas as éclogas de Bernardim Ribeiro e á própria novela _Menina e +moça_. + +E não esquecer egualmente que, após a publicação do nosso estudo sobre o +_Poeta Crisfal_, já o snr. dr. Theóphilo Braga foi obrigado a reconhecer +que: não podia continuar a admittir _as relações pessoaes de Cristovam +Falcão com Bernardim Ribeiro já velho e dementado em confidencias de +amor com um rapaz no viço da mocidade_. + +Bernardim nasceu em _1482_, é bom não olvidar tambem. + +Cristovam Falcão de Sousa nasceu em... _1512_, conforme a ultima versão +apresentada pelo articulista do _Movimento litterário_. + +Os amores de Falcão e Maria Brandôa foram fixados pelo snr. dr. +Theóphilo Braga, em ultima análise, no ano de _1530_. + +Ora na _Carta de Crisfal_, fala o poeta na prisão de amor que está +sofrendo _ha cinco anos_... Logo, ou não ha lógica, uma das composições +do suposto trovador foi elaborada pelo ano da graça de _1535_, quando +Bernardim havia já três anos que fôra ferido pela desgraça que o levou +ao hospital de Todos os Santos, onde veio a acabar seus desventurados +dias em _1552_. + +Consignado o que fica exposto, aguardemos a resposta ás perguntas atrás +formuladas, e, para fechar o capítulo, façamos nossos os seguintes +versos de Bernardim: + + + Baste o que tenho dito + pera aver, por galardão, + tres regras de vossa mão, + pera resposta das quaes + ......... fique o mais + que aqui escrever devera, + se o escrever podera. + + + + +VI + +Uma patranha genealógica + + +Seguindo a lição de vários genealogistas, démos curso, no nosso estudo +sobre Bernardim Ribeiro, á atoarda que fazia Cristovam Falcão de Sousa +descendente de certo John Falconet, cavalheiro inglês que viera para o +nosso país na comitiva da desposada d'el-rei D. João I, Filipa de +Lencastre. Antes de nós, os snrs. Epiphánio Dias e dr. Theóphilo Braga +haviam incorrido no mesmo erro. + +Publicado o nosso trabalho, honrou-nos o erudito escritor sr. Anselmo +Braamcamp Freire com o seguinte esclarecimento, que registamos com +prazer: + + + «...Julgo-me obrigado a advertil-o que publiquei um documento no + _Archivo histórico_, suficiente para destruir a petarola inventada + pelos genealogistas dos Falcões descenderem do tal Falconet. + Catorze anos antes deste chegar a Portugal já existiam Falcões, + proprietarios em Evora, e vassalos de D. Fernando (_Arch. hist._ + III, 407.) É uma minucia que não influe em nada no seu têma; mas, + repito, entendo dever meu avisál-o». + + +Não será este, certamente, o único erro em que teremos incorrido no +nosso trabalho, e de que nos penitenciâmos sem a menor relutância. + +Errar é próprio dos homens, como afirma o conhecido aforismo latino; o +que é condenavel é persistir no erro. + +Não temos a estulta vaidade de haver produzido um trabalho sem defeitos, +e de bom grado aceitaremos as correcções que nos ministrarem, e com que +o nosso critério se conforme. Somos incapazes de persistir n'um erro por +simples capricho de amor-próprio, indesculpavel em assuntos de natureza +_histórica_. + +Bem presentes conservâmos as palavras sensatíssimas do professor +bracarense Pereira Caldas: «Em _história_, ha sempre que discutir, +sempre que examinar, sempre que emendar, sempre que aditar.» + + + + +VII + +O criptónimo «Fileno» + + +No numero do jornal _O Dia_, de 15 de dezembro de 1908, consagrou-nos o +conceituado filólogo, snr. A. R. Gonçalves Viana, uma das suas +interessantes _Palestras filológicas_. + +É aquela que vamos registar, e que em seguida comentaremos: + + + «Delfim Guimarães, no seu livro recentemente publicado, e que faz + honra á erudição portuguesa, com o titulo *Bernardim Ribeiro*, e o + sub titulo *O poeta Crisfal*, aventa a idea de que o criptónimo + _Fileno_ seja o disfarce do adjectivo _felino_, latim _felinus_, + procedente do substantivo _felis_, «gato», por alusão ao apelido + _Gato_, do marido de Joana Tavares, sua apaixonada. + + «Não se pode aceitar esta origem do dito nome, porque tal adjectivo + não existia em português ao tempo do poeta. É êle modernissimo na + lingua, pois nem Bluteau o incluiu no seu *Vocabulario portuguez e + latino*, nem mesmo no próprio *Diccionario portuguez* de Morais e + Silva figura tal adjectivo atè á 3.^a edição, feita no anno de + 1823, «correcta e acrescentada.» Vê-se pois que a introdução do + vocabulo _felino_ é não só posterior, e muito, ao século XV, mas + até aos começos do XIX, e que o poeta o desconhecia portanto. + + «Assim, pois, o nome Fileno, masculino, foi talvez fabricado + conforme o femenino Filene, que os gregos usaram, e cujo radical + será o de _Filipe_, por exemplo.» + + +Em primeiro lugar agradecemos ao snr. Gonçalves Viana o cumprimento +amabilissimo com que nos penhorou, que muito bem sabemos representar uma +gentileza, que não um acto de justiça. A benevolência usada para +comnosco por s. ex.^a motivou um remoque do snr. dr. Theóphilo Braga, do +que resulta tornar se ainda maior a nossa dívida de reconhecimento para +com o sábio poliglota, o que temos a peito deixar registado nas páginas +d'este trabalho. + +Consignado isto, digamos o que se nos oferece sobre a _palestra_ +motivada pelo nosso livro: + +Coube ao snr. visconde de Sanches de Baena a interpretação do nome +_Fileno_ como criptónimo de _Felino_, em alusão a *Pero Gato*, que o +referido titular apresenta como marido de Joana (_Aonia_). + +Nós não acreditamos na existência do Pero Gato do snr. Sanches de Baena, +como com inteira franqueza deixamos exarado nas páginas do nosso +trabalho; mas não nos repugnou admitir que o criptónimo invocado +alvejasse a alusão a um animal felino. E assim escrevemos a pag. 87 do +nosso estudo sobre Bernardim: + +«O anagrama _Fileno_ oculta, provavelmente, um individuo que tinha por +nome, apelido ou alcunha o nome de um animal _felino_. Seria Pantaleão? +Seria Gato? Estamos em crer que o assunto ainda poderá ser resolvido, +como outros muitos pontos por aclarar respeitantes á vida de Bernardim.» + +E na mesma página, a propósito do nome de _Lor_, ou _Lor-Vão_, referido +nalgumas edições da écloga de _Crisfal_, escrevemos nós: + +«Desde que se apure, *com segurança*, quem fosse o marido de Joana etc.» + +O não se ter ainda apurado quem fosse o feliz rival de Bernardim, não se +nos afigura motivo para pôr de parte, por em quanto, a interpretação +enunciada pelo snr. visconde de Sanches de Baena quanto a Fileno, aceite +pelo snr. dr. Theóphilo Braga, e a que nós tambem demos curso, embora +sob reservas. + +O facto dos antigos dicionários não fazerem menção do vocábulo _felino_ +não constitue razão para que se abandone essa hipótese, que póde não ser +exacta, mas que é sem dúvida racional. Como o snr. Gonçalves Viana muito +bem sabe, desde que no latim existiam os vocabulos _felis_, _felinus_, +com o significado de _gato_, ou _respeitante a gato_, nada mais natural +do que um escritor ter introduzido, lógicamente, o termo português +_felino_. E ninguem poderá contestar que Bernardim Ribeiro tivesse +envergadura sobeja para crear essa palavra. Bacharel formado em direito, +e poeta bucolista não ignorava certamente o vocábulo latino. + +A ser exacta a maneira de ver do snr. Gonçalves Viana sobre semelhante +assunto, como poderiam justificar-se tambem os numerosos neologismos com +que Luis de Camões enriqueceu a lingoa portuguêsa? + +Hoje mesmo, após recentes trabalhos de dicionaristas distintos, quantos +vocábulos portuguêses não falta ainda registar?! + +A hipótese, porém, que o ilustre filólogo apresenta merece ser ponderada +devidamente, sendo até possivel que s. ex.^a tenha resolvido o problema +quanto ao nome do marido de Joana Tavares, que poderia muito bem ter +sido _Filipe_. + +N'um _pliego-suelto_ castelhano do século XVI, de que existe um exemplar +na secção dos _Reservados_ da Biblioteca Nacional de Lisboa, ha um +dialogo em verso entre as personagens: _Alethio_ e _Fileno_.--Aleixo e +Filipe? Talvez! + +Em fim, parafraseando o que já escrevemos: Quando se apure _com +segurança_ quem foi o marido da mulher amada por Bernardim Ribeiro, +estarà implicitamente resolvido este problema. + + + + +VIII + +In terminis + + +Não estamos sós no combate que tivemos a satisfação de iniciar em prol +da obra de Bernardim Ribeiro. + +Ao nosso lado contamos a individualidade cheia de prestígio do snr. José +Pereira Sampaio, que em breve defenderá em livro tese idêntica á nossa, +demonstrando que o Poeta Crisfal é o bucólico Bernardim. + +Se de estímulo carecessemos para prosseguir confiadamente na tarefa que +nos impusemos, seria incentivo bastante o contarmos já entre aqueles que +se confessam convencidos pelo nosso trabalho, alem de muitos outros +espìritos esclarecidos, os nomes preeminentes dos srs. Anselmo Braamcamp +Freire, José Caldas e dr. Sylvio Romero. + +Não conseguiremos nós fazer vingar em nossos dias, por uma fórma +absoluta, a obra de justiça a que metemos hombros? Não será dada essa +satisfação ao ilustre escritor snr. José Sampaio? + +--Que importa? As sementes estão lançadas, o solo não é ingrato... As +sementes hão de vingar; a verdade triunfará, alastrando, impondo-se... + +Por fim, só nos resta endereçar, muito comovidamente, um aperto de mão, +agradecido e sincero, a quantos--bons amigos, camaradas e simples +conhecidos--nos teem bafejado com palavras de elogio e incitamento por +motivo da publicação do livro que deu origem a este novo trabalho. + + + _Amadora, 16 de março de 1909_. + + + + +APRECIAÇÕES DA IMPRENSA +AO LIVRO +"Bernardim Ribeiro +(O POETA CRISFAL)" + + + + + +«Bernardim Ribeiro» +(O Poeta Crisfal) + + +Delfim Guimarães é um poeta e um contista que há muitos annos firmou +brilhantemente o seu nome. Alma delicada de poeta, é, ao mesmo tempo, um +prosador elegante e correcto que conhece a sua lingua e sabe maneja-la. +Afastado de todas as egreginhas literarias, isento de todos os +snobismos, sem perder tempo nos cenaculos dos cafés, Delfim Guimarães +tem-se destacado e destaca se entre os da sua geração, sem dever nada ao +reclamo. + +Admirador entusiastico, apaixonado, de Bernardim Ribeiro, Delfim +Guimarães apurou um facto da mais alta importancia para a historia +literaria do seu paiz:--que Christovão Falcão e Bernardim Ribeiro são +uma mesma entidade. + +É essa demonstração, consciente, documentada, que o nosso amigo vem de +fazer neste livro--_Bernardim Ribeiro (o Poeta Crisfal)_--que é digno de +ser lido por quantos querem conhecer a historia das letras patrias. + +A Delfim Guimarães, os nossos parabens pelo seu valioso trabalho. + + (Do jornal _O Mundo_, de 16 de Novembro de 1909) + + + + + +«Bernardim Ribeiro» +por Delfim Guimarães + + +É um livro de incontestavel valor, este que o sr. Delfim Guimarães acaba +de publicar, editado pela Livraria Guimarães & C.^a, da rua de S. Roque. +Fructo de um aturado e consciencioso estudo, n'elle se demonstra que +Bernardim Ribeiro e _Crisfal_ representam um unico poeta, e que +_Crisfal_ é apenas um criptogramma formado pelas primeiras syllabas das +palavras _Crisma_ e _Falso_, não passando, portanto, de uma lenda a +existencia do poeta Christovão Falcão. Como se vê, o assumpto d'este +livro do laborioso e intelligente escriptor é de molde a interessar +vivamente todos quantos se dedicam ao estudo da nossa litteratura +patria. + + (Do jornal _O Seculo_, de 16 de Novembro de 1909). + + + + +«Bernardim Ribeiro» +(O Poeta Crisfal) + + _Subsidios para a história da literatura portuguesa_, por Delfim + Guimarães.--Lisboa, 1908. Livraria Editora Guimarães & C.^a, 274 + pág. 800 réis. + + +É o livro sensacional da semana que hoje finda. É o desabar de uma lenda +secular. A ineptidão de uns editores quinhentistas insinuara a crença de +que as trovas de _Crisfal_ eram de _Cristovam Falcão_, cujo nome era +representado pelo anagrama, formado da primeira silaba do nome e a +primeira do apelido. + +A lenda criou raizes; e, não obstante as hesitações e dúvidas de alguns +criticos, ninguém, até hoje, contestara abertamente em publico a +personalidade poética de Cristovam Falcão. + +Mas Delfim Guimarães, estudando Bernardim Ribeiro, editorando-lhe as +_Saudades_, e confrontando os trabalhos dos bucolistas do século XVI, +chegou á convicção de que, tendo havido algumas personalidades com o +nome de Cristovam Falcão, este nome não pertencia a nenhum poéta, e as +trovas de Crisfal eram obra de Bernardim Ribeiro. + +Documentando e justificando a sua convicção, acaba êle de dar á estampa +o substancioso volume que hoje noticiamos. + +No prefácio da obra, expõi o autor, com a devida lealdade, as +circunstâncias e o processo que o levaram á absoluta rejeição da +referida lenda, e congratula-se justamente por ter agora a noticia de +que o ponderado publicista Pereira de Sampaio (Bruno), tinha já +adquirido convicção análoga, que esperava justificar em livro. + +Metodizando as provas e a documentação de que o poeta _Crisfal_ não é +outro, senão Bernardim Ribeiro, Delfim Guimarães faz minuciosamente a +biografia crítica do poeta, estuda e analisa a primeira edição das obras +de Bernardim, dá nos a história e a genealogia do suposto poeta Falcão; +e, depois, de nos dar a exegese de numerosos factos e documentos, cerra +o seu volume com a reproducção da _Carta_ e da _Écloga_ de _Crisfal_, e +de _três_ poesias mais de Bernardim Ribeiro, até agora ignoradas. + +Claro é que, de um livro de tal significado e alcance, mal se podem +formular juizos e sentenças em meia dúzia de linhas do nosso registo +bibliográfico; e temos de nos restringir a dar da obra ideia sumária, +chamando para ela a atenção, e naturalmente o apreço, de quantos se +interessam pelos mais momentosos problemas da nossa história literária. + +Mas remorder-nos-ia a consciência, se cerrássemos já a presente noticia, +sem significar a Delfim Guimarães a satisfação que nos deu o seu +melindroso e arrojado trabalho, e o encanto com que repassamos os olhos +pelo ingénuo e delicioso bucolismo dos avoengos da poesía nacional. + +Formoso livro e serviço memorável. + + + Dr. Candido de Figueiredo + + + (Do _Diario de Noticias_, de Lisboa, de 28 de novembro de 1908). + + + + +O poeta Chrisfal + + _Delfim Guimarães_: Bernardim Ribeiro (o Poeta Crisfal)--Subsidios + para a historia da literatura portuguêsa--1908--Livraria Editora + Guimarães & C.^a--68, R. de S. Roque, 70--Lisboa. + + +Ha uns espiritos fortes, solidos--e que tanto abundam n'esta nossa bôa +terra de Portugal--que hão de sentir-se escandalisados com a arrogancia +d'alguem que, contra a opinião dogmatica e ensinamento incontestado dos +grandes Sacerdotes, se abalança a demonstrar que os bucolistas Bernardim +Ribeiro e Chrisfal (pretenso anagramma de Christovam Falcão) são uma e +mesma pessoa; isto é: que o glorioso auctor da 1.^a parte da novella +pastoral «Menina e Moça» é igualmente auctor da celebre peça poetica +conhecida pelo nome da «Egloga de Chrisfal»--n'uma palavra, que o poeta +Christovam Falcão nunca existiu e que a maioria das composições poeticas +que andam com o seu nome pertencem de juro e herdade ao principe do +bucolismo entre nós, a esse surprehendente Bernardim Ribeiro, que é, em +toda a nossa litteratura, o vaso d'eleição d'onde mais trasborda o +sentimento augusto da alma portugueza. + +Mas outra raça d'espiritos não menos solidos sorrirá piedosamente (e, +n'este caso, o sorriso é uma outra fórma de nos sentirmos +escandalisados) perante a utilidade proxima ou longinqua que póde +adquirir-se d'uma descoberta d'esta ordem. + +Que importa ao bem do individuo ou da collectividade de hoje, que uns +versos repassados d'uma verdade sentimental, á força de sentida quasi +incomprehensivel,--versos, demais a mais vasados n'uma trama ingenua, +bucolica, pastoril, sejam obra d'um ou d'outro recuado quinhentista ou, +mesmo, tenham sido levados á conta d'um lendario personagem que, como +poeta, nunca tivesse existido, a não ser na phantasia d'uns novelleiros +de profissão que, com o rodar do tempo, conseguiram guindar a sua +improbidade litteraria aos pinaculos d'uma certeza irrefutavel?! + +Pois essa arrojada impiedade e esse improductivo bysantinismo--esse +magno escandalo--acaba de perpetral-os o meu velho amigo Delfim +Guimarães, poeta de verdade, infatigavel estudioso, paciente +investigador, acurado cultista em materia litteraria, com a publicação +do seu recente estudo «_Bernardim Ribeiro_ (_o poeta Chrisfal_)», cujo +apparecimento estas ligeiras notas intentam celebrar. + +O mesmo é dizer que me não sinto com forças para, pormenorisadamente, +passo a passo, ir vincando as passagens exegeticas d'este trabalho +masculo e delicado que revela, no seu auctor, uma erudição e um methodo +que eu entendo precisos n'aquelles que se propuzerem critical-o. + +Não é, pois, um artigo critico o que vou fazer; mas se uma affirmação +sincera e sentida, de valor nimiamente critico, me é permittido +accentuar desde já, eu direi: Delfim Guimarães está na verdade. +Christovam Falcão, poeta, nunca existiu. Chrisfal é um pseudonymo de +Bernardim Ribeiro. + +E isto porquê?! + +Porque todos os que se occupam de Falcão o dizem pessoa de +qualidade--pertencia á primeira fidalguia portugueza, diz o sr. dr. Th. +Braga--e, quanto ao valor do seu estro, tanto era que mereceu ser +confundido com Bernardim Ribeiro seu amigo e confidente, quando não seu +predecessor. Como se explica, pois, que um tão illustre personagem não +figure no Cancioneiro de Resende, onde aliás se encontram, com tão +assombrosa profusão, nomes que, nem pela clareza da estirpe nem pelo +fulgor do engenho, se impunham á consideração dos posteros?! + +É crivel que o erudito, o dedicadissimo collector que se chamou Garcia +de Resende--o homem, do seu tempo, que mais larga e intensamente privou +na corte dos nossos reis--não tivesse noticia d'uma individualidade tão +fortemente accentuada e tão parecida com o então e já apreciadissimo +Bernardim?! Não me parece. + +Seria qualquer despeito, qualquer d'estas pequeninas miserias que se +transmudavam em acerbos espinhos d'odio (e ao tempo e antes e depois e +sempre tão vulgares!) que levariam mesquinhamente o celebre collector do +Cancioneiro a relegar, da convivencia dos seus 351 poetas, esse illustre +Chrisfal e ao mesmo tempo (segundo o ensinamento do sr. dr. Theophilo +Braga) a recolher, como de Bernardim Ribeiro, versos de Falcão?! + +Não me parece. Gil Vicente, como é sabido, apodára cruelmente Resende, e +nem por isso deixou de figurar no Cancioneiro. + +Estes simples e, quero crel-o, contestaveis argumentos levavam-me de ha +muito, a duvidar da existencia poetica de Christovam Falcão, só muito +mais tarde posta em fóco, entre outros, por Faria e Sousa, cujos +_escrupulos_ de caracter são por demais conhecidos. + +Mas a simples argumentação sobre cancioneiros nem sempre é de colher, +como um facto recente me leva a constatar. + +Ha dois annos (outomno de 1906) appareceu nas livrarias a seguinte +publicação: _Odysséa dos Tysicos--Album de Musicas para piano e canto, +original de Raul Pereira, sobre versos de poetas portugueses?_ É obra +musical do sr. Raul Pereira que, á falta d'outra indicação, entendo +dever tambem consideral-o como collector das varias poesias que o album +encerra. + +A primeira d'estas poesias, posta em musica apparece sob um retrato com +esta epigraphe: _Guilherme Braga (1845-1874)_, e tem este titulo «_A +Jesus Crucificado_», e é como segue: + + + A Vós, correndo vou, braços sagrados + N'essa cruz sacrosanta descobertos + Que para receber-me estaes abertos + E, por não castigar-me, estaes cravados. + + A Vós, olhos divinos eclypsados + De tanto sangue e lagrimas cobertos: + Que para perdoar-me estaes despertos + E por não devassar-me estaes fechados. + + A Vós, pregados pés, por não fugir-me; + A Vós, cabeça baixa, por chamar-me; + A Vós, sangue vertido para ungir-me; + + A Vós, lado patente, quero unir-me, + A Vós, cravos preciosos, quero atar-me, + Para ficar unido, atado e firme. + + +Devo confessar que ao ler este soneto nasceram-me duvidas--muito vagas, +é certo--sobre a sua authenticidade quanto ao nome que o firmava. E como +não o encontrasse entre as poesias colligidas nas _Heras e Violetas_, +assentei, á falta de melhor solução, que se tratava de uma poesia solta, +religiosamente recolhida por pessoa intima ou admiradora convicta do +insigne e mallogrado poeta portuense. + +N'isto estava, quando o acaso d'uma busca litteraria me levou a folhear, +na Bibliotheca Publica, _O Ramalhete_, «jornal de Instrucção e Recreio» +(2.^a série, n.^o 165, 4.^o anno) e a encontrar, a paginas 112 do vol. +IV, o mesmissimo soneto, sem descrepancia d'uma unica palavra, sob esta +assás curiosa rubrica: + + +«_No momento derradeiro da vida humana, qual o estado de moribundo, nada +excita amor e conforto como a doce inspiração de abraçar um crucifixo, +unico remedio d'alma. Por este motivo fez o dr. Manuel da Nobrega o +seguinte soneto: «A Jesus Crucificado»_». + + +Portanto, teremos nós: os vindouros, que não leram o _Ramalhete_, a +attribuir a Guilherme Braga (que, segundo o sr. Raul Pereira, nasceu em +1845, embora Innocencio nos diga 1843) uns versos do dr. Manuel da +Nobrega, que vieram á estampa em 1841. + +Veiu isto a proposito da confiança absoluta a depositar nos +cancioneiros. Verdade seja que entre Garcia de Resende e o sr. Raul +Pereira (que eu não tenho a honra de conhecer), o unico elo que os +prende deve ser, se não laboro em erro, o laço musical... + +Outras razões, porém, antes do trabalho de Delfim Guimarães, me levavam +a pender para o arrocho da não existencia poetica de Christovam Falcão. +É certo que a Renascença produzira uma eclosão genial em todos os ramos +da vida sentimental, artistica e scientifica do occidente europeu, e que +nós tivemos largo quinhão nas benemerencias d'esse glorioso Sol--e tão +grande que ainda hoje d'elle vivemos. Mas é igualmente certo que, por +grande que fosse, e foi, a prodigalidade do estro que nos coube, não era +natural que dois vultos geniaes, a um tempo, surgissem tão parecidos, +tão irmãos na concepção sentimental, na realisação artistica e +até--suprema coincidencia--nos azares da vida amorosa! Delfim Guimarães +embrenha-se em trabalhos de genealogia e de exegese litteraria, +pacientemente cuidados, para nos infiltrar o convencimento que eu, sem +razões de peso e sem auctoridade para as formular, de ha muito _sentia_ +da existencia d'um só poeta na obra de Bernardim e na obra de Chrisfal. + +É, pois, para mim um livro de consolação. Por um lado, simplifica, no +meu espirito, um caso que se achava enredado nas malhas autoritarias, +embora convencionaes, de nomes respeitados; por outro, entorna, no meu +coração, o intimo, o ineffavel jubilo de ver alguem da minha estima e do +meu tempo elevar-se tanto, pelo trabalho intelligente e probo, n'uma +manifestação eloquente de força moral e espirito combativo de que tanto +carecemos. + +E esta probidade litteraria não é coisa de pouca monta ou que alguem +possa dispensar-se de a encarar com o mais profundo respeito, porque me +hei de lembrar d'aquelle supremo prefacio do _Disciple_ de Paul Bourget, +quando elle se dirige á mocidade da sua terra: _Dentro de vinte annos +tereis em vossas mãos a fortuna d'esta velha patria, nossa mãe commum. +Vós sereis a propria patria. Que tereis recolhido nas nossas obras? +Pensando n'isto, não ha homem de lettras, por mais modesto que seja, que +não deva tremer de responsabilidade_... + + + Hemeterio Arantes. + + (Do _Diario Illustrado_, de 2 de dezembro de 1908). + + + + +«Bernardim Ribeiro» +(O Poeta Crisfal) + + _Subsidios para a historia da litteratura portugueza_, por Delfim + Guimarães. 1 vol. de 278 pag. Livraria editora Guimarães & C.^a + 1908 Lisboa, typ. Libanio da Silva. + + +A velha sentença portugueza--_o seu a seu dono_ viria muito a propósito, +noticiando o apparecimento d'este livro, com que se pretende, e consegue +a nosso ver, reivindicar para o nome do grande poeta quinhentista a +autoria e a glória de differentes producções que inconscientemente +andavam attribuidas a outros. E se não fosse a bella coragem do sr. +Delfim Guimarães, nosso antigo e presado amigo, que sendo poeta muito +primoroso é tambem investigador ordenado e pacientissimo, o deploravel +engano continuar-se-ia por muito tempo, ou, peor ainda, não se +desvaneceria jámais talvez. + +Entre outras, a lenda de que existira um Christovam Falcão, pretenso +poeta de tão alto valor como Bernardim Ribeiro, e, assim, auctor tambem +de maviosos versos, principiara a correr mundo em 1554, dois annos +depois de fallecido este, e teria origem, parece, em certa nota posta +n'uma edição pouco criteriosa feita n'aquelle anno, de differentes +poesias, esparsas umas, outras logo colligidas após a morte de +Bernardim, edição onde veem de mistura com a _Historia de Menina e +Moça_, diversos motes, cantigas e églogas e entre estas, (diz a tal +nota) «_h[~u]a muy nomeada e agradavel... chamada Crisfal, que dizem ser +de Christovão Falcam, ho que parece alludir o nome da mesma egloga_...» + +D'isto, e de outras investigações pacientemente realizadas pelo sr. +Guimarães resulta a presumpção de provir a dita lenda principalmente +d'aquellas vagas referencias e a allusão que o editor julgou encontrar +em o nome de Crisfal do facto de serem as duas syllabas de que elle se +compõe eguaes ás primeiras dos dois nomes *Cris*tóvam e *Fal*cão. Mas +isto, que não constitue prova e não passa de mera hypothese, teria de +cahir redondamente, quando se verificasse que esse Falcão era homem de +poucas lettras e, portanto, incapaz de produzir trabalho de tanta valia +como é a _Égloga de Crisfal_. + +E assim succederia talvez se o sr. dr. Theophilo Braga não houvesse, em +má hora, pretendido transformar a hypothese em lei, apresentando como +definitivamente adquirida para Falcão a paternidade d'aquella e de +outras poesias de altissimo valor litterario. + +Não seguiremos o sr. Delfim Guimarães na critica acerba, se bem que +correctissima, com que se refere a este erro do sr. dr. Theophilo Braga +e ainda a muitos outros. Este operoso escriptor dirá de certo da sua +justiça, não deixando, d'esta vez, mal parada a sua fama de erudito. E, +sendo como é, sempre consciencioso nos seus trabalhos de historiador +litterario, virá certamente á estacada, para explicar a razão do seu +engano. + +Muitos outros descobrimentos são indicados n'esta valorosa +reivindicação, não se mostrando possiveis mais duvidas a respeito da não +existencia de Christovam Falcão, poeta, e parecendo ao contrario +definitivamente provado que o nome de Crisfal fôra um dos muitos +pseudónymos e anagrammas adoptados por Bernardim Ribeiro nas suas obras. +Tambem graças ao indefesso trabalho do sr. Delfim Guimarães ficará +pertencendo irrevogavelmente ao poeta de _Menina e moça_ não sómente a +celebre égloga, mas ainda outras poesias attribuidas a diversos e que +veem apontadas ou reproduzidas n'este volume. + +Em compensação, porém, algumas até agora emprestadas ao bucólico poeta, +lidima gloria das lettras portuguezas, terão de passar para outros, com +o que, seja dito de passagem, a exceptuarmos o solau[11]--_Pensando-vos +estou filha_, que o sr. dr. Theophilo Braga deu, tambem levianamente, +como de Bernardim, sendo aliás de Camões, nada virá a perder o nome de +Bernardim Ribeiro--antes pelo contrario! + +N'este trabalho notavel do sr. Guimarães, obra de paciente investigação +e bem disciplinado criterio, faz-se referencia a muitos outros factos +interessantes, que nos abstêmos de contar, porque do livro apenas +pretendemos dar rapida noticia; mas todos os elogios serão poucos a quem +com coragem estréme veio inteirar a gloria de Bernardim Ribeiro que, +desventuroso poeta, de uma parte d'ella havia sido espoliado. + +Muito agradecemos a captivante offerta de um exemplar de _Bernardim +Ribeiro_, com que fomos brindados pelo auctor. + + (Da _Mala da Europa_, de Lisboa, n.^o 669, de 6 de dezembro de 1908). + + + + +Ainda Chrisfal + + +Longe estava de ver tão depressa e amplamente confirmada a minha +asserção de que o trabalho de Delfim Guimarães «_Bernardim Ribeiro (o +Poeta Crisfal)_» era, para mim, um «livro de consolação», quando o +_Diario de Noticias_ de 3 do corrente, sob a epigraphe «_Academia de +Sciencias de Portugal_» me trouxe esse verdadeiro manjar (para lhe não +chamar capitoso petisco...) espiritual á minha insaciavel fome de +aprender. + +É como segue a passagem, que me interessa da local jornalistica em +questão: + + +«_Em seguida_ (o sr. dr. Theophilo Braga) _realisa uma communicação +sobre Bernardim Ribeiro e Christovam Falcão mostrando como a vida +amorosa d'este oscilla entre 1525 e 1565, senão n'aquella data moço +fidalgo, e tendo pelo menos 12 annos, ao passo que aquelle era já idoso; +evidencia como na Égloga transparecem diversas situações da vida de +Christovam Falcão, e termina por invocar as opiniões de Diogo Couto, +Gaspar Fructuoso e outros que comprovam a existencia das duas +individualidades que apesar de similhantes n'algumas situações da vida, +não podem jámais confundir-se_». + + +Eu imagino estar vendo estas palavras cahir do labio venerando, sobre a +douta assembleia, como outras tantas perolas que, depois de serem ali +devidamente apreciadas, resvalaram cá p'ra fóra, para o monturo anonymo, +offerecidas em repasto magnifico aos cerdos iconoclastas. + +Bacorejemos, pois, as preciosas gemmas... + +Diz o Mestre que a _vida amorosa_ de Christovam Falcão oscilla entre +1525 e 1565, sem ficarmos sabendo se a sua _vida poetica_ tambem oscilla +dentro do mesmo periodo, isto é: se a actividade _amorosa_ e a +actividade _poetica_ de Chrisfal se confundem, caminham a par-e-passo ou +se, pelo contrario, é o amoroso que precede o vate, se este antecede o +namorado. + +Eu, por mim, se alguma coisa entendo n'esta complicada psycologia, estou +em dizer que, em geral, as duas actividades se confundem, são +isochronas, e, segundo este criterio, Falcão só poetou com exito desde +1525. + +Não póde elle, pois, ter figurado no Cancioneiro de Resende, que tem a +data de 1516, como o sr. dr. Theophilo Braga pretendia até ha uma duzia +d'annos atraz--opinião que depois modificou no seu trabalho, sobre +Bernardim Ribeiro, que veio á estampa em 1897. + +Mas o Mestre, em 1897, deixou de lhe dar entrada no Cancioneiro pela +subtil razão de que Chrisfal não poetára nos Serões da côrte por +pertencer ao _ramo pobre_ dos Falcões. Lembrança exegetica que nos leva +a concluir que todos os poetas do Cancioneiro poetaram nos ditos serões +e demais a mais com a escarcella bem provida d'aureos recursos--embora +muitas e muitas poesias d'aquella grandiosa collecção resvalem da +casuistica amorosa, que é a caracteristica da poetica palaciana, para a +lucta dos interesses em que se revela a necessidade do vil metal. + +Mas agora que o insigne Professor colloca a vida amorosa de Falcão entre +1525 e 1565, pergunto eu: permanece este argumento para a sua exclusão +do Cancioneiro ou teremos de assentar que Chrisfal n'elle não figurou +pela simples razão de, em 1516, andar ainda com coeiros? + +Naturalmente teremos de optar por esta ultima versão e, portanto, pôr de +banda a sua amisade e apregoadas confidencias com o auctor das +_Saudades_. + +Fica de vez assente, pois, que Christovam Falcão não foi poeta do Seculo +XV. + +Proponho-me agora provar, _currente calamo_ (como não pode deixar de ser +tratando-se d'alguem que se não familiarisou com _os processos +inductivos da critica moderna_... ) que Christovam Falcão tambem não foi +poeta do Seculo XVI, como agora pretende o sr. dr. Theophilo Braga. + +E isto porquê?! + +Porque eu posso duvidar (ainda que me apodem de irreverente pedantismo) +das, por vezes, arrojadas conclusões chronologicas do insigne Professor. +Mais anno menos anno, mais seculo menos seculo são, para os grandes +Generalisadores, coisas d'uma importancia mediocre. Outro tanto me não +succede, quando a generalisação visa um assumpto basilar na essencia, no +modo de ser do facto scientifico. + +E é este o caso. Cristovam Falcão foi poeta entre 1525 e 1565?! + +Ouçamos o sr. dr. Theophilo Braga: + + + «Se Cristovam Falcão escrevesse depois de 1527, quando Sá de Miranda + propagou as formas da poetica italiana, teria então adoptado o verso + endecasyllabo, e a fórma da _outava_, do _terceto_, e trocaria pelo + _soneto_ o conceite provençalesco dos que ainda seguiam o typo do + Inferno de Amor (_Bern. Rib. e os Bucolistas_, pag. 141)». + + +Na edição refundida do seu Bernardim Ribeiro, publicada em 1897, esta +affirmação cathegorica permanece igual ou identica, como, aliás, não +podia deixar de ser. + +Demos de barato que se possa ter opinião diversa da do insigne lente do +Curso Superior de Lettras, o que ninguem póde é contrariar a _realidade +historica_, porque, como é sabido, contra factos não ha argumentos. + +E esta _realidade_ diz-nos que, depois de Sá de Miranda, não houve um +uníco poeta que não tivesse experimentado as formas petrarchinas e o +verso heroico. + +Houve um dr. Antonio Ferreira que nunca em sua vida fez um verso de +_medida velha_; houve muitos, e entre elles o proprio iniciador da +poetica italiana, que não desdenharam a redondilha e os velhos +agrupamentos metricos. De quem poetasse _exclusivamente_ pelos antigos +processos... não consta. + +Logo, a não ser que rasguemos a _logica_ do Mestre e a _verdade_ da +Historia, Christovam Falcão não encontra cadeira onde se sente, nem na +vasta saleta da poesia palaciana, nem no refulgente salão do Seculo de +Quinhentos! + + * * * * * + +Uma passagem do meu ultimo artigo teve o condão d'excitar duas +communicaçôes que amavelmente me foram endereçadas. + +A primeira, d'um amigo, que me escreve: «Sobre o soneto attribuido a +Guilherme Braga, devo dizer-lhe que o auctor do mesmo não é o dr. Manuel +da Nobrega, mas sim outro poeta.» + +Claramente, corri logo a casa d'este amigo que me aconselhou uma +intervista com o insigne bibliophilo e bibliographo sr. Annibal +Fernandes Thomaz, o que, para mim, foi d'um prazer espiritual, como, de +ha muito, me não era dado gosar. + +Annibal Fernandes Thomaz é pessoa familiar a todos que n'este paiz se +occupam de livros e--coisa rara!--a todos sorri, a todos mette no +coração e em todos tem um admirador dos seus vastissimos conhecimentos +e, o que é mais, um amigo devotado das suas grandes qualidades. + +Disse-lhe ao que ia; mas, como da nossa conferencia resulta uma resposta +á segunda communicação que recebi, é bem que n'este momento aqui fique +exarada essa communicação. + +Trata-se d'um bilhete-postal anonymo, e, se quebro a minha velha praxe e +o bom-conselho de todos de lançar para os papeis inuteis esta ordem de +documentos, é porque se trata d'um assumpto litterario e o meu +correspondente, por qualquer razão se não querer fazer conhecido, o que +muito me contraria. Diz assim: + +«O soneto que v. reproduziu no _Diario Illustrado_ tem mais de dois +seculos. Bastava o estylo para o denunciar seiscentista; mas a prova +positiva está em a Nova Floresta, terceiro tomo, tit. V, apopht. LIV. +Permitta-se a um obscuro padre dizer mais. Com essa ancianidade de taes +versos toma nova força o contra argumento de v. sobre o silencio dos +cancioneiros a respeito de Crisfal. Na margem do soneto pag. 207, da +edição da _Nova Floresta_ de 1759 (4.^a impressão que tenho á vista) lê +se o nome do autor assim: _Do Doutor Manuel da Nobrega_. Quem fez um tal +soneto, tão seriamente engenhoso, apesar do gongorismo, e tão bem +metrificado, havia de ter mais poesias: e sendo _doutor_, não era um +desconhecido. Que temos d'elle na _Fenix Renascida_? Quem o conhece? +Alguns annos ha, o soneto reproduzido anónimo em muitos livros devotos, +foi publicado em o _Novo Mensageiro do Coração de Jesus_ (revista +piedosa mas de muita litteratura) com a indicação, que a minha memoria +aproveitou agora, da _Nova Floresta_, e com uma nota que dizia ser o +nome do Dr. M. Nobrega desconhecido dos bibliographos.» + +Vamos agora, rapidamente, ao resultado das pesquizas com Fernandes +Thomaz. + +O soneto _A vós, correndo vou, braços sagrados_ encontra-se a fechar uma +dedicatoria a «Jesus Christo Senhor Nosso Crucificado» d'um curiosissimo +livro de 1734 intitulado «_Anacephaleosis medico theologica, moral e +politica_, etc., etc.», obra d'um tal Bernardo Pereyra, medico do +partido da villa do Sardoal. + +O meu primeiro correspondente, que conhecia o livro, attribuiu +facilmente a Pereira a autoria do soneto, por não reparar nas palavras +que precedem a sua reproducção, e que dizem: + +«...e finalmente como se consegue a gloria que é a melhor conclusão que +se tira depois de sahir da Universidade do mundo para as Escollas do +Céo; mas será bem, meu amoroso Jesus, _que antes de tudo diga com hum +devoto_ que hoje para renacer do estado da culpa ao da graça, que de vós +espero, para seguir o caminho por onde não vá precipitado, mas antes com +a vossa direcção fortalecido! + +«_A vós correndo vou, braços sagrados_, etc., etc.» + +Mas (e vae isto em resposta ao anonymo correspondente) tanto Barbosa, na +sua _Bibliotheca_, como Innocencio, no _Diccionario_, citam Manuel da +Nobrega, como auctor do _Epicedio inconsolavel á morte do Ser. Principe +de Portugal D. Theodosio que falleceu em 15 de maio de 1653_ e como +collaborador nas _Memorias funebres de D. Maria de Athayde_ fallecida em +22 de agosto de 1649. + +É livro muito interessante estas «_Memorias funebres sentidas pelos +engenhos portugueses na morte da Senhora D. Maria de Athayde_». N'ellas +se encontram poesias em portuguez, francez, hespanhol, italiano, latim, +assignadas pelos nomes dos poetas mais illustres do tempo e, para não +citar outros, bastará lembrar os de Soror Violante do Céo e D. Francisco +Manuel de Mello. + +Ao que parece tratava-se d'uma extremada formosura _doublée_ (como hoje +se diz) d'uma alma de eleição. _O Doutor Manuel de Nobrega_ concorre a +este florilegio poetico com um soneto e uma egloga. O soneto: + +_Aquelle bello Sol, que amanhecia_, não desmerece, antes tem grandes +ares de familia com o que tem sido causa d'esta palestra... algo pesada. + +Não quero, porém, terminal-a sem exarar o meu parecer de que o Soneto, +embora _culterano_, tem tão pouco de _gongorico_ que Guilherme Braga, ou +qualquer outro grande poeta de hoje, não desdenharia assignal-o, se essa +fosse _a sua corda_. + + + Hemeterio Arantes. + + (Do _Diario Illustrado_, de Lisboa, de 9 de dezembro de 1908). + + + + + +«Bernardim Ribeiro» +(O Poeta Crisfal) + + Subsidios para a Historia da literatura portuguesa, por Delfim + Guimarães. 1908--Liv. ed. Guimarães & C.^a Lisboa--8.^o, 274 pag. + + Delfim Guimarães, Bibliographia: Prosa: _Alma Dorida_, com prefacio + de Teixeira Bastos, _O Rosquedo_ (scenas do Minho), _Ares do Minho_ + (contos).--Critica litteraria: _A viagem por terra do sr. João + Penha_.--Verso: _Lisboa negra_, _Confidencias_, _Evangelho_, _Não! + mil vezes não!_, _Sim! mil vezes sim!_, _Sonho Garretteano_, _A + Virgem do Castello_ e _Outonaes_.--Theatro:--_Aldeia na Côrte_, de + collaboração com D. João da Camara. (3 actos--Th. D. Amelia), + _Juramento sagrado_ (1 acto, verso.--Th. D. Maria). Traduziu a + _Dama das Camelias_, de Dumas, filho; reviu e publicou as + _Saudades_ de Bernardim Ribeiro e as _Trovas de Crisfal_, do mesmo + auctor. Fundou e dirige a Bibliotheca Classica Popular. Collaborou + longo tempo na _Mala da Europa_, _Provincia_, _O Lima_, _Chronica_, + _etc._ Varias obras de Delfim Guimarães teem já 2.^a edição, + estando algumas outras exgotadas. + + +Desde longos tempos até este anno 1908 da era de Xpõ, como escreviam os +nossos velhotes, tudo era suppor que, ahi por alturas de mil quinhentos +e tal da mesma era do Senhor, viveu, floresceu, e ninguem mais soube +d'elle, certo _Crisfal_, poeta e namorado, que toda a gente indicava +como sendo Christovão Falcão, um Christovão Falcão que se sabe agora +escrever como um carreiro e ter mais erros de orthographia do que +cabellos tinha na cabeça... se a Historia não provar que elle era +careca. Indicava se Christovão Falcão tacteando. Para manter a suspeição +havia só o corresponder o pseudonymo _Cris fal_ ás primeiras sylabas do +nome do supposto poeta. Longo tempo a mentira prevaleceu e longo tempo +os doutos acceitaram de boamente a patranha, uns supplementando-a com +fabulações _á priori_, outros asseverando que tal era porque era e «por +ser verdade passavam a presente que assignavam». + +Caminhava tudo em doce paz quando Delfim Guimarães, publicando o livro +de que nos occupamos, desfez a lenda, tombou os castellos e pôz a cousa +nos devidos termos. Mas vamos ao que importa. + +«De como e porquê Delfim Guimarães achou que _Crisfal_ não passou de um +pseudonymo de Bernardim Ribeiro e de cousas varias que ao deante se +verão», é um capitulo que, n'esta critica, deve interessar o leitor, +agora que já sabe que tal _Crisfal_ nunca existiu. + +Delfim Guimarães é um estudioso e um devotado. Manuseia os classicos com +a mesma curiosidade com que aguarda o ultimo livro de Anatole France ou +o novo romance de Octave Mirbeau. + +Ha tempo, dirigindo uma collecção, publicou as _Saudades_ do nosso +Bernardim, auctor que, por sua natural tristura e dulçorosidade, desde +menino e moço mais o prendia e captivava. Tudo estaria bem até aqui se, +mente cogitativa e emprehendedora, não scismasse em publicar uma +Bibliotheca de Classicos animado pelo exito das _Saudades_. Uma +Bibliotheca de vulgarisação, destinada a mostrar á alma do vulgo o +escrinio das melhores joias dos nossos antepassados. + +Anteriormente uma natural curiosidade o levara a estudar os poetas que +se apontavam como maiores amigos de Bernardim: Sá de Miranda e +_Crisfal_, o celebrado Christovam Falcão que hoje deve ás musas a +celebreira que por seculos desfructou,--elephante que conseguiu passar +por canario, o animal. + +A extraordinaria semelhança de _Crisfal_ a Bernardim, os mesmos +lamentos, a mesma situação amorosa, os mesmos queixumes; a ausencia +absoluta de noticias e referencias na obra de Sá de Miranda e Bernardim +ao poeta coevo e imitador, tudo isto deu a Delfim Guimarães a certeza de +que _Crisfal_ e Bernardim era o mesmo, só, e altissimo poeta. Além +d'isto nenhum documento da epocha autorisava a pôr a carapuça _Crisfal_ +em cabeça de Christovam Falcão. O mesmo editor de Bernardim, edição de +1554, onde se acha incorporada a «Egloga chamada Crisfal» escreve, +referindo-se-lhe: «_que dizem ser_ de Christovam Falcam, ho que parece +alludir ho nome da mesma Egloga». + +Estudado o contemporaneo Christovão Falcão, vê-se que elle era pouco +menos de bronco e não poderia ser nunca o auctor da _Egloga_. Adquirida +a certeza, que era _Crisfal_? E logo, deductivo, Delfim Guimarães achou +a chave. É _crisma falso_, pois que na Egloga se move a mesma +passionalidade de Bernardim com supositicios nomes--falsos crismas. + +O livro do escriptor é ilustrado com um fac-simile de uma carta do +pretenso Christovam Falcão e acompanhado de uma arvore genealogica dos +Falcões. De uma logica cerrada e inteligente, preciosamente documentado, +é um trabalho collosal que dará echoantissimo nome ao seu auctor. E +enquanto se não perder na memoria das gerações o nome do bardo amoroso, +o triste Bernardim, o nome de Delfim Guimarães não se desacorrentará da +gloria de ter focado com intensa luz um tão curioso e deturpado caso da +litteratura portugueza. + +Lá fóra esta obra faria não só a gloria mas o nome de um trabalhador. As +Academias levar-lhe-hiam o seu _fauteuil_ estofado, e os editores +disputariam a honra de lhe pagar. + +Cá dá desgostos, nada mais. + +O illustre publicista José Sampaio (Bruno) chegára ás mesmas conclusões. +Anselmo Braamcamp Freire vae publicar um trabalho curiosissimo sobre +Maria Brandão; José Caldas é da opinião de que se achou a verdade. Quem +resta? Carolina Michaelis, cuja opinião importa saber, e Theophilo +Braga, que discorda. + +As impugnações que Delfim Guimarães fez aos livros de Theophilo estão em +aberto. E Delfim veio com este seu trabalho não só elliminar um +Christovam da litteratura e uma Maria das muitas Marias enamoradas, mas +fazer luz sobre uma poesia de Camões falsamente attribuida a Bernardim +Ribeiro, e documentar que _sómente_ Sá de Miranda foi o introductor da +Escola Italiana em Portugal. Bernardim Ribeiro foi o introductor mas das +novas eglogas vergilianas. + +Raro talento, muito estudo, aturada analyse, observação profunda e um +grande serviço prestado á litteratura, eis como julgamos o livro +_Bernardim Ribeiro_. Com ares impugnativos veio o sr. Jordão A. de +Freitas no _Diario de Noticias_ carretar materiaes para o rude e +esforçado prelio a travar-se. Não crêmos que o haja. Theophilo Braga, +porém, que tem estado silencioso, dirá de sua justiça. O trabalho de +Delfim Guimarães é probo e consciencioso. Merece o applauso +incondicional de todos, e que rejubile a litteratura que ainda tem +artistas que, fructo de seu labor, lhe dão tão bellas obras. + + + Albino Forjaz de Sampayo. + + (Do jornal _A Lucta_, de Lisboa, de 16 de dezembro de 1908). + + + + + +«Bernardim Ribeiro» +por Delfim Guimarães + + +A obra que Delfim Guimarães acaba de publicar é o producto d'um lucido +criterio aliado a uma habil quanto meticulosa investigação. Sem ser um +erudito nem rebuscador d'archivos, Delfim Guimarães, antes de encetar +quaesquer pesquizas, teve a maravilhosa intuição--ou elle não fosse um +poeta--de que os admiraveis versos do _Crisfal_, desirmanados no +decorrer do tempo da obra litteraria de Bernardim, constituiam com o +poetico romance de _Menina e Moça_, reflexos d'um mesmo espirito, +vibrações d'um unico coração. + +É que o illustre critico interpretára com verdadeiro sentimento o genio +do infortunado poeta, levando a tal ponto a sua predilecção por elle, +que com as _Saudades_ abrira essa galeria de publicações classicas +portuguezas em edições populares vulgarisadas, cujo inicio no nosso meio +litterario a Delfim Guimarães se deve. + +Toda aquella paixão do enternecido bucolista das _Saudades_, a fluidez +incomparavel d'essa linguagem que é na sua simplicidade uma mimica +d'alma e tem a harmonia d'um fio d'agua gorgolejante, tudo isso,--o +sentimento, que é a vida na obra d'arte, Delfim Guimarães foi encontrar +nas composições erradamente attribuidas a Cristovam Falcão. + +Obtida a prova subjectiva de que o poeta das _Saudades_ era o trovador +do _Crisfal_--na realidade um criptogramma formado pelas primeiras +syllabas das palavras _crisma_ e _falso_--o distincto escriptor encetou +a investigação historica do que para elle fôra um presentimento e pelo +estudo feito sobre os documentos da epoca, seu confronto e +interpretação, conseguiu destruir n'uma argumentação irrefutavel e cheia +de brilho, a lenda feita tradição e cimentada pelo mais auctorisado +critico da nossa litteratura, que o trovador do _Crisfal_ nunca poderia +ter sido Cristovam Falcão. + +A carta d'este moço fidalgo a D. João III, que Delfim Guimarães +transcreve na integra e que na edição de Theophilo Braga apparecera +deturpada, é inquestionavelmente a prova mais evidente--e outras não +houvesse com relação a datas--de que nunca o espirito trivial que +alinhavou aquelles periodos--se é que ali os ha--idealisaria a +enternecida ecloga do _Crisfal_, que é ainda, a alguns seculos de +distancia, n'esta epocha em que a arte possue riquissimos processos de +technica e a linguagem tanto ganhou em expressão emocional,--uma soberba +joia litteraria. + +Nesta obra, tão cheia de revelações, começa o auctor por fixar em bases +positivas as _étapes_ da infortunada vida de Bernardim, desde o seu +nascimento no Alemtejo em 1482 até á sua morte no Hospital de Todos os +Santos, de Lisboa, em 1552, submerso nas trevas horriveis da loucura. +Depois com o esboço dos seus amores da adolescencia e paixão tragica que +votou a Joanna Tavares, que foi a mais intensa affeição de Bernardim e a +inspiradora do seu triste trovar, entra-se nos capitulos da exegese, +sendo todo o livro uma refutação completa das idéas correntes sobre a +problematica personagem do trovador do _Crisfal_. Nêle se visionam +muitos pontos de vista até então desconhecidos e se estabelecem novas +pistas para norteamento dos estudiosos, as quaes, certamente, muito +contribuirão para que todo o interessante enigma literario se desvele em +absoluto. + +Nas suas curiosas investigações, fez Delfim Guimarães preciosos achados +que denotam uma grande subtileza nas suas faculdades de critico, como a +da poesia de Camões, erradamente atribuida a Bernardim, que se acha no +cancioneiro de Luis Franco, existente na Biblioteca Nacional de Lisboa, +tão interessantemente descoberta, e o das tres poesias constantes d'um +_pliego-suelto_ de 1656, da mesma Biblioteca, que o distincto escriptor +filia com boas razões no estro de Bernardim. + +Mercê da linguagem castiça, tão saborosamente portugueza, de que o +auctor se serve, assim identificada com o thema historico versado, a +obra é por si só, e independente da maneira de vêr do auctor, o trabalho +honesto de um escritôr que é ao mesmo tempo um artista, n'essa evocação, +d'um tão forte relevo, das saudosas edades em que os poetas amavam mais +sinceramente e eram menos complicados, a arte não sendo como hoje um +_métier_ lucrativo, mas a manifestação espontanea d'um espirito no vôo +errante da inspiração. + +Fecha o livro um curioso estudo sobre a vida de Cristovam Falcão e sua +genealogia, certamente o mais completo até agora. + +Felicitamos Delfim Guimarães pelo seu valioso trabalho que vem deslocar +cómodos preconceitos arreigados e abrir novos horizontes aos que se +interessam--que são todos os portuguezes--pelo estudo da litteratura +portugueza no periodo aureo d'esta nacionalidade. + + (Do jornal _O Dia_, de Lisboa, de 9 de janeiro de 1909.) + + + + +«Bernardim Ribeiro» +(O Poeta Crisfal) + + +É esta obra que perpetuará o nome do seu auctor, se bem que Delfim +Guimarães em precedentes trabalhos litterarios tenha já adduzido sobejas +provas para que lhe possâmos reconhecer um elevado grau de +intelligencia. + +Com a publicação do volume cujo titulo encima esta noticia, o serviço +prestado por Delfim Guimarães á historia da litteratura patria está +sendo louvado tão extraordinariamente a ponto do sr. Albino Forjaz de +Sampaio, primoroso chronista da _Lucta_, não ter duvida em afirmar que +no Estrangeiro tal publicação franquearia ao seu auctor as portas d'uma +Academia. + +O livro apresentado é o producto d'uma ardua tarefa em que pacientes +faculdades de investigação, alliadas a uma singular vivacidade, removem +com cauteloso tino os escabrosos obstaculos que tão ingrato estudo +frequentemente depára. Por isso é que, sem receio de contradicta, nos +afoutamos a asseverar que em Portugal ninguem melhor do que Delfim +Guimarães conhece o periodo da historia litteraria a que o mesmo +assumpto directamente respeita. E nem isso pode causar surpreza ao +leitor illustrado, uma vez que a arrojada affirmativa do illustre +publicista, que é por signal a _negação_ da existencia de Christovam +Falcão, como trovador quinhentista, demandava um minucioso exame +analytico a todos os documentos litterarios de então; e nisso só a mais +escrupulosa cautella conjugada com uma aguda perspicacia, como já +deixamos dito, poderia lograr o exito desejado. + +Os materiaes que Delfim Guimarães colligiu para invalidar a +personalidade litteraria de Christovam Falcão, deixa-os elle dispersos +nos varios capitulos do seu livro, os quaes sobrepostos uns aos outros, +á medida que se vai avançando na leitura, introduzem em qualquer +espirito a certeza da these que o auctor se propoz comprovar. + +De envolta com os persuasivos esclarecimentos allegados em prol do seu +proposito, o auctor rectifica raciocinios errados e affirmações +insustentaveis de Theophilo Braga, se bem que o sabor acre d'essas +frequentes correcções seja attenuado ou neutralisado quasi pelas +assucaradas referencias ao passado de tão incançavel trabalhador. + +Pelo volume a que estamos alludindo vê-se que a obra de Bernardim +Ribeiro chegou para fazer a reputação de dous homens, vindo o nome de +Christovam Falcão usurpar em seu proveito algumas das produções +d'aquelle mavioso lyrico, e sendo, portanto, a sua memoria um nefasto +saprophyta que do merito alheio foi vivendo durante um longo periodo de +tempo. A duplicidade desapparece agora com as aturadas canceiras de +Delfim Guimarães que assim reivindica para o grande corypheu do +bucolismo em Portugal todos os fructos do seu prodigioso talento, +corrigindo um erro em que os bibliophilos laboraram durante seculos. +D'aqui resalta--e é esse um dos evidentes intuitos do auctor do livro em +questão--o desenho da verdadeira figura de Bernardim Ribeiro, com as +proporções proprias da sua gigantesca estatura litteraria, em cima do +seu elevado pedestal de gloria, pedestal a que algumas pedras foram +subtrahidas para sobre ellas figurar o ficticio vulto trovadoresco de +Christovam Falcão. + +Em Portugal abundam os devotados enthusiastas de Camões e Camillo, +apparecendo agora um ardente propugnador d'outro nome tambem illustre, a +legitima-lo como uma das maiores glorias litterarias de que se pode +ufanar um povo. Esse nome é Bernardim Ribeiro e entrelaçado n'elle +apparecerá d'oravante o de Delfim Guimarães, que acaba de restituir a +obra do immortal bucolista á sua primitiva integridade. + + + Antonio Ferreira + + (Do _Commercio do Lima_, de Ponte do Lima, de 9 de Janeiro de 1909). + + + + +«Bernardim Ribeiro» + + +Com este titulo e o sub-titulo de _O Poeta Crisfal_, tambem o distincto +escriptor a cujo nome, já tão merecidamente aureolado, fica feita +referencia na rubrica anterior, publicou recentemente um interessante +volume, apodado por esse proprio auctor de _subsidios para a historia da +litteratura portugueza_, e que não é nem mais nem menos do que a +demonstração a nosso vêr evidentissima, digam os _mestres_ pilhados em +deturpação o que quizerem, de que Bernardim Ribeiro e _Crisfal_ são uma +e a mesma pessoa, não sendo _Crisfal_ pseudonimo de Christovão Falcão, +mas sim um composto das primeiras sylabas das palavras _Crisma falso_, +de que Bernardim Ribeiro fez uso. Percorrendo se, com olhos de ver, e +com vontade de acertar com a demonstração explanada por Delfim +Guimarães, todas as 200 e tantas paginas do volume em questão, +adquire-se o convencimento de que ficaram por terra, uma a uma, «as +pedras basilares com que o nome consagrado do sr. dr. Theóphilo Braga +ergueu o monumento, aparentemente solido, que offertou ás lettras +patrias, fazendo quase real, palpavel, uma miragem secular»--que dava +_Crisfal_ como sendo Christovão Falcão, quando este não pertence senão +ao dominio da lenda, sendo uma perfeita mystificação a sua pretendida +existencia de litterato. + +O trabalho de verdadeiro erudito, que representa o livro de Delfim +Guimarães, assignala de um modo inconfundivel o seu alto valor de +estudioso, de investigador benemerito e de operoso trabalhador das +nossas lettras. Felicitando-o cordealmente por esta nova prova das suas +excepcionaes qualidades, cumprimos apenas um dever. + + + A. B. + + (Do _Jornal das Colonias_, de Lisboa, de 13 janeiro de 1909). + + + + +«Bernardim Ribeiro» + + +Temos retardado a noticia do apparecimento d'este livro notavel do +illustre poeta e prosador, sr. Delfim Guimarães, porque quizemos +consagrar á sua leitura algumas horas socegadas, afim de poder estudar +convenientemente o problema litterario que em suas paginas se debate. + +Esta obra é o resultado de longas e aturadas investigações e de um +estudo conscienciosissimo, não só da obra de Bernardim Ribeiro, mas +ainda da obra de todos os poetas, apontados como seus amigos e +companheiros. + +Cotejando os versos do iniciador do lirismo portuguez com os que se +attribuem a Cristovão Falcão, o sr. Delfim Guimarães facilmente +reconheceu que, embora pudésse admittir-se que a educação litteraria dos +dois poetas tivesse sido a mesma, não era possivel que as suas +tendencias esteticas fossem por tal maneira similhantes, que os seus +versos chegassem a confundir-se. Um d'elles teria sido seguramente o +imitador do outro. + +Continuando nas suas indagações, e apreciando demoradamente a obra +supposta contemporanea de Cristovão Falcão, notou ainda o sr. Delfim +Guimarães que era frequente Sá de Miranda referir-se a Bernardim Ribeiro +nas suas obras poeticas, havendo tambem allusões repetidas, nos versos +d'este poeta, ao seu amigo e confidente. Ao auctor do _Crisfal_ não +notou a mais leve referencia. + +N'aquelle bello poema havia allusões que alvejavam claramente Sá de +Miranda, e foi do estudo attento d'essas allusões, que perfeitamente +condiziam com as referencias das éclogas de Bernardim Ribeiro ao seu +amigo, que resultou chegar aquelle illustre escriptor a conclusões +inteiramente satisfatorias. + +A analise de varios documentos de caracter historico e juridico produziu +no espirito do sr. Delfim Guimarães a convicção de que a personalidade +litteraria de Cristovão Falcão não existiu, sendo a obra que se lhe +attribue toda do autor das _Saudades_. + +Houve, é certo, um Cristovão Falcão de Sousa, que foi moço fidalgo em +1527 e capitão da fortaleza de Arguim em 1545, mas este personagem, na +opinião de Delfim Guimarães, era incapaz de escrever a mais +insignificante das quadras de Bernardim Ribeiro. + +Como se vê, é realmente muito notavel este livro, que os eruditos e +todos os que se interessam pelo movimento litterario portuguez, +certamente deverão apreciar pela intensa luz que projecta sobre um dos +principaes capitulos da historia da poesia nacional. + +(Do jornal _O Primeiro de Janeiro_, do Porto, de 20 de janeiro de 1909). + + + + + +«Bernardim Ribeiro» +por Delfim Guimarães + + +Não pode um povo viver sem ideal e esse ideal ha de ser como a flôr que +firma as raizes no terreno proprio das suas tradições. O futuro ha de +ser explicado pelo passado em que potencialmente está contido. + +Assim, comprehende-se quanta importancia tem para a vida intellectual e +artistica d'um povo o conhecimento de tudo quanto se refere á evolução +litteraria dos generos e ás condições mesologicas em que os seus grandes +prosadores e poetas produziram monumentos de dura. + +É por isso que lá fóra se não considera trabalho inutil todo aquelle que +consiste em escavar no passado, com paciencia e com intelligencia, para +d'elle desenterrar uma ideia, uma verdade, a correcção d'uma data, a +explicação de um texto obscuro. + +É sobre este trabalho á primeira vista inglorio que philosophos e +historiadores edificam as largas syntheses, cuja necessidade é +redundancia encarecer para a comprehensão da psychologia d'um povo. + +Entre nós, modernamente, nada ou quasi nada se tem feito n'esse sentido. +Os nossos manuaes de litteratura repetem cegamente o que estava dito e +feito, antes da descoberta dos modernos processos de critica e +interpretação do passado. + +Apenas o sr. Theophilo Braga com louvavel tenacidade se tem consagrado á +especialidade, nem sempre sendo feliz, não só pela sua tendencia a tudo +systhematisar, forçando os factos para os encaixar nas suas concepções +aprioristicas, mas tambem pela vastidão do assumpto que é impossivel ser +abrangido pelo trabalho de um homem só, principalmente quando não teve +quem lhe preparasse o terreno. + +Estas considerações accodem-nos a proposito do livro de Delfim +Guimarães--BERNARDIM RIBEIRO--que representa incontestavelmente o +acontecimento mais importante em historia litteraria do nosso tempo. + +O facto, que é já do dominio publico, é este: Christovão Falcão, que +passava por auctor da ecloga «Crisfal», uma das joias da nossa +litteratura, foi na realidade um mediocre fidalgo, incapaz de produzir +aquella obra prima. O auctor d'esta foi, effectivamente, Bernardim +Ribeiro, o meigo poeta das «Saudades» que serviu de modelo e estimulo a +Luiz de Camões. + +O livro de Delfim Guimarães, que é um modelo de investigação paciente e +de critica leal não deixa duvidas a tal respeito. Seria descabido aqui +repetir os argumentos que por ora ninguem desfez em que o auctor +fundamenta a sua sensacional descoberta. + +Limitamo-nos simplesmente a consignar que se Delfim Guimarães revelou +uma extraordinaria sagacidade estabelecendo «a priori» a identidade de +Bernardim Ribeiro e do auctor de «Crisfal», a fórma cheia de probidade +por que procurou «a posteriori» justificar a sua opinião honra não +sómente as suas faculdades de investigador, mas tambem o seu caracter. + +Quer nos parecer que, depois d'este precioso livro, a ninguem é licito +alimentar duvidas a tal respeito. E se se perde para o quadro dos nossos +poetas um nome, fica enriquecido e aureolado com gloria nova, mas que +lhe pertencia o doce e encantador namorado da «Menina e Moça». + +A Delfim Guimarães os nossos parabens e, com elles, os nossos +agradecimentos. + + (Do _Jornal de Noticias_, do Porto, de 8 de fevereiro de 1909). + + + + + +Divagações + +I + + +Só agora,--ainda que me não creiam--, só agora acaba de morrer, neste +anno da graça de 1909, um dos grandes bucolicos da época de ouro dos +escriptores quinhentistas! + +Esse macrobio das letras, Mathusalem portuguez, de nome e de nação, era, +sem mais nem menos, Chistovam Falcão de Sousa, que, embora quatro vezes +secular, me parece, indefinidamente vivo continuaria se não o tivessem +acaso assassinado... + +Companheiro, amigo e confidente de Bernardim Ribeiro, houvera entre os +dois, segundo Theophilo Braga, a infeliz conformidade de uma sorte +infeliz; pois, ao passo que aquelle se desperdiçava por amores, tambem +este por amores se perdia... + +As celebradas «Trovas de Chrisfal» collocavam a figura de Maria Brandão, +«com a casta graciosidade de uma virgem de Cimabue, dentro de paisagens +que pareciam ter os traços do pincel de Giotto»; e toda a tradição +popular, já assignalada pelo chronista Diogo do Couto, era unanime em +considerar esse nome de «Chrisfal» como formado das duas primeiras +syllabas do prenome e appellido de Christovam Falcão. De outra parte, o +poema das «Saudades», ou a «Menina e moça», de Bernardim Ribeiro, +lembrava a desventurada paixão do poeta pelo typo feminil de Joanna +Tavares, que elle disfarçava com o pseudonymo pastoril de «Aonia». + +Tão notavel se afigurava a individualidade literaria de «Chrisfal» que, +para a illustre romanista D. Carolina Michaëlis, elle teria sido o +creador do genero bucolico em Portugal, e Bernardim apenas o seu +immediato imitador; mas, tambem, a semelhança entre elles era tal que, +conforme a judiciosa observação do professor Simões Dias, «as obras de +um podiam passar como feitas pelo outro.» + +E assim se devia entender e ensinar nas escolas, até que um novo +escriptor lusitano, o sr. Delfim Guimarães, nos apparecesse com um +trabalho recente e valioso, onde a toda luz demonstra, com grande +escandalo dos mestres, que Christovam Falcão é, sem menos nem mais, o +mesmo Bernardim Ribeiro, que adoptara nas «Trovas» o chris (ma) fal (so) +de Chrisfal». E a «Maria» de taes versos tambem constituia, a seu turno, +mais um cryptonymo de amor... + +Por certo que existiu Christovam Falcão, e existiu naquelles mesmos +annos, mas o sr. Delfim Guimarães prova que semelhante personagem era um +ignorantaço de marca. + +--Arranque-se-lhe, por conseguinte, e para sempre, o rutilante diadema +de poeta com que lhe cingiram a cabeça romantica... Puramente emprestada +era a luz que o sobredourava na historia,--luz que lhe não provinha do +merito, senão antes da phantasia dos criticos. + +Em todo o caso, e emquanto houver a memoria dos homens, viverá o seu +«renome», attribuido apenas á felicidade do «nome»... + +Se elle, como escriptor, morreu, ha de ser, comtudo, evocado nas obras +de erudição, ao menos, quiçá, como testemunho de quanto podem os enganos +e a tardia justiça dos homens. + +O trabalho consciencioso do sr. Delfim Guimarães honra a sua fina +argucia, e nos leva a confiar no indefectivel juizo da historia cuja +precaria relatividade é razão sobeja para nos empenharmos contra os +«tortos» iniquos de que nos faça réos a precipitação ou a desidia. A +averiguação do que pertence a cada um não transcende as raias da +judicatura terrestre; e, para os que esperam na vida futura, parece que, +perante o seu tribunal supremo, com jurisdicção apenas sobre o bem e o +mal, não se levarão os problemas de preeminencia literaria, nem +scientifica... + +Á posteridade é que compete extremar as glorias de cada autor; sendo +que, muitas vezes, a injustiça ou a ignorancia dos coevos, não impedem +que as gralhas sejam finalmente despojadas do atavio das pennas do +pavão. + +Recordando o padre Manuel Bernardes o costume romano de ser punido, com +o venablo e a nota de infamia, o legionario fanfarrão que enchia a boca +de mentirosas façanhas, accrescenta que, se houvera de andar semelhante +correição pelos ostentadores de engenho, muitos funccionarios exigiria a +devida e cabal applicação da pena, que, na velha organisação militar, +era privativa dos «tribunos». Verifica-se, porém, que, com o correr dos +tempos, nunca faltam «tribunos» da milicia literaria, para o castigo dos +soldados, «que blasonam falsas valentias», ou para que se desmascarem os +miseraveis impostores da sciencia. Se até os reis, desde Homero, e, como +dizia Camões, + + + «Dão os premios, de Ajace merecídos, + Á lingua vã de Ulysses fraudulenta» + + +vêm mais tarde os divinos aedos, que, no tribunal dos pósteros, +pleiteiam e ganham a causa dos que foram injustamente aggravados. + +Não permitte, afinal, o criterio dos competentes, que um simples +erudito, como Ptolomeu, usurpe, inappellavelmente, a fama devida ao +saber mathematico de Hipparcho. + +Este não é precisamente o caso de Christovam Falcão de Sousa, que não +póde responder pelo erro dos que lhe enfiaram na modesta fronte uma +corôa gloriosa de poeta. Elle, se vivo fôra, repugnaria acceitar o que a +outrem pertencia de direito; pois, se os elogios que não merecemos, nos +deprimem, em vez de exaltar-nos, o protesto da nossa consciencia não +deve tardar quando aquillo que nos dão representa o resultado de uma +espoliação alheia. + +Reproduzindo a carta que ainda se encontra na Torre do Tombo, o sr. +Delfim Guimarães apurou, e deixou de manifesto, que o suposto trovador +tinha apenas a instrucção rudimentar dos moços fidalgos do seu tempo. + +Se «idiotas», na accepção archaica de--«sem letras», eram, como sabemos, +os barões da edade media, que até disso mesmo se ufanavam, a ponto +de--«o condestavel Duguesclin nunca ter querido sujeitar-se á +doutrinação de um mestre», nem ainda na aurora da Renascença pareceu +melhor a cultura de certos homens, apesar de illustres. + +Francisco Pizarro, logar-tenente de Sua Alteza, cavalleiro da ordem de +Santiago e conquistador do Perú, ouviu ler, deante do Grande Concelho +dos nobres de Hespanha, a minuta do decreto que o fazia senhor de todas +terras descobertas e por descobrir;--e, como, na expressão de Heredia, +não pudesse assignar o protocollo, + + + «Fit sa croix, déclarant ne savoir pas écrire, + Mais d'un ton si autain que nul ne put en rire.» + + +Á vista de tal exemplo, não ha extranhar, no gentil-homem Christavam +Falcão, nem as faltas de grammatica, nem as de orthographia, patentes em +sua carta a el-rei, conforme o documento que ainda se conserva na Torre +do Tombo... Mas essas faltas e a rudeza geral do estilo são bastantes +para que não mais o tenhamos na conta de um emulo do suave e +melancholico Bernardim Ribeiro, autor incontestavel das «Trovas de +Chrisfal», depois de tantos argumentos sagazmente colhidos de uma +profunda analyse psychologica e linguistica. + +Um dos mais fortes indicios (aliás não aproveitado pelo sr. Delfim +Guimarães) consiste na estrophe 77, das «Trovas», com o começo, em +prosa, do poema das «Saudades»: + + + Por ti me vi desterrada + em estas estranhas terras + de donde eu fui criada, + e, por ti, antre estas serras, + em vida, são sepullada: + onde, a se me perderem + a frol dos annos se vão; + ora julga se é rezão + das minhas lagrimas serem + menos daquestas que são! + + +Ha aqui uma clara allusão ao mesmo facto referido no trecho: + + +«Menina e moça me levaram de casa de meu pae para longes terras; qual +fosse então a causa daquella minha levada, era pequena, não na soube.» + + +O sr. Delfim Guimarães deixa agora envolta em trevas a personalidade de +Christovam Falcão; mas o raio de luz que deste se afasta, só serve de +augmentar a gloria de Bernardim Bibeiro, cujo peregrino talento até hoje +scintillava repartido pela auréola de dois nomes de poeta... + + + Silvio de Almeida. + +(Do jornal _O Estado de S. Paulo_, de S. Paulo, Brasil, de 29 de março +de 1909). + + + + +Divagações + +II + + +Que extranha e mal debuxada figura não era a desse Christovam Falcão, a +quem, de principio, a gente ignara, depois editores sem critica, e, por +fim, os mesmos autorisados mestres, attribuiram a paternidade das +«Trovas de Crisfal», sem outro algum motivo que só este, aliás, deveras +pueril: conjugarem-se na palavra «Crisfal» as duas primeiras syllabas de +«Christovam» e de «Falcão»! + +Unicamente, pois, a sorte de seu «nome» lhe grangeára o dilatado +«renome» de quatro seculos, cheios de uma admiração que tanto (segundo o +costume) tinha de enthusiastica, quanto mais era infundada e gratuita. + +Aos phantasistas nada, certo, importava que jamais fosse o ideal +trovador, nem uma vez, referido no volumoso in-folio do «Cancioneiro» de +«Rezende», em cujo indice se catalógam até as mediocridades pulhas +daquelle tempo. Nem cuidaram tampouco que a sua unica pretendida obra +lyrica (não sem causa deparada entre os papéis, que foram, de Bernardim +Ribeiro)--versava o mesmo assumpto predilecto deste ultimo, reflectia o +mesmo gosto da paisagem, era fundida nos moldes do mesmo estilo, vinha +molhada pelas lagrimas da mesma dorida commoção! + +A todos que tenham olhos de ver, demonstra agora o sr. Delfim Guimarães, +com miudezas de analyse, que certos passos das «Trovas», ou reproduzem +heptasyllabos das pastoraes ribeirescas, ou correspondem a phrases +similares do romancete das «Saudades». + +Deixando, porém, de lado dezenas de significativas coincidencias +esparsas, como entre o verso da egloga 4.^a: + + + «Coitado, não sei que diga, + + +e o da estrophe 21 de «Crisfal»: + + + «Mas, triste, não sei que digo»; + + +eu apenas aqui darei o que não expoz o novél escriptor portuguez, ou +aquillo que elle só levemente adduziu. + +Já na carta prefacial das «Trovas», cujo tom dagua chorosa nos suggere o +«memento» do «Cancioneiro», os versos: + + + «Cuidai quanto nos quisemos, + e não vos possa mudar + dizer que vos podem dar + outrem que tenha mais que eu», + + +perfeitamente combinam com a 1.^a egloga: + + + «Veio ahi outro pastor ter: + com o que prometteu ou deu + se deixou delle vencer», + + +e com a «Menina e moça»: + +--«...succedeu, no castello, um filho de um cavalleiro muito valído e +rico nesta terra, que por meio de vizinhos desejou Aonia por mulher»; + +--«...bem lhe pareceu que se não descontentaria Aonia do esposo, porque +era bem aposto cavalleiro e dos bens do mundo abastado». + +Note-se, mais, que a locução--«dos bens do mundo abastado», tambem +inserta na 2.^a bucolica, reapparece na 5.^a estrophe de «Crisfal», cujo +introito (conforme com as eglogas 1.^a, 2.^a e 5.^a) faz das «selvas +junto do mar» o delicioso theatro dos amores dos dois zagaes. + +A descripção desse local (de Sintra e de seu Val de Lobos), apenas +esboçada no começo das «Trovas», melhor se delineia da estrophe 55 em +deante: + + + «Vão alli grandes montanhas + de alguns valles abertas, + todas de soutos cubertas, + aos naturaes extranhas, + mas á saudade certas. + ....................... + Cuberta era a fonte + de tam fresco arvoredo, + que não sei como o conte, + muito quieto e mui quedo, + por ser antre monte e monte. + ............................. + Ao pé de um castanheiro + me pus, triste, assentado, + ouvindo o tom de um ribeiro. + Meus olhos e eu passámos + alli a noite em amores. + ............................. + Naqueste tempo corrompe + a ave que chamam leal + o silencio do seu mal, + que é quando a alva rompe + e ao dia faz signal». + + +Depois disso, abram o livro da «Menina e moça», e façam-me o favor de +ler: + +«Neste «monte mais alto de todos» (que eu vim buscar pela suavidade de +outros que nelle achei) passava eu a minha vida como podia; ora em me ir +«pelos fundos valles que os cingem dearredor», ora em me pôr do mais +alto delles olhar a terra como ia acabar ao mar; e depois o mar como se +estendia logo após ella, pera acabar onde ninguem o visse». + +--«E ainda bem não foi alto dia, quando eu (parece que acinte) +determinei ir-me pera o pé deste monte, «que d'arvoredos grandes e +verdes ervas e deleitosas sombras» é cheio, «por onde corre um pequeno +ribeiro» de agua de todo o anno, que nas noites caladas, o rogido delle +faz no mais alto deste monte um «saudoso tom, que muitas vezes me tolhe +o sono». + +--«Não tardou muito que, estando eu assim cuidando, sobre um verde ramo +que por cima da agua se estendia, «veio pousar um rouxinol». + +Para completar a symetria e a belleza idyllica da pintura, nem faltou a +esse quadro o vultinho animado da mesma «ave leal» de que nos. falavam +as «Trovas». + +Quanto ao par apaixonado, a referencia da 2.^a estrophe de «Crisfal»: + + + «Sendo de pouca edade, + não se ver tanto sentiam + que o dia que se não viam, + se via na saudade + o que se ambos queriam». + + +ligada á da 77: + + + «a frol dos annos se vão», + + +e á da 84: + + + «Quando vos dei a vontade, + inda vós ereis menina, + e eu de pouca edade», + + +em nada discrepa da do capitulo 18 das «Saudades» de Bernardim: + + +--«...a senhora Aonia, que ainda então era donzella d'antre treze ou +quatorze annos...»; + +--«...a barba um pouco espessa e um pouco crescida, que a elle traz, +parece que é aquella a primeira ainda...» + + +Em relação ao poeta, a 2.^a egloga positivamente declara que contava os +seus vinte e um de edade quando se fez «servidor» de Aonia. + +Mas dos parentes desta a interesseira má vontade, que «Crisfal» +vehemente assignala, assentou de lhe curar o coração doente de mulher +pelo processo sedativo de um apartamento para «longes terras» (expressão +egual da estrophe 7.^a e do 1.^o capitulo da «Menina e Moça»). + +Ainda na 2.^a egloga, Bernardim, que com os italianos aprendera o +reavidado uso das allegorias de Vergilio, se manifesta como um pastor +nascido «antre Tejo e Odiana»; e muito é para notar que nas «Trovas» +tambem exista o mesmo verso (6.^o da 30.^a estrophe). + +Attingido o pegureiro (na 2.^a bucolica) do encantamento de amor, + + + «logo então começou + seu gado a emagrecer: + nunca mais delle curou.» + + +E «Crisfal», outrosim (como réza a 5.^a estrophe), + + + «...por curar da paixão, + não curava do seu gado». + + +O mesmo pensamento se exprimiu, pois, aqui, sómente com tal ou qual +superioridade artistica, que não é a injusta superioridade de Christovam +Falcão sobre Bernardim Ribeiro, senão antes a deste sobre si proprio, no +progressivo burilamento da fórma impeccavel.--Mas o artista, como que +apostado em exceder-se cada vez mais, só achou a sua melhor expressão +esthetica quando depois insistiu, na estrophe 22: + + + «descuido matou meu gado, + cuidado matou a mim». + + +A antithese (que tira de duas idéas oppostas a scintillação do choque de +duas pedras) constitue quasi sempre o ultimo resultado de uma longa +elaboração mental. + +Ha, na melancholia das «Saudades», um topico onde o seu autor diz que, +já de affeito ás dores, parecia viver nellas. E tal conceito assume, na +10.^a estrophe das «Trovas», uma formulação mais abstracta e geral: + + + «O longo uso dos danos + se converte em natureza». + + +A hypothese de «Crisfal» ser Christovam Falcão exigiria, portanto, que +delle fosse, tambem, um simples reflector o nosso, aliás original, +Bernardim Ribeiro; ou isso, ou, então, plagiario o outro... + +Gemeos intellectuaes, e ainda irmãos no infortunio de seus affectos, +nunca se houvera visto, sequer em dois relogios, uma tão completa +concordancia! + +Mas, dentre o suffocante accumulo de provas contrarias, uma, sobretudo, +victoriosamente resalta da egloga «Alejo» de Sá de Miranda, o +«philosopho» amigo e confidente do «ternissimo» Bernardim Ribeiro. + +Alli diz o Miranda, disfarçado sob o cryptonymo de «Antonio»: + + + «Vine por Ribero ver, + como otras vezes solia.» + + +Pois bem: Esse mesmo «Antonio» apparece na estrophe 32 de «Crisfal», que +delle assevera: + + + «Aqueste é o pastor + que aqui vêo buscar-me.» + + +De semelhante parallelismo não ha concluir senão que «Ribero» e +«Crisfal» representam um só e mesmo «pastor», o que vale dizer «poeta», +na linguagem allegorica do bucolismo. + +Demais: + +Os versos que se acham em «Alejo»: + + + «Io sonava que me via + entre unas cerradas breñas; + de una parte i de otra peñas, + do nunca el sol descobria», + + +traduzem no castelhano os da estrophe 7.^a das «Trovas»: + + +«esconderam-me antre serras, +onde o sol nunca era visto,» + + +Ora, se (a paginas 188 de sua obra refundida sobre Sá de Miranda) +reconhece Theophilo Braga, como todos, em «Alejo», uma segunda figura de +Bernardim, deverá reconhecer ainda que «Crisfal», sendo «Alejo», é +Bernardim tambem. + + +A gloria do sr. Delfim Guimarães foi de haver apanhado a verdade, que +tão fóra andava da corrente unanime do parecer dos mestres. + +Mas, já das muitas adhesões que elle conquistou, licito me seja destacar +o voto preponderante da senhora dona Carolina Michaëlis de +Vasconcellos,[12] como primeira autoridade--que ella o é--da moderna +philologia portugueza. + +Tambem, no Brasil, Sylvio Romero entende que estão reivindicados, de uma +vez, os direitos de Bernardim Ribeiro «a essa bella parte da sua obra +que a lenda lhe andava a tirar estupidamente»... + + + Silvio de Almeida. + +(Do jornal _O Estado de S. Paulo_, de S. Paulo, Brasil de 5 de Abril de +1909). + + + + +Indice + + +Theóphilo Braga e a lenda do Crisfal + + + +I. Razão de ser d'este livro 5 + +II. O snr. dr. Theóphilo Braga descobrindo a verdade, e procurando +enterrá-la 29 + +III. Anotações á carta que nos dirigiu o snr. dr. Theóphilo Braga 37 + +IV. A comunicação do presidente da Academia das Sciencias de Portugal 59 + +V. O artigo «Movimento litterário» 63 + +VI. Uma patranha genealógica 97 + +VII. O criptónimo «Fileno» 99 + +VIII. In terminis 103 + + + * * * * * + +Apreciações da imprensa ao livro: + + +«Bernardim Ribeiro (O Poeta Crisfal)» + + +Do jornal «_O Mundo_», de Lisboa 107 + +» » «_O Seculo_», » » 109 + +» » «_Diario de Noticias_», de Lisboa,--artigo do snr. dr. Candido de +Figueiredo 111 + +» » «_Diario Illustrado_», de Lisboa,--artigos +do snr. Hemetério Arantes 113 e 125 + +» » «_A Mala da Europa_», de Lisboa 121 + +» » «_A Lucta_,» de Lisboa,--artigo do snr. Albino Forjaz de Sampayo 133 + +» » «_O Dia_», de Lisboa 139 + +» » «_O Commercio de Lima_», de Ponte do Lima--artigo do snr. dr. +Antonio Ferreira 143 + +» «_Jornal das Colonias_», de Lisboa,--artigo de A. B. 147 + +» jornal «_O Primeiro de Janeiro_», do Porto 149 + +» «_Jornal de Noticias_», do Porto 151 + +» jornal «_O Estado de S. Paulo_», de S. Paulo, Brasil,--artigos do snr. +Sílvio de Almeida 155 + + + + + +*Notas:* + +[1] O _normando_ é nosso. + +[2] Este _ponto de admiração_ pertence exclusivamente ao snr. dr. +Theóphilo Braga. + +[3] T. Braga.--_Obras de Christovam Falcão_, Porto, 1871--pag. 4. + +[4] _Bernardim Ribeiro (O Poeta Crisfal)_, pag. 180. + +[5] Torre do Tombo--Gaveta 20--maço 5--n.^o 10. + +[6] Bernardim Ribeiro e o Bucolismo, pag. 63-64. + +[7] _Bernardim Ribeiro e o Bucolismo_, pag. 19. + +[8] _Bernardim Ribeiro e o Bucolismo_, pag. 19. + +[9] Carta do snr. Jordão de Freitas no jornal «O Dia» em 2 de janeiro de +1909. + +[10] Conferencia de 8 de Junho de 1725 pelo Conde da Ericeira, na +Colleçam dos documentos e memorias da Academia Real da Historia +Portugueza. + +[11] Aliás, as glosas ao solau. + + _Nota de D. G._ + +[12] Reproduzindo integralmente o artigo do nosso ilustre confrade +brasileiro, cabe-nos o dever de declarar que a insigne romanista, +senhora D. Carolina Michaëlis, que nós saibamos, ainda não manifestou a +sua opinião. + + _Nota de D. G._ + + + + +Lista de erros corrigidos + + +Aqui encontram-se listados todos os erros encontrados e corrigidos: + + + +----------+---------------------+----------------------+ + | | Original | Correcção | + +----------+---------------------+----------------------+ + |#pág. 12| auxilados | auxiliados | + |#pág. 28| impondo-a | impondo-o* | + |#pág. 29| Pedron | Padron* | + |#pág. 32| paternalmente | paternalmente,* | + |#pág. 38| primeiro | segundo* | + |#pág. 85| com o | como | + |#pág. 90| empenhada | empenhado | + |#pág. 94| com todas | como todas* | + |#pág. 95| Falção | Falcão* | + |#pág. 102| portuguesês | portuguêses | + |#pág. 107| Chistovão | Christovão | + +----------+---------------------+----------------------+ + + +* correcções feitas com base na errata do próprio livro. + +As figuras da página 34 e da página 49 estão ilegíveis, motivo pelo qual +não foram adicionadas. Fica no entanto a sua indicação. + + + + + +End of the Project Gutenberg EBook of Theophilo braga e a lenda do crisfal, by +Delfim Guimarães + +*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK THEOPHILO BRAGA E A LENDA *** + +***** This file should be named 25479-8.txt or 25479-8.zip ***** +This and all associated files of various formats will be found in: + https://www.gutenberg.org/2/5/4/7/25479/ + +Produced by Rita Farinha and the Online Distributed +Proofreading Team at https://www.pgdp.net (This file was +produced from images generously made available by National +Library of Portugal (Biblioteca Nacional de Portugal).) + + +Updated editions will replace the previous one--the old editions +will be renamed. + +Creating the works from public domain print editions means that no +one owns a United States copyright in these works, so the Foundation +(and you!) can copy and distribute it in the United States without +permission and without paying copyright royalties. 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You may copy it, give it away or +re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included +with this eBook or online at www.gutenberg.org + + +Title: Theophilo braga e a lenda do crisfal + +Author: Delfim Guimarães + +Release Date: May 15, 2008 [EBook #25479] + +Language: Portuguese + +Character set encoding: ISO-8859-1 + +*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK THEOPHILO BRAGA E A LENDA *** + + + + +Produced by Rita Farinha and the Online Distributed +Proofreading Team at https://www.pgdp.net (This file was +produced from images generously made available by National +Library of Portugal (Biblioteca Nacional de Portugal).) + + + + + + +</pre> + + + +<div> +<div class="fbox"><b>Nota de editor:</b> +Devido à +quantidade de erros tipográficos existentes neste texto, +foram tomadas várias decisões quanto à +versão final. Em caso de dúvida, a grafia foi +mantida de acordo com o original. No final deste livro +encontrará a lista de erros corrigidos.<br /> + + +<br /> + + +<div style="text-align: right; font-style: italic;">Rita +Farinha (Maio 2008) +</div> + + +</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<h1> +Theóphilo Braga<br /> + + +</h1> + + +<h3>E</h3> + + +<h2>A LENDA DO CRISFAL</h2> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<h3>Obras de Delfim Guimarães </h3> + + +<br /> + + +<table style="text-align: left; width: 100%;" border="0" cellpadding="2" cellspacing="2"> + + + <tbody> + + + <tr> + + + <td>PROSA:</td> + + + <td></td> + + + <td></td> + + + <td></td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td><b>Alma dorida</b>, com prefácio +de Teixeira Bastos, 1 vol +broch.</td> + + + <td></td> + + + <td style="text-align: right;">500</td> + + + <td style="text-align: right;">réis</td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td style="text-align: justify;"><b>A Viagem +por terra do snr. João +Penha</b>, (crítica literária) 1 +folh.</td> + + + <td></td> + + + <td style="text-align: right; vertical-align: bottom;">100</td> + + + <td style="text-align: center; vertical-align: bottom;">»</td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td><b>O Rosquedo</b> (Scenas da vida de +província)</td> + + + <td></td> + + + <td style="text-align: center;" colspan="2" rowspan="1">Esgot.<sup>o</sup></td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td><b>Ares do Minho</b> (Contos) 1 vol. +broch.</td> + + + <td></td> + + + <td style="text-align: right;">200</td> + + + <td style="text-align: center;">»</td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td style="text-align: justify;"><b>Bernardim +Ribeiro</b>: <span class="smallcaps">O poeta Crisfal</span> +(Subsídios para a Historia da literatura +portuguêsa) 1 vol. +broch.</td> + + + <td></td> + + + <td style="text-align: right; vertical-align: bottom;">800</td> + + + <td style="text-align: center; vertical-align: bottom;">»</td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td> </td> + + + <td></td> + + + <td></td> + + + <td></td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td>EM PREPARAÇÃO: </td> + + + <td></td> + + + <td></td> + + + <td></td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td><b>Luis de Camões.―Diogo +Bernardes.</b></td> + + + <td></td> + + + <td></td> + + + <td></td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td> </td> + + + <td></td> + + + <td></td> + + + <td></td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td>VERSO:</td> + + + <td></td> + + + <td></td> + + + <td></td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td><b>Lisboa Negra</b>, 1 +fol.</td> + + + <td></td> + + + <td style="text-align: right;">200</td> + + + <td style="text-align: center;">»</td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td><b>Confidencias</b>, 1 vol. +broch.</td> + + + <td></td> + + + <td style="text-align: right;">400</td> + + + <td style="text-align: center;">»</td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td><b>Evangelho</b>, 1 +vol.</td> + + + <td></td> + + + <td style="text-align: right;">400</td> + + + <td style="text-align: center;">»</td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td><b>Não! Mil vezes +não!</b> 1 +fol.</td> + + + <td></td> + + + <td style="text-align: right;">200</td> + + + <td style="text-align: center;">»</td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td><b>Sim! Mil vezes sim!</b> 1 +fol.</td> + + + <td></td> + + + <td style="text-align: right;">100</td> + + + <td style="text-align: center;">»</td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td><b>Sonho +Garretteano</b></td> + + + <td></td> + + + <td style="text-align: center;" colspan="2" rowspan="1">Esgot.<sup>o</sup></td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td><b>A Virgem do Castelo</b>, (2.ª +edição) 1 +fol.</td> + + + <td></td> + + + <td style="text-align: right;">100</td> + + + <td style="text-align: right;">reis</td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td><b>Outonaes</b>, 1 vol. +broch.</td> + + + <td></td> + + + <td style="text-align: right;">500</td> + + + <td style="text-align: center;">»</td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td> </td> + + + <td></td> + + + <td></td> + + + <td></td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td>NO PRELO: </td> + + + <td></td> + + + <td></td> + + + <td></td> + + + </tr> + + + <tr align="justify"> + + + <td colspan="4" rowspan="1"><b>Flores +do mal</b> +(interpretação em versos portuguêses de +poesias de Carlos Baudelaire) </td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td> </td> + + + <td></td> + + + <td></td> + + + <td></td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td>TEATRO:</td> + + + <td></td> + + + <td></td> + + + <td></td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td style="text-align: justify;"><b>Aldeia na +Côrte</b>, drama em +3 actos, de colaboração com D. João da +Camara, representado no D. Amelia, 1 vol. +broch.</td> + + + <td></td> + + + <td style="text-align: right; vertical-align: bottom;">500</td> + + + <td style="text-align: right; vertical-align: bottom;">réis</td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td style="text-align: justify;"><b>Juramento +Sagrado</b>, comedia n'um acto +em verso, representada no D. Maria II, 1 +fol.</td> + + + <td></td> + + + <td style="text-align: right; vertical-align: bottom;">200</td> + + + <td style="text-align: center; vertical-align: bottom;">»</td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td> </td> + + + <td></td> + + + <td></td> + + + <td></td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td>A PUBLICAR:</td> + + + <td></td> + + + <td></td> + + + <td></td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td><b>Domingo de Páscoa</b>, +peça de costumes minhotos </td> + + + <td></td> + + + <td></td> + + + <td></td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td> </td> + + + <td></td> + + + <td></td> + + + <td></td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td>OUTROS TRABALHOS: </td> + + + <td></td> + + + <td></td> + + + <td></td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td style="text-align: justify;"><b>A Dama das +Camelias</b>, de <em>Dumas, filho</em> +(tradução), 1 vol. +broch.</td> + + + <td></td> + + + <td style="text-align: right; vertical-align: bottom;">200</td> + + + <td style="text-align: right; vertical-align: bottom;">réis</td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td style="text-align: justify;"><b>Saudades</b>, +(História de +Menina e moça), de <em>Bernardim Ribeiro</em>, +edição revista (vol. 29 da +Colecção Horas de +Leitura)</td> + + + <td></td> + + + <td style="text-align: right; vertical-align: bottom;">200</td> + + + <td style="text-align: center; vertical-align: bottom;">»</td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td><b>Trovas de Crisfal</b>, de <em>Bernardim +Ribeiro</em>, +edição +revista</td> + + + <td></td> + + + <td style="text-align: right;">300</td> + + + <td style="text-align: center;">»</td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td><b>Versos portuguêses</b>, de <em>Sá +de Miranda</em>, +edição +revista</td> + + + <td></td> + + + <td style="text-align: right;">500</td> + + + <td style="text-align: center;">»</td> + + + </tr> + + + + </tbody> +</table> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="bbox"> +<h2>DELFIM GUIMARÃES </h2> + + +<br /> + + +<h1>Theóphilo Braga </h1> + + +<h3> +E </h3> + + +<h2> +A Lenda do Crisfal </h2> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<table style="text-align: left; width: 100%;" border="0" cellpadding="2" cellspacing="2"> + + + <tbody> + + + <tr> + + + <td style="text-align: right; width: 259px;"><img style="width: 150px; height: 145px;" alt="" src="images/fig01.png" /></td> + + + <td style="width: 270px;"><b>1909<br /> + + +Livraria Editora<br /> + + +GUIMARÃES & C.<sup>a</sup><br /> + + +68, Rua de S. Roque, 70<br /> + + + <span class="smallcaps">Lisboa</span></b></td> + + + </tr> + + + + </tbody> +</table> + + +<br /> + + +<br /> + + +</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<h2>THEÓPHILO BRAGA<br /> + + +E A LENDA DO CRISFAL </h2> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<h3><a name="c1"></a>I<br /> + + +<br /> + + +Razão de ser d'este livro </h3> + + +<br /> + + +Quando em maio de 1908 tornamos pública a +conclusão a que haviamos chegado de ser <em>Crisfal</em> +um pseudónimo do +autor da <em>Menina e moça</em>, como +procurámos +demonstrar no volume recentemente dado á estampa: <b>Bernardim +Ribeiro</b> (<em>O Poeta Crisfal</em>), tinhamos o +convencimento pleno de que uma tal nova, divulgada pela imprensa, seria +bem acolhida por quantos se interessam pelo estudo da nossa +História +literária, com excepção apenas do snr. +dr. +Theóphilo Braga. O laureado professor do Curso Superior de +Letras não perdoa a quem quer que seja que ouse discordar de +suas sentenças, nem vê com bons olhos que outros, +que não s. ex.<sup>a</sup>, encarem problemas +que se prendam com a História da literatura +portuguêsa. <br /> + + +<br /> + + +E n'este caso do <em>Poeta Crisfal</em>, mais +do que em nenhum outro, o snr. dr. Theóphilo Braga +não desejava que ninguem bulisse, pelo motivo que teremos +ocasião de apontar no decurso d'este livro. <br /> + + +<br /> + + +Não contavamos com o acolhimento benévolo +<span class="pagenum">[6]</span> +do infatigavel escritor. Para +fundamentar o nosso juizo, bastava-nos invocar os precedentes sabidos, +tristemente lembrados, e, muito em especial, o desforço +pouco generoso do snr. dr. Theóphilo Braga para com a +memória d'esse desventurado que se chamou Antero,―porque o +poeta incomparavel dos <em>Sonetos</em> +ousara flagelar o dogmatismo scientífico do antigo camarada +universitário; o fel que o plumitivo da +<b>Historia da Litteratura</b> deixa transparecer nas +apreciações com que, baldadamente, procura +amesquinhar a figura gigantesca de Herculano,―porque o insigne +historiador nacional jàmais se associou aos +turibulários do filósofo comtista (sem +calemburgo);―o desdem com que o professor de literatura apoda, +soberanamente, de +<em>gramático</em>, o distinto romanista, snr. +Epiphánio Dias,―por este haver despedaçado, com +a autoridade do seu nome, aquela invenção alegre +dos <em>cantos de ledino</em>, em +que o snr. dr. Theóphilo continua a persistir, apesar de +tudo, com manifesta falta de sinceridade. <br /> + + +<br /> + + +Mas não ignorando taes precedentes, e conhecendo que o +estudo que iamos apresentar ao público não +deixaria de nos acarretar a +má vontade do autor da <em>História da +Litteratura +Portugueza</em>, nem por um momento hesitamos em levar a bom +termo o nosso trabalho, tendo em atenção tam +sòmente que se tratava de +desfazer uma lenda, estúpida como tantas outras lendas, que +privava de parte da glória a que tinha jus o nome aureolado +de um dos maiores poetas portuguêses, o delicado e inditoso +Bernardim Ribeiro, o nosso querido Bernardim. <br /> + + +<br /> + + +Derruíamos a coluna em que se firmava um espantalho, mas +erguiamos a um pedestal mais +<span class="pagenum">[7]</span> +grandioso +e altívolo a figura amoravel do grande bucolista. <br /> + + +<br /> + + +A literatura portuguêsa só ganhava com a +descoberta. Que, se alguma cousa perdesse, era sobeja +compensação o que se conquistava para a verdade +histórica... <br /> + + +<br /> + + +Mas a proclamação de uma tal verdade ia +prejudicar um livro, ou livros, do snr. dr. Theóphilo +Braga... Não havia dúvida. Que importava isso? +Para reivindicar para Bernardim Ribeiro a autoria da Carta e da +Écloga de +<em>Crisfal</em>, não valeria a pena sacrificar +uma das muitas produções do operoso escritor? <br /> + + +<br /> + + +Bernardim Ribeiro é um dos astros fulgurantes da +rútila constelação que brilha, +intensa e perduravelmente, no ceu de Portugal. Já conta +alguns séculos, e ainda hoje nos deslumbra o seu fulgor... <br /> + + +<br /> + + +Após a local produzida pelo snr. dr. Alfredo da Cunha no seu +<em>Diario de Noticias</em>, +dando conta dos nossos trabalhos de investigação, +que punham termo á lenda de +<em>Crisfal</em>, tivemos a ventura de ver que o snr. +José Pereira Sampaio (<em>Bruno</em>) havia +chegado a +conclusão idêntica á nossa, como foi +registado n'um brilhante artigo de João Grave no <em>Diario +da +Tarde</em>, do Porto, confirmado inteiramente por uma carta de <em>Bruno</em>, +reproduzida no jornal +citado, em que o prestigioso publicista, com a reconhecida autoridade +do seu nome, que nada deve ao reclamo, afirmava de maneira absoluta que +estavamos com a verdade; que o <em>trovador</em> +Cristovam Falcão era simples produto de uma lenda, que o +criptónimo <em>Crisfal</em> +pertencia a Bernardim Ribeiro. <br /> + + +<br /> + + +Do artigo do nosso camarada João Grave, e +<span class="pagenum">[8]</span> +da carta do ilustre escritor snr. +José Sampaio, não faremos +citações n'esta altura. +Ambos os preciosos documentos se encontram integralmente exarados no +nosso livro <em>Bernardim +Ribeiro</em>. Não os desconhecem, por certo, aqueles +que nos dão a honra da leitura d'este trabalho. <br /> + + +<br /> + + +Como recebeu o snr. dr. Theóphilo Braga essas +comunicações do <em>Diario de +Noticias</em>, de Lisboa, e do <em>Diario da Tarde</em>, +do +Porto? <br /> + + +<br /> + + +―Passando a José Pereira Sampaio +(<em>Bruno</em>), e a nós outros, um diploma de +ignorantes! <br /> + + +<br /> + + +Em 29 de maio, um amigo salientou-nos no jornal <em>A Epoca</em> +a +secção que o escritor snr. Silva Pinto tinha a +seu cargo, e que n'essa data estampava, reproduzida do <em>Diario +da +Tarde</em> do Porto, a seguinte carta do snr. dr. +Theóphilo Braga: <br /> + + +<br /> + + +<div class="tinyl">«<em>Meu caro +João +Grave</em>:―Encantou-me o favor da sua carta, communicando-me o +problema litterario que preoccupa o nosso velho amigo e luminoso +critico José Sampaio sobre a apochryficidade do auctor do +«Crisfal», e que annuncia o primoroso litterato +Delfim Guimarães. É sempre boa a +vindicação d'uma +verdade em qualquer campo: no campo litterario e artistico, isso tem o +relevo d'uma conquista, d'um triumpho. <br /> + + +<br /> + + +Ninguem mais desejaria que fossem possiveis, isto é +realidade demonstrada, as descobertas de Sampaio (Bruno) ou de Delfim +Guimarães, sobre a identidade de Christovam +Falcão em Bernardim Ribeiro. <b>Isso, +porém, não passa d'uma miragem, por falta de +conhecimento dos existentes recursos historicos</b><sup><a href="#1">[1]</a></sup>. <br /> + + +<br /> + + +Diogo do Couto falla em +Christovam Falcão como celebrado +auctor do «Crisfal», quando narra factos +praticados por seu irmão Damião de Sousa. Ora, +Diogo do Couto, contemporaneo d'este na India, inventava-lhe um +irmão? E tendo sido impresso o +«Crisfal» sem nome +d'auctor, (no <em>pliego-suelto</em> +da +Bibliotheca Nacional de Lisboa) dava-o como auctor d'essa celebrada +écloga a capricho seu? O Padre Antonio Cordeiro, na +«Historia Insulana», (resumo das +«Saudades da +terra», do dr. Gaspar Fructuoso, amigo de Camões) +tambem faz as mesmas referencias ao <em>poeta</em> +Christovam +Falcão. E a edição de Ferrara, de +1554, e a de Colonia, de 1559, inscrevendo o seu nome? E Frei Bernardo +de Brito, fazendo a «Silva de Lisardo», ou segunda +parte do +«Crisfal», falla nas serras de Lor-vam, onde esteve +D. Maria Brandão, a namorada d'este poeta do +«Crisfal».</div> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[9]</span> +<div class="tinyl">Nada d'isto leva a admittir a +hypothese. No emtanto, que tragam a lume +os seus resultados. A vantagem é de nós todos. <br /> + + +<br /> + + +Com um abraço do seu, etc. <br /> + + +<br /> + + +<div class="signature"><span class="smallcaps">Theophilo +Braga</span>.»</div> + + +</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +Para o professor do Curso Superior de Letras, a conclusão a +que, tanto +<em>Bruno</em> como nós, haviamos chegado, +não passava <b>d'uma +miragem, por falta de conhecimento dos existentes recursos historicos</b>, +e esta sentença +autoritária vinha a público quando o snr. dr. +Theóphilo Braga ignorava em absoluto quaes os argumentos com +que nós e o insigne publicista nosso conterráneo +procurariamos fazer vingar nossas teses. <br /> + + +<br /> + + +Magoou-nos a impertinência, confessamos, e não +resistimos a manifestar publicamente a +impressão em nós produzida pela prosa do snr. dr. +Theóphilo Braga, dirigindo n'esse mesmo dia a seguinte carta +a João Grave, que este distinto jornalista fez inserir no +numero de 1 de junho do <em>Diario da Tarde</em>: <br /> + + +<br /> + + +<div class="tinyl">«<em>Meu prezado +camarada João +Grave</em>:―Acabo de ler, reproduzida por Silva Pinto na +«Epoca», a carta que +o snr. dr. Theóphilo Braga dirigiu ao meu caro +João +Grave a propósito do trabalho que preparo, em que me +proponho demonstrar que «Crisfal» foi simplesmente +um anagrama cabalístico de Bernardim Ribeiro, pertencendo +por conseguinte a este +lírico as poesias que uma lenda fez atribuir a Cristovam +Falcão.</div> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[10]</span> +<div class="tinyl">O nosso bom amigo e erudito escritor +José Pereira Sampaio―<em>Bruno</em>―, +como se viu da +interessante carta que estampou no «Diario da +Tarde», como complemento +ao artigo que o meu caro João Grave publicou sobre o +assunto, chegara a conclusões eguaes, e para mim foi +extremamente grato que o nome prestigioso de Bruno viesse valorizar a +minha descoberta com a grande autoridade do seu concurso. <br /> + + +<br /> + + +Ao ilustre professor, snr. dr. Theóphilo Braga, afigura-se +isto uma «<em>miragem, por falta de conhecimento +dos existentes recursos historicos</em>», que cita, +desde Diogo do Couto a frei Bernardo de Brito. <br /> + + +<br /> + + +Peço-lhe, pois, meu caro João Grave, a fineza de +dizer no seu jornal que conheço perfeitamente os +<em>recursos históricos</em> a que alude o +incansavel +historiador da <em>Litteratura Portugueza</em>, como +não podia deixar de conhecer pela leitura das +edições do «Bernardim +Ribeiro e o Bucolismo» do snr. dr. T. Braga. <br /> + + +<br /> + + +Que Bruno não ignora nenhum d'esses +<em>recursos</em>, estou convicto, que, de resto, nem o +distinto escritor snr. dr. Theóphilo Braga póde +ter dúvidas a tal +respeito, porque isso seria fazer ofensa ao justificado nome +literário de José Sampaio. <br /> + + +<br /> + + +Para fechar, devo ainda dizer-lhe, meu bom amigo, que de modo nenhum eu +vou sustentar que não existiram vários <em>cavalheiros</em> +com o +nome de Cristovam Falcão. Se estes não tivessem +existido não tomaria vulto até aos nossos dias a +lenda do +«Crisfal»! <br /> + + +<br /> + + +Não o enfado mais. <br /> + + +<br /> + + +Creia-me, com verdadeira estima, <br /> + + +<div style="text-align: right;">seu amigo, adm.<sup>dor</sup> +e obg.<sup>do</sup> +</div> + + +S/C. Lisboa, 29-maio/90. <br /> + + +<br /> + + +<div class="signature"><span class="smallcaps">Delfim +Guimarães</span>.»</div> + + +</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +A <em>Bruno</em> tambem não passou +despercebido o <em>amavel</em> diploma do professor do +Curso +Superior de Letras, e que o ilustre escritor se sentiu melindrado +prova-o suficientemente a carta que dirigiu a João Grave, e +que, confiados na benevolência do sr. José Pereira +Sampaio, vamos +<span class="pagenum">[11]</span> +trasladar +das colunas do jornal <em>A +Epoca</em>, que a reproduziu do <em>Diario da Tarde</em>:<br /> + + +<br /> + + +<div class="tinyl">«<em>Meu caro +João +Grave</em>:―Novamente o venho importunar, pois entendo que, +perante a carta, aliás tão +bondosa e honrosa para mim, do dr. Theophilo Braga, hontem inserta no +seu jornal, me cumpre consignar em publico, ainda uma vez, que +após o apparecimento do livro de Delfim +Guimarães, defendendo a +propozição de que Christovam Falcão +não é mais do +que Bernardim Ribeiro, eu publicarei o meu, já por V. na sua +folha duas vezes amavelmente annunciado, e onde, entre outros, +sustentarei egualmente o mesmo ponto, pensando que refutarei ahi +cabalmente as asserções, na sua +carta de hontem no «Diario da Tarde», pelo nosso +doutissimo confrade e illustre publicista produzidas, mostrando +então, com todo o respeito devido a tão indefesso +e insigne trabalhador, que a minha hypothese (e de Delfim +Guimarães) não é tal uma miragem e +que, pelo contrario, o ensino corrente no assumpto é que +é +inteiramente phantastico e chimerico. <br /> + + +<br /> + + +A V., prezado collega, reitero os protestos do meu agradecimento. <br /> + + +<br /> + + +<div class="signature1">Todo seu</div> + + +Porto, 27 de Maio de 1908. <br /> + + +<br /> + + +<div class="signature"><span class="smallcaps">José +Pereira Sampaio +(Bruno)</span>.»</div> + + +</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +O snr. dr. Theóphilo Braga achou que era prudente +não voltar á estacada, e assim deixou passar em +julgado a nossa carta e aquela em que o snr. José Sampaio, +por uma fórma +categórica, visando directamente as +lições ministradas pelo professor de literatura, +declarava que o ensino corrente sobre Cristovam Falcão era <em>inteiramente +phantastico e +chimerico</em>. <br /> + + +<br /> + + +Na elaboração do livro: +<b>Bernardim Ribeiro</b> (<em>O Poeta Crisfal</em>) +obedecemos ao +propósito de não converter o nosso trabalho n'uma +diatribe, e procuramos suavizar quanto possivel a +situação em que eramos forçados a +colocar o snr. +<span class="pagenum"><a name="p12">[12]</a></span> +dr. Theóphilo Braga, em obediência +á verdade, e não porque nos animasse qualquer +desejo de ser desagradaveis ao infatigavel vulgarizador. E, procedendo +assim, entendiamos cumprir um dever, que tinha sobeja +justificação nos cabelos brancos do professor do +Curso Superior de Letras, cuja primeira edição do +seu +<em>Bernardim Ribeiro</em> coincidiu com o ano do nosso +nascimento. Não esquecemos nunca que fomos educados no +respeito devido á velhice. <br /> + + +<br /> + + +No trabalho da revisão das provas do nosso estudo, em que +fomos <a href="#e1">auxiliados</a> pela prestante +amizade de Henrique +Marques, mais de uma vez modificámos referências +feitas ao professor que contraditavamos, e sempre da melhor vontade +substituiamos um adjectivo, suavizavamos a saliência de um +erro do Mestre, desde que o nosso amigo Henrique Marques, com o seu +apreciavel critério, nos fazia notar que uma palavra, uma +frase nossa, poderia ser tomada como um desprimor para com o snr. dr. +Theóphilo Braga. <br /> + + +<br /> + + +Queriamos fazer vingar uma obra de justiça; não +era nosso intento agravar quem quer que fosse. <br /> + + +<br /> + + +E que não fomos descortêses, nem violentos, nem +injustos, para com o professor que contraditavamos, prova-o o +testemunho insuspeito do eminente publicista snr. José +Caldas, que nos honrou com uma carta penhorantíssima, de que +reproduziremos neste lugar algumas linhas: <br /> + + +<br /> + + +<div class="tinyl">«<b>A delicadeza das +suas referencias, com +relação aos auctôres cujas +conclusões não +acceita ou impugna, é verdadeiramente +modelar.</b>»</div> + + +<br /> + + +Se houvessemos sido menos cortêses para +<span class="pagenum">[13]</span> +com o snr. dr. Theóphilo Braga, +s. ex.<sup>a</sup> +não se julgaria, com certeza, no dever de agradecer-nos a +oferta do exemplar do nosso trabalho que entendemos enviar lhe. E o +professor do Curso Superior de Letras +escreveu-nos a agradecer o livro, embora na sua carta +transpareça o despeito que lhe produziu o nosso estudo sobre +Bernardim Ribeiro, em que desvendamos vários erros contidos +em volumes da <em>Historia da Litteratura Portugueza</em>. +<br /> + + +<br /> + + +Registâmos aqui essa carta do snr. dr. Theóphilo +Braga, que não deixa de constituir um documento interessante +para aqueles que seguirem com atenção a marcha +dos acontecimentos provocados pela pendência +literária em que estamos envolvidos. <br /> + + +<br /> + + +É, textualmente, como segue: <br /> + + +<br /> + + +<div class="tinyl">«Lisboa, 25 de Novembro de +1908 <br /> + + +<br /> + + +<div class="signature"> +<em>...sr. Delfim Guimarães<br /> + + +e meu presadissimo +amigo</em></div> + + +</div> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[14]</span> +<div class="tinyl">Muito me penhora a honrosa offerta do +seu recente trabalho, em que +apresenta o seu processo para a +identificação do poeta Bernardim Ribeiro com o +Crisfal ou Christovam Falcão. A ninguem interessaria tanto o +conhecimento d'este problema, como a mim, que esbocei uma biographia de +Christovam Falcão com elementos historicos (documentos +authenticos) comprovando dados genealogicos. Tive de ler immediatamente +o seu livro, para vêr que materiaes traria para o +aperfeiçoamento do meu trabalho. Mesmo no prologo fez-me V. +a justiça de que eu aproveitaria tudo quanto se prestasse a +futuras emendas. Desde as noticias genealogicas trazidas por Braancamp +Freire sobre D. Maria Brandão, que Christovam +Falcão amou, sendo ambos muito creanças, via-me +forçado a tomar o +nascimento d'elle no fim do primeiro quartel do seculo XVI. Isto me +impossibilitava de continuar a admittir as +relações pessoaes de Christovam Falcão +com Bernardim Ribeiro +já velho e dementado em confidencias de amor com um rapaz no +viço da mocidade; e por tanto as Eclogas em que elle +figurava interpretativamente tinham de ser lidas a outra luz. V., +acabando de fazer a destrinça entre o Poeta e seu primo mais +antigo, deu-me elementos para uma melhor +interpretação das Eclogas de Bernardim, +(eliminadas as relações com Christovam +Falcão), e mostrando como realmente as poesias d'aquelle, +como mestre, influiram no mais moço, que como novel chega a +fazer centões e +intercalações de versos de Bernardim Ribeiro. Ha +uma affirmativa historica, de Diogo do Couto, na sua <em>Decada +VIII</em>, que, fallando de Damião de Sousa +Falcão, accrescenta +como reforço historico: «irmão de +<b>Christovam Falcão</b>, aquelle que fez +aquellas cantigas nomeadas do Crisfal...» E tambem no seculo +XVI Fructuoso (resumido pelo P.<sup>e</sup> Antonio +Cordeiro na Historia insulana) +diz de Christovam Falcão: «parente do +Barão +velho e do famoso poeta Christovam Falcão, que fez a celebre +Ecloga Crisfal das primeiras syllabas do seu nome...» Tambem +nas edições de Ferrara e Colonia, feitas por +curiosos sem criterio litterario se repete a +attribuição «<em>que dizem ser</em> +de +Christovam Falcam, ho que parece alludir o nome da mesma +Ecloga». Não se podem +refutar por negativa estes testemunhos de homens de letras do seculo +XVI, e que se reflectiram nos genealogistas. A Ecloga do Crisfal +não podia ser publicada pelo seu auctor, nem pelo seu +consentimento porque era uma <em>inconfidencia</em> de +antigas +relações amorosas com uma senhora que estava +casada. A edição sem data, de +Lisboa, só podia ser feita por 1542, quando Christovam +Falcão estava em Roma; e quando Camões foi para +Ceuta em 1547 na carta que d'ali escreveu emprega muitos versos do <em>Crisfal</em>, +que +então, andava no gosto. Na edição de +Lisboa vem duas estrophes supprimidas +no texto de Ferrara e Colonia, por que continham uma +<em>inconfidencia</em>. Isto leva a explicar como +Christovam Falcão tentaria apagar a paternidade da Ecloga +fundamentando-se-lhe a imputação com o anagramma +das primeiras syllabas do nome. Os logares communs a Bernardim Ribeiro +e Christovam Falcão provam mais a favor da +imitação de um discipulo, do que +á fusão dos dois poetas, repetindo-se o mestre na +decadencia. Emfim ha dois schemas de paixão amorosa que se +não +confundem: o de Joanna e Fauno, Aonia e Bimnarder, e o de Maria e +Crisfal. São duas +almas, sentindo em +situações differentes. Através de todo +o hypercriticismo o livro sobre Bernardim Ribeiro revela um trabalhador +fervoroso, que me veio revelar a existencia de um exemplar da +edição de Ferrara, no Porto, e que aqui +descobriu o texto precioso da Ecloga <em>Alexo</em> +assignada por Sá de Miranda. Felicitando-o pelo seu +importante estudo, sou</div> + + +<span class="pagenum">[15]</span> +<div class="tinyl"><br /> + + +<div class="signature1">admirador obr.<sup>mo</sup> +e amigo<br /> + + +</div> + + +<div class="signature"><span class="smallcaps">Theophilo +Braga</span>» +</div> + + +</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +Começa a carta do snr. dr. Theóphilo Braga por um +<em>rebuçado de ovos</em>: +o tratamento de «prezadissimo amigo», que +não tinha qualquer +justificação... Isto é, tinha uma +justificação +única, qual era a de nos adoçar a bôca, +para engulirmos sem relutância aquela amargosa +pílula com que fecha a epístola de s. ex.<sup>a</sup>, +quando, com generosa magnanimidade, confessa que o nosso livro <em>revelou +um trabalhador +fervoroso</em>, que ao professor do Curso Superior de Letras foi <em>revelar +a existencia de um exemplar da edição de Ferrara, +no Porto</em>, e que em Lisboa +<em>descobriu o texto precioso da ecloga</em> +<b>Alexo</b> <em>assignada por +Sá de Miranda</em>.<br /> + + +<br /> + + +E, graças a estas +<em>revelações-revelativas</em>, +a que não ligavamos importância de maior, o +historiador da <b>Litteratura Portugueza</b> +felicitava-nos pelo nosso <em>importante estudo</em>, que, +volvidas algumas semanas, havia de classificar de fruto de <em>processos +á +tôa</em>! <br /> + + +<br /> + + +Na devida altura, comentaremos largamente a carta substanciosa do snr. +dr. Theóphilo Braga. <br /> + + +<br /> + + +Por agora, continuemos na catalogação das +peças d'este processo, para que os leitores julguem da +justiça que nos cabe, e avaliem da sinceridade, da +correcção, e dos processos do professor +intangivel. +<br /> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[16]</span> +No jornal <em>O Mundo</em>, de 3 de dezembro +de 1908, na local consagrada á sessão da Academia +das Sciencias de Portugal realizada no dia 2, vimos que o snr. dr. +Theóphilo Braga fizera uma +comunicação, que outra cousa não +era senão um desmentido formal e gratuito ás +conclusões do nosso livro,―mas sem a mais leve +citação ao nosso obscuro nome, sem a menor +referência ao nosso desluzido trabalho, embora +aproveitando-lhe os subsídios. Comprehende-se: o ilustre +académico não desejava contribuir de modo nenhum +para o reclamo que a imprensa estava dispensando ao volume sobre o <em>Poeta +Crisfal</em>. <br /> + + +<br /> + + +Transcrevemos do <em>Mundo</em> o periodo +referente a tal comunicação... +scientífica: <br /> + + +<br /> + + +<div class="tinyl">«...finalmente, trata de +Bernardim Ribeiro e Christovam +Falcão, mostrando como a vida amorosa d'este oscilla entre +1525 e 1526, sendo n'aquella data moço +fidalgo, tendo pelo menos 12 annos, ao passo que aquelle era +já edoso; evidencia como na Ecloga transparecem diversas +situações da vida de Christovam +Falcão, e termina por invocar as opiniões de +Diogo Couto, Gaspar Fructuoso e outros que comprovam a existencia das +duas individualidades que apesar de similhantes n'algumas +situações da vida, não podem +jàmais confundir-se».</div> + + +<br /> + + +Ante este procedimento do nosso <em>prezadissimo amigo</em>, +não pudemos ficar silenciosos, e, +como um desforço legítimo, inadiavel, apelamos +para o snr. dr. Brito Camacho, pedindo-lhe se dignasse publicar nas +colunas da <em>Lucta</em> a +seguinte carta, que o ilustre jornalista fez inserir no numero de 4 de +dezembro do seu diário: <br /> + + +<br /> + + +<div class="signature tinyl"><em>«Ex.<sup>mo</sup> +Snr. Dr. Brito +Camacho,</em></div> + + +<div class="signature1"><em>meu prezado amigo:</em></div> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[17]</span> +<div class="tinyl">Pelos extratos, publicados em alguns +jornaes de hoje, do que se passou +na sessão de hontem da Academia de Sciencias de Portugal, vi +que o +snr. dr. Theóphilo Braga disse o que quer que fosse, +procurando refutar o meu recente trabalho sobre Bernardim Ribeiro, e +insistindo na lenda do <em>poeta</em> +Cristovam Falcão de Sousa. <br /> + + +<br /> + + +Não me admira que o original autor da «Historia da +Litteratura Portugueza» persista n'um erro crasso, +só para não se confessar vencido, porque +já o caso +engraçadíssimo dos <em>cantos de ledino</em> +era precedente +bastante para se ajuizar que o afamado professor do Curso Superior de +Letras prefere manter um absurdo a ter de reconhecer publicamente que +errou. Está no seu direito, e ninguem lh'o contesta. <br /> + + +<br /> + + +Parecia-me, porem, que, publicado o meu estudo sobre Bernardim Ribeiro, +em que não torci a meu bel-*prazer a verdade, nem +falsifiquei documentos, o snr. dr. Theóphilo Braga tinha o +dever moral de, pela imprensa ou em livro, dizer da sua +justiça, antes de ir para o seio de uma +agremiação, a que eu +não pertenço, impor um desmentido formal e +dogmatico, ao mesmo tempo que gratuito, ao meu trabalho. <br /> + + +<br /> + + +E tanto mais estranhavel se me afigura o procedimento do snr. dr. +Braga, contestando á porta fechada a minha tese, quanto +é certo que s. ex.<sup>a</sup> +não +desconhece que o insigne publicista snr. José Pereira +Sampaio (Bruno) prepara um livro sobre o mesmo assunto do meu. <br /> + + +<br /> + + +Se o afamado professor do Curso Superior de Letras está de +boa fé, quem lhe assegura que os +argumentos de Bruno não conseguirão +convencê-lo, +já que os meus, conforme de resto eu esperava, tal +não conseguiram? <br /> + + +<br /> + + +É tempo de pôr de parte o +<em>magister dixit</em>, porque, felizmente, os processos +crìticos dos Farias e Bernardos de Brito são +coisas que passaram á +<em>historia</em>, e que não se ressuscitam +já facilmente. <br /> + + +<br /> + + +Muito especialmente me obsequeia o meu bom amigo dando publicidade na +nossa <em>Lucta</em> a +esta minha carta, que representa o legítimo desabafo de um +trabalhador que se preza de ser honesto, e que como tal tem jus a ser +considerado. <br /> + + +<br /> + + +Mais uma vez agradecido o que se confessa, por estima e dever, <br /> + + +<br /> + + +<div class="signature1">De V. Ex.<sup>a</sup></div> + + +<br /> + + +<div style="text-align: right;">amigo, admirador e +obrigado <br /> + + +</div> + + +S/C, Lisboa, 3-12-908. <br /> + + +<div class="signature"><span class="smallcaps">Delfim +Guimarães</span>.»</div> + + +</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[18]</span> +Com o espírito de rectidão que todos, amigos e +adversários, são concordes em reconhecer ao snr. +dr. Brito Camacho, o brilhante jornalista deu acolhimento +benévolo á nossa carta, acrescentando-lhe as +seguintes linhas de saudação +ao professor do Curso Superior de Letras: <br /> + + +<br /> + + +<div class="tinyl">«O nosso ilustre +correligionario dr. Theóphilo +Braga tem as columnas d'este jornal ás suas ordens para +dizer da sua justiça, como quizer. Trata-se d'uma +questão de facto em historia literária, e +não d'uma birra +entre dois homens. Muito prazer teremos em que seja o nosso jornal o +campo em que se dirima o pleito.»</div> + + +<br /> + + +Não correspondeu o snr. dr. Theophilo Braga á +gentileza do director da +<em>Lucta</em>; e até para comnosco estamos +persuadidos de que, desde o momento em que s. ex.<sup>a</sup> +viu a nossa carta irreverente no jornal de que Brito Camacho +é a alma, o pontífice da <em>Litteratura +Portugueza</em> excomungou o intemerato jornalista. Que o dr. +Camacho nos perdôe a excomunhão que, +involuntariamente, lhe acarretamos! <br /> + + +<br /> + + +Guardou silêncio o snr. dr. Theóphilo Braga +durante semanas, mas não esteve inactivo, ao +contrário do que muitos poderiam supor. Com todo o engenho e +arte, s. ex.<sup>a</sup> consagrou-se ao fabrico de uma +peça, que não podemos classificar de +literária, porque é a +negação de todos os processos +literários dignos de este nome, mas a que poderá +caber a designação de +produto de arte... culinária. Como +<em>pastelão</em>, faria honra a um cozinheiro, +mas cremos bem que o snr. dr. Theóphilo Braga deseja passar +á +posteridade como um discípulo fervoroso de Augusto Comte, e +não como aprendiz ilustre da <em>sciência</em> +de Vatel. +<br /> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[19]</span> +A redacção do jornal <em>O +Dia</em>, seguindo a praxe dos anos anteriores, honrou o snr. dr. +Theóphilo Braga pedindo lhe um +artigo sobre o movimento literário português em +1908, para o numero de 31 de dezembro d'esse ano. Como nunca, recebeu o +snr. dr. Theóphilo Braga jubilosamente o amavel convite. +Tinha ensejo para impingir... o +<em>pastelão</em>. Era o momento oportuno para +respostar á nossa carta publicada na <em>Lucta</em>, +sem nos dar a honra de +deixar sair dos bicos da pena aprimorada a confissão de que +havia lido o nosso protesto. Podiamos, porventura, esperar outro +procedimento por parte do snr. dr. Theóphilo Braga? +Não, +evidentemente. Pois não haviamos +nós,―cúmulo das audácias!―ousado +protestar contra a +comunicação do presidente da Academia de +Sciencias de Portugal?! <br /> + + +<br /> + + +Reproduzimos do <em>Dia</em> de 31 de +dezembro do ano findo a parte do artigo do snr. Theóphilo +Braga que diz respeito á questão +literária suscitada pelo nosso livro: <br /> + + +<br /> + + +<div class="tinyl">«...No recente fasciculo (do +Archivo +historico +português) ficou publicada uma interessantissima monographia +sobre a antiga Feitoria de Flandres, um dos mais necessarios capitulos +da nossa historia financeira e administrativa; o sr. Braancamp Freire +intitula-o <em>Maria Brandoa a do Crisfal</em>, por que +o pae d'esta dama, que inspirou o amor e a Ecloga de +Christovão +Falcão, foi o pae d'ella, João Brandão +Sanches, segundo +encontrara no nobiliario de Diogo Gomes de Figueiredo.</div> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[20]</span> +<div class="tinyl">Em dois nobiliarios da bibliotheca da +Ajuda tambem se acha esta mesma +inscrição: +<em>Maria Brandoa a do Crisfal</em>; e nos +livros dos linhagistas +Manso de Lima e Rangel de Macedo, da Bibliotheca Nacional, vem o mesmo +schema genealogico, vendo-se toda a parentella da inspiradora de +Crisfal no titulo dos Brandões Sanches, confundidos por +vezes com os Brandões do Porto, com os de Coimbra e com os +de Elvas. O sr. Anselmo Braancamp Freire, escreve em uma nota: +«Sei que se trata de +provar, que a Ecloga de Crisfal não foi escripta por +Christovam Falcão, mas por Bernardim Ribeiro, e que por +tanto a heroina não é Maria +Brandão, mas sim a mesma do romance <em>Menina e +Moça</em> d'aquelle auctor.» E accrescenta +que o sr. Delfim Guimarães empenhado na interessante +averiguação o consultara, +communicando-lhe as bases em que fundava a sua +argumentação, as quaes não conseguiram +demovel-o da rotina. <br /> + + +<br /> + + +Quasi ao mesmo tempo, o sr. Delfim Guimarães publicava o seu +livro <em>Bernardim Ribeiro</em>―<em>o Poeta +Crisfal</em>, em que resume o já sabido da biographia +do auctor da <em>Menina e Moça</em>, +forçando interpretações de versos a +significarem os factos que imagina. Como lhe nasceu no espirito a ideia +de fazer esta descoberta? Pela impressão que lhe +causára a leitura dos versos de Bernardim Ribeiro e os de +Christovam Falcão,―«dois poetas +de temperamento semelhante, com eguaes influencias e +educações litterarias, com eguaes episodios nos +seus infortunados amores, e havendo entre ambos versos absolutamente +eguaes.» D'aqui o identificar os dois poetas em um unico; +como conseguil-o? Considerou a individualidade poetica de +Christovão Falcão como +uma lenda estupida formada pelos genealogistas, e formou o nome de <em>Crisfal</em> +indo buscar +á tôa as palavras <em>Crisma falsa</em>, +tirando-lhes as +syllabas iniciaes para designarem a seu talante Bernardim Ribeiro. +«Fez-se então uma grande luz no nosso espirito. +Não se tratava de dois poetas muito parecidos, de um creador +e de um imitador. Bernardim Ribeiro e Crisfal eram um e mesmo poeta. O +trovador Christovam Falcão era o producto de uma lenda +nascida da interpretação dada pelo vulgo (!<sup><a href="#2">[2]</a></sup>) +ao anagrama +<em>Crisfal</em>.» (Op. cit., p. +10). «Alcançada a convicção +de que +<em>Crisfal</em> era um anagramma de Bernardim Ribeiro, e +norteados pelo conhecimento de que nas suas +producções o poeta mudava +constantemente os seus nomes pastoris, com pequeno trabalho de +raciocinio não nos foi difficil deduzir a +constituição do cryptogramma, que era formado +pelas primeiras syllabas das palavras <em>Crisma</em> e +<em>Falso</em>.»</div> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[21]</span> +<div class="tinyl">E depois d'este processo que, na +opinião do sr. +Gonçalves Vianna―honra a +erudição +portugueza,―ataca as fontes genealogicas d'onde Diogo do Couto e +Gaspar Fructuoso acceitaram «como ouro de lei o peschesbeque +de uma lenda estupida tecida pelo vulgo ignorante, e posta a correr +mundo graças á inepcia dos +editores dos escriptos legados por esse grande e infortunado poeta que +foi Bernardim Ribeiro!» (Ib. p. 11.) E mais adiante, volta a +repetir: «A uma lenda estupida deveu esse rebento inglorio de +John Falconet a celebridade que durante seculos usufruiu, em prejuizo +do renome litterario do verdadeiro <em>Crisfal</em>, o +doce, o inimitavel e inegualado Bernardim Ribeiro, etc.» (p. +185.) Mas, como se póde chamar estupida a lenda genealogica +se os nomes contidos na Ecloga de <em>Crisfal</em> +condizem com os seus parentes taes como o de +<em>Pantaleão</em> Dias de Landim seu +avô, e a Joanna, que lhe denuncia o casamento clandestino, +uma prima, como o notou o sr. Jordão de Freitas? <br /> + + +<br /> + + +Os manuscriptos conhecidos de Bernardim Ribeiro andavam ligados com os +de Christovam Falcão, como se vê pela +descripção do n.º +180 da +Livraria do Conde de Vimieiro: Obras em prosa e verso de Sá +de Miranda, Bernardim Ribeiro e Christovam Falcão; tambem o +Arcediago do Barreiro, dr. Jeronymo José Rodrigues, examinou +no Porto um manuscripto analogo ao das edições de +1559, em que vinham a +<em>Menina e Moça</em>, duas eclogas de +Bernardim Ribeiro―«e até se acham no fim algumas +poesias de Christovão Falcão, do que +se faz menção no mesmo logar de +Nicoláo +Antonio.» (Innocencio, <em>Dic. Bibliog.</em>) <br /> + + +<br /> + + +Para que chamar ineptos aos editores de Ferrara de 1554 e de Colonia de +1559, por terem reproduzido esses textos manuscriptos como os +encontraram? Quando o sr. Delfim Guimarães trabalhava para +destruir uma miragem de seculos, foi communicar ao sr. dr. Alfredo da +Cunha «a descoberta que tinha feito e que, sem falsa +modestia, reputava de alta importancia para a historia das lettras +portuguezas.» Era uma Noticia litteraria +de sensação, o dr. Alfredo da Cunha deu alentos +á grande descoberta de que a figura do poeta Christovam +Falcão «pertence exclusivamente ao dominio da +lenda, por isso que tal poeta só existiu na +imaginação d'aquelles que viram n'um anagrama +cabalistico de Bernardim Ribeiro a encarnação de +outra +individualidade.»</div> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[22]</span> +<div class="tinyl">No noticiario de outro jornal sairam +affirmações +absolutas, proclamando a +sensacional descoberta, com uma sinceridade inconsciente que affasta de +todo a ideia de ironia. A verdadeira descoberta pertence ao sr. +Braancamp Freire determinando a epoca em que esteve em Flandres +João Brandão Sanches, e quando elle morreu, dando +nos assim a data em que existiram os amores de sua filha unica D. Maria +Brandão, a do Crisfal, que plausivelmente se fixam em 1530. +O documento de 1527 referindo-se a Christovam Falcão, com a +tença de môço fidalgo, leva a deduzir +que nascera em +1512. Ha portanto a eliminar todas as relações +pessoaes +entre Christovam Falcão e Bernardim Ribeiro, como julgamos +nos nossos estudos, corrigindo a interpretação da +Ecloga I e III de Bernardim. Os logares communs a Christovam +Falcão e Bernardim Ribeiro provam a distancia da edade que +levou o mais novo a imitar aquelle que já era admirado, +cujos versos, Camões, na sua +Carta de Africa, intercalava na sua prosa.»</div> + + +<br /> + + +Esta produção peregrina do snr. Dr. +Theóphilo Braga veio publicada no jornal <em>O Dia</em> +com a assinatura do professor do Curso Superior de Letras em <em>fac-simile</em>, +e ainda +bem, para que não se pudesse ajuizar tratar-se de uma +brincadeira de mau gosto de quem quer que fosse. <br /> + + +<br /> + + +Quando lemos um tal documento, a primeira impressão que se +apoderou de nós foi a de +revolta; mas logo um outro sentimento veio substituir esta―um +sentimento muito fundo de tristeza, de sincera mágoa... <br /> + + +<br /> + + +E, sem prazer, pudemos constatar que a impressão que o snr. +Dr. Theóphilo Braga deixára nos leitores +inteligentes do seu tendencioso <em>Movimento Litterario</em> +era egual +á nossa,―uma sincera mágoa. <br /> + + +<br /> + + +Mas no artigo do eminente professor eramos tam directamente alvejados, +e o nosso trabalho depreciado com tal rancor e má +fé, que não podiamos ficar silenciosos. +<br /> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[23]</span> +No jornal a <em>Lucta</em>, do dia 3 de +Janeiro d'este ano, como protesto, publicamos o artigo que vamos +reproduzir: <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="tinyl"> +<div style="text-align: center;"><b>Os processos... +scientíficos</b><br /> + + +<b>do snr. dr. +Theóphilo Braga</b> <br /> + + +</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +Não se dignou o sr. dr. Theóphilo Braga aceitar o +oferecimento que o distinto jornalista que dirige <em>A +Lucta</em> lhe fez em 4 de dezembro ultimo: pondo á +disposição de s. ex.<sup>a</sup> as +colunas deste diário, +para que o professor do Curso Superior de Letras dissesse da sua +justiça em face da carta que tive ensejo de dirigir ao meu +bom amigo snr. dr. Brito Camacho, estampada n'este jornal, motivada +pelo procedimento estranhavel seguido para comigo pelo snr. dr. +Theóphilo Braga. <br /> + + +<br /> + + +Passaram-se dias, passaram-se semanas, e, quando todos julgavam que o +professor do Curso Superior de Letras adoptara de Conrado o prudente +silêncio, eis que o sr. dr. Theóphilo Braga, a +pretexto de pôr +os leitores do <em>Dia</em> ao corrente do +movimento literário no ano findo, com ares +dogmáticos e desdenhosos, enche perto d'uma coluna d'aquele +jornal com um aranzel cheio de lugares comuns, procurando refutar as +conclusões do meu recente estudo sobre Bernardim Ribeiro. <br /> + + +<br /> + + +Não me surpreendeu o rancor que transparece no artigo do +snr. dr. Theóphilo Braga. Imagino quanto deve ser doloroso +para o professor do Curso Superior de Letras o ter de refundir mais uma +vez dois dos volumes da sua chamada edição +integral da +<em>Historia da Litteratura Portugueza</em>: +«Sá de +Miranda» e «Bernardim Ribeiro». Isto, +junto ao conhecimento que possuo da maneira de ser do snr. dr. +Theóphilo Braga, é para mim +explicação bastante do seu ressentimento, que a +prosa do infatigavel «carreador de materiaes» +não consegue disfarçar.</div> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[24]</span> +<div class="tinyl">A todos os pontos tocados no aranzel do +snr. dr. Theóphilo Braga, darei resposta +em livro, e d'essa tarefa procurarei desempenhar-me em curto praso, com +a largueza e documentação que o assunto requer, o +que não é compativel com o espaço que +a +trabalhos d'esta espécie pode dispensar um jornal da +índole da +<em>Lucta</em>. <br /> + + +<br /> + + +Por hoje, e certo da amabilidade com que me distingue o meu prezado +amigo snr. dr. Brito Camacho, desejo apenas salientar, muito ao de +leve, algumas inexactidões flagrantes do artigo <em>Movimento +litterario</em>, do snr. dr. Theóphilo Braga, que bem +demonstram a +<em>correcção</em> dos processos... +scientíficos do professor do Curso Superior de Letras. <br /> + + +<br /> + + +Referindo-se ao ultimo tomo do <em>Archivo +Historico</em>, a revista dirigida pela superior +competência do snr. Braamcamp Freire, em que este escritor +encetou a +publicação da sua monografia sobre Maria +Brandão, diz o snr. dr. Th. Braga que a monografia +«ficou +publicada», procurando assim dar a entender que o estudo do +snr. Braamcamp Freire está ultimado, quando é +facto +que ainda lhe falta o capítulo em especial referente a Maria +Brandão, destinado por certo a ser o mais curioso, pela luz +que ha de fazer jorrar sobre a figura da suposta amada do poeta <em>Crisfal</em>. +<br /> + + +<br /> + + +Mas ao snr. dr. Theóphilo Braga conveio torcer a verdade, +para que com maior presteza os leitores ingénuos +acreditassem nos seguintes períodos ardilosamente +engendrados:</div> + + +<br /> + + +<div class="tinyl quote1"> +«O sr. Anselmo Braancamp Freire escreve em nota: +«Sei que se trata de provar que a Ecloga de Crisfal +não foi escripta por Christovam Falcão, mas por +Bernardim Ribeiro, e que por tanto a heroina não +é Maria Brandão, mas sim a +mesma do romance <em>Menina e Moça</em> +d'aquelle auctor». E accrescenta, que o sr. Delfim +Guimarães, empenhado na interessante +averiguação, o consultara, communicando lhe as +bases em que fundava a sua argumentação, as quaes +não +conseguiram demovel-o da rotina.»</div> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[25]</span> +<div class="tinyl">Ao contrário da +afirmação do snr. dr. +Theóphilo, o snr. Braamcamp Freire não declara +tal que eu o consultara sobre a averiguação que +fiz, como não +escreveu na nota citada pelo snr. dr. Theóphilo Braga aquilo +que s. ex.<sup>a</sup> gratuitamente lhe atribue. <br /> + + +<br /> + + +Reproduzo textualmente o período que o snr. dr. +Theóphilo Braga interpretou a seu bel-prazer, para melhor +juizo dos que me lêem:</div> + + +<br /> + + +<div class="tinyl quote1"> +«O sr. Delfim de Brito Guimarães, que anda +empenhado na interessante averiguação, teve a +bondade de me comunicar as principaes bases que servirão de +alicerce á sua +argumentação: entretanto, emquanto não +apparecerem os considerandos e a sentença sobre a prova +nelles feita não transitar sem +apelação em julgado, +não me compete intervir no pleito e continuarei com a +rotina.»</div> + + +<br /> + + +<div class="tinyl"> +Como se vê, o snr. Braamcamp Freire não escreveu +que eu lhe comunicara as <em>bases</em> em +que fundava a minha argumentação, mas sim +unicamente +<em>as principaes bases</em>, e o consciencioso +investigador não +declarava que taes bases <em>não conseguiram +demovê-lo da rotina</em>, mas sim que «em +quanto não aparecessem os considerandos e +a sentença sobre a prova nelles feita não +transitasse sem apelação em julgado, +<em>não lhe competia intervir no pleito e continuava +com a rotina</em>».<br /> + + +<br /> + + +Para que torceu, a seu talante o snr. dr. Theóphilo Braga a +nota cheia de correcção do ilustre +escritor?―Para se servir, como de um escudo protector e +cómodo, do nome prestigioso de Braamcamp Freire, procurando, +com tal engenho e arte, fazer acreditar aos papalvos desprevenidos que +tinha a apoiar o seu desmentido formal ás +conclusões do meu trabalho a +individualidade, a todos os títulos eminente, do ilustre +director do <em>Archivo Historico</em>.</div> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[26]</span> +<div class="tinyl">Ora a nota invocada pelo snr. dr. +Theóphilo Braga encontra-se logo na +2.ª pagina do estudo do snr. Braamcamp, e foi produzida quando +o erudito escritor traçou os primeiros períodos +do seu trabalho, conhecendo apenas as «bases +principaes» com que elaborei o meu +livro <em>Bernardim Ribeiro (O Poeta +Crisfal)</em>. <br /> + + +<br /> + + +Depois da leitura do meu modesto estudo, o snr. Braamcamp Freire teve a +gentileza de me comunicar que os meus argumentos haviam logrado +convencê-lo. E por tal fórma o convenceram que o +ilustre escritor logo abandonou a rotina, não carecendo para +isso que a sentença sobre a prova feita transitasse em +julgado―muito +embora isto pese ao snr. dr. Theóphilo Braga, que +até viu com desgosto que o abalisado professor snr. +Gonçalves Viana, achasse que o meu livro +<em>Bernardim Ribeiro</em> fazia honra á +erudição portuguêsa. <br /> + + +<br /> + + +Mais, o snr. Braamcamp Freire não só me felicitou +calorosamente pelo éxito do meu trabalho, que representava a +justa reparação devida a um dos maiores poetas da +nossa terra, como teve a bondade de enviar-me a prova +tipográfica de uma passagem do seu estudo, então +no prélo, em que o conceituado escritor +confessava publicamente que Maria Brandoa, a lendária amada +do Crisfal, passara á historia... <br /> + + +<br /> + + +Foi fazer companhia aos <em>cantos de +ledino</em>... <br /> + + +<br /> + + +Tal passagem se encontra a pag. 402 do ultimo tomo do +«Archivo Historico», mas o snr. dr. +Theóphilo Braga seguindo os processos... +scientíficos que o enaltecem, ocultou-a propositadamente, +intencionalmente, aos leitores do seu artigo estampado no <em>Dia</em>. +<br /> + + +<br /> + + +É como segue: </div> + + +<br /> + + +<div class="tinyl quote1"> +«...do catalogo porém limitar-me-ei agora a +extrair os nomes dos oficiaes da feitoria, reservando-me para +aproveitar d'elle, n'outro capitulo, um dado importante para a +biographia de <b>Maria Brandôa, já, +coitadita! +quando este estudo aparecer a publico, apiada de heroina da ecloga +Crisfal</b>.»</div> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[27]</span> +<div class="tinyl">Ás +afirmações, em apoio da minha tese, +feitas em maio de 1908 no <em>Diario da Tarde</em>, do +Porto, pelo insigne publicista snr. José Pereira Sampaio +(<em>Bruno</em>), refere-se tambem o snr. dr. +Theóphilo Braga da seguinte maneira:</div> + + +<br /> + + +<div class="tinyl quote1">«No noticiario de +outro jornal sairam +afirmações absolutas, proclamando a sensacional +descoberta, com uma sinceridade inconsciente que afasta de todo a +idéa de ironia».</div> + + +<br /> + + +<div class="tinyl">O snr dr. Theóphilo Braga, +referindo-se, com desdem, +á <em>sinceridade +inconsciente</em> de Bruno, não nos +magôa sómente a nós, que votamos uma +grande estima ao ilustre escritor portuense: ofende as Letras +Portuguêsas, que teem no snr. José Sampaio uma das +suas mais legítimas glórias. <br /> + + +<br /> + + +Tristes processos está seguindo o snr. dr. +Theóphilo Braga! </div> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="signature"><span class="smallcaps">Delfim +Guimarães</span> +</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +O snr. dr. Brito Camacho, dando hospitalidade nas colunas da <em>Lucta</em> +ao nosso +artigo, nòvamente pôs o seu jornal á +disposição do snr. dr. Theóphilo +Braga, para que s. ex.<sup>a</sup>, +querendo, dissesse de sua justiça. O professor do Curso +Superior de Letras não aceitou o oferecimento que pela +segunda vez lhe era feito. <br /> + + +<br /> + + +E, em verdade, que havia o autor do artigo <em>Movimento +Litterário</em> de +dizer em contestação do libelo documentado que +tinhamos produzido? Nenhuma justiça lhe assistia, e por +consequência não ousou reclamar. Recolheu-se ao +silêncio,―áquele prudentíssimo +silêncio que se seguiu á +publicação do notavel +trabalho do Dr. Sílvio Romero sobre a <em>Patria +Portuguêsa</em>. <br /> + + +<br /> + + +No artigo que publicamos na <em>Lucta</em>, +de 3 de janeiro do ano em curso, tomámos o compromisso +<span class="pagenum"><a name="p28">[28]</a></span> +de tratar em livro todos +os pontos tocados pelo snr. dr. Theóphilo Braga no seu +aranzel do <em>Dia</em>, com a largueza e +documentação que o assunto exige, em homenagem +á memória de Bernardim Ribeiro; pelo dever moral +que nos impusemos de contribuir, quanto em nossas mingoadas +forças caiba, para que justiça seja feita, embora +tardia, a um dos mais belos temperamentos poéticos da nossa +terra. <br /> + + +<br /> + + +Uma lenda é fácil de forjar, e com facilidade +toma corpo e lança raizes, obcecando muitas vezes os mais +esclarecidos espíritos. <br /> + + +<br /> + + +A nossa Historia Literária está cheia de lendas e +embustes, graças aos Farias e Sousa e Bernardos de Brito. +Mas a Verdade, superior a todas as lendas, e a todas as +reputações de historiadores burlões e +de críticos trapaceiros, acaba sempre por triunfar, embora +isso leve anos, embora decorram séculos. <br /> + + +<br /> + + +Na defeza da causa que prosseguimos, que é nobre e justa, +não nos animam quaesquer intuitos de +evidenciação, não nos move qualquer +mesquinho sentimento de despeito; lutamos pela verdade, procuramos +contribuir com o nosso esforço de modestos obreiros das +letras para desfazer um erro que a ignorância engendrou, que +a rotina não-te-ralesca impôs como um dogma, e que +a vaidade irritada e irritante do snr. dr. Theóphilo Braga +persiste em sustentar, a torto, que não a direito, <a href="#e2">impondo-o</a> +autocraticamente a quantos vêem no professor do Curso +Superior de Letras o pontífice máximo, ditador +inviolavel e sagrado da Republica... das letras portuguêsas.<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<h3><a name="c2"></a>II<br /> + + +<br /> + + +O snr. dr. Theóphilo Braga,<br /> + + +descobrindo a verdade, e +procurando<br /> + + +enterrá-la </h3> + + +<br /> + + +Ao preparar os materiaes para a refundição de seu +livro sobre Bernardim Ribeiro, o snr. dr. Theóphilo Braga +teve ensejo de reconhecer que a figura do <em>trovador</em> +Cristovam +Falcão era mero produto de uma lenda, mas não +teve a coragem precisa para vir a público declarar que tinha +errado ao dar á estampa o seu primeiro volume sobre os +poetas bucolistas, em que, seguindo a rotina, dera existência +real ao suposto poeta, que já havia classificado de +<b>ultimo eco do alaúde provençal, +modificado pelo gosto hespanhol de <a href="#e3">Padron</a> +e Stuniga</b>.<sup><a href="#3">[3]</a></sup><br /> + + +<br /> + + +E não querendo confessar que errara, como se semelhante +facto constituisse desdoiro ou apoucasse de qualquer fórma +seus méritos, o autor do livro <em>Bernardim Ribeiro +e o +Bucolismo</em> procurou, por um processo que não nos +atrevemos a chamar genial, enterrar a verdade, sepultando-a sob um +pedregulho enorme, para que ali dormisse um sono de séculos, +tantos séculos pelo menos como a lenda contava, para que, +assim, ninguem pudesse aludir ao erro em +<span class="pagenum">[30]</span> +que se deixara enredar o professor do Curso +Superior de Letras.<br /> + + +<br /> + + +Como o snr. dr. Theóphilo Braga procedeu, vão os +leitores conhecer, e depois ficarão +habilitados a julgar da sinceridade com que o infatigavel escritor +impugna o nosso livro sobre o poeta <em>Crisfal</em>. <br /> + + +<br /> + + +A pag. 356/7 do seu livro <em>Bernardim Ribeiro e o Bucolismo</em>, +na parte respeitante a Cristovam Falcão, escreveu o snr. dr. +Theóphilo Braga: <br /> + + +<br /> + + +<b>«O primeiro +documento historico que encontramos acerca do +poeta, de um modo irrefragavel, é datado de 1517; +é uma graça +régia motivada talvez pela sympathia que suscitava a sua +desgraçada paixão, ou apparentemente pelos +serviços de seu pae. Em um alvará ao Almoxarife +de Coimbra foi passada ordem para que dê o rendimento d'este +anno de 1517 a Christovam Falcão: 97:000 réis. +Recebeu-os +o seu procurador Mestre Jorge.»</b><br /> + + +<br /> + + +Como se vê da transcrição feita, o +autor declarava que o documento invocado referia-se ao suposto poeta <b>de +um modo +irrefragavel</b>, isto é: «<b>irrecusavelmente, +incontestavelmente</b>.» Esse documento dizia respeito, +segundo inculcava o snr. dr. Theóphilo Braga, a <em>uma +graça régia</em>, mercê de <em>97$000 +réis</em>, concedida ao suposto bardo <em>talvez +pela sympathia que suscitava a sua desgraçada +paixão, ou apparentemente pelos +serviços de seu pae</em>. <br /> + + +<br /> + + +Ora fazendo taes afirmativas, autoritária e +catedraticamente, o snr. dr. Theóphilo Braga abusava da boa +fé dos seus leitores, por isso que s. ex.<sup>a</sup> +muito bem conhecia que estava +deturpando a verdade, a seu bel-prazer, que nada d'aquilo que +apregoava como autêntico era verdadeiro. +<br /> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[31]</span> +Nem o alvará de 1517 dizia respeito ao suposto poeta, nem +semelhante alvará mencionava a verba de 97$000 +réis. <br /> + + +<br /> + + +Tratava-se de uma tença de 97$734 reis (resultante de dois +padrões) que pertencia a Cristovam Falcão, senhor +da vila de Pereira, e não ao suposto poeta Cristovam +Falcão de Sousa. <br /> + + +<br /> + + +Ignorava, porventura, o snr. dr. Theóphilo Braga a +existência dos dois padrões constituitivos +da referida tença?―Não ignorava. E a prova de +que os não desconhecia está nas +citações que s. ex.<sup>a</sup> faz a +paginas 331/2 do seu +mencionado livro, atribuindo-os a quem eles diziam respeito, isto +é a Cristovam Falcão, senhor da vila de Pereira, +que nada tinha que ver com o suposto poeta, como o snr. dr. +Theóphilo Braga, de resto, muito bem estabelecia. <br /> + + +<br /> + + +Mas a existência de uma tença de 97$000 reis, +pelas alturas de 1517, a favor de Cristovão +Falcão de Sousa, comprovaria de certo modo a data em que o +snr. dr. Theóphilo Braga fixou habilidosamente o nascimento +do <em>ultimo eco do alaúde</em>, e permitia ao +fantasioso +escritor justificar tam rasgada mercê régia +atribuindo-a á <em>sympathia que suscitava a sua +desgraçada paixão</em>. <br /> + + +<br /> + + +D'esta maneira, servindo-se de um alvará que não +dizia respeito ao suposto poeta, e alterando-lhe caprichosamente a +quantia mencionada, o snr. dr. T. Braga creava um <em>recurso +histórico</em> graças ao qual os +discípulos do professor do Curso Superior de Letras podiam +aceitar que pelas alturas do ano da graça de 1517 +já existia um afamado poeta com o nome de +Cristovão Falcão, tam desventurado em seus amores +que el-rei, compadecido, lhe fizera mercê da +<span class="pagenum"><a name="p32">[32]</a></span> +tença, verdadeiramente principesca, de +97$000 réis! E sucedendo um <em>caso</em> +d'estes em nossos dias, ainda ha quem ache estranho que Faria e Sousa e +frei Bernardo de Brito improvisassem (é este o termo +próprio?) documentos... +históricos! <br /> + + +<br /> + + +Ao publicarmos o nosso trabalho sobre Bernardim Ribeiro, não +salientamos devidamente estes pouco recomendaveis processos do snr. dr. +Theóphilo Braga, poupando, com generosidade, o nome do +encanecido trabalhador, em respeito aos seus cabelos brancos. <br /> + + +<br /> + + +E á nossa manifesta generosidade correspondeu o aclamado +professor apodando os nossos processos críticos +de:―processos... á +tôa! <br /> + + +<br /> + + +Que nome conceder a esses processos do snr. dr. Theóphilo +Braga? <br /> + + +<br /> + + +Mas não ficaram por aqui as habilidades de que se serviu o +autor da <em>Historia da Litteratura Portugueza</em>. E +chamamos-lhes +<em>habilidades</em>, por não encontrarmos +á mão um termo mais +anodino, mais suave, mais doce, para definir o feito, e não +por qualquer propósito agressivo. <br /> + + +<br /> + + +Existem na Torre do Tombo cartas autógrafas do suposto autor +do <em>Crisfal</em>. A +simples publicação d'essas cartas constituiria um +golpe decisivo na lenda que atribuia produções de +Bernardim Ribeiro a Cristovão Falcão de Sousa, +por isso que taes documentos revelam que este, alem de iletrado, +não escrevia meia dúzia de linhas sem uma enfiada +de +asneiras...―«<em>uma acumulação +de +tolices</em>», no dizer insuspeito de uma ilustre +escritora. <br /> + + +<br /> + + +Que fez o snr. dr. Theóphilo Braga? <br /> + + +<br /> + + +Publicou essas cartas, alterando-lhe, <a href="#e4">paternalmente,</a> +a ortografia e a +gramática, e deixando +<span class="pagenum">[33]</span> +assim transparecer que o autor de taes escritos poderia muito bem ter +produzido as poesias bucólicas que lhe atribuiam. <br /> + + +<br /> + + +Para que se não ajuízasse que faziamos uma +afirmação gratuita ao dizer que o snr. dr. Th. +Braga publicara <em>emendada</em> a obra... +em prosa de Cristovam Falcão, démos no volume +<em>Bernardim Ribeiro</em> (O Poeta Crisfal) uma +reprodução foto-zincográfica de uma +das cartas do suposto poeta, e, não desejando colocar n'uma +situação pouco invejavel o professor do Curso +Superior de Letras, escrevemos, procurando desculpar o seu +procedimento: <br /> + + +<br /> + + +<div class="tinyl">«........o copista, a quem o +distinto professor +encarregou de reproduzir o documento existente na Torre do Tombo, +forneceu-lhe uma reprodução +<em>com summa deligencia emendada</em>, que o snr. dr. +Theóphilo, com a +melhor boa fé, estampou no seu livro, e que muito se afasta +do original.»<sup><a href="#4">[4]</a></sup></div> + + +<br /> + + +Nem na sua comunicação á Academia das +Sciências de Portugal, nem no seu artigo do jornal +«O Dia», nem na carta que nos dirigiu, se referiu, +embora ao de leve, o snr. dr. T. Braga á carta de Cristovam +Falcão de Sousa... Compreende-se. O documento é +tam esmagador, que o infatigavel polígrafo foge d'ele como +dizem que o diabo foge da cruz. <br /> + + +<br /> + + +Mas, embora isso não agrade a s. ex.<sup>a</sup>, +vamos dar aqui a reprodução +paleográfica de +outra carta de Cristovam Falcão de Sousa, devendo elucidar +os leitores que o snr. dr. Theóphilo Braga já deu +publicidade a tal documento a pag. 368/70 do seu <em>Bernardim +Ribeiro</em> +(edição +<span class="pagenum">[34]</span> +refundida). Mas deu-lhe publicidade: +<em>emendando-o</em>... <br /> + + +<br /> + + +Como não temos a peito celebrizar o alto engenho e mais +partes que concorriam na pessoa do suposto poeta, reproduzimos a carta +fielmente, e, para desfazer algum erro de leitura ou qualquer <em>gralha</em> +que passe +á revisão, juntamos em foto-gravura o seu <em>fac-simile</em>. +<br /> + + +<br /> + + +Eis a carta: <br /> + + +<br /> + + +<a name="f1"></a>[Figura: +Reproducção +foto-zincográfica da carta de Cristovam Falcão de +Sousa]<br /> + + +<br /> + + +«Sñor. mjnha jrmã dona bracajda +faleceo +da ujda presemte a dez dias deste mes pasado estando eu nesa corte ẽ +serujço de v. a. onde me foy a noua pera [~q] viese prover ẽ +algũas cousas da su alma por me ela dejxar por seu +testamẽtejro cõ seu marido ejtor de figuejredo. +fiquou-lhe hũ só filho e doutro marido [~q] deste +não +ouve nenhũ e tão Riquo [~q] me dizẽ que foy posta a +fazẽda de seu pay quãdo faleceo (que eu não +era no Rejno) ẽ doze contos. fez meu pay antes [~q] eu de la partise +petição a uosa a. [~q] lhe mãdase +ẽtregar seu neto e tirar de poder de seu padrasto. sayo lhe na +petição [~q] Requerese ao Juiz dos +orfãos da uila donde ho moço +está que he borba donde seu padrasto he natural e alquajde +mor pelo duque de bragança e que ele prouerja e que +não no fazẽdo proverja ẽtão vosa a. a qual +deligẽcia eu tenho fejto que Requery ao Juiz [~q] lho tjrase de +poder e que fose loguo por [~q] eu tjnha sabjdo [~q] eitor de +figueiredo detremjnaua quasar ho moço cõ sua f.<sup>a</sup> +no fim deste mes ẽ que lhe +diziã que ho +moço +<span class="pagenum">[35]</span> +faz quatorze anos pera ho matrimonjo ser +valioso. mãdou ho Juiz dar ujsta de meu Requerim.<sup>to</sup> +a eitor de figueiredo e njsto e ẽ ele Responder pasaram ojto dias e +nestes me fizerão mujtos agrauos alomgãdo me ho +tempo e me fizerão perdediça hũa +petjção dagrauo na qual agrauaua pera v. a. +apresemtandoa eu ẽ audiencja onde foy lida e jsto tudo por ele ser +alquajde mor e ser toda a ujla de seus paremtes e criados e por [~q] da +li não pasão os agrauos se não pera ho +ouujdor do duque onde tão bẽ me deterjão pera +ho moço +chegar ao termo dos quatorze anos detremjney dejxar a cousa neste termo +e fazelo saber a v. a. pera [~q] proueja njsto como lhe parecer +serujço de deos e seu que mjlhor proueja [~q] pois tẽ tal +fazẽda que v. a. ho quase cõ quẽ ouuer por seu +serujço +[~q] não [~q] ho orfão seia asy Roubado. no que +v. a. deue loguo prouer como pay dos orfãos [~q] he quanto +mais [~q] quarega jsto sobre cõcjẽcja de v. a. por hũ +alu.<sup>rá</sup> que vosa a. pasou a ejtor de +figueiredo ao tẽpo +[~q] quasou cõ mjnha Jrmã +pelo qual tjrou a titorja a meu pay de seu neto por lha dar a ele. ao +qual agora ajnda se pega, como se não fose cerada a cousa +por morte de mjnha Jrmã. e o [~q] me parece [~q] se deue +fazer he pasar v. a. logo alu.<sup>rá</sup> por +esta quarta [~q] +pode serujr de petjção, [~q] polo qual +mãde +a hũ dos quoReiadores destremoz elvas ou por talegre [~q] qualquer +deles va a borba e tjre ho moço de +<span class="pagenum">[36]</span> +poder de seu padrasto e +ẽtregue sua p.<sup>a</sup> a meu pay seu auô ou a +meu +jrmão barnabé de +sousa [~q] tẽ fazẽda p.<sup>a</sup> ho mjlhor +mãter [~q] biue ẽ +portalegre onde ho moço tẽ parte de sua fazẽda e lhe +he já dado por tutor desta fazemda e despois do +moço tjrado prouer v. a. ẽ quẽ seia seu tutor e seja +ouujdo ejtor de figuejredo das Rezomis [~q] diz ter pera [~q] ho +moço quase cõ +sua f.<sup>a</sup> mas jsto deuela ser amte v. a. [~q] qua +não sey quãto se gardara Justiça e ho +aluará pode v. a. mãdar dar a demjão +de sousa meu +irmão [~q] la amda [~q] ele ho fará vir +cõ mujta +deligẽcia [~q] eu fiquo qua esperamdo p.<sup>a</sup> ho +Requerer e apresemtar. +e lẽbro mais a uosa a. [~q] mãde ao mesmo coReiador que +ẽtẽda nas partjlhas e jmbẽtajro [~q] doutra manejra +será Roubado ho orfão e asi [~q] o tẽpo aquaba +p.<sup>a</sup> fim deste mes e eu s.<sup>or</sup> +neste trabalho +nõ pretendo +mais [~q] fazer ho [~q] deuo e tenho dejxado os Requerjm.<sup>tos</sup> +que +trago cõ v. a. ẽ mão de fernão +daluarez peço a +v. a. que nõ perqua por ausente de ser despachado. a quẽ +deos a ujda e Real estado acrecẽte. de portalegre sete de novembro. +as Reajs mãos de v. a. bejjo. xpouão +falcão de sousa.»<sup><a href="#5">[5]</a></sup><br /> + + +<br /> + + +<div style="text-align: justify;"> +<table style="width: 100%;" border="0" cellpadding="2" cellspacing="2"> + + + <tbody> + + + <tr> + + + <td style="text-align: justify;">!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!</td> + + + </tr> + + + + </tbody> +</table> + + +<br /> + + +</div> + + +Ao leitor deixamos a faculdade de comentar a carta <em>primorosa</em> +do +sarrafaçal engenho que durante alguns séculos +gosou da fama de poeta insigne, em prejuizo do nome aureolado de +Bernardim Ribeiro. <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<h3><a name="c3"></a>III<br /> + + +<br /> + + +Anotações á carta que nos dirigiu<br /> + + +o +snr. dr. Theóphilo Braga </h3> + + +<br /> + + +<h4>1 </h4> + + +<div class="quote2 tinyl"> +«A ninguem interessaria +tanto +o conhecimento d'este +problema, como a mim, que esbocei uma biographia de Christovam +Falcão com elementos historicos (documentos authenticos) +comprovando dados genealogicos.» </div> + + +<br /> + + +<div class="signature"><em>Carta do snr. dr. Th. +Braga.</em></div> + + +<br /> + + +<br /> + + +Não ha a menor dúvida quanto á +primeira parte d'esta afirmação. <br /> + + +<br /> + + +Com efeito, o snr. dr. Theóphilo Braga esboçou +uma biografia de Cristovam Falcão, e ninguem +ousará contestar-lhe o mérito de haver sido o +Plutarco do suposto trovador. <br /> + + +<br /> + + +Esboçando-lhe a biografia, o abalisado professor de +literatura serviu-se de documentos autênticos... mas +utilizando alguns que não diziam respeito ao pseudo-poeta, e +sim a um outro Cristovam; e interpretando, modificando e adulterando +outros documentos ao sabor do seu paladar, ao capricho da sua fantasia. +<br /> + + +<br /> + + +No capitulo XIX do nosso estudo sobre Bernardim Ribeiro +destrinçamos os documentos históricos que o snr. +dr. Theóphilo Braga propositadamente +<span class="pagenum"><a name="p38">[38]</a></span> +confundiu, e restabelecemos o +texto de uma das cartas de Cristovam Falcão de Sousa que o +habil professor +<em>emendara</em>, com o zelo de Plutarco cioso do bom nome +do seu heroe... lendário. <br /> + + +<br /> + + +No <a href="#e5">segundo</a> capítulo +d'este livro, ficou tambem fielmente +reproduzida outra carta de Cristovam Falcão, que o +infatigavel historiador havia <em>corrigido</em>, como se +se tratasse de um +tema de algum discípulo seu. Mesmo quando se entrega a +trabalhos de reconstituição +histórica, o snr. dr. Theóphilo Braga +não se esquece de que é professor de literatura +portuguêsa! <br /> + + +<br /> + + +Depois de isto, como ousa o snr. dr. Theóphilo Braga invocar +os documentos autênticos de que tam mau uso fez?<br /> + + +<br /> + + +<h4>2 </h4> + + +<div class="quote2 tinyl"> +«Tive de ler immediatamente o seu livro, para ver que +materiaes traria para o aperfeiçoamento do meu +trabalho.» </div> + + +<br /> + + +<div class="signature"><em>Carta do snr. +dr. Th. +Braga.</em></div> + + +<br /> + + +<br /> + + +Tem graça, e não ofende! <br /> + + +<br /> + + +Se leu imediatamente o nosso livro, não foi para ver que +novos subsídios forneciamos para o estudo da +história da literatura portuguêsa, mas sim para +conhecer quaes os materiaes que lhe facultariamos para o +aperfeiçoamento do seu trabalho... <br /> + + +<br /> + + +Cabe n'esta altura, a talho de foice, deixar consignada certa passagem +de uma palestra que o snr. dr. Theóphilo Braga teve com um +dos seus mais inteligentes discípulos a propósito +da +<span class="pagenum">[39]</span> +publicação do nosso livro sobre Bernardim +Ribeiro: <br /> + + +<br /> + + +«V. compreende... Eu sou como um mestre de obras... na +construção de um edificio. Ha vários +pedreiros... Vão-me chegando ás +mãos diversas pedras... Aproveito aquelas que se me afiguram +de feição, geitosas, convenientes para a minha +obra, e as outras ponho as de parte, deito-as +fóra.» <br /> + + +<br /> + + +E a um distinto confrade nas letras, ainda por motivo da +publicação do nosso livro, o professor do Curso +Superior de Letras teve ensejo de referir-se á nossa obscura +pessoa, fazendo o favor de nos reconhecer talento, mas... <em>que +os estudos de investigação +histórica eram umas teclas muito dificeis, muito +complicadas</em>...<br /> + + +<br /> + + +O apreciado <em>mestre de obras</em> (segundo +a frase de s. ex.<sup>a</sup>) escusava de ter lido o nosso +trabalho. O sub-título do livro, <em>O Poeta +Crisfal</em>, demonstrava suficientemente ao snr. dr. +Theóphilo Braga que nenhuma pedra de +feição poderiamos proporcionar-lhe para o +<em>aperfeiçoamento</em> da sua obra, porque o +nosso livro lhe atirava a terra com os alicerces em que se firmava o +edificio... ou monumento erguido ao falso +<em>Crisfal</em>. <br /> + + +<br /> + + +Foi um castelo de cartas que um sopro deitou ao chão... <br /> + + +<br /> + + +Oh! os estudos de investigação +histórica são realmente... umas teclas muito +complicadas! <br /> + + +<br /> + + +<h4>3</h4> + + +<div class="quote2 tinyl"> +«Mesmo no prologo fez-me V. +a justiça de que eu +aproveitaria tudo quanto se prestasse a futuras emendas.» </div> + + +<br /> + + +<div class="signature"><em>Carta do snr. dr. Th. +Braga.</em></div> + + +<br /> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[40]</span> +Não escrevemos tal no prólogo do nosso livro que +o snr. dr. Theóphilo Braga aproveitaria d'ele <em>tudo +quanto se prestasse a futuras +emendas</em>. <br /> + + +<br /> + + +O que nós escrevemos a pag. 24 do nosso estudo sobre +Bernardim é o período que segue: <br /> + + +<br /> + + +«Embora, em resultado da nossa descoberta, o snr. dr. +Theóphilo Braga tenha de refundir mais uma vez os seus +trabalhos sobre Bernardim Ribeiro e Sá de Miranda, estamos +plenamente convencidos de que ninguem estimará mais do que o +incansavel professor do Curso Superior de Letras a luz derramada sobre +a figura do grande poeta bucolista, amigo de Francisco de +Sá.» <br /> + + +<br /> + + +Nas linhas transcritas, o que havia da nossa parte era um cumprimento +de cortesia,―uma gentileza, uma amabilidade, própria de +quem, não tendo qualquer agravo do snr. dr. +Theóphilo Braga, procurava colocar s. ex.<sup>a</sup> +em bom terreno, oferecendo lhe, por assim +dizer, uma ponte, uma táboa de +salvação, pela +qual, sem quebra de linha, o escritor consagrado pudesse atravessar, +reconhecendo, ou fingindo reconhecer, o mau terreno que estava pisando, +e abraçando honestamente a verdade evidenciada. <br /> + + +<br /> + + +Era um cumprimento, repetimos; não um acto de +justiça, que a ele não tinha jus o +infátigo escritor. E da mesma natureza, no decurso do nosso +trabalho, outras demonstrações de cortesia +ficaram assinaladas, prestando homenagem á vida laboriosa do +escritor encanecido cujos erros combatiamos. <br /> + + +<br /> + + +Mas como as amabilidades se agradecem, e os actos de justiça +não são credores +de qualquer agradecimento, aprouve ao snr. dr. Th. Braga ver nas nossas +palavras um acto de justiça.<br /> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[41]</span> +Não lhe queremos mal por isso, pode crer o venerado +professor. <br /> + + +<br /> + + +Cada qual segue os impulsos do seu temperamento. <br /> + + +<br /> + + +<h4>4</h4> + + +<div class="quote2 tinyl"> +«Desde as noticias +genealogicas trazidas por Braancamp +Freire sobre D. Maria Brandão, que Cristovam +Falcão amou, sendo ambos muito crianças, via-me +forçado a tomar o nascimento d'elle no fim do primeiro +quartel do seculo XVI.»</div> + + +<br /> + + +<div class="signature"><em>Carta do snr. dr. Th. +Braga.</em></div> + + +<br /> + + +<br /> + + +Quando chegámos a esta altura da preciosa carta do snr. dr. +Theóphilo Braga ficamos verdadeiramente surpreendidos, para +não dizer boquiabertos! <br /> + + +<br /> + + +Lemos e tornamos a ler o período transcrito, pesamos detida +e pacientemente cada uma das palavras que o constituem, e, ao cabo, +alcançamos o convencimento de que uma tal +afirmação constituia uma habilidade, um processo, +uma engenhoca,―deixem chamar-lhe assim, embora o termo +destôe, por menos académico,―a que o professor de +literatura recorria para não confessar ter sido o nosso +trabalho que o obrigava a aceitar o nascimento do suposto poeta no fim +do primeiro quartel do seculo XVI. <br /> + + +<br /> + + +Fôra pelas noticias genealogicas trazidas pelo snr. Braamcamp +Freire sobre D. Maria Brandão que o snr. dr. +Theóphilo Braga, conforme nos escrevia, se vira +forçado a não insistir no nascimento do pseudo +Crisfal no ano de 1497, se não antes! <br /> + + +<br /> + + +Mas como podia isto ser, se o trabalho do +<span class="pagenum">[42]</span> +ilustre escritor invocado pelo snr. dr. +Theóphilo ainda não fôra dado +á estampa? <br /> + + +<br /> + + +Teria o professor do Curso Superior de Letras recebido qualquer +comunicação sobre o assunto por parte do snr. +Anselmo Braamcamp Freire?―Não, não tinha +recebido, como o +demonstram eloquentemente os seguintes períodos de uma carta +que em 5 de dezembro de 1908 nos dirigiu, em resposta a uma nossa, o +primoroso director do <em>Archivo +Historico</em>: <br /> + + +<br /> + + +<div class="tinyl">«Vamos agora á sua +pergunta de hoje originada +pela +carta do dr. Teofilo Braga. Elle não conhece nada do meu +trabalho sobre a Maria Brandoa, e faça-me a +justiça de crer que, não lho tendo mostrado a si, +não o mostraria a mais ninguem. Não lho mostrei a +si, porque nas 150 paginas já impressas, de que em breve lhe +mandarei um exemplar, nada digo a respeito de Maria Brandoa: trato dos +Brandões do +<em>Cancioneiro</em> e da Feitoria de Flandres.» +</div> + + +<br /> + + +Depois da transcrição d'estas linhas, eloquentes +e insuspeitas, do snr. Braamcamp Freire, tornam-se +desnecessários de nossa parte quaesquer +comentários á afirmação sem +base do snr. dr. Theóphilo Braga. <br /> + + +<br /> + + +Passemos adeante sobre este caso triste! <br /> + + +<br /> + + +<h4>5</h4> + + +<div class="quote2 tinyl"> +«Isto nos impossibilitava de continuar a admittir as +relações pessoaes de Cristovam +Falcão com Bernardim Ribeiro já velho e dementado +em confidencias de amor com um rapaz no viço da mocidade; e +por tanto as Eclogas em que elle figurava interpretativamente tinham de +ser lidas a outra luz. V. +acabando de fazer a destrinça entre o Poeta e seu primo mais +antigo, deu-me elementos para uma melhor +interpretação das Eclogas de Bernardim, +(eliminadas as relações com Cristovam +Falcão), e mostrando como realmente as poesias d'aquelle, +como mestre, influiram no mais moço, que como novel chega a +fazer centões e intercalações de +versos de Bernardim +Ribeiro.» </div> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[43]</span> +<div class="signature"><em>Carta do snr. dr. Th. +Braga.</em></div> + + +<br /> + + +<br /> + + +Pelo exposto, entende o snr. dr. Theóphilo Braga que +nós lhe demos elementos para uma melhor +interpretação das éclogas de +Bernardim, o que importa implicitamente a +afirmação de que não soubemos +interpretá-las, ou que erramos a exegese com que julgavamos +ter corrigido as lições ministradas pelo ilustre +professor. <br /> + + +<br /> + + +Aguardemos, pacientemente, que o snr. dr. Theóphilo Braga +refunda mais uma vez o seu livro sobre Bernardim Ribeiro, para +então apreciarmos as novas +interpretações que o imaginoso historiador se +propõe apresentar das éclogas de Bernardim, e +ficarmos tambem conhecendo quaes os <em>centões e +intercalações</em> de versos de Ribeiro que +o novel Falcão introduziu nas suas +produções... em prosa, únicas que +obrou. Obrou, no sentido de: produziu, claro está. +<br /> + + +<br /> + + +<h4>6</h4> + + +<span class="pagenum">[44]</span> +<div class="quote2 tinyl">«Ha uma affirmativa +histórica, de Diogo do +Couto, na sua <em>Decada VIII</em>, que +fallando de Damião de Sousa Falcão, accrescenta +como reforço historico: «irmão de <b>Cristovam +Falcão</b>, aquelle que fez aquellas cantigas nomeadas +de Crisfal...» E +tambem no seculo XVI Fructuoso (resumido pelo P.<sup>e</sup> +Antonio Cordeiro na Historia insulana) diz de Cristovam +Falcão: «parente do +Barão velho e do famoso poeta Cristovam Falcão, +que fez a celebre Ecloga Crisfal das primeiras syllabas do seu +nome...» Tambem nas edições de +Ferrara e Colonia, feitas por curiosos sem criterio litterario, se +repete a attribuição +«<em>que dizem ser</em> de Cristovam +Falcão, ho que parece alludir o nome da mesma +Ecloga». Não se podem refutar por +negativa estes testemunhos de homens de letras do seculo XVI, e que se +reflectiram nos genealogistas.» </div> + + +<br /> + + +<div class="signature"><em>Carta do snr. dr. Th. +Braga.</em></div> + + +<br /> + + +<br /> + + +A habilidade, ou antes o processo habilidoso, ou, melhor, a tendenciosa +redacção d'estes +períodos não consegue iludir ninguem... Julgou +talvez o snr. dr. Theóphilo Braga que nos desnortearia com +esta subtileza de processos... críticos. Tal não +conseguiu, como terá +de reconhecer no foro íntimo da sua consciência. <br /> + + +<br /> + + +Vamos por partes: <br /> + + +<br /> + + +Foram os editores de Ferrara e Colónia que propagaram pela +imprensa a lenda de que a paternidade da carta e ecloga de Crisfal era +atribuida a Cristovam Falcão, e, fazendo-o, limitaram-se, +com honestidade, a escrever: «que dizem ser... ao que parece +aludir o nome da mesma ecloga». Ao contrário do +que o snr. dr. +Theóphilo Braga procura fazer incutir, tendenciosamente, os +editores citados não repetiram uma +atribuição de homens de letras do seculo XVI... <br /> + + +<br /> + + +Os homens de letras do seculo XVI é que repetiram, fazendo-a +certa, a atribuição feita com reservas pelos +editores das obras de Bernardim Ribeiro em 1554 e 1559. Aceitaram +<span class="pagenum">[45]</span> +por boa, sem se darem ao +trabalho de a verificar, uma simples atoarda. <br /> + + +<br /> + + +Quem eram os editores de 1554 e 1559 das obras de Bernardim Ribeiro? <br /> + + +<br /> + + +Di-lo, judiciosamente, o snr. dr. Theóphilo Braga na carta +que vamos analisando: <br /> + + +<br /> + + +Eram «<b>curiosos sem critério +literário</b>». <br /> + + +<br /> + + +Será a estes obscuros obreiros do século XVI que +o laureado professor quer guindar á categoria de homens de +letras com foros de autoridades? <br /> + + +<br /> + + +Não, os editores de 1554 e 1559 foram realmente creaturas +sem o menor critério literário, e por isso deram +alentos á lenda forjada pelo vulgo; mas não resta +a menor dúvida de que eram pessoas de bem, porque +consignaram uma <em>tradição vaga</em>, +sem se atreverem a registá-la como um facto positivo, +indiscutivel, incontroverso. A cobrir a sua responsabilidade de +editores conscienciosos, lá estamparam: «que dizem +ser... ao que parece aludir.» Outros fossem eles, que +asseverassem que as duas produções, carta e +écloga, pertenciam a Cristovam Falcão +incontestavelmente, irrefragavelmente! <br /> + + +<br /> + + +Ignorava, porventura, o snr. dr. Theóphilo Braga que os +editores da obra de Bernardim Ribeiro, ao produzirem as +rúbricas respeitantes ao suposto autor do Crisfal, +mencionavam apenas uma atoarda, uma vaga +tradição? <br /> + + +<br /> + + +Não; o venerado professor não ignorava isso. +Testemunha-o o que s. ex.<sup>a</sup> escreveu a paginas 21 +da sua chamada edição crítica das +obras de... Cristovam Falcão: <br /> + + +<br /> + + +<b>«As rubricas do editor de Colonia, encerram +<span class="pagenum">[46]</span> +as +tradições vagas, que, passados nove annos, ainda +corriam ácerca d'aquelle infeliz namorado.»</b> +<br /> + + +<br /> + + +Para que veio pois o snr. dr. Theóphilo Braga asseverar que <em>tambem +nas +edições de Ferrara e de Colonia se repete a +atribuição</em>? <br /> + + +<br /> + + +Mais diz o apreciavel escritor que «não se podem +refutar por negativa» as +atribuições que Diogo do Couto e Frutuoso +fizeram, repetindo <em>como certo</em> o que os editores +das +obras de Bernardim registaram <em>sob reservas</em>. <br /> + + +<br /> + + +Não se podem refutar por negativa, não; mas podem +refutar-se cabalmente, pondo em confronto da obra poética +atribuida a Cristovam Falcão a obra em prosa que ninguem +ousará disputar ao suposto trovador. <br /> + + +<br /> + + +E a admitir alguem, de reconhecida inteligência e +critério, que o autor das cartas em prosa podia ser o poeta +da Carta e da Ecloga de <em>Crisfal</em>, o mesmo +equivaleria a +aceitar como razoavel que Rosalino Candido pudesse firmar as obras do +snr. dr. Theóphilo Braga, e que, consequentemente, o +laureado professor de literatura fosse capaz de produzir a obra +gigantesca de Victor Hugo. <br /> + + +<br /> + + +É realmente desolador, para a fabula consagrada, que a Torre +do Tombo conserve os autógrafos de Cristovam +Falcão de Sousa! <br /> + + +<br /> + + +<h4>7</h4> + + +<div class="quote2 tinyl"> +«A ecloga de Crisfal +não podia ser publicada +pelo seu autor, nem pelo seu consentimento porque era uma <em>inconfidencia</em> +de antigas +relações amorosas com uma senhora que estava +casada.» </div> + + +<br /> + + +<div class="signature"><em>Carta do snr. dr. Th. +Braga.</em></div> + + +<br /> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[47]</span> +Esta bizarra revelação do snr. dr. +Theóphilo Braga constitue, naturalmente, uma desenfastiada +brincadeira de s. ex.<sup>a</sup>. <br /> + + +<br /> + + +Pois qual é a obra +<em>lírica</em> onde se +não encontrem <em>inconfidências</em> +semelhantes +ás da ecloga de Crisfal? <br /> + + +<br /> + + +O snr. dr. Theóphilo Braga, que aos catorze anos +já se entregava a devaneios poéticos, +não deixou certamente de dar publicidade a versos em que foi +decantada alguma dama unida pelos laços matrimoniaes... E +estamos convencidos de que ninguem chamou +<em>inconfidências</em> aos suspiros poeticos do +trovador açoreano. As +inconfidências não servem de tema ás +locubrações dos vates; onde existe arte, no bom +sentido da palavra, não ha inconfidências, embora +n'este ponto estejamos em absoluta discordância com a +doutrina exposta pelo professor do Curso Superior de Letras. <br /> + + +<br /> + + +Em toda a obra, prosa ou verso, de Bernardim Ribeiro, vive, palpita, a +história ingénua da sua vida, o trama dos seus +mal-aventurados amores por uma dama que trocou a +afeição do poeta pela de um outro zagal. Foi um +inconfidente o magoado Bernardim?―Não, foi um artista, foi +um poeta apaixonado, alma de eleição que da sua +dor fez um poema, como diria Goethe. E que adoravel e sentido poema nos +legou o grande poeta bucolista! <br /> + + +<br /> + + +Mas não vale a pena insistir mais n'este ponto. A afirmativa +do snr. dr. Theóphilo Braga constitue, naturalmente, um +gracejo inofensivo de s. ex.<sup>a</sup>. <br /> + + +<br /> + + +<h4>8 </h4> + + +<span class="pagenum">[48]</span> +<div class="quote2 tinyl">«A +edição sem data, de Lisboa, +só podia ser feita por 1542, quando Cristovam +Falcão estava em Roma; e +quando Camões foi para Ceuta em 1547 na Carta que d'ali +escreveu emprega muitos versos do <em>Crisfal</em>, que +então andava no gosto.» </div> + + +<br /> + + +<div class="signature"><em>Carta do snr. dr. Th. +Braga.</em></div> + + +<br /> + + +<br /> + + +Reproduzamos aqui o que o autor da <em>Historia da Litteratura +Portugueza</em> escreveu a paginas 394/5 do seu volume <em>Bernardim +Ribeiro</em> (edição refundida): <br /> + + +<br /> + + +<div class="tinyl">«N'esta folha volante +não vem a +<em>Carta</em>, nem as +<em>Cantigas</em> e <em>Esparsas</em> +incluidas na +edição de Colonia. Parece mais uma +vulgarisação popular, talvez uma das +muitas que tornaram a Ecloga <em>muy nomeada</em>, e +de que a reprodução de 1571, feita em Lisboa +(existiu na Livraria de Joaquim Pereira da Costa) seria o typo que +serviu para a reprodução de 1619, em que +apparecem elementos +só conhecidos pela edição de 1559. <br /> + + +<br /> + + +«A folha volante <em>sem data</em> +diverge do texto de Colonia profundamente; basta observar as variantes +entre as lições das estrophes 51 e 52. +Attribuimos a +impressão das <em>Trovas de Crisfal</em>, a +1536, +quando appareceram tambem em folha volante as <em>Trovas de Dois +Pastores</em> (Ecloga III) de Bernardim Ribeiro. <br /> + + +<br /> + + +«A vinheta do Pastor com capuz e cajado no +<em>Crisfal</em> é a mesma que serve nas <em>Trovas +de dois +Pastores</em>; o typo gothico corpo 12 do titulo do folheto de +1536 é o empregado no texto do <em>Crisfal</em>. +Tambem a +vinheta da Dama, que vem no titulo, appareceu empregada em outra folha +volante de 1536, intitulada <em>Tragedia de los +amores de Eneas y de la reina Dido</em>.»</div> + + +<br /> + + +Procedemos ao mesmo exame a que o snr. dr. Theóphilo Braga +sujeitou o +<em>pliego-suelto</em>, e chegamos a egual +conclusão. Algumas vezes nos haviamos de encontrar em +concordância de vistas com s. ex.<sup>a</sup>. E +porque o nosso pensar +sobre o assunto egualava o do ilustre professor, escrevemos a pag. 119 +do livro <em>Bernardim +Ribeiro</em> (O Poeta Crisfal), aludindo ao folheto sem +<span class="pagenum">[49]</span> +indicação de data nem +de lugar de +impressão: <br /> + + +<br /> + + +<div style="text-align: center;"><a name="f2"></a>[Figura]<br /> + + +</div> + + +<br /> + + +«...mas reconhecendo-se, pelo confronto com outros folhetos, +ser de 1536). <br /> + + +<br /> + + +«Como muito bem observou o snr. dr. Theóphilo +Braga, etc.» <br /> + + +<br /> + + +Seguiu-se a transcrição do parágrafo +do snr. dr. Th. Braga que atrás reproduzimos. <br /> + + +<br /> + + +Mudou o abalisado professor de opinião quanto á +data do +<em>pliego-suelto</em>, querendo agora fixar-lhe o ano de +1542, como poderia fixar-lhe o de 1552 ou 1562, arbitrariamente. <br /> + + +<br /> + + +Se ao menos s. ex.<sup>a</sup> tivesse a +condescendência de indicar-nos quando seguiu os <em>processos +inductivos da crítica moderna</em>! Ao fixar a +data de 1536 ou quando arbitrou a de 1542? <br /> + + +<br /> + + +Em folha apensa, damos uma reprodução +foto-zincográfica das primeiras páginas dos tres +folhetos que levaram o snr. dr. Theóphilo Braga a fixar a +data da primeira edição conhecida das <em>Trovas +de Crisfal</em> em 1536. <br /> + + +<br /> + + +Se nos perguntarem se estamos dispostos a quebrar lanças +para sustentar a antiga opinião do historiador da <em>Litteratura +Portugueza</em>, responderemos, com toda a franqueza, +negativamente. O que não podemos admitir é que se +procure agora determinar-lhe <em>com +precisão</em> a data de 1542, com o simples fundamento +de que n'esse ano estava em Roma o seu suposto autor... <br /> + + +<br /> + + +Alude o snr. dr. Theóphilo Braga ao facto de +Camões empregar versos do +<em>Crisfal</em>. <br /> + + +<br /> + + +A explicação, a nosso ver, é muito +simples: <br /> + + +<br /> + + +Em Faria e Sousa, o insigne fabulista, autor muito da +predilecção do snr. dr. +Theóphilo, encontra-se uma afirmativa, que constitue em +nosso juizo uma das raras que merecem algum crédito, +não obstante a impureza da +<em>fonte</em>. +<br /> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[50]</span> +Referindo-se a Bernardim Ribeiro, escreveu Faria e Sousa: +«poeta bien conocido y a quien llamava su Enio el divino +Camões.» <br /> + + +<br /> + + +Não desconhece isto o professor do Curso Superior de Letras, +porque a pag. 131 da primeira edição do seu <em>Bernardim +Ribeiro</em> reproduziu da <em>Fuente de Aganipe</em> +o dizer de +Faria. <br /> + + +<br /> + + +Como demonstrámos no volume sobre o <em>Poeta Crisfal</em>, +Camões glosou o magoado solau da <em>Menina e +moça</em>, de +Bernardim Ribeiro. <br /> + + +<br /> + + +Em uma das cartas atribuidas ao cantor dos <em>Lusiadas</em>, +encontra-se uma +alusão directa ao autor das <em>Saudades</em>, +indicando-lhe o +nome: <em>Bernardim Ribeiro</em>. <br /> + + +<br /> + + +Se Bernardim era o seu <em>Enio</em>, +naturalíssimo é que Camões se deixasse +influenciar pelo Mestre, +imitando alguns dos seus versos. <br /> + + +<br /> + + +A não ser que o snr dr. Theóphilo Braga queira +concluir que, sendo Bernardim o +<em>Enio</em> de Camões, Cristovam +Falcão era o +<em>Enio</em> numero 2 do mesmo poeta,―assim a modos de um +<em>Enio</em> barato, para trazer por +casa. <br /> + + +<br /> + + +Prossigamos... <br /> + + +<br /> + + +<h4> +9 +</h4> + + +<div class="quote2 tinyl"> +«Na +edição de Lisboa vem duas +estrophes +supprimidas no texto de Ferrara e Colonia, por que continham uma <em>inconfidencia</em>. +Isto +leva a explicar como Cristovam Falcão tentaria apagar a +paternidade da Ecloga fundamentando-se-lhe a +imputação com o anagramma das primeiras syllabas +do nome.» </div> + + +<br /> + + +<div class="signature"><em>Carta do snr. dr. Th. +Braga.</em></div> + + +<br /> + + +<br /> + + +Salvo erro, o snr. dr. Theóphilo Braga quer +<span class="pagenum">[51]</span> +referir-se apenas a uma, e não a +duas estrofes. <br /> + + +<br /> + + +E á estrofe que reza: <br /> + + +<br /> + + +<div class="poetry tinyl">Muitos pastores buscaram<br /> + + +mas um pastor por ser-te amigo,<br /> + + +e outro por +ser-te enemigo,<br /> + + +um e outro se escusaram.<br /> + + +E dão-lhe logo +comigo<br /> + + +gados que farão mil queijos;<br /> + + +mas como se despediam<br /> + + +é já mostrar que temiam<br /> + + +que o sabor dos teus +beijos<br /> + + +na minha boca achariam!</div> + + +<br /> + + +Falava-se em <em>beijos</em>... Era uma +<em>inconfidência</em>, e gravíssima, +e por isso a estrofe foi suprimida nas edições de +Ferrara e de Colónia! +Está claro, e tam claro que, no dizer do snr. dr. Th. Braga, +«<em>isto leva a explicar como Cristovam +Falcão tentaria apagar a paternidade da Ecloga</em>...» +<br /> + + +<br /> + + +Ora admitindo por um momento que Cristovam Falcão houvesse +sido poeta, e tivesse a lembrança de escrever uma +écloga abundante em <em>inconfidências</em>, +pespegava-lhe, sem mais nem menos, com um anagrama deduzido das +primeiras sílabas do seu nome, para que toda a gente logo o +apontasse a dedo como +<em>inconfidente</em>? <br /> + + +<br /> + + +De mais a mais, como quer o snr. dr. Th. Braga na sua exegese, se o +suposto poeta empregasse os nomes verdadeiros de todas as personagens +que a écloga alvejava, isso constituiria um <em>apagamento</em> +de paternidade muito +pouco apagado... <br /> + + +<br /> + + +Todo o mistério, o discreto veu da fantasia, a cobrir a +realidade dos episódios que a écloga do <em>Crisfal</em> +menciona, equivaleria +á ingenuidade infantil d'aquela antiga adivinha: +«Branco é, galinha o põe»! +<br /> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[52]</span> +Ponha se o snr. dr. Th. Braga no lugar do pseudo-trovador, +imagíne que resolvia arquitectar uma écloga cheia +de +<em>inconfidências</em>, e +diga-nos, com franqueza, se, desejando apagar a paternidade de um tal +feito, assinaria a sua produção com o anagrama <em>Theobra</em>? +<br /> + + +<br /> + + +Logo os seus discípulos concluiriam, triunfalmente: +«Cá temos mais um poema do Mestre!» E +fosse lá s. ex.<sup>a</sup> +convencê-los de que +não era tal o autor da +<em>inconfidência</em>! <br /> + + +<br /> + + +<h4>10</h4> + + +<div class="quote2 tinyl"> +«Os logares communs a +Bernardim Ribeiro e Cristovam +Falcão provam mais a favor da +imitação de um discipulo, do que á +fusão dos dois poetas, repetindo-se o mestre na +decadencia.» </div> + + +<br /> + + +<div class="signature"><em>Carta do snr. dr. Th. +Braga.</em></div> + + +<br /> + + +<br /> + + +Com o respeito devido ao professor de literatura, de modo nenhum +podemos aceitar a sentença de s. ex.<sup>a</sup> +<br /> + + +<br /> + + +A <em>subtileza</em> do snr. dr. +Theóphilo Braga, proclamando que os lugares comuns a +Bernardim Ribeiro e Cristovam Falcão provam mais a favor da +imitação de um discípulo do que +á fusão dos dois poetas, é da natureza +do conhecido +artifício pelo qual se póde sustentar que cinco +vintens não são um tostão, ou +vice-versa! <br /> + + +<br /> + + +Admitindo que Cristovam Falcão tivesse sido um imitador de +Bernardim, como quer o abalisado professor, explica-se porventura que +levasse tam longe a sua improbidade literária, que roubasse +por inteiro versos e cantigas ao seu mestre, com a maior +desfaçatez? +<span class="pagenum">[53]</span> +Pois o autor +da <em>Carta</em> e da +<em>Eclóga de +Crisfal</em>, a ser um imitador, não teria o bom senso +suficiente para reconhecer que, roubando versos de Bernardim, +não alcançaria renome de poeta, mas o apodo de +salteador literário? <br /> + + +<br /> + + +Um imitador, por mais inexperiente e tacanho, não se +aproveita dos textos que imita de maneira a que lhe possam apontar os +versos <em>palmados</em>. Ou não +será isto o que a lógica permite conjecturar? <br /> + + +<br /> + + +Como ignoramos <em>os processos inductivos da critica moderna</em>, +é possivel que estejamos em erro, e que da mesma +ignorância resulte não +alcançarmos o sentido das palavras do snr. dr. +Theóphilo Braga quando afirma que o mestre (Bernardim +Ribeiro) se repetiu na decadência. <br /> + + +<br /> + + +Que repetições? e que decadência? <br /> + + +<br /> + + +<h4>11</h4> + + +<div class="quote2 tinyl">«Emfim ha dois schemas +de +paixão amorosa que se +não confundem: o de Joana e Fauno, Aonia e Bimnarder, e o de +Maria e Crisfal. São duas almas, sentindo em +situações +differentes.» </div> + + +<br /> + + +<div class="signature"><em>Carta do snr. dr. Th. +Braga.</em></div> + + +<br /> + + +<br /> + + +Ha dois schemas de paixão amorosa que se não +confundem, diz o snr. dr. Theóphilo Braga na carta que, +pacientemente, estamos anotando. <br /> + + +<br /> + + +É verdadeira esta afirmativa? <br /> + + +<br /> + + +―Não, não é verdadeira, e o professor +do Curso Superior de Letras sabe muito bem que o não +é. <br /> + + +<br /> + + +Em 1897, ao publicar a sua edição refundida do +livro <em>Bernardim Ribeiro</em>, +confrontando versos +<span class="pagenum">[54]</span> +de +Bernardim com os atribuidos a Cristovam Falcão, escreveu o +professor de literatura. <br /> + + +<br /> + + +«Vê-se que á medida que +<b>a situação dos amores de Bernardim +Ribeiro seguia o mesmo desfecho dos amores de Cristovam +Falcão</b>, os dois poetas communicavam entre si os +seus versos, sendo por este modo que se salvaram as poesias do auctor +do <em>Crisfal</em>.»<sup><a href="#6">[6]</a></sup><br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +Ha dois schemas de paixão amorosa que se não +confundem, diz s. ex.<sup>a</sup>, +procurando agarrar-se a uma boia salvadora... <br /> + + +<br /> + + +Mas tanto a paixão é uma só que o snr. +dr. Theóphilo Braga, na écloga em que Bernardim +se personifica sob o nome bucólico de +<em>Persio</em>, viu n'essa personagem <b>Cristovam +Falcão</b>! E estamos em crer que o ilustre professor +não irá agora sentencear que a écloga +primeira de Bernardim tambem foi elaborada pelo suposto trovador... <br /> + + +<br /> + + +Pois se o snr. dr. Theóphilo Braga até concluiu +que tanto Bernardim como Cristovão Falcão +sofreram as agruras do <em>carcere +privado</em>! <br /> + + +<br /> + + +Como póde suceder que o distinto escritor já se +não recorde do que escreveu a pag. 76/78 da sua +edição refundida do livro +«Bernardim Ribeiro», arquivemos aqui algumas das +suas passagens: <br /> + + +<br /> + + +<div class="quote1 tinyl">«...Não +ignorava +Bernardim que o namorado de +Maria tambem estivera em carcere privado: </div> + + +<br /> + + +<div class="poetry tinyl"><em>Vi-me já +preso</em>; +contente<br /> + + +A meu mal +queria bem.</div> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[55]</span> +<div class="quote1 tinyl">«Na Carta, que +escreveu <em>estando +preso</em>, e mandou áquella com quem estava casado a +furto, diz Christovam Falcão: </div> + + +<br /> + + +<div class="poetry tinyl">Mal cuja dor se não +crê<br /> + + +de <em>prisão</em> +e de ausencia!<br /> + + +<table style="text-align: left; width: 251px; height: 39px;" border="0" cellpadding="2" cellspacing="2"> + + + <tbody> + + + <tr> + + + <td> + + <div class="dots"></div> + + + </td> + + + </tr> + + + + </tbody> +</table> + + +<br /> + + +Bem se enxerga nos meus danos<br /> + + +<em>que estou preso ha cinco annos</em>,<br /> + + +afóra os que heide estar...</div> + + +<br /> + + +<div class="quote1 tinyl"> +«Retratando o cuidado de Persio, diz Bernardim Ribeiro: </div> + + +<br /> + + +<div class="poetry tinyl">Logo então +começou<br /> + + +<em>Seu gado a +emagrecer,<br /> + + +Nunca mais d'elle curou</em>,<br /> + + +Foi-se-lhe todo a perder<br /> + + +Com o cuidado que cobrou.</div> + + +<br /> + + +<div class="quote1 tinyl">«Em Christovam +Falcão lê-se: </div> + + +<br /> + + +<div class="poetry tinyl"> +Crisfal não era entam<br /> + + +dos bens do mundo abastado,<br /> + + +tanto +como de cuidado,<br /> + + +que por curar da paixão<br /> + + +<em>não +curava do seu gado</em>.</div> + + +<br /> + + +<div class="quote1 tinyl">«E continuando o +parallelismo, por onde se vê que +os dois poetas eram mutuos confidentes, e se influenciaram, temos mais +estes traços com que Bernardim Ribeiro retrata o +<em>Crisfal</em>: </div> + + +<br /> + + +<div class="poetry tinyl">Sentava-me em um penedo<br /> + + +Que no meio d'agua estava;<br /> + + +Então +alli só e quedo<br /> + + +A minha frauta tocava.</div> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[56]</span> +<div class="quote1 tinyl">«E no <em>Crisfal</em>, +quasi pela +mesma maneira: </div> + + +<br /> + + +<div class="poetry tinyl">Alli sobre uma ribeira<br /> + + +de mui alta penedia, <br /> + + +<br /> + + +d'onde a agua d'alto caía,<br /> + + +dizendo d'esta maneira<br /> + + +estava a +noite e o dia...</div> + + +<br /> + + +<div class="quote1 tinyl">«Bastam estas +comparações para se +reconhecer a communhão artistica entre os dois namorados +poetas.»</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +Depois de haver escrito o que acaba de ler-se, como se compreende que o +snr. dr. Theóphilo Braga venha proclamar, com a maior +sem-cerimónia, que ha <em>dois schemas de +paixão amorosa que se não confundem</em>! <br /> + + +<br /> + + +Quanto a <em>Fauno</em>, nome pastoril que, +em uma das éclogas, Bernardim dá ao seu amigo, +confidente e colega Francisco de Sá de Miranda, quer o snr. +dr. Theóphilo Braga que seja a +personificação do próprio B. +Ribeiro,―talvez para não confessar que nós +acertamos na +interpretação apresentada no <em>Poeta +Crisfal</em>. <br /> + + +<br /> + + +Temos certa curiosidade em saber se na futura +refundição do livro sobre os poetas bucolistas o +seu autor transferirá para Sá de Miranda o crisma +de <em>Persio</em>, na +impossibilidade de continuar a ver na mesma figura os traços +de Cristovam Falcão... <br /> + + +<br /> + + +De uns versos de Francisco de Sá, imitando uma +canção de Petrarca, já o ilustre +professor concluiu que o amigo de Bernardim sofrera a +prisão, por motivo de amores... É meio caminho +andado para que, na fantasia de s. ex.<sup>a</sup>, o +<span class="pagenum">[57]</span> +douto Sá de Miranda +vá tomar o pouso do derreado Falcão. <br /> + + +<br /> + + +A ver vamos... como dizia o cego, e cada vez via menos! <br /> + + +<br /> + + +<h4>12 </h4> + + +<div class="quote2 tinyl">«Através de +todo o hypercriticismo, o livro +sobre Bernardim revela um trabalhador fervoroso, etc.» </div> + + +<br /> + + +<div class="signature"><em>Carta do snr. dr. Th. +Braga.</em></div> + + +<br /> + + +<br /> + + +Duas palavras apenas: <br /> + + +<br /> + + +A nosso juizo, aquele +<em>através</em> está a +substituir, amavelmente, o advérbio +<em>apesar</em>... É o que julgamos depreender +da sequência da frase. <br /> + + +<br /> + + +No nosso modesto e desvalioso estudo, o snr. dr. Theóphilo +Braga apenas viu +<em>hipercriticismo</em>, o que de modo nenhum +póde agradar ao historiador da <em>Litteratura +Portugueza</em>, que +só emprega os modernos processos da crítica +scientífica,―graças aos quaes... se vê +obrigado a refundir amiude os seus trabalhos! <br /> + + +<br /> + + +Continuaremos, impenitentes, a cultivar o +<em>hipercriticismo</em>, deixando ao snr. dr. +Theóphilo Braga o uso exclusivo dos seus processos, que +não nos seduzem, com toda a franqueza o dizemos.<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<h3><a name="c4"></a>IV<br /> + + +<br /> + + +A comunicação do presidente<br /> + + +da Academia das +Sciencias<br /> + + +de Portugal </h3> + + +<br /> + + +No seio da sociedade scientífica e litéraria, de +que é ilustre presidente, +proclamou o snr. dr. Theóphilo Braga, á porta +fechada, isto +é, em reunião privativa dos sócios +d'aquela +Academia, que a vida amorosa de Cristovam Falcão «<em>oscila +entre 1525 e 1526, sendo n'aquella +data moço fidalgo, tendo pelo menos 12 +annos</em>». <br /> + + +<br /> + + +Cristovam Falcão de Sousa era moço fidalgo em +1527, como se demonstra indubitavelmente pelo registo exarado n'um +livro que existe no arquivo da Torre do Tombo, registo que reproduzimos +com fidelidade a paginas 168/9 do nosso estudo sobre Bernardim Ribeiro. +<br /> + + +<br /> + + +Na sua erudita comunicação á Academia +das Sciencias de Portugal, afirmou o snr. dr. Theóphilo +Braga que o suposto autor do <em>Crisfal</em> +tinha <em>pelo menos 12 anos á data de +1525</em>... <br /> + + +<br /> + + +Não indicou o douto académico o documento ou <em>recurso +histórico</em>, em +que se estribava para sentencear, sem admitir réplica, que o +pseudo-trovador tinha <em>pelo menos 12 anos á data +de +1525</em>, mas é possivel que s. ex.<sup>a</sup> +esteja +munido de +<span class="pagenum">[60]</span> +concludentes provas para +demonstrar a justeza da sua afirmativa, se alguem se lembrar de +contestar-lhe tam peremptória opinião. <br /> + + +<br /> + + +Se o ilustre professor não possue a tal respeito documentos +bastantes, póde dar-se o caso de alguem vir +àmanhan, quando mais não seja para fazer +pirraça a s. ex.<sup>a</sup>, +declarar que Cristovam Falcão de Sousa, á data de +1525, não era ainda nascido, ou, quando muito, teria doze +mêses, e não 12 anos... <br /> + + +<br /> + + +Mas é possivel que o snr. dr. Theóphilo Braga +tenha conseguido descobrir qualquer documento em que apoie a sua +sentença. É até muito possivel! <br /> + + +<br /> + + +O importante, por agora, é verificar que o laureado +académico fixou o ano do nascimento do pseudo-poeta em 1513, +poucos mêses mais, poucos mêses menos, se a +lógica não +é uma cantata para adormecer meninos. <br /> + + +<br /> + + +Ora, sendo assim, vê-se que alguma cousa se ganhou com a +publicação do nosso livro sobre o <em>Poeta +Crisfal</em>, onde a paginas 176 +escrevemos: <br /> + + +<br /> + + +«<b>Quanto a Cristovam Falcão de +Sousa, moço fidalgo em 1527, por muito que se queira afastar +a data do seu nascimento, não poderá esta ser +fixada em ano anterior a 1510. Fixando-se o seu nascimento entre os +anos de 1510 a 1515, é natural que se fique muito +próximo da +verdade.</b>»<br /> + + +<br /> + + +O snr. dr. Theóphilo Braga, em face do nosso estudo, +escolheu o ano de 1513, cifra que se encontra compreendida <em>entre +1510 a +1515</em>, salvo erro. <br /> + + +<br /> + + +Nós, porém, com inteira franqueza o dizemos, +temos ainda suas dúvidas, e após recentes +pesquizas, em que vamos prosseguindo, inclinamo-nos +<span class="pagenum">[61]</span> +a ajuizar que o pseudo-<em>ultimo +eco +do alaúde</em> ainda não era nascido no +ano de 1516... <br /> + + +<br /> + + +Mas, para aclarar este ponto de capital importância, +aguardemos a nova versão que o snr. dr. Theóphilo +Braga tem na forja sobre os poetas bucolistas. <br /> + + +<br /> + + +Além de ter modificado a sua antiga doutrina sobre a epoca +em que floresceu o falso <em>Crisfal</em>, na sua +comunicação ao grémio +literário a cujos destinos preside, o snr. dr. +Theóphilo determinou que a vida amorosa do homenzinho +oscilara <b>entre 1525 e 1526</b>,―isto +é no período ingénuo e +viçoso dos doze para os treze anos, quando a suposta mulher +amada pelo Xpouão contaria, na melhor das +hipóteses, as suas fagueiras e menineiras dez primaveras... <br /> + + +<br /> + + +Mas, decorrido menos de um mês sobre a +comunicação... scientífica, o +egrégio conferente emendou este seu parecer, como se +verá quando analisarmos o artigo epigrafado <em>Movimento +litterario</em>. <br /> + + +<br /> + + +Segundo o extrato publicado no jornal «O Mundo», +que condizia com os de outras gazetas, o snr. dr. Theóphilo +Braga +«<em>evidenciou que na ecloga +«Crisfal» transpareciam diversas +situações da vida de Cristovam Falcão</em>.» +<br /> + + +<br /> + + +Infelizmente, os jornaes não nos forneceram qualquer +pormenor elucidativo sobre a referida <em>evidenciação</em>, +pelo que ficamos, com verdadeiro pesar, privados de reconhecer a +maneira engenhosa pela qual o distincto professor de literatura +conseguiu demonstrar, <em>urbi et orbi</em>, +que na magoada écloga de Bernardim Ribeiro transpareciam <em>diversas +situações da vida de +Cristovam Falcão</em>. <br /> + + +<br /> + + +É possivel, porém, que na próxima +futura +<span class="pagenum">[62]</span> +refundição do seu livro sobre os bucolistas, o +snr. dr. Theóphilo Braga inclua um largo capítulo +em que trate o assunto com o devido desenvolvimento, completando o +extrato que os jornaes fizeram da sua apreciavel +comunicação, com o que preencherá uma +sensivel lacuna. Oxalá assim suceda. <br /> + + +<br /> + + +Terminou o conferente a sua palestra por invocar, mais uma vez, Diogo +do Couto e Gaspar Frutuoso; e mais uma vez afirmou que as duas +individualidades (Bernardim Ribeiro e Cristovam Falcão de +Sousa) <em>não +podem jàmais confundir-se</em>. <br /> + + +<br /> + + +Perfeitamente de acordo, n'esta parte, com o venerado professor! <br /> + + +<br /> + + +Cristovam Falcão, o iletrado autor das +<em>Quartas</em>, não póde +jàmais confundir-se com +Bernardim Ribeiro, o mavioso autor da <em>Carta</em> e +da <em>Ecloga de Crisfal</em>... <br /> + + +<br /> + + +Pelo que, implicitamente, fica demonstrado que nós +não temos dúvida em adoptar +uma ou outra das conclusões do presidente da Academia das +Sciencias de Portugal, apesar de todo o nosso hipercriticismo, como +está vendo o nosso <em>prezadíssimo amigo</em>!<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<h3><a name="c5"></a>V<br /> + + +<br /> + + +O artigo «Movimento litterário» </h3> + + +<br /> + + +Como os leitores viram, pela reprodução que +fizemos no primeiro capítulo d'este trabalho, no artigo que +publicamos nas colunas do diário «A +Lucta», sob a epigrafe: +«<em>Os processos... scientificos do snr. dr. +Theóphilo +Braga</em>», salientámos várias +inexactidões contidas no capcioso desarrazoado que o +professor do Curso Superior de Letras estampou no jornal «O +Dia», a pretexto de dar notícia do movimento +literário português no ano de 1908. <br /> + + +<br /> + + +Não insistiremos sobre os pontos já visados, +embora prestassem o flanco a mais largas +considerações, mas nem o tempo nos é +sobejo nem tam pouco desejamos abusar da benevolência dos que +nos lêem, prolongando demasiadamente este +comentário desenfastiado e despretencioso ás +refutações embrogliadoras e falhas +de sinceridade do snr. dr. Theóphilo Braga. <br /> + + +<br /> + + +Sem a publicação do artigo +<em>Movimento litterário</em>, aguardariamos +pacientemente a futura refundição do livro +consagrado ao estudo dos poetas bucolistas pelo egrégio +professor, e só em face das novas exegeses fantasiadas pelo +snr. +<span class="pagenum">[64]</span> +dr. Theóphilo Braga +viriamos a público dizer o que se nos oferecesse, +defendendo, o melhor que soubessemos e pudessemos, as +conclusões que apresentámos no nosso trabalho +sobre o <em>Poeta Crisfal</em>. <br /> + + +<br /> + + +Não o quis assim o distinto escritor açoreano. +Seja feita a sua vontade! <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<h4>1 </h4> + + +<div class="quote2 tinyl">«...o snr. Delfim +Guimarães publicava o seu +livro <em>Bernardim Ribeiro―O Poeta +Crisfal</em>, em que resume o já sabido da biographia +do auctor da Menina e Moça, forçando +interpretações de versos a significarem os factos +que imagina.» </div> + + +<br /> + + +<div class="signature"><em>Do artigo +«Movimento +Litterario</em>.»</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +Na opinião soberana do consagrado professor, no nosso livro +sobre Bernardim Ribeiro resumimos o <em>já sabido</em> +da +biografia do autor da <em>Menina e moça</em>, e +forçámos interpretações de +versos a significar os factos que imaginámos! <br /> + + +<br /> + + +Tem carradas de razão o implacavel crítico quando +proclama, desdenhoso, que nós resumimos o que já +era sabido da biografia do grande poeta bucolista. <br /> + + +<br /> + + +Resumimos quanto pudemos, exageradamente talvez, o que <em>já +era +sabido</em> da biografia de Bernardim Ribeiro, mas muito de +propósito assim procedemos, para que ninguem, em face do +nosso trabalho, pudesse dizer com justiça que fôra +nosso intento fazer substituir no mercado o livro do snr. dr. +Theóphilo Braga pelo nosso. <br /> + + +<br /> + + +É certo que nos poderiamos ter conduzido pela mesma +fórma adoptada pelo consciencioso escritor ao <em>resumir</em> +no seu +<em>Garrett</em> o trabalho +<span class="pagenum">[65]</span> +desenvolvido de Gomes de Amorim, mas +não quisemos seguir semelhante conduta, muito embora +pudessemos invocar, como modêlo, o exemplo que nos fornecia o +historiador da <b>Litteratura Portugueza</b>. <br /> + + +<br /> + + +Não quisemos enveredar por esse caminho, e não +estamos arrependidos, apesar do remoque com que fomos alvejados. Cada +qual segue os processos que muito bem entende, mais em harmonia com o +seu temperamento ou educação. <br /> + + +<br /> + + +Resumimos o já sabido da biografia de Bernardim, +é um facto; mas tivemos o cuidado de não +aproveitar aquela descoberta mais que problemática que +localizou a <em>Quinta dos +Lobos</em> na <em>Quinta da Piedade</em>, em Sintra, +e +nem por um momento nos passou pela cabeça perfilhar as +palavras do snr. dr. Theóphilo Braga quando vê +«<b>a persistencia do elemento +mauresco, na paixão exaltada do poeta e no calor +surprehendente da sua linguagem</b>».<sup><a href="#7">[7]</a></sup><br /> + + +<br /> + + +Não seguimos tam pouco na esteira do eminente exegeta quando +s. ex.<sup>a</sup> pinta, ao sabor da sua fantasia +rocamboliana, Bernardim Ribeiro: «<b>moreno, fino e +enchuto de carnes, com a +perdição no olhar e a fatalidade invencivel no +amor</b>.»<sup><a href="#8">[8]</a></sup><br /> + + +<br /> + + +Resumimos o já sabido da biografia de Bernardim, alto e bom +som o declaramos; mas alguns erros tivemos ocasião de +apontar ao biógrafo ilustre do autor da <em>Menina e +moça</em>, para que os corrija, querendo, nas futuras +edições, pelo que nenhum agradecimento nos deve, +seja dito. <br /> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[66]</span> +Que teria perdido o renome universal do Mestre em se mostrar, +não diremos mais benevolente, mas mais justo? Oh! o +positivismo!... <br /> + + +<br /> + + +Mas assevera o snr. dr. Theóphilo Braga que nós <b>forçamos +interpretações de versos a significarem os factos +que imaginamos</b>! <br /> + + +<br /> + + +Onde viu s. ex.<sup>a</sup> essas +interpretações +forçadas? <br /> + + +<br /> + + +Tendo-as visto, por que motivo não veio +indicá-las em público, para +exautoração do nosso <em>hipercriticismo</em>, +para maior +glória do seu laureado nome, para mais intenso fulgor da +nossa História literária? <br /> + + +<br /> + + +Forçâmos interpretações de +versos! <br /> + + +<br /> + + +Se o professor de literatura estivesse de boa fé, e +entendesse realmente que nós haviamos errado a +interpretação de versos de Bernardim, que lhe +competia fazer, que lhe cumpria fazer? <br /> + + +<br /> + + +―Indicar-nos onde haviamos errado, fazendo-nos ver que estavamos em +erro; e quando s. ex.<sup>a</sup> nos convencesse da +razão das +suas corrigendas, ou reprimendas, acredite o snr. dr. +Theóphilo Braga que havia de ver-nos confessar, com +honestidade, sem o menor rebuço, que tinhamos errado, e +não fugiriamos a apregoar que o ilustre censor nos aplicara +umas palmatoadas merecidas. <br /> + + +<br /> + + +Mas quando mesmo (o que não está demonstrado) +tivessemos incorrido em erros ao interpretar versos de Bernardim, +tinha, porventura, o snr. dr. Theóphilo Braga a precisa +autoridade para os apontar por aquela fórma agressiva, com +semelhante crueza? <br /> + + +<br /> + + +―Não tinha. S. ex.<sup>a</sup> não +póde arguir +quem quer que seja de <em>forçar +interpretações</em>, porque +<span class="pagenum">[67]</span> +ninguem como o professor do Curso Superior de +Letras é useiro em amoldar +interpretações de versos ao sabor da sua +imaginação. <br /> + + +<br /> + + +Para que ninguem nos incrimine de injustos para com o snr. dr. +Theóphilo Braga, vamos demonstrar com exemplos colhidos em +obras do Mestre algumas +<em>interpretações</em> +bizarras, que oferecemos ao critério dos que nos +lêem: <br /> + + +<br /> + + +N'uma das éclogas de Bernardim Ribeiro, o poeta bucolista, +referindo-se a uma visita que lhe fez o seu amigo Sá de +Miranda, escreveu a narrar o facto: <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="poetry"> +<table style="text-align: left; width: 251px; height: 39px;" border="0" cellpadding="2" cellspacing="2"> + + + <tbody> + + + <tr> + + + <td> + + <div class="dots"></div> + + + </td> + + + </tr> + + + + </tbody> +</table> + + +e neste mêo chegou<br /> + + +um pastor seu +conhecido,<br /> + + +e que dormia cuidou. <br /> + + +<br /> + + +Franco de Sandovir era<br /> + + +o seu nome, e buscava<br /> + + +ũa frauta que perdera,<br /> + + +que elle mais que a si amava.<br /> + + +Este era aquelle pastor<br /> + + +a quem Celia +muito amou,<br /> + + +ninfa do maior primor<br /> + + +que em Mondego se banhou,<br /> + + +e que +cantava melhor.</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +Veja-se como o snr. dr. Theóphilo Braga anotou estes versos: +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="quote1">«<b>Deve entender-se +que foi o pastor, que se banhou +no Mondego, e não Celia, como pode inferir-se</b>.» +</div> + + +<br /> + + +<div class="signature"><em>Sá de Miranda +e a Eschola Italiana, p. +49</em></div> + + +<br /> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[68]</span> +<div class="break"> +<hr /></div> + + +<br /> + + +<br /> + + +Na écloga em que Bernardim adoptou o criptónimo <em>Crisfal</em>, +descreve o poeta a +aparição da mulher amada, que vê em +sonho <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="poetry">vestida de <b>arenoso</b>,</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +ou seja de amarelo, a côr simbólica do pesar ou +desespero, o que qualquer bronco namorado de aldeia sertaneja +não ignora. <br /> + + +<br /> + + +Pois o snr. dr. Theóphilo, querendo fazer da mulher amada +por <em>Crisfal</em> uma +freira cisterciense, interpretou a passagem aludida pela seguinte +maneira: <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="quote1"> +«<b>Crisfal viu a sua Maria vestida de +côr de arenoso, ou do habito amarellado da Ordem +cisterciense</b>...» </div> + + +<br /> + + +<div class="signature"><em>Obras de Christovam +Falcão, p. +11</em></div> + + +<br /> + + +<br /> + + +Ora o hábito da Ordem de Cister não era +amarelado, mas branco! <br /> + + +<br /> + + +Não obstante, seguindo o mesmo critério, o +distinto professor tambem quis reivindicar para o suposto poeta +Falcão a paternidade de uma poesia de Bernardim Ribeiro +consagrada a <em>uma senhora que se vestiu de amarelo</em>... +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="poetry">Té aqui me pude enganar,<br /> + + +mas agora que podeis<br /> + + +trazer a <b>côr +do pesar</b><br /> + + +pera mim só a trazeis...</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +que o snr. dr. Theóphilo Braga comentou pelo seguinte +processo <em>inductivo</em>:<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[69]</span> +<div class="quote1">«<b>Ora o amarello +só +podia ser côr de pezar no caso de representar a +cúgula cisterciense; e em vista dos factos sabidos, +só estava no caso de escrever esta cantiga Christovam +Falcão, e não Bernardim Ribeiro pelo que se sabe +da sua vida</b>.»</div> + + +<br /> + + +<div class="signature"><em>Obras de Christovam +Falcão, p. +12</em></div> + + +<br /> + + +<br /> + + +Mas, felizmente para a memória do poeta bucolista, a poesia +em questão foi uma das que o benemérito Garcia de +Rèsende reproduziu no Cancioneiro Geral, publicado em 1516, +quando Cristovam Falcão de Sousa... ainda andava de coeiros, +se é que já pertencia ao numero dos vivos... <br /> + + +<br /> + + +Ora que distinção concederia o ilustre professor +áquele dos seus discípulos que, interrogado sobre +a <em>côr branca</em> do +cavalo de Napoleão 1.º, lhe respondesse que o +sobredito imperial cavalo <em>branco</em>... era +<em>amarelo</em>?<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="break"> +<hr /></div> + + +<br /> + + +<br /> + + +Em uma das suas éclogas, o poeta-filósofo +Sá de Miranda, aludindo ao Amor, causa da desventura do seu +camarada Bernardim Ribeiro, expressa-se por esta fórma: <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="poetry1">Amor burlando vá, muerto +me deja;<br /> + + +Tiene de que por +cierto; a su merced<br /> + + +Como de señor vine; armó la +red,<br /> + + +Puso me en prision dura, ende me aqueja;<br /> + + +Cada ora mas se aleja<br /> + + +De +mi, mucho cruel. Quien me desmiente?<br /> + + +Ah que lo saben todos! quien +ganó<br /> + + +El precio de la lucha, ese perdió!<br /> + + +Enemigo +señor que tal consiente!</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[70]</span> +Pois no Amor, no travesso, inconstante e cruel Cupido, o snr. dr. +Theóphilo viu nada menos que a +personificação do favorito d'el-rei D. +João III, D. António de Ataíde, +conde da Castanheira! <br /> + + +<br /> + + +Para que os leitores não julguem que fomos nós +que interpretamos mal quaesquer palavras do arguto exegeta, +reproduzimos a sua anotação: <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="quote1">«...<b>aquelle retrato +do inimigo senhor que tal +consente, bem se parece com o omnipotente valido o conde da Castanheira</b>.» +</div> + + +<br /> + + +<div class="signature"><em>Sá de Miranda +e a Eschola Italiana, p. +206</em></div> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="break"> +<hr /></div> + + +<br /> + + +<br /> + + +Por um recente trabalho do nosso estimado camarada Hemetério +Arantes sobre Frei Agostinho da Cruz, já os leitores +não ignoram que o professor do curso Superior de Letras fez +de <b>um gato bravo... uma cavalgadura</b>, e +do <b>Monte do Lobo... um lobo</b> carniceiro que devorou, +chamando-lhe um figo, a sobredita cuja cavalgadura! <br /> + + +<br /> + + +Para fechar esta exposição, referiremos ainda +mais um interessante episódio exegético da obra +do Mestre: <br /> + + +<br /> + + +Em uma das poesias líricas de Luis de Camões, +alude o grande poeta á desventura que desde a +infância o perseguia, como se vê dos seguintes +magoados versos: <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="poetry1">Foi minha ama uma fera; que o destino<br /> + + +Não quis que mulher +fosse a que tivesse<br /> + + +Tal nome para mi, nem haveria.<br /> + + +Assi criado fui +porque bebesse<br /> + + +O veneno amoroso de menino...</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[71]</span>de que tambem se +conhece a seguinte variante: +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="poetry1">Por ama tive ũa fera, que o destino<br /> + + +Não quis que +melhor fosse a que tivesse<br /> + + +Para o que elle de mi fazer queria...</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +Em face da segunda versão, concluiu o snr. dr. +Theóphilo Braga, arguciosa e sibilinamente: <br /> + + +<br /> + + +<div class="quote1">«<b>Esta +versão tira todo o sentido +figurado á antecedente, e d'aqui se conclue, que +Camões fora amamentado por uma alimaria, etc.</b>» +</div> + + +<br /> + + +<div class="signature"><em>Historia de +Camões, Parte II, Livro II, p. +564</em></div> + + +<br /> + + +<br /> + + +Esta ideia verdadeiramente original de interpretar os versos de +Camões, dando-lhe por ama uma <b>alimária</b>, +ou seja uma +cavalgadura ou uma besta, corre parelhas com a +interpretação dada á <em>gineta</em> +de Frei +Agostinho da Cruz. <br /> + + +<br /> + + +Não se póde dizer que o eminente professor +faça de um argueiro um cavaleiro, mas não ha a +menor dúvida de que s. ex.<sup>a</sup> +transforma um gato bravo e uma brava ama de leite... em cavalgaduras! <br /> + + +<br /> + + +Pelo que respeita á ama de Camões, o que vale ao +snr. dr. Theóphilo Braga é o facto do nosso +grande épico não poder, com facilidade, +escapulir-se do túmulo em que repousa no Panteão +dos Jerónimos, <em>si vera est +fama</em>! De contrário, o <em>Trincafortes</em> +era capaz de fazer +uma das suas. <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +Parece-nos que fica suficientemente demonstrado quem é que +fórça +interpretações de versos alheios a significarem +aquilo que imagina...<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[72]</span> +<h4>2 </h4> + + +<div class="quote2 tinyl">«Como lhe nasceu no +espirito a ideia de fazer esta +descoberta? Pela impressão que lhe causára a +leitura dos versos de Bernardim Ribeiro e os de Christovam +Falcão―«dois poetas de temperamento +semelhante, com eguaes influencias e educações +litterarias, com eguaes episodios nos seus infortunados amores, e +havendo entre ambos versos absolutamente eguaes.»</div> + + +<br /> + + +<div class="signature"><em>Do artigo +«Movimento +litterário»</em></div> + + +<br /> + + +<br /> + + +Pela transcrição que o snr. dr. +Theóphilo Braga indica, póde alguem acreditar que +foram realmente aquelas as palavras por nós empregadas no +nosso estudo. Não foram. O ilustre professor modificou a seu +bel-prazer o que nós escrevemos, que se lê a +paginas 6 do nosso livro sobre Bernardim: <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +«Muito embora o temperamento dos dois poetas fosse +semelhante, mesmo muito semelhante, e eguaes as influências e +educações +literárias que houvessem recebido; embora fossem eguaes os +episódios dos seus infortunados amores, é +estranho que por fórma tam +absolutamente semelhante traduzissem o seu sentir, revelassem o seu +temperamento artístico, chegando a empregar versos +absolutamente eguaes! etc.».<br /> + + + <br /> + + +<br /> + + +Porque não reproduziu, +<em>fielmente</em>, o snr. dr. Theóphilo Braga +aquilo que escrevemos? Estranha maneira de exercer a +crítica... moderna!<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[73]</span> +<h4>3 </h4> + + +<div class="quote2 tinyl"> +«D'aqui o identificar os dois poetas em um unico; como +conseguil-o? Considerou a individualidade poetica de Cristovam +Falcão como uma lenda estupida formada pelos genealogistas, +e formou o nome de <em>Crisfal</em> indo buscar +á tôa ás palavras <em>Crisma +falsa</em>, tirando-lhes +as syllabas iniciaes para designarem a seu talante Bernardim +Ribeiro.» </div> + + +<br /> + + +<div class="signature"><em>Do artigo +«Movimento +litterário»</em></div> + + +<br /> + + +<br /> + + +Afirma o snr. dr. Theóphilo Braga que consideramos a +individualidade poética de Cristovam Falcão como +uma lenda estúpida formada pelos genealogistas... Onde +encontrou s. ex.<sup>a</sup> a base em que firma a sua +menos +verdadeira afirmativa? <br /> + + +<br /> + + +Vamos reproduzir o que escrevemos a paginas 9/10 do nosso livro, para +desfazer a arbitrária interpretação do +venerado professor. <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="quote1">«Cotejámos +então as +referências de Bernardim a Francisco de Sá com a +alusão que na écloga de <em>Crisfal</em> +haviamos interpretado como visando esse poeta, e qual não +foi a nossa alegria, a nossa viva +satisfação ao reconhecer que os versos de <em>Crisfal</em> +que alvejavam Miranda +condiziam perfeitamente com as referências das +éclogas de Bernardim ao seu grande amigo e confidente! +Não condiziam apenas: completavam, aclaravam, a nosso ver, +essas alusões.</div> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[74]</span> +<div class="quote1">«Fez-se então uma +grande luz no nosso +espírito. +Não se tratava de dois poetas muito parecidos, de um creador +e de um imitador. Bernardim Ribeiro e +<em>Crisfal</em> eram um ùnico poeta. O trovador +Cristovam Falcão era o produto de uma lenda nascida da +interpretação dada pelo vulgo ao anagrama <em>Crisfal</em>. +<br /> + + +<br /> + + +«E, para que o nosso convencimento mais se robustecesse, +lá estavam os dizeres alusivos á ecloga de +<em>Crisfal</em> da +edição de Colónia, revelada pelo snr. +dr. Th. Braga, e estudada pelo snr. Epiphánio Dias: +«<em>que dizem ser</em> de +Cristovam Falcão, <em>ao que parece +aludir</em> o nome da mesma écloga.» <br /> + + +<br /> + + +«<em>Que dizem ser</em>... +<em>ao que parece aludir</em>... <br /> + + +<br /> + + +«Isto, a nossos olhos, era decisivo. «Os editores +de 1559 das obras de Bernardim Ribeiro, e antes de eles os de 1554, +como depois viemos a apurar, tinham registado com +relação á +écloga uma fábula que devia datar da primeira +edição das <em>Trovas de Crisfal</em>, +etc.»</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +O que nós dissemos, pois, e isso sustentâmos, +é que a individualidade poética de Cristovam +Falcão nascera da errada interpretação +prestada pelo vulgo ao anagrama +<em>Crisfal</em>,―fábula que os editores de +1554 e 1559 das obras de Bernardim Ribeiro tinham registado, <em>sob +reservas</em>. <br /> + + +<br /> + + +Como haviamos nós de propalar terem sido os genealogistas +que formaram a lenda, se os genealogistas, depois de 1554 e 1559, +é que foram buscar as <em>tradições +vagas</em> recolhidas pelos editores de Bernardim? <br /> + + +<br /> + + +Onde estão os genealogistas anteriores ás +<span class="pagenum">[75]</span> +edições de +Ferrara e de Colónia que se +fizessem éco da fábula do +<em>Crisfal</em>? <br /> + + +<br /> + + +Ah! malfadados <em>processos inductivos da +crítica moderna</em>! <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +Diz o snr. dr. Theóphilo Braga que nós fomos +buscar <em>á tôa</em> as +primeiras sílabas das palavras <em>Crisma</em> +e +<em>falso</em> para a nosso alvedrio +designarem Bernardim Ribeiro! <br /> + + +<br /> + + +Não foi <em>á +tôa</em>, como inculca o nosso acerbo censor, que +conseguimos apurar a constituição do +criptónimo <em>Crisfal</em>; e +que não foi á tôa sabe-o muito bem o +implacavel critico, que não deixou de ler, e que +até a reproduziu, a +explicação que sobre tal facto demos: <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="quote1">«Alcançada a +convicção de +que <em>Crisfal</em> era um anagrama de Bernardim Ribeiro, +e norteados pelo conhecimento de que nas suas +produções o poeta mudava constantemente os seus +nomes pastoris, com um pequeno trabalho de raciocínio +não nos foi dificil deduzir a +constituição do +criptograma, que era formado pelas primeiras sílabas das +palavras +<em>Crisma</em> e +<em>Falso</em>.»</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +E corroborando estes dizeres do prólogo do nosso livro (p. +10), escrevemos mais adeante (p. 82/83) ao tratar da +interpretação da +écloga atribuida ao suposto <em>Crisfal</em>, +Cristovam: <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="quote1">«Bernardim deduziu o +anagrama com que se denomina n'esta +écloga das palavras <em>Crisma</em> e +<em>Falso</em>, de que aproveitou as primeiras +sílabas, formando assim a palavra <em>Crisfal</em>.</div> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[76]</span> +<div class="quote1">«Os nomes pastoris que +figuram n'esta écloga, +obedecendo á ideia que fundamentou a +composição, são todos êles +<em>crismas falsos</em>, sendo dificil profundar quaes as +personagens reaes que o poeta pôs em scena, o que deu lugar a +erradíssimas +interpretações, contribuindo para que tomasse +vulto a lenda, que resultou do próprio anagrama <em>Crisfal</em>, +que foi tomado como deduzido dos nomes de Cristovam +Falcão.»</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +Não foi á tôa mas seguindo uma +orientação criteriosa, que +alcançámos a verdade, que nenhuma +subtileza conseguirá destruir já agora. <br /> + + +<br /> + + +Outro-tanto não se póde dizer da maneira pela +qual o snr. dr. Theóphilo Braga conseguiu, por exemplo: +decretar os <b>cantos de ledino, estampar como documento do +século XVI um apócrifo contendo versos do +século XVIII, e fazer Camões bacharel formado... +em latim pela Universidade de Coimbra</b>! <br /> + + +<br /> + + +Se nós, invocando esses precedentes, ousassemos retorquir +que <em>á +tôa</em> costumava proceder o escritor que +contraditâmos, caía-nos em cima o Carmo e a +Trindade! <br /> + + +<br /> + + +<em>Á tôa!</em>... +É realmente forte, e não deixa de ofender. <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<h4>4 </h4> + + +<div class="quote2 tinyl">«Mas, como se +póde chamar estupida a lenda +genealogica se os nomes contidos na écloga de <em>Crisfal</em> +condizem com os seus +parentes taes como o de <em>Pantaleão</em> Dias +de +Landim, seu avô, e a Joanna, que lhe denuncia o casamento +clandestino, uma prima, como o notou o snr. Jordão de +Freitas?» </div> + + +<br /> + + +<div class="signature"><em>Do artigo +«Movimento +litterário».</em></div> + + +<br /> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[77]</span> +<em>Lenda genealógica</em>, chama +o snr. dr. Theóphilo Braga á lenda do <em>Crisfal</em>, +como se fossem os genealogistas que a inventassem, quando s. ex.<sup>a</sup> +muito bem sabe que estes não +tiveram tal primasia... O caso está sobejamente debatido, e +por isso não vale a pena perder mais tempo com tam ruim +defunto. <br /> + + +<br /> + + +Tratemos do <em>Pantaleão</em>... <br /> + + +<br /> + + +Na eclóga de +<em>Crisfal</em>, refere se Bernardim ao <em>Val de +Pantaleão</em>... <br /> + + +<br /> + + +O snr. dr. Theóphilo Braga, interpretando erradamente uma +passagem da <em>Pedatura</em> +do genealogista Alão de Moraes, em que se mencionava o +casamento de uma parenta remota de Maria Brandôa com um +João +<em>Patalim</em>, escreveu a pag. 344 do seu livro <em>Bernardim +Ribeiro e o Bucolismo</em>: <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="quote1">«Pelo Manuscripto +já citado de Alão +de Moraes acha-se noticia do aqui chamado <em>Val de +Pantaleão</em>: D. +Joanna, tia avó de D. Maria Brandão, casara a +primeira vez com João +<em>Pantalião</em>; +etc.»</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +No nosso estudo sobre Bernardim Ribeiro, desfizemos esse erro, +escrevendo a pag. 159: <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="quote1"> +«O ilustre professor equivocou-se na leitura do texto. +Não se trata de nenhum João +<em>Pantalião</em>, como +erradamente leu, mas sim de um João +<em>Patalim</em>, que é o que se lê no +manuscrito de Alão de Moraes, como verificámos +por nossos próprios olhos.»</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +Desfeita essa interpretação, não se +dá o snr. +<span class="pagenum">[78]</span> +dr. +Theóphilo Braga por vencido, e vae agarrar-se a um avoengo +de Maria Brandôa para justificar a referência ao <em>Val +de +Pantaleão</em>... <br /> + + +<br /> + + +Quanto á <em>Joana</em>, o caso +não é menos interessante... <br /> + + +<br /> + + +Vejamos o que, no seu <em>Bernardim Ribeiro e o Bucolismo</em> +(pag. 342), escreveu o snr. dr. +Theóphilo Braga em 1897: <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="quote1">«Esta Joanna, que denunciou +os amores de Crisfal e Maria, +era D. Joanna Pereira, sua irmã mais velha; Maria era a mais +nova, de cinco filhos que tinha o Contador João +Brandão.»</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +Foi esta mais uma <em>gaffe</em> em que o +snr. dr. Theóphilo incorreu, por haver confiado +demasiadamente nos créditos do genealogista Alão +de Moraes. <br /> + + +<br /> + + +A pag. 162 do nosso livro sobre o <em>Poeta Crisfal</em>, +desfizemos esse erro, escrevendo: <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="quote1">«Maria Brandão, a +lendária amada do <em>Crisfal</em>, +não teve nenhuma +irman! era filha única!»</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +Em face da corrigenda, o distinto escritor não se sentiu com +coragem para sentencear que Joana era irman natural de Maria +Brandôa, mas procurou arranjar (iamos a escrever <em>á +tôa</em>, mas não tivemos coragem) outra +Joana, e, á primeira que encontrou á +mão, chamou-a em seu auxílio. <br /> + + +<br /> + + +Dera-se o caso de o snr. Jordão de Freitas, distinto +funcionário da biblioteca da Ajuda, no louvavel empenho de +auxiliar aqueles que +<span class="pagenum">[79]</span> +quisessem +discutir a questão literária suscitada pelo nosso +livro, publicar no «Diario de Noticias» o resultado +das suas pesquizas nos arquivos, reproduzindo quanto julgou +interessante para o estudo do problema. <br /> + + +<br /> + + +Fez s. ex.<sup>a</sup> menção de uma +parenta de Maria Brandôa com o nome de Joana... <br /> + + +<br /> + + +Como um naufrago, que se agarra á primeira táboa +que lobriga ao alcance da mão, o snr. dr. +Theóphilo agarrou-se (no bom sentido da palavra, bem +entendido!) á sobre-dita Joana, e, radiante de +contentamento, exclamou:―«Estou salvo!» <br /> + + +<br /> + + +E, julgando-se, realmente, salvo da rascada, escreveu ufano: <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="quote1"> +«...a Joanna, que lhe denuncia o casamento clandestino, +uma prima, como o notou o sr. Jordão de Freitas.» +</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +A esse engano de alma, ledo e cego, foi arrancá-lo o snr. +Jordão, desapiedadamente na carta que, a +propósito, dirigiu ao +«Dia», e de que reproduziremos a parte essencial: <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="quote1">«O sr. dr. +Theóphilo Braga equivocou-se na sua +referencia a Joanna e ao que diz ter sido notado por mim. +<div class="dots"><br /> + + +</div> + + +<br /> + + +...tive unicamente em vista assentar que Joanna Brandão +não era tia avó de Maria Brandão, como +erroneamente escrevera o sr. dr. Theophilo Braga, mas sim sua prima +remota.</div> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[80]</span> +<div class="quote1">«Tão remota, +direi agora, que era neta de um +irmão (Diogo Lopes Brandão) do 4.º +avô +(Gonçalo Brandão) de +Maria Brandão (Bibliotheca Real da Ajuda, 49-XII-28, pag. +259). <br /> + + +<br /> + + +«Sendo assim, nem é presumivel que aquella +chegasse a viver no tempo de Maria Brandoa, quanto mais que andasse a +pastorear com ella, etc.»<sup><a href="#9">[9]</a></sup></div> + + +<br /> + + +<br /> + + +Veremos, depois de este insucésso, que nova Joana nos +apresentará na primeira oportunidade o distinto escritor... <br /> + + +<br /> + + +Quem sabe se a Joana do <em>Crisfal</em> +não teria sido aquela encantadora Joaninha dos olhos verdes, +que tanto enfeitiçou Garrett... Mas não; em caso +contrário o autor das +<em>Viagens</em> não deixaria de mencionar essa +circunstância! <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="break"> +<hr /></div> + + +<br /> + + +<br /> + + +Na estrofe de Bernardim Ribeiro, na écloga <em>Crisfal</em>, +em que a amada do poeta se +refere a ter passado para o <em>casal da Figueira</em> +do <em>Val de Pantaleão</em>, +designações que a nosso ver disfarçam, +sob <em>falsos crismas</em>, os nomes +verdadeiros da casa e localidade para onde se transferiu, talvez +após o casamento, a decantada +<em>Aonia</em>, encontra-se, nítida, a +alusão á ultima +entrevista dos namorados: <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="poetry">«Quando contigo falei<br /> + + +aquela ultima vez,<br /> + + +o choro que +então chorei,</div> + + +<span class="pagenum">[81]</span> +<div class="poetry">que o teu chorar me fez,<br /> + + +nunca o +esquecerei.<br /> + + +Foi esta a vez derradeira,<br /> + + +mas começo de +paixão,<br /> + + +passando-me eu então <br /> + + +era o casal da +Figueira<br /> + + +do Val de Pantalião.»</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +Achamos interessante reproduzir, n'esta altura, do capítulo +XXVIII da <em>Menina e +moça</em>, os periodos referentes á ultima +entrevista de +<em>Bimnarder e Aonia</em> para que os leitores, com maior +facilidade, possam orientar o seu juizo, verificando a absoluta +identidade entre as duas produções de Bernardim +Ribeiro: <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +«...Buscando achaque de querer lá ir pera +detraz das casas, levando Enis consigo, ouve tempo pera Aonia entrar +onde elle (Bimnarder) estava então deitado, escontra a outra +parte da parede, chorando, porque não vira Aonia ao passar, +que bem se podera elle erguer. E como isto perdera, cuidava tambem que +avia de perder a tornada; porque um mal nunca lhe viera sem outro; pelo +que estava no maior pranto do mundo, antre si. <br /> + + +<br /> + + +«Entrada Aonia, deteve-se um pouco, e sentiu que elle +chorava, e suspirava baixo, de maneira que como, naquello, se +forçava a si mesmo. <br /> + + +<br /> + + +«Ella, para ver se poderia saber o porquê, que tudo +desejava saber d'elle, deteve-se ainda mais; mas elle, com pensamentos +muitos, que sobrevinham ao choro, mais o acrescentava do que o +diminuia. <br /> + + +<br /> + + +«Assentando-se então Aonia na borda d'aquella sua +pobre cama, lhe pôs a mão, e quisera-lhe +<span class="pagenum">[82]</span> +dizer alguma cousa, mas +não pôde, que lhe faleceu o espirito. <br /> + + +<br /> + + +«Virando-se Bimnarder, e vendo a, tambem +lhe faleceu o seu. <br /> + + +<br /> + + +«Estiveram assi ambos um grande pedaço sem se +dizerem nada um ao outro: e elle, com os olhos postos em Aonia, e Aonia +postos os seus no chão, que, em se virando Birmnarder, tomou +vergonha. Levando-os assi á terra, cobriu-se-lhe o seu +fermoso rosto de uma tamalavez de côr, alem da natural; e +soía dizer meu pae (que parte d'esta historia em seu tempo +se soubera) que não parecia se não que viera +aquella côr como por ajudar ainda Aonia escontra Bimnarder, +tam formosa a ella, formosa, fizera. <br /> + + +<br /> + + +«Mas, estando assi nisto elles ambos, e não +estando elles ambos ali, chegou Enis muito rijo á porta, +dizendo que se queriam já ir, e que a mandavam chamar. <br /> + + +<br /> + + +«Assi, foi forçado levantar-se Aonia, e +ir se, e Bimnarder ver tudo, e ficar. <br /> + + +<br /> + + +«Mas Aonia, que bem via os olhos de Bimnarder como ficavam, +tomou uma manga de sua camisa, e, rompendo-a, pera remedio de suas +lagrimas lh'a deu, significando, na maneira só de como lha +deu, o pera que lh'a dava; que parece que a dor grande que sentia +não lh'o deixou dizer por palavras; mas, em lh'a dando, +pôs os olhos nos seus, dizendo-lhe só assi: <br /> + + +<br /> + + +―«Pesa-me, pois a minha ventura ou desaventura, +não quis que eu vos deixasse de magoar com o que eu +não quisera.»― <br /> + + +<br /> + + +«E estas palavras lhe disse já fora da porta. <br /> + + +<br /> + + +«E com ellas, e com o que sentiu ao dizer +<span class="pagenum">[83]</span> +d'ellas, duas e duas, lhe +começaram as lagrimas a correr dos seus fermosos olhos, e, +pelas suas faces fermosas abaixo, lhe iam fazendo carreiras por onde +iam, que Bimnarder a tanto pranto convidou quanta era a +rezão d'elle, pois perdia a vista. <br /> + + +<br /> + + +«Foi tanto o choro, que não lhe abastavam os seus +olhos ás suas lagrimas...»<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<h4>5 </h4> + + +<div class="quote2 tinyl">«Os manuscriptos +conhecidos de Bernardim Ribeiro andavam +ligados com os de Christovam Falcão, como se vê +pela +descripção do n.º 180 da Livraria do +Conde de Vimieiro: Obras em prosa e verso de Sá de Miranda, +Bernardim Ribeiro e Christovam Falcão;» </div> + + +<br /> + + +<div class="signature"><em>Do artigo +«Movimento +litterário».</em></div> + + +<br /> + + +<br /> + + +É com verdadeiro pesar que vemos o encanecido trabalhador +recorrer a processos como o que ressalta da +afirmação que deixamos +transcrita, só pela caturrice de não querer +confessar que errou... <br /> + + +<br /> + + +O leitor desprevenido ficou julgando, certamente, por honra da firma +que subscrevia o artigo <em>Movimento litterario</em>, que +na +livraria do Conde de Vimieiro tinham existido <em>os manuscritos +conhecidos de Bernardim Ribeiro</em>, que +<em>andavam ligados com os de Christovam Falcão</em>... +<br /> + + +<br /> + + +Pois, se tal ficou julgando, enganou-se redondamente. <br /> + + +<br /> + + +O snr. dr. Theóphilo Braga adulterou a verdade dos factos, +procurando talvez iludir-se a si proprio, pois não podemos +admitir que s. +<span class="pagenum">[84]</span> +ex.<sup>a</sup> +imaginasse, por tal processo, mistificar +alguem. É até possivel, muitissimo provavel +mesmo, que o ilustre escritor não pesasse devidamente as +palavras de que se serviu, e que assim incorresse, na melhor boa +fé, n'uma indesculpavel inexactidão. <br /> + + +<br /> + + +Vejamos onde o snr. dr. Theóphilo Braga foi fazer a +descoberta preciosa dos <em>manuscritos conhecidos de Bernardim +Ribeiro</em>... <br /> + + +<br /> + + +Ao n.º 180 do catalogo da Livraria do Conde de Vimieiro, como +consta do tomo V da +<em>Colleçam dos documentos, e memorias da Academia +Real da Historia Portugueza</em>. <br /> + + +<br /> + + +O distinto professor não indicou a +<em>fonte</em>, certamente por lapso, mas nós +conseguimos descobri-la sem carecer do auxílio de +<em>dunguinha</em>. <br /> + + +<br /> + + +Ouçamos agora a conferência do Conde da Ericeira, +D. Francisco Xavier de Menezes, em relação ao +codice N.º 180: <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="quote1">«Tem o volume que examinei +287 folhas, as quaes nos +primeiros numeros eram 330, porem as que lhe faltão, parecem +mudadas para outras Collecções, e sendo a letra, +e papel de duzentos annos de antiguidade, pois a folhas 122 se +acabão as noticias com a morte del Rei D. Manoel, que foi a +13 de Dezembro de 1521; se conserva este manuscripto inteiro, e em bom +estado +<div class="dots"><br /> + + +</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +(Traz a divisão do livro em 5 partes e segue: </div> + + +<br /> + + +<span class="pagenum"><a name="p85">[85]</a></span> +<div class="quote1">«A segunda +divisão deste livro consiste em algumas +Memorias de successos raros de Europa, como são uma carta +del Rei Ludovico de Hungria para o Emperador na ultima batalha que deu +ao Turco, uma +Relação dos infelizes principios de Luthero, e +outros. Seguem-se cartas de homens celebres d'aquelle tempo pelo seu +engenho, e graça, que entre as alusões jocoserias +descobrem memorias particulares: deste genero são sete de +Antonio Ribeiro Chiado, duas de Lourenço de Caceres, e +outros. As obras em prosa, e verso de Francisco de Sá de +Miranda, as de Bernardim Ribeiro, Christovão +Falcão, André Soares, Francisco de Moraes, Gil +Vicente, Duarte de Oliveira, o Barão D. Diogo Lobo, e outros +Poetas antigos, servem de verificar as varias +lições das impressas, e de restituir as +manuscriptas.»<sup><a href="#10">[10]</a></sup></div> + + +<br /> + + +<br /> + + +Como se vê, por uma fórma irrefragavel, +não se tratava dos manuscritos conhecidos de Bernardim +Ribeiro, <a href="#e6">como</a> não se +tratava egualmente de +manuscritos de Cristovam Falcão... <br /> + + +<br /> + + +Tratava-se de uma miscelánea manuscrita, em prosa e verso, +que continha produções de vários +poetas, e, entre essas, as que se atribuiam ao suposto <em>Crisfal</em>. +A simples +citação do nome de Cr. Falcão logo +após o de Bernardim não bastará para +se ajuizar que no manuscrito havia cópia das poesias que nas +obras de B. Ribeiro vinham atribuidas, sob reservas, ao suposto +trovador? <br /> + + +<br /> + + +Se nós, para documentarmos o nosso livro +<span class="pagenum">[86]</span> +<em>Bernardim +Ribeiro</em>, tivessemos +recorrido a expedientes semelhantes, como não seriamos +julgados pelo snr. dr. Theóphilo! <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<h4>6 </h4> + + +<div class="quote2 tinyl">«tambem o Arcediago do +Barreiro, dr. Jeronymo +José Rodrigues examinou no Porto um manuscripto analogo ao +das edições de 1559, em que vinham a <em>Menina +e Moça</em>, duas +eclogas de Bernardim Ribeiro―«e até se acham no +fim algumas poesias de Christovam Falcão, do que se faz +menção no mesmo logar de Nicoláo +Antonio.» (Innocencio, <em>Dicc. Bibliog.</em>)» +</div> + + +<br /> + + +<div class="signature"><em>Do artigo +«Movimento +litterario».</em></div> + + +<br /> + + +<br /> + + +O arcediago do Barreiro, invocado pelo snr. dr. Theóphilo +Braga, era o arcediago do Barroso, cujos apontamentos manuscritos foram +explorados por Innocencio. <br /> + + +<br /> + + +Vejamos o que o benemérito bibliófilo escreveu a +pag. 379 do seu <em>Diccionario Bibliographico portuguez</em>: +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="quote1">«Nos apontamentos +manuscriptos do arcediago de Barroso +Jeronymo José Rodrigues, de que já outras vezes +me aproveitei n'este volume, encontro ácerca do auctor da <em>Menina +e moça</em> o +trecho que se segue: </div> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[87]</span> +<div class="quote2">«As obras de Bernaldim +Ribeiro (que assim se acha escripto +o seu nome no manuscripto que lemos, e assim diz Nicolau Antonio na <em>Bibl. +Hispanica</em>, que vulgarmente era chamado) por sua muita +raridade são difficeis de encontrar, e duvidamos que +se hajam impresso todas. A <em>Bibl. +Lus.</em> faz só menção da +Menina e +moça, ou <em>Saudades de Bernardim Ribeiro</em>. +Além das impressões que alli cita, que +são tres, faz Nicolau Antonio menção +de uma, impressa em Lisboa em 1559, em 8.º, que em tudo tem +muita semilhança com o manuscripto, que tivemos alguns +tempos em nossa mão, e que vamos aqui extractar. O titulo em +nada desmente do que traz a <em>Bibl. Hisp.</em>, e +até se acham no fim algumas poesias de Christovam +Falcão, de que se faz menção n'este +mesmo logar de Nicolau Antonio.―O titulo que se lê no +manuscripto é: <em>Historia da Menina e +moça, por Bernaldim Ribeiro</em>. Principia: +<span style="font-style: italic;">«</span><em>Menina +e moça me levaram de +casa de minha may para muito longe</em>», e acaba: +«<em>Com demasiada ira disse contra a Donzela que ho +aly trouxera estas +palavras</em>». Consta de historia em prosa, e inclue +em alguns lugares poesias de gosto são e pura linguagem, +etc. E além da historia, acham-se no manuscripto duas +eclogas de que o abbade Barbosa talvez não teve noticia. Na +primeira são interlocutores Persio e Fauno; principia: +«<em>Nas selvas junto do mar</em>», e +consta de trinta e quatro estancias de dez versos cada uma.―Na segunda +são interlocutores Jano e Franco, principia: +«Dizem que havia um pastor», e acaba: +«Tambem tempo é tormento.»</div> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[88]</span> +<div class="quote2">«De tudo o que diz aqui o +arcediago de Barroso concluo, que +não só elle ignorou a existencia da moderna +edição da <em>Menina e moça</em>, +feita em +Lisboa no anno de 1785, mas tambem só conheceu de nome as +edições anteriores sem que lograsse ter presente +algumas d'ellas, pois que a tel-as visto, nenhuma novidade encontraria +nas duas éclogas que cita do tal manuscripto, onde pelo que +se mostra faltavam todas as outras já então +impressas.»</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +Não conheceu Innocencio a edição das +obras de Bernardim Ribeiro publicada em Ferrara em 1554, porque se a +houvesse conhecido logo concluiria que o manuscrito examinado pelo +arcediago de Barroso outra cousa não era mais do que uma +cópia incompleta d'essa +edição. <br /> + + +<br /> + + +Ignora o, porventura, o snr. dr. +Theóphilo Braga? <br /> + + +<br /> + + +Se o não ignora, para que veio a público com a +citação incompleta da passagem do +Diccionário de Innocêncio? <br /> + + +<br /> + + +Bom serviço prestou o arcediago de Barroso trasladando o +período inicial na novela na +edição de 1554, conforme o manuscrito que teve +entre mãos: «Menina e moça me levaram +de casa de minha may...» <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<h4>7 </h4> + + +<div class="quote2 tinyl">«Para que chamar +ineptos aos editores de Ferrara de 1554 e +de Colonia de 1559, por terem reproduzido esses textos manuscriptos +como os encontraram?» </div> + + +<br /> + + +<div class="signature"><em>Do artigo +«Movimento +litterario»</em>.</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[89]</span> +Chamámos ineptos aos editores das obras de Bernardim +Ribeiro, e que não erramos em nossa +apreciação demonstra-o evidentemente o +próprio snr. dr. Theóphilo Braga, quando na carta +que nos escreveu, referindo-se ás +edições +de Ferrara e de Colónia, diz terem sido feitas <em>por +curiosos sem critério litterário</em>. <br /> + + +<br /> + + +Se esses curiosos não fossem ineptos, podia porventura o +ilustre professor negar-lhes +<em>critério</em>? <br /> + + +<br /> + + +As rúbricas da edição de +Colónia, em 1559, são +reprodução das de 1554, como o +snr. dr. Theóphilo Braga não desconhece. <br /> + + +<br /> + + +Pertencem as rúbricas da edição de +1554 ao seu editor ou este não fez mais do que reproduzi-las +da primeira edição? <br /> + + +<br /> + + +Sem que seja conhecida a edição principe das +obras de Bernardim Ribeiro, não é possivel +aclarar este ponto, mas o que ninguem póde dizer com +autoridade é que taes +rúbricas: «que dizem ser... ao que parece +aludir...» pertencessem aos manuscritos do infortunado +Bernardim. <br /> + + +<br /> + + +«Por terem reproduzido <em>esses +textos</em> manuscriptos como os encontraram», escreveu +o snr. dr. Theóphilo Braga, procurando incutir que taes +edições foram feitas sobre os manuscritos +pertencentes ao Conde de Vimieiro e sobre o outro examinado pelo +arcediago do Barroso! <br /> + + +<br /> + + +A primeira edição das obras do poeta bucolista +resultou dos manuscritos de Bernardim Ribeiro, recolhidos +após a morte do apaixonado cantor de Joana, ou no ultimo +período da sua desventurada existência, e dados +á estampa por qualquer curioso sem critério +literário... <br /> + + +<br /> + + +E proclamando isto, que representa a expressão +<span class="pagenum"><a name="p90">[90]</a></span> +do nosso sentir pessoal, +estamos convencidos de que está com a nossa +opinião o snr. dr. Theóphilo Braga, que sempre +tem sustentado que as edições das obras de +Bernardim se fizeram sobre os manuscritos encontrados no seu +espólio....<br /> + + +<br /> + + +Mudará s. ex.<sup>a</sup> de +orientação? +Até prova em contrário, não +acreditamos. <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<h4>8 </h4> + + +<div class="quote2 tinyl">«...o dr. Alfredo da +Cunha deu alentos á grande +descoberta...» </div> + + +<br /> + + +<div class="signature"><em>Do artigo +«Movimento +litterário»</em></div> + + +<br /> + + +<br /> + + +«<em>Grande +descoberta</em>», é como o snr. dr. +Theóphilo Braga chama, ironicamente, ao resultado dos nossos +trabalhos... Pequena ou grande descoberta, o facto é que +està de pé, +não conseguindo o abalisado professor destrui-la. <br /> + + +<br /> + + +Compreendemos bem que isso seja pouco agradavel a s. ex.<sup>a</sup>, +que tanto se havia +<a href="#e7">empenhado</a> em pôr um +pedregulho sobre o caso do +poeta <em>Crisfal</em>, mas nós, +só pelo prazer de ser agradaveis ao ilustre escritor, +é que não vamos ressuscitar o trovador Cristovam +Falcão. Deixá-lo dormir em paz, serenamente. <br /> + + +<br /> + + +Quanto a descobertas grandes, lembra-nos citar uma que <em>in +illo tempore</em> fez o +snr. dr. Theóphilo Braga... <br /> + + +<br /> + + +Dirigia o distinto poeta snr. Joaquim de Araujo uma +publicação camoneana, cujo +título nos não ocorre. <br /> + + +<br /> + + +Vae se não quando recebe uma +comunicação do snr. dr. Theóphilo +Braga... Uma descoberta +<span class="pagenum">[91]</span> +importante... Nada menos que um parente ignorado do grande +épico Luis de Camões. <br /> + + +<br /> + + +Chamava-se o homem <em>Pero +Camões</em>, segundo o ilustre professor lera, +radiante, em determinado texto... <br /> + + +<br /> + + +Pois, senhores, na volta do correio, Joaquim de Araujo prevenia +generosamente o Mestre de que este errara a leitura do texto... O <em>Pero +Camões</em> do snr. dr. Theóphilo +Braga era um simples e inofensivo <b>pero +camoês</b>! <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<h4>9 </h4> + + +<div class="quote2 tinyl">«No noticiario de +outro jornal sairam +affirmações absolutas, proclamando a sensacional +descoberta, com uma sinceridade inconsciente que affasta de todo a +ideia de ironia.» </div> + + +<br /> + + +<div class="signature"><em>Do artigo +«Movimento +litterário»</em></div> + + +<br /> + + +<br /> + + +Por esta fórma pouco... +<em>generosa</em> se referiu o snr. dr. +Theóphilo Braga ás palavras de +caloroso elogio com que o ilustre escritor snr. José Pereira +Sampaio, em carta publicada no «Diario da Tarde», +do Porto, valorizou com o prestígio do seu nome o fruto do +nosso trabalho. <br /> + + +<br /> + + +Contra a injusta apreciação do professor do Curso +Superior de Letras, já lavrámos o nosso protesto, +de amigos e admiradores de +<em>Bruno</em>, no artigo que publicámos na +«Lucta» e +que vae transcrito no primeiro capítulo d'este livro. <br /> + + +<br /> + + +Quando mesmo, o que não sucede, o ilustre escritor portuense +estivesse em erro, era digna de todo o respeito a sua +opinião, e não seria +<span class="pagenum">[92]</span> +nunca o snr. dr. Theóphilo Braga, +com a sua consciente falta de sinceridade, quem teria direito para o +arguir pela maneira insólita por que o fez. <br /> + + +<br /> + + +Será, porventura, o +<em>positivismo</em> inimigo inconciliavel da +Justiça? <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<h4>10 </h4> + + +<div class="quote2 tinyl">«A verdadeira +descoberta pertence ao snr. Braancamp Freire +determinando a epoca em que esteve em Flandres João +Brandão Sanches, e quando elle morreu, dando nos assim a +data em que existiram os amores de sua filha unica D. Maria +Brandão, a do Crisfal, que plausivelmente se fixam em 1530. +O documento de 1527 refere se a Christovam Falcão, com a +tença de moço +fidalgo leva a deduzir que nascera em 1512.» </div> + + +<br /> + + +<div class="signature"><em>Do artigo +«Movimento +litterário»</em></div> + + +<br /> + + +<br /> + + +Fixa o snr. dr. Theóphilo em 1530 os amores do suposto poeta +com a sua suposta amada Maria Brandôa. <br /> + + +<br /> + + +Muito bem. <br /> + + +<br /> + + +Admitindo que assim fosse, só depois de 1530 Cristovam +Falcão poderia ter produzido a <em>Carta</em> e +a +<em>Écloga</em> que lhe foram +atribuidas... <br /> + + +<br /> + + +Ora como podia isto ser, em face dos <em>processos inductivos da +critica moderna</em>, tam preconizados pelo snr. dr. +Theóphilo Braga? <br /> + + +<br /> + + +Ouçamos a lição autorizada do ilustre +professor, que se lê a pag. 4 da sua chamada +edição das obras de Cristovam Falcão: <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +«<b>Se Christovam Falcão escrevesse +depois de 1527, quando Sá de Miranda propagou as +<span class="pagenum">[93]</span> +fórmas +da poetica italiana, teria +então adoptado o verso endecasyllabo, a fórma da +OUTAVA e do TERCETO, o SONETO, e teria perdido o conceito +provençalesco dos poetas que seguiam o INFERNO DO AMOR; +Falcão desconheceu esta nova poetica.</b>» +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +Pela mesma maneira se exprimiu o snr. dr. Theóphilo Braga na +sua edição de +<em>Bernardim Ribeiro e os Bucolistas</em>. <br /> + + +<br /> + + +Repudia s. ex.<sup>a</sup> o que com tanta clareza e +precisão deixou estampado? <br /> + + +<br /> + + +Seria caso para invocar o <em>era, não era, +andava lavrando</em>... <br /> + + +<br /> + + +Para o nascimento do pseudo-trovador, escolhe o snr. dr. +Theóphilo Braga, em ultima análise, a data de +1512, sem se lembrar talvez de que por essa fórma +caía em +contradição consigo proprio... <br /> + + +<br /> + + +Vejamos: <br /> + + +<br /> + + +Na carta que nos dirigiu, escreveu o distincto escritor: <br /> + + +<br /> + + +«...D. Maria Brandão, que Cristovam +Falcão amou, <em>sendo ambos muito +crianças</em>...» <br /> + + +<br /> + + +Ora tendo Cristovam nascido em 1512, como afirma o snr. dr. +Theóphilo Braga, e fixando-se as suas +relações amorosas em 1530, como quer s. ex.<sup>a</sup>, +tinha o mancebo quando +começou a namoriscar os seus dezoito anos seguros... <br /> + + +<br /> + + +A um rapazola de 18 anos ninguem com propriedade poderá +classificar de <em>muito +creança</em>, a não ser por +troça,―salvo melhor +opinião. <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<h4>11 </h4> + + +<div class="quote2 tinyl">«Ha portanto a +eliminar todas as +relações pessoaes entre Cristovão +Falcão e Bernardim Ribeiro, como julgamos nos nossos +estudos, +corrigindo a interpretação da Ecloga I e III de +Bernardim.» </div> + + +<br /> + + +<span class="pagenum"><a name="p94">[94]</a></span> +<div class="signature"><em>Do artigo +«Movimento +litterário»</em></div> + + +<br /> + + +<br /> + + +Não só corrigimos a +interpretação das eclogas I e III de Bernardim +Ribeiro <a href="#e8">como todas</a> as outras do +desventurado poeta... Mas o +snr. dr. Theóphilo Braga entende em seu alto +critério que só ha a corrigir as duas que citou, +e essa correcção reserva-se s. ex. +fazê-la, +certamente. Aguardemos a futura refundição do +livro sobre os bucolistas, para ajuizarmos da fertilidade inventiva do +ilustre professor,―<em>de fantasia fertil em +combinações</em>, no dizer +autorizado da senhora D. Carolina Michaëlis. <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<h4>12 </h4> + + +<div class="quote2 tinyl">«Os logares comuns a +Cristovam Falcão e +Bernardim Ribeiro provam a distancia da edade que levou o mais novo a +imitar aquelle que já era admirado, cujos versos, +Camões, na sua carta de Africa intercalava na sua +prosa.» </div> + + +<br /> + + +<div class="signature"><em>Do artigo +«Movimento +litterário»</em></div> + + +<br /> + + +<br /> + + +Como comentário único, permitir nos-emos +endereçar algumas perguntas ao +snr. dr. Theóphilo +Braga: <br /> + + +<br /> + + +Estando Bernardim Ribeiro louco no ano de 1532, como o +próprio snr. dr. Theóphilo tem sustentado, como +explica o ilustre professor que no espólio do poeta +bucolista fossem encontradas as composições +atribuidas ao falso Crisfal? <br /> + + +<br /> + + +Na edição refundida do seu livro sobre os +bucolistas, +<span class="pagenum"><a name="p95">[95]</a></span> +em 1897, o snr. dr. +Theóphilo Braga explicou o facto da seguinte maneira: <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +«...<b>os dois poetas communicavam entre si os seus +versos, sendo por este modo que se salvaram as poesias do auctor do +Crisfal.</b>» <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +Ora não podendo o abalisado professor continuar persistindo +em que Bernardim Ribeiro teve por amigo e confidente Cristovam +Falcão de Sousa, como poderá s. ex.<sup>a</sup> +explicar +que entre os manuscritos legados por Bernardim se encontrassem as +composições do... +<em>último eco do alaúde</em>? <br /> + + +<br /> + + +Para prevenir qualquer subtiliza de argumentação, +é conveniente não esquecer s. ex.<sup>a</sup> +que na écloga <em>Crisfal</em> se +encontram lugares comuns a todas as éclogas de Bernardim +Ribeiro e á +própria novela <em>Menina e moça</em>. +<br /> + + +<br /> + + +E não esquecer egualmente que, após a +publicação do nosso estudo sobre o <em>Poeta +Crisfal</em>, já o snr. dr. Theóphilo Braga +foi obrigado a reconhecer que: não podia continuar a +admittir <em>as relações pessoaes de +Cristovam Falcão com Bernardim Ribeiro já velho e +dementado em confidencias de amor com um rapaz no viço da +mocidade</em>. <br /> + + +<br /> + + +Bernardim nasceu em <em>1482</em>, +é bom não olvidar tambem. <br /> + + +<br /> + + +Cristovam Falcão de Sousa nasceu em... <em>1512</em>, +conforme a ultima +versão apresentada pelo articulista do <em>Movimento +litterário</em>. <br /> + + +<br /> + + +Os amores de <a href="#e9">Falcão</a> e +Maria Brandôa foram fixados +pelo snr. dr. Theóphilo Braga, em ultima análise, +no ano de <em>1530</em>. <br /> + + +<br /> + + +Ora na <em>Carta de Crisfal</em>, fala o +poeta na prisão de amor que está sofrendo <em>ha +cinco +anos</em>... Logo, ou não ha lógica, uma +das +composições +<span class="pagenum">[96]</span> +do suposto trovador foi elaborada pelo ano da graça de <em>1535</em>, +quando +Bernardim havia já três anos que fôra +ferido pela desgraça +que o levou ao hospital de Todos os Santos, onde veio a acabar seus +desventurados dias em +<em>1552</em>. <br /> + + +<br /> + + +Consignado o que fica exposto, aguardemos a resposta ás +perguntas atrás formuladas, e, para fechar o +capítulo, façamos nossos os +seguintes versos de Bernardim: <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="poetry">Baste o que tenho dito<br /> + + +pera aver, por galardão,<br /> + + +tres +regras de vossa mão,<br /> + + +pera resposta das quaes<br /> + + +......... fique +o mais<br /> + + +que aqui escrever devera,<br /> + + +se o escrever podera.</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<h3><a name="c6"></a>VI<br /> + + +<br /> + + +Uma patranha genealógica </h3> + + +<br /> + + +Seguindo a lição de vários +genealogistas, démos curso, no nosso estudo sobre Bernardim +Ribeiro, á atoarda que fazia Cristovam Falcão de +Sousa descendente de certo John Falconet, cavalheiro inglês +que viera para o nosso país na comitiva da desposada +d'el-rei D. João I, +Filipa de Lencastre. Antes de nós, os snrs. +Epiphánio Dias e dr. Theóphilo Braga haviam +incorrido no mesmo erro. <br /> + + +<br /> + + +Publicado o nosso trabalho, honrou-nos o erudito escritor sr. Anselmo +Braamcamp Freire com o seguinte esclarecimento, que registamos com +prazer: <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="quote1">«...Julgo-me obrigado a +advertil-o que publiquei um +documento no <em>Archivo +histórico</em>, suficiente para destruir a petarola +inventada pelos genealogistas dos Falcões descenderem do tal +Falconet. Catorze anos antes deste chegar a Portugal já +existiam Falcões, proprietarios em Evora, e vassalos de D. +Fernando +(<em>Arch. hist.</em> +III, 407.) É uma +minucia que não influe em nada no seu têma; mas, +repito, entendo dever meu avisál-o».</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[98]</span> +Não será este, certamente, o único +erro em que teremos incorrido no nosso trabalho, e de que nos +penitenciâmos sem a menor relutância. <br /> + + +<br /> + + +Errar é próprio dos homens, como afirma o +conhecido aforismo latino; o que é condenavel é +persistir no erro. <br /> + + +<br /> + + +Não temos a estulta vaidade de haver produzido um trabalho +sem defeitos, e de bom grado aceitaremos as +correcções que nos +ministrarem, e com que o nosso critério se conforme. Somos +incapazes de persistir n'um erro por simples capricho de +amor-próprio, indesculpavel em assuntos de natureza +<em>histórica</em>. <br /> + + +<br /> + + +Bem presentes conservâmos as palavras +sensatíssimas do professor bracarense Pereira Caldas: +«Em <em>história</em>, +ha sempre que discutir, sempre que examinar, sempre que emendar, sempre +que aditar.»<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<h3><a name="c7"></a>VII<br /> + + +<br /> + + +O criptónimo «Fileno» </h3> + + +<br /> + + +No numero do jornal <em>O Dia</em>, de 15 de +dezembro de 1908, consagrou-nos o conceituado filólogo, snr. +A. R. Gonçalves Viana, uma das suas interessantes <em>Palestras +filológicas</em>. <br /> + + +<br /> + + +É aquela que vamos registar, e que em seguida comentaremos: <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="quote1">«Delfim +Guimarães, no seu livro recentemente +publicado, e que faz honra á erudição +portuguesa, com o titulo <b>Bernardim Ribeiro</b>, e o sub +titulo <b>O poeta +Crisfal</b>, aventa a idea de que o criptónimo +<em>Fileno</em> seja o disfarce do adjectivo <em>felino</em>, +latim <em>felinus</em>, procedente do substantivo +<em>felis</em>, «gato», por +alusão ao apelido +<em>Gato</em>, do marido de Joana Tavares, sua apaixonada. </div> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[100]</span> +<div class="quote1">«Não se pode +aceitar esta origem do dito nome, +porque tal adjectivo não existia em português ao +tempo do poeta. É êle modernissimo na lingua, pois +nem Bluteau o incluiu no seu <b>Vocabulario +portuguez +e latino</b>, nem mesmo no +próprio <b>Diccionario portuguez</b> de Morais +e +Silva figura tal adjectivo atè á 3.ª +edição, feita no anno de 1823, +«correcta e acrescentada.» Vê-se pois que +a introdução do vocabulo +<em>felino</em> é não +só posterior, e muito, ao século XV, mas +até aos começos do XIX, e que o poeta o +desconhecia portanto. <br /> + + +<br /> + + +«Assim, pois, o nome Fileno, masculino, foi talvez fabricado +conforme o femenino Filene, que os gregos usaram, e cujo radical +será o de +<em>Filipe</em>, por exemplo.»</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +Em primeiro lugar agradecemos ao snr. Gonçalves Viana o +cumprimento amabilissimo com que nos penhorou, que muito bem sabemos +representar uma gentileza, que não um acto de +justiça. A benevolência usada para comnosco por s. +ex.<sup>a</sup> motivou um remoque do snr. dr. +Theóphilo Braga, do que resulta tornar +se ainda maior a nossa dívida de reconhecimento para com o +sábio poliglota, o que temos a peito deixar registado nas +páginas d'este trabalho. <br /> + + +<br /> + + +Consignado isto, digamos o que se nos oferece sobre a <em>palestra</em> +motivada pelo nosso +livro: <br /> + + +<br /> + + +Coube ao snr. visconde de Sanches de Baena a +interpretação do nome +<em>Fileno</em> como criptónimo de <em>Felino</em>, +em alusão a +<b>Pero Gato</b>, que o referido titular apresenta como +marido de Joana +(<em>Aonia</em>). <br /> + + +<br /> + + +Nós não acreditamos na existência do +Pero Gato do snr. Sanches de Baena, como com inteira franqueza deixamos +exarado nas páginas do nosso trabalho; mas não +nos repugnou admitir que o criptónimo invocado alvejasse a +alusão +<span class="pagenum">[101]</span> +a um animal +felino. E assim escrevemos a pag. 87 do nosso estudo sobre Bernardim: <br /> + + +<br /> + + +«O anagrama <em>Fileno</em> oculta, +provavelmente, um individuo que tinha por nome, apelido ou alcunha o +nome de um animal <em>felino</em>. +Seria Pantaleão? Seria Gato? Estamos em crer que o assunto +ainda poderá ser resolvido, como outros muitos pontos por +aclarar respeitantes á vida de Bernardim.» <br /> + + +<br /> + + +E na mesma página, a propósito do nome de <em>Lor</em>, +ou +<em>Lor-Vão</em>, referido +nalgumas edições da écloga de <em>Crisfal</em>, +escrevemos nós: <br /> + + +<br /> + + +«Desde que se apure, <b>com +segurança</b>, quem fosse o marido de Joana +etc.» <br /> + + +<br /> + + +O não se ter ainda apurado quem fosse o feliz rival de +Bernardim, não se nos afigura motivo para pôr de +parte, por em quanto, a +interpretação enunciada pelo snr. visconde de +Sanches de Baena quanto a Fileno, aceite pelo snr. dr. +Theóphilo Braga, e a que nós tambem demos curso, +embora sob reservas. <br /> + + +<br /> + + +O facto dos antigos dicionários não fazerem +menção do vocábulo +<em>felino</em> não constitue +razão para que se abandone essa hipótese, que +póde não ser exacta, mas que é sem +dúvida +racional. Como o snr. Gonçalves Viana muito bem sabe, desde +que no latim existiam os vocabulos +<em>felis</em>, <em>felinus</em>, com o +significado de +<em>gato</em>, ou +<em>respeitante a gato</em>, nada mais natural do que um +escritor ter introduzido, lógicamente, o termo +português <em>felino</em>. E ninguem +poderá +contestar que Bernardim Ribeiro tivesse envergadura sobeja para crear +essa palavra. Bacharel formado em direito, e poeta bucolista +não ignorava certamente o vocábulo latino. <br /> + + +<br /> + + +A ser exacta a maneira de ver do snr. Gonçalves +<span class="pagenum"><a name="p102">[102]</a></span> +Viana sobre semelhante +assunto, como poderiam justificar-se tambem os numerosos neologismos +com que Luis de Camões enriqueceu a lingoa +portuguêsa? <br /> + + +<br /> + + +Hoje mesmo, após recentes trabalhos de dicionaristas +distintos, quantos vocábulos <a href="#e10">portuguêses</a> +não falta ainda +registar?! <br /> + + +<br /> + + +A hipótese, porém, que o ilustre +filólogo apresenta merece ser ponderada devidamente, sendo +até possivel que s. ex.<sup>a</sup> tenha +resolvido o problema quanto ao nome do marido de Joana Tavares, que +poderia muito bem ter sido +<em>Filipe</em>. <br /> + + +<br /> + + +N'um <em>pliego-suelto</em> castelhano do +século XVI, de que existe um exemplar na +secção dos +<em>Reservados</em> da Biblioteca Nacional de Lisboa, ha um +dialogo em verso entre as personagens: +<em>Alethio</em> e <em>Fileno</em>.―Aleixo e +Filipe? Talvez! <br /> + + +<br /> + + +Em fim, parafraseando o que já escrevemos: Quando se apure <em>com +segurança</em> quem foi o marido da mulher amada por +Bernardim Ribeiro, estarà implicitamente resolvido este +problema.<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<h3><a name="c8"></a>VIII<br /> + + +<br /> + + +In terminis </h3> + + +<br /> + + +Não estamos sós no combate que tivemos a +satisfação de iniciar em prol da obra de +Bernardim Ribeiro. <br /> + + +<br /> + + +Ao nosso lado contamos a individualidade cheia de prestígio +do snr. José Pereira Sampaio, que em breve +defenderá em livro tese idêntica á +nossa, demonstrando que o Poeta Crisfal é o +bucólico Bernardim. <br /> + + +<br /> + + +Se de estímulo carecessemos para prosseguir confiadamente na +tarefa que nos impusemos, seria incentivo bastante o contarmos +já entre aqueles que se confessam convencidos pelo nosso +trabalho, alem de muitos outros espìritos esclarecidos, os +nomes preeminentes dos srs. Anselmo Braamcamp Freire, José +Caldas e dr. Sylvio Romero. <br /> + + +<br /> + + +Não conseguiremos nós fazer vingar em nossos +dias, por uma fórma absoluta, a obra de justiça a +que metemos hombros? Não será dada essa +satisfação ao ilustre escritor snr. +José Sampaio? <br /> + + +<br /> + + +―Que importa? As sementes estão lançadas, +<span class="pagenum">[104]</span> +o solo não é +ingrato... As sementes +hão de vingar; a verdade triunfará, alastrando, +impondo-se... <br /> + + +<br /> + + +Por fim, só nos resta endereçar, muito +comovidamente, um aperto de mão, agradecido e sincero, a +quantos―bons amigos, camaradas e simples conhecidos―nos teem bafejado +com palavras de elogio e incitamento por motivo da +publicação do livro que deu origem a este novo +trabalho. <br /> + + +<br /> + + +<div class="signature"><em>Amadora, 16 de +março de +1909</em>.</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<h3> +APRECIAÇÕES DA IMPRENSA<br /> + + +<br /> + + +<span class="smallcaps">ao livro</span><br /> + + +<br /> + + +"Bernardim Ribeiro<br /> + + +<br /> + + +(O POETA CRISFAL)"</h3> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<h3 style="text-align: left;"><a name="a1"></a>«Bernardim +Ribeiro»<br /> + + +(O Poeta Crisfal) </h3> + + +<br /> + + +Delfim Guimarães é um poeta e um contista que +há muitos annos firmou brilhantemente o seu nome. Alma +delicada de poeta, é, ao mesmo tempo, um prosador elegante e +correcto que conhece a sua lingua e sabe maneja-la. Afastado de todas +as egreginhas literarias, isento de todos os snobismos, sem perder +tempo nos cenaculos dos cafés, Delfim Guimarães +tem-se destacado e destaca se entre os da sua +geração, sem dever nada ao reclamo. <br /> + + +<br /> + + +Admirador entusiastico, apaixonado, de Bernardim Ribeiro, Delfim +Guimarães apurou um facto da mais alta importancia para a +historia literaria do seu paiz:―que Christovão +Falcão e Bernardim Ribeiro são uma mesma +entidade. <br /> + + +<br /> + + +É essa demonstração, consciente, +documentada, que o nosso amigo vem de fazer neste livro―<em>Bernardim +Ribeiro (o Poeta +Crisfal)</em>―que é digno de ser lido por quantos +querem conhecer a historia das letras patrias. <br /> + + +<br /> + + +A Delfim Guimarães, os nossos parabens pelo seu valioso +trabalho. <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="signature">(Do jornal <em>O Mundo</em>, +de 16 de +Novembro de 1909)</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<h3 style="text-align: left;"><a name="a2"></a>«Bernardim +Ribeiro»<br /> + + +por Delfim Guimarães +</h3> + + +<br /> + + +É um livro de incontestavel valor, este que o sr. Delfim +Guimarães acaba de publicar, editado pela Livraria +Guimarães & C.<sup>a</sup>, +da rua de S. Roque. Fructo de um aturado e consciencioso estudo, n'elle +se demonstra que Bernardim Ribeiro e <em>Crisfal</em> +representam um +unico poeta, e que <em>Crisfal</em> é +apenas um criptogramma formado pelas primeiras syllabas das palavras <em>Crisma</em> +e +<em>Falso</em>, não passando, +portanto, de uma lenda a existencia do poeta <a href="#e11">Christovão</a> +Falcão. Como se vê, o assumpto d'este +livro do laborioso e intelligente escriptor é de molde a +interessar vivamente todos quantos se dedicam ao estudo da nossa +litteratura patria. <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="signature">(Do jornal <em>O Seculo</em>, +de 16 de +N, de 16 de +Novembro de 1909).</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<h3 style="text-align: left;"><a name="a3"></a>«Bernardim +Ribeiro»<br /> + + +(O Poeta Crisfal) </h3> + + +<br /> + + +<div class="quote2 tinyl"><em>Subsidios para a +história da literatura +portuguesa</em>, por Delfim Guimarães.―Lisboa, 1908. +Livraria Editora Guimarães & C.<sup>a</sup>, +274 pág. 800 +réis.</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +É o livro sensacional da semana que hoje finda. É +o desabar de uma lenda secular. A ineptidão de uns editores +quinhentistas insinuara a crença de que as trovas de +<em>Crisfal</em> eram de <em>Cristovam +Falcão</em>, cujo +nome era representado pelo anagrama, formado da primeira silaba do nome +e a primeira do apelido. <br /> + + +<br /> + + +A lenda criou raizes; e, não obstante as +hesitações e dúvidas de alguns +criticos, ninguém, até hoje, contestara +abertamente em publico a personalidade poética de Cristovam +Falcão. <br /> + + +<br /> + + +Mas Delfim Guimarães, estudando Bernardim Ribeiro, +editorando-lhe as <em>Saudades</em>, +e confrontando os trabalhos dos bucolistas do século XVI, +chegou á convicção de que, tendo +havido algumas personalidades com o nome de Cristovam +Falcão, este nome não pertencia a nenhum +poéta, e as trovas de Crisfal eram obra de Bernardim +Ribeiro. <br /> + + +<br /> + + +Documentando e justificando a sua convicção, +acaba êle de dar á estampa o substancioso volume +que hoje noticiamos. <br /> + + +<br /> + + +No prefácio da obra, expõi o autor, com a devida +lealdade, as circunstâncias e o processo +<span class="pagenum">[112]</span> +que o levaram á absoluta +rejeição da +referida lenda, e congratula-se justamente por ter agora a noticia de +que o ponderado publicista Pereira de Sampaio (Bruno), tinha +já adquirido +convicção análoga, que esperava +justificar em livro. <br /> + + +<br /> + + +Metodizando as provas e a documentação de que o +poeta <em>Crisfal</em> não +é outro, senão Bernardim Ribeiro, Delfim +Guimarães faz minuciosamente a biografia crítica +do poeta, estuda e analisa a primeira edição das +obras de Bernardim, +dá nos a história e a genealogia do suposto poeta +Falcão; e, depois, de nos dar a exegese de numerosos factos +e documentos, cerra o seu volume com a +reproducção da +<em>Carta</em> e da <em>Écloga</em> +de +<em>Crisfal</em>, e de +<em>três</em> poesias mais de Bernardim Ribeiro, +até agora ignoradas. <br /> + + +<br /> + + +Claro é que, de um livro de tal significado e alcance, mal +se podem formular juizos e sentenças em meia +dúzia de linhas do nosso registo bibliográfico; e +temos de nos restringir a dar da obra ideia sumária, +chamando para ela a atenção, e naturalmente o +apreço, de +quantos se interessam pelos mais momentosos problemas da nossa +história literária. <br /> + + +<br /> + + +Mas remorder-nos-ia a consciência, se cerrássemos +já a presente noticia, sem significar a Delfim +Guimarães a satisfação que nos +deu o seu melindroso e arrojado trabalho, e o encanto com que +repassamos os olhos pelo ingénuo e delicioso bucolismo dos +avoengos da poesía nacional. <br /> + + +<br /> + + +Formoso livro e serviço memorável. <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="signature"><span class="smallcaps">Dr. +Candido de Figueiredo</span> +<br /> + + +<br /> + + +(Do <em>Diario de Noticias</em>, de Lisboa, +de 28 de novembro de 1908).</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<h3 style="text-align: left;"><a name="a4"></a>O +poeta Chrisfal </h3> + + +<br /> + + +<div class="quote2 tinyl"><em>Delfim +Guimarães</em>: +Bernardim Ribeiro (o Poeta Crisfal)―Subsidios para a historia da +literatura portuguêsa―1908―Livraria Editora +Guimarães & C.<sup>a</sup>―68, R. de S. +Roque, 70―Lisboa.</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +Ha uns espiritos fortes, solidos―e que tanto abundam n'esta nossa +bôa terra de Portugal―que hão de sentir-se +escandalisados com a arrogancia d'alguem que, contra a +opinião dogmatica e ensinamento incontestado dos grandes +Sacerdotes, se abalança a demonstrar que os bucolistas +Bernardim Ribeiro e Chrisfal (pretenso anagramma de Christovam +Falcão) são uma e mesma pessoa; isto +é: que o glorioso auctor da 1.ª parte da novella +pastoral «Menina e Moça» é +igualmente auctor da celebre +peça poetica conhecida pelo nome da «Egloga de +Chrisfal»―n'uma palavra, que o poeta Christovam +Falcão nunca existiu e que a maioria das +composições poeticas que andam com o seu nome +pertencem de juro e herdade ao principe do bucolismo entre +nós, a esse surprehendente Bernardim Ribeiro, que +é, em toda a nossa litteratura, o vaso +d'eleição d'onde mais trasborda o sentimento +augusto da alma portugueza. +<br /> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[114]</span> +Mas outra raça d'espiritos não menos solidos +sorrirá piedosamente (e, n'este caso, o sorriso é +uma outra fórma de nos sentirmos +escandalisados) perante a utilidade proxima ou longinqua que +póde adquirir-se d'uma descoberta d'esta ordem. <br /> + + +<br /> + + +Que importa ao bem do individuo ou da collectividade de hoje, que uns +versos repassados d'uma verdade sentimental, á +força de sentida quasi incomprehensivel,―versos, demais a +mais vasados n'uma trama ingenua, bucolica, pastoril, sejam obra d'um +ou d'outro recuado quinhentista ou, mesmo, tenham sido levados +á conta d'um lendario personagem que, como poeta, nunca +tivesse existido, a não ser na phantasia d'uns novelleiros +de profissão que, com o rodar do tempo, conseguiram guindar +a sua improbidade litteraria aos pinaculos d'uma certeza irrefutavel?! <br /> + + +<br /> + + +Pois essa arrojada impiedade e esse improductivo bysantinismo―esse +magno escandalo―acaba de perpetral-os o meu velho amigo Delfim +Guimarães, poeta de verdade, infatigavel estudioso, paciente +investigador, acurado cultista em materia litteraria, com a +publicação do seu recente estudo «<em>Bernardim +Ribeiro</em> (<em>o poeta Chrisfal</em>)», +cujo apparecimento estas +ligeiras notas intentam celebrar. <br /> + + +<br /> + + +O mesmo é dizer que me não sinto com +forças para, pormenorisadamente, passo a passo, ir vincando +as passagens exegeticas d'este trabalho masculo e delicado que revela, +no seu auctor, uma erudição e um methodo que eu +entendo precisos n'aquelles que se propuzerem critical-o. <br /> + + +<br /> + + +Não é, pois, um artigo critico o que vou fazer; +<span class="pagenum">[115]</span> +mas se uma +affirmação sincera e sentida, de valor +nimiamente critico, me é permittido +accentuar desde já, eu direi: Delfim Guimarães +está na verdade. Christovam Falcão, poeta, nunca +existiu. Chrisfal é um pseudonymo de Bernardim Ribeiro. <br /> + + +<br /> + + +E isto porquê?! <br /> + + +<br /> + + +Porque todos os que se occupam de Falcão o dizem pessoa de +qualidade―pertencia á primeira fidalguia portugueza, diz o +sr. dr. Th. Braga―e, quanto ao valor do seu estro, tanto era que +mereceu ser confundido com Bernardim Ribeiro seu amigo e confidente, +quando não seu predecessor. Como se explica, pois, que um +tão illustre personagem não figure no +Cancioneiro de Resende, onde aliás se encontram, com +tão assombrosa profusão, nomes que, nem pela +clareza da estirpe nem pelo fulgor do engenho, se impunham á +consideração dos +posteros?! <br /> + + +<br /> + + +É crivel que o erudito, o dedicadissimo collector que se +chamou Garcia de Resende―o homem, do seu tempo, que mais larga e +intensamente privou na corte dos nossos reis―não tivesse +noticia d'uma individualidade tão fortemente accentuada e +tão parecida com o então e já +apreciadissimo Bernardim?! Não me parece. <br /> + + +<br /> + + +Seria qualquer despeito, qualquer d'estas pequeninas miserias que se +transmudavam em acerbos espinhos d'odio (e ao tempo e antes e depois e +sempre tão vulgares!) que levariam mesquinhamente o celebre +collector do Cancioneiro a relegar, da convivencia dos seus 351 poetas, +esse illustre Chrisfal e ao mesmo tempo (s +Seria qualquer despeito, qualquer d'estas pequeninas miserias que se +transmudavam em acerbos espinhos d'odio (e ao tempo e antes e depois e +sempre tão vulgares!) que levariam mesquinhamente o celebre +collector do Cancioneiro a relegar, da convivencia dos seus 351 poetas, +esse illustre Chrisfal e ao mesmo tempo (segundo o ensinamento do sr. +dr. Theophilo +<span class="pagenum">[116]</span> +Braga) a recolher, +como de Bernardim Ribeiro, versos de Falcão?! <br /> + + +<br /> + + +Não me parece. Gil Vicente, como é sabido, +apodára cruelmente Resende, e nem por isso deixou de figurar +no Cancioneiro. <br /> + + +<br /> + + +Estes simples e, quero crel-o, contestaveis argumentos levavam-me de ha +muito, a duvidar da existencia poetica de Christovam Falcão, +só muito mais tarde posta em fóco, entre outros, +por Faria e Sousa, cujos +<em>escrupulos</em> de caracter são por demais +conhecidos. <br /> + + +<br /> + + +Mas a simples argumentação sobre cancioneiros nem +sempre é de colher, como um facto recente me leva a +constatar. <br /> + + +<br /> + + +Ha dois annos (outomno de 1906) appareceu nas livrarias a seguinte +publicação: +<em>Odysséa dos Tysicos―Album de Musicas para piano e +canto, original de Raul Pereira, sobre versos de poetas portugueses?</em> +É obra musical do sr. Raul +Pereira que, á falta d'outra +indicação, +entendo dever tambem consideral-o como collector das varias poesias que +o album encerra. <br /> + + +<br /> + + +A primeira d'estas poesias, posta em musica apparece sob um retrato com +esta epigraphe: <em>Guilherme Braga (1845-1874)</em>, e +tem +este titulo «<em>A Jesus +Crucificado</em>», e é como segue: <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="poetry1">A Vós, correndo vou, +braços sagrados<br /> + + +N'essa +cruz sacrosanta descobertos<br /> + + +Que para receber-me estaes abertos<br /> + + +E, por +não castigar-me, estaes cravados. <br /> + + +<br /> + + +A Vós, olhos divinos eclypsados<br /> + + +De tanto sangue e lagrimas +cobertos:<br /> + + +Que para perdoar-me estaes despertos<br /> + + +E por não +devassar-me estaes fechados.<br /> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[117]</span>A Vós, +pregados pés, por não +fugir-me;<br /> + + +A Vós, cabeça baixa, por chamar-me;<br /> + + +A +Vós, sangue vertido para ungir-me; <br /> + + +<br /> + + +A Vós, lado patente, quero unir-me,<br /> + + +A Vós, cravos +preciosos, quero atar-me,<br /> + + +Para ficar unido, atado e firme.</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +Devo confessar que ao ler este soneto nasceram-me duvidas―muito vagas, +é certo―sobre a sua authenticidade quanto ao nome que o +firmava. E como não o encontrasse entre as poesias +colligidas nas <em>Heras e +Violetas</em>, assentei, á falta de melhor +solução, que se +tratava de uma poesia solta, religiosamente recolhida por pessoa intima +ou admiradora convicta do insigne e mallogrado poeta portuense. <br /> + + +<br /> + + +N'isto estava, quando o acaso d'uma busca litteraria me levou a +folhear, na Bibliotheca Publica, <em>O Ramalhete</em>, +«jornal de Instrucção e +Recreio» (2.ª série, n.º 165, +4.º anno) e a +encontrar, a paginas 112 do vol. IV, o mesmissimo soneto, sem +descrepancia d'uma unica palavra, sob esta assás curiosa +rubrica: <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +«<em>No momento derradeiro da vida humana, qual o +estado de moribundo, nada excita amor e conforto como a doce +inspiração de abraçar um +crucifixo, unico remedio d'alma. Por este motivo fez o dr. Manuel da +Nobrega o seguinte soneto: «A Jesus Crucificado»</em>».<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +Portanto, teremos nós: os vindouros, que não +leram o <em>Ramalhete</em>, a +attribuir a Guilherme Braga (que, segundo o sr. Raul Pereira, nasceu em +1845, embora Innocencio nos diga 1843) +<span class="pagenum">[118]</span> +uns versos do dr. Manuel da Nobrega, que +vieram á estampa em 1841. <br /> + + +<br /> + + +Veiu isto a proposito da confiança absoluta a depositar nos +cancioneiros. Verdade seja que entre Garcia de Resende e o sr. Raul +Pereira (que eu não tenho a honra de conhecer), o unico elo +que os prende deve ser, se não laboro em erro, o +laço musical... <br /> + + +<br /> + + +Outras razões, porém, antes do trabalho de Delfim +Guimarães, me levavam a pender para o arrocho da +não existencia poetica de Christovam Falcão. +É certo que a Renascença +produzira uma eclosão genial em todos os ramos da vida +sentimental, artistica e scientifica do occidente europeu, e que +nós tivemos largo +quinhão nas benemerencias d'esse glorioso Sol―e +tão grande que ainda hoje d'elle vivemos. Mas é +igualmente certo que, por grande que fosse, e foi, a prodigalidade do +estro que nos coube, não era natural que dois vultos +geniaes, a um tempo, surgissem tão parecidos, tão +irmãos na concepção sentimental, na +realisação artistica e até―suprema +coincidencia―nos azares da vida amorosa! Delfim Guimarães +embrenha-se em trabalhos de genealogia e de exegese litteraria, +pacientemente cuidados, para nos infiltrar o convencimento que eu, sem +razões de peso e sem auctoridade para as formular, de ha +muito <em>sentia</em> da existencia d'um +só poeta na obra de Bernardim e na obra de Chrisfal. <br /> + + +<br /> + + +É, pois, para mim um livro de +consolação. Por um lado, simplifica, no meu +espirito, um caso que se achava enredado nas malhas autoritarias, +embora convencionaes, de nomes respeitados; por outro, entorna, no meu +coração, o intimo, o ineffavel jubilo de ver +alguem da +<span class="pagenum">[119]</span> +minha estima e do meu +tempo elevar-se tanto, pelo trabalho intelligente e probo, n'uma +manifestação eloquente de força moral +e espirito combativo de que tanto carecemos. <br /> + + +<br /> + + +E esta probidade litteraria não é coisa de pouca +monta ou que alguem possa dispensar-se de a encarar com o mais profundo +respeito, porque me hei de lembrar d'aquelle supremo prefacio do <em>Disciple</em> +de Paul +Bourget, quando elle se dirige á mocidade da sua terra: +<em>Dentro de vinte annos tereis em vossas mãos a +fortuna d'esta velha patria, nossa mãe commum. +Vós sereis +a propria patria. Que tereis recolhido nas nossas obras? Pensando +n'isto, não ha homem de lettras, por mais modesto que seja, +que não deva tremer de responsabilidade</em>...<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="signature"><span class="smallcaps">Hemeterio +Arantes</span>. +<br /> + + +<br /> + + +(Do <em>Diario Illustrado</em>, de 2 de +dezembro de 1908).</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<h3 style="text-align: left;"><a name="a5"></a>«Bernardim +Ribeiro»<br /> + + +(O Poeta Crisfal) </h3> + + +<br /> + + +<div class="quote2 tinyl"><em>Subsidios para a +historia da litteratura portugueza</em>, +por Delfim Guimarães. 1 vol. de 278 pag. Livraria editora +Guimarães & C.<sup>a</sup> 1908 Lisboa, +typ. Libanio da Silva.</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +A velha sentença portugueza―<em>o seu a seu dono</em> +viria muito a propósito, noticiando o +apparecimento d'este livro, com que se pretende, e consegue a nosso +ver, reivindicar para o nome do grande poeta quinhentista a autoria e a +glória de differentes producções que +inconscientemente andavam attribuidas a outros. E se não +fosse a bella coragem do sr. Delfim Guimarães, nosso antigo +e presado amigo, que sendo poeta muito primoroso é tambem +investigador ordenado e pacientissimo, o deploravel engano +continuar-se-ia por muito tempo, ou, peor ainda, não se +desvaneceria jámais talvez. <br /> + + +<br /> + + +Entre outras, a lenda de que existira um Christovam Falcão, +pretenso poeta de tão alto valor como Bernardim Ribeiro, e, +assim, auctor tambem de maviosos versos, principiara a correr mundo em +1554, dois annos depois de fallecido +<span class="pagenum">[122]</span> +este, e teria origem, parece, em certa nota posta n'uma +edição pouco criteriosa feita n'aquelle anno, de +differentes poesias, esparsas umas, outras logo colligidas +após a morte de Bernardim, edição onde +veem de mistura com a <em>Historia de Menina e +Moça</em>, diversos motes, cantigas e +églogas e entre estas, (diz a tal nota) «<em>hũa +muy nomeada e agradavel... chamada +Crisfal, que dizem ser de Christovão Falcam, ho que parece +alludir o nome da mesma egloga</em>...»<br /> + + +<br /> + + +D'isto, e de outras investigações pacientemente +realizadas pelo sr. Guimarães resulta a +presumpção de provir a dita lenda principalmente +d'aquellas vagas referencias e a allusão que o editor julgou +encontrar em o nome de Crisfal do facto de serem as duas syllabas de +que elle se compõe eguaes ás primeiras dos dois +nomes <b>Cris</b>tóvam e +<b>Fal</b>cão. Mas isto, que não +constitue prova e não passa de mera +hypothese, teria de cahir redondamente, quando se verificasse que esse +Falcão era homem de poucas lettras e, portanto, incapaz de +produzir trabalho de tanta valia como é a <em>Égloga +de Crisfal</em>. <br /> + + +<br /> + + +E assim succederia talvez se o sr. dr. Theophilo Braga não +houvesse, em má hora, pretendido transformar a hypothese em +lei, apresentando como definitivamente adquirida para Falcão +a paternidade d'aquella e de outras poesias de altissimo valor +litterario. <br /> + + +<br /> + + +Não seguiremos o sr. Delfim Guimarães na critica +acerba, se bem que correctissima, com que se refere a este erro do sr. +dr. Theophilo Braga e ainda a muitos outros. Este operoso escriptor +dirá de certo da sua justiça, +não deixando, d'esta vez, mal parada a sua fama de erudito. +E, sendo como é, sempre consciencioso +<span class="pagenum">[123]</span> +nos seus trabalhos de historiador litterario, +virá certamente á estacada, para explicar a +razão do seu engano. <br /> + + +<br /> + + +Muitos outros descobrimentos são indicados n'esta valorosa +reivindicação, não se +mostrando possiveis mais duvidas a respeito da não +existencia de Christovam Falcão, poeta, e parecendo ao +contrario definitivamente provado que o nome de Crisfal fôra +um dos muitos pseudónymos e anagrammas adoptados por +Bernardim Ribeiro nas suas obras. Tambem graças ao indefesso +trabalho do sr. Delfim Guimarães ficará +pertencendo irrevogavelmente ao poeta de <em>Menina e +moça</em> não sómente a +celebre égloga, mas ainda outras poesias attribuidas a +diversos e que veem apontadas ou reproduzidas n'este volume. <br /> + + +<br /> + + +Em compensação, porém, algumas +até agora emprestadas ao bucólico poeta, lidima +gloria das lettras portuguezas, terão de passar para outros, +com o que, seja dito de passagem, a exceptuarmos o solau<sup><a href="#11">[11]</a></sup>―<em>Pensando-vos +estou +filha</em>, que o sr. dr. Theophilo Braga deu, tambem +levianamente, como de Bernardim, sendo aliás de +Camões, nada virá a perder o nome de Bernardim +Ribeiro―antes pelo contrario! <br /> + + +<br /> + + +N'este trabalho notavel do sr. Guimarães, obra de paciente +investigação e bem disciplinado criterio, faz-se +referencia a muitos outros factos interessantes, que nos +abstêmos de contar, porque do livro apenas pretendemos dar +rapida noticia; mas todos os elogios serão poucos a quem com +coragem estréme veio inteirar +<span class="pagenum">[124]</span> +a gloria de +Bernardim Ribeiro que, desventuroso poeta, de uma parte d'ella havia +sido espoliado. <br /> + + +<br /> + + +Muito agradecemos a captivante offerta de um exemplar de <em>Bernardim +Ribeiro</em>, +com que fomos brindados pelo auctor. <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="signature tinyl">(Da <em>Mala da Europa</em>, +de L, de Lisboa, n.º +669, de 6 de dezembro de 1908).</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<h3 style="text-align: left;"><a name="a6"></a>Ainda +Chrisfal </h3> + + +<br /> + + +Longe estava de ver tão depressa e amplamente confirmada a +minha asserção de que o trabalho de Delfim +Guimarães +«<em>Bernardim Ribeiro (o Poeta Crisfal)</em>» +era, para mim, +um «livro de consolação», +quando +o <em>Diario de Noticias</em> de 3 do corrente, sob a +epigraphe «<em>Academia de Sciencias de Portugal</em>» +me trouxe esse verdadeiro manjar (para lhe não chamar +capitoso petisco...) espiritual á minha insaciavel fome de +aprender. <br /> + + +<br /> + + +É como segue a passagem, que me interessa da local +jornalistica em questão: <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +«<em>Em seguida</em> (o sr. dr. +Theophilo Braga) <em>realisa uma +communicação sobre Bernardim Ribeiro e Christovam +Falcão mostrando como a vida amorosa d'este oscilla entre +1525 e 1565, senão n'aquella data moço fidalgo, e +tendo pelo menos 12 annos, ao passo que aquelle era já +idoso; evidencia como na Égloga transparecem diversas +situações da vida de Christovam +Falcão, e termina por invocar as opiniões de +Diogo Couto, Gaspar Fructuoso e outros que comprovam a existencia das +duas individualidades que apesar de similhantes +<span class="pagenum">[126]</span> +n'algumas +situações da vida, +não podem jámais confundir-se</em>». +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +Eu imagino estar vendo estas palavras cahir do labio venerando, sobre a +douta assembleia, como outras tantas perolas que, depois de serem ali +devidamente apreciadas, resvalaram cá p'ra fóra, +para o monturo anonymo, offerecidas em repasto magnifico aos cerdos +iconoclastas. <br /> + + +<br /> + + +Bacorejemos, pois, as preciosas gemmas... <br /> + + +<br /> + + +Diz o Mestre que a <em>vida amorosa</em> de +Christovam Falcão oscilla entre 1525 e 1565, sem ficarmos +sabendo se a sua <em>vida poetica</em> tambem oscilla +dentro do mesmo periodo, isto é: se a actividade <em>amorosa</em> +e a actividade +<em>poetica</em> de Chrisfal se confundem, caminham a +par-e-passo ou se, pelo contrario, é o amoroso que precede o +vate, se este antecede o namorado. <br /> + + +<br /> + + +Eu, por mim, se alguma coisa entendo n'esta complicada psycologia, +estou em dizer que, em geral, as duas actividades se confundem, +são isochronas, e, segundo este criterio, Falcão +só poetou com exito desde 1525. <br /> + + +<br /> + + +Não póde elle, pois, ter figurado no Cancioneiro +de Resende, que tem a data de 1516, como o sr. dr. Theophilo Braga +pretendia até ha uma duzia d'annos atraz―opinião +que depois modificou no seu trabalho, sobre Bernardim Ribeiro, que veio +á estampa em 1897. <br /> + + +<br /> + + +Mas o Mestre, em 1897, deixou de lhe dar entrada no Cancioneiro pela +subtil razão de que Chrisfal não +poetára nos Serões da +côrte por pertencer ao <em>ramo pobre</em> dos +Falcões. Lembrança exegetica que nos leva a +concluir que todos os poetas do Cancioneiro poetaram nos ditos +serões +<span class="pagenum">[127]</span> +e demais a mais com a +escarcella bem provida d'aureos recursos―embora muitas e muitas +poesias d'aquella grandiosa collecção resvalem da +casuistica amorosa, que é a caracteristica da poetica +palaciana, para a lucta dos interesses em que se revela a necessidade +do vil metal. <br /> + + +<br /> + + +Mas agora que o insigne Professor colloca a vida amorosa de +Falcão entre 1525 e 1565, pergunto eu: permanece este +argumento para a sua exclusão do Cancioneiro ou teremos de +assentar que Chrisfal n'elle não figurou pela simples +razão de, em 1516, andar ainda com coeiros? <br /> + + +<br /> + + +Naturalmente teremos de optar por esta ultima versão e, +portanto, pôr de banda a sua amisade e apregoadas +confidencias com o auctor das <em>Saudades</em>. <br /> + + +<br /> + + +Fica de vez assente, pois, que Christovam Falcão +não foi poeta do Seculo XV. <br /> + + +<br /> + + +Proponho-me agora provar, <em>currente +calamo</em> (como não pode deixar de ser tratando-se +d'alguem que se não familiarisou com <em>os processos +inductivos da critica moderna</em>... ) que Christovam +Falcão tambem não foi poeta do Seculo XVI, como +agora pretende o sr. dr. Theophilo Braga. <br /> + + +<br /> + + +E isto porquê?! <br /> + + +<br /> + + +Porque eu posso duvidar (ainda que me apodem de irreverente pedantismo) +das, por vezes, arrojadas conclusões chronologicas do +insigne Professor. Mais anno menos anno, mais seculo menos seculo +são, para os grandes Generalisadores, coisas d'uma +importancia mediocre. Outro tanto me não succede, quando a +generalisação visa um assumpto basilar na +essencia, no modo de ser do facto scientifico. +<br /> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[128]</span> +E é este o caso. Cristovam Falcão foi poeta entre +1525 e 1565?! <br /> + + +<br /> + + +Ouçamos o sr. dr. Theophilo Braga: <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +«Se Cristovam Falcão escrevesse depois de 1527, +quando Sá de Miranda propagou as formas da poetica italiana, +teria então adoptado o verso endecasyllabo, e a +fórma da +<em>outava</em>, do <em>terceto</em>, e +trocaria pelo +<em>soneto</em> o conceite provençalesco dos que +ainda seguiam o typo do +Inferno de Amor (<em>Bern. Rib. e os +Bucolistas</em>, pag. 141)».<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +Na edição refundida do seu Bernardim Ribeiro, +publicada em 1897, esta affirmação cathegorica +permanece igual ou identica, como, aliás, não +podia deixar de ser. <br /> + + +<br /> + + +Demos de barato que se possa ter opinião diversa da do +insigne lente do Curso Superior de Lettras, o que ninguem +póde é contrariar a <em>realidade historica</em>, +porque, como +é sabido, contra factos não ha argumentos. <br /> + + +<br /> + + +E esta <em>realidade</em> diz-nos que, depois +de Sá de Miranda, não houve um +uníco +poeta que não tivesse experimentado as formas petrarchinas e +o verso heroico. <br /> + + +<br /> + + +Houve um dr. Antonio Ferreira que nunca em sua vida fez um verso de <em>medida +velha</em>; houve muitos, e entre elles o proprio iniciador da +poetica italiana, que não desdenharam a redondilha e os +velhos agrupamentos metricos. De quem poetasse <em>exclusivamente</em> +pelos antigos processos... não consta. <br /> + + +<br /> + + +Logo, a não ser que rasguemos a +<em>logica</em> do Mestre e a <em>verdade</em> +da Historia, +Christovam Falcão não encontra cadeira onde se +sente, nem na +<span class="pagenum">[129]</span> +vasta saleta da poesia +palaciana, nem no refulgente salão do Seculo de Quinhentos! <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="break"> +<hr /></div> + + +<br /> + + +<br /> + + +Uma passagem do meu ultimo artigo teve o condão d'excitar +duas +communicaçôes que amavelmente me +foram endereçadas. <br /> + + +<br /> + + +A primeira, d'um amigo, que me escreve: «Sobre o soneto +attribuido a Guilherme Braga, devo dizer-lhe que o auctor do mesmo +não é o dr. Manuel da Nobrega, mas sim outro +poeta.» <br /> + + +<br /> + + +Claramente, corri logo a casa d'este amigo que me aconselhou uma +intervista com o insigne bibliophilo e bibliographo sr. Annibal +Fernandes Thomaz, o que, para mim, foi d'um prazer espiritual, como, de +ha muito, me não era dado gosar. <br /> + + +<br /> + + +Annibal Fernandes Thomaz é pessoa familiar a todos que +n'este paiz se occupam de livros e―coisa rara!―a todos sorri, a todos +mette no coração e em todos tem um admirador dos +seus vastissimos conhecimentos e, o que é mais, um amigo +devotado das suas grandes qualidades. <br /> + + +<br /> + + +Disse-lhe ao que ia; mas, como da nossa conferencia resulta uma +resposta á segunda +communicação que recebi, é bem que +n'este momento aqui fique exarada essa +communicação. <br /> + + +<br /> + + +Trata-se d'um bilhete-postal anonymo, e, se quebro a minha velha praxe +e o bom-conselho de todos de lançar para os papeis inuteis +esta ordem de documentos, é porque se trata d'um assumpto +litterario e o meu correspondente, por qualquer razão se +não querer fazer +conhecido, o que muito me contraria. Diz assim: +<br /> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[130]</span> +«O soneto que v. reproduziu no <em>Diario +Illustrado</em> tem mais de dois seculos. Bastava o estylo para o +denunciar seiscentista; mas a prova positiva está em a Nova +Floresta, terceiro tomo, tit. V, apopht. LIV. Permitta-se a um obscuro +padre dizer mais. Com essa ancianidade de taes versos toma nova +força o contra argumento de v. sobre o silencio dos +cancioneiros a respeito de Crisfal. Na margem do soneto pag. 207, da +edição da +<em>Nova Floresta</em> de 1759 (4.ª +impressão que tenho á +vista) lê se o nome do autor assim: +<em>Do Doutor Manuel da Nobrega</em>. Quem fez um tal +soneto, tão seriamente engenhoso, apesar do gongorismo, e +tão bem metrificado, havia de ter mais poesias: e sendo <em>doutor</em>, +não era +um desconhecido. Que temos d'elle na <em>Fenix Renascida</em>? +Quem o conhece? Alguns annos ha, o soneto reproduzido +anónimo em muitos livros devotos, foi publicado em o <em>Novo +Mensageiro do +Coração de Jesus</em> (revista piedosa mas +de muita litteratura) com a indicação, que a +minha memoria aproveitou agora, da <em>Nova Floresta</em>, +e com uma nota que dizia ser o nome do Dr. M. Nobrega desconhecido dos +bibliographos.» <br /> + + +<br /> + + +Vamos agora, rapidamente, ao resultado das pesquizas com Fernandes +Thomaz. <br /> + + +<br /> + + +O soneto <em>A vós, correndo vou, +braços sagrados</em> encontra-se a fechar uma +dedicatoria a «Jesus Christo Senhor Nosso +Crucificado» d'um curiosissimo livro de 1734 intitulado +«<em>Anacephaleosis medico theologica, moral e politica</em>, +etc., +etc.», obra d'um tal Bernardo Pereyra, medico do partido da +villa do Sardoal. <br /> + + +<br /> + + +O meu primeiro correspondente, que conhecia o livro, attribuiu +facilmente a Pereira a autoria +<span class="pagenum">[131]</span> +do soneto, por não reparar nas palavras que precedem +a sua reproducção, e que dizem: <br /> + + +<br /> + + +«...e finalmente como se consegue a gloria que é +a melhor conclusão que se tira depois de sahir da +Universidade do mundo para as Escollas do Céo; mas +será bem, meu amoroso Jesus, <em>que antes de tudo +diga com hum +devoto</em> que hoje para renacer do estado da culpa ao da +graça, que de vós espero, para seguir o caminho +por onde não vá precipitado, mas antes com a +vossa direcção fortalecido! <br /> + + +<br /> + + +«<em>A vós correndo vou, +braços sagrados</em>, etc., etc.» <br /> + + +<br /> + + +Mas (e vae isto em resposta ao anonymo correspondente) tanto Barbosa, +na sua <em>Bibliotheca</em>, como Innocencio, no <em>Diccionario</em>, +citam Manuel da Nobrega, como auctor do <em>Epicedio +inconsolavel á morte do Ser. Principe de Portugal D. +Theodosio que falleceu em 15 de maio de 1653</em> e como +collaborador nas <em>Memorias funebres de D. Maria de Athayde</em> +fallecida em 22 de agosto de 1649. <br /> + + +<br /> + + +É livro muito interessante estas +«<em>Memorias funebres sentidas pelos engenhos +portugueses na morte da Senhora D. Maria de Athayde</em>». +N'ellas se encontram poesias em portuguez, francez, hespanhol, +italiano, latim, assignadas pelos nomes dos poetas mais illustres do +tempo e, para não citar outros, bastará lembrar +os de Soror Violante do Céo e D. Francisco Manuel de Mello. <br /> + + +<br /> + + +Ao que parece tratava-se d'uma extremada formosura <em>doublée</em> +(como +hoje se diz) d'uma alma de eleição. <em>O +Doutor Manuel de +Nobrega</em> concorre a este florilegio poetico com um soneto e +uma egloga. O soneto: <br /> + + +<br /> + + +<em>Aquelle bello Sol, que amanhecia</em>, +não desmerece, antes tem grandes ares de familia com o +<span class="pagenum">[132]</span> +que tem sido causa d'esta +palestra... algo pesada. <br /> + + +<br /> + + +Não quero, porém, terminal-a sem exarar o meu +parecer de que o Soneto, embora +<em>culterano</em>, tem tão pouco de +<em>gongorico</em> que Guilherme Braga, ou qualquer outro +grande poeta de hoje, não desdenharia assignal-o, se essa +fosse <em>a +sua corda</em>. <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="signature"><span class="smallcaps">Hemeterio +Arantes</span>. +<br /> + + +<br /> + + +(Do <em>Diario Illustrado</em>, de Lisboa, de +9 de dezembro de 1908).</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<h3 style="text-align: left;"><a name="a7"></a>«Bernardim +Ribeiro»<br /> + + +(O Poeta Crisfal) </h3> + + +<br /> + + +<div class="quote2 tinyl">Subsidios para a Historia da +literatura portuguesa, por Delfim +Guimarães. 1908―Liv. ed. Guimarães & C.<sup>a</sup> +Lisboa―8.º, 274 pag. <br /> + + +<br /> + + +Delfim Guimarães, Bibliographia: Prosa: <em>Alma +Dorida</em>, com prefacio de Teixeira Bastos, <em>O +Rosquedo</em> (scenas +do Minho), <em>Ares do Minho</em> +(contos).―Critica litteraria: <em>A viagem por terra do sr. +João Penha</em>.―Verso: +<em>Lisboa negra</em>, <em>Confidencias</em>, +<em>Evangelho</em>, +<em>Não! mil vezes não!</em>, <em>Sim! +mil vezes +sim!</em>, <em>Sonho +Garretteano</em>, <em>A Virgem do Castello</em> e +<em>Outonaes</em>.―Theatro:―<em>Aldeia +na Côrte</em>, de +collaboração com D. João da Camara. (3 +actos―Th. D. Amelia), <em>Juramento +sagrado</em> (1 acto, verso.―Th. D. Maria). Traduziu a <em>Dama +das Camelias</em>, de +Dumas, filho; reviu e publicou as <em>Saudades</em> de +Bernardim Ribeiro e as <em>Trovas de Crisfal</em>, do +mesmo auctor. Fundou e dirige a Bibliotheca Classica Popular. +Collaborou longo tempo na <em>Mala da Europa</em>, <em>Provincia</em>, +<em>O Lima</em>, +<em>Chronica</em>, <em>etc.</em> Varias obras +de Delfim +Guimarães teem já 2.ª +edição, estando +algumas outras exgotadas.</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[134]</span> +Desde longos tempos até este anno 1908 da era de +Xpõ, como escreviam os nossos velhotes, tudo era suppor que, +ahi por alturas de mil quinhentos e tal da mesma era do Senhor, viveu, +floresceu, e ninguem mais soube d'elle, certo <em>Crisfal</em>, +poeta e +namorado, que toda a gente indicava como sendo Christovão +Falcão, um Christovão Falcão que se +sabe agora escrever como um carreiro e ter mais erros de orthographia +do que cabellos tinha na cabeça... se a Historia +não provar que elle era careca. Indicava se +Christovão Falcão tacteando. Para manter a +suspeição havia só o +corresponder o pseudonymo <em>Cris fal</em> ás +primeiras sylabas do nome do supposto poeta. Longo tempo a mentira +prevaleceu e longo tempo os doutos acceitaram de boamente a patranha, +uns supplementando-a com fabulações <em>á +priori</em>, outros asseverando que tal era porque era e +«por ser verdade passavam a presente que +assignavam». <br /> + + +<br /> + + +Caminhava tudo em doce paz quando Delfim Guimarães, +publicando o livro de que nos occupamos, desfez a lenda, tombou os +castellos e pôz a cousa nos devidos termos. Mas vamos ao que +importa. <br /> + + +<br /> + + +«De como e porquê Delfim Guimarães achou +que <em>Crisfal</em> não passou de +um pseudonymo de Bernardim Ribeiro e de cousas varias que ao deante se +verão», é um capitulo que, +n'esta critica, deve interessar o leitor, agora que já sabe +que tal <em>Crisfal</em> nunca existiu. <br /> + + +<br /> + + +Delfim Guimarães é um estudioso e um devotado. +Manuseia os classicos com a mesma curiosidade com que aguarda o ultimo +livro de Anatole France ou o novo romance de Octave Mirbeau. +<br /> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[135]</span> +Ha tempo, dirigindo uma collecção, publicou as <em>Saudades</em> +do nosso Bernardim, +auctor que, por sua natural tristura e dulçorosidade, desde +menino e moço mais o prendia e captivava. Tudo estaria bem +até aqui se, mente cogitativa e emprehendedora, +não scismasse em publicar uma Bibliotheca de Classicos +animado pelo exito das <em>Saudades</em>. Uma Bibliotheca +de vulgarisação, destinada a mostrar á +alma do vulgo o escrinio das melhores joias dos nossos antepassados. <br /> + + +<br /> + + +Anteriormente uma natural curiosidade o levara a estudar os poetas que +se apontavam como maiores amigos de Bernardim: Sá de Miranda +e <em>Crisfal</em>, o celebrado Christovam +Falcão que hoje deve ás musas a celebreira que +por seculos desfructou,―elephante que conseguiu passar por canario, o +animal. <br /> + + +<br /> + + +A extraordinaria semelhança de +<em>Crisfal</em> a Bernardim, os mesmos lamentos, a mesma +situação amorosa, os mesmos queixumes; a ausencia +absoluta de noticias e referencias na obra de Sá de Miranda +e Bernardim ao poeta coevo e imitador, tudo isto deu a Delfim +Guimarães a certeza de que <em>Crisfal</em> e +Bernardim era o mesmo, só, e altissimo poeta. +Além d'isto nenhum documento da epocha autorisava a +pôr a carapuça <em>Crisfal</em> em +cabeça de Christovam Falcão. O mesmo editor de +Bernardim, +edição de 1554, onde se acha incorporada a +«Egloga chamada Crisfal» escreve, referindo-se-lhe: +«<em>que dizem ser</em> de Christovam Falcam, ho +que parece alludir ho nome da mesma Egloga». <br /> + + +<br /> + + +Estudado o contemporaneo Christovão Falcão, +vê-se que elle era pouco menos de bronco e não +poderia ser nunca o auctor da +<em>Egloga</em>. +<span class="pagenum">[136]</span> +Adquirida a certeza, que era +<em>Crisfal</em>? E logo, deductivo, Delfim +Guimarães achou a chave. É <em>crisma falso</em>, +pois que +na Egloga se move a mesma passionalidade de Bernardim com supositicios +nomes―falsos crismas. <br /> + + +<br /> + + +O livro do escriptor é ilustrado com um fac-simile de uma +carta do pretenso Christovam Falcão e acompanhado de uma +arvore genealogica dos Falcões. De uma logica cerrada e +inteligente, preciosamente documentado, é um trabalho +collosal que dará echoantissimo nome ao seu auctor. E +enquanto se não perder na memoria das +gerações o nome do bardo amoroso, o triste +Bernardim, o nome de Delfim Guimarães não se +desacorrentará da +gloria de ter focado com intensa luz um tão curioso e +deturpado caso da litteratura portugueza. <br /> + + +<br /> + + +Lá fóra esta obra faria não +só a gloria mas o nome de um trabalhador. As Academias +levar-lhe-hiam o seu <em>fauteuil</em> estofado, e os +editores disputariam a honra de lhe pagar. <br /> + + +<br /> + + +Cá dá desgostos, nada mais. <br /> + + +<br /> + + +O illustre publicista José Sampaio (Bruno) +chegára ás mesmas conclusões. Anselmo +Braamcamp Freire vae publicar um trabalho curiosissimo sobre Maria +Brandão; José Caldas é da +opinião de que se achou a verdade. Quem resta? Carolina +Michaelis, cuja opinião importa saber, e Theophilo Braga, +que discorda. <br /> + + +<br /> + + +As impugnações que Delfim Guimarães +fez aos livros de Theophilo estão em aberto. E Delfim veio +com este seu trabalho não só +elliminar um Christovam da litteratura e uma Maria das muitas Marias +enamoradas, mas fazer luz sobre uma poesia de Camões +falsamente attribuida a Bernardim Ribeiro, e documentar +<span class="pagenum">[137]</span> +que <em>sómente</em> +Sá +de Miranda foi o introductor da Escola Italiana em Portugal. Bernardim +Ribeiro foi o introductor mas das novas eglogas vergilianas. <br /> + + +<br /> + + +Raro talento, muito estudo, aturada analyse, +observação profunda e um grande +serviço prestado á litteratura, eis como julgamos +o livro <em>Bernardim Ribeiro</em>. Com ares +impugnativos veio o sr. Jordão A. de Freitas no <em>Diario +de +Noticias</em> carretar materiaes para o rude e +esforçado prelio a travar-se. Não +crêmos que o haja. Theophilo Braga, porém, que tem +estado silencioso, dirá de sua justiça. O +trabalho de Delfim +Guimarães é probo e consciencioso. Merece o +applauso incondicional de todos, e que rejubile a litteratura que ainda +tem artistas que, fructo de seu labor, lhe dão +tão bellas obras. <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="signature"><span class="smallcaps">Albino +Forjaz de Sampayo</span>.<br /> + + +<br /> + + +(Do jornal <em>A Lucta</em>, de Lisboa, de 16 +de dezembro de 1908).</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<h3 style="text-align: left;"><a name="a8"></a>«Bernardim +Ribeiro»<br /> + + +por Delfim Guimarães +</h3> + + +<br /> + + +A obra que Delfim Guimarães acaba de publicar é o +producto d'um lucido criterio aliado a uma habil quanto meticulosa +investigação. Sem ser um erudito nem rebuscador +d'archivos, Delfim Guimarães, antes de encetar quaesquer +pesquizas, teve a maravilhosa intuição―ou elle +não fosse um poeta―de que os admiraveis versos do <em>Crisfal</em>, +desirmanados no +decorrer do tempo da obra litteraria de Bernardim, constituiam com o +poetico romance de <em>Menina e Moça</em>, +reflexos +d'um mesmo espirito, vibrações d'um unico +coração. <br /> + + +<br /> + + +É que o illustre critico interpretára com +verdadeiro sentimento o genio do infortunado poeta, levando a tal ponto +a sua predilecção por elle, que com as <em>Saudades</em> +abrira +essa galeria de publicações classicas portuguezas +em +edições populares vulgarisadas, cujo inicio no +nosso meio litterario a Delfim Guimarães se deve. <br /> + + +<br /> + + +Toda aquella paixão do enternecido bucolista das <em>Saudades</em>, +a fluidez incomparavel +d'essa linguagem que é na sua simplicidade uma mimica d'alma +e tem a harmonia d'um fio d'agua gorgolejante, +<span class="pagenum">[140]</span> +tudo isso,―o sentimento, que +é a vida na obra d'arte, Delfim Guimarães foi +encontrar nas composições erradamente attribuidas +a Cristovam Falcão. <br /> + + +<br /> + + +Obtida a prova subjectiva de que o poeta das <em>Saudades</em> +era o trovador do +<em>Crisfal</em>―na realidade um criptogramma formado +pelas primeiras syllabas das palavras <em>crisma</em> e +<em>falso</em>―o distincto escriptor encetou a +investigação historica do que para elle +fôra um presentimento e pelo estudo feito sobre os documentos +da epoca, seu confronto e interpretação, +conseguiu destruir n'uma argumentação irrefutavel +e cheia de brilho, +a lenda feita tradição e cimentada pelo mais +auctorisado critico da nossa litteratura, que o trovador do <em>Crisfal</em> +nunca +poderia ter sido Cristovam Falcão. <br /> + + +<br /> + + +A carta d'este moço fidalgo a D. João III, que +Delfim Guimarães transcreve na integra e que na +edição de Theophilo Braga apparecera deturpada, +é inquestionavelmente a prova mais evidente―e outras +não houvesse com +relação a datas―de que nunca o espirito trivial +que alinhavou aquelles periodos―se é que ali os +ha―idealisaria a enternecida ecloga do +<em>Crisfal</em>, que é ainda, a alguns seculos +de distancia, n'esta epocha em que a arte possue riquissimos processos +de technica e a linguagem tanto ganhou em expressão +emocional,―uma soberba joia litteraria. <br /> + + +<br /> + + +Nesta obra, tão cheia de revelações, +começa o auctor por fixar em bases positivas as +<em>étapes</em> da infortunada vida de +Bernardim, desde o seu nascimento no Alemtejo em 1482 até +á sua morte no Hospital de Todos os Santos, de Lisboa, em +1552, submerso nas trevas horriveis +<span class="pagenum">[141]</span> +da loucura. Depois com o esboço dos seus amores da +adolescencia e paixão tragica que votou a Joanna Tavares, +que foi a mais intensa affeição de Bernardim e a +inspiradora do seu triste trovar, entra-se nos capitulos da exegese, +sendo todo o livro uma refutação completa das +idéas correntes sobre a problematica personagem do trovador +do <em>Crisfal</em>. +Nêle se visionam muitos pontos de vista até +então desconhecidos e se estabelecem novas pistas para +norteamento dos estudiosos, as quaes, certamente, muito +contribuirão para que todo o interessante enigma literario +se desvele em absoluto. <br /> + + +<br /> + + +Nas suas curiosas investigações, fez Delfim +Guimarães preciosos achados que denotam uma grande subtileza +nas suas faculdades de critico, como a da poesia de Camões, +erradamente atribuida a Bernardim, que se acha no cancioneiro de Luis +Franco, existente na Biblioteca Nacional de Lisboa, tão +interessantemente descoberta, e o das tres poesias constantes d'um <em>pliego-suelto</em> +de 1656, da mesma +Biblioteca, que o distincto escriptor filia com boas razões +no estro de Bernardim. <br /> + + +<br /> + + +Mercê da linguagem castiça, tão +saborosamente portugueza, de que o auctor se serve, assim identificada +com o thema historico versado, a obra é por si +só, e independente da maneira de vêr do auctor, o +trabalho honesto de um escritôr que é ao mesmo +tempo um artista, n'essa evocação, d'um +tão forte +relevo, das saudosas edades em que os poetas amavam mais sinceramente e +eram menos complicados, a arte não sendo como hoje um +<em>métier</em> lucrativo, mas a +manifestação espontanea d'um espirito no +vôo errante da inspiração. +<br /> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[142]</span> +Fecha o livro um curioso estudo sobre a vida de Cristovam +Falcão e sua genealogia, certamente o mais completo +até agora. <br /> + + +<br /> + + +Felicitamos Delfim Guimarães pelo seu valioso trabalho que +vem deslocar cómodos preconceitos arreigados e abrir novos +horizontes aos que se interessam―que são todos os +portuguezes―pelo estudo da litteratura portugueza no periodo aureo +d'esta nacionalidade. <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="signature">(Do jornal <em>O Dia</em>, +de Lisboa, de 9 de +janeiro de 1909.)</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<h3 style="text-align: left;"><a name="a9"></a>«Bernardim +Ribeiro»<br /> + + +(O Poeta Crisfal) </h3> + + +<br /> + + +É esta obra que perpetuará o nome do seu auctor, +se bem que Delfim Guimarães em precedentes trabalhos +litterarios tenha já adduzido sobejas provas para que lhe +possâmos reconhecer um elevado grau de intelligencia. <br /> + + +<br /> + + +Com a publicação do volume cujo titulo encima +esta noticia, o serviço prestado por Delfim +Guimarães á historia da litteratura patria +está sendo louvado tão extraordinariamente a +ponto do sr. Albino Forjaz de Sampaio, primoroso chronista da <em>Lucta</em>, +não +ter duvida em afirmar que no Estrangeiro tal +publicação +franquearia ao seu auctor as portas d'uma Academia. <br /> + + +<br /> + + +O livro apresentado é o producto d'uma ardua tarefa em que +pacientes faculdades de +investigação, alliadas a uma singular vivacidade, +removem com cauteloso tino os escabrosos obstaculos que tão +ingrato estudo frequentemente depára. Por isso é +que, sem receio de +contradicta, nos afoutamos a asseverar que em Portugal ninguem melhor +do que Delfim Guimarães conhece o periodo da historia +litteraria a que o +<span class="pagenum">[144]</span> +mesmo assumpto +directamente respeita. E nem isso pode causar surpreza ao leitor +illustrado, uma vez que a arrojada affirmativa do illustre publicista, +que é por signal a +<em>negação</em> da +existencia de Christovam Falcão, como trovador quinhentista, +demandava um minucioso exame analytico a todos os documentos +litterarios de então; e nisso só a mais +escrupulosa cautella conjugada com uma aguda perspicacia, como +já deixamos dito, poderia lograr o exito desejado. <br /> + + +<br /> + + +Os materiaes que Delfim Guimarães colligiu para invalidar a +personalidade litteraria de Christovam Falcão, deixa-os elle +dispersos nos varios capitulos do seu livro, os quaes sobrepostos uns +aos outros, á medida que se vai avançando na +leitura, introduzem em qualquer espirito a certeza da these que o +auctor se propoz comprovar. <br /> + + +<br /> + + +De envolta com os persuasivos esclarecimentos allegados em prol do seu +proposito, o auctor rectifica raciocinios errados e +affirmações insustentaveis de Theophilo Braga, se +bem que o sabor acre d'essas frequentes +correcções seja attenuado ou neutralisado quasi +pelas assucaradas referencias ao passado de tão +incançavel trabalhador. <br /> + + +<br /> + + +Pelo volume a que estamos alludindo vê-se que a obra de +Bernardim Ribeiro chegou para fazer a reputação +de dous homens, vindo o nome de Christovam Falcão usurpar em +seu proveito algumas das produções d'aquelle +mavioso lyrico, e sendo, portanto, a sua memoria um nefasto saprophyta +que do merito alheio foi vivendo durante um longo periodo de tempo. A +duplicidade desapparece agora com as aturadas +<span class="pagenum">[145]</span> +canceiras de Delfim Guimarães +que assim reivindica para o grande corypheu do bucolismo em Portugal +todos os fructos do seu prodigioso talento, corrigindo um erro em que +os bibliophilos laboraram durante seculos. D'aqui resalta―e +é esse um dos evidentes intuitos do auctor do livro em +questão―o desenho da verdadeira figura de Bernardim +Ribeiro, com as proporções proprias da sua +gigantesca estatura litteraria, em cima do seu elevado pedestal de +gloria, pedestal a que algumas pedras foram subtrahidas para sobre +ellas figurar o ficticio vulto trovadoresco de Christovam +Falcão. <br /> + + +<br /> + + +Em Portugal abundam os devotados enthusiastas de Camões e +Camillo, apparecendo agora um ardente propugnador d'outro nome tambem +illustre, a legitima-lo como uma das maiores glorias litterarias de que +se pode ufanar um povo. Esse nome é Bernardim Ribeiro e +entrelaçado +n'elle apparecerá d'oravante o de Delfim +Guimarães, que acaba de restituir a obra do immortal +bucolista á sua primitiva integridade. <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="signature tinyl"><span class="smallcaps">Antonio +Ferreira</span><br /> + + +<br /> + + +(Do <em>Commercio do Lima</em>, de Ponte do +Lima, de 9 de Janeiro de 1909).</div> + + +<br /> + + +<br /> + + + <br /> + + +<br /> + + +<h3 style="text-align: left;"><br /> + + +<a name="a10"></a>«Bernardim +Ribeiro» </h3> + + +<br /> + + +Com este titulo e o sub-titulo de <em>O Poeta Crisfal</em>, +tambem o distincto escriptor a cujo nome, já tão +merecidamente aureolado, fica feita referencia na rubrica anterior, +publicou recentemente um interessante volume, apodado por esse proprio +auctor de <em>subsidios para a historia da litteratura portugueza</em>, +e que não +é nem mais nem menos do que a +demonstração a nosso +vêr evidentissima, digam os <em>mestres</em> +pilhados em deturpação o que quizerem, de que +Bernardim Ribeiro e <em>Crisfal</em> são uma +e a mesma pessoa, não sendo <em>Crisfal</em> +pseudonimo de Christovão Falcão, mas sim um +composto das primeiras sylabas das palavras <em>Crisma falso</em>, +de que Bernardim Ribeiro fez uso. Percorrendo se, com olhos de +ver, e com vontade de acertar com a demonstração +explanada por Delfim +Guimarães, todas as 200 e tantas paginas do volume em +questão, adquire-se o convencimento de que ficaram por +terra, uma a uma, «as pedras basilares com que o nome +consagrado do sr. dr. Theóphilo Braga ergueu o monumento, +aparentemente solido, que offertou ás lettras patrias, +fazendo quase real, palpavel, uma miragem secular»―que +<span class="pagenum">[148]</span> +dava <em>Crisfal</em> +como sendo +Christovão Falcão, quando este não +pertence senão ao dominio da lenda, sendo uma perfeita +mystificação a sua pretendida existencia de +litterato. <br /> + + +<br /> + + +O trabalho de verdadeiro erudito, que representa o livro de Delfim +Guimarães, assignala de um modo inconfundivel o seu alto +valor de estudioso, de investigador benemerito e de operoso trabalhador +das nossas lettras. Felicitando-o cordealmente por esta nova prova das +suas excepcionaes qualidades, cumprimos apenas um dever. <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="signature tinyl">A. B.<br /> + + +<br /> + + +(Do <em>Jornal das Colonias</em>, de Lisboa, +de 13 janeiro de 1909).</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<h3 style="text-align: left;"><a name="a11"></a>«Bernardim +Ribeiro» </h3> + + +<br /> + + +Temos retardado a noticia do apparecimento d'este livro notavel do +illustre poeta e prosador, sr. Delfim Guimarães, porque +quizemos consagrar á sua leitura algumas horas socegadas, +afim de poder estudar convenientemente o problema litterario que em +suas paginas se debate. <br /> + + +<br /> + + +Esta obra é o resultado de longas e aturadas +investigações e de um estudo conscienciosissimo, +não só da obra de Bernardim Ribeiro, mas ainda da +obra de todos os poetas, apontados como seus amigos e companheiros. <br /> + + +<br /> + + +Cotejando os versos do iniciador do lirismo portuguez com os que se +attribuem a Cristovão Falcão, o sr. Delfim +Guimarães facilmente +reconheceu que, embora pudésse admittir-se que a +educação litteraria dos dois poetas tivesse sido +a mesma, não era possivel que as suas tendencias esteticas +fossem por tal maneira similhantes, que os seus versos chegassem a +confundir-se. Um d'elles teria sido seguramente o imitador do outro. <br /> + + +<br /> + + +Continuando nas suas indagações, e apreciando +demoradamente a obra supposta contemporanea +<span class="pagenum">[150]</span> +de Cristovão Falcão, notou ainda o +sr. Delfim Guimarães que era frequente Sá de +Miranda referir-se a Bernardim Ribeiro nas suas obras poeticas, havendo +tambem allusões repetidas, nos versos d'este poeta, ao seu +amigo e confidente. Ao auctor do <em>Crisfal</em> +não notou a mais leve referencia. <br /> + + +<br /> + + +N'aquelle bello poema havia allusões que alvejavam +claramente Sá de Miranda, e foi do estudo attento d'essas +allusões, que perfeitamente condiziam com as referencias das +éclogas de Bernardim Ribeiro ao seu amigo, que resultou +chegar aquelle illustre escriptor a conclusões inteiramente +satisfatorias. <br /> + + +<br /> + + +A analise de varios documentos de caracter historico e juridico +produziu no espirito do sr. Delfim Guimarães a +convicção de que a +personalidade litteraria de Cristovão Falcão +não existiu, sendo a obra que se lhe attribue toda do autor +das <em>Saudades</em>. <br /> + + +<br /> + + +Houve, é certo, um Cristovão Falcão de +Sousa, que foi moço fidalgo em 1527 e capitão da +fortaleza de Arguim em 1545, mas este personagem, na opinião +de Delfim Guimarães, era incapaz de escrever a mais +insignificante das quadras de Bernardim Ribeiro. <br /> + + +<br /> + + +Como se vê, é realmente muito notavel este livro, +que os eruditos e todos os que se interessam pelo movimento litterario +portuguez, certamente deverão apreciar pela intensa luz que +projecta sobre um dos principaes capitulos da historia da poesia +nacional. <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="signature">(Do jornal <em>O Primeiro de +Janeiro</em>, do +Porto, de 20 de janeiro de 1909).</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<h3 style="text-align: left;"><a name="a12"></a>«Bernardim +Ribeiro»<br /> + + +por Delfim Guimarães +</h3> + + +<br /> + + +Não pode um povo viver sem ideal e esse ideal ha de ser como +a flôr que firma as raizes no terreno proprio das suas +tradições. O futuro ha de ser explicado pelo +passado em que potencialmente está contido. <br /> + + +<br /> + + +Assim, comprehende-se quanta importancia tem para a vida intellectual e +artistica d'um povo o conhecimento de tudo quanto se refere +á evolução litteraria dos generos e +ás condições mesologicas em que os +seus grandes prosadores e poetas produziram monumentos de dura. <br /> + + +<br /> + + +É por isso que lá fóra se +não considera trabalho inutil todo aquelle que consiste em +escavar no passado, com paciencia e com intelligencia, para d'elle +desenterrar uma ideia, uma verdade, a correcção +d'uma data, a +explicação de um texto obscuro. <br /> + + +<br /> + + +É sobre este trabalho á primeira vista inglorio +que philosophos e historiadores edificam as largas syntheses, cuja +necessidade é redundancia encarecer para a +comprehensão da psychologia d'um povo. <br /> + + +<br /> + + +Entre nós, modernamente, nada ou quasi +<span class="pagenum">[152]</span> +nada se tem feito n'esse sentido. Os nossos manuaes +de litteratura repetem cegamente o que estava dito e feito, antes da +descoberta dos modernos processos de critica e +interpretação do passado. <br /> + + +<br /> + + +Apenas o sr. Theophilo Braga com louvavel tenacidade se tem consagrado +á especialidade, nem sempre sendo feliz, não +só pela sua tendencia +a tudo systhematisar, forçando os factos para os encaixar +nas suas concepções +aprioristicas, mas tambem pela vastidão do assumpto que +é impossivel ser abrangido pelo trabalho de um homem +só, principalmente quando não teve quem lhe +preparasse o terreno. <br /> + + +<br /> + + +Estas considerações accodem-nos a proposito do +livro de Delfim Guimarães―BERNARDIM RIBEIRO―que representa +incontestavelmente o acontecimento mais importante em historia +litteraria do nosso tempo. <br /> + + +<br /> + + +O facto, que é já do dominio publico, +é este: Christovão Falcão, que passava +por auctor da ecloga «Crisfal», uma das joias da +nossa +litteratura, foi na realidade um mediocre fidalgo, incapaz de produzir +aquella obra prima. O auctor d'esta foi, effectivamente, Bernardim +Ribeiro, o meigo poeta das «Saudades» que serviu de +modelo e estimulo a Luiz de Camões. <br /> + + +<br /> + + +O livro de Delfim Guimarães, que é um modelo de +investigação paciente e de critica leal +não deixa duvidas a tal respeito. Seria descabido aqui +repetir os argumentos que por ora ninguem desfez em que o auctor +fundamenta a sua sensacional descoberta. <br /> + + +<br /> + + +Limitamo-nos simplesmente a consignar que se Delfim +Guimarães revelou uma extraordinaria sagacidade +estabelecendo «a priori» a identidade +<span class="pagenum">[153]</span> +de Bernardim Ribeiro e do auctor de +«Crisfal», a fórma cheia de probidade +por que procurou «a posteriori» justificar a sua +opinião honra não sómente as suas +faculdades de +investigador, mas tambem o seu caracter. <br /> + + +<br /> + + +Quer nos parecer que, depois d'este precioso livro, a ninguem +é licito alimentar duvidas a tal respeito. E se se perde +para o quadro dos nossos poetas um nome, fica enriquecido e aureolado +com gloria nova, mas que lhe pertencia o doce e encantador namorado da +«Menina e Moça». <br /> + + +<br /> + + +A Delfim Guimarães os nossos parabens e, com elles, os +nossos agradecimentos. <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="signature">(Do <em>Jornal de Noticias</em>, +do Porto, de +8 de fevereiro de 1909).</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<h3 style="text-align: left;"><a name="a13"></a>Divagações +</h3> + + +<h4> +I </h4> + + +Só agora,―ainda que me não creiam―, +só agora acaba de morrer, neste anno da graça de +1909, um dos grandes bucolicos da época de ouro dos +escriptores quinhentistas! <br /> + + +<br /> + + +Esse macrobio das letras, Mathusalem portuguez, de nome e de +nação, era, sem mais nem menos, Chistovam +Falcão de Sousa, que, embora quatro vezes secular, me +parece, indefinidamente vivo continuaria se não o tivessem +acaso assassinado... <br /> + + +<br /> + + +Companheiro, amigo e confidente de Bernardim Ribeiro, houvera entre os +dois, segundo Theophilo Braga, a infeliz conformidade de uma sorte +infeliz; pois, ao passo que aquelle se desperdiçava por +amores, tambem este por amores se perdia... <br /> + + +<br /> + + +As celebradas «Trovas de Chrisfal» collocavam a +figura de Maria Brandão, «com a casta graciosidade +de uma virgem de Cimabue, dentro de paisagens que pareciam ter os +traços do pincel de Giotto»; e toda a +tradição +popular, já assignalada pelo chronista Diogo do Couto, +<span class="pagenum">[156]</span> +era unanime em considerar esse +nome de «Chrisfal» como formado das duas primeiras +syllabas do prenome e appellido de Christovam Falcão. De +outra parte, o poema das +«Saudades», ou a «Menina e +moça», de Bernardim +Ribeiro, lembrava a desventurada paixão do poeta pelo typo +feminil de Joanna Tavares, que elle disfarçava com o +pseudonymo pastoril de +«Aonia». <br /> + + +<br /> + + +Tão notavel se afigurava a individualidade literaria de +«Chrisfal» que, para a illustre +romanista D. Carolina Michaëlis, elle teria sido o creador do +genero bucolico em Portugal, e Bernardim apenas o seu immediato +imitador; mas, tambem, a semelhança entre elles era tal que, +conforme a judiciosa observação do professor +Simões Dias, «as obras de um podiam passar como +feitas pelo outro.» <br /> + + +<br /> + + +E assim se devia entender e ensinar nas escolas, até que um +novo escriptor lusitano, o sr. Delfim Guimarães, nos +apparecesse com um trabalho recente e valioso, onde a toda luz +demonstra, com grande escandalo dos mestres, que Christovam +Falcão é, sem menos nem mais, o mesmo Bernardim +Ribeiro, que adoptara nas +<span class="smallcaps">«Trovas» o +chris (ma) fal +(so)</span> de Chrisfal». E a +«Maria» de taes versos tambem constituia, a seu +turno, mais um cryptonymo de amor... <br /> + + +<br /> + + +Por certo que existiu Christovam Falcão, e existiu naquelles +mesmos annos, mas o sr. Delfim Guimarães prova que +semelhante personagem era um ignorantaço de marca. <br /> + + +<br /> + + +―Arranque-se-lhe, por conseguinte, e para sempre, o rutilante diadema +de poeta com que lhe cingiram a cabeça romantica... +Puramente emprestada era a luz que o sobredourava na +<span class="pagenum">[157]</span> +historia,―luz que lhe não +provinha do merito, senão antes da phantasia dos criticos. <br /> + + +<br /> + + +Em todo o caso, e emquanto houver a memoria dos homens, +viverá o seu «renome», +attribuido apenas á felicidade do +«nome»... <br /> + + +<br /> + + +Se elle, como escriptor, morreu, ha de ser, comtudo, evocado nas obras +de erudição, ao menos, +quiçá, como testemunho de quanto podem os enganos +e a tardia justiça dos homens. <br /> + + +<br /> + + +O trabalho consciencioso do sr. Delfim Guimarães honra a sua +fina argucia, e nos leva a confiar no indefectivel juizo da historia +cuja precaria relatividade é razão sobeja para +nos empenharmos contra os «tortos» iniquos de que +nos faça réos a +precipitação ou a desidia. A +averiguação do que pertence a cada um +não transcende as raias da judicatura terrestre; e, para os +que esperam na vida futura, parece que, perante o seu tribunal supremo, +com jurisdicção apenas sobre o bem e o mal, +não se levarão os problemas de preeminencia +literaria, nem scientifica... <br /> + + +<br /> + + +Á posteridade é que compete extremar as glorias +de cada autor; sendo que, muitas vezes, a injustiça ou a +ignorancia dos coevos, não impedem que as gralhas sejam +finalmente despojadas do atavio das pennas do pavão. <br /> + + +<br /> + + +Recordando o padre Manuel Bernardes o costume romano de ser punido, com +o venablo e a nota de infamia, o legionario fanfarrão que +enchia a boca de mentirosas façanhas, accrescenta que, se +houvera de andar semelhante correição pelos +ostentadores de engenho, muitos funccionarios exigiria a devida e cabal +applicação da pena, que, na velha +organisação militar, era privativa dos +«tribunos». Verifica-se, porém, +<span class="pagenum">[158]</span> +que, com o correr dos +tempos, nunca faltam «tribunos» da milicia +literaria, para o castigo dos soldados, «que blasonam falsas +valentias», ou para que se desmascarem os miseraveis +impostores da sciencia. Se até os reis, desde Homero, e, +como dizia Camões, <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="poetry1">«Dão os premios, +de Ajace merecídos,<br /> + + +Á lingua vã de Ulysses fraudulenta»</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +vêm mais tarde os divinos aedos, que, no tribunal dos +pósteros, pleiteiam e ganham a causa dos que foram +injustamente aggravados. <br /> + + +<br /> + + +Não permitte, afinal, o criterio dos competentes, que um +simples erudito, como Ptolomeu, usurpe, inappellavelmente, a fama +devida ao saber mathematico de Hipparcho. <br /> + + +<br /> + + +Este não é precisamente o caso de Christovam +Falcão de Sousa, que não póde +responder pelo erro dos que lhe enfiaram na modesta fronte uma +corôa gloriosa de poeta. Elle, se vivo fôra, +repugnaria acceitar o que a outrem pertencia de direito; pois, se os +elogios que não merecemos, nos deprimem, em vez de +exaltar-nos, o protesto da nossa consciencia não deve tardar +quando aquillo que nos dão representa o resultado de uma +espoliação alheia. <br /> + + +<br /> + + +Reproduzindo a carta que ainda se encontra na Torre do Tombo, o sr. +Delfim Guimarães apurou, e deixou de manifesto, que o +suposto trovador tinha apenas a instrucção +rudimentar dos moços fidalgos do seu tempo. <br /> + + +<br /> + + +Se «idiotas», na accepção +archaica de―«sem letras», eram, como sabemos, os +barões da edade media, que até disso mesmo se +ufanavam, a ponto de―«o condestavel Duguesclin nunca +<span class="pagenum">[159]</span> +ter querido sujeitar-se +á doutrinação +de um mestre», nem ainda na aurora da Renascença +pareceu melhor a cultura de certos homens, apesar de illustres. <br /> + + +<br /> + + +Francisco Pizarro, logar-tenente de Sua Alteza, cavalleiro da ordem de +Santiago e conquistador do Perú, ouviu ler, deante do Grande +Concelho dos nobres de Hespanha, a minuta do decreto que o fazia senhor +de todas terras descobertas e por descobrir;―e, como, na +expressão de Heredia, não pudesse assignar o +protocollo, <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="poetry1">«Fit sa croix, +déclarant ne savoir pas +écrire,<br /> + + +Mais d'un ton si autain que nul ne put en +rire.»</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +Á vista de tal exemplo, não ha extranhar, no +gentil-homem Christavam Falcão, nem as faltas de grammatica, +nem as de orthographia, patentes em sua carta a el-rei, conforme o +documento que ainda se conserva na Torre do Tombo... Mas essas faltas e +a rudeza geral do estilo são bastantes para que +não mais o tenhamos +na conta de um emulo do suave e melancholico Bernardim Ribeiro, autor +incontestavel das «Trovas de Chrisfal», depois de +tantos +argumentos sagazmente colhidos de uma profunda analyse psychologica e +linguistica. <br /> + + +<br /> + + +Um dos mais fortes indicios (aliás não +aproveitado pelo sr. Delfim Guimarães) consiste na estrophe +77, das «Trovas», com o começo, +em prosa, do poema das «Saudades»: <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="poetry">Por ti me vi desterrada<br /> + + +em estas estranhas terras<br /> + + +de donde eu fui +criada,<br /> + + +e, por ti, antre estas serras,<br /> + + +<span class="pagenum">[160]</span> +em vida, são sepullada:<br /> + + +onde, a se +me perderem<br /> + + +a frol dos annos se vão;<br /> + + +ora julga se +é rezão<br /> + + +das minhas lagrimas serem<br /> + + +menos daquestas +que são!</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +Ha aqui uma clara allusão ao mesmo facto referido no trecho: +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +«Menina e moça me levaram de casa de meu pae +para longes terras; qual fosse então a causa daquella minha +levada, era pequena, não na soube.»<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +O sr. Delfim Guimarães deixa agora envolta em trevas a +personalidade de Christovam Falcão; mas o raio de luz que +deste se afasta, só serve de augmentar a gloria de Bernardim +Bibeiro, cujo peregrino talento até hoje scintillava +repartido pela auréola de dois nomes de poeta... <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="signature tinyl"><span class="smallcaps">Silvio +de Almeida</span>.<br /> + + +<br /> + + +(Do jornal <em>O Estado de S. Paulo</em>, de +S. Paulo, Brasil, de 29 de março de 1909).</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<h3 style="text-align: left;"><a name="a14"></a>Divagações +</h3> + + +<h4> +II </h4> + + +Que extranha e mal debuxada figura não era a desse +Christovam Falcão, a quem, de principio, a gente ignara, +depois editores sem critica, e, por fim, os mesmos autorisados mestres, +attribuiram a paternidade das «Trovas de Crisfal», +sem outro algum motivo que só este, aliás, +deveras pueril: conjugarem-se na palavra «Crisfal» +as duas primeiras syllabas de «Christovam» e de +«Falcão»! <br /> + + +<br /> + + +Unicamente, pois, a sorte de seu «nome» lhe +grangeára o dilatado «renome» de quatro +seculos, cheios de uma admiração que tanto +(segundo o costume) tinha de enthusiastica, quanto mais era infundada e +gratuita. <br /> + + +<br /> + + +Aos phantasistas nada, certo, importava que jamais fosse o ideal +trovador, nem uma vez, referido no volumoso in-folio do +«Cancioneiro» de «Rezende», em +cujo indice se +catalógam até as mediocridades pulhas daquelle +tempo. Nem cuidaram tampouco que a sua unica pretendida obra lyrica +(não sem causa deparada entre os papéis, que +foram, de Bernardim Ribeiro)―versava Aos phantasistas nada, certo, +importava que jamais fosse o ideal +trovador, nem uma vez, referido no volumoso in-folio do +«Cancioneiro» de «Rezende», em +cujo indice se +catalógam até as mediocridades pulhas daquelle +tempo. Nem cuidaram tampouco que a sua unica pretendida obra lyrica +(não sem causa deparada entre os papéis, que +foram, de Bernardim Ribeiro)―versava o mesmo assumpto predilecto deste +ultimo, +<span class="pagenum">[162]</span> +reflectia o mesmo gosto da +paisagem, era fundida nos moldes do mesmo estilo, vinha molhada pelas +lagrimas da mesma dorida commoção! <br /> + + +<br /> + + +A todos que tenham olhos de ver, demonstra agora o sr. Delfim +Guimarães, com miudezas de analyse, que certos passos das +«Trovas», ou reproduzem heptasyllabos das pastoraes +ribeirescas, ou correspondem a phrases similares do romancete das +«Saudades». <br /> + + +<br /> + + +Deixando, porém, de lado dezenas de significativas +coincidencias esparsas, como entre o verso da egloga 4.ª: <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div style="text-align: center;">«Coitado, +não sei que diga,<br /> + + +</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +e o da estrophe 21 de «Crisfal»:<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div style="text-align: center;">«Mas, triste, +não sei que digo»;<br /> + + +</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +eu apenas aqui darei o que não expoz o novél +escriptor portuguez, ou aquillo que elle só levemente +adduziu. <br /> + + +<br /> + + +Já na carta prefacial das «Trovas», cujo +tom dagua chorosa nos suggere o «memento» do +«Cancioneiro», os versos: <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="poetry">«Cuidai quanto nos quisemos,<br /> + + +e não vos possa +mudar<br /> + + +dizer que vos podem dar<br /> + + +outrem que tenha mais que eu», +</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +perfeitamente combinam com a 1.ª egloga: <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="poetry">«Veio ahi outro pastor ter:<br /> + + +com o que prometteu ou deu<br /> + + +se +deixou delle vencer»,</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +e com a «Menina e moça»: +<br /> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[163]</span> ―«...succedeu, no castello, um filho de um cavalleiro muito +valído e rico nesta terra, que por meio de vizinhos desejou +Aonia por mulher»; <br /> + + +<br /> + + +―«...bem lhe pareceu que se não descontentaria +Aonia do esposo, porque era bem aposto cavalleiro e dos bens do mundo +abastado». <br /> + + +<br /> + + +Note-se, mais, que a locução―«dos bens +do mundo abastado», tambem inserta na 2.ª bucolica, +reapparece na 5.ª estrophe de «Crisfal», +cujo introito (conforme com as eglogas 1.ª, 2.ª e +5.ª) faz das «selvas junto do mar» o +delicioso theatro dos amores dos dois zagaes. <br /> + + +<br /> + + +A descripção desse local (de Sintra e de seu Val +de Lobos), apenas esboçada no começo das +«Trovas», melhor se delineia da estrophe 55 em +deante: <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="poetry">«Vão alli grandes +montanhas<br /> + + +de alguns valles +abertas,<br /> + + +todas de soutos cubertas,<br /> + + +aos naturaes extranhas,<br /> + + +mas +á saudade certas.<br /> + + +<table style="text-align: left; width: 251px; height: 39px;" border="0" cellpadding="2" cellspacing="2"> + + + <tbody> + + + <tr> + + + <td> + + <div class="dots"></div> + + + </td> + + + </tr> + + + + </tbody> +</table> + + +Cuberta era a +fonte<br /> + + +de tam fresco arvoredo,<br /> + + +que não sei como o conte,<br /> + + +muito quieto e mui quedo,<br /> + + +por ser antre monte e monte.<br /> + + +<table style="text-align: left; width: 251px; height: 39px;" border="0" cellpadding="2" cellspacing="2"> + + + <tbody> + + + <tr> + + + <td> + + <div class="dots"></div> + + + </td> + + + </tr> + + + + </tbody> +</table> + + +Ao pé de um castanheiro<br /> + + +me +pus, triste, assentado,<br /> + + +ouvindo o tom de um ribeiro.<br /> + + +Meus olhos e eu +passámos<br /> + + +alli a noite em amores.<br /> + + +<table style="text-align: left; width: 251px; height: 39px;" border="0" cellpadding="2" cellspacing="2"> + + + <tbody> + + + <tr> + + + <td> + + <div class="dots"></div> + + + </td> + + + </tr> + + + + </tbody> +</table> + + +Naqueste tempo corrompe<br /> + + +a ave que chamam +leal<br /> + + +o silencio do seu mal,<br /> + + +que é quando a alva rompe<br /> + + +e ao +dia faz signal».</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[164]</span> +Depois disso, abram o livro da «Menina e +moça», e façam-me o favor de ler: <br /> + + +<br /> + + +«Neste «monte mais alto de todos» (que eu +vim buscar pela suavidade de outros que nelle achei) passava eu a minha +vida como podia; ora em me ir «pelos fundos valles que os +cingem dearredor», ora em me pôr do mais alto +delles olhar a terra como ia acabar ao mar; e depois o mar como se +estendia logo após ella, pera acabar onde ninguem o +visse». <br /> + + +<br /> + + +―«E ainda bem não foi alto dia, quando eu (parece +que acinte) determinei ir-me pera o pé deste monte, +«que d'arvoredos grandes e verdes ervas e deleitosas +sombras» é cheio, +«por onde corre um pequeno ribeiro» de agua de todo +o anno, que nas noites caladas, o rogido delle faz no mais alto deste +monte um «saudoso tom, que muitas vezes me tolhe o +sono». <br /> + + +<br /> + + +―«Não tardou muito que, estando eu assim +cuidando, sobre um verde ramo que por cima da agua se estendia, +«veio pousar um rouxinol». <br /> + + +<br /> + + +Para completar a symetria e a belleza idyllica da pintura, nem faltou a +esse quadro o vultinho animado da mesma «ave leal» +de que nos. falavam as «Trovas». <br /> + + +<br /> + + +Quanto ao par apaixonado, a referencia da 2.ª estrophe de +«Crisfal»: <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="poetry">«Sendo de pouca edade,<br /> + + +não se ver tanto sentiam<br /> + + +que o dia que se não viam,<br /> + + +se via na saudade<br /> + + +o que se ambos +queriam».</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +ligada á da 77: <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="poetry">«a frol dos annos se +vão»,</div> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[165]</span>e á da +84: <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="poetry2">«Quando vos dei a vontade,</div> + + +<div class="poetry">inda vós +ereis menina,<br /> + + +e eu de pouca edade»,</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +em nada discrepa da do capitulo 18 das «Saudades» +de Bernardim: <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +―«...a senhora Aonia, que ainda então era +donzella d'antre treze ou quatorze annos...»; <br /> + + +<br /> + + +―«...a barba um pouco espessa e um pouco crescida, que a +elle traz, parece que é aquella a primeira +ainda...» <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +Em relação ao poeta, a 2.ª egloga +positivamente declara que contava os seus vinte e um de edade quando se +fez «servidor» de Aonia. <br /> + + +<br /> + + +Mas dos parentes desta a interesseira má vontade, que +«Crisfal» vehemente assignala, assentou de lhe +curar o coração doente de mulher pelo processo +sedativo de um apartamento para «longes terras» +(expressão egual da +estrophe 7.ª e do 1.º capitulo da «Menina e +Moça»). <br /> + + +<br /> + + +Ainda na 2.ª egloga, Bernardim, que com os italianos aprendera +o reavidado uso das allegorias de Vergilio, se manifesta como um pastor +nascido «antre Tejo e Odiana»; e muito é +para notar que nas «Trovas» tambem exista o mesmo +verso (6.º da 30.ª estrophe). <br /> + + +<br /> + + +Attingido o pegureiro (na 2.ª bucolica) do encantamento de +amor, <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="poetry">«logo então +começou<br /> + + +seu gado a +emagrecer:<br /> + + +nunca mais delle curou.»</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[166]</span> +E «Crisfal», outrosim +(como réza a +5.ª +estrophe), <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="poetry">«...por curar da +paixão,<br /> + + +não curava +do seu gado».</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +O mesmo pensamento se exprimiu, pois, aqui, sómente com tal +ou qual superioridade artistica, que não é a +injusta superioridade de Christovam Falcão sobre Bernardim +Ribeiro, senão antes a deste sobre si proprio, no +progressivo burilamento da fórma impeccavel.―Mas o artista, +como que apostado em exceder-se cada vez mais, só achou a +sua melhor expressão +esthetica quando depois insistiu, na estrophe 22: <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="poetry">«descuido matou meu gado,<br /> + + +cuidado matou a mim». +</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +A antithese (que tira de duas idéas oppostas a +scintillação do choque de duas pedras) +constitue quasi sempre o ultimo resultado de uma longa +elaboração mental. <br /> + + +<br /> + + +Ha, na melancholia das «Saudades», um topico onde o +seu autor diz que, já de affeito ás dores, +parecia viver nellas. E tal conceito assume, na 10.ª estrophe +das «Trovas», uma +formulação mais abstracta e geral: <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="poetry">«O longo uso dos danos<br /> + + +se converte em natureza». +</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +A hypothese de «Crisfal» ser Christovam +Falcão exigiria, portanto, que delle fosse, tambem, um +simples reflector o nosso, aliás original, Bernardim +Ribeiro; ou isso, ou, então, plagiario o outro... +<br /> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[167]</span> +Gemeos intellectuaes, e ainda irmãos no infortunio de seus +affectos, nunca se houvera visto, sequer em dois relogios, uma +tão completa concordancia! <br /> + + +<br /> + + +Mas, dentre o suffocante accumulo de provas contrarias, uma, sobretudo, +victoriosamente resalta da egloga «Alejo» de +Sá de Miranda, o «philosopho» amigo e +confidente do +«ternissimo» Bernardim Ribeiro. <br /> + + +<br /> + + +Alli diz o Miranda, disfarçado sob o cryptonymo de +«Antonio»: <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="poetry">«Vine por Ribero ver,<br /> + + +como otras vezes solia.» +</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +Pois bem: Esse mesmo «Antonio» apparece na estrophe +32 de «Crisfal», que delle assevera: <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="poetry">«Aqueste é o +pastor<br /> + + +que aqui vêo +buscar-me.»</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +De semelhante parallelismo não ha concluir senão +que «Ribero» e +«Crisfal» representam um só e mesmo +«pastor», o que vale dizer +«poeta», na linguagem allegorica do bucolismo. <br /> + + +<br /> + + +Demais: <br /> + + +<br /> + + +Os versos que se acham em «Alejo»: <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="poetry">«Io sonava que me via<br /> + + +entre unas cerradas +breñas;<br /> + + +de una parte i de otra peñas,<br /> + + +do nunca el +sol descobria»,</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +traduzem no castelhano os da estrophe 7.ª das +«Trovas»: <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="poetry">«esconderam-me antre serras,<br /> + + +onde o sol nunca era +visto,»</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +<span class="pagenum">[168]</span> +Ora, se (a paginas 188 de sua obra refundida sobre Sá de +Miranda) reconhece Theophilo Braga, como todos, em +«Alejo», uma segunda figura de Bernardim, +deverá reconhecer ainda que «Crisfal», +sendo «Alejo», +é Bernardim tambem. <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +A gloria do sr. Delfim Guimarães foi de haver apanhado a +verdade, que tão fóra andava da corrente unanime +do parecer dos mestres. <br /> + + +<br /> + + +Mas, já das muitas adhesões que elle conquistou, +licito me seja destacar o voto preponderante da senhora dona Carolina +Michaëlis de Vasconcellos,<sup><a href="#12">[12]</a></sup> +como primeira autoridade―que +ella o é―da moderna philologia portugueza. <br /> + + +<br /> + + +Tambem, no Brasil, Sylvio Romero entende que estão +reivindicados, de uma vez, os direitos de Bernardim Ribeiro +«a essa bella parte da sua obra que a lenda lhe andava a +tirar estupidamente»... <br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="signature tinyl"><span class="smallcaps">Silvio +de Almeida</span>.<br /> + + +<br /> + + +(Do jornal <em>O Estado de S. Paulo</em>, de +S. Paulo, Brasil de 5 de Abril de 1909).</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<h2>Indice </h2> + + +<br /> + + +<div class="sbreak"> +<hr /></div> + + +<br /> + + +<h3>Theóphilo Braga e a lenda do Crisfal </h3> + + +<br /> + + +<br /> + + +<table style="text-align: left; width: 100%;" border="0" cellpadding="2" cellspacing="2"> + + + <tbody> + + + <tr> + + + <td></td> + + + <td></td> + + + <td></td> + + + <td style="text-align: right;">Pag.</td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td style="text-align: right;">I.</td> + + + <td style="text-align: justify;">Razão de +ser d'este +livro</td> + + + <td></td> + + + <td style="text-align: right;"><a href="#c1">5</a></td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td style="text-align: right; vertical-align: top;">II.</td> + + + <td style="text-align: justify;">O snr. dr. +Theóphilo Braga descobrindo a verdade, e +procurando +enterrá-la</td> + + + <td></td> + + + <td style="text-align: right; vertical-align: bottom;"><a href="#c2">29</a></td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td style="text-align: right;">III.</td> + + + <td style="text-align: justify;">Anotações +á carta que nos dirigiu +o snr. dr. Theóphilo +Braga</td> + + + <td></td> + + + <td style="text-align: right;"><a href="#c3">37</a></td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td style="text-align: right; vertical-align: top;">IV.</td> + + + <td style="text-align: justify;">A +comunicação do presidente da Academia das +Sciencias de +Portugal</td> + + + <td></td> + + + <td style="text-align: right; vertical-align: bottom;"><a href="#c4">59</a></td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td style="text-align: right;">V.</td> + + + <td style="text-align: justify;">O artigo +«Movimento +litterário»</td> + + + <td></td> + + + <td style="text-align: right;"><a href="#c5">63</a></td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td style="text-align: right;">VI.</td> + + + <td>Uma patranha +genealógica</td> + + + <td></td> + + + <td style="text-align: right;"><a href="#c6">97</a></td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td style="text-align: right;">VII.</td> + + + <td>O criptónimo +«Fileno»</td> + + + <td></td> + + + <td style="text-align: right;"><a href="#c7">99</a></td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td style="text-align: right;">VIII.</td> + + + <td>In terminis</td> + + + <td></td> + + + <td style="text-align: right;"><a href="#c8">103</a></td> + + + </tr> + + + + </tbody> +</table> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="sbreak"> +<hr /></div> + + +<br /> + + +<h3 style="text-align: left;"><span class="smallcaps">Apreciações +da imprensa ao +livro</span>: </h3> + + +<h4>«Bernardim Ribeiro (O Poeta Crisfal)» </h4> + + +<br /> + + +<table style="text-align: left; width: 100%;" border="0" cellpadding="2" cellspacing="2"> + + + <tbody> + + + <tr> + + + <td colspan="2" rowspan="1" style="text-align: right; width: 40px;">Do jornal</td> + + + <td colspan="1" rowspan="1" style="width: 416px;">«<em>O +Mundo</em>», de Lisboa</td> + + + <td style="width: 30px;"></td> + + + <td style="text-align: right; width: 41px;"><a href="#a1">107</a></td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td style="width: 41px; text-align: center;">»</td> + + + <td style="text-align: center; width: 40px;">»</td> + + + <td style="width: 416px;">«<em>O +Seculo</em>», » + »</td> + + + <td style="width: 30px;"></td> + + + <td style="text-align: right; width: 41px;"><a href="#a2">109</a></td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td style="width: 41px; text-align: center; vertical-align: top;">»</td> + + + <td style="text-align: center; width: 40px; vertical-align: top;">»</td> + + + <td style="text-align: justify; width: 416px;">«<em>Diario +de +Noticias</em>», de Lisboa,―artigo do snr. dr. +Candido +de +Figueiredo</td> + + + <td style="width: 30px;"></td> + + + <td style="text-align: right; width: 41px; vertical-align: bottom;"><a href="#a3">111</a></td> + + + </tr> + + + + </tbody> +</table> + + +<span class="pagenum">[174]</span> +<table style="text-align: left; width: 100%;" border="0" cellpadding="2" cellspacing="2"> + + + <tbody> + + + <tr> + + + <td colspan="1" rowspan="1" style="width: 40px; text-align: center; vertical-align: top;">»</td> + + + <td style="text-align: center; vertical-align: top;">»</td> + + + <td colspan="1" rowspan="1" style="text-align: justify; width: 423px;">«<em>Diario +Illustrado</em>», de Lisboa,―artigos do snr. +Hemetério +Arantes</td> + + + <td colspan="2" rowspan="1" style="text-align: right; vertical-align: bottom; width: 28px;"><a href="#a4">113</a> e <a href="#a6">125</a></td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td style="width: 41px; text-align: center;">»</td> + + + <td style="width: 40px; text-align: center;">»</td> + + + <td style="text-align: justify; width: 423px;">«<em>A +Mala da +Europa</em>», de +Lisboa</td> + + + <td style="width: 28px;"></td> + + + <td style="text-align: right; width: 45px;"><a href="#a5">121</a></td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td style="width: 41px; vertical-align: top; text-align: center;">»</td> + + + <td style="width: 40px; vertical-align: top; text-align: center;">»</td> + + + <td style="text-align: justify; width: 423px;">«<em>A +Lucta</em>,» +de Lisboa,―artigo do snr. Albino Forjaz de +Sampayo</td> + + + <td style="width: 28px;"></td> + + + <td style="text-align: right; vertical-align: bottom; width: 45px;"><a href="#a7">133</a></td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td style="text-align: center;">»</td> + + + <td style="text-align: center;">»</td> + + + <td style="width: 423px;">«<em>O +Dia</em>», de +Lisboa</td> + + + <td style="width: 28px;"></td> + + + <td style="text-align: right;"><a href="#a8">139</a></td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td style="text-align: center; vertical-align: top;">»</td> + + + <td style="text-align: center; vertical-align: top;">»</td> + + + <td style="width: 423px;">«<em>O +Commercio de +Lima</em>», de Ponte do Lima―artigo do snr. dr. +Antonio Ferreira</td> + + + <td style="width: 28px;"></td> + + + <td style="text-align: right; vertical-align: bottom;"><a href="#a9">143</a></td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td style="text-align: center;">»</td> + + + <td colspan="2" rowspan="1" style="text-align: justify; width: 423px;">«<em>Jornal +das +Colonias</em>», de Lisboa,―artigo de A. +B.</td> + + + <td style="width: 28px;"></td> + + + <td style="text-align: right;"><a href="#a10">147</a></td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td style="text-align: center;">»</td> + + + <td colspan="2" rowspan="1" style="text-align: justify; width: 423px;">jornal «<em>O +Primeiro de +Janeiro</em>», do +Porto»</td> + + + <td style="width: 28px;"></td> + + + <td style="text-align: right;"><a href="#a11">149</a></td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td style="text-align: center;">»</td> + + + <td style="width: 423px;" colspan="2" rowspan="1">«<em>Jornal +de +Noticias</em>», do +Porto</td> + + + <td style="width: 28px;"></td> + + + <td style="text-align: right;"><a href="#a12">151</a></td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td style="text-align: center; vertical-align: top;">»</td> + + + <td style="text-align: justify; width: 423px;" colspan="2" rowspan="1">jornal «<em>O +Estado de S. +Paulo</em>», de S. Paulo, Brasil,―artigos do snr. +Sílvio de +Almeida</td> + + + <td style="width: 28px;"></td> + + + <td style="vertical-align: bottom; text-align: right;"><a href="#a13">155</a></td> + + + </tr> + + + + </tbody> +</table> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<b>Notas:</b><br /> + + +<br /> + + +<a name="1"></a><sup>[1]</sup> O <em>normando</em> +é +nosso.<br /> + + +<br /> + + +<a name="2"></a><sup>[2]</sup> Este <em>ponto +de +admiração</em> pertence +exclusivamente ao snr. dr. Theóphilo Braga.<br /> + + +<br /> + + +<a name="3"></a><sup>[3]</sup> T. +Braga.―<em>Obras de Christovam +Falcão</em>, Porto, 1871―pag. 4.<br /> + + +<br /> + + +<a name="4"></a><sup>[4]</sup> <em>Bernardim +Ribeiro (O Poeta +Crisfal)</em>, pag. 180.<br /> + + +<br /> + + +<a name="5"></a><sup>[5]</sup> Torre +do Tombo―Gaveta 20―maço 5―n.º +10.<br /> + + +<br /> + + +<a name="6"></a><sup>[6]</sup> Bernardim +Ribeiro e o Bucolismo, pag. 63-64.<br /> + + +<br /> + + +<a name="7"></a><sup>[7]</sup> <em>Bernardim +Ribeiro e o +Bucolismo</em>, pag. 19. <br /> + + +<br /> + + +<a name="8"></a><sup>[8]</sup> <em>Bernardim +Ribeiro e o +Bucolismo</em>, pag. 19.<br /> + + +<br /> + + +<a name="9"></a><sup>[9]</sup> Carta +do snr. Jordão de Freitas no jornal +«O Dia» em 2 de janeiro de 1909.<br /> + + +<br /> + + +<a name="10"></a><sup>[10]</sup> +Conferencia +de 8 de Junho de 1725 pelo Conde da Ericeira, na Colleçam +dos documentos e memorias da Academia Real da Historia Portugueza.<br /> + + +<br /> + + +<a name="11"></a><sup>[11]</sup> +Aliás, +as glosas ao solau. <br /> + + +<br /> + + +<div class="signature"><em>Nota de D. +G.</em></div> + + +<br /> + + +<a name="12"></a><sup>[12]</sup> +Reproduzindo integralmente o artigo do nosso +ilustre +confrade brasileiro, cabe-nos o dever de declarar que a insigne +romanista, senhora D. Carolina Michaëlis, que nós +saibamos, ainda não manifestou a sua opinião. <br /> + + +<br /> + + +<div class="signature"><em>Nota de D. G.</em></div> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div class="fbox"> +<h2>Lista de erros corrigidos</h2> + + +<div style="text-align: center;">Aqui +encontram-se +listados todos os erros encontrados e corrigidos:</div> + + +<br /> + + +<br /> + + +<table style="width: 80%; text-align: left; margin-left: auto; margin-right: auto;" border="0" cellpadding="4" cellspacing="4"> + + + <tbody> + + + <tr align="right"> + + + <td style="width: 61px;"></td> + + + <td style="font-weight: bold; text-align: center; width: 121px;">Original</td> + + + <td style="text-align: center; width: 5px;"></td> + + + <td style="font-weight: bold; text-align: center; width: 135px;">Correcção</td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td style="text-align: right; width: 61px;"><a name="e1"></a><a href="#p12">#pág. +12</a></td> + + + <td style="text-align: center; width: 121px;">auxilados</td> + + + <td style="text-align: center; width: 5px;">...</td> + + + <td style="text-align: center; width: 135px;">auxiliados</td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td style="text-align: right; width: 61px;"><a name="e2"></a><a href="#p28">#pág. +28</a></td> + + + <td style="text-align: center; width: 121px;">impondo-a</td> + + + <td style="text-align: center; width: 5px;">...</td> + + + <td style="text-align: center; width: 135px;">impondo-o*</td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td style="text-align: right; width: 61px;"><a name="e3"></a><a href="#c2">#pág. +29</a></td> + + + <td style="text-align: center; width: 121px;">Pedron</td> + + + <td style="text-align: center; width: 5px;">...</td> + + + <td style="text-align: center; width: 135px;">Padron*</td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td style="text-align: right; width: 61px;"><a name="e4"></a><a href="#p32">#pág. +32</a></td> + + + <td style="text-align: center; width: 121px;">paternalmente</td> + + + <td style="text-align: center; width: 5px;">...</td> + + + <td style="text-align: center; width: 135px;">paternalmente,*</td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td style="text-align: right; width: 61px;"><a name="e5"></a><a href="#p38">#pág. +38</a></td> + + + <td style="text-align: center; width: 121px;">primeiro</td> + + + <td style="text-align: center; width: 5px;">...</td> + + + <td style="text-align: center; width: 135px;">segundo*</td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td style="text-align: right; width: 61px;"><a name="e6"></a><a href="#p85">#pág. +85</a></td> + + + <td style="text-align: center; width: 121px;">com o</td> + + + <td style="text-align: center; width: 5px;">...</td> + + + <td style="text-align: center; width: 135px;">como</td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td style="text-align: right; width: 61px;"><a name="e7"></a><a href="#p90">#pág. +90</a></td> + + + <td style="text-align: center; width: 121px;">empenhada</td> + + + <td style="text-align: center; width: 5px;">...</td> + + + <td style="text-align: center; width: 135px;">empenhado</td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td style="text-align: right;"><a name="e8"></a><a href="#p94">#pág. 94</a></td> + + + <td style="text-align: center;">com todas</td> + + + <td style="text-align: center;">...</td> + + + <td style="text-align: center;">como todas*</td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td style="text-align: right;"><a name="e9"></a><a href="#p95">#pág. 95</a></td> + + + <td style="text-align: center;">Falção</td> + + + <td style="text-align: center;">...</td> + + + <td style="text-align: center;">Falcão*</td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td style="text-align: right;"><a name="e10"></a><a href="#p102">#pág. 102</a></td> + + + <td style="text-align: center;">portuguesês</td> + + + <td style="text-align: center;">...</td> + + + <td style="text-align: center;">portuguêses</td> + + + </tr> + + + <tr> + + + <td style="text-align: right;"><a name="e11"></a><a href="#a2">#pág. 107</a></td> + + + <td style="text-align: center;">Chistovão</td> + + + <td style="text-align: center;">...</td> + + + <td style="text-align: center;">Christovão</td> + + + </tr> + + + + </tbody> +</table> + + +<br /> + + +<br /> + + +<div style="text-align: center;">* +correcções feitas com base na errata do +próprio livro.<br /> + + +<br /> + + +As figuras da <a href="#f1">página 34</a> +e da <a href="#f2">página 49</a> +estão ilegíveis, motivo pelo qual não +foram adicionadas. Fica no entanto a sua +indicação.</div> + + +<div style="text-align: center;"><br /> + + +<br /> + + +</div> + + +</div> + + +</div> + + + + + + + + + +<pre> + + + + + +End of the Project Gutenberg EBook of Theophilo braga e a lenda do crisfal, by +Delfim Guimarães + +*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK THEOPHILO BRAGA E A LENDA *** + +***** This file should be named 25479-h.htm or 25479-h.zip ***** +This and all associated files of various formats will be found in: + https://www.gutenberg.org/2/5/4/7/25479/ + +Produced by Rita Farinha and the Online Distributed +Proofreading Team at https://www.pgdp.net (This file was +produced from images generously made available by National +Library of Portugal (Biblioteca Nacional de Portugal).) + + +Updated editions will replace the previous one--the old editions +will be renamed. + +Creating the works from public domain print editions means that no +one owns a United States copyright in these works, so the Foundation +(and you!) can copy and distribute it in the United States without +permission and without paying copyright royalties. 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