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You may copy it, give it away or +re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included +with this eBook or online at www.gutenberg.org + + +Title: Considerações sobre a Philosophia da Historia Litteraria Portugueza + +Author: Antero de Quental + +Release Date: June 13, 2010 [EBook #32791] + +Language: Portuguese + +Character set encoding: ISO-8859-1 + +*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK HISTORIA LITTERARIA PORTUQUEZA *** + + + + +Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images +of public domain material from Google Book Search) + + + + + + ANTERO DE QUENTAL + + CONSIDERAÇÕES SOBRE A PHILOSOPHIA + + DA + + HISTORIA LITTERARIA PORTUGUEZA + + (A PROPOSITO D'ALGUNS LIVROS RECENTES) + + + + 2.ª EDIÇÃO + + + PORTO + + LIVRARIA CHARDRON + LELLO & IRMÃO, EDITORES + 1904 + + + + Porto--Imprensa Moderna + + + + +ADVERTENCIA + +Foi publicado originariamente este pequeno trabalho em folhetins no +jornal o «Primeiro de Janeiro». Parecendo, porém, a algumas pessoas de +gosto que havia nas minhas considerações verdade e justiça sufficientes, +e que valeria a pena, por isso, dar mais alguma circulação ás idéas +emittidas, resolvo-me, para satisfazer ao voto d'essas pessoas, a +imprimir á parte estas paginas, accrescentando-lhes algumas observações, +suggeridas pelo escripto do snr. M. Pinheiro Chagas, «Desenvolvimento da +Litteratura Portugueza», que só pude vêr depois de publicados os folhetins. + + + _A. de Q._ + + + + +Philosophia da Historia Litteraria Portugueza + + + _Os Luziadas_; ensaio sobre Camões e a sua obra, em relação á + sociedade portugueza e ao movimento da Renascença, por J. P. de + Oliveira Martins. Porto, 1872. + + + _Theoria da Historia da litteratura portugueza_; these para o + concurso á cadeira de Litteratura moderna, no Curso superior de + letras, por Theophilo Braga. Porto, 1872. + + +I + +A philosophia das litteraturas é uma criação do nosso seculo, cujo +genio, ao mesmo tempo subtil e profundo, se revela sobretudo nos estudos +historicos, e a que um mixto particular de enthusiasmo e scepticismo, de +erudição e intuição, dá uma singular facilidade para penetrar o caracter +das varias raças, o espirito das varias idades e civilisações. + +Uma maneira mais intima e juntamente mais larga de comprehender a +humanidade e o individuo, que caracterisa o pensamento moderno, explica +esta especie de condão magico com que o nosso seculo tem aberto os +recessos obscuros, em que a alma dos tempos antigos parecia haver-se +para sempre sepultado, defendida pelo silencio e pelo mysterio. + +Com effeito, em quanto se não viu, por um lado, na humanidade um _todo_ +vivo, cujos movimentos são determinados por leis naturaes e constantes, +embora complexas e obscuras, e, por outro lado, no individuo, dentro da +humanidade, uma força, não caprichosa, mas coherente, embora livre, e +cujas manifestações são todas respeitaveis e legitimas, tendo todas a +sua razão de ser e o seu valor; em quanto, sobretudo, se não +comprehendeu que os momentos da historia não são contradictorios entre +si, mas representam varios termos d'uma serie por onde o espirito +humano, ascendendo, se affirma, transformando em parte as condições do +_meio_ em que se move, e em parte subordinando-se a ellas, e que, por +isso, esses momentos não devem tanto ser _julgados_ como +_comprehendidos_; em quanto este ponto de vista, ao mesmo tempo +idealista e scientifico, se não estabeleceu--a historia critica, intima, +psychologica, era impossivel, e impossivel tambem a philosophia da +historia. + +É por esta razão que a critica e historia litterarias soffreram em o +nosso tempo uma completa e profundissima renovação, e que a historia +philosophica das litteraturas só recentemente se pôde constituir. + +Considerava-se, ha 100 annos ainda, a obra litteraria como uma criação +meramente individual, determinada apenas pelo sentimento pessoal, o +genio, as disposições do poeta: não se via a relação estreita que ha +entre a inspiração do individuo e o pensamento da época, a raça, o meio +social, e o momento historico. Uma poetica, tão estreita quanto +inflexivel, media tudo, as producções de povos e tempos os mais +diversos, por uma unica bitola, o _gosto_, e, dominada pela preoccupação +fanatica do _classico_, bania da historia épocas e raças inteiras, +condemnadas como barbaras, incultas, _rudes_. O que ha de mais +caracteristico e muitas vezes de mais profundo na obra d'arte, a +revelação do sentir intimo dos homens nas diversas condições moraes e +sociaes, ficava d'este modo perdido para a critica, era despresado em +nome d'um ideal de perfeição uniforme, em grande parte convencional, e +em todo o caso abstracto e, por isso, irrealisavel. + +Sabemos hoje que a esthetica, sob pena de se excluir systematicamente da +realidade, não póde ser absoluta senão nas suas leis fundamentaes, isto +é, n'aquillo mesmo em que é absoluto e immutavel o espirito humano: em +tudo mais é, como elle, variavel e progressiva. Tem uma statica e uma +dynamica: e se a primeira, que é toda abstracta, explica e dá a razão da +segunda, que é toda concreta, é a segunda quem explica e dá a razão das +obras d'arte, naturalmente concretas e contidas nas condições do tempo e +do meio. Ao methodo exclusivamente abstracto substituiu-se o methodo +historico, e para logo todas as litteraturas, as antigas e as modernas, +as barbaras e as cultas, alumiadas por uma luz nova, appareceram com as +suas feições caracteristicas, os seus relevos naturaes, os seus +contornos, e vieram tomar cada qual o logar que lhe competia na +serie dos desenvolvimentos do espirito humano. Para logo tambem se +tornou manifesta a alta significação das litteraturas, testemunhas +desprevenidas e candidas, vindo depôr uma após outra sobre o viver +intimo das respectivas sociedades, e denunciando ingenuamente a feição +psychologica correspondente a cada povo e a cada idade. A philosophia da +historia encontrou n'ellas o instrumento mais delicado e, ao mesmo +tempo, o mais preciso, para determinar o grau de valor moral de cada +civilisação: na sua mão um poema pôde tornar-se, muitas vezes, o ramo +d'ouro da sibylla, com que descesse á região dos mortos, a +interrogal-os; versos cantados ha mil, ha dous e tres mil annos por +poetas desconhecidos, explicaram os movimentos das raças, as origens, os +esplendores, as revoluções e as catastrophes dos imperios. + +A historia litteraria deixou de ser uma curiosidade: appareceu como uma +realidade cheia de vida e de expressão. Correspondendo a uma ordem de +phenomenos distinctos e importantissimos, tornou-se objecto d'uma +sciencia e, como tal, um ramo da philosophia. Hoje por toda a Europa, os +estudos de historia litteraria, transformados, seguem com firmeza no +caminho aberto com juvenil impetuosidade pela escóla allemã do começo +d'este seculo: refundem-se, desenvolvem-se ou corrigem-se as primeiras +conclusões, naturalmente incompletas umas e outras prematuras ou em +extremo systematicas, e á grande renovação sahida d'este movimento se +ligam muitos dos nomes mais illustres e das obras mais fecundas do +nosso tempo. + +Entre nós, as duas gerações litterarias, que se succederam desde 1830 +até hoje, mais apaixonadas e criadoras do que criticas, mais poeticas e +enthusiastas do que reflectidas, e, sobretudo, dominadas por aquella +como que instinctiva repugnancia ás ideas geraes propria d'um povo +educado pelo catholicismo no que elle tem de mais estreito e +esterilisador, receberam com desdem, ou apenas aceitaram, o que havia de +mais superficial no movimento renovador, quando não o ignoraram +completamente. A historia litteraria continuou _erudita_, como d'antes, +na sua gravidade inexpressiva, e a critica, apesar de muitas +proclamações revolucionarias, acatou todavia o altar consagrado e o +velho idolo do _gosto_. É verdade que o _gosto_, sacudido no seu somno +secular por mãos juvenis, teve de abandonar as vestes antigas e +compromettedoras do _classico_ e de se fazer (ou deixar que o fizessem) +_romantico_. Era já um grande passo, confessemol-o: simplesmente, este +primeiro passo, timido ainda, obrigava a dar um segundo e mais +decisivo--e esse é que não se deu. + +Nem se podia dar. Devemos muito áquellas duas gerações, é justo +confessal-o. Mas a sua missão foi outra, e outro o seu trabalho. N'este +empenho de fazer penetrar o espirito philosophico na historia da +litteratura patria, e de levantar entre nós a critica á altura em que +mãos vigorosas e illustres a têem collocado n'outros paizes, a +geração nova achou-se sem predecessores nem mestres entre os escriptores +nacionaes, e teve forçosamente de se virar para os estranhos. D'aqui uma +certa confusão, a adopção quasi _sur parole_ dos systemas estrangeiros, +e algum mau estylo... + +Entretanto, a sua vocação é essa, evidentemente critica e philosophica. +Menos criadora e espontanea, e libertada já dos preconceitos da educação +tradicional, a nova geração tem por área natural dos seus trabalhos os +estudos criticos e as idéas geraes. A historia philosophica, a +philologia, as sciencias sociaes, eis o vasto campo que, entre nós, a +sua actividade tem de desbravar e fecundar. + +Na historia litteraria, os primeiros passos n'este caminho foram dados +corajosamente por um trabalhador dotado de energia e perseverança +singulares, o snr. Theophilo Braga. Pódem disputar-lhe qualquer outra +especie de gloria, menos esta, já não pequena, de iniciador. A +consideração do que ha de viril e quasi heroico na attitude dos +exploradores, faz-nos vêr na sua obra mais ainda o valor d'uma acção +pessoal do que o das conclusões scientificas, e dá-lhe um merecimento +independente das muitas imperfeições e lacunas, que seria pueril +pretender dissimular. + +Com effeito, a sua gloriosa iniciativa é compensada, como geralmente +acontece aos iniciadores, por defeitos graves: dous, que resumem e +d'onde se originam todos os outros: a impaciencia, que leva a +conclusões prematuras, e o espirito systematico, que leva a conclusões +falsas. Por um lado, uma _verdura_ (se assim se póde dizer) de theorias +e explicações mais ou menos phantasiosas, e por outro lado uma +inflexibilidade canonica na applicação stricta de certas formulas aos +problemas os mais complexos, dão muitas vezes aos seus livros aquella +feição singular de inconsistencia e ao mesmo tempo de dogmatismo, de +aventuroso e juntamente de acanhado, que caracterisa os trabalhos sem +precedentes, filhos da febre da innovação e do isolamento. O grande +merecimento d'estes livros póde dizer-se que consiste ainda mais em ter +levantado as questões do que em tel-as definitivamente resolvido. + +Ha, todavia, lados verdadeiramente solidos nas obras do snr. Theophilo +Braga. O seu talento é muito mais analytico do que generalisador; +d'aqui, a inferioridade relativa das suas apreciações philosophicas, +comparadas com os seus trabalhos propriamente criticos. N'estes, que +constituem a parte mais séria e fecunda da sua obra, encontramos os +processos da sciencia, como os têem comprehendido os mestres d'este +seculo, applicados geralmente com discernimento, com uma grave +despreoccupação de tudo o que não é a logica e a verdade, e dando +resultados positivos, muitos dos quaes se devem considerar definitivos. +Distinguem-se por estas qualidades, entre os volumes da sua grande +historia da litteratura portugueza, já publicados, os estudos sobre Sá +de Miranda e a sua escóla, sobre os poetas palacianos do seculo XV, +e sobre o theatro portuguez nos seculos XVII e XVIII. Ha novidade e ao +mesmo tempo segurança em muitas partes d'aquelles estudos: entrevêem-se +as revoluções litterarias, no que ellas têem de mais intimo, isto é, nas +suas relações com os costumes e as opiniões que se transformam; +assiste-se ao nascimento e á decadencia das escólas; vêem-se as razões +do progresso de certos generos, do estacionamento ou esterilidade de +certos outros. Ha alli verdadeiras descobertas biographicas e +chronologicas, e mais d'uma aproximação feliz que lança uma luz nova +sobre os assumptos. Apesar da fraqueza e ás vezes puerilidade de certas +inducções, do abuso da intuição como processo scientifico, da nimia +importancia dada a particularidades insignificantes, da repetição e +distribuição pouco logica das materias, deve esta parte da obra do snr. +Theophilo Braga (a analytica e critica) ser considerada não só como o +que ha de mais solido no edificio levantado por suas mãos laboriosas, +mas ainda como um trabalho em si, de indisputavel valor. + +O lado inferior e fragil, a meu vêr, são as theorias geraes, a parte +philosophica. Sente-se que não é essa a vocação do talento do snr. +Theophilo Braga. Ao mesmo tempo chimerico e systematico, dá ás suas +doutrinas geraes uma feição dogmatica, que lhes tira aquelle poder de +ductilidade e comprehensão, sem o qual uma theoria, para accommodar os +factos ao seu rigor inflexivel, tem de os forçar umas vezes e outras +vezes de os pôr de lado--isto é, não passa d'uma pura abstracção. É +isto o que torna abstrusas certas obras, como a _Poesia do Direito_, por +exemplo. É isto mesmo o que encontramos na maneira por que o snr. +Theophilo Braga comprehende e explica a philosophia da historia +litteraria portuguesa. Seguindo Schlegel e a escóla romantica allemã do +começo d'este seculo, tomou uma theoria incompleta e d'uma applicação +muito particular por um principio universal, applicavel a todas as +litteraturas, e fez della o molde em que a litteratura portugueza devia +entrar, _coute qui coute_. Sabe-se que aquella escóla considerava a +litteratura, juntamente com todas as outras fórmas da civilisação, +direito, arte, etc., como a expressão genuina do _genio da raça_, +subordinando a nacionalidade, em todas as suas manifestações, a um ponto +de vista puramente ethnologico. Só a raça, na sua espontaneidade nativa, +era verdadeiramente criadora, só ella original: a tradição, como +intrusa, devia considerar-se o elemento esterilisador, e as obras por +ella inspiradas falsas, _anti-nacionaes_. Applicando estes principios ás +sociedades que se formaram na Europa sobre as ruinas do imperio romano, +a escóla romantica oppoz á cultura tradicional o genio popular, ao +romanismo as nacionalidades. Viu por toda a parte o dualismo; d'um lado, +o espirito monarchico e ecclesiastico, formalistico e estreito, +conservador das tradições latinas: do outro lado, o povo, todo +espontaneo, traduzindo a originalidade do seu genio em criações livres e +verdadeiramente inspiradas: por toda a parte uma raça original +luctava contra tradições esterilisadoras, que tentavam suffocal-a. A +idade média fôra o theatro d'esse combate: a Renascença e os seculos +XVII e XVIII pareceram, com a influencia universal do _classico_, dar o +triumpho definitivo ao espirito tradicional; porém o seculo XIX, a +grande era das reinvindicações, erguendo a bandeira do romantismo e das +nacionalidades, ia evocar de novo o genio das raças, adormecido no seio +do povo, retemperando as nações no baptismo sagrado das _origens_. + +Quem não vê o que ha de falso n'esta these, apresentada assim d'uma +maneira absoluta? mas quem não vê tambem quanto ha de verdadeiro e +profundo no ponto de vista ethnologico, desde o momento em que, deixando +de ser o fundamento do systema, se considere apenas como um dos +elementos componentes d'elle, embora um dos mais consideraveis? Quem não +vê, sobretudo, a fecunda influencia d'esse ponto de vista sobre os +estudos litterarios, o conhecimento das origens, a comprehensão das +criações populares, a renovação da critica? Póde dizer-se que o que ha +de mais falso n'este systema é ser um systema; porque, contendo muita +verdade, não é a verdade toda. É muito mais incompleto do que erroneo; +porque, se o genio de cada raça fornece com effeito os elementos e como +que a materia prima das civilisações, a cultura e a tradição representam +o trabalho de aperfeiçoamento do espirito humano, accumulado, que +desenvolve aquelles elementos e, fazendo por assim dizer fermentar +aquella materia primitiva, lhes dá uma fórma nova e superior. Para os +povos sem precedentes nem tradições d'um mundo anterior, que começam +isolados o trabalho da civilisação desde os seus inicios, e cujas +criações representam apenas o fundo originario fornecido pelo caracter +da raça, como fôram os indios desde o Rig Veda até Kalidassa, os gregos +até Alexandre, e os scandinavos até á conversão ao christianismo, para +esses é aquella theoria rigorosamente verdadeira. Mas como applical-a á +Europa da idade média, a esse mundo tão complexo, e que, com ser fundado +sobre a ruina do imperio romano, é todavia uma continuação e em grande +parte um desenvolvimento da civilisação romana? Na vida dos povos +modernos entraram desde o berço energicos elementos latinos que, +absorvidos com maior ou menor sympathia, em maior ou menor quantidade, e +combinados com os elementos primitivos, constituiram o _temperamento_ +particular de cada uma d'essas nações, o seu genio nacional. Esse genio +é pois complexo, e complexo o caracter das suas criações: reduzil-as a +um principio unico é querer de proposito acanhar a historia, +proscrevendo arbitrariamente épocas inteiras. + +A originalidade de cada uma das modernas litteraturas da Europa está, +não em representar os caracteres primitivos de tal ou tal raça, mas sim +os momentos de desenvolvimento d'esses caracteres, na sua combinação +gradual com aquelles elementos estranhos, que, sob fórma de +tradição, constituem ha mais de dous mil annos o fundo commum da +civilisação europêa. N'estes termos, a theoria romantica tem o seu valor +e a sua applicação. Applica-se tanto mais quanto menos _romanisado_ +(isto é, civilisado) foi o povo cuja litteratura se estuda; mais á +Allemanha do que á França; muito á Inglaterra, muito pouco á Italia; +muito mais á Hespanha do que a Portugal; em absoluto, a nenhum se póde +applicar. A mesma litteratura allemã (sahida da raça que menos elementos +latinos absorveu) será por ventura exclusivamente _germanica_? Seria um +paradoxo affirmal-o. Do seculo IX em diante a pureza do elemento +germanico altera-se, e cada vez mais turvo segue de seculo para seculo. +O grande fundador da litteratura allemã, Luthero, que começa com a +Reforma a reacção do germanismo contra o romanismo, representará acaso +na sua obra, nas suas idéas, nos seus escriptos, o elemento germanico +puro, estreme, exclusivo? Pelo contrario, se o caracter de Luthero é +essencialmente allemão, a _doutrina_ de Luthero essa é quasi +completamente extra-allemã, filha da Biblia hebraica e do platonismo +grego. E Leibnitz? e Lessing? e Goethe, o _velho pagão_?... Se os +romanticos allemães quizessem ser completamente logicos, tinham de fazer +terminar o periodo nacional da litteratura allemã no seculo X, com os +Niebelungen, ou quando muito no seculo XVI, com os Meistersaenger: d'ahi +por diante em parte alguma se encontra o _germanismo_ puro. E todavia, é +no seculo XVI que verdadeiramente começa a grande época do +pensamento allemão! + +Eis as insoluveis difficuldades que levanta o systema ethnologico +applicado ás litteraturas modernas, ainda mesmo áquellas em que mais +visiveis são as influencias de raça. Que será então, se o quizermos +applicar a uma nação sem base ethnographicamente definida, como a +portugueza, criação da politica e não da natureza, das instituições e +não da raça, e que mais que nenhuma outra, talvez, absorveu e fez seu o +genio da civilisação romana? Evidentemente, a theoria romantica não póde +ter aqui senão uma applicação muito limitada e muito secundaria: e é por +ter desconhecido esses limites que o snr. Theophilo Braga, collocando-se +exclusivamente no ponto de vista ethnologico, não conseguiu, apesar da +sua competencia scientifica e provada capacidade, dar senão uma solução +incompleta e muitas vezes forçada ao problema da systematisação e +explicação geral da litteratura portugueza. Dominado pela necessidade de +dar por fundamento ao genio nacional o genio d'uma raça primitiva e _sui +generis_, teve, por assim dizer, de inventar para Portugal essa raça +primitiva. Estendeu um facto particular de certas provincias, a +existencia das populações mosarabicas, a todo o paiz; e, transformando +esse phenomeno puramente social em phenomeno ethnologico, fez dos +mosarabes uma raça distincta, cuja profunda espontaneidade, apesar de +prematuramente suffocada, se revelou em criações sentimentaes, que o +snr. Theophilo Braga laboriosamente trata de descobrir, e que, +segundo elle, teriam dado á litteratura portugueza uma feição original, +se a tradição classica não tivesse obstado ao desenvolvimento livre +d'esse cyclo verdadeiramente nacional. Esta esterilisadora tradição +classica vê-a o snr. Theophilo Braga representada na aristocracia +asturoleoneza romanisada, authoritaria e imitadora. A aristocracia, pela +instituição monarchica, pelo catholicismo, pelo provençalismo, depois +pela reforma dos foraes, o direito romano e o poder absoluto, suffoca o +livre genio mosarabico e faz da litteratura portugueza, que nas mãos +poeticas do mosarabe promettia ser um jardim oriental, um triste deserto +de imitações estereis e infesadas, onde só por milagre a seiva primitiva +faz de longe em longe rebentar alguma flôr doentia, fadada a morrer sem +se propagar. D'aqui conclue o snr. Theophilo Braga que litteratura +verdadeiramente _nacional_ nunca chegou a haver entre nós. + +Expôr esta doutrina, nas suas conclusões extremas, é quasi refutal-a. +Nem as populações mosarabicas constituiram uma raça, nem a área por +ellas occupada se estendeu a todo o paiz, nem na sociedade portugueza +existiu nunca o supposto dualismo, a opposição do mosarabe plebeu e do +aristocrata godo: nada d'isto se póde provar scientificamente, nem mesmo +racionalmente conjecturar. Os mosarabes, isto é, os christãos, que, +tendo acceitado o dominio dos arabes, viviam no meio d'elles, +adoptando-lhes os costumes, mas conservando a antiga religião, não +formaram um grupo ethnographicamente classificavel: eram, como é ainda +hoje toda a população da Peninsula, exceptuados os Bascos, um mixto +formado pelo sangue ibero, romano, godo e arabe, em proporções +extremamente variaveis de região para região. Que tem isto que vêr com +uma raça particularmente portuguesa?--Depois, essas populações +mosarabicas pouco se estenderam ao norte do Mondego: ora, é exactamente +do Mondego para o norte que residiu durante os primeiros seculos a força +da nacionalidade portugueza, d'ahi que partiu o grande impulso +emancipador. Não fôram pois os mosarabes os fundadores d'essa +nacionalidade, nem os criadores do seu caracter particular. Temos vivido +e vivemos ainda hoje d'esse espirito de intrepida personalidade, que fez +então erguerem-se os homens energicos do norte de Portugal, não do +_genio mosarabe_, que (ainda que tivesse existido) seria sempre secundario. + +Finalmente, a opposição do mosarabe e do aristocrata godo reduz-se +simplesmente á opposição da plebe e da aristocracia, facto social e não +ethnologico, geral em toda a Europa, e que nada tem que vêr com a +originalidade das litteraturas. A aristocracia, durante seculos, não +esmagou ou suffocou o espirito das populações inferiores, nem entre nós +nem em parte alguma: civilisou. Depositarias das tradições romanas e, ao +mesmo tempo, representantes do genio de cada nacionalidade, no que elle +tinha de mais energico, as aristocracias exerceram uma legitima +influencia iniciadora, e, durante 600 ou 700 annos de formidavel +tumulto heroico, dispozeram os elementos com que as monarchias da +Renascença constituiram definitivamente as nações modernas. Dar á +aristocracia um papel todo negativo é querer reduzir ao absurdo, com uma +pennada, sete seculos da historia da Europa e contradizer um dos +resultados mais seguros da moderna sciencia historica, a classificação +dos elementos sociaes e a importancia de cada qual na obra commum. + +O erro dos principios vê-se sobretudo nas conclusões. Com effeito, uma +vez estabelecido o dualismo e considerado o povo portuguez como +mosarabe, e o mosarabe como só inspirado e criador, toda a litteratura +culta tinha forçosamente de ser condemnada pelo snr. Theophilo Braga, +como anti-nacional, recebendo fóros de nacionalidade sómente a poesia +popular: tudo mais não passa de imitação, copia servil, e, como tal, +esteril e sem importancia aos olhos da philosophia. Esta larga parte da +imitação na nossa litteratura descobre-a o snr. Theophilo Braga com +exemplar erudição e excellente critica, mostrando claramente as +influencias provençal, franceza, hespanhola e italiana a que obedeceu a +litteratura portugueza. Mas não é no facto das imitações que está a +questão. Esse facto não se dá só comnosco; dá-se em todas as +litteraturas das nações da Europa então cultas. A influencia provençal +fez-se sentir na França, na Italia, na Hespanha e até na Allemanha; os +poemas francezes foram, por seu turno, traduzidos e imitados por toda a +parte na idade média, e as litteraturas hespanhola e italiana +tiveram tambem o seu momento de se tornarem europêas. Que prova isto? +Prova simplesmente que já na idade média a Europa formava uma especie de +confederação moral, e que a troca dos pensamentos, das descobertas, das +criações artisticas era já então uma lei natural para nações todas +christãs, herdeiras todas da civilisação romana. Mas essa troca não +implica a abdicação das originalidades nacionaes. Na adopção das idéas +estrangeiras cada povo recebe o que convém ao seu temperamento +particular, dá-lhe uma feição propria, e póde mostrar a originalidade do +seu genio dentro das fórmas recebidas dos outros. Poucas, pouquissimas +obras _originaes_, no sentido exclusivo e absoluto em que o snr. +Theophilo Braga toma esta palavra, nos apresentam as litteraturas dos +povos ainda os mais criadores: n'esse sentido não é original Virgilio, +nem Dante, nem Camões, nem Lope de Vega, nem Shakespeare, nem Corneille, +nem Goethe. Mas as litteraturas apresentam-nos muitas obras primas, +formadas d'uma maneira nova e _original_ com elementos estranhos ou já +conhecidos. Por essas, tão bem como pelas outras, se póde avaliar o +caracter, as tendencias, o genio emfim do povo que as produziu, e é +quanto basta para se poder affirmar que esse povo teve ou tem +litteratura e que essa litteratura é original. O genio, em geral, e em +particular o genio nacional, consiste muito mais na maneira _propria_ de +dispôr os materiaes herdados ou emprestados, do que na criação, como +que inteiriça e d'um jacto, de elementos completamente novos e sem +precedentes--_proles sine matre creata_. Ora a humanidade vive sobretudo +de tradições, e ha para os povos como para os individuos um verdadeiro +ensino mutuo, pelo qual cada um, sem deixar de ser o que é, aproveita da +experiencia e do trabalho dos outros. O snr. Theophilo Braga, que é +poeta e bom poeta, e além d'isso homem de gosto e consciencioso, por si +apreciaria o valor d'estas verdades, se o espirito systematico não +obscurecesse o seu bom juizo em se tratando da litteratura portugueza. + +Quer isto dizer que as suas idéas, por incompletas, sejam inteiramente +estereis para a historia da nossa litteratura? Por fórma alguma. +Ninguem, melhor do que o snr. Theophilo Braga, comprehendeu a alta +significação da nossa poesia popular, que estudou com verdadeiro amor e +respeito religioso: e este sentimento do _primitivo_ e do _espontaneo_ +deve-o ao seu ponto de vista ethnologico. Por este sentimento pôde com +muito tacto discriminar a parte da imitação e de convencional nas obras +da poesia culta, embora, a meu vêr, concluisse mal do facto d'essa +imitação. Por elle pôde caracterisar certas physionomias originaes, até +aqui mal comprehendidas, Gil Vicente, por exemplo. Em tudo isto a sua +critica é excellente. E é por isso mesmo que os apreciadores do talento +e das obras do snr. Theophilo Braga devem, me parece, fazer votos para +que a sua sensivel imaginação o não seduza, com vagas miragens, para +fóra do campo dos trabalhos de analyse e critica, que são a sua vocação, +arrastando-o para as regiões perigosas da synthese e da philosophia, +onde a imaginação e o sentimento, essas fadas encantadoras, se +transformam muitas vezes em perfidas ondinas e sereias, para mal de quem +as segue com muito candida confiança. + + +II + +Se a escóla ethnologica está representada, entre os escriptores novos, +pelo snr. Theophilo Braga, a escóla social e historica--a unica, talvez, +a que propriamente se devêra dar o nome de philosophica--acaba de achar +igualmente entre nós um digno representante n'um escriptor moço e do +maior futuro, o snr. Oliveira Martins, que n'um livro recente estudou a +proposito de Camões (e para nos explicar Camões), a litteratura +portugueza do seculo XVI, no ponto de vista largo e comprehensivo, ao +mesmo tempo politico e psychologico, que caracterisa esta ultima escóla. + +N'este ponto de vista, a litteratura d'um povo, considerada como um todo +symetrico, uma obra gigantesca e collectiva, apresenta-se como a +expressão do seu espirito nacional, determinado não por tal ou tal +elemento primitivo e, por assim dizer, physiologico, mas pelos +elementos complexos, uns fataes outros livres, uns criados outros +herdados, cuja synthese constitue a _idéa_ da sua nacionalidade--raça, +instituições, religião, tradição historica, e vocação politica e +economica no meio dos outros povos. A idéa nacional, na sua evolução, +determina gradualmente o que se póde chamar o temperamento da nação; e, +se esta surda fermentação se manifesta em tudo, nos seus actos e nos +seus pensamentos, revela-se sobretudo na sua imaginação, isto é, no seu +ideal, cuja expressão mais livre é a arte e a litteratura. N'esta +invisivel circulação da seiva interior ha periodos, periodos de +revolução, de progresso, de retrocesso, de incubação ou de plenitude de +forças: a estes correspondem invariavelmente os periodos artisticos e +litterarios, com suas revoluções, suas variações de intensidade, lenta +formação de escólas, morbidos estacionamentos, subitas e inflammadas +florescencias. E, como n'esta vegetação collectiva, cada ramo, cada +folha, cada fructo, se alimenta com a seiva commum e tem uma vitalidade +proporcional á força que trabalha o grande tronco, o espirito individual +acompanha o espirito nacional nas suas evoluções, gradua pela d'elle a +sua intensidade: a sua liberdade interior tem por limites, +realisando-se, as condições do meio em que se desenvolve, e o genio do +artista, do poeta, ainda quando protesta e se revolta, é sempre +_adequado_ ao genio do seu povo e da sua época. É por aqui que a +historia litteraria se liga á philosophia da historia, ou antes, que +faz parte d'ella. As grandes épocas litterarias coincidem com as +épocas de plenitude do sentimento nacional, aquellas em que esse +sentimento, tomando consciencia de si, se revela em obras harmonicas e +complexas, que são como que o fructo definitivo da lenta elaboração das +instituições, dos costumes, dos pensamentos. Reaes e juntamente ideaes, +essas obras supremas dizem-nos ao mesmo tempo o que um povo _foi_ e o +que _quiz ser_, descobrem-nos a sua _aspiração_ intima e marcam os +_limites_ dentro dos quaes lhe foi dado realisal-a. São o commentario +moral das revoluções politicas e sociaes, e como que os annaes da +consciencia nacional: e, para a philosophia, é na consciencia que a +historia encontra a sua explicação definitiva e a sua final justificação. + +O que diz Camões a quem, depois de o ter lido com olhos de homem de +gosto, o relê com olhos de philosopho? Camões, responde o snr. Oliveira +Martins, diz-nos o _segredo_ da nacionalidade portugueza. Houve, com +effeito, uma nacionalidade portugueza--por mais estranha que esta +affirmação nos pareça, a nós, portuguezes do seculo XIX, que não +atinamos a encontrar no presente uma _causa vivendi_: houve uma razão de +ser tanto para as instituições como para os individuos, e uma idéa +nacional, espalhada como a alma collectiva por todo este corpo, então +vivo e agil. E não só houve uma nacionalidade portugueza, mas essa +nacionalidade, superior aos impulsos cegos da raça e á fatalidade da +geographia, produziu-se como uma obra do esforço e da vontade, não +resultado de obscuros instinctos primitivos, como um facto politico e +moral, não como um facto etimologico. Quando em Hespanha não havia ainda +senão catalães, castelhanos, leonezes e navarros; em França provençaes, +gascões, bourguinhões, bretões; em Allemanha suabos, austriacos, saxões, +hanoverianos; em Italia tantos pequenos estados rivaes quantas cidades, +e não se fazia bem idéa do que fosse ser hespanhol, francez, allemão, +italiano, porque estas palavras França, Hespanha, Allemanha, Italia +designavam apenas vagas agrupações naturaes e não grupos organisados--em +Portugal havia só portuguezes, e ser portuguez tinha uma significação +definida e precisa. Este é o grande facto, diz o snr. Oliveira Martins, +que faz d'elle o seu ponto de partida: daqui, a cohesão politica da +nação; d'aqui, a sua physionomia moral. Essa cohesão é a unidade; essa +physionomia é o patriotismo. O patriotismo, pondera acertadamente o snr. +Oliveira Martins, é cousa muito distincta do amor da terra: e o +patriotismo, como os portuguezes dos seculos XV e XVI o conceberam, foi +um phenomeno moral quasi unico na Europa de então, e que os tornou muito +mais parecidos com os romanos antigos do que com os povos seus +contemporaneos. O patriotismo é uma idéa abstracta, que excede a +capacidade toda sentimental da raça; o instincto naturalista da raça dá +o amor da terra; não vai mais além: só a idéa nacional póde dar o +patriotismo, comprehendido á romana e á portugueza. O Cid batalha mais +d'uma vez contra os castelhanos, ao lado dos arabes; o condestavel +de Bourbon vira a sua espada aventureira contra a França que o viu +nascer; nem por isso deixa o Cid de ser um typo de bravura idealisado +pelos hespanhoes, e o condestavel de Bourbon um leal cavalleiro para +todos os cavalleiros de França; mas os Pereiras, combatendo ao lado dos +castelhanos em Aljubarrota, são malditos, _arrenegados_; e, mais tarde o +Magalhães será _portuguez no feito, porém não na lealdade_: apostataram +da idéa nacional. Eis a grande differença. Esta noção do patriotismo +cria uma ordem de sentimentos particulares dos individuos para com a +nação, um modo de ser moral peculiar. É o dever patriotico, como o +comprehenderam em Roma Fabricio, Regulo, Catão, em Portugal Castro, +Albuquerque--o dever patriotico, cuja expressão suprema é o heroismo. +Leia-se a historia da Europa até ao seculo XVI: abundam os _bravos_, mas +difficilmente se encontrarão os _heroes_, segundo o typo magnanimo que a +antiguidade realisou, e que de novo e no seu ponto de vista realisou +Portugal durante os seculos XV e XVI. No _peito illustre lusitano_ havia +então alguma cousa de grande e transcendente, que impellia a nação para +um destino extraordinario e suscitava no meio d'ella os heroes, que +deviam servir a idéa nacional com a abnegação tenaz e superior com que +se serve uma idéa religiosa. É que o patriotismo é uma especie de +religião civil. Foi por essa religião que, durante tres seculos, nos +erguemos no mundo, para realisar um sonho gigantesco e quasi +sobre-humano: foi por ella tambem que cahimos exangues e desilludidos, +porque a realidade faltou ao sonho, porque todo o sonho, com o seu +idealismo, se exalta primeiro, perturba depois, transvia, endoudece +aquelles que envolve nas suas nevoas phantasticamente luminosas, mas +sempre enganadoras. + +A época nacional portugueza, por excellencia, é o seculo XVI. Tudo +concorre então para dar ao espirito dos portuguezes aquelle summo grau +de tensão, que produz os grandes movimentos nacionaes. A nacionalidade +rompe com impulso irresistivel os seus limites tradicionaes, transborda +fremente como um rio caudaloso, e affirma-se na sua plenitude pelas +descobertas e pelas conquistas. Dentro, a sua força é o resultado da sua +concentração: pela reforma dos foraes, pela monarchia absoluta, pela +expulsão dos judeus, attinge o maximo de unidade politica, social, +religiosa, isto é, o maximo de poder sobre si mesma. Esta energica +cohesão depura o sentimento nacional, dá-lhe uma segura consciencia de +si, e leva-o áquelle grau de tensão em que o patriotismo, exaltando-se, +se transforma n'uma especie de heroismo universal. A nação faz-se heroe: +o heroismo é a sua atmosphera ordinaria, e todos participam mais ou +menos d'esse contagio sublimador. D'aqui, uma concepção particular da +vida social, do direito, do dever, tanto para a nação como para os +individuos. _Ser portuguez_ é alguma cousa de especial, um typo _sui +generis_ de virilidade e nobreza, que todos procuram realisar, e que +a litteratura idealisa, de que ella se inspira na phase nova em que +então entra. Com effeito, a esta evolução moral corresponde uma evolução +litteraria. Á escóla provençal-castelhana, lyrica, aventureira e +romanesca, succede a grave escóla italiana, com a feição nova que o +espirito portuguez lhe deu, adoptando-a, isto é, moral e epica. Ao +trovador Bernandim Ribeiro, ao popular Gil Vicente succedem Sá de +Miranda e Ferreira, dous romanos. O velho typo cavalheiresco, +phantasioso e sentimental, empallidece diante d'esse outro que surge, +nobre e digno, quasi severo, o homem do dever, não da sensibilidade, que +João de Barros, Ferreira e Miranda vão levantando, e que Camões virá +collocar sobre o sublime pedestal epico. + +Este typo, o verdadeiro typo portuguez do seculo XVI, como se revela nos +_Lusiadas_, não é com effeito uma mera invenção do genio de Camões: é +uma genuina criação nacional, um ideal do sentimento collectivo, que se +foi gradualmente formando e depurando, até encontrar no grande poeta +quem lhe désse uma expressão definitiva. É por isso mesmo que elle +domina, de toda a sua altura, o pensamento e a obra de Camões. O que o +poeta canta é o heroismo portuguez; o _peito illustre lusitano_: e todo +o seu poema se resume n'isto, como n'esse poema se resume toda a vida +moral portugueza durante um seculo. A razão intima dos acontecimentos, +dos costumes, das opiniões encontra-se alli: explicam-se por elle, e só +elles tambem o explicam completamente. O poema e a sociedade são por +seu turno texto e glosa que mutuamente se commentam. + +N'este ponto de vista, historico e psychologico, não no ponto de vista +meramente litterario d'uma esteril poetica de convenção, é que os +_Lusiadas_ devem ser estudados e comprehendidos--e cabe ao snr. Oliveira +Martins a gloria de ter sido o primeiro a fazel-o, a gloria de ter +_commentado_ philosophicamente os _Lusiadas_. A esta luz tudo se explica +na concepção do poema e na substancia moral d'elle: percebe-se a razão +d'este estranho phenomeno, estranho e unico, do apparecimento d'um +verdadeiro poema epico nacional em plena idade moderna. + +Isto em quanto á concepção. Em quanto, porém, a certa ordem de +sentimentos, que, no ponto de vista epico, são secundarios, mas que +occupam um grande logar no poema, para os comprehender faz-nos o snr. +Oliveira Martins considerar outro lado da physionomia tão complexa de +Camões e da sua época. Com effeito, se Camões é um portuguez do seculo +XVI, é ao mesmo tempo um artista da Renascença; d'aqui todo um lado dos +_Lusiadas_, que excede a idéa nacional, e por onde este profundo poema +se liga, não já á vida necessariamente estreita d'um simples povo, mas +ao vasto movimento do espirito humano nos tempos modernos. Sem este +lado, a significação dos _Lusiadas_ seria meramente nacional e local, +não europêa e universal: teriam só um valor historico e não philosophico +tambem. Mas Camões, portuguez pelo caracter e pelo coração, era pela +intelligencia mais do que portuguez sómente. Respirava a atmosphera +subtil e vivificante da Renascença: no seu vasto espirito, como no dos +grandes artistas d'esse tempo, havia um lado mysterioso e profundo que +se virava, não para o passado ou para o presente, mas para o illimitado +futuro, presentindo já a revolução moral dos seculos XVIII e XIX. Se +Camões, como portuguez é patriota e heroico, como homem da Renascença é +pantheista; pantheista platonico e idealista, já se vê, como Miguel +Angelo, Leonardo de Vinci, Shakespeare. Portuguez, exalta os feitos por +onde o seu povo conquista entre as nações um logar proeminente: homem da +Renascença, sente e interpreta a natureza com um naturalismo impregnado +de idealidade, que é mais ainda o presentimento d'um mundo moral novo, +do que uma imitação da antiguidade pagã. O sentimento pantheista da +natureza, sentimento todo moderno, e que devia mais tarde chegar á +plenitude em Rousseau, Goethe, Hugo, appareceu pela primeira vez em +Camões. D'aqui, o caracter do seu espanto em face dos grandes phenomenos +maritimos; d'aqui, a concepção do Adamastor; d'aqui, o sensualismo da +primeira parte do canto XI e o idealismo da ultima. É por este lado que +Camões toma logar entre os grandes espiritos, os _Lusiadas_ entre as +grandes obras dos tempos modernos. A imaginação prophetica do poeta +anticipa tres seculos na historia psychologica da humanidade. + +Com todos estes elementos, uns portuguezes, outros europeus, uns +locaes, outros universaes, recompõe o snr. Oliveira Martins a +physionomia complexa de Camões e dos _Lusiadas_, com uma lucidez e +segurança de critica verdadeiramente surprehendentes para quem +considerar a completa novidade do seu trabalho. A sua luminosa synthese +abraça o poeta, a obra e a época: e pela época, pelo poeta e pela obra +faz-nos sentir a intima realidade da nação e a sua razão de ser +historica. E n'essa mesma synthese comprehende-se tambem a sua +decadencia; triplice decadencia, politica, moral, litteraria. Como? pela +decadencia da idéa nacional. Com effeito, o patriotismo heroico do +Portugal do seculo XVI continha em si mesmo os germens da propria +dissolução. Era grande, mas não era justo: ora nada dura no mundo senão +pela justiça. Tinha fatalmente de se corromper essa orgulhosa idéa +nacional, fundada na violencia da conquista, na intolerancia religiosa e +no despotismo politico. Os vicios interiores do organismo nacional +appareceram bem depressa: appareciam já no tempo de Camões: nos +_Lusiadas_ encontram-se de vez em quando estrophes sombrias, que são +como um lugubre _cras enim moriemur_ lançado no meio das alegrias +d'aquelle festim heroico. Era o futuro velado e lutuoso que o poeta +entrevia n'um deslumbramento prophetico. A nação estava, com effeito, +condemnada. O heroismo que tem de durar lança as suas raizes na região +mais inalteravel, mais incorruptivel da consciencia humana, e as do +nosso não chegaram lá: foi uma especie de _sezão nacional_; não foi +um acto reflectido, filho da liberdade moral, um esforço supremo pela +justiça; foi apenas um egoismo sublime. Por isso, martyres da propria +obra, a nossa queda foi cheia de tristeza e confusão, nem nos ficou no +rosto a serenidade luminosa dos verdadeiros martyres. + +As paginas austeras em que o snr. Oliveira Martins estabelece esta +distincção entre o heroismo da consciencia e o da fatalidade, e mostra +Portugal condemnado por aquillo mesmo que fizera a sua virtude e a sua +grandeza, são das mais gravemente pensadas que se tem escripto na nossa +lingua. É a verdadeira philosophia da historia aquella sua, que reduz e +subordina toda a actividade humana á consciencia e á justiça. A +injustiça da idéa nacional, como os portuguezes então a conceberam, +corrompeu gradualmente as instituições, infiltrou-se nos espiritos e +perverteu os costumes: a sociedade, minada interiormente, vacillou, em +despeito do esplendor mentiroso que exteriormente a vestia, e começou a +desabar. O snr. Oliveira Martins desenhou com mão segura e vivissimo +colorido o quadro das implacaveis realidades, que, produzidas pelo +heroico idealismo portuguez, se viraram contra elle, o viciaram e +acabaram por destruil-o. A nação, atacada d'este modo nos seus orgãos +mais vitaes e na mesma alma, que podia produzir no mundo do espirito, da +arte, da litteratura? Á decadencia social e moral tinha necessariamente +de corresponder a decadencia litteraria. Um desregramento doentio das +imaginações privadas de ideal, depois um estreito classicismo e uma +poetica de academias, succederam á livre e fecunda expansão do genio +portuguez no mundo do sentimento e da phantasia. A idea nacional levou +comsigo para a cova o segredo das criações poeticas. Do seculo XVI até +hoje não produziu Portugal uma unica obra artistica ou litteraria +verdadeiramente nacional. De vez em quando, n'alguns momentos +excepcionaes, o genio d'alguns homens tem-se levantado como um protesto, +e tem-se visto ainda uma ou outra obra viva. Mas essa inspiração é toda +individual, não é nacional: é um producto natural, que póde demonstrar +que a raça não morreu com a nacionalidade, não é filha d'um sentimento +commum e como que organico da sociedade portugueza. A decadencia +nacional é o grande facto inexoravel da nossa historia, vai em tres +seculos: a decadencia litteraria é uma fórma d'ella, nada mais. + +Decadencia irremediavel? pergunta o snr. Oliveira Martins, nas ultimas +paginas do seu livro. Não! responde-lhe a philosophia revolucionaria. A +nossa renovação moral e litteraria será possivel no dia em que, pela +reforma das instituições sociaes, por uma nova e melhor comprehensão da +justiça, comece outra vez o espirito a circular n'este grande corpo, +mais inerte ainda do que acabado, volte a animal-o uma alma, um ideal +collectivo. Então Portugal terá de novo uma razão de ser, e a idéa +nacional, mais brilhante e mais quente depois do seu eclipse secular, +fará rebentar outra vez fructos e flôres d'este chão endurecido sim, mas +debaixo do qual ha ainda (embora a grande profundidade) fontes vivas +em abundancia. As grandes acções serão outra vez possiveis, e um melhor +e mais alto heroismo: por elle serão não só possiveis, mas quasi +inevitaveis os grandes pensamentos poeticos. A renovação litteraria de +Portugal é correlativa com a sua renovação social e está dependente +d'ella: é a conclusão do livro do snr. Oliveira Martins, conclusão que +todos devemos aceitar, não como uma vaga esperança, mas como uma verdade +philosophica cuja realisação não depende senão do nosso esforço, da +energia do nosso sentimento moral. Somos os operarios do nosso proprio +destino, e desde já as nossas mãos o vão aperfeiçoando: terá a fórma que +lhe dermos. + +N'este trabalho solemne da renovação nacional, grande é a tarefa que +está talhada para a geração nova, e immensa a sua responsabilidade! +Estará ella, pela intelligencia e pelo coração, pela sciencia e pela +virtude, á altura d'esta obra austera e formidavel? Muitos o duvidam, +vendo-lhe no rosto uma pallidez de mau agouro... Não me cabe a mim +decidil-o: direi sómente que (quaesquer que tenham de ser os nossos +destinos) para darem testemunho das intenções sérias d'uma parte +consideravel da nossa geração, do seu espirito renovador, da sua +aspiração a uma melhor sciencia, bastarão em todo o tempo obras como a +_Historia da litteratura portugueza_, do snr. Theophilo Braga, e o +_Ensaio sobre Camões_, do snr. Oliveira Martins. + + _9 de maio de 1872._ + + + + +Estavam já escriptas e publicadas estas paginas, quando appareceu, com o +titulo de _Desenvolvimento da litteratura portugueza_, a _These_ do snr. +Pinheiro Chagas, para o concurso da 3.ª cadeira no Curso superior de +letras. N'esta resenha das opiniões, emittidas pelos escriptores da nova +geração, sobre o systema geral da nossa litteratura, fôra injustiça não +consagrar algumas linhas ao trabalho do snr. Pinheiro Chagas, já pelo +valor do trabalho em si, já pela posição que seu author occupa entre os +escriptores moços. + +As conclusões da _These_ do snr. Pinheiro Chagas são as seguintes: + + +1.º--Que o povo portuguez não é constituido por uma raça especial, a que +se dê o nome de mosarabe, comprimida sempre e atrophiada nas suas +criações pela nobreza, constituida por outra raça, a que se dê o nome de +asturiana. + +2.º--Que nem as inducções philologicas, nem os factos historicos, +permittem que se dê ao povo portuguez uma origem germanica, e á +aristocracia uma origem latina; que, pelo contrario, se algum dos +elementos constitutivos da raça peninsular prodomina no povo, deve ser o +elemento hispano-romano, e na aristocracia o elemento gothico. + +3.º--Que teve o povo portuguez, durante a idade média, uma vigorosa +existencia, manifestada politicamente pela robusta vida municipal, +litterariamente pela sua collaboração nos vastos romanceiros +peninsulares, e pelas chronicas de Fernão Lopes. + +4.º--Que a litteratura aristocratica aceitou a influencia provençal, a +influencia da França do norte, e a influencia italiana, como succedeu +nos outros reinos da Peninsula. + +5.º--Que no seculo XVI a reação latinista imperou aqui, da mesma fórma +que em toda a Europa, mas que a originalidade do nosso povo se +manifestou com o vigor admiravel na epopêa de Camões, no theatro de Gil +Vicente, e nas chronicas dos descobrimentos. + +6.º--Que a decadencia da nossa litteratura foi devida a tres causas +deprimentes: o despotismo monarchico e centralisador, que imperou em +todas as raças neo-latinas, o despotismo religioso que actuou com a +mesma energia na Italia e principalmente na Hespanha, e a perda da nossa +nacionalidade, que foi uma causa especial, devida a fataes +circumstancias historicas. + + +Estas conclusões, como o leitor vê, entram, salvo leves differenças, no +ponto de vista das considerações que apresentei, tanto combatendo o +systema do snr. Theophilo Braga, como expondo e commentando o do snr. +Oliveira Martins. Por isso não posso, sem me repetir escusadamente, +insistir n'estes pontos. Concordo com o modo de vêr tão lucido e tão +realmente portuguez, sem deixar nunca por isso de ser scientifico, +do snr. Pinheiro Chagas; e folgo de me encontrar (pelo menos n'este +sereno campo da historia litteraria, onde se descança, entre flôres +ideaes, de tantas luctas que separam os homens de hoje) em communhão de +vistas com um espirito tão gentil e cultivado. + +Desejo, porém, dar relevo a um ponto, por onde a _These_ do snr. +Pinheiro Chagas particularmente me impressionou. É o caracter +eminentemente nacional e (vá a palavra, apesar de tão conspurcada pelos +vendilhões de portuguezismo) _patriotico_ da sua critica. + +A sciencia, essa grande potencia imparcial, essa patria commum de todos +os espiritos _bem nascidos_, está certamente muito acima do patriotismo, +que tantas illusões offuscam, que tantas miserias até encobre ás vezes +debaixo da sua apparatosa _toga pretexta_. Mas essa preferencia e esse +sacrificio do patriotismo á sciencia dá-se só onde o patriotismo +estreito ou refalsado tenta oppôr-se á luminosa sciencia, franca e +comprehensiva. Então, caia por terra, seja derrocado sem piedade o +edificio ruinoso do orgulho d'um povo! Passe a luz da intelligencia +através das ruinas, e purifique-as!--Mas não é isso o que se dá com a +historia litteraria portugueza. Cá não existe essencialmente tal +opposição. Um largo patriotismo é perfeitamente compativel com a +imparcialidade da critica, no estudo dos nossos poetas, dos nossos +escriptores, durante 600 annos, que não foram sem gloria nem +originalidade. + +Vou mais longe. Direi que esse largo e justo sentimento patriotico é até +indispensavel para bem comprehender o que houve n'este povo, na sua vida +agitada, dramatica, heroica, a sua alma, a sua realidade moral. + +Sim, existimos! e existimos como homens, pensando, sentindo, querendo, +obrando. Criámos, descobrimos, combatemos; e podemos dizer ao mundo: +«Aqui está o que nós amámos! aqui está o que nós odiámos!»--E o que é +isto senão _sentir-se_ portuguez e ser patriota? E como, sem isto, se +poderá comprehender o que pensaram e escreveram portuguezes, e pensaram +e escreveram como portuguezes? + +A sciencia não contradiz isto. Parte, pelo contrario, d'este ponto de +partida. E é em nome d'ella que o snr. Pinheiro Chagas diz com tanta +verdade como energia: «os portuguezes não são os párias litterarios da +Europa!» + +Esta affirmação do passado é-nos necessaria para podermos, através do +presente tão cheio de melancolia, crêr e confiar n'um futuro melhor--e +preparal-o virilmente. + +Que significa pois essa pseudo-escóla, que, em nome de não sei que +sonhada decadencia das raças latinas, deprime systematicamente quanto +teve ou tem o nome de portuguez, e nos aponta o ideal d'um messianico +germanismo (que nem talvez saiba definir), de uma absurda supremacia das +raças germanicas, como a unica salvação possivel? + +Estranha salvação, com effeito, para a qual é necessario começarmos +por deixar de ser quem somos! Aconselham-nos que imitemos pacientemente, +sem critica e sem protesto, os exemplos dos nossos mestres e senhores, +os allemães, unicos pensadores e sabios, ao que parece, sem verem que +_imitação_ importa _abdicação_, e que um povo que abdica do seu +pensamento é um povo que se suicida! + +Como se não bastassem já as nossas miserias actuaes, juntam-lhes mais +esta, e capital: a descrença da nossa propria capacidade e da nossa vida +moral. É este exactamente aquelle maximo peccado, que a Igreja +considerou sem remissão: _desesperação de se salvar_. + +Não é assim, pelo desespero e abdicação, que nos salvaremos. Não é assim +que quem está prostrado se levanta; esperando que alguem lhe dê a mão. +Esse tal jazerá eternamente. + +Sejamos nós mesmos. Tenhamos esse valor, e tudo se tornará possivel. +Antes de tudo, convém crermos em nós mesmos, no passado como no +presente. Crêr em si não é adorar-se. Podemos ter essa crença, sem +santificarmos por isso os nossos vicios, sem nos illudirmos sobre as +nossas miserias antigas e modernas, sem nos endurecermos na nossa +ignorancia e confusão. Podemos crêr em nós, e confessarmos os nossos +erros: quem se suicidou só por que uma vez se reconheceu peccador? Se +errámos e peccámos (e peccámos e errámos bastante), reformemo-nos +corajosamente, mas seguindo sempre uma inspiração propria, consultando a +nossa alma, não a dos outros, a voz da nossa consciencia, não a da +consciencia alheia. + +Foi isto o que fez essa Allemanha, que nos impõem como modêlo os que +talvez menos a conhecem, essa Allemanha, que eu admiro, a quem devo +muito, mas a quem quero seguir livremente, com um plenissimo direito de +critica, e consultando sempre os meus intimos instinctos de _latino_, +que sou e não me envergonho de ser. A Allemanha, perdida, ensanguentada, +esquartejada em 1808, que fez para não morrer de todo? que fez para +voltar á vida, mais robusta e sadía do que nunca? Imitou a França +vencedora? renegou do _genio germanico_? não: concentrou-se em si mesma; +appellou para o seu _genio_ historico, e elle respondeu-lhe com +inspirações salvadoras. Foi, mais que nunca, _allemã_. + +Sejamos, pois, nós todos, francezes, hespanhoes, italianos, portuguezes, +mais que nunca _latinos_. + +Ha um _genio latino_, como ha um _genio germanico_. A historia o revela: +e, quando a historia fosse muda, a nossa consciencia bradaria sempre, +dando-lhe o seu nome. + +É a Revolução. + +É este o pensamento secular das raças latinas: a revolução moral, +politica e social. Concentremo-nos n'elle. Só a elle peçamos +inspirações. Com essa fé _abalaremos montanhas_. O momento actual é +turvo, certamente; mas a revolução tem luz e calor bastante em si, não +só para dissipar um nevoeiro momentaneo, mas para dar vida a um cahos. + +Os germanicos, cuidando-se originaes, fazem imperios: nós, latinos, +desfaçamol-os. Reformam velhas religiões: prescindamos nós d'ellas. +Reconstituem, com os milhões do espolio, uma nova aristocracia: dêmos +nós aos povos a igualdade social. + +......................................................................... + +Peço perdão ao snr. Pinheiro Chagas. Já não estamos tanto de accordo +como ha pouco. Certamente que não quererá admittir todas as conclusões +que eu tiro da sua _These_. Mas estão lá: estão no seu ponto de vista +nacional e latino, que é o meu tambem. + +O snr. Pinheiro Chagas tem muito espirito para não ser revolucionario, +no grande e verdadeiro sentido da palavra. Se eu lhe disser que a +sciencia é a Revolução, e que a Revolução não é mais do que a sciencia, +toda a sciencia, applicada a todas as espheras da actividade humana, e +feita vida--o snr. Pinheiro Chagas de certo me responde que, assim, +tambem quer ser revolucionario. + +Ora a Revolução não é outra cousa. + +Estudemos, pois, todos. + + +_20 de junho de 1872._ + + +FIM + + + + + +End of the Project Gutenberg EBook of Considerações sobre a Philosophia da +Historia Litteraria Portugueza, by Antero de Quental + +*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK HISTORIA LITTERARIA PORTUQUEZA *** + +***** This file should be named 32791-8.txt or 32791-8.zip ***** +This and all associated files of various formats will be found in: + https://www.gutenberg.org/3/2/7/9/32791/ + +Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images +of public domain material from Google Book Search) + + +Updated editions will replace the previous one--the old editions +will be renamed. + +Creating the works from public domain print editions means that no +one owns a United States copyright in these works, so the Foundation +(and you!) can copy and distribute it in the United States without +permission and without paying copyright royalties. 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It exists +because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from +people in all walks of life. + +Volunteers and financial support to provide volunteers with the +assistance they need are critical to reaching Project Gutenberg-tm's +goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will +remain freely available for generations to come. In 2001, the Project +Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure +and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations. +To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation +and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4 +and the Foundation web page at https://www.pglaf.org. + + +Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive +Foundation + +The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit +501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the +state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal +Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification +number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at +https://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg +Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent +permitted by U.S. federal laws and your state's laws. + +The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S. +Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered +throughout numerous locations. Its business office is located at +809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email +business@pglaf.org. 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Thus, we do not necessarily +keep eBooks in compliance with any particular paper edition. + + +Most people start at our Web site which has the main PG search facility: + + https://www.gutenberg.org + +This Web site includes information about Project Gutenberg-tm, +including how to make donations to the Project Gutenberg Literary +Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to +subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks. diff --git a/32791-8.zip b/32791-8.zip Binary files differnew file mode 100644 index 0000000..3b6cd68 --- /dev/null +++ b/32791-8.zip diff --git a/32791-h.zip b/32791-h.zip Binary files differnew file mode 100644 index 0000000..6233518 --- /dev/null +++ b/32791-h.zip diff --git a/32791-h/32791-h.htm b/32791-h/32791-h.htm new file mode 100644 index 0000000..24218e8 --- /dev/null +++ b/32791-h/32791-h.htm @@ -0,0 +1,1393 @@ +<!DOCTYPE HTML PUBLIC "-//W3C//DTD HTML 4.01 Transitional//EN" "http://www.w3.org/TR/html4/loose.dtd"> +<html> +<head> + <title>Considerações sobre a Philosophia, por Anthero de Quental</title> + <meta name="Author" content="Anthero de Quental"> + <meta name="Edition" content="Porto. Livraria Chardron, 2ª Edição, 1904."> + <meta http-equiv="content-type" content="text/html; charset=iso-8859-15"> + <style type="text/css"> + body{margin-left: 10%; + margin-right: 10%; + } + .pn { + text-indent: 0em; + text-decoration: none; + position: absolute; + left: 92%; + font-size: smaller; + text-align: right; + color: silver; + } + #corpo p{text-align: justify; text-indent: 1.5em;} + h1, h2, h3 {text-align: center; margin-top: 2em;} + h2 {text-align: center; margin-bottom: 2em;} + h4.sinopse {text-align: justify; margin: 1em; text-indent: -1em;} + #corpo p.ni {text-indent: 0;} + #corpo blockquote p {text-indent: 0;} + hr.dotted {border: 0; border-bottom: dotted 2px #000;} + hr {border: 0; border-bottom: solid 2px #000; width: 30%;} + blockquote {margin-left: 10%; font-size: small;} + a {text-decoration: none;} + .rodape { + font-size: 0.7em; + color: gray; + margin-left: 2em; + margin-right: 2em; + } + .errata {border-bottom: dotted 2px #aaaaaa;} + .typo {border-bottom: dotted 2px #77dd77;} + .fbox {border: solid black 1px; background-color: #FFFFCC; font-size: 0.8em; + margin-left: 10%; margin-right: 10%;} + </style> +</head> + +<body> + + +<pre> + +The Project Gutenberg EBook of Considerações sobre a Philosophia da +Historia Litteraria Portugueza, by Antero de Quental + +This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with +almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or +re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included +with this eBook or online at www.gutenberg.org + + +Title: Considerações sobre a Philosophia da Historia Litteraria Portugueza + +Author: Antero de Quental + +Release Date: June 13, 2010 [EBook #32791] + +Language: Portuguese + +Character set encoding: ISO-8859-1 + +*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK HISTORIA LITTERARIA PORTUQUEZA *** + + + + +Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images +of public domain material from Google Book Search) + + + + + + +</pre> + +<p> </p> + +<div style="text-align:center; border: solid 1px #000; padding: 1em;"> +<p style="font-size: 1.2em;">ANTERO DE QUENTAL</p> +<hr> + +<p style="font-size: 1.6em;">CONSIDERAÇÕES SOBRE A PHILOSOPHIA</p> + +<p>DA</p> + +<p style="font-size: 2em;">HISTORIA LITTERARIA PORTUGUEZA</p> + +<p style="font-size: 1.4em;">(A PROPOSITO D'ALGUNS LIVROS RECENTES)</p> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<p style="font-size: 1.2em;">2.ª EDIÇÃO</p> + +<p>PORTO<br> +LIVRARIA CHARDRON <br> +<small>L<small>ELLO </small>& I<small>RMÃO, EDITORES</small></small><br> +1904</p> +</div> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<p> </p> +<hr> + +<p +style="text-align:center;margin-left:auto;margin-right:auto;"><small>Porto--Imprensa +Moderna</small></p> + +<p> <span class="pn">{5}</span></p> + +<p> </p> + +<div id="corpo"> +<h1>ADVERTENCIA</h1> + +<p>Foi publicado originariamente este pequeno trabalho em folhetins no jornal o +«Primeiro de Janeiro». Parecendo, porém, a algumas pessoas de gosto que havia +nas minhas considerações verdade e justiça sufficientes, e que valeria a pena, +por isso, dar mais alguma circulação ás idéas emittidas, resolvo-me, para +satisfazer ao voto d'essas pessoas, a imprimir á parte estas paginas, +accrescentando-lhes algumas observações, suggeridas pelo escripto do snr. M. +Pinheiro Chagas, «Desenvolvimento da Litteratura Portugueza», que só pude vêr +depois de publicados os folhetins.</p> + +<p> </p> + +<p style="text-align: right;"><i>A. de Q.</i> </p> + +<p><span class="pn">{6}<br>{7}</span></p> + + +<h1>Philosophia da Historia Litteraria Portugueza</h1> + + +<h4 class="sinopse"><i>Os Luziadas</i>; ensaio sobre Camões e a sua obra, em +relação á sociedade portugueza e ao movimento da Renascença, por J. P. de +Oliveira Martins. Porto, 1872.</h4> + +<h4 class="sinopse"><i>Theoria da Historia da litteratura portugueza</i>; these +para o concurso á cadeira de Litteratura moderna, no Curso superior de letras, +por Theophilo Braga. Porto, 1872.</h4> + + +<h1>I</h1> + +<p>A philosophia das litteraturas é uma criação do nosso seculo, cujo genio, ao +mesmo tempo subtil e profundo, se revela sobretudo nos estudos historicos, e a +que um mixto particular de enthusiasmo e scepticismo, de erudição e intuição, +dá uma singular facilidade para penetrar o caracter das varias raças, o +espirito das varias idades e civilisações.</p> + +<p>Uma maneira mais intima e juntamente mais larga de comprehender a humanidade +e o individuo, que caracterisa o pensamento moderno, explica esta especie de +condão magico com que o nosso seculo tem aberto os recessos obscuros, em que a +alma dos tempos antigos parecia haver-se para sempre sepultado, defendida pelo +silencio e pelo mysterio.<span class="pn">{8}</span></p> + +<p>Com effeito, em quanto se não viu, por um lado, na humanidade um <i>todo</i> +vivo, cujos movimentos são determinados por leis naturaes e constantes, embora +complexas e obscuras, e, por outro lado, no individuo, dentro da humanidade, +uma força, não caprichosa, mas coherente, embora livre, e cujas manifestações +são todas respeitaveis e legitimas, tendo todas a sua razão de ser e o seu +valor; em quanto, sobretudo, se não comprehendeu que os momentos da historia +não são contradictorios entre si, mas representam varios termos d'uma serie por +onde o espirito humano, ascendendo, se affirma, transformando em parte as +condições do <i>meio</i> em que se move, e em parte subordinando-se a ellas, e +que, por isso, esses momentos não devem tanto ser <i>julgados</i> como +<i>comprehendidos</i>; em quanto este ponto de vista, ao mesmo tempo idealista +e scientifico, se não estabeleceu--a historia critica, intima, psychologica, +era impossivel, e impossivel tambem a philosophia da historia.</p> + +<p>É por esta razão que a critica e historia litterarias soffreram em o nosso +tempo uma completa e profundissima renovação, e que a historia philosophica das +litteraturas só recentemente se pôde constituir.</p> + +<p>Considerava-se, ha 100 annos ainda, a obra litteraria como uma criação +meramente individual, determinada apenas pelo sentimento pessoal, o genio, as +disposições do poeta: não se via a relação estreita que ha entre a inspiração +do individuo e o pensamento da época, a raça, o meio social, e o<span +class="pn">{9}</span> momento historico. Uma poetica, tão estreita quanto +inflexivel, media tudo, as producções de povos e tempos os mais diversos, por +uma unica bitola, o <i>gosto</i>, e, dominada pela preoccupação fanatica do +<i>classico</i>, bania da historia épocas e raças inteiras, condemnadas como +barbaras, incultas, <i>rudes</i>. O que ha de mais caracteristico e muitas +vezes de mais profundo na obra d'arte, a revelação do sentir intimo dos homens +nas diversas condições moraes e sociaes, ficava d'este modo perdido para a +critica, era despresado em nome d'um ideal de perfeição uniforme, em grande +parte convencional, e em todo o caso abstracto e, por isso, irrealisavel.</p> + +<p>Sabemos hoje que a esthetica, sob pena de se excluir systematicamente da +realidade, não póde ser absoluta senão nas suas leis fundamentaes, isto é, +n'aquillo mesmo em que é absoluto e immutavel o espirito humano: em tudo mais +é, como elle, variavel e progressiva. Tem uma statica e uma dynamica: e se a +primeira, que é toda abstracta, explica e dá a razão da segunda, que é toda +concreta, é a segunda quem explica e dá a razão das obras d'arte, naturalmente +concretas e contidas nas condições do tempo e do meio. Ao methodo +exclusivamente abstracto substituiu-se o methodo historico, e para logo todas +as litteraturas, as antigas e as modernas, as barbaras e as cultas, alumiadas +por uma luz nova, appareceram com as suas feições caracteristicas, os seus +relevos naturaes, os seus contornos, e vieram tomar cada qual o logar que lhe +competia na serie<span class="pn">{10}</span> dos desenvolvimentos do espirito +humano. Para logo tambem se tornou manifesta a alta significação das +litteraturas, testemunhas desprevenidas e candidas, vindo depôr uma após outra +sobre o viver intimo das respectivas sociedades, e denunciando ingenuamente a +feição psychologica correspondente a cada povo e a cada idade. A philosophia da +historia encontrou n'ellas o instrumento mais delicado e, ao mesmo tempo, o +mais preciso, para determinar o grau de valor moral de cada civilisação: na sua +mão um poema pôde tornar-se, muitas vezes, o ramo d'ouro da sibylla, com que +descesse á região dos mortos, a interrogal-os; versos cantados ha mil, ha dous +e tres mil annos por poetas desconhecidos, explicaram os movimentos das raças, +as origens, os esplendores, as revoluções e as catastrophes dos imperios.</p> + +<p>A historia litteraria deixou de ser uma curiosidade: appareceu como uma +realidade cheia de vida e de expressão. Correspondendo a uma ordem de +phenomenos distinctos e importantissimos, tornou-se objecto d'uma sciencia e, +como tal, um ramo da philosophia. Hoje por toda a Europa, os estudos de +historia litteraria, transformados, seguem com firmeza no caminho aberto com +juvenil impetuosidade pela escóla allemã do começo d'este seculo: refundem-se, +desenvolvem-se ou corrigem-se as primeiras conclusões, naturalmente incompletas +umas e outras prematuras ou em extremo systematicas, e á grande renovação +sahida d'este movimento se ligam muitos<span class="pn">{11}</span> dos nomes +mais illustres e das obras mais fecundas do nosso tempo.</p> + +<p>Entre nós, as duas gerações litterarias, que se succederam desde 1830 até +hoje, mais apaixonadas e criadoras do que criticas, mais poeticas e +enthusiastas do que reflectidas, e, sobretudo, dominadas por aquella como que +instinctiva repugnancia ás ideas geraes propria d'um povo educado pelo +catholicismo no que elle tem de mais estreito e esterilisador, receberam com +desdem, ou apenas aceitaram, o que havia de mais superficial no movimento +renovador, quando não o ignoraram completamente. A historia litteraria +continuou <i>erudita</i>, como d'antes, na sua gravidade inexpressiva, e a +critica, apesar de muitas proclamações revolucionarias, acatou todavia o altar +consagrado e o velho idolo do <i>gosto</i>. É verdade que o <i>gosto</i>, +sacudido no seu somno secular por mãos juvenis, teve de abandonar as vestes +antigas e compromettedoras do <i>classico</i> e de se fazer (ou deixar que o +fizessem) <i>romantico</i>. Era já um grande passo, confessemol-o: +simplesmente, este primeiro passo, timido ainda, obrigava a dar um segundo e +mais decisivo--e esse é que não se deu.</p> + +<p>Nem se podia dar. Devemos muito áquellas duas gerações, é justo confessal-o. +Mas a sua missão foi outra, e outro o seu trabalho. N'este empenho de fazer +penetrar o espirito philosophico na historia da litteratura patria, e de +levantar entre nós a critica á altura em que mãos vigorosas e illustres a +têem<span class="pn">{12}</span> collocado n'outros paizes, a geração nova +achou-se sem predecessores nem mestres entre os escriptores nacionaes, e teve +forçosamente de se virar para os estranhos. D'aqui uma certa confusão, a +adopção quasi <i>sur parole</i> dos systemas estrangeiros, e algum mau +estylo...</p> + +<p>Entretanto, a sua vocação é essa, evidentemente critica e philosophica. +Menos criadora e espontanea, e libertada já dos preconceitos da educação +tradicional, a nova geração tem por área natural dos seus trabalhos os estudos +criticos e as idéas geraes. A historia philosophica, a philologia, as sciencias +sociaes, eis o vasto campo que, entre nós, a sua actividade tem de desbravar e +fecundar.</p> + +<p>Na historia litteraria, os primeiros passos n'este caminho foram dados +corajosamente por um trabalhador dotado de energia e perseverança singulares, o +snr. Theophilo Braga. Pódem disputar-lhe qualquer outra especie de gloria, +menos esta, já não pequena, de iniciador. A consideração do que ha de viril e +quasi heroico na attitude dos exploradores, faz-nos vêr na sua obra mais ainda +o valor d'uma acção pessoal do que o das conclusões scientificas, e dá-lhe um +merecimento independente das muitas imperfeições e lacunas, que seria pueril +pretender dissimular.</p> + +<p>Com effeito, a sua gloriosa iniciativa é compensada, como geralmente +acontece aos iniciadores, por defeitos graves: dous, que resumem e d'onde se +originam todos os outros: a impaciencia, que leva<span class="pn">{13}</span> a +conclusões prematuras, e o espirito systematico, que leva a conclusões falsas. +Por um lado, uma <i>verdura</i> (se assim se póde dizer) de theorias e +explicações mais ou menos phantasiosas, e por outro lado uma inflexibilidade +canonica na applicação stricta de certas formulas aos problemas os mais +complexos, dão muitas vezes aos seus livros aquella feição singular de +inconsistencia e ao mesmo tempo de dogmatismo, de aventuroso e juntamente de +acanhado, que caracterisa os trabalhos sem precedentes, filhos da febre da +innovação e do isolamento. O grande merecimento d'estes livros póde dizer-se +que consiste ainda mais em ter levantado as questões do que em tel-as +definitivamente resolvido.</p> + +<p>Ha, todavia, lados verdadeiramente solidos nas obras do snr. Theophilo +Braga. O seu talento é muito mais analytico do que generalisador; d'aqui, a +inferioridade relativa das suas apreciações philosophicas, comparadas com os +seus trabalhos propriamente criticos. N'estes, que constituem a parte mais +séria e fecunda da sua obra, encontramos os processos da sciencia, como os têem +comprehendido os mestres d'este seculo, applicados geralmente com +discernimento, com uma grave despreoccupação de tudo o que não é a logica e a +verdade, e dando resultados positivos, muitos dos quaes se devem considerar +definitivos. Distinguem-se por estas qualidades, entre os volumes da sua grande +historia da litteratura portugueza, já publicados, os estudos sobre Sá de +Miranda e a sua escóla, sobre os poetas<span class="pn">{14}</span> palacianos +do seculo <small>XV</small>, e sobre o theatro portuguez nos seculos +<small>XVII</small> e <small>XVIII</small>. Ha novidade e ao mesmo tempo +segurança em muitas partes d'aquelles estudos: entrevêem-se as revoluções +litterarias, no que ellas têem de mais intimo, isto é, nas suas relações com os +costumes e as opiniões que se transformam; assiste-se ao nascimento e á +decadencia das escólas; vêem-se as razões do progresso de certos generos, do +estacionamento ou esterilidade de certos outros. Ha alli verdadeiras +descobertas biographicas e chronologicas, e mais d'uma aproximação feliz que +lança uma luz nova sobre os assumptos. Apesar da fraqueza e ás vezes +puerilidade de certas inducções, do abuso da intuição como processo +scientifico, da nimia importancia dada a particularidades insignificantes, da +repetição e distribuição pouco logica das materias, deve esta parte da obra do +snr. Theophilo Braga (a analytica e critica) ser considerada não só como o que +ha de mais solido no edificio levantado por suas mãos laboriosas, mas ainda +como um trabalho em si, de indisputavel valor.</p> + +<p>O lado inferior e fragil, a meu vêr, são as theorias geraes, a parte +philosophica. Sente-se que não é essa a vocação do talento do snr. Theophilo +Braga. Ao mesmo tempo chimerico e systematico, dá ás suas doutrinas geraes uma +feição dogmatica, que lhes tira aquelle poder de ductilidade e comprehensão, +sem o qual uma theoria, para accommodar os factos ao seu rigor inflexivel, tem +de os forçar umas vezes e outras vezes de os pôr de lado--isto é, não<span +class="pn">{15}</span> passa d'uma pura abstracção. É isto o que torna +abstrusas certas obras, como a <i>Poesia do Direito</i>, por exemplo. É isto +mesmo o que encontramos na maneira por que o snr. Theophilo Braga comprehende e +explica a philosophia da historia litteraria portuguesa. Seguindo Schlegel e a +escóla romantica allemã do começo d'este seculo, tomou uma theoria incompleta e +d'uma applicação muito particular por um principio universal, applicavel a +todas as litteraturas, e fez della o molde em que a litteratura portugueza +devia entrar, <i>coute qui coute</i>. Sabe-se que aquella escóla considerava a +litteratura, juntamente com todas as outras fórmas da civilisação, direito, +arte, etc., como a expressão genuina do <i>genio da raça</i>, subordinando a +nacionalidade, em todas as suas manifestações, a um ponto de vista puramente +ethnologico. Só a raça, na sua espontaneidade nativa, era verdadeiramente +criadora, só ella original: a tradição, como intrusa, devia considerar-se o +elemento esterilisador, e as obras por ella inspiradas falsas, +<i>anti-nacionaes</i>. Applicando estes principios ás sociedades que se +formaram na Europa sobre as ruinas do imperio romano, a escóla romantica oppoz +á cultura tradicional o genio popular, ao romanismo as nacionalidades. Viu por +toda a parte o dualismo; d'um lado, o espirito monarchico e ecclesiastico, +formalistico e estreito, conservador das tradições latinas: do outro lado, o +povo, todo espontaneo, traduzindo a originalidade do seu genio em criações +livres e verdadeiramente inspiradas:<span class="pn">{16}</span> por toda a +parte uma raça original luctava contra tradições esterilisadoras, que tentavam +suffocal-a. A idade média fôra o theatro d'esse combate: a Renascença e os +seculos <small>XVII</small> e <small>XVIII</small> pareceram, com a influencia +universal do <i>classico</i>, dar o triumpho definitivo ao espirito +tradicional; porém o seculo <small>XIX</small>, a grande era das +reinvindicações, erguendo a bandeira do romantismo e das nacionalidades, ia +evocar de novo o genio das raças, adormecido no seio do povo, retemperando as +nações no baptismo sagrado das <i>origens</i>.</p> + +<p>Quem não vê o que ha de falso n'esta these, apresentada assim d'uma maneira +absoluta? mas quem não vê tambem quanto ha de verdadeiro e profundo no ponto de +vista ethnologico, desde o momento em que, deixando de ser o fundamento do +systema, se considere apenas como um dos elementos componentes d'elle, embora +um dos mais consideraveis? Quem não vê, sobretudo, a fecunda influencia d'esse +ponto de vista sobre os estudos litterarios, o conhecimento das origens, a +comprehensão das criações populares, a renovação da critica? Póde dizer-se que +o que ha de mais falso n'este systema é ser um systema; porque, contendo muita +verdade, não é a verdade toda. É muito mais incompleto do que erroneo; porque, +se o genio de cada raça fornece com effeito os elementos e como que a materia +prima das civilisações, a cultura e a tradição representam o trabalho de +aperfeiçoamento do espirito humano, accumulado, que desenvolve aquelles +elementos<span class="pn">{17}</span> e, fazendo por assim dizer fermentar +aquella materia primitiva, lhes dá uma fórma nova e superior. Para os povos sem +precedentes nem tradições d'um mundo anterior, que começam isolados o trabalho +da civilisação desde os seus inicios, e cujas criações representam apenas o +fundo originario fornecido pelo caracter da raça, como fôram os indios desde o +Rig Veda até Kalidassa, os gregos até Alexandre, e os scandinavos até á +conversão ao christianismo, para esses é aquella theoria rigorosamente +verdadeira. Mas como applical-a á Europa da idade média, a esse mundo tão +complexo, e que, com ser fundado sobre a ruina do imperio romano, é todavia uma +continuação e em grande parte um desenvolvimento da civilisação romana? Na vida +dos povos modernos entraram desde o berço energicos elementos latinos que, +absorvidos com maior ou menor sympathia, em maior ou menor quantidade, e +combinados com os elementos primitivos, constituiram o <i>temperamento</i> +particular de cada uma d'essas nações, o seu genio nacional. Esse genio é pois +complexo, e complexo o caracter das suas criações: reduzil-as a um principio +unico é querer de proposito acanhar a historia, proscrevendo arbitrariamente +épocas inteiras.</p> + +<p>A originalidade de cada uma das modernas litteraturas da Europa está, não em +representar os caracteres primitivos de tal ou tal raça, mas sim os momentos de +desenvolvimento d'esses caracteres, na sua combinação gradual com aquelles +elementos estranhos,<span class="pn">{18}</span> que, sob fórma de tradição, +constituem ha mais de dous mil annos o fundo commum da civilisação europêa. +N'estes termos, a theoria romantica tem o seu valor e a sua applicação. +Applica-se tanto mais quanto menos <i>romanisado</i> (isto é, civilisado) foi o +povo cuja litteratura se estuda; mais á Allemanha do que á França; muito á +Inglaterra, muito pouco á Italia; muito mais á Hespanha do que a Portugal; em +absoluto, a nenhum se póde applicar. A mesma litteratura allemã (sahida da raça +que menos elementos latinos absorveu) será por ventura exclusivamente +<i>germanica</i>? Seria um paradoxo affirmal-o. Do seculo <small>IX</small> em +diante a pureza do elemento germanico altera-se, e cada vez mais turvo segue de +seculo para seculo. O grande fundador da litteratura allemã, Luthero, que +começa com a Reforma a reacção do germanismo contra o romanismo, representará +acaso na sua obra, nas suas idéas, nos seus escriptos, o elemento germanico +puro, estreme, exclusivo? Pelo contrario, se o caracter de Luthero é +essencialmente allemão, a <i>doutrina</i> de Luthero essa é quasi completamente +extra-allemã, filha da Biblia hebraica e do platonismo grego. E Leibnitz? e +Lessing? e Goethe, o <i>velho pagão</i>?... Se os romanticos allemães quizessem +ser completamente logicos, tinham de fazer terminar o periodo nacional da +litteratura allemã no seculo <small>X</small>, com os Niebelungen, ou quando +muito no seculo <small>XVI</small>, com os Meistersaenger: d'ahi por diante em +parte alguma se encontra o <i>germanismo</i> puro. E todavia, é no seculo +<small>XVI</small><span class="pn">{19}</span> que verdadeiramente começa a +grande época do pensamento allemão!</p> + +<p>Eis as insoluveis difficuldades que levanta o systema ethnologico applicado +ás litteraturas modernas, ainda mesmo áquellas em que mais visiveis são as +influencias de raça. Que será então, se o quizermos applicar a uma nação sem +base ethnographicamente definida, como a portugueza, criação da politica e não +da natureza, das instituições e não da raça, e que mais que nenhuma outra, +talvez, absorveu e fez seu o genio da civilisação romana? Evidentemente, a +theoria romantica não póde ter aqui senão uma applicação muito limitada e muito +secundaria: e é por ter desconhecido esses limites que o snr. Theophilo Braga, +collocando-se exclusivamente no ponto de vista ethnologico, não conseguiu, +apesar da sua competencia scientifica e provada capacidade, dar senão uma +solução incompleta e muitas vezes forçada ao problema da systematisação e +explicação geral da litteratura portugueza. Dominado pela necessidade de dar +por fundamento ao genio nacional o genio d'uma raça primitiva e <i>sui +generis</i>, teve, por assim dizer, de inventar para Portugal essa raça +primitiva. Estendeu um facto particular de certas provincias, a existencia das +populações mosarabicas, a todo o paiz; e, transformando esse phenomeno +puramente social em phenomeno ethnologico, fez dos mosarabes uma raça +distincta, cuja profunda espontaneidade, apesar de prematuramente suffocada, se +revelou em criações sentimentaes, que o snr. Theophilo Braga<span +class="pn">{20}</span> laboriosamente trata de descobrir, e que, segundo elle, +teriam dado á litteratura portugueza uma feição original, se a tradição +classica não tivesse obstado ao desenvolvimento livre d'esse cyclo +verdadeiramente nacional. Esta esterilisadora tradição classica vê-a o snr. +Theophilo Braga representada na aristocracia asturoleoneza romanisada, +authoritaria e imitadora. A aristocracia, pela instituição monarchica, pelo +catholicismo, pelo provençalismo, depois pela reforma dos foraes, o direito +romano e o poder absoluto, suffoca o livre genio mosarabico e faz da +litteratura portugueza, que nas mãos poeticas do mosarabe promettia ser um +jardim oriental, um triste deserto de imitações estereis e infesadas, onde só +por milagre a seiva primitiva faz de longe em longe rebentar alguma flôr +doentia, fadada a morrer sem se propagar. D'aqui conclue o snr. Theophilo Braga +que litteratura verdadeiramente <i>nacional</i> nunca chegou a haver entre nós. +</p> + +<p>Expôr esta doutrina, nas suas conclusões extremas, é quasi refutal-a. Nem as +populações mosarabicas constituiram uma raça, nem a área por ellas occupada se +estendeu a todo o paiz, nem na sociedade portugueza existiu nunca o supposto +dualismo, a opposição do mosarabe plebeu e do aristocrata godo: nada d'isto se +póde provar scientificamente, nem mesmo racionalmente conjecturar. Os +mosarabes, isto é, os christãos, que, tendo acceitado o dominio dos arabes, +viviam no meio d'elles, adoptando-lhes os costumes, mas conservando a antiga +religião, não<span class="pn">{21}</span> formaram um grupo ethnographicamente +classificavel: eram, como é ainda hoje toda a população da Peninsula, +exceptuados os Bascos, um mixto formado pelo sangue ibero, romano, godo e +arabe, em proporções extremamente variaveis de região para região. Que tem isto +que vêr com uma raça particularmente portuguesa?--Depois, essas populações +mosarabicas pouco se estenderam ao norte do Mondego: ora, é exactamente do +Mondego para o norte que residiu durante os primeiros seculos a força da +nacionalidade portugueza, d'ahi que partiu o grande impulso emancipador. Não +fôram pois os mosarabes os fundadores d'essa nacionalidade, nem os criadores do +seu caracter particular. Temos vivido e vivemos ainda hoje d'esse espirito de +intrepida personalidade, que fez então erguerem-se os homens energicos do norte +de Portugal, não do <i>genio mosarabe</i>, que (ainda que tivesse existido) +seria sempre secundario.</p> + +<p>Finalmente, a opposição do mosarabe e do aristocrata godo reduz-se +simplesmente á opposição da plebe e da aristocracia, facto social e não +ethnologico, geral em toda a Europa, e que nada tem que vêr com a originalidade +das litteraturas. A aristocracia, durante seculos, não esmagou ou suffocou o +espirito das populações inferiores, nem entre nós nem em parte alguma: +civilisou. Depositarias das tradições romanas e, ao mesmo tempo, representantes +do genio de cada nacionalidade, no que elle tinha de mais energico, as +aristocracias exerceram uma legitima influencia iniciadora, e, durante 600 ou +700<span class="pn">{22}</span> annos de formidavel tumulto heroico, dispozeram +os elementos com que as monarchias da Renascença constituiram definitivamente +as nações modernas. Dar á aristocracia um papel todo negativo é querer reduzir +ao absurdo, com uma pennada, sete seculos da historia da Europa e contradizer +um dos resultados mais seguros da moderna sciencia historica, a classificação +dos elementos sociaes e a importancia de cada qual na obra commum.</p> + +<p>O erro dos principios vê-se sobretudo nas conclusões. Com effeito, uma vez +estabelecido o dualismo e considerado o povo portuguez como mosarabe, e o +mosarabe como só inspirado e criador, toda a litteratura culta tinha +forçosamente de ser condemnada pelo snr. Theophilo Braga, como anti-nacional, +recebendo fóros de nacionalidade sómente a poesia popular: tudo mais não passa +de imitação, copia servil, e, como tal, esteril e sem importancia aos olhos da +philosophia. Esta larga parte da imitação na nossa litteratura descobre-a o +snr. Theophilo Braga com exemplar erudição e excellente critica, mostrando +claramente as influencias provençal, franceza, hespanhola e italiana a que +obedeceu a litteratura portugueza. Mas não é no facto das imitações que está a +questão. Esse facto não se dá só comnosco; dá-se em todas as litteraturas das +nações da Europa então cultas. A influencia provençal fez-se sentir na França, +na Italia, na Hespanha e até na Allemanha; os poemas francezes foram, por seu +turno, traduzidos e imitados por toda a parte na<span class="pn">{23}</span> +idade média, e as litteraturas hespanhola e italiana tiveram tambem o seu +momento de se tornarem europêas. Que prova isto? Prova simplesmente que já na +idade média a Europa formava uma especie de confederação moral, e que a troca +dos pensamentos, das descobertas, das criações artisticas era já então uma lei +natural para nações todas christãs, herdeiras todas da civilisação romana. Mas +essa troca não implica a abdicação das originalidades nacionaes. Na adopção das +idéas estrangeiras cada povo recebe o que convém ao seu temperamento +particular, dá-lhe uma feição propria, e póde mostrar a originalidade do seu +genio dentro das fórmas recebidas dos outros. Poucas, pouquissimas obras +<i>originaes</i>, no sentido exclusivo e absoluto em que o snr. Theophilo Braga +toma esta palavra, nos apresentam as litteraturas dos povos ainda os mais +criadores: n'esse sentido não é original Virgilio, nem Dante, nem Camões, nem +Lope de Vega, nem Shakespeare, nem Corneille, nem Goethe. Mas as litteraturas +apresentam-nos muitas obras primas, formadas d'uma maneira nova e +<i>original</i> com elementos estranhos ou já conhecidos. Por essas, tão bem +como pelas outras, se póde avaliar o caracter, as tendencias, o genio emfim do +povo que as produziu, e é quanto basta para se poder affirmar que esse povo +teve ou tem litteratura e que essa litteratura é original. O genio, em geral, e +em particular o genio nacional, consiste muito mais na maneira <i>propria</i> +de dispôr os materiaes herdados ou emprestados,<span class="pn">{24}</span> do +que na criação, como que inteiriça e d'um jacto, de elementos completamente +novos e sem precedentes--<i>proles sine matre creata</i>. Ora a humanidade vive +sobretudo de tradições, e ha para os povos como para os individuos um +verdadeiro ensino mutuo, pelo qual cada um, sem deixar de ser o que é, +aproveita da experiencia e do trabalho dos outros. O snr. Theophilo Braga, que +é poeta e bom poeta, e além d'isso homem de gosto e consciencioso, por si +apreciaria o valor d'estas verdades, se o espirito systematico não obscurecesse +o seu bom juizo em se tratando da litteratura portugueza.</p> + +<p>Quer isto dizer que as suas idéas, por incompletas, sejam inteiramente +estereis para a historia da nossa litteratura? Por fórma alguma. Ninguem, +melhor do que o snr. Theophilo Braga, comprehendeu a alta significação da nossa +poesia popular, que estudou com verdadeiro amor e respeito religioso: e este +sentimento do <i>primitivo</i> e do <i>espontaneo</i> deve-o ao seu ponto de +vista ethnologico. Por este sentimento pôde com muito tacto discriminar a parte +da imitação e de convencional nas obras da poesia culta, embora, a meu vêr, +concluisse mal do facto d'essa imitação. Por elle pôde caracterisar certas +physionomias originaes, até aqui mal comprehendidas, Gil Vicente, por exemplo. +Em tudo isto a sua critica é excellente. E é por isso mesmo que os apreciadores +do talento e das obras do snr. Theophilo Braga devem, me parece, fazer votos +para que a sua sensivel imaginação o não seduza, com vagas miragens,<span +class="pn">{25}</span> para fóra do campo dos trabalhos de analyse e critica, +que são a sua vocação, arrastando-o para as regiões perigosas da synthese e da +philosophia, onde a imaginação e o sentimento, essas fadas encantadoras, se +transformam muitas vezes em perfidas ondinas e sereias, para mal de quem as +segue com muito candida confiança.<span class="pn">{26}</span> <span +class="pn">{27}</span></p> + +<h1>II</h1> + +<p>Se a escóla ethnologica está representada, entre os escriptores novos, pelo +snr. Theophilo Braga, a escóla social e historica--a unica, talvez, a que +propriamente se devêra dar o nome de philosophica--acaba de achar igualmente +entre nós um digno representante n'um escriptor moço e do maior futuro, o snr. +Oliveira Martins, que n'um livro recente estudou a proposito de Camões (e para +nos explicar Camões), a litteratura portugueza do seculo <small>XVI</small>, no +ponto de vista largo e comprehensivo, ao mesmo tempo politico e psychologico, +que caracterisa esta ultima escóla.</p> + +<p>N'este ponto de vista, a litteratura d'um povo, considerada como um todo +symetrico, uma obra gigantesca e collectiva, apresenta-se como a expressão do +seu espirito nacional, determinado não por tal ou tal elemento primitivo e, por +assim dizer, physiologico,<span class="pn">{28}</span> mas pelos elementos +complexos, uns fataes outros livres, uns criados outros herdados, cuja synthese +constitue a <i>idéa</i> da sua nacionalidade--raça, instituições, religião, +tradição historica, e vocação politica e economica no meio dos outros povos. A +idéa nacional, na sua evolução, determina gradualmente o que se póde chamar o +temperamento da nação; e, se esta surda fermentação se manifesta em tudo, nos +seus actos e nos seus pensamentos, revela-se sobretudo na sua imaginação, isto +é, no seu ideal, cuja expressão mais livre é a arte e a litteratura. N'esta +invisivel circulação da seiva interior ha periodos, periodos de revolução, de +progresso, de retrocesso, de incubação ou de plenitude de forças: a estes +correspondem invariavelmente os periodos artisticos e litterarios, com suas +revoluções, suas variações de intensidade, lenta formação de escólas, morbidos +estacionamentos, subitas e inflammadas florescencias. E, como n'esta vegetação +collectiva, cada ramo, cada folha, cada fructo, se alimenta com a seiva commum +e tem uma vitalidade proporcional á força que trabalha o grande tronco, o +espirito individual acompanha o espirito nacional nas suas evoluções, gradua +pela d'elle a sua intensidade: a sua liberdade interior tem por limites, +realisando-se, as condições do meio em que se desenvolve, e o genio do artista, +do poeta, ainda quando protesta e se revolta, é sempre <i>adequado</i> ao genio +do seu povo e da sua época. É por aqui que a historia litteraria se liga á +philosophia da historia, ou antes, que faz<span class="pn">{29}</span> parte +d'ella. As grandes épocas litterarias coincidem com as épocas de plenitude do +sentimento nacional, aquellas em que esse sentimento, tomando consciencia de +si, se revela em obras harmonicas e complexas, que são como que o fructo +definitivo da lenta elaboração das instituições, dos costumes, dos pensamentos. +Reaes e juntamente ideaes, essas obras supremas dizem-nos ao mesmo tempo o que +um povo <i>foi</i> e o que <i>quiz ser</i>, descobrem-nos a sua +<i>aspiração</i> intima e marcam os <i>limites</i> dentro dos quaes lhe foi +dado realisal-a. São o commentario moral das revoluções politicas e sociaes, e +como que os annaes da consciencia nacional: e, para a philosophia, é na +consciencia que a historia encontra a sua explicação definitiva e a sua final +justificação.</p> + +<p>O que diz Camões a quem, depois de o ter lido com olhos de homem de gosto, o +relê com olhos de philosopho? Camões, responde o snr. Oliveira Martins, diz-nos +o <i>segredo</i> da nacionalidade portugueza. Houve, com effeito, uma +nacionalidade portugueza--por mais estranha que esta affirmação nos pareça, a +nós, portuguezes do seculo <small>XIX</small>, que não atinamos a encontrar no +presente uma <i>causa vivendi</i>: houve uma razão de ser tanto para as +instituições como para os individuos, e uma idéa nacional, espalhada como a +alma collectiva por todo este corpo, então vivo e agil. E não só houve uma +nacionalidade portugueza, mas essa nacionalidade, superior aos impulsos cegos +da raça e á fatalidade da geographia, produziu-se como uma obra do esforço e da +vontade,<span class="pn">{30}</span> não resultado de obscuros instinctos +primitivos, como um facto politico e moral, não como um facto etimologico. +Quando em Hespanha não havia ainda senão catalães, castelhanos, leonezes e +navarros; em França provençaes, gascões, bourguinhões, bretões; em Allemanha +suabos, austriacos, saxões, hanoverianos; em Italia tantos pequenos estados +rivaes quantas cidades, e não se fazia bem idéa do que fosse ser hespanhol, +francez, allemão, italiano, porque estas palavras França, Hespanha, Allemanha, +Italia designavam apenas vagas agrupações naturaes e não grupos organisados--em +Portugal havia só portuguezes, e ser portuguez tinha uma significação definida +e precisa. Este é o grande facto, diz o snr. Oliveira Martins, que faz d'elle o +seu ponto de partida: daqui, a cohesão politica da nação; d'aqui, a sua +physionomia moral. Essa cohesão é a unidade; essa physionomia é o patriotismo. +O patriotismo, pondera acertadamente o snr. Oliveira Martins, é cousa muito +distincta do amor da terra: e o patriotismo, como os portuguezes dos seculos +<small>XV</small> e <small>XVI</small> o conceberam, foi um phenomeno moral +quasi unico na Europa de então, e que os tornou muito mais parecidos com os +romanos antigos do que com os povos seus contemporaneos. O patriotismo é uma +idéa abstracta, que excede a capacidade toda sentimental da raça; o instincto +naturalista da raça dá o amor da terra; não vai mais além: só a idéa nacional +póde dar o patriotismo, comprehendido á romana e á portugueza. O Cid batalha +mais d'uma vez contra os<span class="pn">{31}</span> castelhanos, ao lado dos +arabes; o condestavel de Bourbon vira a sua espada aventureira contra a França +que o viu nascer; nem por isso deixa o Cid de ser um typo de bravura idealisado +pelos hespanhoes, e o condestavel de Bourbon um leal cavalleiro para todos os +cavalleiros de França; mas os Pereiras, combatendo ao lado dos castelhanos em +Aljubarrota, são malditos, <i>arrenegados</i>; e, mais tarde o Magalhães será +<i>portuguez no feito, porém não na lealdade</i>: apostataram da idéa nacional. +Eis a grande differença. Esta noção do patriotismo cria uma ordem de +sentimentos particulares dos individuos para com a nação, um modo de ser moral +peculiar. É o dever patriotico, como o comprehenderam em Roma Fabricio, Regulo, +Catão, em Portugal Castro, Albuquerque--o dever patriotico, cuja expressão +suprema é o heroismo. Leia-se a historia da Europa até ao seculo +<small>XVI</small>: abundam os <i>bravos</i>, mas difficilmente se encontrarão +os <i>heroes</i>, segundo o typo magnanimo que a antiguidade realisou, e que de +novo e no seu ponto de vista realisou Portugal durante os seculos +<small>XV</small> e <small>XVI</small>. No <i>peito illustre lusitano</i> havia +então alguma cousa de grande e transcendente, que impellia a nação para um +destino extraordinario e suscitava no meio d'ella os heroes, que deviam servir +a idéa nacional com a abnegação tenaz e superior com que se serve uma idéa +religiosa. É que o patriotismo é uma especie de religião civil. Foi por essa +religião que, durante tres seculos, nos erguemos no mundo, para realisar um +sonho gigantesco<span class="pn">{32}</span> e quasi sobre-humano: foi por ella +tambem que cahimos exangues e desilludidos, porque a realidade faltou ao sonho, +porque todo o sonho, com o seu idealismo, se exalta primeiro, perturba depois, +transvia, endoudece aquelles que envolve nas suas nevoas phantasticamente +luminosas, mas sempre enganadoras.</p> + +<p>A época nacional portugueza, por excellencia, é o seculo <small>XVI</small>. +Tudo concorre então para dar ao espirito dos portuguezes aquelle summo grau de +tensão, que produz os grandes movimentos nacionaes. A nacionalidade rompe com +impulso irresistivel os seus limites tradicionaes, transborda fremente como um +rio caudaloso, e affirma-se na sua plenitude pelas descobertas e pelas +conquistas. Dentro, a sua força é o resultado da sua concentração: pela reforma +dos foraes, pela monarchia absoluta, pela expulsão dos judeus, attinge o maximo +de unidade politica, social, religiosa, isto é, o maximo de poder sobre si +mesma. Esta energica cohesão depura o sentimento nacional, dá-lhe uma segura +consciencia de si, e leva-o áquelle grau de tensão em que o patriotismo, +exaltando-se, se transforma n'uma especie de heroismo universal. A nação faz-se +heroe: o heroismo é a sua atmosphera ordinaria, e todos participam mais ou +menos d'esse contagio sublimador. D'aqui, uma concepção particular da vida +social, do direito, do dever, tanto para a nação como para os individuos. +<i>Ser portuguez</i> é alguma cousa de especial, um typo <i>sui generis</i> de +virilidade e nobreza, que todos procuram<span class="pn">{33}</span> realisar, +e que a litteratura idealisa, de que ella se inspira na phase nova em que então +entra. Com effeito, a esta evolução moral corresponde uma evolução litteraria. +Á escóla provençal-castelhana, lyrica, aventureira e romanesca, succede a grave +escóla italiana, com a feição nova que o espirito portuguez lhe deu, +adoptando-a, isto é, moral e epica. Ao trovador Bernandim Ribeiro, ao popular +Gil Vicente succedem Sá de Miranda e Ferreira, dous romanos. O velho typo +cavalheiresco, phantasioso e sentimental, empallidece diante d'esse outro que +surge, nobre e digno, quasi severo, o homem do dever, não da sensibilidade, que +João de Barros, Ferreira e Miranda vão levantando, e que Camões virá collocar +sobre o sublime pedestal epico.</p> + +<p>Este typo, o verdadeiro typo portuguez do seculo <small>XVI</small>, como se +revela nos <i>Lusiadas</i>, não é com effeito uma mera invenção do genio de +Camões: é uma genuina criação nacional, um ideal do sentimento collectivo, que +se foi gradualmente formando e depurando, até encontrar no grande poeta quem +lhe désse uma expressão definitiva. É por isso mesmo que elle domina, de toda a +sua altura, o pensamento e a obra de Camões. O que o poeta canta é o heroismo +portuguez; o <i>peito illustre lusitano</i>: e todo o seu poema se resume +n'isto, como n'esse poema se resume toda a vida moral portugueza durante um +seculo. A razão intima dos acontecimentos, dos costumes, das opiniões +encontra-se alli: explicam-se por elle, e só elles tambem o explicam +completamente.<span class="pn">{34}</span> O poema e a sociedade são por seu +turno texto e glosa que mutuamente se commentam.</p> + +<p>N'este ponto de vista, historico e psychologico, não no ponto de vista +meramente litterario d'uma esteril poetica de convenção, é que os +<i>Lusiadas</i> devem ser estudados e comprehendidos--e cabe ao snr. Oliveira +Martins a gloria de ter sido o primeiro a fazel-o, a gloria de ter +<i>commentado</i> philosophicamente os <i>Lusiadas</i>. A esta luz tudo se +explica na concepção do poema e na substancia moral d'elle: percebe-se a razão +d'este estranho phenomeno, estranho e unico, do apparecimento d'um verdadeiro +poema epico nacional em plena idade moderna.</p> + +<p>Isto em quanto á concepção. Em quanto, porém, a certa ordem de sentimentos, +que, no ponto de vista epico, são secundarios, mas que occupam um grande logar +no poema, para os comprehender faz-nos o snr. Oliveira Martins considerar outro +lado da physionomia tão complexa de Camões e da sua época. Com effeito, se +Camões é um portuguez do seculo <small>XVI</small>, é ao mesmo tempo um artista +da Renascença; d'aqui todo um lado dos <i>Lusiadas</i>, que excede a idéa +nacional, e por onde este profundo poema se liga, não já á vida necessariamente +estreita d'um simples povo, mas ao vasto movimento do espirito humano nos +tempos modernos. Sem este lado, a significação dos <i>Lusiadas</i> seria +meramente nacional e local, não europêa e universal: teriam só um valor +historico e não philosophico tambem. Mas Camões, portuguez pelo caracter e pelo +coração, era pela<span class="pn">{35}</span> intelligencia mais do que +portuguez sómente. Respirava a atmosphera subtil e vivificante da Renascença: +no seu vasto espirito, como no dos grandes artistas d'esse tempo, havia um lado +mysterioso e profundo que se virava, não para o passado ou para o presente, mas +para o illimitado futuro, presentindo já a revolução moral dos seculos +<small>XVIII</small> e <small>XIX</small>. Se Camões, como portuguez é patriota +e heroico, como homem da Renascença é pantheista; pantheista platonico e +idealista, já se vê, como Miguel Angelo, Leonardo de Vinci, Shakespeare. +Portuguez, exalta os feitos por onde o seu povo conquista entre as nações um +logar proeminente: homem da Renascença, sente e interpreta a natureza com um +naturalismo impregnado de idealidade, que é mais ainda o presentimento d'um +mundo moral novo, do que uma imitação da antiguidade pagã. O sentimento +pantheista da natureza, sentimento todo moderno, e que devia mais tarde chegar +á plenitude em Rousseau, Goethe, Hugo, appareceu pela primeira vez em Camões. +D'aqui, o caracter do seu espanto em face dos grandes phenomenos maritimos; +d'aqui, a concepção do Adamastor; d'aqui, o sensualismo da primeira parte do +canto <small>XI</small> e o idealismo da ultima. É por este lado que Camões +toma logar entre os grandes espiritos, os <i>Lusiadas</i> entre as grandes +obras dos tempos modernos. A imaginação prophetica do poeta anticipa tres +seculos na historia psychologica da humanidade.</p> + +<p>Com todos estes elementos, uns portuguezes, outros<span +class="pn">{36}</span> europeus, uns locaes, outros universaes, recompõe o snr. +Oliveira Martins a physionomia complexa de Camões e dos <i>Lusiadas</i>, com +uma lucidez e segurança de critica verdadeiramente surprehendentes para quem +considerar a completa novidade do seu trabalho. A sua luminosa synthese abraça +o poeta, a obra e a época: e pela época, pelo poeta e pela obra faz-nos sentir +a intima realidade da nação e a sua razão de ser historica. E n'essa mesma +synthese comprehende-se tambem a sua decadencia; triplice decadencia, politica, +moral, litteraria. Como? pela decadencia da idéa nacional. Com effeito, o +patriotismo heroico do Portugal do seculo <small>XVI</small> continha em si +mesmo os germens da propria dissolução. Era grande, mas não era justo: ora nada +dura no mundo senão pela justiça. Tinha fatalmente de se corromper essa +orgulhosa idéa nacional, fundada na violencia da conquista, na intolerancia +religiosa e no despotismo politico. Os vicios interiores do organismo nacional +appareceram bem depressa: appareciam já no tempo de Camões: nos <i>Lusiadas</i> +encontram-se de vez em quando estrophes sombrias, que são como um lugubre +<i>cras enim moriemur</i> lançado no meio das alegrias d'aquelle festim +heroico. Era o futuro velado e lutuoso que o poeta entrevia n'um deslumbramento +prophetico. A nação estava, com effeito, condemnada. O heroismo que tem de +durar lança as suas raizes na região mais inalteravel, mais incorruptivel da +consciencia humana, e as do nosso não chegaram lá: foi uma especie de <i>sezão +nacional</i>; não<span class="pn">{37}</span> foi um acto reflectido, filho da +liberdade moral, um esforço supremo pela justiça; foi apenas um egoismo +sublime. Por isso, martyres da propria obra, a nossa queda foi cheia de +tristeza e confusão, nem nos ficou no rosto a serenidade luminosa dos +verdadeiros martyres.</p> + +<p>As paginas austeras em que o snr. Oliveira Martins estabelece esta +distincção entre o heroismo da consciencia e o da fatalidade, e mostra Portugal +condemnado por aquillo mesmo que fizera a sua virtude e a sua grandeza, são das +mais gravemente pensadas que se tem escripto na nossa lingua. É a verdadeira +philosophia da historia aquella sua, que reduz e subordina toda a actividade +humana á consciencia e á justiça. A injustiça da idéa nacional, como os +portuguezes então a conceberam, corrompeu gradualmente as instituições, +infiltrou-se nos espiritos e perverteu os costumes: a sociedade, minada +interiormente, vacillou, em despeito do esplendor mentiroso que exteriormente a +vestia, e começou a desabar. O snr. Oliveira Martins desenhou com mão segura e +vivissimo colorido o quadro das implacaveis realidades, que, produzidas pelo +heroico idealismo portuguez, se viraram contra elle, o viciaram e acabaram por +destruil-o. A nação, atacada d'este modo nos seus orgãos mais vitaes e na mesma +alma, que podia produzir no mundo do espirito, da arte, da litteratura? Á +decadencia social e moral tinha necessariamente de corresponder a decadencia +litteraria. Um desregramento doentio das imaginações privadas de ideal, depois +um estreito classicismo e<span class="pn">{38}</span> uma poetica de academias, +succederam á livre e fecunda expansão do genio portuguez no mundo do sentimento +e da phantasia. A idea nacional levou comsigo para a cova o segredo das +criações poeticas. Do seculo <small>XVI</small> até hoje não produziu Portugal +uma unica obra artistica ou litteraria verdadeiramente nacional. De vez em +quando, n'alguns momentos excepcionaes, o genio d'alguns homens tem-se +levantado como um protesto, e tem-se visto ainda uma ou outra obra viva. Mas +essa inspiração é toda individual, não é nacional: é um producto natural, que +póde demonstrar que a raça não morreu com a nacionalidade, não é filha d'um +sentimento commum e como que organico da sociedade portugueza. A decadencia +nacional é o grande facto inexoravel da nossa historia, vai em tres seculos: a +decadencia litteraria é uma fórma d'ella, nada mais.</p> + +<p>Decadencia irremediavel? pergunta o snr. Oliveira Martins, nas ultimas +paginas do seu livro. Não! responde-lhe a philosophia revolucionaria. A nossa +renovação moral e litteraria será possivel no dia em que, pela reforma das +instituições sociaes, por uma nova e melhor comprehensão da justiça, comece +outra vez o espirito a circular n'este grande corpo, mais inerte ainda do que +acabado, volte a animal-o uma alma, um ideal collectivo. Então Portugal terá de +novo uma razão de ser, e a idéa nacional, mais brilhante e mais quente depois +do seu eclipse secular, fará rebentar outra vez fructos e flôres d'este chão +endurecido sim, mas debaixo do<span class="pn">{39}</span> qual ha ainda +(embora a grande profundidade) fontes vivas em abundancia. As grandes acções +serão outra vez possiveis, e um melhor e mais alto heroismo: por elle serão não +só possiveis, mas quasi inevitaveis os grandes pensamentos poeticos. A +renovação litteraria de Portugal é correlativa com a sua renovação social e +está dependente d'ella: é a conclusão do livro do snr. Oliveira Martins, +conclusão que todos devemos aceitar, não como uma vaga esperança, mas como uma +verdade philosophica cuja realisação não depende senão do nosso esforço, da +energia do nosso sentimento moral. Somos os operarios do nosso proprio destino, +e desde já as nossas mãos o vão aperfeiçoando: terá a fórma que lhe dermos.</p> + +<p>N'este trabalho solemne da renovação nacional, grande é a tarefa que está +talhada para a geração nova, e immensa a sua responsabilidade! Estará ella, +pela intelligencia e pelo coração, pela sciencia e pela virtude, á altura +d'esta obra austera e formidavel? Muitos o duvidam, vendo-lhe no rosto uma +pallidez de mau agouro... Não me cabe a mim decidil-o: direi sómente que +(quaesquer que tenham de ser os nossos destinos) para darem testemunho das +intenções sérias d'uma parte consideravel da nossa geração, do seu espirito +renovador, da sua aspiração a uma melhor sciencia, bastarão em todo o tempo +obras como a <i>Historia da litteratura portugueza</i>, do snr. Theophilo +Braga, e o <i>Ensaio sobre Camões</i>, do snr. Oliveira Martins.</p> + +<p> </p> + +<p style="text-align: right;"><i>9 de maio de 1872.</i> </p> + +<p><span class="pn">{40}</span></p> + +<p>Estavam já escriptas e publicadas estas paginas, quando appareceu, com o +titulo de <i>Desenvolvimento da litteratura portugueza</i>, a <i>These</i> do +snr. Pinheiro Chagas, para o concurso da 3.ª cadeira no Curso superior de +letras. N'esta resenha das opiniões, emittidas pelos escriptores da nova +geração, sobre o systema geral da nossa litteratura, fôra injustiça não +consagrar algumas linhas ao trabalho do snr. Pinheiro Chagas, já pelo valor do +trabalho em si, já pela posição que seu author occupa entre os escriptores +moços.</p> + +<p>As conclusões da <i>These</i> do snr. Pinheiro Chagas são as seguintes:</p> + +<p> </p> + +<p>1.º--Que o povo portuguez não é constituido por uma raça especial, a que se +dê o nome de mosarabe, comprimida sempre e atrophiada nas suas criações pela +nobreza, constituida por outra raça, a que se dê o nome de asturiana.</p> + +<p>2.º--Que nem as inducções philologicas, nem os factos historicos, permittem +que se dê ao povo portuguez uma origem germanica, e á aristocracia uma origem +latina; que, pelo contrario, se algum dos elementos constitutivos da raça +peninsular prodomina no povo, deve ser o elemento hispano-romano, e na +aristocracia o elemento gothico.</p> + +<p>3.º--Que teve o povo portuguez, durante a idade média, uma vigorosa +existencia, manifestada politicamente<span class="pn">{41}</span> pela robusta +vida municipal, litterariamente pela sua collaboração nos vastos romanceiros +peninsulares, e pelas chronicas de Fernão Lopes.</p> + +<p>4.º--Que a litteratura aristocratica aceitou a influencia provençal, a +influencia da França do norte, e a influencia italiana, como succedeu nos +outros reinos da Peninsula.</p> + +<p>5.º--Que no seculo <small>XVI</small> a reação latinista imperou aqui, da +mesma fórma que em toda a Europa, mas que a originalidade do nosso povo se +manifestou com o vigor admiravel na epopêa de Camões, no theatro de Gil +Vicente, e nas chronicas dos descobrimentos.</p> + +<p>6.º--Que a decadencia da nossa litteratura foi devida a tres causas +deprimentes: o despotismo monarchico e centralisador, que imperou em todas as +raças neo-latinas, o despotismo religioso que actuou com a mesma energia na +Italia e principalmente na Hespanha, e a perda da nossa nacionalidade, que foi +uma causa especial, devida a fataes circumstancias historicas.</p> + +<p> </p> + +<p>Estas conclusões, como o leitor vê, entram, salvo leves differenças, no +ponto de vista das considerações que apresentei, tanto combatendo o systema do +snr. Theophilo Braga, como expondo e commentando o do snr. Oliveira Martins. +Por isso não posso, sem me repetir escusadamente, insistir n'estes pontos. +Concordo com o modo de vêr tão lucido e tão realmente portuguez, sem deixar +nunca por isso de ser<span class="pn">{42}</span> scientifico, do snr. Pinheiro +Chagas; e folgo de me encontrar (pelo menos n'este sereno campo da historia +litteraria, onde se descança, entre flôres ideaes, de tantas luctas que separam +os homens de hoje) em communhão de vistas com um espirito tão gentil e +cultivado.</p> + +<p>Desejo, porém, dar relevo a um ponto, por onde a <i>These</i> do snr. +Pinheiro Chagas particularmente me impressionou. É o caracter eminentemente +nacional e (vá a palavra, apesar de tão conspurcada pelos vendilhões de +portuguezismo) <i>patriotico</i> da sua critica.</p> + +<p>A sciencia, essa grande potencia imparcial, essa patria commum de todos os +espiritos <i>bem nascidos</i>, está certamente muito acima do patriotismo, que +tantas illusões offuscam, que tantas miserias até encobre ás vezes debaixo da +sua apparatosa <i>toga pretexta</i>. Mas essa preferencia e esse sacrificio do +patriotismo á sciencia dá-se só onde o patriotismo estreito ou refalsado tenta +oppôr-se á luminosa sciencia, franca e comprehensiva. Então, caia por terra, +seja derrocado sem piedade o edificio ruinoso do orgulho d'um povo! Passe a luz +da intelligencia através das ruinas, e purifique-as!--Mas não é isso o que se +dá com a historia litteraria portugueza. Cá não existe essencialmente tal +opposição. Um largo patriotismo é perfeitamente compativel com a imparcialidade +da critica, no estudo dos nossos poetas, dos nossos escriptores, durante 600 +annos, que não foram sem gloria nem originalidade.<span class="pn">{43}</span></p> + +<p>Vou mais longe. Direi que esse largo e justo sentimento patriotico é até +indispensavel para bem comprehender o que houve n'este povo, na sua vida +agitada, dramatica, heroica, a sua alma, a sua realidade moral.</p> + +<p>Sim, existimos! e existimos como homens, pensando, sentindo, querendo, +obrando. Criámos, descobrimos, combatemos; e podemos dizer ao mundo: «Aqui está +o que nós amámos! aqui está o que nós odiámos!»--E o que é isto senão +<i>sentir-se</i> portuguez e ser patriota? E como, sem isto, se poderá +comprehender o que pensaram e escreveram portuguezes, e pensaram e escreveram +como portuguezes?</p> + +<p>A sciencia não contradiz isto. Parte, pelo contrario, d'este ponto de +partida. E é em nome d'ella que o snr. Pinheiro Chagas diz com tanta verdade +como energia: «os portuguezes não são os párias litterarios da Europa!»</p> + +<p>Esta affirmação do passado é-nos necessaria para podermos, através do +presente tão cheio de melancolia, crêr e confiar n'um futuro melhor--e +preparal-o virilmente.</p> + +<p>Que significa pois essa pseudo-escóla, que, em nome de não sei que sonhada +decadencia das raças latinas, deprime systematicamente quanto teve ou tem o +nome de portuguez, e nos aponta o ideal d'um messianico germanismo (que nem +talvez saiba definir), de uma absurda supremacia das raças germanicas, como a +unica salvação possivel?</p> + +<p>Estranha salvação, com effeito, para a qual é<span class="pn">{44}</span> +necessario começarmos por deixar de ser quem somos! Aconselham-nos que imitemos +pacientemente, sem critica e sem protesto, os exemplos dos nossos mestres e +senhores, os allemães, unicos pensadores e sabios, ao que parece, sem verem que +<i>imitação</i> importa <i>abdicação</i>, e que um povo que abdica do seu +pensamento é um povo que se suicida!</p> + +<p>Como se não bastassem já as nossas miserias actuaes, juntam-lhes mais esta, +e capital: a descrença da nossa propria capacidade e da nossa vida moral. É +este exactamente aquelle maximo peccado, que a Igreja considerou sem remissão: +<i>desesperação de se salvar</i>.</p> + +<p>Não é assim, pelo desespero e abdicação, que nos salvaremos. Não é assim que +quem está prostrado se levanta; esperando que alguem lhe dê a mão. Esse tal +jazerá eternamente.</p> + +<p>Sejamos nós mesmos. Tenhamos esse valor, e tudo se tornará possivel. Antes +de tudo, convém crermos em nós mesmos, no passado como no presente. Crêr em si +não é adorar-se. Podemos ter essa crença, sem santificarmos por isso os nossos +vicios, sem nos illudirmos sobre as nossas miserias antigas e modernas, sem nos +endurecermos na nossa ignorancia e confusão. Podemos crêr em nós, e +confessarmos os nossos erros: quem se suicidou só por que uma vez se reconheceu +peccador? Se errámos e peccámos (e peccámos e errámos bastante), reformemo-nos +corajosamente, mas seguindo sempre uma inspiração propria, consultando a nossa +alma, não a dos<span class="pn">{45}</span> outros, a voz da nossa consciencia, +não a da consciencia alheia.</p> + +<p>Foi isto o que fez essa Allemanha, que nos impõem como modêlo os que talvez +menos a conhecem, essa Allemanha, que eu admiro, a quem devo muito, mas a quem +quero seguir livremente, com um plenissimo direito de critica, e consultando +sempre os meus intimos instinctos de <i>latino</i>, que sou e não me envergonho +de ser. A Allemanha, perdida, ensanguentada, esquartejada em 1808, que fez para +não morrer de todo? que fez para voltar á vida, mais robusta e sadía do que +nunca? Imitou a França vencedora? renegou do <i>genio germanico</i>? não: +concentrou-se em si mesma; appellou para o seu <i>genio</i> historico, e elle +respondeu-lhe com inspirações salvadoras. Foi, mais que nunca, <i>allemã</i>. +</p> + +<p>Sejamos, pois, nós todos, francezes, hespanhoes, italianos, portuguezes, +mais que nunca <i>latinos</i>.</p> + +<p>Ha um <i>genio latino</i>, como ha um <i>genio germanico</i>. A historia o +revela: e, quando a historia fosse muda, a nossa consciencia bradaria sempre, +dando-lhe o seu nome.</p> + +<p>É a Revolução.</p> + +<p>É este o pensamento secular das raças latinas: a revolução moral, politica e +social. Concentremo-nos n'elle. Só a elle peçamos inspirações. Com essa fé +<i>abalaremos montanhas</i>. O momento actual é turvo, certamente; mas a +revolução tem luz e calor bastante em si, não só para dissipar um nevoeiro +momentaneo, mas para dar vida a um cahos.<span class="pn">{46}</span></p> + +<p>Os germanicos, cuidando-se originaes, fazem imperios: nós, latinos, +desfaçamol-os. Reformam velhas religiões: prescindamos nós d'ellas. +Reconstituem, com os milhões do espolio, uma nova aristocracia: dêmos nós aos +povos a igualdade social.</p> + +<hr class="dotted"> + +<p>Peço perdão ao snr. Pinheiro Chagas. Já não estamos tanto de accordo como ha +pouco. Certamente que não quererá admittir todas as conclusões que eu tiro da +sua <i>These</i>. Mas estão lá: estão no seu ponto de vista nacional e latino, +que é o meu tambem.</p> + +<p>O snr. Pinheiro Chagas tem muito espirito para não ser revolucionario, no +grande e verdadeiro sentido da palavra. Se eu lhe disser que a sciencia é a +Revolução, e que a Revolução não é mais do que a sciencia, toda a sciencia, +applicada a todas as espheras da actividade humana, e feita vida--o snr. +Pinheiro Chagas de certo me responde que, assim, tambem quer ser +revolucionario.</p> + +<p>Ora a Revolução não é outra cousa.</p> + +<p>Estudemos, pois, todos.</p> + +<p> </p> + +<p><i>20 de junho de 1872.</i></p> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<p>FIM </p> +</div> + + + + + + + +<pre> + + + + + +End of the Project Gutenberg EBook of Considerações sobre a Philosophia da +Historia Litteraria Portugueza, by Antero de Quental + +*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK HISTORIA LITTERARIA PORTUQUEZA *** + +***** This file should be named 32791-h.htm or 32791-h.zip ***** +This and all associated files of various formats will be found in: + https://www.gutenberg.org/3/2/7/9/32791/ + +Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images +of public domain material from Google Book Search) + + +Updated editions will replace the previous one--the old editions +will be renamed. + +Creating the works from public domain print editions means that no +one owns a United States copyright in these works, so the Foundation +(and you!) can copy and distribute it in the United States without +permission and without paying copyright royalties. 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Information about the Project Gutenberg Literary Archive +Foundation + +The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit +501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the +state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal +Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification +number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at +https://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg +Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent +permitted by U.S. federal laws and your state's laws. + +The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S. +Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered +throughout numerous locations. Its business office is located at +809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email +business@pglaf.org. 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Thus, we do not necessarily +keep eBooks in compliance with any particular paper edition. + + +Most people start at our Web site which has the main PG search facility: + + https://www.gutenberg.org + +This Web site includes information about Project Gutenberg-tm, +including how to make donations to the Project Gutenberg Literary +Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to +subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks. + + +</pre> + +</body> +</html> diff --git a/LICENSE.txt b/LICENSE.txt new file mode 100644 index 0000000..6312041 --- /dev/null +++ b/LICENSE.txt @@ -0,0 +1,11 @@ +This eBook, including all associated images, markup, improvements, +metadata, and any other content or labor, has been confirmed to be +in the PUBLIC DOMAIN IN THE UNITED STATES. + +Procedures for determining public domain status are described in +the "Copyright How-To" at https://www.gutenberg.org. + +No investigation has been made concerning possible copyrights in +jurisdictions other than the United States. 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