summaryrefslogtreecommitdiff
diff options
context:
space:
mode:
authorRoger Frank <rfrank@pglaf.org>2025-10-14 20:03:05 -0700
committerRoger Frank <rfrank@pglaf.org>2025-10-14 20:03:05 -0700
commit21b77250b0192f03fb2cd7911da324d1a39bc69e (patch)
tree55d86cca4c225e6604c3c932d7494436642c6f47
initial commit of ebook 35130HEADmain
-rw-r--r--.gitattributes3
-rw-r--r--35130-8.txt1373
-rw-r--r--35130-8.zipbin0 -> 24167 bytes
-rw-r--r--35130-h.zipbin0 -> 26580 bytes
-rw-r--r--35130-h/35130-h.htm1818
-rw-r--r--LICENSE.txt11
-rw-r--r--README.md2
7 files changed, 3207 insertions, 0 deletions
diff --git a/.gitattributes b/.gitattributes
new file mode 100644
index 0000000..6833f05
--- /dev/null
+++ b/.gitattributes
@@ -0,0 +1,3 @@
+* text=auto
+*.txt text
+*.md text
diff --git a/35130-8.txt b/35130-8.txt
new file mode 100644
index 0000000..cbedba0
--- /dev/null
+++ b/35130-8.txt
@@ -0,0 +1,1373 @@
+The Project Gutenberg eBook, Uma visita ao primeiro romancista portuguez
+em S. Miguel de Seide, by Alberto Pimentel
+
+
+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
+almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
+re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
+with this eBook or online at www.gutenberg.org
+
+
+
+
+
+Title: Uma visita ao primeiro romancista portuguez em S. Miguel de Seide
+
+
+Author: Alberto Pimentel
+
+
+
+Release Date: January 31, 2011 [eBook #35130]
+
+Language: Portuguese
+
+Character set encoding: ISO-8859-15
+
+
+***START OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK UMA VISITA AO PRIMEIRO ROMANCISTA
+PORTUGUEZ EM S. MIGUEL DE SEIDE***
+
+
+E-text prepared by Pedro Saborano
+
+
+
+ALBERTO PIMENTEL
+
+UMA VISITA
+
+AO
+
+PRIMEIRO ROMANCISTA PORTUGUEZ
+
+EM
+
+S. MIGUEL DE SEIDE
+
+
+
+
+
+
+
+PORTO
+LIVRARIA PORTUENSE DE LOPES & C.ª--EDITORES
+119--Rua do Almada--123
+1885
+
+PORTO--IMPRENSA PORTUGUEZA--BOMJARDIM, 181
+
+
+
+
+UMA VISITA
+
+AO
+
+PRIMEIRO ROMANCISTA PORTUGUEZ
+
+EM S. MIGUEL DE SEIDE
+
+
+Eram onze horas da manhã. Acabava, na egreja de Santo Thyrso, a _missa
+do dia_. Para o largo do mosteiro vinham sahindo os ranchos dos homens e
+das mulheres do campo; algumas senhoras, poucas. A manhã tinha estado
+fresca, segundo me disseram, mas eu perdi a manhã, pela simples razão de
+ter perdido a noite no arraial da Senhora das Dôres, na Trofa, aonde
+condescendentemente me deixei arrastar. Quando sahi de casa, seguido
+pelo criado que levava de redea a garrana, o sol descobria. A
+consciencia de não ter nascido fadado para cavallarias altas, obrigou-me
+a ir a pé até um sitio que julguei propicio para me lançar a cima do
+sellim sem grande concurso de publico.
+
+O criado dizia-me que não conhecia besta melhor do que a garrana.
+
+--Muito fiel! accrescentava elle, inspirando-me confiança, e descendo os
+estribos.
+
+Para além da ponte, cavalguei.
+
+Pareceu-me que effectivamente a garrana tinha apreciaveis prendas de
+caracter; entreguei-me á sua lealdade, e posso asseverar que não foi
+desmentida, durante todo o dia, por nenhum incidente desagradavel.
+
+É a besta mais honrada com que tenho lidado. O criado tinha razão.
+
+--A que horas estaremos em S. Miguel de Seide?--perguntei eu ao Bernardo
+do João de Deus, nome e alcunha do meu companheiro, para estabelecer
+dialogo, visto que a garrana não podia, por um erro da natureza,
+conversar comigo.
+
+--D'aqui a uma hora, n'este passo, respondeu elle. De Landim lá, é um
+instante.
+
+Landim! repeti eu mentalmente.
+
+Estava, pois, nos vastos dominios romanticos de Camillo, no proscenio
+florido das suas _Novellas do Minho_, uma das quaes se intitula _O
+cego de Landim_. Á minha direita ficava _Monte Cordova_, de cuja bruxa o
+eminente romancista escrevera a commovente historia.
+
+O sol descobrira de todo; os seus raios, como flechas de oiro, cahiam
+sobre os campos, doirando-os. O calor principiava a ser intenso.
+
+O criado ralhou comigo amoravelmente.
+
+Que se eu me tivesse levantado mais cedo, ponderava elle, não apanharia
+tamanha calma. E depois podia ser que eu não estivesse habituado.
+Finalmente, accrescentára que o sr. visconde, prevenido da minha visita,
+de certo me teria esperado para o almoço.
+
+Que me importava a mim a calma, por maior que fosse? Eu ia vêr, abraçar
+aquelle que sempre fora para mim o mais dedicado dos mestres, e o melhor
+dos amigos. O acaso que durante alguns annos nos juntara, separara-nos
+um dia: elle ficara quasi sempre no Minho; eu vivia em Lisboa. Havia já
+dez annos que nos não avistaramos. Por isso, ainda que se tornasse
+preciso um grande sacrificio, de boa vontade eu o teria feito para
+comprar a felicidade de estar alguns momentos em S. Miguel de Seide.
+
+O caminho não me sahira tão cruel como eu esperava. A breve trecho havia
+arvores que déssem sombra. Em torno de mim, para qualquer lado que
+lançasse os olhos, a vegetação era opulenta, feracissima. Os meus
+pulmões fortificavam-se com delicia n'um bom banho de oxygenio. E, por
+antithese, lembravam-me os saguões e as escadas dos predios da _baixa_,
+em Lisboa, onde se respira um ar mephitico, que asphyxia. De longe a
+longe, uma casa e um parreiral; os cachos pendentes da latada davam na
+vista ao criado, que observava:
+
+--Vão amadurecendo bem, graças a Deus!
+
+E tirava o chapeu, respeitosamente, em homenagem ao Creador dos homens e
+dos cachos.
+
+Um ou outro cão vinha ladrar-nos ao muro do quintal.
+
+Bernardo, todo embevecido na contemplação da _novidade_, dizia-me que
+reparasse nas _ramadas_, onde as travessas de madeira teem sido
+substituidas por fios de arame. Uma innovação recentemente
+introduzida no Minho.
+
+--Isto--o arame--observava o Bernardo, dura a vida de um homem.
+
+O calor ia apertando, mordendo. Eu, de quando em quando, aproveitava a
+sombra de uma arvore para accender um cigarro. A garrana, com uma grande
+deferencia pelas minhas commodidades e pelos meus vicios, esperava
+pachorrentamente que eu embrulhasse o cigarro e o accendesse. Eu, em
+compensação, para ser grato, sacudia-lhe as moscas com a ponta da
+vergasta. E não se pense que me custava pouco esta retribuição amavel da
+minha parte: as moscas, enxotadas da garrana, vinham para mim. Uma
+mordeu-me no pescoço com a mesma gana com que o teria feito á
+cavalgadura, em igual sitio.
+
+Confundiu-nos! o diabo da mosca!
+
+O Bernardo pedira licença para despir a jaqueta. Já não podia aguental-a
+com o calor. Ás vezes tirava o chapeu, e limpava-se. A sua cara escorria
+ressumbrações de suor. Não obstante, o Bernardo acompanhava a garrana
+com o seu passo largo e firme, de caminheiro intrépido e
+experimentado. Eu disse-lhe que sentia haver-lhe dado incommodo em
+dois dias consecutivos, porque na vespera fôra elle de Santo Thyrso a
+Seide, por ordem minha, com uma carta para o visconde de Correia
+Botelho, a fim de me certificar de que o encontraria no dia seguinte.
+
+--Isto não é nada, respondeu o Bernardo. Pelo S. Thiago fui ao Porto e
+vim, no mesmo dia.
+
+E com o corpo lançado para diante, meneiando os braços n'uma oscillação
+de pendulo, continuava a acompanhar intrepidamente a garrana, não suando
+menos do que ella.
+
+Elle ia-me nomeando os sitios por que passavamos:
+
+--Isto aqui é a Fonte da Gallega.
+
+E mais adiante:
+
+--Isto aqui é a egreja da Lama. Uma freguezia pequenita.
+
+Eu perguntava:
+
+--Landim ainda fica muito longe?
+
+--Não, senhor; é ali adeante.
+
+E, para me distrair, por conhecer que eu tinha pressa de chegar, armava
+conversa:
+
+--Hontem, quando vim trazer a carta ao sr. visconde, topei perto de
+Landim uma grande bicha.
+
+--Uma cobra?
+
+--Pois é mesmo. Tomava toda a largura da estrada. Eu não gosto de
+encontrar aquellas bichas. Não trazia nada comigo, por isso parei para a
+deixar passar.
+
+--Ella viu-o?
+
+--Ella viu-me, mas foi-se andando. Enfiou por entre umas pedras da
+parede, e desappareceu.
+
+E após um breve silencio:
+
+--Estes bichinhos, disséra o Bernardo apontando para o chão, onde um
+formigueiro enorme mourejava, não são tão maldosos. A bem dizer, tirante
+a alma, fel-os Deus mais amigos do trabalho do que alguns homens.
+
+Parei a garrana, e olhei.
+
+Era uma alluvião de formigas que punha uma nodoa preta e ondulante á
+orla da valeta.
+
+Ainda na vespera, estando eu junto á estação de Vizella, á espera do
+comboio que devia descer de Guimarães, tinha sido impressionado por uma
+d'estas obscuras scenas de realismo campestre em que os pequenos
+insectos avultam na grandeza da sua humildade... Fôra tambem uma formiga
+o protogonista silencioso d'esse rapido drama, em que eu figurei de
+comparsa e em que fiquei pensando o bastante para extrahir d'elle o
+elevado ensinamento, que agradeci á natureza, visto que tendo de esperar
+alguns momentos, julguei que nada poderia haver ali que os occupasse
+utilmente.
+
+E emquanto o comboio não chegava, uma serie de pensamentos imprevistos
+fôra alinhando-se metricamente no meu espirito e acolchetando-se,
+pensamento a pensamento, pela attracção mysteriosa da consonancia.
+
+Esses versos, que só teem o merito unico da espontaneidade casual,
+inspirados e principiados junto á estação de Vizella, eram horas depois
+concluidos, postoque não limados. Como recordação da minha viagem ao
+Minho, cujo fim principal fôra a visita á quinta de S. Miguel de Seide,
+tomo a liberdade de offerecel-os á sr.ª D. Anna Augusto Placido, como
+rustica oblata deposta por um romeiro sincero no altar da amizade
+antiga. Intitulam-se:
+
+ *A FORMIGA*
+
+ Oh! que grande cobardia
+ Esta em que eu ia cahindo!
+ Pobre formiga, fugia!
+ Com que pressa ia fugindo
+ Toda cheia de canseira,
+ Por haver roubado da eira
+ De loiro trigo um só bago!
+ E eu de entretido que ia
+ Por um triz que a não esmago!
+
+ Sem querer, era cobarde.
+ Mas juro por minha fé
+ Que passava mal a tarde
+ Se lhe tenho posto o pé.
+
+ Que a formiga é tão activa.
+ Tão mansa e laboriosa,
+ Do seu trabalho captiva,
+ Do seu viver cuidadosa!
+ Passa e não deixa um vestigio!
+ Não mancha as folhas da rosa!
+ Chega mesmo a ser prodigio
+ Que um tão pequenino insecto
+ Que se arrasta aos pés da gente,
+ Trabalhe tão diligente,
+ Tão delicado e discreto!
+
+ Ha insectos bem maiores
+ Que vivem na mandriice,
+ São panreas, são mandriões,
+ E dizem co'os seus botões
+ Que o trabalhar é tolice.
+
+ A cigarra é cantadeira,
+ Não faz nada a descuidosa.
+ Por mais que a gente a condemne.
+ Até o bom Lafontaine
+ Lá lhe chamou preguiçosa.
+ Nem assim se envergonhou!
+ Vive inda entregue á cantiga!
+ Canta, cantará, cantou...
+ E talvez até que diga
+ Vendo a formiga cansada,
+ Tão activa e carregada:
+ «Ora a tola da formiga!»
+
+ Mas a formiga, coitada!
+ Tão pequenita, que até
+ De qualquer criança o pé
+ A deixa logo esmagada,
+ Vae lidando a sua lida,
+ Soffrendo a sua canseira:
+ Aqui vence uma barreira
+ --Alguma hervinha mimosa!--
+ Ali transpõe um barranco,
+ Uma montanha altrerosa,
+ --Qualquer seixosito branco!
+
+ Corre risco de afogar-se
+ No oceano temeroso
+ De qualquer gota de orvalho!
+ Eu, quando a vejo arrastar-se
+ No seu lidar canseiroso,
+ Bemdigo n'ella o Trabalho.
+
+ E escuto uma voz amiga
+ Que me diz, vendo-a passar:
+ «Tu és irmão da formiga
+ «Na condição do lidar.»
+
+ O mundo é vasto, é enorme
+ E os grandes formam-n'o todo!
+ O rico descansa e dorme
+ Tendo delicias a rodo.
+ D'esta rêde de grandeza
+ Só rompe o espesso tecido
+ O pobre que na pobreza
+ Fôr do mais pobre doído.
+
+ Lida a formiga, trabalha
+ E á força de trabalhar
+ Consegue que a dura malha
+ Ceda para ella passar.
+
+ «O que tu tens feito é isto.
+ --Diz da consciencia a voz sã,
+ Sempre sincera e amiga--
+ «Deixa passar a formiga,
+ «Que a formiga é tua irmã.»
+
+ «Grande gloria o vencel-a
+ «Quando co'um bago de trigo
+ «Vae passando carregada!
+ «Vaidade! havia de tel-a
+ «O grande que te esmagasse
+ «Na tua lide suada!»
+
+ Deixae que a formiga passe
+ Evitando o mar-orvalho
+ E a cordilheira-pedrinha.
+ A formiga é o Trabalho...
+ Poupai-a, se ella caminha.
+
+ Sem querer, era cobarde,
+ Mas juro por minha fé
+ Que passava mal a tarde
+ Se lhe tenho posto o pé.
+
+Mais adiante ouvimos o estrondo de morteiros ao longe.
+
+O Bernardo explicou:
+
+--É alguma romariasita em Villa Nova (Famalicão).
+
+Passado o Pinheiro Torto, avistamos, finalmente, as torres do mosteiro
+de Landim.
+
+--Ainda bem! disse eu.
+
+--D'aqui a Seide é um pulo.
+
+--Desconfio sempre, objectei, da rapidez dos pulos que os senhores dão
+cá pela provincia.
+
+--Não, senhor. Estamos aqui, estamos lá.
+
+--Que tempo?
+
+--Um quarto de hora, quando muito.
+
+No topo de uma calçada, das Mesuras se chama ella, levanta-se o mosteiro
+de Landim. Eu não podia perder tempo a vêr a egreja; mas disse-me depois
+Camillo que nada tinha de notavel.
+
+Ao passarmos n'um vasto carvalhal sombrio, o Bernardo do João de
+Deus explicou:
+
+--Aqui, pela senhora das Candeias, a dois de fevereiro, faz-se um
+mercado que mette gente em barda. E todo esse povoleo vae cahir além
+n'aquella venda a comer e a beber.
+
+Olhei. Á porta de uma taberna, sentados á sombra de uma ramada, quatro
+homens conversavam na sorna placidez dos ocios domingueiros. É a _Casa
+Havaneza_ do sitio--com menos tabaco, mas talvez com mais animação: a
+venda do José Maria, successor do Fanha.
+
+Que fresca e encantadora graça a d'um grupo de crianças, todas ellas
+loiras e sujas, que brincavam a uma sombra, á beira da estrada, no sitio
+das Campas! Se as lavassem, se as penteassem, ficariam mais fidalgas;
+mais bellas e graciosas, não.
+
+O calculo do Bernardo fôra excedido no duplo. Tinha passado cêrca de
+meia hora, quando elle me disse:
+
+--O senhor vê aquellas casas? Pois a quinta de Seide fica logo ao pé.
+
+Senti precipitar-se no meu coração uma onda de sangue; era a commoção da
+alegria.
+
+Desembocamos, finalmente, n'um largo sobre o qual abre o portão azul da
+quinta de S. Miguel de Seide. O arvoredo espreita para fóra por cima do
+muro. Ladeámos a casa, de dois andares, pintada de amarello, e entramos
+pela porta de serviço, onde um criado me esperava.
+
+Passei ao vasto pateo, que vi de relance, para subir a escada de pedra,
+que uma trepadeira de cachos brancos enflora, e uma copada acacia
+assombreia.
+
+Esta acacia tem uma historia triste. Fora plantada pelo melancolico
+Jorge, o filho mais velho de Camillo, que eu ainda conheci ao collo da
+ama, e que momentos depois ia vêr.
+
+Haverá pouco mais de um mez que todos os jornaes do paiz reproduziram
+duas quadras de Camillo, as quaes foram publicadas na _Alvorada_,
+periodico litterario de Villa Nova de Famalicão. N'essas duas bellas
+estrophes, que se devem considerar como morbida phantasia de um espirito
+desalentado, ha uma referencia maviosa a esta frondosa acacia que o
+Jorge plantára aos oito annos de idade:
+
+ Á porta do sepulcro, ainda volto a face
+ Para vêr-te chorar, ó mãe do filho amado,
+ Que vê como n'um sonho, a scena do trespasse...
+ Sorver-lhe o eterno abysmo o pae idolatrado.
+
+ Talvez que elle, _a sonhar_, te diga: «Mãe, não chore,
+ Que o pae ha de voltar»... Quem sabe se virei?!
+ Quando a Acacia do Jorge ainda outra vez inflore
+ Chamae-me, que eu de abril nas auras voltarei.
+
+O visconde de Correia Botelho, ouvindo a minha voz, viera receber-me,
+acompanhado pelo sr. Espinho, seu hospede, á porta da casa do bilhar.
+
+--É uma visita posthuma! dissera elle, abrindo para mim os braços
+affectuosamente.
+
+Dei-me pressa em protestar contra esta phrase devida ao desalento de um
+trabalhador infatigavel, que ha mezes se acha condemnado á inercia por
+um deploravel accidente que lhe nublou os olhos já cansados de uma
+diuturna applicação.
+
+Para os que amam o trabalho, os ocios forçados são cansativos e
+molestos. Pareceu-me ser esta a maior enfermidade de Camillo
+actualmente. Se elle podesse trabalhar, escrever um dos seus bellos
+romances em quinze dias, como tantas vezes fizera, se conseguisse
+por esse meio arrancar-se á intuscepção meditativa em que o seu espirito
+se concentra, tel-o-iamos de novo forte na sua fraqueza, robusto no seu
+cansaço.
+
+Mas uma pertinaz nebrina teima em ennevoar-lhe a visão; é de esperar
+porém que a medicina consiga debellar este incommodo e restituir o
+eminente romancista á sua banca do trabalho, que lá está saudosa no
+escriptorio de Seide, recordando a quem a vê que nem menos de cincoenta
+e dois romances foram escriptos ali.
+
+Ao lado de Camillo, compartindo os seus soffrimentos com uma dedicação
+heroica, acompanhando-o com uma solicitude extremosa de carinhos,
+destaca o vulto esculptural d'essa intelligente e formosa senhora que
+tão bem soube comprehender a grande alma de Camillo nas sublimes
+melancolias dos seus dias nublados e nas vibrantes alegrias dos seus
+dias ridentes.
+
+Jorge, o filho mais velho de Camillo, é um espirito dado a vagas
+tristezas; mas atravez de um véo de lagrimas, que ás vezes lhe marejam
+nos olhos e nas palavras, descobre-se um talento omnimodo, rico
+especialmente de aptidões artisticas. Jorge é poeta, é prosador, é
+musico e desenhista. Eu devo-lhe a amabilidade de me ter offerecido
+muitos dos esboços que enchem a sua pasta; alguns d'elles teem subido
+valor, porque são o retrato a _crayon_ dos personagens creados por seu
+pae no _Eusebio Macario_: o _Fistula_, o _Barão do Rabaçal_, o _Abbade
+de S. Thiago de Faya_, a _Troncha_, o proprio _Eusebio_.
+
+Nuno, o viuvo, tem vinte annos: é o pae da innocente criança cuja
+prematura morte deixou aberto no coração do visconde de Correia Botelho
+o vácuo profundo da saudade.
+
+Camillo fallara-me da sua querida netinha--a candida flôr que durara o
+que duram as rosas, apenas uma aurora.
+
+--Aqui estou, dissera Camillo, na solidão da aldeia, rodeado de arvores
+melancolicas, e de pensamentos tão melancólicos como as arvores. É
+notavel, acrescentara, a febre de saudade com que o meu espirito vae,
+pelo passado dentro, á procura de pessoas que são já mortas, e com as
+quaes aliaz eu tive ligeiras relações litterarias ou pessoaes. É
+revolvendo memorias que o meu espirito trabalha e descansa... Tudo
+isto faz profundamente triste esta casa, onde prematuramente se apagou o
+unico raio de sol que podia rarefazer as trevas.
+
+É ainda ao periodico _Alvorada_ que eu vou procurar estancias
+lacrimaveis do avô saudoso e angustiado. Duas quadras--tambem duas
+quadras--de uma belleza peregrina, que só a saudade de um anjo póde
+inspirar:
+
+ Parecia dormitar: tinha morrido.
+ Pedi que a não levassem no caixão;
+ Que a deixassem mirrar e desfazer-se
+ Como a flor se desfaz sem podridão.
+
+ Teimaram em levar-m'a, e eu cingi-a
+ Ao peito que se abriu pela pressão;
+ Depois pude escondel-a, e tenho-a morta
+ No meu despedaçado coração.
+
+Aproveitei o ensejo de dizer-lhe:
+
+--Para os que nunca deixaram de o lêr, e o sabem comprehender, meu bom
+amigo, não passa despercebido esse novo caudal de sentimento que dá aos
+seus escriptos mais recentes o encanto dolorido de uma saudade vaga e
+vaporosa como um subtil aroma que se derrama pelo ambiente da
+memoria... Pois bem, aproveite esta nova phase do seu poderoso talento,
+as tintas deliciosas que uma copiosa revivescencia de sensibilidade põe
+n'este momento na sua palheta de artista, e escreva um romance de amor,
+sem preoccupações de enredo, ouvindo-se a si proprio; condense n'um
+livro, que deve sahir encantador, todas essas fragrancias que se perdem
+no silencio meditativo do seu espirito...
+
+--Não posso, respondeu Camillo, não poderia arrancar sensações de mim
+proprio sem um esforço fatigante. Um trabalho d'essa ordem deixar-me-ia
+exhausto de forças. Eu sentia os meus romances, e foram muitos os que
+escrevi. Só d'aquella banca, que ali está, sahiram cincoenta e dois.
+
+Conversavamos no escriptorio, que fica no segundo andar. É uma sala
+vasta, luminosa: tres ou quatro largas janellas abrem sobre a quinta.
+
+N'este mesmo andar tem Camillo o seu quarto de cama. A ramagem da
+_acacia do Jorge_ e a folhagem da trepadeira combinam-se para coar
+atravez de esmeraldas uma penumbra suave.
+
+No primeiro andar ha duas salas: a do bilhar em que se encontram
+retratos de familia; o retrato de Herculano, e o de D. Frei Bartholomeu
+dos Martyres, desenhado pelo Jorge;--e a casa de jantar, cujas janellas
+dão para o pateo, a que já tive occasião de me referir, sem comtudo
+pagar o meu feudo de gratidão, como devia, ao pecegueiro frondoso cujos
+bellos maracotões eu agradeci, ha annos, nas chronicas que por esse
+tempo escrevia para o _Diario Illustrado_.
+
+Fica perto do predio, e á esquerda do portão de entrada, o monumento que
+a proprietaria d'esta agradavel vivenda ali mandara erigir em honra de
+Castilho. Essa singela pyramide de granito, sombreada de copadas
+arvores, tenho-a aqui reproduzida, diante de mim, tambem pelo lapis de
+Jorge.
+
+Foi penetrado de commovido respeito que eu li a inscripção posta n'esse
+simples monumento, tão eloquente na sua simplicidade:
+
+
+
+ ANTONIO
+ FELICIANO
+ DE
+ CASTILHO
+ PRINCIPE
+ DA LYRA
+ PORTUGUEZA
+ ESTEVE
+ N'ESTE LUGAR
+ EM 15 DE JULHO
+ DE 1866.
+ MANDOU ERIGIR
+ ANNA PLACIDO
+
+E na face que fica voltada para o muro:
+
+ COM
+ OS SEUS
+ DISCIPULOS
+ THOMAZ RIBEIRO
+ EUGENIO
+ DE CASTILHO,
+ J. C. VIEIRA DE CASTRO,
+ C. C. BRANCO.
+
+Castilho assistiu á inauguração do seu proprio monumento, e os filhos de
+Camillo, então duas crianças, offereceram ao poeta venerando, em seu
+nome, a corôa poetica que para essa commovente festa de familia
+entretecera a lyra enthusiastica de Thomaz Ribeiro:
+
+ Por entre cantos e flores
+ chegaste, rei da poesia,
+ como um clarão d'alegria
+ jorrando em mansão d'amores.
+
+ Onde ha rei, ha sceptro e solio!
+ Rei, vimos trazer-te a c'rôa.
+ Tens maior côrte em Lisboa,
+ não tens melhor capitolio.
+
+ Somos de troncos robustos
+ os loiros, os tenros gomos.
+ Das flores surgirão pomos?
+ Se Deus regar os arbustos!
+
+ Porque és grande, hão de os vindoiros
+ dar-te a sagração dos hymnos;
+ porque és bom para os meninos,
+ toma esta c'rôa de loiros.
+
+ Nossa c'rôa e nossas flores
+ guarda em saudosa memoria;--
+ o monumento é da gloria;
+ a c'rôa é só dos amores.
+
+ Vaes partir! leva-a comtigo,
+ e jura por teus carinhos
+ que, em nós já sendo homenzinhos,
+ serás nosso mestre e amigo.
+
+Que de recordações melancolicas a inscripção do monumento e os versos de
+Thomaz Ribeiro fizeram accordar na minha alma!
+
+Castilho, o poeta ali coroado n'aquella apotheóse tão modesta e tão
+gloriosa, vi-o eu descer ao seio da terra, que elle tanto amava--no seu
+pantheismo intuitivo de cego ariolo--ao cahir de uma tarde serena e
+triste, no cemiterio dos Prazeres, em Lisboa.
+
+Rodrigues Cordeiro, com a voz entrecortada de lagrimas e soluços,
+dissera-lhe, em nome de todos aquelles que o amavam como mestre e amigo,
+o extremo adeus. Depois, a pedra do jazigo cerrou-se, a barreira da
+eternidade ergueu-se.
+
+A noite descia lentamente.
+
+As crianças das escolas da capital, que tinham ido acompanhar ao
+cemiterio o cadaver d'aquelle que para ellas inventara o _Methodo
+repentino_, d'aquelle que as ensinara a gorgeiar o alphabeto--porque
+Castilho reconhecera que os pequenos precisam ser educados como se
+foram passaros--as crianças, dizia eu, tendo mais a intuição do que a
+consciencia da perda enorme que acabavam de soffrer, retiravam
+arregimentadas, duas a duas, em longas filas, com os olhos no chão, n'um
+silencio triste e n'um passo cadenciado.
+
+Pouco tempo antes, e em mais de uma noite, eu acompanhara Castilho ao
+camarote n.º 19 do theatro de D. Maria durante as representações do
+_Tartufo_. Logo que o panno cahia, desciamos ao palco a passar os
+intervallos no camarim do actor Santos, que o visconde de Castilho muito
+apreciava. Castilho, um morto! Santos, um cego! Estas maguadas
+recordações travam-se no meu espirito como os élos de uma cadeia de
+saudades que o confrangem.
+
+Eugenio de Castilho nunca o vi; está algemado ao leito ha muitos annos.
+Mas correspondi-me com elle por intermedio de seu pae, do Porto para
+Lisboa, quando emprehendeu publicar um jornalsinho litterario, que me
+parece ter-se chamado a _Folha dos curiosos_, e me pedia versos que eu
+lhe mandava, orgulhoso do pedido.
+
+Vieira do Castro, talvez o mais desgraçado de todos, conheci-o pela
+primeira vez no Porto, na sala da sociedade _Patria e familia_, durante
+um sarau litterario em que eu ousei, na sua presença, e na de todo um
+auditorio muito selecto, recitar um pequeno discurso que ahi corre
+impresso entre a minha insignificante bagagem de escriptor.
+
+Elle habitava n'esse tempo o antigo mosteiro de Moreira, a dois passos
+do Porto, e publicava o opusculo _A Republica_. Era casado e feliz.
+Chamava-se-lhe então o primeiro orador portuguez, successor de José
+Estevam. Tinha sido deputado, creio mesmo que o era. Seria ministro de
+qualquer pasta no dia seguinte. E quando todos esperavam vel-o chegar
+aos conselhos da corôa, vimol-o partir para o degredo, depois de haver
+tropeçado no cadaver da esposa que assassinara.
+
+O desgraçado assistira á sua propria queda, que fôra das mais
+estrondosas em que a curiosidade publica se tem cevado.
+
+O meu thema, as _Flores_, era um pretexto para fallar do amor. Procurei
+provar, com mais imaginação do que sciencia, que as flores se
+entendiam amorosamente como as almas. As senhoras applaudiam. Os homens
+sorriam. Vieira de Castro, sempre poeta, abraçara-me. E eu, no dia
+seguinte, dei uma pessima lição em botanica elementar ao professor
+Almeida Pinto, do lyceu.
+
+Os filhos de Camillo foram _homenzinhos_, segundo a phrase de Thomaz
+Ribeiro. Hoje são homens. Mas Castilho já lhes não alcançára o penujar
+do buço. E se elle vivesse ainda, talvez que o melancolico Jorge,
+concentrado e sonhador, entendesse melhor do que ninguem, por os amigos
+silencios da lua, em S. Miguel de Seide, alguma trova do _Amor e
+melancolia_ que o poeta Castilho viesse de Lisboa ali recitar n'aquellas
+sombras placidas que aprenderam a venerar o seu nome em torno do
+monumento singelo.
+
+Thomaz Ribeiro, o eloquente interprete dos filhos de Camillo na aurea
+côrtesinha litteraria que Castilho encontrara em S. Miguel de Seide, é
+em 1885 como era 1866 um poeta cuja inspiração roça as azas pela lagoa
+sombria da politica sem afundar-se, do mesmo modo que as andorinhas,
+pelas calmas da canicula, esvoaçam sobre a corrente de um rio sem
+mergulhar.
+
+Logo que pôde desbragar-se de uma pasta, respira em verso. N'este
+momento está saboreando o goso da liberdade litteraria no seu periodico
+_As Republicas_, em que os relampagos da poesia rasgam luminosamente o
+horisonte caliginoso do artigo de fundo. Não contente de poetar elle
+proprio, apadrinhou o alvitre de abrir _oiteiro_ semanal onde
+versejadores adventicios concorram a glosar trovas populares, como esta:
+
+ Vi-te sahir mar em fóra,
+ Ceguei, olhando esse mar,
+ Porque me disseste:--espera!
+ Se não tinhas de voltar?
+
+E o mais é que, pelo prestigio da sua auctoridade, consegue tentar
+aquelles mesmos que, na milicia de Apollo, estão relegados a segunda
+reserva. Tentei-me eu, e sou d'esses. Mas já que este livrinho é de
+memorias para a velhice, fique mais esta guardada no archivo da saudade:
+
+ *GLOSAS*
+
+ (A THOMAZ RIBEIRO)
+
+ Vi-te sahir mar em fóra,
+ E a saudade que eu senti
+ Rasgou-me o peito n'ess'hora
+ Em que chorava por ti.
+ A ausencia tem tantas maguas,
+ Tão soffrida heroecidade,
+ Tanto resiste quem chora,
+ Que eu puz os olhos nas aguas
+ E, sem morrer de saudade,
+ Vi-te sahir mar em fóra.
+
+ Ceguei olhando esse mar
+ Pleito de ondas e de abrolhos.
+ Mas que importa a luz dos olhos,
+ Se não tenho a quem olhar?...
+ Tanto a vista me prenderam
+ As ondas que tu sulcavas,
+ Que os olhos escureceram
+ No rumo em que navegavas.
+ E assim por ti a chorar,
+ Ceguei olhando esse mar.
+
+ Porque me disseste: espera!
+ Na hora extrema, derradeira,
+ Se já veio a primavera,
+ Se já floriu a amendoeira,
+ E tu não voltaste ainda?!
+ Se este mal era sem cura,
+ Se tinha de ser infinda
+ A dôr que me dilacera,
+ A ausencia que me tortura,
+ Porque me disseste: espera?!
+
+ Se não tinhas de voltar,
+ Melhor eu morresse alli;
+ Que mais valia acabar,
+ Que ter de viver sem ti.
+ Não ha força que resista
+ Á dôr que nunca descança.
+ Tivesse eu perdido a vista,
+ Mas não perdesse a esperança.
+ Bem feliz acabaria
+ Alli, á beira do mar,
+ Se soubesse o que seria,
+ Se não tinhas de voltar.
+
+Ás quatro horas da tarde, a amabilissima auctora da _Luz coada por
+ferros_ perguntava-me se eu, sacrificando os meus habitos lisbonenses,
+seria capaz de jantar áquella hora.
+
+--Em Seide, respondera Camillo, janta-se sempre.
+
+Fomos para a meza, em cujo _plateau_ verdejavam as fructas mais
+escolhidas da quinta, e em cujo ambiente os acipipes succolentos de uma
+boa cosinha de provincia punham os aromas de um excellente jantar.
+
+Camillo estivera silencioso durante alguns momentos. Mas eu procurara
+envolvel-o na conversação. Fallava-se dos seus romances. É difficil
+escolher o melhor entre os bons; mas eu pretendi negar a primasia do
+_Romance de um homem rico_, por saber, desde muito tempo; que
+Camillo o prefere ao _Amor de perdição_. Todos nós desejavamos fazel-o
+interessar pelo assumpto. Foi pois em defeza do _Amor de perdição_ que
+eu pugnei.
+
+--O _Amor de perdição_, observara finalmente Camillo, tem lacunas que eu
+proprio reconheci, e não quiz preencher. Disse-o por essa occasião ao
+dr. Marcellino de Mattos. Mas o meu proposito foi não alterar a
+veracidade dos acontecimentos que se encadeavam na dramatica biographia
+de meu tio Simão Botelho. Escrevi sobre a tradição, respeitando-a como
+um evangelho de familia. No _Romance de um homem rico_ tive um ponto de
+vista artistico, planeei e architectei, colori em vez de photographar.
+Eis aqui a razão da minha preferencia dada ao _Romance de hum homem_
+rico sobre o _Amor de perdição_.
+
+Não me dispensei comtudo de recordar a profunda impressão que este
+ultimo romance produzira em todos os corações moços d'aquelle tempo ou
+nos que pelo amor rejuvenesciam. Desvelavam-se as noites na febre da
+leitura, e reliam-se as paginas mais sentimentaes nas horas de
+namorada tristeza. Cada qual pedia para si a corôa de espinhos de
+Simão Botelho, de Thereza ou de Marianna, a auréola da poesia nas
+angustias do amor. Amar é soffrer. E aquelle livro fallava pelos que
+soffriam. Se a tua dôr te afflige, faze d'ella um poema, disse Goethe.
+Ora aquelle romance de Camillo era o poema em que se fundiam as dores de
+todas as almas excruciadas pelo amor; era o romance de tres, e o poema
+de todos.
+
+No recolhimento das Orphãs, a S. Lazaro, uma das pobres meninas ali
+encarceradas entre as grades de ferro que nos ultimos annos foram
+sensatamente arrancadas, lia o _Amor de perdição_, a occultas da
+regente, entreabrindo a gaveta da sua cómmoda apenas o bastante para
+alcançar com a vista o espaço de uma pagina. Lia de pé, e fechava com
+sobresalto a gaveta quando sentia passos. O livro nunca foi
+surprehendido, mas as lagrimas que a leitura originava, muitas vezes o
+foram. A regente, D. Maria das Dores, via chorosos os olhos da menina, e
+perguntava-lhe porque chorava.
+
+--É que estou triste, respondia a educanda.
+
+Mas as tristezas dava-lh'as a leitura fortuita do romance de Camillo.
+
+Favorecia-me na apologia do _Amor de perdição_ o voto auctorisado da
+intelligente e illustrada dona da casa, que depois nos recordou a
+belleza do romance _O Esqueleto_. Eu citei por minha vez _A agulha em
+palheiro_, e a _Sereia_, romance que tem para mim um valor especial,
+porque reune para a minha saudade os nomes de Camillo Castello Branco e
+José Gomes Monteiro. O primeiro capitulo é baseado sobre um artigo de
+Monteiro ácerca do antigo theatro lyrico do Porto, no Corpo da Guarda.
+
+Accresce que o meu exemplar da _Sereia_ tem uma historia curiosa. Na
+capa, sobre o titulo, ha uma pequena mancha de tinta, que tomou a forma
+caprichosa de um polygono estrellado. Um dia, sem que eu soubesse como,
+desappareceu-me da estante; foram baldados todos os esforços para
+encontral-o no meu escriptorio. Querendo preencher a falta da _Sereia_
+na collecção das obras de Camillo, resolvi-me a comprar um novo
+exemplar. Mas a suspeita de ter sido roubado, fazia com que eu
+relanceasse a vista por todos os romances portuguezes que encontrava
+á venda nas lojas de livros em segunda mão.
+
+Passaram mezes, e um dia, n'uma d'essas lojas, na rua Augusta, encontrei
+um exemplar da Sereia. Tirei-o da estante: era o meu! Na capa amarella,
+sobre o titulo, o polygono estrellado, o borrão! Perguntei quanto
+custava. Trezentos reis, respondeu o alfarrabista. Paguei sem discutir.
+Depois de ter pago, perguntei-lhe:
+
+--Lembra-se de quem lhe vendeu este livro?
+
+O alfarrabista quedou-se a evocar as suas recordações.
+
+Mas devo suppôr que não poude lembrar-se.
+
+Depois de jantar, viemos sentar-nos nos bancos do pateo. A tarde estava
+serena; as folhas das arvores immoveis. O visconde de Correia Botelho,
+fumando o seu charuto, conversava animado. Lembrei-lhe que fosse passar
+o inverno em Lisboa, entre os muitos amigos e admiradores que ali tem. O
+clima, menos rigoroso que o do norte, deve convir aos seus padecimentos.
+Camillo não repelliu o alvitre. Mas o projecto de viagem ficou para
+segunda leitura, quando eu voltasse a Seide para despedir-me.
+Comprometti-me gostosamente a fazel-o, e espero cumprir.
+
+A tarde declinava n'uma suavidade dormente. Os passaros cantavam no
+arvoredo da quinta, n'uma festa de lyrismo primitivo. Junto ao monumento
+de Castilho condensava-se uma sombra silenciosa, como se as aves não
+poisassem n'aquelle recinto senão para chorar o poeta que as cantara.
+
+Eram horas de partir. Os meus amaveis hospedeiros, e os seus hospedes,
+vieram acompanhar-me ao portão da quinta. O visconde procurara apoio no
+meu braço, ao passo que a sr.ª D. Anna Placido colhia para mim algumas
+flores do seu jardim,--recordação inestimavel da minha visita a Seide.
+
+Fóra do portão esperavam respeitosamente o Bernardo do João de Deus e a
+garrana. Ambos pareciam satisfeitos: elle porque trazia mais vinho verde
+no estomago, ella porque tinha menos moscas no pescoço. As moscas do
+Minho já eu disse que são formidaveis, porque lhes senti, por endosso da
+garrana, a dolorosa ferroada. O vinho verde de S. Miguel de Seide é
+de se lhe tirar o chapeu, mesmo para que o chapeu não caia da cabeça
+caso a gente se tenha desmandado nas libações. É excellente e, por ser
+encorpado, deve trepar:--pelo menos, o Bernardo do João de Deus foi
+d'esta opinião.
+
+Antes de montar, pedi a Camillo que se não risse da minha impericia de
+cavalleiro.
+
+--Quem lhe dera essa garrana no Chiado! dissera jovialmente Camillo.
+
+--Piedade! exclamei eu sobre o sellim.
+
+A garrana, comprehendendo melhor as minhas intenções do que as minhas
+esporas, partiu.
+
+Eu parti com ella, e o Bernardo do João de Deus na alheta de ambos.
+
+Em Landim, na venda do José Maria, conversavam os mesmos quatro homens.
+
+De algumas casas subia placidamente o fumo do lar accêso para a ceia. Em
+outras, ouvia-se fallar mulheres, chorar crianças. Alguma cabeça loira,
+sentindo os passos da garrana, vinha espreitar á janella.
+
+Pouco adiante das Campas, dois bois corpulentos, largamente armados,
+pastavam em liberdade, com o ar de estarem já bem fartos de pascigo.
+
+Á medida que nos aproximavamos de Santo Thyrso, iamos encontrando os
+ranchos dos romeiros que voltavam do arraial da Trofa. A viola minhota,
+chuleira e folgasã, cadenciava a caminhada n'um andamento militar, como
+os rufos de um tambor regulam o passo largo e unisono dos soldados de um
+destacamento em marcha. O tocador, pendida a cabeça sobre o peito,
+sacudia a mão direita fortemente pelas cordas, n'um repenicado
+estridulo. O caminho de ferro de Bougado alliviara os romeiros da fadiga
+da jornada. Iam frescos como se tivessem bebido menos e descansado mais.
+
+Que diriam os benedictinos de Santo Thyrso se podessem resuscitar, e,
+debruçados no muro da cêrca, vissem desenrolar-se por sobre o arvoredo
+fronteiro a pluma ondulante do fumo da locomotiva?!
+
+Elles viveram ali entrincheirados entre a villa, que engrandeciam, e o
+rio, que os deliciava. De um lado, as moçoilas carnudas e carnaes; do
+outro, os rouxinoes devaneiadores da beira d'agua. De portas a dentro, a
+cosinha e o coro. Tudo aquillo era d'elles, os frades, senhores
+suzeranos das localidades que povoavam,--directa e indirectamente. O
+caminho de ferro é um invasor audacioso, que passa esmagando e rompendo.
+Os frades, se agora podessem ouvir-lhe o silvo triumphal, gritariam _á
+d'el-rei_ contra o progresso, apitariam contra a machina a vapor.
+
+No relogio dos destinos humanos ha uma hora providencialmente marcada
+para tudo o que principia e acaba. De modo que, por uma sabia
+organisação superior á nossa intelligencia, tudo principia e acaba
+quando deve principiar e acabar. Ao frade que comboyava as almas para o
+ceu, succedeu opportunamente a locomotora que passa comboyando
+passageiros para Guimarães. Deus é grande!
+
+Era noite fechada quando entrei em Santo Thyrso. Valeu-me a escuridão ao
+desprimor da gineta. Não havia espectadores, e a garrana alargava o
+passo, contente de se vêr perto de casa. Apeei, entregando a chibata ao
+Bernardo do João de Deus, que me perguntou:
+
+--E que tal, a garrana? Não dizia eu que era segura?
+
+--Mais seguro do que isto, respondi, só o Banco de Portugal.
+
+Elle não entendeu; por isso, riu.
+
+E eu recolhi-me com as gratas recordações d'esse dia agradabilissimo que
+passei na quinta de S. Miguel de Seide, sob o tecto hospitaleiro do
+primeiro romancista portuguez, entre pessoas queridas, e memorias
+saudosas de que tanto haviamos fallado.
+
+Santo Thyrso, 21 de agosto de 1885.
+
+
+ _Alberto Pimentel._
+
+
+
+
+LIVRARIA PORTUENSE E PAPELARIA
+
+DE
+
+LOPES & C.ª SUCCESSORES DE CLAVEL & C.ª
+
+EDITORES
+
+_119--RUA DO ALMADA--123_
+
+PORTO
+
+ * * * * *
+
+Alberto Pimentel
+
+(NO PRELO)
+
+*Senhor D. Miguel I*--a sua vida e o seu tempo.
+
+*Rainha sem reino*--estudo historico do seculo XV.
+
+*Idylios dos reis*--poema.
+
+ * * * * *
+
+Julio Lourenço Pinto
+
+*Esthetica naturalista*--estudos criticos, 1 volume nitidamente impresso
+em magnifico papel, 700 réis.
+
+ * * * * *
+
+Ernesto Pinto d'Almeida
+
+*O Sonho de Camões*--poema posthumo, edição de luxo. Não desmentindo em
+nada a gloria e o merecimento litterario do fallecido poeta portuense
+Ernesto Pinto d'Almeida, antes vem agora este poema dar-nos uma medida
+maior do seu estro poetico, 1 volume nitidamente impresso, 300 réis.
+
+ * * * * *
+
+Narciso José de Moraes
+
+*Manual de citações camoneanas*--indicador utilissimo dos melhores
+conceitos e aphorismos do sublime cantor, Luiz de Camões, indispensavel
+ao estudante e ao novel escriptor portuguez, 1 volume, 200 réis.
+
+ * * * * *
+
+Alberto Correia
+
+*Trémulos*--um livro de primorosos versos, com o retrato do auctor,
+edição de luxo, 1 volume brochado, 500 réis. (Envia-se franco de porte
+pelo correio).
+
+ * * * * *
+
+J. Leite de Vasconcellos
+
+*Balladas do Occidente*--um volume brochado, 500 réis.
+
+ * * * * *
+
+Preço... 200 réis
+
+
+
+***END OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK UMA VISITA AO PRIMEIRO ROMANCISTA
+PORTUGUEZ EM S. MIGUEL DE SEIDE***
+
+
+******* This file should be named 35130-8.txt or 35130-8.zip *******
+
+
+This and all associated files of various formats will be found in:
+http://www.gutenberg.org/dirs/3/5/1/3/35130
+
+
+
+Updated editions will replace the previous one--the old editions
+will be renamed.
+
+Creating the works from public domain print editions means that no
+one owns a United States copyright in these works, so the Foundation
+(and you!) can copy and distribute it in the United States without
+permission and without paying copyright royalties. Special rules,
+set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to
+copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to
+protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. Project
+Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you
+charge for the eBooks, unless you receive specific permission. If you
+do not charge anything for copies of this eBook, complying with the
+rules is very easy. You may use this eBook for nearly any purpose
+such as creation of derivative works, reports, performances and
+research. They may be modified and printed and given away--you may do
+practically ANYTHING with public domain eBooks. Redistribution is
+subject to the trademark license, especially commercial
+redistribution.
+
+
+
+*** START: FULL LICENSE ***
+
+THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE
+PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK
+
+To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free
+distribution of electronic works, by using or distributing this work
+(or any other work associated in any way with the phrase "Project
+Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full Project
+Gutenberg-tm License (available with this file or online at
+http://www.gutenberg.org/license).
+
+
+Section 1. General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tm
+electronic works
+
+1.A. By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm
+electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to
+and accept all the terms of this license and intellectual property
+(trademark/copyright) agreement. If you do not agree to abide by all
+the terms of this agreement, you must cease using and return or destroy
+all copies of Project Gutenberg-tm electronic works in your possession.
+If you paid a fee for obtaining a copy of or access to a Project
+Gutenberg-tm electronic work and you do not agree to be bound by the
+terms of this agreement, you may obtain a refund from the person or
+entity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8.
+
+1.B. "Project Gutenberg" is a registered trademark. It may only be
+used on or associated in any way with an electronic work by people who
+agree to be bound by the terms of this agreement. There are a few
+things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works
+even without complying with the full terms of this agreement. See
+paragraph 1.C below. There are a lot of things you can do with Project
+Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement
+and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic
+works. See paragraph 1.E below.
+
+1.C. The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation"
+or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project
+Gutenberg-tm electronic works. Nearly all the individual works in the
+collection are in the public domain in the United States. If an
+individual work is in the public domain in the United States and you are
+located in the United States, we do not claim a right to prevent you from
+copying, distributing, performing, displaying or creating derivative
+works based on the work as long as all references to Project Gutenberg
+are removed. Of course, we hope that you will support the Project
+Gutenberg-tm mission of promoting free access to electronic works by
+freely sharing Project Gutenberg-tm works in compliance with the terms of
+this agreement for keeping the Project Gutenberg-tm name associated with
+the work. You can easily comply with the terms of this agreement by
+keeping this work in the same format with its attached full Project
+Gutenberg-tm License when you share it without charge with others.
+
+1.D. The copyright laws of the place where you are located also govern
+what you can do with this work. Copyright laws in most countries are in
+a constant state of change. If you are outside the United States, check
+the laws of your country in addition to the terms of this agreement
+before downloading, copying, displaying, performing, distributing or
+creating derivative works based on this work or any other Project
+Gutenberg-tm work. The Foundation makes no representations concerning
+the copyright status of any work in any country outside the United
+States.
+
+1.E. Unless you have removed all references to Project Gutenberg:
+
+1.E.1. The following sentence, with active links to, or other immediate
+access to, the full Project Gutenberg-tm License must appear prominently
+whenever any copy of a Project Gutenberg-tm work (any work on which the
+phrase "Project Gutenberg" appears, or with which the phrase "Project
+Gutenberg" is associated) is accessed, displayed, performed, viewed,
+copied or distributed:
+
+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
+almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
+re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
+with this eBook or online at www.gutenberg.org
+
+1.E.2. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is derived
+from the public domain (does not contain a notice indicating that it is
+posted with permission of the copyright holder), the work can be copied
+and distributed to anyone in the United States without paying any fees
+or charges. If you are redistributing or providing access to a work
+with the phrase "Project Gutenberg" associated with or appearing on the
+work, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1
+through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and the
+Project Gutenberg-tm trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or
+1.E.9.
+
+1.E.3. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is posted
+with the permission of the copyright holder, your use and distribution
+must comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additional
+terms imposed by the copyright holder. Additional terms will be linked
+to the Project Gutenberg-tm License for all works posted with the
+permission of the copyright holder found at the beginning of this work.
+
+1.E.4. Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg-tm
+License terms from this work, or any files containing a part of this
+work or any other work associated with Project Gutenberg-tm.
+
+1.E.5. Do not copy, display, perform, distribute or redistribute this
+electronic work, or any part of this electronic work, without
+prominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 with
+active links or immediate access to the full terms of the Project
+Gutenberg-tm License.
+
+1.E.6. You may convert to and distribute this work in any binary,
+compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including any
+word processing or hypertext form. However, if you provide access to or
+distribute copies of a Project Gutenberg-tm work in a format other than
+"Plain Vanilla ASCII" or other format used in the official version
+posted on the official Project Gutenberg-tm web site (www.gutenberg.org),
+you must, at no additional cost, fee or expense to the user, provide a
+copy, a means of exporting a copy, or a means of obtaining a copy upon
+request, of the work in its original "Plain Vanilla ASCII" or other
+form. Any alternate format must include the full Project Gutenberg-tm
+License as specified in paragraph 1.E.1.
+
+1.E.7. Do not charge a fee for access to, viewing, displaying,
+performing, copying or distributing any Project Gutenberg-tm works
+unless you comply with paragraph 1.E.8 or 1.E.9.
+
+1.E.8. You may charge a reasonable fee for copies of or providing
+access to or distributing Project Gutenberg-tm electronic works provided
+that
+
+- You pay a royalty fee of 20% of the gross profits you derive from
+ the use of Project Gutenberg-tm works calculated using the method
+ you already use to calculate your applicable taxes. The fee is
+ owed to the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, but he
+ has agreed to donate royalties under this paragraph to the
+ Project Gutenberg Literary Archive Foundation. Royalty payments
+ must be paid within 60 days following each date on which you
+ prepare (or are legally required to prepare) your periodic tax
+ returns. Royalty payments should be clearly marked as such and
+ sent to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation at the
+ address specified in Section 4, "Information about donations to
+ the Project Gutenberg Literary Archive Foundation."
+
+- You provide a full refund of any money paid by a user who notifies
+ you in writing (or by e-mail) within 30 days of receipt that s/he
+ does not agree to the terms of the full Project Gutenberg-tm
+ License. You must require such a user to return or
+ destroy all copies of the works possessed in a physical medium
+ and discontinue all use of and all access to other copies of
+ Project Gutenberg-tm works.
+
+- You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any
+ money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the
+ electronic work is discovered and reported to you within 90 days
+ of receipt of the work.
+
+- You comply with all other terms of this agreement for free
+ distribution of Project Gutenberg-tm works.
+
+1.E.9. If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm
+electronic work or group of works on different terms than are set
+forth in this agreement, you must obtain permission in writing from
+both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael
+Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark. Contact the
+Foundation as set forth in Section 3 below.
+
+1.F.
+
+1.F.1. Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable
+effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread
+public domain works in creating the Project Gutenberg-tm
+collection. Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic
+works, and the medium on which they may be stored, may contain
+"Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or
+corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual
+property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a
+computer virus, or computer codes that damage or cannot be read by
+your equipment.
+
+1.F.2. LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the "Right
+of Replacement or Refund" described in paragraph 1.F.3, the Project
+Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project
+Gutenberg-tm trademark, and any other party distributing a Project
+Gutenberg-tm electronic work under this agreement, disclaim all
+liability to you for damages, costs and expenses, including legal
+fees. YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICT
+LIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSE
+PROVIDED IN PARAGRAPH 1.F.3. YOU AGREE THAT THE FOUNDATION, THE
+TRADEMARK OWNER, AND ANY DISTRIBUTOR UNDER THIS AGREEMENT WILL NOT BE
+LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR
+INCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCH
+DAMAGE.
+
+1.F.3. LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover a
+defect in this electronic work within 90 days of receiving it, you can
+receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a
+written explanation to the person you received the work from. If you
+received the work on a physical medium, you must return the medium with
+your written explanation. The person or entity that provided you with
+the defective work may elect to provide a replacement copy in lieu of a
+refund. If you received the work electronically, the person or entity
+providing it to you may choose to give you a second opportunity to
+receive the work electronically in lieu of a refund. If the second copy
+is also defective, you may demand a refund in writing without further
+opportunities to fix the problem.
+
+1.F.4. Except for the limited right of replacement or refund set forth
+in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS', WITH NO OTHER
+WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO
+WARRANTIES OF MERCHANTIBILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE.
+
+1.F.5. Some states do not allow disclaimers of certain implied
+warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages.
+If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the
+law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be
+interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by
+the applicable state law. The invalidity or unenforceability of any
+provision of this agreement shall not void the remaining provisions.
+
+1.F.6. INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the
+trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone
+providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance
+with this agreement, and any volunteers associated with the production,
+promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works,
+harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees,
+that arise directly or indirectly from any of the following which you do
+or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm
+work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any
+Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause.
+
+
+Section 2. Information about the Mission of Project Gutenberg-tm
+
+Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of
+electronic works in formats readable by the widest variety of computers
+including obsolete, old, middle-aged and new computers. It exists
+because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from
+people in all walks of life.
+
+Volunteers and financial support to provide volunteers with the
+assistance they need are critical to reaching Project Gutenberg-tm's
+goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will
+remain freely available for generations to come. In 2001, the Project
+Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
+and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations.
+To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
+and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
+and the Foundation web page at http://www.gutenberg.org/fundraising/pglaf.
+
+
+Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive
+Foundation
+
+The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
+501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
+state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal
+Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification
+number is 64-6221541. Contributions to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
+permitted by U.S. federal laws and your state's laws.
+
+The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S.
+Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered
+throughout numerous locations. Its business office is located at
+809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email
+business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact
+information can be found at the Foundation's web site and official
+page at http://www.gutenberg.org/about/contact
+
+For additional contact information:
+ Dr. Gregory B. Newby
+ Chief Executive and Director
+ gbnewby@pglaf.org
+
+Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation
+
+Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide
+spread public support and donations to carry out its mission of
+increasing the number of public domain and licensed works that can be
+freely distributed in machine readable form accessible by the widest
+array of equipment including outdated equipment. Many small donations
+($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt
+status with the IRS.
+
+The Foundation is committed to complying with the laws regulating
+charities and charitable donations in all 50 states of the United
+States. Compliance requirements are not uniform and it takes a
+considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up
+with these requirements. We do not solicit donations in locations
+where we have not received written confirmation of compliance. To
+SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any
+particular state visit http://www.gutenberg.org/fundraising/donate
+
+While we cannot and do not solicit contributions from states where we
+have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition
+against accepting unsolicited donations from donors in such states who
+approach us with offers to donate.
+
+International donations are gratefully accepted, but we cannot make
+any statements concerning tax treatment of donations received from
+outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff.
+
+Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation
+methods and addresses. Donations are accepted in a number of other
+ways including checks, online payments and credit card donations.
+To donate, please visit:
+http://www.gutenberg.org/fundraising/donate
+
+
+Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic
+works.
+
+Professor Michael S. Hart is the originator of the Project Gutenberg-tm
+concept of a library of electronic works that could be freely shared
+with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project
+Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support.
+
+Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed
+editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S.
+unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily
+keep eBooks in compliance with any particular paper edition.
+
+Most people start at our Web site which has the main PG search facility:
+
+ http://www.gutenberg.org
+
+This Web site includes information about Project Gutenberg-tm,
+including how to make donations to the Project Gutenberg Literary
+Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to
+subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.
+
diff --git a/35130-8.zip b/35130-8.zip
new file mode 100644
index 0000000..24bb599
--- /dev/null
+++ b/35130-8.zip
Binary files differ
diff --git a/35130-h.zip b/35130-h.zip
new file mode 100644
index 0000000..fe3aef1
--- /dev/null
+++ b/35130-h.zip
Binary files differ
diff --git a/35130-h/35130-h.htm b/35130-h/35130-h.htm
new file mode 100644
index 0000000..da426e7
--- /dev/null
+++ b/35130-h/35130-h.htm
@@ -0,0 +1,1818 @@
+<!DOCTYPE HTML PUBLIC "-//W3C//DTD HTML 4.01 Transitional//EN" "http://www.w3.org/TR/html4/loose.dtd">
+<html>
+<head>
+<meta http-equiv="Content-Type" content="text/html; charset=ISO-8859-15">
+<title>The Project Gutenberg eBook of Uma visita ao primeiro romancista portuguez em S. Miguel de Seide, by Alberto Pimentel</title>
+ <style type="text/css">
+ body{margin-left: 10%;
+ margin-right: 10%;
+ }
+ .pn {
+ text-indent: 0em;
+ text-decoration: none;
+ position: absolute;
+ left: 92%;
+ font-size: 7pt;
+ text-align: right;
+ color: silver;
+ }
+ #corpo p{text-align: justify; text-indent: 1.5em;}
+ h1 {text-align: left; margin-top: 3em; margin-bottom:2em; text-decoration:underline; }
+ h1.pg {text-align: center; margin-top: 0em; margin-bottom:0em; text-decoration:none; }
+ h3 small {font-weight: normal;}
+ #corpo p.ni {text-indent: 0;}
+ #corpo p.centrado {text-indent: 0; text-align: center;}
+ #corpo blockquote p {text-indent: 0;}
+ #corpo p.assin {text-indent: 0; text-align: right; margin-right: 2em;}
+ p.centrado {text-indent: 0; text-align: center;}
+ hr.dotted {border: 0; border-bottom: dotted 2px #000;}
+ hr {border: 0; border-bottom: solid 2px #000;}
+ blockquote {margin-left: 20%; font-size: small;}
+ a {text-decoration: none;}
+ .rodape {
+ font-size: small;
+ color: gray;
+ margin-left: 2em;
+ margin-right: 2em;
+ }
+ #corpo.rodape p {text-indent: 0;}
+
+ hr.full { width: 100%;
+ margin-top: 3em;
+ margin-bottom: 0em;
+ margin-left: auto;
+ margin-right: auto;
+ height: 4px;
+ border-width: 4px 0 0 0; /* remove all borders except the top one */
+ border-style: solid;
+ border-color: #000000;
+ clear: both; }
+ pre {font-size: 85%;}
+ </style>
+</head>
+<body>
+<h1 class="pg">The Project Gutenberg eBook, Uma visita ao primeiro romancista portuguez
+em S. Miguel de Seide, by Alberto Pimentel</h1>
+<pre>
+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
+almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
+re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
+with this eBook or online at <a href = "http://www.gutenberg.org">www.gutenberg.org</a>
+
+</pre>
+<p>Title: Uma visita ao primeiro romancista portuguez em S. Miguel de Seide</p>
+<p>Author: Alberto Pimentel</p>
+<p>Release Date: January 31, 2011 [eBook #35130]</p>
+<p>Language: Portuguese</p>
+<p>Character set encoding: ISO-8859-15</p>
+<p>***START OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK UMA VISITA AO PRIMEIRO ROMANCISTA PORTUGUEZ EM S. MIGUEL DE SEIDE***</p>
+<br><br><center><h3>E-text prepared by Pedro Saborano</h3></center><br><br>
+<p>&nbsp;</p>
+<hr class="full">
+<p>&nbsp;</p>
+
+<div style="text-align: center; border: double 5px #000;">
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p style="font-size: 1.5em;">ALBERTO PIMENTEL</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="font-size: 2.5em;">UMA VISITA</p>
+
+<p>AO</p>
+
+<p style="font-size: 1.1em;">PRIMEIRO ROMANCISTA PORTUGUEZ</p>
+
+<p>EM</p>
+
+<p style="font-size: 1.3em;">S. MIGUEL DE SEIDE</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>PORTO<br>
+<small>LIVRARIA PORTUENSE DE LOPES &amp; C.ª&mdash;EDITORES<br>
+119&mdash;Rua do Almada&mdash;123<br>
+1885</small></p>
+
+</div>
+
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+
+<div style="text-align: center;">
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p style="font-size: 1.5em;">ALBERTO PIMENTEL</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="font-size: 2.5em;">UMA VISITA</p>
+
+<p>AO</p>
+
+<p style="font-size: 1.1em;">PRIMEIRO ROMANCISTA PORTUGUEZ</p>
+
+<p>EM</p>
+
+<p style="font-size: 1.3em;">S. MIGUEL DE SEIDE</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>PORTO<br>
+<small>LIVRARIA PORTUENSE DE LOPES &amp; C.ª&mdash;EDITORES<br>
+119&mdash;Rua do Almada&mdash;123<br>
+1885</small></p>
+
+</div>
+
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+<div style="text-align:center">
+
+<hr>
+
+<p><small>PORTO&mdash;IMPRENSA PORTUGUEZA&mdash;BOMJARDIM, 181</small></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;<span class="pn">{3}</span></p>
+
+
+
+<p style="font-size: 1.4em;">UMA VISITA</p>
+
+<p>AO</p>
+
+<p style="font-size: 1.2em;">PRIMEIRO ROMANCISTA PORTUGUEZ</p>
+
+<p style="font-size: 1.1em;">EM S. MIGUEL DE SEIDE</p>
+</div>
+
+<div id="corpo">
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Eram onze horas da manhã. Acabava,
+na egreja de Santo Thyrso, a <em>missa do dia</em>.
+Para o largo do mosteiro vinham sahindo
+os ranchos dos homens e das mulheres do
+campo; algumas senhoras, poucas. A manhã
+tinha estado fresca, segundo me disseram,
+mas eu perdi a manhã, pela simples
+razão de ter perdido a noite no arraial da
+Senhora das Dôres, na Trofa, aonde condescendentemente
+me deixei arrastar. Quando
+sahi de casa, seguido pelo criado que levava
+de redea a garrana, o sol descobria.
+A consciencia de não ter nascido fadado
+para cavallarias altas, obrigou-me a ir a<span class="pn">{4}</span>
+pé até um sitio que julguei propicio para
+me lançar a cima do sellim sem grande
+concurso de publico.</p>
+
+<p>O criado dizia-me que não conhecia
+besta melhor do que a garrana.</p>
+
+<p>&mdash;Muito fiel! accrescentava elle, inspirando-me
+confiança, e descendo os estribos.</p>
+
+<p>Para além da ponte, cavalguei.</p>
+
+<p>Pareceu-me que effectivamente a garrana
+tinha apreciaveis prendas de caracter;
+entreguei-me á sua lealdade, e posso asseverar
+que não foi desmentida, durante todo
+o dia, por nenhum incidente desagradavel.</p>
+
+<p>É a besta mais honrada com que tenho
+lidado. O criado tinha razão.</p>
+
+<p>&mdash;A que horas estaremos em S. Miguel
+de Seide?&mdash;perguntei eu ao Bernardo do
+João de Deus, nome e alcunha do meu companheiro,
+para estabelecer dialogo, visto
+que a garrana não podia, por um erro da
+natureza, conversar comigo.</p>
+
+<p>&mdash;D'aqui a uma hora, n'este passo, respondeu
+elle. De Landim lá, é um instante.</p>
+
+<p>Landim! repeti eu mentalmente.</p>
+
+<p>Estava, pois, nos vastos dominios romanticos
+de Camillo, no proscenio florido
+das suas <em>Novellas do Minho</em>, uma das<span class="pn">{5}</span>
+quaes se intitula <em>O cego de Landim</em>. Á minha
+direita ficava <em>Monte Cordova</em>, de cuja
+bruxa o eminente romancista escrevera a
+commovente historia.</p>
+
+<p>O sol descobrira de todo; os seus raios,
+como flechas de oiro, cahiam sobre os campos,
+doirando-os. O calor principiava a ser
+intenso.</p>
+
+<p>O criado ralhou comigo amoravelmente.</p>
+
+<p>Que se eu me tivesse levantado mais
+cedo, ponderava elle, não apanharia tamanha
+calma. E depois podia ser que eu não
+estivesse habituado. Finalmente, accrescentára
+que o sr. visconde, prevenido da minha
+visita, de certo me teria esperado para
+o almoço.</p>
+
+<p>Que me importava a mim a calma, por
+maior que fosse? Eu ia vêr, abraçar aquelle
+que sempre fora para mim o mais dedicado
+dos mestres, e o melhor dos amigos. O
+acaso que durante alguns annos nos juntara,
+separara-nos um dia: elle ficara quasi
+sempre no Minho; eu vivia em Lisboa.
+Havia já dez annos que nos não avistaramos.
+Por isso, ainda que se tornasse preciso
+um grande sacrificio, de boa vontade
+eu o teria feito para comprar a felicidade<span class="pn">{6}</span>
+de estar alguns momentos em S. Miguel
+de Seide.</p>
+
+<p>O caminho não me sahira tão cruel
+como eu esperava. A breve trecho havia arvores
+que déssem sombra. Em torno de
+mim, para qualquer lado que lançasse os
+olhos, a vegetação era opulenta, feracissima.
+Os meus pulmões fortificavam-se com
+delicia n'um bom banho de oxygenio. E,
+por antithese, lembravam-me os saguões
+e as escadas dos predios da <em>baixa</em>, em
+Lisboa, onde se respira um ar mephitico,
+que asphyxia. De longe a longe, uma casa
+e um parreiral; os cachos pendentes da latada
+davam na vista ao criado, que observava:</p>
+
+<p>&mdash;Vão amadurecendo bem, graças a
+Deus!</p>
+
+<p>E tirava o chapeu, respeitosamente, em
+homenagem ao Creador dos homens e dos
+cachos.</p>
+
+<p>Um ou outro cão vinha ladrar-nos ao
+muro do quintal.</p>
+
+<p>Bernardo, todo embevecido na contemplação
+da <em>novidade</em>, dizia-me que reparasse
+nas <em>ramadas</em>, onde as travessas de madeira
+teem sido substituidas por fios de arame.<span class="pn">{7}</span>
+Uma innovação recentemente introduzida
+no Minho.</p>
+
+<p>&mdash;Isto&mdash;o arame&mdash;observava o Bernardo,
+dura a vida de um homem.</p>
+
+<p>O calor ia apertando, mordendo. Eu, de
+quando em quando, aproveitava a sombra
+de uma arvore para accender um cigarro.
+A garrana, com uma grande deferencia
+pelas minhas commodidades e pelos meus
+vicios, esperava pachorrentamente que eu
+embrulhasse o cigarro e o accendesse. Eu,
+em compensação, para ser grato, sacudia-lhe
+as moscas com a ponta da vergasta. E
+não se pense que me custava pouco esta
+retribuição amavel da minha parte: as moscas,
+enxotadas da garrana, vinham para
+mim. Uma mordeu-me no pescoço com a
+mesma gana com que o teria feito á cavalgadura,
+em igual sitio.</p>
+
+<p>Confundiu-nos! o diabo da mosca!</p>
+
+<p>O Bernardo pedira licença para despir
+a jaqueta. Já não podia aguental-a com o
+calor. Ás vezes tirava o chapeu, e limpava-se.
+A sua cara escorria ressumbrações de
+suor. Não obstante, o Bernardo acompanhava
+a garrana com o seu passo largo e
+firme, de caminheiro intrépido e experimentado.<span class="pn">{8}</span>
+Eu disse-lhe que sentia haver-lhe
+dado incommodo em dois dias consecutivos,
+porque na vespera fôra elle de Santo
+Thyrso a Seide, por ordem minha, com
+uma carta para o visconde de Correia Botelho,
+a fim de me certificar de que o encontraria
+no dia seguinte.</p>
+
+<p>&mdash;Isto não é nada, respondeu o Bernardo.
+Pelo S. Thiago fui ao Porto e vim, no
+mesmo dia.</p>
+
+<p>E com o corpo lançado para diante,
+meneiando os braços n'uma oscillação de
+pendulo, continuava a acompanhar intrepidamente
+a garrana, não suando menos
+do que ella.</p>
+
+<p>Elle ia-me nomeando os sitios por que
+passavamos:</p>
+
+<p>&mdash;Isto aqui é a Fonte da Gallega.</p>
+
+<p>E mais adiante:</p>
+
+<p>&mdash;Isto aqui é a egreja da Lama. Uma
+freguezia pequenita.</p>
+
+<p>Eu perguntava:</p>
+
+<p>&mdash;Landim ainda fica muito longe?</p>
+
+<p>&mdash;Não, senhor; é ali adeante.</p>
+
+<p>E, para me distrair, por conhecer que
+eu tinha pressa de chegar, armava conversa:<span class="pn">{9}</span></p>
+
+<p>&mdash;Hontem, quando vim trazer a carta
+ao sr. visconde, topei perto de Landim uma
+grande bicha.</p>
+
+<p>&mdash;Uma cobra?</p>
+
+<p>&mdash;Pois é mesmo. Tomava toda a largura
+da estrada. Eu não gosto de encontrar
+aquellas bichas. Não trazia nada comigo,
+por isso parei para a deixar passar.</p>
+
+<p>&mdash;Ella viu-o?</p>
+
+<p>&mdash;Ella viu-me, mas foi-se andando. Enfiou
+por entre umas pedras da parede, e
+desappareceu.</p>
+
+<p>E após um breve silencio:</p>
+
+<p>&mdash;Estes bichinhos, disséra o Bernardo
+apontando para o chão, onde um formigueiro
+enorme mourejava, não são tão maldosos.
+A bem dizer, tirante a alma, fel-os
+Deus mais amigos do trabalho do que alguns
+homens.</p>
+
+<p>Parei a garrana, e olhei.</p>
+
+<p>Era uma alluvião de formigas que punha
+uma nodoa preta e ondulante á orla da valeta.</p>
+
+<p>Ainda na vespera, estando eu junto á
+estação de Vizella, á espera do comboio que
+devia descer de Guimarães, tinha sido impressionado
+por uma d'estas obscuras scenas<span class="pn">{10}</span>
+de realismo campestre em que os pequenos
+insectos avultam na grandeza da
+sua humildade... Fôra tambem uma formiga
+o protogonista silencioso d'esse rapido
+drama, em que eu figurei de comparsa
+e em que fiquei pensando o bastante para
+extrahir d'elle o elevado ensinamento, que
+agradeci á natureza, visto que tendo de esperar
+alguns momentos, julguei que nada poderia
+haver ali que os occupasse utilmente.</p>
+
+<p>E emquanto o comboio não chegava,
+uma serie de pensamentos imprevistos fôra
+alinhando-se metricamente no meu espirito
+e acolchetando-se, pensamento a pensamento,
+pela attracção mysteriosa da consonancia.</p>
+
+<p>Esses versos, que só teem o merito
+unico da espontaneidade casual, inspirados
+e principiados junto á estação de Vizella,
+eram horas depois concluidos, postoque
+não limados. Como recordação da minha
+viagem ao Minho, cujo fim principal fôra a
+visita á quinta de S. Miguel de Seide, tomo
+a liberdade de offerecel-os á sr.ª D. Anna
+Augusto Placido, como rustica oblata deposta
+por um romeiro sincero no altar da
+amizade antiga. Intitulam-se:<span class="pn">{11}</span></p>
+
+
+<blockquote>
+
+<p>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;<b>A FORMIGA</b></p>
+
+<p>Oh! que grande cobardia<br>
+Esta em que eu ia cahindo!<br>
+Pobre formiga, fugia!<br>
+Com que pressa ia fugindo<br>
+Toda cheia de canseira,<br>
+Por haver roubado da eira<br>
+De loiro trigo um só bago!<br>
+E eu de entretido que ia<br>
+Por um triz que a não esmago!</p>
+
+<p>Sem querer, era cobarde.<br>
+Mas juro por minha fé<br>
+Que passava mal a tarde<br>
+Se lhe tenho posto o pé.</p>
+
+<p>Que a formiga é tão activa.<br>
+Tão mansa e laboriosa,<br>
+Do seu trabalho captiva,<br>
+Do seu viver cuidadosa!<br>
+Passa e não deixa um vestigio!<br>
+Não mancha as folhas da rosa!<br>
+Chega mesmo a ser prodigio<br>
+Que um tão pequenino insecto<br>
+Que se arrasta aos pés da gente,<br>
+Trabalhe tão diligente,<br>
+Tão delicado e discreto!</p>
+
+<p>Ha insectos bem maiores<br>
+Que vivem na mandriice,<br>
+São panreas, são mandriões,<br>
+E dizem co'os seus botões<br>
+Que o trabalhar é tolice.<span class="pn">{12}</span></p>
+
+<p>A cigarra é cantadeira,<br>
+Não faz nada a descuidosa.<br>
+Por mais que a gente a condemne.<br>
+Até o bom Lafontaine<br>
+Lá lhe chamou preguiçosa.<br>
+Nem assim se envergonhou!<br>
+Vive inda entregue á cantiga!<br>
+Canta, cantará, cantou...<br>
+E talvez até que diga<br>
+Vendo a formiga cansada,<br>
+Tão activa e carregada:<br>
+«Ora a tola da formiga!»</p>
+
+<p>Mas a formiga, coitada!<br>
+Tão pequenita, que até<br>
+De qualquer criança o pé<br>
+A deixa logo esmagada,<br>
+Vae lidando a sua lida,<br>
+Soffrendo a sua canseira:<br>
+Aqui vence uma barreira<br>
+&mdash;Alguma hervinha mimosa!&mdash;<br>
+Ali transpõe um barranco,<br>
+Uma montanha altrerosa,<br>
+&mdash;Qualquer seixosito branco!</p>
+
+<p>Corre risco de afogar-se<br>
+No oceano temeroso<br>
+De qualquer gota de orvalho!<br>
+Eu, quando a vejo arrastar-se<br>
+No seu lidar canseiroso,<br>
+Bemdigo n'ella o Trabalho.</p>
+
+<p>E escuto uma voz amiga<br>
+Que me diz, vendo-a passar:<br>
+«Tu és irmão da formiga<br>
+«Na condição do lidar.»<span class="pn">{13}</span></p>
+
+<p>O mundo é vasto, é enorme<br>
+E os grandes formam-n'o todo!<br>
+O rico descansa e dorme<br>
+Tendo delicias a rodo.<br>
+D'esta rêde de grandeza<br>
+Só rompe o espesso tecido<br>
+O pobre que na pobreza<br>
+Fôr do mais pobre doído.</p>
+
+<p>Lida a formiga, trabalha<br>
+E á força de trabalhar<br>
+Consegue que a dura malha<br>
+Ceda para ella passar.</p>
+
+<p>«O que tu tens feito é isto.<br>
+&mdash;Diz da consciencia a voz sã,<br>
+Sempre sincera e amiga&mdash;<br>
+«Deixa passar a formiga,<br>
+«Que a formiga é tua irmã.»</p>
+
+<p>«Grande gloria o vencel-a<br>
+«Quando co'um bago de trigo<br>
+«Vae passando carregada!<br>
+«Vaidade! havia de tel-a<br>
+«O grande que te esmagasse<br>
+«Na tua lide suada!»</p>
+
+<p>Deixae que a formiga passe<br>
+Evitando o mar-orvalho<br>
+E a cordilheira-pedrinha.<br>
+A formiga é o Trabalho...<br>
+Poupai-a, se ella caminha.<span class="pn">{14}</span></p>
+
+<p>Sem querer, era cobarde,<br>
+Mas juro por minha fé<br>
+Que passava mal a tarde<br>
+Se lhe tenho posto o pé.</p>
+</blockquote>
+
+<p>Mais adiante ouvimos o estrondo de
+morteiros ao longe.</p>
+
+<p>O Bernardo explicou:</p>
+
+<p>&mdash;É alguma romariasita em Villa Nova
+(Famalicão).</p>
+
+<p>Passado o Pinheiro Torto, avistamos,
+finalmente, as torres do mosteiro de Landim.</p>
+
+<p>&mdash;Ainda bem! disse eu.</p>
+
+<p>&mdash;D'aqui a Seide é um pulo.</p>
+
+<p>&mdash;Desconfio sempre, objectei, da rapidez
+dos pulos que os senhores dão cá pela
+provincia.</p>
+
+<p>&mdash;Não, senhor. Estamos aqui, estamos
+lá.</p>
+
+<p>&mdash;Que tempo?</p>
+
+<p>&mdash;Um quarto de hora, quando muito.</p>
+
+<p>No topo de uma calçada, das Mesuras
+se chama ella, levanta-se o mosteiro de Landim.
+Eu não podia perder tempo a vêr a
+egreja; mas disse-me depois Camillo que
+nada tinha de notavel.</p>
+
+<p>Ao passarmos n'um vasto carvalhal<span class="pn">{15}</span>
+sombrio, o Bernardo do João de Deus explicou:</p>
+
+<p>&mdash;Aqui, pela senhora das Candeias, a
+dois de fevereiro, faz-se um mercado que
+mette gente em barda. E todo esse povoleo
+vae cahir além n'aquella venda a comer e
+a beber.</p>
+
+<p>Olhei. Á porta de uma taberna, sentados
+á sombra de uma ramada, quatro homens
+conversavam na sorna placidez dos
+ocios domingueiros. É a <em>Casa Havaneza</em>
+do sitio&mdash;com menos tabaco, mas talvez
+com mais animação: a venda do José Maria,
+successor do Fanha.</p>
+
+<p>Que fresca e encantadora graça a d'um
+grupo de crianças, todas ellas loiras e sujas,
+que brincavam a uma sombra, á beira
+da estrada, no sitio das Campas! Se as lavassem,
+se as penteassem, ficariam mais
+fidalgas; mais bellas e graciosas, não.</p>
+
+<p>O calculo do Bernardo fôra excedido no
+duplo. Tinha passado cêrca de meia hora,
+quando elle me disse:</p>
+
+<p>&mdash;O senhor vê aquellas casas? Pois a
+quinta de Seide fica logo ao pé.</p>
+
+<p>Senti precipitar-se no meu coração uma
+onda de sangue; era a commoção da alegria.<span class="pn">{16}</span></p>
+
+<p>Desembocamos, finalmente, n'um largo
+sobre o qual abre o portão azul da quinta
+de S. Miguel de Seide. O arvoredo espreita
+para fóra por cima do muro. Ladeámos a
+casa, de dois andares, pintada de amarello,
+e entramos pela porta de serviço, onde um
+criado me esperava.</p>
+
+<p>Passei ao vasto pateo, que vi de relance,
+para subir a escada de pedra, que uma trepadeira
+de cachos brancos enflora, e uma
+copada acacia assombreia.</p>
+
+<p>Esta acacia tem uma historia triste.
+Fora plantada pelo melancolico Jorge, o
+filho mais velho de Camillo, que eu ainda
+conheci ao collo da ama, e que momentos
+depois ia vêr.</p>
+
+<p>Haverá pouco mais de um mez que todos
+os jornaes do paiz reproduziram duas
+quadras de Camillo, as quaes foram publicadas
+na <em>Alvorada</em>, periodico litterario de
+Villa Nova de Famalicão. N'essas duas
+bellas estrophes, que se devem considerar
+como morbida phantasia de um espirito desalentado,
+ha uma referencia maviosa a esta
+frondosa acacia que o Jorge plantára aos
+oito annos de idade:<span class="pn">{17}</span></p>
+
+<blockquote>
+<p>Á porta do sepulcro, ainda volto a face<br>
+Para vêr-te chorar, ó mãe do filho amado,<br>
+Que vê como n'um sonho, a scena do trespasse...<br>
+Sorver-lhe o eterno abysmo o pae idolatrado.</p>
+
+<p>Talvez que elle, <em>a sonhar</em>, te diga: «Mãe, não chore,<br>
+Que o pae ha de voltar»... Quem sabe se virei?!<br>
+Quando a Acacia do Jorge ainda outra vez inflore<br>
+Chamae-me, que eu de abril nas auras voltarei.</p>
+</blockquote>
+
+<p>O visconde de Correia Botelho, ouvindo
+a minha voz, viera receber-me, acompanhado
+pelo sr. Espinho, seu hospede, á
+porta da casa do bilhar.</p>
+
+<p>&mdash;É uma visita posthuma! dissera elle,
+abrindo para mim os braços affectuosamente.</p>
+
+<p>Dei-me pressa em protestar contra esta
+phrase devida ao desalento de um trabalhador
+infatigavel, que ha mezes se acha condemnado
+á inercia por um deploravel accidente
+que lhe nublou os olhos já cansados
+de uma diuturna applicação.</p>
+
+<p>Para os que amam o trabalho, os ocios
+forçados são cansativos e molestos. Pareceu-me
+ser esta a maior enfermidade de
+Camillo actualmente. Se elle podesse trabalhar,
+escrever um dos seus bellos romances
+em quinze dias, como tantas vezes fizera,<span class="pn">{18}</span>
+se conseguisse por esse meio arrancar-se
+á intuscepção meditativa em que o
+seu espirito se concentra, tel-o-iamos de
+novo forte na sua fraqueza, robusto no seu
+cansaço.</p>
+
+<p>Mas uma pertinaz nebrina teima em
+ennevoar-lhe a visão; é de esperar porém
+que a medicina consiga debellar este incommodo
+e restituir o eminente romancista
+á sua banca do trabalho, que lá está saudosa
+no escriptorio de Seide, recordando a
+quem a vê que nem menos de cincoenta e
+dois romances foram escriptos ali.</p>
+
+<p>Ao lado de Camillo, compartindo os seus
+soffrimentos com uma dedicação heroica,
+acompanhando-o com uma solicitude extremosa
+de carinhos, destaca o vulto esculptural
+d'essa intelligente e formosa senhora
+que tão bem soube comprehender a grande
+alma de Camillo nas sublimes melancolias
+dos seus dias nublados e nas vibrantes alegrias
+dos seus dias ridentes.</p>
+
+<p>Jorge, o filho mais velho de Camillo, é
+um espirito dado a vagas tristezas; mas
+atravez de um véo de lagrimas, que ás vezes
+lhe marejam nos olhos e nas palavras,
+descobre-se um talento omnimodo, rico especialmente<span class="pn">{19}</span>
+de aptidões artisticas. Jorge é
+poeta, é prosador, é musico e desenhista.
+Eu devo-lhe a amabilidade de me ter offerecido
+muitos dos esboços que enchem a
+sua pasta; alguns d'elles teem subido valor,
+porque são o retrato a <em>crayon</em> dos personagens
+creados por seu pae no <em>Eusebio
+Macario</em>: o <em>Fistula</em>, o <em>Barão do Rabaçal</em>,
+o <em>Abbade de S. Thiago de Faya</em>, a <em>Troncha</em>,
+o proprio <em>Eusebio</em>.</p>
+
+<p>Nuno, o viuvo, tem vinte annos: é o
+pae da innocente criança cuja prematura
+morte deixou aberto no coração do visconde
+de Correia Botelho o vácuo profundo
+da saudade.</p>
+
+<p>Camillo fallara-me da sua querida netinha&mdash;a
+candida flôr que durara o que duram
+as rosas, apenas uma aurora.</p>
+
+<p>&mdash;Aqui estou, dissera Camillo, na solidão
+da aldeia, rodeado de arvores melancolicas,
+e de pensamentos tão melancólicos
+como as arvores. É notavel, acrescentara,
+a febre de saudade com que o meu espirito
+vae, pelo passado dentro, á procura de pessoas
+que são já mortas, e com as quaes
+aliaz eu tive ligeiras relações litterarias ou
+pessoaes. É revolvendo memorias que o<span class="pn">{20}</span>
+meu espirito trabalha e descansa... Tudo
+isto faz profundamente triste esta casa,
+onde prematuramente se apagou o unico
+raio de sol que podia rarefazer as trevas.</p>
+
+<p>É ainda ao periodico <em>Alvorada</em> que eu
+vou procurar estancias lacrimaveis do avô
+saudoso e angustiado. Duas quadras&mdash;tambem
+duas quadras&mdash;de uma belleza peregrina,
+que só a saudade de um anjo póde
+inspirar:</p>
+
+<blockquote>
+<p>Parecia dormitar: tinha morrido.<br>
+Pedi que a não levassem no caixão;<br>
+Que a deixassem mirrar e desfazer-se<br>
+Como a flor se desfaz sem podridão.</p>
+
+<p>Teimaram em levar-m'a, e eu cingi-a<br>
+Ao peito que se abriu pela pressão;<br>
+Depois pude escondel-a, e tenho-a morta<br>
+No meu despedaçado coração.</p>
+</blockquote>
+
+<p>Aproveitei o ensejo de dizer-lhe:</p>
+
+<p>&mdash;Para os que nunca deixaram de o lêr,
+e o sabem comprehender, meu bom amigo,
+não passa despercebido esse novo caudal
+de sentimento que dá aos seus escriptos
+mais recentes o encanto dolorido de uma
+saudade vaga e vaporosa como um subtil
+aroma que se derrama pelo ambiente da<span class="pn">{21}</span>
+memoria... Pois bem, aproveite esta nova
+phase do seu poderoso talento, as tintas
+deliciosas que uma copiosa revivescencia
+de sensibilidade põe n'este momento na
+sua palheta de artista, e escreva um romance
+de amor, sem preoccupações de enredo,
+ouvindo-se a si proprio; condense
+n'um livro, que deve sahir encantador, todas
+essas fragrancias que se perdem no
+silencio meditativo do seu espirito...</p>
+
+<p>&mdash;Não posso, respondeu Camillo, não
+poderia arrancar sensações de mim proprio
+sem um esforço fatigante. Um trabalho
+d'essa ordem deixar-me-ia exhausto de forças.
+Eu sentia os meus romances, e foram
+muitos os que escrevi. Só d'aquella banca,
+que ali está, sahiram cincoenta e dois.</p>
+
+<p>Conversavamos no escriptorio, que fica
+no segundo andar. É uma sala vasta, luminosa:
+tres ou quatro largas janellas abrem
+sobre a quinta.</p>
+
+<p>N'este mesmo andar tem Camillo o seu
+quarto de cama. A ramagem da <em>acacia do
+Jorge</em> e a folhagem da trepadeira combinam-se
+para coar atravez de esmeraldas
+uma penumbra suave.</p>
+
+<p>No primeiro andar ha duas salas: a do<span class="pn">{22}</span>
+bilhar em que se encontram retratos de familia;
+o retrato de Herculano, e o de D.
+Frei Bartholomeu dos Martyres, desenhado
+pelo Jorge;&mdash;e a casa de jantar, cujas janellas
+dão para o pateo, a que já tive occasião
+de me referir, sem comtudo pagar o meu
+feudo de gratidão, como devia, ao pecegueiro
+frondoso cujos bellos maracotões eu
+agradeci, ha annos, nas chronicas que por
+esse tempo escrevia para o <em>Diario Illustrado</em>.</p>
+
+<p>Fica perto do predio, e á esquerda do
+portão de entrada, o monumento que a proprietaria
+d'esta agradavel vivenda ali mandara
+erigir em honra de Castilho. Essa singela
+pyramide de granito, sombreada de
+copadas arvores, tenho-a aqui reproduzida,
+diante de mim, tambem pelo lapis de Jorge.</p>
+
+<p>Foi penetrado de commovido respeito
+que eu li a inscripção posta n'esse simples
+monumento, tão eloquente na sua simplicidade:<span class="pn">{23}</span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p class="centrado">ANTONIO<br>
+FELICIANO<br>
+DE<br>
+CASTILHO<br>
+PRINCIPE<br>
+DA LYRA<br>
+PORTUGUEZA<br>
+ESTEVE<br>
+N'ESTE LUGAR<br>
+EM 15 DE JULHO<br>
+DE 1866.<br>
+MANDOU ERIGIR<br>
+ANNA PLACIDO</p>
+
+<p>E na face que fica voltada para o muro:</p>
+
+<p class="centrado">COM<br>
+OS SEUS<br>
+DISCIPULOS<br>
+THOMAZ RIBEIRO<br>
+EUGENIO<br>
+DE CASTILHO,<br>
+J. C. VIEIRA DE CASTRO,<br>
+C. C. BRANCO.</p>
+
+<p>Castilho assistiu á inauguração do seu
+proprio monumento, e os filhos de Camillo,<span class="pn">{24}</span>
+então duas crianças, offereceram ao poeta
+venerando, em seu nome, a corôa poetica
+que para essa commovente festa de familia
+entretecera a lyra enthusiastica de Thomaz
+Ribeiro:</p>
+
+<blockquote>
+<p>Por entre cantos e flores<br>
+chegaste, rei da poesia,<br>
+como um clarão d'alegria<br>
+jorrando em mansão d'amores.</p>
+
+<p>Onde ha rei, ha sceptro e solio!<br>
+Rei, vimos trazer-te a c'rôa.<br>
+Tens maior côrte em Lisboa,<br>
+não tens melhor capitolio.</p>
+
+<p>Somos de troncos robustos<br>
+os loiros, os tenros gomos.<br>
+Das flores surgirão pomos?<br>
+Se Deus regar os arbustos!</p>
+
+<p>Porque és grande, hão de os vindoiros<br>
+dar-te a sagração dos hymnos;<br>
+porque és bom para os meninos,<br>
+toma esta c'rôa de loiros.</p>
+
+<p>Nossa c'rôa e nossas flores<br>
+guarda em saudosa memoria;&mdash;<br>
+o monumento é da gloria;<br>
+a c'rôa é só dos amores.<span class="pn">{25}</span></p>
+
+<p>Vaes partir! leva-a comtigo,<br>
+e jura por teus carinhos<br>
+que, em nós já sendo homenzinhos,<br>
+serás nosso mestre e amigo.</p>
+</blockquote>
+
+<p>Que de recordações melancolicas a inscripção
+do monumento e os versos de Thomaz
+Ribeiro fizeram accordar na minha
+alma!</p>
+
+<p>Castilho, o poeta ali coroado n'aquella
+apotheóse tão modesta e tão gloriosa, vi-o
+eu descer ao seio da terra, que elle tanto
+amava&mdash;no seu pantheismo intuitivo de cego
+ariolo&mdash;ao cahir de uma tarde serena e
+triste, no cemiterio dos Prazeres, em Lisboa.</p>
+
+<p>Rodrigues Cordeiro, com a voz entrecortada
+de lagrimas e soluços, dissera-lhe,
+em nome de todos aquelles que o amavam
+como mestre e amigo, o extremo adeus.
+Depois, a pedra do jazigo cerrou-se, a barreira
+da eternidade ergueu-se.</p>
+
+<p>A noite descia lentamente.</p>
+
+<p>As crianças das escolas da capital, que
+tinham ido acompanhar ao cemiterio o cadaver
+d'aquelle que para ellas inventara o
+<em>Methodo repentino</em>, d'aquelle que as ensinara
+a gorgeiar o alphabeto&mdash;porque Castilho<span class="pn">{26}</span>
+reconhecera que os pequenos precisam
+ser educados como se foram passaros&mdash;as
+crianças, dizia eu, tendo mais a intuição
+do que a consciencia da perda enorme que
+acabavam de soffrer, retiravam arregimentadas,
+duas a duas, em longas filas, com
+os olhos no chão, n'um silencio triste e
+n'um passo cadenciado.</p>
+
+<p>Pouco tempo antes, e em mais de uma
+noite, eu acompanhara Castilho ao camarote
+n.º 19 do theatro de D. Maria durante
+as representações do <em>Tartufo</em>. Logo que o
+panno cahia, desciamos ao palco a passar
+os intervallos no camarim do actor Santos,
+que o visconde de Castilho muito apreciava.
+Castilho, um morto! Santos, um cego! Estas
+maguadas recordações travam-se no
+meu espirito como os élos de uma cadeia
+de saudades que o confrangem.</p>
+
+<p>Eugenio de Castilho nunca o vi; está
+algemado ao leito ha muitos annos. Mas
+correspondi-me com elle por intermedio de
+seu pae, do Porto para Lisboa, quando
+emprehendeu publicar um jornalsinho litterario,
+que me parece ter-se chamado a <em>Folha
+dos curiosos</em>, e me pedia versos que eu
+lhe mandava, orgulhoso do pedido.<span class="pn">{27}</span></p>
+
+<p>Vieira do Castro, talvez o mais desgraçado
+de todos, conheci-o pela primeira vez
+no Porto, na sala da sociedade <em>Patria e
+familia</em>, durante um sarau litterario em que
+eu ousei, na sua presença, e na de todo
+um auditorio muito selecto, recitar um pequeno
+discurso que ahi corre impresso entre
+a minha insignificante bagagem de escriptor.</p>
+
+<p>Elle habitava n'esse tempo o antigo mosteiro
+de Moreira, a dois passos do Porto,
+e publicava o opusculo <em>A Republica</em>. Era
+casado e feliz. Chamava-se-lhe então o primeiro
+orador portuguez, successor de José
+Estevam. Tinha sido deputado, creio mesmo
+que o era. Seria ministro de qualquer
+pasta no dia seguinte. E quando todos esperavam
+vel-o chegar aos conselhos da corôa,
+vimol-o partir para o degredo, depois
+de haver tropeçado no cadaver da esposa
+que assassinara.</p>
+
+<p>O desgraçado assistira á sua propria
+queda, que fôra das mais estrondosas em
+que a curiosidade publica se tem cevado.</p>
+
+<p>O meu thema, as <em>Flores</em>, era um pretexto
+para fallar do amor. Procurei provar,
+com mais imaginação do que sciencia, que<span class="pn">{28}</span>
+as flores se entendiam amorosamente como
+as almas. As senhoras applaudiam. Os homens
+sorriam. Vieira de Castro, sempre
+poeta, abraçara-me. E eu, no dia seguinte,
+dei uma pessima lição em botanica elementar
+ao professor Almeida Pinto, do lyceu.</p>
+
+<p>Os filhos de Camillo foram <em>homenzinhos</em>,
+segundo a phrase de Thomaz Ribeiro.
+Hoje são homens. Mas Castilho já lhes
+não alcançára o penujar do buço. E se elle
+vivesse ainda, talvez que o melancolico
+Jorge, concentrado e sonhador, entendesse
+melhor do que ninguem, por os amigos silencios
+da lua, em S. Miguel de Seide, alguma
+trova do <em>Amor e melancolia</em> que o
+poeta Castilho viesse de Lisboa ali recitar
+n'aquellas sombras placidas que aprenderam
+a venerar o seu nome em torno do monumento
+singelo.</p>
+
+<p>Thomaz Ribeiro, o eloquente interprete
+dos filhos de Camillo na aurea côrtesinha
+litteraria que Castilho encontrara em S.
+Miguel de Seide, é em 1885 como era 1866
+um poeta cuja inspiração roça as azas pela
+lagoa sombria da politica sem afundar-se,
+do mesmo modo que as andorinhas, pelas<span class="pn">{30}</span>
+calmas da canicula, esvoaçam sobre a corrente
+de um rio sem mergulhar.</p>
+
+<p>Logo que pôde desbragar-se de uma
+pasta, respira em verso. N'este momento
+está saboreando o goso da liberdade litteraria
+no seu periodico <em>As Republicas</em>, em
+que os relampagos da poesia rasgam luminosamente
+o horisonte caliginoso do artigo de fundo.
+Não contente de poetar elle proprio,
+apadrinhou o alvitre de abrir <em>oiteiro</em>
+semanal onde versejadores adventicios concorram
+a glosar trovas populares, como
+esta:</p>
+
+<blockquote>
+<p>Vi-te sahir mar em fóra,<br>
+Ceguei, olhando esse mar,<br>
+Porque me disseste:&mdash;espera!<br>
+Se não tinhas de voltar?</p>
+</blockquote>
+
+<p>E o mais é que, pelo prestigio da sua
+auctoridade, consegue tentar aquelles mesmos
+que, na milicia de Apollo, estão relegados
+a segunda reserva. Tentei-me eu, e
+sou d'esses. Mas já que este livrinho é de
+memorias para a velhice, fique mais esta
+guardada no archivo da saudade:<span class="pn">{30}</span></p>
+
+
+<blockquote>
+
+<p>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;<b>GLOSAS</b></p>
+
+<p>(A THOMAZ RIBEIRO)</p>
+
+<p>Vi-te sahir mar em fóra,<br>
+E a saudade que eu senti<br>
+Rasgou-me o peito n'ess'hora<br>
+Em que chorava por ti.<br>
+A ausencia tem tantas maguas,<br>
+Tão soffrida heroecidade,<br>
+Tanto resiste quem chora,<br>
+Que eu puz os olhos nas aguas<br>
+E, sem morrer de saudade,<br>
+Vi-te sahir mar em fóra.</p>
+
+<p>Ceguei olhando esse mar<br>
+Pleito de ondas e de abrolhos.<br>
+Mas que importa a luz dos olhos,<br>
+Se não tenho a quem olhar?...<br>
+Tanto a vista me prenderam<br>
+As ondas que tu sulcavas,<br>
+Que os olhos escureceram<br>
+No rumo em que navegavas.<br>
+E assim por ti a chorar,<br>
+Ceguei olhando esse mar.</p>
+
+<p>Porque me disseste: espera!<br>
+Na hora extrema, derradeira,<br>
+Se já veio a primavera,<br>
+Se já floriu a amendoeira,<br>
+E tu não voltaste ainda?!<br>
+Se este mal era sem cura,<br>
+Se tinha de ser infinda<br>
+A dôr que me dilacera,<br>
+A ausencia que me tortura,<br>
+Porque me disseste: espera?!<span class="pn">{31}</span></p>
+
+<p>Se não tinhas de voltar,<br>
+Melhor eu morresse alli;<br>
+Que mais valia acabar,<br>
+Que ter de viver sem ti.<br>
+Não ha força que resista<br>
+Á dôr que nunca descança.<br>
+Tivesse eu perdido a vista,<br>
+Mas não perdesse a esperança.<br>
+Bem feliz acabaria<br>
+Alli, á beira do mar,<br>
+Se soubesse o que seria,<br>
+Se não tinhas de voltar.</p>
+</blockquote>
+
+<p>Ás quatro horas da tarde, a amabilissima
+auctora da <em>Luz coada por ferros</em> perguntava-me
+se eu, sacrificando os meus
+habitos lisbonenses, seria capaz de jantar
+áquella hora.</p>
+
+<p>&mdash;Em Seide, respondera Camillo, janta-se
+sempre.</p>
+
+<p>Fomos para a meza, em cujo <em>plateau</em>
+verdejavam as fructas mais escolhidas da
+quinta, e em cujo ambiente os acipipes succolentos
+de uma boa cosinha de provincia
+punham os aromas de um excellente jantar.</p>
+
+<p>Camillo estivera silencioso durante alguns
+momentos. Mas eu procurara envolvel-o
+na conversação. Fallava-se dos seus
+romances. É difficil escolher o melhor entre
+os bons; mas eu pretendi negar a primasia
+do <em>Romance de um homem rico</em>, por<span class="pn">{32}</span>
+saber, desde muito tempo; que Camillo o
+prefere ao <em>Amor de perdição</em>. Todos nós
+desejavamos fazel-o interessar pelo assumpto.
+Foi pois em defeza do <em>Amor de perdição</em>
+que eu pugnei.</p>
+
+<p>&mdash;O <em>Amor de perdição</em>, observara finalmente
+Camillo, tem lacunas que eu proprio
+reconheci, e não quiz preencher. Disse-o
+por essa occasião ao dr. Marcellino de
+Mattos. Mas o meu proposito foi não alterar
+a veracidade dos acontecimentos que
+se encadeavam na dramatica biographia
+de meu tio Simão Botelho. Escrevi sobre a
+tradição, respeitando-a como um evangelho
+de familia. No <em>Romance de um homem rico</em>
+tive um ponto de vista artistico, planeei e
+architectei, colori em vez de photographar.
+Eis aqui a razão da minha preferencia dada
+ao <em>Romance de hum homem</em> rico sobre o
+<em>Amor de perdição</em>.</p>
+
+<p>Não me dispensei comtudo de recordar
+a profunda impressão que este ultimo romance
+produzira em todos os corações
+moços d'aquelle tempo ou nos que pelo
+amor rejuvenesciam. Desvelavam-se as noites
+na febre da leitura, e reliam-se as paginas
+mais sentimentaes nas horas de namorada<span class="pn">{33}</span>
+tristeza. Cada qual pedia para si a corôa
+de espinhos de Simão Botelho, de Thereza
+ou de Marianna, a auréola da poesia
+nas angustias do amor. Amar é soffrer. E
+aquelle livro fallava pelos que soffriam. Se
+a tua dôr te afflige, faze d'ella um poema,
+disse Goethe. Ora aquelle romance de Camillo
+era o poema em que se fundiam as
+dores de todas as almas excruciadas pelo
+amor; era o romance de tres, e o poema
+de todos.</p>
+
+<p>No recolhimento das Orphãs, a S. Lazaro,
+uma das pobres meninas ali encarceradas
+entre as grades de ferro que nos ultimos
+annos foram sensatamente arrancadas,
+lia o <em>Amor de perdição</em>, a occultas da regente,
+entreabrindo a gaveta da sua cómmoda
+apenas o bastante para alcançar com
+a vista o espaço de uma pagina. Lia de pé,
+e fechava com sobresalto a gaveta quando
+sentia passos. O livro nunca foi surprehendido,
+mas as lagrimas que a leitura originava,
+muitas vezes o foram. A regente, D.
+Maria das Dores, via chorosos os olhos da
+menina, e perguntava-lhe porque chorava.</p>
+
+<p>&mdash;É que estou triste, respondia a educanda.<span class="pn">{34}</span></p>
+
+<p>Mas as tristezas dava-lh'as a leitura fortuita
+do romance de Camillo.</p>
+
+<p>Favorecia-me na apologia do <em>Amor de
+perdição</em> o voto auctorisado da intelligente
+e illustrada dona da casa, que depois nos
+recordou a belleza do romance <em>O Esqueleto</em>.
+Eu citei por minha vez <em>A agulha em
+palheiro</em>, e a <em>Sereia</em>, romance que tem
+para mim um valor especial, porque reune
+para a minha saudade os nomes de Camillo
+Castello Branco e José Gomes Monteiro.
+O primeiro capitulo é baseado sobre um
+artigo de Monteiro ácerca do antigo theatro
+lyrico do Porto, no Corpo da Guarda.</p>
+
+<p>Accresce que o meu exemplar da <em>Sereia</em>
+tem uma historia curiosa. Na capa, sobre
+o titulo, ha uma pequena mancha de tinta,
+que tomou a forma caprichosa de um polygono
+estrellado. Um dia, sem que eu soubesse
+como, desappareceu-me da estante;
+foram baldados todos os esforços para encontral-o
+no meu escriptorio. Querendo preencher
+a falta da <em>Sereia</em> na collecção das
+obras de Camillo, resolvi-me a comprar um
+novo exemplar. Mas a suspeita de ter sido
+roubado, fazia com que eu relanceasse a
+vista por todos os romances portuguezes<span class="pn">{34}</span>
+que encontrava á venda nas lojas de livros
+em segunda mão.</p>
+
+<p>Passaram mezes, e um dia, n'uma d'essas
+lojas, na rua Augusta, encontrei um
+exemplar da Sereia. Tirei-o da estante: era
+o meu! Na capa amarella, sobre o titulo, o
+polygono estrellado, o borrão! Perguntei
+quanto custava. Trezentos reis, respondeu
+o alfarrabista. Paguei sem discutir. Depois
+de ter pago, perguntei-lhe:</p>
+
+<p>&mdash;Lembra-se de quem lhe vendeu este
+livro?</p>
+
+<p>O alfarrabista quedou-se a evocar as
+suas recordações.</p>
+
+<p>Mas devo suppôr que não poude lembrar-se.</p>
+
+<p>Depois de jantar, viemos sentar-nos nos
+bancos do pateo. A tarde estava serena; as
+folhas das arvores immoveis. O visconde
+de Correia Botelho, fumando o seu charuto,
+conversava animado. Lembrei-lhe que
+fosse passar o inverno em Lisboa, entre os
+muitos amigos e admiradores que ali tem.
+O clima, menos rigoroso que o do norte,
+deve convir aos seus padecimentos. Camillo
+não repelliu o alvitre. Mas o projecto de
+viagem ficou para segunda leitura, quando<span class="pn">{35}</span>
+eu voltasse a Seide para despedir-me. Comprometti-me
+gostosamente a fazel-o, e espero
+cumprir.</p>
+
+<p>A tarde declinava n'uma suavidade dormente.
+Os passaros cantavam no arvoredo
+da quinta, n'uma festa de lyrismo primitivo.
+Junto ao monumento de Castilho condensava-se
+uma sombra silenciosa, como
+se as aves não poisassem n'aquelle recinto
+senão para chorar o poeta que as cantara.</p>
+
+<p>Eram horas de partir. Os meus amaveis
+hospedeiros, e os seus hospedes, vieram
+acompanhar-me ao portão da quinta. O
+visconde procurara apoio no meu braço,
+ao passo que a sr.ª D. Anna Placido colhia
+para mim algumas flores do seu jardim,&mdash;recordação
+inestimavel da minha visita a
+Seide.</p>
+
+<p>Fóra do portão esperavam respeitosamente
+o Bernardo do João de Deus e a
+garrana. Ambos pareciam satisfeitos: elle
+porque trazia mais vinho verde no estomago,
+ella porque tinha menos moscas
+no pescoço. As moscas do Minho já eu
+disse que são formidaveis, porque lhes
+senti, por endosso da garrana, a dolorosa
+ferroada. O vinho verde de S. Miguel de<span class="pn">{36}</span>
+Seide é de se lhe tirar o chapeu, mesmo
+para que o chapeu não caia da cabeça caso
+a gente se tenha desmandado nas libações.
+É excellente e, por ser encorpado, deve
+trepar:&mdash;pelo menos, o Bernardo do João
+de Deus foi d'esta opinião.</p>
+
+<p>Antes de montar, pedi a Camillo que se
+não risse da minha impericia de cavalleiro.</p>
+
+<p>&mdash;Quem lhe dera essa garrana no Chiado!
+dissera jovialmente Camillo.</p>
+
+<p>&mdash;Piedade! exclamei eu sobre o sellim.</p>
+
+<p>A garrana, comprehendendo melhor as
+minhas intenções do que as minhas esporas,
+partiu.</p>
+
+<p>Eu parti com ella, e o Bernardo do João
+de Deus na alheta de ambos.</p>
+
+<p>Em Landim, na venda do José Maria,
+conversavam os mesmos quatro homens.</p>
+
+<p>De algumas casas subia placidamente o
+fumo do lar accêso para a ceia. Em outras,
+ouvia-se fallar mulheres, chorar crianças.
+Alguma cabeça loira, sentindo os passos
+da garrana, vinha espreitar á janella.</p>
+
+<p>Pouco adiante das Campas, dois bois
+corpulentos, largamente armados, pastavam
+em liberdade, com o ar de estarem já
+bem fartos de pascigo.<span class="pn">{38}</span></p>
+
+<p>Á medida que nos aproximavamos de
+Santo Thyrso, iamos encontrando os ranchos
+dos romeiros que voltavam do arraial
+da Trofa. A viola minhota, chuleira e folgasã,
+cadenciava a caminhada n'um andamento
+militar, como os rufos de um tambor
+regulam o passo largo e unisono dos
+soldados de um destacamento em marcha.
+O tocador, pendida a cabeça sobre o peito,
+sacudia a mão direita fortemente pelas cordas,
+n'um repenicado estridulo. O caminho
+de ferro de Bougado alliviara os romeiros
+da fadiga da jornada. Iam frescos
+como se tivessem bebido menos e descansado
+mais.</p>
+
+<p>Que diriam os benedictinos de Santo
+Thyrso se podessem resuscitar, e, debruçados
+no muro da cêrca, vissem desenrolar-se
+por sobre o arvoredo fronteiro a
+pluma ondulante do fumo da locomotiva?!</p>
+
+<p>Elles viveram ali entrincheirados entre
+a villa, que engrandeciam, e o rio, que os
+deliciava. De um lado, as moçoilas carnudas
+e carnaes; do outro, os rouxinoes devaneiadores
+da beira d'agua. De portas a
+dentro, a cosinha e o coro. Tudo aquillo<span class="pn">{39}</span>
+era d'elles, os frades, senhores suzeranos
+das localidades que povoavam,&mdash;directa e
+indirectamente. O caminho de ferro é um
+invasor audacioso, que passa esmagando e
+rompendo. Os frades, se agora podessem
+ouvir-lhe o silvo triumphal, gritariam <em>á d'el-rei</em>
+contra o progresso, apitariam contra a
+machina a vapor.</p>
+
+<p>No relogio dos destinos humanos ha
+uma hora providencialmente marcada para
+tudo o que principia e acaba. De modo
+que, por uma sabia organisação superior á
+nossa intelligencia, tudo principia e acaba
+quando deve principiar e acabar. Ao frade
+que comboyava as almas para o ceu, succedeu
+opportunamente a locomotora que
+passa comboyando passageiros para Guimarães.
+Deus é grande!</p>
+
+<p>Era noite fechada quando entrei em
+Santo Thyrso. Valeu-me a escuridão ao
+desprimor da gineta. Não havia espectadores,
+e a garrana alargava o passo, contente
+de se vêr perto de casa. Apeei, entregando
+a chibata ao Bernardo do João de Deus,
+que me perguntou:</p>
+
+<p>&mdash;E que tal, a garrana? Não dizia eu
+que era segura?<span class="pn">{40}</span></p>
+
+<p>&mdash;Mais seguro do que isto, respondi,
+só o Banco de Portugal.</p>
+
+<p>Elle não entendeu; por isso, riu.</p>
+
+<p>E eu recolhi-me com as gratas recordações
+d'esse dia agradabilissimo que passei
+na quinta de S. Miguel de Seide, sob o
+tecto hospitaleiro do primeiro romancista
+portuguez, entre pessoas queridas, e memorias
+saudosas de que tanto haviamos
+fallado.</p>
+
+<p>Santo Thyrso, 21 de agosto de 1885.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p class="assin"><em>Alberto Pimentel.</em></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p class="centrado">LIVRARIA PORTUENSE E PAPELARIA</p>
+
+<p class="centrado">DE</p>
+
+<p class="centrado">LOPES &amp; C.ª <small>SUCCESSORES DE</small> CLAVEL &amp; C.ª</p>
+
+<p class="centrado">EDITORES</p>
+
+<p class="centrado"><em>119&mdash;RUA DO ALMADA&mdash;123</em></p>
+
+<p class="centrado">PORTO</p>
+
+<hr style="width: 25%;">
+
+<p class="centrado">Alberto Pimentel</p>
+
+<p class="centrado">(NO PRELO)</p>
+
+<p><strong>Senhor D. Miguel I</strong>&mdash;a sua vida e o seu tempo.</p>
+
+<p><strong>Rainha sem reino</strong>&mdash;estudo historico do seculo <small>XV</small>.</p>
+
+<strong>Idylios dos reis</strong>&mdash;poema.
+
+<hr style="width: 25%;">
+
+<p class="centrado">Julio Lourenço Pinto</p>
+
+<p><strong>Esthetica naturalista</strong>&mdash;estudos criticos, 1 volume nitidamente impresso em magnifico papel, 700 réis.</p>
+
+<hr style="width: 25%;">
+
+<p class="centrado">Ernesto Pinto d'Almeida</p>
+
+<p><strong>O Sonho de Camões</strong>&mdash;poema posthumo, edição de luxo.
+Não desmentindo em nada a gloria e o merecimento litterario
+do fallecido poeta portuense Ernesto Pinto d'Almeida,
+antes vem agora este poema dar-nos uma medida
+maior do seu estro poetico, 1 volume nitidamente impresso,
+300 réis.</p>
+
+<hr style="width: 25%;">
+
+<p class="centrado">Narciso José de Moraes</p>
+
+<p><strong>Manual de citações camoneanas</strong>&mdash;indicador utilissimo dos melhores conceitos e aphorismos do sublime cantor, Luiz
+de Camões, indispensavel ao estudante e ao novel escriptor
+portuguez, 1 volume, 200 réis.</p>
+
+<hr style="width: 25%;">
+
+<p class="centrado">Alberto Correia</p>
+
+<p><strong>Trémulos</strong>&mdash;um livro de primorosos versos, com o retrato
+do auctor, edição de luxo, 1 volume brochado, 500 réis. (Envia-se franco de porte pelo correio).</p>
+
+<hr style="width: 25%;">
+
+<p class="centrado">J. Leite de Vasconcellos</p>
+
+<p><strong>Balladas do Occidente</strong>&mdash;um volume brochado, 500 réis.</p>
+
+<hr>
+
+<p class="centrado">Preço... 200 réis</p>
+</div>
+
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<hr class="full">
+<p>***END OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK UMA VISITA AO PRIMEIRO ROMANCISTA PORTUGUEZ EM S. MIGUEL DE SEIDE***</p>
+<p>******* This file should be named 35130-h.txt or 35130-h.zip *******</p>
+<p>This and all associated files of various formats will be found in:<br>
+<a href="http://www.gutenberg.org/dirs/3/5/1/3/35130">http://www.gutenberg.org/3/5/1/3/35130</a></p>
+<p>Updated editions will replace the previous one--the old editions
+will be renamed.</p>
+
+<p>Creating the works from public domain print editions means that no
+one owns a United States copyright in these works, so the Foundation
+(and you!) can copy and distribute it in the United States without
+permission and without paying copyright royalties. Special rules,
+set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to
+copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to
+protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. Project
+Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you
+charge for the eBooks, unless you receive specific permission. If you
+do not charge anything for copies of this eBook, complying with the
+rules is very easy. You may use this eBook for nearly any purpose
+such as creation of derivative works, reports, performances and
+research. They may be modified and printed and given away--you may do
+practically ANYTHING with public domain eBooks. Redistribution is
+subject to the trademark license, especially commercial
+redistribution.</p>
+
+
+
+<pre>
+*** START: FULL LICENSE ***
+
+THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE
+PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK
+
+To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free
+distribution of electronic works, by using or distributing this work
+(or any other work associated in any way with the phrase "Project
+Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full Project
+Gutenberg-tm License (available with this file or online at
+<a href="http://www.gutenberg.org/license">http://www.gutenberg.org/license)</a>.
+
+
+Section 1. General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tm
+electronic works
+
+1.A. By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm
+electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to
+and accept all the terms of this license and intellectual property
+(trademark/copyright) agreement. If you do not agree to abide by all
+the terms of this agreement, you must cease using and return or destroy
+all copies of Project Gutenberg-tm electronic works in your possession.
+If you paid a fee for obtaining a copy of or access to a Project
+Gutenberg-tm electronic work and you do not agree to be bound by the
+terms of this agreement, you may obtain a refund from the person or
+entity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8.
+
+1.B. "Project Gutenberg" is a registered trademark. It may only be
+used on or associated in any way with an electronic work by people who
+agree to be bound by the terms of this agreement. There are a few
+things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works
+even without complying with the full terms of this agreement. See
+paragraph 1.C below. There are a lot of things you can do with Project
+Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement
+and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic
+works. See paragraph 1.E below.
+
+1.C. The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation"
+or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project
+Gutenberg-tm electronic works. Nearly all the individual works in the
+collection are in the public domain in the United States. If an
+individual work is in the public domain in the United States and you are
+located in the United States, we do not claim a right to prevent you from
+copying, distributing, performing, displaying or creating derivative
+works based on the work as long as all references to Project Gutenberg
+are removed. Of course, we hope that you will support the Project
+Gutenberg-tm mission of promoting free access to electronic works by
+freely sharing Project Gutenberg-tm works in compliance with the terms of
+this agreement for keeping the Project Gutenberg-tm name associated with
+the work. You can easily comply with the terms of this agreement by
+keeping this work in the same format with its attached full Project
+Gutenberg-tm License when you share it without charge with others.
+
+1.D. The copyright laws of the place where you are located also govern
+what you can do with this work. Copyright laws in most countries are in
+a constant state of change. If you are outside the United States, check
+the laws of your country in addition to the terms of this agreement
+before downloading, copying, displaying, performing, distributing or
+creating derivative works based on this work or any other Project
+Gutenberg-tm work. The Foundation makes no representations concerning
+the copyright status of any work in any country outside the United
+States.
+
+1.E. Unless you have removed all references to Project Gutenberg:
+
+1.E.1. The following sentence, with active links to, or other immediate
+access to, the full Project Gutenberg-tm License must appear prominently
+whenever any copy of a Project Gutenberg-tm work (any work on which the
+phrase "Project Gutenberg" appears, or with which the phrase "Project
+Gutenberg" is associated) is accessed, displayed, performed, viewed,
+copied or distributed:
+
+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
+almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
+re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
+with this eBook or online at www.gutenberg.org
+
+1.E.2. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is derived
+from the public domain (does not contain a notice indicating that it is
+posted with permission of the copyright holder), the work can be copied
+and distributed to anyone in the United States without paying any fees
+or charges. If you are redistributing or providing access to a work
+with the phrase "Project Gutenberg" associated with or appearing on the
+work, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1
+through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and the
+Project Gutenberg-tm trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or
+1.E.9.
+
+1.E.3. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is posted
+with the permission of the copyright holder, your use and distribution
+must comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additional
+terms imposed by the copyright holder. Additional terms will be linked
+to the Project Gutenberg-tm License for all works posted with the
+permission of the copyright holder found at the beginning of this work.
+
+1.E.4. Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg-tm
+License terms from this work, or any files containing a part of this
+work or any other work associated with Project Gutenberg-tm.
+
+1.E.5. Do not copy, display, perform, distribute or redistribute this
+electronic work, or any part of this electronic work, without
+prominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 with
+active links or immediate access to the full terms of the Project
+Gutenberg-tm License.
+
+1.E.6. You may convert to and distribute this work in any binary,
+compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including any
+word processing or hypertext form. However, if you provide access to or
+distribute copies of a Project Gutenberg-tm work in a format other than
+"Plain Vanilla ASCII" or other format used in the official version
+posted on the official Project Gutenberg-tm web site (www.gutenberg.org),
+you must, at no additional cost, fee or expense to the user, provide a
+copy, a means of exporting a copy, or a means of obtaining a copy upon
+request, of the work in its original "Plain Vanilla ASCII" or other
+form. Any alternate format must include the full Project Gutenberg-tm
+License as specified in paragraph 1.E.1.
+
+1.E.7. Do not charge a fee for access to, viewing, displaying,
+performing, copying or distributing any Project Gutenberg-tm works
+unless you comply with paragraph 1.E.8 or 1.E.9.
+
+1.E.8. You may charge a reasonable fee for copies of or providing
+access to or distributing Project Gutenberg-tm electronic works provided
+that
+
+- You pay a royalty fee of 20% of the gross profits you derive from
+ the use of Project Gutenberg-tm works calculated using the method
+ you already use to calculate your applicable taxes. The fee is
+ owed to the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, but he
+ has agreed to donate royalties under this paragraph to the
+ Project Gutenberg Literary Archive Foundation. Royalty payments
+ must be paid within 60 days following each date on which you
+ prepare (or are legally required to prepare) your periodic tax
+ returns. Royalty payments should be clearly marked as such and
+ sent to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation at the
+ address specified in Section 4, "Information about donations to
+ the Project Gutenberg Literary Archive Foundation."
+
+- You provide a full refund of any money paid by a user who notifies
+ you in writing (or by e-mail) within 30 days of receipt that s/he
+ does not agree to the terms of the full Project Gutenberg-tm
+ License. You must require such a user to return or
+ destroy all copies of the works possessed in a physical medium
+ and discontinue all use of and all access to other copies of
+ Project Gutenberg-tm works.
+
+- You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any
+ money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the
+ electronic work is discovered and reported to you within 90 days
+ of receipt of the work.
+
+- You comply with all other terms of this agreement for free
+ distribution of Project Gutenberg-tm works.
+
+1.E.9. If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm
+electronic work or group of works on different terms than are set
+forth in this agreement, you must obtain permission in writing from
+both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael
+Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark. Contact the
+Foundation as set forth in Section 3 below.
+
+1.F.
+
+1.F.1. Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable
+effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread
+public domain works in creating the Project Gutenberg-tm
+collection. Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic
+works, and the medium on which they may be stored, may contain
+"Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or
+corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual
+property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a
+computer virus, or computer codes that damage or cannot be read by
+your equipment.
+
+1.F.2. LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the "Right
+of Replacement or Refund" described in paragraph 1.F.3, the Project
+Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project
+Gutenberg-tm trademark, and any other party distributing a Project
+Gutenberg-tm electronic work under this agreement, disclaim all
+liability to you for damages, costs and expenses, including legal
+fees. YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICT
+LIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSE
+PROVIDED IN PARAGRAPH 1.F.3. YOU AGREE THAT THE FOUNDATION, THE
+TRADEMARK OWNER, AND ANY DISTRIBUTOR UNDER THIS AGREEMENT WILL NOT BE
+LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR
+INCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCH
+DAMAGE.
+
+1.F.3. LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover a
+defect in this electronic work within 90 days of receiving it, you can
+receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a
+written explanation to the person you received the work from. If you
+received the work on a physical medium, you must return the medium with
+your written explanation. The person or entity that provided you with
+the defective work may elect to provide a replacement copy in lieu of a
+refund. If you received the work electronically, the person or entity
+providing it to you may choose to give you a second opportunity to
+receive the work electronically in lieu of a refund. If the second copy
+is also defective, you may demand a refund in writing without further
+opportunities to fix the problem.
+
+1.F.4. Except for the limited right of replacement or refund set forth
+in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS,' WITH NO OTHER
+WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO
+WARRANTIES OF MERCHANTIBILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE.
+
+1.F.5. Some states do not allow disclaimers of certain implied
+warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages.
+If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the
+law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be
+interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by
+the applicable state law. The invalidity or unenforceability of any
+provision of this agreement shall not void the remaining provisions.
+
+1.F.6. INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the
+trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone
+providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance
+with this agreement, and any volunteers associated with the production,
+promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works,
+harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees,
+that arise directly or indirectly from any of the following which you do
+or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm
+work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any
+Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause.
+
+
+Section 2. Information about the Mission of Project Gutenberg-tm
+
+Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of
+electronic works in formats readable by the widest variety of computers
+including obsolete, old, middle-aged and new computers. It exists
+because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from
+people in all walks of life.
+
+Volunteers and financial support to provide volunteers with the
+assistance they need are critical to reaching Project Gutenberg-tm's
+goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will
+remain freely available for generations to come. In 2001, the Project
+Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
+and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations.
+To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
+and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
+and the Foundation web page at http://www.gutenberg.org/fundraising/pglaf.
+
+
+Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive
+Foundation
+
+The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
+501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
+state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal
+Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification
+number is 64-6221541. Contributions to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
+permitted by U.S. federal laws and your state's laws.
+
+The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S.
+Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered
+throughout numerous locations. Its business office is located at
+809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email
+business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact
+information can be found at the Foundation's web site and official
+page at http://www.gutenberg.org/about/contact
+
+For additional contact information:
+ Dr. Gregory B. Newby
+ Chief Executive and Director
+ gbnewby@pglaf.org
+
+Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation
+
+Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide
+spread public support and donations to carry out its mission of
+increasing the number of public domain and licensed works that can be
+freely distributed in machine readable form accessible by the widest
+array of equipment including outdated equipment. Many small donations
+($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt
+status with the IRS.
+
+The Foundation is committed to complying with the laws regulating
+charities and charitable donations in all 50 states of the United
+States. Compliance requirements are not uniform and it takes a
+considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up
+with these requirements. We do not solicit donations in locations
+where we have not received written confirmation of compliance. To
+SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any
+particular state visit http://www.gutenberg.org/fundraising/pglaf
+
+While we cannot and do not solicit contributions from states where we
+have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition
+against accepting unsolicited donations from donors in such states who
+approach us with offers to donate.
+
+International donations are gratefully accepted, but we cannot make
+any statements concerning tax treatment of donations received from
+outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff.
+
+Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation
+methods and addresses. Donations are accepted in a number of other
+ways including checks, online payments and credit card donations.
+To donate, please visit: http://www.gutenberg.org/fundraising/donate
+
+
+Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic
+works.
+
+Professor Michael S. Hart is the originator of the Project Gutenberg-tm
+concept of a library of electronic works that could be freely shared
+with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project
+Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support.
+
+Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed
+editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S.
+unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily
+keep eBooks in compliance with any particular paper edition.
+
+Each eBook is in a subdirectory of the same number as the eBook's
+eBook number, often in several formats including plain vanilla ASCII,
+compressed (zipped), HTML and others.
+
+Corrected EDITIONS of our eBooks replace the old file and take over
+the old filename and etext number. The replaced older file is renamed.
+VERSIONS based on separate sources are treated as new eBooks receiving
+new filenames and etext numbers.
+
+Most people start at our Web site which has the main PG search facility:
+
+<a href="http://www.gutenberg.org">http://www.gutenberg.org</a>
+
+This Web site includes information about Project Gutenberg-tm,
+including how to make donations to the Project Gutenberg Literary
+Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to
+subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.
+
+EBooks posted prior to November 2003, with eBook numbers BELOW #10000,
+are filed in directories based on their release date. If you want to
+download any of these eBooks directly, rather than using the regular
+search system you may utilize the following addresses and just
+download by the etext year.
+
+<a href="http://www.gutenberg.org/dirs/etext06/">http://www.gutenberg.org/dirs/etext06/</a>
+
+ (Or /etext 05, 04, 03, 02, 01, 00, 99,
+ 98, 97, 96, 95, 94, 93, 92, 92, 91 or 90)
+
+EBooks posted since November 2003, with etext numbers OVER #10000, are
+filed in a different way. The year of a release date is no longer part
+of the directory path. The path is based on the etext number (which is
+identical to the filename). The path to the file is made up of single
+digits corresponding to all but the last digit in the filename. For
+example an eBook of filename 10234 would be found at:
+
+http://www.gutenberg.org/dirs/1/0/2/3/10234
+
+or filename 24689 would be found at:
+http://www.gutenberg.org/dirs/2/4/6/8/24689
+
+An alternative method of locating eBooks:
+<a href="http://www.gutenberg.org/dirs/GUTINDEX.ALL">http://www.gutenberg.org/dirs/GUTINDEX.ALL</a>
+
+*** END: FULL LICENSE ***
+</pre>
+</body>
+</html>
diff --git a/LICENSE.txt b/LICENSE.txt
new file mode 100644
index 0000000..6312041
--- /dev/null
+++ b/LICENSE.txt
@@ -0,0 +1,11 @@
+This eBook, including all associated images, markup, improvements,
+metadata, and any other content or labor, has been confirmed to be
+in the PUBLIC DOMAIN IN THE UNITED STATES.
+
+Procedures for determining public domain status are described in
+the "Copyright How-To" at https://www.gutenberg.org.
+
+No investigation has been made concerning possible copyrights in
+jurisdictions other than the United States. Anyone seeking to utilize
+this eBook outside of the United States should confirm copyright
+status under the laws that apply to them.
diff --git a/README.md b/README.md
new file mode 100644
index 0000000..11eff06
--- /dev/null
+++ b/README.md
@@ -0,0 +1,2 @@
+Project Gutenberg (https://www.gutenberg.org) public repository for
+eBook #35130 (https://www.gutenberg.org/ebooks/35130)