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-Project Gutenberg's Ás Mulheres Portuguêsas, by Ana de Castro Osório
-
-This eBook is for the use of anyone anywhere in the United States and most
-other parts of the world at no cost and with almost no restrictions
-whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of
-the Project Gutenberg License included with this eBook or online at
-www.gutenberg.org. If you are not located in the United States, you'll have
-to check the laws of the country where you are located before using this ebook.
-
-Title: Ás Mulheres Portuguêsas
-
-Author: Ana de Castro Osório
-
-Release Date: December 2, 2020 [EBook #63943]
-
-Language: Portuguese
-
-Character set encoding: UTF-8
-
-*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK ÁS MULHERES PORTUGUÊSAS ***
-
-
-
-
-Produced by Pedro Saborano, Gonçalo Silva and the Online
-Distributed Proofreading Team at https://www.pgdp.net (This
-book was produced from scanned images of public domain
-material from the Google Books project.)
-
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-
- Anna de Castro Osorio
-
-
- Ás mulheres
- Portuguêsas
-
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- LISBOA
- =LIVRARIA EDITORA=
- VIUVA TAVARES CARDOSO
- 5--LARGO DE CAMÕES--6
-
- 1905
-
-
-
-
-Typ. a vapor da Emprêsa Litteraria e Typographica
-
-178, Rua de D. Pedro, 184--Porto
-
-
-
-
-Na incerteza pelo futuro, caracteristica muito acentuada do actual
-momento historico, não ha ninguem, por mais ferozmente que se
-ensimesme ou por mais alto que se alheie em sonhos e ficções, que se
-não surprehenda, um dia, meditando, transido de duvidas, nalgum dos
-multiplos problemas que agitam a alma moderna.
-
-São tantos e tão variados, tão dolorosos por vezes, recordam tanta
-lagrima, evocam tanta dôr soffrida pela mísera humanidade--que em vão
-lhe quer fugir e se debate e grita de desespero, ou ri de inconsciente
-goso, conforme é alevantada aos ares em triumfo ou mergulhada na
-indifferente desgraça--que o nosso espirito se detem e pergunta, no
-augusto silencio da propria consciencia--se vale a pena existir num
-mundo assim?!
-
-Todos os sinceros têm formulado esta interrogação: uns, fortificados
-pelo pensamento, no desejo de remediar o mal, concebem a esperança de
-trazer, embora com o sacrificio proprio, alguma melhoria á sociedade;
-outros desanimam, a mesma dôr os mata ou anula para o trabalho paciente
-do futuro.
-
-Mas o desânimo e a renuncia é uma dupla falta--pelo que deixâmos de
-fazer e pelo que consentimos que os egoistas e os sem escrupulos façam
-impunemente.
-
-Para todos é de responsabilidade a hora presente, na qual, a par de
-muito crime e muita injustiça, um bello e salubre movimento se opéra
-por todo o mundo.
-
-Ninguem se poderá isentar dessa tremenda responsabilidade moral, que
-tanto cabe ao homem como á mulher, a esta mais ainda porque nas suas
-mãos, com a educação da infancia, que lhe pertence, está confiado o
-futuro.
-
-Á mulher, pois, ou seja pobre operaria que mal ganha para o pão de cada
-dia, ou opulenta dama avergada ao pêso dos seus deveres sociaes; ás
-mães que têm filhos a entrar na lucta pela existencia e que ansiados
-esperam o conselho, que os guie para a felicidade e para o bem,
-dos labios que lhes ensinaram as primeiras palavras e lhes deram
-os primeiros beijos; como ás raparigas que, mal iniciadas nos seus
-deveres, têm de arcar com um futuro de que nem chegam a comprehender
-as responsabilidades; a todas, repetimos, corre o dever de se deterem,
-ao menos um instante, a pensar no remedio a dar a tanto mal e a tanta
-iniquidade.
-
-Por isso é ás mulheres, e principalmente ás mulheres do meu paiz--que
-tão insuficientemente são educadas para serem as companheiras e as mães
-do homem moderno--que me dirijo.
-
-Possa este modesto trabalho corresponder dalgum modo ás necessidades
-espirituaes da alma feminina, que desperta emfim para uma nobre e mais
-util missão social.
-
-
-
-
-FEMINISMO
-
-
-I
-
-SER FEMINISTA
-
-Feminismo: É ainda em Portugal uma palavra de que os homens se riem ou
-se indignam, consoante o temperamento, e de que a maioria das proprias
-mulheres córam, coitadas, como de falta grave cometida por algumas
-colegas, mas de que ellas não são responsaveis, louvado Deus!...
-
-E, no entanto, nada mais justo, nada mais rasoavel, do que este
-caminhar seguro, embora lento, do espirito feminino para a sua
-autonomia.
-
-O homem português não está habituado a deparar no caminho da vida
-com as mulheres suas iguais pela ilustração, suas companheiras de
-trabalho, suas colegas na vida pública; por isso as desconhece, as
-despresa por vezes, as teme quasi sempre.
-
-Mas siga a mulher o seu caminho, intemerata e digna, sem recear o
-isolamento como o ridiculo--que nem um nem outro atingem o verdadeiro
-mérito e a sã razão.
-
-Tenha o coração alto e o espirito alevantado; não faça do amôr o ideal
-unico da existencia nem o seu unico fim. Pense no trabalho e no estudo,
-e deixe que as suas faculdades afectivas se desenvolvam livremente, ou
-se não desenvolvam mesmo, que isso deve ser indiferente á sociedade.
-Cuidados de amôr devem ser cuidados tão absolutamente pessoais e
-intimos, que não os assoalhar deveria ser a maior prova de pudôr.
-
-Tal não sucede, porêm. Toda a gente publíca os seus afectos, puros
-ou impuros, verdadeiros ou falsos; e, por mais absurdos, por mais
-indesculpaveis que sejam, despertam mais simpathia e compaixão do que
-verdadeiras desgraças sociaes. Na vida real, como no drama, no romance,
-na poesia, ou na musica, só cai bem no gosto do publico o amavío
-voluptuoso do amôr sentimental.
-
-Assim o quer a sucessão de seculos, em que a mulher foi a reclusa do
-convento ou da familia, tendo na vida um só fim--_agradar_.
-
-Assim o estima o homem, que fez do amôr carnal o seu culto e da mulher
-a sacerdotisa desse culto. Mas sacerdotisa que se torna em escrava,
-deusa que se cobre de injurias e se lança ao monturo das velhas coisas
-inuteis, logo que o capricho, a paixão dos sentidos, foi como o fumo
-desfeito no céo sem nuvens.
-
-O homem, passada a idade da poesia, segue triumphante o caminho da
-existencia, sem mais lhe importar com a sua inspiradora. Da deusa ideal
-dos seus sonhos faz a cozinheira habil, a dôna de casa ignorante e
-util, mixto de costureira e governante, a mãe paciente e sofredora dos
-filhos que são o seu orgulho.
-
-A mulher, em geral, é, quando esposa, a companheira só para a vida
-banal e mesquinha--que nem por sombras deve abordar os graves
-pensamentos que preocupam o marido!...
-
-Porque quando o homem, por acaso, encontra méritos intelectuaes que o
-confraternisem com um individuo do sexo feminino, é rarissimo confessar
-que a sorte lho deu para companhia da sua vida.
-
-Mas quantas vezes se enganam na escolha, e, por castigo, na companheira
-ignorante e inferior que procuram para seu descanço, não encontraram,
-hipocritamente velados por uma habil ingenuidade, todos os baixos
-instinctos dos seres inferiores?!
-
-Quantos, procurando nas ignorantes criaturinhas que nunca se _poluiram_
-com o estudo e com o trabalho, as previdentes mães de familia,
-destinadas a fazer prodigios de economias, de método e de arranjo,
-não depararam com desditosas mulheres roídas de ambições e vaidades,
-tanto mais ásperas quanto maior é a sua impotencia para as realisar--a
-fantasia só presa nas galanices e módas, inuteis para os trabalhos
-caseiros como para outro qualquer, sofrendo e fazendo sofrer todos os
-seus por não possuir o que deseja e vê ás outras, transformando os
-lares em gehenas onde féras da mesma raça se espesinham e abocanham?!
-
-Quando ao homem fôr dado encontrar facilmente a mulher sua igual,
-comprehenderá quanto era louco preferindo-lhe esses pobres sêres que
-não têm assumpto para conversa fóra do ultimo figurino, da vida alheia
-e das criadas e seus costumes.
-
-Comprehenderá então o que é o verdadeiro afecto entre esposos, e não
-mais preferirá essas que hoje diz amar, mas que no intimo despresa,
-como suas inferiores, que supõe.
-
-E digo que supõe, porque está provado pela sciencia que
-_intelectualmente_ não ha sexos privilegiados, mas unicamente
-individuos e, quando muito, raças.
-
-Foram os sabios que desmentiram esse grosseiro e velho erro de que
-o cerebro feminino é menos pesado e consequentemente inferior ao do
-homem. Foram elles, os mesmos que lhe tinham levantado barreiras sobre
-barreiras e escreveram sobre cada porta da sciencia o fatal _non
-possumus_, os primeiros a desmentir-se e a penitenciar-se próbamente a
-cada manifestação da mentalidade feminina.
-
-Foi a sciencia, fonte de toda a verdade e de toda a justiça, e na
-qual devemos pôr os olhos como na unica libertadora, que fez cahir por
-terra esse argumento tão falado da superioridade intelectual do homem,
-fundando-a no peso do cerebro.
-
-Se a _massa cinzenta_ contida no craneo feminino é menor, corresponde
-harmonicamente ao tamanho do corpo, em regra mais pequeno.
-
-Foi esse o primeiro passo, o mais importante e decisivo, para o
-triumfo da ideia feminista. Até lá, quando a mulher pretendia estudar,
-trabalhar, ser um ente de razão e de luz, cahia-lhe como avalanche de
-gelo, a sufocar-lhe as aspirações, essa cruel e deprimente opinião. E
-a pobre, se não era um espirito de excepcional brilho ou um caracter
-de excepcional tempera, sentia-se amesquinhada aos seus proprios olhos
-e desistia do enorme esforço requerido para subir onde a multidão das
-suas pobres irmãs nem sequer se atrevia a pôr as vistas ambiciosas.
-
-Ás vezes, ou porque fossem realmente _excepcionaes_, ou porque as
-condições mesologicas as favorecessem extraordinariamente, dentre
-as mulheres sahiam algumas que os proprios homens eram os primeiros
-a reclamar e incensar, mas passando-lhes cautelosamente o diploma
-de _raridades_, quasi fóra do sexo, sêres hibridos, masculinos pela
-inteligencia e só fisicamente femininos.
-
-De modo que essas aclamadas, e afastadas do caminho trilhado pela
-turba-multa das ignorantes, exactamente porque eram superiores e se
-julgavam intangiveis, abandonavam a causa das suas irmãs, que já não
-era a sua, concedendo-lhes apenas, e isto nem sempre, a sua piedade
-diluida em conselhos de resignação e submissão para desempenharem o
-papel de escravas, nascidas sómente para a felicidade e regalo do
-homem. Desta maneira, a causa feminina perdia as suas mais legitimas
-defensoras, deixando nas mãos dos homens os melhores argumentos.
-
-É como algumas esposas, que, por serem ditosas no casamento, porque
-tiveram a fortuna--que não digo rara--de encontrar para maridos homens
-inteligentes e justos, encolhem os hombros com indiferença á desgraça
-das que tiveram destino contrario.
-
-É uma prova de egoismo, que é uma deploravel qualidade, e é, peor do
-que isso, o abandono duma causa justa que, se não toca individualmente
-a cada mulher, interessa colectivamente o sexo a que pertencem.
-
-Acabar com os _fenómenos_, com os _monstros femininos_, julgar todos os
-individuos intelectualmente semelhantes sem distinção de sexo, aptos
-igualmente a estudar e progredir pelo trabalho, foi sem dúvida o passo
-definitivo para a libertação feminina.
-
-As mulheres poderão, assim como os homens, distinguir-se pela sciencia,
-pela industria, pela arte, pelo comercio, pela pedagogia, ou ficarem
-tão-sómente dônas de casa,--mas fazendo do seu lar a primeira e a mais
-nobre escola dos filhos.
-
-Haverá, decerto, tal-qual entre os homens, umas que se superiorisam
-num trabalho, outras em outro, mas serão todas educaveis, todas
-melhoraveis, todas uteis, laboriosas e conscientes obreiras, ajudando á
-melhoria da grande colmeia social.
-
-As mulheres de hôje não têm desculpa se continuarem na ignorancia e na
-inactividade, tudo esperando do homem, que as hade procurar para a sua
-conveniencia.
-
-As escolas estão abertas por igual aos dois sexos e não ha já quem,
-nesta hora alta da civilisação, se atreva a banir dellas um individuo
-que as queira frequentar sob o pretexto da diferença do sexo.
-
-Tempos atrás, quando a mulher pensava em sahir do anonimato da sua
-missão caseira, tinha apenas por campo aberto á sua actividade, a
-literatura, visto que é a unica profissão onde o talento e o estudo
-individual dispensam a educação preparatoria.
-
-Hoje não é assim. Toda a gente aceita uma senhora que tem a profissão
-de medica, pintora, esculptora, engenheira ou professora, tudo que
-requer habilitações e estudos publicos, e que lhe tinham ensinado
-a crêr que nunca poderia atingir por falta de genio criador e
-persistencia no estudo.
-
-Não se sobresaltem os homens com a concorrencia, que é antes auxilio.
-Pequena, por mal da humanidade, hade ser sempre a percentagem dos
-cerebros verdadeiramente superiores em qualquer dos sexos. Não é, pois,
-justo que por falta de educação se percam aptidões que nem sequer
-chegaram a manifestar-se, talentos de que nem sequer se suspeita...
-
-Se os mais ardentes sectarios dos velhos preconceitos já chegaram
-á conclusão egoista de que é preciso educar o povo para que se não
-percam tantissimos talentos que podem beneficiar a humanidade, não
-é justo--ainda que não seja senão pelo mesmo motivo--condenar á
-ignorancia, na mulher, metade dessa mesma humanidade.
-
-Dever-se-ha pensar que Clemence Royer, honra e gloria da França, sabia
-entre os sabios, espirito todo precisão, clarêsa e método, não teria
-sido o que foi se, por um mero acaso, tivesse nascido em Portugal ou
-em outro qualquer paiz, onde, como no nosso, se descure a educação
-feminina.
-
-As mulheres conservam-se entre nós numa indiferença quasi total pelas
-conquistas que dia a dia vão marcando um passo de avanço para o triumfo
-definitivo do espirito sobre a materia, da inteligencia sobre a força,
-da educação sobre a ignorancia, embora doiradas pela fortuna ou pelos
-privilegios de classe.
-
-Mas esperemos serenamente, porque á mulher portuguêsa hade chegar
-tambem a sua vez de comprehender que só no trabalho póde encontrar
-a sua carta de alforria. Não no trabalho esmagador, exercido como
-castigo, mas no trabalho que enobrece o espirito, que dá o bello
-orgulho dos que só contam comsigo e nunca foram um peso para ninguem.
-
-E desde que se torne independente pelo seu proprio esforço, desde que
-saiba agenciar o pão que come, a casa que habita, os vestidos que
-veste, sem estar á espera do homem, fonte perene de todo o dinheiro que
-hoje a sustenta--seja como pai, como marido ou irmão--a sua alforria
-está decretada.
-
-Uma vez será um artigo do codigo que se modifica (porque as leis devem
-seguir e não preceder os costumes); ámanhã um preconceito que cahe no
-desuso; depois um habito que se vence; até que obrigações e direitos se
-igualem entre as duas metades do genero humano, hôje em guerra sob a
-aparencia do amôr e do respeito social.
-
-Os proprios homens as ajudarão nesse empenho, porque nenhum ha que não
-seja feminista se a mulher victimada fôr a sua propria filha, aquella
-para quem ambicionou maior soma de venturas e de bem estar.
-
-Não ha pai que não aspire a deixar nas mãos de suas filhas, senão um
-dote em dinheiro--cada vez mais dificil de juntar honestamente, com
-as necessidades sempre crescentes da vida moderna--pelo menos um dote
-em educação e aptidões de trabalho que as pônha ao abrigo de toda a
-servidão.
-
-Não haverá pai que se não insurja contra a lei, se vir o marido de
-sua filha pôr e dispôr da fortuna que lhe deu, e sem que a dôna possa
-sequer gastar o rendimento. Nenhum que se não indigne se o genro
-a despresar ou maltratar, se lhe prohibir qualquer intervenção na
-educação dos filhos, se a não atender nos seus conselhos e opiniões,
-se a não consultar para os negocios decisivos da sua vida, se por
-capricho ou vaidade se oposer a que exerça uma profissão honesta
-que a dignifique a seus proprios olhos, se, emfim, o homem fizer da
-esposa o que de facto a lei quer que seja--a menor sem vontade nem
-discernimento, a _coisa_ de que o marido é o senhor, o ser humano
-pertença absoluta doutro sêr, que devia ser seu igual.
-
-Os homens mais autoritarios e rotineiros como maridos, são, como pais,
-incapazes de apoiar um estado de coisas que apenas dá por garantia de
-felicidade á mulher que casa, a bondade, a inteligencia e a tolerancia
-do marido.
-
-É evidente que, na maioria dos casos, mórmente no nosso paiz onde o
-homem é bondoso por temperamento, ninguem se importa com a letra do
-codigo feito para uma sociedade onde a esposa era ainda, ou apenas, uma
-escrava submissa, sem azas para grandes vôos de vontade nem ansias de
-libertação.
-
-Nas mãos de um doido ou de um perverso, porém, o que poderá ser a
-vida da mulher que se volta para a lei e a lei manda-lhe simplesmente
-e implacavelmente: _que obedeça!_ Que se volta para a sociedade, que
-lhe ordena hipocritamente: _disfarce e submissão!_ Que se volta
-para a familia, e essa propria, temendo o escandalo, a violação das
-conveniencias sociaes, lhe aconselha: _que se resigne!_
-
-Portanto, _ser feminista_ é o dever de todos os pais. Porque _ser
-feminista_ não é querer as mulheres umas insexuais, umas _masculinas_
-de caricatura, como alguns cuidam; mas sim desejá-las criaturas de
-inteligencia e de razão, educadas util e praticamente de modo a
-vêrem-se ao abrigo de qualquer dependencia, sempre amarfanhante para a
-dignidade humana.
-
-
-II
-
-UMA RESPOSTA[1]
-
-Não imagina V. Ex.ª o prazer que me deu a sua carta, sabido como é que
-da discussão inteligente e sincera têm sahido as mais claras verdades,
-conhecido como é, por todos os propagandistas, quanto se ganha em fazer
-interessar pelas nossas opiniões, ainda os adversarios que mais as
-combatem.
-
-E não sendo V. Ex.ª um adversario, mas um confesso adepto, embora
-moderado, maior prazer o meu em lhe vir expôr serenamente as ideias
-feministas, tais como as comprehendo e preconíso. Diz V. Ex.ª que é
-_feminista_, embora moderado, que o é _como todos os ilustrados não
-poderão deixar de o ser_, segundo a sua propria frase.
-
-Eis o nosso primeiro triumfo, a nossa principal batalha vencida; tudo
-mais, creia, é questão de tempo, de paciencia, de serena e pertinaz
-energia, e de muito _bom senso_.
-
-Ora aquellas qualidades não faltam ás mulheres, este é que ás vezes tem
-faltado, e não estamos longe de confessar que faltará ainda por largos
-annos á maior parte...
-
-Mas, neste ponto, ninguem no nosso paiz poderá lançar á mulher a
-primeira pedra; culpados dessa falta somos todos e talvez mais o homem
-do que a mulher, talvez...
-
-Voltando ao assumpto dizia eu, que está ganha a principal batalha
-do feminismo; efectivamente assim é desde que todos os homens, que
-se presam de inteligentes, reconhecem a mulher como um sêr _quasi_
-autonomo, com direito a pensar, trabalhar e luctar pelo seu proprio
-ideal. Nós não temos a fazer mais do que expôr ideias, e realisar pela
-prática as conquistas a que nos julgâmos com direito.
-
-Que victoria imensa não representa essa sua simples frase! Que soma
-enorme de trabalho intelectual, que acumulação de esforços, para que
-os homens inteligentes nos concedam a _outorga da sua restricta carta
-constitucional_!...
-
-E se pensarmos que esta primeira, mas definitiva conquista do espirito
-masculino, representa quasi o trabalho de meio seculo, temos vontade
-de dizer como o mais brilhante dos feministas francêses, Camille
-Mauclair:--que as mulheres apresentando as suas ideias e luctando pela
-educação que as superiorisa, lembram a paciencia das aluviões que fazem
-recuar o mar e mudam o aspecto de um paiz.
-
-Se á geração que nos precedeu alguem falasse em feminismo, que apenas
-lá fóra começava a fazer-se perceber pela guarda avançada de exageradas
-e desiquilibradas, como adeante das procissões solemnes vem sempre o
-rapasío gralhando e correndo a foguetes, não haveria homem inteligente
-que não soltasse uma gargalhada escarninha, nem, com certeza, rapaz
-das escolas, que madrigalisasse pelos passeios publicos ou para os
-balcões floridos das vizinhas, que não encolhesse os hombros com desdem.
-
-Os que não rissem, por temperamento sombrio e sentimentalesco,
-ergueriam os braços em clamôr chamando em auxilio da propria opinião
-a ignorancia das pobres mães e descrevendo, com enthusiasmo lamecha,
-o encanto duma carta amorosa com _erros de ortografia_ como ironisava
-dôcemente Gonçalves Crespo, elle que na prática tão flagrantemente
-mostrou estimar o contrario.
-
-Homens de incontestavel mérito não se pejavam de dizer--que só
-apreciavam as mulheres para os lavores caseiros, chegando a pôr em
-duvida a competencia intelectual do sexo feminino, não obstante
-as tradições gloriosas de _excepcionaes_, que tem vindo sempre a
-acompanhar a humanidade na sua evolução social através dos seculos.
-
-Se a um dos mais bem organisados cerebros da geração a que me refiro,
-ouvi responder a quem citava o enorme talento de George Sand como
-prova da igualdade intelectual dos sexos--_que essa não era mulher, era
-o diabo!_...
-
-Se é do meu tempo, se ouvi muitas vezes, eu mesma, a novos e a velhos,
-a homens e a senhoras, troçar das _doutoras_, citar por troça aquelle
-estupido dictado portuguez da _mulher que sabe latim_... já V. Ex.ª
-vê o que representa para nós a sua simples confissão de _que não ha
-hoje homem inteligente que não deva ser feminista_.
-
-Agora permita-me que explique o meu pensamento, que, certamente por
-deficiencia de clareza na fórma, não foi interpretado como desejava que
-o fosse.
-
-O que entendo por--desenvolver livremente as qualidades afectivas na
-mulher,--é deixar-lhe o pleno direito da escolha, o direito sagrado de
-amar ou não amar, de casar ou ficar solteira, sem que isso represente
-uma vergonha ou, pelo menos, um ridiculo.
-
-Entendo que o ser humano que pertence ao sexo feminino, não deve ser
-coagido pela educação, nem pelos costumes, nem pelas conversas, nem
-pelos pais--que têm a mania de talhar muito discricionariamente o
-futuro dos filhos--a vêr no casamento um fim, um ideal completo e
-único, quasi uma obrigação.
-
-Assim como o homem pode ser professor, jornalista, sabio, artista,
-empregado, operario, tudo emfim, sem que ninguem lhe pergunte pela
-certidão do matrimonio, sem embargo de serem quasi todos chefes de
-familia, não vejo inconveniente a que a mulher procure a sua colocação,
-tenha o seu curso scientifico, estude, trabalhe para si, para o seu
-futuro, para a sua vida autonoma, sem se lhe inquirir do seu _estado_...
-
-Que essa mulher fique solteira, porque não encontrou o companheiro ao
-qual lhe seria grato ligar o seu destino, ou que, encontrando-o, seja
-sentimentalmente feliz, que temos nós com isso?
-
-Por acaso nos preocupa a vida conjugal do politico A. ou do artista B.?
-
-O maior erro do homem é, a meu ver, estar convencido de que a mulher
-nasce e existe só para o seu prazer e encanto. Partindo deste
-principio, é claro que não nos encontraremos nunca, visto eu pensar de
-modo tão contrario.
-
-A mulher, como o homem, nasce para si mesma. Tanto um como o
-outro fazem parte da sociedade, de que são factores igualmente
-imprescendiveis, que se não comprehenderia nem sequer existiria sem a
-união dos dois sexos, mas na qual individuos isolados podem coexistir
-igualmente, decentes, honestos e respeitaveis--quando muito pagando
-maior contribuição, como querem alguns economistas francêses...
-
-Quando digo que não temos nada com a vida _sentimental_ de cada um, não
-quero dizer que a mulher case por ambição monetaria ou intelectual, se
-é exatamente para a livrar dessa baixesa que a desejamos independente
-pelo seu trabalho, quando o não seja pela fortuna, e mais independente
-ainda pela razão que a torne um ente de consciencia justa.
-
-Diz V. Ex.ª que é o _amôr_ que salva a mulher?!...
-
-Efectivamente, _por muito amar_ se salvou uma--a biblica Magdalena.
-
-Mas não é desse amôr que se trata, dirá, é do amôr puro e honesto da
-mulher honesta por temperamento, educada e instruida, que escolhe
-com toda a liberdade do seu coração e do seu espirito o homem que lhe
-agrada.
-
-Ora não é esta mulher assim elevada, assim honesta, assim livre na sua
-escolha, a que, pelo mais futil motivo, irá mudar de afecto, enredar-se
-em aventuras galantes, para as quais geralmente não tem vocação, e que
-podem preencher a existencia duma frívola e ignorante criaturinha cheia
-de vaidades e que no triumfo dessas vaidades tem os seus unicos gosos
-intelectuaes.
-
-O que não quer dizer que todas as mulheres instruidas sejam
-honestas--quem o pudésse dizer, que seria essa a nossa maior
-gloria!--mas tão sómente que a mulher, que por seu desgraçado
-temperamento, educação ou influencia de meio, é deshonesta, o é, tanto
-ou mais, quando ignara e frívola.
-
-Um dos mais graves defeitos da raça latina é o de dar ao amôr a
-importancia maxima da vida. Os romancistas não sabem nem podem falar
-em outros assumptos, querendo ser lidos e comprehendidos. O theatro
-explora-o em todas as gamas, desde o amôr ingenuo e sentimental até ao
-amôr falsificado dos adulteros. Os poetas choram os seus e os alheios;
-os musicos dão-lhe a fórma ritmica; os pintores e os esculptores
-divinisam-no no marmore polido e na policromia das suas telas...
-
-Rapazes e raparigas, antes mesmo de chegar á puberdade, não pensam
-noutra coisa, e uns e outros julgar-se-hiam inferiorisados se
-estivessem cinco minutos na mesma casa sem se defrontarem valorosamente
-num complicado tiroteio de olhadelas amorosas.
-
-Não será muito pensar num assumpto que só interessa a duas criaturas
-e por um tempo relativamente curto na vida humana?! Sim, que não
-interessa nem póde interessar senão a quem o sente e com elle é feliz
-ou infeliz.
-
-Senão vejamos: V. Ex.ª, que leu e respondeu ao meu artigo, sabe
-porventura se eu sou casada ou solteira, feliz ou infeliz no casamento,
-ou pensou sequer em tal?
-
-Porcerto que não, nem isso importaria para lêr o que escrevo e
-responder o que entende.
-
-É a prova de que a vida psíchica de cada individuo é completamente
-autonoma do seu estado civil.
-
-A independencia da mulher não pode importar o _não reconhecimento da
-autoridade do marido_, (um dos grandes receios de V. Ex.ª) porque essa
-autoridade existe, senão de facto, pelo menos de direito, emquanto
-existirem as leis que hôje nos governam, leis que a mulher deveria
-conhecer quando vai casar, leis que a tornam uma menor sob a tutella
-directa do homem.
-
-O que será o futuro não o podemos prevêr, de tal maneira a educação da
-mulher modificará a sociedade.
-
-Diz V. Ex.ª que a mulher independente poder-se-ha _desafrontar_ do
-marido que a atraiçôa atraiçoando-o por sua vez.
-
-Poderá ser, mas isso o que prova? Apenas o que já disse--que,
-infelizmente, o cultivo da inteligencia nem sempre acompanha a
-honestidade e que essas mulheres se subalternisam tornando-se
-criminosas como aquelles que condemnam, irmanando-se ás levianas que
-hôje o fazem, a maior parte das vezes por inconsciencia.
-
-A mulher _independente_ que tal fizer, não terá por motor a
-independencia mas tão sómente o capricho ou o temperamento, e em
-qualquer circumstancia, portanto, faria o mesmo.
-
-Com respeito á _proscripção da mulher erudita da familia_, não é, não
-pode ser, uma regra. Assim como ha homens que, não obstante serem
-_intelectuaes_, são bons chefes de familia, o mesmo sucede ás mulheres.
-
-Nem em Portugal temos o direito de pensar doutra maneira, tendo na
-ilustre mulher, que é uma verdadeira erudita, D. Carolina Michaëlis de
-Vasconcellos, o exemplo vivo do que se pode ser ao mesmo tempo como
-mulher de sciencia, como esposa e como mãe exemplar.
-
-Haverá mulheres que, pela sua profissão, se vejam obrigadas a estar
-afastadas do lar e dos filhos uma parte dos seus dias?... É certo; mas
-quantas os não abandonam hôje, sem esse imperioso motivo? E quantas,
-tambem, estando sempre em casa, tendo por unica obrigação o seu amânho
-ou direcção, não mandam as criancitas, ainda mal desmamadas, para a
-_sujeição das mestras_?! Quantas?!... Quasi todas as mães sem oficio
-nem emprego, as da pequena burguesia, essas mesmas que não querem
-instruir-se mais, nem se querem tornar _independentes_,--exatamente
-para não terem a maçada de trabalhar...
-
-Se, em geral, a mulher portuguêsa filosófa--_que para trabalhar
-escusava de casar!_... Já os senhores estão vendo o que lhes devem.
-
-Depois, álêm dessas mulheres que mandam os filhos para os colegios
-embora não tenham emprego fóra de casa, o que diz ás que têm as suas
-visitas, os seus passeios, os seus divertimentos, e que por igual
-são por esses motivos _imperiosos_ afastadas dos filhos, com menos
-utilidade, parece-me, do que pela doença de um semelhante ou pela
-retorta de um laboratorio?!
-
-Poder-se-ha dizer que a mulher intelectual despresa os modestos
-mesteres do seu lar, quando a propria Clemence Royer costurava a sua
-roupa e entretinha os seus ocios trabalhando como qualquer críaturinha
-que não saiba ao certo em que parte do mundo está situado o paiz que
-tem a dita de lhe ser berço?
-
-Não se póde dizer que a mulher erudita tem fatalmente de ser _uma
-proscripta do lar_ exactamente quando o nome de um homem e duma mulher,
-ligados pelo casamento, se uniram para a sciencia, num triumfo para
-os dois sexos; exactamente quando as revistas francêsas nos trazem o
-retrato de Mr. e M.^{me} Curie acompanhados muito _burguezamente_ de
-seu filhito.
-
-É possivel que eu esteja enganada e seja exatamente V. Ex.ª quem tenha
-razão, mas como estamos de acôrdo em que se não regateie educação
-ao sexo feminino e se acabe assim com o regimen de _prodigios_ e
-_excepções_ que só á causa das mulheres tem prejudicado, é o principal.
-
-Que o resto não nos deve preocupar muito nem devemos aventar hipóteses
-faliveis, como tudo que pertence ao futuro e que não temos base segura
-para julgar.
-
-O homem de ámanhã hade procurar a sua felicidade e a maior porção de
-bem estar compativel com a sociedade do seu tempo. Como o fará não o
-sabemos, mas é certo que pensará de maneira diferente do de hôje, como
-o de hôje, como V. Ex.ª mesmo, pensa decerto diferentemente do que
-pensou seu pai e seu avô sobre os mesmos transcendentes assumptos.
-
-Acabe-se com todas as prepotencias e todos os privilegios, tanto de
-raça, como de classe, como de sexo, e deixemos que, individualmente,
-cada homem e cada mulher, procurem ser felizes a seu modo, organisem os
-seus lares como entenderem,--desde que esse conjuncto se harmonise numa
-sociedade de mais justiça e tolerancia.
-
-
-III
-
-A INSTRUÇÃO
-
-É fundamental este assumpto, visto que a nossa civilisação se baseia
-não na força mas na inteligencia, não na rotina mas no progresso.
-
-Todos sabem, e apregôam aos quatro ventos, que a mulher portuguêsa
-é ignorante e futil, que a mulher portuguêsa tem todos os defeitos
-dos incultos, não merecendo do homem a consideração que se tem pelos
-iguais, mas a tolerancia que se dispensa ás crianças irresponsaveis.
-
-_Coisas de mulheres_, dizem por vezes os homens, mostrando o seu
-despreso; notando-se que os que mais clamam esta superioridade são,
-quasi sempre, os mais inferiores...
-
-Não é isso, porém, o que nos interessa; é certo que o homem português
-tem tantos ou mais defeitos do que a mulher, mas se ella se
-transformar, facilmente o corrijirá.
-
-A mulher tem, em si mesma, bastantes elementos bons para se modificar,
-sem se queixar do homem e esperar que lhe ensine o que elle mesmo não
-sabe nem é da sua competencia saber.
-
-O homem tem culpa em não elevar a mulher, em não fazer della a sua
-companheira de trabalho e luctas, em temer a ilustração da mãe de seus
-proprios filhos; o homem faz mal, porque rebaixando a mulher não se
-lembra que se rebaixa a si proprio que nasceu della e dos seus labios
-escutou as primeiras lições da vida. Mas a mulher póde reagir, póde
-educar-se a si mesma, póde, pelo menos, mostrar desejo de progredir, de
-se igualar ao homem pelo trabalho e pela inteligencia cultivada.
-
-A mulher falha de educação é muito mais inferior do que o homem,
-porque são os seus proprios defeitos que se tornam qualidades,
-elevados pela cultura, encaminhados pela educação. O que na mulher
-educada é espirito, é na outra grossería; o que numa é presciencia, é
-na outra desconfiança; o que numa é desenvoltura e graça, é na outra
-descaramento; o que numa é observação, é na outra bisbilhotice...
-
-Vai-se a uma fabrica ou a uma oficina, passa-se por uma rua onde ha
-desenas de homens, principalmente se forem do povo, não se ouve um
-dito desagradavel, não se ouve um riso que moleste; mas onde estiverem
-duas mulheres ás quaes a educação não depurou os defeitos, ou cujos
-espiritos não estejam perfeitamente humilhados pela dependencia,
-temos dois intoleraveis animaesinhos que riem, falam, troçam, olham
-miúdamente, com o proposito ferino de irritar e de ferir.
-
-Por isso, tanto ou mais do que o homem, necessita a mulher ser educada
-e ilustrada, e é, a meu ver, por onde deve principiar a remodelação
-duma sociedade que seja progressiva.
-
-Educar a mulher--eis o problema maximo a desenvolver e pôr em prática.
-
-A isso é que chamâmos feminismo, que não em pôr gravatas e colarinhos
-de homem, que se podem usar como prova de simplicidade ou de
-extravagancia, mas nunca como afirmação de opiniões.
-
-Educar a mulher dando-lhe meios de poder auferir com o seu trabalho o
-suficiente para a sua sustentação--quando é só--de auxiliar o homem,
-esgotado pelo trabalho de sobre-posse que lhe exige a concorrencia e a
-carestia da vida moderna,--quando casada,--parece-nos a maneira mais
-prática de a tornar um ser livre, apta a escolher por motu-proprio o
-caminho a seguir direitamente na vida.
-
-Não temam os homens que a mulher instruida, por mais liberta, quebre
-mais facilmente os laços de conveniencias com que a sociedade a
-prendeu. Nem sempre foram os conventos, com todas as suas grades e
-portarias, o mais puro exemplo da castidade feminina; ainda hôje os
-harens, com todos os seus guardas e eunúcos, são para o ciume do macho
-bem fragil garantia...
-
-A mulher entregue ao seu proprio discernimento fará o que a
-consciencia esclarecida e o respeito proprio lhe ensinam, e não o que o
-mêdo lhe dictar.
-
-Que mérito tem a criatura que não falta aos seus deveres porque está
-guardada á vista, como um doido furioso?
-
-É certo que no nosso povo está tão enraísado o habito de fazer
-acompanhar as mulheres, como signal de grandêsa, que é mais uma
-nobilitação do que uma prova de desconfiança.
-
-Andar só é, ainda hôje, em muitas terras de provincia, uma vergonha
-para a mulher, mostrando que o marido a não présa bastante para a fazer
-acompanhar.
-
-Lá diz a cantiga:
-
- --«Senhora D. Maria
- O seu _Dom_ não vale nada,
- Vai á fonte, vai ao rio,
- Vai á missa sem criada.»
-
-Ir á missa _sem criada_ seria, realmente, para as nobres damas que
-abrigavam em casa uma legião de serviçais--criados e filhos de criados,
-como outrora tambem os escravos trazidos das terras conquistadas
-a moiros e a negros--a maior prova de miseria, ou de decadencia
-financeira.
-
-A vaidade da fidalguia que é, ainda hôje, um dos caracteristicos do
-genio português, nesta terra em que todos se dizem _filhos dalgo_ e se
-sentem com direitos de _senhores_ para escravisar os mais pequenos, não
-tolerava á mulher que aparecesse em publico sem _comitiva_... ainda
-que constasse apenas duma pequena criadinha.
-
-É esta _fidalguia_, mal interpretada, que faz com que o homem fuja
-ao trabalho, como á mais deprimente das servidões, reflectindo-se
-bem claramente na educação que se tem dado, até aqui, á mulher,
-convencendo-a de que se inferiorisa se trabalhar para ganhar dinheiro e
-auxiliar o homem.
-
-O nosso paiz resente-se dum mal-estar e desiquilibrio que vem do
-conflicto entre o passado que se desmorona, com todas as suas velhas
-ideias e preconceitos, e o presente que ainda não conquistou todos os
-espiritos ligados ás convenções, que já despresâmos no fundo.
-
-A nossa geração sofre duplamente pelo embate dos sentimentos que se
-entrechocam em nós mesmos e nas nossas proprias familias...
-
-Todos apresentam as suas queixas, todos falam, mas tudo se diz no ar,
-sem provas nem proposito firme de conhecer o mal e enveredar pelo
-caminho que se nos afigura ser o melhor.
-
-Quem quizer fazer alguma coisa entre nós é preciso revestir-se duma
-paciencia sem limites e ter uma coragem excepcional, por isso que
-tem de se defrontar com a indiferença de toda uma nação cançada de
-aventuras, exausta por um longo periodo de desilusão e enganos. Tudo
-contribue para o desleixo fisico e moral em que vivemos, desde o sol
-dôcemente enlanguecedor, até á ironia dissolvente com que se recebem
-todos os enthusiasmos e todas as emprezas que não tenham por fim o
-lucro material.
-
-E no emtanto não devemos desistir da lucta, devemos pelo contrario ir
-juntando elementos e amontoando verdades até que a luz se patenteie a
-todos os olhos e seja visivel a todos os cerebros.
-
-Uma das nossas maiores vergonhas nacionaes é, por certo, o
-analfabetismo, mas o que agrava essa vergonha é que, no continente,
-é a grande maioria das mulheres que eleva pavorosamente a cifra dos
-analfabetos.
-
-E ha ainda quem lhes diga que fiquem _em casa a educar os filhos_, em
-vez de pretenderem ganhar o seu pão honestamente pelo trabalho!
-
-Mas ensinar o quê, se ellas não sabem o mais elementar, se muitas vezes
-nem sabem ler e escrever!?
-
-Dirão que só a mulher do baixo povo é tão completamente ignorante,
-mas o que é certo é que pequenissimo é o numero das mulheres que,
-embora saibam ler, se preocupem com as questões intelectuais e possam,
-portanto, ser educadoras dos proprios filhos.
-
-E todos sabem, principalmente os professores, quanto custa ensinar
-crianças que não tiveram a abrir-lhe o caminho da inteligencia, o
-cultivo amoravel da familia, principalmente da mãe.
-
-Para ellas tudo é novidade, desde o que seja uma montanha até ao pão
-que metem na bôca.
-
-Os professores, mesmo sem querer, o fazem sentir ás crianças, e é
-esse sem dúvida o maior castigo das mulheres ignorantes, que julgam
-cumprir o seu dever de mães de familia governando a casa e vestindo com
-elegancia os filhos.
-
-Mas a triste verdade a confessar, e que é muito para meditar, é que--do
-milhão de portuguêses que sabem ler e escrever a sua lingua, apenas um
-terço são mulheres!
-
-E ainda se queixam quando se diz que a mulher no nosso paiz é inerte,
-ignorante e frivola!
-
-A unica superioridade admitida no nosso tempo, por mais que se queiram
-iludir os grandes da terra, é a da inteligencia. Os mais instruidos
-são, evidentemente, os superiores, os fortes, seja qual fôr a sua
-posição.
-
-No tempo em que o mundo se levava á espadeirada, a força fisica era
-superior á intelectual e os homens podiam tornar-se senhores pelo poder
-musculoso do seu braço; hôje a força fisica vale muito como educação e
-muitissimo para produzir saudaveis criaturas, mas vale muito pouco para
-aferir superioridades. Aliás teriamos de acatar o moço de fretes, que
-pega numas poucas de arrobas como quem pega num braçado de flôres, e
-proclamá-lo superior, nosso indiscutivel chefe.
-
-Ninguem irá buscar um hercules de feira broncamente estupido para o
-comparar e achar superior ao sabio empalidecido e enfraquecido pelas
-vigilias do estudo.
-
-O que falta no nosso paiz é a instrução, principalmente a instrução
-prática que faz progredir um povo. Quando é preciso traçar uma linha
-ferrea, vêm engenheiros do estrangeiro; quando necessitâmos dum
-porto, lá estão as companhias estrangeiras; quando uma cidade quer
-abastecer-se de agua, lá estão os estrangeiros para lha fornecer;
-quando é preciso montar um arsenal ou uma fabrica, lá estão os
-especialistas estrangeiros.
-
-Quasi tudo o que se faz no nosso paiz é práticamente dirigido por
-estrangeiros e estrangeiras. Ainda destas a quantidade não é tão
-grande, mas lá chegaremos, e quando quizermos utilizar as nossas
-mulheres em muitos e variados mesteres, que o futuro por força lhes
-hade entregar, já não encontraremos logares vagos.
-
-Não nos deixemos embalar com o sonho do passado; pensemos no futuro,
-que é o trabalho e a educação.
-
-Fomos ha tres seculos um punhado de aventureiros que realisou a maior
-aventura que ainda se havia visto, e imaginâmos que tudo será perdoado
-a quem tanto fez e a quem tão maravilhosamente o soube cantar.
-
-Mas os tempos são outros, as necessidades muito outras, e a vida já se
-não leva a descobrir caminhos por _mares nunca dantes navegados_.
-
-Hôje, que o nosso pequeno planeta está visto por todos os lados,
-achâmo-lo pequeno e temos fome e sêde de mais alguma coisa. O homem não
-se cança de saber, de procurar lêr o passado nas pedras fragmentadas
-dos monumentos soterrados, como de procurar o futuro nos espaços
-faiscantes de sóes; a tudo aspira pela inteligencia, tudo quer
-comprehender e possuir.
-
-A mulher entre nós não póde, por deficiencia de educação e excessivo
-acanhamento, ser a util companheira de tal homem.
-
-Na idade-média a mulher podia esperar o marido, que ia ás aventuras
-fabulosas, sentada ao bastidor ou á róda de fiar, tecendo com suas
-brancas mãos o linho que por si e pelas suas criadas fôra fiado.
-Ignorante e passiva, era a digna esposa do senhor brutal que só
-conhecia o direito da força.
-
-No seculo XX a mulher tem de ser outra, porque outro é tambem o homem e
-muito diferente o seu ideal.
-
-Educar a mãe para ser a educadora dos filhos; educar a mulher em geral
-para viver de si mesma, e para si, quando pertença á enorme legião
-das que ficam solteiras e portanto,--_sem filhos a educar nem casa a
-governar_, deve ser um dos nossos mais porfiados empenhos.
-
-É este o verdadeiro feminismo.
-
-
-
-
-AS MULHERES E A POLITICA
-
- _A mulher não hade fazer politica?
- Então não hade ocupar-se, já não
- digo da sua, mas da sorte de seu
- marido, dos seus filhos, ella que é
- toda dedicação?!_
-
- DR. BERNARDINO MACHADO.
-
-
-Transcreve um diario radical,[2] não sei se irritado pelos ultimos
-casos da politica portuguêsa, um artigo de Urbain Gohier, publicado no
-jornal _L'Action_, em que as mulheres são verberadas violentamente, por
-isso que se prova que em politica só se obedece aos seus caprichos, e
-os seus desejos se antepõem aos mais urgentes negocios de estado, de
-que dependem os destinos duma nação.
-
-Porventura é isso novidade para alguem? Julgaram os homens, por
-acaso,--tamanha será a sua ingenuidade?!--que podiam em vão dispôr de
-metade da humanidade, redusi-la ao papel farfalhudo de _deusa do lar_,
-_nuvem_, _anjo_, _demonio_, e todas quantas mais banalidades se têm
-dito e escripto ha seculos, e dizer-lhe:--fica ahi! o teu destino é
-agradar-me ou servir-me, conforme o meu capricho de senhor!?
-
-Não penses; não queiras sahir dos meus braços, que é só onde podes
-encontrar o luxo, a alegria, a vaidade satisfeita, a preguiça que te
-pode conservar a belleza material, mas que te anúla por completo a
-vontade e a inteligencia, que dispenso... Salvo se precisar da tua
-graça e do teu espirito para chamar aos meus salões os que a minha
-energia não conseguir domar, mas é conveniente que esse mesmo espirito
-seja frivolo, feito de sorrisos e de _frases do dia_, facil para
-qualquer mulher, medianamente inteligente, posta num meio em que as
-emoções de arte aguçam os nervos, e o conforto, o luxo, e o convivio
-com pessôas distinctas, adelgaçam intelectos e limam as arestas
-plebeias, que denunciariam logo a humilde procedencia...
-
-Pois a mulher que só vive de vaidades, que tem a sua orbita limitada
-a seguir o _astro rei_ como palida lua sem luz propria; a mulher que
-geralmente só tem um nome respeitado quando o homem lho dá; a mulher
-que é educada para agradar ao homem, para arranjar pelo casamento uma
-situação definida na sociedade; a mulher sem um fim determinado na sua
-vida individual, sem um pensamento nobre a elevar-lhe as aspirações; a
-mulher escrava pela força e submetida pelas leis, vinga-se como sempre
-se vingaram os escravos--corrompendo.
-
-O que desejam as mulheres auferir do homem que as não associou a
-nenhum dos seus pensamentos e actos, que a aceita como um presente e
-a conserva como um luxo? O que todo o inferior pretende tirar do que
-se lhe quer impôr como _senhor_, numa revolta amarga de impotencia--a
-maior soma de gôso proprio junto ao menor esforço para o conseguir;
-o seu prazer, a felicidade egoista de quem não tem um nobre ideal a
-orientar-lhe a senda da vida.
-
-É pois criminosa a mulher, e muito, mas criminosa como a criança que
-inconscientemente empurrasse para o abysmo o seu proprio irmão.
-
-Responsavel é só o homem, que, cheio de orgulho, não procura na mulher
-uma companheira, uma igual, mas uma inferior, embora finja endeusá-la
-para a conservar na rotina e no servilismo. Tira-lhe a instrução e
-a sciencia, como alimentos improprios para estomagos delicados, e
-deixa-lhe o sonho e a fantasia, que as tortura na ânsia louca de
-encontrar na vida real o imprevisto de sensações romanescas, que seduz
-principalmente os ignorantes.
-
-Culpado é só o homem que afastou a mulher proba e culta de todas as
-luctas em que o destino de ambos se joga,--pois que a politica é, ou
-deve ser, a arte de bem dirigir uma nação, e a nação pertence tanto
-ao homem como á mulher--para se deixar governar por intrigantes quasi
-sempre deshonestas, as mais das vezes inconscientes instrumentos
-doutros ambiciosos.
-
-Afastaram a mulher das altas preocupações do espirito, puzeram-lhe ao
-pensamento e á vontade uma barreira de preconceitos e de ignorancia, e
-queixam-se porque ella usa das armas que tem e gosa o fructo do orgulho
-masculino!
-
-Indignam-se contra as mulheres e são os proprios homens cultos que
-transigem com ellas, nas suas crenças e prejuisos; elles, os que não
-têm pejo de dizer publicamente que--embora se sintam libertados,
-embora os seus espiritos pairem alto numa atmosfera de saber e de
-certeza que os orgulha--consentem que as esposas continuem a crêr o que
-elles descrêm, a vêr o que elles não vêem, a seguir o que elles não
-seguem,--porque querem ser _tolerantes_!
-
-Não comprehendem, ou não querem comprehender, o que é peor, que a
-mulher representa mais do que o homem na constituição da familia,
-porque é a ella que pertence o filho nos seus primeiros annos, porque á
-mãe está confiada a filha até passar para as mãos do marido. E quantas
-vezes o homem, num ingenuo sorriso de criança, encontra os laços que
-no futuro lhe hão de manietar o espirito, ou, em caso de resistencia,
-o fundamento para luctas que lhe despedaçarão a felicidade se teimar
-em não se deixar vencer pela persistente e dôce propaganda das crenças
-femininas.
-
-A mulher não póde cortar abruptamente com um passado, que é toda a sua
-vida espiritual.
-
-É preciso que uma forte instrucção a liberte de caprichos infantis e
-lhe dê a lucida e precisa noção do que deve ser a sua força moral.
-
-Torna-se preciso que o homem já educado eduque a sua companheira; que o
-homem livre escolha a mulher já livre; ou que o homem saiba transigir
-com os laços seculares que muitas vezes ligam a mulher solteira á
-familia e á tradição, mas só quando tiverem a certeza de que esses
-espiritos, momentaneamente libertados pelo amôr, não voltarão mais
-tarde, numa crise de fastio e abandono, aos ideaes com que fôram
-embalados os seus aureos sonhos de menina...
-
-Não é negando e demolindo que se fórma a nova alma feminina, que, por
-sua vez, transformará o mundo; é elevando a consciencia e construindo
-um novo templo de amôr e bondade humana, irredutivel e forte, onde o
-espirito se inunde de luz e não possa mais mergulhar na treva.
-
-O homem livre, o mais responsavel, aquelle que nos seus jornaes, nos
-seus livros, nas suas conferencias, mais clama pela educação da mulher,
-reconhecendo na sua falta toda a servidão das sociedades burguêsas;
-esse mesmo, falto de logica quasi sempre, não se faz acompanhar da
-sua esposa ou das suas filhas, não as póde apresentar como exemplo ás
-outras mulheres, porque, em geral, são ellas as primeiras a abominar as
-suas ideias.
-
-Quando mesmo as não contrariem nem abominem, perfilhando-as algumas
-vezes, são raras as que o queiram confessar publicamente, sabendo muito
-bem que o homem português tem o terror instinctivo da mulher culta e
-intelectualmente independente.
-
-E só assim ella deixará de ser a pedra atada ao pescoço do homem, que
-em vão se esforça por fugir á corrente da moda em que a maior parte dos
-espiritos masculinos vem a naufragar.
-
-Não é a mulher educada e orientada na consciencia dos seus deveres e
-obrigações sociaes a que merecerá nunca a frase seguinte do jornal a
-que me refiro:--_capricho que é um erro proprio da fórma de ser do
-espirito feminino_.
-
-O espirito da mulher não tem atributos proprios, como a sua
-inteligencia e as suas aptidões não podem ser limitadas
-autoritariamente, circunscriptas a um certo e inultrapassavel perimetro.
-
-Ha mulheres caprichosas por defeitos de educação ou de temperamento,
-consumidas de mesquinhas invejas e pequenas revoltas de impotentes,
-como ha tantissimos homens sem energia, que nas suas proprias revoltas
-são irritantes, falsos e untuosos, como costumam classificar as
-mulheres.
-
-Escolham os homens livres companheiras que egualmente o sejam;
-determinem-se os campos, forme-se a familia pelas convicções de cada
-um e não pelas convenções duma sociedade que não tem sinceridade nem
-nobrêsa, e a transformação será completa.
-
-
-
-
-SER PORTUGUÊS
-
- «_Como hade a mulher educar os
- filhos no civismo, se o não
- praticar?_»
-
- DR. BERNARDINO MACHADO.
-
-
-Conserva-se a mulher portuguêsa numa entorpecida indiferença pelas
-questões da actualidade, mesmo por aquellas que mais de perto a deviam
-interessar.
-
-Alem dos cuidados, mais ou menos caseiros, deveria a mulher
-interessar-se pelas questões de civismo, como pelos varios problemas
-sociaes, que tambem de perto e profundamente a tocam, não só na sua
-vida individual como na sua influencia na familia.
-
-O individuo pertence á familia, a familia á sociedade, e o que
-interessa esta por força hade interessar aquelle, numa sociedade bem
-organisada e equilibrada.
-
-Não póde pois a mulher, principalmente quando é mãe, conservar-se na
-abstenção culposa em que tem vivido até aqui a mulher portuguêsa.
-
-Ao seu espirito desocupado passa tão despercebido que um pedaço das
-colonias seja retalhado á patria, como um novo emprestimo ou uma
-sobrecarga de impostos--que venham agravar as condições geraes da vida,
-já de si tão dolorosas--sejam votados e postos em execução.
-
-Qual a alma de mulher que vibra de enthusiasmo ao lêr uma pagina
-vehemente de patriotismo? Qual a que se desespera e indigna vendo a
-derrocada de caracteres que nos arrasta para um fim vergonhoso?!
-
-Convenceram-na--e ella acreditou!--de que não deve pensar em
-_politica_, porque isso lhe tira toda a modestia e ductil graça
-tornando-a uma desagradavel _Maria da Fonte_; e, no entanto, não sendo
-ouvida quando se trata de novos emprestimos, despesas extraordinarias
-e desequilibrios orçamentaes, mais do que ninguem os sente e sofre
-ella, na sua qualidade de reguladora das despesas da familia.
-
-A mulher, e, o que é mais, a mãe, não se interessa pelos trabalhos
-intelectuais que o filho tem a seguir, não estuda as questões
-pedagogicas, não impõe a sua vontade, só se fôr para lamentar a
-criança, que tem de se maçar com tantos livros... Não pensa nem dá
-importancia á educação dos rapazes, isto é, dos homens que hão-de ser
-os maridos das suas filhas, os pais educadores dos seus netos; não se
-indignam nem protestam contra as injustiças e prepotencias que a seu
-lado se praticam, como não se enthusiasmam por uma manifestação da arte
-nacional ou por um acto de coragem e hombridade que levante, ao menos
-por instantes, o nome português.
-
-A mulher, a mãe, recebe com o mesmo sorriso carinhoso o filho que
-passou num exame por empenhos, como se elle fosse um consciencioso
-estudante; o que compra o emprego, sabendo que comete uma ilegalidade;
-o marido que por comodismo ou por interesse aceita todas as imposições
-dos superiores, sem um protesto de consciencia; o noivo que apresente
-mais valiosos titulos de renda, seja qual fôr a sua procedencia.
-
-A mulher, que hade no futuro ser acusada por todas as faltas civicas
-do seu tempo, julga-se desobrigada porque delegou no homem todas as
-responsabilidades e todos os encargos da governança publica.
-
-Ora isto não é assim, porque, de todos os crimes civicos do homem, é a
-mulher a verdadeira culpada.--«_Deante da esposa e talvez ainda mais
-das filhas, quando civicamente educadas_--diz o sr. dr. Bernardino
-Machado--_ninguem se atreveria a aparecer depois duma má ação na sua
-vida publica._»
-
-Grande é pois a responsabilidade da mulher no estado de depressão
-moral, que é a caracteristica da sociedade portuguêsa dos nossos dias.
-
-Não posso crêr que seja isto falta de sentimento, essa flôr delicada
-que dizem ser apanagio do coração feminino e que é a ultima que nelle
-fenece; não posso crêr que a generosidade, o altruismo, a coragem, que
-em todos os tempos nimbaram de luz o espirito da mulher portuguêsa,
-a tenham abandonado de todo, para sómente se manifestarem em algumas
-almas masculinas.
-
-Não, não é isso possivel, que seria contrariar todas as leis da
-natureza, falsear todas as tradições, duvidar de tantissimos factos que
-nobilitam a mulher do nosso paiz.
-
-É que hoje, desinteressadas por educação e por habito das questões
-que tanto preocupam o espirito masculino, não pensam que--em todos os
-actos da vida nacional em que os seus nomes entrassem, protestando pelo
-direito e pelo dever contra a injustiça, a força e a intriga politica,
-seria uma afirmação dos seus sentimentos civicos e a próva de que
-comprehendiam as questões de que depende a felicidade da sua Patria, o
-futuro honrado dos seus filhos.
-
-Com esse simples acto espontaneo da vontade, provariam que o seu sexo,
-embora afastada das luctas que se dirimem dia a dia no jornalismo e na
-politica de _dize tu direi eu_, que é a politica portuguêsa dos ultimos
-tempos, acompanha e apoia os homens, quando justa e nobre é a sua causa.
-
-Mostrariam conhecer os deveres e os direitos que assistem a todo o
-cidadão livre, seja homem ou mulher, de protestar contra os actos que a
-sua consciencia repudía, embora praticados á sombra das leis.
-
-Tendo dado essa prova de individualidade mostrarieis ser, senhoras, as
-mulheres que deveis ser para que os vossos filhos, no futuro proximo
-que os espera--quem sabe de que vergonhas e miserias tecido!--tenham a
-nobre coragem de se sacrificarem pelo resurgimento da Patria Portuguêsa.
-
-Mas sabeis porventura o que é _sêr português_, vós que falais a lingua
-que tem todas as energias do mar bravo e todas as doçuras dum poente
-entre pinhaes rumorejantes?...
-
-Sabeis o que é _sêr português_, vós que pizais indiferentes uma terra
-tantas vezes embebida em sangue dos que luctaram até á morte para a
-tornar uma Patria livre?...
-
-Sabeis o que é _sêr português_, vós que respirais o aroma das flôres
-que por toda a parte desabrocham em hilariantes coloridos, neste
-abençoado canto do universo?!...
-
-Sabeis o que é _sêr? português_, vós que recebeis a dulcida caricia
-dum céo limpido, que passeais os vossos olhos sobre as aguas movediças
-que levaram os nossos antepassados á aventura gloriosa de descobrir
-novos caminhos e novos mundos maravilhosos, essas aguas que trouxeram,
-em paga de tanto esforço e tanta heroicidade, o oiro, as pedrarias, a
-riquêsa que deslumbrou o mundo e--ai de nós!--pela vaidade nos perdeu!?
-
-Sabeis o que é _sêr português_, senhoras!?...
-
-Pesa-me dizer-vos que, salvo algumas excepções, não o sabeis.
-
-Que isto vos não cause enôjo, e que sobre a minha cabeça não cáiam as
-vossas ironias e odios!
-
-Se vós o não sabeis, pouca ou nenhuma culpa tendes, que de longe vem
-o despreso pela vossa educação, que de bem longe vem o mal que nos
-está ligando como cadaver embalsamado prompto a entrar para o tumulo
-historico das nações que só vivem do passado.
-
-Mas podeis ainda resistir. É tempo ainda de sacudir a apathia egoista
-em que vos conservaes ante todas as angustias colectivas do paiz, e
-mostrar ao mundo que o povo português não morreu ainda, porque as
-suas mulheres, as mães, têm sempre no coração a imagem estremecida da
-Patria, e ensinam os filhos a respeita-la, a ama-la mais do que á sua
-noiva, mais do que aos seus proprios pais.
-
-A nação amada pelas mulheres não morre nunca na historia.
-
-Martirisada, dividida, conquistada, não morre emquanto as mães
-transmitirem aos filhos, com o leite dos seus peitos, o sangue das suas
-veias, o fogo das suas palavras, o despreso aos vencedores e o amôr á
-terra que foi de seus avós, á terra onde existe a sua casa, que é o seu
-lar.
-
-Começam por ensinar-lhes no berço, acalentando-os com ellas, as lendas
-e cantares da sua patria; acabam por lhes indicar o caminho por onde
-enveredaram os que sofreram e morreram contentes pela sua gloria.
-
-Falo-vos ao sentimento, eu sei, mais do que á razão, mas prouvéra a
-Deus que fôsse o sentimento que guiasse ainda o nosso paiz! Quando
-uma patria é nova, crente, esperançada e forte, firmando-se no amôr e
-no enthusiasmo dos seus filhos, não se prende por conveniencias, não
-recúa ante o perigo, não sabe contar os inimigos que a atacam, para os
-vencer. Por isso avança, torna-se inolvidavel na historia, como nós o
-fômos!
-
-Só na decadencia se aprende a transigir, decadencia que tanto póde ser
-material como moral, decadencia que é, a maior parte das vezes, filha
-só do egoismo, do desejo inferior de gosar sem que o gôso dos outros
-nos seja preciso para a felicidade propria.
-
-E no nosso paiz transige-se para se estar bem com todos, transige-se
-por preguiça de discutir, transige-se por uma emaranhada teia de
-preconceitos, de pequeninas considerações que amolecem o ânimo,
-quebrantam as vontades, e fazem das oposições uma coisa ridicula,
-porque não têm éco nas almas, ou são, quando muito, um brado louco e
-desacompanhado de quem vê uma grande multidão correr para um abismo e
-nada póde fazer para a sustêr e salvar.
-
-Mas não ensineis a vossos filhos essa excessiva transigencia, senhoras!
-Deixai aos moços o enthusiasmo e a fé; não estanqueis a fonte de
-coragem e energia e justiça que existe em toda a alma joven!
-
-Levantai o espirito para mais nobres ideais, não vos amesquinheis numa
-abstenção que não é modestia mas ignorancia, indiferença, covardia
-das vossas almas que assim querem fugir á dôr forte e nobre do sêr
-que aspira--a ascender, na escala zoologica, de simples animal de
-instinctos para criatura de espirito e de vontade.
-
-Não tenhais mêdo da dôr intelectual que retorce febrilmente os nervos
-em convulsões de agonia e aperta a garganta inchada de soluços
-num estrangulamento de desespero, vós, as mães, que sofresteis
-corajosamente a dôr fisica de ter um filho! Tornai-vos conscias da
-grande missão que é de vosso dever desempenhar, com a firme certeza de
-que não ha paiz grande onde a mulher seja inferior.
-
-Vós, mães e educadoras, que tendes a vosso cargo pequenas almas em
-embrião a despertar para a luz, ensinai-lhes primeiro do que tudo, e
-antes de tudo,--a serem portuguêses.
-
-E ser português é amar a sua terra entranhadamente, religiosamente,
-esta terra de que somos filhos e não podemos despresar sem nos
-despresarmos a nós mesmos.
-
-Ser português é aprender a sua lingua antes de nenhuma outra; é lêr
-os livros que portuguêses têm escripto; é conhecer os seus artistas;
-não despresar as suas industrias; comer o producto da sua terra; amar
-as paisagens, ora recortadas em fundo grandioso de montanhas, ora
-espraiando-se em campinas onde as searas ondulam em marés verdes de
-esperança e os gados pastam com fartura; cantar as suas canções; folgar
-com as festas do seu povo; amar a sua flóra tão simples e graciosa;
-estudar a sua arte em todas as manifestações, desde a bilha de barro
-abrindo-se em duas azas, recordando a amfora romana, tão gentilmente
-posta sobre a cabeça da rapariga de Coimbra, até á magnificente fabrica
-do mosteiro da Batalha, sem esquecer o mobiliario severo e nobre
-dos nossos avós, a ourivesaria subtilmente trabalhada, os tecidos, a
-ceramica, as rendas, que, em tudo, houve tempo em que fomos _alguem_.
-
-Se o não somos hôje, cuidais que os artistas e a patria é que são os
-responsaveis de tão grandes decadencias?
-
-Não; uma, não póde nada, prisioneira do oiro nas mãos dos usurarios; os
-outros, sem estímulo nem público que lhes pague as fadigas e os empurre
-para o exito, ou lhes mostre pelo despreso a inferioridade do trabalho,
-retiram-se do campo onde a mediocridade dá leis. São poucos os que á
-força de vontade e coragem conseguem não esmorecer, trabalhando mais
-para satisfação propria do que pelos lucros materiais.
-
-Que a Arte não dá hôje gloria em Portugal, e muito menos riqueza.
-
-Se não sômos o que já fômos é que uma educação fundamentalmente
-portuguêsa falta por completo no nosso paiz.
-
-A criança começa por interessar os olhos ingenuos nas estampas dos
-livros estrangeiros--ou vindas do estrangeiro para adaptar a coisas
-portuguêsas, o que é peor ainda!--por lêr traduções das historias que
-nos outros paizes se fazem para os pequeninos; por vestirem luxuosos
-vestidos cujos modelos vieram de fóra; por só apreciarem as flôres
-exoticas cultivadas com mimos de estufa, despresando a simples e
-honesta flora portuguêsa, tão espontanea e bella; por vêr as habitações
-dum tão duvidoso gosto de importação, os brinquedos, a loiça, os
-navios, os carros, os velocipedes, que tudo nos vem do estrangeiro e
-nos dá o aspecto banal e miseravel de povo sem nacionalidade.
-
-Só vós, senhoras, podereis levantar-nos desta situação por demais
-incaracteristica e infamante!
-
-Só vós podereis insuflar na alma dos moços o respeito pelo passado,
-o horror da situação presente, e a esperança consoladora num futuro
-melhor!
-
-Num futuro que não está nos cursos complicados, nas repartições
-da burocracia, nos feitos das vanglorias militares com _sobados_
-africanos, mas nas oficinas, nas fabricas que nos poderão criar
-industrias exportadoras, no cultivo da terra que nos dá o pão do nosso
-sustento, o linho da nossa roupa, as fructas mais delicadas, o arroz,
-a cortiça, o vinho, as conservas, e tantissimas coisas que já hôje se
-exportam a mêdo e que poderão ser outras tantas fontes de riqueza, se a
-ellas se dedicarem inteligencias e dinheiro que mal parados andam umas
-e outro.
-
-E nós, as mulheres, que temos nas nossas mãos a alma dos nossos
-filhos, que é como quem diz o futuro e a esperança, ensinêmos-lhes a
-despresarem o caminho das transigencias acomodaticias e a fugir do
-fatalismo musulmano com que temos acolhido, de braços cruzados, todos
-os desastres e toda a decadencia da nossa nacionalidade.
-
-Preparêmo-los para que entrem na vida cheios de coragem e energia
-para o trabalho, renegando as miserias e as vergonhas de agora, e
-façam resurgir das ruinas duma sociedade que se anulou a si mesma, um
-Portugal novo, conscio de si, altivo e digno.
-
-Nas vossas mãos, senhoras, está a rehabilitação das humilhações e
-vergonhas que ha dois seculos formam o triste fundo da nossa vida
-pública.
-
-Nas vossas mãos está a morte definitiva da Patria Portuguêsa ou o seu
-resurgimento para o trabalho e para a vida.
-
-Ponhâmos de parte as frivolidades que nos ensinaram a crêr que são
-a maior graça do nosso sexo, e sejâmos _mulheres_ como o devemos
-ser:--criaturas conscientes e autónomas, companheiras e aliadas do
-homem, as verdadeiras educadoras de seus filhos.
-
-Como a dama romana que mostrava os filhos como as unicas joias de
-preço que possuia, tiremos nós mais gloria em mostrar os nossos como
-cidadãos livres, sobrios e honestos, em vez de lhes darmos exemplos de
-ostentação e grandêsa que se não coadunam com a modestia da nossa terra
-e só provam a decadencia moral da sociedade em que vivemos.
-
-Pensai nisto, senhoras, e ensinai-o a pensar a vossas filhas, porque
-tem mais interesse para o seu futuro e para o dos seus noivos do que o
-ultimo figurino, ou a ultima valsa tocada de ouvido ao piano.
-
-Fazei de vossos filhos homens saudaveis de corpo e de alma, e das
-vossas filhas as companheiras dignas desses homens, capazes de os
-auxiliar no trabalho, alegres nas privações como modestas na grandêsa,
-e tereis cumprido a mais bella missão da mulher, dado a mais alta lição
-de verdadeiro e salutar patriotismo.
-
-
-
-
-NO ANNIVERSARIO DUMA ESCOLA
-
-
-Pela descripção da festa realisada este anno[3] na «_Escola 31 de
-janeiro_» deveis saber que alguns homens dos mais notaveis pelos seus
-talentos e caracteres se referiram a nós, mulheres, em varias passagens
-das suas orações eloquentes. E para frisar essas passagens vos escrevo,
-porque é do vosso interesse, do interesse de nós todas que se trata,--e
-todas deveis saber o que valeis e quanto a sociedade espera e tem
-direito a esperar da vossa cultura e ação inteligente.
-
-Foi-me grato encontrar nas palavras da luminosa e bondosa alma que é o
-dr. Manuel de Arriaga, um apêlo á mulher portuguêsa--_que tem sido até
-hôje_, no seu proprio dizer, _o maior auxiliar da tirania_.
-
-Mas um auxiliar inconsciente, dizemos por desculpa, se a inconsciencia
-a póde ser, não o sendo a _ignorancia das leis_ perante o delicto a
-punir.
-
-Apraz-me conhecer a opinião do infatigavel batalhador sr. Heliodoro
-Salgado, porque essa opinião coincide com a minha, expressa em muitas
-paginas destas mesmas cartas, espalhada por artigos e correspondencia
-particular que sobre o assumpto ha muito tenho escripto.
-
-Comoveu-me o pedido do sr. dr. Teixeira de Carvalho, o energico e
-brilhante espirito, feito _ás Mães Portuguêsas_.
-
-Não fômos esquecidas, nessa manifestação de quanto póde a inteligencia
-e a vontade aliadas no bem--exercicio de força que não tem por campo de
-manobras os montes e as encostas duma região, mas o espaço infinito do
-pensamento. Não tem horizontes que se fechem em recorte de montanhas
-agrestes, é campo aberto a todas as energias e vontades, esplendente
-de luz que não queima em fantasmagorias dolorosas de febre, mas que
-ilumina as almas e aclara os espiritos, fazendo-os ascender ás regiões
-superiores da verdadeira e pura Consciencia.
-
-Se pudessemos ter assistido a essa reunião em que festejou a criança--a
-pobre criança portuguêsa, tão tristemente educada, tão despresada
-mesmo!--o amoravel apostolo da educação dr. Bernardino Machado,
-mortificar-nos-ia o sentimento da propria inferioridade, que não nos
-deixaria responder com a confissão das nossas culpas, mas tambem com
-o nosso libello acusatorio aos homens livres, que têm consentido em
-que as mulheres sejam as mais ardentes adversarias dos seus ideais, o
-auxiliar passivo e inconsciente da tirania e do retrocesso.
-
-É justa, se bem que implicada de censura amarga aos homens, a frase
-do sr. Heliodoro Salgado:--_resgatêmos a mulher da ignorancia a que a
-temos condenado e ella será a nossa cooperadora na revolução_.
-
-Educar a mulher; torná-la util a si e aos seus, pelo trabalho
-remunerado; escolher cada homem livre esposa que o seja, não só do
-corpo mas tambem do espirito, não só humilde e paciente dôna de casa,
-mas nobre e inteligente educadora, fóco de luz e de bondade superior,
-irradiando na familia, como sol por onde se norteia a alma caminhando
-para o futuro.
-
-Se assim fosse, a revolução deixaria de ser um facto brutal e rude para
-ser tão sómente uma evolução triumfante para a humanidade que marcha e
-se resgata...
-
-Não ha homem que se possa dizer livre, e que afoitamente possa
-responder pela sua propria consciencia, em todas as horas de
-desfalecimento e de dôr, quando a seu lado tenha--ignorante, mas
-teimosa na crença; sem brilho na palavra, mas cheia de convicção no
-olhar; sem convencer pela razão, mas abalando pelo comentario de cada
-hora--a mulher que é a sua companheira, que foi talvez a sua paixão,
-que é a mãe dos seus proprios filhos.
-
-A mulher, sempre atrazada, por mingua de educação, no evolucionar das
-aspirações e das novas crenças sociaes é o agente mais importante do
-retrocesso e da rotina.
-
-É ella que em politica, como em sciencia, como em tudo mais, é sempre
-pelos velhos preconceitos, pelo estatuído, pelo comodismo egoistico e
-enervante do _seguro_, pelo que ouviu tradicionalmente e não discute
-nem quer ouvir julgar nem discutir...
-
-Ora a tradição e o respeito pelo passado, se é uma virtude e um
-estudo indispensavel para o conhecimento perfeito dos costumes e
-reconstituição historica de uma época, como norma de vida e como crédo
-intangivel é a negação de todo o progresso e de toda a civilisação.
-
-Conversando ha dias com um pobre barqueiro, de rio acima, ouvimos-lhe,
-no limitado e pitoresco vocabulario do seu chão estilo, esta
-observação que é curiosa, pelo que nos revela mais do que pelo que
-nos diz:--agora--dizia--está tudo mais _esperto_. O que antigamente
-só podia fazer um homem velho no oficio e cheio de experiencia, fa-lo
-hôje, quasi sem custo, um rapaz de dezeseis annos. Os senhores haviam
-de vêr como rapazinhos governam ahi barcos, rio acima, conhecendo
-todos os esteiros e manobrando dentro dos canaes das marinhas, como os
-velhos só o faziam dantes ao cabo de muitos annos lidarem por aquelles
-sitios. _É que está agora tudo mais esperto!_--Repetia, concluindo, a
-frase que era o seu bordão.
-
-Não é porque esteja tudo mais _esperto_, como queria o homensinho,
-comprehendem muito bem, mas é porque está tudo um pouco mais
-instruido. Um rapaz de dezeseis annos que sabe lêr o seu roteiro é
-incomparavelmente superior ao velho ignorante que só na memoria póde
-armazenar conhecimentos e esses mesmos com lentidão e insuficiencia
-adquiridos pela prática.
-
-A mulher portuguêsa tem vivacidade de espirito e assimilação facil; não
-lhe falta o enthusiasmo nem a paixão; bastaria pois que a educassem e a
-orientassem.
-
-Mas de quem póde esperar esse forte impulso libertador, unico capaz
-ainda de levantar a alma portuguêsa a toda a altura da exigente vida
-moderna? Dos pais que não educam as filhas como criaturas humanas e sim
-como bonecas de corda, de que é preciso vigiar o maquinismo, e que em
-vez de lhes fornecerem educação que lhes garanta o futuro pensam com
-afinco em lhes amoedar o dóte, que mais facil lhes torne o casamento?
-Das mães, que não comprehendem o que hôje se chama educação feminina
-e ainda se surprehendem e assustam com inovações de que ouvem falar
-vagamente? Do homem, já amezendado na vida, comodista, defendendo por
-egoismo o que lhe satisfaz as aspirações de senhor; querendo a esposa
-muito sua humilde companheira, hôje prompta a servi-lo, ámanhã a ser a
-criada dos seus filhos?...
-
-De nenhum desses póde receber o salutar influxo que a torne a
-companheira condigna do homem civilisado, que a sociedade prepara no
-seio revoltoso das luctas e desesperos de hôje para um ámanhã mais
-justo.
-
-É dos rapazes novos--não daquelles que entraram na vida tarados para
-o ramerrão comodista dos empenhos e empregos públicos, numa covardia
-mórbida para a revolta e para a lucta--mas duma pleiade de moços a sair
-das escolas, cuja alma sentimos palpitar numa _aspiração perfeita das
-suas responsabilidades_, como disse o Snr. Teixeira de Carvalho. São
-esses os que as podem encaminhar para a emancipação intelectual, esses
-os que devem colocar-se ao lado das suas irmãs e, tornando-as as suas
-verdadeiras companheiras, prepararem o seu proprio futuro de serenidade
-e confiança no lar.
-
-Então o homem póde entrar com segurança na vida e ferir as batalhas
-mais sangrentas sem o receio de ver atraiçoada a sua obra na propria
-casa, na sua familia, pela companheira da sua vida, e pelos filhos
-educados no despreso e no odio ás suas ideias.
-
-O que em Portugal se tem feito pela mulher é pouco e máu, mas o que se
-tem feito pela criança é ainda menos e peor, se é possivel.
-
-Por isso nos consola uma festa como a da _Escola 31 de Janeiro_,
-iniciativa de rapases das escolas, sustentadas em annos consecutivos
-de lucta pela esforçada coragem de dois ou três que não debandaram nem
-desanimaram, passado o primeiro momento do arrebatado enthusiasmo da
-alma meridional.
-
-Era isto, que fizeram alguns rapases das escolas, isto que fazem hôje
-e sempre os snrs. Luiz Derouet, Santos Franco e outros, não afrouxando
-nunca na propaganda, não esmorecendo na campanha contra a indiferença
-do público; era isto o que eu desejava que as mulheres fizessem. Não
-as casadas, que têm a sua vida, os seus filhos, os seus encargos, mas
-as raparigas que estudam e pensam; senhoras novas e inteligentes que
-do pouco fizessem muito á força de energia e amôr pelas crianças,
-raparigas modestas que desejassem fazer obra de honestidade e proveito
-e não especulação caridosa para arranjar noivo mais depresa.
-
-Seriam essas, as futuras mães e educadoras, quem desejariamos á frente
-de escolas e institutos infantis, criados pela sua iniciativa, vivendo
-do seu benefico influxo.
-
-Ahi, no convivio da alma da infancia, tão obscura e complexa,
-aprenderiam o seu papel de mulheres na familia.
-
-Na _créche_, ellas aprenderiam a enfachar um pequenino corpo leitoso
-e mole, que mais tarde a natureza lhe porá ao seio e que as suas mãos
-inhabeis mal poderão tocar com mêdo de que se despedace. Aprenderiam
-quais as doenças que mais adquire a primeira infancia; qual a maneira
-de as evitar e combater, o que se chama a hygiene propriamente infantil.
-
-Na _escola maternal_, aprenderiam, ensinando, como é facil educar e
-instruir crianças de menos de seis annos, conservando-as sempre na
-atmosfera alta da curiosidade e da aprendisagem.
-
-Na _escola primaria_ comprehenderiam quanto é agradavel e facil ensinar
-crianças, quando a familia ou a primeira escola as enviarem já com o
-raciocinio desabrochado e com certas noções da vida e da natureza que
-as rodeia.
-
-Nos _hospitaes_ adiquiririam aquella prática de tratar os pequeninos
-doentes, que tão custosamente obtêm as mães quando a alma lhes sangra
-pelo soffrimento dos seus filhitos.
-
-Nas _escolas-oficinas_, nas escolas práticas de cosinha, de costura e
-de governo de casa, em toda a parte onde se trabalhasse pela criança, a
-mulher solteira poderia formar o seu caracter, conhecer e fortalecer as
-suas aptidões, fazer a si mesmo a educação que a tornasse util a todos
-e lhe desse para o futuro a certeza de poder contar comsigo para provêr
-á propria subsistencia.
-
-A menina solteira no nosso paiz tem uma vida sem responsabilidades
-sociaes e a maior parte das vezes sem utilidade nenhuma.
-
-Anda na escola ou no collegio--as que não vão para os internatos--até
-a saia lhe descer do joelho e roçar no cano da bóta. Aos primeiros
-signaes da puberdade, os pais atarantam-se, num pánico de grandes
-perigos a recear, e a pequena recolhe a casa.
-
-Depois, se a fortuna o comporta, vem o professor particular ensinar
-o que póde a quem não estuda nem deseja saber, desde a pintura sem
-desenho até á musica sem rudimentos. As que não pódem ter professores
-ficam em casa com o pouco que aprenderam, a esperar que os annos, na
-sua fugitiva carreira, lhes tragam o noivo correspondente.
-
-Vestem com elegancia, mas não sabem fazer os seus vestidos; sabem pôr
-sobre os seus cabellos frisados o mais disforme e complicado chapéo,
-mas não o sabem enfeitar por suas proprias mãos; não costuram nem
-bordam a roupa da casa; não talham as suas camisas; não cosinham ou
-sabem dirigir o jantar da familia; não tomam a si o encargo de criar e
-educar os irmãosinhos mais novos. As mães poupam-nas o mais possivel.
-_É o seu bom tempo_--dizem. _Deixá-las, lá virá época em que tudo
-aprendem á sua custa!..._
-
-Pobres dellas! Não viram, no seu exemplo, quantas amarguras representa
-essa _aprendizagem á propria custa_, desde o mau humor do marido que vê
-tudo feito por mãos inexperientes até ao desrespeito das criadas por
-quem não as sabe mandar nem ensinar.
-
-A rapariga portuguêsa não é um sêr util e respeitavel, de que os
-rapazes sejam fraternaes companheiros, lendo os mesmos livros,
-interessando-se pelos mesmos assumptos, conversando naturalmente em
-qualquer ocasião e com qualquer pessôa que se encontrem.
-
-Não, ella é uma criatura no papel passivo de pretendente, esperando
-vagamente o numero da loteria--que lhe _dê o premio_.
-
-Depois, conforme este seja, grande ou pequeno, isto é, marido rico
-ou pobre, terá então que adaptar a trouxe-mouxe as suas qualidades
-assimiladoras e resignar-se ao trabalho ou pavonear-se soberbamente no
-luxo e na inactividade.
-
-Para tudo está preparada, não estando habilitada para coisa alguma.
-
-A rapariga portuguêsa é, em resumo, uma criatura encantadora, que veste
-com garridice, que passeia nas horas de musica, que vai ás praias, aos
-theatros e ás reuniões, que ás vezes lê os folhetins dos jornaes e tem
-ataques de nervos, de quem os rapazes desdenham e troçam--mas que, por
-fim, virão a ser as suas mulheres.
-
-Quantas não têm o desejo de se tornar uteis, de ganhar _para os seus
-alfinetes_, de terem uma ocupação que as enobreça aos seus proprios
-olhos e as habilite a serem mais tarde livres pelo seu trabalho?!
-
-Mas, entorpecidas pela educação, deprimidas pelos estreitos habitos da
-vida portuguêsa, resignam-se a não serem mais do que as outras--umas
-eternas aspirantes ao casamento.
-
-Inteligente e dedicada como é, em geral, a mulher portuguêsa, que
-grande e bella obra social não faria, quem a pudesse interessar pelas
-duas questões capitaes de que depende o resurgimento da nossa patria e
-o futuro da nossa raça:--o trabalho livre e remunerado para a mulher, a
-educação, fisica e intelectual, da mísera criança portuguêsa.
-
-
-
-
-A MULHER DE HA TRINTA ANNOS E A MULHER DE HÔJE
-
-
-Se perguntarmos aos que ora entram com desplante na vida, julgando
-que nada devem ao passado, que o presente é obra sua, e o futuro lhes
-pertence, o que era a ilustração da mulher portuguêsa de ha trinta
-annos, não haverá ahi rapaz ou rapariga de mediana educação que não
-solte uma gargalhada escarninha, ou que, ao menos, não franza a bôca
-num tregeitar de troça.
-
-É que essa época de romantismo agudo avulta a nossos olhos a turba
-desgrenhada das jovens que recitavam ao piano, com os olhos no
-infinito; que dormiam de colete para adelgaçarem a cinta, defumavam
-o rosto para obterem a palidez interessante que a moda reclamava ás
-heroinas tisicas, que sonhavam com o menestrel choroso que por noites
-luarentas as viria buscar para um eterno _duo_ de amôr, na _cabana_
-ideal onde se vivia... do ar.
-
-Essas eram as exageradas de todas as escolas, as desvairadas de todos
-os tempos. Mas ao lado dellas, as sãs, as ajuisadas, que liam os mesmos
-livros e conheciam as mesmas poesias, não se deixavam levar em excessos
-de romantismos piegas, mas amavam os seus poetas e comprehendiam a
-literatura do seu tempo.
-
-Não ha por ahi senhora da geração de nossas mães, rudimentarmente
-educada que fosse, que não tenha chorado com os romances de Camillo,
-que não tenha discutido e amado Julio Diniz, que não conheça Garrett e
-Herculano, que se não lembre com saudade da _Lua de Londres_, que não
-tenha recitado Soares de Passos, Castilho, Palmeirim e Thomaz Ribeiro,
-que não tenha cantado essas poesias, que entraram no ouvido de todos em
-modilhas e cantatas, compostas por musicos ignorados.
-
-Isto numa época em que a mulher não tinha, como a de hôje, facilidade
-em se instruir, em que a instrução por essas provincias fóra era um
-caso esporadico, em que os liceus lhe não eram franqueados e nas
-escolas superiores se falava do exemplo de Publia Hortensia de Castro,
-que cursou a Universidade vestida de homem, como dum caso fabuloso,
-porventura menos provavel do que a sabedoria de Minerva, a deusa
-mitologica da sciencia.
-
-O que significa que a mulher joven ha trinta ou quarenta annos, sem
-ter a alta cultura duma grande dama da côrte brilhante de D. Manuel,
-era, sem dúvida, muito superior á de hôje, que não conhece os seus
-escriptores nem comprehende os seus poetas.
-
-Se bem que a Arte, embora na sua fórma mais intelectual,--a
-literatura--não possa dar á mulher o grau de conhecimentos, a soma
-enorme de noções exatas da sciencia que são necessarias para constituir
-hôje a educação de qualquer criatura regularmente culta, é bem certo
-que eleva as almas e constitue um dos mais nobres ideais da existencia
-humana.
-
-«A mulher desconhece os escriptores do seu tempo e deixou de se
-preocupar pela literatura, porque não temos romancistas que a
-interessem e os poetas deixaram de lhe falar ao coração...--costuma
-dizer-se para desculpar uma falta que todos reconhecem e da qual
-ninguem se confessa culpado.
-
-Seguramente que a maior, se não a unica responsavel, é a mulher que
-assiste, sem comprehender, ao avançar victorioso da civilisação, que
-hade expulsar os ignorantes como párias inuteis numa sociedade que se
-encaminha para a luz.
-
-Poetas e prosadores deixaram, é certo, a azinhaga florida do romantismo
-para seguirem pela estrada arejada de um novo ideal estético, para uma
-fórma mais verdadeira e humana. Mas porque os não seguem as mulheres?
-Porque se quedam numa indiferença que as distanceia do seu tempo, que
-as torna tão alheias a tudo quanto interessa o homem do seu paiz, da
-sua sociedade, do seu proprio lar?
-
-Não lêr porque não ha quem escreva a seu gosto no nosso paiz é...
-apenas uma desculpa. Temos hôje, como sempre tivémos, quem escreva
-bem. Todos os annos, a par da grande alluvião de livros sem valôr que
-ficam nos depositos das casas editoras para serem vendidos ao peso do
-papel, ou dados como brinde a quem compra outros livros, publicam-se
-os bastantes para saciar a curiosidade vulgar em quem tem o habito da
-leitura.
-
-O que falta não são os escriptores nem as suas obras.
-
-Falta o público que dê no seu aplauso ou no seu desagrado o incitamento
-de que precisa todo o artista para fazer obra em que pônha toda a alma,
-toda a energia do seu espirito, na inspiração de progredir e vencer a
-concorrencia, que então se dá material e áspera, mas compensadora para
-os triunfantes.
-
-Quem lê no nosso paiz? Uma minoria de intelectuaes, que preferem a
-literatura estrangeira, e que a maior parte das vezes não compram
-sequer os livros portuguêses, que poderão ler de emprestimo ou
-oferecidos.
-
-Lê o povo bastante, mas o povo das cidades, e principalmente os
-operarios, os livros dos propagandistas, as brochuras que os chamam
-á consciencia da sua grande miseria; ou lê os romances sensacionaes,
-ultimamente, e por felicidade, substituidos pelos grandes romances
-historicos ás cadernetas, ilustrados, que têm a enorme vantagem--quando
-não tenham outra--de ser portuguêses e não habituar o povo a dizer
-nomes disparatados e ridiculos que lhe servem nas traduções.
-
-Não lê no nosso paiz, a grande maioria dos homens, porque não encontram
-para isso tempo que lhes sobre dos seus afazeres ou da vida dispersada
-por cafés e clubs, na conversa de conhecidos e amigos encontrados
-sempre nas horas de sobejo.
-
-Não lêem as mulheres, o que é muito peor. Porque é em toda a parte
-o grande publico feminino quem lê os poetas e os romancistas, quem
-assigna os _magasines_ e revistas, quem conhece as mais interessantes
-brochuras de viagens, quem discute os seus autores, quem faz, emfim,
-uma reputação literaria.
-
-Entre nós, a não ser nos centros intelectuais de que as mulheres só
-raramente fazem parte, não se fala em literatura, não se conhecem
-os escriptores e não ha--o que é significativo--o menor desejo de os
-conhecer.
-
-Para muitas senhoras que lêem e gostam de lêr é um facto desconsolador
-o pensarem que serão ridicularisadas e que os ignorantes as alcunharão
-de _sabichonas_ e _doutoras_, se por acaso entram em conversa que
-transponha os limites literarios dos folhetins dos jornaes ou da secção
-das modas.
-
-Mas será isto motivo bastante para se desinteressarem tão completamente
-pela literatura do seu paiz?
-
-Fugindo do ridiculo com que fôram tão cruelmente perseguidas as
-romanticas de ha vinte annos, as mulheres deixaram de lêr com receio de
-que as chamassem _literatas_--o epiteto mais desagradavel que podia ser
-dito a uma senhora que era vista com um livro na mão.
-
-Pararam, indecisas, isto é retrogradaram, porque em civilisação não ha
-paragens que não sejam retrocessos.
-
-E foi este o motivo porque se deu o afastamento cada vez mais
-pronunciado da mulher portuguêsa pela arte e pelos artistas do seu
-paiz e do seu tempo. É desolador este simptoma porque nos mostra como
-é feita sem elevação moral, nem intellectual, a educação das mulheres
-que hão de ser as educadoras das futuras gerações. Numas, as que se
-dizem educadas, os seus conhecimentos são apenas um mostruario vistoso
-de habilidades e conhecimentos superficiaes, que não iludem ninguem.
-Outras, conservam-se na mais boçal ignorancia, na mais completa
-indiferença pelas coisas do espirito.
-
-Mas dando de barato que, por uma estranha repugnancia de espirito, os
-escriptores de hôje não agradem ás mulheres, porque despresam tudo
-quanto de grande e bello tinha a do tempo de nossas mães?
-
-Por acaso deixaram os livros de Camillo de ser os mais humanos, os
-mais portuguêses, de quantos tem escripto e sentido um grande talento
-português? Por acaso já secaram, como fonte despresada em campo
-maninho, os lindos olhos das mulheres do nosso paiz, que já não se
-arrasam de lagrimas na partida de Simão Botelho para o desterro e na
-morte da linda Thereza e da tragica e simples Marianna?!
-
-Tão perdido vai o seu gosto artistico, que já os seus labios se não
-abrem jocundos sobre as paginas de eterna graça, que o incomparavel
-escriptor espalhou por toda a sua grande obra?!
-
-Tão adversas a preocupações de espirito, que se não familiarisem com
-todo esse mundo amoravel e risonho que nos deixou o romancista que
-deveria ser, por excellencia, o preferido das mulheres, Julio Diniz?!
-
-Tão esquecida que já não leia toda essa pleiade brilhantissima de
-poetas e prosadores que foi a de Garrett e Herculano, até João de Deus,
-Anthero, Crespo, Eça, e tantos outros que a morte levou; sem falar nos
-que, por graça de Deus, ainda vivem e trabalham nesta Patria que devia
-ser o nosso orgulho e é o tormento de quem a ama e a vê tão outra do
-que devia ser?
-
-Não, a falta não é dos escriptores, a falta é só da mulher que não está
-educada bastantemente (apesar de certos criticos acharem que o está já
-demais!...) para discernir e escolher o bom caminho que o mais vulgar
-senso commum lhe indica: uma educação séria e fundamentada, começando
-nas coisas práticas e uteis da vida, acabando na literatura e na arte
-em geral, que é por assim dizer a alma falante d'um povo.
-
-É urgente que se convençam de que a mulher ignorante é o mais triste
-e aborrecido verbo de encher que a sociedade agasalha. Se é bonita,
-elegante, e veste bem, começa por ser um prazer para os olhos e acaba
-por se tornar um desprazer maior para o espirito, quando responde com
-o mutismo da ignorancia convicta, ou com a tagarelice da ignorancia
-atrevida, a uma simples conversa em que pessôas cultas jogam com ideias
-e conhecimentos como as crianças com as irisadas bolas de sabão que
-tanto as alegram.
-
-Isto olhando-a pelo lado social, que na vida familiar os efeitos
-da ignorancia feminina são ainda de mais tristes e deleterias
-consequencias.
-
-
-
-
-AS POBRES MÃES
-
-
-Porventura evocará este titulo míseras mulheres desgrenhadas,
-arrepanhando-se de dôr, ante a morte que lhes arranca dos braços os
-filhos estremecidos...
-
-Ou a visão dolorosa das que os vêm partir, na força da vida, frementes
-de esperanças e ambições, chamados pela lei para a guerra odiosa...
-
-Ou, ainda, pobres mulheres vagabundas, arrastando os seus farrapos
-pelas ruas e caminhos, mendigando baixinho, numa vergonha ou num
-pavôr, para os sêres informes que levam nos braços e pendurados ás
-saias, culturas para a dôr e para a doença, crimes e loucuras em
-fermentação...
-
-E, entanto, não são essas as que merecem a epigrafe que encima estas
-palavras.
-
-É mais dôce o seu viver, mais calma a sua existencia...
-
-É ao recolhimento da vida burguêsa que iremos buscar essas _pobres
-mães_, que a sociedade moderna, no impulso avassalador e tiranico de
-necessidades e exigencias novas, vai fazendo martires pelo sentimento e
-pelo coração.
-
-São essas mulheres naturalmente inteligentes, mas fundamentalmente
-ignorantes, que sofrem pelo afastamento progressivo dos filhos do seu
-amôr e do seu encanto, a par e passo que os vêm crescer em inteligencia
-e saber.
-
-É á _classe média_, a mais numerosa e _nacionalisada_, a mais apegada a
-preconceitos e tradições, que vamos buscar o nosso exemplo, porque:--o
-povo operario, caminhando revoltósa e tumultuariamente para o futuro; o
-dos campos, muito perto ainda do primitivismo animal; a alta burguesia
-e os restos desmantelados das velhas aristocracias, despaízadas pela
-educação e pela existencia só de luxo e egoismo--não podem fornecer os
-elementos comprovativos para a nossa these.
-
-Um dos muitos axiomas fabricados para satisfação da nossa vaidade,
-e que transmitimos gostosos pelo prazer de nos iludirmos e pela
-preguiça em nos emendarmos, é a conhecida frase--que faz comover
-sentimentalmente os mais áridos corações--_a mulher portuguêsa é uma
-bôa mãe_.
-
-Ora se olharmos a maternidade apenas como a funcção animal de conceber,
-ter o filho, amamentá-lo e cuidá-lo materialmente, nos primeiros três
-ou quatro mêses da sua existencia, a mulher portuguêsa é, realmente,
-uma bôa mãe.
-
-Tudo a predispõe para isso. A bondade natural da nossa raça, essa
-bondade passiva feita da indolencia atavica de sangue oriental que nos
-anda nas veias; a belleza efemera, quasi toda feita da frescura dos
-poucos annos e da delicadeza das linhas que a maternidade ainda não
-engrossou; o esmagamento duma longa série de gerações em que viveu no
-recolhimento freiratico da antiga vida portuguêsa, e ainda hôje sem os
-cuidados rudes de procurar a subsistencia, encargo exclusivo do homem...
-
-Tudo predispõe a mulher, na doçura amolecedôra do nosso clima, para ser
-uma cuidadosa mãe: cheia de mimos para os seus pequenos; temendo vê-los
-chorar, como quem teme uma trovoada; muito ciosa das suas prerogativas,
-quando se trata do enxoval de bébé, da moda dos vestidos, dos chapéos e
-das bótas; sacrificando-se, em caso de doenças; tendo, emfim, todos os
-carinhos e todos os merecimentos duma bôa _aia_.
-
-Mais tarde, procurará dar ás filhas uma educação primorosa, segundo o
-seu ponto de vista, não se poupando ainda a sacrificios para que toquem
-no seu piano, saibam prendas de mãos, e um bocadinho de francês para
-não se envergonharem numa sala...
-
-Emquanto aos rapazes, cedo entregues aos professores que os levam a
-exame, ficam--graças a Deus--livres de toda a responsabilidade de
-educadora.
-
-Para com as filhas é mais longa a sua missão, que não é desagradavel a
-espiritos que ficaram ignorantes das mais singelas regras de alta moral.
-
-Quando as raparigas chegam á idade de procurar marido, ahi dos dezeseis
-para os dezoito, começa para a mulher o desempenho do papel, annos
-atrás a cargo da sua propria mãe, quando a acompanhou a todos os
-divertimentos, aguentou calôres e frios nos passeios da móda, cabeceou
-pelas reuniões dançantes, fez sacrificios para lhe comprar vestidos
-vistosos, despojou-se dos seus adornos para enfeitar as filhas,
-porque--e esta frase é bem caracteristicamente portuguêsa e lança
-toda a luz no módo de ser e nas aspirações da nossa pobre mulher--_já
-agradou a quem tinha de agradar_.
-
-Agora é a vez da filha ir para _a amostra_, até encontrar _senhor_.
-Sujeitam-se a tudo: trabalham, quando não têm criadas, nos mesteres
-mais humildes, para que as filhas desempenhem o seu papel de
-princesinhas de contos á espera do principe encantado que as fará
-soberanas de deslumbrantes reinos imaginarios...
-
-A rapariga, assim preparada, casa emfim, realisa a sua ambição, está
-finalmente _arrumada_--como é vulgarissimo dizer-se quando uma noiva
-passa, sorridente e confiada, dos mimos da casa paterna para os braços
-de um homem que na maior parte das vezes é quasi um desconhecido.
-
-Pobres dellas!... O que julgam o _fim_ é apenas o _principio_--da sua
-árdua missão de mãe de familia.
-
-Deixou de ser uma criatura sem deveres nem responsabilidades, a quem
-tudo se perdôa e desculpa, para ser a pedra basilar desse sagrado
-templo que se chama o lar.
-
-Vai sêr _a mãe_! Vai pertencer-lhe, só a ella, por longos e dolorosos
-mêses, viver da sua vida, alimentar-se com o seu sangue, sentir pelos
-seus nervos, um pequenino ser informe que é o seu filho, que será para
-o futuro um homem ou uma mulher, que poderão ser uns criminosos ou uns
-santos, doentes ou sãos, devido, em muito, aos cuidados, preocupações e
-higiene moral e material da mãe.
-
-Nascido para a vida, é ainda o objecto dos seus cuidados e amôr. Treme
-pela sua fragil existencia, alimenta-o com o seu leite, acalenta-o no
-seu regaço,--continúa a viver da sua existencia, póde assim dizer-se.
-
-A mãe sente-se satisfeita com esses cuidados que dispensa aos
-pequeninos seres, que lhe enchem de ternura e de encanto o coração;
-e, cuida, justamente, que ninguem será capaz de os tratar e amar como
-ella...
-
-Mas esta mulher tão cuidadosa e carinhosa não é, não pode ser, uma
-bôa mãe! Só o instincto a guia, e o homem de hôje é por tal fórma o
-producto de costumes e civilisações sobrepostas, que deixou ha muito de
-ser o _animal de instinctos_, segundo a natureza, para ser um producto
-de arte e de trabalho e de paciente cultura.
-
-Educar uma criança de hôje, não é manda-la para a escola para que saiba
-lêr e escrever; é muito mais do que isso!
-
-Ainda antes de nascer, já a criança deverá ser respeitada e amada,
-cohibindo-se a mãe de muita coisa que a póde prejudicar, cuidando do
-seu proprio somno, da sua alimentação, e da sua higiene, para que
-a delicada planta humana desabroche vigorosa e possa resistir e
-desenvolver-se propiciamente.
-
-Conhecem, por acaso, a maior parte das mães, a responsabilidade duma
-gravidez?
-
-Sabe a mulher que casou com a educação que descrevemos, que do
-conhecimento e da prática de simples noções de hygiene póde evitar
-aos seus filhos terriveis males, quasi todo o estendal das doenças
-infantis, que levam para a terra centenares de corpinhos inermes:
-desde a enterite, que faz das mais lindas creanças pequenos cadaveres
-ambulantes, até á atrepsía que, sob as côres rosadas da saude, disforma
-o esqueleto, dobrando as pernas em arco, dando ás criancitas o andar
-grotesco de _marrequinhos_ fóra da agua?
-
-A propria tisica, a escrofulose, a anemia, como as inúmeras nevróses
-que desvairam a raça humana, são quasi sempre evitaveis se uma vida
-infantil regular e higienica tonificar o organismo e o preparar com a
-resistencia precisa para o triumfo dos principios vitaes.
-
-Partindo do cuidado, quasi só material, dos primeiros dois ou três
-annos, a missão da mãe redobra a cada passo de dificuldades e requer
-toda a inteligencia e a tenacidade duma grande obra.
-
-É então que todos os desvelos serão poucos para vigiar a consciencia
-que vai despertando, e que é necessario começar cedo a ser educada e
-dirigida para o bem.
-
-Não faltará quem se ria ouvindo falar em educação duma criança de três
-ou quatro annos; e, no entanto, nada mais sério e nada mais util do que
-saber aproveitar a franquêsa dessa idade, que ainda não sabe mentir,
-para conhecer na criança o homem ou a mulher que será no futuro. É a
-ocasião de poder aproveitar todas as qualidades de um caracter e até os
-seus defeitos, e convertê-los em virtudes, sem torcer a vontade nem o
-temperamento individual.
-
-E a mãe, a _pobre mãe_, que é a mulher da qual descrevemos o casamento,
-começa então a sentir que o seu filho se lhe escapa dos braços,
-arredando-se-lhe do coração, alheando-se-lhe do espirito.
-
-Dahi em diante, a criança, pela vida e pela alegria da qual ella
-sacrificaria gostosamente a sua propria vida, dá cada dia um passo que
-a tornará uma estranha para aquella que lhe devia ser a mais certa e
-mais respeitada guia.
-
-É quando, cheia de curiosidade, começa a abrir os olhos do espirito,
-que se não fartam de luz, e pergunta tudo quanto existe, tudo quanto
-lhe fere a atenção, sempre desperta e voluvel.
-
-As coisas mais simples, como as coisas mais complexas, tudo procura
-saber e tudo é preciso que se lhe explique duma maneira comprehensivel.
-É o momento unico de lhe dar noções que nunca mais esquecem e que
-pela fórma estejam ao alcance dos seus poucos annos e rudimentar
-inteligencia, mas pela substancia resumem os conhecimentos e verdades
-que lhe serão uteis pela existencia fóra.
-
-Se a mãe não responde, a criança desinteressa-se de coisas sérias e
-torna-se futil, ou vae fazer as suas perguntas ao pai, quasi sempre
-mais culto, e que por esse motivo passará a ser considerado superior á
-_mãe ignorante_. Se a mãe, não querendo passar aos olhos da criança por
-inferior, diz uma coisa ao acaso, que não é precisamente a verdade, o
-mal é ainda peor porque não tardará que a criança saiba, por estranhos,
-o contrario do que lhe disseram.
-
-E não imaginem que ella esquecerá, não! Na primeira ocasião saberá
-mostrar a sua estranhesa.
-
-Cresce: da escola _para sujeição_, onde a mãe a meteu por ser
-impossivel tê-la em casa desde os três annos, passa a frequentar as
-aulas públicas. Tem os seus compendios, que lhe falam de coisas de que
-não tinha a menor noção; cada passo é uma dificuldade, cada palavra
-um barranco, cada materia uma novidade, que o professor, entre tantos
-discipulos a reclamar-lhe a atenção, não tem tempo de aclarar-lhe o
-sentido. De lagrimas nos olhos, o livro na mão, a criança irá procurar
-aquella que mais estima, e que mais tem tido chegada ao coração desde
-que existe, para que lhe explique o que não comprehende. E a _pobre
-mãe_ não saberá auxilia-la, terá de confessar a sua impotencia, a sua
-ignorancia, diante do filho que se desespera!
-
-Quantas vezes, indo encontrá-lo a cabecear sobre o livro que não
-comprehende, a mãe não teria desejo de tirar-lh'o das mãos e, numa
-clara leitura e uma inteligente explicação, fazê-lo aprehender o
-sentido que lhe foge?!... mas... a _pobre mãe_ não o poderá fazer,
-porque não sabe tambem! E quantas vezes a sua revolta de ignorante não
-se torna uma defesa para a criança mandriona, que repetirá o que lhe
-ouve:--_Para que serve saber isto ou aquillo? Sem estudar tambem se
-come e bebe!..._
-
-Se a criança é estudiosa e inteligente, em vez de pensar com leviandade
-sobre o assumpto, com a aprovação da mãe, concentrará todo o seu
-espirito no estudo e irá perguntar aos estranhos o que em casa não
-poude saber.
-
-A _pobre mãe_ será, aos olhos de seu proprio filho, uma _ignorante_,
-uma _inferior_.
-
-De dia para dia esta convicção se irá radicando no ânimo da criança, á
-medida que fôr adquirindo conhecimentos, desenvolvendo a inteligencia.
-
-O trabalho que se faz no seu espirito é lento, mas é seguro. Homens
-e mulheres feitos, não deixarão de amar as mães--quem o duvída?--Mas
-com esse amôr protector que se tem a uma bôa e dedicada ama que nos
-acalentou e amimalhou na infancia, o amôr deprimente que se tem pelos
-inferiores; não o sagrado afecto do filho, que o é, triplicemente, pelo
-sangue, pela amamentação e pela inteligencia desabrochada ao calôr do
-ensinamento materno.
-
-O convencionalismo, a mentira social, encobre com falsos sentimentos
-verdades que julga crimes, mas que a natureza, na sua rudesa primitiva,
-não considera tais. Assim, quando a uma criatura em evidencia, pela sua
-nova posição social, se descobre uma quasi vergonha que as faz esconder
-a inferioridade dos pais, todos se indignam e lh'o lançam em cara como
-sangrento insulto.
-
-Parece-nos um _crime contra a natureza_, mas na realidade é um
-sentimento bem humano e desculpavel nessas criaturas roídas de
-ambições, na ânsia de fruir gosos inéditos para os nados e criados na
-pobresa.
-
-Quanta superioridade de ânimo lhes seria precisa para fugir ao
-mesquinho ponto de vista duma sociedade, que, se por um lado exproba
-esses sentimentos como um crime, por outro lado ri impiedosa dos
-ridiculos familiares de que o individuo não é culpado. Quanta vaidade,
-quanto orgulho amachucado, curtirão esses que querem aparentar
-grandesa e se vêem acorrentados á ironia dos seus inimigos por uma
-longa série de criaturas inferiores que irremediavelmente os prendem á
-mediocridade!... É das mais tragicas e ao mesmo tempo das mais comicas
-situações que a civilisação democratica dos nossos dias trouxe á
-babugem das suas ondas, de envolta com os _parvenus_, tão invejados por
-uns como despresados por outros...
-
-Podemos considerar uma inferioridade de espirito esse sentimento de
-_vergonha_ pelos seus? Certamente.
-
-Mas não é nobre e alto do coração quem o quer ser. Nós todos, com os
-nossos assomos de independencia, não somos mais do que o producto
-do meio em que vivemos e nos criámos, os productos duma bem ou mal
-orientada educação, um conjuncto de convenções e mentiras numa
-sociedade construida sobre aparencias e falsidades.
-
-Não condemnemos pois o filho que no seu intimo despresa
-intelectualmente a mãe, que no entanto estima e até julga respeitar.
-
-A mulher tem bastante intuição, mesmo quando é ignorante, para
-comprehender o sentimento que inspira aos filhos. Embora se resigne
-dôcemente, no seu apático papel de tutelada, essa convicção deve-lhe
-ser amargurosa.
-
-Para seu bem, e, mais ainda, para bem da sociedade que não póde já
-dispensar-lhe o concurso, preciso se torna que a mulher sáia desta
-situação que a inferiorisa, e a inutilisa como factor importante da
-civilisação.
-
-Comprehendendo a vida pelo estudo da grande mestra Natureza, é preciso
-que a mulher se convença de que se não é _bôa mãe_ só porque se deu
-vida a uma criança, que no seu seio se gerou e completou e com o
-proprio leite se nutriu, rodeada de mimos e cuidados durante a infancia.
-
-É preciso que a essa maternidade puramente material se alie a nobre
-maternidade do espirito e da educação--unica que lhe dará a garantia
-de possuir o respeito e o afecto confiado dos filhos, que sempre
-encontrarão nella avisado conselho.
-
-Procurando nos animais o exemplo que nos oriente, vemos que todos elles
-desconhecem a mãe (porque o pai lhe é quasi sempre um estranho) desde
-que a criança se tornou forte e dispensou o ensinamento e a guia que
-nos primeiros passos lhe eram indispensaveis.
-
-O mesmo succede ao homem, que se vai distanciando intelectualmente da
-mãe desde que deixa de lhe ser conselho e auxilio dos tenros annos.
-
-Todo o falado amôr poetico pela mãe, é apenas o producto duma convenção
-sentimental adquirido pelo homem á medida que se foi civilisando.
-
-Talvez até uma simples questão de moda trazida pelo romantismo, como os
-_nefelibatas_ e _simbolistas_ nos déram ultimamente nos seus lirismos
-as velhas criadas e as boas amas...
-
-Durante o naturalismo forte da Renascença, a _mãe_ é completamente
-esquecida pelos poetas e prosadores. Nas proprias telas a _mãe_
-glorificada pelo pincel dos mestres é a _Virgem_, a mãe fóra da
-humanidade!
-
-Como reação ao culto da mulher amante, soberba da sua belleza e da sua
-força, veio o culto, bem mais postiço, da mulher, só porque o acaso a
-fez mãe.
-
-A mulher póde e deve obstar, pelo esforço da sua energica vontade, á
-grande amargura que a espera quando a alminha radiosa do seu filho vai
-fugindo ao convivio do seu pobre espirito inculto para se lhe tornar
-quasi um estranho.
-
-A mulher, na classe a que me tenho referido nestas paginas, pode
-educar-se a si mesma, que não lhe faltam meios para o fazer.
-
-Se o não fizer abdica dos seus direitos, exactamente quando mais
-alegrias compensadoras lhe trariam.
-
-Agora que o homem começa a olhá-la como sua igual e companheira, toda a
-responsabilidade lhe cabe no despreso intimo, embora inconfessado, que
-a sua ignorancia lhe merece.
-
-
-
-
-A MISERIA DO POVO
-
-
-É incontestavel que um certo movimento altruista se propaga pelo
-paiz--secundando, ainda que frouxamente, o que nos outros se faz--em
-favôr dos _pobres_, principalmente da mulher e da criança.
-
-Uma grande revolução se está preparando, e, como todas as grandes
-revoluções que têm transformado as sociedades, começa por revolucionar
-almas, formando um núcleo de espiritos que pelo bem dos outros se
-sacrificam sem esperar pagas nem incentivos de grosseiros interesses.
-
-O mundo antigo, cheio de preconceitos e de injustiças, sente-se
-derruir, sem bases seguras onde se apoiar--esfacela-se lentamente até
-uma derrocada ingloria e completa.
-
-A pouco e pouco, aqui e ali, algumas bôas obras de solidariedade humana
-têm surgido da iniciativa particular, sem que os governos tenham sequer
-suspeitado da sua existencia.
-
-E bom é que assim seja, porque só a iniciativa particular, persistente,
-honesta nos seus processos, sem charlatanismos oficiaes nem interesses
-politicos a desprestigiá-la, póde fazer mais em poucos mezes do que
-cincoenta annos dos embaraçantes processos de todos os governos.
-
-É della que tudo ha a esperar, é da acção especial dos governados
-que confiâmos, pois que dos governantes pouco ou nada póde vir neste
-sentido, nem é justo, verdade seja, que delles se espere tudo, como se
-um povo não fosse mais do que ingenuo e eterno bébé sugando a mamadeira
-que lhe apresenta a criadora.
-
-Tudo esperar do poder central é mostrar que nada podemos
-individualmente, ou que estamos satisfeitos com o pouco que nos
-concedem.
-
-Ora a verdade é que ninguem está satisfeito, porque nunca se viu
-situação mais desoladora, vida mais atropelada e miseravel.
-
-É o nosso paiz aquelle em que mais caro se come, se veste, se viaja,
-e se tem morada; e aquelle em que menos se ganha, salvo pequenas
-excepções, que é facil apontar. De dia para dia os generos de primeira
-necessidade duplicam e triplicam de custo.
-
-Não ha nada, desde o pão até á luz, que se não compre por alto preço;
-nada que não custe ao pobre incomportaveis amarguras e suores.
-
-É por isso que não ha paiz nenhum em que a tisica, a anemia e a
-escrofulose tenham mais lauto banquete.
-
-Fez-se, é certo, uma liga contra a tuberculose, patrocinada pelos
-governos, auxiliada por contribuições obrigatorias na capital,
-reclamada pelas mil tubas sonoras do jornalismo palaciano.
-
-Não houve penna de escriptor, consagrado pelas gazetas, que se não
-puzesse ao serviço da bôa causa; não houve paladino que não quizesse
-descer á liça a romper lanças pelo triumfo da ideia que, partindo
-modesta e util de baixo, serviu depois muito interesse, deu aso a muita
-turiferação.
-
-E no fim de tanto afan, tanto barulho, tanto elogio, o que ganhou de
-positivo e imediato o povo português, na sua grande massa?!
-
---Come porventura mais barato?
-
---Tem casas higienicas, onde se abrigue por módicos preços?
-
---Tem hospitais para todos os seus doentes?
-
---Asilos para todos os seus velhos?
-
---Sanatorios para todos os seus escrofulosos e tisicos?
-
---Escolas para todos os seus filhos?
-
-Nada disso tem, nada disso lhe deram ainda, apesar de tanto que se tem
-apregoado os beneficios duma _liga_, que póde ser simpatica como esmola
-particular e arbitraria duma ou mais pessoas, fazendo pouco porque
-mesquinhos são os seus recursos, mas que se não deve querer fazer
-passar por medida de salvação publica...
-
-Todos reconhecem ser pouco o que se tem feito, tão pouco que se torna
-inutil, para debelar um mal que vem da ruina dum povo e duma sociedade
-sem orientação; dum mal que está no sangue e no espirito e que ameaça
-assoberbar tudo e todos.
-
-São incontaveis os escrofulosos, tisicos, anémicos e depauperados na
-classe pobre. As mulheres definham e morrem como flôres criadas em
-terra magra, sem ar nem luz; as crianças arqueiam os pobres arcaboiços,
-onde mal se desenvolvem pulmões predispostos á receptividade do
-microbio hostil; os homens avelhentam-se e enlividecem, numa aparente
-senilidade aos vinte ou trinta annos. E tudo porquê?!
-
-Porque a vida é terrivelmente cara em Portugal, e a maior parte da
-gente não come o que necessita, vive em verdadeiras possilgas, não é
-preservada devidamente do contagio das molestias que a rodeia, não é
-iniciada nas mais rudimentares regras de higiene, não é educada de modo
-a preferir a alimentação e o conforto das casas ao luxo do trajar e
-demais exteriorisações vistosas.
-
-O caminho a seguir por quem quizesse e pudesse remediar tanto mal, não
-se limitaria a fundar sanatorios onde se gastam muitos contos de reis e
-se abrigam, por empenhos, umas desenas de crianças--umas _predispostas_
-apenas.
-
-Para essas, mesmo, o bem não é grande e, principalmente, não é
-duradoiro. Melhoradas pela higiene, pela alimentação e pelos simples
-remedios reconstituintes, voltam desse conforto e abundancia para a
-antiga e triste miseria das suas casas, tendo por destino a fatal
-renovação da doença, logo que deixe de ser combatida, e será agravada
-com o desespero de se vêrem privadas do bem a que já se haviam
-gostosamente e metodicamente habituado.
-
-O primeiro passo a dar, para melhorar esta situação angustiosa,
-seria:--fazer baratear os generos alimenticios de primeira necessidade;
-estabelecer e auxiliar cooperativas; reduzir os impostos de consumo,
-que incidem principalmente sobre o pobre que compra a retalho, de modo
-a que todos pudessem comer quanto é necessario para alimentar uma vida
-saudavel.
-
-Seria iniciar o sistema de cooperativas edificadoras, tão usado
-lá fóra; auxiliar grandes companhias que se propozessem dar casas
-higienicas e espaçosas por módico preço, aos pobres que não podem
-continuar a viver como hôje vivem em antros infectos e caros.
-
-É mais do que tudo urgente acabar com a exploração dos senhorios que
-exigem por casas pessimas, loucas exorbitancias extorquidas asperamente
-á economia da familia pobre.
-
-Ter o seu lar, a sua casa, onde cada prego representa um esforço de
-vontade e uma consolação de posse; a casa para onde entram os noivos
-com a alma florida de esperanças, onde nascem os filhos e se podem
-abrigar os velhos pais doentes; a casa onde põe todo o seu amôr o
-operario laborioso, que nas horas vagas cultiva no jardim os cravos
-e as rosas singelas, planta as hortaliças e levanta a parreira amiga
-que lhe dá a sombra e o vinho; a casa que a mulher limpa e adorna com
-esmero, porque é a _sua_, a companheira e amiga de todas as horas; a
-_casa familiar_, que deixa de ser uma coisa inanimada e indiferente
-para se tornar no grande sonho abençoado dos que vão para longe, e dos
-que ficam abrigados á sua dôce sombra; é para o trabalhador português
-uma ambição tão desmedida, que poucos a chegam a realisar.
-
-É desta indiferença do povo que não vive _comsigo_ nem se sabe recolher
-ao interior da sua habitação, ao seu lar, tornado o seu pequeno e
-querido universo, que não se identifica com as suas coisas e não lhes
-toma amôr, é deste viver disperso de povo meridional, que vive do ar e
-do sol, e num dia de passeata alegre pelos campos encontra compensação
-para todas as suas miserias; que o senhorio tem abusado elevando
-disfarçadamente, cada semestre um pouco, as rendas--que são hôje um
-verdadeiro crime social.
-
-Se fossem precisos exemplos para afirmar uma coisa que toda a gente
-sabe, Setubal seria, para tudo quanto dizemos, um dos mais flagrantes.
-
-Dotada com um luxuoso sanatorio, nem por isso a doença e a miseria a
-poupam mais.
-
-A grande miseria da população (de vinte e três mil habitantes) é
-composta por operarios, dum e doutro sexo, que trabalham nas fabricas
-de conservas de peixe, de pescadores, e de gente de medianos recursos.
-
-Com a afluencia de trabalhadores de fóra, as moradias têm subido a tal
-preço que uma só familia não tem recursos para as pagar, acumulando-se
-duas e três em antigos predios insalubres, dentro de ruas estreitas e
-nauseabundas, onde mal entram o ar e o sol--os grandes purificadores.
-Ha casas, se tal nome merecem, onde se não póde andar de cabeça
-erguida, sob pena de a partir no tecto, e onde a escuridão é quasi
-absoluta. Casinhotos terreos, ahi pelos suburbios, em que as divisorias
-são feitas com cortinas de chita, e pelos quais um mísero cavador paga
-por mês, _dois mil réis_, isto ganhando--quando ganha--quatrocentos
-réis diarios.
-
-Ha miseraveis velhinhas pedindo pelas portas para pagarem _dez
-tostões_ mensais pelo abrigo duma barraca forrada de folha de flandres
-ferrugenta, despresada pelo fabrico de conservas.
-
-Não ha muitos invernos que numa barraca alugada pelo mesmo preço
-exorbitante a uma familia de pescadores, choveu tanto, em noite
-de temporal, que o marido e a mulher tiveram de abrigar-se sob um
-chapéo de chuva, metendo os filhos debaixo da cama para não ficarem
-completamente encharcados.
-
-Chega a dar vontade de rir, mas do riso que é de lagrimas e de
-amarguradas censuras tecido; o mesmo riso que se nos esboça numa
-lástima vendo uma criança deslocar-se em acrobatices de circo.
-
-Quantas gerações de miseria e servidão produziram a indiferença
-resignada com que se sofre uma existencia de _tais alegrias_
-entrétecida?!
-
-Depois, se numa destas habitações se dá um caso de doença contagiosa,
-vem a policia, a pretexto de desinfeção, rouba aos pobres a sua unica
-cobertura, queima-lhe a unica enxerga, despedaça-lhe a pouca loiça,
-borrifando paredes, sobrados e moveis com sublimado corrosivo!...
-
-Urgente seria organisar a fiscalisação sanitaria, de modo que a
-desinfeção fosse uma coisa séria e prática e não um vexame ou um
-ridiculo como é,--méra providencia policial quando se tóca a rebate
-numa ameaça de epidemia.
-
-O que faz então o pobre, victima destas _providencias_ policiaes? Para
-não ficar mais desnudado do que dantes, arrecada, esconde tudo quanto
-serviu aos doentes, não sabendo--na sua extrema ignorancia e desoladora
-miseria--que arrecada sôfregamente a morte, que não pára nem descança
-de trabalhar nesse fertil campo.
-
-Não seria prático, simples, justo, e até quasi nada dispendioso,
-que nos proprios hospitaes se montassem estufas de desinfeção para
-as roupas de todos os doentes e de todos os que morrem de molestias
-contagiosas; e que a policia se encarregaria de fazer conduzir ali,
-para essas roupas serem reentregues quando já não constituissem um
-perigo para os seus possuidores?!
-
-E se ainda os males fossem só estes! Mas a juntar a tantas desgraças
-que podemos chamar materiaes, ha outras e outras que se prendem de
-perto com as obrigações moraes dos dirigentes e dos educadores.
-
-Ha, por exemplo, quem fiscalise as condições em que se realisa o
-trabalho das mulheres e dos menores? A lei que o regularisa é letra
-morta, e uns e outros trabalham nas peores condições higienicas e em
-todos os tempos e horas, inferiorisando-se fisicamente, deformando e
-afeando cada vez mais a nossa raça, que foi bella e fórte.
-
-A mulher não tem quem a eduque e oriente, quem a ensine a respeitar-se
-e a respeitar em si mesma o futuro dos filhos; e ou não trabalha nada,
-porque o homem a sustenta e veste, ou se sujeita a tudo, desempenha os
-mais penosos serviços, quer livre quer em vesperas de ser mãe.
-
-Filhos nascidos, quem pensou em lhes abrir as créches, as
-escolas-infantis ou maternaes, os asilos-oficinas?... Quem pensou em
-juntar essas mulheres, irmãs na desgraça, para lhes ensinar como,
-agremiadas, se poderiam socorrer e fugir á extrema miseria, á doença
-sem conforto, á fóme dos dias sem-trabalho?
-
-Quem fez sentir aos operarios, a muitos que ganham bastante, mais do
-que qualquer empregado publico, que a sua grande força estaria na
-modestia do viver, no cuidado que puzessem em criar higienicamente e em
-educar os seus filhos?
-
-Quem lhes faz sentir, sem azedume, o ridiculo do luxo que ostentam,
-nas mulheres e nos filhos, imitando as burguêsas que dizem despresar?
-Quem lhes incutiu, com as preocupações mais altas do espirito, o horror
-a essas festas em que a saúde e o dinheiro por igual sofrem um forte
-abalo?
-
-Como quasi todos os portuguêses, não pensam quanto melhor seria
-possuirem a casa onde habitam e nasceram os filhos, que os viu sorrir
-e crescer, que lhes conhece as lagrimas e as alegrias. Quanto seria
-preferivel, á taverna que os envenena e fére toda a sua geração, o
-theatro que educa e diverte, criando uma atmosfera mais pura para
-o espirito. Quanto mais proveitoso lhes seria fundar e frequentar
-bibliothecas, serem emfim os iguais ou superiores aos que hôje imitam,
-não pelo trajar que é vaidade de pouca monta, mas pela educação e pela
-consciencia dos seus direitos e deveres!?
-
-Cigarras imprevidentes e tagarelas, nos dias quentes de bôa féria, quem
-entre nós os póde criticar?
-
-Defeito de educação, defeito endemico na nossa terra, que vem descendo
-do alto, num turbilhão de vaidades insatisfeitas, numa aspiração
-desenfreada de ser mais do que efectivamente se póde ser, pelas
-exteriorisações da vida faustosa, com vestidos ricos, numa inveja que
-faz imitar sempre os que julgam acima, na escala social...
-
-Mais do que uma liga contra a tuberculose, tal como se tem manifestado,
-seria proveitosa á nossa raça devastada pela doença, uma liga contra a
-fóme e contra a ignorancia que tudo obscurece e preverte.
-
-
-
-
-A IGNORANCIA DO POVO
-
-
-Não ha ninguem que não tenha ouvido, pensado, ou dito centenas
-de vezes--que o maior mal do nosso paiz é a ignorancia, que o
-analfabetismo é a causa mais flagrante da nossa decadencia moral.
-
-É realmente a verdade, a triste verdade que nos envergonha e
-inferiorisa aos nossos proprios olhos.
-
-Mas são _sómente_ os governos os grandes responsaveis d'este atraso
-vexatorio do nosso paiz?
-
-Não corresponde o desleixo em que os governantes têm deixado cahir a
-instrução publica, á criminosa indiferença individual dos governados
-por essa instrução geral, que é o orgulho dos paizes cultos?!
-
-Não são os governos que fazem os povos, mas os povos que fazem os
-governos; e estes, forçosamente, hão de promulgar e cumprir as leis
-que a consciencia colectiva e fórte duma sociedade reclama, porque
-correspondem a uma necessidade ou a uma aspiração nitida da alma
-popular.
-
-Assim o prova o pouco mais de interesse que a instrução do povo vae
-despertando entre nós, mercê das reclamações e lamentações que de ha
-poucos annos a esta parte se vem ouvindo, numa propaganda lenta, mas
-fructuosa, de alguns espiritos dedicados.
-
-O governo deve auxiliar a iniciativa individual, deve, por assim dizer,
-sancioná-la e impulsioná-la; mas ser elle sómente o encarregado de nos
-dar todos os progressos e todos os melhoramentos, é inadmissivel para
-espiritos que aspiram a ser livres e desejam uma patria livre.
-
-Nos paizes cultos, sob os governos mais inteligentes e progressivos,
-o que vêmos? A iniciativa particular realisar tudo ou quasi tudo, e os
-governos adoptarem os melhoramentos, auxiliarem-nos, serem como que o
-vigia dos actos individuaes, não o _tutôr_, a _Providencia_, que nós
-pretendemos que seja, por preguiça de pensar e trabalhar.
-
-Depois duma senhora fundar em Paris a _Maternidade_, a instituição que
-mais eleva o espirito altruista do nosso tempo, é que a municipalidade
-resolveu imitá-la, criando por seu turno outra casa similar.
-
-Foi depois de miss Nightingale educar e apresentar as suas enfermeiras
-modelos, livres de todo o espirito de sectarismo e instruidas segundo
-todas as regras da higiene moderna, que o governo inglês as enviou á
-Crimeia, onde déram as suas primeiras e brilhantissimas provas, e as
-adoptou nos seus magnificos hospitaes, onde são exemplo para todo o
-mundo.
-
-Por toda a parte se fundam institutos, se realisam obras de
-solidariedade, protectoras e pedagogicas, que os governos sancionam
-depois, que ajudam a manter e a espalhar, se o resultado corresponde
-aos sacrificios exigidos.
-
-Decretar no papel sem que a prática mostre que a inovação está de
-harmonia com o caracter etnico do povo, corresponde a uma necessidade
-colectiva ou foi precedida duma propaganda inteligente e conscienciosa,
-dá o triste resultado que produzem no nosso paiz as reformas, em geral,
-e a da instrução em particular.
-
-Senão, vejâmos. Como todos sabemos, estão criadas escolas e decretada a
-instrução obrigatoria ha tempo bastante para que a actual geração fosse
-filha, e até neta, de gente sabendo lêr.
-
-E o que sucede?
-
-O numero de analfabetos é enorme, e os que sabem alguma coisa é tão
-pouco, e tão mal aprendido, que mais se póde dizer que igualmente nada
-sabem.
-
-Isto porque o professor é, em geral, uma pessoa que arranja esse oficio
-como podia arranjar outro qualquer, sem vocação, sem comprehensão do
-que seja o ensino e da responsabilidade com que vai arcar, tomando
-sobre si o encargo de iniciar pequenos cerebros obscuros no luminoso
-cultivo intelectual.
-
-É muito grave e delicado o oficio, e não sei de quem o possa tomar de
-ânimo leve, só com mira nos magros proventos.
-
-O verdadeiro professor é o sacerdote das ideias, que levantam e comovem
-hôje a humanidade.
-
-Por elle, a criança deveria ter do estudo a ideia prática e util que
-é a base de toda a educação moderna, mórmente se é dada a pobres, sem
-tempo para perderem em inutilidades e bonitos. Por elle, a criança
-deverá receber uma noção simples, mas geral, de tantissimas descobertas
-com que dia a dia se augmentam os conhecimentos humanos, e saberem a
-maneira de utilisarem pràticamente o que aprenderam.
-
-Mas não sucede assim. Os professores, miseravelmente remunerados como
-são, sem coragem nem iniciativa para luctar, alguns educados por
-processos archaicos, sem uma feição prática e utilitaria no seu método;
-como hão-de ensinar o que não lhes foi ensinado e não podem aprender
-por si, pela carestia da vida, e até pela falta de pequenas bibliotécas
-de vulgarisação e ensino? Por isso elles se não interessam senão por um
-ou outro dos seus discipulos mais inteligentes, que irá a exame e lhe
-dará honra e lucro, se a familia é abastada.
-
-Os outros, a turba-multa, quando o trabalho os reclama para fóra da
-escola, mal sabem soletrar, escrevem a custo os seus pobres nomes
-obscuros, e não chegam a comprehender que vantagem lhes pode advir
-d'esse _favôr_ da _sociedade_.
-
-E estes são ainda os que vão á escola, que a grande maioria,
-principalmente nos campos, nem sequer se incomoda a frequentá-la.
-
-É verdade que ha leis que obrigam os pais a mandar os filhos á escola;
-mas que monta se essa mesma lei exige dos pequenos estudantes o uso
-de sapatos, e os pais, não tendo para comer, dispensam muito bem essa
-exigencia da civilisação?
-
-Fazem-se leis obrigando os pais a mandar os filhos para as escolas; mas
-que importa isso se para aprenderem precisam de comprar livros, que
-são carissimos, e elles não têm que lhes sóbre para pão?
-
-Fazem-se leis obrigando os pais a mandar os filhos á escola; mas como
-poderão estar as crianças umas poucas de horas sem comer, visto que os
-pais lhes não podem dar merenda e cá por fóra sempre vão apanhando _dez
-reisitos_ em troca de pequenos serviços, rebuscando, farejando, pedindo
-como cães vadios, mas comendo afinal?!
-
-Fazem-se leis obrigando os pais a mandar os filhos á escola; mas de que
-serve isso se a escola é de dia como a oficina e a fabrica, e os pobres
-não podem dispensar o trabalho das crianças, já ganhando o seu pequeno
-salario, já ficando em casa com os irmãositos, emquanto as mães vão
-moirejar por fóra?!
-
-Segue-se pois que a criança do povo está condemnada a uma eterna
-penitenciaria de ignorancia, se antes da escola não houver a _créche_,
-não houver o hospital para parturientes, e, antes do hospital, não
-houver a _maternidade_, que é a casa onde a mulher pobre passa com
-descanço salutar os ultimos mêses da gravidez; se, ao lado da escola,
-não houver a oficina escolar, o asilo modelo donde a criança, rapaz
-ou rapariga, sáia preparada para entrar desassombradamente na vida,
-sabendo ganhar a sua subsistencia pelo oficio que escolheu. Da escola,
-assim acompanhada, deverá a criança sahir sabendo lêr, escrever e
-contar, sabendo sobretudo trabalhar metodicamente e com nobre orgulho
-da sua profissão.
-
-Ora é isto o que os governos, só por si, não pódem fazer se os não
-auxiliar a bôa vontade e iniciativa particular, já fazendo propaganda
-entre o povo, já distribuindo livros gratuitamente, fundando escolas
-e bibliotécas, dando premios ás crianças aplicadas, contribuindo para
-tornar a casa de estudo artistica e agradavel, ensinando mesmo os
-professores e fornecendo-lhes maneira de se educarem nobilitando o
-ensino, por assim dizer.
-
-É da iniciativa particular que devem partir as bôas ideias exequiveis,
-que o governo será obrigado a auxiliar e adoptar, quando a opinião
-pública as impônha.
-
-É isto o que é preciso fazer e é isto o que esperâmos vêr realisado
-em breve no nosso paiz. Porque, ao lado de muitos que usam a caridade
-mirabolante como orchidea de fantasticas fórmas para espanto das gentes
-rastejantes, ha lucidos espiritos que fazem o bem pelo bem, como um
-dever, como um simples acto de justiça.
-
-Porque dever, porque justiça, é pensar nos que têm fóme, nós que nunca
-lhe sentimos os tormentos; é pensar nos que são ignorantes porque
-não têm maneira de se educar, nós que nascemos num meio em que nos
-instruimos sem querer; é pensar nos que sofrem vendo os filhos fenecer
-e morrer por falta de alimentação e higiene, nós que podemos criar os
-nossos em melhores condições.
-
-É pensar em todos os que sofrem, sem razão para sofrer,--só porque
-o acaso os faz nascer num pobre albergue em vez de casa rica ou
-remediada--mas não para lhes dar a esmola que deprime e desmoralisa,
-que habitúa o espirito aos favôres do acaso, e que é injusta porque
-obedece ao arbitrio individual, mas para dar sem distinção nem favôr,
-a todos, porque todos o merecem, a educação que enobrece, a luz que
-vivifica, o alimento, o ar, a agua, a casa, a saúde e a alegria emfim,
-a que todo o ser humano tem direito.
-
-Não é o luxo, não é o superfluo, que é forçoso dar, é apenas o
-necessario, apenas o que é justo.
-
-E se todos, principalmente as mulheres, puserem nesta campanha a
-energia do seu querer, a nobrêsa da sua dedicação, temos o direito de
-esperar uma hora breve de mais justiça e de mais alacridade para este
-miseravel povo português, amortecido pela ignorancia e pelo sofrimento.
-
-
-
-
-MULHERES DESNATURADAS, MÃES DESNATURADAS
-
-
-É vulgar encontrar-se na leitura diaria dos jornaes titulos assim
-alarmantes, sob os quais os reporters juntam á pressa meia dusia de
-adjectivos ferozes, na narração detalhada de qualquer crime, ou simples
-tentativa, de infanticidio.
-
-Não ha muito ainda que dois jornaes dos que se dizem mais livres
-encimavam umas vulgares noticias do genero com os titulos que
-reproduzimos.
-
-Numa, era a criada de servir que voltava da terra com o filho
-recem-nascido dentro duma canastra e que o atirára pela janela do
-vagon em que viajava, se um empregado não evitasse o medonho crime.
-
-A outra era um simples caso de engeitamento, por miseria, tambem por
-parte duma criada de servir.
-
-Ora quando jornaes avançados, que se dizem desprendidos da rotina e do
-preconceito, usam para tais casos de tão violentos epítetos, o que não
-dirão os outros, os arbitros triumfantes do convencionalismo burguês,
-os fartos interpretes duma sociedade hipocrita, que nas prégas do seu
-manto de pudicicia abriga crimes mais revoltantes do que os cometidos
-por esses _monstros moraes_ descriptos com tanto asco!?
-
-_Mães desnaturadas_, essas miseraveis, decerto! Mas com quanta desculpa
-a atenuar-lhes a brutalidade do delicto!
-
-E a justiça a que aspirâmos, a justiça nobre e alta que é o objectivo
-supremo do nosso ideal de nova sociedade melhorada e feliz--quanto
-é licito ao homem sê-lo, sem cuidados de sobre-posse nem exigencias
-loucas--a justiça que não se cobre com leis, nem venda os olhos para
-não discernir, não póde castigar todos os casos pela mesma rigorosa
-interpretação dos codigos, não deve julgar sem atender ás determinantes
-e, sobretudo, ao gráu de responsabilidade do delinquente.
-
-Poderemos, acaso, esperar do ignaro e rude trabalhador--que de sol a
-sol tira dos musculos o esforço que produz o pão do seu alimento e o
-dos filhos, e á noite, extenuado e brutificado, adormece pesadamente,
-até que novo sol lhe traga novas canceiras, e alegrias tambem, mas
-rudes e vulgares como a sua alma deseducada--poderemos, repito, exigir
-a esse a mesma visão clara, a mesma responsabilidade moral que deve
-existir no homem culto que no recesso da sua alma pesa e mede os seus
-actos, conhecendo leis, conhecendo direitos e deveres?!
-
-Poderemos chamar a essas mulheres _mães desnaturadas_, porque abandonam
-um filho, que já fôra abandonado pelo pai? Um filho que não seria mais
-do que um tropeço para a sua vida de trabalho; que hôje lhes custaria
-a sustentar com a escassa soldada de criadas de servir e ámanhã
-lhes custaria mais, infinitamente mais, a vestir, a alimentar e a
-educar?!...
-
---Queria matá-lo, sinistramente, arremessando-o á linha a toda a
-velocidade do comboio, por uma noite escura e tragica, como quem alija
-demasiado pêso na lucta de um naufragio, como quem num esforço se
-alevanta e sacode dos hombros um fardo com que não póde...
-
-E não era esta exactamente a verdade? Quem ensinou a essas mulheres de
-vinte annos, abandonadas á propria sorte, pontapeadas pela sociedade,
-enganadas pelos homens, servindo quem as despresa e maldiz, só
-toleradas porque são uteis--bestas de carga para criarem e servirem os
-filhos alheios--quem lhes ensinou a ser mães?
-
-Quem lhes ensinou sequer a ser mulheres, na acepção nobre e alta da
-palavra, e não tão sómente a femea brutalisada e despresada pelo homem,
-quando o saciamento matou o desejo carnal?
-
-Quem lhes disse que o fructo que de seus efémeros amôres lhes ficou nas
-entranhas é um ente crédor a todo o seu respeito--já não digo ao seu
-afecto, que se não póde obrigar--de que são apenas as depositarias e
-sobre o qual não têm direito de vida ou de morte, embora da sua propria
-vida se alimente?!
-
-Quem lho terá ensinado?
-
-A lei, mandando-as depois do crime feito para um presidio ou para uma
-penitenciaria? Não, porque a lei não ensina os ignorantes, vinga nos
-culpados os sentimentos conservadores da sociedade que a fabricou.
-
-A lei, cahindo rígida e inexoravel sobre a cabeça de um condemnado, que
-lhe não conhece o alcance, não converte um criminoso, cria um hipocrita
-ou um revoltado.
-
-Quem ensinou essas desgraçadas que hôje choram no segredo do
-aljube,--não de remorso, que não podem sentir, mas de pavôr--que era um
-crime menor aos olhos da sociedade, que só cura de aparencias, em vez
-de abandonar ou matar um filho nascido, tê-lo desfeito misteriosamente,
-quando ainda mergulhado na noite da sua vida uterina, mas com tanto
-direito á luz e á existencia consciente como depois de nascido?!
-
-É de presumir que tenham tentado primeiro esse crime como tantas que
-se vêem a braços com uma situação tão absurda e condemnada, quanto é
-vulgar e desculpavel.
-
-Alguem lhes incutiu na consciencia essas simples noções de sã moral?
-
-Certamente ninguem em tal pensou.
-
-E se o que ellas praticaram, ou tentaram praticar, é um crime
-abominavel, o outro não o é menos. A diferença está em que um é
-conhecido, impõe-se pela brutalidade do facto; o outro é ignorado, não
-se prova facilmente e é praticado a sangue frio por muitas mulheres que
-se dizem honestas e para as quais a sociedade não ajunta pedras com que
-as lapíde, nem escancara aljubes onde as sepulte.
-
---São peores do que as féras--dizem os moralistas que se não pejarão,
-talvez, de deixar outras mulheres na mesma situação embaraçosa--porque
-todas as femeas têm o instincto da maternidade e todas, em geral, se
-sacrificam pelos filhos.
-
-Opinião já feita e que não representa mais do que uma vulgar figura de
-rétorica, que a sciencia desmente a cada passo.
-
-O instincto não é igual em todos os seres, pois os mais infimos na
-escala zoologica como os mais superiores individualisam-se no seu modo
-de sentir.
-
-Se ha caracteristicos proprios a uma certa raça, entre essa mesmo
-salientam-se individuos cujas qualidades e defeitos são uma negação de
-todas as regras.
-
-É certo que o instincto da maternidade é um caracteristico de todas as
-femeas, e, no emtanto, ha muitas, entre os animaes, que matam e até
-comem os filhos.
-
-Ha mulheres que fazem pelos filhos os mais inacreditaveis sacrificios,
-tudo lhes dando, tudo achando pouco para elles; como o pelicano,
-arrancam de si proprias as pennas com que lhes afôfam a existencia. São
-as instinctivamente mães aquellas que se deixariam matar antes do que
-vêr maltratar um filho. A javarda ama tanto as suas crias, que persegue
-até á morte o caçador atrevido que lhe rouba um bacorinho da ninhada;
-e, no emtanto, algumas ha que os comem, quando a próvida natureza lhes
-deu mais do que podem aleitar.
-
-Estas tambem obedecem ao seu instincto, forçando a lei que nos dá,
-naturalmente, a seleção da especie.
-
-E o que é o homem sem educação mais do que um animal de instinctos
-baixos, dotado de faculdades imitadoras para simular os gestos e a voz
-dos outros homens?!
-
-A superioridade do ser humano não consiste em andar com a espinha
-direita e em poder erguer a cabeça para a luz, não! A sua superioridade
-está em comprehender a justiça e ter a consciencia do bem, coisas que
-sómente a educação póde incutir no espirito dos que não têm comsigo a
-bondade instinctiva dos doceis.
-
-Condemnar sem defêsa nem atenuantes a mulher desprovída de recursos,
-exposta ao escarneo e ignominia da sociedade, quando abandona ou mata
-um filho, é impiedoso.
-
-Se fosse uma criatura heroica poderia reparar o que se convencionou
-chamar _falta_, tirando do seu trabalho, miseravelmente pago, a
-sustentação do filho. Mas não é heroi quem o quer ser, e o egoismo
-individual é por vezes tão imperioso, que a criatura se ergue num
-desespero bruto de féra que quer viver, despedaçando tudo quanto lhe
-embaraça os movimentos e lhe pêa a satisfação das suas necessidades
-materiaes.
-
-Sentimentos, afectos, inteligencia, tudo se obscurece e oblitéra
-perante as exigencias materiais da vida, que a sociedade, á força de
-querer melhorar, transformou em lucta sangrenta em que sucumbe a maior
-parte.
-
---É preciso castigar--dizem ainda os moralistas, na velha teoria
-inquisitorial e barbara--é preciso dar o exemplo, atemorisar...
-
-Mas, para quê, perguntâmos?!... Se o acto criminoso depende da tára
-fisiologica que dispõe determinada criatura á loucura do crime, como
-tornar um doente responsavel pelo seu mal?
-
-Se o delicto fôr determinado ocasionalmente, pelas condições especiais
-da existencia, o mal tem remedio, e deve remediar-se, acabando com os
-factôres que concorrem na sociedade para que tantas desgraçadas sofram
-o que essas pobres estão sofrendo agora.
-
-Conheci uma criatura que, estando a servir, lançou um filho
-recemnascido numa cloaca, como quem, enojado, deita fóra um trapo
-imundo. O que a não impedia de que fosse uma pobre criatura humilde
-e inofensiva, e de ser para os outros filhos, senão uma bôa mãe no
-sentido completo da palavra--o que a ignorancia e a pouca inteligencia
-lhe não permitiam--pelo menos amoravel e dedicada, sacrificando-se para
-os alimentar e vestir.
-
-O que determinou essa mulher a cometer tão repugnante crime? A
-circunstancia ocasional de estar bem numa casa donde não queria sahir e
-da qual seria fatalmente expulsa, conhecido que fosse o seu estado.
-
-O instincto maternal existe, certamente, mas a miseria umas vezes,
-outras a educação, o egoismo e as exigencias brutais da vida, têm-no
-obliterado em grande parte das almas femininas. Como se explicaria por
-outro módo o horror ao filho, que existe, que é flagrante, em quasi
-todas as mulheres casadas?!
-
-A alegria com que muitas proclamam não terem filhos que lhes dificultem
-e atropelem a existencia, estarem assim socegadas nos seus lares sem
-crianças, é uma bem clara próva. A indiferença com que a mulher pobre
-vê _ir para o céo_ o filho que a sua incuria, quasi sempre, mata, é bem
-conhecida dos medicos para precisar ser mais frisada.
-
-E isto não é um mal dos nossos dias nem da nossa sociedade, é hôje como
-hontem, como será sempre.
-
-Á proporção que o individuo se civilisa, isto é: tem a noção mais
-clara do bem-estar que lhe póde advir não se sobrecarregando com
-responsabilidades, que nem sempre tem a certeza de cumprir, começa o
-horror ao casamento e consequentemente aos filhos que o embaraçam.
-
-Isto que nos parece um facto peculiar dos nossos dias, e tanto
-sobresalta a França, já se deu na Grecia, já se deu em Roma, com maior
-intensidade ainda, não obstante todas as leis e costumes que compeliam
-o homem a constituir familia e a dar filhos á republica.
-
-Apesar de tudo, o horror ao casamento manifestava-se, principalmente
-nas mulheres, que fugiam, pelo celibato, aos encargos da maternidade e
-ao captiveiro do lar.
-
-Depois, se chamarmos a essas mulheres, que a ignorancia e a miseria
-desculpam, _mães desnaturadas_, que palavras achariamos no dicionario
-para as ricas e ociosas, que ao nascerem os seus filhos os atiram para
-os braços duma ama, que depois os entregam aos cuidados problematicos
-das criadas de acaso, e mais tarde os afastam do lar e do conchêgo da
-familia, como espúrios, para a solidão moral do collegio; não para que
-estudem e se habituem cedo ao trabalho, mas para que as não incomodem
-com suas traquinices e turbulencias, nem as envelheçam aos olhos dos
-estranhos?!
-
-Essas não os matam, porque a carnicería do acto repugnaria aos
-seus nervos susceptiveis e seria tão repulsivo, para os seus finos
-dedos scintilantes de joias, como matar uma galinha ou estripar
-um coelho, coisas no emtanto que as suas cosinheiras fazem com a
-maior indiferença. Alem disso, não lhes faz mingua o dinheiro para
-os alimentar e vestir, e mais tarde--passada a idade do garridismo
-pessoal--é um gosto continuar a figurar por elles e com elles.
-
-Pobres filhos, os destas mães!...
-
-Para as outras reclamariamos, em vez de cadeias, oficinas e casas
-honestas que as recolhessem com piedade, e as ensinassem com desvelo
-a amar os filhos que a sociedade tem todo o interesse em recolher e
-educar para a alegria de viver e de ser util, porque na terra não ha
-muito quem o seja e menos quem o saiba ser.
-
-E esses pequeninos seres, que tanto pesam hôje ás pobres mães sem
-marido que lhes ajude a criar e educar, não arrastariam pela vida fóra
-a vergonha de não ter nome de pai, antes fariam recahir sobre o covarde
-que fugiu á responsabilidade dos seus actos todo o despreso das almas
-honestas.
-
-Então, a sociedade, melhor orientada, não terá tanto despreso pela
-mulher iludida e atraiçoada no seu amôr, que a miseria e ignorancia
-tanta vez desculpa, como pela calculista maliciosa que procura o
-casamento como emprego, como posição, que a livre de situações
-equivocas, legalisando-lhe todos os desvarios.
-
-
-
-
-A PROPOSITO DUMA GRÉVE[4]
-
-
-Não obstante a quasi geral indiferença da mulher do nosso paiz pelas
-questões sociaes e de intelectualidade, tenho ainda confiança na
-alma feminina, tenho ainda esperança de que em breve, envergonhadas
-de tantos annos gastos em futilidades, voltarão a ser as dignas
-descendentes dessas mulheres portuguêsas, que fôram, entre as
-mais damas das côrtes brilhantes da Renascença, das mais cultas e
-espirituosas, aliando ás graças de espiritos educados a nobrêsa e a
-energia de verdadeiras patriotas.
-
-Escrevo hôje para denunciar, aos seus corações de mulheres e de mães,
-uma dôr que não roça pela epopeia, mas que na sua humildade é talvez
-mais aguda, que na rasteira obscuridade em que se gerou e cresce é
-talvez mais amarga para as almas criadas, como as nossas, para a
-alegria e para o amôr.
-
-É adentro das nossas fronteiras, como quem diz em nossas casas, neste
-lindo paiz que nos viu nascer, debaixo da caricia dulcida deste sol que
-nos agasalha e alegra, que essa miseria subsiste:--mulheres e crianças
-que se extenuam trabalhando, e não ganham, com o seu trabalho, o quanto
-lhe baste para matarem a fome.
-
-Sabemos nós todas, as mulheres:--que não pertencemos á galeria das
-privilegiadas, que dispensam, por abundancia de meios, conhecer e
-discutir o orçamento das suas casas--quanto se gasta em nossos lares
-modestos, comendo sem intemperança, vestindo sem luxo.
-
-Pensemos, pois, o que seja trabalhar uma semana inteira e chegado o
-sabado encontrar entre os dedos, que o trabalho violento deformou,
-meia duzia de vintens que mal chegam para um dia de fome.
-
-É costume dizer-se para acalmar sensibilidades em sobresalto, que os
-pobres, habituados a comer mal, não fazem com isso sacrificio.
-
-Certamente que uma mulher rude dos campos, de pequenina acostumada
-ao seu caldo de couves e ao feijão, com pão grosseiro por conducto,
-um bocado de porco pelas festas do anno e galinha quando ha doença,
-passará admiravelmente sem _fois-gras_, _ragouts_, _mayonaise_,
-_vol-au-vent_ e toda a algaravía saborosa e complicada da comida
-francêsa, indispensavel a paladares aguçados por estimulantes, a
-estomagos gastos e que jámais se encheram com verdadeira fome.
-
-Concordo em que uma dessas solidas camponezas felizes, que do amânho
-das suas terras tira o pão caseiro que seus rijos braços fabricaram
-numa nuvem de poeira e por suas mãos foi na pá atirado ao forno
-aquecido; que do leite das suas cabras tira o queijo salgado, que é um
-mimo para os seus paladares deseducados; que das suas oliveiras tira a
-azeitona, que sabe curtir para a fartura do anno; concordo em que esta
-mulher se riria desrespeitosamente se á sua merenda chamassem lanche
-e em vez destas simples iguarias comidas á mão, lhe apresentassem um
-prato de porcelana fina com _brioches_ e um bule de perfumoso chá.
-
-Talvez deitasse o liquido fóra cuidando que devia comer as folhas, e
-levasse os bolos para o folar das crianças.
-
-Mas o que é cérto é que bem poucos têm essa abundancia, e que a
-maioria, principalmente aquellas que a industria apanhou na sua febril
-engrenagem e na oscilação das suas altas e baixas de trabalho; não têm
-esse bocado de pão grosseiro, nem esse saboroso queijo salgado...
-
-Não comer manjares poderá ser justo, mas passar sem comer é intoleravel.
-
-Ninguem se habitúa á desgraça e á dôr; ha no organismo humano uma
-revolta ináta ao sofrimento, que nos faz chorar e estrebuchar a cada
-nóva vergastada do destino.
-
-Existem criaturas resignadas e passivas, seres embrutecidos pela
-miseria ou fracos por temperamento e nos quais a revolta não explúe;
-mas condensada em lagrimas ella hade surgir um dia, quando os famintos,
-os miseraveis, os despresados de todos os tempos, vierem reclamar o seu
-quinhão de felicidade e de fartura.
-
-Ninguem se habitúa á dôr, ninguem!, dígo-vo-lo eu, que tenho olhado com
-mais curiosa piedade para os que em baixo sofrem e maldizem a vida,
-do que tenho invejado e admirado os que em cima cantam a sua gloria e
-triunfo.
-
-Pois bem, para debelar ou minorar o mal de que sofremos todos, os
-filhos duma sociedade que vive num perpetuo desequilibrio de elementos
-economicos e moraes, a missão da mulher, irmanada ao homem, libertada
-pela inteligencia, pelo trabalho e pela educação, é bem clara! O dever
-impõe-se-lhe de maneira indiscutivel e manda-a entrar resolutamente em
-acção.
-
-Passaram, de todo, os tempos cavalheirescos. Presentemente ninguem se
-lembraria de nos exigir que arrancassemos das panoplias as espadas
-dos antepassados para armarmos os nossos filhos e mandá-los vencer
-qualquer sóba indisciplinado e bravío...
-
-O perigo não será menor nas luctas que hôje sustentam os nossos
-soldados; a porção de coragem necessaria para tais campanhas, nos
-longinquos sertões ultramarinos, será a mesma ou mais talvez; mas a
-guerra deixou de ter para nós o mesmo sentido moral porque deixou de
-ter o imprevisto de duelo, em que era factor importante o valôr e a
-força individual, para ser uma carnificina de que são executores certos
-os que melhores e mais numerosas armas apresentarem, os que disposerem
-de mais conhecimentos e de mais dinheiro, tal como no comercio.
-
-Quando as nações se degladiam hôje, escusâmos de esperar milagres
-e prodigios dos homens; os mais fracos serão fatalmente esmagados,
-embora com elles esteja a simpathia das almas enthusiastas, como
-aconteceu á desgraçada Polonia, á França enfraquecida pelo Imperio, á
-Grecia atolada na ultima decadencia, e ao Transvaal apesar do epopaico
-heroismo dos seus filhos. Embora como a Hespanha espere muito do
-orgulho e valentia dos seus soldados; como a China confie na incontavel
-multidão dos seus habitantes, ou como a Russia se iluda com a força
-ficticia do seu colossal territorio, povoado de analfabetos e de
-revoltados.
-
-Tudo mudou com o tempo--ideias, costumes, maneiras de vêr e de
-proceder. O que aos nossos olhos parece hôje rasoavel e justo, seria
-aos olhos de nossos avós o mais absurdo dos atentados ao senso comum, o
-mais completo despreso pelas leis e convenções sociaes.
-
-E, como tudo mais, a missão da mulher mudou tambem. Já não é de
-passividades e resignações como dantes! Da espectadora indiferente
-passou a ser figurante; entrou definitivamente na lucta--no trabalho de
-preparar a alegria e o socego do dia de ámanhã.
-
-Não admira que assim seja porque, quando os campos de batalha são a
-propria sociedade em que vivemos e as armas são as ideias, a mulher tem
-o direito, mais, tem o dever de entrar na lide, e, ao lado do oprimido,
-do fraco, pugnar pela felicidade ou pela menor desgraça dos que sofrem.
-
-No caso especialissimo que me impulsiona agora, ainda mais justa é a
-nossa intervenção, por isso que são mulheres as que sofrem e reclamam
-uma migalha para a sua fome.
-
-No direito de solidariedade que nos assiste temos o dever de pensar em
-que ha centenas de familias sem trabalho e que para essa terra socegada
-e pitoresca nas abas da Estrella se mandam soldados quando se pede pão,
-se responde com ameaças quando se desespera com fome.
-
-Sem lume, sem fato, sem dinheiro, como se anuncia prenhe de desesperos
-e luctas para esses miseraveis que não pedem esmola e sim maior paga ao
-seu trabalho, o inverno que se aproxima cantando a tragedia das suas
-dôres, nas ventanias que destelham casebres e arrancam arvores, nas
-chuvas que se despenham em torrentes engrossando os rios que regorgitam
-em cheias devastadoras, levando as sementeiras e trazendo a agonia nas
-dobras da sua mortalha de neve...
-
-Não nos importa saber se é exequivel a pretensão desses operarios
-que usam do seu direito da gréve para discutir com os patrões como
-combatentes legais, sofrendo heroicamente dias e semanas de fome, para
-obter um pequeno augmento, que já lhes parece fortunoso.
-
-Não nos importa tambem saber se é atendivel a defesa dos fabricantes
-de panos baratos, que dizem pagar miseravelmente aos operarios porque
-miseraveis são os seus ganhos.
-
-Não discutimos nem julgâmos--que não nos compete fazê-lo--mas ainda
-menos duvidar da convicção e da justiça dum povo que se resigna a
-luctar tendo por armas a fome e o proprio sacrificio, unicas que lhes
-deixamos nas mãos.
-
-O que simplesmente nos interessa é a questão feminina, que este
-incidente põe a descoberto. Foi pelo pequeno salario da operaria que
-a gréve se originou, é para obter uns miseros reais para ellas que
-todos os proletarios de Gouveia sustentam uma lucta heroica, porque é
-heroismo, e até loucura, entrar numa gréve sem _bolsas de trabalho_,
-sem _caixas de reserva_, sem meio algum de lucta e de resistencia.
-
-Não terão razão, essas pobres criaturas ás quais se exige umas
-poucas de horas de trabalho, e ás quais se dá em troca sessenta reis
-por dia?!... Talvez, mas pensemos em que são como nós mulheres,
-que pertencem, como nós, a um sexo que os homens chamam fraco e ao
-qual cercearam todos os meios de ganhar a vida--desde a falta de
-trabalho até á miseria da paga--excepto um que as inferiorisa e torna
-despresiveis aos seus proprios olhos!...
-
-É pois dever nosso, daquellas a quem a educação deu um criterio mais
-elevado, pensar nessa multidão de desgraçadas que a miseria e a
-ignorancia predispõem para o crime e que, não tendo familia nem homem
-que as sustente legalmente, por força hão-de procurar no erro o que o
-trabalho e a honestidade lhes não garante.
-
-Emquanto individuos da nossa especie se rebaixarem tanto,
-inferiorisâmo-nos tambem reflexivamente, porque a mulher não será
-completamente liberta emquanto houver desgraçadas que se prostituam por
-miseria.
-
-Outras, as que têm marido, e serão por certo a maior parte dessas
-operarias, precisam de auxiliar a familia com o seu trabalho, porque é
-pequeno o ganho do homem para as necessidades da familia.
-
-Pensemos nesta desgraça a remediar e se houver alguma dentre nós que
-encolha os hombros com indiferença, por _superior_ e de diferenciação
-de sangue que se julgue; se houver coração de mãe, que se não confranja
-pensando em suas filhas; espirito tão privilegiadamente temperado
-que ouse escarnecer de tamanha desgraça; essas que me não leiam
-nem atendam, porque não é a ellas que me dirijo, mas tão sómente
-áquelas cujo espirito e cujo coração as superiorisa e faz elementos
-civilisadores na sociedade.
-
-É urgente que essas entrem na lucta gigantesca contra a fome, a miseria
-e a ignorancia das suas irmãs, mas não na lucta de guerrilhas e
-surprêsas que por ahi vamos vendo, ora obedecendo á bondade individual
-de uns, ora ao capricho da móda, ora ao desejo de ter o seu nome
-reclamado.
-
-O que primeiro ha a fazer é a junção de todas as vontades e de todos os
-esforços para um fim unico e comum.
-
-É urgente, sobre tudo, reclamar uma ou mais créches para cada terra
-onde a mulher tenha que trabalhar fóra de casa, deixando os filhos
-pela rua, ou fechados e sujeitos a mil eventualidades, entregues a quem
-dessa maneira explora a miseria das mães.
-
-_Créches_ que não sejam filhas da caridade, nem entregues a ignorantes,
-sujeitas a vaidades e caprichos, ás altas e baixas do fluctuante
-coração humano, mas _créches_ ordenadas por lei, obrigatorias a todas
-as terras industriaes, sujeitas a inspecção rigorosa, com rendimento
-tirado da propria industria que emprega a mulher. Em França ha uma lei
-que obriga todas as industrias que empregam mais de vinte mulheres a
-ter uma créche para as suas operarias entregarem os filhos durante
-as horas de trabalho; em Portugal nada temos que se compare com
-isso; os governos não fizeram ainda as leis e os governados não lhes
-comprehenderiam o alcance.
-
-Depois da _créche_, que é a mais necessaria das instituições numa
-população operaria, deve seguir-se a escola maternal, onde a criancita,
-que já não é admitida na primeira, se conserva até aos seis annos, em
-que entrará para a escola gratuita, com livros de graça, oficinas e
-professores que saibam ensinar pobres seres que nas familias não têm
-quem os norteie no caminho do estudo e do dever.
-
-A criança apanhada nesta verdadeira engrenagem social, deixará de ser
-o vadio, o atrevido garoto que povôa as ruas das cidades operarias,
-para se tornar uma pequena criatura que se prepara com serenidade para
-a travessia dolorosa da existencia, com as suas lagrimas e as suas
-alegrias compensadoras.
-
-Que a mulher possa contar com a _maternidade_, a casa onde passe
-descançada o ultimo e custoso periodo da gravidez, para dali seguir
-para o hospital onde a esperam os cuidados prescriptos pela higiene e o
-conforto que em casa lhe não seria facil obter.
-
-Emfim, ha tudo a fazer neste sentido, desde a escola de criadas e dônas
-de casa, até á caixa economica, obrigatorias para as mulheres, que
-assim teriam, em caso de gréve, doença, ou falta de trabalho, com que
-resistir algum tempo á fome.
-
-Ha pessôas que imaginam tudo resolver pelo estardalhaço festivo da
-chamada _caridade_, e o que é certo é que a caridade é muitas vezes uma
-exploração e quasi sempre um meio impotente para defrontar a desgraça,
-sempre maior do que a generosidade individual.
-
-Seja pois o esforço colectivo, cumprido como um dever, a base da nossa
-lucta contra a miseria, e alguma coisa bôa e profícua, estou certa, se
-conseguirá.
-
-Ás mulheres compete conjurar o perigo que ameaça a sociedade de hôje,
-remediando quanto possivel as suas injustiças. Á mulher culta e sciente
-da sua nobre missão cabe o primeiro logar na empresa de cuidar um pouco
-no futuro do paiz e na melhoría social, acumulando para o porvir a
-maior soma de alegrias na maior soma de deveres cumpridos.
-
-E o nosso dever é--parece-me bem--ouvir as queixas de todos os
-infelizes, principalmente das mulheres e das crianças, que são ainda
-hoje as maiores victimas da sociedade.
-
-
-
-
-A MULHER EM PORTUGAL
-
-
-I
-
-A MULHER E O CASAMENTO
-
- _...Instruir a mulher, dar-lhe ao
- nosso lado o seu verdadeiro logar de
- igual e de companheira, porque só
- a mulher libertada póde libertar o
- homem._
-
- ÉMILE ZOLA.
-
-Como companheira do homem e educadora dos seus filhos, a mulher é o
-factor mais importante para a reorganisação completa da sociedade.
-
-Ora a mulher, entre nós, como toda a criatura sem educação, é
-retrógrada e timorata, influindo com os seus pavôres e ideias velhas
-no espirito das gerações, que assim se tornam, sem dar por isso,
-cobardes para as rasgadas iniciativas do futuro, prêsas ao passado
-pelo sentimento do mêdo que lhes incutiram, com o leite, as crendices
-maternas.
-
-É o sentimento que nos fere em toda a nossa geração, neste culto
-fetichista que não temos, mas fingimos, pelo passado, e que, em vez
-de nos ser lição, se torna em obsessão. Não se respeita um monumento
-que se não comprehende; não se póde vangloriar a alma por actos que
-já não entende; mas nos ultimos tempos começou a ser móda falar do
-passado, das nossas glorias, dos nossos feitos; e esta gente, que não
-vê vantagem nenhuma positiva para as suas necessidades de hôje nesses
-feitos heroicos dos nossos antepassados, acha cómodo pendurar ao peito
-a _venera honrosa de povo historico_ e apresentar-se com ella no
-_grande concerto das nações_...
-
-Os nossos rapazes de agora nascem velhos, ponderados e graves como
-conselheiros de estado. Não é preciso reprimi-los em seus ardôres e
-alegrias de rubra mocidade; elles reprimem os velhos e comentam com
-_acerto_, quando lhes contam as revoltas e independencias dos moços de
-outróra--que hôje os tempos são outros...
-
-E é a mulher, permitam-me que tenha esta triste vaidade, a culpada
-deste estado deprimente do espirito juvenil, mas a culpada
-inconsciente, porque a maior culpa recái sobre o homem que assim a tem
-querido para sua esposa e para mãe dos seus filhos.
-
-É um grande principio educativo procurar no passado ensinamentos e
-estimulos para o futuro, mas é tristemente depressivo para o espirito
-esta obsessão do que fômos, martelando na alma das crianças como dobre
-a finados...
-
---Isto não é o que fazem os povos mais adiantados e mais cultos; não é
-o que convem á sociedade de hôje; mas é o que faziam os nossos avós, o
-que acreditavam os nossos antepassados...
-
-E nestas crenças nos amortalhâmos, e nellas morreremos, se não
-sacudirmos esta letargía da alma, se não higienisarmos moralmente a
-educação da mãe, que hade educar a criança.
-
-A mulher da nossa raça é naturalmente bôa e inteligente, mas em geral é
-profundamente ignorante e duma convicta preguiça para entrar na lucta
-pela vida, motivo porque se tem deixado ficar na rectaguarda de todas
-as dos mais povos de civilisação similar.
-
-Ha quem afirme, e tenha isso como consolação, que a hespanhola é muito
-mais futil e vaidosa, muito mais ignorante e inutil. Não temos dados
-para estabelecer o confronto, mas o que é certo é que nada nos devem
-consolar tais opiniões. Se são verdadeiras, pesa-nos que haja um paiz
-na Europa no qual a mulher, ainda mais do que no nosso, se esqueça de
-que deve ser a companheira e auxiliar do homem, sua igual e sua amiga.
-Se são mentiras, não nos lisonjeia o engano.
-
-O homem português, por bondade, por indiferença, e tambem por esta
-_sublime_ inconsciencia, que fez de nós um povo de conquistadores
-sem vantagens práticas nas suas conquistas, não incita a mulher a
-trabalhar, nem procura no seu labôr o auxilio que lhe seria licito
-esperar, quando as necessidades crescem, dia a dia, assustadôramente,
-encarecendo a vida sem proporcional augmento nos ganhos.
-
-Tambem a não hostilisa francamente, é verdade... embora pela educação,
-e talvez por hereditariedade, seja ferozmente arreigado a velhos
-preconceitos, muito desconfiado e temendo o ridiculo das inovações;
-nunca a mulher do nosso paiz, que quiz estudar e trabalhar, encontrou
-no homem séria oposição.
-
-Desconhecemos as luctas violentas que lá fóra tornaram a questão
-feminista uma verdadeira guerra, com adeptos apaixonados em ambos os
-campos, e até com sacrificios e com mártires.
-
-A nossa mulher, essencialmente passiva, sem ambições que vão alem da
-satisfação que as pequenas vaidades do luxo trazem, não aspira senão ao
-casamento, para elle se cria e engalana, nelle põe a unica esperança do
-seu futuro.
-
-Não é o casamento, segundo a natureza, pela necessidade fisica de
-amar e ser amada; não é o casamento superior de dois espiritos que se
-comprehendem e juntos podem viver felizes, fisica e intelectualmente
-ligados; não é mesmo o casamento comercial--chamemos-lhe assim--em
-que duas fortunas ou dois nomes se ligam pelo interesse monetario,
-formando para o futuro uma só firma... O casamento português é, na
-maioria dos casos, pura e simplesmente uma _arrumação_ para a mulher, o
-amparo, como que o asílo, para a pobre invalida, incapaz de ganhar pelo
-trabalho a subsistencia e o conforto.
-
-Dado que se não realise o almejado casamento, embora para isso se
-tenham procurado todos os meios, ei-la uma criatura sem posição,
-infeliz, arrastando uma existencia miseravel, se tem de trabalhar para
-viver, com as aptidões quasi nulas com que a educação a preparou.
-
-Se não sabe trabalhar, ou tem familia que se envergonha desse trabalho,
-torna-se um fardo pesado e aborrecido, cheia de resentimentos e
-amargurosas censuras á vida, invejosa da felicidade alheia, um elemento
-de discordia na sociedade.
-
-Ainda algumas vezes é victima de todos os egoismos, tornando-se a
-criada dos proprios seus, curtindo despresos e vexames de toda a ordem,
-de grandes e pequenos.
-
-Só quando rica, o quadro se torna risonho; mas não é dos raros felizes
-que se trata quando se fala em generalidades. Alêm disso, as raparigas
-com dote raro _ficam para tias_, porque o assédio é de tal maneira
-apertado que o triumfo heroico do casamento não se faz esperar.
-
-Falando pois na mulher sem fortuna, repetimos:--a sua educação não a
-torna superior pela inteligencia cultivada, nem apta a ser independente
-pelo proprio trabalho. Alêm da educação, é a preguiça que a
-conserva--mais do que as leis e a vontade dos homens--na mais completa
-dependencia.
-
-Quantas vezes os pais, que querem dar uma educação prática ás filhas,
-não têm que desistir do seu proposito, vendo nellas só pendôr para
-festas, namoricos e futilidades, apoiadas pela mãe que conserva
-da missão do seu sexo as ideias mais amesquinhadoras da dignidade
-feminil?...
-
-Só por excepção se dará o caso duma mulher do nosso paiz querer estudar
-e ter, para o fazer, de luctar com grandes oposições.
-
-Nem o codigo o permitiria, porque as nossas leis, apesar de más e
-discutiveis, como todas as leis, são melhores do que as de outros
-paizes mais cultos, como teremos ocasião de o mostrar e provar.
-
-Tratando a questão, sobre todas urgente, do trabalho da mulher, não
-nos referimos, é claro, á mulher do povo. Essa é no nosso paiz, como
-em todos, laboriosa e util; nem que quizesse poderia deixar de o ser,
-porque a familia reclama o auxilio do seu braço e os cuidados da sua
-atenção. No povo trabalha sempre, e muito, e só excepcionalmente
-é ociosa, porque a necessidade e a lucta pela vida são poderosos
-_incentivos_ para azorragarem os pobres. É só no povo que encontrâmos,
-entrando como valôr dotal, as aptidões de trabalho da noiva.
-
-Quando um homem da classe média pensa no casamento, ou, mesmo que não
-tenha pensado, se resolve a fazê-lo porque lhe agradou um rostosinho
-pálido que assomára a uma janella, _ou pegou o namôro_ encetado _por
-brincadeira_, não tem como o homem do povo a frase consoladora que vale
-por um dote:--é uma mulher de trabalho.
-
-No nosso paiz, como em todos os outros, a mulher do povo trabalha sem
-reparar se os serviços são ou não proprios do seu sexo, mas deixando
-que os outros olhem... para darem menor salario.
-
-Não é pois a essa que precisâmos recomendar o trabalho como fonte
-de todas as alegrias e licita liberdade! Estudaremos, sim, em outra
-ocasião, as condições desgraçadas em que é feito, mas não neste
-capitulo dedicado á classe média, onde a educação é menos util e
-menos prática, e onde, pelo contrario, deveria ser mais cuidada e bem
-dirigida para um fim de segurança futura.
-
-Já o temos dito varias vezes, mas não é demais, repeti-lo,--que é nos
-outros paizes a mulher da burguezia aquella que mais e melhor procura
-educar-se.
-
-Isto porque a civilisação, tornando a vida cada vez mais cara e mais
-exigente, já fez lá o que não tardará a fazer entre nós. A mulher
-inhabil e pobre não casa.
-
-Por egoismo e maldade do homem?!
-
-Não nos atrevemos a condemná-lo.
-
-O seu egoismo é filho da necessidade, que faz pensar com horror nos
-encargos duma familia nas circumstancias em que a sociedade coloca hôje
-o individuo.
-
-Não espere a mulher portuguêsa que sejam os homens que a empurrem para
-o futuro e para a independencia pelo trabalho, porque isso será a
-confissão tacita da sua incapacidade e preguiça.
-
-Antes que chegue a hora em que o homem--até hôje bastante sentimental
-e imprevidente para o triste dia de ámanhã de todos os casamentos
-pobres--ache que as alegrias dum noivado não valem os encargos, cada
-vez mais pesados, de um lar, e procure no celibato a emancipação, é que
-a mulher se deve precaver, preparando-se para esse proximo dia em que
-só terá de contar comsigo.
-
-Isto que ainda nos parece uma monstruosidade e que repugna ao nosso
-sentimentalismo, é já um facto na sociedade francêsa, onde a rapariga
-sem dote tem noventa e nove probabilidades, contra uma, de ficar
-solteira.
-
-Dahi a situação angustiosa dos pais, que vêem crescer a familia e
-pensam com amargura nos filhos a colocar e nas filhas a quem é preciso
-arranjar dote.
-
-Não obstando a este mal com uma séria e util educação, que ponha
-a mulher ao abrigo da miseria e da dependencia, não tardará que
-cheguemos ao caminho por onde a França vai para a despopulação, para a
-inferioridade egoista do numero.
-
-Se a mulher latina não seguir o caminho largo que lhe indicam, com o
-exemplo, as fortes raças do norte, ai da familia e das nações a que
-pertence!
-
-As que primeiro se decidirem a entrar na lucta sofrerão por certo muita
-contrariedade e verão cahir sobre os seus pobres hombros, mal vesados
-á responsabilidade forte do trabalho e da liberdade, todo o peso dos
-preconceitos e das costumeiras, toda a malquerença invejosa e malévola
-dos rotineiros, numa sociedade ignorante, que só cultiva com amôr a _má
-lingua_ tradicional.
-
-Mas o numero faz a força e o habito fará o resto. Quando a mulher, que
-procure numa profissão honrosa o seu sustento e a sua independencia,
-não fôr uma excepção, mas uma legião, facilmente poderá aguentar o
-embate dum passado que se desmorona, vendo brilhar um futuro que mal se
-esboça ainda num sorriso longinquo.
-
-
-II
-
-A MULHER CASADA PERANTE O CODIGO CIVIL
-
-O casamento perante a lei e o casamento como de facto é perante a
-sociedade, são duas coisas por tal fórma contradictorias, que não se
-dirá á primeira vista que um corresponde ao outro, ou que um e outro
-não são mais do que o mesmo contracto bi-lateral constituido para a
-formação da familia legal.
-
-Perante a lei, a mulher casada deixa de ser uma criatura livre, deixa
-de ser a senhora do seu destino e das suas ações, porque:--_tem que
-prestar obediencia ao marido (art. 1185.º do Cod. Civ.)_
-
---Deixa de ser a administradora dos seus bens, porque:--qualquer
-que seja a fórma porque se realise o contracto matrimonial, _a
-administração pertence ao marido e só na falta ou impedimento delle a
-mulher tomará o seu logar_, (_art. 1189.º do Cod. Civ._)
-
---Á mulher é negado o direito de alienar ou adquirir quaisquer bens,
-_tanto moveis_, _como imoveis_, emquanto que o marido póde adquirir
-quaisquer, sem auctorisação da esposa, e alienar os _mobiliarios_,
-(_art.^{os} 1191.º e 1193.º do Cod. Civ._) Á mulher é totalmente
-prohibido fazer dividas, sem auctorisação do marido, emquanto que o
-homem póde, segundo o _art. 1114.º do Cod. Civ. §§ 1.º_ e _2.º_,
-contrahir, só por si, dividas pelas quais respondem os bens do casal,
-no todo ou em parte.
-
---A mulher não póde ser a educadora dos filhos, pois que os filhos
-pertencem ao pai, que os rege, protege e administra, constituindo assim
-o _poder paternal_, segundo o _art.º 137.º do Cod. Civ._
-
-Embora o _art.º 138.º_ proclame que a mãe comparticipa do _poder
-paternal_, _e deverá ser ouvida em tudo que respeita os interesses dos
-filhos_, tal não póde suceder, porque o pai é o unico representante
-do _poder paternal_, e contra elle a opinião e a vontade materna nada
-valem.
-
---Póde o pai requerer a prisão do filho desobediente e interná-lo
-em uma casa de correcção, que, embora a mãe queira sustêr esse acto
-da vontade paterna, a sua opinião não tem força, a sua voz não será
-escutada, nem a sua vontade terá valôr, por mais injusta ou violenta
-que lhe pareça a medida.
-
---Tratando-se do casamento do menor, é perfeitamente inutil a licença
-materna, porque em _caso de dissentimento entre os pais, prevalece a
-opinião do homem_, bastando o seu consentimento para se realisar o
-matrimonio, como preceitúa o _art.º 1061.º do Cod. Civ._ E nunca o
-consentimento materno, só por si, póde prevalecer, por mais vantagens
-que a mulher encontre no casamento do filho menor.
-
---Viuvo, o homem administra e usufrúe os bens dos filhos menores,
-podendo contrahir segundas nupcias sem que lhe seja tirada a
-administração e o usufructo.
-
---Viuva, a mulher terá que dar contas da sua administração ao
-_conselheiro_ que o defunto tenha deixado nomeado, se elle ainda depois
-da morte tiver reservado o poder de dirigir a esposa, sob pena de lhe
-ser tirada a administração (_art.º 161.º_).
-
-Caso venha a contrahir segundas nupcias, a mulher perde _imediatamente_
-a administração e o usufructo da fortuna dos filhos menores, (_art.º
-162.º_), o que seria justo se o homem no mesmo caso não continuasse a
-gosar os privilegios que lhe negam a ella.
-
-O filho pode ser emancipado antes da idade legal pelo simples
-consentimento paterno; pelo consentimento da mãe só quando, viuva,
-tenha assumido o _poder paternal_ (_art.º 304 § 2.º_)
-
-Até para a tutela dos menores se prefere quasi sempre a linha paterna
-(art. 200.º § 5.º)
-
-Portanto, legalmente, a mãe representa nada ou quasi nada na vida dos
-filhos, que, segundo o velho direito romano, pertencem á _absoluta_
-autoridade do _pater-familiæ_.
-
-Quantos abusos e injustiças pode acarretar sobre as pobres criaturas
-humanas, que a lei ainda não considera emancipadas, um poder assim
-discricionario, é facil imaginar.
-
-A lei é feita sobre a base de que todo o homem é justo, ama os filhos e
-só para o seu bem deseja concorrer; mas a vida dá-nos muitos e muitos
-exemplos do contrario e a lei podia temperar tão grande absurdo dando
-á mãe igual poder sobre o filho, que pertence aos dois, com o juiz ou
-o conselho de familia para decidir em caso de grande dissimilhança de
-opinião.
-
- * * * * *
-
-A mulher casada não póde negociar, exercer uma industria ou uma
-profissão, inclusivamente escrever para público e publicar os seus
-livros, sem auctorisação do marido. É o _art.º 1187.º do Cod. Civ._
-que o manda.
-
---Tem obrigação de acompanhar o marido para onde o capricho deste
-entender que a deve levar, a dentro das fronteiras do reino. É o que
-reza o _art.º 1186.º do Cod. Civ._
-
---Não póde abandonar o marido, embora sofra todas as tiranias dum genio
-diferente do seu, duma educação que seja o contrario da sua, dum
-caracter imcompativel com o seu proprio caracter,--salvo em casos muito
-especiaes previstos pela lei, e que, por bem conhecidos, o homem sabe
-evitar.
-
-Caso fuja do lar conjugal, por lhe ser impossivel a existencia em
-comum, o marido póde mandá-la prender como a qualquer malfeitor e
-obrigá-la a retomar _imediatamente_, no _seu_ lar odiado, o papel de
-mulher, sem que ao espirito revoltado, nem ao seu orgulho ferido, se dê
-o tempo de amortecer a violencia da dôr ou o impeto da revolta.
-
-Só poderá gritar a sua indignação e pedir um pouco de liberdade, se
-o marido lhe dér, com público escandalo, as poucas coisas previstas
-pelo Codigo civil:--_adulterio no domicilio conjugal ou com escandalo
-publico, desamparo completo, cevicias, ofensas graves, (art.º 1204.º)_
-
---O homem que cometeu o adulterio, embora nas condições indicadas, tem
-a ridicula pena de três mêses a três annos de multa, conforme o _art.º
-404.º do Cod. Penal._ Sobre a mulher cái toda a ira, todo o selvagem
-ciume do legislador, que defende nos maridos o direito do macho que
-não tolera o despreso da femea, chegando á ferocidade de tirar á
-mulher adúltera os proprios bens della, que serão entregues ao marido,
-arbitrando-lhe uma triste mesada que será o que o capricho do conselho
-de familia e o juiz quizerem ou entenderem. É doutrina do § _unico do
-art.º 1210.º e outros do Cod. Civ._
-
-Vemos portanto que, segundo a lei, a mulher, casando, perde todos os
-seus direitos e alforrias--póde considerar-se, legalmente, a tutelada
-do homem.
-
-Mas se passarmos do dominio abstrato da lei para o campo da realidade,
-o contraste é completo.
-
-Ao contrario do que se poderia supôr, sob a pressão de taes disposições
-legaes, a mulher em Portugal, como em quasi todos os paizes latinos,
-casa _para ser livre_! A sua liberdade não é _legal_, não é
-_responsavel_, mas é um facto filho da tolerancia masculina e, mais,
-dos costumes que se fôram adoçando e civilisando, sem embargo das leis
-continuarem persistindo na sua rigidez... de cadaveres.
-
-A mulher solteira, a rapariga portuguêsa, como todas as suas collegas
-latinas, é mal preparada, mal educada para entrar na lucta da vida
-quotidiana.
-
-Não anda só, não trabalha, não estuda, não sabe pensar por si, não vive
-independente e altiva, como qualquer rapariga inglêsa ou americana no
-seu quarto de estudante, lendo e estudando, cuidando da sua roupa e
-arrumando-a pelas suas proprias mãos, nas largas gavetas dos singelos
-moveis inglêses, com essas mãos que já fizeram a cama, passaram o panno
-humedecido no chão encerado, limparam o pó da mesa de trabalho onde
-colocaram uma jarra com flôres; essas mãos habeis e lestas que dahi a
-pouco prepararão no gabinete de fisica uma experiencia meticulosa e
-que á tarde saberão guiar com firmêsa a bicicleta ou segurar as redeas
-dum cavallo, bater com serenidade os remos do barquinho de recreio em
-qualquer lago dos arredores ou jogar qualquer jogo de fôrça e destrêsa.
-
-A rapariga portuguêsa não tem opiniões, para não ser pedante; não lê,
-para não ser _doutora_ e não ver fugir espavoridos os noivos, que por
-acaso a procurassem.
-
-Não frequenta um passeio, não visita uma exposição, não assiste a um
-espectaculo ou a uma conferencia sem que a siga a familia toda, numa
-desconfiança de policias secretas.
-
-Não lhe é permitido conversar com um homem sem levantar no espirito de
-quem a vê a suspeita dum interesse amoroso...
-
-A rapariga que chega aos vinte annos, asfixiada sob esta amoravel
-tutela, que nem por ser amoravel e carinhosa deixa de ser opressiva,
-encontra no casamento uma relativa liberdade.
-
-Liberdade que, as mais das vezes, é uma temeridade conceder á pobre
-criatura que durante tantos annos foi conservada e guardada, com o
-unico fito de ser entregue ao homem materialmente pura.
-
-Guardar uma criatura é tirar-lhe a responsabilidade moral.
-
-A criança habituada a ter uma pessoa que olhe por ella e lhe evite
-as temeridades e loucuras, se um dia a mandam brincar, entregue a si
-propria, pergunta sobresaltada:--quem me guarda?
-
-A mulher solteira, que desde criança foi habituada a trabalhar, a
-andar só, a estudar e amar a santa natureza e a conhecer as mentiras
-sociais, sem se deixar deslumbrar pelas suas grandêsas nem desanimar
-pelas suas miserias, que fala naturalmente com os rapases, seus colegas
-no estudo e no trabalho; não pensará tanto em namorados como as nossas
-pobres flôres de estufa, que nada mais têm que as preocupe. Chegada a
-hora de casar aceitará com naturalidade uma mudança de vida que lhe
-exige fisiologicamente a natureza, mas que a vem sobrecarregar com
-responsabilidades e deveres muito mais sérios e graves.
-
-A mulher no nosso paiz, embora a lei seja dura para ella, como vimos,
-encontra no casamento uma relativa alforria á sua vida de crisálida.
-Os guardas, que a não desamparavam um instante, desapareceram e ella
-sente-se livre alfim! É senhora de si e dos seus caprichos, que
-toma como manifestações da sua vontade. A casa pertence-lhe, pode
-dispô-la ao seu gosto, não tem ninguem que a contrarie--nem o marido,
-nesse primeiro tempo de casada. Na rua pode andar só, sem que ninguem
-repare. E que reparasse, o marido autorisa-a tacitamente a fazê-lo,
-porque homem nenhum iria hôje dar á sua propria esposa um diploma de
-incapacidade, fazendo-a guardar.
-
-E a mulher, hontem ainda vigiada como uma criança, sente um certo
-orgulho em poder dizer comsigo:--sáio se quizer sahir!
-
-E sai, as mais das vezes para nada--porque é ainda rara a mulher
-portuguêsa que sai por exigencias de trabalho profissional--para
-mostrar a si mesma que é livre.
-
-Diz a lei que a esposa _deve obediencia_ ao marido, mas que importa, se
-ella faz, geralmente, mais a propria vontade do que a delle?
-
-Que importa que a _administração_ pertença ao marido, se não é raro que
-seja a mulher com assentimento delle, é claro, quem administra e guarda
-o dinheiro do casal?
-
-Que importa que legalmente não possa comprar nem vender bens _moveis_
-nem _imoveis_, se é raro o esposo que vá interferir nas compras que a
-mulher faça, principalmente de _bens moveis_?
-
-Embora não possa contrahir dividas sem licença do marido, não ha
-negociante que lha exija para fiar a sua fazenda, certo que só em caso
-extremo o homem deixará de pagar as dividas contrahidas pela espôsa.
-
-Embora não lhe assista o direito de se ingerir na educação dos filhos,
-a sua influencia sobre elles é bem mais decisiva do que a dos pais;
-e qual seria hôje o marido brutal que se atreveria a arrostar com a
-reprovação geral, arrancando violentamente um filho á tutela educativa
-da mãe?!
-
-Embora não possa negociar, ter uma profissão ou industria, ou escrever
-para público, qual o homem que arcaria com a gargalhada geral que a sua
-tirania ridicula despertasse?!
-
-Embora tenha obrigação de acompanhar o marido, para onde elle a
-quizer levar, dentro do reino, quantos exemplos vemos do contrario
-sujeitando-se mais vezes o homem á vontade e ao gosto da mulher?!...
-
-Qual o marido, tirano de comedia, que obrigasse a mulher, que o não
-quer aturar, a voltar violentamente para o lar conjugal?
-
-O proprio caso de adulterio em que o orgulho masculino mais sofre e
-menos póde atender os conselhos de bondade e perdão, nem mesmo esse
-já se desenlaça, senão muito raramente, entre gente civilisada, na
-carnificina e no rubro da tragedia antiga.
-
-A dôr concentra-se na alma, e a tragedia,--que a ha sempre onde se
-despedaçam violentamente laços de sangue e de coração--fica silenciosa
-e respeitavel, na sua grande simplicidade. A mulher não é assassinada,
-mas o homem não é como dantes ridicularisado por uma falta de que só
-ella é a responsavel e a victima.
-
-Por estas ligeiras observações parece-me ter mostrado bastantemente
-quanto é verdadeira a teoria já expendida aqui:--_de que os costumes
-precedem as leis, que se modificam, mais dia menos dia, segundo a
-vontade e os habitos da sociedade que as reclama._
-
-Não seria pois mais logico e mais sério educar desde já a mulher
-solteira para a sua alta responsabilidade de esposa e de mãe,
-modificando as leis que governam a familia, como se transformaram os
-costumes, tornando o casamento a união legal e respeitavel de duas
-criaturas que se juntam por sua livre vontade para constituirem a
-familia, tomando sobre si iguais encargos com iguais direitos?
-
-Pois não é preferivel tirar á criatura que soube insinuar-se e
-apoderar-se da egualdade de facto, a irresponsabilidade que lhe garante
-a lei, dando-lhe os deveres e as vantagens?
-
-Tanto mais que o maior perigo está ainda--em que a lei só cai, com todo
-o seu peso, sobre a mulher de caracter probo que não sabe dobrar-se nem
-mentir, conquistando com blandicias e hipocrisias, apoiada na fraquêsa
-masculina, o que legalmente lhe é defêso.
-
-
-III
-
-A MULHER SOLTEIRA PERANTE O CODIGO CIVIL
-
-Dissemos atrás--que não são as leis portuguêsas das mais intolerantes
-e agravantes da situação da mulher adentro da sociedade e da familia.
-Demonstraremos esta opinião, em ligeiras observações que nos fôrem
-ocorrendo--que não em estudo comparativo dos codigos estrangeiros, por
-nos falecer competencia para tanto.
-
-É certo que encontrâmos no codigo português graves desigualdades e
-injustiças para com a mulher, não como é de facto, pela educação e pela
-tradição, no nosso paiz, mas como deveria ser.
-
-Não obstante, a mulher, tal como se conserva em terras portuguêsas,
-não tem direito a reclamar maiores garantias legais, porque até agora
-nem sequer se tem utilisado das regalias e igualdades que o proprio
-codigo lhe confere, e são ainda hôje, em paizes mais adiantados do que
-o nosso, outros tantos reductos a conquistar.
-
-Vemos na França, por exemplo, a mulher perder o seu nome com o
-casamento; deixar--pelo simples motivo de se ligar a um homem
-legalmente--de sêr a _pessoa tal_, com o nome da familia em que nasceu
-e a que pertence pelo sangue e pela educação (e á qual não poderá nunca
-deixar em absoluto de pertencer, por defeitos e qualidades de que é
-inconsciente herdeira) para se tornar em _madame_... do nome do marido.
-
-Isso mesmo deixará de ser se, viuva, tornar a casar; ou, divorciada,
-mudar, como quem muda um vestido usado, de nome e de marido
-conjunctamente.
-
-A tradição conservou na livre e intelectual França esse costume,
-fixou-o mesmo como lei, e, afinal, onde essa lei tinha menos razão de
-ser era precisamente nesse paiz, onde o divorcio já está promulgado
-e usado largamente. Havemos de concordar que é em extremo absurda a
-coexistencia desses dois usos.
-
-Para a mulher francêsa é tão natural este costume, que só raramente a
-faz indignar; é que as maiores servidões, se a ellas nos afazêmos pela
-educação e pelo habito, tal nos não parecem, senão por um esforço de
-raciocinio que nem sempre chegâmos a formular.
-
-Nada mais ridiculo, na verdade, do que essa lei, resto, ao que se me
-afigura, do velho direito romano, que fazia da mulher a pertença do
-homem. Fosse o pai, absoluto senhor cujas decisões se aceitavam sem
-protesto; ou o marido, que recebia a esposa como um festivo _presente_,
-um objecto, ou uma femea que se compra; fosse o irmão, o proprio
-filho ou cunhado.... todos, sucessivamente, tinham direitos e poderes
-sobre a criatura humana, só porque o acaso de um utero, a fatalidade
-germinativa, a fizéra mulher.
-
-Nas antigas civilisações a mulher era sempre a escrava que o homem
-comprava ou roubava, consoante o regimen de guerra ou de paz em que
-vivia. Quantas coisas fazemos e usâmos, que, sem o presentir, recordam
-apenas cerimonias e distinctivos da nossa servidão, desde as joias com
-que nos adornâmos: pulseiras, aneis, colares, brincos, cintos e outros
-enfeites, que apenas são o resto das cadeias que prendiam a escrava ao
-senhor, fisica e moralmente, até ás usanças e cerimonias do casamento;
-tudo nos mostra que a tradição tem trazido, através dos seculos, os
-restos barbaros das civilisações ídas, apesar mesmo das leis que se
-reformaram e modernisaram, seguindo as novas orientações sociaes.
-
-Quem nos dirá, ao vêr lindos braceletes constelados de pedrarias
-enroscando-se cariciosamente no braço duma mulher formosa, que essas
-joias representam as algêmas e pulseiras das antigas escravas,
-vincando-lhes os pulsos como um traço de fogo a lembrar-lhes a sua
-miserrima dependencia?
-
-Quem nos dirá, vendo fortunas condensadas em _solitarios_, suspensos
-como gotas de agua irisantes do lobulo da orelha feminina, que o
-brinco era ainda o signal da servidão, como o era a argola no nariz
-e no beiço, cahidas em desuso, assim como as algêmas dos artelhos,
-por mero _capricho da moda_, tão inconsciente neste abandono como na
-conservação dos primeiros!?
-
-Assim, tambem, o que no casamento moderno e civilisado nos parece
-apenas fórmulas de cortezia, não é mais do que o éco quasi extincto dos
-tempos em que a mulher era a _propriedade_, vendida, dada, ou raptada,
-que passava por esses meios, todos brutais, do poder absoluto do pai
-para o não menos absoluto poder do marido.
-
-O que significa o pedido do casamento, o que é hôje legalmente esse
-costume? Nada mais do que uma deferencia das filhas e dos noivos.
-
-Perante a lei, a mulher maior de vinte e um annos não deve ser _pedida_
-a ninguem, visto que se pertence sómente a si propria.
-
-O que significa essa tresloucada fuga, depois da solemnidade
-consorcial, para hoteis e casas estranhas,--que os jornaes anunciam
-pomposamente como a ultima palavra do bom tom--senão o rapto da mulher
-primitiva, senão o abandono da familia e da tribu em que nasceu pela
-nova familia, nova tribu, nova patria, que tudo seria para o futuro a
-que o marido lhe désse? Já na Grecia e em Roma este costume pertencia
-á tradição, e a noiva não transpunha pelo seu pé o limiar da porta da
-nova casa e sim era levada nos braços do marido, como significando bem
-claramente a _posse_ do esposo sobre a mulher, recordando-lhe que fôra
-dada, vendida ou trocada por algumas cabeças de gado, como ainda hôje
-sucede em tribus selvagens da Africa.
-
-Tudo nos mostra a tradição, revivendo através das idades e das
-gerações, numa teimosia de força inconsciente, a que só o estudo
-aturado e o raciocinio fórte podem pôr um dique.
-
-Longe me levou, afinal, a observação sobre a lei e uma usança, que nem
-sequer são do nosso paiz como do nosso codigo.
-
-Em Portugal, a verdade é que nem a tradição nem as leis nos impõem tal
-costume. Uma mostra-nos as familias usarem indistinctamente o nome dos
-pais ou das mães, mais tarde aliando-os numa simpatica e logica união.
-
-Dizem-nos as outras como a ausencia da lei sálica faz transmitir
-reinos, titulos e morgadíos pela linha feminina, na falta da masculina,
-sem desdouro para ninguem.
-
-A mulher portuguêsa, quando casada, não perdeu nunca o seu nome, ou,
-melhor dizendo, o seu apelido de familia. Só o perdia quando vinha
-do _anonimato_ do povo ou da _inferioridade_ da classe média para a
-grandêsa da fidalguia brazonada.
-
-Quando muito, ajunta hôje, por galanteria, ao seu nome individual o
-nome do esposo.
-
-Nos ultimos tempos é que a móda, na sua fatuidade, tem querido trazer
-para a nossa terra o ridiculo costume da França, Belgica e outros
-paizes--exactamente quando por lá já se trabalha para o modificar.
-
-É o defeito de quem imita, sem discernir, o que é bom e o que é máu...
-
-Mas continuemos abordando alguns exemplos que nos fôr sugerindo
-o folhear do codigo, muito por alto, sem a responsabilidade do
-profissional.
-
-A mulher solteira é _quasi_ livre, equiparada ao homem perante o
-codigo. Mas nesse _quasi_, que imenso abismo ainda a transpôr!
-
-Depois dos vinte e um annos póde livremente ganhar a sua vida exercendo
-a profissão para que se julga habilitada. É um individuo autónomo.
-Poderá ser professora, medica, proprietaria, industrial e comerciante.
-
-Será senhora absoluta do que é seu como da sua vontade; pagará rendas
-de casa e contribuições para o estado; será util, será um factor
-importante na sociedade; mas, como os doidos, os menores, os surdos, os
-cegos, não poderá ser testemunha em actos públicos e solénes da vida do
-homem, como não é aceite o seu testemunho em qualquer acto civil, não é
-aceite a sua fiança para qualquer transação comercial.
-
-Não poderá ser tutôra dum menor, por melhor educadora e mais habil
-administradora que seja--a não ser de filhos e netos, e, desses
-mesmos, com restrições e cautelas vexatorias para a sua dignidade
-individual--mas, para cúmulo de disparate, póde ser tutôr dos seus
-sobrinhos o marido, quando o tenha!
-
-A lei não a exclúe de nenhum trabalho; apenas o costume, a tradição e o
-homem (sempre temeroso da concorrencia das criaturas que diz desprezar
-e achar inferiores) fazem reparo, a cada nova conquista da tenacidade
-feminina...
-
-A mulher póde estudar as leis do seu paiz. Poderá--visto que a
-lei é igual para todos e não faz distinção de pessôas e de sexos,
-_salvo nos casos especialmente declarados_ no _art. 7.º do Cod.
-Civil_--frequentar o curso de direito e tirar a carta de bacharel. Mas
-essa mesma mulher não poderá estar em juizo como testemunha civel, não
-poderá apresentar-se com procuração ou mandato, nem requerer justiça,
-salvo nas proprias questões, nas dos ascendentes ou descendentes e nas
-do marido, em caso de impedimento deste.
-
-As mulheres são equiparadas pelos codigos aos menores não
-emancipados--_ambos menores perante a lei!_
-
-Ora a mulher, que não tem artigo especial na lei que lhe prohiba ser
-proprietaria, industrial, artista, medica, erudita, comerciante,
-professora, isto é, que póde ser tudo quanto representa inteligencia,
-precisão, vontade e estudo; que póde frequentar os cursos superiores
-onde se instrúe o homem do seu paiz, que em qualquer ramo do saber
-humano póde ser _alguem_ da estatura intelectual e moral duma Clémence
-Royer ou duma Luiza Michel; a mulher não tem a faculdade de se
-ingerir nos negocios publicos! Não é eleitora nem elegivel; não póde
-averiguar--porque não tem esse direito legal--como é gasto o dinheiro
-que paga como contribuinte, para onde vai o fructo do seu trabalho.
-
-Poderá fazer pender a balança eleitoral--mesmo que as eleições fossem
-o resultado arithmetico das listas verdadeiramente entradas na
-urna--influindo nos seus caseiros, operarios, e quaisquer dependentes;
-mas não poderá dar o seu voto, que seria, certamente, mais responsavel
-e consciencioso do que o dos analfabetos que lhe cultivam as terras e a
-servem.
-
-Não poderá intervir, _senão ilegalmente_, pela intriga e pela mentira,
-nos negocios de que depende o seu socego e fortuna, o destino da
-Patria; que lhe pertence tanto como aos homens que a governam.
-
-A lei, apesar do artigo 7.º do Cod. Civil que diz _ser igual para
-todos_, é bem desigual e vexatoria para a mulher, quando mesmo
-solteira, senhora dos seus bens, árbitra da sua vida moral como
-material.
-
-Não posso terminar sem me deter em dois artigos do codigo civil que
-merecem a nossa atenção mais demorada e tem o seu logar aqui, visto
-referirem-se ainda á mulher solteira.
-
---«_É prohibida a investigação da paternidade illegitima_--diz o artigo
-130.º--salvo em casos que entram francamente nos crimes punidos pelo
-codigo penal».
-
---«_É permittida a investigação da maternidade_»--diz a seguir o artigo
-131.º
-
-E fica-se a gente a pensar:--que sociedade, que justiça, que lei é
-esta, que tira aos homens todos os deveres e toda a responsabilidade,
-em actos de que, se não é o maior culpado, é, pelo menos, tão culpado
-como a mulher.
-
-O que póde ser um filho ilegitimo na vida de um homem? Um encargo
-monetario, quando muito. Nenhuma deshonra o fará córar por esse fructo
-da sua leviandade. Nenhuma criatura, por mais honesta e puritana,
-deixará de lhe estender a mão e recebê-lo em sua casa como amigo. O
-proprio filho, dizendo o nome do pai, não sentirá nunca o frio mortal
-do desprêso que persegue, quasi sempre, o que só póde dizer o nome da
-sua pobre mãe.
-
-Solteiro, esse homem não terá dificuldade em ser aceite como esposo por
-qualquer senhora honesta, que, por sua vez, se não deshonrará em se
-tornar a mãe do filho que é o filho do seu esposo.
-
-Pois o homem, nestas condições sociais, fugiu, pelas leis que fabricou,
-ao _incomodo_ da investigação da sua paternidade ilegitima, ao passo
-que lançou para a mãe toda a responsabilidade do seu crime!
-
-Para a mulher que deixa de ser honesta para a sociedade, mostrando um
-filho que não teve do casamento; para a mulher que só por excepção póde
-agenciar com o trabalho o quanto baste ao seu sustento; para a mulher
-que nenhum homem aceitará para esposa, sabida que seja a sua _falta_;
-para sobre a mulher toda a responsabilidade, direi mais, toda a durêsa
-da lei, permitindo ao filho a investigação da maternidade, ao passo que
-lhe nega a da paternidade!
-
-Quantas lagrimas misteriosas e quantos desesperos e angustias não
-representam esses pobres seres, vindos como um castigo, numa familia
-honesta, que a todo o transe quer encobrir o que é a suprema vergonha
-duma mulher solteira?!
-
-Existencias de dolorosissimo sacrificio, desvendadas para o escarneo
-e o despreso do mundo, é tudo quanto representa essa disposição
-legal--_só para a mulher!_
-
-Se a sociedade não condemnasse com o seu despreso a rapariga que se
-lhe apresenta com um filho que não tem no registo o nome do pai; se a
-sociedade garantisse á mulher--por igual trabalho, igual salario--e
-lhe abrisse largamente novos horisontes de estudo e profissões
-remuneradoras, que a tornassem monetariamente livre, então o codigo
-poderia, sem grande injustiça, livrar o homem da responsabilidade a
-que o filho infeliz e miseravel o vai chamar. Sim, porque só quem é
-muito desgraçado encontrará satisfação em procurar as criaturas que o
-trouxeram para a vida e se escondem covardemente atrás do misterio.
-
-O egoismo masculino revelou-se ferozmente nessas duas linhas, que são
-a maior das cobardias para com a mulher, sua cumplice, e para com o
-filho, sua victima.
-
-Se a mulher pudesse apresentar com honra os filhos que são sómente
-seus, porque o pai os não quer legitimar, por certo que não haveria
-muitas que fugissem a essa responsabilidade, porque a mulher, como
-todas as fêmeas, tem, em geral, o amôr pelos filhos pequeninos muito
-mais vehemente do que o homem. É o amôr animal e inconsciente, que só a
-civilisação, com as suas exigencias avassaladoras, tem atrofiado.
-
-O amôr do pai, pelo contrario, é o sentimento _adquirido_ com a
-civilisação e que a mesma sociedade tem todo o interesse em proteger e
-desenvolver para salvação sua.
-
-«Voltariamos ao _matriarcado_ dos tempos primitivos, se a mulher
-pudesse _honradamente_ apresentar os filhos sem pai; seria a
-dissolução da familia e da sociedade...»
-
-Sim, seria tudo isso, mas não seria, ainda assim, nada que se
-comparasse á violencia da injustiça legal dos artigos 130.º e 131.º
-do cod. civil.
-
-
-IV
-
-O TRABALHO DA MULHER
-
- _...é valorisar a mulher tirando-a
- do triangulo fatal: casamento,
- ociosidade ou prostituição._
-
- AGOSTINHO DE CAMPOS.
-
-O homem português, como todo o dos povos latinos, despresa no fundo
-a mulher, apesar de ser o que mais a tem cantado poeticamente e
-turificado pelo amôr.
-
-Talvez mesmo por isso... A mulher só lhe apraz como objecto de
-prazer ou escrava dos seus desejos, e para a conservar assim, nessa
-dependencia que lhe quer fazer convencer que é soberania, sujeita-se
-a tudo, até aguentar-se com todo o trabalho para que ella não crie
-habitos de independencia, vendo-se apta para ganhar a sua vida,
-sentindo-se senhora das _suas economias_.
-
-A mulher casada, como está constituida a familia no nosso paiz e como
-em geral o homem a deseja--_vive em casa do marido. Come o que o marido
-lhe dá. Veste aquillo que elle paga com o seu trabalho. É mãe de filhos
-de que elle, só, paga todas as despêsas. É o thezoureiro do dinheiro
-delle_, e não poucas vezes ouve criticar com asperêsa os seus actos de
-governante!
-
-A mulher casada, sem fortuna propria, é bem pouco senhora na casa que
-chama sua e pelo _cantinho_ da qual aspirou tantos annos, isto se não
-tem a habilidade de se fazer admirada como um modelo de bom senso e
-economia, o que não é raro, como já dissemos.
-
-Mas sendo a mulher casada apenas uma parte da grande familia feminina,
-porque não fazer com que essas que não têm marido que as sustente, nem
-filhos a educar, nem casa onde se abriguem e _governem_, trabalhem e se
-tornem independentes?
-
-Em França--diz uma das suas ultimas estatisticas--existem 2.622:170
-mulheres celibatarias maiores de 21 annos.
-
-Não sabemos as que ha no nosso paiz, por mingua de estatisticas
-comprovativas, mas sirva-nos esse numero de termo de comparação.
-
-Aqui temos, pois, mais de dois milhões de criaturas que não têm marido
-que as sustente e que precisarão de trabalhar para poderem subsistir.
-
-Tirando desse numero a imensa legião das pobres que no vicio sordido
-procuram o sustento ou o luxo, ainda ficaremos com uma bôa percentagem
-de mulheres honestas que precisam de trabalhar para viver.
-
-Nos ultimos tempos nota-se, principalmente na capital, uma certa
-afluencia de mulheres na procura do trabalho; mas é preciso que essa
-concorrencia se não torne em exploração.
-
-Ha pouco quem seja logico nos seus principios e quem sacrifique os
-seus mesquinhos interesses pelo bem dos outros, por isso é necessario
-pôrmo-nos em guarda e não concorrermos com a nossa miseria para a
-miseria geral.
-
-Começa a mulher entre nós--o ultimo paiz da Europa que tal faz!--a ser
-utilisada no comercio, para que tem já provadas e apreciaveis aptidões,
-mas não deve consentir que a utilisem por exploração, para lhe pagarem
-inferiormente um trabalho igual ao dos homens.
-
-_Por igual trabalho, igual paga_--tal deve ser o principio fundamental
-do labôr feminino.
-
-Se o homem português fôsse mais bem orientado, em vez de hostilizar a
-mulher que trabalha, e de a expulsar das suas associações,--ou não lhe
-permitindo o voto, nem as aceitando como elegiveis para os cargos das
-sociedades--tornar-se-ia o seu aliado e em concorrencia leal cada um
-apresentaria as suas próvas e seria provido nos logares conforme as
-suas aptidões,--e não conforme a _paga_.
-
- * * * * *
-
-É repugnante a lucta de egoismos, e, quando se exerce com a ferocidade
-do esfomeado que defende o seu alimento, dá-nos a sugestão desoladora
-de que a criatura humana no fundo da sua alma, apesar de tantos seculos
-de civilisação, é bem semelhante ao troglodita que defendia a presa
-ensanguentada a unhas e dentes contra o seu irmão ou a sua companheira,
-devorando o adversario se ficava vencedor.
-
-A mulher tem direito a viver como o homem, e, mais, tem o direito
-a trabalhar e a ser respeitada no seu trabalho, só devendo temer a
-concorrencia leal.
-
-Que fóros especiaes tem o homem português para exigir que a mulher,
-professora, não concorra ás cadeiras primarias de rapases ou ás
-cadeiras mixtas, se ella tiver competencia para o fazer, quando em
-tantos outros paizes são ellas que se encarregam de quasi toda a
-educação primaria?
-
-Que direito lhe assiste em não consentir que a mulher telegrafista
-passe aos cargos superiores, se ella--excepcionalmente ou não--fôr um
-empregado mais consciencioso e inteligente do que os seus colegas, e
-tiver os mesmos annos de serviço?
-
-Que direito tem o homem em manifestar repugnancia em ser dirigido
-por uma mulher se ella tiver mais aptidões do que os dirigidos? Em
-ser ensinado por ella se mostrar em suas provas e cursos e concursos
-publicos que podia proficientemente desempenhar-se da sua missão?
-
-É abominavel de egoismo o argumento do homem que diz:--nós já somos
-muitos e se a mulher entra definitivamente na lucta pelo trabalho,
-mais sofreremos nós. Mas então para o homem não sofrer é preciso que a
-mulher sofra a fome e a nudez?
-
-Repito--não me refiro já á mulher casada, que tem o homem que a
-sustenta; refiro-me á solteira, que tem direito á vida e ao trabalho
-para a sustentar com nobrêsa.
-
-O caixeiro sobresalta-se porque a mulher começa--só agora em
-Portugal!--a ser caixeira. E não é isso justo?!
-
-Não é esse trabalho sedentario o mais proprio para o sexo que dizem
-fraco? Mal lhes fica até o reparo, porque ha muita profissão que elles
-poderiam exercer sem se sujeitar a um trabalho que, por muito feminil,
-deve ser deprimente para a dignidade masculina.
-
-Quantas vezes não ouvimos dizer:--que tal ou tal oficio não serve para
-a mulher, porque é pesado para a sua força, demasiado violento para a
-sua fraquêsa organica?...
-
-E, no entanto, percorrendo as provincias do norte ao sul de Portugal,
-visitando as oficinas e as fabricas, não vemos que a seleção se dê pela
-_força_ mas sim pelo _salario_.
-
-Vimos no Porto, não ha muitos mêses, as mulheres carregarem com
-pesadissimos materiais numa fabrica de ceramica, emquanto ao lado, numa
-oficina alegre e arejada, alguns homens, muito comodamente sentados,
-ganhavam o seu jornal pincelando pratos no trabalho leve e material
-da _estampilha_, que sem duvida caberia melhor ás mãos delicadas da
-mulher. E á discreta manifestação da nossa invencivel estranhêsa,
-percebemos que alguns murmuravam, num entre-dentes invejoso:--era o que
-faltava, mais essa concorrencia!...
-
-Logo, o homem não afasta a mulher da lucta e do trabalho para a poupar
-a fadigas com que não possa, visto que a deixa carregar fardos,
-esfregar casas, trabalhar a qualquer hora da noite em que chegam os
-barcos de pesca, nas fabricas de conserva de peixe, quer de verão quer
-de inverno, molhada em salmoiras, com as mãos geladas, de pé, horas e
-horas consecutivas; que a deixa mondar, ceifar, fazer muitos outros
-serviços do campo, qualquer que seja o tempo, de ardente calôr ou de
-frigido inverno... A mulher desempenha, em muitas terras das nossas
-provincias do norte, o serviço de _estafeta_, percorrendo a pé muitas
-leguas, carregada com pêsos que o homem, certamente, não aguentaria
-sobre a cabeça.
-
-A mulher, como criada, anda um dia inteiro de pé no fatigante serviço
-de casa, deitando-se tarde e levantando-se cedo.
-
-Aguenta uma criança nos braços durante horas consecutivas.
-
-Passa dias com um ferro de engomar e de brunir; cose á máquina horas
-sem conta...
-
-E muitos outros serviços _pesados_, que seria longo enumerar.
-
-O homem vê isso e não se sobresalta nem indigna, porque são trabalhos
-que elle não quer para si, por mal remunerados.
-
-Se, por acaso, qualquer destes serviços viesse a ser bem pago, não ha
-duvida que acorreriam logo a pugnar _pela fraquêsa da mulher_.
-
-Na lucta pela vida o homem é impiedoso para a mulher, que não é a
-sua. A operaria raro tem no operario um colega e um amigo; tem apenas
-um homem que a desmoralisa e que a despresa se os trabalhos são
-diferentes, que a odeia, se é o mesmo, valendo-se de tudo, até das leis
-protecionistas, como os tipografos francêses--que apelaram para a lei
-que prohibe o trabalho da mulher feito de noite, para as expulsar das
-tipografias em que se compõem os jornaes matutinos.
-
-Quando se aventam estas e outras opiniões e estranhêsas, é de uso o
-homem responder:--mas se a mulher vem concorrer comnosco nas profissões
-em que hôje nos ocupâmos, o que faremos nós?
-
-O que farão?!... O que fazem os inglêses, muito mais numerosos do que
-nós e que percorrem o mundo inteiro para ganhar a sua vida; o que fazem
-os suissos, levantando a sua pequena patria a toda a altura duma grande
-nação; o que fazem os americanos, os alemães, os suecos e tantos
-outros, em paizes onde a mulher é equiparada ao homem pelo trabalho.
-
-A riquêsa dum paiz não é espontanea, adquire-se com o trabalho, e o
-português, que não tem, como o francês, repugnancia pela emigração,
-tem nas nossas colonias campo vasto para a sua actividade e engenho,
-alem do muito que ainda tem a fazer na metropole, e sem receio de
-concorrencias.
-
-
-
-
-ERRATAS
-
-
-Além de alguns insignificantes erros tipograficos que no sentido da
-leitura facilmente se corrigem, nóta-se a pagina 95:--_cimo da bóta_,
-por _cano da bóta_.
-
-Mesma pagina:--lhes _traga_, por lhes _tragam_.
-
-Pagina 106:--_campo_ que lhes sobre, por _tempo_ que lhes sobre.
-
-Mesma pagina:--Vida _desgarrada_, por _vida dispersada_.
-
-Pagina 114:--caminhando _revoltoso_ e _tumultuosamente_ por,
-_revoltósa_ e _tumultuariamente_.
-
-Mesma pagina:--_pensar_, por _passar_.
-
-Pagina 125:--_delicadas_ amas, por _dedicada_ ama.
-
-Pagina 142:--entretecida, por entrétecida?!
-
-Pagina 144:--_recorrer_, por _socorrer_.
-
-Pagina 145:--_puzeram_, por _puzessem_.
-
-Pagina 149:--_E_ realmente, por _É_ realmente.
-
-Pagina 167:--_E_ certo, por _É_ certo.
-
-Pagina 209:--_usufruirá_, por _usufrúe_.
-
-Pagina 218:--_lhas_, por _lha_ exija.
-
-
-
-
-INDICE
-
-
- PAG.
-
- PROLOGO 5
-
- FEMINISMO:
- I--Ser feminista 11
- II--Uma resposta 27
- III--A Instrução 43
-
- As mulheres e a politica 57
-
- Sêr português 67
-
- No anniversario duma escola 85
-
- A mulher de ha trinta annos e a mulher de hôje 101
-
- As pobres mães 113
-
- A miseria do povo 133
-
- A ignorancia do povo 149
-
- Mulheres desnaturadas, mães desnaturadas 161
-
- A proposito duma gréve 177
-
- A MULHER EM PORTUGAL:
- I--A mulher e o casamento 193
- II--A mulher casada perante o codigo civil 207
- III--A mulher solteira perante o codigo civil 223
- IV--O trabalho da mulher 241
-
-
-
-
-Livraria Editora da VIUVA TAVARES CARDOSO
-
-5, Largo de Camões, 6--LISBOA
-
-
- =Ultimas publicações:=
-
- =Os filhos de Ignez de Castro.= Romance historico,
- por Faustino da Fonseca e Joaquim Leitão. 1 vol. 800 rs.
-
- =Barbey d'Aurevilly=--_Historia sem nome._ Traducção
- de João Barreira. 1 vol. 500 rs.
-
- =O CONFLICTO= de FELIX LE DANTEC. Palestras philosophicas,
- traducção e prefacio de João de Barros. 1 vol. 400 rs.
-
- =Hannibal e Napoleão= por J. M. Pereira de Lima. 1
- volume illustrado, em papel _couché_ 800 rs.
-
- =Cidade Nova= Romance dos tempos modernos por Fernando
- Reis. 1 vol. 800 rs.
-
- =A religião do esforço= por Alberto Kohler, traducção
- de João Gouveia. 1 vol. 200 rs.
-
- AFFONSO LOPES VIEIRA
-
- =O Encoberto= Poema. 1 vol. 500 rs.
-
- =Palavras Cynicas= por Albino Forjaz de Sampaio 1
- volume 300 rs.
-
- =A Viuva= por Octavio Feuillet, traducção de Anna Cyrillo Machado.
- 1 vol. 300 rs.
-
- CARLOS RANGEL DE SAMPAIO
-
- =Preparativos de uma revolta= Documentos ineditos
- de 1840 a 1846, com prefacio do Ex.^{mo} Snr. José
- Barbosa Colen. 1 vol. 500 reis
-
- =Escandalo!= Scenas da vida de provincia, por Antonio de
- Albuquerque. 1 vol. 600 rs.
-
- =Aurora= Romance pagão por Augusto de Lacerda.
- 1 vol. 700 rs.
-
- =O Caminheiro= Traducção liberrima da peça em cinco
- actos, em verso de Jean Richepin, por Julio Dantas. 1
- vol. 600 rs.
-
- =A Tzarina Sultão= Scenas intimas da vida imperial
- russa. Romance historico por Sacher Macoch, traducção do allemão
- refundida, por Eduardo de Noronha, 1 vol. com o retrato
- do auctor. 700 rs.
-
-
-
-
-NOTAS DE RODAPÉ:
-
-[1] Á carta que me dirigiu o Sr. Gomes Pereira, na _Revista Amarella_,
-criticando o artigo precedente.
-
-[2] Maio de 1903.
-
-[3] 1904.
-
-[4] Em Gouveia, no inverno de 1903.
-
-
- * * * * *
-
-
-
-
-Nota do Transcritor:
-
-Erros tipográficos óbvios foram corrigidos; quaisquer outros erros ou
-inconsistências foram mantidos como no original.
-
-Foram removidas aspas angulares desnecessárias (utilizadas seguindo um
-travessão: "--«") e não fechadas que eram utilizadas inconsistentemente.
-
-Os erros indicados nas Erratas foram corrigidos, exceto o sexto e oitavo
-(o primeiro por não ser encontrado na página indicada e o último por
-não ser claro o que deve ser corrigido).
-
-Texto rodeado de caracteres de igual representa texto em negrito
-(=negrito=).
-
-Texto rodeado de carateres de "underscore" representa texto em itálico
-(_itálico_).
-
-Texto em versalete foi substituído por texto em maiúsculas.
-
-
-
-
-
-End of Project Gutenberg's Ás Mulheres Portuguêsas, by Ana de Castro Osório
-
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-Archive Foundation and how your efforts and donations can help, see
-Sections 3 and 4 and the Foundation information page at
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-
-
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-Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
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-The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
-501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
-state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal
-Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification
-number is 64-6221541. Contributions to the Project Gutenberg Literary
-Archive Foundation are tax deductible to the full extent permitted by
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-The Foundation's principal office is in Fairbanks, Alaska, with the
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-official page at www.gutenberg.org/contact
-
-For additional contact information:
-
- Dr. Gregory B. Newby
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-Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide
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-
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- The Project Gutenberg eBook of Ás Mulheres Portuguêsas, by Anna de Castro Osorio.
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-Project Gutenberg's Ás Mulheres Portuguêsas, by Ana de Castro Osório
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-This eBook is for the use of anyone anywhere in the United States and most
-other parts of the world at no cost and with almost no restrictions
-whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of
-the Project Gutenberg License included with this eBook or online at
-www.gutenberg.org. If you are not located in the United States, you'll have
-to check the laws of the country where you are located before using this ebook.
-
-Title: Ás Mulheres Portuguêsas
-
-Author: Ana de Castro Osório
-
-Release Date: December 2, 2020 [EBook #63943]
-
-Language: Portuguese
-
-Character set encoding: UTF-8
-
-*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK ÁS MULHERES PORTUGUÊSAS ***
-
-
-
-
-Produced by Pedro Saborano, Gonçalo Silva and the Online
-Distributed Proofreading Team at https://www.pgdp.net (This
-book was produced from scanned images of public domain
-material from the Google Books project.)
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-<div class="author">Anna de Castro Osorio</div>
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-<h1>Ás mulheres<br />
-Portuguêsas</h1>
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-1905
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-<p class="center">Typ. a vapor da Emprêsa Litteraria e Typographica</p>
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-<p class="center">178, Rua de D. Pedro, 184&mdash;Porto
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-
-<table border="0" cellpadding="4" cellspacing="0" summary="Indice">
-<tr><td align="left"></td><td align="right"><span class="smcap">pag</span>.</td></tr>
-<tr><td align="left"><span class="smcap">Prologo</span></td><td align="right"><a href="#Page_5">5</a></td></tr>
-<tr><td align="left"><span class="smcap">Feminismo</span>:</td></tr>
-<tr><td align="left" style="text-indent:2em">I&mdash;Ser feminista</td><td align="right"><a href="#Page_11">11</a></td></tr>
-<tr><td align="left" style="text-indent:2em">II&mdash;Uma resposta</td><td align="right"><a href="#Page_27">27</a></td></tr>
-<tr><td align="left" style="text-indent:2em">III&mdash;A Instrução</td><td align="right"><a href="#Page_43">43</a></td></tr>
-<tr><td align="left">As mulheres e a politica</td><td align="right"><a href="#Page_57">57</a></td></tr>
-<tr><td align="left">Ser português</td><td align="right"><a href="#Page_67">67</a></td></tr>
-<tr><td align="left">No anniversario duma escola</td><td align="right"><a href="#Page_85">85</a></td></tr>
-<tr><td align="left">A mulher de ha trinta annos e a mulher de hôje</td><td align="right"><a href="#Page_101">101</a></td></tr>
-<tr><td align="left">As pobres mães</td><td align="right"><a href="#Page_113">113</a></td></tr>
-<tr><td align="left">A miseria do povo</td><td align="right"><a href="#Page_133">133</a></td></tr>
-<tr><td align="left">A ignorancia do povo</td><td align="right"><a href="#Page_149">149</a></td></tr>
-<tr><td align="left">Mulheres desnaturadas, mães desnaturadas</td><td align="right"><a href="#Page_161">161</a></td></tr>
-<tr><td align="left">A proposito duma gréve</td><td align="right"><a href="#Page_177">177</a></td></tr>
-<tr><td align="left"><span class="smcap">A mulher em Portugal</span>:</td></tr>
-<tr><td align="left" style="text-indent:2em">I&mdash;A mulher e o casamento</td><td align="right"><a href="#Page_193">193</a></td></tr>
-<tr><td align="left" style="text-indent:2em">II&mdash;A mulher casada perante o codigo civil</td><td align="right"><a href="#Page_207">207</a></td></tr>
-<tr><td align="left" style="text-indent:2em">III&mdash;A mulher solteira perante o codigo civil</td><td align="right"><a href="#Page_223">223</a></td></tr>
-<tr><td align="left" style="text-indent:2em">IV&mdash;O trabalho da mulher</td><td align="right"><a href="#Page_241">241</a></td></tr>
-</table>
-
-
-<hr class="chap" />
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_5" id="Page_5">[Pg 5]</a></span></p>
-
-<div class="chapter-beginning" style="width: 800px;">
-<img src="images/header-p005-177.jpg" width="800" height="232" alt="Page 15 Header" title="Page 15 Header" />
-</div>
-
-<h2 class="invisible"><a name="Prologo" id="Prologo"></a>Prologo</h2>
-
-<div>
- <img class="drop-cap" src="images/dropcap-n.png" width="75" height="70" alt=""/>
-</div>
-
-<p class="drop-cap">Na incerteza pelo futuro, caracteristica
-muito acentuada do actual momento
-historico, não ha ninguem, por mais ferozmente
-que se ensimesme ou por mais alto que se
-alheie em sonhos e ficções, que se não surprehenda,
-um dia, meditando, transido de duvidas,
-nalgum dos multiplos problemas que
-agitam a alma moderna.</p>
-
-<p>São tantos e tão variados, tão dolorosos por
-vezes, recordam tanta lagrima, evocam tanta
-dôr soffrida pela mísera humanidade&mdash;que em
-vão lhe quer fugir e se debate e grita de desespero,
-ou ri de inconsciente goso, conforme é
-alevantada aos ares em triumfo ou mergulhada
-na indifferente desgraça&mdash;que o nosso espirito<span class="pagenum"><a name="Page_6" id="Page_6">[Pg 6]</a></span>
-se detem e pergunta, no augusto silencio da
-propria consciencia&mdash;se vale a pena existir
-num mundo assim?!</p>
-
-<p>Todos os sinceros têm formulado esta interrogação:
-uns, fortificados pelo pensamento, no
-desejo de remediar o mal, concebem a esperança
-de trazer, embora com o sacrificio proprio,
-alguma melhoria á sociedade; outros
-desanimam, a mesma dôr os mata ou anula para
-o trabalho paciente do futuro.</p>
-
-<p>Mas o desânimo e a renuncia é uma dupla
-falta&mdash;pelo que deixâmos de fazer e pelo que
-consentimos que os egoistas e os sem escrupulos
-façam impunemente.</p>
-
-<p>Para todos é de responsabilidade a hora presente,<span class="pagenum"><a name="Page_7" id="Page_7">[Pg 7]</a></span>
-na qual, a par de muito crime e muita injustiça,
-um bello e salubre movimento se opéra
-por todo o mundo.</p>
-
-<p>Ninguem se poderá isentar dessa tremenda
-responsabilidade moral, que tanto cabe ao homem
-como á mulher, a esta mais ainda porque
-nas suas mãos, com a educação da infancia, que
-lhe pertence, está confiado o futuro.</p>
-
-<p>Á mulher, pois, ou seja pobre operaria que
-mal ganha para o pão de cada dia, ou opulenta
-dama avergada ao pêso dos seus deveres sociaes;
-ás mães que têm filhos a entrar na lucta
-pela existencia e que ansiados esperam o conselho,
-que os guie para a felicidade e para o
-bem, dos labios que lhes ensinaram as primeiras<span class="pagenum"><a name="Page_8" id="Page_8">[Pg 8]</a></span>
-palavras e lhes deram os primeiros beijos; como
-ás raparigas que, mal iniciadas nos seus
-deveres, têm de arcar com um futuro de que
-nem chegam a comprehender as responsabilidades;
-a todas, repetimos, corre o dever de se
-deterem, ao menos um instante, a pensar no remedio
-a dar a tanto mal e a tanta iniquidade.</p>
-
-<p>Por isso é ás mulheres, e principalmente ás
-mulheres do meu paiz&mdash;que tão insuficientemente
-são educadas para serem as companheiras
-e as mães do homem moderno&mdash;que me dirijo.</p>
-
-<p>Possa este modesto trabalho corresponder
-dalgum modo ás necessidades espirituaes da
-alma feminina, que desperta emfim para uma
-nobre e mais util missão social.</p>
-
-<hr class="chap" />
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_9" id="Page_9">[Pg 9]</a></span></p>
-
-<h2 class="halftitle"><a name="FEMINISMO" id="FEMINISMO"></a>FEMINISMO</h2>
-
-<hr class="chap" />
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_10" id="Page_10">[Pg 10]</a></span><br /></p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_11" id="Page_11">[Pg 11]</a></span></p>
-
-<div class="chapter-beginning" style="width: 800px;">
-<img src="images/header-p011-161.jpg" width="800" height="204" alt="Page 11 Header" />
-</div>
-
-<h3><a name="I_SER_FEMINISTA" id="I_SER_FEMINISTA"></a>I<br />
-<br />
-SER FEMINISTA</h3>
-
-<div>
- <img class="drop-cap" src="images/dropcap-f.png" width="75" height="75" alt=""/>
-</div>
-
-<p class="drop-cap">Feminismo: É ainda em Portugal uma palavra
-de que os homens se riem ou se
-indignam, consoante o temperamento, e de que
-a maioria das proprias mulheres córam, coitadas,
-como de falta grave cometida por algumas
-colegas, mas de que ellas não são responsaveis,
-louvado Deus!...</p>
-
-<p>E, no entanto, nada mais justo, nada mais
-rasoavel, do que este caminhar seguro, embora
-lento, do espirito feminino para a sua autonomia.</p>
-
-<p>O homem português não está habituado a
-deparar no caminho da vida com as mulheres<span class="pagenum"><a name="Page_12" id="Page_12">[Pg 12]</a></span>
-suas iguais pela ilustração, suas companheiras
-de trabalho, suas colegas na vida pública; por
-isso as desconhece, as despresa por vezes, as
-teme quasi sempre.</p>
-
-<p>Mas siga a mulher o seu caminho, intemerata
-e digna, sem recear o isolamento como o
-ridiculo&mdash;que nem um nem outro atingem o
-verdadeiro mérito e a sã razão.</p>
-
-<p>Tenha o coração alto e o espirito alevantado;
-não faça do amôr o ideal unico da existencia
-nem o seu unico fim. Pense no trabalho e no
-estudo, e deixe que as suas faculdades afectivas
-se desenvolvam livremente, ou se não desenvolvam
-mesmo, que isso deve ser indiferente á sociedade.
-Cuidados de amôr devem ser cuidados
-tão absolutamente pessoais e intimos, que não
-os assoalhar deveria ser a maior prova de pudôr.</p>
-
-<p>Tal não sucede, porêm. Toda a gente publíca
-os seus afectos, puros ou impuros, verdadeiros
-ou falsos; e, por mais absurdos, por mais indesculpaveis
-que sejam, despertam mais simpathia
-e compaixão do que verdadeiras desgraças
-sociaes. Na vida real, como no drama, no romance,
-na poesia, ou na musica, só cai bem no<span class="pagenum"><a name="Page_13" id="Page_13">[Pg 13]</a></span>
-gosto do publico o amavío voluptuoso do amôr
-sentimental.</p>
-
-<p>Assim o quer a sucessão de seculos, em que
-a mulher foi a reclusa do convento ou da familia,
-tendo na vida um só fim&mdash;<i>agradar</i>.</p>
-
-<p>Assim o estima o homem, que fez do amôr
-carnal o seu culto e da mulher a sacerdotisa
-desse culto. Mas sacerdotisa que se torna em
-escrava, deusa que se cobre de injurias e se
-lança ao monturo das velhas coisas inuteis,
-logo que o capricho, a paixão dos sentidos, foi
-como o fumo desfeito no céo sem nuvens.</p>
-
-<p>O homem, passada a idade da poesia, segue
-triumphante o caminho da existencia, sem mais
-lhe importar com a sua inspiradora. Da deusa
-ideal dos seus sonhos faz a cozinheira habil, a
-dôna de casa ignorante e util, mixto de costureira
-e governante, a mãe paciente e sofredora
-dos filhos que são o seu orgulho.</p>
-
-<p>A mulher, em geral, é, quando esposa, a
-companheira só para a vida banal e mesquinha&mdash;que
-nem por sombras deve abordar os graves
-pensamentos que preocupam o marido!...</p>
-
-<p>Porque quando o homem, por acaso, encontra<span class="pagenum"><a name="Page_14" id="Page_14">[Pg 14]</a></span>
-méritos intelectuaes que o confraternisem
-com um individuo do sexo feminino, é rarissimo
-confessar que a sorte lho deu para companhia
-da sua vida.</p>
-
-<p>Mas quantas vezes se enganam na escolha,
-e, por castigo, na companheira ignorante e inferior
-que procuram para seu descanço, não encontraram,
-hipocritamente velados por uma habil
-ingenuidade, todos os baixos instinctos dos
-seres inferiores?!</p>
-
-<p>Quantos, procurando nas ignorantes criaturinhas
-que nunca se <i>poluiram</i> com o estudo e
-com o trabalho, as previdentes mães de familia,
-destinadas a fazer prodigios de economias, de
-método e de arranjo, não depararam com desditosas
-mulheres roídas de ambições e vaidades,
-tanto mais ásperas quanto maior é a sua
-impotencia para as realisar&mdash;a fantasia só presa
-nas galanices e módas, inuteis para os trabalhos
-caseiros como para outro qualquer, sofrendo
-e fazendo sofrer todos os seus por não
-possuir o que deseja e vê ás outras, transformando
-os lares em gehenas onde féras da
-mesma raça se espesinham e abocanham?!</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_15" id="Page_15">[Pg 15]</a></span></p>
-
-<p>Quando ao homem fôr dado encontrar facilmente
-a mulher sua igual, comprehenderá
-quanto era louco preferindo-lhe esses pobres
-sêres que não têm assumpto para conversa fóra
-do ultimo figurino, da vida alheia e das criadas
-e seus costumes.</p>
-
-<p>Comprehenderá então o que é o verdadeiro
-afecto entre esposos, e não mais preferirá essas
-que hoje diz amar, mas que no intimo despresa,
-como suas inferiores, que supõe.</p>
-
-<p>E digo que supõe, porque está provado pela
-sciencia que <i>intelectualmente</i> não ha sexos privilegiados,
-mas unicamente individuos e, quando
-muito, raças.</p>
-
-<p>Foram os sabios que desmentiram esse grosseiro
-e velho erro de que o cerebro feminino é
-menos pesado e consequentemente inferior ao
-do homem. Foram elles, os mesmos que lhe
-tinham levantado barreiras sobre barreiras e
-escreveram sobre cada porta da sciencia o fatal
-<i>non possumus</i>, os primeiros a desmentir-se
-e a penitenciar-se próbamente a cada manifestação
-da mentalidade feminina.</p>
-
-<p>Foi a sciencia, fonte de toda a verdade e de<span class="pagenum"><a name="Page_16" id="Page_16">[Pg 16]</a></span>
-toda a justiça, e na qual devemos pôr os olhos
-como na unica libertadora, que fez cahir por
-terra esse argumento tão falado da superioridade
-intelectual do homem, fundando-a no peso
-do cerebro.</p>
-
-<p>Se a <i>massa cinzenta</i> contida no craneo feminino
-é menor, corresponde harmonicamente
-ao tamanho do corpo, em regra mais pequeno.</p>
-
-<p>Foi esse o primeiro passo, o mais importante
-e decisivo, para o triumfo da ideia feminista.
-Até lá, quando a mulher pretendia estudar,
-trabalhar, ser um ente de razão e de luz,
-cahia-lhe como avalanche de gelo, a sufocar-lhe
-as aspirações, essa cruel e deprimente opinião.
-E a pobre, se não era um espirito de excepcional
-brilho ou um caracter de excepcional tempera,
-sentia-se amesquinhada aos seus proprios
-olhos e desistia do enorme esforço requerido
-para subir onde a multidão das suas pobres irmãs
-nem sequer se atrevia a pôr as vistas
-ambiciosas.</p>
-
-<p>Ás vezes, ou porque fossem realmente <i>excepcionaes</i>,
-ou porque as condições mesologicas
-as favorecessem extraordinariamente, dentre<span class="pagenum"><a name="Page_17" id="Page_17">[Pg 17]</a></span>
-as mulheres sahiam algumas que os proprios
-homens eram os primeiros a reclamar e incensar,
-mas passando-lhes cautelosamente o diploma
-de <i>raridades</i>, quasi fóra do sexo, sêres hibridos,
-masculinos pela inteligencia e só fisicamente
-femininos.</p>
-
-<p>De modo que essas aclamadas, e afastadas
-do caminho trilhado pela turba-multa das ignorantes,
-exactamente porque eram superiores e
-se julgavam intangiveis, abandonavam a causa
-das suas irmãs, que já não era a sua, concedendo-lhes
-apenas, e isto nem sempre, a sua piedade
-diluida em conselhos de resignação e submissão
-para desempenharem o papel de escravas,
-nascidas sómente para a felicidade e regalo
-do homem. Desta maneira, a causa feminina perdia
-as suas mais legitimas defensoras, deixando
-nas mãos dos homens os melhores argumentos.</p>
-
-<p>É como algumas esposas, que, por serem
-ditosas no casamento, porque tiveram a fortuna&mdash;que
-não digo rara&mdash;de encontrar para
-maridos homens inteligentes e justos, encolhem
-os hombros com indiferença á desgraça
-das que tiveram destino contrario.</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_18" id="Page_18">[Pg 18]</a></span></p>
-
-<p>É uma prova de egoismo, que é uma deploravel
-qualidade, e é, peor do que isso, o abandono
-duma causa justa que, se não toca individualmente
-a cada mulher, interessa colectivamente
-o sexo a que pertencem.</p>
-
-<p>Acabar com os <i>fenómenos</i>, com os <i>monstros
-femininos</i>, julgar todos os individuos intelectualmente
-semelhantes sem distinção de sexo,
-aptos igualmente a estudar e progredir pelo
-trabalho, foi sem dúvida o passo definitivo para
-a libertação feminina.</p>
-
-<p>As mulheres poderão, assim como os homens,
-distinguir-se pela sciencia, pela industria,
-pela arte, pelo comercio, pela pedagogia,
-ou ficarem tão-sómente dônas de casa,&mdash;mas
-fazendo do seu lar a primeira e a mais nobre
-escola dos filhos.</p>
-
-<p>Haverá, decerto, tal-qual entre os homens,
-umas que se superiorisam num trabalho, outras
-em outro, mas serão todas educaveis,
-todas melhoraveis, todas uteis, laboriosas e
-conscientes obreiras, ajudando á melhoria da
-grande colmeia social.</p>
-
-<p>As mulheres de hôje não têm desculpa se<span class="pagenum"><a name="Page_19" id="Page_19">[Pg 19]</a></span>
-continuarem na ignorancia e na inactividade,
-tudo esperando do homem, que as hade procurar
-para a sua conveniencia.</p>
-
-<p>As escolas estão abertas por igual aos dois
-sexos e não ha já quem, nesta hora alta da
-civilisação, se atreva a banir dellas um individuo
-que as queira frequentar sob o pretexto da
-diferença do sexo.</p>
-
-<p>Tempos atrás, quando a mulher pensava
-em sahir do anonimato da sua missão caseira,
-tinha apenas por campo aberto á sua actividade,
-a literatura, visto que é a unica profissão onde
-o talento e o estudo individual dispensam a
-educação preparatoria.</p>
-
-<p>Hoje não é assim. Toda a gente aceita uma
-senhora que tem a profissão de medica, pintora,
-esculptora, engenheira ou professora, tudo que
-requer habilitações e estudos publicos, e que lhe
-tinham ensinado a crêr que nunca poderia atingir
-por falta de genio criador e persistencia no
-estudo.</p>
-
-<p>Não se sobresaltem os homens com a concorrencia,
-que é antes auxilio. Pequena, por
-mal da humanidade, hade ser sempre a percentagem<span class="pagenum"><a name="Page_20" id="Page_20">[Pg 20]</a></span>
-dos cerebros verdadeiramente superiores
-em qualquer dos sexos. Não é, pois, justo
-que por falta de educação se percam aptidões
-que nem sequer chegaram a manifestar-se, talentos
-de que nem sequer se suspeita...</p>
-
-<p>Se os mais ardentes sectarios dos velhos
-preconceitos já chegaram á conclusão egoista
-de que é preciso educar o povo para que se
-não percam tantissimos talentos que podem
-beneficiar a humanidade, não é justo&mdash;ainda
-que não seja senão pelo mesmo motivo&mdash;condenar
-á ignorancia, na mulher, metade dessa
-mesma humanidade.</p>
-
-<p>Dever-se-ha pensar que Clemence Royer,
-honra e gloria da França, sabia entre os sabios,
-espirito todo precisão, clarêsa e método,
-não teria sido o que foi se, por um mero acaso,
-tivesse nascido em Portugal ou em outro qualquer
-paiz, onde, como no nosso, se descure
-a educação feminina.</p>
-
-<p>As mulheres conservam-se entre nós numa
-indiferença quasi total pelas conquistas que
-dia a dia vão marcando um passo de avanço
-para o triumfo definitivo do espirito sobre a materia,<span class="pagenum"><a name="Page_21" id="Page_21">[Pg 21]</a></span>
-da inteligencia sobre a força, da educação
-sobre a ignorancia, embora doiradas pela
-fortuna ou pelos privilegios de classe.</p>
-
-<p>Mas esperemos serenamente, porque á mulher
-portuguêsa hade chegar tambem a sua vez
-de comprehender que só no trabalho póde encontrar
-a sua carta de alforria. Não no trabalho
-esmagador, exercido como castigo, mas no trabalho
-que enobrece o espirito, que dá o bello
-orgulho dos que só contam comsigo e nunca
-foram um peso para ninguem.</p>
-
-<p>E desde que se torne independente pelo seu
-proprio esforço, desde que saiba agenciar o pão
-que come, a casa que habita, os vestidos que
-veste, sem estar á espera do homem, fonte perene
-de todo o dinheiro que hoje a sustenta&mdash;seja
-como pai, como marido ou irmão&mdash;a sua
-alforria está decretada.</p>
-
-<p>Uma vez será um artigo do codigo que se
-modifica (porque as leis devem seguir e não
-preceder os costumes); ámanhã um preconceito
-que cahe no desuso; depois um habito que se
-vence; até que obrigações e direitos se igualem
-entre as duas metades do genero humano, hôje<span class="pagenum"><a name="Page_22" id="Page_22">[Pg 22]</a></span>
-em guerra sob a aparencia do amôr e do respeito
-social.</p>
-
-<p>Os proprios homens as ajudarão nesse empenho,
-porque nenhum ha que não seja feminista
-se a mulher victimada fôr a sua propria
-filha, aquella para quem ambicionou maior
-soma de venturas e de bem estar.</p>
-
-<p>Não ha pai que não aspire a deixar nas
-mãos de suas filhas, senão um dote em dinheiro&mdash;cada
-vez mais dificil de juntar honestamente,
-com as necessidades sempre crescentes da
-vida moderna&mdash;pelo menos um dote em educação
-e aptidões de trabalho que as pônha ao
-abrigo de toda a servidão.</p>
-
-<p>Não haverá pai que se não insurja contra
-a lei, se vir o marido de sua filha pôr e dispôr
-da fortuna que lhe deu, e sem que a dôna possa
-sequer gastar o rendimento. Nenhum que se
-não indigne se o genro a despresar ou maltratar,
-se lhe prohibir qualquer intervenção na
-educação dos filhos, se a não atender nos seus
-conselhos e opiniões, se a não consultar para
-os negocios decisivos da sua vida, se por capricho
-ou vaidade se oposer a que exerça uma<span class="pagenum"><a name="Page_23" id="Page_23">[Pg 23]</a></span>
-profissão honesta que a dignifique a seus proprios
-olhos, se, emfim, o homem fizer da esposa
-o que de facto a lei quer que seja&mdash;a menor
-sem vontade nem discernimento, a <i>coisa</i> de que
-o marido é o senhor, o ser humano pertença
-absoluta doutro sêr, que devia ser seu igual.</p>
-
-<p>Os homens mais autoritarios e rotineiros
-como maridos, são, como pais, incapazes de
-apoiar um estado de coisas que apenas dá por
-garantia de felicidade á mulher que casa, a
-bondade, a inteligencia e a tolerancia do marido.</p>
-
-<p>É evidente que, na maioria dos casos, mórmente
-no nosso paiz onde o homem é bondoso
-por temperamento, ninguem se importa com a
-letra do codigo feito para uma sociedade onde
-a esposa era ainda, ou apenas, uma escrava
-submissa, sem azas para grandes vôos de vontade
-nem ansias de libertação.</p>
-
-<p>Nas mãos de um doido ou de um perverso,
-porém, o que poderá ser a vida da mulher que
-se volta para a lei e a lei manda-lhe simplesmente
-e implacavelmente: <i>que obedeça!</i> Que se
-volta para a sociedade, que lhe ordena hipocritamente:<span class="pagenum"><a name="Page_24" id="Page_24">[Pg 24]</a></span>
-<i>disfarce e submissão!</i> Que se volta
-para a familia, e essa propria, temendo o escandalo,
-a violação das conveniencias sociaes, lhe
-aconselha: <i>que se resigne!</i></p>
-
-<p>Portanto, <i>ser feminista</i> é o dever de todos
-os pais. Porque <i>ser feminista</i> não é querer as
-mulheres umas insexuais, umas <i>masculinas</i> de
-caricatura, como alguns cuidam; mas sim desejá-las
-criaturas de inteligencia e de razão,
-educadas util e praticamente de modo a vêrem-se
-ao abrigo de qualquer dependencia, sempre
-amarfanhante para a dignidade humana.</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_25" id="Page_25">[Pg 25]</a></span></p>
-
-<hr class="chap" />
-
-<p class="half-title">II</p>
-
-<hr class="chap" />
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_26" id="Page_26">[Pg 26]</a></span><br /><span class="pagenum"><a name="Page_27" id="Page_27">[Pg 27]</a></span></p>
-
-
-<div class="chapter-beginning" style="width: 800px;">
-<img src="images/header-p027.jpg" width="800" height="240" alt="Page 27 Header" title="Page 27 Header" />
-</div>
-
-<h3><a name="II_UMA_RESPOSTA" id="II_UMA_RESPOSTA"></a>II<br />
-<br />
-UMA RESPOSTA<a name="FNanchor_1_1" id="FNanchor_1_1"></a><a href="#Footnote_1_1" class="fnanchor">[1]</a></h3>
-
-<div>
- <img class="drop-cap" src="images/dropcap-n.png" width="75" height="70" alt=""/>
-</div>
-
-<p class="drop-cap">Não imagina V. Ex.<sup>a</sup> o prazer que me deu
-a sua carta, sabido como é que da discussão
-inteligente e sincera têm sahido as mais
-claras verdades, conhecido como é, por todos os
-propagandistas, quanto se ganha em fazer interessar
-pelas nossas opiniões, ainda os adversarios
-que mais as combatem.</p>
-
-<p>E não sendo V. Ex.<sup>a</sup> um adversario, mas
-um confesso adepto, embora moderado, maior
-prazer o meu em lhe vir expôr serenamente as
-<span class="pagenum"><a name="Page_28" id="Page_28">[Pg 28]</a></span>ideias feministas, tais como as comprehendo e
-preconíso. Diz V. Ex.<sup>a</sup> que é <i>feminista</i>, embora
-moderado, que o é <i>como todos os ilustrados
-não poderão deixar de o ser</i>, segundo a sua
-propria frase.</p>
-
-<p>Eis o nosso primeiro triumfo, a nossa principal
-batalha vencida; tudo mais, creia, é questão
-de tempo, de paciencia, de serena e pertinaz
-energia, e de muito <i>bom senso</i>.</p>
-
-<p>Ora aquellas qualidades não faltam ás mulheres,
-este é que ás vezes tem faltado, e não
-estamos longe de confessar que faltará ainda
-por largos annos á maior parte...</p>
-
-<p>Mas, neste ponto, ninguem no nosso paiz
-poderá lançar á mulher a primeira pedra; culpados
-dessa falta somos todos e talvez mais o
-homem do que a mulher, talvez...</p>
-
-<p>Voltando ao assumpto dizia eu, que está
-ganha a principal batalha do feminismo; efectivamente
-assim é desde que todos os homens,
-que se presam de inteligentes, reconhecem a
-mulher como um sêr <i>quasi</i> autonomo, com direito
-a pensar, trabalhar e luctar pelo seu proprio
-ideal. Nós não temos a fazer mais do que<span class="pagenum"><a name="Page_29" id="Page_29">[Pg 29]</a></span>
-expôr ideias, e realisar pela prática as conquistas
-a que nos julgâmos com direito.</p>
-
-<p>Que victoria imensa não representa essa sua
-simples frase! Que soma enorme de trabalho
-intelectual, que acumulação de esforços, para
-que os homens inteligentes nos concedam a <i>outorga
-da sua restricta carta constitucional</i>!...</p>
-
-<p>E se pensarmos que esta primeira, mas definitiva
-conquista do espirito masculino, representa
-quasi o trabalho de meio seculo, temos
-vontade de dizer como o mais brilhante dos
-feministas francêses, Camille Mauclair:&mdash;que
-as mulheres apresentando as suas ideias e
-luctando pela educação que as superiorisa,
-lembram a paciencia das aluviões que fazem
-recuar o mar e mudam o aspecto de um
-paiz.</p>
-
-<p>Se á geração que nos precedeu alguem falasse
-em feminismo, que apenas lá fóra começava
-a fazer-se perceber pela guarda avançada
-de exageradas e desiquilibradas, como adeante
-das procissões solemnes vem sempre o rapasío
-gralhando e correndo a foguetes, não haveria
-homem inteligente que não soltasse uma gargalhada<span class="pagenum"><a name="Page_30" id="Page_30">[Pg 30]</a></span>
-escarninha, nem, com certeza, rapaz das
-escolas, que madrigalisasse pelos passeios publicos
-ou para os balcões floridos das vizinhas,
-que não encolhesse os hombros com desdem.</p>
-
-<p>Os que não rissem, por temperamento sombrio
-e sentimentalesco, ergueriam os braços em
-clamôr chamando em auxilio da propria opinião
-a ignorancia das pobres mães e descrevendo,
-com enthusiasmo lamecha, o encanto duma carta
-amorosa com <i>erros de ortografia</i> como ironisava
-dôcemente Gonçalves Crespo, elle que na
-prática tão flagrantemente mostrou estimar o
-contrario.</p>
-
-<p>Homens de incontestavel mérito não se pejavam
-de dizer&mdash;que só apreciavam as mulheres
-para os lavores caseiros, chegando a pôr em
-duvida a competencia intelectual do sexo feminino,
-não obstante as tradições gloriosas de
-<i>excepcionaes</i>, que tem vindo sempre a acompanhar
-a humanidade na sua evolução social
-através dos seculos.</p>
-
-<p>Se a um dos mais bem organisados cerebros
-da geração a que me refiro, ouvi responder
-a quem citava o enorme talento de George Sand<span class="pagenum"><a name="Page_31" id="Page_31">[Pg 31]</a></span>
-como prova da igualdade intelectual dos sexos&mdash;<i>que
-essa não era mulher, era o diabo!</i>...</p>
-
-<p>Se é do meu tempo, se ouvi muitas vezes,
-eu mesma, a novos e a velhos, a homens e a
-senhoras, troçar das <i>doutoras</i>, citar por troça
-aquelle estupido dictado portuguez da <i>mulher
-que sabe latim</i>... já V. Ex.<sup>a</sup> vê o que representa
-para nós a sua simples confissão de <i>que não ha
-hoje homem inteligente que não deva ser feminista</i>.</p>
-
-<p>Agora permita-me que explique o meu pensamento,
-que, certamente por deficiencia de clareza
-na fórma, não foi interpretado como desejava
-que o fosse.</p>
-
-<p>O que entendo por&mdash;desenvolver livremente
-as qualidades afectivas na mulher,&mdash;é deixar-lhe
-o pleno direito da escolha, o direito sagrado
-de amar ou não amar, de casar ou ficar solteira,
-sem que isso represente uma vergonha ou,
-pelo menos, um ridiculo.</p>
-
-<p>Entendo que o ser humano que pertence ao
-sexo feminino, não deve ser coagido pela educação,
-nem pelos costumes, nem pelas conversas,
-nem pelos pais&mdash;que têm a mania de talhar<span class="pagenum"><a name="Page_32" id="Page_32">[Pg 32]</a></span>
-muito discricionariamente o futuro dos filhos&mdash;a
-vêr no casamento um fim, um ideal
-completo e único, quasi uma obrigação.</p>
-
-<p>Assim como o homem pode ser professor,
-jornalista, sabio, artista, empregado, operario,
-tudo emfim, sem que ninguem lhe pergunte pela
-certidão do matrimonio, sem embargo de serem
-quasi todos chefes de familia, não vejo inconveniente
-a que a mulher procure a sua colocação,
-tenha o seu curso scientifico, estude, trabalhe
-para si, para o seu futuro, para a sua
-vida autonoma, sem se lhe inquirir do seu <i>estado</i>...</p>
-
-<p>Que essa mulher fique solteira, porque não
-encontrou o companheiro ao qual lhe seria grato
-ligar o seu destino, ou que, encontrando-o, seja
-sentimentalmente feliz, que temos nós com isso?</p>
-
-<p>Por acaso nos preocupa a vida conjugal
-do politico A. ou do artista B.?</p>
-
-<p>O maior erro do homem é, a meu ver, estar
-convencido de que a mulher nasce e existe só
-para o seu prazer e encanto. Partindo deste principio,
-é claro que não nos encontraremos nunca,
-visto eu pensar de modo tão contrario.</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_33" id="Page_33">[Pg 33]</a></span></p>
-
-<p>A mulher, como o homem, nasce para si
-mesma. Tanto um como o outro fazem parte da
-sociedade, de que são factores igualmente imprescendiveis,
-que se não comprehenderia nem
-sequer existiria sem a união dos dois sexos,
-mas na qual individuos isolados podem coexistir
-igualmente, decentes, honestos e respeitaveis&mdash;quando
-muito pagando maior contribuição,
-como querem alguns economistas francêses...</p>
-
-<p>Quando digo que não temos nada com a
-vida <i>sentimental</i> de cada um, não quero dizer
-que a mulher case por ambição monetaria ou
-intelectual, se é exatamente para a livrar dessa
-baixesa que a desejamos independente pelo seu
-trabalho, quando o não seja pela fortuna, e
-mais independente ainda pela razão que a torne
-um ente de consciencia justa.</p>
-
-<p>Diz V. Ex.<sup>a</sup> que é o <i>amôr</i> que salva a mulher?!...</p>
-
-<p>Efectivamente, <i>por muito amar</i> se salvou
-uma&mdash;a biblica Magdalena.</p>
-
-<p>Mas não é desse amôr que se trata, dirá, é
-do amôr puro e honesto da mulher honesta por<span class="pagenum"><a name="Page_34" id="Page_34">[Pg 34]</a></span>
-temperamento, educada e instruida, que escolhe
-com toda a liberdade do seu coração e do seu
-espirito o homem que lhe agrada.</p>
-
-<p>Ora não é esta mulher assim elevada, assim
-honesta, assim livre na sua escolha, a que, pelo
-mais futil motivo, irá mudar de afecto, enredar-se
-em aventuras galantes, para as quais
-geralmente não tem vocação, e que podem
-preencher a existencia duma frívola e ignorante
-criaturinha cheia de vaidades e que no triumfo
-dessas vaidades tem os seus unicos gosos
-intelectuaes.</p>
-
-<p>O que não quer dizer que todas as mulheres
-instruidas sejam honestas&mdash;quem o pudésse
-dizer, que seria essa a nossa maior gloria!&mdash;mas
-tão sómente que a mulher, que por seu desgraçado
-temperamento, educação ou influencia
-de meio, é deshonesta, o é, tanto ou mais,
-quando ignara e frívola.</p>
-
-<p>Um dos mais graves defeitos da raça latina
-é o de dar ao amôr a importancia maxima da
-vida. Os romancistas não sabem nem podem
-falar em outros assumptos, querendo ser lidos
-e comprehendidos. O theatro explora-o em todas<span class="pagenum"><a name="Page_35" id="Page_35">[Pg 35]</a></span>
-as gamas, desde o amôr ingenuo e sentimental
-até ao amôr falsificado dos adulteros. Os poetas
-choram os seus e os alheios; os musicos dão-lhe
-a fórma ritmica; os pintores e os esculptores
-divinisam-no no marmore polido e na policromia
-das suas telas...</p>
-
-<p>Rapazes e raparigas, antes mesmo de chegar
-á puberdade, não pensam noutra coisa, e
-uns e outros julgar-se-hiam inferiorisados se
-estivessem cinco minutos na mesma casa sem
-se defrontarem valorosamente num complicado
-tiroteio de olhadelas amorosas.</p>
-
-<p>Não será muito pensar num assumpto que só
-interessa a duas criaturas e por um tempo relativamente
-curto na vida humana?! Sim, que
-não interessa nem póde interessar senão a quem
-o sente e com elle é feliz ou infeliz.</p>
-
-<p>Senão vejamos: V. Ex.<sup>a</sup>, que leu e respondeu
-ao meu artigo, sabe porventura se eu sou casada
-ou solteira, feliz ou infeliz no casamento, ou
-pensou sequer em tal?</p>
-
-<p>Porcerto que não, nem isso importaria para
-lêr o que escrevo e responder o que entende.</p>
-
-<p>É a prova de que a vida psíchica de cada<span class="pagenum"><a name="Page_36" id="Page_36">[Pg 36]</a></span>
-individuo é completamente autonoma do seu
-estado civil.</p>
-
-<p>A independencia da mulher não pode importar
-o <i>não reconhecimento da autoridade do
-marido</i>, (um dos grandes receios de V. Ex.<sup>a</sup>)
-porque essa autoridade existe, senão de facto,
-pelo menos de direito, emquanto existirem as
-leis que hôje nos governam, leis que a mulher
-deveria conhecer quando vai casar, leis que a
-tornam uma menor sob a tutella directa do
-homem.</p>
-
-<p>O que será o futuro não o podemos prevêr,
-de tal maneira a educação da mulher modificará
-a sociedade.</p>
-
-<p>Diz V. Ex.<sup>a</sup> que a mulher independente poder-se-ha
-<i>desafrontar</i> do marido que a atraiçôa
-atraiçoando-o por sua vez.</p>
-
-<p>Poderá ser, mas isso o que prova? Apenas
-o que já disse&mdash;que, infelizmente, o cultivo da
-inteligencia nem sempre acompanha a honestidade
-e que essas mulheres se subalternisam
-tornando-se criminosas como aquelles que condemnam,
-irmanando-se ás levianas que hôje o fazem,
-a maior parte das vezes por inconsciencia.</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_37" id="Page_37">[Pg 37]</a></span></p>
-
-<p>A mulher <i>independente</i> que tal fizer, não
-terá por motor a independencia mas tão sómente
-o capricho ou o temperamento, e em qualquer
-circumstancia, portanto, faria o mesmo.</p>
-
-<p>Com respeito á <i>proscripção da mulher erudita
-da familia</i>, não é, não pode ser, uma regra.
-Assim como ha homens que, não obstante
-serem <i>intelectuaes</i>, são bons chefes de familia,
-o mesmo sucede ás mulheres.</p>
-
-<p>Nem em Portugal temos o direito de pensar
-doutra maneira, tendo na ilustre mulher, que
-é uma verdadeira erudita, D. Carolina Michaëlis
-de Vasconcellos, o exemplo vivo do que se
-pode ser ao mesmo tempo como mulher de
-sciencia, como esposa e como mãe exemplar.</p>
-
-<p>Haverá mulheres que, pela sua profissão, se
-vejam obrigadas a estar afastadas do lar e dos
-filhos uma parte dos seus dias?... É certo;
-mas quantas os não abandonam hôje, sem esse
-imperioso motivo? E quantas, tambem, estando
-sempre em casa, tendo por unica obrigação o
-seu amânho ou direcção, não mandam as criancitas,
-ainda mal desmamadas, para a <i>sujeição
-das mestras</i>?! Quantas?!... Quasi todas as mães<span class="pagenum"><a name="Page_38" id="Page_38">[Pg 38]</a></span>
-sem oficio nem emprego, as da pequena burguesia,
-essas mesmas que não querem instruir-se
-mais, nem se querem tornar <i>independentes</i>,&mdash;exatamente
-para não terem a maçada de trabalhar...</p>
-
-<p>Se, em geral, a mulher portuguêsa filosófa&mdash;<i>que
-para trabalhar escusava de casar!</i>... Já
-os senhores estão vendo o que lhes devem.</p>
-
-<p>Depois, álêm dessas mulheres que mandam
-os filhos para os colegios embora não tenham
-emprego fóra de casa, o que diz ás que têm as
-suas visitas, os seus passeios, os seus divertimentos,
-e que por igual são por esses motivos
-<i>imperiosos</i> afastadas dos filhos, com menos
-utilidade, parece-me, do que pela doença de um
-semelhante ou pela retorta de um laboratorio?!</p>
-
-<p>Poder-se-ha dizer que a mulher intelectual
-despresa os modestos mesteres do seu lar,
-quando a propria Clemence Royer costurava a
-sua roupa e entretinha os seus ocios trabalhando
-como qualquer críaturinha que não saiba
-ao certo em que parte do mundo está situado
-o paiz que tem a dita de lhe ser berço?</p>
-
-<p>Não se póde dizer que a mulher erudita tem<span class="pagenum"><a name="Page_39" id="Page_39">[Pg 39]</a></span>
-fatalmente de ser <i>uma proscripta do lar</i> exactamente
-quando o nome de um homem e duma
-mulher, ligados pelo casamento, se uniram para
-a sciencia, num triumfo para os dois sexos;
-exactamente quando as revistas francêsas nos
-trazem o retrato de Mr. e M.<sup>me</sup> Curie acompanhados
-muito <i>burguezamente</i> de seu filhito.</p>
-
-<p>É possivel que eu esteja enganada e seja
-exatamente V. Ex.<sup>a</sup> quem tenha razão, mas
-como estamos de acôrdo em que se não regateie
-educação ao sexo feminino e se acabe assim
-com o regimen de <i>prodigios</i> e <i>excepções</i> que
-só á causa das mulheres tem prejudicado, é o
-principal.</p>
-
-<p>Que o resto não nos deve preocupar muito
-nem devemos aventar hipóteses faliveis, como
-tudo que pertence ao futuro e que não temos
-base segura para julgar.</p>
-
-<p>O homem de ámanhã hade procurar a sua
-felicidade e a maior porção de bem estar compativel
-com a sociedade do seu tempo. Como o
-fará não o sabemos, mas é certo que pensará
-de maneira diferente do de hôje, como o de
-<span class="pagenum"><a name="Page_40" id="Page_40">[Pg 40]</a></span>hôje, como V. Ex.<sup>a</sup> mesmo, pensa decerto diferentemente
-do que pensou seu pai e seu avô
-sobre os mesmos transcendentes assumptos.</p>
-
-<p>Acabe-se com todas as prepotencias e todos
-os privilegios, tanto de raça, como de classe,
-como de sexo, e deixemos que, individualmente,
-cada homem e cada mulher, procurem ser felizes
-a seu modo, organisem os seus lares como
-entenderem,&mdash;desde que esse conjuncto se harmonise
-numa sociedade de mais justiça e tolerancia.</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_41" id="Page_41">[Pg 41]</a></span></p>
-
-<hr class="chap" />
-
-<p class="half-title">III</p>
-
-<hr class="chap" />
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_42" id="Page_42">[Pg 42]</a></span><br /><span class="pagenum"><a name="Page_43" id="Page_43">[Pg 43]</a></span></p>
-
-
-<div class="chapter-beginning" style="width: 800px;">
-<img src="images/header-p043.jpg" width="800" height="190" alt="Page 43 Header" title="Page 43 Header" />
-</div>
-
-<h3><a name="III_A_INSTRUCAO" id="III_A_INSTRUCAO"></a>III<br />
-<br />
-A INSTRUÇÃO</h3>
-
-<div>
- <img class="drop-cap" src="images/dropcap-e-acute.png" width="75" height="94" alt=""/>
-</div>
-
-<p class="drop-cap">É fundamental este assumpto, visto que a
-nossa civilisação se baseia não na força
-mas na inteligencia, não na rotina mas no progresso.</p>
-
-<p>Todos sabem, e apregôam aos quatro ventos,
-que a mulher portuguêsa é ignorante e futil,
-que a mulher portuguêsa tem todos os defeitos
-dos incultos, não merecendo do homem a consideração
-que se tem pelos iguais, mas a tolerancia
-que se dispensa ás crianças irresponsaveis.</p>
-
-<p><i>Coisas de mulheres</i>, dizem por vezes os homens,
-mostrando o seu despreso; notando-se<span class="pagenum"><a name="Page_44" id="Page_44">[Pg 44]</a></span>
-que os que mais clamam esta superioridade são,
-quasi sempre, os mais inferiores...</p>
-
-<p>Não é isso, porém, o que nos interessa; é
-certo que o homem português tem tantos ou
-mais defeitos do que a mulher, mas se ella se
-transformar, facilmente o corrijirá.</p>
-
-<p>A mulher tem, em si mesma, bastantes elementos
-bons para se modificar, sem se queixar
-do homem e esperar que lhe ensine o que elle
-mesmo não sabe nem é da sua competencia
-saber.</p>
-
-<p>O homem tem culpa em não elevar a mulher,
-em não fazer della a sua companheira de
-trabalho e luctas, em temer a ilustração da
-mãe de seus proprios filhos; o homem faz mal,
-porque rebaixando a mulher não se lembra que
-se rebaixa a si proprio que nasceu della e dos
-seus labios escutou as primeiras lições da vida.
-Mas a mulher póde reagir, póde educar-se a si
-mesma, póde, pelo menos, mostrar desejo de
-progredir, de se igualar ao homem pelo trabalho
-e pela inteligencia cultivada.</p>
-
-<p>A mulher falha de educação é muito mais
-inferior do que o homem, porque são os seus<span class="pagenum"><a name="Page_45" id="Page_45">[Pg 45]</a></span>
-proprios defeitos que se tornam qualidades, elevados
-pela cultura, encaminhados pela educação.
-O que na mulher educada é espirito, é na outra
-grossería; o que numa é presciencia, é na outra
-desconfiança; o que numa é desenvoltura e
-graça, é na outra descaramento; o que numa
-é observação, é na outra bisbilhotice...</p>
-
-<p>Vai-se a uma fabrica ou a uma oficina, passa-se
-por uma rua onde ha desenas de homens,
-principalmente se forem do povo, não se ouve
-um dito desagradavel, não se ouve um riso que
-moleste; mas onde estiverem duas mulheres ás
-quaes a educação não depurou os defeitos, ou
-cujos espiritos não estejam perfeitamente humilhados
-pela dependencia, temos dois intoleraveis
-animaesinhos que riem, falam, troçam,
-olham miúdamente, com o proposito ferino de
-irritar e de ferir.</p>
-
-<p>Por isso, tanto ou mais do que o homem,
-necessita a mulher ser educada e ilustrada, e é,
-a meu ver, por onde deve principiar a remodelação
-duma sociedade que seja progressiva.</p>
-
-<p>Educar a mulher&mdash;eis o problema maximo a
-desenvolver e pôr em prática.</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_46" id="Page_46">[Pg 46]</a></span></p>
-
-<p>A isso é que chamâmos feminismo, que não
-em pôr gravatas e colarinhos de homem, que
-se podem usar como prova de simplicidade ou
-de extravagancia, mas nunca como afirmação
-de opiniões.</p>
-
-<p>Educar a mulher dando-lhe meios de poder
-auferir com o seu trabalho o suficiente para a
-sua sustentação&mdash;quando é só&mdash;de auxiliar o
-homem, esgotado pelo trabalho de sobre-posse
-que lhe exige a concorrencia e a carestia da
-vida moderna,&mdash;quando casada,&mdash;parece-nos a
-maneira mais prática de a tornar um ser livre,
-apta a escolher por motu-proprio o caminho a
-seguir direitamente na vida.</p>
-
-<p>Não temam os homens que a mulher instruida,
-por mais liberta, quebre mais facilmente os
-laços de conveniencias com que a sociedade a
-prendeu. Nem sempre foram os conventos, com
-todas as suas grades e portarias, o mais puro
-exemplo da castidade feminina; ainda hôje os
-harens, com todos os seus guardas e eunúcos,
-são para o ciume do macho bem fragil garantia...</p>
-
-<p>A mulher entregue ao seu proprio discernimento<span class="pagenum"><a name="Page_47" id="Page_47">[Pg 47]</a></span>
-fará o que a consciencia esclarecida e
-o respeito proprio lhe ensinam, e não o que o
-mêdo lhe dictar.</p>
-
-<p>Que mérito tem a criatura que não falta aos
-seus deveres porque está guardada á vista,
-como um doido furioso?</p>
-
-<p>É certo que no nosso povo está tão enraísado
-o habito de fazer acompanhar as mulheres,
-como signal de grandêsa, que é mais uma nobilitação
-do que uma prova de desconfiança.</p>
-
-<p>Andar só é, ainda hôje, em muitas terras de
-provincia, uma vergonha para a mulher, mostrando
-que o marido a não présa bastante para
-a fazer acompanhar.</p>
-
-<p>Lá diz a cantiga:</p>
-
-<div class="poem"><div class="stanza">
-<span class="i0">&mdash;«Senhora D. Maria<br /></span>
-<span class="i0">O seu <i>Dom</i> não vale nada,<br /></span>
-<span class="i0">Vai á fonte, vai ao rio,<br /></span>
-<span class="i0">Vai á missa sem criada.»<br /></span>
-</div></div>
-
-<p>Ir á missa <i>sem criada</i> seria, realmente, para
-as nobres damas que abrigavam em casa uma
-legião de serviçais&mdash;criados e filhos de criados,
-como outrora tambem os escravos trazidos das<span class="pagenum"><a name="Page_48" id="Page_48">[Pg 48]</a></span>
-terras conquistadas a moiros e a negros&mdash;a
-maior prova de miseria, ou de decadencia financeira.</p>
-
-<p>A vaidade da fidalguia que é, ainda hôje,
-um dos caracteristicos do genio português, nesta
-terra em que todos se dizem <i>filhos dalgo</i> e se
-sentem com direitos de <i>senhores</i> para escravisar
-os mais pequenos, não tolerava á mulher
-que aparecesse em publico sem <i>comitiva</i>...
-ainda que constasse apenas duma pequena
-criadinha.</p>
-
-<p>É esta <i>fidalguia</i>, mal interpretada, que faz
-com que o homem fuja ao trabalho, como á
-mais deprimente das servidões, reflectindo-se
-bem claramente na educação que se tem dado,
-até aqui, á mulher, convencendo-a de que se
-inferiorisa se trabalhar para ganhar dinheiro
-e auxiliar o homem.</p>
-
-<p>O nosso paiz resente-se dum mal-estar e
-desiquilibrio que vem do conflicto entre o passado
-que se desmorona, com todas as suas velhas
-ideias e preconceitos, e o presente que
-ainda não conquistou todos os espiritos ligados
-ás convenções, que já despresâmos no fundo.</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_49" id="Page_49">[Pg 49]</a></span></p>
-
-<p>A nossa geração sofre duplamente pelo embate
-dos sentimentos que se entrechocam em
-nós mesmos e nas nossas proprias familias...</p>
-
-<p>Todos apresentam as suas queixas, todos
-falam, mas tudo se diz no ar, sem provas
-nem proposito firme de conhecer o mal e enveredar
-pelo caminho que se nos afigura ser
-o melhor.</p>
-
-<p>Quem quizer fazer alguma coisa entre nós é
-preciso revestir-se duma paciencia sem limites
-e ter uma coragem excepcional, por isso que
-tem de se defrontar com a indiferença de toda
-uma nação cançada de aventuras, exausta por
-um longo periodo de desilusão e enganos. Tudo
-contribue para o desleixo fisico e moral em que
-vivemos, desde o sol dôcemente enlanguecedor,
-até á ironia dissolvente com que se recebem todos
-os enthusiasmos e todas as emprezas que
-não tenham por fim o lucro material.</p>
-
-<p>E no emtanto não devemos desistir da lucta,
-devemos pelo contrario ir juntando elementos e
-amontoando verdades até que a luz se patenteie
-a todos os olhos e seja visivel a todos os cerebros.</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_50" id="Page_50">[Pg 50]</a></span></p>
-
-<p>Uma das nossas maiores vergonhas nacionaes
-é, por certo, o analfabetismo, mas o que
-agrava essa vergonha é que, no continente, é a
-grande maioria das mulheres que eleva pavorosamente
-a cifra dos analfabetos.</p>
-
-<p>E ha ainda quem lhes diga que fiquem <i>em
-casa a educar os filhos</i>, em vez de pretenderem
-ganhar o seu pão honestamente pelo trabalho!</p>
-
-<p>Mas ensinar o quê, se ellas não sabem o
-mais elementar, se muitas vezes nem sabem
-ler e escrever!?</p>
-
-<p>Dirão que só a mulher do baixo povo é tão
-completamente ignorante, mas o que é certo é
-que pequenissimo é o numero das mulheres que,
-embora saibam ler, se preocupem com as questões
-intelectuais e possam, portanto, ser educadoras
-dos proprios filhos.</p>
-
-<p>E todos sabem, principalmente os professores,
-quanto custa ensinar crianças que não tiveram
-a abrir-lhe o caminho da inteligencia, o
-cultivo amoravel da familia, principalmente da
-mãe.</p>
-
-<p>Para ellas tudo é novidade, desde o que<span class="pagenum"><a name="Page_51" id="Page_51">[Pg 51]</a></span>
-seja uma montanha até ao pão que metem na
-bôca.</p>
-
-<p>Os professores, mesmo sem querer, o fazem
-sentir ás crianças, e é esse sem dúvida o
-maior castigo das mulheres ignorantes, que
-julgam cumprir o seu dever de mães de familia
-governando a casa e vestindo com elegancia
-os filhos.</p>
-
-<p>Mas a triste verdade a confessar, e que é
-muito para meditar, é que&mdash;do milhão de portuguêses
-que sabem ler e escrever a sua lingua,
-apenas um terço são mulheres!</p>
-
-<p>E ainda se queixam quando se diz que a
-mulher no nosso paiz é inerte, ignorante e frivola!</p>
-
-<p>A unica superioridade admitida no nosso
-tempo, por mais que se queiram iludir os grandes
-da terra, é a da inteligencia. Os mais instruidos
-são, evidentemente, os superiores, os
-fortes, seja qual fôr a sua posição.</p>
-
-<p>No tempo em que o mundo se levava á espadeirada,
-a força fisica era superior á intelectual
-e os homens podiam tornar-se senhores
-pelo poder musculoso do seu braço; hôje a<span class="pagenum"><a name="Page_52" id="Page_52">[Pg 52]</a></span>
-força fisica vale muito como educação e muitissimo
-para produzir saudaveis criaturas, mas
-vale muito pouco para aferir superioridades.
-Aliás teriamos de acatar o moço de fretes, que
-pega numas poucas de arrobas como quem
-pega num braçado de flôres, e proclamá-lo
-superior, nosso indiscutivel chefe.</p>
-
-<p>Ninguem irá buscar um hercules de feira
-broncamente estupido para o comparar e achar
-superior ao sabio empalidecido e enfraquecido
-pelas vigilias do estudo.</p>
-
-<p>O que falta no nosso paiz é a instrução,
-principalmente a instrução prática que faz progredir
-um povo. Quando é preciso traçar uma
-linha ferrea, vêm engenheiros do estrangeiro;
-quando necessitâmos dum porto, lá estão as
-companhias estrangeiras; quando uma cidade
-quer abastecer-se de agua, lá estão os estrangeiros
-para lha fornecer; quando é preciso
-montar um arsenal ou uma fabrica, lá estão
-os especialistas estrangeiros.</p>
-
-<p>Quasi tudo o que se faz no nosso paiz é práticamente
-dirigido por estrangeiros e estrangeiras.
-Ainda destas a quantidade não é tão<span class="pagenum"><a name="Page_53" id="Page_53">[Pg 53]</a></span>
-grande, mas lá chegaremos, e quando quizermos
-utilizar as nossas mulheres em muitos e
-variados mesteres, que o futuro por força lhes
-hade entregar, já não encontraremos logares
-vagos.</p>
-
-<p>Não nos deixemos embalar com o sonho do
-passado; pensemos no futuro, que é o trabalho
-e a educação.</p>
-
-<p>Fomos ha tres seculos um punhado de aventureiros
-que realisou a maior aventura que
-ainda se havia visto, e imaginâmos que tudo
-será perdoado a quem tanto fez e a quem tão
-maravilhosamente o soube cantar.</p>
-
-<p>Mas os tempos são outros, as necessidades
-muito outras, e a vida já se não leva a descobrir
-caminhos por <i>mares nunca dantes navegados</i>.</p>
-
-<p>Hôje, que o nosso pequeno planeta está
-visto por todos os lados, achâmo-lo pequeno e
-temos fome e sêde de mais alguma coisa. O
-homem não se cança de saber, de procurar lêr
-o passado nas pedras fragmentadas dos monumentos
-soterrados, como de procurar o futuro
-nos espaços faiscantes de sóes; a tudo aspira<span class="pagenum"><a name="Page_54" id="Page_54">[Pg 54]</a></span>
-pela inteligencia, tudo quer comprehender e
-possuir.</p>
-
-<p>A mulher entre nós não póde, por deficiencia
-de educação e excessivo acanhamento, ser
-a util companheira de tal homem.</p>
-
-<p>Na idade-média a mulher podia esperar o
-marido, que ia ás aventuras fabulosas, sentada
-ao bastidor ou á róda de fiar, tecendo com suas
-brancas mãos o linho que por si e pelas suas
-criadas fôra fiado. Ignorante e passiva, era a
-digna esposa do senhor brutal que só conhecia
-o direito da força.</p>
-
-<p>No seculo <span class="smcap">XX</span> a mulher tem de ser outra,
-porque outro é tambem o homem e muito diferente
-o seu ideal.</p>
-
-<p>Educar a mãe para ser a educadora dos filhos;
-educar a mulher em geral para viver de
-si mesma, e para si, quando pertença á enorme
-legião das que ficam solteiras e portanto,&mdash;<i>sem
-filhos a educar nem casa a governar</i>, deve ser
-um dos nossos mais porfiados empenhos.</p>
-
-<p>É este o verdadeiro feminismo.</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_55" id="Page_55">[Pg 55]</a></span></p>
-
-<hr class="chap" />
-
-<p class="half-title">AS MULHERES E A POLITICA</p>
-
-<hr class="chap" />
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_56" id="Page_56">[Pg 56]</a></span><br /></p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_57" id="Page_57">[Pg 57]</a></span></p>
-
-
-
-<div class="chapter-beginning" style="width: 800px;">
-<img src="images/header-p057.jpg" width="800" height="233" alt="Page 58 Header" title="Page 58 Header" />
-</div>
-
-<h2 class="no-break"><a name="As_mulheres_e_a_Politica" id="As_mulheres_e_a_Politica"></a>As mulheres e a Politica</h2>
-
-<div class="blockquot-half">
-
-<p><i>A mulher não hade fazer politica?
-Então não hade ocupar-se, já
-não digo da sua, mas da sorte de
-seu marido, dos seus filhos, ella
-que é toda dedicação?!</i></p>
-
-<p>
-<span class="smcap">Dr. Bernardino Machado.</span><br />
-</p></div>
-
-<div>
- <img class="drop-cap" src="images/dropcap-t.png" width="75" height="76" alt=""/>
-</div>
-
-<p class="drop-cap">Transcreve um diario radical,<a name="FNanchor_2_2" id="FNanchor_2_2"></a><a href="#Footnote_2_2" class="fnanchor">[2]</a> não sei
-se irritado pelos ultimos casos da politica
-portuguêsa, um artigo de Urbain Gohier,
-publicado no jornal <i>L'Action</i>, em que as mulheres
-são verberadas violentamente, por isso
-que se prova que em politica só se obedece aos
-seus caprichos, e os seus desejos se antepõem
-<span class="pagenum"><a name="Page_58" id="Page_58">[Pg 58]</a></span>aos mais urgentes negocios de estado, de que
-dependem os destinos duma nação.</p>
-
-<p>Porventura é isso novidade para alguem?
-Julgaram os homens, por acaso,&mdash;tamanha será
-a sua ingenuidade?!&mdash;que podiam em vão dispôr
-de metade da humanidade, redusi-la ao papel
-farfalhudo de <i>deusa do lar</i>, <i>nuvem</i>, <i>anjo</i>,
-<i>demonio</i>, e todas quantas mais banalidades se
-têm dito e escripto ha seculos, e dizer-lhe:&mdash;fica
-ahi! o teu destino é agradar-me ou servir-me,
-conforme o meu capricho de senhor!?</p>
-
-<p>Não penses; não queiras sahir dos meus
-braços, que é só onde podes encontrar o luxo, a
-alegria, a vaidade satisfeita, a preguiça que te
-pode conservar a belleza material, mas que te
-anúla por completo a vontade e a inteligencia,
-que dispenso... Salvo se precisar da tua graça
-e do teu espirito para chamar aos meus salões
-os que a minha energia não conseguir domar,
-mas é conveniente que esse mesmo espirito seja
-frivolo, feito de sorrisos e de <i>frases do dia</i>, facil
-para qualquer mulher, medianamente inteligente,
-posta num meio em que as emoções de
-arte aguçam os nervos, e o conforto, o luxo, e o<span class="pagenum"><a name="Page_59" id="Page_59">[Pg 59]</a></span>
-convivio com pessôas distinctas, adelgaçam intelectos
-e limam as arestas plebeias, que denunciariam
-logo a humilde procedencia...</p>
-
-<p>Pois a mulher que só vive de vaidades, que
-tem a sua orbita limitada a seguir o <i>astro rei</i>
-como palida lua sem luz propria; a mulher
-que geralmente só tem um nome respeitado
-quando o homem lho dá; a mulher que é educada
-para agradar ao homem, para arranjar
-pelo casamento uma situação definida na sociedade;
-a mulher sem um fim determinado na
-sua vida individual, sem um pensamento nobre
-a elevar-lhe as aspirações; a mulher escrava
-pela força e submetida pelas leis, vinga-se como
-sempre se vingaram os escravos&mdash;corrompendo.</p>
-
-<p>O que desejam as mulheres auferir do homem
-que as não associou a nenhum dos seus
-pensamentos e actos, que a aceita como um presente
-e a conserva como um luxo? O que todo
-o inferior pretende tirar do que se lhe quer impôr
-como <i>senhor</i>, numa revolta amarga de impotencia&mdash;a
-maior soma de gôso proprio junto
-ao menor esforço para o conseguir; o seu prazer,<span class="pagenum"><a name="Page_60" id="Page_60">[Pg 60]</a></span>
-a felicidade egoista de quem não tem um
-nobre ideal a orientar-lhe a senda da vida.</p>
-
-<p>É pois criminosa a mulher, e muito, mas
-criminosa como a criança que inconscientemente
-empurrasse para o abysmo o seu proprio
-irmão.</p>
-
-<p>Responsavel é só o homem, que, cheio de
-orgulho, não procura na mulher uma companheira,
-uma igual, mas uma inferior, embora
-finja endeusá-la para a conservar na rotina e
-no servilismo. Tira-lhe a instrução e a sciencia,
-como alimentos improprios para estomagos
-delicados, e deixa-lhe o sonho e a fantasia, que
-as tortura na ânsia louca de encontrar na vida
-real o imprevisto de sensações romanescas,
-que seduz principalmente os ignorantes.</p>
-
-<p>Culpado é só o homem que afastou a mulher
-proba e culta de todas as luctas em que o destino
-de ambos se joga,&mdash;pois que a politica é,
-ou deve ser, a arte de bem dirigir uma nação,
-e a nação pertence tanto ao homem como á mulher&mdash;para
-se deixar governar por intrigantes
-quasi sempre deshonestas, as mais das vezes
-inconscientes instrumentos doutros ambiciosos.</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_61" id="Page_61">[Pg 61]</a></span></p>
-
-<p>Afastaram a mulher das altas preocupações
-do espirito, puzeram-lhe ao pensamento e á vontade
-uma barreira de preconceitos e de ignorancia,
-e queixam-se porque ella usa das armas
-que tem e gosa o fructo do orgulho masculino!</p>
-
-<p>Indignam-se contra as mulheres e são os
-proprios homens cultos que transigem com
-ellas, nas suas crenças e prejuisos; elles, os que
-não têm pejo de dizer publicamente que&mdash;embora
-se sintam libertados, embora os seus espiritos
-pairem alto numa atmosfera de saber e de
-certeza que os orgulha&mdash;consentem que as esposas
-continuem a crêr o que elles descrêm, a
-vêr o que elles não vêem, a seguir o que elles
-não seguem,&mdash;porque querem ser <i>tolerantes</i>!</p>
-
-<p>Não comprehendem, ou não querem comprehender,
-o que é peor, que a mulher representa
-mais do que o homem na constituição da
-familia, porque é a ella que pertence o filho
-nos seus primeiros annos, porque á mãe está
-confiada a filha até passar para as mãos do
-marido. E quantas vezes o homem, num ingenuo
-sorriso de criança, encontra os laços que no
-futuro lhe hão de manietar o espirito, ou, em<span class="pagenum"><a name="Page_62" id="Page_62">[Pg 62]</a></span>
-caso de resistencia, o fundamento para luctas
-que lhe despedaçarão a felicidade se teimar em
-não se deixar vencer pela persistente e dôce
-propaganda das crenças femininas.</p>
-
-<p>A mulher não póde cortar abruptamente
-com um passado, que é toda a sua vida espiritual.</p>
-
-<p>É preciso que uma forte instrucção a liberte
-de caprichos infantis e lhe dê a lucida e precisa
-noção do que deve ser a sua força moral.</p>
-
-<p>Torna-se preciso que o homem já educado
-eduque a sua companheira; que o homem livre
-escolha a mulher já livre; ou que o homem
-saiba transigir com os laços seculares que
-muitas vezes ligam a mulher solteira á familia
-e á tradição, mas só quando tiverem a certeza
-de que esses espiritos, momentaneamente libertados
-pelo amôr, não voltarão mais tarde, numa
-crise de fastio e abandono, aos ideaes com que
-fôram embalados os seus aureos sonhos de menina...</p>
-
-<p>Não é negando e demolindo que se fórma a
-nova alma feminina, que, por sua vez, transformará
-o mundo; é elevando a consciencia e<span class="pagenum"><a name="Page_63" id="Page_63">[Pg 63]</a></span>
-construindo um novo templo de amôr e bondade
-humana, irredutivel e forte, onde o espirito
-se inunde de luz e não possa mais mergulhar
-na treva.</p>
-
-<p>O homem livre, o mais responsavel, aquelle
-que nos seus jornaes, nos seus livros, nas suas
-conferencias, mais clama pela educação da mulher,
-reconhecendo na sua falta toda a servidão
-das sociedades burguêsas; esse mesmo, falto
-de logica quasi sempre, não se faz acompanhar
-da sua esposa ou das suas filhas, não as póde
-apresentar como exemplo ás outras mulheres,
-porque, em geral, são ellas as primeiras a abominar
-as suas ideias.</p>
-
-<p>Quando mesmo as não contrariem nem abominem,
-perfilhando-as algumas vezes, são raras
-as que o queiram confessar publicamente, sabendo
-muito bem que o homem português tem
-o terror instinctivo da mulher culta e intelectualmente
-independente.</p>
-
-<p>E só assim ella deixará de ser a pedra atada
-ao pescoço do homem, que em vão se esforça
-por fugir á corrente da moda em que a maior
-parte dos espiritos masculinos vem a naufragar.</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_64" id="Page_64">[Pg 64]</a></span></p>
-
-<p>Não é a mulher educada e orientada na
-consciencia dos seus deveres e obrigações sociaes
-a que merecerá nunca a frase seguinte
-do jornal a que me refiro:&mdash;<i>capricho que é
-um erro proprio da fórma de ser do espirito
-feminino</i>.</p>
-
-<p>O espirito da mulher não tem atributos proprios,
-como a sua inteligencia e as suas aptidões
-não podem ser limitadas autoritariamente,
-circunscriptas a um certo e inultrapassavel
-perimetro.</p>
-
-<p>Ha mulheres caprichosas por defeitos de
-educação ou de temperamento, consumidas de
-mesquinhas invejas e pequenas revoltas de impotentes,
-como ha tantissimos homens sem
-energia, que nas suas proprias revoltas são
-irritantes, falsos e untuosos, como costumam
-classificar as mulheres.</p>
-
-<p>Escolham os homens livres companheiras
-que egualmente o sejam; determinem-se os
-campos, forme-se a familia pelas convicções de
-cada um e não pelas convenções duma sociedade
-que não tem sinceridade nem nobrêsa, e
-a transformação será completa.</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_65" id="Page_65">[Pg 65]</a></span></p>
-
-<hr class="chap" />
-
-<p class="half-title">SER PORTUGUÊS</p>
-
-<hr class="chap" />
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_66" id="Page_66">[Pg 66]</a></span><br /></p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_67" id="Page_67">[Pg 67]</a></span></p>
-
-
-
-<div class="chapter-beginning" style="width: 800px;">
-<img src="images/header-p067-207.jpg" width="800" height="211" alt="Page 67 Header" title="Page 67 Header" />
-</div>
-
-<h2 class="no-break"><a name="Ser_portugues" id="Ser_portugues"></a>Ser português</h2>
-
-
-<div class="blockquot-half">
-
-<p>«<i>Como hade a mulher educar
-os filhos no civismo, se o não praticar?</i>»</p>
-
-<p>
-<span class="smcap">Dr. Bernardino Machado.</span><br />
-</p></div>
-
-<div>
- <img class="drop-cap" src="images/dropcap-c.png" width="75" height="74" alt=""/>
-</div>
-
-<p class="drop-cap">Conserva-se a mulher portuguêsa numa
-entorpecida indiferença pelas questões
-da actualidade, mesmo por aquellas que mais
-de perto a deviam interessar.</p>
-
-<p>Alem dos cuidados, mais ou menos caseiros,
-deveria a mulher interessar-se pelas questões
-de civismo, como pelos varios problemas sociaes,
-que tambem de perto e profundamente a
-tocam, não só na sua vida individual como na
-sua influencia na familia.</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_68" id="Page_68">[Pg 68]</a></span></p>
-
-<p>O individuo pertence á familia, a familia á
-sociedade, e o que interessa esta por força
-hade interessar aquelle, numa sociedade bem
-organisada e equilibrada.</p>
-
-<p>Não póde pois a mulher, principalmente
-quando é mãe, conservar-se na abstenção culposa
-em que tem vivido até aqui a mulher portuguêsa.</p>
-
-<p>Ao seu espirito desocupado passa tão despercebido
-que um pedaço das colonias seja retalhado
-á patria, como um novo emprestimo ou
-uma sobrecarga de impostos&mdash;que venham agravar
-as condições geraes da vida, já de si tão
-dolorosas&mdash;sejam votados e postos em execução.</p>
-
-<p>Qual a alma de mulher que vibra de enthusiasmo
-ao lêr uma pagina vehemente de patriotismo?
-Qual a que se desespera e indigna
-vendo a derrocada de caracteres que nos arrasta
-para um fim vergonhoso?!</p>
-
-<p>Convenceram-na&mdash;e ella acreditou!&mdash;de
-que não deve pensar em <i>politica</i>, porque isso
-lhe tira toda a modestia e ductil graça tornando-a
-uma desagradavel <i>Maria da Fonte</i>; e,
-no entanto, não sendo ouvida quando se trata de<span class="pagenum"><a name="Page_69" id="Page_69">[Pg 69]</a></span>
-novos emprestimos, despesas extraordinarias e
-desequilibrios orçamentaes, mais do que ninguem
-os sente e sofre ella, na sua qualidade
-de reguladora das despesas da familia.</p>
-
-<p>A mulher, e, o que é mais, a mãe, não se
-interessa pelos trabalhos intelectuais que o filho
-tem a seguir, não estuda as questões pedagogicas,
-não impõe a sua vontade, só se fôr
-para lamentar a criança, que tem de se maçar
-com tantos livros... Não pensa nem dá importancia
-á educação dos rapazes, isto é, dos homens
-que hão-de ser os maridos das suas filhas,
-os pais educadores dos seus netos; não se indignam
-nem protestam contra as injustiças e
-prepotencias que a seu lado se praticam, como
-não se enthusiasmam por uma manifestação
-da arte nacional ou por um acto de coragem e
-hombridade que levante, ao menos por instantes,
-o nome português.</p>
-
-<p>A mulher, a mãe, recebe com o mesmo sorriso
-carinhoso o filho que passou num exame
-por empenhos, como se elle fosse um consciencioso
-estudante; o que compra o emprego, sabendo
-que comete uma ilegalidade; o marido<span class="pagenum"><a name="Page_70" id="Page_70">[Pg 70]</a></span>
-que por comodismo ou por interesse aceita todas
-as imposições dos superiores, sem um protesto
-de consciencia; o noivo que apresente
-mais valiosos titulos de renda, seja qual fôr a
-sua procedencia.</p>
-
-<p>A mulher, que hade no futuro ser acusada
-por todas as faltas civicas do seu tempo, julga-se
-desobrigada porque delegou no homem
-todas as responsabilidades e todos os encargos
-da governança publica.</p>
-
-<p>Ora isto não é assim, porque, de todos os
-crimes civicos do homem, é a mulher a verdadeira
-culpada.&mdash;«<i>Deante da esposa e talvez
-ainda mais das filhas, quando civicamente educadas</i>&mdash;diz
-o sr. dr. Bernardino Machado&mdash;<i>ninguem
-se atreveria a aparecer depois duma
-má ação na sua vida publica.</i>»</p>
-
-<p>Grande é pois a responsabilidade da mulher
-no estado de depressão moral, que é a caracteristica
-da sociedade portuguêsa dos nossos
-dias.</p>
-
-<p>Não posso crêr que seja isto falta de sentimento,
-essa flôr delicada que dizem ser apanagio
-do coração feminino e que é a ultima que<span class="pagenum"><a name="Page_71" id="Page_71">[Pg 71]</a></span>
-nelle fenece; não posso crêr que a generosidade,
-o altruismo, a coragem, que em todos os
-tempos nimbaram de luz o espirito da mulher
-portuguêsa, a tenham abandonado de todo, para
-sómente se manifestarem em algumas almas
-masculinas.</p>
-
-<p>Não, não é isso possivel, que seria contrariar
-todas as leis da natureza, falsear todas as
-tradições, duvidar de tantissimos factos que
-nobilitam a mulher do nosso paiz.</p>
-
-<p>É que hoje, desinteressadas por educação e
-por habito das questões que tanto preocupam o
-espirito masculino, não pensam que&mdash;em todos
-os actos da vida nacional em que os seus nomes
-entrassem, protestando pelo direito e pelo
-dever contra a injustiça, a força e a intriga
-politica, seria uma afirmação dos seus sentimentos
-civicos e a próva de que comprehendiam
-as questões de que depende a felicidade
-da sua Patria, o futuro honrado dos seus filhos.</p>
-
-<p>Com esse simples acto espontaneo da vontade,
-provariam que o seu sexo, embora afastada
-das luctas que se dirimem dia a dia no jornalismo<span class="pagenum"><a name="Page_72" id="Page_72">[Pg 72]</a></span>
-e na politica de <i>dize tu direi eu</i>, que é
-a politica portuguêsa dos ultimos tempos, acompanha
-e apoia os homens, quando justa e nobre
-é a sua causa.</p>
-
-<p>Mostrariam conhecer os deveres e os direitos
-que assistem a todo o cidadão livre, seja
-homem ou mulher, de protestar contra os actos
-que a sua consciencia repudía, embora praticados
-á sombra das leis.</p>
-
-<p>Tendo dado essa prova de individualidade
-mostrarieis ser, senhoras, as mulheres que deveis
-ser para que os vossos filhos, no futuro
-proximo que os espera&mdash;quem sabe de que
-vergonhas e miserias tecido!&mdash;tenham a nobre
-coragem de se sacrificarem pelo resurgimento
-da Patria Portuguêsa.</p>
-
-<p>Mas sabeis porventura o que é <i>sêr português</i>,
-vós que falais a lingua que tem todas as energias
-do mar bravo e todas as doçuras dum
-poente entre pinhaes rumorejantes?...</p>
-
-<p>Sabeis o que é <i>sêr português</i>, vós que pizais
-indiferentes uma terra tantas vezes embebida
-em sangue dos que luctaram até á morte para
-a tornar uma Patria livre?...</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_73" id="Page_73">[Pg 73]</a></span></p>
-
-<p>Sabeis o que é <i>sêr português</i>, vós que respirais
-o aroma das flôres que por toda a parte
-desabrocham em hilariantes coloridos, neste
-abençoado canto do universo?!...</p>
-
-<p>Sabeis o que é <i>sêr? português</i>, vós que recebeis
-a dulcida caricia dum céo limpido, que
-passeais os vossos olhos sobre as aguas movediças
-que levaram os nossos antepassados á
-aventura gloriosa de descobrir novos caminhos
-e novos mundos maravilhosos, essas aguas que
-trouxeram, em paga de tanto esforço e tanta
-heroicidade, o oiro, as pedrarias, a riquêsa que
-deslumbrou o mundo e&mdash;ai de nós!&mdash;pela vaidade
-nos perdeu!?</p>
-
-<p>Sabeis o que é <i>sêr português</i>, senhoras!?...</p>
-
-<p>Pesa-me dizer-vos que, salvo algumas excepções,
-não o sabeis.</p>
-
-<p>Que isto vos não cause enôjo, e que sobre a
-minha cabeça não cáiam as vossas ironias e
-odios!</p>
-
-<p>Se vós o não sabeis, pouca ou nenhuma
-culpa tendes, que de longe vem o despreso pela
-vossa educação, que de bem longe vem o mal
-que nos está ligando como cadaver embalsamado<span class="pagenum"><a name="Page_74" id="Page_74">[Pg 74]</a></span>
-prompto a entrar para o tumulo historico
-das nações que só vivem do passado.</p>
-
-<p>Mas podeis ainda resistir. É tempo ainda de
-sacudir a apathia egoista em que vos conservaes
-ante todas as angustias colectivas do paiz,
-e mostrar ao mundo que o povo português não
-morreu ainda, porque as suas mulheres, as
-mães, têm sempre no coração a imagem estremecida
-da Patria, e ensinam os filhos a respeita-la,
-a ama-la mais do que á sua noiva, mais
-do que aos seus proprios pais.</p>
-
-<p>A nação amada pelas mulheres não morre
-nunca na historia.</p>
-
-<p>Martirisada, dividida, conquistada, não morre
-emquanto as mães transmitirem aos filhos,
-com o leite dos seus peitos, o sangue das suas
-veias, o fogo das suas palavras, o despreso aos
-vencedores e o amôr á terra que foi de seus avós,
-á terra onde existe a sua casa, que é o seu lar.</p>
-
-<p>Começam por ensinar-lhes no berço, acalentando-os
-com ellas, as lendas e cantares da
-sua patria; acabam por lhes indicar o caminho
-por onde enveredaram os que sofreram e morreram
-contentes pela sua gloria.</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_75" id="Page_75">[Pg 75]</a></span></p>
-
-<p>Falo-vos ao sentimento, eu sei, mais do que
-á razão, mas prouvéra a Deus que fôsse o sentimento
-que guiasse ainda o nosso paiz! Quando
-uma patria é nova, crente, esperançada e forte,
-firmando-se no amôr e no enthusiasmo dos seus
-filhos, não se prende por conveniencias, não
-recúa ante o perigo, não sabe contar os inimigos
-que a atacam, para os vencer. Por isso
-avança, torna-se inolvidavel na historia, como
-nós o fômos!</p>
-
-<p>Só na decadencia se aprende a transigir, decadencia
-que tanto póde ser material como moral,
-decadencia que é, a maior parte das vezes,
-filha só do egoismo, do desejo inferior de gosar
-sem que o gôso dos outros nos seja preciso
-para a felicidade propria.</p>
-
-<p>E no nosso paiz transige-se para se estar
-bem com todos, transige-se por preguiça de
-discutir, transige-se por uma emaranhada teia
-de preconceitos, de pequeninas considerações
-que amolecem o ânimo, quebrantam as vontades,
-e fazem das oposições uma coisa ridicula,
-porque não têm éco nas almas, ou são, quando
-muito, um brado louco e desacompanhado de<span class="pagenum"><a name="Page_76" id="Page_76">[Pg 76]</a></span>
-quem vê uma grande multidão correr para um
-abismo e nada póde fazer para a sustêr e salvar.</p>
-
-<p>Mas não ensineis a vossos filhos essa excessiva
-transigencia, senhoras! Deixai aos moços
-o enthusiasmo e a fé; não estanqueis a fonte de
-coragem e energia e justiça que existe em toda
-a alma joven!</p>
-
-<p>Levantai o espirito para mais nobres ideais,
-não vos amesquinheis numa abstenção que não é
-modestia mas ignorancia, indiferença, covardia
-das vossas almas que assim querem fugir á dôr
-forte e nobre do sêr que aspira&mdash;a ascender,
-na escala zoologica, de simples animal de instinctos
-para criatura de espirito e de vontade.</p>
-
-<p>Não tenhais mêdo da dôr intelectual que
-retorce febrilmente os nervos em convulsões de
-agonia e aperta a garganta inchada de soluços
-num estrangulamento de desespero, vós, as
-mães, que sofresteis corajosamente a dôr fisica
-de ter um filho! Tornai-vos conscias da grande
-missão que é de vosso dever desempenhar, com
-a firme certeza de que não ha paiz grande onde
-a mulher seja inferior.</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_77" id="Page_77">[Pg 77]</a></span></p>
-
-<p>Vós, mães e educadoras, que tendes a vosso
-cargo pequenas almas em embrião a despertar
-para a luz, ensinai-lhes primeiro do que tudo,
-e antes de tudo,&mdash;a serem portuguêses.</p>
-
-<p>E ser português é amar a sua terra entranhadamente,
-religiosamente, esta terra de que
-somos filhos e não podemos despresar sem nos
-despresarmos a nós mesmos.</p>
-
-<p>Ser português é aprender a sua lingua antes
-de nenhuma outra; é lêr os livros que portuguêses
-têm escripto; é conhecer os seus artistas;
-não despresar as suas industrias; comer o
-producto da sua terra; amar as paisagens, ora
-recortadas em fundo grandioso de montanhas,
-ora espraiando-se em campinas onde as searas
-ondulam em marés verdes de esperança e
-os gados pastam com fartura; cantar as suas
-canções; folgar com as festas do seu povo;
-amar a sua flóra tão simples e graciosa; estudar
-a sua arte em todas as manifestações, desde
-a bilha de barro abrindo-se em duas azas, recordando
-a amfora romana, tão gentilmente
-posta sobre a cabeça da rapariga de Coimbra,
-até á magnificente fabrica do mosteiro da Batalha,<span class="pagenum"><a name="Page_78" id="Page_78">[Pg 78]</a></span>
-sem esquecer o mobiliario severo e nobre
-dos nossos avós, a ourivesaria subtilmente
-trabalhada, os tecidos, a ceramica, as rendas,
-que, em tudo, houve tempo em que fomos
-<i>alguem</i>.</p>
-
-<p>Se o não somos hôje, cuidais que os artistas
-e a patria é que são os responsaveis de tão grandes
-decadencias?</p>
-
-<p>Não; uma, não póde nada, prisioneira do oiro
-nas mãos dos usurarios; os outros, sem estímulo
-nem público que lhes pague as fadigas e
-os empurre para o exito, ou lhes mostre pelo
-despreso a inferioridade do trabalho, retiram-se
-do campo onde a mediocridade dá leis. São
-poucos os que á força de vontade e coragem
-conseguem não esmorecer, trabalhando mais
-para satisfação propria do que pelos lucros materiais.</p>
-
-<p>Que a Arte não dá hôje gloria em Portugal,
-e muito menos riqueza.</p>
-
-<p>Se não sômos o que já fômos é que uma
-educação fundamentalmente portuguêsa falta
-por completo no nosso paiz.</p>
-
-<p>A criança começa por interessar os olhos<span class="pagenum"><a name="Page_79" id="Page_79">[Pg 79]</a></span>
-ingenuos nas estampas dos livros estrangeiros&mdash;ou
-vindas do estrangeiro para adaptar a coisas
-portuguêsas, o que é peor ainda!&mdash;por lêr
-traduções das historias que nos outros paizes
-se fazem para os pequeninos; por vestirem luxuosos
-vestidos cujos modelos vieram de fóra;
-por só apreciarem as flôres exoticas cultivadas
-com mimos de estufa, despresando a simples
-e honesta flora portuguêsa, tão espontanea e
-bella; por vêr as habitações dum tão duvidoso
-gosto de importação, os brinquedos, a loiça, os
-navios, os carros, os velocipedes, que tudo nos
-vem do estrangeiro e nos dá o aspecto banal e
-miseravel de povo sem nacionalidade.</p>
-
-<p>Só vós, senhoras, podereis levantar-nos
-desta situação por demais incaracteristica e infamante!</p>
-
-<p>Só vós podereis insuflar na alma dos moços o
-respeito pelo passado, o horror da situação
-presente, e a esperança consoladora num futuro
-melhor!</p>
-
-<p>Num futuro que não está nos cursos complicados,
-nas repartições da burocracia, nos
-feitos das vanglorias militares com <i>sobados</i> africanos,<span class="pagenum"><a name="Page_80" id="Page_80">[Pg 80]</a></span>
-mas nas oficinas, nas fabricas que nos
-poderão criar industrias exportadoras, no cultivo
-da terra que nos dá o pão do nosso sustento,
-o linho da nossa roupa, as fructas mais
-delicadas, o arroz, a cortiça, o vinho, as conservas,
-e tantissimas coisas que já hôje se exportam
-a mêdo e que poderão ser outras tantas
-fontes de riqueza, se a ellas se dedicarem inteligencias
-e dinheiro que mal parados andam
-umas e outro.</p>
-
-<p>E nós, as mulheres, que temos nas nossas
-mãos a alma dos nossos filhos, que é como
-quem diz o futuro e a esperança, ensinêmos-lhes
-a despresarem o caminho das transigencias
-acomodaticias e a fugir do fatalismo musulmano
-com que temos acolhido, de braços
-cruzados, todos os desastres e toda a decadencia
-da nossa nacionalidade.</p>
-
-<p>Preparêmo-los para que entrem na vida
-cheios de coragem e energia para o trabalho,
-renegando as miserias e as vergonhas de agora,
-e façam resurgir das ruinas duma sociedade
-que se anulou a si mesma, um Portugal novo,
-conscio de si, altivo e digno.</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_81" id="Page_81">[Pg 81]</a></span></p>
-
-<p>Nas vossas mãos, senhoras, está a rehabilitação
-das humilhações e vergonhas que ha dois
-seculos formam o triste fundo da nossa vida
-pública.</p>
-
-<p>Nas vossas mãos está a morte definitiva da
-Patria Portuguêsa ou o seu resurgimento para
-o trabalho e para a vida.</p>
-
-<p>Ponhâmos de parte as frivolidades que nos
-ensinaram a crêr que são a maior graça do
-nosso sexo, e sejâmos <i>mulheres</i> como o devemos
-ser:&mdash;criaturas conscientes e autónomas,
-companheiras e aliadas do homem, as verdadeiras
-educadoras de seus filhos.</p>
-
-<p>Como a dama romana que mostrava os filhos
-como as unicas joias de preço que possuia,
-tiremos nós mais gloria em mostrar os nossos
-como cidadãos livres, sobrios e honestos, em
-vez de lhes darmos exemplos de ostentação e
-grandêsa que se não coadunam com a modestia
-da nossa terra e só provam a decadencia moral
-da sociedade em que vivemos.</p>
-
-<p>Pensai nisto, senhoras, e ensinai-o a pensar
-a vossas filhas, porque tem mais interesse para
-o seu futuro e para o dos seus noivos do que o<span class="pagenum"><a name="Page_82" id="Page_82">[Pg 82]</a></span>
-ultimo figurino, ou a ultima valsa tocada de
-ouvido ao piano.</p>
-
-<p>Fazei de vossos filhos homens saudaveis de
-corpo e de alma, e das vossas filhas as companheiras
-dignas desses homens, capazes de
-os auxiliar no trabalho, alegres nas privações
-como modestas na grandêsa, e tereis cumprido
-a mais bella missão da mulher, dado a mais
-alta lição de verdadeiro e salutar patriotismo.</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_83" id="Page_83">[Pg 83]</a></span></p>
-
-<hr class="chap" />
-
-<p class="half-title">NO ANNIVERSARIO DUMA ESCOLA</p>
-
-<hr class="chap" />
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_84" id="Page_84">[Pg 84]</a></span><br /></p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_85" id="Page_85">[Pg 85]</a></span></p>
-
-
-
-<div class="chapter-beginning" style="width: 800px;">
-<img src="images/header-p085-241.jpg" width="800" height="213" alt="Page 85 Header" title="Page 85 Header" />
-</div>
-
-<h2 class="no-break"><a name="No_anniversario_duma_Escola" id="No_anniversario_duma_Escola"></a>No anniversario duma Escola</h2>
-
-<div>
- <img class="drop-cap" src="images/dropcap-p.png" width="75" height="75" alt=""/>
-</div>
-
-<p class="drop-cap">Pela descripção da festa realisada este
-anno<a name="FNanchor_3_3" id="FNanchor_3_3"></a><a href="#Footnote_3_3" class="fnanchor">[3]</a> na «<i>Escola 31 de janeiro</i>» deveis
-saber que alguns homens dos mais notaveis
-pelos seus talentos e caracteres se referiram
-a nós, mulheres, em varias passagens das
-suas orações eloquentes. E para frisar essas
-passagens vos escrevo, porque é do vosso interesse,
-do interesse de nós todas que se trata,&mdash;e
-todas deveis saber o que valeis e quanto a
-sociedade espera e tem direito a esperar da
-vossa cultura e ação inteligente.</p>
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_86" id="Page_86">[Pg 86]</a></span></p>
-<p>Foi-me grato encontrar nas palavras da luminosa
-e bondosa alma que é o dr. Manuel de
-Arriaga, um apêlo á mulher portuguêsa&mdash;<i>que
-tem sido até hôje</i>, no seu proprio dizer, <i>o
-maior auxiliar da tirania</i>.</p>
-
-<p>Mas um auxiliar inconsciente, dizemos por
-desculpa, se a inconsciencia a póde ser, não o
-sendo a <i>ignorancia das leis</i> perante o delicto a
-punir.</p>
-
-<p>Apraz-me conhecer a opinião do infatigavel
-batalhador sr. Heliodoro Salgado, porque essa
-opinião coincide com a minha, expressa em
-muitas paginas destas mesmas cartas, espalhada
-por artigos e correspondencia particular
-que sobre o assumpto ha muito tenho escripto.</p>
-
-<p>Comoveu-me o pedido do sr. dr. Teixeira
-de Carvalho, o energico e brilhante espirito,
-feito <i>ás Mães Portuguêsas</i>.</p>
-
-<p>Não fômos esquecidas, nessa manifestação
-de quanto póde a inteligencia e a vontade aliadas
-no bem&mdash;exercicio de força que não tem
-por campo de manobras os montes e as encostas
-duma região, mas o espaço infinito do pensamento.
-Não tem horizontes que se fechem<span class="pagenum"><a name="Page_87" id="Page_87">[Pg 87]</a></span>
-em recorte de montanhas agrestes, é campo
-aberto a todas as energias e vontades, esplendente
-de luz que não queima em fantasmagorias
-dolorosas de febre, mas que ilumina as
-almas e aclara os espiritos, fazendo-os ascender
-ás regiões superiores da verdadeira e pura
-Consciencia.</p>
-
-<p>Se pudessemos ter assistido a essa reunião
-em que festejou a criança&mdash;a pobre criança portuguêsa,
-tão tristemente educada, tão despresada
-mesmo!&mdash;o amoravel apostolo da educação
-dr. Bernardino Machado, mortificar-nos-ia
-o sentimento da propria inferioridade, que não
-nos deixaria responder com a confissão das
-nossas culpas, mas tambem com o nosso libello
-acusatorio aos homens livres, que têm consentido
-em que as mulheres sejam as mais ardentes
-adversarias dos seus ideais, o auxiliar passivo
-e inconsciente da tirania e do retrocesso.</p>
-
-<p>É justa, se bem que implicada de censura
-amarga aos homens, a frase do sr. Heliodoro
-Salgado:&mdash;<i>resgatêmos a mulher da ignorancia
-a que a temos condenado e ella será a nossa
-cooperadora na revolução</i>.</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_88" id="Page_88">[Pg 88]</a></span></p>
-
-<p>Educar a mulher; torná-la util a si e aos
-seus, pelo trabalho remunerado; escolher cada
-homem livre esposa que o seja, não só do corpo
-mas tambem do espirito, não só humilde e paciente
-dôna de casa, mas nobre e inteligente
-educadora, fóco de luz e de bondade superior,
-irradiando na familia, como sol por onde se norteia
-a alma caminhando para o futuro.</p>
-
-<p>Se assim fosse, a revolução deixaria de ser
-um facto brutal e rude para ser tão sómente
-uma evolução triumfante para a humanidade
-que marcha e se resgata...</p>
-
-<p>Não ha homem que se possa dizer livre, e
-que afoitamente possa responder pela sua propria
-consciencia, em todas as horas de desfalecimento
-e de dôr, quando a seu lado tenha&mdash;ignorante,
-mas teimosa na crença; sem brilho
-na palavra, mas cheia de convicção no olhar;
-sem convencer pela razão, mas abalando pelo
-comentario de cada hora&mdash;a mulher que é a
-sua companheira, que foi talvez a sua paixão,
-que é a mãe dos seus proprios filhos.</p>
-
-<p>A mulher, sempre atrazada, por mingua de
-educação, no evolucionar das aspirações e das<span class="pagenum"><a name="Page_89" id="Page_89">[Pg 89]</a></span>
-novas crenças sociaes é o agente mais importante
-do retrocesso e da rotina.</p>
-
-<p>É ella que em politica, como em sciencia,
-como em tudo mais, é sempre pelos velhos preconceitos,
-pelo estatuído, pelo comodismo egoistico
-e enervante do <i>seguro</i>, pelo que ouviu tradicionalmente
-e não discute nem quer ouvir
-julgar nem discutir...</p>
-
-<p>Ora a tradição e o respeito pelo passado, se
-é uma virtude e um estudo indispensavel para
-o conhecimento perfeito dos costumes e reconstituição
-historica de uma época, como norma de
-vida e como crédo intangivel é a negação de
-todo o progresso e de toda a civilisação.</p>
-
-<p>Conversando ha dias com um pobre barqueiro,
-de rio acima, ouvimos-lhe, no limitado
-e pitoresco vocabulario do seu chão estilo, esta
-observação que é curiosa, pelo que nos revela
-mais do que pelo que nos diz:&mdash;agora&mdash;dizia&mdash;está
-tudo mais <i>esperto</i>. O que antigamente
-só podia fazer um homem velho no oficio
-e cheio de experiencia, fa-lo hôje, quasi sem
-custo, um rapaz de dezeseis annos. Os senhores
-haviam de vêr como rapazinhos governam ahi<span class="pagenum"><a name="Page_90" id="Page_90">[Pg 90]</a></span>
-barcos, rio acima, conhecendo todos os esteiros
-e manobrando dentro dos canaes das marinhas,
-como os velhos só o faziam dantes ao
-cabo de muitos annos lidarem por aquelles sitios.
-<i>É que está agora tudo mais esperto!</i>&mdash;Repetia,
-concluindo, a frase que era o seu bordão.</p>
-
-<p>Não é porque esteja tudo mais <i>esperto</i>, como
-queria o homensinho, comprehendem muito
-bem, mas é porque está tudo um pouco mais instruido.
-Um rapaz de dezeseis annos que sabe
-lêr o seu roteiro é incomparavelmente superior
-ao velho ignorante que só na memoria póde armazenar
-conhecimentos e esses mesmos com
-lentidão e insuficiencia adquiridos pela prática.</p>
-
-<p>A mulher portuguêsa tem vivacidade de espirito
-e assimilação facil; não lhe falta o enthusiasmo
-nem a paixão; bastaria pois que a educassem
-e a orientassem.</p>
-
-<p>Mas de quem póde esperar esse forte impulso
-libertador, unico capaz ainda de levantar
-a alma portuguêsa a toda a altura da exigente
-vida moderna? Dos pais que não educam as
-filhas como criaturas humanas e sim como
-bonecas de corda, de que é preciso vigiar o<span class="pagenum"><a name="Page_91" id="Page_91">[Pg 91]</a></span>
-maquinismo, e que em vez de lhes fornecerem
-educação que lhes garanta o futuro pensam
-com afinco em lhes amoedar o dóte, que mais
-facil lhes torne o casamento? Das mães, que não
-comprehendem o que hôje se chama educação
-feminina e ainda se surprehendem e assustam
-com inovações de que ouvem falar vagamente?
-Do homem, já amezendado na vida, comodista,
-defendendo por egoismo o que lhe satisfaz as
-aspirações de senhor; querendo a esposa muito
-sua humilde companheira, hôje prompta a servi-lo,
-ámanhã a ser a criada dos seus filhos?...</p>
-
-<p>De nenhum desses póde receber o salutar
-influxo que a torne a companheira condigna do
-homem civilisado, que a sociedade prepara no
-seio revoltoso das luctas e desesperos de hôje
-para um ámanhã mais justo.</p>
-
-<p>É dos rapazes novos&mdash;não daquelles que
-entraram na vida tarados para o ramerrão comodista
-dos empenhos e empregos públicos,
-numa covardia mórbida para a revolta e para
-a lucta&mdash;mas duma pleiade de moços a sair das
-escolas, cuja alma sentimos palpitar numa <i>aspiração
-perfeita das suas responsabilidades</i>,<span class="pagenum"><a name="Page_92" id="Page_92">[Pg 92]</a></span>
-como disse o Snr. Teixeira de Carvalho. São esses
-os que as podem encaminhar para a emancipação
-intelectual, esses os que devem colocar-se
-ao lado das suas irmãs e, tornando-as
-as suas verdadeiras companheiras, prepararem
-o seu proprio futuro de serenidade e confiança
-no lar.</p>
-
-<p>Então o homem póde entrar com segurança
-na vida e ferir as batalhas mais sangrentas
-sem o receio de ver atraiçoada a sua obra na
-propria casa, na sua familia, pela companheira
-da sua vida, e pelos filhos educados no despreso
-e no odio ás suas ideias.</p>
-
-<p>O que em Portugal se tem feito pela mulher
-é pouco e máu, mas o que se tem feito pela
-criança é ainda menos e peor, se é possivel.</p>
-
-<p>Por isso nos consola uma festa como a da
-<i>Escola 31 de Janeiro</i>, iniciativa de rapases das
-escolas, sustentadas em annos consecutivos de
-lucta pela esforçada coragem de dois ou três
-que não debandaram nem desanimaram, passado
-o primeiro momento do arrebatado enthusiasmo
-da alma meridional.</p>
-
-<p>Era isto, que fizeram alguns rapases das escolas,<span class="pagenum"><a name="Page_93" id="Page_93">[Pg 93]</a></span>
-isto que fazem hôje e sempre os snrs.
-Luiz Derouet, Santos Franco e outros, não afrouxando
-nunca na propaganda, não esmorecendo
-na campanha contra a indiferença do público;
-era isto o que eu desejava que as mulheres fizessem.
-Não as casadas, que têm a sua vida, os
-seus filhos, os seus encargos, mas as raparigas
-que estudam e pensam; senhoras novas e inteligentes
-que do pouco fizessem muito á força de
-energia e amôr pelas crianças, raparigas modestas
-que desejassem fazer obra de honestidade
-e proveito e não especulação caridosa para
-arranjar noivo mais depresa.</p>
-
-<p>Seriam essas, as futuras mães e educadoras,
-quem desejariamos á frente de escolas e
-institutos infantis, criados pela sua iniciativa,
-vivendo do seu benefico influxo.</p>
-
-<p>Ahi, no convivio da alma da infancia, tão
-obscura e complexa, aprenderiam o seu papel
-de mulheres na familia.</p>
-
-<p>Na <i>créche</i>, ellas aprenderiam a enfachar um
-pequenino corpo leitoso e mole, que mais tarde
-a natureza lhe porá ao seio e que as suas mãos
-inhabeis mal poderão tocar com mêdo de que<span class="pagenum"><a name="Page_94" id="Page_94">[Pg 94]</a></span>
-se despedace. Aprenderiam quais as doenças
-que mais adquire a primeira infancia; qual a
-maneira de as evitar e combater, o que se chama
-a hygiene propriamente infantil.</p>
-
-<p>Na <i>escola maternal</i>, aprenderiam, ensinando,
-como é facil educar e instruir crianças de
-menos de seis annos, conservando-as sempre
-na atmosfera alta da curiosidade e da aprendisagem.</p>
-
-<p>Na <i>escola primaria</i> comprehenderiam quanto
-é agradavel e facil ensinar crianças, quando a
-familia ou a primeira escola as enviarem já
-com o raciocinio desabrochado e com certas
-noções da vida e da natureza que as rodeia.</p>
-
-<p>Nos <i>hospitaes</i> adiquiririam aquella prática
-de tratar os pequeninos doentes, que tão custosamente
-obtêm as mães quando a alma lhes
-sangra pelo soffrimento dos seus filhitos.</p>
-
-<p>Nas <i>escolas-oficinas</i>, nas escolas práticas
-de cosinha, de costura e de governo de casa,
-em toda a parte onde se trabalhasse pela criança,
-a mulher solteira poderia formar o seu caracter,
-conhecer e fortalecer as suas aptidões,
-fazer a si mesmo a educação que a tornasse<span class="pagenum"><a name="Page_95" id="Page_95">[Pg 95]</a></span>
-util a todos e lhe desse para o futuro a certeza
-de poder contar comsigo para provêr á propria
-subsistencia.</p>
-
-<p>A menina solteira no nosso paiz tem uma
-vida sem responsabilidades sociaes e a maior
-parte das vezes sem utilidade nenhuma.</p>
-
-<p>Anda na escola ou no collegio&mdash;as que não
-vão para os internatos&mdash;até a saia lhe descer
-do joelho e roçar no cano da bóta. Aos primeiros
-signaes da puberdade, os pais atarantam-se,
-num pánico de grandes perigos a recear, e
-a pequena recolhe a casa.</p>
-
-<p>Depois, se a fortuna o comporta, vem o professor
-particular ensinar o que póde a quem
-não estuda nem deseja saber, desde a pintura
-sem desenho até á musica sem rudimentos. As
-que não pódem ter professores ficam em casa
-com o pouco que aprenderam, a esperar que os
-annos, na sua fugitiva carreira, lhes tragam o
-noivo correspondente.</p>
-
-<p>Vestem com elegancia, mas não sabem fazer
-os seus vestidos; sabem pôr sobre os seus cabellos
-frisados o mais disforme e complicado
-chapéo, mas não o sabem enfeitar por suas proprias<span class="pagenum"><a name="Page_96" id="Page_96">[Pg 96]</a></span>
-mãos; não costuram nem bordam a roupa
-da casa; não talham as suas camisas; não
-cosinham ou sabem dirigir o jantar da familia;
-não tomam a si o encargo de criar e
-educar os irmãosinhos mais novos. As mães
-poupam-nas o mais possivel. <i>É o seu bom tempo</i>&mdash;dizem.
-<i>Deixá-las, lá virá época em que
-tudo aprendem á sua custa!...</i></p>
-
-<p>Pobres dellas! Não viram, no seu exemplo,
-quantas amarguras representa essa <i>aprendizagem
-á propria custa</i>, desde o mau humor do
-marido que vê tudo feito por mãos inexperientes
-até ao desrespeito das criadas por quem não
-as sabe mandar nem ensinar.</p>
-
-<p>A rapariga portuguêsa não é um sêr util e
-respeitavel, de que os rapazes sejam fraternaes
-companheiros, lendo os mesmos livros, interessando-se
-pelos mesmos assumptos, conversando
-naturalmente em qualquer ocasião e com qualquer
-pessôa que se encontrem.</p>
-
-<p>Não, ella é uma criatura no papel passivo
-de pretendente, esperando vagamente o numero
-da loteria&mdash;que lhe <i>dê o premio</i>.</p>
-
-<p>Depois, conforme este seja, grande ou pequeno,<span class="pagenum"><a name="Page_97" id="Page_97">[Pg 97]</a></span>
-isto é, marido rico ou pobre, terá então que
-adaptar a trouxe-mouxe as suas qualidades assimiladoras
-e resignar-se ao trabalho ou pavonear-se
-soberbamente no luxo e na inactividade.</p>
-
-<p>Para tudo está preparada, não estando habilitada
-para coisa alguma.</p>
-
-<p>A rapariga portuguêsa é, em resumo, uma
-criatura encantadora, que veste com garridice,
-que passeia nas horas de musica, que vai ás
-praias, aos theatros e ás reuniões, que ás vezes
-lê os folhetins dos jornaes e tem ataques de
-nervos, de quem os rapazes desdenham e troçam&mdash;mas
-que, por fim, virão a ser as suas
-mulheres.</p>
-
-<p>Quantas não têm o desejo de se tornar uteis,
-de ganhar <i>para os seus alfinetes</i>, de terem uma
-ocupação que as enobreça aos seus proprios
-olhos e as habilite a serem mais tarde livres
-pelo seu trabalho?!</p>
-
-<p>Mas, entorpecidas pela educação, deprimidas
-pelos estreitos habitos da vida portuguêsa, resignam-se
-a não serem mais do que as outras&mdash;umas
-eternas aspirantes ao casamento.</p>
-
-<p>Inteligente e dedicada como é, em geral, a<span class="pagenum"><a name="Page_98" id="Page_98">[Pg 98]</a></span>
-mulher portuguêsa, que grande e bella obra
-social não faria, quem a pudesse interessar
-pelas duas questões capitaes de que depende o
-resurgimento da nossa patria e o futuro da
-nossa raça:&mdash;o trabalho livre e remunerado
-para a mulher, a educação, fisica e intelectual,
-da mísera criança portuguêsa.</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_99" id="Page_99">[Pg 99]</a></span></p>
-
-<hr class="chap" />
-
-<p class="half-title">A MULHER DE HA TRINTA ANNOS
-E A MULHER DE HÔJE</p>
-
-<hr class="chap" />
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_100" id="Page_100">[Pg 100]</a></span><br /></p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_101" id="Page_101">[Pg 101]</a></span></p>
-
-
-<div class="chapter-beginning" style="width: 800px;">
-<img src="images/header-p101-149-223.jpg" width="800" height="169" alt="Page 101 Header" title="Page 101 Header" />
-</div>
-
-<h2 class="no-break"><a name="A_mulher_de_ha_trinta_annos_e_a_mulher_de_hoje" id="A_mulher_de_ha_trinta_annos_e_a_mulher_de_hoje"></a>
-A mulher de ha trinta annos e a
-mulher de hôje</h2>
-
-<div>
- <img class="drop-cap" src="images/dropcap-s.png" width="75" height="75" alt=""/>
-</div>
-
-<p class="drop-cap">Se perguntarmos aos que ora entram
-com desplante na vida, julgando que
-nada devem ao passado, que o presente é obra
-sua, e o futuro lhes pertence, o que era a ilustração
-da mulher portuguêsa de ha trinta annos,
-não haverá ahi rapaz ou rapariga de mediana
-educação que não solte uma gargalhada
-escarninha, ou que, ao menos, não franza a
-bôca num tregeitar de troça.</p>
-
-<p>É que essa época de romantismo agudo avulta
-a nossos olhos a turba desgrenhada das jovens
-que recitavam ao piano, com os olhos
-no infinito; que dormiam de colete para adelgaçarem<span class="pagenum"><a name="Page_102" id="Page_102">[Pg 102]</a></span>
-a cinta, defumavam o rosto para obterem
-a palidez interessante que a moda reclamava
-ás heroinas tisicas, que sonhavam com o
-menestrel choroso que por noites luarentas as
-viria buscar para um eterno <i>duo</i> de amôr, na
-<i>cabana</i> ideal onde se vivia... do ar.</p>
-
-<p>Essas eram as exageradas de todas as escolas,
-as desvairadas de todos os tempos. Mas ao
-lado dellas, as sãs, as ajuisadas, que liam os
-mesmos livros e conheciam as mesmas poesias,
-não se deixavam levar em excessos de romantismos
-piegas, mas amavam os seus poetas e
-comprehendiam a literatura do seu tempo.</p>
-
-<p>Não ha por ahi senhora da geração de nossas
-mães, rudimentarmente educada que fosse,
-que não tenha chorado com os romances de
-Camillo, que não tenha discutido e amado Julio
-Diniz, que não conheça Garrett e Herculano,
-que se não lembre com saudade da <i>Lua de
-Londres</i>, que não tenha recitado Soares de Passos,
-Castilho, Palmeirim e Thomaz Ribeiro,
-que não tenha cantado essas poesias, que entraram
-no ouvido de todos em modilhas e cantatas,
-compostas por musicos ignorados.</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_103" id="Page_103">[Pg 103]</a></span></p>
-
-<p>Isto numa época em que a mulher não tinha,
-como a de hôje, facilidade em se instruir,
-em que a instrução por essas provincias fóra
-era um caso esporadico, em que os liceus lhe
-não eram franqueados e nas escolas superiores
-se falava do exemplo de Publia Hortensia de
-Castro, que cursou a Universidade vestida de
-homem, como dum caso fabuloso, porventura
-menos provavel do que a sabedoria de Minerva,
-a deusa mitologica da sciencia.</p>
-
-<p>O que significa que a mulher joven ha trinta
-ou quarenta annos, sem ter a alta cultura duma
-grande dama da côrte brilhante de D. Manuel,
-era, sem dúvida, muito superior á de hôje, que
-não conhece os seus escriptores nem comprehende
-os seus poetas.</p>
-
-<p>Se bem que a Arte, embora na sua fórma
-mais intelectual,&mdash;a literatura&mdash;não possa
-dar á mulher o grau de conhecimentos, a soma
-enorme de noções exatas da sciencia que são
-necessarias para constituir hôje a educação de
-qualquer criatura regularmente culta, é bem
-certo que eleva as almas e constitue um dos
-mais nobres ideais da existencia humana.</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_104" id="Page_104">[Pg 104]</a></span></p>
-
-<p>«A mulher desconhece os escriptores do seu
-tempo e deixou de se preocupar pela literatura,
-porque não temos romancistas que a interessem
-e os poetas deixaram de lhe falar ao coração...&mdash;costuma
-dizer-se para desculpar uma
-falta que todos reconhecem e da qual ninguem
-se confessa culpado.</p>
-
-<p>Seguramente que a maior, se não a unica
-responsavel, é a mulher que assiste, sem comprehender,
-ao avançar victorioso da civilisação,
-que hade expulsar os ignorantes como párias
-inuteis numa sociedade que se encaminha para
-a luz.</p>
-
-<p>Poetas e prosadores deixaram, é certo, a
-azinhaga florida do romantismo para seguirem
-pela estrada arejada de um novo ideal estético,
-para uma fórma mais verdadeira e humana.
-Mas porque os não seguem as mulheres? Porque
-se quedam numa indiferença que as distanceia
-do seu tempo, que as torna tão alheias a
-tudo quanto interessa o homem do seu paiz,
-da sua sociedade, do seu proprio lar?</p>
-
-<p>Não lêr porque não ha quem escreva a seu
-gosto no nosso paiz é... apenas uma desculpa.<span class="pagenum"><a name="Page_105" id="Page_105">[Pg 105]</a></span>
-Temos hôje, como sempre tivémos, quem
-escreva bem. Todos os annos, a par da grande
-alluvião de livros sem valôr que ficam nos depositos
-das casas editoras para serem vendidos
-ao peso do papel, ou dados como brinde a
-quem compra outros livros, publicam-se os
-bastantes para saciar a curiosidade vulgar em
-quem tem o habito da leitura.</p>
-
-<p>O que falta não são os escriptores nem as
-suas obras.</p>
-
-<p>Falta o público que dê no seu aplauso ou no
-seu desagrado o incitamento de que precisa todo
-o artista para fazer obra em que pônha toda
-a alma, toda a energia do seu espirito, na inspiração
-de progredir e vencer a concorrencia,
-que então se dá material e áspera, mas compensadora
-para os triunfantes.</p>
-
-<p>Quem lê no nosso paiz? Uma minoria de
-intelectuaes, que preferem a literatura estrangeira,
-e que a maior parte das vezes não compram
-sequer os livros portuguêses, que poderão
-ler de emprestimo ou oferecidos.</p>
-
-<p>Lê o povo bastante, mas o povo das cidades,
-e principalmente os operarios, os livros dos<span class="pagenum"><a name="Page_106" id="Page_106">[Pg 106]</a></span>
-propagandistas, as brochuras que os chamam
-á consciencia da sua grande miseria; ou lê os
-romances sensacionaes, ultimamente, e por felicidade,
-substituidos pelos grandes romances
-historicos ás cadernetas, ilustrados, que têm
-a enorme vantagem&mdash;quando não tenham outra&mdash;de
-ser portuguêses e não habituar o povo
-a dizer nomes disparatados e ridiculos que lhe
-servem nas traduções.</p>
-
-<p>Não lê no nosso paiz, a grande maioria dos
-homens, porque não encontram para isso tempo
-que lhes sobre dos seus afazeres ou da vida
-dispersada por cafés e clubs, na conversa
-de conhecidos e amigos encontrados sempre
-nas horas de sobejo.</p>
-
-<p>Não lêem as mulheres, o que é muito peor.
-Porque é em toda a parte o grande publico feminino
-quem lê os poetas e os romancistas,
-quem assigna os <i>magasines</i> e revistas, quem
-conhece as mais interessantes brochuras de
-viagens, quem discute os seus autores, quem
-faz, emfim, uma reputação literaria.</p>
-
-<p>Entre nós, a não ser nos centros intelectuais
-de que as mulheres só raramente fazem<span class="pagenum"><a name="Page_107" id="Page_107">[Pg 107]</a></span>
-parte, não se fala em literatura, não se conhecem
-os escriptores e não ha&mdash;o que é significativo&mdash;o
-menor desejo de os conhecer.</p>
-
-<p>Para muitas senhoras que lêem e gostam de
-lêr é um facto desconsolador o pensarem que
-serão ridicularisadas e que os ignorantes as alcunharão
-de <i>sabichonas</i> e <i>doutoras</i>, se por acaso
-entram em conversa que transponha os limites
-literarios dos folhetins dos jornaes ou da secção
-das modas.</p>
-
-<p>Mas será isto motivo bastante para se desinteressarem
-tão completamente pela literatura
-do seu paiz?</p>
-
-<p>Fugindo do ridiculo com que fôram tão
-cruelmente perseguidas as romanticas de ha
-vinte annos, as mulheres deixaram de lêr com
-receio de que as chamassem <i>literatas</i>&mdash;o epiteto
-mais desagradavel que podia ser dito a
-uma senhora que era vista com um livro na
-mão.</p>
-
-<p>Pararam, indecisas, isto é retrogradaram,
-porque em civilisação não ha paragens que não
-sejam retrocessos.</p>
-
-<p>E foi este o motivo porque se deu o afastamento<span class="pagenum"><a name="Page_108" id="Page_108">[Pg 108]</a></span>
-cada vez mais pronunciado da mulher
-portuguêsa pela arte e pelos artistas do seu
-paiz e do seu tempo. É desolador este simptoma
-porque nos mostra como é feita sem elevação
-moral, nem intellectual, a educação das
-mulheres que hão de ser as educadoras das futuras
-gerações. Numas, as que se dizem educadas,
-os seus conhecimentos são apenas um
-mostruario vistoso de habilidades e conhecimentos
-superficiaes, que não iludem ninguem.
-Outras, conservam-se na mais boçal ignorancia,
-na mais completa indiferença pelas coisas
-do espirito.</p>
-
-<p>Mas dando de barato que, por uma estranha
-repugnancia de espirito, os escriptores de
-hôje não agradem ás mulheres, porque despresam
-tudo quanto de grande e bello tinha a do
-tempo de nossas mães?</p>
-
-<p>Por acaso deixaram os livros de Camillo de
-ser os mais humanos, os mais portuguêses, de
-quantos tem escripto e sentido um grande talento
-português? Por acaso já secaram, como
-fonte despresada em campo maninho, os lindos
-olhos das mulheres do nosso paiz, que já não<span class="pagenum"><a name="Page_109" id="Page_109">[Pg 109]</a></span>
-se arrasam de lagrimas na partida de Simão
-Botelho para o desterro e na morte da linda
-Thereza e da tragica e simples Marianna?!</p>
-
-<p>Tão perdido vai o seu gosto artistico, que
-já os seus labios se não abrem jocundos sobre
-as paginas de eterna graça, que o incomparavel
-escriptor espalhou por toda a sua grande obra?!</p>
-
-<p>Tão adversas a preocupações de espirito, que
-se não familiarisem com todo esse mundo amoravel
-e risonho que nos deixou o romancista
-que deveria ser, por excellencia, o preferido
-das mulheres, Julio Diniz?!</p>
-
-<p>Tão esquecida que já não leia toda essa
-pleiade brilhantissima de poetas e prosadores
-que foi a de Garrett e Herculano, até João de
-Deus, Anthero, Crespo, Eça, e tantos outros que
-a morte levou; sem falar nos que, por graça de
-Deus, ainda vivem e trabalham nesta Patria que
-devia ser o nosso orgulho e é o tormento de
-quem a ama e a vê tão outra do que devia ser?</p>
-
-<p>Não, a falta não é dos escriptores, a falta é
-só da mulher que não está educada bastantemente
-(apesar de certos criticos acharem que o
-está já demais!...) para discernir e escolher o<span class="pagenum"><a name="Page_110" id="Page_110">[Pg 110]</a></span>
-bom caminho que o mais vulgar senso commum
-lhe indica: uma educação séria e fundamentada,
-começando nas coisas práticas e uteis da
-vida, acabando na literatura e na arte em geral,
-que é por assim dizer a alma falante d'um povo.</p>
-
-<p>É urgente que se convençam de que a mulher
-ignorante é o mais triste e aborrecido
-verbo de encher que a sociedade agasalha. Se
-é bonita, elegante, e veste bem, começa por ser
-um prazer para os olhos e acaba por se tornar
-um desprazer maior para o espirito, quando
-responde com o mutismo da ignorancia convicta,
-ou com a tagarelice da ignorancia atrevida,
-a uma simples conversa em que pessôas
-cultas jogam com ideias e conhecimentos como
-as crianças com as irisadas bolas de sabão que
-tanto as alegram.</p>
-
-<p>Isto olhando-a pelo lado social, que na vida
-familiar os efeitos da ignorancia feminina são
-ainda de mais tristes e deleterias consequencias.</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_111" id="Page_111">[Pg 111]</a></span></p>
-
-<hr class="chap" />
-
-<p class="half-title">AS POBRES MÃES</p>
-
-<hr class="chap" />
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_112" id="Page_112">[Pg 112]</a></span><br /></p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_113" id="Page_113">[Pg 113]</a></span></p>
-
-
-
-<div class="chapter-beginning" style="width: 800px;">
-<img src="images/header-p113.jpg" width="800" height="234" alt="Page 113 Header" title="Page 113 Header" />
-</div>
-
-<h2 class="no-break"><a name="As_pobres_maes" id="As_pobres_maes"></a>As pobres mães</h2>
-
-<div>
- <img class="drop-cap" src="images/dropcap-p.png" width="75" height="75" alt=""/>
-</div>
-
-<p class="drop-cap">Porventura evocará este titulo míseras
-mulheres desgrenhadas, arrepanhando-se
-de dôr, ante a morte que lhes arranca
-dos braços os filhos estremecidos...</p>
-
-<p>Ou a visão dolorosa das que os vêm partir,
-na força da vida, frementes de esperanças
-e ambições, chamados pela lei para a guerra
-odiosa...</p>
-
-<p>Ou, ainda, pobres mulheres vagabundas,
-arrastando os seus farrapos pelas ruas e caminhos,
-mendigando baixinho, numa vergonha
-ou num pavôr, para os sêres informes que levam
-nos braços e pendurados ás saias, culturas<span class="pagenum"><a name="Page_114" id="Page_114">[Pg 114]</a></span>
-para a dôr e para a doença, crimes e loucuras
-em fermentação...</p>
-
-<p>E, entanto, não são essas as que merecem a
-epigrafe que encima estas palavras.</p>
-
-<p>É mais dôce o seu viver, mais calma a sua
-existencia...</p>
-
-<p>É ao recolhimento da vida burguêsa que iremos
-buscar essas <i>pobres mães</i>, que a sociedade
-moderna, no impulso avassalador e tiranico de
-necessidades e exigencias novas, vai fazendo
-martires pelo sentimento e pelo coração.</p>
-
-<p>São essas mulheres naturalmente inteligentes,
-mas fundamentalmente ignorantes, que
-sofrem pelo afastamento progressivo dos filhos
-do seu amôr e do seu encanto, a par e passo
-que os vêm crescer em inteligencia e saber.</p>
-
-<p>É á <i>classe média</i>, a mais numerosa e <i>nacionalisada</i>,
-a mais apegada a preconceitos e tradições,
-que vamos buscar o nosso exemplo,
-porque:&mdash;o povo operario, caminhando revoltósa
-e tumultuariamente para o futuro; o dos
-campos, muito perto ainda do primitivismo animal;
-a alta burguesia e os restos desmantelados
-das velhas aristocracias, despaízadas pela<span class="pagenum"><a name="Page_115" id="Page_115">[Pg 115]</a></span>
-educação e pela existencia só de luxo e egoismo&mdash;não
-podem fornecer os elementos comprovativos
-para a nossa these.</p>
-
-<p>Um dos muitos axiomas fabricados para satisfação
-da nossa vaidade, e que transmitimos
-gostosos pelo prazer de nos iludirmos e pela
-preguiça em nos emendarmos, é a conhecida
-frase&mdash;que faz comover sentimentalmente os
-mais áridos corações&mdash;<i>a mulher portuguêsa é
-uma bôa mãe</i>.</p>
-
-<p>Ora se olharmos a maternidade apenas como
-a funcção animal de conceber, ter o filho, amamentá-lo
-e cuidá-lo materialmente, nos primeiros
-três ou quatro mêses da sua existencia, a
-mulher portuguêsa é, realmente, uma bôa mãe.</p>
-
-<p>Tudo a predispõe para isso. A bondade
-natural da nossa raça, essa bondade passiva
-feita da indolencia atavica de sangue oriental
-que nos anda nas veias; a belleza efemera,
-quasi toda feita da frescura dos poucos annos e
-da delicadeza das linhas que a maternidade
-ainda não engrossou; o esmagamento duma
-longa série de gerações em que viveu no recolhimento
-freiratico da antiga vida portuguêsa,<span class="pagenum"><a name="Page_116" id="Page_116">[Pg 116]</a></span>
-e ainda hôje sem os cuidados rudes de procurar
-a subsistencia, encargo exclusivo do homem...</p>
-
-<p>Tudo predispõe a mulher, na doçura amolecedôra
-do nosso clima, para ser uma cuidadosa
-mãe: cheia de mimos para os seus pequenos;
-temendo vê-los chorar, como quem teme
-uma trovoada; muito ciosa das suas prerogativas,
-quando se trata do enxoval de bébé, da
-moda dos vestidos, dos chapéos e das bótas;
-sacrificando-se, em caso de doenças; tendo,
-emfim, todos os carinhos e todos os merecimentos
-duma bôa <i>aia</i>.</p>
-
-<p>Mais tarde, procurará dar ás filhas uma
-educação primorosa, segundo o seu ponto de
-vista, não se poupando ainda a sacrificios para
-que toquem no seu piano, saibam prendas de
-mãos, e um bocadinho de francês para não se
-envergonharem numa sala...</p>
-
-<p>Emquanto aos rapazes, cedo entregues aos
-professores que os levam a exame, ficam&mdash;graças
-a Deus&mdash;livres de toda a responsabilidade
-de educadora.</p>
-
-<p>Para com as filhas é mais longa a sua missão,<span class="pagenum"><a name="Page_117" id="Page_117">[Pg 117]</a></span>
-que não é desagradavel a espiritos que
-ficaram ignorantes das mais singelas regras
-de alta moral.</p>
-
-<p>Quando as raparigas chegam á idade de procurar
-marido, ahi dos dezeseis para os dezoito,
-começa para a mulher o desempenho do papel,
-annos atrás a cargo da sua propria mãe, quando
-a acompanhou a todos os divertimentos, aguentou
-calôres e frios nos passeios da móda, cabeceou
-pelas reuniões dançantes, fez sacrificios
-para lhe comprar vestidos vistosos, despojou-se
-dos seus adornos para enfeitar as filhas,
-porque&mdash;e esta frase é bem caracteristicamente
-portuguêsa e lança toda a luz no módo de ser
-e nas aspirações da nossa pobre mulher&mdash;<i>já
-agradou a quem tinha de agradar</i>.</p>
-
-<p>Agora é a vez da filha ir para <i>a amostra</i>,
-até encontrar <i>senhor</i>. Sujeitam-se a tudo: trabalham,
-quando não têm criadas, nos mesteres
-mais humildes, para que as filhas desempenhem
-o seu papel de princesinhas de contos á espera
-do principe encantado que as fará soberanas
-de deslumbrantes reinos imaginarios...</p>
-
-<p>A rapariga, assim preparada, casa emfim,<span class="pagenum"><a name="Page_118" id="Page_118">[Pg 118]</a></span>
-realisa a sua ambição, está finalmente <i>arrumada</i>&mdash;como
-é vulgarissimo dizer-se quando uma
-noiva passa, sorridente e confiada, dos mimos
-da casa paterna para os braços de um homem
-que na maior parte das vezes é quasi um desconhecido.</p>
-
-<p>Pobres dellas!... O que julgam o <i>fim</i> é apenas
-o <i>principio</i>&mdash;da sua árdua missão de mãe
-de familia.</p>
-
-<p>Deixou de ser uma criatura sem deveres
-nem responsabilidades, a quem tudo se perdôa
-e desculpa, para ser a pedra basilar desse sagrado
-templo que se chama o lar.</p>
-
-<p>Vai sêr <i>a mãe</i>! Vai pertencer-lhe, só a ella,
-por longos e dolorosos mêses, viver da sua
-vida, alimentar-se com o seu sangue, sentir
-pelos seus nervos, um pequenino ser informe
-que é o seu filho, que será para o futuro um
-homem ou uma mulher, que poderão ser uns
-criminosos ou uns santos, doentes ou sãos, devido,
-em muito, aos cuidados, preocupações e
-higiene moral e material da mãe.</p>
-
-<p>Nascido para a vida, é ainda o objecto dos
-seus cuidados e amôr. Treme pela sua fragil<span class="pagenum"><a name="Page_119" id="Page_119">[Pg 119]</a></span>
-existencia, alimenta-o com o seu leite, acalenta-o
-no seu regaço,&mdash;continúa a viver da sua
-existencia, póde assim dizer-se.</p>
-
-<p>A mãe sente-se satisfeita com esses cuidados
-que dispensa aos pequeninos seres, que lhe enchem
-de ternura e de encanto o coração; e,
-cuida, justamente, que ninguem será capaz de
-os tratar e amar como ella...</p>
-
-<p>Mas esta mulher tão cuidadosa e carinhosa
-não é, não pode ser, uma bôa mãe! Só o instincto
-a guia, e o homem de hôje é por tal fórma
-o producto de costumes e civilisações sobrepostas,
-que deixou ha muito de ser o <i>animal
-de instinctos</i>, segundo a natureza, para ser um
-producto de arte e de trabalho e de paciente
-cultura.</p>
-
-<p>Educar uma criança de hôje, não é manda-la
-para a escola para que saiba lêr e escrever; é
-muito mais do que isso!</p>
-
-<p>Ainda antes de nascer, já a criança deverá
-ser respeitada e amada, cohibindo-se a mãe de
-muita coisa que a póde prejudicar, cuidando do
-seu proprio somno, da sua alimentação, e da
-sua higiene, para que a delicada planta humana<span class="pagenum"><a name="Page_120" id="Page_120">[Pg 120]</a></span>
-desabroche vigorosa e possa resistir e desenvolver-se
-propiciamente.</p>
-
-<p>Conhecem, por acaso, a maior parte das
-mães, a responsabilidade duma gravidez?</p>
-
-<p>Sabe a mulher que casou com a educação
-que descrevemos, que do conhecimento e da
-prática de simples noções de hygiene póde evitar
-aos seus filhos terriveis males, quasi todo
-o estendal das doenças infantis, que levam para
-a terra centenares de corpinhos inermes: desde
-a enterite, que faz das mais lindas creanças pequenos
-cadaveres ambulantes, até á atrepsía
-que, sob as côres rosadas da saude, disforma
-o esqueleto, dobrando as pernas em arco, dando
-ás criancitas o andar grotesco de <i>marrequinhos</i>
-fóra da agua?</p>
-
-<p>A propria tisica, a escrofulose, a anemia,
-como as inúmeras nevróses que desvairam a
-raça humana, são quasi sempre evitaveis se
-uma vida infantil regular e higienica tonificar o
-organismo e o preparar com a resistencia precisa
-para o triumfo dos principios vitaes.</p>
-
-<p>Partindo do cuidado, quasi só material, dos
-primeiros dois ou três annos, a missão da<span class="pagenum"><a name="Page_121" id="Page_121">[Pg 121]</a></span>
-mãe redobra a cada passo de dificuldades e requer
-toda a inteligencia e a tenacidade duma
-grande obra.</p>
-
-<p>É então que todos os desvelos serão poucos
-para vigiar a consciencia que vai despertando,
-e que é necessario começar cedo a ser educada
-e dirigida para o bem.</p>
-
-<p>Não faltará quem se ria ouvindo falar em
-educação duma criança de três ou quatro
-annos; e, no entanto, nada mais sério e nada
-mais util do que saber aproveitar a franquêsa
-dessa idade, que ainda não sabe mentir, para
-conhecer na criança o homem ou a mulher que
-será no futuro. É a ocasião de poder aproveitar
-todas as qualidades de um caracter e até os seus
-defeitos, e convertê-los em virtudes, sem torcer
-a vontade nem o temperamento individual.</p>
-
-<p>E a mãe, a <i>pobre mãe</i>, que é a mulher da
-qual descrevemos o casamento, começa então
-a sentir que o seu filho se lhe escapa dos braços,
-arredando-se-lhe do coração, alheando-se-lhe
-do espirito.</p>
-
-<p>Dahi em diante, a criança, pela vida e pela
-alegria da qual ella sacrificaria gostosamente a<span class="pagenum"><a name="Page_122" id="Page_122">[Pg 122]</a></span>
-sua propria vida, dá cada dia um passo que a
-tornará uma estranha para aquella que lhe
-devia ser a mais certa e mais respeitada guia.</p>
-
-<p>É quando, cheia de curiosidade, começa a
-abrir os olhos do espirito, que se não fartam
-de luz, e pergunta tudo quanto existe, tudo
-quanto lhe fere a atenção, sempre desperta e
-voluvel.</p>
-
-<p>As coisas mais simples, como as coisas mais
-complexas, tudo procura saber e tudo é preciso
-que se lhe explique duma maneira comprehensivel.
-É o momento unico de lhe dar noções
-que nunca mais esquecem e que pela fórma
-estejam ao alcance dos seus poucos annos e
-rudimentar inteligencia, mas pela substancia
-resumem os conhecimentos e verdades que lhe
-serão uteis pela existencia fóra.</p>
-
-<p>Se a mãe não responde, a criança desinteressa-se
-de coisas sérias e torna-se futil, ou
-vae fazer as suas perguntas ao pai, quasi sempre
-mais culto, e que por esse motivo passará
-a ser considerado superior á <i>mãe ignorante</i>.
-Se a mãe, não querendo passar aos olhos da
-criança por inferior, diz uma coisa ao acaso,<span class="pagenum"><a name="Page_123" id="Page_123">[Pg 123]</a></span>
-que não é precisamente a verdade, o mal é
-ainda peor porque não tardará que a criança
-saiba, por estranhos, o contrario do que lhe disseram.</p>
-
-<p>E não imaginem que ella esquecerá, não!
-Na primeira ocasião saberá mostrar a sua estranhesa.</p>
-
-<p>Cresce: da escola <i>para sujeição</i>, onde a mãe
-a meteu por ser impossivel tê-la em casa desde
-os três annos, passa a frequentar as aulas
-públicas. Tem os seus compendios, que lhe falam
-de coisas de que não tinha a menor noção;
-cada passo é uma dificuldade, cada palavra um
-barranco, cada materia uma novidade, que o
-professor, entre tantos discipulos a reclamar-lhe
-a atenção, não tem tempo de aclarar-lhe o
-sentido. De lagrimas nos olhos, o livro na mão,
-a criança irá procurar aquella que mais estima,
-e que mais tem tido chegada ao coração desde
-que existe, para que lhe explique o que não
-comprehende. E a <i>pobre mãe</i> não saberá auxilia-la,
-terá de confessar a sua impotencia, a
-sua ignorancia, diante do filho que se desespera!</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_124" id="Page_124">[Pg 124]</a></span></p>
-
-<p>Quantas vezes, indo encontrá-lo a cabecear
-sobre o livro que não comprehende, a mãe não
-teria desejo de tirar-lh'o das mãos e, numa clara
-leitura e uma inteligente explicação, fazê-lo
-aprehender o sentido que lhe foge?!... mas...
-a <i>pobre mãe</i> não o poderá fazer, porque não
-sabe tambem! E quantas vezes a sua revolta
-de ignorante não se torna uma defesa para a
-criança mandriona, que repetirá o que lhe ouve:&mdash;<i>Para
-que serve saber isto ou aquillo?
-Sem estudar tambem se come e bebe!...</i></p>
-
-<p>Se a criança é estudiosa e inteligente, em
-vez de pensar com leviandade sobre o assumpto,
-com a aprovação da mãe, concentrará
-todo o seu espirito no estudo e irá perguntar
-aos estranhos o que em casa não poude
-saber.</p>
-
-<p>A <i>pobre mãe</i> será, aos olhos de seu proprio
-filho, uma <i>ignorante</i>, uma <i>inferior</i>.</p>
-
-<p>De dia para dia esta convicção se irá radicando
-no ânimo da criança, á medida que fôr
-adquirindo conhecimentos, desenvolvendo a inteligencia.</p>
-
-<p>O trabalho que se faz no seu espirito é lento,<span class="pagenum"><a name="Page_125" id="Page_125">[Pg 125]</a></span>
-mas é seguro. Homens e mulheres feitos,
-não deixarão de amar as mães&mdash;quem o duvída?&mdash;Mas
-com esse amôr protector que se
-tem a uma bôa e dedicada ama que nos acalentou
-e amimalhou na infancia, o amôr deprimente
-que se tem pelos inferiores; não o sagrado
-afecto do filho, que o é, triplicemente, pelo sangue,
-pela amamentação e pela inteligencia desabrochada
-ao calôr do ensinamento materno.</p>
-
-<p>O convencionalismo, a mentira social, encobre
-com falsos sentimentos verdades que julga
-crimes, mas que a natureza, na sua rudesa
-primitiva, não considera tais. Assim, quando
-a uma criatura em evidencia, pela sua nova posição
-social, se descobre uma quasi vergonha
-que as faz esconder a inferioridade dos pais,
-todos se indignam e lh'o lançam em cara como
-sangrento insulto.</p>
-
-<p>Parece-nos um <i>crime contra a natureza</i>, mas
-na realidade é um sentimento bem humano e
-desculpavel nessas criaturas roídas de ambições,
-na ânsia de fruir gosos inéditos para os
-nados e criados na pobresa.</p>
-
-<p>Quanta superioridade de ânimo lhes seria<span class="pagenum"><a name="Page_126" id="Page_126">[Pg 126]</a></span>
-precisa para fugir ao mesquinho ponto de vista
-duma sociedade, que, se por um lado exproba
-esses sentimentos como um crime, por outro
-lado ri impiedosa dos ridiculos familiares de
-que o individuo não é culpado. Quanta vaidade,
-quanto orgulho amachucado, curtirão esses que
-querem aparentar grandesa e se vêem acorrentados
-á ironia dos seus inimigos por uma longa
-série de criaturas inferiores que irremediavelmente
-os prendem á mediocridade!... É das
-mais tragicas e ao mesmo tempo das mais comicas
-situações que a civilisação democratica
-dos nossos dias trouxe á babugem das suas
-ondas, de envolta com os <i>parvenus</i>, tão invejados
-por uns como despresados por outros...</p>
-
-<p>Podemos considerar uma inferioridade de
-espirito esse sentimento de <i>vergonha</i> pelos
-seus? Certamente.</p>
-
-<p>Mas não é nobre e alto do coração quem o
-quer ser. Nós todos, com os nossos assomos
-de independencia, não somos mais do que o
-producto do meio em que vivemos e nos criámos,
-os productos duma bem ou mal orientada
-educação, um conjuncto de convenções e mentiras<span class="pagenum"><a name="Page_127" id="Page_127">[Pg 127]</a></span>
-numa sociedade construida sobre aparencias
-e falsidades.</p>
-
-<p>Não condemnemos pois o filho que no seu
-intimo despresa intelectualmente a mãe, que
-no entanto estima e até julga respeitar.</p>
-
-<p>A mulher tem bastante intuição, mesmo
-quando é ignorante, para comprehender o sentimento
-que inspira aos filhos. Embora se resigne
-dôcemente, no seu apático papel de tutelada,
-essa convicção deve-lhe ser amargurosa.</p>
-
-<p>Para seu bem, e, mais ainda, para bem da
-sociedade que não póde já dispensar-lhe o concurso,
-preciso se torna que a mulher sáia desta
-situação que a inferiorisa, e a inutilisa como
-factor importante da civilisação.</p>
-
-<p>Comprehendendo a vida pelo estudo da
-grande mestra Natureza, é preciso que a mulher
-se convença de que se não é <i>bôa mãe</i> só
-porque se deu vida a uma criança, que no seu
-seio se gerou e completou e com o proprio leite
-se nutriu, rodeada de mimos e cuidados durante
-a infancia.</p>
-
-<p>É preciso que a essa maternidade puramente
-material se alie a nobre maternidade do espirito<span class="pagenum"><a name="Page_128" id="Page_128">[Pg 128]</a></span>
-e da educação&mdash;unica que lhe dará a garantia
-de possuir o respeito e o afecto confiado
-dos filhos, que sempre encontrarão nella avisado
-conselho.</p>
-
-<p>Procurando nos animais o exemplo que nos
-oriente, vemos que todos elles desconhecem a
-mãe (porque o pai lhe é quasi sempre um estranho)
-desde que a criança se tornou forte e
-dispensou o ensinamento e a guia que nos primeiros
-passos lhe eram indispensaveis.</p>
-
-<p>O mesmo succede ao homem, que se vai
-distanciando intelectualmente da mãe desde que
-deixa de lhe ser conselho e auxilio dos tenros
-annos.</p>
-
-<p>Todo o falado amôr poetico pela mãe, é apenas
-o producto duma convenção sentimental
-adquirido pelo homem á medida que se foi civilisando.</p>
-
-<p>Talvez até uma simples questão de moda
-trazida pelo romantismo, como os <i>nefelibatas</i>
-e <i>simbolistas</i> nos déram ultimamente nos seus
-lirismos as velhas criadas e as boas amas...</p>
-
-<p>Durante o naturalismo forte da Renascença,
-a <i>mãe</i> é completamente esquecida pelos poetas<span class="pagenum"><a name="Page_129" id="Page_129">[Pg 129]</a></span>
-e prosadores. Nas proprias telas a <i>mãe</i> glorificada
-pelo pincel dos mestres é a <i>Virgem</i>, a mãe
-fóra da humanidade!</p>
-
-<p>Como reação ao culto da mulher amante, soberba
-da sua belleza e da sua força, veio o culto,
-bem mais postiço, da mulher, só porque o acaso
-a fez mãe.</p>
-
-<p>A mulher póde e deve obstar, pelo esforço
-da sua energica vontade, á grande amargura
-que a espera quando a alminha radiosa do seu
-filho vai fugindo ao convivio do seu pobre espirito
-inculto para se lhe tornar quasi um estranho.</p>
-
-<p>A mulher, na classe a que me tenho referido
-nestas paginas, pode educar-se a si mesma,
-que não lhe faltam meios para o fazer.</p>
-
-<p>Se o não fizer abdica dos seus direitos, exactamente
-quando mais alegrias compensadoras
-lhe trariam.</p>
-
-<p>Agora que o homem começa a olhá-la como
-sua igual e companheira, toda a responsabilidade
-lhe cabe no despreso intimo, embora inconfessado,
-que a sua ignorancia lhe merece.</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_130" id="Page_130">[Pg 130]</a></span><br /></p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_131" id="Page_131">[Pg 131]</a></span></p>
-
-<hr class="chap" />
-
-<p class="half-title">A MISERIA DO POVO</p>
-
-<hr class="chap" />
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_132" id="Page_132">[Pg 132]</a></span><br /></p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_133" id="Page_133">[Pg 133]</a></span></p>
-
-
-
-<div class="chapter-beginning" style="width: 800px;">
-<img src="images/header-p133.png" width="800" height="233" alt="Page 133 Header" title="Page 133 Header" />
-</div>
-
-<h2 class="no-break"><a name="A_miseria_do_Povo" id="A_miseria_do_Povo"></a>A miseria do Povo</h2>
-
-<div>
- <img class="drop-cap" src="images/dropcap-e-acute.png" width="75" height="94" alt=""/>
-</div>
-
-<p class="drop-cap">É incontestavel que um certo movimento
-altruista se propaga pelo paiz&mdash;secundando,
-ainda que frouxamente, o que nos outros
-se faz&mdash;em favôr dos <i>pobres</i>, principalmente
-da mulher e da criança.</p>
-
-<p>Uma grande revolução se está preparando,
-e, como todas as grandes revoluções que têm
-transformado as sociedades, começa por revolucionar
-almas, formando um núcleo de espiritos
-que pelo bem dos outros se sacrificam sem
-esperar pagas nem incentivos de grosseiros
-interesses.</p>
-
-<p>O mundo antigo, cheio de preconceitos e de<span class="pagenum"><a name="Page_134" id="Page_134">[Pg 134]</a></span>
-injustiças, sente-se derruir, sem bases seguras
-onde se apoiar&mdash;esfacela-se lentamente até uma
-derrocada ingloria e completa.</p>
-
-<p>A pouco e pouco, aqui e ali, algumas bôas
-obras de solidariedade humana têm surgido da
-iniciativa particular, sem que os governos tenham
-sequer suspeitado da sua existencia.</p>
-
-<p>E bom é que assim seja, porque só a iniciativa
-particular, persistente, honesta nos seus
-processos, sem charlatanismos oficiaes nem
-interesses politicos a desprestigiá-la, póde fazer
-mais em poucos mezes do que cincoenta annos
-dos embaraçantes processos de todos os governos.</p>
-
-<p>É della que tudo ha a esperar, é da acção especial
-dos governados que confiâmos, pois que
-dos governantes pouco ou nada póde vir neste
-sentido, nem é justo, verdade seja, que delles
-se espere tudo, como se um povo não fosse
-mais do que ingenuo e eterno bébé sugando a
-mamadeira que lhe apresenta a criadora.</p>
-
-<p>Tudo esperar do poder central é mostrar que
-nada podemos individualmente, ou que estamos
-satisfeitos com o pouco que nos concedem.</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_135" id="Page_135">[Pg 135]</a></span></p>
-
-<p>Ora a verdade é que ninguem está satisfeito,
-porque nunca se viu situação mais desoladora,
-vida mais atropelada e miseravel.</p>
-
-<p>É o nosso paiz aquelle em que mais caro se
-come, se veste, se viaja, e se tem morada; e
-aquelle em que menos se ganha, salvo pequenas
-excepções, que é facil apontar. De dia para
-dia os generos de primeira necessidade duplicam
-e triplicam de custo.</p>
-
-<p>Não ha nada, desde o pão até á luz, que se
-não compre por alto preço; nada que não custe
-ao pobre incomportaveis amarguras e suores.</p>
-
-<p>É por isso que não ha paiz nenhum em que
-a tisica, a anemia e a escrofulose tenham mais
-lauto banquete.</p>
-
-<p>Fez-se, é certo, uma liga contra a tuberculose,
-patrocinada pelos governos, auxiliada por
-contribuições obrigatorias na capital, reclamada
-pelas mil tubas sonoras do jornalismo
-palaciano.</p>
-
-<p>Não houve penna de escriptor, consagrado
-pelas gazetas, que se não puzesse ao serviço da
-bôa causa; não houve paladino que não quizesse
-descer á liça a romper lanças pelo triumfo<span class="pagenum"><a name="Page_136" id="Page_136">[Pg 136]</a></span>
-da ideia que, partindo modesta e util de baixo,
-serviu depois muito interesse, deu aso a muita
-turiferação.</p>
-
-<p>E no fim de tanto afan, tanto barulho, tanto
-elogio, o que ganhou de positivo e imediato o
-povo português, na sua grande massa?!</p>
-
-<p>&mdash;Come porventura mais barato?</p>
-
-<p>&mdash;Tem casas higienicas, onde se abrigue
-por módicos preços?</p>
-
-<p>&mdash;Tem hospitais para todos os seus doentes?</p>
-
-<p>&mdash;Asilos para todos os seus velhos?</p>
-
-<p>&mdash;Sanatorios para todos os seus escrofulosos
-e tisicos?</p>
-
-<p>&mdash;Escolas para todos os seus filhos?</p>
-
-<p>Nada disso tem, nada disso lhe deram ainda,
-apesar de tanto que se tem apregoado os
-beneficios duma <i>liga</i>, que póde ser simpatica
-como esmola particular e arbitraria duma ou
-mais pessoas, fazendo pouco porque mesquinhos
-são os seus recursos, mas que se não
-deve querer fazer passar por medida de salvação
-publica...</p>
-
-<p>Todos reconhecem ser pouco o que se tem<span class="pagenum"><a name="Page_137" id="Page_137">[Pg 137]</a></span>
-feito, tão pouco que se torna inutil, para debelar
-um mal que vem da ruina dum povo e
-duma sociedade sem orientação; dum mal que
-está no sangue e no espirito e que ameaça
-assoberbar tudo e todos.</p>
-
-<p>São incontaveis os escrofulosos, tisicos, anémicos
-e depauperados na classe pobre. As
-mulheres definham e morrem como flôres criadas
-em terra magra, sem ar nem luz; as crianças
-arqueiam os pobres arcaboiços, onde mal se
-desenvolvem pulmões predispostos á receptividade
-do microbio hostil; os homens avelhentam-se
-e enlividecem, numa aparente senilidade
-aos vinte ou trinta annos. E tudo porquê?!</p>
-
-<p>Porque a vida é terrivelmente cara em Portugal,
-e a maior parte da gente não come o que
-necessita, vive em verdadeiras possilgas, não
-é preservada devidamente do contagio das molestias
-que a rodeia, não é iniciada nas mais
-rudimentares regras de higiene, não é educada
-de modo a preferir a alimentação e o conforto
-das casas ao luxo do trajar e demais exteriorisações
-vistosas.</p>
-
-<p>O caminho a seguir por quem quizesse e<span class="pagenum"><a name="Page_138" id="Page_138">[Pg 138]</a></span>
-pudesse remediar tanto mal, não se limitaria a
-fundar sanatorios onde se gastam muitos contos
-de reis e se abrigam, por empenhos, umas
-desenas de crianças&mdash;umas <i>predispostas</i> apenas.</p>
-
-<p>Para essas, mesmo, o bem não é grande e,
-principalmente, não é duradoiro. Melhoradas
-pela higiene, pela alimentação e pelos simples
-remedios reconstituintes, voltam desse conforto
-e abundancia para a antiga e triste miseria das
-suas casas, tendo por destino a fatal renovação
-da doença, logo que deixe de ser combatida,
-e será agravada com o desespero de se vêrem
-privadas do bem a que já se haviam gostosamente
-e metodicamente habituado.</p>
-
-<p>O primeiro passo a dar, para melhorar esta
-situação angustiosa, seria:&mdash;fazer baratear os
-generos alimenticios de primeira necessidade;
-estabelecer e auxiliar cooperativas; reduzir os
-impostos de consumo, que incidem principalmente
-sobre o pobre que compra a retalho,
-de modo a que todos pudessem comer quanto
-é necessario para alimentar uma vida saudavel.</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_139" id="Page_139">[Pg 139]</a></span></p>
-
-<p>Seria iniciar o sistema de cooperativas edificadoras,
-tão usado lá fóra; auxiliar grandes
-companhias que se propozessem dar casas higienicas
-e espaçosas por módico preço, aos pobres
-que não podem continuar a viver como
-hôje vivem em antros infectos e caros.</p>
-
-<p>É mais do que tudo urgente acabar com a
-exploração dos senhorios que exigem por casas
-pessimas, loucas exorbitancias extorquidas asperamente
-á economia da familia pobre.</p>
-
-<p>Ter o seu lar, a sua casa, onde cada prego
-representa um esforço de vontade e uma consolação
-de posse; a casa para onde entram os
-noivos com a alma florida de esperanças, onde
-nascem os filhos e se podem abrigar os velhos
-pais doentes; a casa onde põe todo o seu amôr
-o operario laborioso, que nas horas vagas cultiva
-no jardim os cravos e as rosas singelas,
-planta as hortaliças e levanta a parreira amiga
-que lhe dá a sombra e o vinho; a casa que a
-mulher limpa e adorna com esmero, porque é
-a <i>sua</i>, a companheira e amiga de todas as horas;
-a <i>casa familiar</i>, que deixa de ser uma
-coisa inanimada e indiferente para se tornar<span class="pagenum"><a name="Page_140" id="Page_140">[Pg 140]</a></span>
-no grande sonho abençoado dos que vão para
-longe, e dos que ficam abrigados á sua dôce
-sombra; é para o trabalhador português uma
-ambição tão desmedida, que poucos a chegam
-a realisar.</p>
-
-<p>É desta indiferença do povo que não vive
-<i>comsigo</i> nem se sabe recolher ao interior da
-sua habitação, ao seu lar, tornado o seu pequeno
-e querido universo, que não se identifica com as
-suas coisas e não lhes toma amôr, é deste viver
-disperso de povo meridional, que vive do ar e
-do sol, e num dia de passeata alegre pelos campos
-encontra compensação para todas as suas
-miserias; que o senhorio tem abusado elevando
-disfarçadamente, cada semestre um pouco, as
-rendas&mdash;que são hôje um verdadeiro crime social.</p>
-
-<p>Se fossem precisos exemplos para afirmar
-uma coisa que toda a gente sabe, Setubal seria,
-para tudo quanto dizemos, um dos mais flagrantes.</p>
-
-<p>Dotada com um luxuoso sanatorio, nem por
-isso a doença e a miseria a poupam mais.</p>
-
-<p>A grande miseria da população (de vinte e<span class="pagenum"><a name="Page_141" id="Page_141">[Pg 141]</a></span>
-três mil habitantes) é composta por operarios,
-dum e doutro sexo, que trabalham nas fabricas
-de conservas de peixe, de pescadores, e de
-gente de medianos recursos.</p>
-
-<p>Com a afluencia de trabalhadores de fóra, as
-moradias têm subido a tal preço que uma só
-familia não tem recursos para as pagar, acumulando-se
-duas e três em antigos predios insalubres,
-dentro de ruas estreitas e nauseabundas,
-onde mal entram o ar e o sol&mdash;os grandes
-purificadores. Ha casas, se tal nome merecem,
-onde se não póde andar de cabeça erguida, sob
-pena de a partir no tecto, e onde a escuridão é
-quasi absoluta. Casinhotos terreos, ahi pelos
-suburbios, em que as divisorias são feitas com
-cortinas de chita, e pelos quais um mísero cavador
-paga por mês, <i>dois mil réis</i>, isto ganhando&mdash;quando
-ganha&mdash;quatrocentos réis diarios.</p>
-
-<p>Ha miseraveis velhinhas pedindo pelas portas
-para pagarem <i>dez tostões</i> mensais pelo
-abrigo duma barraca forrada de folha de flandres
-ferrugenta, despresada pelo fabrico de
-conservas.</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_142" id="Page_142">[Pg 142]</a></span></p>
-
-<p>Não ha muitos invernos que numa barraca
-alugada pelo mesmo preço exorbitante a uma
-familia de pescadores, choveu tanto, em noite
-de temporal, que o marido e a mulher tiveram
-de abrigar-se sob um chapéo de chuva, metendo
-os filhos debaixo da cama para não ficarem
-completamente encharcados.</p>
-
-<p>Chega a dar vontade de rir, mas do riso
-que é de lagrimas e de amarguradas censuras
-tecido; o mesmo riso que se nos esboça numa
-lástima vendo uma criança deslocar-se em acrobatices
-de circo.</p>
-
-<p>Quantas gerações de miseria e servidão produziram
-a indiferença resignada com que se
-sofre uma existencia de <i>tais alegrias</i> entrétecida?!</p>
-
-<p>Depois, se numa destas habitações se dá um
-caso de doença contagiosa, vem a policia, a pretexto
-de desinfeção, rouba aos pobres a sua
-unica cobertura, queima-lhe a unica enxerga,
-despedaça-lhe a pouca loiça, borrifando paredes,
-sobrados e moveis com sublimado corrosivo!...</p>
-
-<p>Urgente seria organisar a fiscalisação sanitaria,<span class="pagenum"><a name="Page_143" id="Page_143">[Pg 143]</a></span>
-de modo que a desinfeção fosse uma coisa
-séria e prática e não um vexame ou um ridiculo
-como é,&mdash;méra providencia policial quando
-se tóca a rebate numa ameaça de epidemia.</p>
-
-<p>O que faz então o pobre, victima destas <i>providencias</i>
-policiaes? Para não ficar mais desnudado
-do que dantes, arrecada, esconde tudo
-quanto serviu aos doentes, não sabendo&mdash;na
-sua extrema ignorancia e desoladora miseria&mdash;que
-arrecada sôfregamente a morte, que não
-pára nem descança de trabalhar nesse fertil
-campo.</p>
-
-<p>Não seria prático, simples, justo, e até quasi
-nada dispendioso, que nos proprios hospitaes
-se montassem estufas de desinfeção para as
-roupas de todos os doentes e de todos os que
-morrem de molestias contagiosas; e que a policia
-se encarregaria de fazer conduzir ali, para
-essas roupas serem reentregues quando já não
-constituissem um perigo para os seus possuidores?!</p>
-
-<p>E se ainda os males fossem só estes! Mas a
-juntar a tantas desgraças que podemos chamar
-materiaes, ha outras e outras que se prendem<span class="pagenum"><a name="Page_144" id="Page_144">[Pg 144]</a></span>
-de perto com as obrigações moraes dos dirigentes
-e dos educadores.</p>
-
-<p>Ha, por exemplo, quem fiscalise as condições
-em que se realisa o trabalho das mulheres
-e dos menores? A lei que o regularisa é letra
-morta, e uns e outros trabalham nas peores
-condições higienicas e em todos os tempos e
-horas, inferiorisando-se fisicamente, deformando
-e afeando cada vez mais a nossa raça, que
-foi bella e fórte.</p>
-
-<p>A mulher não tem quem a eduque e oriente,
-quem a ensine a respeitar-se e a respeitar em
-si mesma o futuro dos filhos; e ou não trabalha
-nada, porque o homem a sustenta e veste,
-ou se sujeita a tudo, desempenha os mais penosos
-serviços, quer livre quer em vesperas de
-ser mãe.</p>
-
-<p>Filhos nascidos, quem pensou em lhes abrir
-as créches, as escolas-infantis ou maternaes,
-os asilos-oficinas?... Quem pensou em juntar
-essas mulheres, irmãs na desgraça, para lhes
-ensinar como, agremiadas, se poderiam socorrer
-e fugir á extrema miseria, á doença sem
-conforto, á fóme dos dias sem-trabalho?</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_145" id="Page_145">[Pg 145]</a></span></p>
-
-<p>Quem fez sentir aos operarios, a muitos que
-ganham bastante, mais do que qualquer empregado
-publico, que a sua grande força estaria
-na modestia do viver, no cuidado que puzessem
-em criar higienicamente e em educar os seus
-filhos?</p>
-
-<p>Quem lhes faz sentir, sem azedume, o ridiculo
-do luxo que ostentam, nas mulheres e nos
-filhos, imitando as burguêsas que dizem despresar?
-Quem lhes incutiu, com as preocupações
-mais altas do espirito, o horror a essas festas
-em que a saúde e o dinheiro por igual sofrem
-um forte abalo?</p>
-
-<p>Como quasi todos os portuguêses, não pensam
-quanto melhor seria possuirem a casa onde
-habitam e nasceram os filhos, que os viu sorrir
-e crescer, que lhes conhece as lagrimas e as
-alegrias. Quanto seria preferivel, á taverna que
-os envenena e fére toda a sua geração, o theatro
-que educa e diverte, criando uma atmosfera
-mais pura para o espirito. Quanto mais proveitoso
-lhes seria fundar e frequentar bibliothecas,
-serem emfim os iguais ou superiores aos que
-hôje imitam, não pelo trajar que é vaidade de<span class="pagenum"><a name="Page_146" id="Page_146">[Pg 146]</a></span>
-pouca monta, mas pela educação e pela consciencia
-dos seus direitos e deveres!?</p>
-
-<p>Cigarras imprevidentes e tagarelas, nos
-dias quentes de bôa féria, quem entre nós os
-póde criticar?</p>
-
-<p>Defeito de educação, defeito endemico na
-nossa terra, que vem descendo do alto, num
-turbilhão de vaidades insatisfeitas, numa aspiração
-desenfreada de ser mais do que efectivamente
-se póde ser, pelas exteriorisações da
-vida faustosa, com vestidos ricos, numa inveja
-que faz imitar sempre os que julgam acima, na
-escala social...</p>
-
-<p>Mais do que uma liga contra a tuberculose,
-tal como se tem manifestado, seria proveitosa
-á nossa raça devastada pela doença, uma liga
-contra a fóme e contra a ignorancia que tudo
-obscurece e preverte.</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_147" id="Page_147">[Pg 147]</a></span></p>
-
-<hr class="chap" />
-
-<p class="half-title">A IGNORANCIA DO POVO</p>
-
-<hr class="chap" />
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_148" id="Page_148">[Pg 148]</a></span><br /></p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_149" id="Page_149">[Pg 149]</a></span></p>
-
-
-
-<div class="chapter-beginning" style="width: 800px;">
-<img src="images/header-p101-149-223.jpg" width="800" height="169" alt="Page 149 Header" title="Page 149 Header" />
-</div>
-
-<h2 class="no-break"><a name="A_ignorancia_do_Povo" id="A_ignorancia_do_Povo"></a>A ignorancia do Povo</h2>
-
-<div>
- <img class="drop-cap" src="images/dropcap-n.png" width="75" height="70" alt=""/>
-</div>
-
-
-<p class="drop-cap">Não ha ninguem que não tenha ouvido,
-pensado, ou dito centenas de vezes&mdash;que
-o maior mal do nosso paiz é a ignorancia,
-que o analfabetismo é a causa mais flagrante
-da nossa decadencia moral.</p>
-
-<p>É realmente a verdade, a triste verdade que
-nos envergonha e inferiorisa aos nossos proprios
-olhos.</p>
-
-<p>Mas são <i>sómente</i> os governos os grandes
-responsaveis d'este atraso vexatorio do nosso
-paiz?</p>
-
-<p>Não corresponde o desleixo em que os governantes
-têm deixado cahir a instrução publica,<span class="pagenum"><a name="Page_150" id="Page_150">[Pg 150]</a></span>
-á criminosa indiferença individual dos governados
-por essa instrução geral, que é o orgulho
-dos paizes cultos?!</p>
-
-<p>Não são os governos que fazem os povos,
-mas os povos que fazem os governos; e estes,
-forçosamente, hão de promulgar e cumprir as
-leis que a consciencia colectiva e fórte duma
-sociedade reclama, porque correspondem a uma
-necessidade ou a uma aspiração nitida da alma
-popular.</p>
-
-<p>Assim o prova o pouco mais de interesse
-que a instrução do povo vae despertando entre
-nós, mercê das reclamações e lamentações que
-de ha poucos annos a esta parte se vem ouvindo,
-numa propaganda lenta, mas fructuosa, de
-alguns espiritos dedicados.</p>
-
-<p>O governo deve auxiliar a iniciativa individual,
-deve, por assim dizer, sancioná-la e impulsioná-la;
-mas ser elle sómente o encarregado
-de nos dar todos os progressos e todos os
-melhoramentos, é inadmissivel para espiritos
-que aspiram a ser livres e desejam uma patria
-livre.</p>
-
-<p>Nos paizes cultos, sob os governos mais inteligentes<span class="pagenum"><a name="Page_151" id="Page_151">[Pg 151]</a></span>
-e progressivos, o que vêmos? A iniciativa
-particular realisar tudo ou quasi tudo, e
-os governos adoptarem os melhoramentos, auxiliarem-nos,
-serem como que o vigia dos actos
-individuaes, não o <i>tutôr</i>, a <i>Providencia</i>, que
-nós pretendemos que seja, por preguiça de pensar
-e trabalhar.</p>
-
-<p>Depois duma senhora fundar em Paris a
-<i>Maternidade</i>, a instituição que mais eleva o
-espirito altruista do nosso tempo, é que a municipalidade
-resolveu imitá-la, criando por seu
-turno outra casa similar.</p>
-
-<p>Foi depois de miss Nightingale educar e
-apresentar as suas enfermeiras modelos, livres
-de todo o espirito de sectarismo e instruidas
-segundo todas as regras da higiene moderna,
-que o governo inglês as enviou á Crimeia, onde
-déram as suas primeiras e brilhantissimas provas,
-e as adoptou nos seus magnificos hospitaes,
-onde são exemplo para todo o mundo.</p>
-
-<p>Por toda a parte se fundam institutos, se
-realisam obras de solidariedade, protectoras e
-pedagogicas, que os governos sancionam depois,
-que ajudam a manter e a espalhar, se<span class="pagenum"><a name="Page_152" id="Page_152">[Pg 152]</a></span>
-o resultado corresponde aos sacrificios exigidos.</p>
-
-<p>Decretar no papel sem que a prática mostre
-que a inovação está de harmonia com o caracter
-etnico do povo, corresponde a uma necessidade
-colectiva ou foi precedida duma propaganda
-inteligente e conscienciosa, dá o triste
-resultado que produzem no nosso paiz as reformas,
-em geral, e a da instrução em particular.</p>
-
-<p>Senão, vejâmos. Como todos sabemos, estão
-criadas escolas e decretada a instrução obrigatoria
-ha tempo bastante para que a actual
-geração fosse filha, e até neta, de gente sabendo
-lêr.</p>
-
-<p>E o que sucede?</p>
-
-<p>O numero de analfabetos é enorme, e os
-que sabem alguma coisa é tão pouco, e tão
-mal aprendido, que mais se póde dizer que
-igualmente nada sabem.</p>
-
-<p>Isto porque o professor é, em geral, uma
-pessoa que arranja esse oficio como podia arranjar
-outro qualquer, sem vocação, sem comprehensão
-do que seja o ensino e da responsabilidade
-com que vai arcar, tomando sobre si o<span class="pagenum"><a name="Page_153" id="Page_153">[Pg 153]</a></span>
-encargo de iniciar pequenos cerebros obscuros
-no luminoso cultivo intelectual.</p>
-
-<p>É muito grave e delicado o oficio, e não sei
-de quem o possa tomar de ânimo leve, só com
-mira nos magros proventos.</p>
-
-<p>O verdadeiro professor é o sacerdote das
-ideias, que levantam e comovem hôje a humanidade.</p>
-
-<p>Por elle, a criança deveria ter do estudo a
-ideia prática e util que é a base de toda a educação
-moderna, mórmente se é dada a pobres,
-sem tempo para perderem em inutilidades e
-bonitos. Por elle, a criança deverá receber uma
-noção simples, mas geral, de tantissimas descobertas
-com que dia a dia se augmentam os
-conhecimentos humanos, e saberem a maneira
-de utilisarem pràticamente o que aprenderam.</p>
-
-<p>Mas não sucede assim. Os professores, miseravelmente
-remunerados como são, sem coragem
-nem iniciativa para luctar, alguns educados
-por processos archaicos, sem uma feição
-prática e utilitaria no seu método; como hão-de
-ensinar o que não lhes foi ensinado e não<span class="pagenum"><a name="Page_154" id="Page_154">[Pg 154]</a></span>
-podem aprender por si, pela carestia da vida,
-e até pela falta de pequenas bibliotécas de vulgarisação
-e ensino? Por isso elles se não interessam
-senão por um ou outro dos seus discipulos
-mais inteligentes, que irá a exame e lhe
-dará honra e lucro, se a familia é abastada.</p>
-
-<p>Os outros, a turba-multa, quando o trabalho
-os reclama para fóra da escola, mal sabem soletrar,
-escrevem a custo os seus pobres nomes
-obscuros, e não chegam a comprehender que
-vantagem lhes pode advir d'esse <i>favôr</i> da <i>sociedade</i>.</p>
-
-<p>E estes são ainda os que vão á escola, que a
-grande maioria, principalmente nos campos,
-nem sequer se incomoda a frequentá-la.</p>
-
-<p>É verdade que ha leis que obrigam os pais
-a mandar os filhos á escola; mas que monta se
-essa mesma lei exige dos pequenos estudantes
-o uso de sapatos, e os pais, não tendo para comer,
-dispensam muito bem essa exigencia da
-civilisação?</p>
-
-<p>Fazem-se leis obrigando os pais a mandar
-os filhos para as escolas; mas que importa isso
-se para aprenderem precisam de comprar livros,<span class="pagenum"><a name="Page_155" id="Page_155">[Pg 155]</a></span>
-que são carissimos, e elles não têm que
-lhes sóbre para pão?</p>
-
-<p>Fazem-se leis obrigando os pais a mandar
-os filhos á escola; mas como poderão estar as
-crianças umas poucas de horas sem comer, visto
-que os pais lhes não podem dar merenda e cá
-por fóra sempre vão apanhando <i>dez reisitos</i> em
-troca de pequenos serviços, rebuscando, farejando,
-pedindo como cães vadios, mas comendo
-afinal?!</p>
-
-<p>Fazem-se leis obrigando os pais a mandar
-os filhos á escola; mas de que serve isso se a
-escola é de dia como a oficina e a fabrica, e os
-pobres não podem dispensar o trabalho das
-crianças, já ganhando o seu pequeno salario,
-já ficando em casa com os irmãositos, emquanto
-as mães vão moirejar por fóra?!</p>
-
-<p>Segue-se pois que a criança do povo está
-condemnada a uma eterna penitenciaria de ignorancia,
-se antes da escola não houver a <i>créche</i>,
-não houver o hospital para parturientes, e, antes
-do hospital, não houver a <i>maternidade</i>, que
-é a casa onde a mulher pobre passa com descanço
-salutar os ultimos mêses da gravidez;<span class="pagenum"><a name="Page_156" id="Page_156">[Pg 156]</a></span>
-se, ao lado da escola, não houver a oficina escolar,
-o asilo modelo donde a criança, rapaz ou
-rapariga, sáia preparada para entrar desassombradamente
-na vida, sabendo ganhar a sua
-subsistencia pelo oficio que escolheu. Da escola,
-assim acompanhada, deverá a criança sahir sabendo
-lêr, escrever e contar, sabendo sobretudo
-trabalhar metodicamente e com nobre orgulho
-da sua profissão.</p>
-
-<p>Ora é isto o que os governos, só por si, não
-pódem fazer se os não auxiliar a bôa vontade e
-iniciativa particular, já fazendo propaganda entre
-o povo, já distribuindo livros gratuitamente,
-fundando escolas e bibliotécas, dando premios
-ás crianças aplicadas, contribuindo para tornar
-a casa de estudo artistica e agradavel, ensinando
-mesmo os professores e fornecendo-lhes
-maneira de se educarem nobilitando o ensino,
-por assim dizer.</p>
-
-<p>É da iniciativa particular que devem partir
-as bôas ideias exequiveis, que o governo será
-obrigado a auxiliar e adoptar, quando a opinião
-pública as impônha.</p>
-
-<p>É isto o que é preciso fazer e é isto o que esperâmos<span class="pagenum"><a name="Page_157" id="Page_157">[Pg 157]</a></span>
-vêr realisado em breve no nosso paiz.
-Porque, ao lado de muitos que usam a caridade
-mirabolante como orchidea de fantasticas
-fórmas para espanto das gentes rastejantes, ha
-lucidos espiritos que fazem o bem pelo bem,
-como um dever, como um simples acto de justiça.</p>
-
-<p>Porque dever, porque justiça, é pensar nos
-que têm fóme, nós que nunca lhe sentimos os
-tormentos; é pensar nos que são ignorantes
-porque não têm maneira de se educar, nós que
-nascemos num meio em que nos instruimos
-sem querer; é pensar nos que sofrem vendo os
-filhos fenecer e morrer por falta de alimentação
-e higiene, nós que podemos criar os nossos em
-melhores condições.</p>
-
-<p>É pensar em todos os que sofrem, sem razão
-para sofrer,&mdash;só porque o acaso os faz nascer
-num pobre albergue em vez de casa rica ou
-remediada&mdash;mas não para lhes dar a esmola
-que deprime e desmoralisa, que habitúa o espirito
-aos favôres do acaso, e que é injusta porque
-obedece ao arbitrio individual, mas para dar
-sem distinção nem favôr, a todos, porque todos<span class="pagenum"><a name="Page_158" id="Page_158">[Pg 158]</a></span>
-o merecem, a educação que enobrece, a luz que
-vivifica, o alimento, o ar, a agua, a casa, a saúde
-e a alegria emfim, a que todo o ser humano tem
-direito.</p>
-
-<p>Não é o luxo, não é o superfluo, que é forçoso
-dar, é apenas o necessario, apenas o que é justo.</p>
-
-<p>E se todos, principalmente as mulheres, puserem
-nesta campanha a energia do seu querer,
-a nobrêsa da sua dedicação, temos o direito
-de esperar uma hora breve de mais justiça
-e de mais alacridade para este miseravel povo
-português, amortecido pela ignorancia e pelo
-sofrimento.</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_159" id="Page_159">[Pg 159]</a></span></p>
-
-<hr class="chap" />
-
-<p class="half-title">MULHERES DESNATURADAS,
-MÃES DESNATURADAS</p>
-
-<hr class="chap" />
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_160" id="Page_160">[Pg 160]</a></span><br /></p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_161" id="Page_161">[Pg 161]</a></span></p>
-
-
-
-<div class="chapter-beginning" style="width: 800px;">
-<img src="images/header-p011-161.jpg" width="800" height="204" alt="Page 161 Header" title="Page 161 Header" />
-</div>
-
-<h2 class="no-break"><a name="Mulheres_desnaturadas_Maes_desnaturadas" id="Mulheres_desnaturadas_Maes_desnaturadas"></a>Mulheres desnaturadas,
-Mães desnaturadas</h2>
-
-<div>
- <img class="drop-cap" src="images/dropcap-e-acute.png" width="75" height="94" alt=""/>
-</div>
-
-<p class="drop-cap">É vulgar encontrar-se na leitura diaria
-dos jornaes titulos assim alarmantes,
-sob os quais os reporters juntam á pressa meia
-dusia de adjectivos ferozes, na narração detalhada
-de qualquer crime, ou simples tentativa,
-de infanticidio.</p>
-
-<p>Não ha muito ainda que dois jornaes dos
-que se dizem mais livres encimavam umas
-vulgares noticias do genero com os titulos que
-reproduzimos.</p>
-
-<p>Numa, era a criada de servir que voltava da
-terra com o filho recem-nascido dentro duma
-canastra e que o atirára pela janela do vagon<span class="pagenum"><a name="Page_162" id="Page_162">[Pg 162]</a></span>
-em que viajava, se um empregado não evitasse
-o medonho crime.</p>
-
-<p>A outra era um simples caso de engeitamento,
-por miseria, tambem por parte duma
-criada de servir.</p>
-
-<p>Ora quando jornaes avançados, que se dizem
-desprendidos da rotina e do preconceito, usam
-para tais casos de tão violentos epítetos, o que
-não dirão os outros, os arbitros triumfantes
-do convencionalismo burguês, os fartos interpretes
-duma sociedade hipocrita, que nas prégas
-do seu manto de pudicicia abriga crimes
-mais revoltantes do que os cometidos por esses
-<i>monstros moraes</i> descriptos com tanto asco!?</p>
-
-<p><i>Mães desnaturadas</i>, essas miseraveis, decerto!
-Mas com quanta desculpa a atenuar-lhes
-a brutalidade do delicto!</p>
-
-<p>E a justiça a que aspirâmos, a justiça nobre
-e alta que é o objectivo supremo do nosso ideal
-de nova sociedade melhorada e feliz&mdash;quanto
-é licito ao homem sê-lo, sem cuidados de sobre-posse
-nem exigencias loucas&mdash;a justiça que
-não se cobre com leis, nem venda os olhos para
-não discernir, não póde castigar todos os casos<span class="pagenum"><a name="Page_163" id="Page_163">[Pg 163]</a></span>
-pela mesma rigorosa interpretação dos codigos,
-não deve julgar sem atender ás determinantes
-e, sobretudo, ao gráu de responsabilidade do
-delinquente.</p>
-
-<p>Poderemos, acaso, esperar do ignaro e rude
-trabalhador&mdash;que de sol a sol tira dos musculos
-o esforço que produz o pão do seu alimento
-e o dos filhos, e á noite, extenuado e
-brutificado, adormece pesadamente, até que
-novo sol lhe traga novas canceiras, e alegrias
-tambem, mas rudes e vulgares como a sua alma
-deseducada&mdash;poderemos, repito, exigir a esse
-a mesma visão clara, a mesma responsabilidade
-moral que deve existir no homem culto que no
-recesso da sua alma pesa e mede os seus actos,
-conhecendo leis, conhecendo direitos e deveres?!</p>
-
-<p>Poderemos chamar a essas mulheres <i>mães
-desnaturadas</i>, porque abandonam um filho, que
-já fôra abandonado pelo pai? Um filho que não
-seria mais do que um tropeço para a sua vida
-de trabalho; que hôje lhes custaria a sustentar
-com a escassa soldada de criadas de servir e
-ámanhã lhes custaria mais, infinitamente mais,
-a vestir, a alimentar e a educar?!...</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_164" id="Page_164">[Pg 164]</a></span></p>
-
-<p>&mdash;Queria matá-lo, sinistramente, arremessando-o
-á linha a toda a velocidade do comboio,
-por uma noite escura e tragica, como quem
-alija demasiado pêso na lucta de um naufragio,
-como quem num esforço se alevanta e sacode
-dos hombros um fardo com que não
-póde...</p>
-
-<p>E não era esta exactamente a verdade? Quem
-ensinou a essas mulheres de vinte annos, abandonadas
-á propria sorte, pontapeadas pela sociedade,
-enganadas pelos homens, servindo
-quem as despresa e maldiz, só toleradas porque
-são uteis&mdash;bestas de carga para criarem e servirem
-os filhos alheios&mdash;quem lhes ensinou a
-ser mães?</p>
-
-<p>Quem lhes ensinou sequer a ser mulheres,
-na acepção nobre e alta da palavra, e não tão
-sómente a femea brutalisada e despresada pelo
-homem, quando o saciamento matou o desejo
-carnal?</p>
-
-<p>Quem lhes disse que o fructo que de seus
-efémeros amôres lhes ficou nas entranhas é um
-ente crédor a todo o seu respeito&mdash;já não digo
-ao seu afecto, que se não póde obrigar&mdash;de<span class="pagenum"><a name="Page_165" id="Page_165">[Pg 165]</a></span>
-que são apenas as depositarias e sobre o qual
-não têm direito de vida ou de morte, embora
-da sua propria vida se alimente?!</p>
-
-<p>Quem lho terá ensinado?</p>
-
-<p>A lei, mandando-as depois do crime feito
-para um presidio ou para uma penitenciaria?
-Não, porque a lei não ensina os ignorantes,
-vinga nos culpados os sentimentos conservadores
-da sociedade que a fabricou.</p>
-
-<p>A lei, cahindo rígida e inexoravel sobre a
-cabeça de um condemnado, que lhe não conhece
-o alcance, não converte um criminoso, cria um
-hipocrita ou um revoltado.</p>
-
-<p>Quem ensinou essas desgraçadas que hôje
-choram no segredo do aljube,&mdash;não de remorso,
-que não podem sentir, mas de pavôr&mdash;que
-era um crime menor aos olhos da sociedade,
-que só cura de aparencias, em vez de abandonar
-ou matar um filho nascido, tê-lo desfeito
-misteriosamente, quando ainda mergulhado na
-noite da sua vida uterina, mas com tanto direito
-á luz e á existencia consciente como depois
-de nascido?!</p>
-
-<p>É de presumir que tenham tentado primeiro<span class="pagenum"><a name="Page_166" id="Page_166">[Pg 166]</a></span>
-esse crime como tantas que se vêem a braços
-com uma situação tão absurda e condemnada,
-quanto é vulgar e desculpavel.</p>
-
-<p>Alguem lhes incutiu na consciencia essas
-simples noções de sã moral?</p>
-
-<p>Certamente ninguem em tal pensou.</p>
-
-<p>E se o que ellas praticaram, ou tentaram
-praticar, é um crime abominavel, o outro não
-o é menos. A diferença está em que um é conhecido,
-impõe-se pela brutalidade do facto; o
-outro é ignorado, não se prova facilmente e é
-praticado a sangue frio por muitas mulheres
-que se dizem honestas e para as quais a sociedade
-não ajunta pedras com que as lapíde, nem
-escancara aljubes onde as sepulte.</p>
-
-<p>&mdash;São peores do que as féras&mdash;dizem os
-moralistas que se não pejarão, talvez, de deixar
-outras mulheres na mesma situação embaraçosa&mdash;porque
-todas as femeas têm o instincto
-da maternidade e todas, em geral, se sacrificam
-pelos filhos.</p>
-
-<p>Opinião já feita e que não representa mais
-do que uma vulgar figura de rétorica, que a
-sciencia desmente a cada passo.</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_167" id="Page_167">[Pg 167]</a></span></p>
-
-<p>O instincto não é igual em todos os seres,
-pois os mais infimos na escala zoologica como
-os mais superiores individualisam-se no seu
-modo de sentir.</p>
-
-<p>Se ha caracteristicos proprios a uma certa
-raça, entre essa mesmo salientam-se individuos
-cujas qualidades e defeitos são uma negação de
-todas as regras.</p>
-
-<p>É certo que o instincto da maternidade é um
-caracteristico de todas as femeas, e, no emtanto,
-ha muitas, entre os animaes, que matam e
-até comem os filhos.</p>
-
-<p>Ha mulheres que fazem pelos filhos os mais
-inacreditaveis sacrificios, tudo lhes dando, tudo
-achando pouco para elles; como o pelicano, arrancam
-de si proprias as pennas com que lhes
-afôfam a existencia. São as instinctivamente
-mães aquellas que se deixariam matar antes do
-que vêr maltratar um filho. A javarda ama
-tanto as suas crias, que persegue até á morte
-o caçador atrevido que lhe rouba um bacorinho
-da ninhada; e, no emtanto, algumas ha que os
-comem, quando a próvida natureza lhes deu
-mais do que podem aleitar.</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_168" id="Page_168">[Pg 168]</a></span></p>
-
-<p>Estas tambem obedecem ao seu instincto,
-forçando a lei que nos dá, naturalmente, a seleção
-da especie.</p>
-
-<p>E o que é o homem sem educação mais do
-que um animal de instinctos baixos, dotado de
-faculdades imitadoras para simular os gestos e
-a voz dos outros homens?!</p>
-
-<p>A superioridade do ser humano não consiste
-em andar com a espinha direita e em poder
-erguer a cabeça para a luz, não! A sua superioridade
-está em comprehender a justiça e
-ter a consciencia do bem, coisas que sómente
-a educação póde incutir no espirito dos que não
-têm comsigo a bondade instinctiva dos doceis.</p>
-
-<p>Condemnar sem defêsa nem atenuantes a
-mulher desprovída de recursos, exposta ao escarneo
-e ignominia da sociedade, quando abandona
-ou mata um filho, é impiedoso.</p>
-
-<p>Se fosse uma criatura heroica poderia reparar
-o que se convencionou chamar <i>falta</i>, tirando
-do seu trabalho, miseravelmente pago, a
-sustentação do filho. Mas não é heroi quem o
-quer ser, e o egoismo individual é por vezes tão
-imperioso, que a criatura se ergue num desespero<span class="pagenum"><a name="Page_169" id="Page_169">[Pg 169]</a></span>
-bruto de féra que quer viver, despedaçando
-tudo quanto lhe embaraça os movimentos e
-lhe pêa a satisfação das suas necessidades materiaes.</p>
-
-<p>Sentimentos, afectos, inteligencia, tudo se
-obscurece e oblitéra perante as exigencias materiais
-da vida, que a sociedade, á força de querer
-melhorar, transformou em lucta sangrenta
-em que sucumbe a maior parte.</p>
-
-<p>&mdash;É preciso castigar&mdash;dizem ainda os moralistas,
-na velha teoria inquisitorial e barbara&mdash;é
-preciso dar o exemplo, atemorisar...</p>
-
-<p>Mas, para quê, perguntâmos?!... Se o acto
-criminoso depende da tára fisiologica que dispõe
-determinada criatura á loucura do crime, como
-tornar um doente responsavel pelo seu mal?</p>
-
-<p>Se o delicto fôr determinado ocasionalmente,
-pelas condições especiais da existencia, o mal
-tem remedio, e deve remediar-se, acabando
-com os factôres que concorrem na sociedade
-para que tantas desgraçadas sofram o que essas
-pobres estão sofrendo agora.</p>
-
-<p>Conheci uma criatura que, estando a servir,
-lançou um filho recemnascido numa cloaca,<span class="pagenum"><a name="Page_170" id="Page_170">[Pg 170]</a></span>
-como quem, enojado, deita fóra um trapo imundo.
-O que a não impedia de que fosse uma pobre
-criatura humilde e inofensiva, e de ser para os
-outros filhos, senão uma bôa mãe no sentido
-completo da palavra&mdash;o que a ignorancia e a
-pouca inteligencia lhe não permitiam&mdash;pelo
-menos amoravel e dedicada, sacrificando-se
-para os alimentar e vestir.</p>
-
-<p>O que determinou essa mulher a cometer
-tão repugnante crime? A circunstancia ocasional
-de estar bem numa casa donde não queria
-sahir e da qual seria fatalmente expulsa, conhecido
-que fosse o seu estado.</p>
-
-<p>O instincto maternal existe, certamente,
-mas a miseria umas vezes, outras a educação,
-o egoismo e as exigencias brutais da vida,
-têm-no obliterado em grande parte das almas
-femininas. Como se explicaria por outro módo
-o horror ao filho, que existe, que é flagrante, em
-quasi todas as mulheres casadas?!</p>
-
-<p>A alegria com que muitas proclamam não
-terem filhos que lhes dificultem e atropelem a
-existencia, estarem assim socegadas nos seus
-lares sem crianças, é uma bem clara próva. A<span class="pagenum"><a name="Page_171" id="Page_171">[Pg 171]</a></span>
-indiferença com que a mulher pobre vê <i>ir para
-o céo</i> o filho que a sua incuria, quasi sempre,
-mata, é bem conhecida dos medicos para precisar
-ser mais frisada.</p>
-
-<p>E isto não é um mal dos nossos dias nem da
-nossa sociedade, é hôje como hontem, como
-será sempre.</p>
-
-<p>Á proporção que o individuo se civilisa,
-isto é: tem a noção mais clara do bem-estar
-que lhe póde advir não se sobrecarregando com
-responsabilidades, que nem sempre tem a certeza
-de cumprir, começa o horror ao casamento
-e consequentemente aos filhos que o embaraçam.</p>
-
-<p>Isto que nos parece um facto peculiar dos
-nossos dias, e tanto sobresalta a França, já se
-deu na Grecia, já se deu em Roma, com maior
-intensidade ainda, não obstante todas as leis e
-costumes que compeliam o homem a constituir
-familia e a dar filhos á republica.</p>
-
-<p>Apesar de tudo, o horror ao casamento manifestava-se,
-principalmente nas mulheres, que
-fugiam, pelo celibato, aos encargos da maternidade
-e ao captiveiro do lar.</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_172" id="Page_172">[Pg 172]</a></span></p>
-
-<p>Depois, se chamarmos a essas mulheres,
-que a ignorancia e a miseria desculpam, <i>mães
-desnaturadas</i>, que palavras achariamos no dicionario
-para as ricas e ociosas, que ao nascerem
-os seus filhos os atiram para os braços
-duma ama, que depois os entregam aos cuidados
-problematicos das criadas de acaso, e mais
-tarde os afastam do lar e do conchêgo da familia,
-como espúrios, para a solidão moral do
-collegio; não para que estudem e se habituem
-cedo ao trabalho, mas para que as não incomodem
-com suas traquinices e turbulencias,
-nem as envelheçam aos olhos dos estranhos?!</p>
-
-<p>Essas não os matam, porque a carnicería
-do acto repugnaria aos seus nervos susceptiveis
-e seria tão repulsivo, para os seus finos dedos
-scintilantes de joias, como matar uma galinha
-ou estripar um coelho, coisas no emtanto que
-as suas cosinheiras fazem com a maior indiferença.
-Alem disso, não lhes faz mingua o dinheiro
-para os alimentar e vestir, e mais tarde&mdash;passada
-a idade do garridismo pessoal&mdash;é um
-gosto continuar a figurar por elles e com elles.</p>
-
-<p>Pobres filhos, os destas mães!...</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_173" id="Page_173">[Pg 173]</a></span></p>
-
-<p>Para as outras reclamariamos, em vez de
-cadeias, oficinas e casas honestas que as recolhessem
-com piedade, e as ensinassem com desvelo
-a amar os filhos que a sociedade tem todo
-o interesse em recolher e educar para a alegria
-de viver e de ser util, porque na terra não ha
-muito quem o seja e menos quem o saiba ser.</p>
-
-<p>E esses pequeninos seres, que tanto pesam
-hôje ás pobres mães sem marido que lhes ajude
-a criar e educar, não arrastariam pela vida fóra
-a vergonha de não ter nome de pai, antes fariam
-recahir sobre o covarde que fugiu á responsabilidade
-dos seus actos todo o despreso
-das almas honestas.</p>
-
-<p>Então, a sociedade, melhor orientada, não
-terá tanto despreso pela mulher iludida e atraiçoada
-no seu amôr, que a miseria e ignorancia
-tanta vez desculpa, como pela calculista maliciosa
-que procura o casamento como emprego,
-como posição, que a livre de situações equivocas,
-legalisando-lhe todos os desvarios.</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_174" id="Page_174">[Pg 174]</a></span><br /></p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_175" id="Page_175">[Pg 175]</a></span></p>
-
-<hr class="chap" />
-
-<p class="half-title">A PROPOSITO DUMA GRÉVE</p>
-
-<hr class="chap" />
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_176" id="Page_176">[Pg 176]</a></span><br /></p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_177" id="Page_177">[Pg 177]</a></span></p>
-
-
-
-<div class="chapter-beginning" style="width: 800px;">
-<img src="images/header-p005-177.jpg" width="800" height="232" alt="Page 177 Headers" title="Page 177 Headers" />
-</div>
-
-<h2 class="no-break"><a name="A_proposito_duma_greve" id="A_proposito_duma_greve"></a>A proposito duma gréve<a name="FNanchor_4_4" id="FNanchor_4_4"></a><a href="#Footnote_4_4" class="fnanchor">[4]</a></h2>
-
-<div>
- <img class="drop-cap" src="images/dropcap-n.png" width="75" height="70" alt=""/>
-</div>
-
-<p class="drop-cap">Não obstante a quasi geral indiferença da
-mulher do nosso paiz pelas questões
-sociaes e de intelectualidade, tenho ainda confiança
-na alma feminina, tenho ainda esperança
-de que em breve, envergonhadas de tantos
-annos gastos em futilidades, voltarão a ser as
-dignas descendentes dessas mulheres portuguêsas,
-que fôram, entre as mais damas das côrtes
-brilhantes da Renascença, das mais cultas e
-espirituosas, aliando ás graças de espiritos
-educados a nobrêsa e a energia de verdadeiras
-patriotas.</p>
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_178" id="Page_178">[Pg 178]</a></span></p>
-<p>Escrevo hôje para denunciar, aos seus corações
-de mulheres e de mães, uma dôr que não
-roça pela epopeia, mas que na sua humildade
-é talvez mais aguda, que na rasteira obscuridade
-em que se gerou e cresce é talvez mais
-amarga para as almas criadas, como as nossas,
-para a alegria e para o amôr.</p>
-
-<p>É adentro das nossas fronteiras, como quem
-diz em nossas casas, neste lindo paiz que nos
-viu nascer, debaixo da caricia dulcida deste
-sol que nos agasalha e alegra, que essa miseria
-subsiste:&mdash;mulheres e crianças que se extenuam
-trabalhando, e não ganham, com o seu
-trabalho, o quanto lhe baste para matarem a
-fome.</p>
-
-<p>Sabemos nós todas, as mulheres:&mdash;que não
-pertencemos á galeria das privilegiadas, que
-dispensam, por abundancia de meios, conhecer
-e discutir o orçamento das suas casas&mdash;quanto
-se gasta em nossos lares modestos, comendo
-sem intemperança, vestindo sem luxo.</p>
-
-<p>Pensemos, pois, o que seja trabalhar uma
-semana inteira e chegado o sabado encontrar
-entre os dedos, que o trabalho violento deformou,<span class="pagenum"><a name="Page_179" id="Page_179">[Pg 179]</a></span>
-meia duzia de vintens que mal chegam
-para um dia de fome.</p>
-
-<p>É costume dizer-se para acalmar sensibilidades
-em sobresalto, que os pobres, habituados
-a comer mal, não fazem com isso sacrificio.</p>
-
-<p>Certamente que uma mulher rude dos campos,
-de pequenina acostumada ao seu caldo de
-couves e ao feijão, com pão grosseiro por conducto,
-um bocado de porco pelas festas do anno
-e galinha quando ha doença, passará admiravelmente
-sem <i>fois-gras</i>, <i>ragouts</i>, <i>mayonaise</i>,
-<i>vol-au-vent</i> e toda a algaravía saborosa e complicada
-da comida francêsa, indispensavel a
-paladares aguçados por estimulantes, a estomagos
-gastos e que jámais se encheram com
-verdadeira fome.</p>
-
-<p>Concordo em que uma dessas solidas camponezas
-felizes, que do amânho das suas terras
-tira o pão caseiro que seus rijos braços fabricaram
-numa nuvem de poeira e por suas
-mãos foi na pá atirado ao forno aquecido; que
-do leite das suas cabras tira o queijo salgado,
-que é um mimo para os seus paladares deseducados;
-que das suas oliveiras tira a azeitona,<span class="pagenum"><a name="Page_180" id="Page_180">[Pg 180]</a></span>
-que sabe curtir para a fartura do anno; concordo
-em que esta mulher se riria desrespeitosamente
-se á sua merenda chamassem lanche
-e em vez destas simples iguarias comidas á
-mão, lhe apresentassem um prato de porcelana
-fina com <i>brioches</i> e um bule de perfumoso chá.</p>
-
-<p>Talvez deitasse o liquido fóra cuidando que
-devia comer as folhas, e levasse os bolos para o
-folar das crianças.</p>
-
-<p>Mas o que é cérto é que bem poucos têm
-essa abundancia, e que a maioria, principalmente
-aquellas que a industria apanhou na
-sua febril engrenagem e na oscilação das suas
-altas e baixas de trabalho; não têm esse bocado
-de pão grosseiro, nem esse saboroso
-queijo salgado...</p>
-
-<p>Não comer manjares poderá ser justo, mas
-passar sem comer é intoleravel.</p>
-
-<p>Ninguem se habitúa á desgraça e á dôr; ha
-no organismo humano uma revolta ináta ao
-sofrimento, que nos faz chorar e estrebuchar a
-cada nóva vergastada do destino.</p>
-
-<p>Existem criaturas resignadas e passivas,
-seres embrutecidos pela miseria ou fracos por<span class="pagenum"><a name="Page_181" id="Page_181">[Pg 181]</a></span>
-temperamento e nos quais a revolta não explúe;
-mas condensada em lagrimas ella hade
-surgir um dia, quando os famintos, os miseraveis,
-os despresados de todos os tempos, vierem
-reclamar o seu quinhão de felicidade e de fartura.</p>
-
-<p>Ninguem se habitúa á dôr, ninguem!, dígo-vo-lo
-eu, que tenho olhado com mais curiosa
-piedade para os que em baixo sofrem e maldizem
-a vida, do que tenho invejado e admirado
-os que em cima cantam a sua gloria e triunfo.</p>
-
-<p>Pois bem, para debelar ou minorar o mal
-de que sofremos todos, os filhos duma sociedade
-que vive num perpetuo desequilibrio de
-elementos economicos e moraes, a missão da
-mulher, irmanada ao homem, libertada pela
-inteligencia, pelo trabalho e pela educação, é
-bem clara! O dever impõe-se-lhe de maneira
-indiscutivel e manda-a entrar resolutamente em
-acção.</p>
-
-<p>Passaram, de todo, os tempos cavalheirescos.
-Presentemente ninguem se lembraria de
-nos exigir que arrancassemos das panoplias as
-espadas dos antepassados para armarmos os<span class="pagenum"><a name="Page_182" id="Page_182">[Pg 182]</a></span>
-nossos filhos e mandá-los vencer qualquer sóba
-indisciplinado e bravío...</p>
-
-<p>O perigo não será menor nas luctas que hôje
-sustentam os nossos soldados; a porção de coragem
-necessaria para tais campanhas, nos longinquos
-sertões ultramarinos, será a mesma ou
-mais talvez; mas a guerra deixou de ter para
-nós o mesmo sentido moral porque deixou de
-ter o imprevisto de duelo, em que era factor
-importante o valôr e a força individual, para
-ser uma carnificina de que são executores certos
-os que melhores e mais numerosas armas
-apresentarem, os que disposerem de mais conhecimentos
-e de mais dinheiro, tal como no
-comercio.</p>
-
-<p>Quando as nações se degladiam hôje, escusâmos
-de esperar milagres e prodigios dos
-homens; os mais fracos serão fatalmente esmagados,
-embora com elles esteja a simpathia das
-almas enthusiastas, como aconteceu á desgraçada
-Polonia, á França enfraquecida pelo Imperio,
-á Grecia atolada na ultima decadencia, e
-ao Transvaal apesar do epopaico heroismo dos
-seus filhos. Embora como a Hespanha espere<span class="pagenum"><a name="Page_183" id="Page_183">[Pg 183]</a></span>
-muito do orgulho e valentia dos seus soldados;
-como a China confie na incontavel multidão
-dos seus habitantes, ou como a Russia se iluda
-com a força ficticia do seu colossal territorio,
-povoado de analfabetos e de revoltados.</p>
-
-<p>Tudo mudou com o tempo&mdash;ideias, costumes,
-maneiras de vêr e de proceder. O que aos
-nossos olhos parece hôje rasoavel e justo, seria
-aos olhos de nossos avós o mais absurdo dos
-atentados ao senso comum, o mais completo
-despreso pelas leis e convenções sociaes.</p>
-
-<p>E, como tudo mais, a missão da mulher mudou
-tambem. Já não é de passividades e resignações
-como dantes! Da espectadora indiferente
-passou a ser figurante; entrou definitivamente
-na lucta&mdash;no trabalho de preparar a
-alegria e o socego do dia de ámanhã.</p>
-
-<p>Não admira que assim seja porque, quando
-os campos de batalha são a propria sociedade
-em que vivemos e as armas são as ideias, a
-mulher tem o direito, mais, tem o dever de entrar
-na lide, e, ao lado do oprimido, do fraco,
-pugnar pela felicidade ou pela menor desgraça
-dos que sofrem.</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_184" id="Page_184">[Pg 184]</a></span></p>
-
-<p>No caso especialissimo que me impulsiona
-agora, ainda mais justa é a nossa intervenção,
-por isso que são mulheres as que sofrem e reclamam
-uma migalha para a sua fome.</p>
-
-<p>No direito de solidariedade que nos assiste
-temos o dever de pensar em que ha centenas de
-familias sem trabalho e que para essa terra socegada
-e pitoresca nas abas da Estrella se mandam
-soldados quando se pede pão, se responde
-com ameaças quando se desespera com fome.</p>
-
-<p>Sem lume, sem fato, sem dinheiro, como se
-anuncia prenhe de desesperos e luctas para
-esses miseraveis que não pedem esmola e sim
-maior paga ao seu trabalho, o inverno que se
-aproxima cantando a tragedia das suas dôres,
-nas ventanias que destelham casebres e arrancam
-arvores, nas chuvas que se despenham em
-torrentes engrossando os rios que regorgitam
-em cheias devastadoras, levando as sementeiras
-e trazendo a agonia nas dobras da sua mortalha
-de neve...</p>
-
-<p>Não nos importa saber se é exequivel a pretensão
-desses operarios que usam do seu direito
-da gréve para discutir com os patrões como<span class="pagenum"><a name="Page_185" id="Page_185">[Pg 185]</a></span>
-combatentes legais, sofrendo heroicamente dias
-e semanas de fome, para obter um pequeno
-augmento, que já lhes parece fortunoso.</p>
-
-<p>Não nos importa tambem saber se é atendivel
-a defesa dos fabricantes de panos baratos,
-que dizem pagar miseravelmente aos operarios
-porque miseraveis são os seus ganhos.</p>
-
-<p>Não discutimos nem julgâmos&mdash;que não nos
-compete fazê-lo&mdash;mas ainda menos duvidar da
-convicção e da justiça dum povo que se resigna
-a luctar tendo por armas a fome e o proprio
-sacrificio, unicas que lhes deixamos nas mãos.</p>
-
-<p>O que simplesmente nos interessa é a questão
-feminina, que este incidente põe a descoberto.
-Foi pelo pequeno salario da operaria que
-a gréve se originou, é para obter uns miseros
-reais para ellas que todos os proletarios de Gouveia
-sustentam uma lucta heroica, porque é heroismo,
-e até loucura, entrar numa gréve sem
-<i>bolsas de trabalho</i>, sem <i>caixas de reserva</i>, sem
-meio algum de lucta e de resistencia.</p>
-
-<p>Não terão razão, essas pobres criaturas ás
-quais se exige umas poucas de horas de trabalho,
-e ás quais se dá em troca sessenta reis por<span class="pagenum"><a name="Page_186" id="Page_186">[Pg 186]</a></span>
-dia?!... Talvez, mas pensemos em que são
-como nós mulheres, que pertencem, como nós,
-a um sexo que os homens chamam fraco e ao
-qual cercearam todos os meios de ganhar a vida&mdash;desde
-a falta de trabalho até á miseria da
-paga&mdash;excepto um que as inferiorisa e torna
-despresiveis aos seus proprios olhos!...</p>
-
-<p>É pois dever nosso, daquellas a quem a educação
-deu um criterio mais elevado, pensar
-nessa multidão de desgraçadas que a miseria e
-a ignorancia predispõem para o crime e que,
-não tendo familia nem homem que as sustente
-legalmente, por força hão-de procurar no erro o
-que o trabalho e a honestidade lhes não garante.</p>
-
-<p>Emquanto individuos da nossa especie se
-rebaixarem tanto, inferiorisâmo-nos tambem reflexivamente,
-porque a mulher não será completamente
-liberta emquanto houver desgraçadas
-que se prostituam por miseria.</p>
-
-<p>Outras, as que têm marido, e serão por certo
-a maior parte dessas operarias, precisam de
-auxiliar a familia com o seu trabalho, porque
-é pequeno o ganho do homem para as necessidades
-da familia.</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_187" id="Page_187">[Pg 187]</a></span></p>
-
-<p>Pensemos nesta desgraça a remediar e se
-houver alguma dentre nós que encolha os hombros
-com indiferença, por <i>superior</i> e de diferenciação
-de sangue que se julgue; se houver
-coração de mãe, que se não confranja pensando
-em suas filhas; espirito tão privilegiadamente
-temperado que ouse escarnecer de tamanha
-desgraça; essas que me não leiam nem atendam,
-porque não é a ellas que me dirijo, mas
-tão sómente áquelas cujo espirito e cujo coração
-as superiorisa e faz elementos civilisadores
-na sociedade.</p>
-
-<p>É urgente que essas entrem na lucta gigantesca
-contra a fome, a miseria e a ignorancia
-das suas irmãs, mas não na lucta de guerrilhas
-e surprêsas que por ahi vamos vendo, ora
-obedecendo á bondade individual de uns, ora ao
-capricho da móda, ora ao desejo de ter o seu
-nome reclamado.</p>
-
-<p>O que primeiro ha a fazer é a junção de todas
-as vontades e de todos os esforços para um
-fim unico e comum.</p>
-
-<p>É urgente, sobre tudo, reclamar uma ou
-mais créches para cada terra onde a mulher<span class="pagenum"><a name="Page_188" id="Page_188">[Pg 188]</a></span>
-tenha que trabalhar fóra de casa, deixando os
-filhos pela rua, ou fechados e sujeitos a mil
-eventualidades, entregues a quem dessa maneira
-explora a miseria das mães.</p>
-
-<p><i>Créches</i> que não sejam filhas da caridade,
-nem entregues a ignorantes, sujeitas a vaidades
-e caprichos, ás altas e baixas do fluctuante coração
-humano, mas <i>créches</i> ordenadas por lei,
-obrigatorias a todas as terras industriaes, sujeitas
-a inspecção rigorosa, com rendimento tirado
-da propria industria que emprega a mulher.
-Em França ha uma lei que obriga todas
-as industrias que empregam mais de vinte mulheres
-a ter uma créche para as suas operarias
-entregarem os filhos durante as horas de trabalho;
-em Portugal nada temos que se compare
-com isso; os governos não fizeram ainda as
-leis e os governados não lhes comprehenderiam
-o alcance.</p>
-
-<p>Depois da <i>créche</i>, que é a mais necessaria
-das instituições numa população operaria, deve
-seguir-se a escola maternal, onde a criancita,
-que já não é admitida na primeira, se conserva
-até aos seis annos, em que entrará para a escola<span class="pagenum"><a name="Page_189" id="Page_189">[Pg 189]</a></span>
-gratuita, com livros de graça, oficinas e
-professores que saibam ensinar pobres seres
-que nas familias não têm quem os norteie no
-caminho do estudo e do dever.</p>
-
-<p>A criança apanhada nesta verdadeira engrenagem
-social, deixará de ser o vadio, o atrevido
-garoto que povôa as ruas das cidades operarias,
-para se tornar uma pequena criatura que
-se prepara com serenidade para a travessia
-dolorosa da existencia, com as suas lagrimas e
-as suas alegrias compensadoras.</p>
-
-<p>Que a mulher possa contar com a <i>maternidade</i>,
-a casa onde passe descançada o ultimo e
-custoso periodo da gravidez, para dali seguir
-para o hospital onde a esperam os cuidados
-prescriptos pela higiene e o conforto que em
-casa lhe não seria facil obter.</p>
-
-<p>Emfim, ha tudo a fazer neste sentido, desde
-a escola de criadas e dônas de casa, até á caixa
-economica, obrigatorias para as mulheres, que
-assim teriam, em caso de gréve, doença, ou
-falta de trabalho, com que resistir algum tempo
-á fome.</p>
-
-<p>Ha pessôas que imaginam tudo resolver<span class="pagenum"><a name="Page_190" id="Page_190">[Pg 190]</a></span>
-pelo estardalhaço festivo da chamada <i>caridade</i>,
-e o que é certo é que a caridade é muitas vezes
-uma exploração e quasi sempre um meio impotente
-para defrontar a desgraça, sempre
-maior do que a generosidade individual.</p>
-
-<p>Seja pois o esforço colectivo, cumprido como
-um dever, a base da nossa lucta contra a miseria,
-e alguma coisa bôa e profícua, estou certa,
-se conseguirá.</p>
-
-<p>Ás mulheres compete conjurar o perigo que
-ameaça a sociedade de hôje, remediando quanto
-possivel as suas injustiças. Á mulher culta
-e sciente da sua nobre missão cabe o primeiro
-logar na empresa de cuidar um pouco no futuro
-do paiz e na melhoría social, acumulando para
-o porvir a maior soma de alegrias na maior
-soma de deveres cumpridos.</p>
-
-<p>E o nosso dever é&mdash;parece-me bem&mdash;ouvir
-as queixas de todos os infelizes, principalmente
-das mulheres e das crianças, que são ainda
-hoje as maiores victimas da sociedade.</p>
-
-<hr class="chap" />
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_191" id="Page_191">[Pg 191]</a></span></p>
-
-<h2 class="halftitle"><a name="A_MULHER_EM_PORTUGAL" id="A_MULHER_EM_PORTUGAL"></a>A MULHER EM PORTUGAL</h2>
-
-<hr class="chap" />
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_192" id="Page_192">[Pg 192]</a></span><br /></p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_193" id="Page_193">[Pg 193]</a></span></p>
-
-
-<div class="chapter-beginning" style="width: 800px;">
-<img src="images/header-p193.jpg" width="800" height="183" alt="Page 193 Header" title="Page 193 Header" />
-</div>
-
-
-<h3><a name="I_A_MULHER_E_O_CASAMENTO" id="I_A_MULHER_E_O_CASAMENTO"></a>I<br />
-<br />
-A MULHER E O CASAMENTO</h3>
-
-<div class="blockquot-half">
-
-<p><i>...Instruir a mulher, dar-lhe
-ao nosso lado o seu verdadeiro logar
-de igual e de companheira,
-porque só a mulher libertada póde
-libertar o homem.</i></p>
-
-<p>
-<span class="smcap">Émile Zola.</span><br />
-</p></div>
-
-<div>
- <img class="drop-cap" src="images/dropcap-c.png" width="75" height="74" alt=""/>
-</div>
-
-<p class="drop-cap">Como companheira do homem e educadora
-dos seus filhos, a mulher é o factor
-mais importante para a reorganisação completa
-da sociedade.</p>
-
-<p>Ora a mulher, entre nós, como toda a criatura
-sem educação, é retrógrada e timorata, influindo
-com os seus pavôres e ideias velhas no
-espirito das gerações, que assim se tornam,
-sem dar por isso, cobardes para as rasgadas<span class="pagenum"><a name="Page_194" id="Page_194">[Pg 194]</a></span>
-iniciativas do futuro, prêsas ao passado pelo
-sentimento do mêdo que lhes incutiram, com
-o leite, as crendices maternas.</p>
-
-<p>É o sentimento que nos fere em toda a nossa
-geração, neste culto fetichista que não temos,
-mas fingimos, pelo passado, e que, em vez de
-nos ser lição, se torna em obsessão. Não se
-respeita um monumento que se não comprehende;
-não se póde vangloriar a alma por
-actos que já não entende; mas nos ultimos
-tempos começou a ser móda falar do passado,
-das nossas glorias, dos nossos feitos; e esta
-gente, que não vê vantagem nenhuma positiva
-para as suas necessidades de hôje nesses feitos
-heroicos dos nossos antepassados, acha cómodo
-pendurar ao peito a <i>venera honrosa de povo
-historico</i> e apresentar-se com ella no <i>grande
-concerto das nações</i>...</p>
-
-<p>Os nossos rapazes de agora nascem velhos,
-ponderados e graves como conselheiros de estado.
-Não é preciso reprimi-los em seus ardôres
-e alegrias de rubra mocidade; elles reprimem
-os velhos e comentam com <i>acerto</i>, quando
-lhes contam as revoltas e independencias dos<span class="pagenum"><a name="Page_195" id="Page_195">[Pg 195]</a></span>
-moços de outróra&mdash;que hôje os tempos são
-outros...</p>
-
-<p>E é a mulher, permitam-me que tenha esta
-triste vaidade, a culpada deste estado deprimente
-do espirito juvenil, mas a culpada inconsciente,
-porque a maior culpa recái sobre o
-homem que assim a tem querido para sua esposa
-e para mãe dos seus filhos.</p>
-
-<p>É um grande principio educativo procurar
-no passado ensinamentos e estimulos para o
-futuro, mas é tristemente depressivo para o
-espirito esta obsessão do que fômos, martelando
-na alma das crianças como dobre a finados...</p>
-
-<p>&mdash;Isto não é o que fazem os povos mais
-adiantados e mais cultos; não é o que convem
-á sociedade de hôje; mas é o que faziam os
-nossos avós, o que acreditavam os nossos antepassados...</p>
-
-<p>E nestas crenças nos amortalhâmos, e nellas
-morreremos, se não sacudirmos esta letargía
-da alma, se não higienisarmos moralmente a
-educação da mãe, que hade educar a criança.</p>
-
-<p>A mulher da nossa raça é naturalmente bôa
-e inteligente, mas em geral é profundamente<span class="pagenum"><a name="Page_196" id="Page_196">[Pg 196]</a></span>
-ignorante e duma convicta preguiça para entrar
-na lucta pela vida, motivo porque se tem deixado
-ficar na rectaguarda de todas as dos mais
-povos de civilisação similar.</p>
-
-<p>Ha quem afirme, e tenha isso como consolação,
-que a hespanhola é muito mais futil e
-vaidosa, muito mais ignorante e inutil. Não
-temos dados para estabelecer o confronto, mas
-o que é certo é que nada nos devem consolar
-tais opiniões. Se são verdadeiras, pesa-nos que
-haja um paiz na Europa no qual a mulher,
-ainda mais do que no nosso, se esqueça de que
-deve ser a companheira e auxiliar do homem,
-sua igual e sua amiga. Se são mentiras, não
-nos lisonjeia o engano.</p>
-
-<p>O homem português, por bondade, por indiferença,
-e tambem por esta <i>sublime</i> inconsciencia,
-que fez de nós um povo de conquistadores
-sem vantagens práticas nas suas conquistas,
-não incita a mulher a trabalhar, nem
-procura no seu labôr o auxilio que lhe seria licito
-esperar, quando as necessidades crescem,
-dia a dia, assustadôramente, encarecendo a
-vida sem proporcional augmento nos ganhos.</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_197" id="Page_197">[Pg 197]</a></span></p>
-
-<p>Tambem a não hostilisa francamente, é verdade...
-embora pela educação, e talvez por
-hereditariedade, seja ferozmente arreigado a
-velhos preconceitos, muito desconfiado e temendo
-o ridiculo das inovações; nunca a mulher
-do nosso paiz, que quiz estudar e trabalhar,
-encontrou no homem séria oposição.</p>
-
-<p>Desconhecemos as luctas violentas que lá
-fóra tornaram a questão feminista uma verdadeira
-guerra, com adeptos apaixonados em ambos
-os campos, e até com sacrificios e com
-mártires.</p>
-
-<p>A nossa mulher, essencialmente passiva,
-sem ambições que vão alem da satisfação que
-as pequenas vaidades do luxo trazem, não aspira
-senão ao casamento, para elle se cria e
-engalana, nelle põe a unica esperança do seu
-futuro.</p>
-
-<p>Não é o casamento, segundo a natureza,
-pela necessidade fisica de amar e ser amada;
-não é o casamento superior de dois espiritos
-que se comprehendem e juntos podem viver
-felizes, fisica e intelectualmente ligados; não é
-mesmo o casamento comercial&mdash;chamemos-lhe<span class="pagenum"><a name="Page_198" id="Page_198">[Pg 198]</a></span>
-assim&mdash;em que duas fortunas ou dois nomes
-se ligam pelo interesse monetario, formando
-para o futuro uma só firma... O casamento
-português é, na maioria dos casos, pura e
-simplesmente uma <i>arrumação</i> para a mulher,
-o amparo, como que o asílo, para a pobre invalida,
-incapaz de ganhar pelo trabalho a subsistencia
-e o conforto.</p>
-
-<p>Dado que se não realise o almejado casamento,
-embora para isso se tenham procurado
-todos os meios, ei-la uma criatura sem posição,
-infeliz, arrastando uma existencia miseravel, se
-tem de trabalhar para viver, com as aptidões
-quasi nulas com que a educação a preparou.</p>
-
-<p>Se não sabe trabalhar, ou tem familia que
-se envergonha desse trabalho, torna-se um
-fardo pesado e aborrecido, cheia de resentimentos
-e amargurosas censuras á vida, invejosa
-da felicidade alheia, um elemento de discordia
-na sociedade.</p>
-
-<p>Ainda algumas vezes é victima de todos os
-egoismos, tornando-se a criada dos proprios
-seus, curtindo despresos e vexames de toda a
-ordem, de grandes e pequenos.</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_199" id="Page_199">[Pg 199]</a></span></p>
-
-<p>Só quando rica, o quadro se torna risonho;
-mas não é dos raros felizes que se trata quando
-se fala em generalidades. Alêm disso, as raparigas
-com dote raro <i>ficam para tias</i>, porque o
-assédio é de tal maneira apertado que o triumfo
-heroico do casamento não se faz esperar.</p>
-
-<p>Falando pois na mulher sem fortuna, repetimos:&mdash;a
-sua educação não a torna superior
-pela inteligencia cultivada, nem apta a ser independente
-pelo proprio trabalho. Alêm da
-educação, é a preguiça que a conserva&mdash;mais
-do que as leis e a vontade dos homens&mdash;na
-mais completa dependencia.</p>
-
-<p>Quantas vezes os pais, que querem dar uma
-educação prática ás filhas, não têm que desistir
-do seu proposito, vendo nellas só pendôr
-para festas, namoricos e futilidades, apoiadas
-pela mãe que conserva da missão do seu sexo
-as ideias mais amesquinhadoras da dignidade
-feminil?...</p>
-
-<p>Só por excepção se dará o caso duma mulher
-do nosso paiz querer estudar e ter, para o
-fazer, de luctar com grandes oposições.</p>
-
-<p>Nem o codigo o permitiria, porque as nossas<span class="pagenum"><a name="Page_200" id="Page_200">[Pg 200]</a></span>
-leis, apesar de más e discutiveis, como todas
-as leis, são melhores do que as de outros
-paizes mais cultos, como teremos ocasião de o
-mostrar e provar.</p>
-
-<p>Tratando a questão, sobre todas urgente, do
-trabalho da mulher, não nos referimos, é claro,
-á mulher do povo. Essa é no nosso paiz, como
-em todos, laboriosa e util; nem que quizesse
-poderia deixar de o ser, porque a familia reclama
-o auxilio do seu braço e os cuidados da
-sua atenção. No povo trabalha sempre, e muito,
-e só excepcionalmente é ociosa, porque a
-necessidade e a lucta pela vida são poderosos
-<i>incentivos</i> para azorragarem os pobres. É só
-no povo que encontrâmos, entrando como valôr
-dotal, as aptidões de trabalho da noiva.</p>
-
-<p>Quando um homem da classe média pensa
-no casamento, ou, mesmo que não tenha pensado,
-se resolve a fazê-lo porque lhe agradou
-um rostosinho pálido que assomára a uma janella,
-<i>ou pegou o namôro</i> encetado <i>por brincadeira</i>,
-não tem como o homem do povo a
-frase consoladora que vale por um dote:&mdash;é
-uma mulher de trabalho.</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_201" id="Page_201">[Pg 201]</a></span></p>
-
-<p>No nosso paiz, como em todos os outros, a
-mulher do povo trabalha sem reparar se os
-serviços são ou não proprios do seu sexo, mas
-deixando que os outros olhem... para darem
-menor salario.</p>
-
-<p>Não é pois a essa que precisâmos recomendar
-o trabalho como fonte de todas as alegrias
-e licita liberdade! Estudaremos, sim, em
-outra ocasião, as condições desgraçadas em
-que é feito, mas não neste capitulo dedicado á
-classe média, onde a educação é menos util e
-menos prática, e onde, pelo contrario, deveria
-ser mais cuidada e bem dirigida para um fim
-de segurança futura.</p>
-
-<p>Já o temos dito varias vezes, mas não é demais,
-repeti-lo,&mdash;que é nos outros paizes a mulher
-da burguezia aquella que mais e melhor
-procura educar-se.</p>
-
-<p>Isto porque a civilisação, tornando a vida
-cada vez mais cara e mais exigente, já fez lá o
-que não tardará a fazer entre nós. A mulher
-inhabil e pobre não casa.</p>
-
-<p>Por egoismo e maldade do homem?!</p>
-
-<p>Não nos atrevemos a condemná-lo.</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_202" id="Page_202">[Pg 202]</a></span></p>
-
-<p>O seu egoismo é filho da necessidade, que
-faz pensar com horror nos encargos duma familia
-nas circumstancias em que a sociedade
-coloca hôje o individuo.</p>
-
-<p>Não espere a mulher portuguêsa que sejam
-os homens que a empurrem para o futuro e
-para a independencia pelo trabalho, porque isso
-será a confissão tacita da sua incapacidade e
-preguiça.</p>
-
-<p>Antes que chegue a hora em que o homem&mdash;até
-hôje bastante sentimental e imprevidente
-para o triste dia de ámanhã de todos os casamentos
-pobres&mdash;ache que as alegrias dum noivado
-não valem os encargos, cada vez mais pesados,
-de um lar, e procure no celibato a emancipação,
-é que a mulher se deve precaver, preparando-se
-para esse proximo dia em que só
-terá de contar comsigo.</p>
-
-<p>Isto que ainda nos parece uma monstruosidade
-e que repugna ao nosso sentimentalismo,
-é já um facto na sociedade francêsa, onde a rapariga
-sem dote tem noventa e nove probabilidades,
-contra uma, de ficar solteira.</p>
-
-<p>Dahi a situação angustiosa dos pais, que<span class="pagenum"><a name="Page_203" id="Page_203">[Pg 203]</a></span>
-vêem crescer a familia e pensam com amargura
-nos filhos a colocar e nas filhas a quem é preciso
-arranjar dote.</p>
-
-<p>Não obstando a este mal com uma séria e
-util educação, que ponha a mulher ao abrigo
-da miseria e da dependencia, não tardará que
-cheguemos ao caminho por onde a França vai
-para a despopulação, para a inferioridade egoista
-do numero.</p>
-
-<p>Se a mulher latina não seguir o caminho
-largo que lhe indicam, com o exemplo, as fortes
-raças do norte, ai da familia e das nações
-a que pertence!</p>
-
-<p>As que primeiro se decidirem a entrar na
-lucta sofrerão por certo muita contrariedade e
-verão cahir sobre os seus pobres hombros, mal
-vesados á responsabilidade forte do trabalho e
-da liberdade, todo o peso dos preconceitos e
-das costumeiras, toda a malquerença invejosa
-e malévola dos rotineiros, numa sociedade ignorante,
-que só cultiva com amôr a <i>má lingua</i>
-tradicional.</p>
-
-<p>Mas o numero faz a força e o habito fará o
-resto. Quando a mulher, que procure numa<span class="pagenum"><a name="Page_204" id="Page_204">[Pg 204]</a></span>
-profissão honrosa o seu sustento e a sua independencia,
-não fôr uma excepção, mas uma legião,
-facilmente poderá aguentar o embate dum
-passado que se desmorona, vendo brilhar um
-futuro que mal se esboça ainda num sorriso
-longinquo.</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_205" id="Page_205">[Pg 205]</a></span></p>
-
-<hr class="chap" />
-
-<p class="half-title">II</p>
-
-<hr class="chap" />
-
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_206" id="Page_206">[Pg 206]</a></span><br /><span class="pagenum"><a name="Page_207" id="Page_207">[Pg 207]</a></span></p>
-
-
-<div class="chapter-beginning" style="width: 800px;">
-<img src="images/header-p067-207.jpg" width="800" height="211" alt="Page 207 Header" title="Page 207 Header" />
-</div>
-
-
-<h3><a name="II_A_MULHER_CASADA_PERANTE_O_CODIGO_CIVIL" id="II_A_MULHER_CASADA_PERANTE_O_CODIGO_CIVIL"></a>II<br />
-<br />
-A MULHER CASADA PERANTE
-O CODIGO CIVIL</h3>
-
-<div>
- <img class="drop-cap" src="images/dropcap-o.png" width="75" height="78" alt=""/>
-</div>
-
-<p class="drop-cap">O casamento perante a lei e o casamento
-como de facto é perante a sociedade,
-são duas coisas por tal fórma contradictorias,
-que não se dirá á primeira vista que um corresponde
-ao outro, ou que um e outro não são
-mais do que o mesmo contracto bi-lateral constituido
-para a formação da familia legal.</p>
-
-<p>Perante a lei, a mulher casada deixa de ser
-uma criatura livre, deixa de ser a senhora do
-seu destino e das suas ações, porque:&mdash;<i>tem que
-prestar obediencia ao marido (art. 1185.<sup>o</sup> do
-Cod. Civ.)</i></p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_208" id="Page_208">[Pg 208]</a></span></p>
-
-<p>&mdash;Deixa de ser a administradora dos seus
-bens, porque:&mdash;qualquer que seja a fórma porque
-se realise o contracto matrimonial, <i>a administração
-pertence ao marido e só na falta ou
-impedimento delle a mulher tomará o seu logar</i>,
-(<i>art. 1189.<sup>o</sup> do Cod. Civ.</i>)</p>
-
-<p>&mdash;Á mulher é negado o direito de alienar
-ou adquirir quaisquer bens, <i>tanto moveis</i>, <i>como
-imoveis</i>, emquanto que o marido póde adquirir
-quaisquer, sem auctorisação da esposa, e alienar
-os <i>mobiliarios</i>, (<i>art.<sup>os</sup> 1191.<sup>o</sup> e 1193.<sup>o</sup> do Cod.
-Civ.</i>) Á mulher é totalmente prohibido fazer dividas,
-sem auctorisação do marido, emquanto
-que o homem póde, segundo o <i>art. 1114.<sup>o</sup> do
-Cod. Civ. §§ 1.<sup>o</sup></i> e <i>2.<sup>o</sup></i>, contrahir, só por si, dividas
-pelas quais respondem os bens do casal,
-no todo ou em parte.</p>
-
-<p>&mdash;A mulher não póde ser a educadora dos
-filhos, pois que os filhos pertencem ao pai, que
-os rege, protege e administra, constituindo
-assim o <i>poder paternal</i>, segundo o <i>art.<sup>o</sup> 137.<sup>o</sup>
-do Cod. Civ.</i></p>
-
-<p>Embora o <i>art.<sup>o</sup> 138.<sup>o</sup></i> proclame que a mãe
-comparticipa do <i>poder paternal</i>, <i>e deverá ser<span class="pagenum"><a name="Page_209" id="Page_209">[Pg 209]</a></span>
-ouvida em tudo que respeita os interesses dos
-filhos</i>, tal não póde suceder, porque o pai é o
-unico representante do <i>poder paternal</i>, e contra
-elle a opinião e a vontade materna nada valem.</p>
-
-<p>&mdash;Póde o pai requerer a prisão do filho desobediente
-e interná-lo em uma casa de correcção,
-que, embora a mãe queira sustêr esse
-acto da vontade paterna, a sua opinião não tem
-força, a sua voz não será escutada, nem a sua
-vontade terá valôr, por mais injusta ou violenta
-que lhe pareça a medida.</p>
-
-<p>&mdash;Tratando-se do casamento do menor, é
-perfeitamente inutil a licença materna, porque
-em <i>caso de dissentimento entre os pais, prevalece
-a opinião do homem</i>, bastando o seu consentimento
-para se realisar o matrimonio, como
-preceitúa o <i>art.<sup>o</sup> 1061.<sup>o</sup> do Cod. Civ.</i> E nunca o
-consentimento materno, só por si, póde prevalecer,
-por mais vantagens que a mulher encontre
-no casamento do filho menor.</p>
-
-<p>&mdash;Viuvo, o homem administra e usufrúe
-os bens dos filhos menores, podendo contrahir
-segundas nupcias sem que lhe seja tirada a
-administração e o usufructo.</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_210" id="Page_210">[Pg 210]</a></span></p>
-
-<p>&mdash;Viuva, a mulher terá que dar contas da
-sua administração ao <i>conselheiro</i> que o defunto
-tenha deixado nomeado, se elle ainda depois da
-morte tiver reservado o poder de dirigir a esposa,
-sob pena de lhe ser tirada a administração
-(<i>art.<sup>o</sup> 161.<sup>o</sup></i>).</p>
-
-<p>Caso venha a contrahir segundas nupcias, a
-mulher perde <i>imediatamente</i> a administração e
-o usufructo da fortuna dos filhos menores, (<i>art.<sup>o</sup>
-162.<sup>o</sup></i>), o que seria justo se o homem no mesmo
-caso não continuasse a gosar os privilegios que
-lhe negam a ella.</p>
-
-<p>O filho pode ser emancipado antes da idade
-legal pelo simples consentimento paterno; pelo
-consentimento da mãe só quando, viuva, tenha
-assumido o <i>poder paternal</i> (<i>art.<sup>o</sup> 304 § 2.<sup>o</sup></i>)</p>
-
-<p>Até para a tutela dos menores se prefere
-quasi sempre a linha paterna (art. 200.<sup>o</sup> § 5.<sup>o</sup>)</p>
-
-<p>Portanto, legalmente, a mãe representa nada
-ou quasi nada na vida dos filhos, que, segundo
-o velho direito romano, pertencem á <i>absoluta</i>
-autoridade do <i>pater-familiæ</i>.</p>
-
-<p>Quantos abusos e injustiças pode acarretar
-sobre as pobres criaturas humanas, que a lei<span class="pagenum"><a name="Page_211" id="Page_211">[Pg 211]</a></span>
-ainda não considera emancipadas, um poder
-assim discricionario, é facil imaginar.</p>
-
-<p>A lei é feita sobre a base de que todo o homem
-é justo, ama os filhos e só para o seu
-bem deseja concorrer; mas a vida dá-nos muitos
-e muitos exemplos do contrario e a lei podia
-temperar tão grande absurdo dando á mãe
-igual poder sobre o filho, que pertence aos
-dois, com o juiz ou o conselho de familia para
-decidir em caso de grande dissimilhança de opinião.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>A mulher casada não póde negociar, exercer
-uma industria ou uma profissão, inclusivamente
-escrever para público e publicar os seus
-livros, sem auctorisação do marido. É o <i>art.<sup>o</sup>
-1187.<sup>o</sup> do Cod. Civ.</i> que o manda.</p>
-
-<p>&mdash;Tem obrigação de acompanhar o marido
-para onde o capricho deste entender que a deve
-levar, a dentro das fronteiras do reino. É o que
-reza o <i>art.<sup>o</sup> 1186.<sup>o</sup> do Cod. Civ.</i></p>
-
-<p>&mdash;Não póde abandonar o marido, embora
-sofra todas as tiranias dum genio diferente do<span class="pagenum"><a name="Page_212" id="Page_212">[Pg 212]</a></span>
-seu, duma educação que seja o contrario da
-sua, dum caracter imcompativel com o seu proprio
-caracter,&mdash;salvo em casos muito especiaes
-previstos pela lei, e que, por bem conhecidos,
-o homem sabe evitar.</p>
-
-<p>Caso fuja do lar conjugal, por lhe ser impossivel
-a existencia em comum, o marido póde
-mandá-la prender como a qualquer malfeitor e
-obrigá-la a retomar <i>imediatamente</i>, no <i>seu</i> lar
-odiado, o papel de mulher, sem que ao espirito
-revoltado, nem ao seu orgulho ferido, se dê o
-tempo de amortecer a violencia da dôr ou o
-impeto da revolta.</p>
-
-<p>Só poderá gritar a sua indignação e pedir
-um pouco de liberdade, se o marido lhe dér,
-com público escandalo, as poucas coisas previstas
-pelo Codigo civil:&mdash;<i>adulterio no domicilio
-conjugal ou com escandalo publico, desamparo
-completo, cevicias, ofensas graves,
-(art.<sup>o</sup> 1204.<sup>o</sup>)</i></p>
-
-<p>&mdash;O homem que cometeu o adulterio, embora
-nas condições indicadas, tem a ridicula
-pena de três mêses a três annos de multa, conforme
-<span class="pagenum"><a name="Page_213" id="Page_213">[Pg 213]</a></span>o <i>art.<sup>o</sup> 404.<sup>o</sup> do Cod. Penal.</i> Sobre a
-mulher cái toda a ira, todo o selvagem ciume
-do legislador, que defende nos maridos o direito
-do macho que não tolera o despreso da
-femea, chegando á ferocidade de tirar á mulher
-adúltera os proprios bens della, que serão entregues
-ao marido, arbitrando-lhe uma triste
-mesada que será o que o capricho do conselho
-de familia e o juiz quizerem ou entenderem.
-É doutrina do § <i>unico do art.<sup>o</sup> 1210.<sup>o</sup> e outros
-do Cod. Civ.</i></p>
-
-<p>Vemos portanto que, segundo a lei, a mulher,
-casando, perde todos os seus direitos e
-alforrias&mdash;póde considerar-se, legalmente, a
-tutelada do homem.</p>
-
-<p>Mas se passarmos do dominio abstrato da
-lei para o campo da realidade, o contraste é
-completo.</p>
-
-<p>Ao contrario do que se poderia supôr, sob
-a pressão de taes disposições legaes, a mulher
-em Portugal, como em quasi todos os paizes
-latinos, casa <i>para ser livre</i>! A sua liberdade
-não é <i>legal</i>, não é <i>responsavel</i>, mas é um facto
-filho da tolerancia masculina e, mais, dos costumes
-que se fôram adoçando e civilisando, sem<span class="pagenum"><a name="Page_214" id="Page_214">[Pg 214]</a></span>
-embargo das leis continuarem persistindo na
-sua rigidez... de cadaveres.</p>
-
-<p>A mulher solteira, a rapariga portuguêsa,
-como todas as suas collegas latinas, é mal preparada,
-mal educada para entrar na lucta da
-vida quotidiana.</p>
-
-<p>Não anda só, não trabalha, não estuda, não
-sabe pensar por si, não vive independente e
-altiva, como qualquer rapariga inglêsa ou americana
-no seu quarto de estudante, lendo e estudando,
-cuidando da sua roupa e arrumando-a
-pelas suas proprias mãos, nas largas gavetas
-dos singelos moveis inglêses, com essas mãos
-que já fizeram a cama, passaram o panno humedecido
-no chão encerado, limparam o pó da
-mesa de trabalho onde colocaram uma jarra
-com flôres; essas mãos habeis e lestas que
-dahi a pouco prepararão no gabinete de fisica
-uma experiencia meticulosa e que á tarde saberão
-guiar com firmêsa a bicicleta ou segurar
-as redeas dum cavallo, bater com serenidade
-os remos do barquinho de recreio em qualquer
-lago dos arredores ou jogar qualquer jogo de
-fôrça e destrêsa.</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_215" id="Page_215">[Pg 215]</a></span></p>
-
-<p>A rapariga portuguêsa não tem opiniões,
-para não ser pedante; não lê, para não ser
-<i>doutora</i> e não ver fugir espavoridos os noivos,
-que por acaso a procurassem.</p>
-
-<p>Não frequenta um passeio, não visita uma
-exposição, não assiste a um espectaculo ou a
-uma conferencia sem que a siga a familia toda,
-numa desconfiança de policias secretas.</p>
-
-<p>Não lhe é permitido conversar com um homem
-sem levantar no espirito de quem a vê
-a suspeita dum interesse amoroso...</p>
-
-<p>A rapariga que chega aos vinte annos, asfixiada
-sob esta amoravel tutela, que nem por
-ser amoravel e carinhosa deixa de ser opressiva,
-encontra no casamento uma relativa liberdade.</p>
-
-<p>Liberdade que, as mais das vezes, é uma
-temeridade conceder á pobre criatura que durante
-tantos annos foi conservada e guardada,
-com o unico fito de ser entregue ao homem
-materialmente pura.</p>
-
-<p>Guardar uma criatura é tirar-lhe a responsabilidade
-moral.</p>
-
-<p>A criança habituada a ter uma pessoa que<span class="pagenum"><a name="Page_216" id="Page_216">[Pg 216]</a></span>
-olhe por ella e lhe evite as temeridades e loucuras,
-se um dia a mandam brincar, entregue a
-si propria, pergunta sobresaltada:&mdash;quem me
-guarda?</p>
-
-<p>A mulher solteira, que desde criança foi habituada
-a trabalhar, a andar só, a estudar e
-amar a santa natureza e a conhecer as mentiras
-sociais, sem se deixar deslumbrar pelas suas
-grandêsas nem desanimar pelas suas miserias,
-que fala naturalmente com os rapases, seus
-colegas no estudo e no trabalho; não pensará
-tanto em namorados como as nossas pobres
-flôres de estufa, que nada mais têm que as
-preocupe. Chegada a hora de casar aceitará
-com naturalidade uma mudança de vida que
-lhe exige fisiologicamente a natureza, mas que
-a vem sobrecarregar com responsabilidades e
-deveres muito mais sérios e graves.</p>
-
-<p>A mulher no nosso paiz, embora a lei seja
-dura para ella, como vimos, encontra no casamento
-uma relativa alforria á sua vida de crisálida.
-Os guardas, que a não desamparavam
-um instante, desapareceram e ella sente-se livre
-alfim! É senhora de si e dos seus caprichos,<span class="pagenum"><a name="Page_217" id="Page_217">[Pg 217]</a></span>
-que toma como manifestações da sua vontade.
-A casa pertence-lhe, pode dispô-la ao seu gosto,
-não tem ninguem que a contrarie&mdash;nem o marido,
-nesse primeiro tempo de casada. Na rua
-pode andar só, sem que ninguem repare. E que
-reparasse, o marido autorisa-a tacitamente a
-fazê-lo, porque homem nenhum iria hôje dar á
-sua propria esposa um diploma de incapacidade,
-fazendo-a guardar.</p>
-
-<p>E a mulher, hontem ainda vigiada como uma
-criança, sente um certo orgulho em poder dizer
-comsigo:&mdash;sáio se quizer sahir!</p>
-
-<p>E sai, as mais das vezes para nada&mdash;porque
-é ainda rara a mulher portuguêsa que sai por
-exigencias de trabalho profissional&mdash;para mostrar
-a si mesma que é livre.</p>
-
-<p>Diz a lei que a esposa <i>deve obediencia</i> ao
-marido, mas que importa, se ella faz, geralmente,
-mais a propria vontade do que a delle?</p>
-
-<p>Que importa que a <i>administração</i> pertença
-ao marido, se não é raro que seja a mulher
-com assentimento delle, é claro, quem administra
-e guarda o dinheiro do casal?</p>
-
-<p>Que importa que legalmente não possa comprar<span class="pagenum"><a name="Page_218" id="Page_218">[Pg 218]</a></span>
-nem vender bens <i>moveis</i> nem <i>imoveis</i>, se
-é raro o esposo que vá interferir nas compras
-que a mulher faça, principalmente de <i>bens
-moveis</i>?</p>
-
-<p>Embora não possa contrahir dividas sem
-licença do marido, não ha negociante que lha
-exija para fiar a sua fazenda, certo que só em
-caso extremo o homem deixará de pagar as dividas
-contrahidas pela espôsa.</p>
-
-<p>Embora não lhe assista o direito de se ingerir
-na educação dos filhos, a sua influencia
-sobre elles é bem mais decisiva do que a dos
-pais; e qual seria hôje o marido brutal que se
-atreveria a arrostar com a reprovação geral,
-arrancando violentamente um filho á tutela educativa
-da mãe?!</p>
-
-<p>Embora não possa negociar, ter uma profissão
-ou industria, ou escrever para público,
-qual o homem que arcaria com a gargalhada
-geral que a sua tirania ridicula despertasse?!</p>
-
-<p>Embora tenha obrigação de acompanhar o
-marido, para onde elle a quizer levar, dentro
-do reino, quantos exemplos vemos do contrario<span class="pagenum"><a name="Page_219" id="Page_219">[Pg 219]</a></span>
-sujeitando-se mais vezes o homem á vontade e
-ao gosto da mulher?!...</p>
-
-<p>Qual o marido, tirano de comedia, que
-obrigasse a mulher, que o não quer aturar, a
-voltar violentamente para o lar conjugal?</p>
-
-<p>O proprio caso de adulterio em que o orgulho
-masculino mais sofre e menos póde atender
-os conselhos de bondade e perdão, nem
-mesmo esse já se desenlaça, senão muito raramente,
-entre gente civilisada, na carnificina e
-no rubro da tragedia antiga.</p>
-
-<p>A dôr concentra-se na alma, e a tragedia,&mdash;que
-a ha sempre onde se despedaçam violentamente
-laços de sangue e de coração&mdash;fica silenciosa
-e respeitavel, na sua grande simplicidade.
-A mulher não é assassinada, mas o homem
-não é como dantes ridicularisado por uma
-falta de que só ella é a responsavel e a victima.</p>
-
-<p>Por estas ligeiras observações parece-me ter
-mostrado bastantemente quanto é verdadeira a
-teoria já expendida aqui:&mdash;<i>de que os costumes
-precedem as leis, que se modificam, mais dia
-menos dia, segundo a vontade e os habitos da
-sociedade que as reclama.</i></p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_220" id="Page_220">[Pg 220]</a></span></p>
-
-<p>Não seria pois mais logico e mais sério educar
-desde já a mulher solteira para a sua alta
-responsabilidade de esposa e de mãe, modificando
-as leis que governam a familia, como se
-transformaram os costumes, tornando o casamento
-a união legal e respeitavel de duas criaturas
-que se juntam por sua livre vontade para
-constituirem a familia, tomando sobre si iguais
-encargos com iguais direitos?</p>
-
-<p>Pois não é preferivel tirar á criatura que
-soube insinuar-se e apoderar-se da egualdade
-de facto, a irresponsabilidade que lhe garante
-a lei, dando-lhe os deveres e as vantagens?</p>
-
-<p>Tanto mais que o maior perigo está ainda&mdash;em
-que a lei só cai, com todo o seu peso, sobre a
-mulher de caracter probo que não sabe dobrar-se
-nem mentir, conquistando com blandicias
-e hipocrisias, apoiada na fraquêsa masculina,
-o que legalmente lhe é defêso.</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_221" id="Page_221">[Pg 221]</a></span></p>
-
-<hr class="chap" />
-
-<p class="half-title">III</p>
-
-<hr class="chap" />
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_222" id="Page_222">[Pg 222]</a></span><br /><span class="pagenum"><a name="Page_223" id="Page_223">[Pg 223]</a></span></p>
-
-
-<div class="chapter-beginning" style="width: 800px;">
-<img src="images/header-p101-149-223.jpg" width="800" height="169" alt="Page 223 Header" title="Page 223 Header" />
-</div>
-
-<h3><a name="III_A_MULHER_SOLTEIRA_PERANTE_O_CODIGO_CIVIL" id="III_A_MULHER_SOLTEIRA_PERANTE_O_CODIGO_CIVIL"></a>III<br />
-<br />
-A MULHER SOLTEIRA
-PERANTE O CODIGO CIVIL</h3>
-
-<div>
- <img class="drop-cap" src="images/dropcap-d.png" width="75" height="69" alt=""/>
-</div>
-
-<p class="drop-cap">Dissemos atrás&mdash;que não são as leis portuguêsas
-das mais intolerantes e agravantes
-da situação da mulher adentro da sociedade
-e da familia. Demonstraremos esta opinião,
-em ligeiras observações que nos fôrem ocorrendo&mdash;que
-não em estudo comparativo dos codigos
-estrangeiros, por nos falecer competencia
-para tanto.</p>
-
-<p>É certo que encontrâmos no codigo português
-graves desigualdades e injustiças para
-com a mulher, não como é de facto, pela educação
-e pela tradição, no nosso paiz, mas como
-deveria ser.</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_224" id="Page_224">[Pg 224]</a></span></p>
-
-<p>Não obstante, a mulher, tal como se conserva
-em terras portuguêsas, não tem direito a reclamar
-maiores garantias legais, porque até
-agora nem sequer se tem utilisado das regalias
-e igualdades que o proprio codigo lhe confere,
-e são ainda hôje, em paizes mais adiantados do
-que o nosso, outros tantos reductos a conquistar.</p>
-
-<p>Vemos na França, por exemplo, a mulher
-perder o seu nome com o casamento; deixar&mdash;pelo
-simples motivo de se ligar a um homem
-legalmente&mdash;de sêr a <i>pessoa tal</i>, com o nome
-da familia em que nasceu e a que pertence pelo
-sangue e pela educação (e á qual não poderá
-nunca deixar em absoluto de pertencer, por defeitos
-e qualidades de que é inconsciente herdeira)
-para se tornar em <i>madame</i>... do nome
-do marido.</p>
-
-<p>Isso mesmo deixará de ser se, viuva, tornar
-a casar; ou, divorciada, mudar, como quem
-muda um vestido usado, de nome e de marido
-conjunctamente.</p>
-
-<p>A tradição conservou na livre e intelectual
-França esse costume, fixou-o mesmo como lei,
-e, afinal, onde essa lei tinha menos razão de<span class="pagenum"><a name="Page_225" id="Page_225">[Pg 225]</a></span>
-ser era precisamente nesse paiz, onde o divorcio
-já está promulgado e usado largamente. Havemos
-de concordar que é em extremo absurda
-a coexistencia desses dois usos.</p>
-
-<p>Para a mulher francêsa é tão natural este
-costume, que só raramente a faz indignar; é
-que as maiores servidões, se a ellas nos afazêmos
-pela educação e pelo habito, tal nos não
-parecem, senão por um esforço de raciocinio
-que nem sempre chegâmos a formular.</p>
-
-<p>Nada mais ridiculo, na verdade, do que essa
-lei, resto, ao que se me afigura, do velho direito
-romano, que fazia da mulher a pertença do
-homem. Fosse o pai, absoluto senhor cujas decisões
-se aceitavam sem protesto; ou o marido,
-que recebia a esposa como um festivo
-<i>presente</i>, um objecto, ou uma femea que se
-compra; fosse o irmão, o proprio filho ou cunhado....
-todos, sucessivamente, tinham direitos
-e poderes sobre a criatura humana, só
-porque o acaso de um utero, a fatalidade germinativa,
-a fizéra mulher.</p>
-
-<p>Nas antigas civilisações a mulher era sempre
-a escrava que o homem comprava ou roubava,<span class="pagenum"><a name="Page_226" id="Page_226">[Pg 226]</a></span>
-consoante o regimen de guerra ou de paz
-em que vivia. Quantas coisas fazemos e usâmos,
-que, sem o presentir, recordam apenas
-cerimonias e distinctivos da nossa servidão,
-desde as joias com que nos adornâmos: pulseiras,
-aneis, colares, brincos, cintos e outros
-enfeites, que apenas são o resto das cadeias
-que prendiam a escrava ao senhor, fisica e moralmente,
-até ás usanças e cerimonias do casamento;
-tudo nos mostra que a tradição tem
-trazido, através dos seculos, os restos barbaros
-das civilisações ídas, apesar mesmo das leis que
-se reformaram e modernisaram, seguindo as
-novas orientações sociaes.</p>
-
-<p>Quem nos dirá, ao vêr lindos braceletes
-constelados de pedrarias enroscando-se cariciosamente
-no braço duma mulher formosa, que
-essas joias representam as algêmas e pulseiras
-das antigas escravas, vincando-lhes os pulsos
-como um traço de fogo a lembrar-lhes a sua
-miserrima dependencia?</p>
-
-<p>Quem nos dirá, vendo fortunas condensadas
-em <i>solitarios</i>, suspensos como gotas de agua
-irisantes do lobulo da orelha feminina, que o<span class="pagenum"><a name="Page_227" id="Page_227">[Pg 227]</a></span>
-brinco era ainda o signal da servidão, como o
-era a argola no nariz e no beiço, cahidas em
-desuso, assim como as algêmas dos artelhos,
-por mero <i>capricho da moda</i>, tão inconsciente
-neste abandono como na conservação dos primeiros!?</p>
-
-<p>Assim, tambem, o que no casamento moderno
-e civilisado nos parece apenas fórmulas de
-cortezia, não é mais do que o éco quasi extincto
-dos tempos em que a mulher era a <i>propriedade</i>,
-vendida, dada, ou raptada, que passava por
-esses meios, todos brutais, do poder absoluto
-do pai para o não menos absoluto poder do
-marido.</p>
-
-<p>O que significa o pedido do casamento, o
-que é hôje legalmente esse costume? Nada mais
-do que uma deferencia das filhas e dos noivos.</p>
-
-<p>Perante a lei, a mulher maior de vinte e um
-annos não deve ser <i>pedida</i> a ninguem, visto que
-se pertence sómente a si propria.</p>
-
-<p>O que significa essa tresloucada fuga, depois
-da solemnidade consorcial, para hoteis e casas
-estranhas,&mdash;que os jornaes anunciam pomposamente
-como a ultima palavra do bom tom&mdash;senão<span class="pagenum"><a name="Page_228" id="Page_228">[Pg 228]</a></span>
-o rapto da mulher primitiva, senão o abandono
-da familia e da tribu em que nasceu pela
-nova familia, nova tribu, nova patria, que tudo
-seria para o futuro a que o marido lhe désse? Já
-na Grecia e em Roma este costume pertencia á
-tradição, e a noiva não transpunha pelo seu pé
-o limiar da porta da nova casa e sim era levada
-nos braços do marido, como significando bem
-claramente a <i>posse</i> do esposo sobre a mulher,
-recordando-lhe que fôra dada, vendida ou trocada
-por algumas cabeças de gado, como ainda
-hôje sucede em tribus selvagens da Africa.</p>
-
-<p>Tudo nos mostra a tradição, revivendo através
-das idades e das gerações, numa teimosia
-de força inconsciente, a que só o estudo aturado
-e o raciocinio fórte podem pôr um dique.</p>
-
-<p>Longe me levou, afinal, a observação sobre
-a lei e uma usança, que nem sequer são do
-nosso paiz como do nosso codigo.</p>
-
-<p>Em Portugal, a verdade é que nem a tradição
-nem as leis nos impõem tal costume. Uma
-mostra-nos as familias usarem indistinctamente
-o nome dos pais ou das mães, mais tarde
-aliando-os numa simpatica e logica união.</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_229" id="Page_229">[Pg 229]</a></span></p>
-
-<p>Dizem-nos as outras como a ausencia da lei
-sálica faz transmitir reinos, titulos e morgadíos
-pela linha feminina, na falta da masculina,
-sem desdouro para ninguem.</p>
-
-<p>A mulher portuguêsa, quando casada, não
-perdeu nunca o seu nome, ou, melhor dizendo,
-o seu apelido de familia. Só o perdia quando
-vinha do <i>anonimato</i> do povo ou da <i>inferioridade</i>
-da classe média para a grandêsa da fidalguia
-brazonada.</p>
-
-<p>Quando muito, ajunta hôje, por galanteria,
-ao seu nome individual o nome do esposo.</p>
-
-<p>Nos ultimos tempos é que a móda, na sua
-fatuidade, tem querido trazer para a nossa terra
-o ridiculo costume da França, Belgica e outros
-paizes&mdash;exactamente quando por lá já se trabalha
-para o modificar.</p>
-
-<p>É o defeito de quem imita, sem discernir, o
-que é bom e o que é máu...</p>
-
-<p>Mas continuemos abordando alguns exemplos
-que nos fôr sugerindo o folhear do codigo,
-muito por alto, sem a responsabilidade do profissional.</p>
-
-<p>A mulher solteira é <i>quasi</i> livre, equiparada<span class="pagenum"><a name="Page_230" id="Page_230">[Pg 230]</a></span>
-ao homem perante o codigo. Mas nesse <i>quasi</i>,
-que imenso abismo ainda a transpôr!</p>
-
-<p>Depois dos vinte e um annos póde livremente
-ganhar a sua vida exercendo a profissão para
-que se julga habilitada. É um individuo autónomo.
-Poderá ser professora, medica, proprietaria,
-industrial e comerciante.</p>
-
-<p>Será senhora absoluta do que é seu como
-da sua vontade; pagará rendas de casa e contribuições
-para o estado; será util, será um
-factor importante na sociedade; mas, como os
-doidos, os menores, os surdos, os cegos, não
-poderá ser testemunha em actos públicos e solénes
-da vida do homem, como não é aceite o
-seu testemunho em qualquer acto civil, não é
-aceite a sua fiança para qualquer transação comercial.</p>
-
-<p>Não poderá ser tutôra dum menor, por melhor
-educadora e mais habil administradora
-que seja&mdash;a não ser de filhos e netos, e, desses
-mesmos, com restrições e cautelas vexatorias
-para a sua dignidade individual&mdash;mas, para
-cúmulo de disparate, póde ser tutôr dos seus
-sobrinhos o marido, quando o tenha!</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_231" id="Page_231">[Pg 231]</a></span></p>
-
-<p>A lei não a exclúe de nenhum trabalho;
-apenas o costume, a tradição e o homem (sempre
-temeroso da concorrencia das criaturas que
-diz desprezar e achar inferiores) fazem reparo,
-a cada nova conquista da tenacidade feminina...</p>
-
-<p>A mulher póde estudar as leis do seu paiz.
-Poderá&mdash;visto que a lei é igual para todos e
-não faz distinção de pessôas e de sexos, <i>salvo
-nos casos especialmente declarados</i> no <i>art. 7.<sup>o</sup>
-do Cod. Civil</i>&mdash;frequentar o curso de direito e
-tirar a carta de bacharel. Mas essa mesma mulher
-não poderá estar em juizo como testemunha
-civel, não poderá apresentar-se com procuração
-ou mandato, nem requerer justiça,
-salvo nas proprias questões, nas dos ascendentes
-ou descendentes e nas do marido, em caso
-de impedimento deste.</p>
-
-<p>As mulheres são equiparadas pelos codigos
-aos menores não emancipados&mdash;<i>ambos menores
-perante a lei!</i></p>
-
-<p>Ora a mulher, que não tem artigo especial
-na lei que lhe prohiba ser proprietaria, industrial,
-artista, medica, erudita, comerciante, professora,<span class="pagenum"><a name="Page_232" id="Page_232">[Pg 232]</a></span>
-isto é, que póde ser tudo quanto representa
-inteligencia, precisão, vontade e estudo;
-que póde frequentar os cursos superiores onde
-se instrúe o homem do seu paiz, que em qualquer
-ramo do saber humano póde ser <i>alguem</i>
-da estatura intelectual e moral duma Clémence
-Royer ou duma Luiza Michel; a mulher não
-tem a faculdade de se ingerir nos negocios publicos!
-Não é eleitora nem elegivel; não póde
-averiguar&mdash;porque não tem esse direito legal&mdash;como
-é gasto o dinheiro que paga como contribuinte,
-para onde vai o fructo do seu trabalho.</p>
-
-<p>Poderá fazer pender a balança eleitoral&mdash;mesmo
-que as eleições fossem o resultado arithmetico
-das listas verdadeiramente entradas na
-urna&mdash;influindo nos seus caseiros, operarios, e
-quaisquer dependentes; mas não poderá dar o
-seu voto, que seria, certamente, mais responsavel
-e consciencioso do que o dos analfabetos que
-lhe cultivam as terras e a servem.</p>
-
-<p>Não poderá intervir, <i>senão ilegalmente</i>, pela
-intriga e pela mentira, nos negocios de que depende
-o seu socego e fortuna, o destino da<span class="pagenum"><a name="Page_233" id="Page_233">[Pg 233]</a></span>
-Patria; que lhe pertence tanto como aos homens
-que a governam.</p>
-
-<p>A lei, apesar do artigo 7.<sup>o</sup> do Cod. Civil que
-diz <i>ser igual para todos</i>, é bem desigual e vexatoria
-para a mulher, quando mesmo solteira,
-senhora dos seus bens, árbitra da sua vida moral
-como material.</p>
-
-<p>Não posso terminar sem me deter em dois
-artigos do codigo civil que merecem a nossa
-atenção mais demorada e tem o seu logar aqui,
-visto referirem-se ainda á mulher solteira.</p>
-
-<p>&mdash;«<i>É prohibida a investigação da paternidade
-illegitima</i>&mdash;diz o artigo 130.<sup>o</sup>&mdash;salvo em
-casos que entram francamente nos crimes punidos
-pelo codigo penal».</p>
-
-<p>&mdash;«<i>É permittida a investigação da maternidade</i>»&mdash;diz
-a seguir o artigo 131.<sup>o</sup></p>
-
-<p>E fica-se a gente a pensar:&mdash;que sociedade,
-que justiça, que lei é esta, que tira aos homens
-todos os deveres e toda a responsabilidade, em
-actos de que, se não é o maior culpado, é, pelo
-menos, tão culpado como a mulher.</p>
-
-<p>O que póde ser um filho ilegitimo na vida de
-um homem? Um encargo monetario, quando<span class="pagenum"><a name="Page_234" id="Page_234">[Pg 234]</a></span>
-muito. Nenhuma deshonra o fará córar por esse
-fructo da sua leviandade. Nenhuma criatura,
-por mais honesta e puritana, deixará de lhe estender
-a mão e recebê-lo em sua casa como
-amigo. O proprio filho, dizendo o nome do pai,
-não sentirá nunca o frio mortal do desprêso que
-persegue, quasi sempre, o que só póde dizer o
-nome da sua pobre mãe.</p>
-
-<p>Solteiro, esse homem não terá dificuldade em
-ser aceite como esposo por qualquer senhora
-honesta, que, por sua vez, se não deshonrará em
-se tornar a mãe do filho que é o filho do seu
-esposo.</p>
-
-<p>Pois o homem, nestas condições sociais, fugiu,
-pelas leis que fabricou, ao <i>incomodo</i> da investigação
-da sua paternidade ilegitima, ao
-passo que lançou para a mãe toda a responsabilidade
-do seu crime!</p>
-
-<p>Para a mulher que deixa de ser honesta para
-a sociedade, mostrando um filho que não teve
-do casamento; para a mulher que só por excepção
-póde agenciar com o trabalho o quanto
-baste ao seu sustento; para a mulher que nenhum
-homem aceitará para esposa, sabida que<span class="pagenum"><a name="Page_235" id="Page_235">[Pg 235]</a></span>
-seja a sua <i>falta</i>; para sobre a mulher toda a
-responsabilidade, direi mais, toda a durêsa da
-lei, permitindo ao filho a investigação da maternidade,
-ao passo que lhe nega a da paternidade!</p>
-
-<p>Quantas lagrimas misteriosas e quantos desesperos
-e angustias não representam esses pobres
-seres, vindos como um castigo, numa familia
-honesta, que a todo o transe quer encobrir
-o que é a suprema vergonha duma mulher solteira?!</p>
-
-<p>Existencias de dolorosissimo sacrificio, desvendadas
-para o escarneo e o despreso do mundo,
-é tudo quanto representa essa disposição
-legal&mdash;<i>só para a mulher!</i></p>
-
-<p>Se a sociedade não condemnasse com o seu
-despreso a rapariga que se lhe apresenta com
-um filho que não tem no registo o nome do pai;
-se a sociedade garantisse á mulher&mdash;por igual
-trabalho, igual salario&mdash;e lhe abrisse largamente
-novos horisontes de estudo e profissões remuneradoras,
-que a tornassem monetariamente livre,
-então o codigo poderia, sem grande injustiça,
-livrar o homem da responsabilidade a que
-o filho infeliz e miseravel o vai chamar. Sim,<span class="pagenum"><a name="Page_236" id="Page_236">[Pg 236]</a></span>
-porque só quem é muito desgraçado encontrará
-satisfação em procurar as criaturas que o trouxeram
-para a vida e se escondem covardemente
-atrás do misterio.</p>
-
-<p>O egoismo masculino revelou-se ferozmente
-nessas duas linhas, que são a maior das cobardias
-para com a mulher, sua cumplice, e para
-com o filho, sua victima.</p>
-
-<p>Se a mulher pudesse apresentar com honra
-os filhos que são sómente seus, porque o pai
-os não quer legitimar, por certo que não haveria
-muitas que fugissem a essa responsabilidade,
-porque a mulher, como todas as fêmeas, tem,
-em geral, o amôr pelos filhos pequeninos muito
-mais vehemente do que o homem. É o amôr
-animal e inconsciente, que só a civilisação,
-com as suas exigencias avassaladoras, tem atrofiado.</p>
-
-<p>O amôr do pai, pelo contrario, é o sentimento
-<i>adquirido</i> com a civilisação e que a mesma sociedade
-tem todo o interesse em proteger e desenvolver
-para salvação sua.</p>
-
-<p>«Voltariamos ao <i>matriarcado</i> dos tempos
-primitivos, se a mulher pudesse <i>honradamente</i><span class="pagenum"><a name="Page_237" id="Page_237">[Pg 237]</a></span>
-apresentar os filhos sem pai; seria a dissolução
-da familia e da sociedade...»</p>
-
-<p>Sim, seria tudo isso, mas não seria, ainda
-assim, nada que se comparasse á violencia da
-injustiça legal dos artigos 130.<sup>o</sup> e 131.<sup>o</sup> do cod.
-civil.<span class="pagenum"><a name="Page_238" id="Page_238">[Pg 238]</a></span></p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_239" id="Page_239">[Pg 239]</a></span></p>
-
-<hr class="chap" />
-
-<p class="half-title">IV</p>
-
-<hr class="chap" />
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_240" id="Page_240">[Pg 240]</a></span><br /><span class="pagenum"><a name="Page_241" id="Page_241">[Pg 241]</a></span></p>
-
-
-<div class="chapter-beginning" style="width: 800px;">
-<img src="images/header-p085-241.jpg" width="800" height="213" alt="Page 241 Header" title="Page 241 Header" />
-</div>
-
-<h3><a name="IV_O_TRABALHO_DA_MULHER" id="IV_O_TRABALHO_DA_MULHER"></a>IV<br />
-<br />
-O TRABALHO DA MULHER</h3>
-
-<div class="blockquot-half">
-
-<p><i>...é valorisar a mulher tirando-a
-do triangulo fatal: casamento,
-ociosidade ou prostituição.</i></p>
-
-<p>
-<span class="smcap">Agostinho de Campos.</span><br />
-</p></div>
-
-<div>
- <img class="drop-cap" src="images/dropcap-o.png" width="75" height="78" alt=""/>
-</div>
-
-<p class="drop-cap">O homem português, como todo o dos povos
-latinos, despresa no fundo a mulher,
-apesar de ser o que mais a tem cantado
-poeticamente e turificado pelo amôr.</p>
-
-<p>Talvez mesmo por isso... A mulher só lhe
-apraz como objecto de prazer ou escrava dos
-seus desejos, e para a conservar assim, nessa
-dependencia que lhe quer fazer convencer que
-é soberania, sujeita-se a tudo, até aguentar-se
-com todo o trabalho para que ella não crie habitos<span class="pagenum"><a name="Page_242" id="Page_242">[Pg 242]</a></span>
-de independencia, vendo-se apta para ganhar
-a sua vida, sentindo-se senhora das <i>suas
-economias</i>.</p>
-
-<p>A mulher casada, como está constituida a
-familia no nosso paiz e como em geral o homem
-a deseja&mdash;<i>vive em casa do marido. Come o que
-o marido lhe dá. Veste aquillo que elle paga
-com o seu trabalho. É mãe de filhos de que
-elle, só, paga todas as despêsas. É o thezoureiro
-do dinheiro delle</i>, e não poucas vezes
-ouve criticar com asperêsa os seus actos de
-governante!</p>
-
-<p>A mulher casada, sem fortuna propria, é
-bem pouco senhora na casa que chama sua e
-pelo <i>cantinho</i> da qual aspirou tantos annos, isto
-se não tem a habilidade de se fazer admirada
-como um modelo de bom senso e economia, o
-que não é raro, como já dissemos.</p>
-
-<p>Mas sendo a mulher casada apenas uma
-parte da grande familia feminina, porque não
-fazer com que essas que não têm marido que
-as sustente, nem filhos a educar, nem casa onde
-se abriguem e <i>governem</i>, trabalhem e se tornem
-independentes?</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_243" id="Page_243">[Pg 243]</a></span></p>
-
-<p>Em França&mdash;diz uma das suas ultimas estatisticas&mdash;existem
-2.622:170 mulheres celibatarias
-maiores de 21 annos.</p>
-
-<p>Não sabemos as que ha no nosso paiz, por
-mingua de estatisticas comprovativas, mas sirva-nos
-esse numero de termo de comparação.</p>
-
-<p>Aqui temos, pois, mais de dois milhões de
-criaturas que não têm marido que as sustente
-e que precisarão de trabalhar para poderem
-subsistir.</p>
-
-<p>Tirando desse numero a imensa legião das
-pobres que no vicio sordido procuram o sustento
-ou o luxo, ainda ficaremos com uma bôa
-percentagem de mulheres honestas que precisam
-de trabalhar para viver.</p>
-
-<p>Nos ultimos tempos nota-se, principalmente
-na capital, uma certa afluencia de mulheres na
-procura do trabalho; mas é preciso que essa
-concorrencia se não torne em exploração.</p>
-
-<p>Ha pouco quem seja logico nos seus principios
-e quem sacrifique os seus mesquinhos interesses
-pelo bem dos outros, por isso é necessario
-pôrmo-nos em guarda e não concorrermos
-com a nossa miseria para a miseria geral.</p>
-
-<p><span class="pagenum"><a name="Page_244" id="Page_244">[Pg 244]</a></span></p>
-
-<p>Começa a mulher entre nós&mdash;o ultimo paiz
-da Europa que tal faz!&mdash;a ser utilisada no
-comercio, para que tem já provadas e apreciaveis
-aptidões, mas não deve consentir que a
-utilisem por exploração, para lhe pagarem inferiormente
-um trabalho igual ao dos homens.</p>
-
-<p><i>Por igual trabalho, igual paga</i>&mdash;tal deve
-ser o principio fundamental do labôr feminino.</p>
-
-<p>Se o homem português fôsse mais bem orientado,
-em vez de hostilizar a mulher que trabalha,
-e de a expulsar das suas associações,&mdash;ou
-não lhe permitindo o voto, nem as aceitando
-como elegiveis para os cargos das sociedades&mdash;tornar-se-ia
-o seu aliado e em concorrencia
-leal cada um apresentaria as suas próvas e seria
-provido nos logares conforme as suas aptidões,&mdash;e
-não conforme a <i>paga</i>.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>É repugnante a lucta de egoismos, e, quando
-se exerce com a ferocidade do esfomeado que
-defende o seu alimento, dá-nos a sugestão desoladora
-de que a criatura humana no fundo da
-sua alma, apesar de tantos seculos de civilisação,<span class="pagenum"><a name="Page_245" id="Page_245">[Pg 245]</a></span>
-é bem semelhante ao troglodita que defendia
-a presa ensanguentada a unhas e dentes
-contra o seu irmão ou a sua companheira, devorando
-o adversario se ficava vencedor.</p>
-
-<p>A mulher tem direito a viver como o homem,
-e, mais, tem o direito a trabalhar e a ser respeitada
-no seu trabalho, só devendo temer a
-concorrencia leal.</p>
-
-<p>Que fóros especiaes tem o homem português
-para exigir que a mulher, professora, não concorra
-ás cadeiras primarias de rapases ou ás
-cadeiras mixtas, se ella tiver competencia para
-o fazer, quando em tantos outros paizes são
-ellas que se encarregam de quasi toda a educação
-primaria?</p>
-
-<p>Que direito lhe assiste em não consentir que
-a mulher telegrafista passe aos cargos superiores,
-se ella&mdash;excepcionalmente ou não&mdash;fôr
-um empregado mais consciencioso e inteligente
-do que os seus colegas, e tiver os mesmos annos
-de serviço?</p>
-
-<p>Que direito tem o homem em manifestar repugnancia
-em ser dirigido por uma mulher se
-ella tiver mais aptidões do que os dirigidos?<span class="pagenum"><a name="Page_246" id="Page_246">[Pg 246]</a></span>
-Em ser ensinado por ella se mostrar em suas
-provas e cursos e concursos publicos que podia
-proficientemente desempenhar-se da sua missão?</p>
-
-<p>É abominavel de egoismo o argumento do
-homem que diz:&mdash;nós já somos muitos e se a
-mulher entra definitivamente na lucta pelo trabalho,
-mais sofreremos nós. Mas então para o
-homem não sofrer é preciso que a mulher sofra
-a fome e a nudez?</p>
-
-<p>Repito&mdash;não me refiro já á mulher casada,
-que tem o homem que a sustenta; refiro-me á
-solteira, que tem direito á vida e ao trabalho
-para a sustentar com nobrêsa.</p>
-
-<p>O caixeiro sobresalta-se porque a mulher
-começa&mdash;só agora em Portugal!&mdash;a ser caixeira.
-E não é isso justo?!</p>
-
-<p>Não é esse trabalho sedentario o mais proprio
-para o sexo que dizem fraco? Mal lhes fica
-até o reparo, porque ha muita profissão que
-elles poderiam exercer sem se sujeitar a um
-trabalho que, por muito feminil, deve ser deprimente
-para a dignidade masculina.</p>
-
-<p>Quantas vezes não ouvimos dizer:&mdash;que tal<span class="pagenum"><a name="Page_247" id="Page_247">[Pg 247]</a></span>
-ou tal oficio não serve para a mulher, porque é
-pesado para a sua força, demasiado violento
-para a sua fraquêsa organica?...</p>
-
-<p>E, no entanto, percorrendo as provincias do
-norte ao sul de Portugal, visitando as oficinas
-e as fabricas, não vemos que a seleção se dê
-pela <i>força</i> mas sim pelo <i>salario</i>.</p>
-
-<p>Vimos no Porto, não ha muitos mêses, as
-mulheres carregarem com pesadissimos materiais
-numa fabrica de ceramica, emquanto ao
-lado, numa oficina alegre e arejada, alguns homens,
-muito comodamente sentados, ganhavam
-o seu jornal pincelando pratos no trabalho leve
-e material da <i>estampilha</i>, que sem duvida caberia
-melhor ás mãos delicadas da mulher. E á
-discreta manifestação da nossa invencivel estranhêsa,
-percebemos que alguns murmuravam,
-num entre-dentes invejoso:&mdash;era o que faltava,
-mais essa concorrencia!...</p>
-
-<p>Logo, o homem não afasta a mulher da lucta
-e do trabalho para a poupar a fadigas com
-que não possa, visto que a deixa carregar fardos,
-esfregar casas, trabalhar a qualquer hora
-da noite em que chegam os barcos de pesca,<span class="pagenum"><a name="Page_248" id="Page_248">[Pg 248]</a></span>
-nas fabricas de conserva de peixe, quer de verão
-quer de inverno, molhada em salmoiras,
-com as mãos geladas, de pé, horas e horas consecutivas;
-que a deixa mondar, ceifar, fazer
-muitos outros serviços do campo, qualquer que
-seja o tempo, de ardente calôr ou de frigido
-inverno... A mulher desempenha, em muitas
-terras das nossas provincias do norte, o serviço
-de <i>estafeta</i>, percorrendo a pé muitas leguas,
-carregada com pêsos que o homem, certamente,
-não aguentaria sobre a cabeça.</p>
-
-<p>A mulher, como criada, anda um dia inteiro
-de pé no fatigante serviço de casa, deitando-se
-tarde e levantando-se cedo.</p>
-
-<p>Aguenta uma criança nos braços durante
-horas consecutivas.</p>
-
-<p>Passa dias com um ferro de engomar e de
-brunir; cose á máquina horas sem conta...</p>
-
-<p>E muitos outros serviços <i>pesados</i>, que seria
-longo enumerar.</p>
-
-<p>O homem vê isso e não se sobresalta nem
-indigna, porque são trabalhos que elle não
-quer para si, por mal remunerados.</p>
-
-<p>Se, por acaso, qualquer destes serviços<span class="pagenum"><a name="Page_249" id="Page_249">[Pg 249]</a></span>
-viesse a ser bem pago, não ha duvida que acorreriam
-logo a pugnar <i>pela fraquêsa da mulher</i>.</p>
-
-<p>Na lucta pela vida o homem é impiedoso
-para a mulher, que não é a sua. A operaria
-raro tem no operario um colega e um amigo;
-tem apenas um homem que a desmoralisa e que
-a despresa se os trabalhos são diferentes, que a
-odeia, se é o mesmo, valendo-se de tudo, até das
-leis protecionistas, como os tipografos francêses&mdash;que
-apelaram para a lei que prohibe o
-trabalho da mulher feito de noite, para as expulsar
-das tipografias em que se compõem os
-jornaes matutinos.</p>
-
-<p>Quando se aventam estas e outras opiniões
-e estranhêsas, é de uso o homem responder:&mdash;mas
-se a mulher vem concorrer comnosco nas
-profissões em que hôje nos ocupâmos, o que
-faremos nós?</p>
-
-<p>O que farão?!... O que fazem os inglêses,
-muito mais numerosos do que nós e que percorrem
-o mundo inteiro para ganhar a sua vida;
-o que fazem os suissos, levantando a sua pequena
-patria a toda a altura duma grande nação; o
-que fazem os americanos, os alemães, os suecos<span class="pagenum"><a name="Page_250" id="Page_250">[Pg 250]</a></span>
-e tantos outros, em paizes onde a mulher
-é equiparada ao homem pelo trabalho.</p>
-
-<p>A riquêsa dum paiz não é espontanea, adquire-se
-com o trabalho, e o português, que não
-tem, como o francês, repugnancia pela emigração,
-tem nas nossas colonias campo vasto para
-a sua actividade e engenho, alem do muito que
-ainda tem a fazer na metropole, e sem receio
-de concorrencias.</p>
-
-
-
-<hr class="chap" />
-
-<h2><a name="ERRATAS" id="ERRATAS"></a>ERRATAS</h2>
-
-
-<p>Além de alguns insignificantes erros tipograficos que
-no sentido da leitura facilmente se corrigem, nóta-se a
-<a href="#Page_95">pagina 95</a>:&mdash;<i>cimo da bóta</i>, por <i>cano da bóta</i>.</p>
-
-<p><a href="#Page_95">Mesma pagina</a>:&mdash;lhes <i>traga</i>, por lhes <i>tragam</i>.</p>
-
-<p><a href="#Page_106">Pagina 106</a>:&mdash;<i>campo</i> que lhes sobre, por <i>tempo</i> que
-lhes sobre.</p>
-
-<p><a href="#Page_106">Mesma pagina</a>:&mdash;Vida <i>desgarrada</i>, por <i>vida dispersada</i>.</p>
-
-<p><a href="#Page_114">Pagina 114</a>:&mdash;caminhando <i>revoltoso</i> e <i>tumultuosamente</i>
-por, <i>revoltósa</i> e <i>tumultuariamente</i>.</p>
-
-<p><a href="#Page_114">Mesma pagina</a>:&mdash;<i>pensar</i>, por <i>passar</i>.</p>
-
-<p><a href="#Page_125">Pagina 125</a>:&mdash;<i>delicadas</i> amas, por <i>dedicada</i> ama.</p>
-
-<p><a href="#Page_142">Pagina 142</a>:&mdash;entretecida, por entrétecida?!</p>
-
-<p><a href="#Page_144">Pagina 144</a>:&mdash;<i>recorrer</i>, por <i>socorrer</i>.</p>
-
-<p><a href="#Page_145">Pagina 145</a>:&mdash;<i>puzeram</i>, por <i>puzessem</i>.</p>
-
-<p><a href="#Page_149">Pagina 149</a>:&mdash;<i>E</i> realmente, por <i>É</i> realmente.</p>
-
-<p><a href="#Page_167">Pagina 167</a>:&mdash;<i>E</i> certo, por <i>É</i> certo.</p>
-
-<p><a href="#Page_209">Pagina 209</a>:&mdash;<i>usufruirá</i>, por <i>usufrúe</i>.</p>
-
-<p><a href="#Page_218">Pagina 218</a>:&mdash;<i>lhas</i>, por <i>lha</i> exija.</p>
-
-
-
-<hr class="chap" />
-
-
-
-<h2><a name="Livraria_Editora_da_VIUVA_TAVARES_CARDOSO" id="Livraria_Editora_da_VIUVA_TAVARES_CARDOSO"></a>Livraria Editora da VIUVA TAVARES CARDOSO</h2>
-
-<div class="center"><span style="font-size:smaller"><b>5, Largo de Camões, 6&mdash;LISBOA</b></span></div>
-
-
-<p><span style="font-size:larger"><b>Ultimas publicações:</b></span></p>
-
-<p class="hangingindent"><span style="font-size:larger"><b>Os filhos de Ignez de Castro.</b></span> Romance historico,
-por Faustino da Fonseca e Joaquim Leitão. 1 vol.</p>
-
-<p class="right">800 rs.</p>
-
-<p class="hangingindent"><span style="font-size:larger"><b>Barbey d'Aurevilly</b></span>&mdash;<i>Historia sem nome.</i> Traducção
-de João Barreira. 1 vol.</p>
-
-<p class="right">500 rs.</p>
-
-<p class="hangingindent"><span style="font-size:larger"><b>O CONFLICTO</b></span> de FELIX LE DANTEC. Palestras philosophicas,
-traducção e prefacio de João de Barros. 1 vol.</p>
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-<p class="right">400 rs.</p>
-
-<p class="hangingindent"><span style="font-size:larger"><b>Hannibal e Napoleão</b></span> por J. M. Pereira de Lima. 1
-volume illustrado, em papel <i>couché</i></p>
-
-<p class="right">800 rs.</p>
-
-<p class="hangingindent"><span style="font-size:larger"><b>Cidade Nova</b></span> Romance dos tempos modernos por Fernando
-Reis. 1 vol.</p>
-
-<p class="right">800 rs.</p>
-
-<p class="hangingindent"><span style="font-size:larger"><b>A religião do esforço</b></span> por Alberto Kohler, traducção
-de João Gouveia. 1 vol.</p>
-
-<p class="right">200 rs.</p>
-
-<p class="center">AFFONSO LOPES VIEIRA</p>
-
-<p class="hangingindent"><span style="font-size:larger"><b>O Encoberto</b></span> Poema. 1 vol.</p>
-
-<p class="right">500 rs.</p>
-
-<p class="hangingindent"><span style="font-size:larger"><b>Palavras Cynicas</b></span> por Albino Forjaz de Sampaio 1
-volume</p>
-
-<p class="right">300 rs.</p>
-
-<p class="hangingindent"><span style="font-size:larger"><b>A Viuva</b></span> por Octavio Feuillet, traducção de Anna Cyrillo Machado.
-1 vol.</p>
-
-<p class="right">300 rs.</p>
-
-<p class="center">CARLOS RANGEL DE SAMPAIO</p>
-
-<p class="hangingindent"><span style="font-size:larger"><b>Preparativos de uma revolta</b></span> Documentos ineditos
-de 1840 a 1846, com prefacio do Ex.<sup>mo</sup> Snr. José
-Barbosa Colen. 1 vol.</p>
-
-<p class="right">500 reis</p>
-
-<p class="hangingindent"><span style="font-size:larger"><b>Escandalo!</b></span> Scenas da vida de provincia, por Antonio de
-Albuquerque. 1 vol.</p>
-
-<p class="right">600 rs.</p>
-
-<p class="hangingindent"><span style="font-size:larger"><b>Aurora</b></span> Romance pagão por Augusto de Lacerda.
-1 vol.</p>
-
-<p class="right">700 rs.</p>
-
-<p class="hangingindent"><span style="font-size:larger"><b>O Caminheiro</b></span> Traducção liberrima da peça em cinco
-actos, em verso de Jean Richepin, por Julio Dantas. 1
-vol.</p>
-
-<p class="right">600 rs.</p>
-
-<p class="hangingindent"><span style="font-size:larger"><b>A Tzarina Sultão</b></span> Scenas intimas da vida imperial
-russa. Romance historico por Sacher Macoch, traducção do allemão
-refundida, por Eduardo de Noronha, 1 vol. com o retrato
-do auctor.</p>
-
-<p class="right">700 rs.</p>
-
-<div class="footnotes"><h3>NOTAS DE RODAPÉ:</h3>
-
-<div class="footnote">
-
-<p><a name="Footnote_1_1" id="Footnote_1_1"></a><a href="#FNanchor_1_1"><span class="label">[1]</span></a> Á carta que me dirigiu o Sr. Gomes Pereira, na
-<i>Revista Amarella</i>, criticando o artigo precedente.</p></div>
-
-<div class="footnote">
-
-<p><a name="Footnote_2_2" id="Footnote_2_2"></a><a href="#FNanchor_2_2"><span class="label">[2]</span></a> Maio de 1903.</p></div>
-
-<div class="footnote">
-
-<p><a name="Footnote_3_3" id="Footnote_3_3"></a><a href="#FNanchor_3_3"><span class="label">[3]</span></a> 1904.</p></div>
-
-<div class="footnote">
-
-<p><a name="Footnote_4_4" id="Footnote_4_4"></a><a href="#FNanchor_4_4"><span class="label">[4]</span></a> Em Gouveia, no inverno de 1903.</p></div></div>
-
-<div class="transnote">
-
-<h3>Nota do Transcritor:</h3>
-
-<p>Erros tipográficos óbvios foram corrigidos; quaisquer outros erros
-ou inconsistências foram mantidos como no original.</p>
-
-<p>Foram removidas aspas angulares desnecessárias (utilizadas
-seguindo um travessão: "&mdash;«") e não fechadas que eram utilizadas
-inconsistentemente.</p>
-
-<p>Os erros indicados nas <a href="#ERRATAS">Erratas</a> foram corrigidos, exceto o sexto e
-oitavo (o primeiro por não ser encontrado na página indicada e o último
-por não ser claro o que deve ser corrigido).</p>
-
-<p>O Índice foi movido do final para o início do livro de forma a
-facilitar a sua utilização.</p>
-
-</div>
-
-
-
-
-
-
-
-
-<pre>
-
-
-
-
-
-End of Project Gutenberg's Ás Mulheres Portuguêsas, by Ana de Castro Osório
-
-*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK ÁS MULHERES PORTUGUÊSAS ***
-
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