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+The Project Gutenberg EBook of Considerações sobre a Philosophia da
+Historia Litteraria Portugueza, by Antero de Quental
+
+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
+almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
+re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
+with this eBook or online at www.gutenberg.org
+
+
+Title: Considerações sobre a Philosophia da Historia Litteraria Portugueza
+
+Author: Antero de Quental
+
+Release Date: June 13, 2010 [EBook #32791]
+
+Language: Portuguese
+
+Character set encoding: ISO-8859-1
+
+*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK HISTORIA LITTERARIA PORTUQUEZA ***
+
+
+
+
+Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images
+of public domain material from Google Book Search)
+
+
+
+
+
+ ANTERO DE QUENTAL
+
+ CONSIDERAÇÕES SOBRE A PHILOSOPHIA
+
+ DA
+
+ HISTORIA LITTERARIA PORTUGUEZA
+
+ (A PROPOSITO D'ALGUNS LIVROS RECENTES)
+
+
+
+ 2.ª EDIÇÃO
+
+
+ PORTO
+
+ LIVRARIA CHARDRON
+ LELLO & IRMÃO, EDITORES
+ 1904
+
+
+
+ Porto--Imprensa Moderna
+
+
+
+
+ADVERTENCIA
+
+Foi publicado originariamente este pequeno trabalho em folhetins no
+jornal o «Primeiro de Janeiro». Parecendo, porém, a algumas pessoas de
+gosto que havia nas minhas considerações verdade e justiça sufficientes,
+e que valeria a pena, por isso, dar mais alguma circulação ás idéas
+emittidas, resolvo-me, para satisfazer ao voto d'essas pessoas, a
+imprimir á parte estas paginas, accrescentando-lhes algumas observações,
+suggeridas pelo escripto do snr. M. Pinheiro Chagas, «Desenvolvimento da
+Litteratura Portugueza», que só pude vêr depois de publicados os folhetins.
+
+
+ _A. de Q._
+
+
+
+
+Philosophia da Historia Litteraria Portugueza
+
+
+ _Os Luziadas_; ensaio sobre Camões e a sua obra, em relação á
+ sociedade portugueza e ao movimento da Renascença, por J. P. de
+ Oliveira Martins. Porto, 1872.
+
+
+ _Theoria da Historia da litteratura portugueza_; these para o
+ concurso á cadeira de Litteratura moderna, no Curso superior de
+ letras, por Theophilo Braga. Porto, 1872.
+
+
+I
+
+A philosophia das litteraturas é uma criação do nosso seculo, cujo
+genio, ao mesmo tempo subtil e profundo, se revela sobretudo nos estudos
+historicos, e a que um mixto particular de enthusiasmo e scepticismo, de
+erudição e intuição, dá uma singular facilidade para penetrar o caracter
+das varias raças, o espirito das varias idades e civilisações.
+
+Uma maneira mais intima e juntamente mais larga de comprehender a
+humanidade e o individuo, que caracterisa o pensamento moderno, explica
+esta especie de condão magico com que o nosso seculo tem aberto os
+recessos obscuros, em que a alma dos tempos antigos parecia haver-se
+para sempre sepultado, defendida pelo silencio e pelo mysterio.
+
+Com effeito, em quanto se não viu, por um lado, na humanidade um _todo_
+vivo, cujos movimentos são determinados por leis naturaes e constantes,
+embora complexas e obscuras, e, por outro lado, no individuo, dentro da
+humanidade, uma força, não caprichosa, mas coherente, embora livre, e
+cujas manifestações são todas respeitaveis e legitimas, tendo todas a
+sua razão de ser e o seu valor; em quanto, sobretudo, se não
+comprehendeu que os momentos da historia não são contradictorios entre
+si, mas representam varios termos d'uma serie por onde o espirito
+humano, ascendendo, se affirma, transformando em parte as condições do
+_meio_ em que se move, e em parte subordinando-se a ellas, e que, por
+isso, esses momentos não devem tanto ser _julgados_ como
+_comprehendidos_; em quanto este ponto de vista, ao mesmo tempo
+idealista e scientifico, se não estabeleceu--a historia critica, intima,
+psychologica, era impossivel, e impossivel tambem a philosophia da
+historia.
+
+É por esta razão que a critica e historia litterarias soffreram em o
+nosso tempo uma completa e profundissima renovação, e que a historia
+philosophica das litteraturas só recentemente se pôde constituir.
+
+Considerava-se, ha 100 annos ainda, a obra litteraria como uma criação
+meramente individual, determinada apenas pelo sentimento pessoal, o
+genio, as disposições do poeta: não se via a relação estreita que ha
+entre a inspiração do individuo e o pensamento da época, a raça, o meio
+social, e o momento historico. Uma poetica, tão estreita quanto
+inflexivel, media tudo, as producções de povos e tempos os mais
+diversos, por uma unica bitola, o _gosto_, e, dominada pela preoccupação
+fanatica do _classico_, bania da historia épocas e raças inteiras,
+condemnadas como barbaras, incultas, _rudes_. O que ha de mais
+caracteristico e muitas vezes de mais profundo na obra d'arte, a
+revelação do sentir intimo dos homens nas diversas condições moraes e
+sociaes, ficava d'este modo perdido para a critica, era despresado em
+nome d'um ideal de perfeição uniforme, em grande parte convencional, e
+em todo o caso abstracto e, por isso, irrealisavel.
+
+Sabemos hoje que a esthetica, sob pena de se excluir systematicamente da
+realidade, não póde ser absoluta senão nas suas leis fundamentaes, isto
+é, n'aquillo mesmo em que é absoluto e immutavel o espirito humano: em
+tudo mais é, como elle, variavel e progressiva. Tem uma statica e uma
+dynamica: e se a primeira, que é toda abstracta, explica e dá a razão da
+segunda, que é toda concreta, é a segunda quem explica e dá a razão das
+obras d'arte, naturalmente concretas e contidas nas condições do tempo e
+do meio. Ao methodo exclusivamente abstracto substituiu-se o methodo
+historico, e para logo todas as litteraturas, as antigas e as modernas,
+as barbaras e as cultas, alumiadas por uma luz nova, appareceram com as
+suas feições caracteristicas, os seus relevos naturaes, os seus
+contornos, e vieram tomar cada qual o logar que lhe competia na
+serie dos desenvolvimentos do espirito humano. Para logo tambem se
+tornou manifesta a alta significação das litteraturas, testemunhas
+desprevenidas e candidas, vindo depôr uma após outra sobre o viver
+intimo das respectivas sociedades, e denunciando ingenuamente a feição
+psychologica correspondente a cada povo e a cada idade. A philosophia da
+historia encontrou n'ellas o instrumento mais delicado e, ao mesmo
+tempo, o mais preciso, para determinar o grau de valor moral de cada
+civilisação: na sua mão um poema pôde tornar-se, muitas vezes, o ramo
+d'ouro da sibylla, com que descesse á região dos mortos, a
+interrogal-os; versos cantados ha mil, ha dous e tres mil annos por
+poetas desconhecidos, explicaram os movimentos das raças, as origens, os
+esplendores, as revoluções e as catastrophes dos imperios.
+
+A historia litteraria deixou de ser uma curiosidade: appareceu como uma
+realidade cheia de vida e de expressão. Correspondendo a uma ordem de
+phenomenos distinctos e importantissimos, tornou-se objecto d'uma
+sciencia e, como tal, um ramo da philosophia. Hoje por toda a Europa, os
+estudos de historia litteraria, transformados, seguem com firmeza no
+caminho aberto com juvenil impetuosidade pela escóla allemã do começo
+d'este seculo: refundem-se, desenvolvem-se ou corrigem-se as primeiras
+conclusões, naturalmente incompletas umas e outras prematuras ou em
+extremo systematicas, e á grande renovação sahida d'este movimento se
+ligam muitos dos nomes mais illustres e das obras mais fecundas do
+nosso tempo.
+
+Entre nós, as duas gerações litterarias, que se succederam desde 1830
+até hoje, mais apaixonadas e criadoras do que criticas, mais poeticas e
+enthusiastas do que reflectidas, e, sobretudo, dominadas por aquella
+como que instinctiva repugnancia ás ideas geraes propria d'um povo
+educado pelo catholicismo no que elle tem de mais estreito e
+esterilisador, receberam com desdem, ou apenas aceitaram, o que havia de
+mais superficial no movimento renovador, quando não o ignoraram
+completamente. A historia litteraria continuou _erudita_, como d'antes,
+na sua gravidade inexpressiva, e a critica, apesar de muitas
+proclamações revolucionarias, acatou todavia o altar consagrado e o
+velho idolo do _gosto_. É verdade que o _gosto_, sacudido no seu somno
+secular por mãos juvenis, teve de abandonar as vestes antigas e
+compromettedoras do _classico_ e de se fazer (ou deixar que o fizessem)
+_romantico_. Era já um grande passo, confessemol-o: simplesmente, este
+primeiro passo, timido ainda, obrigava a dar um segundo e mais
+decisivo--e esse é que não se deu.
+
+Nem se podia dar. Devemos muito áquellas duas gerações, é justo
+confessal-o. Mas a sua missão foi outra, e outro o seu trabalho. N'este
+empenho de fazer penetrar o espirito philosophico na historia da
+litteratura patria, e de levantar entre nós a critica á altura em que
+mãos vigorosas e illustres a têem collocado n'outros paizes, a
+geração nova achou-se sem predecessores nem mestres entre os escriptores
+nacionaes, e teve forçosamente de se virar para os estranhos. D'aqui uma
+certa confusão, a adopção quasi _sur parole_ dos systemas estrangeiros,
+e algum mau estylo...
+
+Entretanto, a sua vocação é essa, evidentemente critica e philosophica.
+Menos criadora e espontanea, e libertada já dos preconceitos da educação
+tradicional, a nova geração tem por área natural dos seus trabalhos os
+estudos criticos e as idéas geraes. A historia philosophica, a
+philologia, as sciencias sociaes, eis o vasto campo que, entre nós, a
+sua actividade tem de desbravar e fecundar.
+
+Na historia litteraria, os primeiros passos n'este caminho foram dados
+corajosamente por um trabalhador dotado de energia e perseverança
+singulares, o snr. Theophilo Braga. Pódem disputar-lhe qualquer outra
+especie de gloria, menos esta, já não pequena, de iniciador. A
+consideração do que ha de viril e quasi heroico na attitude dos
+exploradores, faz-nos vêr na sua obra mais ainda o valor d'uma acção
+pessoal do que o das conclusões scientificas, e dá-lhe um merecimento
+independente das muitas imperfeições e lacunas, que seria pueril
+pretender dissimular.
+
+Com effeito, a sua gloriosa iniciativa é compensada, como geralmente
+acontece aos iniciadores, por defeitos graves: dous, que resumem e
+d'onde se originam todos os outros: a impaciencia, que leva a
+conclusões prematuras, e o espirito systematico, que leva a conclusões
+falsas. Por um lado, uma _verdura_ (se assim se póde dizer) de theorias
+e explicações mais ou menos phantasiosas, e por outro lado uma
+inflexibilidade canonica na applicação stricta de certas formulas aos
+problemas os mais complexos, dão muitas vezes aos seus livros aquella
+feição singular de inconsistencia e ao mesmo tempo de dogmatismo, de
+aventuroso e juntamente de acanhado, que caracterisa os trabalhos sem
+precedentes, filhos da febre da innovação e do isolamento. O grande
+merecimento d'estes livros póde dizer-se que consiste ainda mais em ter
+levantado as questões do que em tel-as definitivamente resolvido.
+
+Ha, todavia, lados verdadeiramente solidos nas obras do snr. Theophilo
+Braga. O seu talento é muito mais analytico do que generalisador;
+d'aqui, a inferioridade relativa das suas apreciações philosophicas,
+comparadas com os seus trabalhos propriamente criticos. N'estes, que
+constituem a parte mais séria e fecunda da sua obra, encontramos os
+processos da sciencia, como os têem comprehendido os mestres d'este
+seculo, applicados geralmente com discernimento, com uma grave
+despreoccupação de tudo o que não é a logica e a verdade, e dando
+resultados positivos, muitos dos quaes se devem considerar definitivos.
+Distinguem-se por estas qualidades, entre os volumes da sua grande
+historia da litteratura portugueza, já publicados, os estudos sobre Sá
+de Miranda e a sua escóla, sobre os poetas palacianos do seculo XV,
+e sobre o theatro portuguez nos seculos XVII e XVIII. Ha novidade e ao
+mesmo tempo segurança em muitas partes d'aquelles estudos: entrevêem-se
+as revoluções litterarias, no que ellas têem de mais intimo, isto é, nas
+suas relações com os costumes e as opiniões que se transformam;
+assiste-se ao nascimento e á decadencia das escólas; vêem-se as razões
+do progresso de certos generos, do estacionamento ou esterilidade de
+certos outros. Ha alli verdadeiras descobertas biographicas e
+chronologicas, e mais d'uma aproximação feliz que lança uma luz nova
+sobre os assumptos. Apesar da fraqueza e ás vezes puerilidade de certas
+inducções, do abuso da intuição como processo scientifico, da nimia
+importancia dada a particularidades insignificantes, da repetição e
+distribuição pouco logica das materias, deve esta parte da obra do snr.
+Theophilo Braga (a analytica e critica) ser considerada não só como o
+que ha de mais solido no edificio levantado por suas mãos laboriosas,
+mas ainda como um trabalho em si, de indisputavel valor.
+
+O lado inferior e fragil, a meu vêr, são as theorias geraes, a parte
+philosophica. Sente-se que não é essa a vocação do talento do snr.
+Theophilo Braga. Ao mesmo tempo chimerico e systematico, dá ás suas
+doutrinas geraes uma feição dogmatica, que lhes tira aquelle poder de
+ductilidade e comprehensão, sem o qual uma theoria, para accommodar os
+factos ao seu rigor inflexivel, tem de os forçar umas vezes e outras
+vezes de os pôr de lado--isto é, não passa d'uma pura abstracção. É
+isto o que torna abstrusas certas obras, como a _Poesia do Direito_, por
+exemplo. É isto mesmo o que encontramos na maneira por que o snr.
+Theophilo Braga comprehende e explica a philosophia da historia
+litteraria portuguesa. Seguindo Schlegel e a escóla romantica allemã do
+começo d'este seculo, tomou uma theoria incompleta e d'uma applicação
+muito particular por um principio universal, applicavel a todas as
+litteraturas, e fez della o molde em que a litteratura portugueza devia
+entrar, _coute qui coute_. Sabe-se que aquella escóla considerava a
+litteratura, juntamente com todas as outras fórmas da civilisação,
+direito, arte, etc., como a expressão genuina do _genio da raça_,
+subordinando a nacionalidade, em todas as suas manifestações, a um ponto
+de vista puramente ethnologico. Só a raça, na sua espontaneidade nativa,
+era verdadeiramente criadora, só ella original: a tradição, como
+intrusa, devia considerar-se o elemento esterilisador, e as obras por
+ella inspiradas falsas, _anti-nacionaes_. Applicando estes principios ás
+sociedades que se formaram na Europa sobre as ruinas do imperio romano,
+a escóla romantica oppoz á cultura tradicional o genio popular, ao
+romanismo as nacionalidades. Viu por toda a parte o dualismo; d'um lado,
+o espirito monarchico e ecclesiastico, formalistico e estreito,
+conservador das tradições latinas: do outro lado, o povo, todo
+espontaneo, traduzindo a originalidade do seu genio em criações livres e
+verdadeiramente inspiradas: por toda a parte uma raça original
+luctava contra tradições esterilisadoras, que tentavam suffocal-a. A
+idade média fôra o theatro d'esse combate: a Renascença e os seculos
+XVII e XVIII pareceram, com a influencia universal do _classico_, dar o
+triumpho definitivo ao espirito tradicional; porém o seculo XIX, a
+grande era das reinvindicações, erguendo a bandeira do romantismo e das
+nacionalidades, ia evocar de novo o genio das raças, adormecido no seio
+do povo, retemperando as nações no baptismo sagrado das _origens_.
+
+Quem não vê o que ha de falso n'esta these, apresentada assim d'uma
+maneira absoluta? mas quem não vê tambem quanto ha de verdadeiro e
+profundo no ponto de vista ethnologico, desde o momento em que, deixando
+de ser o fundamento do systema, se considere apenas como um dos
+elementos componentes d'elle, embora um dos mais consideraveis? Quem não
+vê, sobretudo, a fecunda influencia d'esse ponto de vista sobre os
+estudos litterarios, o conhecimento das origens, a comprehensão das
+criações populares, a renovação da critica? Póde dizer-se que o que ha
+de mais falso n'este systema é ser um systema; porque, contendo muita
+verdade, não é a verdade toda. É muito mais incompleto do que erroneo;
+porque, se o genio de cada raça fornece com effeito os elementos e como
+que a materia prima das civilisações, a cultura e a tradição representam
+o trabalho de aperfeiçoamento do espirito humano, accumulado, que
+desenvolve aquelles elementos e, fazendo por assim dizer fermentar
+aquella materia primitiva, lhes dá uma fórma nova e superior. Para os
+povos sem precedentes nem tradições d'um mundo anterior, que começam
+isolados o trabalho da civilisação desde os seus inicios, e cujas
+criações representam apenas o fundo originario fornecido pelo caracter
+da raça, como fôram os indios desde o Rig Veda até Kalidassa, os gregos
+até Alexandre, e os scandinavos até á conversão ao christianismo, para
+esses é aquella theoria rigorosamente verdadeira. Mas como applical-a á
+Europa da idade média, a esse mundo tão complexo, e que, com ser fundado
+sobre a ruina do imperio romano, é todavia uma continuação e em grande
+parte um desenvolvimento da civilisação romana? Na vida dos povos
+modernos entraram desde o berço energicos elementos latinos que,
+absorvidos com maior ou menor sympathia, em maior ou menor quantidade, e
+combinados com os elementos primitivos, constituiram o _temperamento_
+particular de cada uma d'essas nações, o seu genio nacional. Esse genio
+é pois complexo, e complexo o caracter das suas criações: reduzil-as a
+um principio unico é querer de proposito acanhar a historia,
+proscrevendo arbitrariamente épocas inteiras.
+
+A originalidade de cada uma das modernas litteraturas da Europa está,
+não em representar os caracteres primitivos de tal ou tal raça, mas sim
+os momentos de desenvolvimento d'esses caracteres, na sua combinação
+gradual com aquelles elementos estranhos, que, sob fórma de
+tradição, constituem ha mais de dous mil annos o fundo commum da
+civilisação europêa. N'estes termos, a theoria romantica tem o seu valor
+e a sua applicação. Applica-se tanto mais quanto menos _romanisado_
+(isto é, civilisado) foi o povo cuja litteratura se estuda; mais á
+Allemanha do que á França; muito á Inglaterra, muito pouco á Italia;
+muito mais á Hespanha do que a Portugal; em absoluto, a nenhum se póde
+applicar. A mesma litteratura allemã (sahida da raça que menos elementos
+latinos absorveu) será por ventura exclusivamente _germanica_? Seria um
+paradoxo affirmal-o. Do seculo IX em diante a pureza do elemento
+germanico altera-se, e cada vez mais turvo segue de seculo para seculo.
+O grande fundador da litteratura allemã, Luthero, que começa com a
+Reforma a reacção do germanismo contra o romanismo, representará acaso
+na sua obra, nas suas idéas, nos seus escriptos, o elemento germanico
+puro, estreme, exclusivo? Pelo contrario, se o caracter de Luthero é
+essencialmente allemão, a _doutrina_ de Luthero essa é quasi
+completamente extra-allemã, filha da Biblia hebraica e do platonismo
+grego. E Leibnitz? e Lessing? e Goethe, o _velho pagão_?... Se os
+romanticos allemães quizessem ser completamente logicos, tinham de fazer
+terminar o periodo nacional da litteratura allemã no seculo X, com os
+Niebelungen, ou quando muito no seculo XVI, com os Meistersaenger: d'ahi
+por diante em parte alguma se encontra o _germanismo_ puro. E todavia, é
+no seculo XVI que verdadeiramente começa a grande época do
+pensamento allemão!
+
+Eis as insoluveis difficuldades que levanta o systema ethnologico
+applicado ás litteraturas modernas, ainda mesmo áquellas em que mais
+visiveis são as influencias de raça. Que será então, se o quizermos
+applicar a uma nação sem base ethnographicamente definida, como a
+portugueza, criação da politica e não da natureza, das instituições e
+não da raça, e que mais que nenhuma outra, talvez, absorveu e fez seu o
+genio da civilisação romana? Evidentemente, a theoria romantica não póde
+ter aqui senão uma applicação muito limitada e muito secundaria: e é por
+ter desconhecido esses limites que o snr. Theophilo Braga, collocando-se
+exclusivamente no ponto de vista ethnologico, não conseguiu, apesar da
+sua competencia scientifica e provada capacidade, dar senão uma solução
+incompleta e muitas vezes forçada ao problema da systematisação e
+explicação geral da litteratura portugueza. Dominado pela necessidade de
+dar por fundamento ao genio nacional o genio d'uma raça primitiva e _sui
+generis_, teve, por assim dizer, de inventar para Portugal essa raça
+primitiva. Estendeu um facto particular de certas provincias, a
+existencia das populações mosarabicas, a todo o paiz; e, transformando
+esse phenomeno puramente social em phenomeno ethnologico, fez dos
+mosarabes uma raça distincta, cuja profunda espontaneidade, apesar de
+prematuramente suffocada, se revelou em criações sentimentaes, que o
+snr. Theophilo Braga laboriosamente trata de descobrir, e que,
+segundo elle, teriam dado á litteratura portugueza uma feição original,
+se a tradição classica não tivesse obstado ao desenvolvimento livre
+d'esse cyclo verdadeiramente nacional. Esta esterilisadora tradição
+classica vê-a o snr. Theophilo Braga representada na aristocracia
+asturoleoneza romanisada, authoritaria e imitadora. A aristocracia, pela
+instituição monarchica, pelo catholicismo, pelo provençalismo, depois
+pela reforma dos foraes, o direito romano e o poder absoluto, suffoca o
+livre genio mosarabico e faz da litteratura portugueza, que nas mãos
+poeticas do mosarabe promettia ser um jardim oriental, um triste deserto
+de imitações estereis e infesadas, onde só por milagre a seiva primitiva
+faz de longe em longe rebentar alguma flôr doentia, fadada a morrer sem
+se propagar. D'aqui conclue o snr. Theophilo Braga que litteratura
+verdadeiramente _nacional_ nunca chegou a haver entre nós.
+
+Expôr esta doutrina, nas suas conclusões extremas, é quasi refutal-a.
+Nem as populações mosarabicas constituiram uma raça, nem a área por
+ellas occupada se estendeu a todo o paiz, nem na sociedade portugueza
+existiu nunca o supposto dualismo, a opposição do mosarabe plebeu e do
+aristocrata godo: nada d'isto se póde provar scientificamente, nem mesmo
+racionalmente conjecturar. Os mosarabes, isto é, os christãos, que,
+tendo acceitado o dominio dos arabes, viviam no meio d'elles,
+adoptando-lhes os costumes, mas conservando a antiga religião, não
+formaram um grupo ethnographicamente classificavel: eram, como é ainda
+hoje toda a população da Peninsula, exceptuados os Bascos, um mixto
+formado pelo sangue ibero, romano, godo e arabe, em proporções
+extremamente variaveis de região para região. Que tem isto que vêr com
+uma raça particularmente portuguesa?--Depois, essas populações
+mosarabicas pouco se estenderam ao norte do Mondego: ora, é exactamente
+do Mondego para o norte que residiu durante os primeiros seculos a força
+da nacionalidade portugueza, d'ahi que partiu o grande impulso
+emancipador. Não fôram pois os mosarabes os fundadores d'essa
+nacionalidade, nem os criadores do seu caracter particular. Temos vivido
+e vivemos ainda hoje d'esse espirito de intrepida personalidade, que fez
+então erguerem-se os homens energicos do norte de Portugal, não do
+_genio mosarabe_, que (ainda que tivesse existido) seria sempre secundario.
+
+Finalmente, a opposição do mosarabe e do aristocrata godo reduz-se
+simplesmente á opposição da plebe e da aristocracia, facto social e não
+ethnologico, geral em toda a Europa, e que nada tem que vêr com a
+originalidade das litteraturas. A aristocracia, durante seculos, não
+esmagou ou suffocou o espirito das populações inferiores, nem entre nós
+nem em parte alguma: civilisou. Depositarias das tradições romanas e, ao
+mesmo tempo, representantes do genio de cada nacionalidade, no que elle
+tinha de mais energico, as aristocracias exerceram uma legitima
+influencia iniciadora, e, durante 600 ou 700 annos de formidavel
+tumulto heroico, dispozeram os elementos com que as monarchias da
+Renascença constituiram definitivamente as nações modernas. Dar á
+aristocracia um papel todo negativo é querer reduzir ao absurdo, com uma
+pennada, sete seculos da historia da Europa e contradizer um dos
+resultados mais seguros da moderna sciencia historica, a classificação
+dos elementos sociaes e a importancia de cada qual na obra commum.
+
+O erro dos principios vê-se sobretudo nas conclusões. Com effeito, uma
+vez estabelecido o dualismo e considerado o povo portuguez como
+mosarabe, e o mosarabe como só inspirado e criador, toda a litteratura
+culta tinha forçosamente de ser condemnada pelo snr. Theophilo Braga,
+como anti-nacional, recebendo fóros de nacionalidade sómente a poesia
+popular: tudo mais não passa de imitação, copia servil, e, como tal,
+esteril e sem importancia aos olhos da philosophia. Esta larga parte da
+imitação na nossa litteratura descobre-a o snr. Theophilo Braga com
+exemplar erudição e excellente critica, mostrando claramente as
+influencias provençal, franceza, hespanhola e italiana a que obedeceu a
+litteratura portugueza. Mas não é no facto das imitações que está a
+questão. Esse facto não se dá só comnosco; dá-se em todas as
+litteraturas das nações da Europa então cultas. A influencia provençal
+fez-se sentir na França, na Italia, na Hespanha e até na Allemanha; os
+poemas francezes foram, por seu turno, traduzidos e imitados por toda a
+parte na idade média, e as litteraturas hespanhola e italiana
+tiveram tambem o seu momento de se tornarem europêas. Que prova isto?
+Prova simplesmente que já na idade média a Europa formava uma especie de
+confederação moral, e que a troca dos pensamentos, das descobertas, das
+criações artisticas era já então uma lei natural para nações todas
+christãs, herdeiras todas da civilisação romana. Mas essa troca não
+implica a abdicação das originalidades nacionaes. Na adopção das idéas
+estrangeiras cada povo recebe o que convém ao seu temperamento
+particular, dá-lhe uma feição propria, e póde mostrar a originalidade do
+seu genio dentro das fórmas recebidas dos outros. Poucas, pouquissimas
+obras _originaes_, no sentido exclusivo e absoluto em que o snr.
+Theophilo Braga toma esta palavra, nos apresentam as litteraturas dos
+povos ainda os mais criadores: n'esse sentido não é original Virgilio,
+nem Dante, nem Camões, nem Lope de Vega, nem Shakespeare, nem Corneille,
+nem Goethe. Mas as litteraturas apresentam-nos muitas obras primas,
+formadas d'uma maneira nova e _original_ com elementos estranhos ou já
+conhecidos. Por essas, tão bem como pelas outras, se póde avaliar o
+caracter, as tendencias, o genio emfim do povo que as produziu, e é
+quanto basta para se poder affirmar que esse povo teve ou tem
+litteratura e que essa litteratura é original. O genio, em geral, e em
+particular o genio nacional, consiste muito mais na maneira _propria_ de
+dispôr os materiaes herdados ou emprestados, do que na criação, como
+que inteiriça e d'um jacto, de elementos completamente novos e sem
+precedentes--_proles sine matre creata_. Ora a humanidade vive sobretudo
+de tradições, e ha para os povos como para os individuos um verdadeiro
+ensino mutuo, pelo qual cada um, sem deixar de ser o que é, aproveita da
+experiencia e do trabalho dos outros. O snr. Theophilo Braga, que é
+poeta e bom poeta, e além d'isso homem de gosto e consciencioso, por si
+apreciaria o valor d'estas verdades, se o espirito systematico não
+obscurecesse o seu bom juizo em se tratando da litteratura portugueza.
+
+Quer isto dizer que as suas idéas, por incompletas, sejam inteiramente
+estereis para a historia da nossa litteratura? Por fórma alguma.
+Ninguem, melhor do que o snr. Theophilo Braga, comprehendeu a alta
+significação da nossa poesia popular, que estudou com verdadeiro amor e
+respeito religioso: e este sentimento do _primitivo_ e do _espontaneo_
+deve-o ao seu ponto de vista ethnologico. Por este sentimento pôde com
+muito tacto discriminar a parte da imitação e de convencional nas obras
+da poesia culta, embora, a meu vêr, concluisse mal do facto d'essa
+imitação. Por elle pôde caracterisar certas physionomias originaes, até
+aqui mal comprehendidas, Gil Vicente, por exemplo. Em tudo isto a sua
+critica é excellente. E é por isso mesmo que os apreciadores do talento
+e das obras do snr. Theophilo Braga devem, me parece, fazer votos para
+que a sua sensivel imaginação o não seduza, com vagas miragens, para
+fóra do campo dos trabalhos de analyse e critica, que são a sua vocação,
+arrastando-o para as regiões perigosas da synthese e da philosophia,
+onde a imaginação e o sentimento, essas fadas encantadoras, se
+transformam muitas vezes em perfidas ondinas e sereias, para mal de quem
+as segue com muito candida confiança.
+
+
+II
+
+Se a escóla ethnologica está representada, entre os escriptores novos,
+pelo snr. Theophilo Braga, a escóla social e historica--a unica, talvez,
+a que propriamente se devêra dar o nome de philosophica--acaba de achar
+igualmente entre nós um digno representante n'um escriptor moço e do
+maior futuro, o snr. Oliveira Martins, que n'um livro recente estudou a
+proposito de Camões (e para nos explicar Camões), a litteratura
+portugueza do seculo XVI, no ponto de vista largo e comprehensivo, ao
+mesmo tempo politico e psychologico, que caracterisa esta ultima escóla.
+
+N'este ponto de vista, a litteratura d'um povo, considerada como um todo
+symetrico, uma obra gigantesca e collectiva, apresenta-se como a
+expressão do seu espirito nacional, determinado não por tal ou tal
+elemento primitivo e, por assim dizer, physiologico, mas pelos
+elementos complexos, uns fataes outros livres, uns criados outros
+herdados, cuja synthese constitue a _idéa_ da sua nacionalidade--raça,
+instituições, religião, tradição historica, e vocação politica e
+economica no meio dos outros povos. A idéa nacional, na sua evolução,
+determina gradualmente o que se póde chamar o temperamento da nação; e,
+se esta surda fermentação se manifesta em tudo, nos seus actos e nos
+seus pensamentos, revela-se sobretudo na sua imaginação, isto é, no seu
+ideal, cuja expressão mais livre é a arte e a litteratura. N'esta
+invisivel circulação da seiva interior ha periodos, periodos de
+revolução, de progresso, de retrocesso, de incubação ou de plenitude de
+forças: a estes correspondem invariavelmente os periodos artisticos e
+litterarios, com suas revoluções, suas variações de intensidade, lenta
+formação de escólas, morbidos estacionamentos, subitas e inflammadas
+florescencias. E, como n'esta vegetação collectiva, cada ramo, cada
+folha, cada fructo, se alimenta com a seiva commum e tem uma vitalidade
+proporcional á força que trabalha o grande tronco, o espirito individual
+acompanha o espirito nacional nas suas evoluções, gradua pela d'elle a
+sua intensidade: a sua liberdade interior tem por limites,
+realisando-se, as condições do meio em que se desenvolve, e o genio do
+artista, do poeta, ainda quando protesta e se revolta, é sempre
+_adequado_ ao genio do seu povo e da sua época. É por aqui que a
+historia litteraria se liga á philosophia da historia, ou antes, que
+faz parte d'ella. As grandes épocas litterarias coincidem com as
+épocas de plenitude do sentimento nacional, aquellas em que esse
+sentimento, tomando consciencia de si, se revela em obras harmonicas e
+complexas, que são como que o fructo definitivo da lenta elaboração das
+instituições, dos costumes, dos pensamentos. Reaes e juntamente ideaes,
+essas obras supremas dizem-nos ao mesmo tempo o que um povo _foi_ e o
+que _quiz ser_, descobrem-nos a sua _aspiração_ intima e marcam os
+_limites_ dentro dos quaes lhe foi dado realisal-a. São o commentario
+moral das revoluções politicas e sociaes, e como que os annaes da
+consciencia nacional: e, para a philosophia, é na consciencia que a
+historia encontra a sua explicação definitiva e a sua final justificação.
+
+O que diz Camões a quem, depois de o ter lido com olhos de homem de
+gosto, o relê com olhos de philosopho? Camões, responde o snr. Oliveira
+Martins, diz-nos o _segredo_ da nacionalidade portugueza. Houve, com
+effeito, uma nacionalidade portugueza--por mais estranha que esta
+affirmação nos pareça, a nós, portuguezes do seculo XIX, que não
+atinamos a encontrar no presente uma _causa vivendi_: houve uma razão de
+ser tanto para as instituições como para os individuos, e uma idéa
+nacional, espalhada como a alma collectiva por todo este corpo, então
+vivo e agil. E não só houve uma nacionalidade portugueza, mas essa
+nacionalidade, superior aos impulsos cegos da raça e á fatalidade da
+geographia, produziu-se como uma obra do esforço e da vontade, não
+resultado de obscuros instinctos primitivos, como um facto politico e
+moral, não como um facto etimologico. Quando em Hespanha não havia ainda
+senão catalães, castelhanos, leonezes e navarros; em França provençaes,
+gascões, bourguinhões, bretões; em Allemanha suabos, austriacos, saxões,
+hanoverianos; em Italia tantos pequenos estados rivaes quantas cidades,
+e não se fazia bem idéa do que fosse ser hespanhol, francez, allemão,
+italiano, porque estas palavras França, Hespanha, Allemanha, Italia
+designavam apenas vagas agrupações naturaes e não grupos organisados--em
+Portugal havia só portuguezes, e ser portuguez tinha uma significação
+definida e precisa. Este é o grande facto, diz o snr. Oliveira Martins,
+que faz d'elle o seu ponto de partida: daqui, a cohesão politica da
+nação; d'aqui, a sua physionomia moral. Essa cohesão é a unidade; essa
+physionomia é o patriotismo. O patriotismo, pondera acertadamente o snr.
+Oliveira Martins, é cousa muito distincta do amor da terra: e o
+patriotismo, como os portuguezes dos seculos XV e XVI o conceberam, foi
+um phenomeno moral quasi unico na Europa de então, e que os tornou muito
+mais parecidos com os romanos antigos do que com os povos seus
+contemporaneos. O patriotismo é uma idéa abstracta, que excede a
+capacidade toda sentimental da raça; o instincto naturalista da raça dá
+o amor da terra; não vai mais além: só a idéa nacional póde dar o
+patriotismo, comprehendido á romana e á portugueza. O Cid batalha mais
+d'uma vez contra os castelhanos, ao lado dos arabes; o condestavel
+de Bourbon vira a sua espada aventureira contra a França que o viu
+nascer; nem por isso deixa o Cid de ser um typo de bravura idealisado
+pelos hespanhoes, e o condestavel de Bourbon um leal cavalleiro para
+todos os cavalleiros de França; mas os Pereiras, combatendo ao lado dos
+castelhanos em Aljubarrota, são malditos, _arrenegados_; e, mais tarde o
+Magalhães será _portuguez no feito, porém não na lealdade_: apostataram
+da idéa nacional. Eis a grande differença. Esta noção do patriotismo
+cria uma ordem de sentimentos particulares dos individuos para com a
+nação, um modo de ser moral peculiar. É o dever patriotico, como o
+comprehenderam em Roma Fabricio, Regulo, Catão, em Portugal Castro,
+Albuquerque--o dever patriotico, cuja expressão suprema é o heroismo.
+Leia-se a historia da Europa até ao seculo XVI: abundam os _bravos_, mas
+difficilmente se encontrarão os _heroes_, segundo o typo magnanimo que a
+antiguidade realisou, e que de novo e no seu ponto de vista realisou
+Portugal durante os seculos XV e XVI. No _peito illustre lusitano_ havia
+então alguma cousa de grande e transcendente, que impellia a nação para
+um destino extraordinario e suscitava no meio d'ella os heroes, que
+deviam servir a idéa nacional com a abnegação tenaz e superior com que
+se serve uma idéa religiosa. É que o patriotismo é uma especie de
+religião civil. Foi por essa religião que, durante tres seculos, nos
+erguemos no mundo, para realisar um sonho gigantesco e quasi
+sobre-humano: foi por ella tambem que cahimos exangues e desilludidos,
+porque a realidade faltou ao sonho, porque todo o sonho, com o seu
+idealismo, se exalta primeiro, perturba depois, transvia, endoudece
+aquelles que envolve nas suas nevoas phantasticamente luminosas, mas
+sempre enganadoras.
+
+A época nacional portugueza, por excellencia, é o seculo XVI. Tudo
+concorre então para dar ao espirito dos portuguezes aquelle summo grau
+de tensão, que produz os grandes movimentos nacionaes. A nacionalidade
+rompe com impulso irresistivel os seus limites tradicionaes, transborda
+fremente como um rio caudaloso, e affirma-se na sua plenitude pelas
+descobertas e pelas conquistas. Dentro, a sua força é o resultado da sua
+concentração: pela reforma dos foraes, pela monarchia absoluta, pela
+expulsão dos judeus, attinge o maximo de unidade politica, social,
+religiosa, isto é, o maximo de poder sobre si mesma. Esta energica
+cohesão depura o sentimento nacional, dá-lhe uma segura consciencia de
+si, e leva-o áquelle grau de tensão em que o patriotismo, exaltando-se,
+se transforma n'uma especie de heroismo universal. A nação faz-se heroe:
+o heroismo é a sua atmosphera ordinaria, e todos participam mais ou
+menos d'esse contagio sublimador. D'aqui, uma concepção particular da
+vida social, do direito, do dever, tanto para a nação como para os
+individuos. _Ser portuguez_ é alguma cousa de especial, um typo _sui
+generis_ de virilidade e nobreza, que todos procuram realisar, e que
+a litteratura idealisa, de que ella se inspira na phase nova em que
+então entra. Com effeito, a esta evolução moral corresponde uma evolução
+litteraria. Á escóla provençal-castelhana, lyrica, aventureira e
+romanesca, succede a grave escóla italiana, com a feição nova que o
+espirito portuguez lhe deu, adoptando-a, isto é, moral e epica. Ao
+trovador Bernandim Ribeiro, ao popular Gil Vicente succedem Sá de
+Miranda e Ferreira, dous romanos. O velho typo cavalheiresco,
+phantasioso e sentimental, empallidece diante d'esse outro que surge,
+nobre e digno, quasi severo, o homem do dever, não da sensibilidade, que
+João de Barros, Ferreira e Miranda vão levantando, e que Camões virá
+collocar sobre o sublime pedestal epico.
+
+Este typo, o verdadeiro typo portuguez do seculo XVI, como se revela nos
+_Lusiadas_, não é com effeito uma mera invenção do genio de Camões: é
+uma genuina criação nacional, um ideal do sentimento collectivo, que se
+foi gradualmente formando e depurando, até encontrar no grande poeta
+quem lhe désse uma expressão definitiva. É por isso mesmo que elle
+domina, de toda a sua altura, o pensamento e a obra de Camões. O que o
+poeta canta é o heroismo portuguez; o _peito illustre lusitano_: e todo
+o seu poema se resume n'isto, como n'esse poema se resume toda a vida
+moral portugueza durante um seculo. A razão intima dos acontecimentos,
+dos costumes, das opiniões encontra-se alli: explicam-se por elle, e só
+elles tambem o explicam completamente. O poema e a sociedade são por
+seu turno texto e glosa que mutuamente se commentam.
+
+N'este ponto de vista, historico e psychologico, não no ponto de vista
+meramente litterario d'uma esteril poetica de convenção, é que os
+_Lusiadas_ devem ser estudados e comprehendidos--e cabe ao snr. Oliveira
+Martins a gloria de ter sido o primeiro a fazel-o, a gloria de ter
+_commentado_ philosophicamente os _Lusiadas_. A esta luz tudo se explica
+na concepção do poema e na substancia moral d'elle: percebe-se a razão
+d'este estranho phenomeno, estranho e unico, do apparecimento d'um
+verdadeiro poema epico nacional em plena idade moderna.
+
+Isto em quanto á concepção. Em quanto, porém, a certa ordem de
+sentimentos, que, no ponto de vista epico, são secundarios, mas que
+occupam um grande logar no poema, para os comprehender faz-nos o snr.
+Oliveira Martins considerar outro lado da physionomia tão complexa de
+Camões e da sua época. Com effeito, se Camões é um portuguez do seculo
+XVI, é ao mesmo tempo um artista da Renascença; d'aqui todo um lado dos
+_Lusiadas_, que excede a idéa nacional, e por onde este profundo poema
+se liga, não já á vida necessariamente estreita d'um simples povo, mas
+ao vasto movimento do espirito humano nos tempos modernos. Sem este
+lado, a significação dos _Lusiadas_ seria meramente nacional e local,
+não europêa e universal: teriam só um valor historico e não philosophico
+tambem. Mas Camões, portuguez pelo caracter e pelo coração, era pela
+intelligencia mais do que portuguez sómente. Respirava a atmosphera
+subtil e vivificante da Renascença: no seu vasto espirito, como no dos
+grandes artistas d'esse tempo, havia um lado mysterioso e profundo que
+se virava, não para o passado ou para o presente, mas para o illimitado
+futuro, presentindo já a revolução moral dos seculos XVIII e XIX. Se
+Camões, como portuguez é patriota e heroico, como homem da Renascença é
+pantheista; pantheista platonico e idealista, já se vê, como Miguel
+Angelo, Leonardo de Vinci, Shakespeare. Portuguez, exalta os feitos por
+onde o seu povo conquista entre as nações um logar proeminente: homem da
+Renascença, sente e interpreta a natureza com um naturalismo impregnado
+de idealidade, que é mais ainda o presentimento d'um mundo moral novo,
+do que uma imitação da antiguidade pagã. O sentimento pantheista da
+natureza, sentimento todo moderno, e que devia mais tarde chegar á
+plenitude em Rousseau, Goethe, Hugo, appareceu pela primeira vez em
+Camões. D'aqui, o caracter do seu espanto em face dos grandes phenomenos
+maritimos; d'aqui, a concepção do Adamastor; d'aqui, o sensualismo da
+primeira parte do canto XI e o idealismo da ultima. É por este lado que
+Camões toma logar entre os grandes espiritos, os _Lusiadas_ entre as
+grandes obras dos tempos modernos. A imaginação prophetica do poeta
+anticipa tres seculos na historia psychologica da humanidade.
+
+Com todos estes elementos, uns portuguezes, outros europeus, uns
+locaes, outros universaes, recompõe o snr. Oliveira Martins a
+physionomia complexa de Camões e dos _Lusiadas_, com uma lucidez e
+segurança de critica verdadeiramente surprehendentes para quem
+considerar a completa novidade do seu trabalho. A sua luminosa synthese
+abraça o poeta, a obra e a época: e pela época, pelo poeta e pela obra
+faz-nos sentir a intima realidade da nação e a sua razão de ser
+historica. E n'essa mesma synthese comprehende-se tambem a sua
+decadencia; triplice decadencia, politica, moral, litteraria. Como? pela
+decadencia da idéa nacional. Com effeito, o patriotismo heroico do
+Portugal do seculo XVI continha em si mesmo os germens da propria
+dissolução. Era grande, mas não era justo: ora nada dura no mundo senão
+pela justiça. Tinha fatalmente de se corromper essa orgulhosa idéa
+nacional, fundada na violencia da conquista, na intolerancia religiosa e
+no despotismo politico. Os vicios interiores do organismo nacional
+appareceram bem depressa: appareciam já no tempo de Camões: nos
+_Lusiadas_ encontram-se de vez em quando estrophes sombrias, que são
+como um lugubre _cras enim moriemur_ lançado no meio das alegrias
+d'aquelle festim heroico. Era o futuro velado e lutuoso que o poeta
+entrevia n'um deslumbramento prophetico. A nação estava, com effeito,
+condemnada. O heroismo que tem de durar lança as suas raizes na região
+mais inalteravel, mais incorruptivel da consciencia humana, e as do
+nosso não chegaram lá: foi uma especie de _sezão nacional_; não foi
+um acto reflectido, filho da liberdade moral, um esforço supremo pela
+justiça; foi apenas um egoismo sublime. Por isso, martyres da propria
+obra, a nossa queda foi cheia de tristeza e confusão, nem nos ficou no
+rosto a serenidade luminosa dos verdadeiros martyres.
+
+As paginas austeras em que o snr. Oliveira Martins estabelece esta
+distincção entre o heroismo da consciencia e o da fatalidade, e mostra
+Portugal condemnado por aquillo mesmo que fizera a sua virtude e a sua
+grandeza, são das mais gravemente pensadas que se tem escripto na nossa
+lingua. É a verdadeira philosophia da historia aquella sua, que reduz e
+subordina toda a actividade humana á consciencia e á justiça. A
+injustiça da idéa nacional, como os portuguezes então a conceberam,
+corrompeu gradualmente as instituições, infiltrou-se nos espiritos e
+perverteu os costumes: a sociedade, minada interiormente, vacillou, em
+despeito do esplendor mentiroso que exteriormente a vestia, e começou a
+desabar. O snr. Oliveira Martins desenhou com mão segura e vivissimo
+colorido o quadro das implacaveis realidades, que, produzidas pelo
+heroico idealismo portuguez, se viraram contra elle, o viciaram e
+acabaram por destruil-o. A nação, atacada d'este modo nos seus orgãos
+mais vitaes e na mesma alma, que podia produzir no mundo do espirito, da
+arte, da litteratura? Á decadencia social e moral tinha necessariamente
+de corresponder a decadencia litteraria. Um desregramento doentio das
+imaginações privadas de ideal, depois um estreito classicismo e uma
+poetica de academias, succederam á livre e fecunda expansão do genio
+portuguez no mundo do sentimento e da phantasia. A idea nacional levou
+comsigo para a cova o segredo das criações poeticas. Do seculo XVI até
+hoje não produziu Portugal uma unica obra artistica ou litteraria
+verdadeiramente nacional. De vez em quando, n'alguns momentos
+excepcionaes, o genio d'alguns homens tem-se levantado como um protesto,
+e tem-se visto ainda uma ou outra obra viva. Mas essa inspiração é toda
+individual, não é nacional: é um producto natural, que póde demonstrar
+que a raça não morreu com a nacionalidade, não é filha d'um sentimento
+commum e como que organico da sociedade portugueza. A decadencia
+nacional é o grande facto inexoravel da nossa historia, vai em tres
+seculos: a decadencia litteraria é uma fórma d'ella, nada mais.
+
+Decadencia irremediavel? pergunta o snr. Oliveira Martins, nas ultimas
+paginas do seu livro. Não! responde-lhe a philosophia revolucionaria. A
+nossa renovação moral e litteraria será possivel no dia em que, pela
+reforma das instituições sociaes, por uma nova e melhor comprehensão da
+justiça, comece outra vez o espirito a circular n'este grande corpo,
+mais inerte ainda do que acabado, volte a animal-o uma alma, um ideal
+collectivo. Então Portugal terá de novo uma razão de ser, e a idéa
+nacional, mais brilhante e mais quente depois do seu eclipse secular,
+fará rebentar outra vez fructos e flôres d'este chão endurecido sim, mas
+debaixo do qual ha ainda (embora a grande profundidade) fontes vivas
+em abundancia. As grandes acções serão outra vez possiveis, e um melhor
+e mais alto heroismo: por elle serão não só possiveis, mas quasi
+inevitaveis os grandes pensamentos poeticos. A renovação litteraria de
+Portugal é correlativa com a sua renovação social e está dependente
+d'ella: é a conclusão do livro do snr. Oliveira Martins, conclusão que
+todos devemos aceitar, não como uma vaga esperança, mas como uma verdade
+philosophica cuja realisação não depende senão do nosso esforço, da
+energia do nosso sentimento moral. Somos os operarios do nosso proprio
+destino, e desde já as nossas mãos o vão aperfeiçoando: terá a fórma que
+lhe dermos.
+
+N'este trabalho solemne da renovação nacional, grande é a tarefa que
+está talhada para a geração nova, e immensa a sua responsabilidade!
+Estará ella, pela intelligencia e pelo coração, pela sciencia e pela
+virtude, á altura d'esta obra austera e formidavel? Muitos o duvidam,
+vendo-lhe no rosto uma pallidez de mau agouro... Não me cabe a mim
+decidil-o: direi sómente que (quaesquer que tenham de ser os nossos
+destinos) para darem testemunho das intenções sérias d'uma parte
+consideravel da nossa geração, do seu espirito renovador, da sua
+aspiração a uma melhor sciencia, bastarão em todo o tempo obras como a
+_Historia da litteratura portugueza_, do snr. Theophilo Braga, e o
+_Ensaio sobre Camões_, do snr. Oliveira Martins.
+
+ _9 de maio de 1872._
+
+
+
+
+Estavam já escriptas e publicadas estas paginas, quando appareceu, com o
+titulo de _Desenvolvimento da litteratura portugueza_, a _These_ do snr.
+Pinheiro Chagas, para o concurso da 3.ª cadeira no Curso superior de
+letras. N'esta resenha das opiniões, emittidas pelos escriptores da nova
+geração, sobre o systema geral da nossa litteratura, fôra injustiça não
+consagrar algumas linhas ao trabalho do snr. Pinheiro Chagas, já pelo
+valor do trabalho em si, já pela posição que seu author occupa entre os
+escriptores moços.
+
+As conclusões da _These_ do snr. Pinheiro Chagas são as seguintes:
+
+
+1.º--Que o povo portuguez não é constituido por uma raça especial, a que
+se dê o nome de mosarabe, comprimida sempre e atrophiada nas suas
+criações pela nobreza, constituida por outra raça, a que se dê o nome de
+asturiana.
+
+2.º--Que nem as inducções philologicas, nem os factos historicos,
+permittem que se dê ao povo portuguez uma origem germanica, e á
+aristocracia uma origem latina; que, pelo contrario, se algum dos
+elementos constitutivos da raça peninsular prodomina no povo, deve ser o
+elemento hispano-romano, e na aristocracia o elemento gothico.
+
+3.º--Que teve o povo portuguez, durante a idade média, uma vigorosa
+existencia, manifestada politicamente pela robusta vida municipal,
+litterariamente pela sua collaboração nos vastos romanceiros
+peninsulares, e pelas chronicas de Fernão Lopes.
+
+4.º--Que a litteratura aristocratica aceitou a influencia provençal, a
+influencia da França do norte, e a influencia italiana, como succedeu
+nos outros reinos da Peninsula.
+
+5.º--Que no seculo XVI a reação latinista imperou aqui, da mesma fórma
+que em toda a Europa, mas que a originalidade do nosso povo se
+manifestou com o vigor admiravel na epopêa de Camões, no theatro de Gil
+Vicente, e nas chronicas dos descobrimentos.
+
+6.º--Que a decadencia da nossa litteratura foi devida a tres causas
+deprimentes: o despotismo monarchico e centralisador, que imperou em
+todas as raças neo-latinas, o despotismo religioso que actuou com a
+mesma energia na Italia e principalmente na Hespanha, e a perda da nossa
+nacionalidade, que foi uma causa especial, devida a fataes
+circumstancias historicas.
+
+
+Estas conclusões, como o leitor vê, entram, salvo leves differenças, no
+ponto de vista das considerações que apresentei, tanto combatendo o
+systema do snr. Theophilo Braga, como expondo e commentando o do snr.
+Oliveira Martins. Por isso não posso, sem me repetir escusadamente,
+insistir n'estes pontos. Concordo com o modo de vêr tão lucido e tão
+realmente portuguez, sem deixar nunca por isso de ser scientifico,
+do snr. Pinheiro Chagas; e folgo de me encontrar (pelo menos n'este
+sereno campo da historia litteraria, onde se descança, entre flôres
+ideaes, de tantas luctas que separam os homens de hoje) em communhão de
+vistas com um espirito tão gentil e cultivado.
+
+Desejo, porém, dar relevo a um ponto, por onde a _These_ do snr.
+Pinheiro Chagas particularmente me impressionou. É o caracter
+eminentemente nacional e (vá a palavra, apesar de tão conspurcada pelos
+vendilhões de portuguezismo) _patriotico_ da sua critica.
+
+A sciencia, essa grande potencia imparcial, essa patria commum de todos
+os espiritos _bem nascidos_, está certamente muito acima do patriotismo,
+que tantas illusões offuscam, que tantas miserias até encobre ás vezes
+debaixo da sua apparatosa _toga pretexta_. Mas essa preferencia e esse
+sacrificio do patriotismo á sciencia dá-se só onde o patriotismo
+estreito ou refalsado tenta oppôr-se á luminosa sciencia, franca e
+comprehensiva. Então, caia por terra, seja derrocado sem piedade o
+edificio ruinoso do orgulho d'um povo! Passe a luz da intelligencia
+através das ruinas, e purifique-as!--Mas não é isso o que se dá com a
+historia litteraria portugueza. Cá não existe essencialmente tal
+opposição. Um largo patriotismo é perfeitamente compativel com a
+imparcialidade da critica, no estudo dos nossos poetas, dos nossos
+escriptores, durante 600 annos, que não foram sem gloria nem
+originalidade.
+
+Vou mais longe. Direi que esse largo e justo sentimento patriotico é até
+indispensavel para bem comprehender o que houve n'este povo, na sua vida
+agitada, dramatica, heroica, a sua alma, a sua realidade moral.
+
+Sim, existimos! e existimos como homens, pensando, sentindo, querendo,
+obrando. Criámos, descobrimos, combatemos; e podemos dizer ao mundo:
+«Aqui está o que nós amámos! aqui está o que nós odiámos!»--E o que é
+isto senão _sentir-se_ portuguez e ser patriota? E como, sem isto, se
+poderá comprehender o que pensaram e escreveram portuguezes, e pensaram
+e escreveram como portuguezes?
+
+A sciencia não contradiz isto. Parte, pelo contrario, d'este ponto de
+partida. E é em nome d'ella que o snr. Pinheiro Chagas diz com tanta
+verdade como energia: «os portuguezes não são os párias litterarios da
+Europa!»
+
+Esta affirmação do passado é-nos necessaria para podermos, através do
+presente tão cheio de melancolia, crêr e confiar n'um futuro melhor--e
+preparal-o virilmente.
+
+Que significa pois essa pseudo-escóla, que, em nome de não sei que
+sonhada decadencia das raças latinas, deprime systematicamente quanto
+teve ou tem o nome de portuguez, e nos aponta o ideal d'um messianico
+germanismo (que nem talvez saiba definir), de uma absurda supremacia das
+raças germanicas, como a unica salvação possivel?
+
+Estranha salvação, com effeito, para a qual é necessario começarmos
+por deixar de ser quem somos! Aconselham-nos que imitemos pacientemente,
+sem critica e sem protesto, os exemplos dos nossos mestres e senhores,
+os allemães, unicos pensadores e sabios, ao que parece, sem verem que
+_imitação_ importa _abdicação_, e que um povo que abdica do seu
+pensamento é um povo que se suicida!
+
+Como se não bastassem já as nossas miserias actuaes, juntam-lhes mais
+esta, e capital: a descrença da nossa propria capacidade e da nossa vida
+moral. É este exactamente aquelle maximo peccado, que a Igreja
+considerou sem remissão: _desesperação de se salvar_.
+
+Não é assim, pelo desespero e abdicação, que nos salvaremos. Não é assim
+que quem está prostrado se levanta; esperando que alguem lhe dê a mão.
+Esse tal jazerá eternamente.
+
+Sejamos nós mesmos. Tenhamos esse valor, e tudo se tornará possivel.
+Antes de tudo, convém crermos em nós mesmos, no passado como no
+presente. Crêr em si não é adorar-se. Podemos ter essa crença, sem
+santificarmos por isso os nossos vicios, sem nos illudirmos sobre as
+nossas miserias antigas e modernas, sem nos endurecermos na nossa
+ignorancia e confusão. Podemos crêr em nós, e confessarmos os nossos
+erros: quem se suicidou só por que uma vez se reconheceu peccador? Se
+errámos e peccámos (e peccámos e errámos bastante), reformemo-nos
+corajosamente, mas seguindo sempre uma inspiração propria, consultando a
+nossa alma, não a dos outros, a voz da nossa consciencia, não a da
+consciencia alheia.
+
+Foi isto o que fez essa Allemanha, que nos impõem como modêlo os que
+talvez menos a conhecem, essa Allemanha, que eu admiro, a quem devo
+muito, mas a quem quero seguir livremente, com um plenissimo direito de
+critica, e consultando sempre os meus intimos instinctos de _latino_,
+que sou e não me envergonho de ser. A Allemanha, perdida, ensanguentada,
+esquartejada em 1808, que fez para não morrer de todo? que fez para
+voltar á vida, mais robusta e sadía do que nunca? Imitou a França
+vencedora? renegou do _genio germanico_? não: concentrou-se em si mesma;
+appellou para o seu _genio_ historico, e elle respondeu-lhe com
+inspirações salvadoras. Foi, mais que nunca, _allemã_.
+
+Sejamos, pois, nós todos, francezes, hespanhoes, italianos, portuguezes,
+mais que nunca _latinos_.
+
+Ha um _genio latino_, como ha um _genio germanico_. A historia o revela:
+e, quando a historia fosse muda, a nossa consciencia bradaria sempre,
+dando-lhe o seu nome.
+
+É a Revolução.
+
+É este o pensamento secular das raças latinas: a revolução moral,
+politica e social. Concentremo-nos n'elle. Só a elle peçamos
+inspirações. Com essa fé _abalaremos montanhas_. O momento actual é
+turvo, certamente; mas a revolução tem luz e calor bastante em si, não
+só para dissipar um nevoeiro momentaneo, mas para dar vida a um cahos.
+
+Os germanicos, cuidando-se originaes, fazem imperios: nós, latinos,
+desfaçamol-os. Reformam velhas religiões: prescindamos nós d'ellas.
+Reconstituem, com os milhões do espolio, uma nova aristocracia: dêmos
+nós aos povos a igualdade social.
+
+.........................................................................
+
+Peço perdão ao snr. Pinheiro Chagas. Já não estamos tanto de accordo
+como ha pouco. Certamente que não quererá admittir todas as conclusões
+que eu tiro da sua _These_. Mas estão lá: estão no seu ponto de vista
+nacional e latino, que é o meu tambem.
+
+O snr. Pinheiro Chagas tem muito espirito para não ser revolucionario,
+no grande e verdadeiro sentido da palavra. Se eu lhe disser que a
+sciencia é a Revolução, e que a Revolução não é mais do que a sciencia,
+toda a sciencia, applicada a todas as espheras da actividade humana, e
+feita vida--o snr. Pinheiro Chagas de certo me responde que, assim,
+tambem quer ser revolucionario.
+
+Ora a Revolução não é outra cousa.
+
+Estudemos, pois, todos.
+
+
+_20 de junho de 1872._
+
+
+FIM
+
+
+
+
+
+End of the Project Gutenberg EBook of Considerações sobre a Philosophia da
+Historia Litteraria Portugueza, by Antero de Quental
+
+*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK HISTORIA LITTERARIA PORTUQUEZA ***
+
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+ https://www.gutenberg.org/3/2/7/9/32791/
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+Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images
+of public domain material from Google Book Search)
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+Updated editions will replace the previous one--the old editions
+will be renamed.
+
+Creating the works from public domain print editions means that no
+one owns a United States copyright in these works, so the Foundation
+(and you!) can copy and distribute it in the United States without
+permission and without paying copyright royalties. Special rules,
+set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to
+copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to
+protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. Project
+Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you
+charge for the eBooks, unless you receive specific permission. If you
+do not charge anything for copies of this eBook, complying with the
+rules is very easy. You may use this eBook for nearly any purpose
+such as creation of derivative works, reports, performances and
+research. They may be modified and printed and given away--you may do
+practically ANYTHING with public domain eBooks. Redistribution is
+subject to the trademark license, especially commercial
+redistribution.
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+Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement
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+works. See paragraph 1.E below.
+
+1.C. The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation"
+or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project
+Gutenberg-tm electronic works. Nearly all the individual works in the
+collection are in the public domain in the United States. If an
+individual work is in the public domain in the United States and you are
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+ must be paid within 60 days following each date on which you
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+Foundation as set forth in Section 3 below.
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+in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER
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+or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm
+work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any
+Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause.
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+Section 2. Information about the Mission of Project Gutenberg-tm
+
+Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of
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+including obsolete, old, middle-aged and new computers. It exists
+because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from
+people in all walks of life.
+
+Volunteers and financial support to provide volunteers with the
+assistance they need are critical to reaching Project Gutenberg-tm's
+goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will
+remain freely available for generations to come. In 2001, the Project
+Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
+and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations.
+To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
+and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
+and the Foundation web page at https://www.pglaf.org.
+
+
+Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive
+Foundation
+
+The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
+501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
+state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal
+Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification
+number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at
+https://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
+permitted by U.S. federal laws and your state's laws.
+
+The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S.
+Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered
+throughout numerous locations. Its business office is located at
+809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email
+business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact
+information can be found at the Foundation's web site and official
+page at https://pglaf.org
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+For additional contact information:
+ Dr. Gregory B. Newby
+ Chief Executive and Director
+ gbnewby@pglaf.org
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+
+Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation
+
+Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide
+spread public support and donations to carry out its mission of
+increasing the number of public domain and licensed works that can be
+freely distributed in machine readable form accessible by the widest
+array of equipment including outdated equipment. Many small donations
+($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt
+status with the IRS.
+
+The Foundation is committed to complying with the laws regulating
+charities and charitable donations in all 50 states of the United
+States. Compliance requirements are not uniform and it takes a
+considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up
+with these requirements. We do not solicit donations in locations
+where we have not received written confirmation of compliance. To
+SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any
+particular state visit https://pglaf.org
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+While we cannot and do not solicit contributions from states where we
+have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition
+against accepting unsolicited donations from donors in such states who
+approach us with offers to donate.
+
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+any statements concerning tax treatment of donations received from
+outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff.
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+Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation
+methods and addresses. Donations are accepted in a number of other
+ways including including checks, online payments and credit card
+donations. To donate, please visit: https://pglaf.org/donate
+
+
+Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic
+works.
+
+Professor Michael S. Hart was the originator of the Project Gutenberg-tm
+concept of a library of electronic works that could be freely shared
+with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project
+Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support.
+
+
+Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed
+editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S.
+unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily
+keep eBooks in compliance with any particular paper edition.
+
+
+Most people start at our Web site which has the main PG search facility:
+
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+
+This Web site includes information about Project Gutenberg-tm,
+including how to make donations to the Project Gutenberg Literary
+Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to
+subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.
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+ <title>Considerações sobre a Philosophia, por Anthero de Quental</title>
+ <meta name="Author" content="Anthero de Quental">
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+
+
+<pre>
+
+The Project Gutenberg EBook of Considerações sobre a Philosophia da
+Historia Litteraria Portugueza, by Antero de Quental
+
+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
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+with this eBook or online at www.gutenberg.org
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+
+Title: Considerações sobre a Philosophia da Historia Litteraria Portugueza
+
+Author: Antero de Quental
+
+Release Date: June 13, 2010 [EBook #32791]
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+Language: Portuguese
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+Character set encoding: ISO-8859-1
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+*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK HISTORIA LITTERARIA PORTUQUEZA ***
+
+
+
+
+Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images
+of public domain material from Google Book Search)
+
+
+
+
+
+
+</pre>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<div style="text-align:center; border: solid 1px #000; padding: 1em;">
+<p style="font-size: 1.2em;">ANTERO DE QUENTAL</p>
+<hr>
+
+<p style="font-size: 1.6em;">CONSIDERAÇÕES SOBRE A PHILOSOPHIA</p>
+
+<p>DA</p>
+
+<p style="font-size: 2em;">HISTORIA LITTERARIA PORTUGUEZA</p>
+
+<p style="font-size: 1.4em;">(A PROPOSITO D'ALGUNS LIVROS RECENTES)</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="font-size: 1.2em;">2.ª EDIÇÃO</p>
+
+<p>PORTO<br>
+LIVRARIA CHARDRON <br>
+<small>L<small>ELLO </small>&amp; I<small>RMÃO, EDITORES</small></small><br>
+1904</p>
+</div>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+<hr>
+
+<p
+style="text-align:center;margin-left:auto;margin-right:auto;"><small>Porto--Imprensa
+Moderna</small></p>
+
+<p> <span class="pn">{5}</span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<div id="corpo">
+<h1>ADVERTENCIA</h1>
+
+<p>Foi publicado originariamente este pequeno trabalho em folhetins no jornal o
+«Primeiro de Janeiro». Parecendo, porém, a algumas pessoas de gosto que havia
+nas minhas considerações verdade e justiça sufficientes, e que valeria a pena,
+por isso, dar mais alguma circulação ás idéas emittidas, resolvo-me, para
+satisfazer ao voto d'essas pessoas, a imprimir á parte estas paginas,
+accrescentando-lhes algumas observações, suggeridas pelo escripto do snr. M.
+Pinheiro Chagas, «Desenvolvimento da Litteratura Portugueza», que só pude vêr
+depois de publicados os folhetins.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="text-align: right;"><i>A. de Q.</i> </p>
+
+<p><span class="pn">{6}<br>{7}</span></p>
+
+
+<h1>Philosophia da Historia Litteraria Portugueza</h1>
+
+
+<h4 class="sinopse"><i>Os Luziadas</i>; ensaio sobre Camões e a sua obra, em
+relação á sociedade portugueza e ao movimento da Renascença, por J. P. de
+Oliveira Martins. Porto, 1872.</h4>
+
+<h4 class="sinopse"><i>Theoria da Historia da litteratura portugueza</i>; these
+para o concurso á cadeira de Litteratura moderna, no Curso superior de letras,
+por Theophilo Braga. Porto, 1872.</h4>
+
+
+<h1>I</h1>
+
+<p>A philosophia das litteraturas é uma criação do nosso seculo, cujo genio, ao
+mesmo tempo subtil e profundo, se revela sobretudo nos estudos historicos, e a
+que um mixto particular de enthusiasmo e scepticismo, de erudição e intuição,
+dá uma singular facilidade para penetrar o caracter das varias raças, o
+espirito das varias idades e civilisações.</p>
+
+<p>Uma maneira mais intima e juntamente mais larga de comprehender a humanidade
+e o individuo, que caracterisa o pensamento moderno, explica esta especie de
+condão magico com que o nosso seculo tem aberto os recessos obscuros, em que a
+alma dos tempos antigos parecia haver-se para sempre sepultado, defendida pelo
+silencio e pelo mysterio.<span class="pn">{8}</span></p>
+
+<p>Com effeito, em quanto se não viu, por um lado, na humanidade um <i>todo</i>
+vivo, cujos movimentos são determinados por leis naturaes e constantes, embora
+complexas e obscuras, e, por outro lado, no individuo, dentro da humanidade,
+uma força, não caprichosa, mas coherente, embora livre, e cujas manifestações
+são todas respeitaveis e legitimas, tendo todas a sua razão de ser e o seu
+valor; em quanto, sobretudo, se não comprehendeu que os momentos da historia
+não são contradictorios entre si, mas representam varios termos d'uma serie por
+onde o espirito humano, ascendendo, se affirma, transformando em parte as
+condições do <i>meio</i> em que se move, e em parte subordinando-se a ellas, e
+que, por isso, esses momentos não devem tanto ser <i>julgados</i> como
+<i>comprehendidos</i>; em quanto este ponto de vista, ao mesmo tempo idealista
+e scientifico, se não estabeleceu--a historia critica, intima, psychologica,
+era impossivel, e impossivel tambem a philosophia da historia.</p>
+
+<p>É por esta razão que a critica e historia litterarias soffreram em o nosso
+tempo uma completa e profundissima renovação, e que a historia philosophica das
+litteraturas só recentemente se pôde constituir.</p>
+
+<p>Considerava-se, ha 100 annos ainda, a obra litteraria como uma criação
+meramente individual, determinada apenas pelo sentimento pessoal, o genio, as
+disposições do poeta: não se via a relação estreita que ha entre a inspiração
+do individuo e o pensamento da época, a raça, o meio social, e o<span
+class="pn">{9}</span> momento historico. Uma poetica, tão estreita quanto
+inflexivel, media tudo, as producções de povos e tempos os mais diversos, por
+uma unica bitola, o <i>gosto</i>, e, dominada pela preoccupação fanatica do
+<i>classico</i>, bania da historia épocas e raças inteiras, condemnadas como
+barbaras, incultas, <i>rudes</i>. O que ha de mais caracteristico e muitas
+vezes de mais profundo na obra d'arte, a revelação do sentir intimo dos homens
+nas diversas condições moraes e sociaes, ficava d'este modo perdido para a
+critica, era despresado em nome d'um ideal de perfeição uniforme, em grande
+parte convencional, e em todo o caso abstracto e, por isso, irrealisavel.</p>
+
+<p>Sabemos hoje que a esthetica, sob pena de se excluir systematicamente da
+realidade, não póde ser absoluta senão nas suas leis fundamentaes, isto é,
+n'aquillo mesmo em que é absoluto e immutavel o espirito humano: em tudo mais
+é, como elle, variavel e progressiva. Tem uma statica e uma dynamica: e se a
+primeira, que é toda abstracta, explica e dá a razão da segunda, que é toda
+concreta, é a segunda quem explica e dá a razão das obras d'arte, naturalmente
+concretas e contidas nas condições do tempo e do meio. Ao methodo
+exclusivamente abstracto substituiu-se o methodo historico, e para logo todas
+as litteraturas, as antigas e as modernas, as barbaras e as cultas, alumiadas
+por uma luz nova, appareceram com as suas feições caracteristicas, os seus
+relevos naturaes, os seus contornos, e vieram tomar cada qual o logar que lhe
+competia na serie<span class="pn">{10}</span> dos desenvolvimentos do espirito
+humano. Para logo tambem se tornou manifesta a alta significação das
+litteraturas, testemunhas desprevenidas e candidas, vindo depôr uma após outra
+sobre o viver intimo das respectivas sociedades, e denunciando ingenuamente a
+feição psychologica correspondente a cada povo e a cada idade. A philosophia da
+historia encontrou n'ellas o instrumento mais delicado e, ao mesmo tempo, o
+mais preciso, para determinar o grau de valor moral de cada civilisação: na sua
+mão um poema pôde tornar-se, muitas vezes, o ramo d'ouro da sibylla, com que
+descesse á região dos mortos, a interrogal-os; versos cantados ha mil, ha dous
+e tres mil annos por poetas desconhecidos, explicaram os movimentos das raças,
+as origens, os esplendores, as revoluções e as catastrophes dos imperios.</p>
+
+<p>A historia litteraria deixou de ser uma curiosidade: appareceu como uma
+realidade cheia de vida e de expressão. Correspondendo a uma ordem de
+phenomenos distinctos e importantissimos, tornou-se objecto d'uma sciencia e,
+como tal, um ramo da philosophia. Hoje por toda a Europa, os estudos de
+historia litteraria, transformados, seguem com firmeza no caminho aberto com
+juvenil impetuosidade pela escóla allemã do começo d'este seculo: refundem-se,
+desenvolvem-se ou corrigem-se as primeiras conclusões, naturalmente incompletas
+umas e outras prematuras ou em extremo systematicas, e á grande renovação
+sahida d'este movimento se ligam muitos<span class="pn">{11}</span> dos nomes
+mais illustres e das obras mais fecundas do nosso tempo.</p>
+
+<p>Entre nós, as duas gerações litterarias, que se succederam desde 1830 até
+hoje, mais apaixonadas e criadoras do que criticas, mais poeticas e
+enthusiastas do que reflectidas, e, sobretudo, dominadas por aquella como que
+instinctiva repugnancia ás ideas geraes propria d'um povo educado pelo
+catholicismo no que elle tem de mais estreito e esterilisador, receberam com
+desdem, ou apenas aceitaram, o que havia de mais superficial no movimento
+renovador, quando não o ignoraram completamente. A historia litteraria
+continuou <i>erudita</i>, como d'antes, na sua gravidade inexpressiva, e a
+critica, apesar de muitas proclamações revolucionarias, acatou todavia o altar
+consagrado e o velho idolo do <i>gosto</i>. É verdade que o <i>gosto</i>,
+sacudido no seu somno secular por mãos juvenis, teve de abandonar as vestes
+antigas e compromettedoras do <i>classico</i> e de se fazer (ou deixar que o
+fizessem) <i>romantico</i>. Era já um grande passo, confessemol-o:
+simplesmente, este primeiro passo, timido ainda, obrigava a dar um segundo e
+mais decisivo--e esse é que não se deu.</p>
+
+<p>Nem se podia dar. Devemos muito áquellas duas gerações, é justo confessal-o.
+Mas a sua missão foi outra, e outro o seu trabalho. N'este empenho de fazer
+penetrar o espirito philosophico na historia da litteratura patria, e de
+levantar entre nós a critica á altura em que mãos vigorosas e illustres a
+têem<span class="pn">{12}</span> collocado n'outros paizes, a geração nova
+achou-se sem predecessores nem mestres entre os escriptores nacionaes, e teve
+forçosamente de se virar para os estranhos. D'aqui uma certa confusão, a
+adopção quasi <i>sur parole</i> dos systemas estrangeiros, e algum mau
+estylo...</p>
+
+<p>Entretanto, a sua vocação é essa, evidentemente critica e philosophica.
+Menos criadora e espontanea, e libertada já dos preconceitos da educação
+tradicional, a nova geração tem por área natural dos seus trabalhos os estudos
+criticos e as idéas geraes. A historia philosophica, a philologia, as sciencias
+sociaes, eis o vasto campo que, entre nós, a sua actividade tem de desbravar e
+fecundar.</p>
+
+<p>Na historia litteraria, os primeiros passos n'este caminho foram dados
+corajosamente por um trabalhador dotado de energia e perseverança singulares, o
+snr. Theophilo Braga. Pódem disputar-lhe qualquer outra especie de gloria,
+menos esta, já não pequena, de iniciador. A consideração do que ha de viril e
+quasi heroico na attitude dos exploradores, faz-nos vêr na sua obra mais ainda
+o valor d'uma acção pessoal do que o das conclusões scientificas, e dá-lhe um
+merecimento independente das muitas imperfeições e lacunas, que seria pueril
+pretender dissimular.</p>
+
+<p>Com effeito, a sua gloriosa iniciativa é compensada, como geralmente
+acontece aos iniciadores, por defeitos graves: dous, que resumem e d'onde se
+originam todos os outros: a impaciencia, que leva<span class="pn">{13}</span> a
+conclusões prematuras, e o espirito systematico, que leva a conclusões falsas.
+Por um lado, uma <i>verdura</i> (se assim se póde dizer) de theorias e
+explicações mais ou menos phantasiosas, e por outro lado uma inflexibilidade
+canonica na applicação stricta de certas formulas aos problemas os mais
+complexos, dão muitas vezes aos seus livros aquella feição singular de
+inconsistencia e ao mesmo tempo de dogmatismo, de aventuroso e juntamente de
+acanhado, que caracterisa os trabalhos sem precedentes, filhos da febre da
+innovação e do isolamento. O grande merecimento d'estes livros póde dizer-se
+que consiste ainda mais em ter levantado as questões do que em tel-as
+definitivamente resolvido.</p>
+
+<p>Ha, todavia, lados verdadeiramente solidos nas obras do snr. Theophilo
+Braga. O seu talento é muito mais analytico do que generalisador; d'aqui, a
+inferioridade relativa das suas apreciações philosophicas, comparadas com os
+seus trabalhos propriamente criticos. N'estes, que constituem a parte mais
+séria e fecunda da sua obra, encontramos os processos da sciencia, como os têem
+comprehendido os mestres d'este seculo, applicados geralmente com
+discernimento, com uma grave despreoccupação de tudo o que não é a logica e a
+verdade, e dando resultados positivos, muitos dos quaes se devem considerar
+definitivos. Distinguem-se por estas qualidades, entre os volumes da sua grande
+historia da litteratura portugueza, já publicados, os estudos sobre Sá de
+Miranda e a sua escóla, sobre os poetas<span class="pn">{14}</span> palacianos
+do seculo <small>XV</small>, e sobre o theatro portuguez nos seculos
+<small>XVII</small> e <small>XVIII</small>. Ha novidade e ao mesmo tempo
+segurança em muitas partes d'aquelles estudos: entrevêem-se as revoluções
+litterarias, no que ellas têem de mais intimo, isto é, nas suas relações com os
+costumes e as opiniões que se transformam; assiste-se ao nascimento e á
+decadencia das escólas; vêem-se as razões do progresso de certos generos, do
+estacionamento ou esterilidade de certos outros. Ha alli verdadeiras
+descobertas biographicas e chronologicas, e mais d'uma aproximação feliz que
+lança uma luz nova sobre os assumptos. Apesar da fraqueza e ás vezes
+puerilidade de certas inducções, do abuso da intuição como processo
+scientifico, da nimia importancia dada a particularidades insignificantes, da
+repetição e distribuição pouco logica das materias, deve esta parte da obra do
+snr. Theophilo Braga (a analytica e critica) ser considerada não só como o que
+ha de mais solido no edificio levantado por suas mãos laboriosas, mas ainda
+como um trabalho em si, de indisputavel valor.</p>
+
+<p>O lado inferior e fragil, a meu vêr, são as theorias geraes, a parte
+philosophica. Sente-se que não é essa a vocação do talento do snr. Theophilo
+Braga. Ao mesmo tempo chimerico e systematico, dá ás suas doutrinas geraes uma
+feição dogmatica, que lhes tira aquelle poder de ductilidade e comprehensão,
+sem o qual uma theoria, para accommodar os factos ao seu rigor inflexivel, tem
+de os forçar umas vezes e outras vezes de os pôr de lado--isto é, não<span
+class="pn">{15}</span> passa d'uma pura abstracção. É isto o que torna
+abstrusas certas obras, como a <i>Poesia do Direito</i>, por exemplo. É isto
+mesmo o que encontramos na maneira por que o snr. Theophilo Braga comprehende e
+explica a philosophia da historia litteraria portuguesa. Seguindo Schlegel e a
+escóla romantica allemã do começo d'este seculo, tomou uma theoria incompleta e
+d'uma applicação muito particular por um principio universal, applicavel a
+todas as litteraturas, e fez della o molde em que a litteratura portugueza
+devia entrar, <i>coute qui coute</i>. Sabe-se que aquella escóla considerava a
+litteratura, juntamente com todas as outras fórmas da civilisação, direito,
+arte, etc., como a expressão genuina do <i>genio da raça</i>, subordinando a
+nacionalidade, em todas as suas manifestações, a um ponto de vista puramente
+ethnologico. Só a raça, na sua espontaneidade nativa, era verdadeiramente
+criadora, só ella original: a tradição, como intrusa, devia considerar-se o
+elemento esterilisador, e as obras por ella inspiradas falsas,
+<i>anti-nacionaes</i>. Applicando estes principios ás sociedades que se
+formaram na Europa sobre as ruinas do imperio romano, a escóla romantica oppoz
+á cultura tradicional o genio popular, ao romanismo as nacionalidades. Viu por
+toda a parte o dualismo; d'um lado, o espirito monarchico e ecclesiastico,
+formalistico e estreito, conservador das tradições latinas: do outro lado, o
+povo, todo espontaneo, traduzindo a originalidade do seu genio em criações
+livres e verdadeiramente inspiradas:<span class="pn">{16}</span> por toda a
+parte uma raça original luctava contra tradições esterilisadoras, que tentavam
+suffocal-a. A idade média fôra o theatro d'esse combate: a Renascença e os
+seculos <small>XVII</small> e <small>XVIII</small> pareceram, com a influencia
+universal do <i>classico</i>, dar o triumpho definitivo ao espirito
+tradicional; porém o seculo <small>XIX</small>, a grande era das
+reinvindicações, erguendo a bandeira do romantismo e das nacionalidades, ia
+evocar de novo o genio das raças, adormecido no seio do povo, retemperando as
+nações no baptismo sagrado das <i>origens</i>.</p>
+
+<p>Quem não vê o que ha de falso n'esta these, apresentada assim d'uma maneira
+absoluta? mas quem não vê tambem quanto ha de verdadeiro e profundo no ponto de
+vista ethnologico, desde o momento em que, deixando de ser o fundamento do
+systema, se considere apenas como um dos elementos componentes d'elle, embora
+um dos mais consideraveis? Quem não vê, sobretudo, a fecunda influencia d'esse
+ponto de vista sobre os estudos litterarios, o conhecimento das origens, a
+comprehensão das criações populares, a renovação da critica? Póde dizer-se que
+o que ha de mais falso n'este systema é ser um systema; porque, contendo muita
+verdade, não é a verdade toda. É muito mais incompleto do que erroneo; porque,
+se o genio de cada raça fornece com effeito os elementos e como que a materia
+prima das civilisações, a cultura e a tradição representam o trabalho de
+aperfeiçoamento do espirito humano, accumulado, que desenvolve aquelles
+elementos<span class="pn">{17}</span> e, fazendo por assim dizer fermentar
+aquella materia primitiva, lhes dá uma fórma nova e superior. Para os povos sem
+precedentes nem tradições d'um mundo anterior, que começam isolados o trabalho
+da civilisação desde os seus inicios, e cujas criações representam apenas o
+fundo originario fornecido pelo caracter da raça, como fôram os indios desde o
+Rig Veda até Kalidassa, os gregos até Alexandre, e os scandinavos até á
+conversão ao christianismo, para esses é aquella theoria rigorosamente
+verdadeira. Mas como applical-a á Europa da idade média, a esse mundo tão
+complexo, e que, com ser fundado sobre a ruina do imperio romano, é todavia uma
+continuação e em grande parte um desenvolvimento da civilisação romana? Na vida
+dos povos modernos entraram desde o berço energicos elementos latinos que,
+absorvidos com maior ou menor sympathia, em maior ou menor quantidade, e
+combinados com os elementos primitivos, constituiram o <i>temperamento</i>
+particular de cada uma d'essas nações, o seu genio nacional. Esse genio é pois
+complexo, e complexo o caracter das suas criações: reduzil-as a um principio
+unico é querer de proposito acanhar a historia, proscrevendo arbitrariamente
+épocas inteiras.</p>
+
+<p>A originalidade de cada uma das modernas litteraturas da Europa está, não em
+representar os caracteres primitivos de tal ou tal raça, mas sim os momentos de
+desenvolvimento d'esses caracteres, na sua combinação gradual com aquelles
+elementos estranhos,<span class="pn">{18}</span> que, sob fórma de tradição,
+constituem ha mais de dous mil annos o fundo commum da civilisação europêa.
+N'estes termos, a theoria romantica tem o seu valor e a sua applicação.
+Applica-se tanto mais quanto menos <i>romanisado</i> (isto é, civilisado) foi o
+povo cuja litteratura se estuda; mais á Allemanha do que á França; muito á
+Inglaterra, muito pouco á Italia; muito mais á Hespanha do que a Portugal; em
+absoluto, a nenhum se póde applicar. A mesma litteratura allemã (sahida da raça
+que menos elementos latinos absorveu) será por ventura exclusivamente
+<i>germanica</i>? Seria um paradoxo affirmal-o. Do seculo <small>IX</small> em
+diante a pureza do elemento germanico altera-se, e cada vez mais turvo segue de
+seculo para seculo. O grande fundador da litteratura allemã, Luthero, que
+começa com a Reforma a reacção do germanismo contra o romanismo, representará
+acaso na sua obra, nas suas idéas, nos seus escriptos, o elemento germanico
+puro, estreme, exclusivo? Pelo contrario, se o caracter de Luthero é
+essencialmente allemão, a <i>doutrina</i> de Luthero essa é quasi completamente
+extra-allemã, filha da Biblia hebraica e do platonismo grego. E Leibnitz? e
+Lessing? e Goethe, o <i>velho pagão</i>?... Se os romanticos allemães quizessem
+ser completamente logicos, tinham de fazer terminar o periodo nacional da
+litteratura allemã no seculo <small>X</small>, com os Niebelungen, ou quando
+muito no seculo <small>XVI</small>, com os Meistersaenger: d'ahi por diante em
+parte alguma se encontra o <i>germanismo</i> puro. E todavia, é no seculo
+<small>XVI</small><span class="pn">{19}</span> que verdadeiramente começa a
+grande época do pensamento allemão!</p>
+
+<p>Eis as insoluveis difficuldades que levanta o systema ethnologico applicado
+ás litteraturas modernas, ainda mesmo áquellas em que mais visiveis são as
+influencias de raça. Que será então, se o quizermos applicar a uma nação sem
+base ethnographicamente definida, como a portugueza, criação da politica e não
+da natureza, das instituições e não da raça, e que mais que nenhuma outra,
+talvez, absorveu e fez seu o genio da civilisação romana? Evidentemente, a
+theoria romantica não póde ter aqui senão uma applicação muito limitada e muito
+secundaria: e é por ter desconhecido esses limites que o snr. Theophilo Braga,
+collocando-se exclusivamente no ponto de vista ethnologico, não conseguiu,
+apesar da sua competencia scientifica e provada capacidade, dar senão uma
+solução incompleta e muitas vezes forçada ao problema da systematisação e
+explicação geral da litteratura portugueza. Dominado pela necessidade de dar
+por fundamento ao genio nacional o genio d'uma raça primitiva e <i>sui
+generis</i>, teve, por assim dizer, de inventar para Portugal essa raça
+primitiva. Estendeu um facto particular de certas provincias, a existencia das
+populações mosarabicas, a todo o paiz; e, transformando esse phenomeno
+puramente social em phenomeno ethnologico, fez dos mosarabes uma raça
+distincta, cuja profunda espontaneidade, apesar de prematuramente suffocada, se
+revelou em criações sentimentaes, que o snr. Theophilo Braga<span
+class="pn">{20}</span> laboriosamente trata de descobrir, e que, segundo elle,
+teriam dado á litteratura portugueza uma feição original, se a tradição
+classica não tivesse obstado ao desenvolvimento livre d'esse cyclo
+verdadeiramente nacional. Esta esterilisadora tradição classica vê-a o snr.
+Theophilo Braga representada na aristocracia asturoleoneza romanisada,
+authoritaria e imitadora. A aristocracia, pela instituição monarchica, pelo
+catholicismo, pelo provençalismo, depois pela reforma dos foraes, o direito
+romano e o poder absoluto, suffoca o livre genio mosarabico e faz da
+litteratura portugueza, que nas mãos poeticas do mosarabe promettia ser um
+jardim oriental, um triste deserto de imitações estereis e infesadas, onde só
+por milagre a seiva primitiva faz de longe em longe rebentar alguma flôr
+doentia, fadada a morrer sem se propagar. D'aqui conclue o snr. Theophilo Braga
+que litteratura verdadeiramente <i>nacional</i> nunca chegou a haver entre nós.
+</p>
+
+<p>Expôr esta doutrina, nas suas conclusões extremas, é quasi refutal-a. Nem as
+populações mosarabicas constituiram uma raça, nem a área por ellas occupada se
+estendeu a todo o paiz, nem na sociedade portugueza existiu nunca o supposto
+dualismo, a opposição do mosarabe plebeu e do aristocrata godo: nada d'isto se
+póde provar scientificamente, nem mesmo racionalmente conjecturar. Os
+mosarabes, isto é, os christãos, que, tendo acceitado o dominio dos arabes,
+viviam no meio d'elles, adoptando-lhes os costumes, mas conservando a antiga
+religião, não<span class="pn">{21}</span> formaram um grupo ethnographicamente
+classificavel: eram, como é ainda hoje toda a população da Peninsula,
+exceptuados os Bascos, um mixto formado pelo sangue ibero, romano, godo e
+arabe, em proporções extremamente variaveis de região para região. Que tem isto
+que vêr com uma raça particularmente portuguesa?--Depois, essas populações
+mosarabicas pouco se estenderam ao norte do Mondego: ora, é exactamente do
+Mondego para o norte que residiu durante os primeiros seculos a força da
+nacionalidade portugueza, d'ahi que partiu o grande impulso emancipador. Não
+fôram pois os mosarabes os fundadores d'essa nacionalidade, nem os criadores do
+seu caracter particular. Temos vivido e vivemos ainda hoje d'esse espirito de
+intrepida personalidade, que fez então erguerem-se os homens energicos do norte
+de Portugal, não do <i>genio mosarabe</i>, que (ainda que tivesse existido)
+seria sempre secundario.</p>
+
+<p>Finalmente, a opposição do mosarabe e do aristocrata godo reduz-se
+simplesmente á opposição da plebe e da aristocracia, facto social e não
+ethnologico, geral em toda a Europa, e que nada tem que vêr com a originalidade
+das litteraturas. A aristocracia, durante seculos, não esmagou ou suffocou o
+espirito das populações inferiores, nem entre nós nem em parte alguma:
+civilisou. Depositarias das tradições romanas e, ao mesmo tempo, representantes
+do genio de cada nacionalidade, no que elle tinha de mais energico, as
+aristocracias exerceram uma legitima influencia iniciadora, e, durante 600 ou
+700<span class="pn">{22}</span> annos de formidavel tumulto heroico, dispozeram
+os elementos com que as monarchias da Renascença constituiram definitivamente
+as nações modernas. Dar á aristocracia um papel todo negativo é querer reduzir
+ao absurdo, com uma pennada, sete seculos da historia da Europa e contradizer
+um dos resultados mais seguros da moderna sciencia historica, a classificação
+dos elementos sociaes e a importancia de cada qual na obra commum.</p>
+
+<p>O erro dos principios vê-se sobretudo nas conclusões. Com effeito, uma vez
+estabelecido o dualismo e considerado o povo portuguez como mosarabe, e o
+mosarabe como só inspirado e criador, toda a litteratura culta tinha
+forçosamente de ser condemnada pelo snr. Theophilo Braga, como anti-nacional,
+recebendo fóros de nacionalidade sómente a poesia popular: tudo mais não passa
+de imitação, copia servil, e, como tal, esteril e sem importancia aos olhos da
+philosophia. Esta larga parte da imitação na nossa litteratura descobre-a o
+snr. Theophilo Braga com exemplar erudição e excellente critica, mostrando
+claramente as influencias provençal, franceza, hespanhola e italiana a que
+obedeceu a litteratura portugueza. Mas não é no facto das imitações que está a
+questão. Esse facto não se dá só comnosco; dá-se em todas as litteraturas das
+nações da Europa então cultas. A influencia provençal fez-se sentir na França,
+na Italia, na Hespanha e até na Allemanha; os poemas francezes foram, por seu
+turno, traduzidos e imitados por toda a parte na<span class="pn">{23}</span>
+idade média, e as litteraturas hespanhola e italiana tiveram tambem o seu
+momento de se tornarem europêas. Que prova isto? Prova simplesmente que já na
+idade média a Europa formava uma especie de confederação moral, e que a troca
+dos pensamentos, das descobertas, das criações artisticas era já então uma lei
+natural para nações todas christãs, herdeiras todas da civilisação romana. Mas
+essa troca não implica a abdicação das originalidades nacionaes. Na adopção das
+idéas estrangeiras cada povo recebe o que convém ao seu temperamento
+particular, dá-lhe uma feição propria, e póde mostrar a originalidade do seu
+genio dentro das fórmas recebidas dos outros. Poucas, pouquissimas obras
+<i>originaes</i>, no sentido exclusivo e absoluto em que o snr. Theophilo Braga
+toma esta palavra, nos apresentam as litteraturas dos povos ainda os mais
+criadores: n'esse sentido não é original Virgilio, nem Dante, nem Camões, nem
+Lope de Vega, nem Shakespeare, nem Corneille, nem Goethe. Mas as litteraturas
+apresentam-nos muitas obras primas, formadas d'uma maneira nova e
+<i>original</i> com elementos estranhos ou já conhecidos. Por essas, tão bem
+como pelas outras, se póde avaliar o caracter, as tendencias, o genio emfim do
+povo que as produziu, e é quanto basta para se poder affirmar que esse povo
+teve ou tem litteratura e que essa litteratura é original. O genio, em geral, e
+em particular o genio nacional, consiste muito mais na maneira <i>propria</i>
+de dispôr os materiaes herdados ou emprestados,<span class="pn">{24}</span> do
+que na criação, como que inteiriça e d'um jacto, de elementos completamente
+novos e sem precedentes--<i>proles sine matre creata</i>. Ora a humanidade vive
+sobretudo de tradições, e ha para os povos como para os individuos um
+verdadeiro ensino mutuo, pelo qual cada um, sem deixar de ser o que é,
+aproveita da experiencia e do trabalho dos outros. O snr. Theophilo Braga, que
+é poeta e bom poeta, e além d'isso homem de gosto e consciencioso, por si
+apreciaria o valor d'estas verdades, se o espirito systematico não obscurecesse
+o seu bom juizo em se tratando da litteratura portugueza.</p>
+
+<p>Quer isto dizer que as suas idéas, por incompletas, sejam inteiramente
+estereis para a historia da nossa litteratura? Por fórma alguma. Ninguem,
+melhor do que o snr. Theophilo Braga, comprehendeu a alta significação da nossa
+poesia popular, que estudou com verdadeiro amor e respeito religioso: e este
+sentimento do <i>primitivo</i> e do <i>espontaneo</i> deve-o ao seu ponto de
+vista ethnologico. Por este sentimento pôde com muito tacto discriminar a parte
+da imitação e de convencional nas obras da poesia culta, embora, a meu vêr,
+concluisse mal do facto d'essa imitação. Por elle pôde caracterisar certas
+physionomias originaes, até aqui mal comprehendidas, Gil Vicente, por exemplo.
+Em tudo isto a sua critica é excellente. E é por isso mesmo que os apreciadores
+do talento e das obras do snr. Theophilo Braga devem, me parece, fazer votos
+para que a sua sensivel imaginação o não seduza, com vagas miragens,<span
+class="pn">{25}</span> para fóra do campo dos trabalhos de analyse e critica,
+que são a sua vocação, arrastando-o para as regiões perigosas da synthese e da
+philosophia, onde a imaginação e o sentimento, essas fadas encantadoras, se
+transformam muitas vezes em perfidas ondinas e sereias, para mal de quem as
+segue com muito candida confiança.<span class="pn">{26}</span> <span
+class="pn">{27}</span></p>
+
+<h1>II</h1>
+
+<p>Se a escóla ethnologica está representada, entre os escriptores novos, pelo
+snr. Theophilo Braga, a escóla social e historica--a unica, talvez, a que
+propriamente se devêra dar o nome de philosophica--acaba de achar igualmente
+entre nós um digno representante n'um escriptor moço e do maior futuro, o snr.
+Oliveira Martins, que n'um livro recente estudou a proposito de Camões (e para
+nos explicar Camões), a litteratura portugueza do seculo <small>XVI</small>, no
+ponto de vista largo e comprehensivo, ao mesmo tempo politico e psychologico,
+que caracterisa esta ultima escóla.</p>
+
+<p>N'este ponto de vista, a litteratura d'um povo, considerada como um todo
+symetrico, uma obra gigantesca e collectiva, apresenta-se como a expressão do
+seu espirito nacional, determinado não por tal ou tal elemento primitivo e, por
+assim dizer, physiologico,<span class="pn">{28}</span> mas pelos elementos
+complexos, uns fataes outros livres, uns criados outros herdados, cuja synthese
+constitue a <i>idéa</i> da sua nacionalidade--raça, instituições, religião,
+tradição historica, e vocação politica e economica no meio dos outros povos. A
+idéa nacional, na sua evolução, determina gradualmente o que se póde chamar o
+temperamento da nação; e, se esta surda fermentação se manifesta em tudo, nos
+seus actos e nos seus pensamentos, revela-se sobretudo na sua imaginação, isto
+é, no seu ideal, cuja expressão mais livre é a arte e a litteratura. N'esta
+invisivel circulação da seiva interior ha periodos, periodos de revolução, de
+progresso, de retrocesso, de incubação ou de plenitude de forças: a estes
+correspondem invariavelmente os periodos artisticos e litterarios, com suas
+revoluções, suas variações de intensidade, lenta formação de escólas, morbidos
+estacionamentos, subitas e inflammadas florescencias. E, como n'esta vegetação
+collectiva, cada ramo, cada folha, cada fructo, se alimenta com a seiva commum
+e tem uma vitalidade proporcional á força que trabalha o grande tronco, o
+espirito individual acompanha o espirito nacional nas suas evoluções, gradua
+pela d'elle a sua intensidade: a sua liberdade interior tem por limites,
+realisando-se, as condições do meio em que se desenvolve, e o genio do artista,
+do poeta, ainda quando protesta e se revolta, é sempre <i>adequado</i> ao genio
+do seu povo e da sua época. É por aqui que a historia litteraria se liga á
+philosophia da historia, ou antes, que faz<span class="pn">{29}</span> parte
+d'ella. As grandes épocas litterarias coincidem com as épocas de plenitude do
+sentimento nacional, aquellas em que esse sentimento, tomando consciencia de
+si, se revela em obras harmonicas e complexas, que são como que o fructo
+definitivo da lenta elaboração das instituições, dos costumes, dos pensamentos.
+Reaes e juntamente ideaes, essas obras supremas dizem-nos ao mesmo tempo o que
+um povo <i>foi</i> e o que <i>quiz ser</i>, descobrem-nos a sua
+<i>aspiração</i> intima e marcam os <i>limites</i> dentro dos quaes lhe foi
+dado realisal-a. São o commentario moral das revoluções politicas e sociaes, e
+como que os annaes da consciencia nacional: e, para a philosophia, é na
+consciencia que a historia encontra a sua explicação definitiva e a sua final
+justificação.</p>
+
+<p>O que diz Camões a quem, depois de o ter lido com olhos de homem de gosto, o
+relê com olhos de philosopho? Camões, responde o snr. Oliveira Martins, diz-nos
+o <i>segredo</i> da nacionalidade portugueza. Houve, com effeito, uma
+nacionalidade portugueza--por mais estranha que esta affirmação nos pareça, a
+nós, portuguezes do seculo <small>XIX</small>, que não atinamos a encontrar no
+presente uma <i>causa vivendi</i>: houve uma razão de ser tanto para as
+instituições como para os individuos, e uma idéa nacional, espalhada como a
+alma collectiva por todo este corpo, então vivo e agil. E não só houve uma
+nacionalidade portugueza, mas essa nacionalidade, superior aos impulsos cegos
+da raça e á fatalidade da geographia, produziu-se como uma obra do esforço e da
+vontade,<span class="pn">{30}</span> não resultado de obscuros instinctos
+primitivos, como um facto politico e moral, não como um facto etimologico.
+Quando em Hespanha não havia ainda senão catalães, castelhanos, leonezes e
+navarros; em França provençaes, gascões, bourguinhões, bretões; em Allemanha
+suabos, austriacos, saxões, hanoverianos; em Italia tantos pequenos estados
+rivaes quantas cidades, e não se fazia bem idéa do que fosse ser hespanhol,
+francez, allemão, italiano, porque estas palavras França, Hespanha, Allemanha,
+Italia designavam apenas vagas agrupações naturaes e não grupos organisados--em
+Portugal havia só portuguezes, e ser portuguez tinha uma significação definida
+e precisa. Este é o grande facto, diz o snr. Oliveira Martins, que faz d'elle o
+seu ponto de partida: daqui, a cohesão politica da nação; d'aqui, a sua
+physionomia moral. Essa cohesão é a unidade; essa physionomia é o patriotismo.
+O patriotismo, pondera acertadamente o snr. Oliveira Martins, é cousa muito
+distincta do amor da terra: e o patriotismo, como os portuguezes dos seculos
+<small>XV</small> e <small>XVI</small> o conceberam, foi um phenomeno moral
+quasi unico na Europa de então, e que os tornou muito mais parecidos com os
+romanos antigos do que com os povos seus contemporaneos. O patriotismo é uma
+idéa abstracta, que excede a capacidade toda sentimental da raça; o instincto
+naturalista da raça dá o amor da terra; não vai mais além: só a idéa nacional
+póde dar o patriotismo, comprehendido á romana e á portugueza. O Cid batalha
+mais d'uma vez contra os<span class="pn">{31}</span> castelhanos, ao lado dos
+arabes; o condestavel de Bourbon vira a sua espada aventureira contra a França
+que o viu nascer; nem por isso deixa o Cid de ser um typo de bravura idealisado
+pelos hespanhoes, e o condestavel de Bourbon um leal cavalleiro para todos os
+cavalleiros de França; mas os Pereiras, combatendo ao lado dos castelhanos em
+Aljubarrota, são malditos, <i>arrenegados</i>; e, mais tarde o Magalhães será
+<i>portuguez no feito, porém não na lealdade</i>: apostataram da idéa nacional.
+Eis a grande differença. Esta noção do patriotismo cria uma ordem de
+sentimentos particulares dos individuos para com a nação, um modo de ser moral
+peculiar. É o dever patriotico, como o comprehenderam em Roma Fabricio, Regulo,
+Catão, em Portugal Castro, Albuquerque--o dever patriotico, cuja expressão
+suprema é o heroismo. Leia-se a historia da Europa até ao seculo
+<small>XVI</small>: abundam os <i>bravos</i>, mas difficilmente se encontrarão
+os <i>heroes</i>, segundo o typo magnanimo que a antiguidade realisou, e que de
+novo e no seu ponto de vista realisou Portugal durante os seculos
+<small>XV</small> e <small>XVI</small>. No <i>peito illustre lusitano</i> havia
+então alguma cousa de grande e transcendente, que impellia a nação para um
+destino extraordinario e suscitava no meio d'ella os heroes, que deviam servir
+a idéa nacional com a abnegação tenaz e superior com que se serve uma idéa
+religiosa. É que o patriotismo é uma especie de religião civil. Foi por essa
+religião que, durante tres seculos, nos erguemos no mundo, para realisar um
+sonho gigantesco<span class="pn">{32}</span> e quasi sobre-humano: foi por ella
+tambem que cahimos exangues e desilludidos, porque a realidade faltou ao sonho,
+porque todo o sonho, com o seu idealismo, se exalta primeiro, perturba depois,
+transvia, endoudece aquelles que envolve nas suas nevoas phantasticamente
+luminosas, mas sempre enganadoras.</p>
+
+<p>A época nacional portugueza, por excellencia, é o seculo <small>XVI</small>.
+Tudo concorre então para dar ao espirito dos portuguezes aquelle summo grau de
+tensão, que produz os grandes movimentos nacionaes. A nacionalidade rompe com
+impulso irresistivel os seus limites tradicionaes, transborda fremente como um
+rio caudaloso, e affirma-se na sua plenitude pelas descobertas e pelas
+conquistas. Dentro, a sua força é o resultado da sua concentração: pela reforma
+dos foraes, pela monarchia absoluta, pela expulsão dos judeus, attinge o maximo
+de unidade politica, social, religiosa, isto é, o maximo de poder sobre si
+mesma. Esta energica cohesão depura o sentimento nacional, dá-lhe uma segura
+consciencia de si, e leva-o áquelle grau de tensão em que o patriotismo,
+exaltando-se, se transforma n'uma especie de heroismo universal. A nação faz-se
+heroe: o heroismo é a sua atmosphera ordinaria, e todos participam mais ou
+menos d'esse contagio sublimador. D'aqui, uma concepção particular da vida
+social, do direito, do dever, tanto para a nação como para os individuos.
+<i>Ser portuguez</i> é alguma cousa de especial, um typo <i>sui generis</i> de
+virilidade e nobreza, que todos procuram<span class="pn">{33}</span> realisar,
+e que a litteratura idealisa, de que ella se inspira na phase nova em que então
+entra. Com effeito, a esta evolução moral corresponde uma evolução litteraria.
+Á escóla provençal-castelhana, lyrica, aventureira e romanesca, succede a grave
+escóla italiana, com a feição nova que o espirito portuguez lhe deu,
+adoptando-a, isto é, moral e epica. Ao trovador Bernandim Ribeiro, ao popular
+Gil Vicente succedem Sá de Miranda e Ferreira, dous romanos. O velho typo
+cavalheiresco, phantasioso e sentimental, empallidece diante d'esse outro que
+surge, nobre e digno, quasi severo, o homem do dever, não da sensibilidade, que
+João de Barros, Ferreira e Miranda vão levantando, e que Camões virá collocar
+sobre o sublime pedestal epico.</p>
+
+<p>Este typo, o verdadeiro typo portuguez do seculo <small>XVI</small>, como se
+revela nos <i>Lusiadas</i>, não é com effeito uma mera invenção do genio de
+Camões: é uma genuina criação nacional, um ideal do sentimento collectivo, que
+se foi gradualmente formando e depurando, até encontrar no grande poeta quem
+lhe désse uma expressão definitiva. É por isso mesmo que elle domina, de toda a
+sua altura, o pensamento e a obra de Camões. O que o poeta canta é o heroismo
+portuguez; o <i>peito illustre lusitano</i>: e todo o seu poema se resume
+n'isto, como n'esse poema se resume toda a vida moral portugueza durante um
+seculo. A razão intima dos acontecimentos, dos costumes, das opiniões
+encontra-se alli: explicam-se por elle, e só elles tambem o explicam
+completamente.<span class="pn">{34}</span> O poema e a sociedade são por seu
+turno texto e glosa que mutuamente se commentam.</p>
+
+<p>N'este ponto de vista, historico e psychologico, não no ponto de vista
+meramente litterario d'uma esteril poetica de convenção, é que os
+<i>Lusiadas</i> devem ser estudados e comprehendidos--e cabe ao snr. Oliveira
+Martins a gloria de ter sido o primeiro a fazel-o, a gloria de ter
+<i>commentado</i> philosophicamente os <i>Lusiadas</i>. A esta luz tudo se
+explica na concepção do poema e na substancia moral d'elle: percebe-se a razão
+d'este estranho phenomeno, estranho e unico, do apparecimento d'um verdadeiro
+poema epico nacional em plena idade moderna.</p>
+
+<p>Isto em quanto á concepção. Em quanto, porém, a certa ordem de sentimentos,
+que, no ponto de vista epico, são secundarios, mas que occupam um grande logar
+no poema, para os comprehender faz-nos o snr. Oliveira Martins considerar outro
+lado da physionomia tão complexa de Camões e da sua época. Com effeito, se
+Camões é um portuguez do seculo <small>XVI</small>, é ao mesmo tempo um artista
+da Renascença; d'aqui todo um lado dos <i>Lusiadas</i>, que excede a idéa
+nacional, e por onde este profundo poema se liga, não já á vida necessariamente
+estreita d'um simples povo, mas ao vasto movimento do espirito humano nos
+tempos modernos. Sem este lado, a significação dos <i>Lusiadas</i> seria
+meramente nacional e local, não europêa e universal: teriam só um valor
+historico e não philosophico tambem. Mas Camões, portuguez pelo caracter e pelo
+coração, era pela<span class="pn">{35}</span> intelligencia mais do que
+portuguez sómente. Respirava a atmosphera subtil e vivificante da Renascença:
+no seu vasto espirito, como no dos grandes artistas d'esse tempo, havia um lado
+mysterioso e profundo que se virava, não para o passado ou para o presente, mas
+para o illimitado futuro, presentindo já a revolução moral dos seculos
+<small>XVIII</small> e <small>XIX</small>. Se Camões, como portuguez é patriota
+e heroico, como homem da Renascença é pantheista; pantheista platonico e
+idealista, já se vê, como Miguel Angelo, Leonardo de Vinci, Shakespeare.
+Portuguez, exalta os feitos por onde o seu povo conquista entre as nações um
+logar proeminente: homem da Renascença, sente e interpreta a natureza com um
+naturalismo impregnado de idealidade, que é mais ainda o presentimento d'um
+mundo moral novo, do que uma imitação da antiguidade pagã. O sentimento
+pantheista da natureza, sentimento todo moderno, e que devia mais tarde chegar
+á plenitude em Rousseau, Goethe, Hugo, appareceu pela primeira vez em Camões.
+D'aqui, o caracter do seu espanto em face dos grandes phenomenos maritimos;
+d'aqui, a concepção do Adamastor; d'aqui, o sensualismo da primeira parte do
+canto <small>XI</small> e o idealismo da ultima. É por este lado que Camões
+toma logar entre os grandes espiritos, os <i>Lusiadas</i> entre as grandes
+obras dos tempos modernos. A imaginação prophetica do poeta anticipa tres
+seculos na historia psychologica da humanidade.</p>
+
+<p>Com todos estes elementos, uns portuguezes, outros<span
+class="pn">{36}</span> europeus, uns locaes, outros universaes, recompõe o snr.
+Oliveira Martins a physionomia complexa de Camões e dos <i>Lusiadas</i>, com
+uma lucidez e segurança de critica verdadeiramente surprehendentes para quem
+considerar a completa novidade do seu trabalho. A sua luminosa synthese abraça
+o poeta, a obra e a época: e pela época, pelo poeta e pela obra faz-nos sentir
+a intima realidade da nação e a sua razão de ser historica. E n'essa mesma
+synthese comprehende-se tambem a sua decadencia; triplice decadencia, politica,
+moral, litteraria. Como? pela decadencia da idéa nacional. Com effeito, o
+patriotismo heroico do Portugal do seculo <small>XVI</small> continha em si
+mesmo os germens da propria dissolução. Era grande, mas não era justo: ora nada
+dura no mundo senão pela justiça. Tinha fatalmente de se corromper essa
+orgulhosa idéa nacional, fundada na violencia da conquista, na intolerancia
+religiosa e no despotismo politico. Os vicios interiores do organismo nacional
+appareceram bem depressa: appareciam já no tempo de Camões: nos <i>Lusiadas</i>
+encontram-se de vez em quando estrophes sombrias, que são como um lugubre
+<i>cras enim moriemur</i> lançado no meio das alegrias d'aquelle festim
+heroico. Era o futuro velado e lutuoso que o poeta entrevia n'um deslumbramento
+prophetico. A nação estava, com effeito, condemnada. O heroismo que tem de
+durar lança as suas raizes na região mais inalteravel, mais incorruptivel da
+consciencia humana, e as do nosso não chegaram lá: foi uma especie de <i>sezão
+nacional</i>; não<span class="pn">{37}</span> foi um acto reflectido, filho da
+liberdade moral, um esforço supremo pela justiça; foi apenas um egoismo
+sublime. Por isso, martyres da propria obra, a nossa queda foi cheia de
+tristeza e confusão, nem nos ficou no rosto a serenidade luminosa dos
+verdadeiros martyres.</p>
+
+<p>As paginas austeras em que o snr. Oliveira Martins estabelece esta
+distincção entre o heroismo da consciencia e o da fatalidade, e mostra Portugal
+condemnado por aquillo mesmo que fizera a sua virtude e a sua grandeza, são das
+mais gravemente pensadas que se tem escripto na nossa lingua. É a verdadeira
+philosophia da historia aquella sua, que reduz e subordina toda a actividade
+humana á consciencia e á justiça. A injustiça da idéa nacional, como os
+portuguezes então a conceberam, corrompeu gradualmente as instituições,
+infiltrou-se nos espiritos e perverteu os costumes: a sociedade, minada
+interiormente, vacillou, em despeito do esplendor mentiroso que exteriormente a
+vestia, e começou a desabar. O snr. Oliveira Martins desenhou com mão segura e
+vivissimo colorido o quadro das implacaveis realidades, que, produzidas pelo
+heroico idealismo portuguez, se viraram contra elle, o viciaram e acabaram por
+destruil-o. A nação, atacada d'este modo nos seus orgãos mais vitaes e na mesma
+alma, que podia produzir no mundo do espirito, da arte, da litteratura? Á
+decadencia social e moral tinha necessariamente de corresponder a decadencia
+litteraria. Um desregramento doentio das imaginações privadas de ideal, depois
+um estreito classicismo e<span class="pn">{38}</span> uma poetica de academias,
+succederam á livre e fecunda expansão do genio portuguez no mundo do sentimento
+e da phantasia. A idea nacional levou comsigo para a cova o segredo das
+criações poeticas. Do seculo <small>XVI</small> até hoje não produziu Portugal
+uma unica obra artistica ou litteraria verdadeiramente nacional. De vez em
+quando, n'alguns momentos excepcionaes, o genio d'alguns homens tem-se
+levantado como um protesto, e tem-se visto ainda uma ou outra obra viva. Mas
+essa inspiração é toda individual, não é nacional: é um producto natural, que
+póde demonstrar que a raça não morreu com a nacionalidade, não é filha d'um
+sentimento commum e como que organico da sociedade portugueza. A decadencia
+nacional é o grande facto inexoravel da nossa historia, vai em tres seculos: a
+decadencia litteraria é uma fórma d'ella, nada mais.</p>
+
+<p>Decadencia irremediavel? pergunta o snr. Oliveira Martins, nas ultimas
+paginas do seu livro. Não! responde-lhe a philosophia revolucionaria. A nossa
+renovação moral e litteraria será possivel no dia em que, pela reforma das
+instituições sociaes, por uma nova e melhor comprehensão da justiça, comece
+outra vez o espirito a circular n'este grande corpo, mais inerte ainda do que
+acabado, volte a animal-o uma alma, um ideal collectivo. Então Portugal terá de
+novo uma razão de ser, e a idéa nacional, mais brilhante e mais quente depois
+do seu eclipse secular, fará rebentar outra vez fructos e flôres d'este chão
+endurecido sim, mas debaixo do<span class="pn">{39}</span> qual ha ainda
+(embora a grande profundidade) fontes vivas em abundancia. As grandes acções
+serão outra vez possiveis, e um melhor e mais alto heroismo: por elle serão não
+só possiveis, mas quasi inevitaveis os grandes pensamentos poeticos. A
+renovação litteraria de Portugal é correlativa com a sua renovação social e
+está dependente d'ella: é a conclusão do livro do snr. Oliveira Martins,
+conclusão que todos devemos aceitar, não como uma vaga esperança, mas como uma
+verdade philosophica cuja realisação não depende senão do nosso esforço, da
+energia do nosso sentimento moral. Somos os operarios do nosso proprio destino,
+e desde já as nossas mãos o vão aperfeiçoando: terá a fórma que lhe dermos.</p>
+
+<p>N'este trabalho solemne da renovação nacional, grande é a tarefa que está
+talhada para a geração nova, e immensa a sua responsabilidade! Estará ella,
+pela intelligencia e pelo coração, pela sciencia e pela virtude, á altura
+d'esta obra austera e formidavel? Muitos o duvidam, vendo-lhe no rosto uma
+pallidez de mau agouro... Não me cabe a mim decidil-o: direi sómente que
+(quaesquer que tenham de ser os nossos destinos) para darem testemunho das
+intenções sérias d'uma parte consideravel da nossa geração, do seu espirito
+renovador, da sua aspiração a uma melhor sciencia, bastarão em todo o tempo
+obras como a <i>Historia da litteratura portugueza</i>, do snr. Theophilo
+Braga, e o <i>Ensaio sobre Camões</i>, do snr. Oliveira Martins.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="text-align: right;"><i>9 de maio de 1872.</i> </p>
+
+<p><span class="pn">{40}</span></p>
+
+<p>Estavam já escriptas e publicadas estas paginas, quando appareceu, com o
+titulo de <i>Desenvolvimento da litteratura portugueza</i>, a <i>These</i> do
+snr. Pinheiro Chagas, para o concurso da 3.ª cadeira no Curso superior de
+letras. N'esta resenha das opiniões, emittidas pelos escriptores da nova
+geração, sobre o systema geral da nossa litteratura, fôra injustiça não
+consagrar algumas linhas ao trabalho do snr. Pinheiro Chagas, já pelo valor do
+trabalho em si, já pela posição que seu author occupa entre os escriptores
+moços.</p>
+
+<p>As conclusões da <i>These</i> do snr. Pinheiro Chagas são as seguintes:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>1.º--Que o povo portuguez não é constituido por uma raça especial, a que se
+dê o nome de mosarabe, comprimida sempre e atrophiada nas suas criações pela
+nobreza, constituida por outra raça, a que se dê o nome de asturiana.</p>
+
+<p>2.º--Que nem as inducções philologicas, nem os factos historicos, permittem
+que se dê ao povo portuguez uma origem germanica, e á aristocracia uma origem
+latina; que, pelo contrario, se algum dos elementos constitutivos da raça
+peninsular prodomina no povo, deve ser o elemento hispano-romano, e na
+aristocracia o elemento gothico.</p>
+
+<p>3.º--Que teve o povo portuguez, durante a idade média, uma vigorosa
+existencia, manifestada politicamente<span class="pn">{41}</span> pela robusta
+vida municipal, litterariamente pela sua collaboração nos vastos romanceiros
+peninsulares, e pelas chronicas de Fernão Lopes.</p>
+
+<p>4.º--Que a litteratura aristocratica aceitou a influencia provençal, a
+influencia da França do norte, e a influencia italiana, como succedeu nos
+outros reinos da Peninsula.</p>
+
+<p>5.º--Que no seculo <small>XVI</small> a reação latinista imperou aqui, da
+mesma fórma que em toda a Europa, mas que a originalidade do nosso povo se
+manifestou com o vigor admiravel na epopêa de Camões, no theatro de Gil
+Vicente, e nas chronicas dos descobrimentos.</p>
+
+<p>6.º--Que a decadencia da nossa litteratura foi devida a tres causas
+deprimentes: o despotismo monarchico e centralisador, que imperou em todas as
+raças neo-latinas, o despotismo religioso que actuou com a mesma energia na
+Italia e principalmente na Hespanha, e a perda da nossa nacionalidade, que foi
+uma causa especial, devida a fataes circumstancias historicas.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Estas conclusões, como o leitor vê, entram, salvo leves differenças, no
+ponto de vista das considerações que apresentei, tanto combatendo o systema do
+snr. Theophilo Braga, como expondo e commentando o do snr. Oliveira Martins.
+Por isso não posso, sem me repetir escusadamente, insistir n'estes pontos.
+Concordo com o modo de vêr tão lucido e tão realmente portuguez, sem deixar
+nunca por isso de ser<span class="pn">{42}</span> scientifico, do snr. Pinheiro
+Chagas; e folgo de me encontrar (pelo menos n'este sereno campo da historia
+litteraria, onde se descança, entre flôres ideaes, de tantas luctas que separam
+os homens de hoje) em communhão de vistas com um espirito tão gentil e
+cultivado.</p>
+
+<p>Desejo, porém, dar relevo a um ponto, por onde a <i>These</i> do snr.
+Pinheiro Chagas particularmente me impressionou. É o caracter eminentemente
+nacional e (vá a palavra, apesar de tão conspurcada pelos vendilhões de
+portuguezismo) <i>patriotico</i> da sua critica.</p>
+
+<p>A sciencia, essa grande potencia imparcial, essa patria commum de todos os
+espiritos <i>bem nascidos</i>, está certamente muito acima do patriotismo, que
+tantas illusões offuscam, que tantas miserias até encobre ás vezes debaixo da
+sua apparatosa <i>toga pretexta</i>. Mas essa preferencia e esse sacrificio do
+patriotismo á sciencia dá-se só onde o patriotismo estreito ou refalsado tenta
+oppôr-se á luminosa sciencia, franca e comprehensiva. Então, caia por terra,
+seja derrocado sem piedade o edificio ruinoso do orgulho d'um povo! Passe a luz
+da intelligencia através das ruinas, e purifique-as!--Mas não é isso o que se
+dá com a historia litteraria portugueza. Cá não existe essencialmente tal
+opposição. Um largo patriotismo é perfeitamente compativel com a imparcialidade
+da critica, no estudo dos nossos poetas, dos nossos escriptores, durante 600
+annos, que não foram sem gloria nem originalidade.<span class="pn">{43}</span></p>
+
+<p>Vou mais longe. Direi que esse largo e justo sentimento patriotico é até
+indispensavel para bem comprehender o que houve n'este povo, na sua vida
+agitada, dramatica, heroica, a sua alma, a sua realidade moral.</p>
+
+<p>Sim, existimos! e existimos como homens, pensando, sentindo, querendo,
+obrando. Criámos, descobrimos, combatemos; e podemos dizer ao mundo: «Aqui está
+o que nós amámos! aqui está o que nós odiámos!»--E o que é isto senão
+<i>sentir-se</i> portuguez e ser patriota? E como, sem isto, se poderá
+comprehender o que pensaram e escreveram portuguezes, e pensaram e escreveram
+como portuguezes?</p>
+
+<p>A sciencia não contradiz isto. Parte, pelo contrario, d'este ponto de
+partida. E é em nome d'ella que o snr. Pinheiro Chagas diz com tanta verdade
+como energia: «os portuguezes não são os párias litterarios da Europa!»</p>
+
+<p>Esta affirmação do passado é-nos necessaria para podermos, através do
+presente tão cheio de melancolia, crêr e confiar n'um futuro melhor--e
+preparal-o virilmente.</p>
+
+<p>Que significa pois essa pseudo-escóla, que, em nome de não sei que sonhada
+decadencia das raças latinas, deprime systematicamente quanto teve ou tem o
+nome de portuguez, e nos aponta o ideal d'um messianico germanismo (que nem
+talvez saiba definir), de uma absurda supremacia das raças germanicas, como a
+unica salvação possivel?</p>
+
+<p>Estranha salvação, com effeito, para a qual é<span class="pn">{44}</span>
+necessario começarmos por deixar de ser quem somos! Aconselham-nos que imitemos
+pacientemente, sem critica e sem protesto, os exemplos dos nossos mestres e
+senhores, os allemães, unicos pensadores e sabios, ao que parece, sem verem que
+<i>imitação</i> importa <i>abdicação</i>, e que um povo que abdica do seu
+pensamento é um povo que se suicida!</p>
+
+<p>Como se não bastassem já as nossas miserias actuaes, juntam-lhes mais esta,
+e capital: a descrença da nossa propria capacidade e da nossa vida moral. É
+este exactamente aquelle maximo peccado, que a Igreja considerou sem remissão:
+<i>desesperação de se salvar</i>.</p>
+
+<p>Não é assim, pelo desespero e abdicação, que nos salvaremos. Não é assim que
+quem está prostrado se levanta; esperando que alguem lhe dê a mão. Esse tal
+jazerá eternamente.</p>
+
+<p>Sejamos nós mesmos. Tenhamos esse valor, e tudo se tornará possivel. Antes
+de tudo, convém crermos em nós mesmos, no passado como no presente. Crêr em si
+não é adorar-se. Podemos ter essa crença, sem santificarmos por isso os nossos
+vicios, sem nos illudirmos sobre as nossas miserias antigas e modernas, sem nos
+endurecermos na nossa ignorancia e confusão. Podemos crêr em nós, e
+confessarmos os nossos erros: quem se suicidou só por que uma vez se reconheceu
+peccador? Se errámos e peccámos (e peccámos e errámos bastante), reformemo-nos
+corajosamente, mas seguindo sempre uma inspiração propria, consultando a nossa
+alma, não a dos<span class="pn">{45}</span> outros, a voz da nossa consciencia,
+não a da consciencia alheia.</p>
+
+<p>Foi isto o que fez essa Allemanha, que nos impõem como modêlo os que talvez
+menos a conhecem, essa Allemanha, que eu admiro, a quem devo muito, mas a quem
+quero seguir livremente, com um plenissimo direito de critica, e consultando
+sempre os meus intimos instinctos de <i>latino</i>, que sou e não me envergonho
+de ser. A Allemanha, perdida, ensanguentada, esquartejada em 1808, que fez para
+não morrer de todo? que fez para voltar á vida, mais robusta e sadía do que
+nunca? Imitou a França vencedora? renegou do <i>genio germanico</i>? não:
+concentrou-se em si mesma; appellou para o seu <i>genio</i> historico, e elle
+respondeu-lhe com inspirações salvadoras. Foi, mais que nunca, <i>allemã</i>.
+</p>
+
+<p>Sejamos, pois, nós todos, francezes, hespanhoes, italianos, portuguezes,
+mais que nunca <i>latinos</i>.</p>
+
+<p>Ha um <i>genio latino</i>, como ha um <i>genio germanico</i>. A historia o
+revela: e, quando a historia fosse muda, a nossa consciencia bradaria sempre,
+dando-lhe o seu nome.</p>
+
+<p>É a Revolução.</p>
+
+<p>É este o pensamento secular das raças latinas: a revolução moral, politica e
+social. Concentremo-nos n'elle. Só a elle peçamos inspirações. Com essa fé
+<i>abalaremos montanhas</i>. O momento actual é turvo, certamente; mas a
+revolução tem luz e calor bastante em si, não só para dissipar um nevoeiro
+momentaneo, mas para dar vida a um cahos.<span class="pn">{46}</span></p>
+
+<p>Os germanicos, cuidando-se originaes, fazem imperios: nós, latinos,
+desfaçamol-os. Reformam velhas religiões: prescindamos nós d'ellas.
+Reconstituem, com os milhões do espolio, uma nova aristocracia: dêmos nós aos
+povos a igualdade social.</p>
+
+<hr class="dotted">
+
+<p>Peço perdão ao snr. Pinheiro Chagas. Já não estamos tanto de accordo como ha
+pouco. Certamente que não quererá admittir todas as conclusões que eu tiro da
+sua <i>These</i>. Mas estão lá: estão no seu ponto de vista nacional e latino,
+que é o meu tambem.</p>
+
+<p>O snr. Pinheiro Chagas tem muito espirito para não ser revolucionario, no
+grande e verdadeiro sentido da palavra. Se eu lhe disser que a sciencia é a
+Revolução, e que a Revolução não é mais do que a sciencia, toda a sciencia,
+applicada a todas as espheras da actividade humana, e feita vida--o snr.
+Pinheiro Chagas de certo me responde que, assim, tambem quer ser
+revolucionario.</p>
+
+<p>Ora a Revolução não é outra cousa.</p>
+
+<p>Estudemos, pois, todos.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p><i>20 de junho de 1872.</i></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>FIM </p>
+</div>
+
+
+
+
+
+
+
+<pre>
+
+
+
+
+
+End of the Project Gutenberg EBook of Considerações sobre a Philosophia da
+Historia Litteraria Portugueza, by Antero de Quental
+
+*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK HISTORIA LITTERARIA PORTUQUEZA ***
+
+***** This file should be named 32791-h.htm or 32791-h.zip *****
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+ https://www.gutenberg.org/3/2/7/9/32791/
+
+Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images
+of public domain material from Google Book Search)
+
+
+Updated editions will replace the previous one--the old editions
+will be renamed.
+
+Creating the works from public domain print editions means that no
+one owns a United States copyright in these works, so the Foundation
+(and you!) can copy and distribute it in the United States without
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+set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to
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+Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you
+charge for the eBooks, unless you receive specific permission. If you
+do not charge anything for copies of this eBook, complying with the
+rules is very easy. You may use this eBook for nearly any purpose
+such as creation of derivative works, reports, performances and
+research. They may be modified and printed and given away--you may do
+practically ANYTHING with public domain eBooks. Redistribution is
+subject to the trademark license, especially commercial
+redistribution.
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+
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+
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+used on or associated in any way with an electronic work by people who
+agree to be bound by the terms of this agreement. There are a few
+things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works
+even without complying with the full terms of this agreement. See
+paragraph 1.C below. There are a lot of things you can do with Project
+Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement
+and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic
+works. See paragraph 1.E below.
+
+1.C. The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation"
+or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project
+Gutenberg-tm electronic works. Nearly all the individual works in the
+collection are in the public domain in the United States. If an
+individual work is in the public domain in the United States and you are
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+ money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the
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+Foundation as set forth in Section 3 below.
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+is also defective, you may demand a refund in writing without further
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+in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER
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+
+1.F.5. Some states do not allow disclaimers of certain implied
+warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages.
+If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the
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+or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm
+work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any
+Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause.
+
+
+Section 2. Information about the Mission of Project Gutenberg-tm
+
+Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of
+electronic works in formats readable by the widest variety of computers
+including obsolete, old, middle-aged and new computers. It exists
+because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from
+people in all walks of life.
+
+Volunteers and financial support to provide volunteers with the
+assistance they need are critical to reaching Project Gutenberg-tm's
+goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will
+remain freely available for generations to come. In 2001, the Project
+Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
+and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations.
+To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
+and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
+and the Foundation web page at https://www.pglaf.org.
+
+
+Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive
+Foundation
+
+The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
+501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
+state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal
+Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification
+number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at
+https://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
+permitted by U.S. federal laws and your state's laws.
+
+The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S.
+Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered
+throughout numerous locations. Its business office is located at
+809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email
+business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact
+information can be found at the Foundation's web site and official
+page at https://pglaf.org
+
+For additional contact information:
+ Dr. Gregory B. Newby
+ Chief Executive and Director
+ gbnewby@pglaf.org
+
+
+Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation
+
+Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide
+spread public support and donations to carry out its mission of
+increasing the number of public domain and licensed works that can be
+freely distributed in machine readable form accessible by the widest
+array of equipment including outdated equipment. Many small donations
+($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt
+status with the IRS.
+
+The Foundation is committed to complying with the laws regulating
+charities and charitable donations in all 50 states of the United
+States. Compliance requirements are not uniform and it takes a
+considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up
+with these requirements. We do not solicit donations in locations
+where we have not received written confirmation of compliance. To
+SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any
+particular state visit https://pglaf.org
+
+While we cannot and do not solicit contributions from states where we
+have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition
+against accepting unsolicited donations from donors in such states who
+approach us with offers to donate.
+
+International donations are gratefully accepted, but we cannot make
+any statements concerning tax treatment of donations received from
+outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff.
+
+Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation
+methods and addresses. Donations are accepted in a number of other
+ways including including checks, online payments and credit card
+donations. To donate, please visit: https://pglaf.org/donate
+
+
+Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic
+works.
+
+Professor Michael S. Hart was the originator of the Project Gutenberg-tm
+concept of a library of electronic works that could be freely shared
+with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project
+Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support.
+
+
+Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed
+editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S.
+unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily
+keep eBooks in compliance with any particular paper edition.
+
+
+Most people start at our Web site which has the main PG search facility:
+
+ https://www.gutenberg.org
+
+This Web site includes information about Project Gutenberg-tm,
+including how to make donations to the Project Gutenberg Literary
+Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to
+subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.
+
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+This eBook, including all associated images, markup, improvements,
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+in the PUBLIC DOMAIN IN THE UNITED STATES.
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+Procedures for determining public domain status are described in
+the "Copyright How-To" at https://www.gutenberg.org.
+
+No investigation has been made concerning possible copyrights in
+jurisdictions other than the United States. Anyone seeking to utilize
+this eBook outside of the United States should confirm copyright
+status under the laws that apply to them.
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