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If you are not located in the United States, you'll have -to check the laws of the country where you are located before using this ebook. - -Title: Ás Mulheres Portuguêsas - -Author: Ana de Castro Osório - -Release Date: December 2, 2020 [EBook #63943] - -Language: Portuguese - -Character set encoding: UTF-8 - -*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK ÁS MULHERES PORTUGUÊSAS *** - - - - -Produced by Pedro Saborano, Gonçalo Silva and the Online -Distributed Proofreading Team at https://www.pgdp.net (This -book was produced from scanned images of public domain -material from the Google Books project.) - - - - - - - - - - Anna de Castro Osorio - - - Ás mulheres - Portuguêsas - - - - - LISBOA - =LIVRARIA EDITORA= - VIUVA TAVARES CARDOSO - 5--LARGO DE CAMÕES--6 - - 1905 - - - - -Typ. a vapor da Emprêsa Litteraria e Typographica - -178, Rua de D. Pedro, 184--Porto - - - - -Na incerteza pelo futuro, caracteristica muito acentuada do actual -momento historico, não ha ninguem, por mais ferozmente que se -ensimesme ou por mais alto que se alheie em sonhos e ficções, que se -não surprehenda, um dia, meditando, transido de duvidas, nalgum dos -multiplos problemas que agitam a alma moderna. - -São tantos e tão variados, tão dolorosos por vezes, recordam tanta -lagrima, evocam tanta dôr soffrida pela mísera humanidade--que em vão -lhe quer fugir e se debate e grita de desespero, ou ri de inconsciente -goso, conforme é alevantada aos ares em triumfo ou mergulhada na -indifferente desgraça--que o nosso espirito se detem e pergunta, no -augusto silencio da propria consciencia--se vale a pena existir num -mundo assim?! - -Todos os sinceros têm formulado esta interrogação: uns, fortificados -pelo pensamento, no desejo de remediar o mal, concebem a esperança de -trazer, embora com o sacrificio proprio, alguma melhoria á sociedade; -outros desanimam, a mesma dôr os mata ou anula para o trabalho paciente -do futuro. - -Mas o desânimo e a renuncia é uma dupla falta--pelo que deixâmos de -fazer e pelo que consentimos que os egoistas e os sem escrupulos façam -impunemente. - -Para todos é de responsabilidade a hora presente, na qual, a par de -muito crime e muita injustiça, um bello e salubre movimento se opéra -por todo o mundo. - -Ninguem se poderá isentar dessa tremenda responsabilidade moral, que -tanto cabe ao homem como á mulher, a esta mais ainda porque nas suas -mãos, com a educação da infancia, que lhe pertence, está confiado o -futuro. - -Á mulher, pois, ou seja pobre operaria que mal ganha para o pão de cada -dia, ou opulenta dama avergada ao pêso dos seus deveres sociaes; ás -mães que têm filhos a entrar na lucta pela existencia e que ansiados -esperam o conselho, que os guie para a felicidade e para o bem, -dos labios que lhes ensinaram as primeiras palavras e lhes deram -os primeiros beijos; como ás raparigas que, mal iniciadas nos seus -deveres, têm de arcar com um futuro de que nem chegam a comprehender -as responsabilidades; a todas, repetimos, corre o dever de se deterem, -ao menos um instante, a pensar no remedio a dar a tanto mal e a tanta -iniquidade. - -Por isso é ás mulheres, e principalmente ás mulheres do meu paiz--que -tão insuficientemente são educadas para serem as companheiras e as mães -do homem moderno--que me dirijo. - -Possa este modesto trabalho corresponder dalgum modo ás necessidades -espirituaes da alma feminina, que desperta emfim para uma nobre e mais -util missão social. - - - - -FEMINISMO - - -I - -SER FEMINISTA - -Feminismo: É ainda em Portugal uma palavra de que os homens se riem ou -se indignam, consoante o temperamento, e de que a maioria das proprias -mulheres córam, coitadas, como de falta grave cometida por algumas -colegas, mas de que ellas não são responsaveis, louvado Deus!... - -E, no entanto, nada mais justo, nada mais rasoavel, do que este -caminhar seguro, embora lento, do espirito feminino para a sua -autonomia. - -O homem português não está habituado a deparar no caminho da vida -com as mulheres suas iguais pela ilustração, suas companheiras de -trabalho, suas colegas na vida pública; por isso as desconhece, as -despresa por vezes, as teme quasi sempre. - -Mas siga a mulher o seu caminho, intemerata e digna, sem recear o -isolamento como o ridiculo--que nem um nem outro atingem o verdadeiro -mérito e a sã razão. - -Tenha o coração alto e o espirito alevantado; não faça do amôr o ideal -unico da existencia nem o seu unico fim. Pense no trabalho e no estudo, -e deixe que as suas faculdades afectivas se desenvolvam livremente, ou -se não desenvolvam mesmo, que isso deve ser indiferente á sociedade. -Cuidados de amôr devem ser cuidados tão absolutamente pessoais e -intimos, que não os assoalhar deveria ser a maior prova de pudôr. - -Tal não sucede, porêm. Toda a gente publíca os seus afectos, puros -ou impuros, verdadeiros ou falsos; e, por mais absurdos, por mais -indesculpaveis que sejam, despertam mais simpathia e compaixão do que -verdadeiras desgraças sociaes. Na vida real, como no drama, no romance, -na poesia, ou na musica, só cai bem no gosto do publico o amavío -voluptuoso do amôr sentimental. - -Assim o quer a sucessão de seculos, em que a mulher foi a reclusa do -convento ou da familia, tendo na vida um só fim--_agradar_. - -Assim o estima o homem, que fez do amôr carnal o seu culto e da mulher -a sacerdotisa desse culto. Mas sacerdotisa que se torna em escrava, -deusa que se cobre de injurias e se lança ao monturo das velhas coisas -inuteis, logo que o capricho, a paixão dos sentidos, foi como o fumo -desfeito no céo sem nuvens. - -O homem, passada a idade da poesia, segue triumphante o caminho da -existencia, sem mais lhe importar com a sua inspiradora. Da deusa ideal -dos seus sonhos faz a cozinheira habil, a dôna de casa ignorante e -util, mixto de costureira e governante, a mãe paciente e sofredora dos -filhos que são o seu orgulho. - -A mulher, em geral, é, quando esposa, a companheira só para a vida -banal e mesquinha--que nem por sombras deve abordar os graves -pensamentos que preocupam o marido!... - -Porque quando o homem, por acaso, encontra méritos intelectuaes que o -confraternisem com um individuo do sexo feminino, é rarissimo confessar -que a sorte lho deu para companhia da sua vida. - -Mas quantas vezes se enganam na escolha, e, por castigo, na companheira -ignorante e inferior que procuram para seu descanço, não encontraram, -hipocritamente velados por uma habil ingenuidade, todos os baixos -instinctos dos seres inferiores?! - -Quantos, procurando nas ignorantes criaturinhas que nunca se _poluiram_ -com o estudo e com o trabalho, as previdentes mães de familia, -destinadas a fazer prodigios de economias, de método e de arranjo, -não depararam com desditosas mulheres roídas de ambições e vaidades, -tanto mais ásperas quanto maior é a sua impotencia para as realisar--a -fantasia só presa nas galanices e módas, inuteis para os trabalhos -caseiros como para outro qualquer, sofrendo e fazendo sofrer todos os -seus por não possuir o que deseja e vê ás outras, transformando os -lares em gehenas onde féras da mesma raça se espesinham e abocanham?! - -Quando ao homem fôr dado encontrar facilmente a mulher sua igual, -comprehenderá quanto era louco preferindo-lhe esses pobres sêres que -não têm assumpto para conversa fóra do ultimo figurino, da vida alheia -e das criadas e seus costumes. - -Comprehenderá então o que é o verdadeiro afecto entre esposos, e não -mais preferirá essas que hoje diz amar, mas que no intimo despresa, -como suas inferiores, que supõe. - -E digo que supõe, porque está provado pela sciencia que -_intelectualmente_ não ha sexos privilegiados, mas unicamente -individuos e, quando muito, raças. - -Foram os sabios que desmentiram esse grosseiro e velho erro de que -o cerebro feminino é menos pesado e consequentemente inferior ao do -homem. Foram elles, os mesmos que lhe tinham levantado barreiras sobre -barreiras e escreveram sobre cada porta da sciencia o fatal _non -possumus_, os primeiros a desmentir-se e a penitenciar-se próbamente a -cada manifestação da mentalidade feminina. - -Foi a sciencia, fonte de toda a verdade e de toda a justiça, e na -qual devemos pôr os olhos como na unica libertadora, que fez cahir por -terra esse argumento tão falado da superioridade intelectual do homem, -fundando-a no peso do cerebro. - -Se a _massa cinzenta_ contida no craneo feminino é menor, corresponde -harmonicamente ao tamanho do corpo, em regra mais pequeno. - -Foi esse o primeiro passo, o mais importante e decisivo, para o -triumfo da ideia feminista. Até lá, quando a mulher pretendia estudar, -trabalhar, ser um ente de razão e de luz, cahia-lhe como avalanche de -gelo, a sufocar-lhe as aspirações, essa cruel e deprimente opinião. E -a pobre, se não era um espirito de excepcional brilho ou um caracter -de excepcional tempera, sentia-se amesquinhada aos seus proprios olhos -e desistia do enorme esforço requerido para subir onde a multidão das -suas pobres irmãs nem sequer se atrevia a pôr as vistas ambiciosas. - -Ás vezes, ou porque fossem realmente _excepcionaes_, ou porque as -condições mesologicas as favorecessem extraordinariamente, dentre -as mulheres sahiam algumas que os proprios homens eram os primeiros -a reclamar e incensar, mas passando-lhes cautelosamente o diploma -de _raridades_, quasi fóra do sexo, sêres hibridos, masculinos pela -inteligencia e só fisicamente femininos. - -De modo que essas aclamadas, e afastadas do caminho trilhado pela -turba-multa das ignorantes, exactamente porque eram superiores e se -julgavam intangiveis, abandonavam a causa das suas irmãs, que já não -era a sua, concedendo-lhes apenas, e isto nem sempre, a sua piedade -diluida em conselhos de resignação e submissão para desempenharem o -papel de escravas, nascidas sómente para a felicidade e regalo do -homem. Desta maneira, a causa feminina perdia as suas mais legitimas -defensoras, deixando nas mãos dos homens os melhores argumentos. - -É como algumas esposas, que, por serem ditosas no casamento, porque -tiveram a fortuna--que não digo rara--de encontrar para maridos homens -inteligentes e justos, encolhem os hombros com indiferença á desgraça -das que tiveram destino contrario. - -É uma prova de egoismo, que é uma deploravel qualidade, e é, peor do -que isso, o abandono duma causa justa que, se não toca individualmente -a cada mulher, interessa colectivamente o sexo a que pertencem. - -Acabar com os _fenómenos_, com os _monstros femininos_, julgar todos os -individuos intelectualmente semelhantes sem distinção de sexo, aptos -igualmente a estudar e progredir pelo trabalho, foi sem dúvida o passo -definitivo para a libertação feminina. - -As mulheres poderão, assim como os homens, distinguir-se pela sciencia, -pela industria, pela arte, pelo comercio, pela pedagogia, ou ficarem -tão-sómente dônas de casa,--mas fazendo do seu lar a primeira e a mais -nobre escola dos filhos. - -Haverá, decerto, tal-qual entre os homens, umas que se superiorisam -num trabalho, outras em outro, mas serão todas educaveis, todas -melhoraveis, todas uteis, laboriosas e conscientes obreiras, ajudando á -melhoria da grande colmeia social. - -As mulheres de hôje não têm desculpa se continuarem na ignorancia e na -inactividade, tudo esperando do homem, que as hade procurar para a sua -conveniencia. - -As escolas estão abertas por igual aos dois sexos e não ha já quem, -nesta hora alta da civilisação, se atreva a banir dellas um individuo -que as queira frequentar sob o pretexto da diferença do sexo. - -Tempos atrás, quando a mulher pensava em sahir do anonimato da sua -missão caseira, tinha apenas por campo aberto á sua actividade, a -literatura, visto que é a unica profissão onde o talento e o estudo -individual dispensam a educação preparatoria. - -Hoje não é assim. Toda a gente aceita uma senhora que tem a profissão -de medica, pintora, esculptora, engenheira ou professora, tudo que -requer habilitações e estudos publicos, e que lhe tinham ensinado -a crêr que nunca poderia atingir por falta de genio criador e -persistencia no estudo. - -Não se sobresaltem os homens com a concorrencia, que é antes auxilio. -Pequena, por mal da humanidade, hade ser sempre a percentagem dos -cerebros verdadeiramente superiores em qualquer dos sexos. Não é, pois, -justo que por falta de educação se percam aptidões que nem sequer -chegaram a manifestar-se, talentos de que nem sequer se suspeita... - -Se os mais ardentes sectarios dos velhos preconceitos já chegaram -á conclusão egoista de que é preciso educar o povo para que se não -percam tantissimos talentos que podem beneficiar a humanidade, não -é justo--ainda que não seja senão pelo mesmo motivo--condenar á -ignorancia, na mulher, metade dessa mesma humanidade. - -Dever-se-ha pensar que Clemence Royer, honra e gloria da França, sabia -entre os sabios, espirito todo precisão, clarêsa e método, não teria -sido o que foi se, por um mero acaso, tivesse nascido em Portugal ou -em outro qualquer paiz, onde, como no nosso, se descure a educação -feminina. - -As mulheres conservam-se entre nós numa indiferença quasi total pelas -conquistas que dia a dia vão marcando um passo de avanço para o triumfo -definitivo do espirito sobre a materia, da inteligencia sobre a força, -da educação sobre a ignorancia, embora doiradas pela fortuna ou pelos -privilegios de classe. - -Mas esperemos serenamente, porque á mulher portuguêsa hade chegar -tambem a sua vez de comprehender que só no trabalho póde encontrar -a sua carta de alforria. Não no trabalho esmagador, exercido como -castigo, mas no trabalho que enobrece o espirito, que dá o bello -orgulho dos que só contam comsigo e nunca foram um peso para ninguem. - -E desde que se torne independente pelo seu proprio esforço, desde que -saiba agenciar o pão que come, a casa que habita, os vestidos que -veste, sem estar á espera do homem, fonte perene de todo o dinheiro que -hoje a sustenta--seja como pai, como marido ou irmão--a sua alforria -está decretada. - -Uma vez será um artigo do codigo que se modifica (porque as leis devem -seguir e não preceder os costumes); ámanhã um preconceito que cahe no -desuso; depois um habito que se vence; até que obrigações e direitos se -igualem entre as duas metades do genero humano, hôje em guerra sob a -aparencia do amôr e do respeito social. - -Os proprios homens as ajudarão nesse empenho, porque nenhum ha que não -seja feminista se a mulher victimada fôr a sua propria filha, aquella -para quem ambicionou maior soma de venturas e de bem estar. - -Não ha pai que não aspire a deixar nas mãos de suas filhas, senão um -dote em dinheiro--cada vez mais dificil de juntar honestamente, com -as necessidades sempre crescentes da vida moderna--pelo menos um dote -em educação e aptidões de trabalho que as pônha ao abrigo de toda a -servidão. - -Não haverá pai que se não insurja contra a lei, se vir o marido de -sua filha pôr e dispôr da fortuna que lhe deu, e sem que a dôna possa -sequer gastar o rendimento. Nenhum que se não indigne se o genro -a despresar ou maltratar, se lhe prohibir qualquer intervenção na -educação dos filhos, se a não atender nos seus conselhos e opiniões, -se a não consultar para os negocios decisivos da sua vida, se por -capricho ou vaidade se oposer a que exerça uma profissão honesta -que a dignifique a seus proprios olhos, se, emfim, o homem fizer da -esposa o que de facto a lei quer que seja--a menor sem vontade nem -discernimento, a _coisa_ de que o marido é o senhor, o ser humano -pertença absoluta doutro sêr, que devia ser seu igual. - -Os homens mais autoritarios e rotineiros como maridos, são, como pais, -incapazes de apoiar um estado de coisas que apenas dá por garantia de -felicidade á mulher que casa, a bondade, a inteligencia e a tolerancia -do marido. - -É evidente que, na maioria dos casos, mórmente no nosso paiz onde o -homem é bondoso por temperamento, ninguem se importa com a letra do -codigo feito para uma sociedade onde a esposa era ainda, ou apenas, uma -escrava submissa, sem azas para grandes vôos de vontade nem ansias de -libertação. - -Nas mãos de um doido ou de um perverso, porém, o que poderá ser a -vida da mulher que se volta para a lei e a lei manda-lhe simplesmente -e implacavelmente: _que obedeça!_ Que se volta para a sociedade, que -lhe ordena hipocritamente: _disfarce e submissão!_ Que se volta -para a familia, e essa propria, temendo o escandalo, a violação das -conveniencias sociaes, lhe aconselha: _que se resigne!_ - -Portanto, _ser feminista_ é o dever de todos os pais. Porque _ser -feminista_ não é querer as mulheres umas insexuais, umas _masculinas_ -de caricatura, como alguns cuidam; mas sim desejá-las criaturas de -inteligencia e de razão, educadas util e praticamente de modo a -vêrem-se ao abrigo de qualquer dependencia, sempre amarfanhante para a -dignidade humana. - - -II - -UMA RESPOSTA[1] - -Não imagina V. Ex.ª o prazer que me deu a sua carta, sabido como é que -da discussão inteligente e sincera têm sahido as mais claras verdades, -conhecido como é, por todos os propagandistas, quanto se ganha em fazer -interessar pelas nossas opiniões, ainda os adversarios que mais as -combatem. - -E não sendo V. Ex.ª um adversario, mas um confesso adepto, embora -moderado, maior prazer o meu em lhe vir expôr serenamente as ideias -feministas, tais como as comprehendo e preconíso. Diz V. Ex.ª que é -_feminista_, embora moderado, que o é _como todos os ilustrados não -poderão deixar de o ser_, segundo a sua propria frase. - -Eis o nosso primeiro triumfo, a nossa principal batalha vencida; tudo -mais, creia, é questão de tempo, de paciencia, de serena e pertinaz -energia, e de muito _bom senso_. - -Ora aquellas qualidades não faltam ás mulheres, este é que ás vezes tem -faltado, e não estamos longe de confessar que faltará ainda por largos -annos á maior parte... - -Mas, neste ponto, ninguem no nosso paiz poderá lançar á mulher a -primeira pedra; culpados dessa falta somos todos e talvez mais o homem -do que a mulher, talvez... - -Voltando ao assumpto dizia eu, que está ganha a principal batalha -do feminismo; efectivamente assim é desde que todos os homens, que -se presam de inteligentes, reconhecem a mulher como um sêr _quasi_ -autonomo, com direito a pensar, trabalhar e luctar pelo seu proprio -ideal. Nós não temos a fazer mais do que expôr ideias, e realisar pela -prática as conquistas a que nos julgâmos com direito. - -Que victoria imensa não representa essa sua simples frase! Que soma -enorme de trabalho intelectual, que acumulação de esforços, para que -os homens inteligentes nos concedam a _outorga da sua restricta carta -constitucional_!... - -E se pensarmos que esta primeira, mas definitiva conquista do espirito -masculino, representa quasi o trabalho de meio seculo, temos vontade -de dizer como o mais brilhante dos feministas francêses, Camille -Mauclair:--que as mulheres apresentando as suas ideias e luctando pela -educação que as superiorisa, lembram a paciencia das aluviões que fazem -recuar o mar e mudam o aspecto de um paiz. - -Se á geração que nos precedeu alguem falasse em feminismo, que apenas -lá fóra começava a fazer-se perceber pela guarda avançada de exageradas -e desiquilibradas, como adeante das procissões solemnes vem sempre o -rapasío gralhando e correndo a foguetes, não haveria homem inteligente -que não soltasse uma gargalhada escarninha, nem, com certeza, rapaz -das escolas, que madrigalisasse pelos passeios publicos ou para os -balcões floridos das vizinhas, que não encolhesse os hombros com desdem. - -Os que não rissem, por temperamento sombrio e sentimentalesco, -ergueriam os braços em clamôr chamando em auxilio da propria opinião -a ignorancia das pobres mães e descrevendo, com enthusiasmo lamecha, -o encanto duma carta amorosa com _erros de ortografia_ como ironisava -dôcemente Gonçalves Crespo, elle que na prática tão flagrantemente -mostrou estimar o contrario. - -Homens de incontestavel mérito não se pejavam de dizer--que só -apreciavam as mulheres para os lavores caseiros, chegando a pôr em -duvida a competencia intelectual do sexo feminino, não obstante -as tradições gloriosas de _excepcionaes_, que tem vindo sempre a -acompanhar a humanidade na sua evolução social através dos seculos. - -Se a um dos mais bem organisados cerebros da geração a que me refiro, -ouvi responder a quem citava o enorme talento de George Sand como -prova da igualdade intelectual dos sexos--_que essa não era mulher, era -o diabo!_... - -Se é do meu tempo, se ouvi muitas vezes, eu mesma, a novos e a velhos, -a homens e a senhoras, troçar das _doutoras_, citar por troça aquelle -estupido dictado portuguez da _mulher que sabe latim_... já V. Ex.ª -vê o que representa para nós a sua simples confissão de _que não ha -hoje homem inteligente que não deva ser feminista_. - -Agora permita-me que explique o meu pensamento, que, certamente por -deficiencia de clareza na fórma, não foi interpretado como desejava que -o fosse. - -O que entendo por--desenvolver livremente as qualidades afectivas na -mulher,--é deixar-lhe o pleno direito da escolha, o direito sagrado de -amar ou não amar, de casar ou ficar solteira, sem que isso represente -uma vergonha ou, pelo menos, um ridiculo. - -Entendo que o ser humano que pertence ao sexo feminino, não deve ser -coagido pela educação, nem pelos costumes, nem pelas conversas, nem -pelos pais--que têm a mania de talhar muito discricionariamente o -futuro dos filhos--a vêr no casamento um fim, um ideal completo e -único, quasi uma obrigação. - -Assim como o homem pode ser professor, jornalista, sabio, artista, -empregado, operario, tudo emfim, sem que ninguem lhe pergunte pela -certidão do matrimonio, sem embargo de serem quasi todos chefes de -familia, não vejo inconveniente a que a mulher procure a sua colocação, -tenha o seu curso scientifico, estude, trabalhe para si, para o seu -futuro, para a sua vida autonoma, sem se lhe inquirir do seu _estado_... - -Que essa mulher fique solteira, porque não encontrou o companheiro ao -qual lhe seria grato ligar o seu destino, ou que, encontrando-o, seja -sentimentalmente feliz, que temos nós com isso? - -Por acaso nos preocupa a vida conjugal do politico A. ou do artista B.? - -O maior erro do homem é, a meu ver, estar convencido de que a mulher -nasce e existe só para o seu prazer e encanto. Partindo deste -principio, é claro que não nos encontraremos nunca, visto eu pensar de -modo tão contrario. - -A mulher, como o homem, nasce para si mesma. Tanto um como o -outro fazem parte da sociedade, de que são factores igualmente -imprescendiveis, que se não comprehenderia nem sequer existiria sem a -união dos dois sexos, mas na qual individuos isolados podem coexistir -igualmente, decentes, honestos e respeitaveis--quando muito pagando -maior contribuição, como querem alguns economistas francêses... - -Quando digo que não temos nada com a vida _sentimental_ de cada um, não -quero dizer que a mulher case por ambição monetaria ou intelectual, se -é exatamente para a livrar dessa baixesa que a desejamos independente -pelo seu trabalho, quando o não seja pela fortuna, e mais independente -ainda pela razão que a torne um ente de consciencia justa. - -Diz V. Ex.ª que é o _amôr_ que salva a mulher?!... - -Efectivamente, _por muito amar_ se salvou uma--a biblica Magdalena. - -Mas não é desse amôr que se trata, dirá, é do amôr puro e honesto da -mulher honesta por temperamento, educada e instruida, que escolhe -com toda a liberdade do seu coração e do seu espirito o homem que lhe -agrada. - -Ora não é esta mulher assim elevada, assim honesta, assim livre na sua -escolha, a que, pelo mais futil motivo, irá mudar de afecto, enredar-se -em aventuras galantes, para as quais geralmente não tem vocação, e que -podem preencher a existencia duma frívola e ignorante criaturinha cheia -de vaidades e que no triumfo dessas vaidades tem os seus unicos gosos -intelectuaes. - -O que não quer dizer que todas as mulheres instruidas sejam -honestas--quem o pudésse dizer, que seria essa a nossa maior -gloria!--mas tão sómente que a mulher, que por seu desgraçado -temperamento, educação ou influencia de meio, é deshonesta, o é, tanto -ou mais, quando ignara e frívola. - -Um dos mais graves defeitos da raça latina é o de dar ao amôr a -importancia maxima da vida. Os romancistas não sabem nem podem falar -em outros assumptos, querendo ser lidos e comprehendidos. O theatro -explora-o em todas as gamas, desde o amôr ingenuo e sentimental até ao -amôr falsificado dos adulteros. Os poetas choram os seus e os alheios; -os musicos dão-lhe a fórma ritmica; os pintores e os esculptores -divinisam-no no marmore polido e na policromia das suas telas... - -Rapazes e raparigas, antes mesmo de chegar á puberdade, não pensam -noutra coisa, e uns e outros julgar-se-hiam inferiorisados se -estivessem cinco minutos na mesma casa sem se defrontarem valorosamente -num complicado tiroteio de olhadelas amorosas. - -Não será muito pensar num assumpto que só interessa a duas criaturas -e por um tempo relativamente curto na vida humana?! Sim, que não -interessa nem póde interessar senão a quem o sente e com elle é feliz -ou infeliz. - -Senão vejamos: V. Ex.ª, que leu e respondeu ao meu artigo, sabe -porventura se eu sou casada ou solteira, feliz ou infeliz no casamento, -ou pensou sequer em tal? - -Porcerto que não, nem isso importaria para lêr o que escrevo e -responder o que entende. - -É a prova de que a vida psíchica de cada individuo é completamente -autonoma do seu estado civil. - -A independencia da mulher não pode importar o _não reconhecimento da -autoridade do marido_, (um dos grandes receios de V. Ex.ª) porque essa -autoridade existe, senão de facto, pelo menos de direito, emquanto -existirem as leis que hôje nos governam, leis que a mulher deveria -conhecer quando vai casar, leis que a tornam uma menor sob a tutella -directa do homem. - -O que será o futuro não o podemos prevêr, de tal maneira a educação da -mulher modificará a sociedade. - -Diz V. Ex.ª que a mulher independente poder-se-ha _desafrontar_ do -marido que a atraiçôa atraiçoando-o por sua vez. - -Poderá ser, mas isso o que prova? Apenas o que já disse--que, -infelizmente, o cultivo da inteligencia nem sempre acompanha a -honestidade e que essas mulheres se subalternisam tornando-se -criminosas como aquelles que condemnam, irmanando-se ás levianas que -hôje o fazem, a maior parte das vezes por inconsciencia. - -A mulher _independente_ que tal fizer, não terá por motor a -independencia mas tão sómente o capricho ou o temperamento, e em -qualquer circumstancia, portanto, faria o mesmo. - -Com respeito á _proscripção da mulher erudita da familia_, não é, não -pode ser, uma regra. Assim como ha homens que, não obstante serem -_intelectuaes_, são bons chefes de familia, o mesmo sucede ás mulheres. - -Nem em Portugal temos o direito de pensar doutra maneira, tendo na -ilustre mulher, que é uma verdadeira erudita, D. Carolina Michaëlis de -Vasconcellos, o exemplo vivo do que se pode ser ao mesmo tempo como -mulher de sciencia, como esposa e como mãe exemplar. - -Haverá mulheres que, pela sua profissão, se vejam obrigadas a estar -afastadas do lar e dos filhos uma parte dos seus dias?... É certo; mas -quantas os não abandonam hôje, sem esse imperioso motivo? E quantas, -tambem, estando sempre em casa, tendo por unica obrigação o seu amânho -ou direcção, não mandam as criancitas, ainda mal desmamadas, para a -_sujeição das mestras_?! Quantas?!... Quasi todas as mães sem oficio -nem emprego, as da pequena burguesia, essas mesmas que não querem -instruir-se mais, nem se querem tornar _independentes_,--exatamente -para não terem a maçada de trabalhar... - -Se, em geral, a mulher portuguêsa filosófa--_que para trabalhar -escusava de casar!_... Já os senhores estão vendo o que lhes devem. - -Depois, álêm dessas mulheres que mandam os filhos para os colegios -embora não tenham emprego fóra de casa, o que diz ás que têm as suas -visitas, os seus passeios, os seus divertimentos, e que por igual -são por esses motivos _imperiosos_ afastadas dos filhos, com menos -utilidade, parece-me, do que pela doença de um semelhante ou pela -retorta de um laboratorio?! - -Poder-se-ha dizer que a mulher intelectual despresa os modestos -mesteres do seu lar, quando a propria Clemence Royer costurava a sua -roupa e entretinha os seus ocios trabalhando como qualquer críaturinha -que não saiba ao certo em que parte do mundo está situado o paiz que -tem a dita de lhe ser berço? - -Não se póde dizer que a mulher erudita tem fatalmente de ser _uma -proscripta do lar_ exactamente quando o nome de um homem e duma mulher, -ligados pelo casamento, se uniram para a sciencia, num triumfo para -os dois sexos; exactamente quando as revistas francêsas nos trazem o -retrato de Mr. e M.^{me} Curie acompanhados muito _burguezamente_ de -seu filhito. - -É possivel que eu esteja enganada e seja exatamente V. Ex.ª quem tenha -razão, mas como estamos de acôrdo em que se não regateie educação -ao sexo feminino e se acabe assim com o regimen de _prodigios_ e -_excepções_ que só á causa das mulheres tem prejudicado, é o principal. - -Que o resto não nos deve preocupar muito nem devemos aventar hipóteses -faliveis, como tudo que pertence ao futuro e que não temos base segura -para julgar. - -O homem de ámanhã hade procurar a sua felicidade e a maior porção de -bem estar compativel com a sociedade do seu tempo. Como o fará não o -sabemos, mas é certo que pensará de maneira diferente do de hôje, como -o de hôje, como V. Ex.ª mesmo, pensa decerto diferentemente do que -pensou seu pai e seu avô sobre os mesmos transcendentes assumptos. - -Acabe-se com todas as prepotencias e todos os privilegios, tanto de -raça, como de classe, como de sexo, e deixemos que, individualmente, -cada homem e cada mulher, procurem ser felizes a seu modo, organisem os -seus lares como entenderem,--desde que esse conjuncto se harmonise numa -sociedade de mais justiça e tolerancia. - - -III - -A INSTRUÇÃO - -É fundamental este assumpto, visto que a nossa civilisação se baseia -não na força mas na inteligencia, não na rotina mas no progresso. - -Todos sabem, e apregôam aos quatro ventos, que a mulher portuguêsa -é ignorante e futil, que a mulher portuguêsa tem todos os defeitos -dos incultos, não merecendo do homem a consideração que se tem pelos -iguais, mas a tolerancia que se dispensa ás crianças irresponsaveis. - -_Coisas de mulheres_, dizem por vezes os homens, mostrando o seu -despreso; notando-se que os que mais clamam esta superioridade são, -quasi sempre, os mais inferiores... - -Não é isso, porém, o que nos interessa; é certo que o homem português -tem tantos ou mais defeitos do que a mulher, mas se ella se -transformar, facilmente o corrijirá. - -A mulher tem, em si mesma, bastantes elementos bons para se modificar, -sem se queixar do homem e esperar que lhe ensine o que elle mesmo não -sabe nem é da sua competencia saber. - -O homem tem culpa em não elevar a mulher, em não fazer della a sua -companheira de trabalho e luctas, em temer a ilustração da mãe de seus -proprios filhos; o homem faz mal, porque rebaixando a mulher não se -lembra que se rebaixa a si proprio que nasceu della e dos seus labios -escutou as primeiras lições da vida. Mas a mulher póde reagir, póde -educar-se a si mesma, póde, pelo menos, mostrar desejo de progredir, de -se igualar ao homem pelo trabalho e pela inteligencia cultivada. - -A mulher falha de educação é muito mais inferior do que o homem, -porque são os seus proprios defeitos que se tornam qualidades, -elevados pela cultura, encaminhados pela educação. O que na mulher -educada é espirito, é na outra grossería; o que numa é presciencia, é -na outra desconfiança; o que numa é desenvoltura e graça, é na outra -descaramento; o que numa é observação, é na outra bisbilhotice... - -Vai-se a uma fabrica ou a uma oficina, passa-se por uma rua onde ha -desenas de homens, principalmente se forem do povo, não se ouve um -dito desagradavel, não se ouve um riso que moleste; mas onde estiverem -duas mulheres ás quaes a educação não depurou os defeitos, ou cujos -espiritos não estejam perfeitamente humilhados pela dependencia, -temos dois intoleraveis animaesinhos que riem, falam, troçam, olham -miúdamente, com o proposito ferino de irritar e de ferir. - -Por isso, tanto ou mais do que o homem, necessita a mulher ser educada -e ilustrada, e é, a meu ver, por onde deve principiar a remodelação -duma sociedade que seja progressiva. - -Educar a mulher--eis o problema maximo a desenvolver e pôr em prática. - -A isso é que chamâmos feminismo, que não em pôr gravatas e colarinhos -de homem, que se podem usar como prova de simplicidade ou de -extravagancia, mas nunca como afirmação de opiniões. - -Educar a mulher dando-lhe meios de poder auferir com o seu trabalho o -suficiente para a sua sustentação--quando é só--de auxiliar o homem, -esgotado pelo trabalho de sobre-posse que lhe exige a concorrencia e a -carestia da vida moderna,--quando casada,--parece-nos a maneira mais -prática de a tornar um ser livre, apta a escolher por motu-proprio o -caminho a seguir direitamente na vida. - -Não temam os homens que a mulher instruida, por mais liberta, quebre -mais facilmente os laços de conveniencias com que a sociedade a -prendeu. Nem sempre foram os conventos, com todas as suas grades e -portarias, o mais puro exemplo da castidade feminina; ainda hôje os -harens, com todos os seus guardas e eunúcos, são para o ciume do macho -bem fragil garantia... - -A mulher entregue ao seu proprio discernimento fará o que a -consciencia esclarecida e o respeito proprio lhe ensinam, e não o que o -mêdo lhe dictar. - -Que mérito tem a criatura que não falta aos seus deveres porque está -guardada á vista, como um doido furioso? - -É certo que no nosso povo está tão enraísado o habito de fazer -acompanhar as mulheres, como signal de grandêsa, que é mais uma -nobilitação do que uma prova de desconfiança. - -Andar só é, ainda hôje, em muitas terras de provincia, uma vergonha -para a mulher, mostrando que o marido a não présa bastante para a fazer -acompanhar. - -Lá diz a cantiga: - - --«Senhora D. Maria - O seu _Dom_ não vale nada, - Vai á fonte, vai ao rio, - Vai á missa sem criada.» - -Ir á missa _sem criada_ seria, realmente, para as nobres damas que -abrigavam em casa uma legião de serviçais--criados e filhos de criados, -como outrora tambem os escravos trazidos das terras conquistadas -a moiros e a negros--a maior prova de miseria, ou de decadencia -financeira. - -A vaidade da fidalguia que é, ainda hôje, um dos caracteristicos do -genio português, nesta terra em que todos se dizem _filhos dalgo_ e se -sentem com direitos de _senhores_ para escravisar os mais pequenos, não -tolerava á mulher que aparecesse em publico sem _comitiva_... ainda -que constasse apenas duma pequena criadinha. - -É esta _fidalguia_, mal interpretada, que faz com que o homem fuja -ao trabalho, como á mais deprimente das servidões, reflectindo-se -bem claramente na educação que se tem dado, até aqui, á mulher, -convencendo-a de que se inferiorisa se trabalhar para ganhar dinheiro e -auxiliar o homem. - -O nosso paiz resente-se dum mal-estar e desiquilibrio que vem do -conflicto entre o passado que se desmorona, com todas as suas velhas -ideias e preconceitos, e o presente que ainda não conquistou todos os -espiritos ligados ás convenções, que já despresâmos no fundo. - -A nossa geração sofre duplamente pelo embate dos sentimentos que se -entrechocam em nós mesmos e nas nossas proprias familias... - -Todos apresentam as suas queixas, todos falam, mas tudo se diz no ar, -sem provas nem proposito firme de conhecer o mal e enveredar pelo -caminho que se nos afigura ser o melhor. - -Quem quizer fazer alguma coisa entre nós é preciso revestir-se duma -paciencia sem limites e ter uma coragem excepcional, por isso que -tem de se defrontar com a indiferença de toda uma nação cançada de -aventuras, exausta por um longo periodo de desilusão e enganos. Tudo -contribue para o desleixo fisico e moral em que vivemos, desde o sol -dôcemente enlanguecedor, até á ironia dissolvente com que se recebem -todos os enthusiasmos e todas as emprezas que não tenham por fim o -lucro material. - -E no emtanto não devemos desistir da lucta, devemos pelo contrario ir -juntando elementos e amontoando verdades até que a luz se patenteie a -todos os olhos e seja visivel a todos os cerebros. - -Uma das nossas maiores vergonhas nacionaes é, por certo, o -analfabetismo, mas o que agrava essa vergonha é que, no continente, -é a grande maioria das mulheres que eleva pavorosamente a cifra dos -analfabetos. - -E ha ainda quem lhes diga que fiquem _em casa a educar os filhos_, em -vez de pretenderem ganhar o seu pão honestamente pelo trabalho! - -Mas ensinar o quê, se ellas não sabem o mais elementar, se muitas vezes -nem sabem ler e escrever!? - -Dirão que só a mulher do baixo povo é tão completamente ignorante, -mas o que é certo é que pequenissimo é o numero das mulheres que, -embora saibam ler, se preocupem com as questões intelectuais e possam, -portanto, ser educadoras dos proprios filhos. - -E todos sabem, principalmente os professores, quanto custa ensinar -crianças que não tiveram a abrir-lhe o caminho da inteligencia, o -cultivo amoravel da familia, principalmente da mãe. - -Para ellas tudo é novidade, desde o que seja uma montanha até ao pão -que metem na bôca. - -Os professores, mesmo sem querer, o fazem sentir ás crianças, e é -esse sem dúvida o maior castigo das mulheres ignorantes, que julgam -cumprir o seu dever de mães de familia governando a casa e vestindo com -elegancia os filhos. - -Mas a triste verdade a confessar, e que é muito para meditar, é que--do -milhão de portuguêses que sabem ler e escrever a sua lingua, apenas um -terço são mulheres! - -E ainda se queixam quando se diz que a mulher no nosso paiz é inerte, -ignorante e frivola! - -A unica superioridade admitida no nosso tempo, por mais que se queiram -iludir os grandes da terra, é a da inteligencia. Os mais instruidos -são, evidentemente, os superiores, os fortes, seja qual fôr a sua -posição. - -No tempo em que o mundo se levava á espadeirada, a força fisica era -superior á intelectual e os homens podiam tornar-se senhores pelo poder -musculoso do seu braço; hôje a força fisica vale muito como educação e -muitissimo para produzir saudaveis criaturas, mas vale muito pouco para -aferir superioridades. Aliás teriamos de acatar o moço de fretes, que -pega numas poucas de arrobas como quem pega num braçado de flôres, e -proclamá-lo superior, nosso indiscutivel chefe. - -Ninguem irá buscar um hercules de feira broncamente estupido para o -comparar e achar superior ao sabio empalidecido e enfraquecido pelas -vigilias do estudo. - -O que falta no nosso paiz é a instrução, principalmente a instrução -prática que faz progredir um povo. Quando é preciso traçar uma linha -ferrea, vêm engenheiros do estrangeiro; quando necessitâmos dum -porto, lá estão as companhias estrangeiras; quando uma cidade quer -abastecer-se de agua, lá estão os estrangeiros para lha fornecer; -quando é preciso montar um arsenal ou uma fabrica, lá estão os -especialistas estrangeiros. - -Quasi tudo o que se faz no nosso paiz é práticamente dirigido por -estrangeiros e estrangeiras. Ainda destas a quantidade não é tão -grande, mas lá chegaremos, e quando quizermos utilizar as nossas -mulheres em muitos e variados mesteres, que o futuro por força lhes -hade entregar, já não encontraremos logares vagos. - -Não nos deixemos embalar com o sonho do passado; pensemos no futuro, -que é o trabalho e a educação. - -Fomos ha tres seculos um punhado de aventureiros que realisou a maior -aventura que ainda se havia visto, e imaginâmos que tudo será perdoado -a quem tanto fez e a quem tão maravilhosamente o soube cantar. - -Mas os tempos são outros, as necessidades muito outras, e a vida já se -não leva a descobrir caminhos por _mares nunca dantes navegados_. - -Hôje, que o nosso pequeno planeta está visto por todos os lados, -achâmo-lo pequeno e temos fome e sêde de mais alguma coisa. O homem não -se cança de saber, de procurar lêr o passado nas pedras fragmentadas -dos monumentos soterrados, como de procurar o futuro nos espaços -faiscantes de sóes; a tudo aspira pela inteligencia, tudo quer -comprehender e possuir. - -A mulher entre nós não póde, por deficiencia de educação e excessivo -acanhamento, ser a util companheira de tal homem. - -Na idade-média a mulher podia esperar o marido, que ia ás aventuras -fabulosas, sentada ao bastidor ou á róda de fiar, tecendo com suas -brancas mãos o linho que por si e pelas suas criadas fôra fiado. -Ignorante e passiva, era a digna esposa do senhor brutal que só -conhecia o direito da força. - -No seculo XX a mulher tem de ser outra, porque outro é tambem o homem e -muito diferente o seu ideal. - -Educar a mãe para ser a educadora dos filhos; educar a mulher em geral -para viver de si mesma, e para si, quando pertença á enorme legião -das que ficam solteiras e portanto,--_sem filhos a educar nem casa a -governar_, deve ser um dos nossos mais porfiados empenhos. - -É este o verdadeiro feminismo. - - - - -AS MULHERES E A POLITICA - - _A mulher não hade fazer politica? - Então não hade ocupar-se, já não - digo da sua, mas da sorte de seu - marido, dos seus filhos, ella que é - toda dedicação?!_ - - DR. BERNARDINO MACHADO. - - -Transcreve um diario radical,[2] não sei se irritado pelos ultimos -casos da politica portuguêsa, um artigo de Urbain Gohier, publicado no -jornal _L'Action_, em que as mulheres são verberadas violentamente, por -isso que se prova que em politica só se obedece aos seus caprichos, e -os seus desejos se antepõem aos mais urgentes negocios de estado, de -que dependem os destinos duma nação. - -Porventura é isso novidade para alguem? Julgaram os homens, por -acaso,--tamanha será a sua ingenuidade?!--que podiam em vão dispôr de -metade da humanidade, redusi-la ao papel farfalhudo de _deusa do lar_, -_nuvem_, _anjo_, _demonio_, e todas quantas mais banalidades se têm -dito e escripto ha seculos, e dizer-lhe:--fica ahi! o teu destino é -agradar-me ou servir-me, conforme o meu capricho de senhor!? - -Não penses; não queiras sahir dos meus braços, que é só onde podes -encontrar o luxo, a alegria, a vaidade satisfeita, a preguiça que te -pode conservar a belleza material, mas que te anúla por completo a -vontade e a inteligencia, que dispenso... Salvo se precisar da tua -graça e do teu espirito para chamar aos meus salões os que a minha -energia não conseguir domar, mas é conveniente que esse mesmo espirito -seja frivolo, feito de sorrisos e de _frases do dia_, facil para -qualquer mulher, medianamente inteligente, posta num meio em que as -emoções de arte aguçam os nervos, e o conforto, o luxo, e o convivio -com pessôas distinctas, adelgaçam intelectos e limam as arestas -plebeias, que denunciariam logo a humilde procedencia... - -Pois a mulher que só vive de vaidades, que tem a sua orbita limitada -a seguir o _astro rei_ como palida lua sem luz propria; a mulher que -geralmente só tem um nome respeitado quando o homem lho dá; a mulher -que é educada para agradar ao homem, para arranjar pelo casamento uma -situação definida na sociedade; a mulher sem um fim determinado na sua -vida individual, sem um pensamento nobre a elevar-lhe as aspirações; a -mulher escrava pela força e submetida pelas leis, vinga-se como sempre -se vingaram os escravos--corrompendo. - -O que desejam as mulheres auferir do homem que as não associou a -nenhum dos seus pensamentos e actos, que a aceita como um presente e -a conserva como um luxo? O que todo o inferior pretende tirar do que -se lhe quer impôr como _senhor_, numa revolta amarga de impotencia--a -maior soma de gôso proprio junto ao menor esforço para o conseguir; -o seu prazer, a felicidade egoista de quem não tem um nobre ideal a -orientar-lhe a senda da vida. - -É pois criminosa a mulher, e muito, mas criminosa como a criança que -inconscientemente empurrasse para o abysmo o seu proprio irmão. - -Responsavel é só o homem, que, cheio de orgulho, não procura na mulher -uma companheira, uma igual, mas uma inferior, embora finja endeusá-la -para a conservar na rotina e no servilismo. Tira-lhe a instrução e -a sciencia, como alimentos improprios para estomagos delicados, e -deixa-lhe o sonho e a fantasia, que as tortura na ânsia louca de -encontrar na vida real o imprevisto de sensações romanescas, que seduz -principalmente os ignorantes. - -Culpado é só o homem que afastou a mulher proba e culta de todas as -luctas em que o destino de ambos se joga,--pois que a politica é, ou -deve ser, a arte de bem dirigir uma nação, e a nação pertence tanto -ao homem como á mulher--para se deixar governar por intrigantes quasi -sempre deshonestas, as mais das vezes inconscientes instrumentos -doutros ambiciosos. - -Afastaram a mulher das altas preocupações do espirito, puzeram-lhe ao -pensamento e á vontade uma barreira de preconceitos e de ignorancia, e -queixam-se porque ella usa das armas que tem e gosa o fructo do orgulho -masculino! - -Indignam-se contra as mulheres e são os proprios homens cultos que -transigem com ellas, nas suas crenças e prejuisos; elles, os que não -têm pejo de dizer publicamente que--embora se sintam libertados, -embora os seus espiritos pairem alto numa atmosfera de saber e de -certeza que os orgulha--consentem que as esposas continuem a crêr o que -elles descrêm, a vêr o que elles não vêem, a seguir o que elles não -seguem,--porque querem ser _tolerantes_! - -Não comprehendem, ou não querem comprehender, o que é peor, que a -mulher representa mais do que o homem na constituição da familia, -porque é a ella que pertence o filho nos seus primeiros annos, porque á -mãe está confiada a filha até passar para as mãos do marido. E quantas -vezes o homem, num ingenuo sorriso de criança, encontra os laços que -no futuro lhe hão de manietar o espirito, ou, em caso de resistencia, -o fundamento para luctas que lhe despedaçarão a felicidade se teimar -em não se deixar vencer pela persistente e dôce propaganda das crenças -femininas. - -A mulher não póde cortar abruptamente com um passado, que é toda a sua -vida espiritual. - -É preciso que uma forte instrucção a liberte de caprichos infantis e -lhe dê a lucida e precisa noção do que deve ser a sua força moral. - -Torna-se preciso que o homem já educado eduque a sua companheira; que o -homem livre escolha a mulher já livre; ou que o homem saiba transigir -com os laços seculares que muitas vezes ligam a mulher solteira á -familia e á tradição, mas só quando tiverem a certeza de que esses -espiritos, momentaneamente libertados pelo amôr, não voltarão mais -tarde, numa crise de fastio e abandono, aos ideaes com que fôram -embalados os seus aureos sonhos de menina... - -Não é negando e demolindo que se fórma a nova alma feminina, que, por -sua vez, transformará o mundo; é elevando a consciencia e construindo -um novo templo de amôr e bondade humana, irredutivel e forte, onde o -espirito se inunde de luz e não possa mais mergulhar na treva. - -O homem livre, o mais responsavel, aquelle que nos seus jornaes, nos -seus livros, nas suas conferencias, mais clama pela educação da mulher, -reconhecendo na sua falta toda a servidão das sociedades burguêsas; -esse mesmo, falto de logica quasi sempre, não se faz acompanhar da -sua esposa ou das suas filhas, não as póde apresentar como exemplo ás -outras mulheres, porque, em geral, são ellas as primeiras a abominar as -suas ideias. - -Quando mesmo as não contrariem nem abominem, perfilhando-as algumas -vezes, são raras as que o queiram confessar publicamente, sabendo muito -bem que o homem português tem o terror instinctivo da mulher culta e -intelectualmente independente. - -E só assim ella deixará de ser a pedra atada ao pescoço do homem, que -em vão se esforça por fugir á corrente da moda em que a maior parte dos -espiritos masculinos vem a naufragar. - -Não é a mulher educada e orientada na consciencia dos seus deveres e -obrigações sociaes a que merecerá nunca a frase seguinte do jornal a -que me refiro:--_capricho que é um erro proprio da fórma de ser do -espirito feminino_. - -O espirito da mulher não tem atributos proprios, como a sua -inteligencia e as suas aptidões não podem ser limitadas -autoritariamente, circunscriptas a um certo e inultrapassavel perimetro. - -Ha mulheres caprichosas por defeitos de educação ou de temperamento, -consumidas de mesquinhas invejas e pequenas revoltas de impotentes, -como ha tantissimos homens sem energia, que nas suas proprias revoltas -são irritantes, falsos e untuosos, como costumam classificar as -mulheres. - -Escolham os homens livres companheiras que egualmente o sejam; -determinem-se os campos, forme-se a familia pelas convicções de cada -um e não pelas convenções duma sociedade que não tem sinceridade nem -nobrêsa, e a transformação será completa. - - - - -SER PORTUGUÊS - - «_Como hade a mulher educar os - filhos no civismo, se o não - praticar?_» - - DR. BERNARDINO MACHADO. - - -Conserva-se a mulher portuguêsa numa entorpecida indiferença pelas -questões da actualidade, mesmo por aquellas que mais de perto a deviam -interessar. - -Alem dos cuidados, mais ou menos caseiros, deveria a mulher -interessar-se pelas questões de civismo, como pelos varios problemas -sociaes, que tambem de perto e profundamente a tocam, não só na sua -vida individual como na sua influencia na familia. - -O individuo pertence á familia, a familia á sociedade, e o que -interessa esta por força hade interessar aquelle, numa sociedade bem -organisada e equilibrada. - -Não póde pois a mulher, principalmente quando é mãe, conservar-se na -abstenção culposa em que tem vivido até aqui a mulher portuguêsa. - -Ao seu espirito desocupado passa tão despercebido que um pedaço das -colonias seja retalhado á patria, como um novo emprestimo ou uma -sobrecarga de impostos--que venham agravar as condições geraes da vida, -já de si tão dolorosas--sejam votados e postos em execução. - -Qual a alma de mulher que vibra de enthusiasmo ao lêr uma pagina -vehemente de patriotismo? Qual a que se desespera e indigna vendo a -derrocada de caracteres que nos arrasta para um fim vergonhoso?! - -Convenceram-na--e ella acreditou!--de que não deve pensar em -_politica_, porque isso lhe tira toda a modestia e ductil graça -tornando-a uma desagradavel _Maria da Fonte_; e, no entanto, não sendo -ouvida quando se trata de novos emprestimos, despesas extraordinarias -e desequilibrios orçamentaes, mais do que ninguem os sente e sofre -ella, na sua qualidade de reguladora das despesas da familia. - -A mulher, e, o que é mais, a mãe, não se interessa pelos trabalhos -intelectuais que o filho tem a seguir, não estuda as questões -pedagogicas, não impõe a sua vontade, só se fôr para lamentar a -criança, que tem de se maçar com tantos livros... Não pensa nem dá -importancia á educação dos rapazes, isto é, dos homens que hão-de ser -os maridos das suas filhas, os pais educadores dos seus netos; não se -indignam nem protestam contra as injustiças e prepotencias que a seu -lado se praticam, como não se enthusiasmam por uma manifestação da arte -nacional ou por um acto de coragem e hombridade que levante, ao menos -por instantes, o nome português. - -A mulher, a mãe, recebe com o mesmo sorriso carinhoso o filho que -passou num exame por empenhos, como se elle fosse um consciencioso -estudante; o que compra o emprego, sabendo que comete uma ilegalidade; -o marido que por comodismo ou por interesse aceita todas as imposições -dos superiores, sem um protesto de consciencia; o noivo que apresente -mais valiosos titulos de renda, seja qual fôr a sua procedencia. - -A mulher, que hade no futuro ser acusada por todas as faltas civicas -do seu tempo, julga-se desobrigada porque delegou no homem todas as -responsabilidades e todos os encargos da governança publica. - -Ora isto não é assim, porque, de todos os crimes civicos do homem, é a -mulher a verdadeira culpada.--«_Deante da esposa e talvez ainda mais -das filhas, quando civicamente educadas_--diz o sr. dr. Bernardino -Machado--_ninguem se atreveria a aparecer depois duma má ação na sua -vida publica._» - -Grande é pois a responsabilidade da mulher no estado de depressão -moral, que é a caracteristica da sociedade portuguêsa dos nossos dias. - -Não posso crêr que seja isto falta de sentimento, essa flôr delicada -que dizem ser apanagio do coração feminino e que é a ultima que nelle -fenece; não posso crêr que a generosidade, o altruismo, a coragem, que -em todos os tempos nimbaram de luz o espirito da mulher portuguêsa, -a tenham abandonado de todo, para sómente se manifestarem em algumas -almas masculinas. - -Não, não é isso possivel, que seria contrariar todas as leis da -natureza, falsear todas as tradições, duvidar de tantissimos factos que -nobilitam a mulher do nosso paiz. - -É que hoje, desinteressadas por educação e por habito das questões -que tanto preocupam o espirito masculino, não pensam que--em todos os -actos da vida nacional em que os seus nomes entrassem, protestando pelo -direito e pelo dever contra a injustiça, a força e a intriga politica, -seria uma afirmação dos seus sentimentos civicos e a próva de que -comprehendiam as questões de que depende a felicidade da sua Patria, o -futuro honrado dos seus filhos. - -Com esse simples acto espontaneo da vontade, provariam que o seu sexo, -embora afastada das luctas que se dirimem dia a dia no jornalismo e na -politica de _dize tu direi eu_, que é a politica portuguêsa dos ultimos -tempos, acompanha e apoia os homens, quando justa e nobre é a sua causa. - -Mostrariam conhecer os deveres e os direitos que assistem a todo o -cidadão livre, seja homem ou mulher, de protestar contra os actos que a -sua consciencia repudía, embora praticados á sombra das leis. - -Tendo dado essa prova de individualidade mostrarieis ser, senhoras, as -mulheres que deveis ser para que os vossos filhos, no futuro proximo -que os espera--quem sabe de que vergonhas e miserias tecido!--tenham a -nobre coragem de se sacrificarem pelo resurgimento da Patria Portuguêsa. - -Mas sabeis porventura o que é _sêr português_, vós que falais a lingua -que tem todas as energias do mar bravo e todas as doçuras dum poente -entre pinhaes rumorejantes?... - -Sabeis o que é _sêr português_, vós que pizais indiferentes uma terra -tantas vezes embebida em sangue dos que luctaram até á morte para a -tornar uma Patria livre?... - -Sabeis o que é _sêr português_, vós que respirais o aroma das flôres -que por toda a parte desabrocham em hilariantes coloridos, neste -abençoado canto do universo?!... - -Sabeis o que é _sêr? português_, vós que recebeis a dulcida caricia -dum céo limpido, que passeais os vossos olhos sobre as aguas movediças -que levaram os nossos antepassados á aventura gloriosa de descobrir -novos caminhos e novos mundos maravilhosos, essas aguas que trouxeram, -em paga de tanto esforço e tanta heroicidade, o oiro, as pedrarias, a -riquêsa que deslumbrou o mundo e--ai de nós!--pela vaidade nos perdeu!? - -Sabeis o que é _sêr português_, senhoras!?... - -Pesa-me dizer-vos que, salvo algumas excepções, não o sabeis. - -Que isto vos não cause enôjo, e que sobre a minha cabeça não cáiam as -vossas ironias e odios! - -Se vós o não sabeis, pouca ou nenhuma culpa tendes, que de longe vem -o despreso pela vossa educação, que de bem longe vem o mal que nos -está ligando como cadaver embalsamado prompto a entrar para o tumulo -historico das nações que só vivem do passado. - -Mas podeis ainda resistir. É tempo ainda de sacudir a apathia egoista -em que vos conservaes ante todas as angustias colectivas do paiz, e -mostrar ao mundo que o povo português não morreu ainda, porque as -suas mulheres, as mães, têm sempre no coração a imagem estremecida da -Patria, e ensinam os filhos a respeita-la, a ama-la mais do que á sua -noiva, mais do que aos seus proprios pais. - -A nação amada pelas mulheres não morre nunca na historia. - -Martirisada, dividida, conquistada, não morre emquanto as mães -transmitirem aos filhos, com o leite dos seus peitos, o sangue das suas -veias, o fogo das suas palavras, o despreso aos vencedores e o amôr á -terra que foi de seus avós, á terra onde existe a sua casa, que é o seu -lar. - -Começam por ensinar-lhes no berço, acalentando-os com ellas, as lendas -e cantares da sua patria; acabam por lhes indicar o caminho por onde -enveredaram os que sofreram e morreram contentes pela sua gloria. - -Falo-vos ao sentimento, eu sei, mais do que á razão, mas prouvéra a -Deus que fôsse o sentimento que guiasse ainda o nosso paiz! Quando -uma patria é nova, crente, esperançada e forte, firmando-se no amôr e -no enthusiasmo dos seus filhos, não se prende por conveniencias, não -recúa ante o perigo, não sabe contar os inimigos que a atacam, para os -vencer. Por isso avança, torna-se inolvidavel na historia, como nós o -fômos! - -Só na decadencia se aprende a transigir, decadencia que tanto póde ser -material como moral, decadencia que é, a maior parte das vezes, filha -só do egoismo, do desejo inferior de gosar sem que o gôso dos outros -nos seja preciso para a felicidade propria. - -E no nosso paiz transige-se para se estar bem com todos, transige-se -por preguiça de discutir, transige-se por uma emaranhada teia de -preconceitos, de pequeninas considerações que amolecem o ânimo, -quebrantam as vontades, e fazem das oposições uma coisa ridicula, -porque não têm éco nas almas, ou são, quando muito, um brado louco e -desacompanhado de quem vê uma grande multidão correr para um abismo e -nada póde fazer para a sustêr e salvar. - -Mas não ensineis a vossos filhos essa excessiva transigencia, senhoras! -Deixai aos moços o enthusiasmo e a fé; não estanqueis a fonte de -coragem e energia e justiça que existe em toda a alma joven! - -Levantai o espirito para mais nobres ideais, não vos amesquinheis numa -abstenção que não é modestia mas ignorancia, indiferença, covardia -das vossas almas que assim querem fugir á dôr forte e nobre do sêr -que aspira--a ascender, na escala zoologica, de simples animal de -instinctos para criatura de espirito e de vontade. - -Não tenhais mêdo da dôr intelectual que retorce febrilmente os nervos -em convulsões de agonia e aperta a garganta inchada de soluços -num estrangulamento de desespero, vós, as mães, que sofresteis -corajosamente a dôr fisica de ter um filho! Tornai-vos conscias da -grande missão que é de vosso dever desempenhar, com a firme certeza de -que não ha paiz grande onde a mulher seja inferior. - -Vós, mães e educadoras, que tendes a vosso cargo pequenas almas em -embrião a despertar para a luz, ensinai-lhes primeiro do que tudo, e -antes de tudo,--a serem portuguêses. - -E ser português é amar a sua terra entranhadamente, religiosamente, -esta terra de que somos filhos e não podemos despresar sem nos -despresarmos a nós mesmos. - -Ser português é aprender a sua lingua antes de nenhuma outra; é lêr -os livros que portuguêses têm escripto; é conhecer os seus artistas; -não despresar as suas industrias; comer o producto da sua terra; amar -as paisagens, ora recortadas em fundo grandioso de montanhas, ora -espraiando-se em campinas onde as searas ondulam em marés verdes de -esperança e os gados pastam com fartura; cantar as suas canções; folgar -com as festas do seu povo; amar a sua flóra tão simples e graciosa; -estudar a sua arte em todas as manifestações, desde a bilha de barro -abrindo-se em duas azas, recordando a amfora romana, tão gentilmente -posta sobre a cabeça da rapariga de Coimbra, até á magnificente fabrica -do mosteiro da Batalha, sem esquecer o mobiliario severo e nobre -dos nossos avós, a ourivesaria subtilmente trabalhada, os tecidos, a -ceramica, as rendas, que, em tudo, houve tempo em que fomos _alguem_. - -Se o não somos hôje, cuidais que os artistas e a patria é que são os -responsaveis de tão grandes decadencias? - -Não; uma, não póde nada, prisioneira do oiro nas mãos dos usurarios; os -outros, sem estímulo nem público que lhes pague as fadigas e os empurre -para o exito, ou lhes mostre pelo despreso a inferioridade do trabalho, -retiram-se do campo onde a mediocridade dá leis. São poucos os que á -força de vontade e coragem conseguem não esmorecer, trabalhando mais -para satisfação propria do que pelos lucros materiais. - -Que a Arte não dá hôje gloria em Portugal, e muito menos riqueza. - -Se não sômos o que já fômos é que uma educação fundamentalmente -portuguêsa falta por completo no nosso paiz. - -A criança começa por interessar os olhos ingenuos nas estampas dos -livros estrangeiros--ou vindas do estrangeiro para adaptar a coisas -portuguêsas, o que é peor ainda!--por lêr traduções das historias que -nos outros paizes se fazem para os pequeninos; por vestirem luxuosos -vestidos cujos modelos vieram de fóra; por só apreciarem as flôres -exoticas cultivadas com mimos de estufa, despresando a simples e -honesta flora portuguêsa, tão espontanea e bella; por vêr as habitações -dum tão duvidoso gosto de importação, os brinquedos, a loiça, os -navios, os carros, os velocipedes, que tudo nos vem do estrangeiro e -nos dá o aspecto banal e miseravel de povo sem nacionalidade. - -Só vós, senhoras, podereis levantar-nos desta situação por demais -incaracteristica e infamante! - -Só vós podereis insuflar na alma dos moços o respeito pelo passado, -o horror da situação presente, e a esperança consoladora num futuro -melhor! - -Num futuro que não está nos cursos complicados, nas repartições -da burocracia, nos feitos das vanglorias militares com _sobados_ -africanos, mas nas oficinas, nas fabricas que nos poderão criar -industrias exportadoras, no cultivo da terra que nos dá o pão do nosso -sustento, o linho da nossa roupa, as fructas mais delicadas, o arroz, -a cortiça, o vinho, as conservas, e tantissimas coisas que já hôje se -exportam a mêdo e que poderão ser outras tantas fontes de riqueza, se a -ellas se dedicarem inteligencias e dinheiro que mal parados andam umas -e outro. - -E nós, as mulheres, que temos nas nossas mãos a alma dos nossos -filhos, que é como quem diz o futuro e a esperança, ensinêmos-lhes a -despresarem o caminho das transigencias acomodaticias e a fugir do -fatalismo musulmano com que temos acolhido, de braços cruzados, todos -os desastres e toda a decadencia da nossa nacionalidade. - -Preparêmo-los para que entrem na vida cheios de coragem e energia -para o trabalho, renegando as miserias e as vergonhas de agora, e -façam resurgir das ruinas duma sociedade que se anulou a si mesma, um -Portugal novo, conscio de si, altivo e digno. - -Nas vossas mãos, senhoras, está a rehabilitação das humilhações e -vergonhas que ha dois seculos formam o triste fundo da nossa vida -pública. - -Nas vossas mãos está a morte definitiva da Patria Portuguêsa ou o seu -resurgimento para o trabalho e para a vida. - -Ponhâmos de parte as frivolidades que nos ensinaram a crêr que são -a maior graça do nosso sexo, e sejâmos _mulheres_ como o devemos -ser:--criaturas conscientes e autónomas, companheiras e aliadas do -homem, as verdadeiras educadoras de seus filhos. - -Como a dama romana que mostrava os filhos como as unicas joias de -preço que possuia, tiremos nós mais gloria em mostrar os nossos como -cidadãos livres, sobrios e honestos, em vez de lhes darmos exemplos de -ostentação e grandêsa que se não coadunam com a modestia da nossa terra -e só provam a decadencia moral da sociedade em que vivemos. - -Pensai nisto, senhoras, e ensinai-o a pensar a vossas filhas, porque -tem mais interesse para o seu futuro e para o dos seus noivos do que o -ultimo figurino, ou a ultima valsa tocada de ouvido ao piano. - -Fazei de vossos filhos homens saudaveis de corpo e de alma, e das -vossas filhas as companheiras dignas desses homens, capazes de os -auxiliar no trabalho, alegres nas privações como modestas na grandêsa, -e tereis cumprido a mais bella missão da mulher, dado a mais alta lição -de verdadeiro e salutar patriotismo. - - - - -NO ANNIVERSARIO DUMA ESCOLA - - -Pela descripção da festa realisada este anno[3] na «_Escola 31 de -janeiro_» deveis saber que alguns homens dos mais notaveis pelos seus -talentos e caracteres se referiram a nós, mulheres, em varias passagens -das suas orações eloquentes. E para frisar essas passagens vos escrevo, -porque é do vosso interesse, do interesse de nós todas que se trata,--e -todas deveis saber o que valeis e quanto a sociedade espera e tem -direito a esperar da vossa cultura e ação inteligente. - -Foi-me grato encontrar nas palavras da luminosa e bondosa alma que é o -dr. Manuel de Arriaga, um apêlo á mulher portuguêsa--_que tem sido até -hôje_, no seu proprio dizer, _o maior auxiliar da tirania_. - -Mas um auxiliar inconsciente, dizemos por desculpa, se a inconsciencia -a póde ser, não o sendo a _ignorancia das leis_ perante o delicto a -punir. - -Apraz-me conhecer a opinião do infatigavel batalhador sr. Heliodoro -Salgado, porque essa opinião coincide com a minha, expressa em muitas -paginas destas mesmas cartas, espalhada por artigos e correspondencia -particular que sobre o assumpto ha muito tenho escripto. - -Comoveu-me o pedido do sr. dr. Teixeira de Carvalho, o energico e -brilhante espirito, feito _ás Mães Portuguêsas_. - -Não fômos esquecidas, nessa manifestação de quanto póde a inteligencia -e a vontade aliadas no bem--exercicio de força que não tem por campo de -manobras os montes e as encostas duma região, mas o espaço infinito do -pensamento. Não tem horizontes que se fechem em recorte de montanhas -agrestes, é campo aberto a todas as energias e vontades, esplendente -de luz que não queima em fantasmagorias dolorosas de febre, mas que -ilumina as almas e aclara os espiritos, fazendo-os ascender ás regiões -superiores da verdadeira e pura Consciencia. - -Se pudessemos ter assistido a essa reunião em que festejou a criança--a -pobre criança portuguêsa, tão tristemente educada, tão despresada -mesmo!--o amoravel apostolo da educação dr. Bernardino Machado, -mortificar-nos-ia o sentimento da propria inferioridade, que não nos -deixaria responder com a confissão das nossas culpas, mas tambem com -o nosso libello acusatorio aos homens livres, que têm consentido em -que as mulheres sejam as mais ardentes adversarias dos seus ideais, o -auxiliar passivo e inconsciente da tirania e do retrocesso. - -É justa, se bem que implicada de censura amarga aos homens, a frase -do sr. Heliodoro Salgado:--_resgatêmos a mulher da ignorancia a que a -temos condenado e ella será a nossa cooperadora na revolução_. - -Educar a mulher; torná-la util a si e aos seus, pelo trabalho -remunerado; escolher cada homem livre esposa que o seja, não só do -corpo mas tambem do espirito, não só humilde e paciente dôna de casa, -mas nobre e inteligente educadora, fóco de luz e de bondade superior, -irradiando na familia, como sol por onde se norteia a alma caminhando -para o futuro. - -Se assim fosse, a revolução deixaria de ser um facto brutal e rude para -ser tão sómente uma evolução triumfante para a humanidade que marcha e -se resgata... - -Não ha homem que se possa dizer livre, e que afoitamente possa -responder pela sua propria consciencia, em todas as horas de -desfalecimento e de dôr, quando a seu lado tenha--ignorante, mas -teimosa na crença; sem brilho na palavra, mas cheia de convicção no -olhar; sem convencer pela razão, mas abalando pelo comentario de cada -hora--a mulher que é a sua companheira, que foi talvez a sua paixão, -que é a mãe dos seus proprios filhos. - -A mulher, sempre atrazada, por mingua de educação, no evolucionar das -aspirações e das novas crenças sociaes é o agente mais importante do -retrocesso e da rotina. - -É ella que em politica, como em sciencia, como em tudo mais, é sempre -pelos velhos preconceitos, pelo estatuído, pelo comodismo egoistico e -enervante do _seguro_, pelo que ouviu tradicionalmente e não discute -nem quer ouvir julgar nem discutir... - -Ora a tradição e o respeito pelo passado, se é uma virtude e um -estudo indispensavel para o conhecimento perfeito dos costumes e -reconstituição historica de uma época, como norma de vida e como crédo -intangivel é a negação de todo o progresso e de toda a civilisação. - -Conversando ha dias com um pobre barqueiro, de rio acima, ouvimos-lhe, -no limitado e pitoresco vocabulario do seu chão estilo, esta -observação que é curiosa, pelo que nos revela mais do que pelo que -nos diz:--agora--dizia--está tudo mais _esperto_. O que antigamente -só podia fazer um homem velho no oficio e cheio de experiencia, fa-lo -hôje, quasi sem custo, um rapaz de dezeseis annos. Os senhores haviam -de vêr como rapazinhos governam ahi barcos, rio acima, conhecendo -todos os esteiros e manobrando dentro dos canaes das marinhas, como os -velhos só o faziam dantes ao cabo de muitos annos lidarem por aquelles -sitios. _É que está agora tudo mais esperto!_--Repetia, concluindo, a -frase que era o seu bordão. - -Não é porque esteja tudo mais _esperto_, como queria o homensinho, -comprehendem muito bem, mas é porque está tudo um pouco mais -instruido. Um rapaz de dezeseis annos que sabe lêr o seu roteiro é -incomparavelmente superior ao velho ignorante que só na memoria póde -armazenar conhecimentos e esses mesmos com lentidão e insuficiencia -adquiridos pela prática. - -A mulher portuguêsa tem vivacidade de espirito e assimilação facil; não -lhe falta o enthusiasmo nem a paixão; bastaria pois que a educassem e a -orientassem. - -Mas de quem póde esperar esse forte impulso libertador, unico capaz -ainda de levantar a alma portuguêsa a toda a altura da exigente vida -moderna? Dos pais que não educam as filhas como criaturas humanas e sim -como bonecas de corda, de que é preciso vigiar o maquinismo, e que em -vez de lhes fornecerem educação que lhes garanta o futuro pensam com -afinco em lhes amoedar o dóte, que mais facil lhes torne o casamento? -Das mães, que não comprehendem o que hôje se chama educação feminina -e ainda se surprehendem e assustam com inovações de que ouvem falar -vagamente? Do homem, já amezendado na vida, comodista, defendendo por -egoismo o que lhe satisfaz as aspirações de senhor; querendo a esposa -muito sua humilde companheira, hôje prompta a servi-lo, ámanhã a ser a -criada dos seus filhos?... - -De nenhum desses póde receber o salutar influxo que a torne a -companheira condigna do homem civilisado, que a sociedade prepara no -seio revoltoso das luctas e desesperos de hôje para um ámanhã mais -justo. - -É dos rapazes novos--não daquelles que entraram na vida tarados para -o ramerrão comodista dos empenhos e empregos públicos, numa covardia -mórbida para a revolta e para a lucta--mas duma pleiade de moços a sair -das escolas, cuja alma sentimos palpitar numa _aspiração perfeita das -suas responsabilidades_, como disse o Snr. Teixeira de Carvalho. São -esses os que as podem encaminhar para a emancipação intelectual, esses -os que devem colocar-se ao lado das suas irmãs e, tornando-as as suas -verdadeiras companheiras, prepararem o seu proprio futuro de serenidade -e confiança no lar. - -Então o homem póde entrar com segurança na vida e ferir as batalhas -mais sangrentas sem o receio de ver atraiçoada a sua obra na propria -casa, na sua familia, pela companheira da sua vida, e pelos filhos -educados no despreso e no odio ás suas ideias. - -O que em Portugal se tem feito pela mulher é pouco e máu, mas o que se -tem feito pela criança é ainda menos e peor, se é possivel. - -Por isso nos consola uma festa como a da _Escola 31 de Janeiro_, -iniciativa de rapases das escolas, sustentadas em annos consecutivos -de lucta pela esforçada coragem de dois ou três que não debandaram nem -desanimaram, passado o primeiro momento do arrebatado enthusiasmo da -alma meridional. - -Era isto, que fizeram alguns rapases das escolas, isto que fazem hôje -e sempre os snrs. Luiz Derouet, Santos Franco e outros, não afrouxando -nunca na propaganda, não esmorecendo na campanha contra a indiferença -do público; era isto o que eu desejava que as mulheres fizessem. Não -as casadas, que têm a sua vida, os seus filhos, os seus encargos, mas -as raparigas que estudam e pensam; senhoras novas e inteligentes que -do pouco fizessem muito á força de energia e amôr pelas crianças, -raparigas modestas que desejassem fazer obra de honestidade e proveito -e não especulação caridosa para arranjar noivo mais depresa. - -Seriam essas, as futuras mães e educadoras, quem desejariamos á frente -de escolas e institutos infantis, criados pela sua iniciativa, vivendo -do seu benefico influxo. - -Ahi, no convivio da alma da infancia, tão obscura e complexa, -aprenderiam o seu papel de mulheres na familia. - -Na _créche_, ellas aprenderiam a enfachar um pequenino corpo leitoso -e mole, que mais tarde a natureza lhe porá ao seio e que as suas mãos -inhabeis mal poderão tocar com mêdo de que se despedace. Aprenderiam -quais as doenças que mais adquire a primeira infancia; qual a maneira -de as evitar e combater, o que se chama a hygiene propriamente infantil. - -Na _escola maternal_, aprenderiam, ensinando, como é facil educar e -instruir crianças de menos de seis annos, conservando-as sempre na -atmosfera alta da curiosidade e da aprendisagem. - -Na _escola primaria_ comprehenderiam quanto é agradavel e facil ensinar -crianças, quando a familia ou a primeira escola as enviarem já com o -raciocinio desabrochado e com certas noções da vida e da natureza que -as rodeia. - -Nos _hospitaes_ adiquiririam aquella prática de tratar os pequeninos -doentes, que tão custosamente obtêm as mães quando a alma lhes sangra -pelo soffrimento dos seus filhitos. - -Nas _escolas-oficinas_, nas escolas práticas de cosinha, de costura e -de governo de casa, em toda a parte onde se trabalhasse pela criança, a -mulher solteira poderia formar o seu caracter, conhecer e fortalecer as -suas aptidões, fazer a si mesmo a educação que a tornasse util a todos -e lhe desse para o futuro a certeza de poder contar comsigo para provêr -á propria subsistencia. - -A menina solteira no nosso paiz tem uma vida sem responsabilidades -sociaes e a maior parte das vezes sem utilidade nenhuma. - -Anda na escola ou no collegio--as que não vão para os internatos--até -a saia lhe descer do joelho e roçar no cano da bóta. Aos primeiros -signaes da puberdade, os pais atarantam-se, num pánico de grandes -perigos a recear, e a pequena recolhe a casa. - -Depois, se a fortuna o comporta, vem o professor particular ensinar -o que póde a quem não estuda nem deseja saber, desde a pintura sem -desenho até á musica sem rudimentos. As que não pódem ter professores -ficam em casa com o pouco que aprenderam, a esperar que os annos, na -sua fugitiva carreira, lhes tragam o noivo correspondente. - -Vestem com elegancia, mas não sabem fazer os seus vestidos; sabem pôr -sobre os seus cabellos frisados o mais disforme e complicado chapéo, -mas não o sabem enfeitar por suas proprias mãos; não costuram nem -bordam a roupa da casa; não talham as suas camisas; não cosinham ou -sabem dirigir o jantar da familia; não tomam a si o encargo de criar e -educar os irmãosinhos mais novos. As mães poupam-nas o mais possivel. -_É o seu bom tempo_--dizem. _Deixá-las, lá virá época em que tudo -aprendem á sua custa!..._ - -Pobres dellas! Não viram, no seu exemplo, quantas amarguras representa -essa _aprendizagem á propria custa_, desde o mau humor do marido que vê -tudo feito por mãos inexperientes até ao desrespeito das criadas por -quem não as sabe mandar nem ensinar. - -A rapariga portuguêsa não é um sêr util e respeitavel, de que os -rapazes sejam fraternaes companheiros, lendo os mesmos livros, -interessando-se pelos mesmos assumptos, conversando naturalmente em -qualquer ocasião e com qualquer pessôa que se encontrem. - -Não, ella é uma criatura no papel passivo de pretendente, esperando -vagamente o numero da loteria--que lhe _dê o premio_. - -Depois, conforme este seja, grande ou pequeno, isto é, marido rico -ou pobre, terá então que adaptar a trouxe-mouxe as suas qualidades -assimiladoras e resignar-se ao trabalho ou pavonear-se soberbamente no -luxo e na inactividade. - -Para tudo está preparada, não estando habilitada para coisa alguma. - -A rapariga portuguêsa é, em resumo, uma criatura encantadora, que veste -com garridice, que passeia nas horas de musica, que vai ás praias, aos -theatros e ás reuniões, que ás vezes lê os folhetins dos jornaes e tem -ataques de nervos, de quem os rapazes desdenham e troçam--mas que, por -fim, virão a ser as suas mulheres. - -Quantas não têm o desejo de se tornar uteis, de ganhar _para os seus -alfinetes_, de terem uma ocupação que as enobreça aos seus proprios -olhos e as habilite a serem mais tarde livres pelo seu trabalho?! - -Mas, entorpecidas pela educação, deprimidas pelos estreitos habitos da -vida portuguêsa, resignam-se a não serem mais do que as outras--umas -eternas aspirantes ao casamento. - -Inteligente e dedicada como é, em geral, a mulher portuguêsa, que -grande e bella obra social não faria, quem a pudesse interessar pelas -duas questões capitaes de que depende o resurgimento da nossa patria e -o futuro da nossa raça:--o trabalho livre e remunerado para a mulher, a -educação, fisica e intelectual, da mísera criança portuguêsa. - - - - -A MULHER DE HA TRINTA ANNOS E A MULHER DE HÔJE - - -Se perguntarmos aos que ora entram com desplante na vida, julgando -que nada devem ao passado, que o presente é obra sua, e o futuro lhes -pertence, o que era a ilustração da mulher portuguêsa de ha trinta -annos, não haverá ahi rapaz ou rapariga de mediana educação que não -solte uma gargalhada escarninha, ou que, ao menos, não franza a bôca -num tregeitar de troça. - -É que essa época de romantismo agudo avulta a nossos olhos a turba -desgrenhada das jovens que recitavam ao piano, com os olhos no -infinito; que dormiam de colete para adelgaçarem a cinta, defumavam -o rosto para obterem a palidez interessante que a moda reclamava ás -heroinas tisicas, que sonhavam com o menestrel choroso que por noites -luarentas as viria buscar para um eterno _duo_ de amôr, na _cabana_ -ideal onde se vivia... do ar. - -Essas eram as exageradas de todas as escolas, as desvairadas de todos -os tempos. Mas ao lado dellas, as sãs, as ajuisadas, que liam os mesmos -livros e conheciam as mesmas poesias, não se deixavam levar em excessos -de romantismos piegas, mas amavam os seus poetas e comprehendiam a -literatura do seu tempo. - -Não ha por ahi senhora da geração de nossas mães, rudimentarmente -educada que fosse, que não tenha chorado com os romances de Camillo, -que não tenha discutido e amado Julio Diniz, que não conheça Garrett e -Herculano, que se não lembre com saudade da _Lua de Londres_, que não -tenha recitado Soares de Passos, Castilho, Palmeirim e Thomaz Ribeiro, -que não tenha cantado essas poesias, que entraram no ouvido de todos em -modilhas e cantatas, compostas por musicos ignorados. - -Isto numa época em que a mulher não tinha, como a de hôje, facilidade -em se instruir, em que a instrução por essas provincias fóra era um -caso esporadico, em que os liceus lhe não eram franqueados e nas -escolas superiores se falava do exemplo de Publia Hortensia de Castro, -que cursou a Universidade vestida de homem, como dum caso fabuloso, -porventura menos provavel do que a sabedoria de Minerva, a deusa -mitologica da sciencia. - -O que significa que a mulher joven ha trinta ou quarenta annos, sem -ter a alta cultura duma grande dama da côrte brilhante de D. Manuel, -era, sem dúvida, muito superior á de hôje, que não conhece os seus -escriptores nem comprehende os seus poetas. - -Se bem que a Arte, embora na sua fórma mais intelectual,--a -literatura--não possa dar á mulher o grau de conhecimentos, a soma -enorme de noções exatas da sciencia que são necessarias para constituir -hôje a educação de qualquer criatura regularmente culta, é bem certo -que eleva as almas e constitue um dos mais nobres ideais da existencia -humana. - -«A mulher desconhece os escriptores do seu tempo e deixou de se -preocupar pela literatura, porque não temos romancistas que a -interessem e os poetas deixaram de lhe falar ao coração...--costuma -dizer-se para desculpar uma falta que todos reconhecem e da qual -ninguem se confessa culpado. - -Seguramente que a maior, se não a unica responsavel, é a mulher que -assiste, sem comprehender, ao avançar victorioso da civilisação, que -hade expulsar os ignorantes como párias inuteis numa sociedade que se -encaminha para a luz. - -Poetas e prosadores deixaram, é certo, a azinhaga florida do romantismo -para seguirem pela estrada arejada de um novo ideal estético, para uma -fórma mais verdadeira e humana. Mas porque os não seguem as mulheres? -Porque se quedam numa indiferença que as distanceia do seu tempo, que -as torna tão alheias a tudo quanto interessa o homem do seu paiz, da -sua sociedade, do seu proprio lar? - -Não lêr porque não ha quem escreva a seu gosto no nosso paiz é... -apenas uma desculpa. Temos hôje, como sempre tivémos, quem escreva -bem. Todos os annos, a par da grande alluvião de livros sem valôr que -ficam nos depositos das casas editoras para serem vendidos ao peso do -papel, ou dados como brinde a quem compra outros livros, publicam-se -os bastantes para saciar a curiosidade vulgar em quem tem o habito da -leitura. - -O que falta não são os escriptores nem as suas obras. - -Falta o público que dê no seu aplauso ou no seu desagrado o incitamento -de que precisa todo o artista para fazer obra em que pônha toda a alma, -toda a energia do seu espirito, na inspiração de progredir e vencer a -concorrencia, que então se dá material e áspera, mas compensadora para -os triunfantes. - -Quem lê no nosso paiz? Uma minoria de intelectuaes, que preferem a -literatura estrangeira, e que a maior parte das vezes não compram -sequer os livros portuguêses, que poderão ler de emprestimo ou -oferecidos. - -Lê o povo bastante, mas o povo das cidades, e principalmente os -operarios, os livros dos propagandistas, as brochuras que os chamam -á consciencia da sua grande miseria; ou lê os romances sensacionaes, -ultimamente, e por felicidade, substituidos pelos grandes romances -historicos ás cadernetas, ilustrados, que têm a enorme vantagem--quando -não tenham outra--de ser portuguêses e não habituar o povo a dizer -nomes disparatados e ridiculos que lhe servem nas traduções. - -Não lê no nosso paiz, a grande maioria dos homens, porque não encontram -para isso tempo que lhes sobre dos seus afazeres ou da vida dispersada -por cafés e clubs, na conversa de conhecidos e amigos encontrados -sempre nas horas de sobejo. - -Não lêem as mulheres, o que é muito peor. Porque é em toda a parte -o grande publico feminino quem lê os poetas e os romancistas, quem -assigna os _magasines_ e revistas, quem conhece as mais interessantes -brochuras de viagens, quem discute os seus autores, quem faz, emfim, -uma reputação literaria. - -Entre nós, a não ser nos centros intelectuais de que as mulheres só -raramente fazem parte, não se fala em literatura, não se conhecem -os escriptores e não ha--o que é significativo--o menor desejo de os -conhecer. - -Para muitas senhoras que lêem e gostam de lêr é um facto desconsolador -o pensarem que serão ridicularisadas e que os ignorantes as alcunharão -de _sabichonas_ e _doutoras_, se por acaso entram em conversa que -transponha os limites literarios dos folhetins dos jornaes ou da secção -das modas. - -Mas será isto motivo bastante para se desinteressarem tão completamente -pela literatura do seu paiz? - -Fugindo do ridiculo com que fôram tão cruelmente perseguidas as -romanticas de ha vinte annos, as mulheres deixaram de lêr com receio de -que as chamassem _literatas_--o epiteto mais desagradavel que podia ser -dito a uma senhora que era vista com um livro na mão. - -Pararam, indecisas, isto é retrogradaram, porque em civilisação não ha -paragens que não sejam retrocessos. - -E foi este o motivo porque se deu o afastamento cada vez mais -pronunciado da mulher portuguêsa pela arte e pelos artistas do seu -paiz e do seu tempo. É desolador este simptoma porque nos mostra como -é feita sem elevação moral, nem intellectual, a educação das mulheres -que hão de ser as educadoras das futuras gerações. Numas, as que se -dizem educadas, os seus conhecimentos são apenas um mostruario vistoso -de habilidades e conhecimentos superficiaes, que não iludem ninguem. -Outras, conservam-se na mais boçal ignorancia, na mais completa -indiferença pelas coisas do espirito. - -Mas dando de barato que, por uma estranha repugnancia de espirito, os -escriptores de hôje não agradem ás mulheres, porque despresam tudo -quanto de grande e bello tinha a do tempo de nossas mães? - -Por acaso deixaram os livros de Camillo de ser os mais humanos, os -mais portuguêses, de quantos tem escripto e sentido um grande talento -português? Por acaso já secaram, como fonte despresada em campo -maninho, os lindos olhos das mulheres do nosso paiz, que já não se -arrasam de lagrimas na partida de Simão Botelho para o desterro e na -morte da linda Thereza e da tragica e simples Marianna?! - -Tão perdido vai o seu gosto artistico, que já os seus labios se não -abrem jocundos sobre as paginas de eterna graça, que o incomparavel -escriptor espalhou por toda a sua grande obra?! - -Tão adversas a preocupações de espirito, que se não familiarisem com -todo esse mundo amoravel e risonho que nos deixou o romancista que -deveria ser, por excellencia, o preferido das mulheres, Julio Diniz?! - -Tão esquecida que já não leia toda essa pleiade brilhantissima de -poetas e prosadores que foi a de Garrett e Herculano, até João de Deus, -Anthero, Crespo, Eça, e tantos outros que a morte levou; sem falar nos -que, por graça de Deus, ainda vivem e trabalham nesta Patria que devia -ser o nosso orgulho e é o tormento de quem a ama e a vê tão outra do -que devia ser? - -Não, a falta não é dos escriptores, a falta é só da mulher que não está -educada bastantemente (apesar de certos criticos acharem que o está já -demais!...) para discernir e escolher o bom caminho que o mais vulgar -senso commum lhe indica: uma educação séria e fundamentada, começando -nas coisas práticas e uteis da vida, acabando na literatura e na arte -em geral, que é por assim dizer a alma falante d'um povo. - -É urgente que se convençam de que a mulher ignorante é o mais triste -e aborrecido verbo de encher que a sociedade agasalha. Se é bonita, -elegante, e veste bem, começa por ser um prazer para os olhos e acaba -por se tornar um desprazer maior para o espirito, quando responde com -o mutismo da ignorancia convicta, ou com a tagarelice da ignorancia -atrevida, a uma simples conversa em que pessôas cultas jogam com ideias -e conhecimentos como as crianças com as irisadas bolas de sabão que -tanto as alegram. - -Isto olhando-a pelo lado social, que na vida familiar os efeitos -da ignorancia feminina são ainda de mais tristes e deleterias -consequencias. - - - - -AS POBRES MÃES - - -Porventura evocará este titulo míseras mulheres desgrenhadas, -arrepanhando-se de dôr, ante a morte que lhes arranca dos braços os -filhos estremecidos... - -Ou a visão dolorosa das que os vêm partir, na força da vida, frementes -de esperanças e ambições, chamados pela lei para a guerra odiosa... - -Ou, ainda, pobres mulheres vagabundas, arrastando os seus farrapos -pelas ruas e caminhos, mendigando baixinho, numa vergonha ou num -pavôr, para os sêres informes que levam nos braços e pendurados ás -saias, culturas para a dôr e para a doença, crimes e loucuras em -fermentação... - -E, entanto, não são essas as que merecem a epigrafe que encima estas -palavras. - -É mais dôce o seu viver, mais calma a sua existencia... - -É ao recolhimento da vida burguêsa que iremos buscar essas _pobres -mães_, que a sociedade moderna, no impulso avassalador e tiranico de -necessidades e exigencias novas, vai fazendo martires pelo sentimento e -pelo coração. - -São essas mulheres naturalmente inteligentes, mas fundamentalmente -ignorantes, que sofrem pelo afastamento progressivo dos filhos do seu -amôr e do seu encanto, a par e passo que os vêm crescer em inteligencia -e saber. - -É á _classe média_, a mais numerosa e _nacionalisada_, a mais apegada a -preconceitos e tradições, que vamos buscar o nosso exemplo, porque:--o -povo operario, caminhando revoltósa e tumultuariamente para o futuro; o -dos campos, muito perto ainda do primitivismo animal; a alta burguesia -e os restos desmantelados das velhas aristocracias, despaízadas pela -educação e pela existencia só de luxo e egoismo--não podem fornecer os -elementos comprovativos para a nossa these. - -Um dos muitos axiomas fabricados para satisfação da nossa vaidade, -e que transmitimos gostosos pelo prazer de nos iludirmos e pela -preguiça em nos emendarmos, é a conhecida frase--que faz comover -sentimentalmente os mais áridos corações--_a mulher portuguêsa é uma -bôa mãe_. - -Ora se olharmos a maternidade apenas como a funcção animal de conceber, -ter o filho, amamentá-lo e cuidá-lo materialmente, nos primeiros três -ou quatro mêses da sua existencia, a mulher portuguêsa é, realmente, -uma bôa mãe. - -Tudo a predispõe para isso. A bondade natural da nossa raça, essa -bondade passiva feita da indolencia atavica de sangue oriental que nos -anda nas veias; a belleza efemera, quasi toda feita da frescura dos -poucos annos e da delicadeza das linhas que a maternidade ainda não -engrossou; o esmagamento duma longa série de gerações em que viveu no -recolhimento freiratico da antiga vida portuguêsa, e ainda hôje sem os -cuidados rudes de procurar a subsistencia, encargo exclusivo do homem... - -Tudo predispõe a mulher, na doçura amolecedôra do nosso clima, para ser -uma cuidadosa mãe: cheia de mimos para os seus pequenos; temendo vê-los -chorar, como quem teme uma trovoada; muito ciosa das suas prerogativas, -quando se trata do enxoval de bébé, da moda dos vestidos, dos chapéos e -das bótas; sacrificando-se, em caso de doenças; tendo, emfim, todos os -carinhos e todos os merecimentos duma bôa _aia_. - -Mais tarde, procurará dar ás filhas uma educação primorosa, segundo o -seu ponto de vista, não se poupando ainda a sacrificios para que toquem -no seu piano, saibam prendas de mãos, e um bocadinho de francês para -não se envergonharem numa sala... - -Emquanto aos rapazes, cedo entregues aos professores que os levam a -exame, ficam--graças a Deus--livres de toda a responsabilidade de -educadora. - -Para com as filhas é mais longa a sua missão, que não é desagradavel a -espiritos que ficaram ignorantes das mais singelas regras de alta moral. - -Quando as raparigas chegam á idade de procurar marido, ahi dos dezeseis -para os dezoito, começa para a mulher o desempenho do papel, annos -atrás a cargo da sua propria mãe, quando a acompanhou a todos os -divertimentos, aguentou calôres e frios nos passeios da móda, cabeceou -pelas reuniões dançantes, fez sacrificios para lhe comprar vestidos -vistosos, despojou-se dos seus adornos para enfeitar as filhas, -porque--e esta frase é bem caracteristicamente portuguêsa e lança -toda a luz no módo de ser e nas aspirações da nossa pobre mulher--_já -agradou a quem tinha de agradar_. - -Agora é a vez da filha ir para _a amostra_, até encontrar _senhor_. -Sujeitam-se a tudo: trabalham, quando não têm criadas, nos mesteres -mais humildes, para que as filhas desempenhem o seu papel de -princesinhas de contos á espera do principe encantado que as fará -soberanas de deslumbrantes reinos imaginarios... - -A rapariga, assim preparada, casa emfim, realisa a sua ambição, está -finalmente _arrumada_--como é vulgarissimo dizer-se quando uma noiva -passa, sorridente e confiada, dos mimos da casa paterna para os braços -de um homem que na maior parte das vezes é quasi um desconhecido. - -Pobres dellas!... O que julgam o _fim_ é apenas o _principio_--da sua -árdua missão de mãe de familia. - -Deixou de ser uma criatura sem deveres nem responsabilidades, a quem -tudo se perdôa e desculpa, para ser a pedra basilar desse sagrado -templo que se chama o lar. - -Vai sêr _a mãe_! Vai pertencer-lhe, só a ella, por longos e dolorosos -mêses, viver da sua vida, alimentar-se com o seu sangue, sentir pelos -seus nervos, um pequenino ser informe que é o seu filho, que será para -o futuro um homem ou uma mulher, que poderão ser uns criminosos ou uns -santos, doentes ou sãos, devido, em muito, aos cuidados, preocupações e -higiene moral e material da mãe. - -Nascido para a vida, é ainda o objecto dos seus cuidados e amôr. Treme -pela sua fragil existencia, alimenta-o com o seu leite, acalenta-o no -seu regaço,--continúa a viver da sua existencia, póde assim dizer-se. - -A mãe sente-se satisfeita com esses cuidados que dispensa aos -pequeninos seres, que lhe enchem de ternura e de encanto o coração; -e, cuida, justamente, que ninguem será capaz de os tratar e amar como -ella... - -Mas esta mulher tão cuidadosa e carinhosa não é, não pode ser, uma -bôa mãe! Só o instincto a guia, e o homem de hôje é por tal fórma o -producto de costumes e civilisações sobrepostas, que deixou ha muito de -ser o _animal de instinctos_, segundo a natureza, para ser um producto -de arte e de trabalho e de paciente cultura. - -Educar uma criança de hôje, não é manda-la para a escola para que saiba -lêr e escrever; é muito mais do que isso! - -Ainda antes de nascer, já a criança deverá ser respeitada e amada, -cohibindo-se a mãe de muita coisa que a póde prejudicar, cuidando do -seu proprio somno, da sua alimentação, e da sua higiene, para que -a delicada planta humana desabroche vigorosa e possa resistir e -desenvolver-se propiciamente. - -Conhecem, por acaso, a maior parte das mães, a responsabilidade duma -gravidez? - -Sabe a mulher que casou com a educação que descrevemos, que do -conhecimento e da prática de simples noções de hygiene póde evitar -aos seus filhos terriveis males, quasi todo o estendal das doenças -infantis, que levam para a terra centenares de corpinhos inermes: -desde a enterite, que faz das mais lindas creanças pequenos cadaveres -ambulantes, até á atrepsía que, sob as côres rosadas da saude, disforma -o esqueleto, dobrando as pernas em arco, dando ás criancitas o andar -grotesco de _marrequinhos_ fóra da agua? - -A propria tisica, a escrofulose, a anemia, como as inúmeras nevróses -que desvairam a raça humana, são quasi sempre evitaveis se uma vida -infantil regular e higienica tonificar o organismo e o preparar com a -resistencia precisa para o triumfo dos principios vitaes. - -Partindo do cuidado, quasi só material, dos primeiros dois ou três -annos, a missão da mãe redobra a cada passo de dificuldades e requer -toda a inteligencia e a tenacidade duma grande obra. - -É então que todos os desvelos serão poucos para vigiar a consciencia -que vai despertando, e que é necessario começar cedo a ser educada e -dirigida para o bem. - -Não faltará quem se ria ouvindo falar em educação duma criança de três -ou quatro annos; e, no entanto, nada mais sério e nada mais util do que -saber aproveitar a franquêsa dessa idade, que ainda não sabe mentir, -para conhecer na criança o homem ou a mulher que será no futuro. É a -ocasião de poder aproveitar todas as qualidades de um caracter e até os -seus defeitos, e convertê-los em virtudes, sem torcer a vontade nem o -temperamento individual. - -E a mãe, a _pobre mãe_, que é a mulher da qual descrevemos o casamento, -começa então a sentir que o seu filho se lhe escapa dos braços, -arredando-se-lhe do coração, alheando-se-lhe do espirito. - -Dahi em diante, a criança, pela vida e pela alegria da qual ella -sacrificaria gostosamente a sua propria vida, dá cada dia um passo que -a tornará uma estranha para aquella que lhe devia ser a mais certa e -mais respeitada guia. - -É quando, cheia de curiosidade, começa a abrir os olhos do espirito, -que se não fartam de luz, e pergunta tudo quanto existe, tudo quanto -lhe fere a atenção, sempre desperta e voluvel. - -As coisas mais simples, como as coisas mais complexas, tudo procura -saber e tudo é preciso que se lhe explique duma maneira comprehensivel. -É o momento unico de lhe dar noções que nunca mais esquecem e que -pela fórma estejam ao alcance dos seus poucos annos e rudimentar -inteligencia, mas pela substancia resumem os conhecimentos e verdades -que lhe serão uteis pela existencia fóra. - -Se a mãe não responde, a criança desinteressa-se de coisas sérias e -torna-se futil, ou vae fazer as suas perguntas ao pai, quasi sempre -mais culto, e que por esse motivo passará a ser considerado superior á -_mãe ignorante_. Se a mãe, não querendo passar aos olhos da criança por -inferior, diz uma coisa ao acaso, que não é precisamente a verdade, o -mal é ainda peor porque não tardará que a criança saiba, por estranhos, -o contrario do que lhe disseram. - -E não imaginem que ella esquecerá, não! Na primeira ocasião saberá -mostrar a sua estranhesa. - -Cresce: da escola _para sujeição_, onde a mãe a meteu por ser -impossivel tê-la em casa desde os três annos, passa a frequentar as -aulas públicas. Tem os seus compendios, que lhe falam de coisas de que -não tinha a menor noção; cada passo é uma dificuldade, cada palavra -um barranco, cada materia uma novidade, que o professor, entre tantos -discipulos a reclamar-lhe a atenção, não tem tempo de aclarar-lhe o -sentido. De lagrimas nos olhos, o livro na mão, a criança irá procurar -aquella que mais estima, e que mais tem tido chegada ao coração desde -que existe, para que lhe explique o que não comprehende. E a _pobre -mãe_ não saberá auxilia-la, terá de confessar a sua impotencia, a sua -ignorancia, diante do filho que se desespera! - -Quantas vezes, indo encontrá-lo a cabecear sobre o livro que não -comprehende, a mãe não teria desejo de tirar-lh'o das mãos e, numa -clara leitura e uma inteligente explicação, fazê-lo aprehender o -sentido que lhe foge?!... mas... a _pobre mãe_ não o poderá fazer, -porque não sabe tambem! E quantas vezes a sua revolta de ignorante não -se torna uma defesa para a criança mandriona, que repetirá o que lhe -ouve:--_Para que serve saber isto ou aquillo? Sem estudar tambem se -come e bebe!..._ - -Se a criança é estudiosa e inteligente, em vez de pensar com leviandade -sobre o assumpto, com a aprovação da mãe, concentrará todo o seu -espirito no estudo e irá perguntar aos estranhos o que em casa não -poude saber. - -A _pobre mãe_ será, aos olhos de seu proprio filho, uma _ignorante_, -uma _inferior_. - -De dia para dia esta convicção se irá radicando no ânimo da criança, á -medida que fôr adquirindo conhecimentos, desenvolvendo a inteligencia. - -O trabalho que se faz no seu espirito é lento, mas é seguro. Homens -e mulheres feitos, não deixarão de amar as mães--quem o duvída?--Mas -com esse amôr protector que se tem a uma bôa e dedicada ama que nos -acalentou e amimalhou na infancia, o amôr deprimente que se tem pelos -inferiores; não o sagrado afecto do filho, que o é, triplicemente, pelo -sangue, pela amamentação e pela inteligencia desabrochada ao calôr do -ensinamento materno. - -O convencionalismo, a mentira social, encobre com falsos sentimentos -verdades que julga crimes, mas que a natureza, na sua rudesa primitiva, -não considera tais. Assim, quando a uma criatura em evidencia, pela sua -nova posição social, se descobre uma quasi vergonha que as faz esconder -a inferioridade dos pais, todos se indignam e lh'o lançam em cara como -sangrento insulto. - -Parece-nos um _crime contra a natureza_, mas na realidade é um -sentimento bem humano e desculpavel nessas criaturas roídas de -ambições, na ânsia de fruir gosos inéditos para os nados e criados na -pobresa. - -Quanta superioridade de ânimo lhes seria precisa para fugir ao -mesquinho ponto de vista duma sociedade, que, se por um lado exproba -esses sentimentos como um crime, por outro lado ri impiedosa dos -ridiculos familiares de que o individuo não é culpado. Quanta vaidade, -quanto orgulho amachucado, curtirão esses que querem aparentar -grandesa e se vêem acorrentados á ironia dos seus inimigos por uma -longa série de criaturas inferiores que irremediavelmente os prendem á -mediocridade!... É das mais tragicas e ao mesmo tempo das mais comicas -situações que a civilisação democratica dos nossos dias trouxe á -babugem das suas ondas, de envolta com os _parvenus_, tão invejados por -uns como despresados por outros... - -Podemos considerar uma inferioridade de espirito esse sentimento de -_vergonha_ pelos seus? Certamente. - -Mas não é nobre e alto do coração quem o quer ser. Nós todos, com os -nossos assomos de independencia, não somos mais do que o producto -do meio em que vivemos e nos criámos, os productos duma bem ou mal -orientada educação, um conjuncto de convenções e mentiras numa -sociedade construida sobre aparencias e falsidades. - -Não condemnemos pois o filho que no seu intimo despresa -intelectualmente a mãe, que no entanto estima e até julga respeitar. - -A mulher tem bastante intuição, mesmo quando é ignorante, para -comprehender o sentimento que inspira aos filhos. Embora se resigne -dôcemente, no seu apático papel de tutelada, essa convicção deve-lhe -ser amargurosa. - -Para seu bem, e, mais ainda, para bem da sociedade que não póde já -dispensar-lhe o concurso, preciso se torna que a mulher sáia desta -situação que a inferiorisa, e a inutilisa como factor importante da -civilisação. - -Comprehendendo a vida pelo estudo da grande mestra Natureza, é preciso -que a mulher se convença de que se não é _bôa mãe_ só porque se deu -vida a uma criança, que no seu seio se gerou e completou e com o -proprio leite se nutriu, rodeada de mimos e cuidados durante a infancia. - -É preciso que a essa maternidade puramente material se alie a nobre -maternidade do espirito e da educação--unica que lhe dará a garantia -de possuir o respeito e o afecto confiado dos filhos, que sempre -encontrarão nella avisado conselho. - -Procurando nos animais o exemplo que nos oriente, vemos que todos elles -desconhecem a mãe (porque o pai lhe é quasi sempre um estranho) desde -que a criança se tornou forte e dispensou o ensinamento e a guia que -nos primeiros passos lhe eram indispensaveis. - -O mesmo succede ao homem, que se vai distanciando intelectualmente da -mãe desde que deixa de lhe ser conselho e auxilio dos tenros annos. - -Todo o falado amôr poetico pela mãe, é apenas o producto duma convenção -sentimental adquirido pelo homem á medida que se foi civilisando. - -Talvez até uma simples questão de moda trazida pelo romantismo, como os -_nefelibatas_ e _simbolistas_ nos déram ultimamente nos seus lirismos -as velhas criadas e as boas amas... - -Durante o naturalismo forte da Renascença, a _mãe_ é completamente -esquecida pelos poetas e prosadores. Nas proprias telas a _mãe_ -glorificada pelo pincel dos mestres é a _Virgem_, a mãe fóra da -humanidade! - -Como reação ao culto da mulher amante, soberba da sua belleza e da sua -força, veio o culto, bem mais postiço, da mulher, só porque o acaso a -fez mãe. - -A mulher póde e deve obstar, pelo esforço da sua energica vontade, á -grande amargura que a espera quando a alminha radiosa do seu filho vai -fugindo ao convivio do seu pobre espirito inculto para se lhe tornar -quasi um estranho. - -A mulher, na classe a que me tenho referido nestas paginas, pode -educar-se a si mesma, que não lhe faltam meios para o fazer. - -Se o não fizer abdica dos seus direitos, exactamente quando mais -alegrias compensadoras lhe trariam. - -Agora que o homem começa a olhá-la como sua igual e companheira, toda a -responsabilidade lhe cabe no despreso intimo, embora inconfessado, que -a sua ignorancia lhe merece. - - - - -A MISERIA DO POVO - - -É incontestavel que um certo movimento altruista se propaga pelo -paiz--secundando, ainda que frouxamente, o que nos outros se faz--em -favôr dos _pobres_, principalmente da mulher e da criança. - -Uma grande revolução se está preparando, e, como todas as grandes -revoluções que têm transformado as sociedades, começa por revolucionar -almas, formando um núcleo de espiritos que pelo bem dos outros se -sacrificam sem esperar pagas nem incentivos de grosseiros interesses. - -O mundo antigo, cheio de preconceitos e de injustiças, sente-se -derruir, sem bases seguras onde se apoiar--esfacela-se lentamente até -uma derrocada ingloria e completa. - -A pouco e pouco, aqui e ali, algumas bôas obras de solidariedade humana -têm surgido da iniciativa particular, sem que os governos tenham sequer -suspeitado da sua existencia. - -E bom é que assim seja, porque só a iniciativa particular, persistente, -honesta nos seus processos, sem charlatanismos oficiaes nem interesses -politicos a desprestigiá-la, póde fazer mais em poucos mezes do que -cincoenta annos dos embaraçantes processos de todos os governos. - -É della que tudo ha a esperar, é da acção especial dos governados -que confiâmos, pois que dos governantes pouco ou nada póde vir neste -sentido, nem é justo, verdade seja, que delles se espere tudo, como se -um povo não fosse mais do que ingenuo e eterno bébé sugando a mamadeira -que lhe apresenta a criadora. - -Tudo esperar do poder central é mostrar que nada podemos -individualmente, ou que estamos satisfeitos com o pouco que nos -concedem. - -Ora a verdade é que ninguem está satisfeito, porque nunca se viu -situação mais desoladora, vida mais atropelada e miseravel. - -É o nosso paiz aquelle em que mais caro se come, se veste, se viaja, -e se tem morada; e aquelle em que menos se ganha, salvo pequenas -excepções, que é facil apontar. De dia para dia os generos de primeira -necessidade duplicam e triplicam de custo. - -Não ha nada, desde o pão até á luz, que se não compre por alto preço; -nada que não custe ao pobre incomportaveis amarguras e suores. - -É por isso que não ha paiz nenhum em que a tisica, a anemia e a -escrofulose tenham mais lauto banquete. - -Fez-se, é certo, uma liga contra a tuberculose, patrocinada pelos -governos, auxiliada por contribuições obrigatorias na capital, -reclamada pelas mil tubas sonoras do jornalismo palaciano. - -Não houve penna de escriptor, consagrado pelas gazetas, que se não -puzesse ao serviço da bôa causa; não houve paladino que não quizesse -descer á liça a romper lanças pelo triumfo da ideia que, partindo -modesta e util de baixo, serviu depois muito interesse, deu aso a muita -turiferação. - -E no fim de tanto afan, tanto barulho, tanto elogio, o que ganhou de -positivo e imediato o povo português, na sua grande massa?! - ---Come porventura mais barato? - ---Tem casas higienicas, onde se abrigue por módicos preços? - ---Tem hospitais para todos os seus doentes? - ---Asilos para todos os seus velhos? - ---Sanatorios para todos os seus escrofulosos e tisicos? - ---Escolas para todos os seus filhos? - -Nada disso tem, nada disso lhe deram ainda, apesar de tanto que se tem -apregoado os beneficios duma _liga_, que póde ser simpatica como esmola -particular e arbitraria duma ou mais pessoas, fazendo pouco porque -mesquinhos são os seus recursos, mas que se não deve querer fazer -passar por medida de salvação publica... - -Todos reconhecem ser pouco o que se tem feito, tão pouco que se torna -inutil, para debelar um mal que vem da ruina dum povo e duma sociedade -sem orientação; dum mal que está no sangue e no espirito e que ameaça -assoberbar tudo e todos. - -São incontaveis os escrofulosos, tisicos, anémicos e depauperados na -classe pobre. As mulheres definham e morrem como flôres criadas em -terra magra, sem ar nem luz; as crianças arqueiam os pobres arcaboiços, -onde mal se desenvolvem pulmões predispostos á receptividade do -microbio hostil; os homens avelhentam-se e enlividecem, numa aparente -senilidade aos vinte ou trinta annos. E tudo porquê?! - -Porque a vida é terrivelmente cara em Portugal, e a maior parte da -gente não come o que necessita, vive em verdadeiras possilgas, não é -preservada devidamente do contagio das molestias que a rodeia, não é -iniciada nas mais rudimentares regras de higiene, não é educada de modo -a preferir a alimentação e o conforto das casas ao luxo do trajar e -demais exteriorisações vistosas. - -O caminho a seguir por quem quizesse e pudesse remediar tanto mal, não -se limitaria a fundar sanatorios onde se gastam muitos contos de reis e -se abrigam, por empenhos, umas desenas de crianças--umas _predispostas_ -apenas. - -Para essas, mesmo, o bem não é grande e, principalmente, não é -duradoiro. Melhoradas pela higiene, pela alimentação e pelos simples -remedios reconstituintes, voltam desse conforto e abundancia para a -antiga e triste miseria das suas casas, tendo por destino a fatal -renovação da doença, logo que deixe de ser combatida, e será agravada -com o desespero de se vêrem privadas do bem a que já se haviam -gostosamente e metodicamente habituado. - -O primeiro passo a dar, para melhorar esta situação angustiosa, -seria:--fazer baratear os generos alimenticios de primeira necessidade; -estabelecer e auxiliar cooperativas; reduzir os impostos de consumo, -que incidem principalmente sobre o pobre que compra a retalho, de modo -a que todos pudessem comer quanto é necessario para alimentar uma vida -saudavel. - -Seria iniciar o sistema de cooperativas edificadoras, tão usado -lá fóra; auxiliar grandes companhias que se propozessem dar casas -higienicas e espaçosas por módico preço, aos pobres que não podem -continuar a viver como hôje vivem em antros infectos e caros. - -É mais do que tudo urgente acabar com a exploração dos senhorios que -exigem por casas pessimas, loucas exorbitancias extorquidas asperamente -á economia da familia pobre. - -Ter o seu lar, a sua casa, onde cada prego representa um esforço de -vontade e uma consolação de posse; a casa para onde entram os noivos -com a alma florida de esperanças, onde nascem os filhos e se podem -abrigar os velhos pais doentes; a casa onde põe todo o seu amôr o -operario laborioso, que nas horas vagas cultiva no jardim os cravos -e as rosas singelas, planta as hortaliças e levanta a parreira amiga -que lhe dá a sombra e o vinho; a casa que a mulher limpa e adorna com -esmero, porque é a _sua_, a companheira e amiga de todas as horas; a -_casa familiar_, que deixa de ser uma coisa inanimada e indiferente -para se tornar no grande sonho abençoado dos que vão para longe, e dos -que ficam abrigados á sua dôce sombra; é para o trabalhador português -uma ambição tão desmedida, que poucos a chegam a realisar. - -É desta indiferença do povo que não vive _comsigo_ nem se sabe recolher -ao interior da sua habitação, ao seu lar, tornado o seu pequeno e -querido universo, que não se identifica com as suas coisas e não lhes -toma amôr, é deste viver disperso de povo meridional, que vive do ar e -do sol, e num dia de passeata alegre pelos campos encontra compensação -para todas as suas miserias; que o senhorio tem abusado elevando -disfarçadamente, cada semestre um pouco, as rendas--que são hôje um -verdadeiro crime social. - -Se fossem precisos exemplos para afirmar uma coisa que toda a gente -sabe, Setubal seria, para tudo quanto dizemos, um dos mais flagrantes. - -Dotada com um luxuoso sanatorio, nem por isso a doença e a miseria a -poupam mais. - -A grande miseria da população (de vinte e três mil habitantes) é -composta por operarios, dum e doutro sexo, que trabalham nas fabricas -de conservas de peixe, de pescadores, e de gente de medianos recursos. - -Com a afluencia de trabalhadores de fóra, as moradias têm subido a tal -preço que uma só familia não tem recursos para as pagar, acumulando-se -duas e três em antigos predios insalubres, dentro de ruas estreitas e -nauseabundas, onde mal entram o ar e o sol--os grandes purificadores. -Ha casas, se tal nome merecem, onde se não póde andar de cabeça -erguida, sob pena de a partir no tecto, e onde a escuridão é quasi -absoluta. Casinhotos terreos, ahi pelos suburbios, em que as divisorias -são feitas com cortinas de chita, e pelos quais um mísero cavador paga -por mês, _dois mil réis_, isto ganhando--quando ganha--quatrocentos -réis diarios. - -Ha miseraveis velhinhas pedindo pelas portas para pagarem _dez -tostões_ mensais pelo abrigo duma barraca forrada de folha de flandres -ferrugenta, despresada pelo fabrico de conservas. - -Não ha muitos invernos que numa barraca alugada pelo mesmo preço -exorbitante a uma familia de pescadores, choveu tanto, em noite -de temporal, que o marido e a mulher tiveram de abrigar-se sob um -chapéo de chuva, metendo os filhos debaixo da cama para não ficarem -completamente encharcados. - -Chega a dar vontade de rir, mas do riso que é de lagrimas e de -amarguradas censuras tecido; o mesmo riso que se nos esboça numa -lástima vendo uma criança deslocar-se em acrobatices de circo. - -Quantas gerações de miseria e servidão produziram a indiferença -resignada com que se sofre uma existencia de _tais alegrias_ -entrétecida?! - -Depois, se numa destas habitações se dá um caso de doença contagiosa, -vem a policia, a pretexto de desinfeção, rouba aos pobres a sua unica -cobertura, queima-lhe a unica enxerga, despedaça-lhe a pouca loiça, -borrifando paredes, sobrados e moveis com sublimado corrosivo!... - -Urgente seria organisar a fiscalisação sanitaria, de modo que a -desinfeção fosse uma coisa séria e prática e não um vexame ou um -ridiculo como é,--méra providencia policial quando se tóca a rebate -numa ameaça de epidemia. - -O que faz então o pobre, victima destas _providencias_ policiaes? Para -não ficar mais desnudado do que dantes, arrecada, esconde tudo quanto -serviu aos doentes, não sabendo--na sua extrema ignorancia e desoladora -miseria--que arrecada sôfregamente a morte, que não pára nem descança -de trabalhar nesse fertil campo. - -Não seria prático, simples, justo, e até quasi nada dispendioso, -que nos proprios hospitaes se montassem estufas de desinfeção para -as roupas de todos os doentes e de todos os que morrem de molestias -contagiosas; e que a policia se encarregaria de fazer conduzir ali, -para essas roupas serem reentregues quando já não constituissem um -perigo para os seus possuidores?! - -E se ainda os males fossem só estes! Mas a juntar a tantas desgraças -que podemos chamar materiaes, ha outras e outras que se prendem de -perto com as obrigações moraes dos dirigentes e dos educadores. - -Ha, por exemplo, quem fiscalise as condições em que se realisa o -trabalho das mulheres e dos menores? A lei que o regularisa é letra -morta, e uns e outros trabalham nas peores condições higienicas e em -todos os tempos e horas, inferiorisando-se fisicamente, deformando e -afeando cada vez mais a nossa raça, que foi bella e fórte. - -A mulher não tem quem a eduque e oriente, quem a ensine a respeitar-se -e a respeitar em si mesma o futuro dos filhos; e ou não trabalha nada, -porque o homem a sustenta e veste, ou se sujeita a tudo, desempenha os -mais penosos serviços, quer livre quer em vesperas de ser mãe. - -Filhos nascidos, quem pensou em lhes abrir as créches, as -escolas-infantis ou maternaes, os asilos-oficinas?... Quem pensou em -juntar essas mulheres, irmãs na desgraça, para lhes ensinar como, -agremiadas, se poderiam socorrer e fugir á extrema miseria, á doença -sem conforto, á fóme dos dias sem-trabalho? - -Quem fez sentir aos operarios, a muitos que ganham bastante, mais do -que qualquer empregado publico, que a sua grande força estaria na -modestia do viver, no cuidado que puzessem em criar higienicamente e em -educar os seus filhos? - -Quem lhes faz sentir, sem azedume, o ridiculo do luxo que ostentam, -nas mulheres e nos filhos, imitando as burguêsas que dizem despresar? -Quem lhes incutiu, com as preocupações mais altas do espirito, o horror -a essas festas em que a saúde e o dinheiro por igual sofrem um forte -abalo? - -Como quasi todos os portuguêses, não pensam quanto melhor seria -possuirem a casa onde habitam e nasceram os filhos, que os viu sorrir -e crescer, que lhes conhece as lagrimas e as alegrias. Quanto seria -preferivel, á taverna que os envenena e fére toda a sua geração, o -theatro que educa e diverte, criando uma atmosfera mais pura para -o espirito. Quanto mais proveitoso lhes seria fundar e frequentar -bibliothecas, serem emfim os iguais ou superiores aos que hôje imitam, -não pelo trajar que é vaidade de pouca monta, mas pela educação e pela -consciencia dos seus direitos e deveres!? - -Cigarras imprevidentes e tagarelas, nos dias quentes de bôa féria, quem -entre nós os póde criticar? - -Defeito de educação, defeito endemico na nossa terra, que vem descendo -do alto, num turbilhão de vaidades insatisfeitas, numa aspiração -desenfreada de ser mais do que efectivamente se póde ser, pelas -exteriorisações da vida faustosa, com vestidos ricos, numa inveja que -faz imitar sempre os que julgam acima, na escala social... - -Mais do que uma liga contra a tuberculose, tal como se tem manifestado, -seria proveitosa á nossa raça devastada pela doença, uma liga contra a -fóme e contra a ignorancia que tudo obscurece e preverte. - - - - -A IGNORANCIA DO POVO - - -Não ha ninguem que não tenha ouvido, pensado, ou dito centenas -de vezes--que o maior mal do nosso paiz é a ignorancia, que o -analfabetismo é a causa mais flagrante da nossa decadencia moral. - -É realmente a verdade, a triste verdade que nos envergonha e -inferiorisa aos nossos proprios olhos. - -Mas são _sómente_ os governos os grandes responsaveis d'este atraso -vexatorio do nosso paiz? - -Não corresponde o desleixo em que os governantes têm deixado cahir a -instrução publica, á criminosa indiferença individual dos governados -por essa instrução geral, que é o orgulho dos paizes cultos?! - -Não são os governos que fazem os povos, mas os povos que fazem os -governos; e estes, forçosamente, hão de promulgar e cumprir as leis -que a consciencia colectiva e fórte duma sociedade reclama, porque -correspondem a uma necessidade ou a uma aspiração nitida da alma -popular. - -Assim o prova o pouco mais de interesse que a instrução do povo vae -despertando entre nós, mercê das reclamações e lamentações que de ha -poucos annos a esta parte se vem ouvindo, numa propaganda lenta, mas -fructuosa, de alguns espiritos dedicados. - -O governo deve auxiliar a iniciativa individual, deve, por assim dizer, -sancioná-la e impulsioná-la; mas ser elle sómente o encarregado de nos -dar todos os progressos e todos os melhoramentos, é inadmissivel para -espiritos que aspiram a ser livres e desejam uma patria livre. - -Nos paizes cultos, sob os governos mais inteligentes e progressivos, -o que vêmos? A iniciativa particular realisar tudo ou quasi tudo, e os -governos adoptarem os melhoramentos, auxiliarem-nos, serem como que o -vigia dos actos individuaes, não o _tutôr_, a _Providencia_, que nós -pretendemos que seja, por preguiça de pensar e trabalhar. - -Depois duma senhora fundar em Paris a _Maternidade_, a instituição que -mais eleva o espirito altruista do nosso tempo, é que a municipalidade -resolveu imitá-la, criando por seu turno outra casa similar. - -Foi depois de miss Nightingale educar e apresentar as suas enfermeiras -modelos, livres de todo o espirito de sectarismo e instruidas segundo -todas as regras da higiene moderna, que o governo inglês as enviou á -Crimeia, onde déram as suas primeiras e brilhantissimas provas, e as -adoptou nos seus magnificos hospitaes, onde são exemplo para todo o -mundo. - -Por toda a parte se fundam institutos, se realisam obras de -solidariedade, protectoras e pedagogicas, que os governos sancionam -depois, que ajudam a manter e a espalhar, se o resultado corresponde -aos sacrificios exigidos. - -Decretar no papel sem que a prática mostre que a inovação está de -harmonia com o caracter etnico do povo, corresponde a uma necessidade -colectiva ou foi precedida duma propaganda inteligente e conscienciosa, -dá o triste resultado que produzem no nosso paiz as reformas, em geral, -e a da instrução em particular. - -Senão, vejâmos. Como todos sabemos, estão criadas escolas e decretada a -instrução obrigatoria ha tempo bastante para que a actual geração fosse -filha, e até neta, de gente sabendo lêr. - -E o que sucede? - -O numero de analfabetos é enorme, e os que sabem alguma coisa é tão -pouco, e tão mal aprendido, que mais se póde dizer que igualmente nada -sabem. - -Isto porque o professor é, em geral, uma pessoa que arranja esse oficio -como podia arranjar outro qualquer, sem vocação, sem comprehensão do -que seja o ensino e da responsabilidade com que vai arcar, tomando -sobre si o encargo de iniciar pequenos cerebros obscuros no luminoso -cultivo intelectual. - -É muito grave e delicado o oficio, e não sei de quem o possa tomar de -ânimo leve, só com mira nos magros proventos. - -O verdadeiro professor é o sacerdote das ideias, que levantam e comovem -hôje a humanidade. - -Por elle, a criança deveria ter do estudo a ideia prática e util que -é a base de toda a educação moderna, mórmente se é dada a pobres, sem -tempo para perderem em inutilidades e bonitos. Por elle, a criança -deverá receber uma noção simples, mas geral, de tantissimas descobertas -com que dia a dia se augmentam os conhecimentos humanos, e saberem a -maneira de utilisarem pràticamente o que aprenderam. - -Mas não sucede assim. Os professores, miseravelmente remunerados como -são, sem coragem nem iniciativa para luctar, alguns educados por -processos archaicos, sem uma feição prática e utilitaria no seu método; -como hão-de ensinar o que não lhes foi ensinado e não podem aprender -por si, pela carestia da vida, e até pela falta de pequenas bibliotécas -de vulgarisação e ensino? Por isso elles se não interessam senão por um -ou outro dos seus discipulos mais inteligentes, que irá a exame e lhe -dará honra e lucro, se a familia é abastada. - -Os outros, a turba-multa, quando o trabalho os reclama para fóra da -escola, mal sabem soletrar, escrevem a custo os seus pobres nomes -obscuros, e não chegam a comprehender que vantagem lhes pode advir -d'esse _favôr_ da _sociedade_. - -E estes são ainda os que vão á escola, que a grande maioria, -principalmente nos campos, nem sequer se incomoda a frequentá-la. - -É verdade que ha leis que obrigam os pais a mandar os filhos á escola; -mas que monta se essa mesma lei exige dos pequenos estudantes o uso -de sapatos, e os pais, não tendo para comer, dispensam muito bem essa -exigencia da civilisação? - -Fazem-se leis obrigando os pais a mandar os filhos para as escolas; mas -que importa isso se para aprenderem precisam de comprar livros, que -são carissimos, e elles não têm que lhes sóbre para pão? - -Fazem-se leis obrigando os pais a mandar os filhos á escola; mas como -poderão estar as crianças umas poucas de horas sem comer, visto que os -pais lhes não podem dar merenda e cá por fóra sempre vão apanhando _dez -reisitos_ em troca de pequenos serviços, rebuscando, farejando, pedindo -como cães vadios, mas comendo afinal?! - -Fazem-se leis obrigando os pais a mandar os filhos á escola; mas de que -serve isso se a escola é de dia como a oficina e a fabrica, e os pobres -não podem dispensar o trabalho das crianças, já ganhando o seu pequeno -salario, já ficando em casa com os irmãositos, emquanto as mães vão -moirejar por fóra?! - -Segue-se pois que a criança do povo está condemnada a uma eterna -penitenciaria de ignorancia, se antes da escola não houver a _créche_, -não houver o hospital para parturientes, e, antes do hospital, não -houver a _maternidade_, que é a casa onde a mulher pobre passa com -descanço salutar os ultimos mêses da gravidez; se, ao lado da escola, -não houver a oficina escolar, o asilo modelo donde a criança, rapaz -ou rapariga, sáia preparada para entrar desassombradamente na vida, -sabendo ganhar a sua subsistencia pelo oficio que escolheu. Da escola, -assim acompanhada, deverá a criança sahir sabendo lêr, escrever e -contar, sabendo sobretudo trabalhar metodicamente e com nobre orgulho -da sua profissão. - -Ora é isto o que os governos, só por si, não pódem fazer se os não -auxiliar a bôa vontade e iniciativa particular, já fazendo propaganda -entre o povo, já distribuindo livros gratuitamente, fundando escolas -e bibliotécas, dando premios ás crianças aplicadas, contribuindo para -tornar a casa de estudo artistica e agradavel, ensinando mesmo os -professores e fornecendo-lhes maneira de se educarem nobilitando o -ensino, por assim dizer. - -É da iniciativa particular que devem partir as bôas ideias exequiveis, -que o governo será obrigado a auxiliar e adoptar, quando a opinião -pública as impônha. - -É isto o que é preciso fazer e é isto o que esperâmos vêr realisado -em breve no nosso paiz. Porque, ao lado de muitos que usam a caridade -mirabolante como orchidea de fantasticas fórmas para espanto das gentes -rastejantes, ha lucidos espiritos que fazem o bem pelo bem, como um -dever, como um simples acto de justiça. - -Porque dever, porque justiça, é pensar nos que têm fóme, nós que nunca -lhe sentimos os tormentos; é pensar nos que são ignorantes porque -não têm maneira de se educar, nós que nascemos num meio em que nos -instruimos sem querer; é pensar nos que sofrem vendo os filhos fenecer -e morrer por falta de alimentação e higiene, nós que podemos criar os -nossos em melhores condições. - -É pensar em todos os que sofrem, sem razão para sofrer,--só porque -o acaso os faz nascer num pobre albergue em vez de casa rica ou -remediada--mas não para lhes dar a esmola que deprime e desmoralisa, -que habitúa o espirito aos favôres do acaso, e que é injusta porque -obedece ao arbitrio individual, mas para dar sem distinção nem favôr, -a todos, porque todos o merecem, a educação que enobrece, a luz que -vivifica, o alimento, o ar, a agua, a casa, a saúde e a alegria emfim, -a que todo o ser humano tem direito. - -Não é o luxo, não é o superfluo, que é forçoso dar, é apenas o -necessario, apenas o que é justo. - -E se todos, principalmente as mulheres, puserem nesta campanha a -energia do seu querer, a nobrêsa da sua dedicação, temos o direito de -esperar uma hora breve de mais justiça e de mais alacridade para este -miseravel povo português, amortecido pela ignorancia e pelo sofrimento. - - - - -MULHERES DESNATURADAS, MÃES DESNATURADAS - - -É vulgar encontrar-se na leitura diaria dos jornaes titulos assim -alarmantes, sob os quais os reporters juntam á pressa meia dusia de -adjectivos ferozes, na narração detalhada de qualquer crime, ou simples -tentativa, de infanticidio. - -Não ha muito ainda que dois jornaes dos que se dizem mais livres -encimavam umas vulgares noticias do genero com os titulos que -reproduzimos. - -Numa, era a criada de servir que voltava da terra com o filho -recem-nascido dentro duma canastra e que o atirára pela janela do -vagon em que viajava, se um empregado não evitasse o medonho crime. - -A outra era um simples caso de engeitamento, por miseria, tambem por -parte duma criada de servir. - -Ora quando jornaes avançados, que se dizem desprendidos da rotina e do -preconceito, usam para tais casos de tão violentos epítetos, o que não -dirão os outros, os arbitros triumfantes do convencionalismo burguês, -os fartos interpretes duma sociedade hipocrita, que nas prégas do seu -manto de pudicicia abriga crimes mais revoltantes do que os cometidos -por esses _monstros moraes_ descriptos com tanto asco!? - -_Mães desnaturadas_, essas miseraveis, decerto! Mas com quanta desculpa -a atenuar-lhes a brutalidade do delicto! - -E a justiça a que aspirâmos, a justiça nobre e alta que é o objectivo -supremo do nosso ideal de nova sociedade melhorada e feliz--quanto -é licito ao homem sê-lo, sem cuidados de sobre-posse nem exigencias -loucas--a justiça que não se cobre com leis, nem venda os olhos para -não discernir, não póde castigar todos os casos pela mesma rigorosa -interpretação dos codigos, não deve julgar sem atender ás determinantes -e, sobretudo, ao gráu de responsabilidade do delinquente. - -Poderemos, acaso, esperar do ignaro e rude trabalhador--que de sol a -sol tira dos musculos o esforço que produz o pão do seu alimento e o -dos filhos, e á noite, extenuado e brutificado, adormece pesadamente, -até que novo sol lhe traga novas canceiras, e alegrias tambem, mas -rudes e vulgares como a sua alma deseducada--poderemos, repito, exigir -a esse a mesma visão clara, a mesma responsabilidade moral que deve -existir no homem culto que no recesso da sua alma pesa e mede os seus -actos, conhecendo leis, conhecendo direitos e deveres?! - -Poderemos chamar a essas mulheres _mães desnaturadas_, porque abandonam -um filho, que já fôra abandonado pelo pai? Um filho que não seria mais -do que um tropeço para a sua vida de trabalho; que hôje lhes custaria -a sustentar com a escassa soldada de criadas de servir e ámanhã -lhes custaria mais, infinitamente mais, a vestir, a alimentar e a -educar?!... - ---Queria matá-lo, sinistramente, arremessando-o á linha a toda a -velocidade do comboio, por uma noite escura e tragica, como quem alija -demasiado pêso na lucta de um naufragio, como quem num esforço se -alevanta e sacode dos hombros um fardo com que não póde... - -E não era esta exactamente a verdade? Quem ensinou a essas mulheres de -vinte annos, abandonadas á propria sorte, pontapeadas pela sociedade, -enganadas pelos homens, servindo quem as despresa e maldiz, só -toleradas porque são uteis--bestas de carga para criarem e servirem os -filhos alheios--quem lhes ensinou a ser mães? - -Quem lhes ensinou sequer a ser mulheres, na acepção nobre e alta da -palavra, e não tão sómente a femea brutalisada e despresada pelo homem, -quando o saciamento matou o desejo carnal? - -Quem lhes disse que o fructo que de seus efémeros amôres lhes ficou nas -entranhas é um ente crédor a todo o seu respeito--já não digo ao seu -afecto, que se não póde obrigar--de que são apenas as depositarias e -sobre o qual não têm direito de vida ou de morte, embora da sua propria -vida se alimente?! - -Quem lho terá ensinado? - -A lei, mandando-as depois do crime feito para um presidio ou para uma -penitenciaria? Não, porque a lei não ensina os ignorantes, vinga nos -culpados os sentimentos conservadores da sociedade que a fabricou. - -A lei, cahindo rígida e inexoravel sobre a cabeça de um condemnado, que -lhe não conhece o alcance, não converte um criminoso, cria um hipocrita -ou um revoltado. - -Quem ensinou essas desgraçadas que hôje choram no segredo do -aljube,--não de remorso, que não podem sentir, mas de pavôr--que era um -crime menor aos olhos da sociedade, que só cura de aparencias, em vez -de abandonar ou matar um filho nascido, tê-lo desfeito misteriosamente, -quando ainda mergulhado na noite da sua vida uterina, mas com tanto -direito á luz e á existencia consciente como depois de nascido?! - -É de presumir que tenham tentado primeiro esse crime como tantas que -se vêem a braços com uma situação tão absurda e condemnada, quanto é -vulgar e desculpavel. - -Alguem lhes incutiu na consciencia essas simples noções de sã moral? - -Certamente ninguem em tal pensou. - -E se o que ellas praticaram, ou tentaram praticar, é um crime -abominavel, o outro não o é menos. A diferença está em que um é -conhecido, impõe-se pela brutalidade do facto; o outro é ignorado, não -se prova facilmente e é praticado a sangue frio por muitas mulheres que -se dizem honestas e para as quais a sociedade não ajunta pedras com que -as lapíde, nem escancara aljubes onde as sepulte. - ---São peores do que as féras--dizem os moralistas que se não pejarão, -talvez, de deixar outras mulheres na mesma situação embaraçosa--porque -todas as femeas têm o instincto da maternidade e todas, em geral, se -sacrificam pelos filhos. - -Opinião já feita e que não representa mais do que uma vulgar figura de -rétorica, que a sciencia desmente a cada passo. - -O instincto não é igual em todos os seres, pois os mais infimos na -escala zoologica como os mais superiores individualisam-se no seu modo -de sentir. - -Se ha caracteristicos proprios a uma certa raça, entre essa mesmo -salientam-se individuos cujas qualidades e defeitos são uma negação de -todas as regras. - -É certo que o instincto da maternidade é um caracteristico de todas as -femeas, e, no emtanto, ha muitas, entre os animaes, que matam e até -comem os filhos. - -Ha mulheres que fazem pelos filhos os mais inacreditaveis sacrificios, -tudo lhes dando, tudo achando pouco para elles; como o pelicano, -arrancam de si proprias as pennas com que lhes afôfam a existencia. São -as instinctivamente mães aquellas que se deixariam matar antes do que -vêr maltratar um filho. A javarda ama tanto as suas crias, que persegue -até á morte o caçador atrevido que lhe rouba um bacorinho da ninhada; -e, no emtanto, algumas ha que os comem, quando a próvida natureza lhes -deu mais do que podem aleitar. - -Estas tambem obedecem ao seu instincto, forçando a lei que nos dá, -naturalmente, a seleção da especie. - -E o que é o homem sem educação mais do que um animal de instinctos -baixos, dotado de faculdades imitadoras para simular os gestos e a voz -dos outros homens?! - -A superioridade do ser humano não consiste em andar com a espinha -direita e em poder erguer a cabeça para a luz, não! A sua superioridade -está em comprehender a justiça e ter a consciencia do bem, coisas que -sómente a educação póde incutir no espirito dos que não têm comsigo a -bondade instinctiva dos doceis. - -Condemnar sem defêsa nem atenuantes a mulher desprovída de recursos, -exposta ao escarneo e ignominia da sociedade, quando abandona ou mata -um filho, é impiedoso. - -Se fosse uma criatura heroica poderia reparar o que se convencionou -chamar _falta_, tirando do seu trabalho, miseravelmente pago, a -sustentação do filho. Mas não é heroi quem o quer ser, e o egoismo -individual é por vezes tão imperioso, que a criatura se ergue num -desespero bruto de féra que quer viver, despedaçando tudo quanto lhe -embaraça os movimentos e lhe pêa a satisfação das suas necessidades -materiaes. - -Sentimentos, afectos, inteligencia, tudo se obscurece e oblitéra -perante as exigencias materiais da vida, que a sociedade, á força de -querer melhorar, transformou em lucta sangrenta em que sucumbe a maior -parte. - ---É preciso castigar--dizem ainda os moralistas, na velha teoria -inquisitorial e barbara--é preciso dar o exemplo, atemorisar... - -Mas, para quê, perguntâmos?!... Se o acto criminoso depende da tára -fisiologica que dispõe determinada criatura á loucura do crime, como -tornar um doente responsavel pelo seu mal? - -Se o delicto fôr determinado ocasionalmente, pelas condições especiais -da existencia, o mal tem remedio, e deve remediar-se, acabando com os -factôres que concorrem na sociedade para que tantas desgraçadas sofram -o que essas pobres estão sofrendo agora. - -Conheci uma criatura que, estando a servir, lançou um filho -recemnascido numa cloaca, como quem, enojado, deita fóra um trapo -imundo. O que a não impedia de que fosse uma pobre criatura humilde -e inofensiva, e de ser para os outros filhos, senão uma bôa mãe no -sentido completo da palavra--o que a ignorancia e a pouca inteligencia -lhe não permitiam--pelo menos amoravel e dedicada, sacrificando-se para -os alimentar e vestir. - -O que determinou essa mulher a cometer tão repugnante crime? A -circunstancia ocasional de estar bem numa casa donde não queria sahir e -da qual seria fatalmente expulsa, conhecido que fosse o seu estado. - -O instincto maternal existe, certamente, mas a miseria umas vezes, -outras a educação, o egoismo e as exigencias brutais da vida, têm-no -obliterado em grande parte das almas femininas. Como se explicaria por -outro módo o horror ao filho, que existe, que é flagrante, em quasi -todas as mulheres casadas?! - -A alegria com que muitas proclamam não terem filhos que lhes dificultem -e atropelem a existencia, estarem assim socegadas nos seus lares sem -crianças, é uma bem clara próva. A indiferença com que a mulher pobre -vê _ir para o céo_ o filho que a sua incuria, quasi sempre, mata, é bem -conhecida dos medicos para precisar ser mais frisada. - -E isto não é um mal dos nossos dias nem da nossa sociedade, é hôje como -hontem, como será sempre. - -Á proporção que o individuo se civilisa, isto é: tem a noção mais -clara do bem-estar que lhe póde advir não se sobrecarregando com -responsabilidades, que nem sempre tem a certeza de cumprir, começa o -horror ao casamento e consequentemente aos filhos que o embaraçam. - -Isto que nos parece um facto peculiar dos nossos dias, e tanto -sobresalta a França, já se deu na Grecia, já se deu em Roma, com maior -intensidade ainda, não obstante todas as leis e costumes que compeliam -o homem a constituir familia e a dar filhos á republica. - -Apesar de tudo, o horror ao casamento manifestava-se, principalmente -nas mulheres, que fugiam, pelo celibato, aos encargos da maternidade e -ao captiveiro do lar. - -Depois, se chamarmos a essas mulheres, que a ignorancia e a miseria -desculpam, _mães desnaturadas_, que palavras achariamos no dicionario -para as ricas e ociosas, que ao nascerem os seus filhos os atiram para -os braços duma ama, que depois os entregam aos cuidados problematicos -das criadas de acaso, e mais tarde os afastam do lar e do conchêgo da -familia, como espúrios, para a solidão moral do collegio; não para que -estudem e se habituem cedo ao trabalho, mas para que as não incomodem -com suas traquinices e turbulencias, nem as envelheçam aos olhos dos -estranhos?! - -Essas não os matam, porque a carnicería do acto repugnaria aos -seus nervos susceptiveis e seria tão repulsivo, para os seus finos -dedos scintilantes de joias, como matar uma galinha ou estripar -um coelho, coisas no emtanto que as suas cosinheiras fazem com a -maior indiferença. Alem disso, não lhes faz mingua o dinheiro para -os alimentar e vestir, e mais tarde--passada a idade do garridismo -pessoal--é um gosto continuar a figurar por elles e com elles. - -Pobres filhos, os destas mães!... - -Para as outras reclamariamos, em vez de cadeias, oficinas e casas -honestas que as recolhessem com piedade, e as ensinassem com desvelo -a amar os filhos que a sociedade tem todo o interesse em recolher e -educar para a alegria de viver e de ser util, porque na terra não ha -muito quem o seja e menos quem o saiba ser. - -E esses pequeninos seres, que tanto pesam hôje ás pobres mães sem -marido que lhes ajude a criar e educar, não arrastariam pela vida fóra -a vergonha de não ter nome de pai, antes fariam recahir sobre o covarde -que fugiu á responsabilidade dos seus actos todo o despreso das almas -honestas. - -Então, a sociedade, melhor orientada, não terá tanto despreso pela -mulher iludida e atraiçoada no seu amôr, que a miseria e ignorancia -tanta vez desculpa, como pela calculista maliciosa que procura o -casamento como emprego, como posição, que a livre de situações -equivocas, legalisando-lhe todos os desvarios. - - - - -A PROPOSITO DUMA GRÉVE[4] - - -Não obstante a quasi geral indiferença da mulher do nosso paiz pelas -questões sociaes e de intelectualidade, tenho ainda confiança na -alma feminina, tenho ainda esperança de que em breve, envergonhadas -de tantos annos gastos em futilidades, voltarão a ser as dignas -descendentes dessas mulheres portuguêsas, que fôram, entre as -mais damas das côrtes brilhantes da Renascença, das mais cultas e -espirituosas, aliando ás graças de espiritos educados a nobrêsa e a -energia de verdadeiras patriotas. - -Escrevo hôje para denunciar, aos seus corações de mulheres e de mães, -uma dôr que não roça pela epopeia, mas que na sua humildade é talvez -mais aguda, que na rasteira obscuridade em que se gerou e cresce é -talvez mais amarga para as almas criadas, como as nossas, para a -alegria e para o amôr. - -É adentro das nossas fronteiras, como quem diz em nossas casas, neste -lindo paiz que nos viu nascer, debaixo da caricia dulcida deste sol que -nos agasalha e alegra, que essa miseria subsiste:--mulheres e crianças -que se extenuam trabalhando, e não ganham, com o seu trabalho, o quanto -lhe baste para matarem a fome. - -Sabemos nós todas, as mulheres:--que não pertencemos á galeria das -privilegiadas, que dispensam, por abundancia de meios, conhecer e -discutir o orçamento das suas casas--quanto se gasta em nossos lares -modestos, comendo sem intemperança, vestindo sem luxo. - -Pensemos, pois, o que seja trabalhar uma semana inteira e chegado o -sabado encontrar entre os dedos, que o trabalho violento deformou, -meia duzia de vintens que mal chegam para um dia de fome. - -É costume dizer-se para acalmar sensibilidades em sobresalto, que os -pobres, habituados a comer mal, não fazem com isso sacrificio. - -Certamente que uma mulher rude dos campos, de pequenina acostumada -ao seu caldo de couves e ao feijão, com pão grosseiro por conducto, -um bocado de porco pelas festas do anno e galinha quando ha doença, -passará admiravelmente sem _fois-gras_, _ragouts_, _mayonaise_, -_vol-au-vent_ e toda a algaravía saborosa e complicada da comida -francêsa, indispensavel a paladares aguçados por estimulantes, a -estomagos gastos e que jámais se encheram com verdadeira fome. - -Concordo em que uma dessas solidas camponezas felizes, que do amânho -das suas terras tira o pão caseiro que seus rijos braços fabricaram -numa nuvem de poeira e por suas mãos foi na pá atirado ao forno -aquecido; que do leite das suas cabras tira o queijo salgado, que é um -mimo para os seus paladares deseducados; que das suas oliveiras tira a -azeitona, que sabe curtir para a fartura do anno; concordo em que esta -mulher se riria desrespeitosamente se á sua merenda chamassem lanche -e em vez destas simples iguarias comidas á mão, lhe apresentassem um -prato de porcelana fina com _brioches_ e um bule de perfumoso chá. - -Talvez deitasse o liquido fóra cuidando que devia comer as folhas, e -levasse os bolos para o folar das crianças. - -Mas o que é cérto é que bem poucos têm essa abundancia, e que a -maioria, principalmente aquellas que a industria apanhou na sua febril -engrenagem e na oscilação das suas altas e baixas de trabalho; não têm -esse bocado de pão grosseiro, nem esse saboroso queijo salgado... - -Não comer manjares poderá ser justo, mas passar sem comer é intoleravel. - -Ninguem se habitúa á desgraça e á dôr; ha no organismo humano uma -revolta ináta ao sofrimento, que nos faz chorar e estrebuchar a cada -nóva vergastada do destino. - -Existem criaturas resignadas e passivas, seres embrutecidos pela -miseria ou fracos por temperamento e nos quais a revolta não explúe; -mas condensada em lagrimas ella hade surgir um dia, quando os famintos, -os miseraveis, os despresados de todos os tempos, vierem reclamar o seu -quinhão de felicidade e de fartura. - -Ninguem se habitúa á dôr, ninguem!, dígo-vo-lo eu, que tenho olhado com -mais curiosa piedade para os que em baixo sofrem e maldizem a vida, -do que tenho invejado e admirado os que em cima cantam a sua gloria e -triunfo. - -Pois bem, para debelar ou minorar o mal de que sofremos todos, os -filhos duma sociedade que vive num perpetuo desequilibrio de elementos -economicos e moraes, a missão da mulher, irmanada ao homem, libertada -pela inteligencia, pelo trabalho e pela educação, é bem clara! O dever -impõe-se-lhe de maneira indiscutivel e manda-a entrar resolutamente em -acção. - -Passaram, de todo, os tempos cavalheirescos. Presentemente ninguem se -lembraria de nos exigir que arrancassemos das panoplias as espadas -dos antepassados para armarmos os nossos filhos e mandá-los vencer -qualquer sóba indisciplinado e bravío... - -O perigo não será menor nas luctas que hôje sustentam os nossos -soldados; a porção de coragem necessaria para tais campanhas, nos -longinquos sertões ultramarinos, será a mesma ou mais talvez; mas a -guerra deixou de ter para nós o mesmo sentido moral porque deixou de -ter o imprevisto de duelo, em que era factor importante o valôr e a -força individual, para ser uma carnificina de que são executores certos -os que melhores e mais numerosas armas apresentarem, os que disposerem -de mais conhecimentos e de mais dinheiro, tal como no comercio. - -Quando as nações se degladiam hôje, escusâmos de esperar milagres -e prodigios dos homens; os mais fracos serão fatalmente esmagados, -embora com elles esteja a simpathia das almas enthusiastas, como -aconteceu á desgraçada Polonia, á França enfraquecida pelo Imperio, á -Grecia atolada na ultima decadencia, e ao Transvaal apesar do epopaico -heroismo dos seus filhos. Embora como a Hespanha espere muito do -orgulho e valentia dos seus soldados; como a China confie na incontavel -multidão dos seus habitantes, ou como a Russia se iluda com a força -ficticia do seu colossal territorio, povoado de analfabetos e de -revoltados. - -Tudo mudou com o tempo--ideias, costumes, maneiras de vêr e de -proceder. O que aos nossos olhos parece hôje rasoavel e justo, seria -aos olhos de nossos avós o mais absurdo dos atentados ao senso comum, o -mais completo despreso pelas leis e convenções sociaes. - -E, como tudo mais, a missão da mulher mudou tambem. Já não é de -passividades e resignações como dantes! Da espectadora indiferente -passou a ser figurante; entrou definitivamente na lucta--no trabalho de -preparar a alegria e o socego do dia de ámanhã. - -Não admira que assim seja porque, quando os campos de batalha são a -propria sociedade em que vivemos e as armas são as ideias, a mulher tem -o direito, mais, tem o dever de entrar na lide, e, ao lado do oprimido, -do fraco, pugnar pela felicidade ou pela menor desgraça dos que sofrem. - -No caso especialissimo que me impulsiona agora, ainda mais justa é a -nossa intervenção, por isso que são mulheres as que sofrem e reclamam -uma migalha para a sua fome. - -No direito de solidariedade que nos assiste temos o dever de pensar em -que ha centenas de familias sem trabalho e que para essa terra socegada -e pitoresca nas abas da Estrella se mandam soldados quando se pede pão, -se responde com ameaças quando se desespera com fome. - -Sem lume, sem fato, sem dinheiro, como se anuncia prenhe de desesperos -e luctas para esses miseraveis que não pedem esmola e sim maior paga ao -seu trabalho, o inverno que se aproxima cantando a tragedia das suas -dôres, nas ventanias que destelham casebres e arrancam arvores, nas -chuvas que se despenham em torrentes engrossando os rios que regorgitam -em cheias devastadoras, levando as sementeiras e trazendo a agonia nas -dobras da sua mortalha de neve... - -Não nos importa saber se é exequivel a pretensão desses operarios -que usam do seu direito da gréve para discutir com os patrões como -combatentes legais, sofrendo heroicamente dias e semanas de fome, para -obter um pequeno augmento, que já lhes parece fortunoso. - -Não nos importa tambem saber se é atendivel a defesa dos fabricantes -de panos baratos, que dizem pagar miseravelmente aos operarios porque -miseraveis são os seus ganhos. - -Não discutimos nem julgâmos--que não nos compete fazê-lo--mas ainda -menos duvidar da convicção e da justiça dum povo que se resigna a -luctar tendo por armas a fome e o proprio sacrificio, unicas que lhes -deixamos nas mãos. - -O que simplesmente nos interessa é a questão feminina, que este -incidente põe a descoberto. Foi pelo pequeno salario da operaria que -a gréve se originou, é para obter uns miseros reais para ellas que -todos os proletarios de Gouveia sustentam uma lucta heroica, porque é -heroismo, e até loucura, entrar numa gréve sem _bolsas de trabalho_, -sem _caixas de reserva_, sem meio algum de lucta e de resistencia. - -Não terão razão, essas pobres criaturas ás quais se exige umas -poucas de horas de trabalho, e ás quais se dá em troca sessenta reis -por dia?!... Talvez, mas pensemos em que são como nós mulheres, -que pertencem, como nós, a um sexo que os homens chamam fraco e ao -qual cercearam todos os meios de ganhar a vida--desde a falta de -trabalho até á miseria da paga--excepto um que as inferiorisa e torna -despresiveis aos seus proprios olhos!... - -É pois dever nosso, daquellas a quem a educação deu um criterio mais -elevado, pensar nessa multidão de desgraçadas que a miseria e a -ignorancia predispõem para o crime e que, não tendo familia nem homem -que as sustente legalmente, por força hão-de procurar no erro o que o -trabalho e a honestidade lhes não garante. - -Emquanto individuos da nossa especie se rebaixarem tanto, -inferiorisâmo-nos tambem reflexivamente, porque a mulher não será -completamente liberta emquanto houver desgraçadas que se prostituam por -miseria. - -Outras, as que têm marido, e serão por certo a maior parte dessas -operarias, precisam de auxiliar a familia com o seu trabalho, porque é -pequeno o ganho do homem para as necessidades da familia. - -Pensemos nesta desgraça a remediar e se houver alguma dentre nós que -encolha os hombros com indiferença, por _superior_ e de diferenciação -de sangue que se julgue; se houver coração de mãe, que se não confranja -pensando em suas filhas; espirito tão privilegiadamente temperado -que ouse escarnecer de tamanha desgraça; essas que me não leiam -nem atendam, porque não é a ellas que me dirijo, mas tão sómente -áquelas cujo espirito e cujo coração as superiorisa e faz elementos -civilisadores na sociedade. - -É urgente que essas entrem na lucta gigantesca contra a fome, a miseria -e a ignorancia das suas irmãs, mas não na lucta de guerrilhas e -surprêsas que por ahi vamos vendo, ora obedecendo á bondade individual -de uns, ora ao capricho da móda, ora ao desejo de ter o seu nome -reclamado. - -O que primeiro ha a fazer é a junção de todas as vontades e de todos os -esforços para um fim unico e comum. - -É urgente, sobre tudo, reclamar uma ou mais créches para cada terra -onde a mulher tenha que trabalhar fóra de casa, deixando os filhos -pela rua, ou fechados e sujeitos a mil eventualidades, entregues a quem -dessa maneira explora a miseria das mães. - -_Créches_ que não sejam filhas da caridade, nem entregues a ignorantes, -sujeitas a vaidades e caprichos, ás altas e baixas do fluctuante -coração humano, mas _créches_ ordenadas por lei, obrigatorias a todas -as terras industriaes, sujeitas a inspecção rigorosa, com rendimento -tirado da propria industria que emprega a mulher. Em França ha uma lei -que obriga todas as industrias que empregam mais de vinte mulheres a -ter uma créche para as suas operarias entregarem os filhos durante -as horas de trabalho; em Portugal nada temos que se compare com -isso; os governos não fizeram ainda as leis e os governados não lhes -comprehenderiam o alcance. - -Depois da _créche_, que é a mais necessaria das instituições numa -população operaria, deve seguir-se a escola maternal, onde a criancita, -que já não é admitida na primeira, se conserva até aos seis annos, em -que entrará para a escola gratuita, com livros de graça, oficinas e -professores que saibam ensinar pobres seres que nas familias não têm -quem os norteie no caminho do estudo e do dever. - -A criança apanhada nesta verdadeira engrenagem social, deixará de ser -o vadio, o atrevido garoto que povôa as ruas das cidades operarias, -para se tornar uma pequena criatura que se prepara com serenidade para -a travessia dolorosa da existencia, com as suas lagrimas e as suas -alegrias compensadoras. - -Que a mulher possa contar com a _maternidade_, a casa onde passe -descançada o ultimo e custoso periodo da gravidez, para dali seguir -para o hospital onde a esperam os cuidados prescriptos pela higiene e o -conforto que em casa lhe não seria facil obter. - -Emfim, ha tudo a fazer neste sentido, desde a escola de criadas e dônas -de casa, até á caixa economica, obrigatorias para as mulheres, que -assim teriam, em caso de gréve, doença, ou falta de trabalho, com que -resistir algum tempo á fome. - -Ha pessôas que imaginam tudo resolver pelo estardalhaço festivo da -chamada _caridade_, e o que é certo é que a caridade é muitas vezes uma -exploração e quasi sempre um meio impotente para defrontar a desgraça, -sempre maior do que a generosidade individual. - -Seja pois o esforço colectivo, cumprido como um dever, a base da nossa -lucta contra a miseria, e alguma coisa bôa e profícua, estou certa, se -conseguirá. - -Ás mulheres compete conjurar o perigo que ameaça a sociedade de hôje, -remediando quanto possivel as suas injustiças. Á mulher culta e sciente -da sua nobre missão cabe o primeiro logar na empresa de cuidar um pouco -no futuro do paiz e na melhoría social, acumulando para o porvir a -maior soma de alegrias na maior soma de deveres cumpridos. - -E o nosso dever é--parece-me bem--ouvir as queixas de todos os -infelizes, principalmente das mulheres e das crianças, que são ainda -hoje as maiores victimas da sociedade. - - - - -A MULHER EM PORTUGAL - - -I - -A MULHER E O CASAMENTO - - _...Instruir a mulher, dar-lhe ao - nosso lado o seu verdadeiro logar de - igual e de companheira, porque só - a mulher libertada póde libertar o - homem._ - - ÉMILE ZOLA. - -Como companheira do homem e educadora dos seus filhos, a mulher é o -factor mais importante para a reorganisação completa da sociedade. - -Ora a mulher, entre nós, como toda a criatura sem educação, é -retrógrada e timorata, influindo com os seus pavôres e ideias velhas -no espirito das gerações, que assim se tornam, sem dar por isso, -cobardes para as rasgadas iniciativas do futuro, prêsas ao passado -pelo sentimento do mêdo que lhes incutiram, com o leite, as crendices -maternas. - -É o sentimento que nos fere em toda a nossa geração, neste culto -fetichista que não temos, mas fingimos, pelo passado, e que, em vez -de nos ser lição, se torna em obsessão. Não se respeita um monumento -que se não comprehende; não se póde vangloriar a alma por actos que -já não entende; mas nos ultimos tempos começou a ser móda falar do -passado, das nossas glorias, dos nossos feitos; e esta gente, que não -vê vantagem nenhuma positiva para as suas necessidades de hôje nesses -feitos heroicos dos nossos antepassados, acha cómodo pendurar ao peito -a _venera honrosa de povo historico_ e apresentar-se com ella no -_grande concerto das nações_... - -Os nossos rapazes de agora nascem velhos, ponderados e graves como -conselheiros de estado. Não é preciso reprimi-los em seus ardôres e -alegrias de rubra mocidade; elles reprimem os velhos e comentam com -_acerto_, quando lhes contam as revoltas e independencias dos moços de -outróra--que hôje os tempos são outros... - -E é a mulher, permitam-me que tenha esta triste vaidade, a culpada -deste estado deprimente do espirito juvenil, mas a culpada -inconsciente, porque a maior culpa recái sobre o homem que assim a tem -querido para sua esposa e para mãe dos seus filhos. - -É um grande principio educativo procurar no passado ensinamentos e -estimulos para o futuro, mas é tristemente depressivo para o espirito -esta obsessão do que fômos, martelando na alma das crianças como dobre -a finados... - ---Isto não é o que fazem os povos mais adiantados e mais cultos; não é -o que convem á sociedade de hôje; mas é o que faziam os nossos avós, o -que acreditavam os nossos antepassados... - -E nestas crenças nos amortalhâmos, e nellas morreremos, se não -sacudirmos esta letargía da alma, se não higienisarmos moralmente a -educação da mãe, que hade educar a criança. - -A mulher da nossa raça é naturalmente bôa e inteligente, mas em geral é -profundamente ignorante e duma convicta preguiça para entrar na lucta -pela vida, motivo porque se tem deixado ficar na rectaguarda de todas -as dos mais povos de civilisação similar. - -Ha quem afirme, e tenha isso como consolação, que a hespanhola é muito -mais futil e vaidosa, muito mais ignorante e inutil. Não temos dados -para estabelecer o confronto, mas o que é certo é que nada nos devem -consolar tais opiniões. Se são verdadeiras, pesa-nos que haja um paiz -na Europa no qual a mulher, ainda mais do que no nosso, se esqueça de -que deve ser a companheira e auxiliar do homem, sua igual e sua amiga. -Se são mentiras, não nos lisonjeia o engano. - -O homem português, por bondade, por indiferença, e tambem por esta -_sublime_ inconsciencia, que fez de nós um povo de conquistadores -sem vantagens práticas nas suas conquistas, não incita a mulher a -trabalhar, nem procura no seu labôr o auxilio que lhe seria licito -esperar, quando as necessidades crescem, dia a dia, assustadôramente, -encarecendo a vida sem proporcional augmento nos ganhos. - -Tambem a não hostilisa francamente, é verdade... embora pela educação, -e talvez por hereditariedade, seja ferozmente arreigado a velhos -preconceitos, muito desconfiado e temendo o ridiculo das inovações; -nunca a mulher do nosso paiz, que quiz estudar e trabalhar, encontrou -no homem séria oposição. - -Desconhecemos as luctas violentas que lá fóra tornaram a questão -feminista uma verdadeira guerra, com adeptos apaixonados em ambos os -campos, e até com sacrificios e com mártires. - -A nossa mulher, essencialmente passiva, sem ambições que vão alem da -satisfação que as pequenas vaidades do luxo trazem, não aspira senão ao -casamento, para elle se cria e engalana, nelle põe a unica esperança do -seu futuro. - -Não é o casamento, segundo a natureza, pela necessidade fisica de -amar e ser amada; não é o casamento superior de dois espiritos que se -comprehendem e juntos podem viver felizes, fisica e intelectualmente -ligados; não é mesmo o casamento comercial--chamemos-lhe assim--em -que duas fortunas ou dois nomes se ligam pelo interesse monetario, -formando para o futuro uma só firma... O casamento português é, na -maioria dos casos, pura e simplesmente uma _arrumação_ para a mulher, o -amparo, como que o asílo, para a pobre invalida, incapaz de ganhar pelo -trabalho a subsistencia e o conforto. - -Dado que se não realise o almejado casamento, embora para isso se -tenham procurado todos os meios, ei-la uma criatura sem posição, -infeliz, arrastando uma existencia miseravel, se tem de trabalhar para -viver, com as aptidões quasi nulas com que a educação a preparou. - -Se não sabe trabalhar, ou tem familia que se envergonha desse trabalho, -torna-se um fardo pesado e aborrecido, cheia de resentimentos e -amargurosas censuras á vida, invejosa da felicidade alheia, um elemento -de discordia na sociedade. - -Ainda algumas vezes é victima de todos os egoismos, tornando-se a -criada dos proprios seus, curtindo despresos e vexames de toda a ordem, -de grandes e pequenos. - -Só quando rica, o quadro se torna risonho; mas não é dos raros felizes -que se trata quando se fala em generalidades. Alêm disso, as raparigas -com dote raro _ficam para tias_, porque o assédio é de tal maneira -apertado que o triumfo heroico do casamento não se faz esperar. - -Falando pois na mulher sem fortuna, repetimos:--a sua educação não a -torna superior pela inteligencia cultivada, nem apta a ser independente -pelo proprio trabalho. Alêm da educação, é a preguiça que a -conserva--mais do que as leis e a vontade dos homens--na mais completa -dependencia. - -Quantas vezes os pais, que querem dar uma educação prática ás filhas, -não têm que desistir do seu proposito, vendo nellas só pendôr para -festas, namoricos e futilidades, apoiadas pela mãe que conserva -da missão do seu sexo as ideias mais amesquinhadoras da dignidade -feminil?... - -Só por excepção se dará o caso duma mulher do nosso paiz querer estudar -e ter, para o fazer, de luctar com grandes oposições. - -Nem o codigo o permitiria, porque as nossas leis, apesar de más e -discutiveis, como todas as leis, são melhores do que as de outros -paizes mais cultos, como teremos ocasião de o mostrar e provar. - -Tratando a questão, sobre todas urgente, do trabalho da mulher, não -nos referimos, é claro, á mulher do povo. Essa é no nosso paiz, como -em todos, laboriosa e util; nem que quizesse poderia deixar de o ser, -porque a familia reclama o auxilio do seu braço e os cuidados da sua -atenção. No povo trabalha sempre, e muito, e só excepcionalmente -é ociosa, porque a necessidade e a lucta pela vida são poderosos -_incentivos_ para azorragarem os pobres. É só no povo que encontrâmos, -entrando como valôr dotal, as aptidões de trabalho da noiva. - -Quando um homem da classe média pensa no casamento, ou, mesmo que não -tenha pensado, se resolve a fazê-lo porque lhe agradou um rostosinho -pálido que assomára a uma janella, _ou pegou o namôro_ encetado _por -brincadeira_, não tem como o homem do povo a frase consoladora que vale -por um dote:--é uma mulher de trabalho. - -No nosso paiz, como em todos os outros, a mulher do povo trabalha sem -reparar se os serviços são ou não proprios do seu sexo, mas deixando -que os outros olhem... para darem menor salario. - -Não é pois a essa que precisâmos recomendar o trabalho como fonte -de todas as alegrias e licita liberdade! Estudaremos, sim, em outra -ocasião, as condições desgraçadas em que é feito, mas não neste -capitulo dedicado á classe média, onde a educação é menos util e -menos prática, e onde, pelo contrario, deveria ser mais cuidada e bem -dirigida para um fim de segurança futura. - -Já o temos dito varias vezes, mas não é demais, repeti-lo,--que é nos -outros paizes a mulher da burguezia aquella que mais e melhor procura -educar-se. - -Isto porque a civilisação, tornando a vida cada vez mais cara e mais -exigente, já fez lá o que não tardará a fazer entre nós. A mulher -inhabil e pobre não casa. - -Por egoismo e maldade do homem?! - -Não nos atrevemos a condemná-lo. - -O seu egoismo é filho da necessidade, que faz pensar com horror nos -encargos duma familia nas circumstancias em que a sociedade coloca hôje -o individuo. - -Não espere a mulher portuguêsa que sejam os homens que a empurrem para -o futuro e para a independencia pelo trabalho, porque isso será a -confissão tacita da sua incapacidade e preguiça. - -Antes que chegue a hora em que o homem--até hôje bastante sentimental -e imprevidente para o triste dia de ámanhã de todos os casamentos -pobres--ache que as alegrias dum noivado não valem os encargos, cada -vez mais pesados, de um lar, e procure no celibato a emancipação, é que -a mulher se deve precaver, preparando-se para esse proximo dia em que -só terá de contar comsigo. - -Isto que ainda nos parece uma monstruosidade e que repugna ao nosso -sentimentalismo, é já um facto na sociedade francêsa, onde a rapariga -sem dote tem noventa e nove probabilidades, contra uma, de ficar -solteira. - -Dahi a situação angustiosa dos pais, que vêem crescer a familia e -pensam com amargura nos filhos a colocar e nas filhas a quem é preciso -arranjar dote. - -Não obstando a este mal com uma séria e util educação, que ponha -a mulher ao abrigo da miseria e da dependencia, não tardará que -cheguemos ao caminho por onde a França vai para a despopulação, para a -inferioridade egoista do numero. - -Se a mulher latina não seguir o caminho largo que lhe indicam, com o -exemplo, as fortes raças do norte, ai da familia e das nações a que -pertence! - -As que primeiro se decidirem a entrar na lucta sofrerão por certo muita -contrariedade e verão cahir sobre os seus pobres hombros, mal vesados -á responsabilidade forte do trabalho e da liberdade, todo o peso dos -preconceitos e das costumeiras, toda a malquerença invejosa e malévola -dos rotineiros, numa sociedade ignorante, que só cultiva com amôr a _má -lingua_ tradicional. - -Mas o numero faz a força e o habito fará o resto. Quando a mulher, que -procure numa profissão honrosa o seu sustento e a sua independencia, -não fôr uma excepção, mas uma legião, facilmente poderá aguentar o -embate dum passado que se desmorona, vendo brilhar um futuro que mal se -esboça ainda num sorriso longinquo. - - -II - -A MULHER CASADA PERANTE O CODIGO CIVIL - -O casamento perante a lei e o casamento como de facto é perante a -sociedade, são duas coisas por tal fórma contradictorias, que não se -dirá á primeira vista que um corresponde ao outro, ou que um e outro -não são mais do que o mesmo contracto bi-lateral constituido para a -formação da familia legal. - -Perante a lei, a mulher casada deixa de ser uma criatura livre, deixa -de ser a senhora do seu destino e das suas ações, porque:--_tem que -prestar obediencia ao marido (art. 1185.º do Cod. Civ.)_ - ---Deixa de ser a administradora dos seus bens, porque:--qualquer -que seja a fórma porque se realise o contracto matrimonial, _a -administração pertence ao marido e só na falta ou impedimento delle a -mulher tomará o seu logar_, (_art. 1189.º do Cod. Civ._) - ---Á mulher é negado o direito de alienar ou adquirir quaisquer bens, -_tanto moveis_, _como imoveis_, emquanto que o marido póde adquirir -quaisquer, sem auctorisação da esposa, e alienar os _mobiliarios_, -(_art.^{os} 1191.º e 1193.º do Cod. Civ._) Á mulher é totalmente -prohibido fazer dividas, sem auctorisação do marido, emquanto que o -homem póde, segundo o _art. 1114.º do Cod. Civ. §§ 1.º_ e _2.º_, -contrahir, só por si, dividas pelas quais respondem os bens do casal, -no todo ou em parte. - ---A mulher não póde ser a educadora dos filhos, pois que os filhos -pertencem ao pai, que os rege, protege e administra, constituindo assim -o _poder paternal_, segundo o _art.º 137.º do Cod. Civ._ - -Embora o _art.º 138.º_ proclame que a mãe comparticipa do _poder -paternal_, _e deverá ser ouvida em tudo que respeita os interesses dos -filhos_, tal não póde suceder, porque o pai é o unico representante -do _poder paternal_, e contra elle a opinião e a vontade materna nada -valem. - ---Póde o pai requerer a prisão do filho desobediente e interná-lo -em uma casa de correcção, que, embora a mãe queira sustêr esse acto -da vontade paterna, a sua opinião não tem força, a sua voz não será -escutada, nem a sua vontade terá valôr, por mais injusta ou violenta -que lhe pareça a medida. - ---Tratando-se do casamento do menor, é perfeitamente inutil a licença -materna, porque em _caso de dissentimento entre os pais, prevalece a -opinião do homem_, bastando o seu consentimento para se realisar o -matrimonio, como preceitúa o _art.º 1061.º do Cod. Civ._ E nunca o -consentimento materno, só por si, póde prevalecer, por mais vantagens -que a mulher encontre no casamento do filho menor. - ---Viuvo, o homem administra e usufrúe os bens dos filhos menores, -podendo contrahir segundas nupcias sem que lhe seja tirada a -administração e o usufructo. - ---Viuva, a mulher terá que dar contas da sua administração ao -_conselheiro_ que o defunto tenha deixado nomeado, se elle ainda depois -da morte tiver reservado o poder de dirigir a esposa, sob pena de lhe -ser tirada a administração (_art.º 161.º_). - -Caso venha a contrahir segundas nupcias, a mulher perde _imediatamente_ -a administração e o usufructo da fortuna dos filhos menores, (_art.º -162.º_), o que seria justo se o homem no mesmo caso não continuasse a -gosar os privilegios que lhe negam a ella. - -O filho pode ser emancipado antes da idade legal pelo simples -consentimento paterno; pelo consentimento da mãe só quando, viuva, -tenha assumido o _poder paternal_ (_art.º 304 § 2.º_) - -Até para a tutela dos menores se prefere quasi sempre a linha paterna -(art. 200.º § 5.º) - -Portanto, legalmente, a mãe representa nada ou quasi nada na vida dos -filhos, que, segundo o velho direito romano, pertencem á _absoluta_ -autoridade do _pater-familiæ_. - -Quantos abusos e injustiças pode acarretar sobre as pobres criaturas -humanas, que a lei ainda não considera emancipadas, um poder assim -discricionario, é facil imaginar. - -A lei é feita sobre a base de que todo o homem é justo, ama os filhos e -só para o seu bem deseja concorrer; mas a vida dá-nos muitos e muitos -exemplos do contrario e a lei podia temperar tão grande absurdo dando -á mãe igual poder sobre o filho, que pertence aos dois, com o juiz ou -o conselho de familia para decidir em caso de grande dissimilhança de -opinião. - - * * * * * - -A mulher casada não póde negociar, exercer uma industria ou uma -profissão, inclusivamente escrever para público e publicar os seus -livros, sem auctorisação do marido. É o _art.º 1187.º do Cod. Civ._ -que o manda. - ---Tem obrigação de acompanhar o marido para onde o capricho deste -entender que a deve levar, a dentro das fronteiras do reino. É o que -reza o _art.º 1186.º do Cod. Civ._ - ---Não póde abandonar o marido, embora sofra todas as tiranias dum genio -diferente do seu, duma educação que seja o contrario da sua, dum -caracter imcompativel com o seu proprio caracter,--salvo em casos muito -especiaes previstos pela lei, e que, por bem conhecidos, o homem sabe -evitar. - -Caso fuja do lar conjugal, por lhe ser impossivel a existencia em -comum, o marido póde mandá-la prender como a qualquer malfeitor e -obrigá-la a retomar _imediatamente_, no _seu_ lar odiado, o papel de -mulher, sem que ao espirito revoltado, nem ao seu orgulho ferido, se dê -o tempo de amortecer a violencia da dôr ou o impeto da revolta. - -Só poderá gritar a sua indignação e pedir um pouco de liberdade, se -o marido lhe dér, com público escandalo, as poucas coisas previstas -pelo Codigo civil:--_adulterio no domicilio conjugal ou com escandalo -publico, desamparo completo, cevicias, ofensas graves, (art.º 1204.º)_ - ---O homem que cometeu o adulterio, embora nas condições indicadas, tem -a ridicula pena de três mêses a três annos de multa, conforme o _art.º -404.º do Cod. Penal._ Sobre a mulher cái toda a ira, todo o selvagem -ciume do legislador, que defende nos maridos o direito do macho que -não tolera o despreso da femea, chegando á ferocidade de tirar á -mulher adúltera os proprios bens della, que serão entregues ao marido, -arbitrando-lhe uma triste mesada que será o que o capricho do conselho -de familia e o juiz quizerem ou entenderem. É doutrina do § _unico do -art.º 1210.º e outros do Cod. Civ._ - -Vemos portanto que, segundo a lei, a mulher, casando, perde todos os -seus direitos e alforrias--póde considerar-se, legalmente, a tutelada -do homem. - -Mas se passarmos do dominio abstrato da lei para o campo da realidade, -o contraste é completo. - -Ao contrario do que se poderia supôr, sob a pressão de taes disposições -legaes, a mulher em Portugal, como em quasi todos os paizes latinos, -casa _para ser livre_! A sua liberdade não é _legal_, não é -_responsavel_, mas é um facto filho da tolerancia masculina e, mais, -dos costumes que se fôram adoçando e civilisando, sem embargo das leis -continuarem persistindo na sua rigidez... de cadaveres. - -A mulher solteira, a rapariga portuguêsa, como todas as suas collegas -latinas, é mal preparada, mal educada para entrar na lucta da vida -quotidiana. - -Não anda só, não trabalha, não estuda, não sabe pensar por si, não vive -independente e altiva, como qualquer rapariga inglêsa ou americana no -seu quarto de estudante, lendo e estudando, cuidando da sua roupa e -arrumando-a pelas suas proprias mãos, nas largas gavetas dos singelos -moveis inglêses, com essas mãos que já fizeram a cama, passaram o panno -humedecido no chão encerado, limparam o pó da mesa de trabalho onde -colocaram uma jarra com flôres; essas mãos habeis e lestas que dahi a -pouco prepararão no gabinete de fisica uma experiencia meticulosa e -que á tarde saberão guiar com firmêsa a bicicleta ou segurar as redeas -dum cavallo, bater com serenidade os remos do barquinho de recreio em -qualquer lago dos arredores ou jogar qualquer jogo de fôrça e destrêsa. - -A rapariga portuguêsa não tem opiniões, para não ser pedante; não lê, -para não ser _doutora_ e não ver fugir espavoridos os noivos, que por -acaso a procurassem. - -Não frequenta um passeio, não visita uma exposição, não assiste a um -espectaculo ou a uma conferencia sem que a siga a familia toda, numa -desconfiança de policias secretas. - -Não lhe é permitido conversar com um homem sem levantar no espirito de -quem a vê a suspeita dum interesse amoroso... - -A rapariga que chega aos vinte annos, asfixiada sob esta amoravel -tutela, que nem por ser amoravel e carinhosa deixa de ser opressiva, -encontra no casamento uma relativa liberdade. - -Liberdade que, as mais das vezes, é uma temeridade conceder á pobre -criatura que durante tantos annos foi conservada e guardada, com o -unico fito de ser entregue ao homem materialmente pura. - -Guardar uma criatura é tirar-lhe a responsabilidade moral. - -A criança habituada a ter uma pessoa que olhe por ella e lhe evite -as temeridades e loucuras, se um dia a mandam brincar, entregue a si -propria, pergunta sobresaltada:--quem me guarda? - -A mulher solteira, que desde criança foi habituada a trabalhar, a -andar só, a estudar e amar a santa natureza e a conhecer as mentiras -sociais, sem se deixar deslumbrar pelas suas grandêsas nem desanimar -pelas suas miserias, que fala naturalmente com os rapases, seus colegas -no estudo e no trabalho; não pensará tanto em namorados como as nossas -pobres flôres de estufa, que nada mais têm que as preocupe. Chegada a -hora de casar aceitará com naturalidade uma mudança de vida que lhe -exige fisiologicamente a natureza, mas que a vem sobrecarregar com -responsabilidades e deveres muito mais sérios e graves. - -A mulher no nosso paiz, embora a lei seja dura para ella, como vimos, -encontra no casamento uma relativa alforria á sua vida de crisálida. -Os guardas, que a não desamparavam um instante, desapareceram e ella -sente-se livre alfim! É senhora de si e dos seus caprichos, que -toma como manifestações da sua vontade. A casa pertence-lhe, pode -dispô-la ao seu gosto, não tem ninguem que a contrarie--nem o marido, -nesse primeiro tempo de casada. Na rua pode andar só, sem que ninguem -repare. E que reparasse, o marido autorisa-a tacitamente a fazê-lo, -porque homem nenhum iria hôje dar á sua propria esposa um diploma de -incapacidade, fazendo-a guardar. - -E a mulher, hontem ainda vigiada como uma criança, sente um certo -orgulho em poder dizer comsigo:--sáio se quizer sahir! - -E sai, as mais das vezes para nada--porque é ainda rara a mulher -portuguêsa que sai por exigencias de trabalho profissional--para -mostrar a si mesma que é livre. - -Diz a lei que a esposa _deve obediencia_ ao marido, mas que importa, se -ella faz, geralmente, mais a propria vontade do que a delle? - -Que importa que a _administração_ pertença ao marido, se não é raro que -seja a mulher com assentimento delle, é claro, quem administra e guarda -o dinheiro do casal? - -Que importa que legalmente não possa comprar nem vender bens _moveis_ -nem _imoveis_, se é raro o esposo que vá interferir nas compras que a -mulher faça, principalmente de _bens moveis_? - -Embora não possa contrahir dividas sem licença do marido, não ha -negociante que lha exija para fiar a sua fazenda, certo que só em caso -extremo o homem deixará de pagar as dividas contrahidas pela espôsa. - -Embora não lhe assista o direito de se ingerir na educação dos filhos, -a sua influencia sobre elles é bem mais decisiva do que a dos pais; -e qual seria hôje o marido brutal que se atreveria a arrostar com a -reprovação geral, arrancando violentamente um filho á tutela educativa -da mãe?! - -Embora não possa negociar, ter uma profissão ou industria, ou escrever -para público, qual o homem que arcaria com a gargalhada geral que a sua -tirania ridicula despertasse?! - -Embora tenha obrigação de acompanhar o marido, para onde elle a -quizer levar, dentro do reino, quantos exemplos vemos do contrario -sujeitando-se mais vezes o homem á vontade e ao gosto da mulher?!... - -Qual o marido, tirano de comedia, que obrigasse a mulher, que o não -quer aturar, a voltar violentamente para o lar conjugal? - -O proprio caso de adulterio em que o orgulho masculino mais sofre e -menos póde atender os conselhos de bondade e perdão, nem mesmo esse -já se desenlaça, senão muito raramente, entre gente civilisada, na -carnificina e no rubro da tragedia antiga. - -A dôr concentra-se na alma, e a tragedia,--que a ha sempre onde se -despedaçam violentamente laços de sangue e de coração--fica silenciosa -e respeitavel, na sua grande simplicidade. A mulher não é assassinada, -mas o homem não é como dantes ridicularisado por uma falta de que só -ella é a responsavel e a victima. - -Por estas ligeiras observações parece-me ter mostrado bastantemente -quanto é verdadeira a teoria já expendida aqui:--_de que os costumes -precedem as leis, que se modificam, mais dia menos dia, segundo a -vontade e os habitos da sociedade que as reclama._ - -Não seria pois mais logico e mais sério educar desde já a mulher -solteira para a sua alta responsabilidade de esposa e de mãe, -modificando as leis que governam a familia, como se transformaram os -costumes, tornando o casamento a união legal e respeitavel de duas -criaturas que se juntam por sua livre vontade para constituirem a -familia, tomando sobre si iguais encargos com iguais direitos? - -Pois não é preferivel tirar á criatura que soube insinuar-se e -apoderar-se da egualdade de facto, a irresponsabilidade que lhe garante -a lei, dando-lhe os deveres e as vantagens? - -Tanto mais que o maior perigo está ainda--em que a lei só cai, com todo -o seu peso, sobre a mulher de caracter probo que não sabe dobrar-se nem -mentir, conquistando com blandicias e hipocrisias, apoiada na fraquêsa -masculina, o que legalmente lhe é defêso. - - -III - -A MULHER SOLTEIRA PERANTE O CODIGO CIVIL - -Dissemos atrás--que não são as leis portuguêsas das mais intolerantes -e agravantes da situação da mulher adentro da sociedade e da familia. -Demonstraremos esta opinião, em ligeiras observações que nos fôrem -ocorrendo--que não em estudo comparativo dos codigos estrangeiros, por -nos falecer competencia para tanto. - -É certo que encontrâmos no codigo português graves desigualdades e -injustiças para com a mulher, não como é de facto, pela educação e pela -tradição, no nosso paiz, mas como deveria ser. - -Não obstante, a mulher, tal como se conserva em terras portuguêsas, -não tem direito a reclamar maiores garantias legais, porque até agora -nem sequer se tem utilisado das regalias e igualdades que o proprio -codigo lhe confere, e são ainda hôje, em paizes mais adiantados do que -o nosso, outros tantos reductos a conquistar. - -Vemos na França, por exemplo, a mulher perder o seu nome com o -casamento; deixar--pelo simples motivo de se ligar a um homem -legalmente--de sêr a _pessoa tal_, com o nome da familia em que nasceu -e a que pertence pelo sangue e pela educação (e á qual não poderá nunca -deixar em absoluto de pertencer, por defeitos e qualidades de que é -inconsciente herdeira) para se tornar em _madame_... do nome do marido. - -Isso mesmo deixará de ser se, viuva, tornar a casar; ou, divorciada, -mudar, como quem muda um vestido usado, de nome e de marido -conjunctamente. - -A tradição conservou na livre e intelectual França esse costume, -fixou-o mesmo como lei, e, afinal, onde essa lei tinha menos razão de -ser era precisamente nesse paiz, onde o divorcio já está promulgado -e usado largamente. Havemos de concordar que é em extremo absurda a -coexistencia desses dois usos. - -Para a mulher francêsa é tão natural este costume, que só raramente a -faz indignar; é que as maiores servidões, se a ellas nos afazêmos pela -educação e pelo habito, tal nos não parecem, senão por um esforço de -raciocinio que nem sempre chegâmos a formular. - -Nada mais ridiculo, na verdade, do que essa lei, resto, ao que se me -afigura, do velho direito romano, que fazia da mulher a pertença do -homem. Fosse o pai, absoluto senhor cujas decisões se aceitavam sem -protesto; ou o marido, que recebia a esposa como um festivo _presente_, -um objecto, ou uma femea que se compra; fosse o irmão, o proprio -filho ou cunhado.... todos, sucessivamente, tinham direitos e poderes -sobre a criatura humana, só porque o acaso de um utero, a fatalidade -germinativa, a fizéra mulher. - -Nas antigas civilisações a mulher era sempre a escrava que o homem -comprava ou roubava, consoante o regimen de guerra ou de paz em que -vivia. Quantas coisas fazemos e usâmos, que, sem o presentir, recordam -apenas cerimonias e distinctivos da nossa servidão, desde as joias com -que nos adornâmos: pulseiras, aneis, colares, brincos, cintos e outros -enfeites, que apenas são o resto das cadeias que prendiam a escrava ao -senhor, fisica e moralmente, até ás usanças e cerimonias do casamento; -tudo nos mostra que a tradição tem trazido, através dos seculos, os -restos barbaros das civilisações ídas, apesar mesmo das leis que se -reformaram e modernisaram, seguindo as novas orientações sociaes. - -Quem nos dirá, ao vêr lindos braceletes constelados de pedrarias -enroscando-se cariciosamente no braço duma mulher formosa, que essas -joias representam as algêmas e pulseiras das antigas escravas, -vincando-lhes os pulsos como um traço de fogo a lembrar-lhes a sua -miserrima dependencia? - -Quem nos dirá, vendo fortunas condensadas em _solitarios_, suspensos -como gotas de agua irisantes do lobulo da orelha feminina, que o -brinco era ainda o signal da servidão, como o era a argola no nariz -e no beiço, cahidas em desuso, assim como as algêmas dos artelhos, -por mero _capricho da moda_, tão inconsciente neste abandono como na -conservação dos primeiros!? - -Assim, tambem, o que no casamento moderno e civilisado nos parece -apenas fórmulas de cortezia, não é mais do que o éco quasi extincto dos -tempos em que a mulher era a _propriedade_, vendida, dada, ou raptada, -que passava por esses meios, todos brutais, do poder absoluto do pai -para o não menos absoluto poder do marido. - -O que significa o pedido do casamento, o que é hôje legalmente esse -costume? Nada mais do que uma deferencia das filhas e dos noivos. - -Perante a lei, a mulher maior de vinte e um annos não deve ser _pedida_ -a ninguem, visto que se pertence sómente a si propria. - -O que significa essa tresloucada fuga, depois da solemnidade -consorcial, para hoteis e casas estranhas,--que os jornaes anunciam -pomposamente como a ultima palavra do bom tom--senão o rapto da mulher -primitiva, senão o abandono da familia e da tribu em que nasceu pela -nova familia, nova tribu, nova patria, que tudo seria para o futuro a -que o marido lhe désse? Já na Grecia e em Roma este costume pertencia -á tradição, e a noiva não transpunha pelo seu pé o limiar da porta da -nova casa e sim era levada nos braços do marido, como significando bem -claramente a _posse_ do esposo sobre a mulher, recordando-lhe que fôra -dada, vendida ou trocada por algumas cabeças de gado, como ainda hôje -sucede em tribus selvagens da Africa. - -Tudo nos mostra a tradição, revivendo através das idades e das -gerações, numa teimosia de força inconsciente, a que só o estudo -aturado e o raciocinio fórte podem pôr um dique. - -Longe me levou, afinal, a observação sobre a lei e uma usança, que nem -sequer são do nosso paiz como do nosso codigo. - -Em Portugal, a verdade é que nem a tradição nem as leis nos impõem tal -costume. Uma mostra-nos as familias usarem indistinctamente o nome dos -pais ou das mães, mais tarde aliando-os numa simpatica e logica união. - -Dizem-nos as outras como a ausencia da lei sálica faz transmitir -reinos, titulos e morgadíos pela linha feminina, na falta da masculina, -sem desdouro para ninguem. - -A mulher portuguêsa, quando casada, não perdeu nunca o seu nome, ou, -melhor dizendo, o seu apelido de familia. Só o perdia quando vinha -do _anonimato_ do povo ou da _inferioridade_ da classe média para a -grandêsa da fidalguia brazonada. - -Quando muito, ajunta hôje, por galanteria, ao seu nome individual o -nome do esposo. - -Nos ultimos tempos é que a móda, na sua fatuidade, tem querido trazer -para a nossa terra o ridiculo costume da França, Belgica e outros -paizes--exactamente quando por lá já se trabalha para o modificar. - -É o defeito de quem imita, sem discernir, o que é bom e o que é máu... - -Mas continuemos abordando alguns exemplos que nos fôr sugerindo -o folhear do codigo, muito por alto, sem a responsabilidade do -profissional. - -A mulher solteira é _quasi_ livre, equiparada ao homem perante o -codigo. Mas nesse _quasi_, que imenso abismo ainda a transpôr! - -Depois dos vinte e um annos póde livremente ganhar a sua vida exercendo -a profissão para que se julga habilitada. É um individuo autónomo. -Poderá ser professora, medica, proprietaria, industrial e comerciante. - -Será senhora absoluta do que é seu como da sua vontade; pagará rendas -de casa e contribuições para o estado; será util, será um factor -importante na sociedade; mas, como os doidos, os menores, os surdos, os -cegos, não poderá ser testemunha em actos públicos e solénes da vida do -homem, como não é aceite o seu testemunho em qualquer acto civil, não é -aceite a sua fiança para qualquer transação comercial. - -Não poderá ser tutôra dum menor, por melhor educadora e mais habil -administradora que seja--a não ser de filhos e netos, e, desses -mesmos, com restrições e cautelas vexatorias para a sua dignidade -individual--mas, para cúmulo de disparate, póde ser tutôr dos seus -sobrinhos o marido, quando o tenha! - -A lei não a exclúe de nenhum trabalho; apenas o costume, a tradição e o -homem (sempre temeroso da concorrencia das criaturas que diz desprezar -e achar inferiores) fazem reparo, a cada nova conquista da tenacidade -feminina... - -A mulher póde estudar as leis do seu paiz. Poderá--visto que a -lei é igual para todos e não faz distinção de pessôas e de sexos, -_salvo nos casos especialmente declarados_ no _art. 7.º do Cod. -Civil_--frequentar o curso de direito e tirar a carta de bacharel. Mas -essa mesma mulher não poderá estar em juizo como testemunha civel, não -poderá apresentar-se com procuração ou mandato, nem requerer justiça, -salvo nas proprias questões, nas dos ascendentes ou descendentes e nas -do marido, em caso de impedimento deste. - -As mulheres são equiparadas pelos codigos aos menores não -emancipados--_ambos menores perante a lei!_ - -Ora a mulher, que não tem artigo especial na lei que lhe prohiba ser -proprietaria, industrial, artista, medica, erudita, comerciante, -professora, isto é, que póde ser tudo quanto representa inteligencia, -precisão, vontade e estudo; que póde frequentar os cursos superiores -onde se instrúe o homem do seu paiz, que em qualquer ramo do saber -humano póde ser _alguem_ da estatura intelectual e moral duma Clémence -Royer ou duma Luiza Michel; a mulher não tem a faculdade de se -ingerir nos negocios publicos! Não é eleitora nem elegivel; não póde -averiguar--porque não tem esse direito legal--como é gasto o dinheiro -que paga como contribuinte, para onde vai o fructo do seu trabalho. - -Poderá fazer pender a balança eleitoral--mesmo que as eleições fossem -o resultado arithmetico das listas verdadeiramente entradas na -urna--influindo nos seus caseiros, operarios, e quaisquer dependentes; -mas não poderá dar o seu voto, que seria, certamente, mais responsavel -e consciencioso do que o dos analfabetos que lhe cultivam as terras e a -servem. - -Não poderá intervir, _senão ilegalmente_, pela intriga e pela mentira, -nos negocios de que depende o seu socego e fortuna, o destino da -Patria; que lhe pertence tanto como aos homens que a governam. - -A lei, apesar do artigo 7.º do Cod. Civil que diz _ser igual para -todos_, é bem desigual e vexatoria para a mulher, quando mesmo -solteira, senhora dos seus bens, árbitra da sua vida moral como -material. - -Não posso terminar sem me deter em dois artigos do codigo civil que -merecem a nossa atenção mais demorada e tem o seu logar aqui, visto -referirem-se ainda á mulher solteira. - ---«_É prohibida a investigação da paternidade illegitima_--diz o artigo -130.º--salvo em casos que entram francamente nos crimes punidos pelo -codigo penal». - ---«_É permittida a investigação da maternidade_»--diz a seguir o artigo -131.º - -E fica-se a gente a pensar:--que sociedade, que justiça, que lei é -esta, que tira aos homens todos os deveres e toda a responsabilidade, -em actos de que, se não é o maior culpado, é, pelo menos, tão culpado -como a mulher. - -O que póde ser um filho ilegitimo na vida de um homem? Um encargo -monetario, quando muito. Nenhuma deshonra o fará córar por esse fructo -da sua leviandade. Nenhuma criatura, por mais honesta e puritana, -deixará de lhe estender a mão e recebê-lo em sua casa como amigo. O -proprio filho, dizendo o nome do pai, não sentirá nunca o frio mortal -do desprêso que persegue, quasi sempre, o que só póde dizer o nome da -sua pobre mãe. - -Solteiro, esse homem não terá dificuldade em ser aceite como esposo por -qualquer senhora honesta, que, por sua vez, se não deshonrará em se -tornar a mãe do filho que é o filho do seu esposo. - -Pois o homem, nestas condições sociais, fugiu, pelas leis que fabricou, -ao _incomodo_ da investigação da sua paternidade ilegitima, ao passo -que lançou para a mãe toda a responsabilidade do seu crime! - -Para a mulher que deixa de ser honesta para a sociedade, mostrando um -filho que não teve do casamento; para a mulher que só por excepção póde -agenciar com o trabalho o quanto baste ao seu sustento; para a mulher -que nenhum homem aceitará para esposa, sabida que seja a sua _falta_; -para sobre a mulher toda a responsabilidade, direi mais, toda a durêsa -da lei, permitindo ao filho a investigação da maternidade, ao passo que -lhe nega a da paternidade! - -Quantas lagrimas misteriosas e quantos desesperos e angustias não -representam esses pobres seres, vindos como um castigo, numa familia -honesta, que a todo o transe quer encobrir o que é a suprema vergonha -duma mulher solteira?! - -Existencias de dolorosissimo sacrificio, desvendadas para o escarneo -e o despreso do mundo, é tudo quanto representa essa disposição -legal--_só para a mulher!_ - -Se a sociedade não condemnasse com o seu despreso a rapariga que se -lhe apresenta com um filho que não tem no registo o nome do pai; se a -sociedade garantisse á mulher--por igual trabalho, igual salario--e -lhe abrisse largamente novos horisontes de estudo e profissões -remuneradoras, que a tornassem monetariamente livre, então o codigo -poderia, sem grande injustiça, livrar o homem da responsabilidade a -que o filho infeliz e miseravel o vai chamar. Sim, porque só quem é -muito desgraçado encontrará satisfação em procurar as criaturas que o -trouxeram para a vida e se escondem covardemente atrás do misterio. - -O egoismo masculino revelou-se ferozmente nessas duas linhas, que são -a maior das cobardias para com a mulher, sua cumplice, e para com o -filho, sua victima. - -Se a mulher pudesse apresentar com honra os filhos que são sómente -seus, porque o pai os não quer legitimar, por certo que não haveria -muitas que fugissem a essa responsabilidade, porque a mulher, como -todas as fêmeas, tem, em geral, o amôr pelos filhos pequeninos muito -mais vehemente do que o homem. É o amôr animal e inconsciente, que só a -civilisação, com as suas exigencias avassaladoras, tem atrofiado. - -O amôr do pai, pelo contrario, é o sentimento _adquirido_ com a -civilisação e que a mesma sociedade tem todo o interesse em proteger e -desenvolver para salvação sua. - -«Voltariamos ao _matriarcado_ dos tempos primitivos, se a mulher -pudesse _honradamente_ apresentar os filhos sem pai; seria a -dissolução da familia e da sociedade...» - -Sim, seria tudo isso, mas não seria, ainda assim, nada que se -comparasse á violencia da injustiça legal dos artigos 130.º e 131.º -do cod. civil. - - -IV - -O TRABALHO DA MULHER - - _...é valorisar a mulher tirando-a - do triangulo fatal: casamento, - ociosidade ou prostituição._ - - AGOSTINHO DE CAMPOS. - -O homem português, como todo o dos povos latinos, despresa no fundo -a mulher, apesar de ser o que mais a tem cantado poeticamente e -turificado pelo amôr. - -Talvez mesmo por isso... A mulher só lhe apraz como objecto de -prazer ou escrava dos seus desejos, e para a conservar assim, nessa -dependencia que lhe quer fazer convencer que é soberania, sujeita-se -a tudo, até aguentar-se com todo o trabalho para que ella não crie -habitos de independencia, vendo-se apta para ganhar a sua vida, -sentindo-se senhora das _suas economias_. - -A mulher casada, como está constituida a familia no nosso paiz e como -em geral o homem a deseja--_vive em casa do marido. Come o que o marido -lhe dá. Veste aquillo que elle paga com o seu trabalho. É mãe de filhos -de que elle, só, paga todas as despêsas. É o thezoureiro do dinheiro -delle_, e não poucas vezes ouve criticar com asperêsa os seus actos de -governante! - -A mulher casada, sem fortuna propria, é bem pouco senhora na casa que -chama sua e pelo _cantinho_ da qual aspirou tantos annos, isto se não -tem a habilidade de se fazer admirada como um modelo de bom senso e -economia, o que não é raro, como já dissemos. - -Mas sendo a mulher casada apenas uma parte da grande familia feminina, -porque não fazer com que essas que não têm marido que as sustente, nem -filhos a educar, nem casa onde se abriguem e _governem_, trabalhem e se -tornem independentes? - -Em França--diz uma das suas ultimas estatisticas--existem 2.622:170 -mulheres celibatarias maiores de 21 annos. - -Não sabemos as que ha no nosso paiz, por mingua de estatisticas -comprovativas, mas sirva-nos esse numero de termo de comparação. - -Aqui temos, pois, mais de dois milhões de criaturas que não têm marido -que as sustente e que precisarão de trabalhar para poderem subsistir. - -Tirando desse numero a imensa legião das pobres que no vicio sordido -procuram o sustento ou o luxo, ainda ficaremos com uma bôa percentagem -de mulheres honestas que precisam de trabalhar para viver. - -Nos ultimos tempos nota-se, principalmente na capital, uma certa -afluencia de mulheres na procura do trabalho; mas é preciso que essa -concorrencia se não torne em exploração. - -Ha pouco quem seja logico nos seus principios e quem sacrifique os -seus mesquinhos interesses pelo bem dos outros, por isso é necessario -pôrmo-nos em guarda e não concorrermos com a nossa miseria para a -miseria geral. - -Começa a mulher entre nós--o ultimo paiz da Europa que tal faz!--a ser -utilisada no comercio, para que tem já provadas e apreciaveis aptidões, -mas não deve consentir que a utilisem por exploração, para lhe pagarem -inferiormente um trabalho igual ao dos homens. - -_Por igual trabalho, igual paga_--tal deve ser o principio fundamental -do labôr feminino. - -Se o homem português fôsse mais bem orientado, em vez de hostilizar a -mulher que trabalha, e de a expulsar das suas associações,--ou não lhe -permitindo o voto, nem as aceitando como elegiveis para os cargos das -sociedades--tornar-se-ia o seu aliado e em concorrencia leal cada um -apresentaria as suas próvas e seria provido nos logares conforme as -suas aptidões,--e não conforme a _paga_. - - * * * * * - -É repugnante a lucta de egoismos, e, quando se exerce com a ferocidade -do esfomeado que defende o seu alimento, dá-nos a sugestão desoladora -de que a criatura humana no fundo da sua alma, apesar de tantos seculos -de civilisação, é bem semelhante ao troglodita que defendia a presa -ensanguentada a unhas e dentes contra o seu irmão ou a sua companheira, -devorando o adversario se ficava vencedor. - -A mulher tem direito a viver como o homem, e, mais, tem o direito -a trabalhar e a ser respeitada no seu trabalho, só devendo temer a -concorrencia leal. - -Que fóros especiaes tem o homem português para exigir que a mulher, -professora, não concorra ás cadeiras primarias de rapases ou ás -cadeiras mixtas, se ella tiver competencia para o fazer, quando em -tantos outros paizes são ellas que se encarregam de quasi toda a -educação primaria? - -Que direito lhe assiste em não consentir que a mulher telegrafista -passe aos cargos superiores, se ella--excepcionalmente ou não--fôr um -empregado mais consciencioso e inteligente do que os seus colegas, e -tiver os mesmos annos de serviço? - -Que direito tem o homem em manifestar repugnancia em ser dirigido -por uma mulher se ella tiver mais aptidões do que os dirigidos? Em -ser ensinado por ella se mostrar em suas provas e cursos e concursos -publicos que podia proficientemente desempenhar-se da sua missão? - -É abominavel de egoismo o argumento do homem que diz:--nós já somos -muitos e se a mulher entra definitivamente na lucta pelo trabalho, -mais sofreremos nós. Mas então para o homem não sofrer é preciso que a -mulher sofra a fome e a nudez? - -Repito--não me refiro já á mulher casada, que tem o homem que a -sustenta; refiro-me á solteira, que tem direito á vida e ao trabalho -para a sustentar com nobrêsa. - -O caixeiro sobresalta-se porque a mulher começa--só agora em -Portugal!--a ser caixeira. E não é isso justo?! - -Não é esse trabalho sedentario o mais proprio para o sexo que dizem -fraco? Mal lhes fica até o reparo, porque ha muita profissão que elles -poderiam exercer sem se sujeitar a um trabalho que, por muito feminil, -deve ser deprimente para a dignidade masculina. - -Quantas vezes não ouvimos dizer:--que tal ou tal oficio não serve para -a mulher, porque é pesado para a sua força, demasiado violento para a -sua fraquêsa organica?... - -E, no entanto, percorrendo as provincias do norte ao sul de Portugal, -visitando as oficinas e as fabricas, não vemos que a seleção se dê pela -_força_ mas sim pelo _salario_. - -Vimos no Porto, não ha muitos mêses, as mulheres carregarem com -pesadissimos materiais numa fabrica de ceramica, emquanto ao lado, numa -oficina alegre e arejada, alguns homens, muito comodamente sentados, -ganhavam o seu jornal pincelando pratos no trabalho leve e material -da _estampilha_, que sem duvida caberia melhor ás mãos delicadas da -mulher. E á discreta manifestação da nossa invencivel estranhêsa, -percebemos que alguns murmuravam, num entre-dentes invejoso:--era o que -faltava, mais essa concorrencia!... - -Logo, o homem não afasta a mulher da lucta e do trabalho para a poupar -a fadigas com que não possa, visto que a deixa carregar fardos, -esfregar casas, trabalhar a qualquer hora da noite em que chegam os -barcos de pesca, nas fabricas de conserva de peixe, quer de verão quer -de inverno, molhada em salmoiras, com as mãos geladas, de pé, horas e -horas consecutivas; que a deixa mondar, ceifar, fazer muitos outros -serviços do campo, qualquer que seja o tempo, de ardente calôr ou de -frigido inverno... A mulher desempenha, em muitas terras das nossas -provincias do norte, o serviço de _estafeta_, percorrendo a pé muitas -leguas, carregada com pêsos que o homem, certamente, não aguentaria -sobre a cabeça. - -A mulher, como criada, anda um dia inteiro de pé no fatigante serviço -de casa, deitando-se tarde e levantando-se cedo. - -Aguenta uma criança nos braços durante horas consecutivas. - -Passa dias com um ferro de engomar e de brunir; cose á máquina horas -sem conta... - -E muitos outros serviços _pesados_, que seria longo enumerar. - -O homem vê isso e não se sobresalta nem indigna, porque são trabalhos -que elle não quer para si, por mal remunerados. - -Se, por acaso, qualquer destes serviços viesse a ser bem pago, não ha -duvida que acorreriam logo a pugnar _pela fraquêsa da mulher_. - -Na lucta pela vida o homem é impiedoso para a mulher, que não é a -sua. A operaria raro tem no operario um colega e um amigo; tem apenas -um homem que a desmoralisa e que a despresa se os trabalhos são -diferentes, que a odeia, se é o mesmo, valendo-se de tudo, até das leis -protecionistas, como os tipografos francêses--que apelaram para a lei -que prohibe o trabalho da mulher feito de noite, para as expulsar das -tipografias em que se compõem os jornaes matutinos. - -Quando se aventam estas e outras opiniões e estranhêsas, é de uso o -homem responder:--mas se a mulher vem concorrer comnosco nas profissões -em que hôje nos ocupâmos, o que faremos nós? - -O que farão?!... O que fazem os inglêses, muito mais numerosos do que -nós e que percorrem o mundo inteiro para ganhar a sua vida; o que fazem -os suissos, levantando a sua pequena patria a toda a altura duma grande -nação; o que fazem os americanos, os alemães, os suecos e tantos -outros, em paizes onde a mulher é equiparada ao homem pelo trabalho. - -A riquêsa dum paiz não é espontanea, adquire-se com o trabalho, e o -português, que não tem, como o francês, repugnancia pela emigração, -tem nas nossas colonias campo vasto para a sua actividade e engenho, -alem do muito que ainda tem a fazer na metropole, e sem receio de -concorrencias. - - - - -ERRATAS - - -Além de alguns insignificantes erros tipograficos que no sentido da -leitura facilmente se corrigem, nóta-se a pagina 95:--_cimo da bóta_, -por _cano da bóta_. - -Mesma pagina:--lhes _traga_, por lhes _tragam_. - -Pagina 106:--_campo_ que lhes sobre, por _tempo_ que lhes sobre. - -Mesma pagina:--Vida _desgarrada_, por _vida dispersada_. - -Pagina 114:--caminhando _revoltoso_ e _tumultuosamente_ por, -_revoltósa_ e _tumultuariamente_. - -Mesma pagina:--_pensar_, por _passar_. - -Pagina 125:--_delicadas_ amas, por _dedicada_ ama. - -Pagina 142:--entretecida, por entrétecida?! - -Pagina 144:--_recorrer_, por _socorrer_. - -Pagina 145:--_puzeram_, por _puzessem_. - -Pagina 149:--_E_ realmente, por _É_ realmente. - -Pagina 167:--_E_ certo, por _É_ certo. - -Pagina 209:--_usufruirá_, por _usufrúe_. - -Pagina 218:--_lhas_, por _lha_ exija. - - - - -INDICE - - - PAG. - - PROLOGO 5 - - FEMINISMO: - I--Ser feminista 11 - II--Uma resposta 27 - III--A Instrução 43 - - As mulheres e a politica 57 - - Sêr português 67 - - No anniversario duma escola 85 - - A mulher de ha trinta annos e a mulher de hôje 101 - - As pobres mães 113 - - A miseria do povo 133 - - A ignorancia do povo 149 - - Mulheres desnaturadas, mães desnaturadas 161 - - A proposito duma gréve 177 - - A MULHER EM PORTUGAL: - I--A mulher e o casamento 193 - II--A mulher casada perante o codigo civil 207 - III--A mulher solteira perante o codigo civil 223 - IV--O trabalho da mulher 241 - - - - -Livraria Editora da VIUVA TAVARES CARDOSO - -5, Largo de Camões, 6--LISBOA - - - =Ultimas publicações:= - - =Os filhos de Ignez de Castro.= Romance historico, - por Faustino da Fonseca e Joaquim Leitão. 1 vol. 800 rs. - - =Barbey d'Aurevilly=--_Historia sem nome._ Traducção - de João Barreira. 1 vol. 500 rs. - - =O CONFLICTO= de FELIX LE DANTEC. Palestras philosophicas, - traducção e prefacio de João de Barros. 1 vol. 400 rs. - - =Hannibal e Napoleão= por J. M. Pereira de Lima. 1 - volume illustrado, em papel _couché_ 800 rs. - - =Cidade Nova= Romance dos tempos modernos por Fernando - Reis. 1 vol. 800 rs. - - =A religião do esforço= por Alberto Kohler, traducção - de João Gouveia. 1 vol. 200 rs. - - AFFONSO LOPES VIEIRA - - =O Encoberto= Poema. 1 vol. 500 rs. - - =Palavras Cynicas= por Albino Forjaz de Sampaio 1 - volume 300 rs. - - =A Viuva= por Octavio Feuillet, traducção de Anna Cyrillo Machado. - 1 vol. 300 rs. - - CARLOS RANGEL DE SAMPAIO - - =Preparativos de uma revolta= Documentos ineditos - de 1840 a 1846, com prefacio do Ex.^{mo} Snr. José - Barbosa Colen. 1 vol. 500 reis - - =Escandalo!= Scenas da vida de provincia, por Antonio de - Albuquerque. 1 vol. 600 rs. - - =Aurora= Romance pagão por Augusto de Lacerda. - 1 vol. 700 rs. - - =O Caminheiro= Traducção liberrima da peça em cinco - actos, em verso de Jean Richepin, por Julio Dantas. 1 - vol. 600 rs. - - =A Tzarina Sultão= Scenas intimas da vida imperial - russa. Romance historico por Sacher Macoch, traducção do allemão - refundida, por Eduardo de Noronha, 1 vol. com o retrato - do auctor. 700 rs. - - - - -NOTAS DE RODAPÉ: - -[1] Á carta que me dirigiu o Sr. Gomes Pereira, na _Revista Amarella_, -criticando o artigo precedente. - -[2] Maio de 1903. - -[3] 1904. - -[4] Em Gouveia, no inverno de 1903. - - - * * * * * - - - - -Nota do Transcritor: - -Erros tipográficos óbvios foram corrigidos; quaisquer outros erros ou -inconsistências foram mantidos como no original. - -Foram removidas aspas angulares desnecessárias (utilizadas seguindo um -travessão: "--«") e não fechadas que eram utilizadas inconsistentemente. - -Os erros indicados nas Erratas foram corrigidos, exceto o sexto e oitavo -(o primeiro por não ser encontrado na página indicada e o último por -não ser claro o que deve ser corrigido). - -Texto rodeado de caracteres de igual representa texto em negrito -(=negrito=). - -Texto rodeado de carateres de "underscore" representa texto em itálico -(_itálico_). - -Texto em versalete foi substituído por texto em maiúsculas. - - - - - -End of Project Gutenberg's Ás Mulheres Portuguêsas, by Ana de Castro Osório - -*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK ÁS MULHERES PORTUGUÊSAS *** - -***** This file should be named 63943-0.txt or 63943-0.zip ***** -This and all associated files of various formats will be found in: - http://www.gutenberg.org/6/3/9/4/63943/ - -Produced by Pedro Saborano, Gonçalo Silva and the Online -Distributed Proofreading Team at https://www.pgdp.net (This -book was produced from scanned images of public domain -material from the Google Books project.) - -Updated editions will replace the previous one--the old editions will -be renamed. - -Creating the works from print editions not protected by U.S. copyright -law means that no one owns a United States copyright in these works, -so the Foundation (and you!) can copy and distribute it in the United -States without permission and without paying copyright -royalties. 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INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the -trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone -providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in -accordance with this agreement, and any volunteers associated with the -production, promotion and distribution of Project Gutenberg-tm -electronic works, harmless from all liability, costs and expenses, -including legal fees, that arise directly or indirectly from any of -the following which you do or cause to occur: (a) distribution of this -or any Project Gutenberg-tm work, (b) alteration, modification, or -additions or deletions to any Project Gutenberg-tm work, and (c) any -Defect you cause. - -Section 2. Information about the Mission of Project Gutenberg-tm - -Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of -electronic works in formats readable by the widest variety of -computers including obsolete, old, middle-aged and new computers. 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You may copy it, give it away or re-use it under the terms of -the Project Gutenberg License included with this eBook or online at -www.gutenberg.org. If you are not located in the United States, you'll have -to check the laws of the country where you are located before using this ebook. - -Title: Ás Mulheres Portuguêsas - -Author: Ana de Castro Osório - -Release Date: December 2, 2020 [EBook #63943] - -Language: Portuguese - -Character set encoding: UTF-8 - -*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK ÁS MULHERES PORTUGUÊSAS *** - - - - -Produced by Pedro Saborano, Gonçalo Silva and the Online -Distributed Proofreading Team at https://www.pgdp.net (This -book was produced from scanned images of public domain -material from the Google Books project.) - - - - - - -</pre> - - -<div class="figcenter" style="width: 400px;"> -<img src="images/cover.jpg" width="400" height="627" alt="coverpage" title="coverpage" /> -</div> - -<hr class="chap" /> - - -<div class="author">Anna de Castro Osorio</div> - - -<h1>Ás mulheres<br /> -Portuguêsas</h1> - - -<div class="logo" style="width: 115px;"> -<img src="images/logo.jpg" width="115" height="115" alt="logo" title="logo" /> -</div> - - -<div class="center">LISBOA</div> -<div class="title-smaller"><b>LIVRARIA EDITORA</b></div> -<div class="title-larger">VIUVA TAVARES CARDOSO</div> -<div class="title-smaller">5—LARGO DE CAMÕES—6</div> -<div class="center">—<br /> -1905 -</div> - - -<hr class="chap" /> - -<div class="half-title-normal"> -<p class="center">Typ. a vapor da Emprêsa Litteraria e Typographica</p> - -<p class="center">178, Rua de D. Pedro, 184—Porto -</p> -</div> - -<hr class="chap" /> - -<h2><a name="INDICE" id="INDICE"></a>INDICE</h2> - - -<table border="0" cellpadding="4" cellspacing="0" summary="Indice"> -<tr><td align="left"></td><td align="right"><span class="smcap">pag</span>.</td></tr> -<tr><td align="left"><span class="smcap">Prologo</span></td><td align="right"><a href="#Page_5">5</a></td></tr> -<tr><td align="left"><span class="smcap">Feminismo</span>:</td></tr> -<tr><td align="left" style="text-indent:2em">I—Ser feminista</td><td align="right"><a href="#Page_11">11</a></td></tr> -<tr><td align="left" style="text-indent:2em">II—Uma resposta</td><td align="right"><a href="#Page_27">27</a></td></tr> -<tr><td align="left" style="text-indent:2em">III—A Instrução</td><td align="right"><a href="#Page_43">43</a></td></tr> -<tr><td align="left">As mulheres e a politica</td><td align="right"><a href="#Page_57">57</a></td></tr> -<tr><td align="left">Ser português</td><td align="right"><a href="#Page_67">67</a></td></tr> -<tr><td align="left">No anniversario duma escola</td><td align="right"><a href="#Page_85">85</a></td></tr> -<tr><td align="left">A mulher de ha trinta annos e a mulher de hôje</td><td align="right"><a href="#Page_101">101</a></td></tr> -<tr><td align="left">As pobres mães</td><td align="right"><a href="#Page_113">113</a></td></tr> -<tr><td align="left">A miseria do povo</td><td align="right"><a href="#Page_133">133</a></td></tr> -<tr><td align="left">A ignorancia do povo</td><td align="right"><a href="#Page_149">149</a></td></tr> -<tr><td align="left">Mulheres desnaturadas, mães desnaturadas</td><td align="right"><a href="#Page_161">161</a></td></tr> -<tr><td align="left">A proposito duma gréve</td><td align="right"><a href="#Page_177">177</a></td></tr> -<tr><td align="left"><span class="smcap">A mulher em Portugal</span>:</td></tr> -<tr><td align="left" style="text-indent:2em">I—A mulher e o casamento</td><td align="right"><a href="#Page_193">193</a></td></tr> -<tr><td align="left" style="text-indent:2em">II—A mulher casada perante o codigo civil</td><td align="right"><a href="#Page_207">207</a></td></tr> -<tr><td align="left" style="text-indent:2em">III—A mulher solteira perante o codigo civil</td><td align="right"><a href="#Page_223">223</a></td></tr> -<tr><td align="left" style="text-indent:2em">IV—O trabalho da mulher</td><td align="right"><a href="#Page_241">241</a></td></tr> -</table> - - -<hr class="chap" /> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_5" id="Page_5">[Pg 5]</a></span></p> - -<div class="chapter-beginning" style="width: 800px;"> -<img src="images/header-p005-177.jpg" width="800" height="232" alt="Page 15 Header" title="Page 15 Header" /> -</div> - -<h2 class="invisible"><a name="Prologo" id="Prologo"></a>Prologo</h2> - -<div> - <img class="drop-cap" src="images/dropcap-n.png" width="75" height="70" alt=""/> -</div> - -<p class="drop-cap">Na incerteza pelo futuro, caracteristica -muito acentuada do actual momento -historico, não ha ninguem, por mais ferozmente -que se ensimesme ou por mais alto que se -alheie em sonhos e ficções, que se não surprehenda, -um dia, meditando, transido de duvidas, -nalgum dos multiplos problemas que -agitam a alma moderna.</p> - -<p>São tantos e tão variados, tão dolorosos por -vezes, recordam tanta lagrima, evocam tanta -dôr soffrida pela mísera humanidade—que em -vão lhe quer fugir e se debate e grita de desespero, -ou ri de inconsciente goso, conforme é -alevantada aos ares em triumfo ou mergulhada -na indifferente desgraça—que o nosso espirito<span class="pagenum"><a name="Page_6" id="Page_6">[Pg 6]</a></span> -se detem e pergunta, no augusto silencio da -propria consciencia—se vale a pena existir -num mundo assim?!</p> - -<p>Todos os sinceros têm formulado esta interrogação: -uns, fortificados pelo pensamento, no -desejo de remediar o mal, concebem a esperança -de trazer, embora com o sacrificio proprio, -alguma melhoria á sociedade; outros -desanimam, a mesma dôr os mata ou anula para -o trabalho paciente do futuro.</p> - -<p>Mas o desânimo e a renuncia é uma dupla -falta—pelo que deixâmos de fazer e pelo que -consentimos que os egoistas e os sem escrupulos -façam impunemente.</p> - -<p>Para todos é de responsabilidade a hora presente,<span class="pagenum"><a name="Page_7" id="Page_7">[Pg 7]</a></span> -na qual, a par de muito crime e muita injustiça, -um bello e salubre movimento se opéra -por todo o mundo.</p> - -<p>Ninguem se poderá isentar dessa tremenda -responsabilidade moral, que tanto cabe ao homem -como á mulher, a esta mais ainda porque -nas suas mãos, com a educação da infancia, que -lhe pertence, está confiado o futuro.</p> - -<p>Á mulher, pois, ou seja pobre operaria que -mal ganha para o pão de cada dia, ou opulenta -dama avergada ao pêso dos seus deveres sociaes; -ás mães que têm filhos a entrar na lucta -pela existencia e que ansiados esperam o conselho, -que os guie para a felicidade e para o -bem, dos labios que lhes ensinaram as primeiras<span class="pagenum"><a name="Page_8" id="Page_8">[Pg 8]</a></span> -palavras e lhes deram os primeiros beijos; como -ás raparigas que, mal iniciadas nos seus -deveres, têm de arcar com um futuro de que -nem chegam a comprehender as responsabilidades; -a todas, repetimos, corre o dever de se -deterem, ao menos um instante, a pensar no remedio -a dar a tanto mal e a tanta iniquidade.</p> - -<p>Por isso é ás mulheres, e principalmente ás -mulheres do meu paiz—que tão insuficientemente -são educadas para serem as companheiras -e as mães do homem moderno—que me dirijo.</p> - -<p>Possa este modesto trabalho corresponder -dalgum modo ás necessidades espirituaes da -alma feminina, que desperta emfim para uma -nobre e mais util missão social.</p> - -<hr class="chap" /> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_9" id="Page_9">[Pg 9]</a></span></p> - -<h2 class="halftitle"><a name="FEMINISMO" id="FEMINISMO"></a>FEMINISMO</h2> - -<hr class="chap" /> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_10" id="Page_10">[Pg 10]</a></span><br /></p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_11" id="Page_11">[Pg 11]</a></span></p> - -<div class="chapter-beginning" style="width: 800px;"> -<img src="images/header-p011-161.jpg" width="800" height="204" alt="Page 11 Header" /> -</div> - -<h3><a name="I_SER_FEMINISTA" id="I_SER_FEMINISTA"></a>I<br /> -<br /> -SER FEMINISTA</h3> - -<div> - <img class="drop-cap" src="images/dropcap-f.png" width="75" height="75" alt=""/> -</div> - -<p class="drop-cap">Feminismo: É ainda em Portugal uma palavra -de que os homens se riem ou se -indignam, consoante o temperamento, e de que -a maioria das proprias mulheres córam, coitadas, -como de falta grave cometida por algumas -colegas, mas de que ellas não são responsaveis, -louvado Deus!...</p> - -<p>E, no entanto, nada mais justo, nada mais -rasoavel, do que este caminhar seguro, embora -lento, do espirito feminino para a sua autonomia.</p> - -<p>O homem português não está habituado a -deparar no caminho da vida com as mulheres<span class="pagenum"><a name="Page_12" id="Page_12">[Pg 12]</a></span> -suas iguais pela ilustração, suas companheiras -de trabalho, suas colegas na vida pública; por -isso as desconhece, as despresa por vezes, as -teme quasi sempre.</p> - -<p>Mas siga a mulher o seu caminho, intemerata -e digna, sem recear o isolamento como o -ridiculo—que nem um nem outro atingem o -verdadeiro mérito e a sã razão.</p> - -<p>Tenha o coração alto e o espirito alevantado; -não faça do amôr o ideal unico da existencia -nem o seu unico fim. Pense no trabalho e no -estudo, e deixe que as suas faculdades afectivas -se desenvolvam livremente, ou se não desenvolvam -mesmo, que isso deve ser indiferente á sociedade. -Cuidados de amôr devem ser cuidados -tão absolutamente pessoais e intimos, que não -os assoalhar deveria ser a maior prova de pudôr.</p> - -<p>Tal não sucede, porêm. Toda a gente publíca -os seus afectos, puros ou impuros, verdadeiros -ou falsos; e, por mais absurdos, por mais indesculpaveis -que sejam, despertam mais simpathia -e compaixão do que verdadeiras desgraças -sociaes. Na vida real, como no drama, no romance, -na poesia, ou na musica, só cai bem no<span class="pagenum"><a name="Page_13" id="Page_13">[Pg 13]</a></span> -gosto do publico o amavío voluptuoso do amôr -sentimental.</p> - -<p>Assim o quer a sucessão de seculos, em que -a mulher foi a reclusa do convento ou da familia, -tendo na vida um só fim—<i>agradar</i>.</p> - -<p>Assim o estima o homem, que fez do amôr -carnal o seu culto e da mulher a sacerdotisa -desse culto. Mas sacerdotisa que se torna em -escrava, deusa que se cobre de injurias e se -lança ao monturo das velhas coisas inuteis, -logo que o capricho, a paixão dos sentidos, foi -como o fumo desfeito no céo sem nuvens.</p> - -<p>O homem, passada a idade da poesia, segue -triumphante o caminho da existencia, sem mais -lhe importar com a sua inspiradora. Da deusa -ideal dos seus sonhos faz a cozinheira habil, a -dôna de casa ignorante e util, mixto de costureira -e governante, a mãe paciente e sofredora -dos filhos que são o seu orgulho.</p> - -<p>A mulher, em geral, é, quando esposa, a -companheira só para a vida banal e mesquinha—que -nem por sombras deve abordar os graves -pensamentos que preocupam o marido!...</p> - -<p>Porque quando o homem, por acaso, encontra<span class="pagenum"><a name="Page_14" id="Page_14">[Pg 14]</a></span> -méritos intelectuaes que o confraternisem -com um individuo do sexo feminino, é rarissimo -confessar que a sorte lho deu para companhia -da sua vida.</p> - -<p>Mas quantas vezes se enganam na escolha, -e, por castigo, na companheira ignorante e inferior -que procuram para seu descanço, não encontraram, -hipocritamente velados por uma habil -ingenuidade, todos os baixos instinctos dos -seres inferiores?!</p> - -<p>Quantos, procurando nas ignorantes criaturinhas -que nunca se <i>poluiram</i> com o estudo e -com o trabalho, as previdentes mães de familia, -destinadas a fazer prodigios de economias, de -método e de arranjo, não depararam com desditosas -mulheres roídas de ambições e vaidades, -tanto mais ásperas quanto maior é a sua -impotencia para as realisar—a fantasia só presa -nas galanices e módas, inuteis para os trabalhos -caseiros como para outro qualquer, sofrendo -e fazendo sofrer todos os seus por não -possuir o que deseja e vê ás outras, transformando -os lares em gehenas onde féras da -mesma raça se espesinham e abocanham?!</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_15" id="Page_15">[Pg 15]</a></span></p> - -<p>Quando ao homem fôr dado encontrar facilmente -a mulher sua igual, comprehenderá -quanto era louco preferindo-lhe esses pobres -sêres que não têm assumpto para conversa fóra -do ultimo figurino, da vida alheia e das criadas -e seus costumes.</p> - -<p>Comprehenderá então o que é o verdadeiro -afecto entre esposos, e não mais preferirá essas -que hoje diz amar, mas que no intimo despresa, -como suas inferiores, que supõe.</p> - -<p>E digo que supõe, porque está provado pela -sciencia que <i>intelectualmente</i> não ha sexos privilegiados, -mas unicamente individuos e, quando -muito, raças.</p> - -<p>Foram os sabios que desmentiram esse grosseiro -e velho erro de que o cerebro feminino é -menos pesado e consequentemente inferior ao -do homem. Foram elles, os mesmos que lhe -tinham levantado barreiras sobre barreiras e -escreveram sobre cada porta da sciencia o fatal -<i>non possumus</i>, os primeiros a desmentir-se -e a penitenciar-se próbamente a cada manifestação -da mentalidade feminina.</p> - -<p>Foi a sciencia, fonte de toda a verdade e de<span class="pagenum"><a name="Page_16" id="Page_16">[Pg 16]</a></span> -toda a justiça, e na qual devemos pôr os olhos -como na unica libertadora, que fez cahir por -terra esse argumento tão falado da superioridade -intelectual do homem, fundando-a no peso -do cerebro.</p> - -<p>Se a <i>massa cinzenta</i> contida no craneo feminino -é menor, corresponde harmonicamente -ao tamanho do corpo, em regra mais pequeno.</p> - -<p>Foi esse o primeiro passo, o mais importante -e decisivo, para o triumfo da ideia feminista. -Até lá, quando a mulher pretendia estudar, -trabalhar, ser um ente de razão e de luz, -cahia-lhe como avalanche de gelo, a sufocar-lhe -as aspirações, essa cruel e deprimente opinião. -E a pobre, se não era um espirito de excepcional -brilho ou um caracter de excepcional tempera, -sentia-se amesquinhada aos seus proprios -olhos e desistia do enorme esforço requerido -para subir onde a multidão das suas pobres irmãs -nem sequer se atrevia a pôr as vistas -ambiciosas.</p> - -<p>Ás vezes, ou porque fossem realmente <i>excepcionaes</i>, -ou porque as condições mesologicas -as favorecessem extraordinariamente, dentre<span class="pagenum"><a name="Page_17" id="Page_17">[Pg 17]</a></span> -as mulheres sahiam algumas que os proprios -homens eram os primeiros a reclamar e incensar, -mas passando-lhes cautelosamente o diploma -de <i>raridades</i>, quasi fóra do sexo, sêres hibridos, -masculinos pela inteligencia e só fisicamente -femininos.</p> - -<p>De modo que essas aclamadas, e afastadas -do caminho trilhado pela turba-multa das ignorantes, -exactamente porque eram superiores e -se julgavam intangiveis, abandonavam a causa -das suas irmãs, que já não era a sua, concedendo-lhes -apenas, e isto nem sempre, a sua piedade -diluida em conselhos de resignação e submissão -para desempenharem o papel de escravas, -nascidas sómente para a felicidade e regalo -do homem. Desta maneira, a causa feminina perdia -as suas mais legitimas defensoras, deixando -nas mãos dos homens os melhores argumentos.</p> - -<p>É como algumas esposas, que, por serem -ditosas no casamento, porque tiveram a fortuna—que -não digo rara—de encontrar para -maridos homens inteligentes e justos, encolhem -os hombros com indiferença á desgraça -das que tiveram destino contrario.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_18" id="Page_18">[Pg 18]</a></span></p> - -<p>É uma prova de egoismo, que é uma deploravel -qualidade, e é, peor do que isso, o abandono -duma causa justa que, se não toca individualmente -a cada mulher, interessa colectivamente -o sexo a que pertencem.</p> - -<p>Acabar com os <i>fenómenos</i>, com os <i>monstros -femininos</i>, julgar todos os individuos intelectualmente -semelhantes sem distinção de sexo, -aptos igualmente a estudar e progredir pelo -trabalho, foi sem dúvida o passo definitivo para -a libertação feminina.</p> - -<p>As mulheres poderão, assim como os homens, -distinguir-se pela sciencia, pela industria, -pela arte, pelo comercio, pela pedagogia, -ou ficarem tão-sómente dônas de casa,—mas -fazendo do seu lar a primeira e a mais nobre -escola dos filhos.</p> - -<p>Haverá, decerto, tal-qual entre os homens, -umas que se superiorisam num trabalho, outras -em outro, mas serão todas educaveis, -todas melhoraveis, todas uteis, laboriosas e -conscientes obreiras, ajudando á melhoria da -grande colmeia social.</p> - -<p>As mulheres de hôje não têm desculpa se<span class="pagenum"><a name="Page_19" id="Page_19">[Pg 19]</a></span> -continuarem na ignorancia e na inactividade, -tudo esperando do homem, que as hade procurar -para a sua conveniencia.</p> - -<p>As escolas estão abertas por igual aos dois -sexos e não ha já quem, nesta hora alta da -civilisação, se atreva a banir dellas um individuo -que as queira frequentar sob o pretexto da -diferença do sexo.</p> - -<p>Tempos atrás, quando a mulher pensava -em sahir do anonimato da sua missão caseira, -tinha apenas por campo aberto á sua actividade, -a literatura, visto que é a unica profissão onde -o talento e o estudo individual dispensam a -educação preparatoria.</p> - -<p>Hoje não é assim. Toda a gente aceita uma -senhora que tem a profissão de medica, pintora, -esculptora, engenheira ou professora, tudo que -requer habilitações e estudos publicos, e que lhe -tinham ensinado a crêr que nunca poderia atingir -por falta de genio criador e persistencia no -estudo.</p> - -<p>Não se sobresaltem os homens com a concorrencia, -que é antes auxilio. Pequena, por -mal da humanidade, hade ser sempre a percentagem<span class="pagenum"><a name="Page_20" id="Page_20">[Pg 20]</a></span> -dos cerebros verdadeiramente superiores -em qualquer dos sexos. Não é, pois, justo -que por falta de educação se percam aptidões -que nem sequer chegaram a manifestar-se, talentos -de que nem sequer se suspeita...</p> - -<p>Se os mais ardentes sectarios dos velhos -preconceitos já chegaram á conclusão egoista -de que é preciso educar o povo para que se -não percam tantissimos talentos que podem -beneficiar a humanidade, não é justo—ainda -que não seja senão pelo mesmo motivo—condenar -á ignorancia, na mulher, metade dessa -mesma humanidade.</p> - -<p>Dever-se-ha pensar que Clemence Royer, -honra e gloria da França, sabia entre os sabios, -espirito todo precisão, clarêsa e método, -não teria sido o que foi se, por um mero acaso, -tivesse nascido em Portugal ou em outro qualquer -paiz, onde, como no nosso, se descure -a educação feminina.</p> - -<p>As mulheres conservam-se entre nós numa -indiferença quasi total pelas conquistas que -dia a dia vão marcando um passo de avanço -para o triumfo definitivo do espirito sobre a materia,<span class="pagenum"><a name="Page_21" id="Page_21">[Pg 21]</a></span> -da inteligencia sobre a força, da educação -sobre a ignorancia, embora doiradas pela -fortuna ou pelos privilegios de classe.</p> - -<p>Mas esperemos serenamente, porque á mulher -portuguêsa hade chegar tambem a sua vez -de comprehender que só no trabalho póde encontrar -a sua carta de alforria. Não no trabalho -esmagador, exercido como castigo, mas no trabalho -que enobrece o espirito, que dá o bello -orgulho dos que só contam comsigo e nunca -foram um peso para ninguem.</p> - -<p>E desde que se torne independente pelo seu -proprio esforço, desde que saiba agenciar o pão -que come, a casa que habita, os vestidos que -veste, sem estar á espera do homem, fonte perene -de todo o dinheiro que hoje a sustenta—seja -como pai, como marido ou irmão—a sua -alforria está decretada.</p> - -<p>Uma vez será um artigo do codigo que se -modifica (porque as leis devem seguir e não -preceder os costumes); ámanhã um preconceito -que cahe no desuso; depois um habito que se -vence; até que obrigações e direitos se igualem -entre as duas metades do genero humano, hôje<span class="pagenum"><a name="Page_22" id="Page_22">[Pg 22]</a></span> -em guerra sob a aparencia do amôr e do respeito -social.</p> - -<p>Os proprios homens as ajudarão nesse empenho, -porque nenhum ha que não seja feminista -se a mulher victimada fôr a sua propria -filha, aquella para quem ambicionou maior -soma de venturas e de bem estar.</p> - -<p>Não ha pai que não aspire a deixar nas -mãos de suas filhas, senão um dote em dinheiro—cada -vez mais dificil de juntar honestamente, -com as necessidades sempre crescentes da -vida moderna—pelo menos um dote em educação -e aptidões de trabalho que as pônha ao -abrigo de toda a servidão.</p> - -<p>Não haverá pai que se não insurja contra -a lei, se vir o marido de sua filha pôr e dispôr -da fortuna que lhe deu, e sem que a dôna possa -sequer gastar o rendimento. Nenhum que se -não indigne se o genro a despresar ou maltratar, -se lhe prohibir qualquer intervenção na -educação dos filhos, se a não atender nos seus -conselhos e opiniões, se a não consultar para -os negocios decisivos da sua vida, se por capricho -ou vaidade se oposer a que exerça uma<span class="pagenum"><a name="Page_23" id="Page_23">[Pg 23]</a></span> -profissão honesta que a dignifique a seus proprios -olhos, se, emfim, o homem fizer da esposa -o que de facto a lei quer que seja—a menor -sem vontade nem discernimento, a <i>coisa</i> de que -o marido é o senhor, o ser humano pertença -absoluta doutro sêr, que devia ser seu igual.</p> - -<p>Os homens mais autoritarios e rotineiros -como maridos, são, como pais, incapazes de -apoiar um estado de coisas que apenas dá por -garantia de felicidade á mulher que casa, a -bondade, a inteligencia e a tolerancia do marido.</p> - -<p>É evidente que, na maioria dos casos, mórmente -no nosso paiz onde o homem é bondoso -por temperamento, ninguem se importa com a -letra do codigo feito para uma sociedade onde -a esposa era ainda, ou apenas, uma escrava -submissa, sem azas para grandes vôos de vontade -nem ansias de libertação.</p> - -<p>Nas mãos de um doido ou de um perverso, -porém, o que poderá ser a vida da mulher que -se volta para a lei e a lei manda-lhe simplesmente -e implacavelmente: <i>que obedeça!</i> Que se -volta para a sociedade, que lhe ordena hipocritamente:<span class="pagenum"><a name="Page_24" id="Page_24">[Pg 24]</a></span> -<i>disfarce e submissão!</i> Que se volta -para a familia, e essa propria, temendo o escandalo, -a violação das conveniencias sociaes, lhe -aconselha: <i>que se resigne!</i></p> - -<p>Portanto, <i>ser feminista</i> é o dever de todos -os pais. Porque <i>ser feminista</i> não é querer as -mulheres umas insexuais, umas <i>masculinas</i> de -caricatura, como alguns cuidam; mas sim desejá-las -criaturas de inteligencia e de razão, -educadas util e praticamente de modo a vêrem-se -ao abrigo de qualquer dependencia, sempre -amarfanhante para a dignidade humana.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_25" id="Page_25">[Pg 25]</a></span></p> - -<hr class="chap" /> - -<p class="half-title">II</p> - -<hr class="chap" /> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_26" id="Page_26">[Pg 26]</a></span><br /><span class="pagenum"><a name="Page_27" id="Page_27">[Pg 27]</a></span></p> - - -<div class="chapter-beginning" style="width: 800px;"> -<img src="images/header-p027.jpg" width="800" height="240" alt="Page 27 Header" title="Page 27 Header" /> -</div> - -<h3><a name="II_UMA_RESPOSTA" id="II_UMA_RESPOSTA"></a>II<br /> -<br /> -UMA RESPOSTA<a name="FNanchor_1_1" id="FNanchor_1_1"></a><a href="#Footnote_1_1" class="fnanchor">[1]</a></h3> - -<div> - <img class="drop-cap" src="images/dropcap-n.png" width="75" height="70" alt=""/> -</div> - -<p class="drop-cap">Não imagina V. Ex.<sup>a</sup> o prazer que me deu -a sua carta, sabido como é que da discussão -inteligente e sincera têm sahido as mais -claras verdades, conhecido como é, por todos os -propagandistas, quanto se ganha em fazer interessar -pelas nossas opiniões, ainda os adversarios -que mais as combatem.</p> - -<p>E não sendo V. Ex.<sup>a</sup> um adversario, mas -um confesso adepto, embora moderado, maior -prazer o meu em lhe vir expôr serenamente as -<span class="pagenum"><a name="Page_28" id="Page_28">[Pg 28]</a></span>ideias feministas, tais como as comprehendo e -preconíso. Diz V. Ex.<sup>a</sup> que é <i>feminista</i>, embora -moderado, que o é <i>como todos os ilustrados -não poderão deixar de o ser</i>, segundo a sua -propria frase.</p> - -<p>Eis o nosso primeiro triumfo, a nossa principal -batalha vencida; tudo mais, creia, é questão -de tempo, de paciencia, de serena e pertinaz -energia, e de muito <i>bom senso</i>.</p> - -<p>Ora aquellas qualidades não faltam ás mulheres, -este é que ás vezes tem faltado, e não -estamos longe de confessar que faltará ainda -por largos annos á maior parte...</p> - -<p>Mas, neste ponto, ninguem no nosso paiz -poderá lançar á mulher a primeira pedra; culpados -dessa falta somos todos e talvez mais o -homem do que a mulher, talvez...</p> - -<p>Voltando ao assumpto dizia eu, que está -ganha a principal batalha do feminismo; efectivamente -assim é desde que todos os homens, -que se presam de inteligentes, reconhecem a -mulher como um sêr <i>quasi</i> autonomo, com direito -a pensar, trabalhar e luctar pelo seu proprio -ideal. Nós não temos a fazer mais do que<span class="pagenum"><a name="Page_29" id="Page_29">[Pg 29]</a></span> -expôr ideias, e realisar pela prática as conquistas -a que nos julgâmos com direito.</p> - -<p>Que victoria imensa não representa essa sua -simples frase! Que soma enorme de trabalho -intelectual, que acumulação de esforços, para -que os homens inteligentes nos concedam a <i>outorga -da sua restricta carta constitucional</i>!...</p> - -<p>E se pensarmos que esta primeira, mas definitiva -conquista do espirito masculino, representa -quasi o trabalho de meio seculo, temos -vontade de dizer como o mais brilhante dos -feministas francêses, Camille Mauclair:—que -as mulheres apresentando as suas ideias e -luctando pela educação que as superiorisa, -lembram a paciencia das aluviões que fazem -recuar o mar e mudam o aspecto de um -paiz.</p> - -<p>Se á geração que nos precedeu alguem falasse -em feminismo, que apenas lá fóra começava -a fazer-se perceber pela guarda avançada -de exageradas e desiquilibradas, como adeante -das procissões solemnes vem sempre o rapasío -gralhando e correndo a foguetes, não haveria -homem inteligente que não soltasse uma gargalhada<span class="pagenum"><a name="Page_30" id="Page_30">[Pg 30]</a></span> -escarninha, nem, com certeza, rapaz das -escolas, que madrigalisasse pelos passeios publicos -ou para os balcões floridos das vizinhas, -que não encolhesse os hombros com desdem.</p> - -<p>Os que não rissem, por temperamento sombrio -e sentimentalesco, ergueriam os braços em -clamôr chamando em auxilio da propria opinião -a ignorancia das pobres mães e descrevendo, -com enthusiasmo lamecha, o encanto duma carta -amorosa com <i>erros de ortografia</i> como ironisava -dôcemente Gonçalves Crespo, elle que na -prática tão flagrantemente mostrou estimar o -contrario.</p> - -<p>Homens de incontestavel mérito não se pejavam -de dizer—que só apreciavam as mulheres -para os lavores caseiros, chegando a pôr em -duvida a competencia intelectual do sexo feminino, -não obstante as tradições gloriosas de -<i>excepcionaes</i>, que tem vindo sempre a acompanhar -a humanidade na sua evolução social -através dos seculos.</p> - -<p>Se a um dos mais bem organisados cerebros -da geração a que me refiro, ouvi responder -a quem citava o enorme talento de George Sand<span class="pagenum"><a name="Page_31" id="Page_31">[Pg 31]</a></span> -como prova da igualdade intelectual dos sexos—<i>que -essa não era mulher, era o diabo!</i>...</p> - -<p>Se é do meu tempo, se ouvi muitas vezes, -eu mesma, a novos e a velhos, a homens e a -senhoras, troçar das <i>doutoras</i>, citar por troça -aquelle estupido dictado portuguez da <i>mulher -que sabe latim</i>... já V. Ex.<sup>a</sup> vê o que representa -para nós a sua simples confissão de <i>que não ha -hoje homem inteligente que não deva ser feminista</i>.</p> - -<p>Agora permita-me que explique o meu pensamento, -que, certamente por deficiencia de clareza -na fórma, não foi interpretado como desejava -que o fosse.</p> - -<p>O que entendo por—desenvolver livremente -as qualidades afectivas na mulher,—é deixar-lhe -o pleno direito da escolha, o direito sagrado -de amar ou não amar, de casar ou ficar solteira, -sem que isso represente uma vergonha ou, -pelo menos, um ridiculo.</p> - -<p>Entendo que o ser humano que pertence ao -sexo feminino, não deve ser coagido pela educação, -nem pelos costumes, nem pelas conversas, -nem pelos pais—que têm a mania de talhar<span class="pagenum"><a name="Page_32" id="Page_32">[Pg 32]</a></span> -muito discricionariamente o futuro dos filhos—a -vêr no casamento um fim, um ideal -completo e único, quasi uma obrigação.</p> - -<p>Assim como o homem pode ser professor, -jornalista, sabio, artista, empregado, operario, -tudo emfim, sem que ninguem lhe pergunte pela -certidão do matrimonio, sem embargo de serem -quasi todos chefes de familia, não vejo inconveniente -a que a mulher procure a sua colocação, -tenha o seu curso scientifico, estude, trabalhe -para si, para o seu futuro, para a sua -vida autonoma, sem se lhe inquirir do seu <i>estado</i>...</p> - -<p>Que essa mulher fique solteira, porque não -encontrou o companheiro ao qual lhe seria grato -ligar o seu destino, ou que, encontrando-o, seja -sentimentalmente feliz, que temos nós com isso?</p> - -<p>Por acaso nos preocupa a vida conjugal -do politico A. ou do artista B.?</p> - -<p>O maior erro do homem é, a meu ver, estar -convencido de que a mulher nasce e existe só -para o seu prazer e encanto. Partindo deste principio, -é claro que não nos encontraremos nunca, -visto eu pensar de modo tão contrario.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_33" id="Page_33">[Pg 33]</a></span></p> - -<p>A mulher, como o homem, nasce para si -mesma. Tanto um como o outro fazem parte da -sociedade, de que são factores igualmente imprescendiveis, -que se não comprehenderia nem -sequer existiria sem a união dos dois sexos, -mas na qual individuos isolados podem coexistir -igualmente, decentes, honestos e respeitaveis—quando -muito pagando maior contribuição, -como querem alguns economistas francêses...</p> - -<p>Quando digo que não temos nada com a -vida <i>sentimental</i> de cada um, não quero dizer -que a mulher case por ambição monetaria ou -intelectual, se é exatamente para a livrar dessa -baixesa que a desejamos independente pelo seu -trabalho, quando o não seja pela fortuna, e -mais independente ainda pela razão que a torne -um ente de consciencia justa.</p> - -<p>Diz V. Ex.<sup>a</sup> que é o <i>amôr</i> que salva a mulher?!...</p> - -<p>Efectivamente, <i>por muito amar</i> se salvou -uma—a biblica Magdalena.</p> - -<p>Mas não é desse amôr que se trata, dirá, é -do amôr puro e honesto da mulher honesta por<span class="pagenum"><a name="Page_34" id="Page_34">[Pg 34]</a></span> -temperamento, educada e instruida, que escolhe -com toda a liberdade do seu coração e do seu -espirito o homem que lhe agrada.</p> - -<p>Ora não é esta mulher assim elevada, assim -honesta, assim livre na sua escolha, a que, pelo -mais futil motivo, irá mudar de afecto, enredar-se -em aventuras galantes, para as quais -geralmente não tem vocação, e que podem -preencher a existencia duma frívola e ignorante -criaturinha cheia de vaidades e que no triumfo -dessas vaidades tem os seus unicos gosos -intelectuaes.</p> - -<p>O que não quer dizer que todas as mulheres -instruidas sejam honestas—quem o pudésse -dizer, que seria essa a nossa maior gloria!—mas -tão sómente que a mulher, que por seu desgraçado -temperamento, educação ou influencia -de meio, é deshonesta, o é, tanto ou mais, -quando ignara e frívola.</p> - -<p>Um dos mais graves defeitos da raça latina -é o de dar ao amôr a importancia maxima da -vida. Os romancistas não sabem nem podem -falar em outros assumptos, querendo ser lidos -e comprehendidos. O theatro explora-o em todas<span class="pagenum"><a name="Page_35" id="Page_35">[Pg 35]</a></span> -as gamas, desde o amôr ingenuo e sentimental -até ao amôr falsificado dos adulteros. Os poetas -choram os seus e os alheios; os musicos dão-lhe -a fórma ritmica; os pintores e os esculptores -divinisam-no no marmore polido e na policromia -das suas telas...</p> - -<p>Rapazes e raparigas, antes mesmo de chegar -á puberdade, não pensam noutra coisa, e -uns e outros julgar-se-hiam inferiorisados se -estivessem cinco minutos na mesma casa sem -se defrontarem valorosamente num complicado -tiroteio de olhadelas amorosas.</p> - -<p>Não será muito pensar num assumpto que só -interessa a duas criaturas e por um tempo relativamente -curto na vida humana?! Sim, que -não interessa nem póde interessar senão a quem -o sente e com elle é feliz ou infeliz.</p> - -<p>Senão vejamos: V. Ex.<sup>a</sup>, que leu e respondeu -ao meu artigo, sabe porventura se eu sou casada -ou solteira, feliz ou infeliz no casamento, ou -pensou sequer em tal?</p> - -<p>Porcerto que não, nem isso importaria para -lêr o que escrevo e responder o que entende.</p> - -<p>É a prova de que a vida psíchica de cada<span class="pagenum"><a name="Page_36" id="Page_36">[Pg 36]</a></span> -individuo é completamente autonoma do seu -estado civil.</p> - -<p>A independencia da mulher não pode importar -o <i>não reconhecimento da autoridade do -marido</i>, (um dos grandes receios de V. Ex.<sup>a</sup>) -porque essa autoridade existe, senão de facto, -pelo menos de direito, emquanto existirem as -leis que hôje nos governam, leis que a mulher -deveria conhecer quando vai casar, leis que a -tornam uma menor sob a tutella directa do -homem.</p> - -<p>O que será o futuro não o podemos prevêr, -de tal maneira a educação da mulher modificará -a sociedade.</p> - -<p>Diz V. Ex.<sup>a</sup> que a mulher independente poder-se-ha -<i>desafrontar</i> do marido que a atraiçôa -atraiçoando-o por sua vez.</p> - -<p>Poderá ser, mas isso o que prova? Apenas -o que já disse—que, infelizmente, o cultivo da -inteligencia nem sempre acompanha a honestidade -e que essas mulheres se subalternisam -tornando-se criminosas como aquelles que condemnam, -irmanando-se ás levianas que hôje o fazem, -a maior parte das vezes por inconsciencia.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_37" id="Page_37">[Pg 37]</a></span></p> - -<p>A mulher <i>independente</i> que tal fizer, não -terá por motor a independencia mas tão sómente -o capricho ou o temperamento, e em qualquer -circumstancia, portanto, faria o mesmo.</p> - -<p>Com respeito á <i>proscripção da mulher erudita -da familia</i>, não é, não pode ser, uma regra. -Assim como ha homens que, não obstante -serem <i>intelectuaes</i>, são bons chefes de familia, -o mesmo sucede ás mulheres.</p> - -<p>Nem em Portugal temos o direito de pensar -doutra maneira, tendo na ilustre mulher, que -é uma verdadeira erudita, D. Carolina Michaëlis -de Vasconcellos, o exemplo vivo do que se -pode ser ao mesmo tempo como mulher de -sciencia, como esposa e como mãe exemplar.</p> - -<p>Haverá mulheres que, pela sua profissão, se -vejam obrigadas a estar afastadas do lar e dos -filhos uma parte dos seus dias?... É certo; -mas quantas os não abandonam hôje, sem esse -imperioso motivo? E quantas, tambem, estando -sempre em casa, tendo por unica obrigação o -seu amânho ou direcção, não mandam as criancitas, -ainda mal desmamadas, para a <i>sujeição -das mestras</i>?! Quantas?!... Quasi todas as mães<span class="pagenum"><a name="Page_38" id="Page_38">[Pg 38]</a></span> -sem oficio nem emprego, as da pequena burguesia, -essas mesmas que não querem instruir-se -mais, nem se querem tornar <i>independentes</i>,—exatamente -para não terem a maçada de trabalhar...</p> - -<p>Se, em geral, a mulher portuguêsa filosófa—<i>que -para trabalhar escusava de casar!</i>... Já -os senhores estão vendo o que lhes devem.</p> - -<p>Depois, álêm dessas mulheres que mandam -os filhos para os colegios embora não tenham -emprego fóra de casa, o que diz ás que têm as -suas visitas, os seus passeios, os seus divertimentos, -e que por igual são por esses motivos -<i>imperiosos</i> afastadas dos filhos, com menos -utilidade, parece-me, do que pela doença de um -semelhante ou pela retorta de um laboratorio?!</p> - -<p>Poder-se-ha dizer que a mulher intelectual -despresa os modestos mesteres do seu lar, -quando a propria Clemence Royer costurava a -sua roupa e entretinha os seus ocios trabalhando -como qualquer críaturinha que não saiba -ao certo em que parte do mundo está situado -o paiz que tem a dita de lhe ser berço?</p> - -<p>Não se póde dizer que a mulher erudita tem<span class="pagenum"><a name="Page_39" id="Page_39">[Pg 39]</a></span> -fatalmente de ser <i>uma proscripta do lar</i> exactamente -quando o nome de um homem e duma -mulher, ligados pelo casamento, se uniram para -a sciencia, num triumfo para os dois sexos; -exactamente quando as revistas francêsas nos -trazem o retrato de Mr. e M.<sup>me</sup> Curie acompanhados -muito <i>burguezamente</i> de seu filhito.</p> - -<p>É possivel que eu esteja enganada e seja -exatamente V. Ex.<sup>a</sup> quem tenha razão, mas -como estamos de acôrdo em que se não regateie -educação ao sexo feminino e se acabe assim -com o regimen de <i>prodigios</i> e <i>excepções</i> que -só á causa das mulheres tem prejudicado, é o -principal.</p> - -<p>Que o resto não nos deve preocupar muito -nem devemos aventar hipóteses faliveis, como -tudo que pertence ao futuro e que não temos -base segura para julgar.</p> - -<p>O homem de ámanhã hade procurar a sua -felicidade e a maior porção de bem estar compativel -com a sociedade do seu tempo. Como o -fará não o sabemos, mas é certo que pensará -de maneira diferente do de hôje, como o de -<span class="pagenum"><a name="Page_40" id="Page_40">[Pg 40]</a></span>hôje, como V. Ex.<sup>a</sup> mesmo, pensa decerto diferentemente -do que pensou seu pai e seu avô -sobre os mesmos transcendentes assumptos.</p> - -<p>Acabe-se com todas as prepotencias e todos -os privilegios, tanto de raça, como de classe, -como de sexo, e deixemos que, individualmente, -cada homem e cada mulher, procurem ser felizes -a seu modo, organisem os seus lares como -entenderem,—desde que esse conjuncto se harmonise -numa sociedade de mais justiça e tolerancia.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_41" id="Page_41">[Pg 41]</a></span></p> - -<hr class="chap" /> - -<p class="half-title">III</p> - -<hr class="chap" /> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_42" id="Page_42">[Pg 42]</a></span><br /><span class="pagenum"><a name="Page_43" id="Page_43">[Pg 43]</a></span></p> - - -<div class="chapter-beginning" style="width: 800px;"> -<img src="images/header-p043.jpg" width="800" height="190" alt="Page 43 Header" title="Page 43 Header" /> -</div> - -<h3><a name="III_A_INSTRUCAO" id="III_A_INSTRUCAO"></a>III<br /> -<br /> -A INSTRUÇÃO</h3> - -<div> - <img class="drop-cap" src="images/dropcap-e-acute.png" width="75" height="94" alt=""/> -</div> - -<p class="drop-cap">É fundamental este assumpto, visto que a -nossa civilisação se baseia não na força -mas na inteligencia, não na rotina mas no progresso.</p> - -<p>Todos sabem, e apregôam aos quatro ventos, -que a mulher portuguêsa é ignorante e futil, -que a mulher portuguêsa tem todos os defeitos -dos incultos, não merecendo do homem a consideração -que se tem pelos iguais, mas a tolerancia -que se dispensa ás crianças irresponsaveis.</p> - -<p><i>Coisas de mulheres</i>, dizem por vezes os homens, -mostrando o seu despreso; notando-se<span class="pagenum"><a name="Page_44" id="Page_44">[Pg 44]</a></span> -que os que mais clamam esta superioridade são, -quasi sempre, os mais inferiores...</p> - -<p>Não é isso, porém, o que nos interessa; é -certo que o homem português tem tantos ou -mais defeitos do que a mulher, mas se ella se -transformar, facilmente o corrijirá.</p> - -<p>A mulher tem, em si mesma, bastantes elementos -bons para se modificar, sem se queixar -do homem e esperar que lhe ensine o que elle -mesmo não sabe nem é da sua competencia -saber.</p> - -<p>O homem tem culpa em não elevar a mulher, -em não fazer della a sua companheira de -trabalho e luctas, em temer a ilustração da -mãe de seus proprios filhos; o homem faz mal, -porque rebaixando a mulher não se lembra que -se rebaixa a si proprio que nasceu della e dos -seus labios escutou as primeiras lições da vida. -Mas a mulher póde reagir, póde educar-se a si -mesma, póde, pelo menos, mostrar desejo de -progredir, de se igualar ao homem pelo trabalho -e pela inteligencia cultivada.</p> - -<p>A mulher falha de educação é muito mais -inferior do que o homem, porque são os seus<span class="pagenum"><a name="Page_45" id="Page_45">[Pg 45]</a></span> -proprios defeitos que se tornam qualidades, elevados -pela cultura, encaminhados pela educação. -O que na mulher educada é espirito, é na outra -grossería; o que numa é presciencia, é na outra -desconfiança; o que numa é desenvoltura e -graça, é na outra descaramento; o que numa -é observação, é na outra bisbilhotice...</p> - -<p>Vai-se a uma fabrica ou a uma oficina, passa-se -por uma rua onde ha desenas de homens, -principalmente se forem do povo, não se ouve -um dito desagradavel, não se ouve um riso que -moleste; mas onde estiverem duas mulheres ás -quaes a educação não depurou os defeitos, ou -cujos espiritos não estejam perfeitamente humilhados -pela dependencia, temos dois intoleraveis -animaesinhos que riem, falam, troçam, -olham miúdamente, com o proposito ferino de -irritar e de ferir.</p> - -<p>Por isso, tanto ou mais do que o homem, -necessita a mulher ser educada e ilustrada, e é, -a meu ver, por onde deve principiar a remodelação -duma sociedade que seja progressiva.</p> - -<p>Educar a mulher—eis o problema maximo a -desenvolver e pôr em prática.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_46" id="Page_46">[Pg 46]</a></span></p> - -<p>A isso é que chamâmos feminismo, que não -em pôr gravatas e colarinhos de homem, que -se podem usar como prova de simplicidade ou -de extravagancia, mas nunca como afirmação -de opiniões.</p> - -<p>Educar a mulher dando-lhe meios de poder -auferir com o seu trabalho o suficiente para a -sua sustentação—quando é só—de auxiliar o -homem, esgotado pelo trabalho de sobre-posse -que lhe exige a concorrencia e a carestia da -vida moderna,—quando casada,—parece-nos a -maneira mais prática de a tornar um ser livre, -apta a escolher por motu-proprio o caminho a -seguir direitamente na vida.</p> - -<p>Não temam os homens que a mulher instruida, -por mais liberta, quebre mais facilmente os -laços de conveniencias com que a sociedade a -prendeu. Nem sempre foram os conventos, com -todas as suas grades e portarias, o mais puro -exemplo da castidade feminina; ainda hôje os -harens, com todos os seus guardas e eunúcos, -são para o ciume do macho bem fragil garantia...</p> - -<p>A mulher entregue ao seu proprio discernimento<span class="pagenum"><a name="Page_47" id="Page_47">[Pg 47]</a></span> -fará o que a consciencia esclarecida e -o respeito proprio lhe ensinam, e não o que o -mêdo lhe dictar.</p> - -<p>Que mérito tem a criatura que não falta aos -seus deveres porque está guardada á vista, -como um doido furioso?</p> - -<p>É certo que no nosso povo está tão enraísado -o habito de fazer acompanhar as mulheres, -como signal de grandêsa, que é mais uma nobilitação -do que uma prova de desconfiança.</p> - -<p>Andar só é, ainda hôje, em muitas terras de -provincia, uma vergonha para a mulher, mostrando -que o marido a não présa bastante para -a fazer acompanhar.</p> - -<p>Lá diz a cantiga:</p> - -<div class="poem"><div class="stanza"> -<span class="i0">—«Senhora D. Maria<br /></span> -<span class="i0">O seu <i>Dom</i> não vale nada,<br /></span> -<span class="i0">Vai á fonte, vai ao rio,<br /></span> -<span class="i0">Vai á missa sem criada.»<br /></span> -</div></div> - -<p>Ir á missa <i>sem criada</i> seria, realmente, para -as nobres damas que abrigavam em casa uma -legião de serviçais—criados e filhos de criados, -como outrora tambem os escravos trazidos das<span class="pagenum"><a name="Page_48" id="Page_48">[Pg 48]</a></span> -terras conquistadas a moiros e a negros—a -maior prova de miseria, ou de decadencia financeira.</p> - -<p>A vaidade da fidalguia que é, ainda hôje, -um dos caracteristicos do genio português, nesta -terra em que todos se dizem <i>filhos dalgo</i> e se -sentem com direitos de <i>senhores</i> para escravisar -os mais pequenos, não tolerava á mulher -que aparecesse em publico sem <i>comitiva</i>... -ainda que constasse apenas duma pequena -criadinha.</p> - -<p>É esta <i>fidalguia</i>, mal interpretada, que faz -com que o homem fuja ao trabalho, como á -mais deprimente das servidões, reflectindo-se -bem claramente na educação que se tem dado, -até aqui, á mulher, convencendo-a de que se -inferiorisa se trabalhar para ganhar dinheiro -e auxiliar o homem.</p> - -<p>O nosso paiz resente-se dum mal-estar e -desiquilibrio que vem do conflicto entre o passado -que se desmorona, com todas as suas velhas -ideias e preconceitos, e o presente que -ainda não conquistou todos os espiritos ligados -ás convenções, que já despresâmos no fundo.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_49" id="Page_49">[Pg 49]</a></span></p> - -<p>A nossa geração sofre duplamente pelo embate -dos sentimentos que se entrechocam em -nós mesmos e nas nossas proprias familias...</p> - -<p>Todos apresentam as suas queixas, todos -falam, mas tudo se diz no ar, sem provas -nem proposito firme de conhecer o mal e enveredar -pelo caminho que se nos afigura ser -o melhor.</p> - -<p>Quem quizer fazer alguma coisa entre nós é -preciso revestir-se duma paciencia sem limites -e ter uma coragem excepcional, por isso que -tem de se defrontar com a indiferença de toda -uma nação cançada de aventuras, exausta por -um longo periodo de desilusão e enganos. Tudo -contribue para o desleixo fisico e moral em que -vivemos, desde o sol dôcemente enlanguecedor, -até á ironia dissolvente com que se recebem todos -os enthusiasmos e todas as emprezas que -não tenham por fim o lucro material.</p> - -<p>E no emtanto não devemos desistir da lucta, -devemos pelo contrario ir juntando elementos e -amontoando verdades até que a luz se patenteie -a todos os olhos e seja visivel a todos os cerebros.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_50" id="Page_50">[Pg 50]</a></span></p> - -<p>Uma das nossas maiores vergonhas nacionaes -é, por certo, o analfabetismo, mas o que -agrava essa vergonha é que, no continente, é a -grande maioria das mulheres que eleva pavorosamente -a cifra dos analfabetos.</p> - -<p>E ha ainda quem lhes diga que fiquem <i>em -casa a educar os filhos</i>, em vez de pretenderem -ganhar o seu pão honestamente pelo trabalho!</p> - -<p>Mas ensinar o quê, se ellas não sabem o -mais elementar, se muitas vezes nem sabem -ler e escrever!?</p> - -<p>Dirão que só a mulher do baixo povo é tão -completamente ignorante, mas o que é certo é -que pequenissimo é o numero das mulheres que, -embora saibam ler, se preocupem com as questões -intelectuais e possam, portanto, ser educadoras -dos proprios filhos.</p> - -<p>E todos sabem, principalmente os professores, -quanto custa ensinar crianças que não tiveram -a abrir-lhe o caminho da inteligencia, o -cultivo amoravel da familia, principalmente da -mãe.</p> - -<p>Para ellas tudo é novidade, desde o que<span class="pagenum"><a name="Page_51" id="Page_51">[Pg 51]</a></span> -seja uma montanha até ao pão que metem na -bôca.</p> - -<p>Os professores, mesmo sem querer, o fazem -sentir ás crianças, e é esse sem dúvida o -maior castigo das mulheres ignorantes, que -julgam cumprir o seu dever de mães de familia -governando a casa e vestindo com elegancia -os filhos.</p> - -<p>Mas a triste verdade a confessar, e que é -muito para meditar, é que—do milhão de portuguêses -que sabem ler e escrever a sua lingua, -apenas um terço são mulheres!</p> - -<p>E ainda se queixam quando se diz que a -mulher no nosso paiz é inerte, ignorante e frivola!</p> - -<p>A unica superioridade admitida no nosso -tempo, por mais que se queiram iludir os grandes -da terra, é a da inteligencia. Os mais instruidos -são, evidentemente, os superiores, os -fortes, seja qual fôr a sua posição.</p> - -<p>No tempo em que o mundo se levava á espadeirada, -a força fisica era superior á intelectual -e os homens podiam tornar-se senhores -pelo poder musculoso do seu braço; hôje a<span class="pagenum"><a name="Page_52" id="Page_52">[Pg 52]</a></span> -força fisica vale muito como educação e muitissimo -para produzir saudaveis criaturas, mas -vale muito pouco para aferir superioridades. -Aliás teriamos de acatar o moço de fretes, que -pega numas poucas de arrobas como quem -pega num braçado de flôres, e proclamá-lo -superior, nosso indiscutivel chefe.</p> - -<p>Ninguem irá buscar um hercules de feira -broncamente estupido para o comparar e achar -superior ao sabio empalidecido e enfraquecido -pelas vigilias do estudo.</p> - -<p>O que falta no nosso paiz é a instrução, -principalmente a instrução prática que faz progredir -um povo. Quando é preciso traçar uma -linha ferrea, vêm engenheiros do estrangeiro; -quando necessitâmos dum porto, lá estão as -companhias estrangeiras; quando uma cidade -quer abastecer-se de agua, lá estão os estrangeiros -para lha fornecer; quando é preciso -montar um arsenal ou uma fabrica, lá estão -os especialistas estrangeiros.</p> - -<p>Quasi tudo o que se faz no nosso paiz é práticamente -dirigido por estrangeiros e estrangeiras. -Ainda destas a quantidade não é tão<span class="pagenum"><a name="Page_53" id="Page_53">[Pg 53]</a></span> -grande, mas lá chegaremos, e quando quizermos -utilizar as nossas mulheres em muitos e -variados mesteres, que o futuro por força lhes -hade entregar, já não encontraremos logares -vagos.</p> - -<p>Não nos deixemos embalar com o sonho do -passado; pensemos no futuro, que é o trabalho -e a educação.</p> - -<p>Fomos ha tres seculos um punhado de aventureiros -que realisou a maior aventura que -ainda se havia visto, e imaginâmos que tudo -será perdoado a quem tanto fez e a quem tão -maravilhosamente o soube cantar.</p> - -<p>Mas os tempos são outros, as necessidades -muito outras, e a vida já se não leva a descobrir -caminhos por <i>mares nunca dantes navegados</i>.</p> - -<p>Hôje, que o nosso pequeno planeta está -visto por todos os lados, achâmo-lo pequeno e -temos fome e sêde de mais alguma coisa. O -homem não se cança de saber, de procurar lêr -o passado nas pedras fragmentadas dos monumentos -soterrados, como de procurar o futuro -nos espaços faiscantes de sóes; a tudo aspira<span class="pagenum"><a name="Page_54" id="Page_54">[Pg 54]</a></span> -pela inteligencia, tudo quer comprehender e -possuir.</p> - -<p>A mulher entre nós não póde, por deficiencia -de educação e excessivo acanhamento, ser -a util companheira de tal homem.</p> - -<p>Na idade-média a mulher podia esperar o -marido, que ia ás aventuras fabulosas, sentada -ao bastidor ou á róda de fiar, tecendo com suas -brancas mãos o linho que por si e pelas suas -criadas fôra fiado. Ignorante e passiva, era a -digna esposa do senhor brutal que só conhecia -o direito da força.</p> - -<p>No seculo <span class="smcap">XX</span> a mulher tem de ser outra, -porque outro é tambem o homem e muito diferente -o seu ideal.</p> - -<p>Educar a mãe para ser a educadora dos filhos; -educar a mulher em geral para viver de -si mesma, e para si, quando pertença á enorme -legião das que ficam solteiras e portanto,—<i>sem -filhos a educar nem casa a governar</i>, deve ser -um dos nossos mais porfiados empenhos.</p> - -<p>É este o verdadeiro feminismo.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_55" id="Page_55">[Pg 55]</a></span></p> - -<hr class="chap" /> - -<p class="half-title">AS MULHERES E A POLITICA</p> - -<hr class="chap" /> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_56" id="Page_56">[Pg 56]</a></span><br /></p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_57" id="Page_57">[Pg 57]</a></span></p> - - - -<div class="chapter-beginning" style="width: 800px;"> -<img src="images/header-p057.jpg" width="800" height="233" alt="Page 58 Header" title="Page 58 Header" /> -</div> - -<h2 class="no-break"><a name="As_mulheres_e_a_Politica" id="As_mulheres_e_a_Politica"></a>As mulheres e a Politica</h2> - -<div class="blockquot-half"> - -<p><i>A mulher não hade fazer politica? -Então não hade ocupar-se, já -não digo da sua, mas da sorte de -seu marido, dos seus filhos, ella -que é toda dedicação?!</i></p> - -<p> -<span class="smcap">Dr. Bernardino Machado.</span><br /> -</p></div> - -<div> - <img class="drop-cap" src="images/dropcap-t.png" width="75" height="76" alt=""/> -</div> - -<p class="drop-cap">Transcreve um diario radical,<a name="FNanchor_2_2" id="FNanchor_2_2"></a><a href="#Footnote_2_2" class="fnanchor">[2]</a> não sei -se irritado pelos ultimos casos da politica -portuguêsa, um artigo de Urbain Gohier, -publicado no jornal <i>L'Action</i>, em que as mulheres -são verberadas violentamente, por isso -que se prova que em politica só se obedece aos -seus caprichos, e os seus desejos se antepõem -<span class="pagenum"><a name="Page_58" id="Page_58">[Pg 58]</a></span>aos mais urgentes negocios de estado, de que -dependem os destinos duma nação.</p> - -<p>Porventura é isso novidade para alguem? -Julgaram os homens, por acaso,—tamanha será -a sua ingenuidade?!—que podiam em vão dispôr -de metade da humanidade, redusi-la ao papel -farfalhudo de <i>deusa do lar</i>, <i>nuvem</i>, <i>anjo</i>, -<i>demonio</i>, e todas quantas mais banalidades se -têm dito e escripto ha seculos, e dizer-lhe:—fica -ahi! o teu destino é agradar-me ou servir-me, -conforme o meu capricho de senhor!?</p> - -<p>Não penses; não queiras sahir dos meus -braços, que é só onde podes encontrar o luxo, a -alegria, a vaidade satisfeita, a preguiça que te -pode conservar a belleza material, mas que te -anúla por completo a vontade e a inteligencia, -que dispenso... Salvo se precisar da tua graça -e do teu espirito para chamar aos meus salões -os que a minha energia não conseguir domar, -mas é conveniente que esse mesmo espirito seja -frivolo, feito de sorrisos e de <i>frases do dia</i>, facil -para qualquer mulher, medianamente inteligente, -posta num meio em que as emoções de -arte aguçam os nervos, e o conforto, o luxo, e o<span class="pagenum"><a name="Page_59" id="Page_59">[Pg 59]</a></span> -convivio com pessôas distinctas, adelgaçam intelectos -e limam as arestas plebeias, que denunciariam -logo a humilde procedencia...</p> - -<p>Pois a mulher que só vive de vaidades, que -tem a sua orbita limitada a seguir o <i>astro rei</i> -como palida lua sem luz propria; a mulher -que geralmente só tem um nome respeitado -quando o homem lho dá; a mulher que é educada -para agradar ao homem, para arranjar -pelo casamento uma situação definida na sociedade; -a mulher sem um fim determinado na -sua vida individual, sem um pensamento nobre -a elevar-lhe as aspirações; a mulher escrava -pela força e submetida pelas leis, vinga-se como -sempre se vingaram os escravos—corrompendo.</p> - -<p>O que desejam as mulheres auferir do homem -que as não associou a nenhum dos seus -pensamentos e actos, que a aceita como um presente -e a conserva como um luxo? O que todo -o inferior pretende tirar do que se lhe quer impôr -como <i>senhor</i>, numa revolta amarga de impotencia—a -maior soma de gôso proprio junto -ao menor esforço para o conseguir; o seu prazer,<span class="pagenum"><a name="Page_60" id="Page_60">[Pg 60]</a></span> -a felicidade egoista de quem não tem um -nobre ideal a orientar-lhe a senda da vida.</p> - -<p>É pois criminosa a mulher, e muito, mas -criminosa como a criança que inconscientemente -empurrasse para o abysmo o seu proprio -irmão.</p> - -<p>Responsavel é só o homem, que, cheio de -orgulho, não procura na mulher uma companheira, -uma igual, mas uma inferior, embora -finja endeusá-la para a conservar na rotina e -no servilismo. Tira-lhe a instrução e a sciencia, -como alimentos improprios para estomagos -delicados, e deixa-lhe o sonho e a fantasia, que -as tortura na ânsia louca de encontrar na vida -real o imprevisto de sensações romanescas, -que seduz principalmente os ignorantes.</p> - -<p>Culpado é só o homem que afastou a mulher -proba e culta de todas as luctas em que o destino -de ambos se joga,—pois que a politica é, -ou deve ser, a arte de bem dirigir uma nação, -e a nação pertence tanto ao homem como á mulher—para -se deixar governar por intrigantes -quasi sempre deshonestas, as mais das vezes -inconscientes instrumentos doutros ambiciosos.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_61" id="Page_61">[Pg 61]</a></span></p> - -<p>Afastaram a mulher das altas preocupações -do espirito, puzeram-lhe ao pensamento e á vontade -uma barreira de preconceitos e de ignorancia, -e queixam-se porque ella usa das armas -que tem e gosa o fructo do orgulho masculino!</p> - -<p>Indignam-se contra as mulheres e são os -proprios homens cultos que transigem com -ellas, nas suas crenças e prejuisos; elles, os que -não têm pejo de dizer publicamente que—embora -se sintam libertados, embora os seus espiritos -pairem alto numa atmosfera de saber e de -certeza que os orgulha—consentem que as esposas -continuem a crêr o que elles descrêm, a -vêr o que elles não vêem, a seguir o que elles -não seguem,—porque querem ser <i>tolerantes</i>!</p> - -<p>Não comprehendem, ou não querem comprehender, -o que é peor, que a mulher representa -mais do que o homem na constituição da -familia, porque é a ella que pertence o filho -nos seus primeiros annos, porque á mãe está -confiada a filha até passar para as mãos do -marido. E quantas vezes o homem, num ingenuo -sorriso de criança, encontra os laços que no -futuro lhe hão de manietar o espirito, ou, em<span class="pagenum"><a name="Page_62" id="Page_62">[Pg 62]</a></span> -caso de resistencia, o fundamento para luctas -que lhe despedaçarão a felicidade se teimar em -não se deixar vencer pela persistente e dôce -propaganda das crenças femininas.</p> - -<p>A mulher não póde cortar abruptamente -com um passado, que é toda a sua vida espiritual.</p> - -<p>É preciso que uma forte instrucção a liberte -de caprichos infantis e lhe dê a lucida e precisa -noção do que deve ser a sua força moral.</p> - -<p>Torna-se preciso que o homem já educado -eduque a sua companheira; que o homem livre -escolha a mulher já livre; ou que o homem -saiba transigir com os laços seculares que -muitas vezes ligam a mulher solteira á familia -e á tradição, mas só quando tiverem a certeza -de que esses espiritos, momentaneamente libertados -pelo amôr, não voltarão mais tarde, numa -crise de fastio e abandono, aos ideaes com que -fôram embalados os seus aureos sonhos de menina...</p> - -<p>Não é negando e demolindo que se fórma a -nova alma feminina, que, por sua vez, transformará -o mundo; é elevando a consciencia e<span class="pagenum"><a name="Page_63" id="Page_63">[Pg 63]</a></span> -construindo um novo templo de amôr e bondade -humana, irredutivel e forte, onde o espirito -se inunde de luz e não possa mais mergulhar -na treva.</p> - -<p>O homem livre, o mais responsavel, aquelle -que nos seus jornaes, nos seus livros, nas suas -conferencias, mais clama pela educação da mulher, -reconhecendo na sua falta toda a servidão -das sociedades burguêsas; esse mesmo, falto -de logica quasi sempre, não se faz acompanhar -da sua esposa ou das suas filhas, não as póde -apresentar como exemplo ás outras mulheres, -porque, em geral, são ellas as primeiras a abominar -as suas ideias.</p> - -<p>Quando mesmo as não contrariem nem abominem, -perfilhando-as algumas vezes, são raras -as que o queiram confessar publicamente, sabendo -muito bem que o homem português tem -o terror instinctivo da mulher culta e intelectualmente -independente.</p> - -<p>E só assim ella deixará de ser a pedra atada -ao pescoço do homem, que em vão se esforça -por fugir á corrente da moda em que a maior -parte dos espiritos masculinos vem a naufragar.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_64" id="Page_64">[Pg 64]</a></span></p> - -<p>Não é a mulher educada e orientada na -consciencia dos seus deveres e obrigações sociaes -a que merecerá nunca a frase seguinte -do jornal a que me refiro:—<i>capricho que é -um erro proprio da fórma de ser do espirito -feminino</i>.</p> - -<p>O espirito da mulher não tem atributos proprios, -como a sua inteligencia e as suas aptidões -não podem ser limitadas autoritariamente, -circunscriptas a um certo e inultrapassavel -perimetro.</p> - -<p>Ha mulheres caprichosas por defeitos de -educação ou de temperamento, consumidas de -mesquinhas invejas e pequenas revoltas de impotentes, -como ha tantissimos homens sem -energia, que nas suas proprias revoltas são -irritantes, falsos e untuosos, como costumam -classificar as mulheres.</p> - -<p>Escolham os homens livres companheiras -que egualmente o sejam; determinem-se os -campos, forme-se a familia pelas convicções de -cada um e não pelas convenções duma sociedade -que não tem sinceridade nem nobrêsa, e -a transformação será completa.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_65" id="Page_65">[Pg 65]</a></span></p> - -<hr class="chap" /> - -<p class="half-title">SER PORTUGUÊS</p> - -<hr class="chap" /> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_66" id="Page_66">[Pg 66]</a></span><br /></p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_67" id="Page_67">[Pg 67]</a></span></p> - - - -<div class="chapter-beginning" style="width: 800px;"> -<img src="images/header-p067-207.jpg" width="800" height="211" alt="Page 67 Header" title="Page 67 Header" /> -</div> - -<h2 class="no-break"><a name="Ser_portugues" id="Ser_portugues"></a>Ser português</h2> - - -<div class="blockquot-half"> - -<p>«<i>Como hade a mulher educar -os filhos no civismo, se o não praticar?</i>»</p> - -<p> -<span class="smcap">Dr. Bernardino Machado.</span><br /> -</p></div> - -<div> - <img class="drop-cap" src="images/dropcap-c.png" width="75" height="74" alt=""/> -</div> - -<p class="drop-cap">Conserva-se a mulher portuguêsa numa -entorpecida indiferença pelas questões -da actualidade, mesmo por aquellas que mais -de perto a deviam interessar.</p> - -<p>Alem dos cuidados, mais ou menos caseiros, -deveria a mulher interessar-se pelas questões -de civismo, como pelos varios problemas sociaes, -que tambem de perto e profundamente a -tocam, não só na sua vida individual como na -sua influencia na familia.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_68" id="Page_68">[Pg 68]</a></span></p> - -<p>O individuo pertence á familia, a familia á -sociedade, e o que interessa esta por força -hade interessar aquelle, numa sociedade bem -organisada e equilibrada.</p> - -<p>Não póde pois a mulher, principalmente -quando é mãe, conservar-se na abstenção culposa -em que tem vivido até aqui a mulher portuguêsa.</p> - -<p>Ao seu espirito desocupado passa tão despercebido -que um pedaço das colonias seja retalhado -á patria, como um novo emprestimo ou -uma sobrecarga de impostos—que venham agravar -as condições geraes da vida, já de si tão -dolorosas—sejam votados e postos em execução.</p> - -<p>Qual a alma de mulher que vibra de enthusiasmo -ao lêr uma pagina vehemente de patriotismo? -Qual a que se desespera e indigna -vendo a derrocada de caracteres que nos arrasta -para um fim vergonhoso?!</p> - -<p>Convenceram-na—e ella acreditou!—de -que não deve pensar em <i>politica</i>, porque isso -lhe tira toda a modestia e ductil graça tornando-a -uma desagradavel <i>Maria da Fonte</i>; e, -no entanto, não sendo ouvida quando se trata de<span class="pagenum"><a name="Page_69" id="Page_69">[Pg 69]</a></span> -novos emprestimos, despesas extraordinarias e -desequilibrios orçamentaes, mais do que ninguem -os sente e sofre ella, na sua qualidade -de reguladora das despesas da familia.</p> - -<p>A mulher, e, o que é mais, a mãe, não se -interessa pelos trabalhos intelectuais que o filho -tem a seguir, não estuda as questões pedagogicas, -não impõe a sua vontade, só se fôr -para lamentar a criança, que tem de se maçar -com tantos livros... Não pensa nem dá importancia -á educação dos rapazes, isto é, dos homens -que hão-de ser os maridos das suas filhas, -os pais educadores dos seus netos; não se indignam -nem protestam contra as injustiças e -prepotencias que a seu lado se praticam, como -não se enthusiasmam por uma manifestação -da arte nacional ou por um acto de coragem e -hombridade que levante, ao menos por instantes, -o nome português.</p> - -<p>A mulher, a mãe, recebe com o mesmo sorriso -carinhoso o filho que passou num exame -por empenhos, como se elle fosse um consciencioso -estudante; o que compra o emprego, sabendo -que comete uma ilegalidade; o marido<span class="pagenum"><a name="Page_70" id="Page_70">[Pg 70]</a></span> -que por comodismo ou por interesse aceita todas -as imposições dos superiores, sem um protesto -de consciencia; o noivo que apresente -mais valiosos titulos de renda, seja qual fôr a -sua procedencia.</p> - -<p>A mulher, que hade no futuro ser acusada -por todas as faltas civicas do seu tempo, julga-se -desobrigada porque delegou no homem -todas as responsabilidades e todos os encargos -da governança publica.</p> - -<p>Ora isto não é assim, porque, de todos os -crimes civicos do homem, é a mulher a verdadeira -culpada.—«<i>Deante da esposa e talvez -ainda mais das filhas, quando civicamente educadas</i>—diz -o sr. dr. Bernardino Machado—<i>ninguem -se atreveria a aparecer depois duma -má ação na sua vida publica.</i>»</p> - -<p>Grande é pois a responsabilidade da mulher -no estado de depressão moral, que é a caracteristica -da sociedade portuguêsa dos nossos -dias.</p> - -<p>Não posso crêr que seja isto falta de sentimento, -essa flôr delicada que dizem ser apanagio -do coração feminino e que é a ultima que<span class="pagenum"><a name="Page_71" id="Page_71">[Pg 71]</a></span> -nelle fenece; não posso crêr que a generosidade, -o altruismo, a coragem, que em todos os -tempos nimbaram de luz o espirito da mulher -portuguêsa, a tenham abandonado de todo, para -sómente se manifestarem em algumas almas -masculinas.</p> - -<p>Não, não é isso possivel, que seria contrariar -todas as leis da natureza, falsear todas as -tradições, duvidar de tantissimos factos que -nobilitam a mulher do nosso paiz.</p> - -<p>É que hoje, desinteressadas por educação e -por habito das questões que tanto preocupam o -espirito masculino, não pensam que—em todos -os actos da vida nacional em que os seus nomes -entrassem, protestando pelo direito e pelo -dever contra a injustiça, a força e a intriga -politica, seria uma afirmação dos seus sentimentos -civicos e a próva de que comprehendiam -as questões de que depende a felicidade -da sua Patria, o futuro honrado dos seus filhos.</p> - -<p>Com esse simples acto espontaneo da vontade, -provariam que o seu sexo, embora afastada -das luctas que se dirimem dia a dia no jornalismo<span class="pagenum"><a name="Page_72" id="Page_72">[Pg 72]</a></span> -e na politica de <i>dize tu direi eu</i>, que é -a politica portuguêsa dos ultimos tempos, acompanha -e apoia os homens, quando justa e nobre -é a sua causa.</p> - -<p>Mostrariam conhecer os deveres e os direitos -que assistem a todo o cidadão livre, seja -homem ou mulher, de protestar contra os actos -que a sua consciencia repudía, embora praticados -á sombra das leis.</p> - -<p>Tendo dado essa prova de individualidade -mostrarieis ser, senhoras, as mulheres que deveis -ser para que os vossos filhos, no futuro -proximo que os espera—quem sabe de que -vergonhas e miserias tecido!—tenham a nobre -coragem de se sacrificarem pelo resurgimento -da Patria Portuguêsa.</p> - -<p>Mas sabeis porventura o que é <i>sêr português</i>, -vós que falais a lingua que tem todas as energias -do mar bravo e todas as doçuras dum -poente entre pinhaes rumorejantes?...</p> - -<p>Sabeis o que é <i>sêr português</i>, vós que pizais -indiferentes uma terra tantas vezes embebida -em sangue dos que luctaram até á morte para -a tornar uma Patria livre?...</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_73" id="Page_73">[Pg 73]</a></span></p> - -<p>Sabeis o que é <i>sêr português</i>, vós que respirais -o aroma das flôres que por toda a parte -desabrocham em hilariantes coloridos, neste -abençoado canto do universo?!...</p> - -<p>Sabeis o que é <i>sêr? português</i>, vós que recebeis -a dulcida caricia dum céo limpido, que -passeais os vossos olhos sobre as aguas movediças -que levaram os nossos antepassados á -aventura gloriosa de descobrir novos caminhos -e novos mundos maravilhosos, essas aguas que -trouxeram, em paga de tanto esforço e tanta -heroicidade, o oiro, as pedrarias, a riquêsa que -deslumbrou o mundo e—ai de nós!—pela vaidade -nos perdeu!?</p> - -<p>Sabeis o que é <i>sêr português</i>, senhoras!?...</p> - -<p>Pesa-me dizer-vos que, salvo algumas excepções, -não o sabeis.</p> - -<p>Que isto vos não cause enôjo, e que sobre a -minha cabeça não cáiam as vossas ironias e -odios!</p> - -<p>Se vós o não sabeis, pouca ou nenhuma -culpa tendes, que de longe vem o despreso pela -vossa educação, que de bem longe vem o mal -que nos está ligando como cadaver embalsamado<span class="pagenum"><a name="Page_74" id="Page_74">[Pg 74]</a></span> -prompto a entrar para o tumulo historico -das nações que só vivem do passado.</p> - -<p>Mas podeis ainda resistir. É tempo ainda de -sacudir a apathia egoista em que vos conservaes -ante todas as angustias colectivas do paiz, -e mostrar ao mundo que o povo português não -morreu ainda, porque as suas mulheres, as -mães, têm sempre no coração a imagem estremecida -da Patria, e ensinam os filhos a respeita-la, -a ama-la mais do que á sua noiva, mais -do que aos seus proprios pais.</p> - -<p>A nação amada pelas mulheres não morre -nunca na historia.</p> - -<p>Martirisada, dividida, conquistada, não morre -emquanto as mães transmitirem aos filhos, -com o leite dos seus peitos, o sangue das suas -veias, o fogo das suas palavras, o despreso aos -vencedores e o amôr á terra que foi de seus avós, -á terra onde existe a sua casa, que é o seu lar.</p> - -<p>Começam por ensinar-lhes no berço, acalentando-os -com ellas, as lendas e cantares da -sua patria; acabam por lhes indicar o caminho -por onde enveredaram os que sofreram e morreram -contentes pela sua gloria.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_75" id="Page_75">[Pg 75]</a></span></p> - -<p>Falo-vos ao sentimento, eu sei, mais do que -á razão, mas prouvéra a Deus que fôsse o sentimento -que guiasse ainda o nosso paiz! Quando -uma patria é nova, crente, esperançada e forte, -firmando-se no amôr e no enthusiasmo dos seus -filhos, não se prende por conveniencias, não -recúa ante o perigo, não sabe contar os inimigos -que a atacam, para os vencer. Por isso -avança, torna-se inolvidavel na historia, como -nós o fômos!</p> - -<p>Só na decadencia se aprende a transigir, decadencia -que tanto póde ser material como moral, -decadencia que é, a maior parte das vezes, -filha só do egoismo, do desejo inferior de gosar -sem que o gôso dos outros nos seja preciso -para a felicidade propria.</p> - -<p>E no nosso paiz transige-se para se estar -bem com todos, transige-se por preguiça de -discutir, transige-se por uma emaranhada teia -de preconceitos, de pequeninas considerações -que amolecem o ânimo, quebrantam as vontades, -e fazem das oposições uma coisa ridicula, -porque não têm éco nas almas, ou são, quando -muito, um brado louco e desacompanhado de<span class="pagenum"><a name="Page_76" id="Page_76">[Pg 76]</a></span> -quem vê uma grande multidão correr para um -abismo e nada póde fazer para a sustêr e salvar.</p> - -<p>Mas não ensineis a vossos filhos essa excessiva -transigencia, senhoras! Deixai aos moços -o enthusiasmo e a fé; não estanqueis a fonte de -coragem e energia e justiça que existe em toda -a alma joven!</p> - -<p>Levantai o espirito para mais nobres ideais, -não vos amesquinheis numa abstenção que não é -modestia mas ignorancia, indiferença, covardia -das vossas almas que assim querem fugir á dôr -forte e nobre do sêr que aspira—a ascender, -na escala zoologica, de simples animal de instinctos -para criatura de espirito e de vontade.</p> - -<p>Não tenhais mêdo da dôr intelectual que -retorce febrilmente os nervos em convulsões de -agonia e aperta a garganta inchada de soluços -num estrangulamento de desespero, vós, as -mães, que sofresteis corajosamente a dôr fisica -de ter um filho! Tornai-vos conscias da grande -missão que é de vosso dever desempenhar, com -a firme certeza de que não ha paiz grande onde -a mulher seja inferior.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_77" id="Page_77">[Pg 77]</a></span></p> - -<p>Vós, mães e educadoras, que tendes a vosso -cargo pequenas almas em embrião a despertar -para a luz, ensinai-lhes primeiro do que tudo, -e antes de tudo,—a serem portuguêses.</p> - -<p>E ser português é amar a sua terra entranhadamente, -religiosamente, esta terra de que -somos filhos e não podemos despresar sem nos -despresarmos a nós mesmos.</p> - -<p>Ser português é aprender a sua lingua antes -de nenhuma outra; é lêr os livros que portuguêses -têm escripto; é conhecer os seus artistas; -não despresar as suas industrias; comer o -producto da sua terra; amar as paisagens, ora -recortadas em fundo grandioso de montanhas, -ora espraiando-se em campinas onde as searas -ondulam em marés verdes de esperança e -os gados pastam com fartura; cantar as suas -canções; folgar com as festas do seu povo; -amar a sua flóra tão simples e graciosa; estudar -a sua arte em todas as manifestações, desde -a bilha de barro abrindo-se em duas azas, recordando -a amfora romana, tão gentilmente -posta sobre a cabeça da rapariga de Coimbra, -até á magnificente fabrica do mosteiro da Batalha,<span class="pagenum"><a name="Page_78" id="Page_78">[Pg 78]</a></span> -sem esquecer o mobiliario severo e nobre -dos nossos avós, a ourivesaria subtilmente -trabalhada, os tecidos, a ceramica, as rendas, -que, em tudo, houve tempo em que fomos -<i>alguem</i>.</p> - -<p>Se o não somos hôje, cuidais que os artistas -e a patria é que são os responsaveis de tão grandes -decadencias?</p> - -<p>Não; uma, não póde nada, prisioneira do oiro -nas mãos dos usurarios; os outros, sem estímulo -nem público que lhes pague as fadigas e -os empurre para o exito, ou lhes mostre pelo -despreso a inferioridade do trabalho, retiram-se -do campo onde a mediocridade dá leis. São -poucos os que á força de vontade e coragem -conseguem não esmorecer, trabalhando mais -para satisfação propria do que pelos lucros materiais.</p> - -<p>Que a Arte não dá hôje gloria em Portugal, -e muito menos riqueza.</p> - -<p>Se não sômos o que já fômos é que uma -educação fundamentalmente portuguêsa falta -por completo no nosso paiz.</p> - -<p>A criança começa por interessar os olhos<span class="pagenum"><a name="Page_79" id="Page_79">[Pg 79]</a></span> -ingenuos nas estampas dos livros estrangeiros—ou -vindas do estrangeiro para adaptar a coisas -portuguêsas, o que é peor ainda!—por lêr -traduções das historias que nos outros paizes -se fazem para os pequeninos; por vestirem luxuosos -vestidos cujos modelos vieram de fóra; -por só apreciarem as flôres exoticas cultivadas -com mimos de estufa, despresando a simples -e honesta flora portuguêsa, tão espontanea e -bella; por vêr as habitações dum tão duvidoso -gosto de importação, os brinquedos, a loiça, os -navios, os carros, os velocipedes, que tudo nos -vem do estrangeiro e nos dá o aspecto banal e -miseravel de povo sem nacionalidade.</p> - -<p>Só vós, senhoras, podereis levantar-nos -desta situação por demais incaracteristica e infamante!</p> - -<p>Só vós podereis insuflar na alma dos moços o -respeito pelo passado, o horror da situação -presente, e a esperança consoladora num futuro -melhor!</p> - -<p>Num futuro que não está nos cursos complicados, -nas repartições da burocracia, nos -feitos das vanglorias militares com <i>sobados</i> africanos,<span class="pagenum"><a name="Page_80" id="Page_80">[Pg 80]</a></span> -mas nas oficinas, nas fabricas que nos -poderão criar industrias exportadoras, no cultivo -da terra que nos dá o pão do nosso sustento, -o linho da nossa roupa, as fructas mais -delicadas, o arroz, a cortiça, o vinho, as conservas, -e tantissimas coisas que já hôje se exportam -a mêdo e que poderão ser outras tantas -fontes de riqueza, se a ellas se dedicarem inteligencias -e dinheiro que mal parados andam -umas e outro.</p> - -<p>E nós, as mulheres, que temos nas nossas -mãos a alma dos nossos filhos, que é como -quem diz o futuro e a esperança, ensinêmos-lhes -a despresarem o caminho das transigencias -acomodaticias e a fugir do fatalismo musulmano -com que temos acolhido, de braços -cruzados, todos os desastres e toda a decadencia -da nossa nacionalidade.</p> - -<p>Preparêmo-los para que entrem na vida -cheios de coragem e energia para o trabalho, -renegando as miserias e as vergonhas de agora, -e façam resurgir das ruinas duma sociedade -que se anulou a si mesma, um Portugal novo, -conscio de si, altivo e digno.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_81" id="Page_81">[Pg 81]</a></span></p> - -<p>Nas vossas mãos, senhoras, está a rehabilitação -das humilhações e vergonhas que ha dois -seculos formam o triste fundo da nossa vida -pública.</p> - -<p>Nas vossas mãos está a morte definitiva da -Patria Portuguêsa ou o seu resurgimento para -o trabalho e para a vida.</p> - -<p>Ponhâmos de parte as frivolidades que nos -ensinaram a crêr que são a maior graça do -nosso sexo, e sejâmos <i>mulheres</i> como o devemos -ser:—criaturas conscientes e autónomas, -companheiras e aliadas do homem, as verdadeiras -educadoras de seus filhos.</p> - -<p>Como a dama romana que mostrava os filhos -como as unicas joias de preço que possuia, -tiremos nós mais gloria em mostrar os nossos -como cidadãos livres, sobrios e honestos, em -vez de lhes darmos exemplos de ostentação e -grandêsa que se não coadunam com a modestia -da nossa terra e só provam a decadencia moral -da sociedade em que vivemos.</p> - -<p>Pensai nisto, senhoras, e ensinai-o a pensar -a vossas filhas, porque tem mais interesse para -o seu futuro e para o dos seus noivos do que o<span class="pagenum"><a name="Page_82" id="Page_82">[Pg 82]</a></span> -ultimo figurino, ou a ultima valsa tocada de -ouvido ao piano.</p> - -<p>Fazei de vossos filhos homens saudaveis de -corpo e de alma, e das vossas filhas as companheiras -dignas desses homens, capazes de -os auxiliar no trabalho, alegres nas privações -como modestas na grandêsa, e tereis cumprido -a mais bella missão da mulher, dado a mais -alta lição de verdadeiro e salutar patriotismo.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_83" id="Page_83">[Pg 83]</a></span></p> - -<hr class="chap" /> - -<p class="half-title">NO ANNIVERSARIO DUMA ESCOLA</p> - -<hr class="chap" /> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_84" id="Page_84">[Pg 84]</a></span><br /></p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_85" id="Page_85">[Pg 85]</a></span></p> - - - -<div class="chapter-beginning" style="width: 800px;"> -<img src="images/header-p085-241.jpg" width="800" height="213" alt="Page 85 Header" title="Page 85 Header" /> -</div> - -<h2 class="no-break"><a name="No_anniversario_duma_Escola" id="No_anniversario_duma_Escola"></a>No anniversario duma Escola</h2> - -<div> - <img class="drop-cap" src="images/dropcap-p.png" width="75" height="75" alt=""/> -</div> - -<p class="drop-cap">Pela descripção da festa realisada este -anno<a name="FNanchor_3_3" id="FNanchor_3_3"></a><a href="#Footnote_3_3" class="fnanchor">[3]</a> na «<i>Escola 31 de janeiro</i>» deveis -saber que alguns homens dos mais notaveis -pelos seus talentos e caracteres se referiram -a nós, mulheres, em varias passagens das -suas orações eloquentes. E para frisar essas -passagens vos escrevo, porque é do vosso interesse, -do interesse de nós todas que se trata,—e -todas deveis saber o que valeis e quanto a -sociedade espera e tem direito a esperar da -vossa cultura e ação inteligente.</p> -<p><span class="pagenum"><a name="Page_86" id="Page_86">[Pg 86]</a></span></p> -<p>Foi-me grato encontrar nas palavras da luminosa -e bondosa alma que é o dr. Manuel de -Arriaga, um apêlo á mulher portuguêsa—<i>que -tem sido até hôje</i>, no seu proprio dizer, <i>o -maior auxiliar da tirania</i>.</p> - -<p>Mas um auxiliar inconsciente, dizemos por -desculpa, se a inconsciencia a póde ser, não o -sendo a <i>ignorancia das leis</i> perante o delicto a -punir.</p> - -<p>Apraz-me conhecer a opinião do infatigavel -batalhador sr. Heliodoro Salgado, porque essa -opinião coincide com a minha, expressa em -muitas paginas destas mesmas cartas, espalhada -por artigos e correspondencia particular -que sobre o assumpto ha muito tenho escripto.</p> - -<p>Comoveu-me o pedido do sr. dr. Teixeira -de Carvalho, o energico e brilhante espirito, -feito <i>ás Mães Portuguêsas</i>.</p> - -<p>Não fômos esquecidas, nessa manifestação -de quanto póde a inteligencia e a vontade aliadas -no bem—exercicio de força que não tem -por campo de manobras os montes e as encostas -duma região, mas o espaço infinito do pensamento. -Não tem horizontes que se fechem<span class="pagenum"><a name="Page_87" id="Page_87">[Pg 87]</a></span> -em recorte de montanhas agrestes, é campo -aberto a todas as energias e vontades, esplendente -de luz que não queima em fantasmagorias -dolorosas de febre, mas que ilumina as -almas e aclara os espiritos, fazendo-os ascender -ás regiões superiores da verdadeira e pura -Consciencia.</p> - -<p>Se pudessemos ter assistido a essa reunião -em que festejou a criança—a pobre criança portuguêsa, -tão tristemente educada, tão despresada -mesmo!—o amoravel apostolo da educação -dr. Bernardino Machado, mortificar-nos-ia -o sentimento da propria inferioridade, que não -nos deixaria responder com a confissão das -nossas culpas, mas tambem com o nosso libello -acusatorio aos homens livres, que têm consentido -em que as mulheres sejam as mais ardentes -adversarias dos seus ideais, o auxiliar passivo -e inconsciente da tirania e do retrocesso.</p> - -<p>É justa, se bem que implicada de censura -amarga aos homens, a frase do sr. Heliodoro -Salgado:—<i>resgatêmos a mulher da ignorancia -a que a temos condenado e ella será a nossa -cooperadora na revolução</i>.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_88" id="Page_88">[Pg 88]</a></span></p> - -<p>Educar a mulher; torná-la util a si e aos -seus, pelo trabalho remunerado; escolher cada -homem livre esposa que o seja, não só do corpo -mas tambem do espirito, não só humilde e paciente -dôna de casa, mas nobre e inteligente -educadora, fóco de luz e de bondade superior, -irradiando na familia, como sol por onde se norteia -a alma caminhando para o futuro.</p> - -<p>Se assim fosse, a revolução deixaria de ser -um facto brutal e rude para ser tão sómente -uma evolução triumfante para a humanidade -que marcha e se resgata...</p> - -<p>Não ha homem que se possa dizer livre, e -que afoitamente possa responder pela sua propria -consciencia, em todas as horas de desfalecimento -e de dôr, quando a seu lado tenha—ignorante, -mas teimosa na crença; sem brilho -na palavra, mas cheia de convicção no olhar; -sem convencer pela razão, mas abalando pelo -comentario de cada hora—a mulher que é a -sua companheira, que foi talvez a sua paixão, -que é a mãe dos seus proprios filhos.</p> - -<p>A mulher, sempre atrazada, por mingua de -educação, no evolucionar das aspirações e das<span class="pagenum"><a name="Page_89" id="Page_89">[Pg 89]</a></span> -novas crenças sociaes é o agente mais importante -do retrocesso e da rotina.</p> - -<p>É ella que em politica, como em sciencia, -como em tudo mais, é sempre pelos velhos preconceitos, -pelo estatuído, pelo comodismo egoistico -e enervante do <i>seguro</i>, pelo que ouviu tradicionalmente -e não discute nem quer ouvir -julgar nem discutir...</p> - -<p>Ora a tradição e o respeito pelo passado, se -é uma virtude e um estudo indispensavel para -o conhecimento perfeito dos costumes e reconstituição -historica de uma época, como norma de -vida e como crédo intangivel é a negação de -todo o progresso e de toda a civilisação.</p> - -<p>Conversando ha dias com um pobre barqueiro, -de rio acima, ouvimos-lhe, no limitado -e pitoresco vocabulario do seu chão estilo, esta -observação que é curiosa, pelo que nos revela -mais do que pelo que nos diz:—agora—dizia—está -tudo mais <i>esperto</i>. O que antigamente -só podia fazer um homem velho no oficio -e cheio de experiencia, fa-lo hôje, quasi sem -custo, um rapaz de dezeseis annos. Os senhores -haviam de vêr como rapazinhos governam ahi<span class="pagenum"><a name="Page_90" id="Page_90">[Pg 90]</a></span> -barcos, rio acima, conhecendo todos os esteiros -e manobrando dentro dos canaes das marinhas, -como os velhos só o faziam dantes ao -cabo de muitos annos lidarem por aquelles sitios. -<i>É que está agora tudo mais esperto!</i>—Repetia, -concluindo, a frase que era o seu bordão.</p> - -<p>Não é porque esteja tudo mais <i>esperto</i>, como -queria o homensinho, comprehendem muito -bem, mas é porque está tudo um pouco mais instruido. -Um rapaz de dezeseis annos que sabe -lêr o seu roteiro é incomparavelmente superior -ao velho ignorante que só na memoria póde armazenar -conhecimentos e esses mesmos com -lentidão e insuficiencia adquiridos pela prática.</p> - -<p>A mulher portuguêsa tem vivacidade de espirito -e assimilação facil; não lhe falta o enthusiasmo -nem a paixão; bastaria pois que a educassem -e a orientassem.</p> - -<p>Mas de quem póde esperar esse forte impulso -libertador, unico capaz ainda de levantar -a alma portuguêsa a toda a altura da exigente -vida moderna? Dos pais que não educam as -filhas como criaturas humanas e sim como -bonecas de corda, de que é preciso vigiar o<span class="pagenum"><a name="Page_91" id="Page_91">[Pg 91]</a></span> -maquinismo, e que em vez de lhes fornecerem -educação que lhes garanta o futuro pensam -com afinco em lhes amoedar o dóte, que mais -facil lhes torne o casamento? Das mães, que não -comprehendem o que hôje se chama educação -feminina e ainda se surprehendem e assustam -com inovações de que ouvem falar vagamente? -Do homem, já amezendado na vida, comodista, -defendendo por egoismo o que lhe satisfaz as -aspirações de senhor; querendo a esposa muito -sua humilde companheira, hôje prompta a servi-lo, -ámanhã a ser a criada dos seus filhos?...</p> - -<p>De nenhum desses póde receber o salutar -influxo que a torne a companheira condigna do -homem civilisado, que a sociedade prepara no -seio revoltoso das luctas e desesperos de hôje -para um ámanhã mais justo.</p> - -<p>É dos rapazes novos—não daquelles que -entraram na vida tarados para o ramerrão comodista -dos empenhos e empregos públicos, -numa covardia mórbida para a revolta e para -a lucta—mas duma pleiade de moços a sair das -escolas, cuja alma sentimos palpitar numa <i>aspiração -perfeita das suas responsabilidades</i>,<span class="pagenum"><a name="Page_92" id="Page_92">[Pg 92]</a></span> -como disse o Snr. Teixeira de Carvalho. São esses -os que as podem encaminhar para a emancipação -intelectual, esses os que devem colocar-se -ao lado das suas irmãs e, tornando-as -as suas verdadeiras companheiras, prepararem -o seu proprio futuro de serenidade e confiança -no lar.</p> - -<p>Então o homem póde entrar com segurança -na vida e ferir as batalhas mais sangrentas -sem o receio de ver atraiçoada a sua obra na -propria casa, na sua familia, pela companheira -da sua vida, e pelos filhos educados no despreso -e no odio ás suas ideias.</p> - -<p>O que em Portugal se tem feito pela mulher -é pouco e máu, mas o que se tem feito pela -criança é ainda menos e peor, se é possivel.</p> - -<p>Por isso nos consola uma festa como a da -<i>Escola 31 de Janeiro</i>, iniciativa de rapases das -escolas, sustentadas em annos consecutivos de -lucta pela esforçada coragem de dois ou três -que não debandaram nem desanimaram, passado -o primeiro momento do arrebatado enthusiasmo -da alma meridional.</p> - -<p>Era isto, que fizeram alguns rapases das escolas,<span class="pagenum"><a name="Page_93" id="Page_93">[Pg 93]</a></span> -isto que fazem hôje e sempre os snrs. -Luiz Derouet, Santos Franco e outros, não afrouxando -nunca na propaganda, não esmorecendo -na campanha contra a indiferença do público; -era isto o que eu desejava que as mulheres fizessem. -Não as casadas, que têm a sua vida, os -seus filhos, os seus encargos, mas as raparigas -que estudam e pensam; senhoras novas e inteligentes -que do pouco fizessem muito á força de -energia e amôr pelas crianças, raparigas modestas -que desejassem fazer obra de honestidade -e proveito e não especulação caridosa para -arranjar noivo mais depresa.</p> - -<p>Seriam essas, as futuras mães e educadoras, -quem desejariamos á frente de escolas e -institutos infantis, criados pela sua iniciativa, -vivendo do seu benefico influxo.</p> - -<p>Ahi, no convivio da alma da infancia, tão -obscura e complexa, aprenderiam o seu papel -de mulheres na familia.</p> - -<p>Na <i>créche</i>, ellas aprenderiam a enfachar um -pequenino corpo leitoso e mole, que mais tarde -a natureza lhe porá ao seio e que as suas mãos -inhabeis mal poderão tocar com mêdo de que<span class="pagenum"><a name="Page_94" id="Page_94">[Pg 94]</a></span> -se despedace. Aprenderiam quais as doenças -que mais adquire a primeira infancia; qual a -maneira de as evitar e combater, o que se chama -a hygiene propriamente infantil.</p> - -<p>Na <i>escola maternal</i>, aprenderiam, ensinando, -como é facil educar e instruir crianças de -menos de seis annos, conservando-as sempre -na atmosfera alta da curiosidade e da aprendisagem.</p> - -<p>Na <i>escola primaria</i> comprehenderiam quanto -é agradavel e facil ensinar crianças, quando a -familia ou a primeira escola as enviarem já -com o raciocinio desabrochado e com certas -noções da vida e da natureza que as rodeia.</p> - -<p>Nos <i>hospitaes</i> adiquiririam aquella prática -de tratar os pequeninos doentes, que tão custosamente -obtêm as mães quando a alma lhes -sangra pelo soffrimento dos seus filhitos.</p> - -<p>Nas <i>escolas-oficinas</i>, nas escolas práticas -de cosinha, de costura e de governo de casa, -em toda a parte onde se trabalhasse pela criança, -a mulher solteira poderia formar o seu caracter, -conhecer e fortalecer as suas aptidões, -fazer a si mesmo a educação que a tornasse<span class="pagenum"><a name="Page_95" id="Page_95">[Pg 95]</a></span> -util a todos e lhe desse para o futuro a certeza -de poder contar comsigo para provêr á propria -subsistencia.</p> - -<p>A menina solteira no nosso paiz tem uma -vida sem responsabilidades sociaes e a maior -parte das vezes sem utilidade nenhuma.</p> - -<p>Anda na escola ou no collegio—as que não -vão para os internatos—até a saia lhe descer -do joelho e roçar no cano da bóta. Aos primeiros -signaes da puberdade, os pais atarantam-se, -num pánico de grandes perigos a recear, e -a pequena recolhe a casa.</p> - -<p>Depois, se a fortuna o comporta, vem o professor -particular ensinar o que póde a quem -não estuda nem deseja saber, desde a pintura -sem desenho até á musica sem rudimentos. As -que não pódem ter professores ficam em casa -com o pouco que aprenderam, a esperar que os -annos, na sua fugitiva carreira, lhes tragam o -noivo correspondente.</p> - -<p>Vestem com elegancia, mas não sabem fazer -os seus vestidos; sabem pôr sobre os seus cabellos -frisados o mais disforme e complicado -chapéo, mas não o sabem enfeitar por suas proprias<span class="pagenum"><a name="Page_96" id="Page_96">[Pg 96]</a></span> -mãos; não costuram nem bordam a roupa -da casa; não talham as suas camisas; não -cosinham ou sabem dirigir o jantar da familia; -não tomam a si o encargo de criar e -educar os irmãosinhos mais novos. As mães -poupam-nas o mais possivel. <i>É o seu bom tempo</i>—dizem. -<i>Deixá-las, lá virá época em que -tudo aprendem á sua custa!...</i></p> - -<p>Pobres dellas! Não viram, no seu exemplo, -quantas amarguras representa essa <i>aprendizagem -á propria custa</i>, desde o mau humor do -marido que vê tudo feito por mãos inexperientes -até ao desrespeito das criadas por quem não -as sabe mandar nem ensinar.</p> - -<p>A rapariga portuguêsa não é um sêr util e -respeitavel, de que os rapazes sejam fraternaes -companheiros, lendo os mesmos livros, interessando-se -pelos mesmos assumptos, conversando -naturalmente em qualquer ocasião e com qualquer -pessôa que se encontrem.</p> - -<p>Não, ella é uma criatura no papel passivo -de pretendente, esperando vagamente o numero -da loteria—que lhe <i>dê o premio</i>.</p> - -<p>Depois, conforme este seja, grande ou pequeno,<span class="pagenum"><a name="Page_97" id="Page_97">[Pg 97]</a></span> -isto é, marido rico ou pobre, terá então que -adaptar a trouxe-mouxe as suas qualidades assimiladoras -e resignar-se ao trabalho ou pavonear-se -soberbamente no luxo e na inactividade.</p> - -<p>Para tudo está preparada, não estando habilitada -para coisa alguma.</p> - -<p>A rapariga portuguêsa é, em resumo, uma -criatura encantadora, que veste com garridice, -que passeia nas horas de musica, que vai ás -praias, aos theatros e ás reuniões, que ás vezes -lê os folhetins dos jornaes e tem ataques de -nervos, de quem os rapazes desdenham e troçam—mas -que, por fim, virão a ser as suas -mulheres.</p> - -<p>Quantas não têm o desejo de se tornar uteis, -de ganhar <i>para os seus alfinetes</i>, de terem uma -ocupação que as enobreça aos seus proprios -olhos e as habilite a serem mais tarde livres -pelo seu trabalho?!</p> - -<p>Mas, entorpecidas pela educação, deprimidas -pelos estreitos habitos da vida portuguêsa, resignam-se -a não serem mais do que as outras—umas -eternas aspirantes ao casamento.</p> - -<p>Inteligente e dedicada como é, em geral, a<span class="pagenum"><a name="Page_98" id="Page_98">[Pg 98]</a></span> -mulher portuguêsa, que grande e bella obra -social não faria, quem a pudesse interessar -pelas duas questões capitaes de que depende o -resurgimento da nossa patria e o futuro da -nossa raça:—o trabalho livre e remunerado -para a mulher, a educação, fisica e intelectual, -da mísera criança portuguêsa.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_99" id="Page_99">[Pg 99]</a></span></p> - -<hr class="chap" /> - -<p class="half-title">A MULHER DE HA TRINTA ANNOS -E A MULHER DE HÔJE</p> - -<hr class="chap" /> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_100" id="Page_100">[Pg 100]</a></span><br /></p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_101" id="Page_101">[Pg 101]</a></span></p> - - -<div class="chapter-beginning" style="width: 800px;"> -<img src="images/header-p101-149-223.jpg" width="800" height="169" alt="Page 101 Header" title="Page 101 Header" /> -</div> - -<h2 class="no-break"><a name="A_mulher_de_ha_trinta_annos_e_a_mulher_de_hoje" id="A_mulher_de_ha_trinta_annos_e_a_mulher_de_hoje"></a> -A mulher de ha trinta annos e a -mulher de hôje</h2> - -<div> - <img class="drop-cap" src="images/dropcap-s.png" width="75" height="75" alt=""/> -</div> - -<p class="drop-cap">Se perguntarmos aos que ora entram -com desplante na vida, julgando que -nada devem ao passado, que o presente é obra -sua, e o futuro lhes pertence, o que era a ilustração -da mulher portuguêsa de ha trinta annos, -não haverá ahi rapaz ou rapariga de mediana -educação que não solte uma gargalhada -escarninha, ou que, ao menos, não franza a -bôca num tregeitar de troça.</p> - -<p>É que essa época de romantismo agudo avulta -a nossos olhos a turba desgrenhada das jovens -que recitavam ao piano, com os olhos -no infinito; que dormiam de colete para adelgaçarem<span class="pagenum"><a name="Page_102" id="Page_102">[Pg 102]</a></span> -a cinta, defumavam o rosto para obterem -a palidez interessante que a moda reclamava -ás heroinas tisicas, que sonhavam com o -menestrel choroso que por noites luarentas as -viria buscar para um eterno <i>duo</i> de amôr, na -<i>cabana</i> ideal onde se vivia... do ar.</p> - -<p>Essas eram as exageradas de todas as escolas, -as desvairadas de todos os tempos. Mas ao -lado dellas, as sãs, as ajuisadas, que liam os -mesmos livros e conheciam as mesmas poesias, -não se deixavam levar em excessos de romantismos -piegas, mas amavam os seus poetas e -comprehendiam a literatura do seu tempo.</p> - -<p>Não ha por ahi senhora da geração de nossas -mães, rudimentarmente educada que fosse, -que não tenha chorado com os romances de -Camillo, que não tenha discutido e amado Julio -Diniz, que não conheça Garrett e Herculano, -que se não lembre com saudade da <i>Lua de -Londres</i>, que não tenha recitado Soares de Passos, -Castilho, Palmeirim e Thomaz Ribeiro, -que não tenha cantado essas poesias, que entraram -no ouvido de todos em modilhas e cantatas, -compostas por musicos ignorados.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_103" id="Page_103">[Pg 103]</a></span></p> - -<p>Isto numa época em que a mulher não tinha, -como a de hôje, facilidade em se instruir, -em que a instrução por essas provincias fóra -era um caso esporadico, em que os liceus lhe -não eram franqueados e nas escolas superiores -se falava do exemplo de Publia Hortensia de -Castro, que cursou a Universidade vestida de -homem, como dum caso fabuloso, porventura -menos provavel do que a sabedoria de Minerva, -a deusa mitologica da sciencia.</p> - -<p>O que significa que a mulher joven ha trinta -ou quarenta annos, sem ter a alta cultura duma -grande dama da côrte brilhante de D. Manuel, -era, sem dúvida, muito superior á de hôje, que -não conhece os seus escriptores nem comprehende -os seus poetas.</p> - -<p>Se bem que a Arte, embora na sua fórma -mais intelectual,—a literatura—não possa -dar á mulher o grau de conhecimentos, a soma -enorme de noções exatas da sciencia que são -necessarias para constituir hôje a educação de -qualquer criatura regularmente culta, é bem -certo que eleva as almas e constitue um dos -mais nobres ideais da existencia humana.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_104" id="Page_104">[Pg 104]</a></span></p> - -<p>«A mulher desconhece os escriptores do seu -tempo e deixou de se preocupar pela literatura, -porque não temos romancistas que a interessem -e os poetas deixaram de lhe falar ao coração...—costuma -dizer-se para desculpar uma -falta que todos reconhecem e da qual ninguem -se confessa culpado.</p> - -<p>Seguramente que a maior, se não a unica -responsavel, é a mulher que assiste, sem comprehender, -ao avançar victorioso da civilisação, -que hade expulsar os ignorantes como párias -inuteis numa sociedade que se encaminha para -a luz.</p> - -<p>Poetas e prosadores deixaram, é certo, a -azinhaga florida do romantismo para seguirem -pela estrada arejada de um novo ideal estético, -para uma fórma mais verdadeira e humana. -Mas porque os não seguem as mulheres? Porque -se quedam numa indiferença que as distanceia -do seu tempo, que as torna tão alheias a -tudo quanto interessa o homem do seu paiz, -da sua sociedade, do seu proprio lar?</p> - -<p>Não lêr porque não ha quem escreva a seu -gosto no nosso paiz é... apenas uma desculpa.<span class="pagenum"><a name="Page_105" id="Page_105">[Pg 105]</a></span> -Temos hôje, como sempre tivémos, quem -escreva bem. Todos os annos, a par da grande -alluvião de livros sem valôr que ficam nos depositos -das casas editoras para serem vendidos -ao peso do papel, ou dados como brinde a -quem compra outros livros, publicam-se os -bastantes para saciar a curiosidade vulgar em -quem tem o habito da leitura.</p> - -<p>O que falta não são os escriptores nem as -suas obras.</p> - -<p>Falta o público que dê no seu aplauso ou no -seu desagrado o incitamento de que precisa todo -o artista para fazer obra em que pônha toda -a alma, toda a energia do seu espirito, na inspiração -de progredir e vencer a concorrencia, -que então se dá material e áspera, mas compensadora -para os triunfantes.</p> - -<p>Quem lê no nosso paiz? Uma minoria de -intelectuaes, que preferem a literatura estrangeira, -e que a maior parte das vezes não compram -sequer os livros portuguêses, que poderão -ler de emprestimo ou oferecidos.</p> - -<p>Lê o povo bastante, mas o povo das cidades, -e principalmente os operarios, os livros dos<span class="pagenum"><a name="Page_106" id="Page_106">[Pg 106]</a></span> -propagandistas, as brochuras que os chamam -á consciencia da sua grande miseria; ou lê os -romances sensacionaes, ultimamente, e por felicidade, -substituidos pelos grandes romances -historicos ás cadernetas, ilustrados, que têm -a enorme vantagem—quando não tenham outra—de -ser portuguêses e não habituar o povo -a dizer nomes disparatados e ridiculos que lhe -servem nas traduções.</p> - -<p>Não lê no nosso paiz, a grande maioria dos -homens, porque não encontram para isso tempo -que lhes sobre dos seus afazeres ou da vida -dispersada por cafés e clubs, na conversa -de conhecidos e amigos encontrados sempre -nas horas de sobejo.</p> - -<p>Não lêem as mulheres, o que é muito peor. -Porque é em toda a parte o grande publico feminino -quem lê os poetas e os romancistas, -quem assigna os <i>magasines</i> e revistas, quem -conhece as mais interessantes brochuras de -viagens, quem discute os seus autores, quem -faz, emfim, uma reputação literaria.</p> - -<p>Entre nós, a não ser nos centros intelectuais -de que as mulheres só raramente fazem<span class="pagenum"><a name="Page_107" id="Page_107">[Pg 107]</a></span> -parte, não se fala em literatura, não se conhecem -os escriptores e não ha—o que é significativo—o -menor desejo de os conhecer.</p> - -<p>Para muitas senhoras que lêem e gostam de -lêr é um facto desconsolador o pensarem que -serão ridicularisadas e que os ignorantes as alcunharão -de <i>sabichonas</i> e <i>doutoras</i>, se por acaso -entram em conversa que transponha os limites -literarios dos folhetins dos jornaes ou da secção -das modas.</p> - -<p>Mas será isto motivo bastante para se desinteressarem -tão completamente pela literatura -do seu paiz?</p> - -<p>Fugindo do ridiculo com que fôram tão -cruelmente perseguidas as romanticas de ha -vinte annos, as mulheres deixaram de lêr com -receio de que as chamassem <i>literatas</i>—o epiteto -mais desagradavel que podia ser dito a -uma senhora que era vista com um livro na -mão.</p> - -<p>Pararam, indecisas, isto é retrogradaram, -porque em civilisação não ha paragens que não -sejam retrocessos.</p> - -<p>E foi este o motivo porque se deu o afastamento<span class="pagenum"><a name="Page_108" id="Page_108">[Pg 108]</a></span> -cada vez mais pronunciado da mulher -portuguêsa pela arte e pelos artistas do seu -paiz e do seu tempo. É desolador este simptoma -porque nos mostra como é feita sem elevação -moral, nem intellectual, a educação das -mulheres que hão de ser as educadoras das futuras -gerações. Numas, as que se dizem educadas, -os seus conhecimentos são apenas um -mostruario vistoso de habilidades e conhecimentos -superficiaes, que não iludem ninguem. -Outras, conservam-se na mais boçal ignorancia, -na mais completa indiferença pelas coisas -do espirito.</p> - -<p>Mas dando de barato que, por uma estranha -repugnancia de espirito, os escriptores de -hôje não agradem ás mulheres, porque despresam -tudo quanto de grande e bello tinha a do -tempo de nossas mães?</p> - -<p>Por acaso deixaram os livros de Camillo de -ser os mais humanos, os mais portuguêses, de -quantos tem escripto e sentido um grande talento -português? Por acaso já secaram, como -fonte despresada em campo maninho, os lindos -olhos das mulheres do nosso paiz, que já não<span class="pagenum"><a name="Page_109" id="Page_109">[Pg 109]</a></span> -se arrasam de lagrimas na partida de Simão -Botelho para o desterro e na morte da linda -Thereza e da tragica e simples Marianna?!</p> - -<p>Tão perdido vai o seu gosto artistico, que -já os seus labios se não abrem jocundos sobre -as paginas de eterna graça, que o incomparavel -escriptor espalhou por toda a sua grande obra?!</p> - -<p>Tão adversas a preocupações de espirito, que -se não familiarisem com todo esse mundo amoravel -e risonho que nos deixou o romancista -que deveria ser, por excellencia, o preferido -das mulheres, Julio Diniz?!</p> - -<p>Tão esquecida que já não leia toda essa -pleiade brilhantissima de poetas e prosadores -que foi a de Garrett e Herculano, até João de -Deus, Anthero, Crespo, Eça, e tantos outros que -a morte levou; sem falar nos que, por graça de -Deus, ainda vivem e trabalham nesta Patria que -devia ser o nosso orgulho e é o tormento de -quem a ama e a vê tão outra do que devia ser?</p> - -<p>Não, a falta não é dos escriptores, a falta é -só da mulher que não está educada bastantemente -(apesar de certos criticos acharem que o -está já demais!...) para discernir e escolher o<span class="pagenum"><a name="Page_110" id="Page_110">[Pg 110]</a></span> -bom caminho que o mais vulgar senso commum -lhe indica: uma educação séria e fundamentada, -começando nas coisas práticas e uteis da -vida, acabando na literatura e na arte em geral, -que é por assim dizer a alma falante d'um povo.</p> - -<p>É urgente que se convençam de que a mulher -ignorante é o mais triste e aborrecido -verbo de encher que a sociedade agasalha. Se -é bonita, elegante, e veste bem, começa por ser -um prazer para os olhos e acaba por se tornar -um desprazer maior para o espirito, quando -responde com o mutismo da ignorancia convicta, -ou com a tagarelice da ignorancia atrevida, -a uma simples conversa em que pessôas -cultas jogam com ideias e conhecimentos como -as crianças com as irisadas bolas de sabão que -tanto as alegram.</p> - -<p>Isto olhando-a pelo lado social, que na vida -familiar os efeitos da ignorancia feminina são -ainda de mais tristes e deleterias consequencias.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_111" id="Page_111">[Pg 111]</a></span></p> - -<hr class="chap" /> - -<p class="half-title">AS POBRES MÃES</p> - -<hr class="chap" /> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_112" id="Page_112">[Pg 112]</a></span><br /></p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_113" id="Page_113">[Pg 113]</a></span></p> - - - -<div class="chapter-beginning" style="width: 800px;"> -<img src="images/header-p113.jpg" width="800" height="234" alt="Page 113 Header" title="Page 113 Header" /> -</div> - -<h2 class="no-break"><a name="As_pobres_maes" id="As_pobres_maes"></a>As pobres mães</h2> - -<div> - <img class="drop-cap" src="images/dropcap-p.png" width="75" height="75" alt=""/> -</div> - -<p class="drop-cap">Porventura evocará este titulo míseras -mulheres desgrenhadas, arrepanhando-se -de dôr, ante a morte que lhes arranca -dos braços os filhos estremecidos...</p> - -<p>Ou a visão dolorosa das que os vêm partir, -na força da vida, frementes de esperanças -e ambições, chamados pela lei para a guerra -odiosa...</p> - -<p>Ou, ainda, pobres mulheres vagabundas, -arrastando os seus farrapos pelas ruas e caminhos, -mendigando baixinho, numa vergonha -ou num pavôr, para os sêres informes que levam -nos braços e pendurados ás saias, culturas<span class="pagenum"><a name="Page_114" id="Page_114">[Pg 114]</a></span> -para a dôr e para a doença, crimes e loucuras -em fermentação...</p> - -<p>E, entanto, não são essas as que merecem a -epigrafe que encima estas palavras.</p> - -<p>É mais dôce o seu viver, mais calma a sua -existencia...</p> - -<p>É ao recolhimento da vida burguêsa que iremos -buscar essas <i>pobres mães</i>, que a sociedade -moderna, no impulso avassalador e tiranico de -necessidades e exigencias novas, vai fazendo -martires pelo sentimento e pelo coração.</p> - -<p>São essas mulheres naturalmente inteligentes, -mas fundamentalmente ignorantes, que -sofrem pelo afastamento progressivo dos filhos -do seu amôr e do seu encanto, a par e passo -que os vêm crescer em inteligencia e saber.</p> - -<p>É á <i>classe média</i>, a mais numerosa e <i>nacionalisada</i>, -a mais apegada a preconceitos e tradições, -que vamos buscar o nosso exemplo, -porque:—o povo operario, caminhando revoltósa -e tumultuariamente para o futuro; o dos -campos, muito perto ainda do primitivismo animal; -a alta burguesia e os restos desmantelados -das velhas aristocracias, despaízadas pela<span class="pagenum"><a name="Page_115" id="Page_115">[Pg 115]</a></span> -educação e pela existencia só de luxo e egoismo—não -podem fornecer os elementos comprovativos -para a nossa these.</p> - -<p>Um dos muitos axiomas fabricados para satisfação -da nossa vaidade, e que transmitimos -gostosos pelo prazer de nos iludirmos e pela -preguiça em nos emendarmos, é a conhecida -frase—que faz comover sentimentalmente os -mais áridos corações—<i>a mulher portuguêsa é -uma bôa mãe</i>.</p> - -<p>Ora se olharmos a maternidade apenas como -a funcção animal de conceber, ter o filho, amamentá-lo -e cuidá-lo materialmente, nos primeiros -três ou quatro mêses da sua existencia, a -mulher portuguêsa é, realmente, uma bôa mãe.</p> - -<p>Tudo a predispõe para isso. A bondade -natural da nossa raça, essa bondade passiva -feita da indolencia atavica de sangue oriental -que nos anda nas veias; a belleza efemera, -quasi toda feita da frescura dos poucos annos e -da delicadeza das linhas que a maternidade -ainda não engrossou; o esmagamento duma -longa série de gerações em que viveu no recolhimento -freiratico da antiga vida portuguêsa,<span class="pagenum"><a name="Page_116" id="Page_116">[Pg 116]</a></span> -e ainda hôje sem os cuidados rudes de procurar -a subsistencia, encargo exclusivo do homem...</p> - -<p>Tudo predispõe a mulher, na doçura amolecedôra -do nosso clima, para ser uma cuidadosa -mãe: cheia de mimos para os seus pequenos; -temendo vê-los chorar, como quem teme -uma trovoada; muito ciosa das suas prerogativas, -quando se trata do enxoval de bébé, da -moda dos vestidos, dos chapéos e das bótas; -sacrificando-se, em caso de doenças; tendo, -emfim, todos os carinhos e todos os merecimentos -duma bôa <i>aia</i>.</p> - -<p>Mais tarde, procurará dar ás filhas uma -educação primorosa, segundo o seu ponto de -vista, não se poupando ainda a sacrificios para -que toquem no seu piano, saibam prendas de -mãos, e um bocadinho de francês para não se -envergonharem numa sala...</p> - -<p>Emquanto aos rapazes, cedo entregues aos -professores que os levam a exame, ficam—graças -a Deus—livres de toda a responsabilidade -de educadora.</p> - -<p>Para com as filhas é mais longa a sua missão,<span class="pagenum"><a name="Page_117" id="Page_117">[Pg 117]</a></span> -que não é desagradavel a espiritos que -ficaram ignorantes das mais singelas regras -de alta moral.</p> - -<p>Quando as raparigas chegam á idade de procurar -marido, ahi dos dezeseis para os dezoito, -começa para a mulher o desempenho do papel, -annos atrás a cargo da sua propria mãe, quando -a acompanhou a todos os divertimentos, aguentou -calôres e frios nos passeios da móda, cabeceou -pelas reuniões dançantes, fez sacrificios -para lhe comprar vestidos vistosos, despojou-se -dos seus adornos para enfeitar as filhas, -porque—e esta frase é bem caracteristicamente -portuguêsa e lança toda a luz no módo de ser -e nas aspirações da nossa pobre mulher—<i>já -agradou a quem tinha de agradar</i>.</p> - -<p>Agora é a vez da filha ir para <i>a amostra</i>, -até encontrar <i>senhor</i>. Sujeitam-se a tudo: trabalham, -quando não têm criadas, nos mesteres -mais humildes, para que as filhas desempenhem -o seu papel de princesinhas de contos á espera -do principe encantado que as fará soberanas -de deslumbrantes reinos imaginarios...</p> - -<p>A rapariga, assim preparada, casa emfim,<span class="pagenum"><a name="Page_118" id="Page_118">[Pg 118]</a></span> -realisa a sua ambição, está finalmente <i>arrumada</i>—como -é vulgarissimo dizer-se quando uma -noiva passa, sorridente e confiada, dos mimos -da casa paterna para os braços de um homem -que na maior parte das vezes é quasi um desconhecido.</p> - -<p>Pobres dellas!... O que julgam o <i>fim</i> é apenas -o <i>principio</i>—da sua árdua missão de mãe -de familia.</p> - -<p>Deixou de ser uma criatura sem deveres -nem responsabilidades, a quem tudo se perdôa -e desculpa, para ser a pedra basilar desse sagrado -templo que se chama o lar.</p> - -<p>Vai sêr <i>a mãe</i>! Vai pertencer-lhe, só a ella, -por longos e dolorosos mêses, viver da sua -vida, alimentar-se com o seu sangue, sentir -pelos seus nervos, um pequenino ser informe -que é o seu filho, que será para o futuro um -homem ou uma mulher, que poderão ser uns -criminosos ou uns santos, doentes ou sãos, devido, -em muito, aos cuidados, preocupações e -higiene moral e material da mãe.</p> - -<p>Nascido para a vida, é ainda o objecto dos -seus cuidados e amôr. Treme pela sua fragil<span class="pagenum"><a name="Page_119" id="Page_119">[Pg 119]</a></span> -existencia, alimenta-o com o seu leite, acalenta-o -no seu regaço,—continúa a viver da sua -existencia, póde assim dizer-se.</p> - -<p>A mãe sente-se satisfeita com esses cuidados -que dispensa aos pequeninos seres, que lhe enchem -de ternura e de encanto o coração; e, -cuida, justamente, que ninguem será capaz de -os tratar e amar como ella...</p> - -<p>Mas esta mulher tão cuidadosa e carinhosa -não é, não pode ser, uma bôa mãe! Só o instincto -a guia, e o homem de hôje é por tal fórma -o producto de costumes e civilisações sobrepostas, -que deixou ha muito de ser o <i>animal -de instinctos</i>, segundo a natureza, para ser um -producto de arte e de trabalho e de paciente -cultura.</p> - -<p>Educar uma criança de hôje, não é manda-la -para a escola para que saiba lêr e escrever; é -muito mais do que isso!</p> - -<p>Ainda antes de nascer, já a criança deverá -ser respeitada e amada, cohibindo-se a mãe de -muita coisa que a póde prejudicar, cuidando do -seu proprio somno, da sua alimentação, e da -sua higiene, para que a delicada planta humana<span class="pagenum"><a name="Page_120" id="Page_120">[Pg 120]</a></span> -desabroche vigorosa e possa resistir e desenvolver-se -propiciamente.</p> - -<p>Conhecem, por acaso, a maior parte das -mães, a responsabilidade duma gravidez?</p> - -<p>Sabe a mulher que casou com a educação -que descrevemos, que do conhecimento e da -prática de simples noções de hygiene póde evitar -aos seus filhos terriveis males, quasi todo -o estendal das doenças infantis, que levam para -a terra centenares de corpinhos inermes: desde -a enterite, que faz das mais lindas creanças pequenos -cadaveres ambulantes, até á atrepsía -que, sob as côres rosadas da saude, disforma -o esqueleto, dobrando as pernas em arco, dando -ás criancitas o andar grotesco de <i>marrequinhos</i> -fóra da agua?</p> - -<p>A propria tisica, a escrofulose, a anemia, -como as inúmeras nevróses que desvairam a -raça humana, são quasi sempre evitaveis se -uma vida infantil regular e higienica tonificar o -organismo e o preparar com a resistencia precisa -para o triumfo dos principios vitaes.</p> - -<p>Partindo do cuidado, quasi só material, dos -primeiros dois ou três annos, a missão da<span class="pagenum"><a name="Page_121" id="Page_121">[Pg 121]</a></span> -mãe redobra a cada passo de dificuldades e requer -toda a inteligencia e a tenacidade duma -grande obra.</p> - -<p>É então que todos os desvelos serão poucos -para vigiar a consciencia que vai despertando, -e que é necessario começar cedo a ser educada -e dirigida para o bem.</p> - -<p>Não faltará quem se ria ouvindo falar em -educação duma criança de três ou quatro -annos; e, no entanto, nada mais sério e nada -mais util do que saber aproveitar a franquêsa -dessa idade, que ainda não sabe mentir, para -conhecer na criança o homem ou a mulher que -será no futuro. É a ocasião de poder aproveitar -todas as qualidades de um caracter e até os seus -defeitos, e convertê-los em virtudes, sem torcer -a vontade nem o temperamento individual.</p> - -<p>E a mãe, a <i>pobre mãe</i>, que é a mulher da -qual descrevemos o casamento, começa então -a sentir que o seu filho se lhe escapa dos braços, -arredando-se-lhe do coração, alheando-se-lhe -do espirito.</p> - -<p>Dahi em diante, a criança, pela vida e pela -alegria da qual ella sacrificaria gostosamente a<span class="pagenum"><a name="Page_122" id="Page_122">[Pg 122]</a></span> -sua propria vida, dá cada dia um passo que a -tornará uma estranha para aquella que lhe -devia ser a mais certa e mais respeitada guia.</p> - -<p>É quando, cheia de curiosidade, começa a -abrir os olhos do espirito, que se não fartam -de luz, e pergunta tudo quanto existe, tudo -quanto lhe fere a atenção, sempre desperta e -voluvel.</p> - -<p>As coisas mais simples, como as coisas mais -complexas, tudo procura saber e tudo é preciso -que se lhe explique duma maneira comprehensivel. -É o momento unico de lhe dar noções -que nunca mais esquecem e que pela fórma -estejam ao alcance dos seus poucos annos e -rudimentar inteligencia, mas pela substancia -resumem os conhecimentos e verdades que lhe -serão uteis pela existencia fóra.</p> - -<p>Se a mãe não responde, a criança desinteressa-se -de coisas sérias e torna-se futil, ou -vae fazer as suas perguntas ao pai, quasi sempre -mais culto, e que por esse motivo passará -a ser considerado superior á <i>mãe ignorante</i>. -Se a mãe, não querendo passar aos olhos da -criança por inferior, diz uma coisa ao acaso,<span class="pagenum"><a name="Page_123" id="Page_123">[Pg 123]</a></span> -que não é precisamente a verdade, o mal é -ainda peor porque não tardará que a criança -saiba, por estranhos, o contrario do que lhe disseram.</p> - -<p>E não imaginem que ella esquecerá, não! -Na primeira ocasião saberá mostrar a sua estranhesa.</p> - -<p>Cresce: da escola <i>para sujeição</i>, onde a mãe -a meteu por ser impossivel tê-la em casa desde -os três annos, passa a frequentar as aulas -públicas. Tem os seus compendios, que lhe falam -de coisas de que não tinha a menor noção; -cada passo é uma dificuldade, cada palavra um -barranco, cada materia uma novidade, que o -professor, entre tantos discipulos a reclamar-lhe -a atenção, não tem tempo de aclarar-lhe o -sentido. De lagrimas nos olhos, o livro na mão, -a criança irá procurar aquella que mais estima, -e que mais tem tido chegada ao coração desde -que existe, para que lhe explique o que não -comprehende. E a <i>pobre mãe</i> não saberá auxilia-la, -terá de confessar a sua impotencia, a -sua ignorancia, diante do filho que se desespera!</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_124" id="Page_124">[Pg 124]</a></span></p> - -<p>Quantas vezes, indo encontrá-lo a cabecear -sobre o livro que não comprehende, a mãe não -teria desejo de tirar-lh'o das mãos e, numa clara -leitura e uma inteligente explicação, fazê-lo -aprehender o sentido que lhe foge?!... mas... -a <i>pobre mãe</i> não o poderá fazer, porque não -sabe tambem! E quantas vezes a sua revolta -de ignorante não se torna uma defesa para a -criança mandriona, que repetirá o que lhe ouve:—<i>Para -que serve saber isto ou aquillo? -Sem estudar tambem se come e bebe!...</i></p> - -<p>Se a criança é estudiosa e inteligente, em -vez de pensar com leviandade sobre o assumpto, -com a aprovação da mãe, concentrará -todo o seu espirito no estudo e irá perguntar -aos estranhos o que em casa não poude -saber.</p> - -<p>A <i>pobre mãe</i> será, aos olhos de seu proprio -filho, uma <i>ignorante</i>, uma <i>inferior</i>.</p> - -<p>De dia para dia esta convicção se irá radicando -no ânimo da criança, á medida que fôr -adquirindo conhecimentos, desenvolvendo a inteligencia.</p> - -<p>O trabalho que se faz no seu espirito é lento,<span class="pagenum"><a name="Page_125" id="Page_125">[Pg 125]</a></span> -mas é seguro. Homens e mulheres feitos, -não deixarão de amar as mães—quem o duvída?—Mas -com esse amôr protector que se -tem a uma bôa e dedicada ama que nos acalentou -e amimalhou na infancia, o amôr deprimente -que se tem pelos inferiores; não o sagrado -afecto do filho, que o é, triplicemente, pelo sangue, -pela amamentação e pela inteligencia desabrochada -ao calôr do ensinamento materno.</p> - -<p>O convencionalismo, a mentira social, encobre -com falsos sentimentos verdades que julga -crimes, mas que a natureza, na sua rudesa -primitiva, não considera tais. Assim, quando -a uma criatura em evidencia, pela sua nova posição -social, se descobre uma quasi vergonha -que as faz esconder a inferioridade dos pais, -todos se indignam e lh'o lançam em cara como -sangrento insulto.</p> - -<p>Parece-nos um <i>crime contra a natureza</i>, mas -na realidade é um sentimento bem humano e -desculpavel nessas criaturas roídas de ambições, -na ânsia de fruir gosos inéditos para os -nados e criados na pobresa.</p> - -<p>Quanta superioridade de ânimo lhes seria<span class="pagenum"><a name="Page_126" id="Page_126">[Pg 126]</a></span> -precisa para fugir ao mesquinho ponto de vista -duma sociedade, que, se por um lado exproba -esses sentimentos como um crime, por outro -lado ri impiedosa dos ridiculos familiares de -que o individuo não é culpado. Quanta vaidade, -quanto orgulho amachucado, curtirão esses que -querem aparentar grandesa e se vêem acorrentados -á ironia dos seus inimigos por uma longa -série de criaturas inferiores que irremediavelmente -os prendem á mediocridade!... É das -mais tragicas e ao mesmo tempo das mais comicas -situações que a civilisação democratica -dos nossos dias trouxe á babugem das suas -ondas, de envolta com os <i>parvenus</i>, tão invejados -por uns como despresados por outros...</p> - -<p>Podemos considerar uma inferioridade de -espirito esse sentimento de <i>vergonha</i> pelos -seus? Certamente.</p> - -<p>Mas não é nobre e alto do coração quem o -quer ser. Nós todos, com os nossos assomos -de independencia, não somos mais do que o -producto do meio em que vivemos e nos criámos, -os productos duma bem ou mal orientada -educação, um conjuncto de convenções e mentiras<span class="pagenum"><a name="Page_127" id="Page_127">[Pg 127]</a></span> -numa sociedade construida sobre aparencias -e falsidades.</p> - -<p>Não condemnemos pois o filho que no seu -intimo despresa intelectualmente a mãe, que -no entanto estima e até julga respeitar.</p> - -<p>A mulher tem bastante intuição, mesmo -quando é ignorante, para comprehender o sentimento -que inspira aos filhos. Embora se resigne -dôcemente, no seu apático papel de tutelada, -essa convicção deve-lhe ser amargurosa.</p> - -<p>Para seu bem, e, mais ainda, para bem da -sociedade que não póde já dispensar-lhe o concurso, -preciso se torna que a mulher sáia desta -situação que a inferiorisa, e a inutilisa como -factor importante da civilisação.</p> - -<p>Comprehendendo a vida pelo estudo da -grande mestra Natureza, é preciso que a mulher -se convença de que se não é <i>bôa mãe</i> só -porque se deu vida a uma criança, que no seu -seio se gerou e completou e com o proprio leite -se nutriu, rodeada de mimos e cuidados durante -a infancia.</p> - -<p>É preciso que a essa maternidade puramente -material se alie a nobre maternidade do espirito<span class="pagenum"><a name="Page_128" id="Page_128">[Pg 128]</a></span> -e da educação—unica que lhe dará a garantia -de possuir o respeito e o afecto confiado -dos filhos, que sempre encontrarão nella avisado -conselho.</p> - -<p>Procurando nos animais o exemplo que nos -oriente, vemos que todos elles desconhecem a -mãe (porque o pai lhe é quasi sempre um estranho) -desde que a criança se tornou forte e -dispensou o ensinamento e a guia que nos primeiros -passos lhe eram indispensaveis.</p> - -<p>O mesmo succede ao homem, que se vai -distanciando intelectualmente da mãe desde que -deixa de lhe ser conselho e auxilio dos tenros -annos.</p> - -<p>Todo o falado amôr poetico pela mãe, é apenas -o producto duma convenção sentimental -adquirido pelo homem á medida que se foi civilisando.</p> - -<p>Talvez até uma simples questão de moda -trazida pelo romantismo, como os <i>nefelibatas</i> -e <i>simbolistas</i> nos déram ultimamente nos seus -lirismos as velhas criadas e as boas amas...</p> - -<p>Durante o naturalismo forte da Renascença, -a <i>mãe</i> é completamente esquecida pelos poetas<span class="pagenum"><a name="Page_129" id="Page_129">[Pg 129]</a></span> -e prosadores. Nas proprias telas a <i>mãe</i> glorificada -pelo pincel dos mestres é a <i>Virgem</i>, a mãe -fóra da humanidade!</p> - -<p>Como reação ao culto da mulher amante, soberba -da sua belleza e da sua força, veio o culto, -bem mais postiço, da mulher, só porque o acaso -a fez mãe.</p> - -<p>A mulher póde e deve obstar, pelo esforço -da sua energica vontade, á grande amargura -que a espera quando a alminha radiosa do seu -filho vai fugindo ao convivio do seu pobre espirito -inculto para se lhe tornar quasi um estranho.</p> - -<p>A mulher, na classe a que me tenho referido -nestas paginas, pode educar-se a si mesma, -que não lhe faltam meios para o fazer.</p> - -<p>Se o não fizer abdica dos seus direitos, exactamente -quando mais alegrias compensadoras -lhe trariam.</p> - -<p>Agora que o homem começa a olhá-la como -sua igual e companheira, toda a responsabilidade -lhe cabe no despreso intimo, embora inconfessado, -que a sua ignorancia lhe merece.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_130" id="Page_130">[Pg 130]</a></span><br /></p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_131" id="Page_131">[Pg 131]</a></span></p> - -<hr class="chap" /> - -<p class="half-title">A MISERIA DO POVO</p> - -<hr class="chap" /> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_132" id="Page_132">[Pg 132]</a></span><br /></p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_133" id="Page_133">[Pg 133]</a></span></p> - - - -<div class="chapter-beginning" style="width: 800px;"> -<img src="images/header-p133.png" width="800" height="233" alt="Page 133 Header" title="Page 133 Header" /> -</div> - -<h2 class="no-break"><a name="A_miseria_do_Povo" id="A_miseria_do_Povo"></a>A miseria do Povo</h2> - -<div> - <img class="drop-cap" src="images/dropcap-e-acute.png" width="75" height="94" alt=""/> -</div> - -<p class="drop-cap">É incontestavel que um certo movimento -altruista se propaga pelo paiz—secundando, -ainda que frouxamente, o que nos outros -se faz—em favôr dos <i>pobres</i>, principalmente -da mulher e da criança.</p> - -<p>Uma grande revolução se está preparando, -e, como todas as grandes revoluções que têm -transformado as sociedades, começa por revolucionar -almas, formando um núcleo de espiritos -que pelo bem dos outros se sacrificam sem -esperar pagas nem incentivos de grosseiros -interesses.</p> - -<p>O mundo antigo, cheio de preconceitos e de<span class="pagenum"><a name="Page_134" id="Page_134">[Pg 134]</a></span> -injustiças, sente-se derruir, sem bases seguras -onde se apoiar—esfacela-se lentamente até uma -derrocada ingloria e completa.</p> - -<p>A pouco e pouco, aqui e ali, algumas bôas -obras de solidariedade humana têm surgido da -iniciativa particular, sem que os governos tenham -sequer suspeitado da sua existencia.</p> - -<p>E bom é que assim seja, porque só a iniciativa -particular, persistente, honesta nos seus -processos, sem charlatanismos oficiaes nem -interesses politicos a desprestigiá-la, póde fazer -mais em poucos mezes do que cincoenta annos -dos embaraçantes processos de todos os governos.</p> - -<p>É della que tudo ha a esperar, é da acção especial -dos governados que confiâmos, pois que -dos governantes pouco ou nada póde vir neste -sentido, nem é justo, verdade seja, que delles -se espere tudo, como se um povo não fosse -mais do que ingenuo e eterno bébé sugando a -mamadeira que lhe apresenta a criadora.</p> - -<p>Tudo esperar do poder central é mostrar que -nada podemos individualmente, ou que estamos -satisfeitos com o pouco que nos concedem.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_135" id="Page_135">[Pg 135]</a></span></p> - -<p>Ora a verdade é que ninguem está satisfeito, -porque nunca se viu situação mais desoladora, -vida mais atropelada e miseravel.</p> - -<p>É o nosso paiz aquelle em que mais caro se -come, se veste, se viaja, e se tem morada; e -aquelle em que menos se ganha, salvo pequenas -excepções, que é facil apontar. De dia para -dia os generos de primeira necessidade duplicam -e triplicam de custo.</p> - -<p>Não ha nada, desde o pão até á luz, que se -não compre por alto preço; nada que não custe -ao pobre incomportaveis amarguras e suores.</p> - -<p>É por isso que não ha paiz nenhum em que -a tisica, a anemia e a escrofulose tenham mais -lauto banquete.</p> - -<p>Fez-se, é certo, uma liga contra a tuberculose, -patrocinada pelos governos, auxiliada por -contribuições obrigatorias na capital, reclamada -pelas mil tubas sonoras do jornalismo -palaciano.</p> - -<p>Não houve penna de escriptor, consagrado -pelas gazetas, que se não puzesse ao serviço da -bôa causa; não houve paladino que não quizesse -descer á liça a romper lanças pelo triumfo<span class="pagenum"><a name="Page_136" id="Page_136">[Pg 136]</a></span> -da ideia que, partindo modesta e util de baixo, -serviu depois muito interesse, deu aso a muita -turiferação.</p> - -<p>E no fim de tanto afan, tanto barulho, tanto -elogio, o que ganhou de positivo e imediato o -povo português, na sua grande massa?!</p> - -<p>—Come porventura mais barato?</p> - -<p>—Tem casas higienicas, onde se abrigue -por módicos preços?</p> - -<p>—Tem hospitais para todos os seus doentes?</p> - -<p>—Asilos para todos os seus velhos?</p> - -<p>—Sanatorios para todos os seus escrofulosos -e tisicos?</p> - -<p>—Escolas para todos os seus filhos?</p> - -<p>Nada disso tem, nada disso lhe deram ainda, -apesar de tanto que se tem apregoado os -beneficios duma <i>liga</i>, que póde ser simpatica -como esmola particular e arbitraria duma ou -mais pessoas, fazendo pouco porque mesquinhos -são os seus recursos, mas que se não -deve querer fazer passar por medida de salvação -publica...</p> - -<p>Todos reconhecem ser pouco o que se tem<span class="pagenum"><a name="Page_137" id="Page_137">[Pg 137]</a></span> -feito, tão pouco que se torna inutil, para debelar -um mal que vem da ruina dum povo e -duma sociedade sem orientação; dum mal que -está no sangue e no espirito e que ameaça -assoberbar tudo e todos.</p> - -<p>São incontaveis os escrofulosos, tisicos, anémicos -e depauperados na classe pobre. As -mulheres definham e morrem como flôres criadas -em terra magra, sem ar nem luz; as crianças -arqueiam os pobres arcaboiços, onde mal se -desenvolvem pulmões predispostos á receptividade -do microbio hostil; os homens avelhentam-se -e enlividecem, numa aparente senilidade -aos vinte ou trinta annos. E tudo porquê?!</p> - -<p>Porque a vida é terrivelmente cara em Portugal, -e a maior parte da gente não come o que -necessita, vive em verdadeiras possilgas, não -é preservada devidamente do contagio das molestias -que a rodeia, não é iniciada nas mais -rudimentares regras de higiene, não é educada -de modo a preferir a alimentação e o conforto -das casas ao luxo do trajar e demais exteriorisações -vistosas.</p> - -<p>O caminho a seguir por quem quizesse e<span class="pagenum"><a name="Page_138" id="Page_138">[Pg 138]</a></span> -pudesse remediar tanto mal, não se limitaria a -fundar sanatorios onde se gastam muitos contos -de reis e se abrigam, por empenhos, umas -desenas de crianças—umas <i>predispostas</i> apenas.</p> - -<p>Para essas, mesmo, o bem não é grande e, -principalmente, não é duradoiro. Melhoradas -pela higiene, pela alimentação e pelos simples -remedios reconstituintes, voltam desse conforto -e abundancia para a antiga e triste miseria das -suas casas, tendo por destino a fatal renovação -da doença, logo que deixe de ser combatida, -e será agravada com o desespero de se vêrem -privadas do bem a que já se haviam gostosamente -e metodicamente habituado.</p> - -<p>O primeiro passo a dar, para melhorar esta -situação angustiosa, seria:—fazer baratear os -generos alimenticios de primeira necessidade; -estabelecer e auxiliar cooperativas; reduzir os -impostos de consumo, que incidem principalmente -sobre o pobre que compra a retalho, -de modo a que todos pudessem comer quanto -é necessario para alimentar uma vida saudavel.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_139" id="Page_139">[Pg 139]</a></span></p> - -<p>Seria iniciar o sistema de cooperativas edificadoras, -tão usado lá fóra; auxiliar grandes -companhias que se propozessem dar casas higienicas -e espaçosas por módico preço, aos pobres -que não podem continuar a viver como -hôje vivem em antros infectos e caros.</p> - -<p>É mais do que tudo urgente acabar com a -exploração dos senhorios que exigem por casas -pessimas, loucas exorbitancias extorquidas asperamente -á economia da familia pobre.</p> - -<p>Ter o seu lar, a sua casa, onde cada prego -representa um esforço de vontade e uma consolação -de posse; a casa para onde entram os -noivos com a alma florida de esperanças, onde -nascem os filhos e se podem abrigar os velhos -pais doentes; a casa onde põe todo o seu amôr -o operario laborioso, que nas horas vagas cultiva -no jardim os cravos e as rosas singelas, -planta as hortaliças e levanta a parreira amiga -que lhe dá a sombra e o vinho; a casa que a -mulher limpa e adorna com esmero, porque é -a <i>sua</i>, a companheira e amiga de todas as horas; -a <i>casa familiar</i>, que deixa de ser uma -coisa inanimada e indiferente para se tornar<span class="pagenum"><a name="Page_140" id="Page_140">[Pg 140]</a></span> -no grande sonho abençoado dos que vão para -longe, e dos que ficam abrigados á sua dôce -sombra; é para o trabalhador português uma -ambição tão desmedida, que poucos a chegam -a realisar.</p> - -<p>É desta indiferença do povo que não vive -<i>comsigo</i> nem se sabe recolher ao interior da -sua habitação, ao seu lar, tornado o seu pequeno -e querido universo, que não se identifica com as -suas coisas e não lhes toma amôr, é deste viver -disperso de povo meridional, que vive do ar e -do sol, e num dia de passeata alegre pelos campos -encontra compensação para todas as suas -miserias; que o senhorio tem abusado elevando -disfarçadamente, cada semestre um pouco, as -rendas—que são hôje um verdadeiro crime social.</p> - -<p>Se fossem precisos exemplos para afirmar -uma coisa que toda a gente sabe, Setubal seria, -para tudo quanto dizemos, um dos mais flagrantes.</p> - -<p>Dotada com um luxuoso sanatorio, nem por -isso a doença e a miseria a poupam mais.</p> - -<p>A grande miseria da população (de vinte e<span class="pagenum"><a name="Page_141" id="Page_141">[Pg 141]</a></span> -três mil habitantes) é composta por operarios, -dum e doutro sexo, que trabalham nas fabricas -de conservas de peixe, de pescadores, e de -gente de medianos recursos.</p> - -<p>Com a afluencia de trabalhadores de fóra, as -moradias têm subido a tal preço que uma só -familia não tem recursos para as pagar, acumulando-se -duas e três em antigos predios insalubres, -dentro de ruas estreitas e nauseabundas, -onde mal entram o ar e o sol—os grandes -purificadores. Ha casas, se tal nome merecem, -onde se não póde andar de cabeça erguida, sob -pena de a partir no tecto, e onde a escuridão é -quasi absoluta. Casinhotos terreos, ahi pelos -suburbios, em que as divisorias são feitas com -cortinas de chita, e pelos quais um mísero cavador -paga por mês, <i>dois mil réis</i>, isto ganhando—quando -ganha—quatrocentos réis diarios.</p> - -<p>Ha miseraveis velhinhas pedindo pelas portas -para pagarem <i>dez tostões</i> mensais pelo -abrigo duma barraca forrada de folha de flandres -ferrugenta, despresada pelo fabrico de -conservas.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_142" id="Page_142">[Pg 142]</a></span></p> - -<p>Não ha muitos invernos que numa barraca -alugada pelo mesmo preço exorbitante a uma -familia de pescadores, choveu tanto, em noite -de temporal, que o marido e a mulher tiveram -de abrigar-se sob um chapéo de chuva, metendo -os filhos debaixo da cama para não ficarem -completamente encharcados.</p> - -<p>Chega a dar vontade de rir, mas do riso -que é de lagrimas e de amarguradas censuras -tecido; o mesmo riso que se nos esboça numa -lástima vendo uma criança deslocar-se em acrobatices -de circo.</p> - -<p>Quantas gerações de miseria e servidão produziram -a indiferença resignada com que se -sofre uma existencia de <i>tais alegrias</i> entrétecida?!</p> - -<p>Depois, se numa destas habitações se dá um -caso de doença contagiosa, vem a policia, a pretexto -de desinfeção, rouba aos pobres a sua -unica cobertura, queima-lhe a unica enxerga, -despedaça-lhe a pouca loiça, borrifando paredes, -sobrados e moveis com sublimado corrosivo!...</p> - -<p>Urgente seria organisar a fiscalisação sanitaria,<span class="pagenum"><a name="Page_143" id="Page_143">[Pg 143]</a></span> -de modo que a desinfeção fosse uma coisa -séria e prática e não um vexame ou um ridiculo -como é,—méra providencia policial quando -se tóca a rebate numa ameaça de epidemia.</p> - -<p>O que faz então o pobre, victima destas <i>providencias</i> -policiaes? Para não ficar mais desnudado -do que dantes, arrecada, esconde tudo -quanto serviu aos doentes, não sabendo—na -sua extrema ignorancia e desoladora miseria—que -arrecada sôfregamente a morte, que não -pára nem descança de trabalhar nesse fertil -campo.</p> - -<p>Não seria prático, simples, justo, e até quasi -nada dispendioso, que nos proprios hospitaes -se montassem estufas de desinfeção para as -roupas de todos os doentes e de todos os que -morrem de molestias contagiosas; e que a policia -se encarregaria de fazer conduzir ali, para -essas roupas serem reentregues quando já não -constituissem um perigo para os seus possuidores?!</p> - -<p>E se ainda os males fossem só estes! Mas a -juntar a tantas desgraças que podemos chamar -materiaes, ha outras e outras que se prendem<span class="pagenum"><a name="Page_144" id="Page_144">[Pg 144]</a></span> -de perto com as obrigações moraes dos dirigentes -e dos educadores.</p> - -<p>Ha, por exemplo, quem fiscalise as condições -em que se realisa o trabalho das mulheres -e dos menores? A lei que o regularisa é letra -morta, e uns e outros trabalham nas peores -condições higienicas e em todos os tempos e -horas, inferiorisando-se fisicamente, deformando -e afeando cada vez mais a nossa raça, que -foi bella e fórte.</p> - -<p>A mulher não tem quem a eduque e oriente, -quem a ensine a respeitar-se e a respeitar em -si mesma o futuro dos filhos; e ou não trabalha -nada, porque o homem a sustenta e veste, -ou se sujeita a tudo, desempenha os mais penosos -serviços, quer livre quer em vesperas de -ser mãe.</p> - -<p>Filhos nascidos, quem pensou em lhes abrir -as créches, as escolas-infantis ou maternaes, -os asilos-oficinas?... Quem pensou em juntar -essas mulheres, irmãs na desgraça, para lhes -ensinar como, agremiadas, se poderiam socorrer -e fugir á extrema miseria, á doença sem -conforto, á fóme dos dias sem-trabalho?</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_145" id="Page_145">[Pg 145]</a></span></p> - -<p>Quem fez sentir aos operarios, a muitos que -ganham bastante, mais do que qualquer empregado -publico, que a sua grande força estaria -na modestia do viver, no cuidado que puzessem -em criar higienicamente e em educar os seus -filhos?</p> - -<p>Quem lhes faz sentir, sem azedume, o ridiculo -do luxo que ostentam, nas mulheres e nos -filhos, imitando as burguêsas que dizem despresar? -Quem lhes incutiu, com as preocupações -mais altas do espirito, o horror a essas festas -em que a saúde e o dinheiro por igual sofrem -um forte abalo?</p> - -<p>Como quasi todos os portuguêses, não pensam -quanto melhor seria possuirem a casa onde -habitam e nasceram os filhos, que os viu sorrir -e crescer, que lhes conhece as lagrimas e as -alegrias. Quanto seria preferivel, á taverna que -os envenena e fére toda a sua geração, o theatro -que educa e diverte, criando uma atmosfera -mais pura para o espirito. Quanto mais proveitoso -lhes seria fundar e frequentar bibliothecas, -serem emfim os iguais ou superiores aos que -hôje imitam, não pelo trajar que é vaidade de<span class="pagenum"><a name="Page_146" id="Page_146">[Pg 146]</a></span> -pouca monta, mas pela educação e pela consciencia -dos seus direitos e deveres!?</p> - -<p>Cigarras imprevidentes e tagarelas, nos -dias quentes de bôa féria, quem entre nós os -póde criticar?</p> - -<p>Defeito de educação, defeito endemico na -nossa terra, que vem descendo do alto, num -turbilhão de vaidades insatisfeitas, numa aspiração -desenfreada de ser mais do que efectivamente -se póde ser, pelas exteriorisações da -vida faustosa, com vestidos ricos, numa inveja -que faz imitar sempre os que julgam acima, na -escala social...</p> - -<p>Mais do que uma liga contra a tuberculose, -tal como se tem manifestado, seria proveitosa -á nossa raça devastada pela doença, uma liga -contra a fóme e contra a ignorancia que tudo -obscurece e preverte.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_147" id="Page_147">[Pg 147]</a></span></p> - -<hr class="chap" /> - -<p class="half-title">A IGNORANCIA DO POVO</p> - -<hr class="chap" /> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_148" id="Page_148">[Pg 148]</a></span><br /></p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_149" id="Page_149">[Pg 149]</a></span></p> - - - -<div class="chapter-beginning" style="width: 800px;"> -<img src="images/header-p101-149-223.jpg" width="800" height="169" alt="Page 149 Header" title="Page 149 Header" /> -</div> - -<h2 class="no-break"><a name="A_ignorancia_do_Povo" id="A_ignorancia_do_Povo"></a>A ignorancia do Povo</h2> - -<div> - <img class="drop-cap" src="images/dropcap-n.png" width="75" height="70" alt=""/> -</div> - - -<p class="drop-cap">Não ha ninguem que não tenha ouvido, -pensado, ou dito centenas de vezes—que -o maior mal do nosso paiz é a ignorancia, -que o analfabetismo é a causa mais flagrante -da nossa decadencia moral.</p> - -<p>É realmente a verdade, a triste verdade que -nos envergonha e inferiorisa aos nossos proprios -olhos.</p> - -<p>Mas são <i>sómente</i> os governos os grandes -responsaveis d'este atraso vexatorio do nosso -paiz?</p> - -<p>Não corresponde o desleixo em que os governantes -têm deixado cahir a instrução publica,<span class="pagenum"><a name="Page_150" id="Page_150">[Pg 150]</a></span> -á criminosa indiferença individual dos governados -por essa instrução geral, que é o orgulho -dos paizes cultos?!</p> - -<p>Não são os governos que fazem os povos, -mas os povos que fazem os governos; e estes, -forçosamente, hão de promulgar e cumprir as -leis que a consciencia colectiva e fórte duma -sociedade reclama, porque correspondem a uma -necessidade ou a uma aspiração nitida da alma -popular.</p> - -<p>Assim o prova o pouco mais de interesse -que a instrução do povo vae despertando entre -nós, mercê das reclamações e lamentações que -de ha poucos annos a esta parte se vem ouvindo, -numa propaganda lenta, mas fructuosa, de -alguns espiritos dedicados.</p> - -<p>O governo deve auxiliar a iniciativa individual, -deve, por assim dizer, sancioná-la e impulsioná-la; -mas ser elle sómente o encarregado -de nos dar todos os progressos e todos os -melhoramentos, é inadmissivel para espiritos -que aspiram a ser livres e desejam uma patria -livre.</p> - -<p>Nos paizes cultos, sob os governos mais inteligentes<span class="pagenum"><a name="Page_151" id="Page_151">[Pg 151]</a></span> -e progressivos, o que vêmos? A iniciativa -particular realisar tudo ou quasi tudo, e -os governos adoptarem os melhoramentos, auxiliarem-nos, -serem como que o vigia dos actos -individuaes, não o <i>tutôr</i>, a <i>Providencia</i>, que -nós pretendemos que seja, por preguiça de pensar -e trabalhar.</p> - -<p>Depois duma senhora fundar em Paris a -<i>Maternidade</i>, a instituição que mais eleva o -espirito altruista do nosso tempo, é que a municipalidade -resolveu imitá-la, criando por seu -turno outra casa similar.</p> - -<p>Foi depois de miss Nightingale educar e -apresentar as suas enfermeiras modelos, livres -de todo o espirito de sectarismo e instruidas -segundo todas as regras da higiene moderna, -que o governo inglês as enviou á Crimeia, onde -déram as suas primeiras e brilhantissimas provas, -e as adoptou nos seus magnificos hospitaes, -onde são exemplo para todo o mundo.</p> - -<p>Por toda a parte se fundam institutos, se -realisam obras de solidariedade, protectoras e -pedagogicas, que os governos sancionam depois, -que ajudam a manter e a espalhar, se<span class="pagenum"><a name="Page_152" id="Page_152">[Pg 152]</a></span> -o resultado corresponde aos sacrificios exigidos.</p> - -<p>Decretar no papel sem que a prática mostre -que a inovação está de harmonia com o caracter -etnico do povo, corresponde a uma necessidade -colectiva ou foi precedida duma propaganda -inteligente e conscienciosa, dá o triste -resultado que produzem no nosso paiz as reformas, -em geral, e a da instrução em particular.</p> - -<p>Senão, vejâmos. Como todos sabemos, estão -criadas escolas e decretada a instrução obrigatoria -ha tempo bastante para que a actual -geração fosse filha, e até neta, de gente sabendo -lêr.</p> - -<p>E o que sucede?</p> - -<p>O numero de analfabetos é enorme, e os -que sabem alguma coisa é tão pouco, e tão -mal aprendido, que mais se póde dizer que -igualmente nada sabem.</p> - -<p>Isto porque o professor é, em geral, uma -pessoa que arranja esse oficio como podia arranjar -outro qualquer, sem vocação, sem comprehensão -do que seja o ensino e da responsabilidade -com que vai arcar, tomando sobre si o<span class="pagenum"><a name="Page_153" id="Page_153">[Pg 153]</a></span> -encargo de iniciar pequenos cerebros obscuros -no luminoso cultivo intelectual.</p> - -<p>É muito grave e delicado o oficio, e não sei -de quem o possa tomar de ânimo leve, só com -mira nos magros proventos.</p> - -<p>O verdadeiro professor é o sacerdote das -ideias, que levantam e comovem hôje a humanidade.</p> - -<p>Por elle, a criança deveria ter do estudo a -ideia prática e util que é a base de toda a educação -moderna, mórmente se é dada a pobres, -sem tempo para perderem em inutilidades e -bonitos. Por elle, a criança deverá receber uma -noção simples, mas geral, de tantissimas descobertas -com que dia a dia se augmentam os -conhecimentos humanos, e saberem a maneira -de utilisarem pràticamente o que aprenderam.</p> - -<p>Mas não sucede assim. Os professores, miseravelmente -remunerados como são, sem coragem -nem iniciativa para luctar, alguns educados -por processos archaicos, sem uma feição -prática e utilitaria no seu método; como hão-de -ensinar o que não lhes foi ensinado e não<span class="pagenum"><a name="Page_154" id="Page_154">[Pg 154]</a></span> -podem aprender por si, pela carestia da vida, -e até pela falta de pequenas bibliotécas de vulgarisação -e ensino? Por isso elles se não interessam -senão por um ou outro dos seus discipulos -mais inteligentes, que irá a exame e lhe -dará honra e lucro, se a familia é abastada.</p> - -<p>Os outros, a turba-multa, quando o trabalho -os reclama para fóra da escola, mal sabem soletrar, -escrevem a custo os seus pobres nomes -obscuros, e não chegam a comprehender que -vantagem lhes pode advir d'esse <i>favôr</i> da <i>sociedade</i>.</p> - -<p>E estes são ainda os que vão á escola, que a -grande maioria, principalmente nos campos, -nem sequer se incomoda a frequentá-la.</p> - -<p>É verdade que ha leis que obrigam os pais -a mandar os filhos á escola; mas que monta se -essa mesma lei exige dos pequenos estudantes -o uso de sapatos, e os pais, não tendo para comer, -dispensam muito bem essa exigencia da -civilisação?</p> - -<p>Fazem-se leis obrigando os pais a mandar -os filhos para as escolas; mas que importa isso -se para aprenderem precisam de comprar livros,<span class="pagenum"><a name="Page_155" id="Page_155">[Pg 155]</a></span> -que são carissimos, e elles não têm que -lhes sóbre para pão?</p> - -<p>Fazem-se leis obrigando os pais a mandar -os filhos á escola; mas como poderão estar as -crianças umas poucas de horas sem comer, visto -que os pais lhes não podem dar merenda e cá -por fóra sempre vão apanhando <i>dez reisitos</i> em -troca de pequenos serviços, rebuscando, farejando, -pedindo como cães vadios, mas comendo -afinal?!</p> - -<p>Fazem-se leis obrigando os pais a mandar -os filhos á escola; mas de que serve isso se a -escola é de dia como a oficina e a fabrica, e os -pobres não podem dispensar o trabalho das -crianças, já ganhando o seu pequeno salario, -já ficando em casa com os irmãositos, emquanto -as mães vão moirejar por fóra?!</p> - -<p>Segue-se pois que a criança do povo está -condemnada a uma eterna penitenciaria de ignorancia, -se antes da escola não houver a <i>créche</i>, -não houver o hospital para parturientes, e, antes -do hospital, não houver a <i>maternidade</i>, que -é a casa onde a mulher pobre passa com descanço -salutar os ultimos mêses da gravidez;<span class="pagenum"><a name="Page_156" id="Page_156">[Pg 156]</a></span> -se, ao lado da escola, não houver a oficina escolar, -o asilo modelo donde a criança, rapaz ou -rapariga, sáia preparada para entrar desassombradamente -na vida, sabendo ganhar a sua -subsistencia pelo oficio que escolheu. Da escola, -assim acompanhada, deverá a criança sahir sabendo -lêr, escrever e contar, sabendo sobretudo -trabalhar metodicamente e com nobre orgulho -da sua profissão.</p> - -<p>Ora é isto o que os governos, só por si, não -pódem fazer se os não auxiliar a bôa vontade e -iniciativa particular, já fazendo propaganda entre -o povo, já distribuindo livros gratuitamente, -fundando escolas e bibliotécas, dando premios -ás crianças aplicadas, contribuindo para tornar -a casa de estudo artistica e agradavel, ensinando -mesmo os professores e fornecendo-lhes -maneira de se educarem nobilitando o ensino, -por assim dizer.</p> - -<p>É da iniciativa particular que devem partir -as bôas ideias exequiveis, que o governo será -obrigado a auxiliar e adoptar, quando a opinião -pública as impônha.</p> - -<p>É isto o que é preciso fazer e é isto o que esperâmos<span class="pagenum"><a name="Page_157" id="Page_157">[Pg 157]</a></span> -vêr realisado em breve no nosso paiz. -Porque, ao lado de muitos que usam a caridade -mirabolante como orchidea de fantasticas -fórmas para espanto das gentes rastejantes, ha -lucidos espiritos que fazem o bem pelo bem, -como um dever, como um simples acto de justiça.</p> - -<p>Porque dever, porque justiça, é pensar nos -que têm fóme, nós que nunca lhe sentimos os -tormentos; é pensar nos que são ignorantes -porque não têm maneira de se educar, nós que -nascemos num meio em que nos instruimos -sem querer; é pensar nos que sofrem vendo os -filhos fenecer e morrer por falta de alimentação -e higiene, nós que podemos criar os nossos em -melhores condições.</p> - -<p>É pensar em todos os que sofrem, sem razão -para sofrer,—só porque o acaso os faz nascer -num pobre albergue em vez de casa rica ou -remediada—mas não para lhes dar a esmola -que deprime e desmoralisa, que habitúa o espirito -aos favôres do acaso, e que é injusta porque -obedece ao arbitrio individual, mas para dar -sem distinção nem favôr, a todos, porque todos<span class="pagenum"><a name="Page_158" id="Page_158">[Pg 158]</a></span> -o merecem, a educação que enobrece, a luz que -vivifica, o alimento, o ar, a agua, a casa, a saúde -e a alegria emfim, a que todo o ser humano tem -direito.</p> - -<p>Não é o luxo, não é o superfluo, que é forçoso -dar, é apenas o necessario, apenas o que é justo.</p> - -<p>E se todos, principalmente as mulheres, puserem -nesta campanha a energia do seu querer, -a nobrêsa da sua dedicação, temos o direito -de esperar uma hora breve de mais justiça -e de mais alacridade para este miseravel povo -português, amortecido pela ignorancia e pelo -sofrimento.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_159" id="Page_159">[Pg 159]</a></span></p> - -<hr class="chap" /> - -<p class="half-title">MULHERES DESNATURADAS, -MÃES DESNATURADAS</p> - -<hr class="chap" /> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_160" id="Page_160">[Pg 160]</a></span><br /></p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_161" id="Page_161">[Pg 161]</a></span></p> - - - -<div class="chapter-beginning" style="width: 800px;"> -<img src="images/header-p011-161.jpg" width="800" height="204" alt="Page 161 Header" title="Page 161 Header" /> -</div> - -<h2 class="no-break"><a name="Mulheres_desnaturadas_Maes_desnaturadas" id="Mulheres_desnaturadas_Maes_desnaturadas"></a>Mulheres desnaturadas, -Mães desnaturadas</h2> - -<div> - <img class="drop-cap" src="images/dropcap-e-acute.png" width="75" height="94" alt=""/> -</div> - -<p class="drop-cap">É vulgar encontrar-se na leitura diaria -dos jornaes titulos assim alarmantes, -sob os quais os reporters juntam á pressa meia -dusia de adjectivos ferozes, na narração detalhada -de qualquer crime, ou simples tentativa, -de infanticidio.</p> - -<p>Não ha muito ainda que dois jornaes dos -que se dizem mais livres encimavam umas -vulgares noticias do genero com os titulos que -reproduzimos.</p> - -<p>Numa, era a criada de servir que voltava da -terra com o filho recem-nascido dentro duma -canastra e que o atirára pela janela do vagon<span class="pagenum"><a name="Page_162" id="Page_162">[Pg 162]</a></span> -em que viajava, se um empregado não evitasse -o medonho crime.</p> - -<p>A outra era um simples caso de engeitamento, -por miseria, tambem por parte duma -criada de servir.</p> - -<p>Ora quando jornaes avançados, que se dizem -desprendidos da rotina e do preconceito, usam -para tais casos de tão violentos epítetos, o que -não dirão os outros, os arbitros triumfantes -do convencionalismo burguês, os fartos interpretes -duma sociedade hipocrita, que nas prégas -do seu manto de pudicicia abriga crimes -mais revoltantes do que os cometidos por esses -<i>monstros moraes</i> descriptos com tanto asco!?</p> - -<p><i>Mães desnaturadas</i>, essas miseraveis, decerto! -Mas com quanta desculpa a atenuar-lhes -a brutalidade do delicto!</p> - -<p>E a justiça a que aspirâmos, a justiça nobre -e alta que é o objectivo supremo do nosso ideal -de nova sociedade melhorada e feliz—quanto -é licito ao homem sê-lo, sem cuidados de sobre-posse -nem exigencias loucas—a justiça que -não se cobre com leis, nem venda os olhos para -não discernir, não póde castigar todos os casos<span class="pagenum"><a name="Page_163" id="Page_163">[Pg 163]</a></span> -pela mesma rigorosa interpretação dos codigos, -não deve julgar sem atender ás determinantes -e, sobretudo, ao gráu de responsabilidade do -delinquente.</p> - -<p>Poderemos, acaso, esperar do ignaro e rude -trabalhador—que de sol a sol tira dos musculos -o esforço que produz o pão do seu alimento -e o dos filhos, e á noite, extenuado e -brutificado, adormece pesadamente, até que -novo sol lhe traga novas canceiras, e alegrias -tambem, mas rudes e vulgares como a sua alma -deseducada—poderemos, repito, exigir a esse -a mesma visão clara, a mesma responsabilidade -moral que deve existir no homem culto que no -recesso da sua alma pesa e mede os seus actos, -conhecendo leis, conhecendo direitos e deveres?!</p> - -<p>Poderemos chamar a essas mulheres <i>mães -desnaturadas</i>, porque abandonam um filho, que -já fôra abandonado pelo pai? Um filho que não -seria mais do que um tropeço para a sua vida -de trabalho; que hôje lhes custaria a sustentar -com a escassa soldada de criadas de servir e -ámanhã lhes custaria mais, infinitamente mais, -a vestir, a alimentar e a educar?!...</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_164" id="Page_164">[Pg 164]</a></span></p> - -<p>—Queria matá-lo, sinistramente, arremessando-o -á linha a toda a velocidade do comboio, -por uma noite escura e tragica, como quem -alija demasiado pêso na lucta de um naufragio, -como quem num esforço se alevanta e sacode -dos hombros um fardo com que não -póde...</p> - -<p>E não era esta exactamente a verdade? Quem -ensinou a essas mulheres de vinte annos, abandonadas -á propria sorte, pontapeadas pela sociedade, -enganadas pelos homens, servindo -quem as despresa e maldiz, só toleradas porque -são uteis—bestas de carga para criarem e servirem -os filhos alheios—quem lhes ensinou a -ser mães?</p> - -<p>Quem lhes ensinou sequer a ser mulheres, -na acepção nobre e alta da palavra, e não tão -sómente a femea brutalisada e despresada pelo -homem, quando o saciamento matou o desejo -carnal?</p> - -<p>Quem lhes disse que o fructo que de seus -efémeros amôres lhes ficou nas entranhas é um -ente crédor a todo o seu respeito—já não digo -ao seu afecto, que se não póde obrigar—de<span class="pagenum"><a name="Page_165" id="Page_165">[Pg 165]</a></span> -que são apenas as depositarias e sobre o qual -não têm direito de vida ou de morte, embora -da sua propria vida se alimente?!</p> - -<p>Quem lho terá ensinado?</p> - -<p>A lei, mandando-as depois do crime feito -para um presidio ou para uma penitenciaria? -Não, porque a lei não ensina os ignorantes, -vinga nos culpados os sentimentos conservadores -da sociedade que a fabricou.</p> - -<p>A lei, cahindo rígida e inexoravel sobre a -cabeça de um condemnado, que lhe não conhece -o alcance, não converte um criminoso, cria um -hipocrita ou um revoltado.</p> - -<p>Quem ensinou essas desgraçadas que hôje -choram no segredo do aljube,—não de remorso, -que não podem sentir, mas de pavôr—que -era um crime menor aos olhos da sociedade, -que só cura de aparencias, em vez de abandonar -ou matar um filho nascido, tê-lo desfeito -misteriosamente, quando ainda mergulhado na -noite da sua vida uterina, mas com tanto direito -á luz e á existencia consciente como depois -de nascido?!</p> - -<p>É de presumir que tenham tentado primeiro<span class="pagenum"><a name="Page_166" id="Page_166">[Pg 166]</a></span> -esse crime como tantas que se vêem a braços -com uma situação tão absurda e condemnada, -quanto é vulgar e desculpavel.</p> - -<p>Alguem lhes incutiu na consciencia essas -simples noções de sã moral?</p> - -<p>Certamente ninguem em tal pensou.</p> - -<p>E se o que ellas praticaram, ou tentaram -praticar, é um crime abominavel, o outro não -o é menos. A diferença está em que um é conhecido, -impõe-se pela brutalidade do facto; o -outro é ignorado, não se prova facilmente e é -praticado a sangue frio por muitas mulheres -que se dizem honestas e para as quais a sociedade -não ajunta pedras com que as lapíde, nem -escancara aljubes onde as sepulte.</p> - -<p>—São peores do que as féras—dizem os -moralistas que se não pejarão, talvez, de deixar -outras mulheres na mesma situação embaraçosa—porque -todas as femeas têm o instincto -da maternidade e todas, em geral, se sacrificam -pelos filhos.</p> - -<p>Opinião já feita e que não representa mais -do que uma vulgar figura de rétorica, que a -sciencia desmente a cada passo.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_167" id="Page_167">[Pg 167]</a></span></p> - -<p>O instincto não é igual em todos os seres, -pois os mais infimos na escala zoologica como -os mais superiores individualisam-se no seu -modo de sentir.</p> - -<p>Se ha caracteristicos proprios a uma certa -raça, entre essa mesmo salientam-se individuos -cujas qualidades e defeitos são uma negação de -todas as regras.</p> - -<p>É certo que o instincto da maternidade é um -caracteristico de todas as femeas, e, no emtanto, -ha muitas, entre os animaes, que matam e -até comem os filhos.</p> - -<p>Ha mulheres que fazem pelos filhos os mais -inacreditaveis sacrificios, tudo lhes dando, tudo -achando pouco para elles; como o pelicano, arrancam -de si proprias as pennas com que lhes -afôfam a existencia. São as instinctivamente -mães aquellas que se deixariam matar antes do -que vêr maltratar um filho. A javarda ama -tanto as suas crias, que persegue até á morte -o caçador atrevido que lhe rouba um bacorinho -da ninhada; e, no emtanto, algumas ha que os -comem, quando a próvida natureza lhes deu -mais do que podem aleitar.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_168" id="Page_168">[Pg 168]</a></span></p> - -<p>Estas tambem obedecem ao seu instincto, -forçando a lei que nos dá, naturalmente, a seleção -da especie.</p> - -<p>E o que é o homem sem educação mais do -que um animal de instinctos baixos, dotado de -faculdades imitadoras para simular os gestos e -a voz dos outros homens?!</p> - -<p>A superioridade do ser humano não consiste -em andar com a espinha direita e em poder -erguer a cabeça para a luz, não! A sua superioridade -está em comprehender a justiça e -ter a consciencia do bem, coisas que sómente -a educação póde incutir no espirito dos que não -têm comsigo a bondade instinctiva dos doceis.</p> - -<p>Condemnar sem defêsa nem atenuantes a -mulher desprovída de recursos, exposta ao escarneo -e ignominia da sociedade, quando abandona -ou mata um filho, é impiedoso.</p> - -<p>Se fosse uma criatura heroica poderia reparar -o que se convencionou chamar <i>falta</i>, tirando -do seu trabalho, miseravelmente pago, a -sustentação do filho. Mas não é heroi quem o -quer ser, e o egoismo individual é por vezes tão -imperioso, que a criatura se ergue num desespero<span class="pagenum"><a name="Page_169" id="Page_169">[Pg 169]</a></span> -bruto de féra que quer viver, despedaçando -tudo quanto lhe embaraça os movimentos e -lhe pêa a satisfação das suas necessidades materiaes.</p> - -<p>Sentimentos, afectos, inteligencia, tudo se -obscurece e oblitéra perante as exigencias materiais -da vida, que a sociedade, á força de querer -melhorar, transformou em lucta sangrenta -em que sucumbe a maior parte.</p> - -<p>—É preciso castigar—dizem ainda os moralistas, -na velha teoria inquisitorial e barbara—é -preciso dar o exemplo, atemorisar...</p> - -<p>Mas, para quê, perguntâmos?!... Se o acto -criminoso depende da tára fisiologica que dispõe -determinada criatura á loucura do crime, como -tornar um doente responsavel pelo seu mal?</p> - -<p>Se o delicto fôr determinado ocasionalmente, -pelas condições especiais da existencia, o mal -tem remedio, e deve remediar-se, acabando -com os factôres que concorrem na sociedade -para que tantas desgraçadas sofram o que essas -pobres estão sofrendo agora.</p> - -<p>Conheci uma criatura que, estando a servir, -lançou um filho recemnascido numa cloaca,<span class="pagenum"><a name="Page_170" id="Page_170">[Pg 170]</a></span> -como quem, enojado, deita fóra um trapo imundo. -O que a não impedia de que fosse uma pobre -criatura humilde e inofensiva, e de ser para os -outros filhos, senão uma bôa mãe no sentido -completo da palavra—o que a ignorancia e a -pouca inteligencia lhe não permitiam—pelo -menos amoravel e dedicada, sacrificando-se -para os alimentar e vestir.</p> - -<p>O que determinou essa mulher a cometer -tão repugnante crime? A circunstancia ocasional -de estar bem numa casa donde não queria -sahir e da qual seria fatalmente expulsa, conhecido -que fosse o seu estado.</p> - -<p>O instincto maternal existe, certamente, -mas a miseria umas vezes, outras a educação, -o egoismo e as exigencias brutais da vida, -têm-no obliterado em grande parte das almas -femininas. Como se explicaria por outro módo -o horror ao filho, que existe, que é flagrante, em -quasi todas as mulheres casadas?!</p> - -<p>A alegria com que muitas proclamam não -terem filhos que lhes dificultem e atropelem a -existencia, estarem assim socegadas nos seus -lares sem crianças, é uma bem clara próva. A<span class="pagenum"><a name="Page_171" id="Page_171">[Pg 171]</a></span> -indiferença com que a mulher pobre vê <i>ir para -o céo</i> o filho que a sua incuria, quasi sempre, -mata, é bem conhecida dos medicos para precisar -ser mais frisada.</p> - -<p>E isto não é um mal dos nossos dias nem da -nossa sociedade, é hôje como hontem, como -será sempre.</p> - -<p>Á proporção que o individuo se civilisa, -isto é: tem a noção mais clara do bem-estar -que lhe póde advir não se sobrecarregando com -responsabilidades, que nem sempre tem a certeza -de cumprir, começa o horror ao casamento -e consequentemente aos filhos que o embaraçam.</p> - -<p>Isto que nos parece um facto peculiar dos -nossos dias, e tanto sobresalta a França, já se -deu na Grecia, já se deu em Roma, com maior -intensidade ainda, não obstante todas as leis e -costumes que compeliam o homem a constituir -familia e a dar filhos á republica.</p> - -<p>Apesar de tudo, o horror ao casamento manifestava-se, -principalmente nas mulheres, que -fugiam, pelo celibato, aos encargos da maternidade -e ao captiveiro do lar.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_172" id="Page_172">[Pg 172]</a></span></p> - -<p>Depois, se chamarmos a essas mulheres, -que a ignorancia e a miseria desculpam, <i>mães -desnaturadas</i>, que palavras achariamos no dicionario -para as ricas e ociosas, que ao nascerem -os seus filhos os atiram para os braços -duma ama, que depois os entregam aos cuidados -problematicos das criadas de acaso, e mais -tarde os afastam do lar e do conchêgo da familia, -como espúrios, para a solidão moral do -collegio; não para que estudem e se habituem -cedo ao trabalho, mas para que as não incomodem -com suas traquinices e turbulencias, -nem as envelheçam aos olhos dos estranhos?!</p> - -<p>Essas não os matam, porque a carnicería -do acto repugnaria aos seus nervos susceptiveis -e seria tão repulsivo, para os seus finos dedos -scintilantes de joias, como matar uma galinha -ou estripar um coelho, coisas no emtanto que -as suas cosinheiras fazem com a maior indiferença. -Alem disso, não lhes faz mingua o dinheiro -para os alimentar e vestir, e mais tarde—passada -a idade do garridismo pessoal—é um -gosto continuar a figurar por elles e com elles.</p> - -<p>Pobres filhos, os destas mães!...</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_173" id="Page_173">[Pg 173]</a></span></p> - -<p>Para as outras reclamariamos, em vez de -cadeias, oficinas e casas honestas que as recolhessem -com piedade, e as ensinassem com desvelo -a amar os filhos que a sociedade tem todo -o interesse em recolher e educar para a alegria -de viver e de ser util, porque na terra não ha -muito quem o seja e menos quem o saiba ser.</p> - -<p>E esses pequeninos seres, que tanto pesam -hôje ás pobres mães sem marido que lhes ajude -a criar e educar, não arrastariam pela vida fóra -a vergonha de não ter nome de pai, antes fariam -recahir sobre o covarde que fugiu á responsabilidade -dos seus actos todo o despreso -das almas honestas.</p> - -<p>Então, a sociedade, melhor orientada, não -terá tanto despreso pela mulher iludida e atraiçoada -no seu amôr, que a miseria e ignorancia -tanta vez desculpa, como pela calculista maliciosa -que procura o casamento como emprego, -como posição, que a livre de situações equivocas, -legalisando-lhe todos os desvarios.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_174" id="Page_174">[Pg 174]</a></span><br /></p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_175" id="Page_175">[Pg 175]</a></span></p> - -<hr class="chap" /> - -<p class="half-title">A PROPOSITO DUMA GRÉVE</p> - -<hr class="chap" /> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_176" id="Page_176">[Pg 176]</a></span><br /></p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_177" id="Page_177">[Pg 177]</a></span></p> - - - -<div class="chapter-beginning" style="width: 800px;"> -<img src="images/header-p005-177.jpg" width="800" height="232" alt="Page 177 Headers" title="Page 177 Headers" /> -</div> - -<h2 class="no-break"><a name="A_proposito_duma_greve" id="A_proposito_duma_greve"></a>A proposito duma gréve<a name="FNanchor_4_4" id="FNanchor_4_4"></a><a href="#Footnote_4_4" class="fnanchor">[4]</a></h2> - -<div> - <img class="drop-cap" src="images/dropcap-n.png" width="75" height="70" alt=""/> -</div> - -<p class="drop-cap">Não obstante a quasi geral indiferença da -mulher do nosso paiz pelas questões -sociaes e de intelectualidade, tenho ainda confiança -na alma feminina, tenho ainda esperança -de que em breve, envergonhadas de tantos -annos gastos em futilidades, voltarão a ser as -dignas descendentes dessas mulheres portuguêsas, -que fôram, entre as mais damas das côrtes -brilhantes da Renascença, das mais cultas e -espirituosas, aliando ás graças de espiritos -educados a nobrêsa e a energia de verdadeiras -patriotas.</p> -<p><span class="pagenum"><a name="Page_178" id="Page_178">[Pg 178]</a></span></p> -<p>Escrevo hôje para denunciar, aos seus corações -de mulheres e de mães, uma dôr que não -roça pela epopeia, mas que na sua humildade -é talvez mais aguda, que na rasteira obscuridade -em que se gerou e cresce é talvez mais -amarga para as almas criadas, como as nossas, -para a alegria e para o amôr.</p> - -<p>É adentro das nossas fronteiras, como quem -diz em nossas casas, neste lindo paiz que nos -viu nascer, debaixo da caricia dulcida deste -sol que nos agasalha e alegra, que essa miseria -subsiste:—mulheres e crianças que se extenuam -trabalhando, e não ganham, com o seu -trabalho, o quanto lhe baste para matarem a -fome.</p> - -<p>Sabemos nós todas, as mulheres:—que não -pertencemos á galeria das privilegiadas, que -dispensam, por abundancia de meios, conhecer -e discutir o orçamento das suas casas—quanto -se gasta em nossos lares modestos, comendo -sem intemperança, vestindo sem luxo.</p> - -<p>Pensemos, pois, o que seja trabalhar uma -semana inteira e chegado o sabado encontrar -entre os dedos, que o trabalho violento deformou,<span class="pagenum"><a name="Page_179" id="Page_179">[Pg 179]</a></span> -meia duzia de vintens que mal chegam -para um dia de fome.</p> - -<p>É costume dizer-se para acalmar sensibilidades -em sobresalto, que os pobres, habituados -a comer mal, não fazem com isso sacrificio.</p> - -<p>Certamente que uma mulher rude dos campos, -de pequenina acostumada ao seu caldo de -couves e ao feijão, com pão grosseiro por conducto, -um bocado de porco pelas festas do anno -e galinha quando ha doença, passará admiravelmente -sem <i>fois-gras</i>, <i>ragouts</i>, <i>mayonaise</i>, -<i>vol-au-vent</i> e toda a algaravía saborosa e complicada -da comida francêsa, indispensavel a -paladares aguçados por estimulantes, a estomagos -gastos e que jámais se encheram com -verdadeira fome.</p> - -<p>Concordo em que uma dessas solidas camponezas -felizes, que do amânho das suas terras -tira o pão caseiro que seus rijos braços fabricaram -numa nuvem de poeira e por suas -mãos foi na pá atirado ao forno aquecido; que -do leite das suas cabras tira o queijo salgado, -que é um mimo para os seus paladares deseducados; -que das suas oliveiras tira a azeitona,<span class="pagenum"><a name="Page_180" id="Page_180">[Pg 180]</a></span> -que sabe curtir para a fartura do anno; concordo -em que esta mulher se riria desrespeitosamente -se á sua merenda chamassem lanche -e em vez destas simples iguarias comidas á -mão, lhe apresentassem um prato de porcelana -fina com <i>brioches</i> e um bule de perfumoso chá.</p> - -<p>Talvez deitasse o liquido fóra cuidando que -devia comer as folhas, e levasse os bolos para o -folar das crianças.</p> - -<p>Mas o que é cérto é que bem poucos têm -essa abundancia, e que a maioria, principalmente -aquellas que a industria apanhou na -sua febril engrenagem e na oscilação das suas -altas e baixas de trabalho; não têm esse bocado -de pão grosseiro, nem esse saboroso -queijo salgado...</p> - -<p>Não comer manjares poderá ser justo, mas -passar sem comer é intoleravel.</p> - -<p>Ninguem se habitúa á desgraça e á dôr; ha -no organismo humano uma revolta ináta ao -sofrimento, que nos faz chorar e estrebuchar a -cada nóva vergastada do destino.</p> - -<p>Existem criaturas resignadas e passivas, -seres embrutecidos pela miseria ou fracos por<span class="pagenum"><a name="Page_181" id="Page_181">[Pg 181]</a></span> -temperamento e nos quais a revolta não explúe; -mas condensada em lagrimas ella hade -surgir um dia, quando os famintos, os miseraveis, -os despresados de todos os tempos, vierem -reclamar o seu quinhão de felicidade e de fartura.</p> - -<p>Ninguem se habitúa á dôr, ninguem!, dígo-vo-lo -eu, que tenho olhado com mais curiosa -piedade para os que em baixo sofrem e maldizem -a vida, do que tenho invejado e admirado -os que em cima cantam a sua gloria e triunfo.</p> - -<p>Pois bem, para debelar ou minorar o mal -de que sofremos todos, os filhos duma sociedade -que vive num perpetuo desequilibrio de -elementos economicos e moraes, a missão da -mulher, irmanada ao homem, libertada pela -inteligencia, pelo trabalho e pela educação, é -bem clara! O dever impõe-se-lhe de maneira -indiscutivel e manda-a entrar resolutamente em -acção.</p> - -<p>Passaram, de todo, os tempos cavalheirescos. -Presentemente ninguem se lembraria de -nos exigir que arrancassemos das panoplias as -espadas dos antepassados para armarmos os<span class="pagenum"><a name="Page_182" id="Page_182">[Pg 182]</a></span> -nossos filhos e mandá-los vencer qualquer sóba -indisciplinado e bravío...</p> - -<p>O perigo não será menor nas luctas que hôje -sustentam os nossos soldados; a porção de coragem -necessaria para tais campanhas, nos longinquos -sertões ultramarinos, será a mesma ou -mais talvez; mas a guerra deixou de ter para -nós o mesmo sentido moral porque deixou de -ter o imprevisto de duelo, em que era factor -importante o valôr e a força individual, para -ser uma carnificina de que são executores certos -os que melhores e mais numerosas armas -apresentarem, os que disposerem de mais conhecimentos -e de mais dinheiro, tal como no -comercio.</p> - -<p>Quando as nações se degladiam hôje, escusâmos -de esperar milagres e prodigios dos -homens; os mais fracos serão fatalmente esmagados, -embora com elles esteja a simpathia das -almas enthusiastas, como aconteceu á desgraçada -Polonia, á França enfraquecida pelo Imperio, -á Grecia atolada na ultima decadencia, e -ao Transvaal apesar do epopaico heroismo dos -seus filhos. Embora como a Hespanha espere<span class="pagenum"><a name="Page_183" id="Page_183">[Pg 183]</a></span> -muito do orgulho e valentia dos seus soldados; -como a China confie na incontavel multidão -dos seus habitantes, ou como a Russia se iluda -com a força ficticia do seu colossal territorio, -povoado de analfabetos e de revoltados.</p> - -<p>Tudo mudou com o tempo—ideias, costumes, -maneiras de vêr e de proceder. O que aos -nossos olhos parece hôje rasoavel e justo, seria -aos olhos de nossos avós o mais absurdo dos -atentados ao senso comum, o mais completo -despreso pelas leis e convenções sociaes.</p> - -<p>E, como tudo mais, a missão da mulher mudou -tambem. Já não é de passividades e resignações -como dantes! Da espectadora indiferente -passou a ser figurante; entrou definitivamente -na lucta—no trabalho de preparar a -alegria e o socego do dia de ámanhã.</p> - -<p>Não admira que assim seja porque, quando -os campos de batalha são a propria sociedade -em que vivemos e as armas são as ideias, a -mulher tem o direito, mais, tem o dever de entrar -na lide, e, ao lado do oprimido, do fraco, -pugnar pela felicidade ou pela menor desgraça -dos que sofrem.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_184" id="Page_184">[Pg 184]</a></span></p> - -<p>No caso especialissimo que me impulsiona -agora, ainda mais justa é a nossa intervenção, -por isso que são mulheres as que sofrem e reclamam -uma migalha para a sua fome.</p> - -<p>No direito de solidariedade que nos assiste -temos o dever de pensar em que ha centenas de -familias sem trabalho e que para essa terra socegada -e pitoresca nas abas da Estrella se mandam -soldados quando se pede pão, se responde -com ameaças quando se desespera com fome.</p> - -<p>Sem lume, sem fato, sem dinheiro, como se -anuncia prenhe de desesperos e luctas para -esses miseraveis que não pedem esmola e sim -maior paga ao seu trabalho, o inverno que se -aproxima cantando a tragedia das suas dôres, -nas ventanias que destelham casebres e arrancam -arvores, nas chuvas que se despenham em -torrentes engrossando os rios que regorgitam -em cheias devastadoras, levando as sementeiras -e trazendo a agonia nas dobras da sua mortalha -de neve...</p> - -<p>Não nos importa saber se é exequivel a pretensão -desses operarios que usam do seu direito -da gréve para discutir com os patrões como<span class="pagenum"><a name="Page_185" id="Page_185">[Pg 185]</a></span> -combatentes legais, sofrendo heroicamente dias -e semanas de fome, para obter um pequeno -augmento, que já lhes parece fortunoso.</p> - -<p>Não nos importa tambem saber se é atendivel -a defesa dos fabricantes de panos baratos, -que dizem pagar miseravelmente aos operarios -porque miseraveis são os seus ganhos.</p> - -<p>Não discutimos nem julgâmos—que não nos -compete fazê-lo—mas ainda menos duvidar da -convicção e da justiça dum povo que se resigna -a luctar tendo por armas a fome e o proprio -sacrificio, unicas que lhes deixamos nas mãos.</p> - -<p>O que simplesmente nos interessa é a questão -feminina, que este incidente põe a descoberto. -Foi pelo pequeno salario da operaria que -a gréve se originou, é para obter uns miseros -reais para ellas que todos os proletarios de Gouveia -sustentam uma lucta heroica, porque é heroismo, -e até loucura, entrar numa gréve sem -<i>bolsas de trabalho</i>, sem <i>caixas de reserva</i>, sem -meio algum de lucta e de resistencia.</p> - -<p>Não terão razão, essas pobres criaturas ás -quais se exige umas poucas de horas de trabalho, -e ás quais se dá em troca sessenta reis por<span class="pagenum"><a name="Page_186" id="Page_186">[Pg 186]</a></span> -dia?!... Talvez, mas pensemos em que são -como nós mulheres, que pertencem, como nós, -a um sexo que os homens chamam fraco e ao -qual cercearam todos os meios de ganhar a vida—desde -a falta de trabalho até á miseria da -paga—excepto um que as inferiorisa e torna -despresiveis aos seus proprios olhos!...</p> - -<p>É pois dever nosso, daquellas a quem a educação -deu um criterio mais elevado, pensar -nessa multidão de desgraçadas que a miseria e -a ignorancia predispõem para o crime e que, -não tendo familia nem homem que as sustente -legalmente, por força hão-de procurar no erro o -que o trabalho e a honestidade lhes não garante.</p> - -<p>Emquanto individuos da nossa especie se -rebaixarem tanto, inferiorisâmo-nos tambem reflexivamente, -porque a mulher não será completamente -liberta emquanto houver desgraçadas -que se prostituam por miseria.</p> - -<p>Outras, as que têm marido, e serão por certo -a maior parte dessas operarias, precisam de -auxiliar a familia com o seu trabalho, porque -é pequeno o ganho do homem para as necessidades -da familia.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_187" id="Page_187">[Pg 187]</a></span></p> - -<p>Pensemos nesta desgraça a remediar e se -houver alguma dentre nós que encolha os hombros -com indiferença, por <i>superior</i> e de diferenciação -de sangue que se julgue; se houver -coração de mãe, que se não confranja pensando -em suas filhas; espirito tão privilegiadamente -temperado que ouse escarnecer de tamanha -desgraça; essas que me não leiam nem atendam, -porque não é a ellas que me dirijo, mas -tão sómente áquelas cujo espirito e cujo coração -as superiorisa e faz elementos civilisadores -na sociedade.</p> - -<p>É urgente que essas entrem na lucta gigantesca -contra a fome, a miseria e a ignorancia -das suas irmãs, mas não na lucta de guerrilhas -e surprêsas que por ahi vamos vendo, ora -obedecendo á bondade individual de uns, ora ao -capricho da móda, ora ao desejo de ter o seu -nome reclamado.</p> - -<p>O que primeiro ha a fazer é a junção de todas -as vontades e de todos os esforços para um -fim unico e comum.</p> - -<p>É urgente, sobre tudo, reclamar uma ou -mais créches para cada terra onde a mulher<span class="pagenum"><a name="Page_188" id="Page_188">[Pg 188]</a></span> -tenha que trabalhar fóra de casa, deixando os -filhos pela rua, ou fechados e sujeitos a mil -eventualidades, entregues a quem dessa maneira -explora a miseria das mães.</p> - -<p><i>Créches</i> que não sejam filhas da caridade, -nem entregues a ignorantes, sujeitas a vaidades -e caprichos, ás altas e baixas do fluctuante coração -humano, mas <i>créches</i> ordenadas por lei, -obrigatorias a todas as terras industriaes, sujeitas -a inspecção rigorosa, com rendimento tirado -da propria industria que emprega a mulher. -Em França ha uma lei que obriga todas -as industrias que empregam mais de vinte mulheres -a ter uma créche para as suas operarias -entregarem os filhos durante as horas de trabalho; -em Portugal nada temos que se compare -com isso; os governos não fizeram ainda as -leis e os governados não lhes comprehenderiam -o alcance.</p> - -<p>Depois da <i>créche</i>, que é a mais necessaria -das instituições numa população operaria, deve -seguir-se a escola maternal, onde a criancita, -que já não é admitida na primeira, se conserva -até aos seis annos, em que entrará para a escola<span class="pagenum"><a name="Page_189" id="Page_189">[Pg 189]</a></span> -gratuita, com livros de graça, oficinas e -professores que saibam ensinar pobres seres -que nas familias não têm quem os norteie no -caminho do estudo e do dever.</p> - -<p>A criança apanhada nesta verdadeira engrenagem -social, deixará de ser o vadio, o atrevido -garoto que povôa as ruas das cidades operarias, -para se tornar uma pequena criatura que -se prepara com serenidade para a travessia -dolorosa da existencia, com as suas lagrimas e -as suas alegrias compensadoras.</p> - -<p>Que a mulher possa contar com a <i>maternidade</i>, -a casa onde passe descançada o ultimo e -custoso periodo da gravidez, para dali seguir -para o hospital onde a esperam os cuidados -prescriptos pela higiene e o conforto que em -casa lhe não seria facil obter.</p> - -<p>Emfim, ha tudo a fazer neste sentido, desde -a escola de criadas e dônas de casa, até á caixa -economica, obrigatorias para as mulheres, que -assim teriam, em caso de gréve, doença, ou -falta de trabalho, com que resistir algum tempo -á fome.</p> - -<p>Ha pessôas que imaginam tudo resolver<span class="pagenum"><a name="Page_190" id="Page_190">[Pg 190]</a></span> -pelo estardalhaço festivo da chamada <i>caridade</i>, -e o que é certo é que a caridade é muitas vezes -uma exploração e quasi sempre um meio impotente -para defrontar a desgraça, sempre -maior do que a generosidade individual.</p> - -<p>Seja pois o esforço colectivo, cumprido como -um dever, a base da nossa lucta contra a miseria, -e alguma coisa bôa e profícua, estou certa, -se conseguirá.</p> - -<p>Ás mulheres compete conjurar o perigo que -ameaça a sociedade de hôje, remediando quanto -possivel as suas injustiças. Á mulher culta -e sciente da sua nobre missão cabe o primeiro -logar na empresa de cuidar um pouco no futuro -do paiz e na melhoría social, acumulando para -o porvir a maior soma de alegrias na maior -soma de deveres cumpridos.</p> - -<p>E o nosso dever é—parece-me bem—ouvir -as queixas de todos os infelizes, principalmente -das mulheres e das crianças, que são ainda -hoje as maiores victimas da sociedade.</p> - -<hr class="chap" /> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_191" id="Page_191">[Pg 191]</a></span></p> - -<h2 class="halftitle"><a name="A_MULHER_EM_PORTUGAL" id="A_MULHER_EM_PORTUGAL"></a>A MULHER EM PORTUGAL</h2> - -<hr class="chap" /> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_192" id="Page_192">[Pg 192]</a></span><br /></p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_193" id="Page_193">[Pg 193]</a></span></p> - - -<div class="chapter-beginning" style="width: 800px;"> -<img src="images/header-p193.jpg" width="800" height="183" alt="Page 193 Header" title="Page 193 Header" /> -</div> - - -<h3><a name="I_A_MULHER_E_O_CASAMENTO" id="I_A_MULHER_E_O_CASAMENTO"></a>I<br /> -<br /> -A MULHER E O CASAMENTO</h3> - -<div class="blockquot-half"> - -<p><i>...Instruir a mulher, dar-lhe -ao nosso lado o seu verdadeiro logar -de igual e de companheira, -porque só a mulher libertada póde -libertar o homem.</i></p> - -<p> -<span class="smcap">Émile Zola.</span><br /> -</p></div> - -<div> - <img class="drop-cap" src="images/dropcap-c.png" width="75" height="74" alt=""/> -</div> - -<p class="drop-cap">Como companheira do homem e educadora -dos seus filhos, a mulher é o factor -mais importante para a reorganisação completa -da sociedade.</p> - -<p>Ora a mulher, entre nós, como toda a criatura -sem educação, é retrógrada e timorata, influindo -com os seus pavôres e ideias velhas no -espirito das gerações, que assim se tornam, -sem dar por isso, cobardes para as rasgadas<span class="pagenum"><a name="Page_194" id="Page_194">[Pg 194]</a></span> -iniciativas do futuro, prêsas ao passado pelo -sentimento do mêdo que lhes incutiram, com -o leite, as crendices maternas.</p> - -<p>É o sentimento que nos fere em toda a nossa -geração, neste culto fetichista que não temos, -mas fingimos, pelo passado, e que, em vez de -nos ser lição, se torna em obsessão. Não se -respeita um monumento que se não comprehende; -não se póde vangloriar a alma por -actos que já não entende; mas nos ultimos -tempos começou a ser móda falar do passado, -das nossas glorias, dos nossos feitos; e esta -gente, que não vê vantagem nenhuma positiva -para as suas necessidades de hôje nesses feitos -heroicos dos nossos antepassados, acha cómodo -pendurar ao peito a <i>venera honrosa de povo -historico</i> e apresentar-se com ella no <i>grande -concerto das nações</i>...</p> - -<p>Os nossos rapazes de agora nascem velhos, -ponderados e graves como conselheiros de estado. -Não é preciso reprimi-los em seus ardôres -e alegrias de rubra mocidade; elles reprimem -os velhos e comentam com <i>acerto</i>, quando -lhes contam as revoltas e independencias dos<span class="pagenum"><a name="Page_195" id="Page_195">[Pg 195]</a></span> -moços de outróra—que hôje os tempos são -outros...</p> - -<p>E é a mulher, permitam-me que tenha esta -triste vaidade, a culpada deste estado deprimente -do espirito juvenil, mas a culpada inconsciente, -porque a maior culpa recái sobre o -homem que assim a tem querido para sua esposa -e para mãe dos seus filhos.</p> - -<p>É um grande principio educativo procurar -no passado ensinamentos e estimulos para o -futuro, mas é tristemente depressivo para o -espirito esta obsessão do que fômos, martelando -na alma das crianças como dobre a finados...</p> - -<p>—Isto não é o que fazem os povos mais -adiantados e mais cultos; não é o que convem -á sociedade de hôje; mas é o que faziam os -nossos avós, o que acreditavam os nossos antepassados...</p> - -<p>E nestas crenças nos amortalhâmos, e nellas -morreremos, se não sacudirmos esta letargía -da alma, se não higienisarmos moralmente a -educação da mãe, que hade educar a criança.</p> - -<p>A mulher da nossa raça é naturalmente bôa -e inteligente, mas em geral é profundamente<span class="pagenum"><a name="Page_196" id="Page_196">[Pg 196]</a></span> -ignorante e duma convicta preguiça para entrar -na lucta pela vida, motivo porque se tem deixado -ficar na rectaguarda de todas as dos mais -povos de civilisação similar.</p> - -<p>Ha quem afirme, e tenha isso como consolação, -que a hespanhola é muito mais futil e -vaidosa, muito mais ignorante e inutil. Não -temos dados para estabelecer o confronto, mas -o que é certo é que nada nos devem consolar -tais opiniões. Se são verdadeiras, pesa-nos que -haja um paiz na Europa no qual a mulher, -ainda mais do que no nosso, se esqueça de que -deve ser a companheira e auxiliar do homem, -sua igual e sua amiga. Se são mentiras, não -nos lisonjeia o engano.</p> - -<p>O homem português, por bondade, por indiferença, -e tambem por esta <i>sublime</i> inconsciencia, -que fez de nós um povo de conquistadores -sem vantagens práticas nas suas conquistas, -não incita a mulher a trabalhar, nem -procura no seu labôr o auxilio que lhe seria licito -esperar, quando as necessidades crescem, -dia a dia, assustadôramente, encarecendo a -vida sem proporcional augmento nos ganhos.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_197" id="Page_197">[Pg 197]</a></span></p> - -<p>Tambem a não hostilisa francamente, é verdade... -embora pela educação, e talvez por -hereditariedade, seja ferozmente arreigado a -velhos preconceitos, muito desconfiado e temendo -o ridiculo das inovações; nunca a mulher -do nosso paiz, que quiz estudar e trabalhar, -encontrou no homem séria oposição.</p> - -<p>Desconhecemos as luctas violentas que lá -fóra tornaram a questão feminista uma verdadeira -guerra, com adeptos apaixonados em ambos -os campos, e até com sacrificios e com -mártires.</p> - -<p>A nossa mulher, essencialmente passiva, -sem ambições que vão alem da satisfação que -as pequenas vaidades do luxo trazem, não aspira -senão ao casamento, para elle se cria e -engalana, nelle põe a unica esperança do seu -futuro.</p> - -<p>Não é o casamento, segundo a natureza, -pela necessidade fisica de amar e ser amada; -não é o casamento superior de dois espiritos -que se comprehendem e juntos podem viver -felizes, fisica e intelectualmente ligados; não é -mesmo o casamento comercial—chamemos-lhe<span class="pagenum"><a name="Page_198" id="Page_198">[Pg 198]</a></span> -assim—em que duas fortunas ou dois nomes -se ligam pelo interesse monetario, formando -para o futuro uma só firma... O casamento -português é, na maioria dos casos, pura e -simplesmente uma <i>arrumação</i> para a mulher, -o amparo, como que o asílo, para a pobre invalida, -incapaz de ganhar pelo trabalho a subsistencia -e o conforto.</p> - -<p>Dado que se não realise o almejado casamento, -embora para isso se tenham procurado -todos os meios, ei-la uma criatura sem posição, -infeliz, arrastando uma existencia miseravel, se -tem de trabalhar para viver, com as aptidões -quasi nulas com que a educação a preparou.</p> - -<p>Se não sabe trabalhar, ou tem familia que -se envergonha desse trabalho, torna-se um -fardo pesado e aborrecido, cheia de resentimentos -e amargurosas censuras á vida, invejosa -da felicidade alheia, um elemento de discordia -na sociedade.</p> - -<p>Ainda algumas vezes é victima de todos os -egoismos, tornando-se a criada dos proprios -seus, curtindo despresos e vexames de toda a -ordem, de grandes e pequenos.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_199" id="Page_199">[Pg 199]</a></span></p> - -<p>Só quando rica, o quadro se torna risonho; -mas não é dos raros felizes que se trata quando -se fala em generalidades. Alêm disso, as raparigas -com dote raro <i>ficam para tias</i>, porque o -assédio é de tal maneira apertado que o triumfo -heroico do casamento não se faz esperar.</p> - -<p>Falando pois na mulher sem fortuna, repetimos:—a -sua educação não a torna superior -pela inteligencia cultivada, nem apta a ser independente -pelo proprio trabalho. Alêm da -educação, é a preguiça que a conserva—mais -do que as leis e a vontade dos homens—na -mais completa dependencia.</p> - -<p>Quantas vezes os pais, que querem dar uma -educação prática ás filhas, não têm que desistir -do seu proposito, vendo nellas só pendôr -para festas, namoricos e futilidades, apoiadas -pela mãe que conserva da missão do seu sexo -as ideias mais amesquinhadoras da dignidade -feminil?...</p> - -<p>Só por excepção se dará o caso duma mulher -do nosso paiz querer estudar e ter, para o -fazer, de luctar com grandes oposições.</p> - -<p>Nem o codigo o permitiria, porque as nossas<span class="pagenum"><a name="Page_200" id="Page_200">[Pg 200]</a></span> -leis, apesar de más e discutiveis, como todas -as leis, são melhores do que as de outros -paizes mais cultos, como teremos ocasião de o -mostrar e provar.</p> - -<p>Tratando a questão, sobre todas urgente, do -trabalho da mulher, não nos referimos, é claro, -á mulher do povo. Essa é no nosso paiz, como -em todos, laboriosa e util; nem que quizesse -poderia deixar de o ser, porque a familia reclama -o auxilio do seu braço e os cuidados da -sua atenção. No povo trabalha sempre, e muito, -e só excepcionalmente é ociosa, porque a -necessidade e a lucta pela vida são poderosos -<i>incentivos</i> para azorragarem os pobres. É só -no povo que encontrâmos, entrando como valôr -dotal, as aptidões de trabalho da noiva.</p> - -<p>Quando um homem da classe média pensa -no casamento, ou, mesmo que não tenha pensado, -se resolve a fazê-lo porque lhe agradou -um rostosinho pálido que assomára a uma janella, -<i>ou pegou o namôro</i> encetado <i>por brincadeira</i>, -não tem como o homem do povo a -frase consoladora que vale por um dote:—é -uma mulher de trabalho.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_201" id="Page_201">[Pg 201]</a></span></p> - -<p>No nosso paiz, como em todos os outros, a -mulher do povo trabalha sem reparar se os -serviços são ou não proprios do seu sexo, mas -deixando que os outros olhem... para darem -menor salario.</p> - -<p>Não é pois a essa que precisâmos recomendar -o trabalho como fonte de todas as alegrias -e licita liberdade! Estudaremos, sim, em -outra ocasião, as condições desgraçadas em -que é feito, mas não neste capitulo dedicado á -classe média, onde a educação é menos util e -menos prática, e onde, pelo contrario, deveria -ser mais cuidada e bem dirigida para um fim -de segurança futura.</p> - -<p>Já o temos dito varias vezes, mas não é demais, -repeti-lo,—que é nos outros paizes a mulher -da burguezia aquella que mais e melhor -procura educar-se.</p> - -<p>Isto porque a civilisação, tornando a vida -cada vez mais cara e mais exigente, já fez lá o -que não tardará a fazer entre nós. A mulher -inhabil e pobre não casa.</p> - -<p>Por egoismo e maldade do homem?!</p> - -<p>Não nos atrevemos a condemná-lo.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_202" id="Page_202">[Pg 202]</a></span></p> - -<p>O seu egoismo é filho da necessidade, que -faz pensar com horror nos encargos duma familia -nas circumstancias em que a sociedade -coloca hôje o individuo.</p> - -<p>Não espere a mulher portuguêsa que sejam -os homens que a empurrem para o futuro e -para a independencia pelo trabalho, porque isso -será a confissão tacita da sua incapacidade e -preguiça.</p> - -<p>Antes que chegue a hora em que o homem—até -hôje bastante sentimental e imprevidente -para o triste dia de ámanhã de todos os casamentos -pobres—ache que as alegrias dum noivado -não valem os encargos, cada vez mais pesados, -de um lar, e procure no celibato a emancipação, -é que a mulher se deve precaver, preparando-se -para esse proximo dia em que só -terá de contar comsigo.</p> - -<p>Isto que ainda nos parece uma monstruosidade -e que repugna ao nosso sentimentalismo, -é já um facto na sociedade francêsa, onde a rapariga -sem dote tem noventa e nove probabilidades, -contra uma, de ficar solteira.</p> - -<p>Dahi a situação angustiosa dos pais, que<span class="pagenum"><a name="Page_203" id="Page_203">[Pg 203]</a></span> -vêem crescer a familia e pensam com amargura -nos filhos a colocar e nas filhas a quem é preciso -arranjar dote.</p> - -<p>Não obstando a este mal com uma séria e -util educação, que ponha a mulher ao abrigo -da miseria e da dependencia, não tardará que -cheguemos ao caminho por onde a França vai -para a despopulação, para a inferioridade egoista -do numero.</p> - -<p>Se a mulher latina não seguir o caminho -largo que lhe indicam, com o exemplo, as fortes -raças do norte, ai da familia e das nações -a que pertence!</p> - -<p>As que primeiro se decidirem a entrar na -lucta sofrerão por certo muita contrariedade e -verão cahir sobre os seus pobres hombros, mal -vesados á responsabilidade forte do trabalho e -da liberdade, todo o peso dos preconceitos e -das costumeiras, toda a malquerença invejosa -e malévola dos rotineiros, numa sociedade ignorante, -que só cultiva com amôr a <i>má lingua</i> -tradicional.</p> - -<p>Mas o numero faz a força e o habito fará o -resto. Quando a mulher, que procure numa<span class="pagenum"><a name="Page_204" id="Page_204">[Pg 204]</a></span> -profissão honrosa o seu sustento e a sua independencia, -não fôr uma excepção, mas uma legião, -facilmente poderá aguentar o embate dum -passado que se desmorona, vendo brilhar um -futuro que mal se esboça ainda num sorriso -longinquo.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_205" id="Page_205">[Pg 205]</a></span></p> - -<hr class="chap" /> - -<p class="half-title">II</p> - -<hr class="chap" /> - - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_206" id="Page_206">[Pg 206]</a></span><br /><span class="pagenum"><a name="Page_207" id="Page_207">[Pg 207]</a></span></p> - - -<div class="chapter-beginning" style="width: 800px;"> -<img src="images/header-p067-207.jpg" width="800" height="211" alt="Page 207 Header" title="Page 207 Header" /> -</div> - - -<h3><a name="II_A_MULHER_CASADA_PERANTE_O_CODIGO_CIVIL" id="II_A_MULHER_CASADA_PERANTE_O_CODIGO_CIVIL"></a>II<br /> -<br /> -A MULHER CASADA PERANTE -O CODIGO CIVIL</h3> - -<div> - <img class="drop-cap" src="images/dropcap-o.png" width="75" height="78" alt=""/> -</div> - -<p class="drop-cap">O casamento perante a lei e o casamento -como de facto é perante a sociedade, -são duas coisas por tal fórma contradictorias, -que não se dirá á primeira vista que um corresponde -ao outro, ou que um e outro não são -mais do que o mesmo contracto bi-lateral constituido -para a formação da familia legal.</p> - -<p>Perante a lei, a mulher casada deixa de ser -uma criatura livre, deixa de ser a senhora do -seu destino e das suas ações, porque:—<i>tem que -prestar obediencia ao marido (art. 1185.<sup>o</sup> do -Cod. Civ.)</i></p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_208" id="Page_208">[Pg 208]</a></span></p> - -<p>—Deixa de ser a administradora dos seus -bens, porque:—qualquer que seja a fórma porque -se realise o contracto matrimonial, <i>a administração -pertence ao marido e só na falta ou -impedimento delle a mulher tomará o seu logar</i>, -(<i>art. 1189.<sup>o</sup> do Cod. Civ.</i>)</p> - -<p>—Á mulher é negado o direito de alienar -ou adquirir quaisquer bens, <i>tanto moveis</i>, <i>como -imoveis</i>, emquanto que o marido póde adquirir -quaisquer, sem auctorisação da esposa, e alienar -os <i>mobiliarios</i>, (<i>art.<sup>os</sup> 1191.<sup>o</sup> e 1193.<sup>o</sup> do Cod. -Civ.</i>) Á mulher é totalmente prohibido fazer dividas, -sem auctorisação do marido, emquanto -que o homem póde, segundo o <i>art. 1114.<sup>o</sup> do -Cod. Civ. §§ 1.<sup>o</sup></i> e <i>2.<sup>o</sup></i>, contrahir, só por si, dividas -pelas quais respondem os bens do casal, -no todo ou em parte.</p> - -<p>—A mulher não póde ser a educadora dos -filhos, pois que os filhos pertencem ao pai, que -os rege, protege e administra, constituindo -assim o <i>poder paternal</i>, segundo o <i>art.<sup>o</sup> 137.<sup>o</sup> -do Cod. Civ.</i></p> - -<p>Embora o <i>art.<sup>o</sup> 138.<sup>o</sup></i> proclame que a mãe -comparticipa do <i>poder paternal</i>, <i>e deverá ser<span class="pagenum"><a name="Page_209" id="Page_209">[Pg 209]</a></span> -ouvida em tudo que respeita os interesses dos -filhos</i>, tal não póde suceder, porque o pai é o -unico representante do <i>poder paternal</i>, e contra -elle a opinião e a vontade materna nada valem.</p> - -<p>—Póde o pai requerer a prisão do filho desobediente -e interná-lo em uma casa de correcção, -que, embora a mãe queira sustêr esse -acto da vontade paterna, a sua opinião não tem -força, a sua voz não será escutada, nem a sua -vontade terá valôr, por mais injusta ou violenta -que lhe pareça a medida.</p> - -<p>—Tratando-se do casamento do menor, é -perfeitamente inutil a licença materna, porque -em <i>caso de dissentimento entre os pais, prevalece -a opinião do homem</i>, bastando o seu consentimento -para se realisar o matrimonio, como -preceitúa o <i>art.<sup>o</sup> 1061.<sup>o</sup> do Cod. Civ.</i> E nunca o -consentimento materno, só por si, póde prevalecer, -por mais vantagens que a mulher encontre -no casamento do filho menor.</p> - -<p>—Viuvo, o homem administra e usufrúe -os bens dos filhos menores, podendo contrahir -segundas nupcias sem que lhe seja tirada a -administração e o usufructo.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_210" id="Page_210">[Pg 210]</a></span></p> - -<p>—Viuva, a mulher terá que dar contas da -sua administração ao <i>conselheiro</i> que o defunto -tenha deixado nomeado, se elle ainda depois da -morte tiver reservado o poder de dirigir a esposa, -sob pena de lhe ser tirada a administração -(<i>art.<sup>o</sup> 161.<sup>o</sup></i>).</p> - -<p>Caso venha a contrahir segundas nupcias, a -mulher perde <i>imediatamente</i> a administração e -o usufructo da fortuna dos filhos menores, (<i>art.<sup>o</sup> -162.<sup>o</sup></i>), o que seria justo se o homem no mesmo -caso não continuasse a gosar os privilegios que -lhe negam a ella.</p> - -<p>O filho pode ser emancipado antes da idade -legal pelo simples consentimento paterno; pelo -consentimento da mãe só quando, viuva, tenha -assumido o <i>poder paternal</i> (<i>art.<sup>o</sup> 304 § 2.<sup>o</sup></i>)</p> - -<p>Até para a tutela dos menores se prefere -quasi sempre a linha paterna (art. 200.<sup>o</sup> § 5.<sup>o</sup>)</p> - -<p>Portanto, legalmente, a mãe representa nada -ou quasi nada na vida dos filhos, que, segundo -o velho direito romano, pertencem á <i>absoluta</i> -autoridade do <i>pater-familiæ</i>.</p> - -<p>Quantos abusos e injustiças pode acarretar -sobre as pobres criaturas humanas, que a lei<span class="pagenum"><a name="Page_211" id="Page_211">[Pg 211]</a></span> -ainda não considera emancipadas, um poder -assim discricionario, é facil imaginar.</p> - -<p>A lei é feita sobre a base de que todo o homem -é justo, ama os filhos e só para o seu -bem deseja concorrer; mas a vida dá-nos muitos -e muitos exemplos do contrario e a lei podia -temperar tão grande absurdo dando á mãe -igual poder sobre o filho, que pertence aos -dois, com o juiz ou o conselho de familia para -decidir em caso de grande dissimilhança de opinião.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>A mulher casada não póde negociar, exercer -uma industria ou uma profissão, inclusivamente -escrever para público e publicar os seus -livros, sem auctorisação do marido. É o <i>art.<sup>o</sup> -1187.<sup>o</sup> do Cod. Civ.</i> que o manda.</p> - -<p>—Tem obrigação de acompanhar o marido -para onde o capricho deste entender que a deve -levar, a dentro das fronteiras do reino. É o que -reza o <i>art.<sup>o</sup> 1186.<sup>o</sup> do Cod. Civ.</i></p> - -<p>—Não póde abandonar o marido, embora -sofra todas as tiranias dum genio diferente do<span class="pagenum"><a name="Page_212" id="Page_212">[Pg 212]</a></span> -seu, duma educação que seja o contrario da -sua, dum caracter imcompativel com o seu proprio -caracter,—salvo em casos muito especiaes -previstos pela lei, e que, por bem conhecidos, -o homem sabe evitar.</p> - -<p>Caso fuja do lar conjugal, por lhe ser impossivel -a existencia em comum, o marido póde -mandá-la prender como a qualquer malfeitor e -obrigá-la a retomar <i>imediatamente</i>, no <i>seu</i> lar -odiado, o papel de mulher, sem que ao espirito -revoltado, nem ao seu orgulho ferido, se dê o -tempo de amortecer a violencia da dôr ou o -impeto da revolta.</p> - -<p>Só poderá gritar a sua indignação e pedir -um pouco de liberdade, se o marido lhe dér, -com público escandalo, as poucas coisas previstas -pelo Codigo civil:—<i>adulterio no domicilio -conjugal ou com escandalo publico, desamparo -completo, cevicias, ofensas graves, -(art.<sup>o</sup> 1204.<sup>o</sup>)</i></p> - -<p>—O homem que cometeu o adulterio, embora -nas condições indicadas, tem a ridicula -pena de três mêses a três annos de multa, conforme -<span class="pagenum"><a name="Page_213" id="Page_213">[Pg 213]</a></span>o <i>art.<sup>o</sup> 404.<sup>o</sup> do Cod. Penal.</i> Sobre a -mulher cái toda a ira, todo o selvagem ciume -do legislador, que defende nos maridos o direito -do macho que não tolera o despreso da -femea, chegando á ferocidade de tirar á mulher -adúltera os proprios bens della, que serão entregues -ao marido, arbitrando-lhe uma triste -mesada que será o que o capricho do conselho -de familia e o juiz quizerem ou entenderem. -É doutrina do § <i>unico do art.<sup>o</sup> 1210.<sup>o</sup> e outros -do Cod. Civ.</i></p> - -<p>Vemos portanto que, segundo a lei, a mulher, -casando, perde todos os seus direitos e -alforrias—póde considerar-se, legalmente, a -tutelada do homem.</p> - -<p>Mas se passarmos do dominio abstrato da -lei para o campo da realidade, o contraste é -completo.</p> - -<p>Ao contrario do que se poderia supôr, sob -a pressão de taes disposições legaes, a mulher -em Portugal, como em quasi todos os paizes -latinos, casa <i>para ser livre</i>! A sua liberdade -não é <i>legal</i>, não é <i>responsavel</i>, mas é um facto -filho da tolerancia masculina e, mais, dos costumes -que se fôram adoçando e civilisando, sem<span class="pagenum"><a name="Page_214" id="Page_214">[Pg 214]</a></span> -embargo das leis continuarem persistindo na -sua rigidez... de cadaveres.</p> - -<p>A mulher solteira, a rapariga portuguêsa, -como todas as suas collegas latinas, é mal preparada, -mal educada para entrar na lucta da -vida quotidiana.</p> - -<p>Não anda só, não trabalha, não estuda, não -sabe pensar por si, não vive independente e -altiva, como qualquer rapariga inglêsa ou americana -no seu quarto de estudante, lendo e estudando, -cuidando da sua roupa e arrumando-a -pelas suas proprias mãos, nas largas gavetas -dos singelos moveis inglêses, com essas mãos -que já fizeram a cama, passaram o panno humedecido -no chão encerado, limparam o pó da -mesa de trabalho onde colocaram uma jarra -com flôres; essas mãos habeis e lestas que -dahi a pouco prepararão no gabinete de fisica -uma experiencia meticulosa e que á tarde saberão -guiar com firmêsa a bicicleta ou segurar -as redeas dum cavallo, bater com serenidade -os remos do barquinho de recreio em qualquer -lago dos arredores ou jogar qualquer jogo de -fôrça e destrêsa.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_215" id="Page_215">[Pg 215]</a></span></p> - -<p>A rapariga portuguêsa não tem opiniões, -para não ser pedante; não lê, para não ser -<i>doutora</i> e não ver fugir espavoridos os noivos, -que por acaso a procurassem.</p> - -<p>Não frequenta um passeio, não visita uma -exposição, não assiste a um espectaculo ou a -uma conferencia sem que a siga a familia toda, -numa desconfiança de policias secretas.</p> - -<p>Não lhe é permitido conversar com um homem -sem levantar no espirito de quem a vê -a suspeita dum interesse amoroso...</p> - -<p>A rapariga que chega aos vinte annos, asfixiada -sob esta amoravel tutela, que nem por -ser amoravel e carinhosa deixa de ser opressiva, -encontra no casamento uma relativa liberdade.</p> - -<p>Liberdade que, as mais das vezes, é uma -temeridade conceder á pobre criatura que durante -tantos annos foi conservada e guardada, -com o unico fito de ser entregue ao homem -materialmente pura.</p> - -<p>Guardar uma criatura é tirar-lhe a responsabilidade -moral.</p> - -<p>A criança habituada a ter uma pessoa que<span class="pagenum"><a name="Page_216" id="Page_216">[Pg 216]</a></span> -olhe por ella e lhe evite as temeridades e loucuras, -se um dia a mandam brincar, entregue a -si propria, pergunta sobresaltada:—quem me -guarda?</p> - -<p>A mulher solteira, que desde criança foi habituada -a trabalhar, a andar só, a estudar e -amar a santa natureza e a conhecer as mentiras -sociais, sem se deixar deslumbrar pelas suas -grandêsas nem desanimar pelas suas miserias, -que fala naturalmente com os rapases, seus -colegas no estudo e no trabalho; não pensará -tanto em namorados como as nossas pobres -flôres de estufa, que nada mais têm que as -preocupe. Chegada a hora de casar aceitará -com naturalidade uma mudança de vida que -lhe exige fisiologicamente a natureza, mas que -a vem sobrecarregar com responsabilidades e -deveres muito mais sérios e graves.</p> - -<p>A mulher no nosso paiz, embora a lei seja -dura para ella, como vimos, encontra no casamento -uma relativa alforria á sua vida de crisálida. -Os guardas, que a não desamparavam -um instante, desapareceram e ella sente-se livre -alfim! É senhora de si e dos seus caprichos,<span class="pagenum"><a name="Page_217" id="Page_217">[Pg 217]</a></span> -que toma como manifestações da sua vontade. -A casa pertence-lhe, pode dispô-la ao seu gosto, -não tem ninguem que a contrarie—nem o marido, -nesse primeiro tempo de casada. Na rua -pode andar só, sem que ninguem repare. E que -reparasse, o marido autorisa-a tacitamente a -fazê-lo, porque homem nenhum iria hôje dar á -sua propria esposa um diploma de incapacidade, -fazendo-a guardar.</p> - -<p>E a mulher, hontem ainda vigiada como uma -criança, sente um certo orgulho em poder dizer -comsigo:—sáio se quizer sahir!</p> - -<p>E sai, as mais das vezes para nada—porque -é ainda rara a mulher portuguêsa que sai por -exigencias de trabalho profissional—para mostrar -a si mesma que é livre.</p> - -<p>Diz a lei que a esposa <i>deve obediencia</i> ao -marido, mas que importa, se ella faz, geralmente, -mais a propria vontade do que a delle?</p> - -<p>Que importa que a <i>administração</i> pertença -ao marido, se não é raro que seja a mulher -com assentimento delle, é claro, quem administra -e guarda o dinheiro do casal?</p> - -<p>Que importa que legalmente não possa comprar<span class="pagenum"><a name="Page_218" id="Page_218">[Pg 218]</a></span> -nem vender bens <i>moveis</i> nem <i>imoveis</i>, se -é raro o esposo que vá interferir nas compras -que a mulher faça, principalmente de <i>bens -moveis</i>?</p> - -<p>Embora não possa contrahir dividas sem -licença do marido, não ha negociante que lha -exija para fiar a sua fazenda, certo que só em -caso extremo o homem deixará de pagar as dividas -contrahidas pela espôsa.</p> - -<p>Embora não lhe assista o direito de se ingerir -na educação dos filhos, a sua influencia -sobre elles é bem mais decisiva do que a dos -pais; e qual seria hôje o marido brutal que se -atreveria a arrostar com a reprovação geral, -arrancando violentamente um filho á tutela educativa -da mãe?!</p> - -<p>Embora não possa negociar, ter uma profissão -ou industria, ou escrever para público, -qual o homem que arcaria com a gargalhada -geral que a sua tirania ridicula despertasse?!</p> - -<p>Embora tenha obrigação de acompanhar o -marido, para onde elle a quizer levar, dentro -do reino, quantos exemplos vemos do contrario<span class="pagenum"><a name="Page_219" id="Page_219">[Pg 219]</a></span> -sujeitando-se mais vezes o homem á vontade e -ao gosto da mulher?!...</p> - -<p>Qual o marido, tirano de comedia, que -obrigasse a mulher, que o não quer aturar, a -voltar violentamente para o lar conjugal?</p> - -<p>O proprio caso de adulterio em que o orgulho -masculino mais sofre e menos póde atender -os conselhos de bondade e perdão, nem -mesmo esse já se desenlaça, senão muito raramente, -entre gente civilisada, na carnificina e -no rubro da tragedia antiga.</p> - -<p>A dôr concentra-se na alma, e a tragedia,—que -a ha sempre onde se despedaçam violentamente -laços de sangue e de coração—fica silenciosa -e respeitavel, na sua grande simplicidade. -A mulher não é assassinada, mas o homem -não é como dantes ridicularisado por uma -falta de que só ella é a responsavel e a victima.</p> - -<p>Por estas ligeiras observações parece-me ter -mostrado bastantemente quanto é verdadeira a -teoria já expendida aqui:—<i>de que os costumes -precedem as leis, que se modificam, mais dia -menos dia, segundo a vontade e os habitos da -sociedade que as reclama.</i></p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_220" id="Page_220">[Pg 220]</a></span></p> - -<p>Não seria pois mais logico e mais sério educar -desde já a mulher solteira para a sua alta -responsabilidade de esposa e de mãe, modificando -as leis que governam a familia, como se -transformaram os costumes, tornando o casamento -a união legal e respeitavel de duas criaturas -que se juntam por sua livre vontade para -constituirem a familia, tomando sobre si iguais -encargos com iguais direitos?</p> - -<p>Pois não é preferivel tirar á criatura que -soube insinuar-se e apoderar-se da egualdade -de facto, a irresponsabilidade que lhe garante -a lei, dando-lhe os deveres e as vantagens?</p> - -<p>Tanto mais que o maior perigo está ainda—em -que a lei só cai, com todo o seu peso, sobre a -mulher de caracter probo que não sabe dobrar-se -nem mentir, conquistando com blandicias -e hipocrisias, apoiada na fraquêsa masculina, -o que legalmente lhe é defêso.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_221" id="Page_221">[Pg 221]</a></span></p> - -<hr class="chap" /> - -<p class="half-title">III</p> - -<hr class="chap" /> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_222" id="Page_222">[Pg 222]</a></span><br /><span class="pagenum"><a name="Page_223" id="Page_223">[Pg 223]</a></span></p> - - -<div class="chapter-beginning" style="width: 800px;"> -<img src="images/header-p101-149-223.jpg" width="800" height="169" alt="Page 223 Header" title="Page 223 Header" /> -</div> - -<h3><a name="III_A_MULHER_SOLTEIRA_PERANTE_O_CODIGO_CIVIL" id="III_A_MULHER_SOLTEIRA_PERANTE_O_CODIGO_CIVIL"></a>III<br /> -<br /> -A MULHER SOLTEIRA -PERANTE O CODIGO CIVIL</h3> - -<div> - <img class="drop-cap" src="images/dropcap-d.png" width="75" height="69" alt=""/> -</div> - -<p class="drop-cap">Dissemos atrás—que não são as leis portuguêsas -das mais intolerantes e agravantes -da situação da mulher adentro da sociedade -e da familia. Demonstraremos esta opinião, -em ligeiras observações que nos fôrem ocorrendo—que -não em estudo comparativo dos codigos -estrangeiros, por nos falecer competencia -para tanto.</p> - -<p>É certo que encontrâmos no codigo português -graves desigualdades e injustiças para -com a mulher, não como é de facto, pela educação -e pela tradição, no nosso paiz, mas como -deveria ser.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_224" id="Page_224">[Pg 224]</a></span></p> - -<p>Não obstante, a mulher, tal como se conserva -em terras portuguêsas, não tem direito a reclamar -maiores garantias legais, porque até -agora nem sequer se tem utilisado das regalias -e igualdades que o proprio codigo lhe confere, -e são ainda hôje, em paizes mais adiantados do -que o nosso, outros tantos reductos a conquistar.</p> - -<p>Vemos na França, por exemplo, a mulher -perder o seu nome com o casamento; deixar—pelo -simples motivo de se ligar a um homem -legalmente—de sêr a <i>pessoa tal</i>, com o nome -da familia em que nasceu e a que pertence pelo -sangue e pela educação (e á qual não poderá -nunca deixar em absoluto de pertencer, por defeitos -e qualidades de que é inconsciente herdeira) -para se tornar em <i>madame</i>... do nome -do marido.</p> - -<p>Isso mesmo deixará de ser se, viuva, tornar -a casar; ou, divorciada, mudar, como quem -muda um vestido usado, de nome e de marido -conjunctamente.</p> - -<p>A tradição conservou na livre e intelectual -França esse costume, fixou-o mesmo como lei, -e, afinal, onde essa lei tinha menos razão de<span class="pagenum"><a name="Page_225" id="Page_225">[Pg 225]</a></span> -ser era precisamente nesse paiz, onde o divorcio -já está promulgado e usado largamente. Havemos -de concordar que é em extremo absurda -a coexistencia desses dois usos.</p> - -<p>Para a mulher francêsa é tão natural este -costume, que só raramente a faz indignar; é -que as maiores servidões, se a ellas nos afazêmos -pela educação e pelo habito, tal nos não -parecem, senão por um esforço de raciocinio -que nem sempre chegâmos a formular.</p> - -<p>Nada mais ridiculo, na verdade, do que essa -lei, resto, ao que se me afigura, do velho direito -romano, que fazia da mulher a pertença do -homem. Fosse o pai, absoluto senhor cujas decisões -se aceitavam sem protesto; ou o marido, -que recebia a esposa como um festivo -<i>presente</i>, um objecto, ou uma femea que se -compra; fosse o irmão, o proprio filho ou cunhado.... -todos, sucessivamente, tinham direitos -e poderes sobre a criatura humana, só -porque o acaso de um utero, a fatalidade germinativa, -a fizéra mulher.</p> - -<p>Nas antigas civilisações a mulher era sempre -a escrava que o homem comprava ou roubava,<span class="pagenum"><a name="Page_226" id="Page_226">[Pg 226]</a></span> -consoante o regimen de guerra ou de paz -em que vivia. Quantas coisas fazemos e usâmos, -que, sem o presentir, recordam apenas -cerimonias e distinctivos da nossa servidão, -desde as joias com que nos adornâmos: pulseiras, -aneis, colares, brincos, cintos e outros -enfeites, que apenas são o resto das cadeias -que prendiam a escrava ao senhor, fisica e moralmente, -até ás usanças e cerimonias do casamento; -tudo nos mostra que a tradição tem -trazido, através dos seculos, os restos barbaros -das civilisações ídas, apesar mesmo das leis que -se reformaram e modernisaram, seguindo as -novas orientações sociaes.</p> - -<p>Quem nos dirá, ao vêr lindos braceletes -constelados de pedrarias enroscando-se cariciosamente -no braço duma mulher formosa, que -essas joias representam as algêmas e pulseiras -das antigas escravas, vincando-lhes os pulsos -como um traço de fogo a lembrar-lhes a sua -miserrima dependencia?</p> - -<p>Quem nos dirá, vendo fortunas condensadas -em <i>solitarios</i>, suspensos como gotas de agua -irisantes do lobulo da orelha feminina, que o<span class="pagenum"><a name="Page_227" id="Page_227">[Pg 227]</a></span> -brinco era ainda o signal da servidão, como o -era a argola no nariz e no beiço, cahidas em -desuso, assim como as algêmas dos artelhos, -por mero <i>capricho da moda</i>, tão inconsciente -neste abandono como na conservação dos primeiros!?</p> - -<p>Assim, tambem, o que no casamento moderno -e civilisado nos parece apenas fórmulas de -cortezia, não é mais do que o éco quasi extincto -dos tempos em que a mulher era a <i>propriedade</i>, -vendida, dada, ou raptada, que passava por -esses meios, todos brutais, do poder absoluto -do pai para o não menos absoluto poder do -marido.</p> - -<p>O que significa o pedido do casamento, o -que é hôje legalmente esse costume? Nada mais -do que uma deferencia das filhas e dos noivos.</p> - -<p>Perante a lei, a mulher maior de vinte e um -annos não deve ser <i>pedida</i> a ninguem, visto que -se pertence sómente a si propria.</p> - -<p>O que significa essa tresloucada fuga, depois -da solemnidade consorcial, para hoteis e casas -estranhas,—que os jornaes anunciam pomposamente -como a ultima palavra do bom tom—senão<span class="pagenum"><a name="Page_228" id="Page_228">[Pg 228]</a></span> -o rapto da mulher primitiva, senão o abandono -da familia e da tribu em que nasceu pela -nova familia, nova tribu, nova patria, que tudo -seria para o futuro a que o marido lhe désse? Já -na Grecia e em Roma este costume pertencia á -tradição, e a noiva não transpunha pelo seu pé -o limiar da porta da nova casa e sim era levada -nos braços do marido, como significando bem -claramente a <i>posse</i> do esposo sobre a mulher, -recordando-lhe que fôra dada, vendida ou trocada -por algumas cabeças de gado, como ainda -hôje sucede em tribus selvagens da Africa.</p> - -<p>Tudo nos mostra a tradição, revivendo através -das idades e das gerações, numa teimosia -de força inconsciente, a que só o estudo aturado -e o raciocinio fórte podem pôr um dique.</p> - -<p>Longe me levou, afinal, a observação sobre -a lei e uma usança, que nem sequer são do -nosso paiz como do nosso codigo.</p> - -<p>Em Portugal, a verdade é que nem a tradição -nem as leis nos impõem tal costume. Uma -mostra-nos as familias usarem indistinctamente -o nome dos pais ou das mães, mais tarde -aliando-os numa simpatica e logica união.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_229" id="Page_229">[Pg 229]</a></span></p> - -<p>Dizem-nos as outras como a ausencia da lei -sálica faz transmitir reinos, titulos e morgadíos -pela linha feminina, na falta da masculina, -sem desdouro para ninguem.</p> - -<p>A mulher portuguêsa, quando casada, não -perdeu nunca o seu nome, ou, melhor dizendo, -o seu apelido de familia. Só o perdia quando -vinha do <i>anonimato</i> do povo ou da <i>inferioridade</i> -da classe média para a grandêsa da fidalguia -brazonada.</p> - -<p>Quando muito, ajunta hôje, por galanteria, -ao seu nome individual o nome do esposo.</p> - -<p>Nos ultimos tempos é que a móda, na sua -fatuidade, tem querido trazer para a nossa terra -o ridiculo costume da França, Belgica e outros -paizes—exactamente quando por lá já se trabalha -para o modificar.</p> - -<p>É o defeito de quem imita, sem discernir, o -que é bom e o que é máu...</p> - -<p>Mas continuemos abordando alguns exemplos -que nos fôr sugerindo o folhear do codigo, -muito por alto, sem a responsabilidade do profissional.</p> - -<p>A mulher solteira é <i>quasi</i> livre, equiparada<span class="pagenum"><a name="Page_230" id="Page_230">[Pg 230]</a></span> -ao homem perante o codigo. Mas nesse <i>quasi</i>, -que imenso abismo ainda a transpôr!</p> - -<p>Depois dos vinte e um annos póde livremente -ganhar a sua vida exercendo a profissão para -que se julga habilitada. É um individuo autónomo. -Poderá ser professora, medica, proprietaria, -industrial e comerciante.</p> - -<p>Será senhora absoluta do que é seu como -da sua vontade; pagará rendas de casa e contribuições -para o estado; será util, será um -factor importante na sociedade; mas, como os -doidos, os menores, os surdos, os cegos, não -poderá ser testemunha em actos públicos e solénes -da vida do homem, como não é aceite o -seu testemunho em qualquer acto civil, não é -aceite a sua fiança para qualquer transação comercial.</p> - -<p>Não poderá ser tutôra dum menor, por melhor -educadora e mais habil administradora -que seja—a não ser de filhos e netos, e, desses -mesmos, com restrições e cautelas vexatorias -para a sua dignidade individual—mas, para -cúmulo de disparate, póde ser tutôr dos seus -sobrinhos o marido, quando o tenha!</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_231" id="Page_231">[Pg 231]</a></span></p> - -<p>A lei não a exclúe de nenhum trabalho; -apenas o costume, a tradição e o homem (sempre -temeroso da concorrencia das criaturas que -diz desprezar e achar inferiores) fazem reparo, -a cada nova conquista da tenacidade feminina...</p> - -<p>A mulher póde estudar as leis do seu paiz. -Poderá—visto que a lei é igual para todos e -não faz distinção de pessôas e de sexos, <i>salvo -nos casos especialmente declarados</i> no <i>art. 7.<sup>o</sup> -do Cod. Civil</i>—frequentar o curso de direito e -tirar a carta de bacharel. Mas essa mesma mulher -não poderá estar em juizo como testemunha -civel, não poderá apresentar-se com procuração -ou mandato, nem requerer justiça, -salvo nas proprias questões, nas dos ascendentes -ou descendentes e nas do marido, em caso -de impedimento deste.</p> - -<p>As mulheres são equiparadas pelos codigos -aos menores não emancipados—<i>ambos menores -perante a lei!</i></p> - -<p>Ora a mulher, que não tem artigo especial -na lei que lhe prohiba ser proprietaria, industrial, -artista, medica, erudita, comerciante, professora,<span class="pagenum"><a name="Page_232" id="Page_232">[Pg 232]</a></span> -isto é, que póde ser tudo quanto representa -inteligencia, precisão, vontade e estudo; -que póde frequentar os cursos superiores onde -se instrúe o homem do seu paiz, que em qualquer -ramo do saber humano póde ser <i>alguem</i> -da estatura intelectual e moral duma Clémence -Royer ou duma Luiza Michel; a mulher não -tem a faculdade de se ingerir nos negocios publicos! -Não é eleitora nem elegivel; não póde -averiguar—porque não tem esse direito legal—como -é gasto o dinheiro que paga como contribuinte, -para onde vai o fructo do seu trabalho.</p> - -<p>Poderá fazer pender a balança eleitoral—mesmo -que as eleições fossem o resultado arithmetico -das listas verdadeiramente entradas na -urna—influindo nos seus caseiros, operarios, e -quaisquer dependentes; mas não poderá dar o -seu voto, que seria, certamente, mais responsavel -e consciencioso do que o dos analfabetos que -lhe cultivam as terras e a servem.</p> - -<p>Não poderá intervir, <i>senão ilegalmente</i>, pela -intriga e pela mentira, nos negocios de que depende -o seu socego e fortuna, o destino da<span class="pagenum"><a name="Page_233" id="Page_233">[Pg 233]</a></span> -Patria; que lhe pertence tanto como aos homens -que a governam.</p> - -<p>A lei, apesar do artigo 7.<sup>o</sup> do Cod. Civil que -diz <i>ser igual para todos</i>, é bem desigual e vexatoria -para a mulher, quando mesmo solteira, -senhora dos seus bens, árbitra da sua vida moral -como material.</p> - -<p>Não posso terminar sem me deter em dois -artigos do codigo civil que merecem a nossa -atenção mais demorada e tem o seu logar aqui, -visto referirem-se ainda á mulher solteira.</p> - -<p>—«<i>É prohibida a investigação da paternidade -illegitima</i>—diz o artigo 130.<sup>o</sup>—salvo em -casos que entram francamente nos crimes punidos -pelo codigo penal».</p> - -<p>—«<i>É permittida a investigação da maternidade</i>»—diz -a seguir o artigo 131.<sup>o</sup></p> - -<p>E fica-se a gente a pensar:—que sociedade, -que justiça, que lei é esta, que tira aos homens -todos os deveres e toda a responsabilidade, em -actos de que, se não é o maior culpado, é, pelo -menos, tão culpado como a mulher.</p> - -<p>O que póde ser um filho ilegitimo na vida de -um homem? Um encargo monetario, quando<span class="pagenum"><a name="Page_234" id="Page_234">[Pg 234]</a></span> -muito. Nenhuma deshonra o fará córar por esse -fructo da sua leviandade. Nenhuma criatura, -por mais honesta e puritana, deixará de lhe estender -a mão e recebê-lo em sua casa como -amigo. O proprio filho, dizendo o nome do pai, -não sentirá nunca o frio mortal do desprêso que -persegue, quasi sempre, o que só póde dizer o -nome da sua pobre mãe.</p> - -<p>Solteiro, esse homem não terá dificuldade em -ser aceite como esposo por qualquer senhora -honesta, que, por sua vez, se não deshonrará em -se tornar a mãe do filho que é o filho do seu -esposo.</p> - -<p>Pois o homem, nestas condições sociais, fugiu, -pelas leis que fabricou, ao <i>incomodo</i> da investigação -da sua paternidade ilegitima, ao -passo que lançou para a mãe toda a responsabilidade -do seu crime!</p> - -<p>Para a mulher que deixa de ser honesta para -a sociedade, mostrando um filho que não teve -do casamento; para a mulher que só por excepção -póde agenciar com o trabalho o quanto -baste ao seu sustento; para a mulher que nenhum -homem aceitará para esposa, sabida que<span class="pagenum"><a name="Page_235" id="Page_235">[Pg 235]</a></span> -seja a sua <i>falta</i>; para sobre a mulher toda a -responsabilidade, direi mais, toda a durêsa da -lei, permitindo ao filho a investigação da maternidade, -ao passo que lhe nega a da paternidade!</p> - -<p>Quantas lagrimas misteriosas e quantos desesperos -e angustias não representam esses pobres -seres, vindos como um castigo, numa familia -honesta, que a todo o transe quer encobrir -o que é a suprema vergonha duma mulher solteira?!</p> - -<p>Existencias de dolorosissimo sacrificio, desvendadas -para o escarneo e o despreso do mundo, -é tudo quanto representa essa disposição -legal—<i>só para a mulher!</i></p> - -<p>Se a sociedade não condemnasse com o seu -despreso a rapariga que se lhe apresenta com -um filho que não tem no registo o nome do pai; -se a sociedade garantisse á mulher—por igual -trabalho, igual salario—e lhe abrisse largamente -novos horisontes de estudo e profissões remuneradoras, -que a tornassem monetariamente livre, -então o codigo poderia, sem grande injustiça, -livrar o homem da responsabilidade a que -o filho infeliz e miseravel o vai chamar. Sim,<span class="pagenum"><a name="Page_236" id="Page_236">[Pg 236]</a></span> -porque só quem é muito desgraçado encontrará -satisfação em procurar as criaturas que o trouxeram -para a vida e se escondem covardemente -atrás do misterio.</p> - -<p>O egoismo masculino revelou-se ferozmente -nessas duas linhas, que são a maior das cobardias -para com a mulher, sua cumplice, e para -com o filho, sua victima.</p> - -<p>Se a mulher pudesse apresentar com honra -os filhos que são sómente seus, porque o pai -os não quer legitimar, por certo que não haveria -muitas que fugissem a essa responsabilidade, -porque a mulher, como todas as fêmeas, tem, -em geral, o amôr pelos filhos pequeninos muito -mais vehemente do que o homem. É o amôr -animal e inconsciente, que só a civilisação, -com as suas exigencias avassaladoras, tem atrofiado.</p> - -<p>O amôr do pai, pelo contrario, é o sentimento -<i>adquirido</i> com a civilisação e que a mesma sociedade -tem todo o interesse em proteger e desenvolver -para salvação sua.</p> - -<p>«Voltariamos ao <i>matriarcado</i> dos tempos -primitivos, se a mulher pudesse <i>honradamente</i><span class="pagenum"><a name="Page_237" id="Page_237">[Pg 237]</a></span> -apresentar os filhos sem pai; seria a dissolução -da familia e da sociedade...»</p> - -<p>Sim, seria tudo isso, mas não seria, ainda -assim, nada que se comparasse á violencia da -injustiça legal dos artigos 130.<sup>o</sup> e 131.<sup>o</sup> do cod. -civil.<span class="pagenum"><a name="Page_238" id="Page_238">[Pg 238]</a></span></p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_239" id="Page_239">[Pg 239]</a></span></p> - -<hr class="chap" /> - -<p class="half-title">IV</p> - -<hr class="chap" /> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_240" id="Page_240">[Pg 240]</a></span><br /><span class="pagenum"><a name="Page_241" id="Page_241">[Pg 241]</a></span></p> - - -<div class="chapter-beginning" style="width: 800px;"> -<img src="images/header-p085-241.jpg" width="800" height="213" alt="Page 241 Header" title="Page 241 Header" /> -</div> - -<h3><a name="IV_O_TRABALHO_DA_MULHER" id="IV_O_TRABALHO_DA_MULHER"></a>IV<br /> -<br /> -O TRABALHO DA MULHER</h3> - -<div class="blockquot-half"> - -<p><i>...é valorisar a mulher tirando-a -do triangulo fatal: casamento, -ociosidade ou prostituição.</i></p> - -<p> -<span class="smcap">Agostinho de Campos.</span><br /> -</p></div> - -<div> - <img class="drop-cap" src="images/dropcap-o.png" width="75" height="78" alt=""/> -</div> - -<p class="drop-cap">O homem português, como todo o dos povos -latinos, despresa no fundo a mulher, -apesar de ser o que mais a tem cantado -poeticamente e turificado pelo amôr.</p> - -<p>Talvez mesmo por isso... A mulher só lhe -apraz como objecto de prazer ou escrava dos -seus desejos, e para a conservar assim, nessa -dependencia que lhe quer fazer convencer que -é soberania, sujeita-se a tudo, até aguentar-se -com todo o trabalho para que ella não crie habitos<span class="pagenum"><a name="Page_242" id="Page_242">[Pg 242]</a></span> -de independencia, vendo-se apta para ganhar -a sua vida, sentindo-se senhora das <i>suas -economias</i>.</p> - -<p>A mulher casada, como está constituida a -familia no nosso paiz e como em geral o homem -a deseja—<i>vive em casa do marido. Come o que -o marido lhe dá. Veste aquillo que elle paga -com o seu trabalho. É mãe de filhos de que -elle, só, paga todas as despêsas. É o thezoureiro -do dinheiro delle</i>, e não poucas vezes -ouve criticar com asperêsa os seus actos de -governante!</p> - -<p>A mulher casada, sem fortuna propria, é -bem pouco senhora na casa que chama sua e -pelo <i>cantinho</i> da qual aspirou tantos annos, isto -se não tem a habilidade de se fazer admirada -como um modelo de bom senso e economia, o -que não é raro, como já dissemos.</p> - -<p>Mas sendo a mulher casada apenas uma -parte da grande familia feminina, porque não -fazer com que essas que não têm marido que -as sustente, nem filhos a educar, nem casa onde -se abriguem e <i>governem</i>, trabalhem e se tornem -independentes?</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_243" id="Page_243">[Pg 243]</a></span></p> - -<p>Em França—diz uma das suas ultimas estatisticas—existem -2.622:170 mulheres celibatarias -maiores de 21 annos.</p> - -<p>Não sabemos as que ha no nosso paiz, por -mingua de estatisticas comprovativas, mas sirva-nos -esse numero de termo de comparação.</p> - -<p>Aqui temos, pois, mais de dois milhões de -criaturas que não têm marido que as sustente -e que precisarão de trabalhar para poderem -subsistir.</p> - -<p>Tirando desse numero a imensa legião das -pobres que no vicio sordido procuram o sustento -ou o luxo, ainda ficaremos com uma bôa -percentagem de mulheres honestas que precisam -de trabalhar para viver.</p> - -<p>Nos ultimos tempos nota-se, principalmente -na capital, uma certa afluencia de mulheres na -procura do trabalho; mas é preciso que essa -concorrencia se não torne em exploração.</p> - -<p>Ha pouco quem seja logico nos seus principios -e quem sacrifique os seus mesquinhos interesses -pelo bem dos outros, por isso é necessario -pôrmo-nos em guarda e não concorrermos -com a nossa miseria para a miseria geral.</p> - -<p><span class="pagenum"><a name="Page_244" id="Page_244">[Pg 244]</a></span></p> - -<p>Começa a mulher entre nós—o ultimo paiz -da Europa que tal faz!—a ser utilisada no -comercio, para que tem já provadas e apreciaveis -aptidões, mas não deve consentir que a -utilisem por exploração, para lhe pagarem inferiormente -um trabalho igual ao dos homens.</p> - -<p><i>Por igual trabalho, igual paga</i>—tal deve -ser o principio fundamental do labôr feminino.</p> - -<p>Se o homem português fôsse mais bem orientado, -em vez de hostilizar a mulher que trabalha, -e de a expulsar das suas associações,—ou -não lhe permitindo o voto, nem as aceitando -como elegiveis para os cargos das sociedades—tornar-se-ia -o seu aliado e em concorrencia -leal cada um apresentaria as suas próvas e seria -provido nos logares conforme as suas aptidões,—e -não conforme a <i>paga</i>.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>É repugnante a lucta de egoismos, e, quando -se exerce com a ferocidade do esfomeado que -defende o seu alimento, dá-nos a sugestão desoladora -de que a criatura humana no fundo da -sua alma, apesar de tantos seculos de civilisação,<span class="pagenum"><a name="Page_245" id="Page_245">[Pg 245]</a></span> -é bem semelhante ao troglodita que defendia -a presa ensanguentada a unhas e dentes -contra o seu irmão ou a sua companheira, devorando -o adversario se ficava vencedor.</p> - -<p>A mulher tem direito a viver como o homem, -e, mais, tem o direito a trabalhar e a ser respeitada -no seu trabalho, só devendo temer a -concorrencia leal.</p> - -<p>Que fóros especiaes tem o homem português -para exigir que a mulher, professora, não concorra -ás cadeiras primarias de rapases ou ás -cadeiras mixtas, se ella tiver competencia para -o fazer, quando em tantos outros paizes são -ellas que se encarregam de quasi toda a educação -primaria?</p> - -<p>Que direito lhe assiste em não consentir que -a mulher telegrafista passe aos cargos superiores, -se ella—excepcionalmente ou não—fôr -um empregado mais consciencioso e inteligente -do que os seus colegas, e tiver os mesmos annos -de serviço?</p> - -<p>Que direito tem o homem em manifestar repugnancia -em ser dirigido por uma mulher se -ella tiver mais aptidões do que os dirigidos?<span class="pagenum"><a name="Page_246" id="Page_246">[Pg 246]</a></span> -Em ser ensinado por ella se mostrar em suas -provas e cursos e concursos publicos que podia -proficientemente desempenhar-se da sua missão?</p> - -<p>É abominavel de egoismo o argumento do -homem que diz:—nós já somos muitos e se a -mulher entra definitivamente na lucta pelo trabalho, -mais sofreremos nós. Mas então para o -homem não sofrer é preciso que a mulher sofra -a fome e a nudez?</p> - -<p>Repito—não me refiro já á mulher casada, -que tem o homem que a sustenta; refiro-me á -solteira, que tem direito á vida e ao trabalho -para a sustentar com nobrêsa.</p> - -<p>O caixeiro sobresalta-se porque a mulher -começa—só agora em Portugal!—a ser caixeira. -E não é isso justo?!</p> - -<p>Não é esse trabalho sedentario o mais proprio -para o sexo que dizem fraco? Mal lhes fica -até o reparo, porque ha muita profissão que -elles poderiam exercer sem se sujeitar a um -trabalho que, por muito feminil, deve ser deprimente -para a dignidade masculina.</p> - -<p>Quantas vezes não ouvimos dizer:—que tal<span class="pagenum"><a name="Page_247" id="Page_247">[Pg 247]</a></span> -ou tal oficio não serve para a mulher, porque é -pesado para a sua força, demasiado violento -para a sua fraquêsa organica?...</p> - -<p>E, no entanto, percorrendo as provincias do -norte ao sul de Portugal, visitando as oficinas -e as fabricas, não vemos que a seleção se dê -pela <i>força</i> mas sim pelo <i>salario</i>.</p> - -<p>Vimos no Porto, não ha muitos mêses, as -mulheres carregarem com pesadissimos materiais -numa fabrica de ceramica, emquanto ao -lado, numa oficina alegre e arejada, alguns homens, -muito comodamente sentados, ganhavam -o seu jornal pincelando pratos no trabalho leve -e material da <i>estampilha</i>, que sem duvida caberia -melhor ás mãos delicadas da mulher. E á -discreta manifestação da nossa invencivel estranhêsa, -percebemos que alguns murmuravam, -num entre-dentes invejoso:—era o que faltava, -mais essa concorrencia!...</p> - -<p>Logo, o homem não afasta a mulher da lucta -e do trabalho para a poupar a fadigas com -que não possa, visto que a deixa carregar fardos, -esfregar casas, trabalhar a qualquer hora -da noite em que chegam os barcos de pesca,<span class="pagenum"><a name="Page_248" id="Page_248">[Pg 248]</a></span> -nas fabricas de conserva de peixe, quer de verão -quer de inverno, molhada em salmoiras, -com as mãos geladas, de pé, horas e horas consecutivas; -que a deixa mondar, ceifar, fazer -muitos outros serviços do campo, qualquer que -seja o tempo, de ardente calôr ou de frigido -inverno... A mulher desempenha, em muitas -terras das nossas provincias do norte, o serviço -de <i>estafeta</i>, percorrendo a pé muitas leguas, -carregada com pêsos que o homem, certamente, -não aguentaria sobre a cabeça.</p> - -<p>A mulher, como criada, anda um dia inteiro -de pé no fatigante serviço de casa, deitando-se -tarde e levantando-se cedo.</p> - -<p>Aguenta uma criança nos braços durante -horas consecutivas.</p> - -<p>Passa dias com um ferro de engomar e de -brunir; cose á máquina horas sem conta...</p> - -<p>E muitos outros serviços <i>pesados</i>, que seria -longo enumerar.</p> - -<p>O homem vê isso e não se sobresalta nem -indigna, porque são trabalhos que elle não -quer para si, por mal remunerados.</p> - -<p>Se, por acaso, qualquer destes serviços<span class="pagenum"><a name="Page_249" id="Page_249">[Pg 249]</a></span> -viesse a ser bem pago, não ha duvida que acorreriam -logo a pugnar <i>pela fraquêsa da mulher</i>.</p> - -<p>Na lucta pela vida o homem é impiedoso -para a mulher, que não é a sua. A operaria -raro tem no operario um colega e um amigo; -tem apenas um homem que a desmoralisa e que -a despresa se os trabalhos são diferentes, que a -odeia, se é o mesmo, valendo-se de tudo, até das -leis protecionistas, como os tipografos francêses—que -apelaram para a lei que prohibe o -trabalho da mulher feito de noite, para as expulsar -das tipografias em que se compõem os -jornaes matutinos.</p> - -<p>Quando se aventam estas e outras opiniões -e estranhêsas, é de uso o homem responder:—mas -se a mulher vem concorrer comnosco nas -profissões em que hôje nos ocupâmos, o que -faremos nós?</p> - -<p>O que farão?!... O que fazem os inglêses, -muito mais numerosos do que nós e que percorrem -o mundo inteiro para ganhar a sua vida; -o que fazem os suissos, levantando a sua pequena -patria a toda a altura duma grande nação; o -que fazem os americanos, os alemães, os suecos<span class="pagenum"><a name="Page_250" id="Page_250">[Pg 250]</a></span> -e tantos outros, em paizes onde a mulher -é equiparada ao homem pelo trabalho.</p> - -<p>A riquêsa dum paiz não é espontanea, adquire-se -com o trabalho, e o português, que não -tem, como o francês, repugnancia pela emigração, -tem nas nossas colonias campo vasto para -a sua actividade e engenho, alem do muito que -ainda tem a fazer na metropole, e sem receio -de concorrencias.</p> - - - -<hr class="chap" /> - -<h2><a name="ERRATAS" id="ERRATAS"></a>ERRATAS</h2> - - -<p>Além de alguns insignificantes erros tipograficos que -no sentido da leitura facilmente se corrigem, nóta-se a -<a href="#Page_95">pagina 95</a>:—<i>cimo da bóta</i>, por <i>cano da bóta</i>.</p> - -<p><a href="#Page_95">Mesma pagina</a>:—lhes <i>traga</i>, por lhes <i>tragam</i>.</p> - -<p><a href="#Page_106">Pagina 106</a>:—<i>campo</i> que lhes sobre, por <i>tempo</i> que -lhes sobre.</p> - -<p><a href="#Page_106">Mesma pagina</a>:—Vida <i>desgarrada</i>, por <i>vida dispersada</i>.</p> - -<p><a href="#Page_114">Pagina 114</a>:—caminhando <i>revoltoso</i> e <i>tumultuosamente</i> -por, <i>revoltósa</i> e <i>tumultuariamente</i>.</p> - -<p><a href="#Page_114">Mesma pagina</a>:—<i>pensar</i>, por <i>passar</i>.</p> - -<p><a href="#Page_125">Pagina 125</a>:—<i>delicadas</i> amas, por <i>dedicada</i> ama.</p> - -<p><a href="#Page_142">Pagina 142</a>:—entretecida, por entrétecida?!</p> - -<p><a href="#Page_144">Pagina 144</a>:—<i>recorrer</i>, por <i>socorrer</i>.</p> - -<p><a href="#Page_145">Pagina 145</a>:—<i>puzeram</i>, por <i>puzessem</i>.</p> - -<p><a href="#Page_149">Pagina 149</a>:—<i>E</i> realmente, por <i>É</i> realmente.</p> - -<p><a href="#Page_167">Pagina 167</a>:—<i>E</i> certo, por <i>É</i> certo.</p> - -<p><a href="#Page_209">Pagina 209</a>:—<i>usufruirá</i>, por <i>usufrúe</i>.</p> - -<p><a href="#Page_218">Pagina 218</a>:—<i>lhas</i>, por <i>lha</i> exija.</p> - - - -<hr class="chap" /> - - - -<h2><a name="Livraria_Editora_da_VIUVA_TAVARES_CARDOSO" id="Livraria_Editora_da_VIUVA_TAVARES_CARDOSO"></a>Livraria Editora da VIUVA TAVARES CARDOSO</h2> - -<div class="center"><span style="font-size:smaller"><b>5, Largo de Camões, 6—LISBOA</b></span></div> - - -<p><span style="font-size:larger"><b>Ultimas publicações:</b></span></p> - -<p class="hangingindent"><span style="font-size:larger"><b>Os filhos de Ignez de Castro.</b></span> Romance historico, -por Faustino da Fonseca e Joaquim Leitão. 1 vol.</p> - -<p class="right">800 rs.</p> - -<p class="hangingindent"><span style="font-size:larger"><b>Barbey d'Aurevilly</b></span>—<i>Historia sem nome.</i> Traducção -de João Barreira. 1 vol.</p> - -<p class="right">500 rs.</p> - -<p class="hangingindent"><span style="font-size:larger"><b>O CONFLICTO</b></span> de FELIX LE DANTEC. Palestras philosophicas, -traducção e prefacio de João de Barros. 1 vol.</p> - -<p class="right">400 rs.</p> - -<p class="hangingindent"><span style="font-size:larger"><b>Hannibal e Napoleão</b></span> por J. M. Pereira de Lima. 1 -volume illustrado, em papel <i>couché</i></p> - -<p class="right">800 rs.</p> - -<p class="hangingindent"><span style="font-size:larger"><b>Cidade Nova</b></span> Romance dos tempos modernos por Fernando -Reis. 1 vol.</p> - -<p class="right">800 rs.</p> - -<p class="hangingindent"><span style="font-size:larger"><b>A religião do esforço</b></span> por Alberto Kohler, traducção -de João Gouveia. 1 vol.</p> - -<p class="right">200 rs.</p> - -<p class="center">AFFONSO LOPES VIEIRA</p> - -<p class="hangingindent"><span style="font-size:larger"><b>O Encoberto</b></span> Poema. 1 vol.</p> - -<p class="right">500 rs.</p> - -<p class="hangingindent"><span style="font-size:larger"><b>Palavras Cynicas</b></span> por Albino Forjaz de Sampaio 1 -volume</p> - -<p class="right">300 rs.</p> - -<p class="hangingindent"><span style="font-size:larger"><b>A Viuva</b></span> por Octavio Feuillet, traducção de Anna Cyrillo Machado. -1 vol.</p> - -<p class="right">300 rs.</p> - -<p class="center">CARLOS RANGEL DE SAMPAIO</p> - -<p class="hangingindent"><span style="font-size:larger"><b>Preparativos de uma revolta</b></span> Documentos ineditos -de 1840 a 1846, com prefacio do Ex.<sup>mo</sup> Snr. José -Barbosa Colen. 1 vol.</p> - -<p class="right">500 reis</p> - -<p class="hangingindent"><span style="font-size:larger"><b>Escandalo!</b></span> Scenas da vida de provincia, por Antonio de -Albuquerque. 1 vol.</p> - -<p class="right">600 rs.</p> - -<p class="hangingindent"><span style="font-size:larger"><b>Aurora</b></span> Romance pagão por Augusto de Lacerda. -1 vol.</p> - -<p class="right">700 rs.</p> - -<p class="hangingindent"><span style="font-size:larger"><b>O Caminheiro</b></span> Traducção liberrima da peça em cinco -actos, em verso de Jean Richepin, por Julio Dantas. 1 -vol.</p> - -<p class="right">600 rs.</p> - -<p class="hangingindent"><span style="font-size:larger"><b>A Tzarina Sultão</b></span> Scenas intimas da vida imperial -russa. Romance historico por Sacher Macoch, traducção do allemão -refundida, por Eduardo de Noronha, 1 vol. com o retrato -do auctor.</p> - -<p class="right">700 rs.</p> - -<div class="footnotes"><h3>NOTAS DE RODAPÉ:</h3> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_1_1" id="Footnote_1_1"></a><a href="#FNanchor_1_1"><span class="label">[1]</span></a> Á carta que me dirigiu o Sr. Gomes Pereira, na -<i>Revista Amarella</i>, criticando o artigo precedente.</p></div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_2_2" id="Footnote_2_2"></a><a href="#FNanchor_2_2"><span class="label">[2]</span></a> Maio de 1903.</p></div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_3_3" id="Footnote_3_3"></a><a href="#FNanchor_3_3"><span class="label">[3]</span></a> 1904.</p></div> - -<div class="footnote"> - -<p><a name="Footnote_4_4" id="Footnote_4_4"></a><a href="#FNanchor_4_4"><span class="label">[4]</span></a> Em Gouveia, no inverno de 1903.</p></div></div> - -<div class="transnote"> - -<h3>Nota do Transcritor:</h3> - -<p>Erros tipográficos óbvios foram corrigidos; quaisquer outros erros -ou inconsistências foram mantidos como no original.</p> - -<p>Foram removidas aspas angulares desnecessárias (utilizadas -seguindo um travessão: "—«") e não fechadas que eram utilizadas -inconsistentemente.</p> - -<p>Os erros indicados nas <a href="#ERRATAS">Erratas</a> foram corrigidos, exceto o sexto e -oitavo (o primeiro por não ser encontrado na página indicada e o último -por não ser claro o que deve ser corrigido).</p> - -<p>O Índice foi movido do final para o início do livro de forma a -facilitar a sua utilização.</p> - -</div> - - - - - - - - -<pre> - - - - - -End of Project Gutenberg's Ás Mulheres Portuguêsas, by Ana de Castro Osório - -*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK ÁS MULHERES PORTUGUÊSAS *** - -***** This file should be named 63943-h.htm or 63943-h.zip ***** -This and all associated files of various formats will be found in: - http://www.gutenberg.org/6/3/9/4/63943/ - -Produced by Pedro Saborano, Gonçalo Silva and the Online -Distributed Proofreading Team at https://www.pgdp.net (This -book was produced from scanned images of public domain -material from the Google Books project.) - -Updated editions will replace the previous one--the old editions will -be renamed. - -Creating the works from print editions not protected by U.S. copyright -law means that no one owns a United States copyright in these works, -so the Foundation (and you!) can copy and distribute it in the United -States without permission and without paying copyright -royalties. 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Redistribution is subject to the -trademark license, especially commercial redistribution. - -START: FULL LICENSE - -THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE -PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK - -To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free -distribution of electronic works, by using or distributing this work -(or any other work associated in any way with the phrase "Project -Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full -Project Gutenberg-tm License available with this file or online at -www.gutenberg.org/license. - -Section 1. General Terms of Use and Redistributing Project -Gutenberg-tm electronic works - -1.A. By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm -electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to -and accept all the terms of this license and intellectual property -(trademark/copyright) agreement. 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INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the -trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone -providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in -accordance with this agreement, and any volunteers associated with the -production, promotion and distribution of Project Gutenberg-tm -electronic works, harmless from all liability, costs and expenses, -including legal fees, that arise directly or indirectly from any of -the following which you do or cause to occur: (a) distribution of this -or any Project Gutenberg-tm work, (b) alteration, modification, or -additions or deletions to any Project Gutenberg-tm work, and (c) any -Defect you cause. - -Section 2. Information about the Mission of Project Gutenberg-tm - -Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of -electronic works in formats readable by the widest variety of -computers including obsolete, old, middle-aged and new computers. It -exists because of the efforts of hundreds of volunteers and donations -from people in all walks of life. - -Volunteers and financial support to provide volunteers with the -assistance they need are critical to reaching Project Gutenberg-tm's -goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will -remain freely available for generations to come. In 2001, the Project -Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure -and permanent future for Project Gutenberg-tm and future -generations. To learn more about the Project Gutenberg Literary -Archive Foundation and how your efforts and donations can help, see -Sections 3 and 4 and the Foundation information page at -www.gutenberg.org - - - -Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation - -The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit -501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the -state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal -Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification -number is 64-6221541. Contributions to the Project Gutenberg Literary -Archive Foundation are tax deductible to the full extent permitted by -U.S. federal laws and your state's laws. - -The Foundation's principal office is in Fairbanks, Alaska, with the -mailing address: PO Box 750175, Fairbanks, AK 99775, but its -volunteers and employees are scattered throughout numerous -locations. Its business office is located at 809 North 1500 West, Salt -Lake City, UT 84116, (801) 596-1887. Email contact links and up to -date contact information can be found at the Foundation's web site and -official page at www.gutenberg.org/contact - -For additional contact information: - - Dr. Gregory B. Newby - Chief Executive and Director - gbnewby@pglaf.org - -Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg -Literary Archive Foundation - -Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide -spread public support and donations to carry out its mission of -increasing the number of public domain and licensed works that can be -freely distributed in machine readable form accessible by the widest -array of equipment including outdated equipment. Many small donations -($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt -status with the IRS. - -The Foundation is committed to complying with the laws regulating -charities and charitable donations in all 50 states of the United -States. Compliance requirements are not uniform and it takes a -considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up -with these requirements. We do not solicit donations in locations -where we have not received written confirmation of compliance. To SEND -DONATIONS or determine the status of compliance for any particular -state visit www.gutenberg.org/donate - -While we cannot and do not solicit contributions from states where we -have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition -against accepting unsolicited donations from donors in such states who -approach us with offers to donate. - -International donations are gratefully accepted, but we cannot make -any statements concerning tax treatment of donations received from -outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff. - -Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation -methods and addresses. Donations are accepted in a number of other -ways including checks, online payments and credit card donations. To -donate, please visit: www.gutenberg.org/donate - -Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic works. - -Professor Michael S. Hart was the originator of the Project -Gutenberg-tm concept of a library of electronic works that could be -freely shared with anyone. For forty years, he produced and -distributed Project Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of -volunteer support. - -Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed -editions, all of which are confirmed as not protected by copyright in -the U.S. unless a copyright notice is included. Thus, we do not -necessarily keep eBooks in compliance with any particular paper -edition. - -Most people start at our Web site which has the main PG search -facility: www.gutenberg.org - -This Web site includes information about Project Gutenberg-tm, -including how to make donations to the Project Gutenberg Literary -Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to -subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks. - - - -</pre> - -</body> -</html> diff --git a/old/63943-h/images/cover.jpg b/old/63943-h/images/cover.jpg Binary files differdeleted file mode 100644 index 63ab162..0000000 --- a/old/63943-h/images/cover.jpg +++ /dev/null diff --git a/old/63943-h/images/dropcap-c.png b/old/63943-h/images/dropcap-c.png Binary files differdeleted file mode 100644 index 815eb2c..0000000 --- a/old/63943-h/images/dropcap-c.png +++ /dev/null diff --git a/old/63943-h/images/dropcap-d.png b/old/63943-h/images/dropcap-d.png Binary files differdeleted file mode 100644 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