summaryrefslogtreecommitdiff
diff options
context:
space:
mode:
-rw-r--r--.gitattributes4
-rw-r--r--30071-0.txt3244
-rw-r--r--30071-8.txt2011
-rw-r--r--30071-8.zipbin40803 -> 0 bytes
-rw-r--r--30071-h.zipbin665552 -> 0 bytes
-rw-r--r--30071-h/30071-h.htm3696
-rw-r--r--LICENSE.txt11
-rw-r--r--README.md2
-rw-r--r--old/30071-8.txt2011
-rw-r--r--old/30071-8.zipbin40803 -> 0 bytes
-rw-r--r--old/30071-h.zipbin665552 -> 0 bytes
-rw-r--r--old/30071-h/30071-h.htm2263
-rw-r--r--old/30071-h/images/mapa.jpgbin626188 -> 0 bytes
13 files changed, 3487 insertions, 9755 deletions
diff --git a/.gitattributes b/.gitattributes
new file mode 100644
index 0000000..d7b82bc
--- /dev/null
+++ b/.gitattributes
@@ -0,0 +1,4 @@
+*.txt text eol=lf
+*.htm text eol=lf
+*.html text eol=lf
+*.md text eol=lf
diff --git a/30071-0.txt b/30071-0.txt
index 9705c2d..7d71135 100644
--- a/30071-0.txt
+++ b/30071-0.txt
@@ -1,1622 +1,1622 @@
-*** START OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK 30071 ***
-
- FELIX ALVES PEREIRA
-
-
- PAGINAS ARCHEOLOGICAS
-
- III
-
- SITUAÇÃO CONJECTURAL DE TALABRIGA
-
-
-
-
- LISBOA
- IMPRENSA NACIONAL
- 1907
-
-
-
-
- * * * * *
-
- SITUAÇÃO CONJECTURAL DE TALABRIGA
-
-
- Obra composta e impressa na Imprensa Nacional
-
- Edição e propriedade do Museu Ethnologico Português
-
- * * * * *
-
-
-
-
- FELIX ALVES PEREIRA
-
-
- PAGINAS ARCHEOLOGICAS
-
- III
-
- SITUAÇÃO CONJECTURAL DE TALABRIGA
-
-
-
-
- LISBOA
- IMPRENSA NACIONAL
- 1907
-
-
- * * * * *
-
-
-
- Ao
-
- Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Conselheiro
-
-
- _Luis Cypriano Coelho de Magalhães_
-
- _O. e D._
-
- _O autor._
-
- * * * * *
-
-
-
-
-Separata d'«O Archeologo Português», XII, n.os 5 a 8 de 1907
-
-
-
-
-SITUAÇÃO CONJECTURAL DE TALABRIGA
-
-
-Summario
-
-1. Estado da questão.--2. Autores antigos--3. Itinerario--4. Exame do
-mappa--5. Topographia e onomastico da região--6. Os castros do trajecto
-da Via--7. Região mineira--8. Localização de Talabriga--9. Opinião de
-Gaspar Barreiros--10. Geographia arabica--11. _Strata maurisca_--12. Ria
-de Aveiro e o Vouga--13. Historia de Talabriga.
-
-
-I
-
-Algum tanto sem o presentir, ao fazer o estudo da ara de Estorãos,
-(_Arch. Port._, XII, 36) encontrei-me no limiar de um problema que, de
-modo definitivo, não se resolverá senão com a verificação _in loco_ de
-vestigios archeologicos incontrastaveis.
-
-É o problema da trajectoria exacta da via romana entre Aeminium e Calem,
-da qual não se conhecem milliarios decisivos e sufficientes,
-especialmente da sua passagem por Talabriga.
-
-O assunto, parcialmente considerado, tem sido alvo das principaes
-referencias na pugna litteraria em que os paladinos de Agueda, de Aveiro
-e de Coimbra patrioticamente articulavam preeminencias genealogicas, que
-é da praxe mencionarem-se em monographias locaes, mas que hoje, quanto a
-Coimbra (e Condeixa-a-Velha) estão sentenciadas, em prejuizo até
-heraldico de Agueda[1].
-
-Propositadamente, porém, o problema não foi ainda estudado debaixo do
-seu aspecto geral; apenas por incidente tem sido versada a localização
-de Talabriga. Não venho com o proposito de o dar como resolvido, é
-certo; mas desejo englobar neste estudo um certo numero de
-considerações, que podem preparar o desenlace d'este ponto controvertido
-da geographia protohistorica da Lusitania, no campo adequado, e quiçá
-orientar pesquisas.
-
-Onde foi Talabriga? Até hoje nenhum d'estes indices peremptorios que
-marcam inilludivelmente a situação das antigas cidades, como para
-_Conimbriga_ (Condeixa-a-Velha), _Aeminium_ (Coimbra), _Bracara Augusta_
-(Braga), _Olisippo_ (Lisboa), _Pax Julia_ (Beja), etc., se nos antolha
-para dar resposta nitida áquella pergunta.
-
-Guiados pelas indicações geographicas do Itinerario e de Plinio, os
-nossos escritores teem querido alternadamente que Aveiro, Cacia,
-Esgueira occupem hoje o logar que outrora se chamou _Talabriga_. De
-facto, o Itinerario, ao contar as milhas que de _Aeminium_ vão a _Calem_
-(Gaia ou Porto?) pela via militar, devia ter especial valor para este
-problema; mas a comprehensão da necessidade de verificar rigorosamente
-as indicações d'aquelle documento, a consulta de edições criticas,
-tomando-se por base a decisão do problema de Aeminium, e talvez o
-desaffecto de uma ou outra solução é que teem, no meu humilde entender,
-faltado a todos os autores que mais modernamente do assunto se teem
-abeirado[2].
-
-
-II
-
-A geographia classica não é de todo omissa a respeito d'esta antiga
-povoação. O testimunho de Plinio, que é o A. mais expresso, vem a ser o
-seguinte: _A Durio Lusitania incipit. Turduli veteres, Paesuri, flumen
-Vagia[3], Oppidum Talabrica, Oppidum et flumen Aeminium,
-Oppida Coniumbrica, Collippo, Eburobritium._ (C. Plinii Secundi, _Nat.
-Hist._, ed. de Detlefsen, IIII, 113). Isto tem o ar de uma sêca
-enumeração chorographica, que se desdoba do norte para o sul, a contar
-do Douro, e que, restringida ao nosso caso, nos dá esta sequencia:
-
- _a_) rio Vouga;
-
- _b_) cidade de Talabrica;
-
- _c_) cidade e rio de Aeminio (Coimbra);
-
- _d_) e as cidades de Conimbrica (Condeixa),
-
- _e_) Collippo (Leiria) e
-
- _f_) Eburobricio (Obidos, Vejam-se _Relig. da Lusit._, II, 31).
-
-Se não fôr certo, como não me parece, que Vouga é ao norte de Talabriga
-e este oppido ao sul do mesmo rio, pelo menos conclue-se que Talabriga
-vizinha de um lado ou outro aquelle estuario.
-
-Não trago nenhum outro autor antigo, porque elles não adeantam o
-problema chorographico. Na _Cosmografia_ de Ravennate (ed. de
-Pinder & Parthey, p. 307) _Talabrica_ apparece transformada
-em Terebrica e fica na seguinte localização relativa:
-_Olisipona--Terebrica--Langobrica--Cenoopido--Calo_...
-
-
-III
-
-Vamos pois ao _Itinerario_[4] e á discussão das suas
-indicações. Encontra-se nelle, que nos sirva:
-
- Eminio mp. X
- Talabriga mp. XL (= 59:240 metros)
- Langobriga mp. XVIII (= 26:658 » )
- Calem mp. XIII (= 19:253 » )
- 105:151 »
-
-A equivalencia que sigo é a de 1 milha = 1:481 metros (Saglio &
-Daremberg, s. v. _Milliarium_).
-
-A trajectoria d'esta via desde Coimbra (Aeminium) a Gaia (Calem)
-deixaria de ser ponto controverso se, como succede noutras estradas
-romanas, alguns milliarios sobreviventes escalonassem os seus vestigios.
-
-Não ha porém, neste particular, mais que isto:
-
-1.º Um fragmento de milliario com 2,04m de alto X 1,40m de circuito,
-que appareceu na Mealhada ao norte de Coimbra e só tem M.XII.
-
-2.º Outro que foi encontrado mesmo em Coimbra e aponta M.IIII.
-
-Nem aquelle nem muito menos este servem ao meu intento; o traçado
-litigioso no nosso caso é para norte da Mealhada e Anadia, e não entre
-Mealhada e Coimbra. (Vid. Borges de Figueiredo, _Oppida restituta_, p.
-82; Hübner, _Notas archeologicas sobre Portugal_, p. 67, trad. cit.:
-_Catalogo dos objectos existentes no Museu de Archeologia do Instituto
-de Coimbra_, p. 6; A. Filipe Simões, _Escritos diversos_, 1883).
-
-3.º Um pretenso milliario descrito por Fr. Bernardo de Brito na
-_Monarchia Lusitana_, II, V, p. 3. Este vicio de origem obriga-me a pôr
-ainda de parte este monumento como comprobativo da directriz; Hübner
-fulmina-o com a sua desconfiança (_Corpus_, II, 55 a *) dizendo que
-Brito queria demonstrar com elle a existencia de _Vacua_. Não lhe darei
-porém eu maior valor que o proprio monge, que, como por prevenção,
-confessa que as letras da pedra eram «mal distinctas e muy quebradas».
-Assim a sua interpretação deve desinteressar-nos, visto que não ha meio
-de contraprovar a leitura de Fr. Bernardo de Brito, duvidosa para elle
-proprio. Para este, a lapide era porém um padrão de estrada, o que pouco
-vale por entretanto para nós; mas provinha do Castello de S. Gião, ao
-que parece, _castro_ rico em ruinas de muros, etc. Isto, cuja
-importancia só modernamente se aprecia, é que não se inventa e dá visos
-de que com effeito alguma cousa lá pudera ter apparecido. Mas Brito, com
-o dizer que a lapide era padrão de estrada, contrariava sem o advertir a
-propria crença de que a via romana seguia pela beiramar e _Talabriga_
-era em Aveiro. (_Mon. Lusit._, id., p. 130).
-
-Não obstante, ponha-se de parte a exactidão da epigraphe do supposto,
-mas rehabilitavel, milliario do castro de S. Gião, e fique,
-provisoriamente, apenas um facto--o achado de um padrão de via romana
-num castro das margens do Caima.
-
-A opinião de que Aveiro fôra o assento da antiga estação do Itinerario
-tinha ainda por si, alem do mappa de Abr.ão Ortelius (_Theatrum orbis
-terrarum_, Antuerpia, CIC.IC.CIII) o pensar de Florez (_España Sagrada_,
-tomo XIV, p. 73), que lêra Plinio e uma edição antiga do Itinerario
-romano. E póde dizer-se que foi essa a corrente que dominou até hoje, se
-com Aveiro abrangermos o aro circunjacente. (Vejam-se Adolfo Loureiro.
-_Os portos maritimos de Portugal_, II, p. 3; Marques Gomes, _Districto
-de Aveiro_, onde restringe[5] a Cacia o _ubi_ de Talabriga;
-Borges de Figueiredo, _Oppida restituta_, 1885; Pinho Leal, _Portugal
-Antigo e Moderno_, s. v. _Aveiro_; Gaspar Barreiros, _Chorographia de
-alguns lugares_; D. Nunes de Leão, _Descripção do reino de Portugal_;
-Francisco do Nascimento Silveira, _Mappa breve da Lusitania antiga_,
-etc.)[6].
-
-Regressemos porém ao _Itinerario_, e vejamos se será possivel concluir
-algo que um dia a pesquisa e exploração persistente do archeologo possa
-contraprovar. É o meu sonho.
-
-Que a medição total do _Itinerario_ relativa á via _ab Aeminio Calem_
-está notavelmente exacta, demonstra-o esta verificação facil: a somma
-das milhas que se contaram de Eminio a Gaia, reduzida a kilometros,
-(unidade mais pratica e mais exacta que a de leguas, até agora adoptada)
-era de 105:151 metros, como vimos; a distancia computada actualmente na
-Carta do Estado Maior d'esta região pela directriz da _estrada real_ é
-de 105:100 metros[7]. Não podendo ser mais breve a distancia
-d'esta estrada, como se verifica olhando os traçados rectificados ao
-lado do mappa junto, em que a distancia em linha recta e a rectificação
-exacta da extensão effectiva da estrada fazem pequena differença, o que
-mostra que os desniveis ou as inflexões do traçado são assaz reduzidos,
-conclue-se que a via romana, desde que marca igual extensão kilometrica,
-não poderia seguir caminho mais longo que ella, nem portanto muito
-distanciado d'ella.
-
-Esta coincidencia de medições é suggestiva e não permittiria, só por si,
-que a trajectoria da via romana e da actual estrada real divergissem
-muito. Se esta desenhasse uma inflexão pronunciada no seu trajecto de
-Coimbra a Gaia, claro é que era possivel, sem exceder a mesma extensão,
-encontrar outra curva symetrica que tocasse em pontos intermedios
-diversos e afastados, e coincidisse apenas nos respectivos extremos, o
-que nada util me seria; mas nas circunstancias que se dão e já
-salientei, e que me permittiram estudar sobre uma carta este problema, a
-coincidencia effectiva das duas vias de communicação deve em grande
-parte quasi corresponder á coincidencia theorica, agora expendida.
-
-Isto oppõe-se a que a via romana passasse em Aveiro, ponto muito
-afastado e divergente do trajecto theorico[8].
-
-
-IV
-
-Vou porém demonstrar por partes como isto assim deve ser. É preciso
-partir do principio já demonstrado, embora para o total da distancia,
-que as medições do Itinerario não contém erro. Qualquer inexactidão nas
-milhas marcadas para cada uma das secções da via militar alteraria a
-somma, desde que, por um acaso unico, não fosse compensada por outra
-inexactidão.
-
-Ora a via romana de Eminio contém tres troços ou secções; o 1.º de
-Eminio a Talabriga; o 2.º de Talabriga a Langobriga; o 3.º de Langobriga
-a Cale. Se uma sequer das distancias correspondentes do Itinerario
-contivesse erro, a somma total accusá-lo-hia; mas nós já vimos que a
-distancia de 105 kilometros corresponde a uma realidade. Comecemos pelo
-extremo norte da via. Isto conduz mais claramente ao meu fim; e descobre
-mais prontamente o erro em que até agora me parece que tem laborado os
-escritores. Tomemos o mappa[9].
-
-Se traçarmos um arco de circulo, cujo centro seja Gaia e o raio igual á
-distancia de Cale a Langobriga, isto é, a 19 kilometros (veja-se a
-escala), teremos obtido uma curva theorica (LL no mappa) que no terreno
-representa uma faixa de tolerancia, mais ou menos larga, dentro da qual
-e numa zona d'ella que seja compativel com um trajecto ininterrupto da
-via, cuja extensão já definida se não póde exceder, o archeologo deverá
-procurar os vestigios de Lancobriga.
-
-Esta zona, ou este segmento, não poderá pois, em principio, afastar-se
-consideravelmente da directriz da estrada real.
-
-Consultemos de novo o Itinerario. Entre Langobriga e Talabriga medeiam
-26:600 metros. Ignorando ainda qual o ponto preciso que na curva _LL_
-marca o primeiro d'aquelles oppidos, deveremos traçar um arco de circulo
-parallelo ao antecedente e á distancia que a escala indica. Como o
-terreno não é propriamente uma carta celeste[10] em que os
-pontos podem ser rigorosamente indicados, a nova curva deixada pelo
-compasso é representativa de uma segunda faixa de tolerancia,
-susceptivel de maior ou menor elasticidade, mas confinada, quanto á sua
-extensão, pela continuidade do trajecto viario em direcção a Aeminium,
-trajecto cujo comprimento tem limite determinado de milhas.
-
-E assim temos o arco _TT_.
-
-Nesta curva, que não é mais que uma zona media, deverão surgir ao
-appellido do archeologo as ruinas do que outrora foi Talabriga. Esta
-conclusão emerge logicamente das bases que tomei: o acerto evidente do
-Itinerario no total e muito provavel nas secções; a coincidencia das
-extensões da via antiga e da estrada moderna.
-
-Se agora, por contraprova, apontarmos o compasso a Eminio e girarmos com
-um raio de 59 kilometros, verificado segundo a escala, obteremos outra
-curva, a terceira, tangente á segunda e que tem a missão de indicar a
-zona util, o segmento dos arcos, correspondente á area provavel da
-situação de Talabriga. Porque o que não póde haver, é um hiato, uma
-interrupção de trajecto de Cale a Aeminium[11].
-
-Esta primeira phase da minha demonstração, porém, já torna incompativel
-a actual situação de Aveiro com vestigios de Talabriga. E mais do que
-isto; vem levantar um equivoco de Plinio, que parece suppôr aquelle
-oppido ao sul do Vouga; se assim fosse, não seria possivel encontrar o
-ponto de reunião do caminho que descia de Cale a encontrar Lancobriga
-aos 19 kilometros e se prolongava na direcção do sul até mais 20
-kilometros, onde devia beijar a Talabriga do Itinerario sem encontrar a
-de Plinio[12]. O hiato resultante fica, parece-me, fechado e
-annullado, desviando Talabriga de Aveiro e aproximando-a de Albergaria,
-ao norte do Vouga; isto é, a hipothese que proponho é a que se concilia
-em todos os pontos com o Itinerario.
-
-
-V
-
-Mas não se concilia só com esta fonte documental: é a mais plausivel em
-face das condições topographicas e historicas da região de
-Entre-Vouga-e-Douro.
-
-A actual directriz da estrada real é a que mais ou menos devia ter
-seguido a via romana que procurasse unir Eminio a Cale, dado o traçado
-que ella já trazia desde Lisboa.
-
-Em primeiro logar: as condições topographicas d'aquelle grande delta do
-Vouga não eram senão de molde para difficultar a abertura de uma estrada
-na epoca romana, em concorrencia com traçado mais firme e duradouro,
-mais economico, mais util e mais commercial. Aquellas planuras deviam
-existir já então, como um presente do Vouga, segundo se tem dito, creio,
-do Nilo.
-
-Se eram naquelle tempo pantanos, ou bosques intransitaveis[13]
-ou veigas retalhadas, como hoje, por um dedalo de canaes e
-esteiros, não me cabe a mim defini-lo. De qualquer d'estas fórmas, uma
-via romana não iria atravessar uma região em que a falta de pedra é
-quasi absoluta, e a multiplicidade de trabalhos de architectura civil ou
-de obras de arte uma consequencia inevitavel. Era preciso combater por
-um lado a pouca firmeza do terreno, por outro contar com o custo da
-empresa[14], ou os impecilhos da viagem.
-
-Por isso os mesmos motivos que na idade media afastaram a construcção,
-ou melhor, a conservação de uma estrada velha para longe da costa,
-obrigando-a a passar nas pontes que ainda existem, devem ter sido os
-mesmos que desviaram os engenheiros romanos de lançarem a via militar
-através de campinas encharcadas, só para irem buscar a embocadura do
-Vouga, antes de attingir Calem.
-
-Depois preciso é notar que havia outra directriz ao alcance da
-administração do Imperio, directriz que não podia admittir confrontos
-com a traçada através do delta do Vouga. Essa directriz levava a estrada
-romana pela orla fóra do terreno firme e accidentado e da região povoada
-de castros e abundosa de minerios, região que ainda hoje podemos ver
-acompanha-la pelo trajecto da estrada real. As vias de communicação teem
-muitas vezes uma directriz fatal e tradicional através de longos tempos
-e povoadores successivos[15].
-
-Póde soffrer destruição o caminho, sem estancar a arteria de communicação.
-
-A actual estrada real ou de macadam foi ainda, por assim dizer,
-decalcada pela anterior, a medieval, cujos restos subsistem nas pontes
-antigas de que os chorographos fallam. Esta orientou-se pela
-comprehensão das conveniencias, e afastou-se da embocadura do Vouga,
-seguindo a directriz mais economica e mais util; não direi ainda a
-directriz romana porque é o que pretendo demonstrar, mas a que era
-directriz tradicional, como vou explicar.
-
-
-VI
-
-Os castros ou montes habitados encontram-se precisamente no seguimento
-da via romana; os oppidos referidos pelos AA. antigos, as _brigae_, e as
-cidades romanizadas não são mais que uma evolução d'aquellas estancias,
-consoante as denominações que lhes applicaram[16]; era por
-essa corda alem, que o terreno baixo e plano da zona maritima começava
-de elevar-se. A estrada romana desenrolava-se por entre esses centros da
-habitação, abandonando ao lado um país chato, pouco firme e talvez quasi
-invio.
-
-Do sul para o norte _Anadia_ está situada nas abas de um monte de
-_Crasto_ (Pinho Leal e M. Gomes).
-
-_Agueda_ está tambem perto de um _Crasto_ (Pinho Leal).
-
-Nas margens do Vouga, naquelle logar onde subsiste ainda a ponte
-medieval (Pinho Leal), encontra-se na aldeia de _Vouga_ um morro que foi
-castro (Brito e P.e Carvalho, II, 161); explica Francisco do Nascimento
-Silveira (_Mappa breve da Lusitania_, p. 239) que _Vacca_ existia em
-sitio forte por natureza, entre as pontes de Vouga e Marnel, porque alli
-se vêem vestigios de muros antigos e sinaes de uma majestosa grandeza;
-existem ainda tijolos, cantarias, muralhas em _Lamas de Vouga_ (_Arch.
-Port._, V, 50 e VII, 191)[17], e havia ahi a _civitas Marnele_ (_Port.
-Mon. Hist._, «Diplom. de Chart.», n.º 819)[18], cuja origem deve ter
-sido outro castro.
-
-Na carta geodesica vê-se, junto ao rio, um _Castello_ (111). Isto é
-ainda do concelho de Agueda[19].
-
-Na freguesia de Serem, tambem concelho de Agueda, outra _civitas_
-(Viterbo, s. v. _Cidade_); ha lá sitios elevados a norte e a sul (Cfr.
-M. Gomes).
-
-Na freguesia da _Branca_ ha um logar de _Cristellos_ (M. Gomes e _Arch.
-Port._, II, 313).
-
-Na serra de S. Julião, mesma freguesia, _onde passa a estrada real_, diz
-o Sr. M. Gomes que ha ruinas de muralhas e fossos: acreditava-se (_Arch.
-Port._, loc. cit.) que ahi era a antiga _Langobria_ (sic). Não sei se é
-precisamente o mesmo local a que Brito (_Mon. Lusit._, II, V, p. 3)
-chama castello de _S. Gião_, onde havia ruinas de muros e elle encontrou
-o tal padrão suspeito e onde presume _Lancobriga_, não na Feira, diz,
-mas entre Albergaria e Bemposta, defronte de Pinheiro. Significativa
-confusão! Aquelle logar de _Cristello_ vem na carta geodesica entre
-Estarreja e a estrada real[20].
-
-Na freguesia de Ul ha outro castro (_aldeia do crasto_), de que porém
-não conheço o _ubi_. Tem uma cintura de muralha de pedra solta ou cousa
-que o valha. (Pinho Leal, s. v. _Ul_).
-
-Nas proximidades de Azemeis parece que não são escassos estes monumentos
-(_Quatro Dias na Serra da Estrella_, por E. Navarro, Porto 1884, p. 174).
-
-Em _Ossella_ ha um castro com ruinas de muralhas (Brito, _loc. cit._).
-
-Entre _S. Martinho_ e _S. Tiago_ vê-se na carta geodesica um _crasto_, a
-O. da estrada real; isto é no parallelo de Ovar. Será aquelle a que
-Pinho Leal chama Castro Troncal ou Francal (s. v. _C. de Cucujães_)?
-
-No _Arch. Port._, VI, 68, diz-se que ha em Oliveira de Azemeis um logar
-de _Lações_, onde foi a antiga Lancobriga (_sic_), porque ahi se ajustam
-as medidas do Itinerario e não na Feira ou Bemposta. Este sitio é
-elevado e estrategico; a sua cota é de 287 metros e fica na fronte de um
-promontorio fechado por duas ribeiras e no extremo de uma chapada em
-cujo prolongamento se conta ainda a altitude de 274 metros. É, pelo que
-se vê, um _castro_. _Lancobriga_ e que não.
-
-Em _Macieira de Cambra_ ha um castro (_Arch. Port._, VII, 54)[21].
-
-Em _Romariz_ informa o Sr. M. Gomes que ha um _Crasto_, onde appareceram
-antiqualhas da epoca romana; o que é presumivel e prova ter recebido a
-influencia dos seus conquistadores.
-
-Os antigos chorographos portugueses não teem dado valor aos cabeços
-elevados, onde se encontram os vestigios do que póde ter sido um castro,
-uma citania, emfim uma estacão archeologica pre-romana, e isso não
-admira; mas o facto é esse e constitue uma deficiencia na descrição dos
-logares, que actualmente seria imperdoavel, e que, num caso como o que
-estou versando, sonega lamentavelmente elementos aproveitaveis de estudo.
-
-Junto ao mar, e bastante para o norte, em Esmoriz, encontro menção de um
-castro, especializado hoje pelo erudito estudo que d'elle fez
-documentalmente o meu erudito amigo Sr. Pedro de Azevedo (_Arch. Port._,
-III, 137). Era o castro de _Aville_, _Ouvil_, _Ubile_ e _Obil_,
-denominações que se applicavam á lagoa que ainda existe, e que elle
-dominava. Crê o distincto publicista que aquelle castro é o mesmo
-outeiro a que o parocho depoente de 1758 chamou _Monte do Murado_,
-pertencente á freguesia de S. Martinho de Mozellos. Fico porém em
-duvida, pois que estando o castro _prope litore maris_ (Docs. de 1055,
-1076) bem como a lagoa (Docs. de 1057 e 1090), Mozellos parece um pouco
-afastado para o interior. Confessando que, sem a inspecção dos logares,
-a base é instavel, em todo o caso affiguram-se-me aqui dois castros
-distinctos.
-
-Em S.ta Maria de _Fiães_ apparece outro castro ou «povoação de Mouros»
-(_Arch. Port._, IV, 250).
-
-E d'ahi para o norte, são frequentes na faixa atravessada pelo caminho
-romano. Será algum d'estes castros o jazigo de Langobriga?
-
-Este inventario, tendo origem, como tem, exclusivamente bibliographica,
-não póde deixar de ser omisso. A averiguação local e a informação
-competente accrescentá-lo-hiam, se eu d'estes dois factores me tivesse
-soccorrido. Para o meu intento, o pouco que joeirei, era colheita bastante.
-
-
-VII
-
-Alem d'estas averiguadas condições de habitabilidade que se encontravam
-no trajecto da via romana e que, em meu entender, conjugadas com as da
-elevação e relevos de terreno, que para as populações ante-historicas
-constituiam uma necessidade vital, concorreria tambem, não sem ligação
-com ellas, a existencia de jazigos metalliferos.
-
-Nem todas as minas que enumero seriam conhecidas na antiguidade, mas em
-algumas ha vestigios da remota laboração e o que tudo attesta é que a
-região era mineira e portanto centripeta de populações.
-
-Os locaes explorados são Telhadella, Albergaria, Palhal, Milheirós,
-Cucujães, Nogueira, Ossella, Palmás, Carvalhal, Pindello, Silva Escura,
-Ul, Talhadas, Braçal, Coval da Mó, Malhada.
-
-Os minerios são cobre, tão procurado na antiguidade, chumbo, prata, etc.
-
-D'estes jazigos, aquelle em que são mais importantes os vestigios de
-antiga lavra, é o da Malhada, uma das concessões das chamadas Minas do
-Braçal. As madeiras de entivação, que foram encontradas dentro da mina,
-denotam tal antiguidade que parecem fossilizadas, em consequencia da côr
-negra que adquiriram. Os trabalhos antigos attingem a profundidade de 45
-metros (_Catalogo Descriptivo da Secção de Minas_, pelos Srs. Severiano
-Monteiro e J. Augusto Barata, p. 188).
-
-A respeito dos outros, a noticia de antiga exploração é muito vaga para
-que me seja licito insistir. Nas minas de Palhal tambem ha vestigios
-antigos. (Cfr. Marques Gomes, _Districto de Aveiro_).
-
-
-VIII
-
-Que se póde concluir das considerações que até aqui tenho encadeado?
-
-Por um lado, o estudo do Itinerario levou-me a aventurar na carta
-geographica, largamente circunscritas, as zonas em que o calculo faz
-presumir que se devem encontrar as ruinas de Talabriga; por outro lado,
-a inquirição topographica e onomastica da região, tanto quanto era
-possivel com a escassez de elementos, indicou-me alguns logares de
-archaicas estações archeologicas do genero da que deve ter sido
-Talabriga, como castro ou oppido submettido ao poder de Roma.
-
-Quero lembrar que _briga_ só póde corresponder a uma posição elevada, a
-um outeiro ou cabeço fortificado; por onde Talabriga nunca pudera ser
-Aveiro ou arredores (Vid. _Arch. Port._, XII, 42).
-
-Relançando novamente o olhar ao mappa, poder-se-há notar que a zona
-attribuivel á situação de Talabriga[22] não está erma de
-castros, antes nella se dão varias circunstancias que não posso deixar
-de aproveitar para a minha these conjectural.
-
-_Branca_ é uma freguesia cuja séde fica na margem direita de Caima e que
-é cortada pela estrada real; ha nella um logar de _Cristellos_, que só
-pelo toponimo demonstra a existencia de um castro ou oppido. Mas alem
-d'este, infere-se do Sr. Marques Gomes, de Fr. Bernardo de Brito (_loc.
-cit._) e d-_O Arch. Port._ (II, 313, «Mem. Parochiaes») que ha um local
-sito na serra de S. Julião, atravessado pela estrada real e que Brito
-mais claramente chama _castello_ de S. Gião (_castello_ por _castro_),
-no qual, segundo aquelles tres testimunhos, ha ruinas de muralhas e
-fossos, que o Sr. M. Gomes presume serem ruinas de uma _atalaia_ e que o
-parocho das _Memorias_ tambem capitula de vestigios romanos,
-acrescentando muito singularmente (note-se bem o que isto póde
-significar) que ahi esteve... _Langobria_ (_sic_). Foi aqui que Brito
-diz ter encontrado a tal pedra de _letras mal distinctas_ de que não
-affiança a leitura, mas que lhe pareceu _padrão de estrada_.
-
-E aqui tem cabimento o que já atrás deixo dito, para absolver de fraude
-consciente a noticia archivada em Fr. Bernardo de Brito.
-
-Parece-me pois ser neste aro, se não neste mesmo ponto, que se deverá
-procurar o jazigo, não de Langobriga, mas da nossa Talabriga, e é
-precisamente a estas immediações que o compasso me levou ao medir sobre
-a carta a primeira secção da via romana de Coimbra a Gaia[23].
-
-Não desconheço quanto de problematico isto tem antes de serem
-perguntados pelo archeologo os logares, as ruinas, os vestigios e os
-montes e as vozes da região, mas nem por isso o meu espirito deixa de
-ficar demonstrado, até o possivel, que as cinzas de Talabriga nunca
-podem estar guardadas em Aveiro. As coincidencias que acabo de notar,
-não são bases frivolas.
-
-Só pois a inspecção directa do terreno, nas immediações da Branca,
-poderá concorrer para confirmar ou destruir a minha conjectura.
-
-D'esta região para o norte, a via romana seguiria até Cale, mais ou
-menos proxima do actual leito da estrada real; só alguns vestigios ou
-referencias de documentos, como os de Grijó, e a inquirição dos logares
-e tradições poderão concorrer para precisar a trajectoria d'aquella
-antiga via de communicação; o caso em si, porém, é indifferente para a
-questão primacial que motivou este estudo. O que é certo, é que a
-estrada romana sulcava a faixa comprehendida entre a estrada real e a
-linha ferrea até o vertice de Gaia.
-
-Ao sul de Branca e Albergaria, a directriz da via militar sente-se
-escalonada nos vestigios medievaes que deixei explanados nas paginas
-anteriores. _Albergaria_ denota bem que o sitio era de assiduo e antigo
-transito (Viterbo, _Elucidario de palavras_, etc. s. v. _Albergaria_)
-ponto necessario de passagem para quem do sul buscava o norte do país.
-As _mansiones_ tinham o caracter de pousadas.
-
-Em tempos de lazer para obras de piedade, é que a instituição caritativa
-se fundou, como implemento de uma necessidade que já existia.
-
-As pontes de Vouga e Marnel são indicios bem importantes da frequencia
-das viagens através d'esta parte da região, afastada da costa baixa e
-paludosa. São decerto obras da idade media, dos _mouros_, diz Pinho Leal
-(s. v. _Marnel_ e _Vouga_). Mas os indicios pre-romanos e romanos
-soletram-se nessas ruinas de muralhas, pedras lavradas, vestigios de
-edifícios e toponymia, que os cabeços de Vouga e Marnel nos conservam,
-segundo descrevem Brito, Pinho Leal e os parochos do sec. XVIII nos
-extractos publicados pelo _Archeologo Português_.
-
-
-IX
-
-O sentimento de Gaspar Barreiros (_Chorographia de alguns logares_,
-MDLXI, p. 48 sgs.) era que a situação de Talabriga devia ser a actual
-Cacia, especialmente na igreja de S. Julião, onde apparecem vestigios
-antigos. Varios autores o seguem.
-
-As razões d'este illustre escritor do sec. XVI merecem alguma discussão.
-
-Barreiros funda-se no Itinerario e conta, no sentido d'este roteiro, as
-milhas de Conimbriga para o norte. E por confirmação d'este argumento,
-traz o passo de Plinio que eu já transportei a este estudo, mas com uma
-differença que elle tomou de um archetypo Toletano (p. 51), declarando
-porém que alguns exemplares de Plinio não são accordes com aquelle. A
-lição citada é pois esta: _A Durio Lusitania incipit, Turduli veteres,
-Pesuri, flummen Vacca, oppidum Vacca, oppidum Talabrica, oppidum et
-flumen Minium_, etc. Esta variante demonstra a existencia de uma cidade
-_Vouga_, que G. Barreiros colloca na Ponte de Vouga (p. 50 _v_). Algumas
-cartas antigas reflectem esta indicação. Isto posto, G. Barreiros leva a
-contagem de Conimbriga para Talabriga por espaço de 50 milhas, o que é
-exacto, espaço que elle computa equivalente a 12,5 leguas e enumera:
-
- De Condeixa a Coimbra 2,5 leguas
- De Coimbra á Mealhada 3,5 »
- Da Mealhada a Avellãs 2 »
- De Avellãs a Agueda 2 »
- De Agueda á Ponte de Vouga 1,5[24] »
- De Ponte de Vouga a Cacia 1 »
- 12,5
-
-«Na qual villa & igreja de sanct. Juliã nas ribeiras do Vouga situadas,
-se acham vestigios antigos, s. os fundam[~e]tos de h[~u]a torre que na
-memoria dos hom[~e]s inda staua quasi inteira, onde era outro tipo
-segundo ficou fama de h[~u]s em outros chegauam nauios da foz do mar,
-porque inda ali se acharam pedaços d'elles & anchoras iuncto da dicta
-torre em h[~u]a lagoa Afora muitos vestigios & ruinas d'argamassa que
-dentro em seu ambito cõprehende h[~u]a milha pouco mais ou menos» (p. 50).
-
-A não ser que tenhamos de recorrer a uma mudança da primitiva situação,
-nós temos de procurar em Talabriga a cidade preromana, que no sec. II a.
-C. Decimo Junio Bruto reduzia á miseria e á impotencia, segundo narra
-Appiano. E esse oppidum teria que possuir condições estrategicas
-identicas ás dos outros castros preromanos, taes como elles nos acenam
-que foram escolhidos pelas populações proto-historicas; teria que
-justificar o proprio designativo de caracter celtico _briga_--altura
-fortificada.
-
-Creio poder affirmar que nada d'isto se encontra em Cacia. Alem d'isto o
-proprio G. Barreiros, no dizer que, entre os vestigios antigos,
-sobresaía uma torre, que ainda andava lembrada, e se topavam «ruinas de
-argamassa», quasi estabelece uma chronologia, porque taes vestigios não
-podem ser anteriores aos romanos; poderão attribuir-se menos á sua epoca
-que ás posteriores. Para a contemporaneidade, teriamos que admittir e
-demonstrar uma deslocação do primitivo assento de oppidum, como vimos;
-se esses vestigios se affectam ás epocas successoras dos romanos, o
-facto sae para fóra do problema e d'elle me não posso occupar.
-
-O principal estorvo, porém, que a opinião de Barreiros encontra, é
-aquelle que eu quis descobrir e evitar, quando ajustei a medição do
-itinerario a contar de Cale para o Sul e não de Aeminium para o Norte.
-Evitei assim o erro de cair em Aveiro, em Esgueira e agora em Cacia,
-onde muito bem podia ir passar com o roteiro romano nas mãos.
-
-Isto illumina-se á luz da carta. Barreiros vem seguindo, com os ouvidos
-na tradição do seu tempo, o leito do caminho romano (dito mourisco) pela
-Mealhada, Agueda, até á ponte de Vouga, e até aqui bem elle vem; chegado
-porém a esta altura, desnorteia-se e inflecte para Oeste para fazer a
-primeira estação de Itinerario em Cacia, imaginando-se em Talabriga.
-Kilometricamente, creio não haver que lhe objectar. A distancia da ponte
-de Vouga a Cacia é proximamente igual á que entre o mesmo ponto se nota
-e a linha-zona _TT_, que eu determinei. Portanto não falseava o illustre
-chorographo quinhentista a tabella do Itinerario, isto é, as 50 milhas
-desde Condeixa (Conimbriga).
-
-Mas a precaução de começar a contagem de Cale para Talabriga, obsta ou
-impede aquella inflexão e obriga a trazer o caminho numa directriz mais
-desempenada para a ponte de Vouga. Volvendo os olhos á curva _TT_ do
-mappa, ver-se-ha que Cacia lhe fica a distancia grande porque, com este
-desvio da trajectoria normal, a medição romana perdeu espaço, atrasando-se.
-
-Se não fosse este meio de verificar o erro, era possivel a desorientação.
-
-Creio, pois, ter demonstrado pela ethnographia e pela geometria
-topographica que Talabriga não póde ser collocada em Cacia, quer se olhe
-á Talabriga preromana ou protohistorica, quer á romana ou historica; á
-Talabriga de Appiano e D. J. Bruto ou á da epoca imperial e do Itinerario.
-
-
-X
-
-Como, segundo se infere de Appiano (vid. adeante), o oppidum de
-Talabriga continuou a ser habitado depois da sua rendição no sec. IV a.
-C. e emfim ainda existia no sec. IV d. C., poderia succeder que elle
-conseguisse resistir á vinda dos barbaros, e chegar ao dominio dos
-arabes. Convinha pois consultar a geographia arabica, e o nome de
-Edrisi, geographo do sec. XII, impunha-se-me logo.
-
-O que das suas differentes traducções se conclue, não é nada claro para
-mim que ignoro o arabe, mas poderá auxiliar o estudo da questão por
-parte dos arabistas.
-
-Ha uma edição de 1619 (Paris) com o titulo de _Geographia Nubiensis_,
-que quero pôr em confronto com a traducção de Amédée Jaubert
-(_Géographie d'Edrisi_, Paris 1840).
-
-Edrisi descreve dois caminhos de Coimbra a Santiago de Compostella: um
-por terra, outro por mar.
-
-
-Caminho por terra
-
- _Ed de 1619_ (trad. lat)
-
- «Iter autem terrestre a _Colimria_ ad _S. Jacobum_ est hujusmodi: a
- _Colimbria_ ad oppidum _Aba_ stationis habetur intervallum. Ab _Aba_
- ad oppidum _Vatira_ statio. Ab hoc ad primos terminos regionum
- Portugalliae, statio, pergit que iter secans terram Portugalliae
- spatio diei, ibique conspicitur oppidum _Bonacar_ ad ripam fluminis
- _Durii_, quod est flumen Samorae, atque illic trajiciendum cymbis ad
- hoc paratis. Ab oppido ad amnem Minio, indeque ad castellum Abraca
- LX M. P. duae videlicet stationes. A castello _Abraca_ ad castellum
- _Tui_ stationes duae».
-
- ---
-
- O editor de 1619 diz que não ha medida certa para as _stationes_,
- expressão que se referia a pousada dos viandantes. As _stationes_
- justas eram de 25 milhas, mas algumas tinham mais, outras menos.
- Parece que seria o espaço que se poderia percorrer em um dia.
-
-
- _Ed. de 1840_ (trad. fr.)
-
- «O itinerario por terra de Colomria (Coimbra) a S. Tiago é como
- segue: de _Coimbra_ a _Abah_ (Ribadavia) (!) aldeia, uma jornada. De
- _Abah_ a _Uetaria_ (Huctaria) (?) aldeia, uma jornada. D'ahi á
- fronteira de Portugal, uma jornada. O caminho vae através das terras
- de Portugal durante uma jornada, ao fim da qual se chega a
- _Buna-Car_, aldeiasinha nas margens do _Douro_, que é o rio de
- Zamora. Passa-se o rio em barcos proprios para isto. D'este logar ao
- rio _Minho_ ou antes ao forte _Abraça_ (insua de Caminha) (?) 60
- milhas ou duas jornadas. Depois _Tuia_ (Tuy) cidade pouco notavel,
- mas bella e numa região fertil, duas jornadas» (II, p. 232)
-
- ---
-
- No texto francês, ao vocabulo _statio_ corresponde _journée_, que eu
- traduzi por _jornada_ (de um dia).
-
-
-Temos aqui duas traducções do texto arabe, uma em frente da outra, e a
-verdade é que sufficientemente se correspondem. O principal para o meu
-fim seria a localização das estações de Edrisi; neste ponto o traductor
-francês apenas conserva intemeratamente as tradições dos estrangeiros
-quando, fallando ou escrevendo, debicam na nossa geographia.
-
-Nem ao diabo lembra que a Coimbra se siga... _Ribadavia_!
-
-A primeira estação ao deixar Coimbra é _Aba_ (ed. 1619) ou _Abah_ (ed.
-1840). Poderá corresponder a _Agueda_? Jaubert desejaria falar em
-_Riba-d'Agueda_! É provavel.
-
-A segunda estação foi interpretada por _Vatira_ (ed. 1610) e _Uetaria_
-(ed. 1840). Não sei identificar esta localidade, assim desfigurada.
-
-Em seguida a isto, se na versão latina parece haver uma incongruencia,
-ella desapparece na traducção francesa. Através das terras de Portugal,
-chega-se com um dia de viagem ás margens do Douro. Isto parece ser bem o
-tradicional caminho que entesta na foz do Douro.
-
-Não diz o geographo arabe em que ponto da margem do Douro ficava _Bona_
-ou _Buna-car_, expressão que não sei reconhecer, mas parece-me que deve
-ser a embocadura d'este rio, e é a seguinte a razão. Diz Edrisi que de
-_Bona-car_ ao rio Minho são 60 milhas; ora, numa pagina anterior (p.
-227) elle conta da foz do Douro á do Minho as mesmas 60 milhas. Portanto
-creio que _Buna-car_ era aproximadamente em Gaia, onde depois o rio se
-atravessava em barcos[25].
-
-Descrevendo o mesmo _caminho por mar_, isto é, a viagem de Coimbra a
-Santiago, o primeiro ponto onde diz que se abica, é a foz de
-_nahr-Budhu_ (rio _Vadeo_, traduz A. Jaubert!) que corresponde ao Vouga,
-rio, acrescenta, consideravel, onde entram embarcações grandes e
-pequenas (II, 227). Esta aclaração parece indicar que naquelle tempo a
-foz do Vouga e o lago interno serviam a uma navegação bastante activa.
-Quanto ao relacionamento da antiga Talabriga com alguma das estações do
-caminho medieval descrito por Edrisi, nenhuma conclusão posso tirar com
-segurança.
-
-Com muita probalidade porém se infere d'isto que o caminho frequentado
-então devia ser o que hoje corresponde á estrada real com a passagem nas
-pontes medievaes de Vouga, mas emquanto não se fixarem estes dois ponto;
-duvidosos, localização muito verosimil de _Aba_ ou _Abah_ em Agueda e
-incerta de _Vatira_ ou _Ueturia_, o testemunho do geographo arabe apenas
-serve seguramente para localizar as testas d'este caminho, estabelecer
-com grande plausibilidade a tradição do caminho historico pela orla das
-montanhas e revelar-nos o movimento commercial da foz do Vouga.
-
-
-XI
-
-Tratando-se pesquisa dos vestigios da via romana _ab Aeminio ad Calem_,
-o testemunho de Viterbo (_Elucidario_, s. v. _Estrada mourisca_) devia
-ser ponderado. Diz este illustre antiquario que, nos documentos de
-Grijó, se fazia larga menção de propriedades que ficavam umas da parte
-de cima, outras da parte de baixo da estrada mourisca. No anno de 1148,
-Trutesindo doa ao celebre mosteiro o que possuia em Brantães e em S.
-Felix _subter illam Stratam Mauriscam, discurrente riuulo Cerzedo_.
-
-Acrescenta o sabio antiquario que a estrada era mourisca por ter sido
-aberta pelos Mouros, que abandonaram a romana que vinha ali a passar
-entre Lancobriga e o mar, pois que com o rodar dos annos a costa se
-entupira e alteara por causa das areias e os rios estagnados não só
-esterilizaram os campos, mas fecharam a passagem dos caminhos. E mais
-depõe Viterbo que a estrada mourisca ia do Porto a Agueda por Azemeis,
-Albergaria, Vouga, etc.
-
-Antes de mais: notemos esta opinião corrente, esta tradição, tão
-concordante com o que eu já procurei accentuar, de que a tal estrada
-_mourisca_ descia do Porto a Agueda precisamente por Azemeis, por
-Albergaria e por Vouga.
-
-Que Viterbo lhe chamasse _mourisca_ não é de espantar; era a voz popular
-que ainda hoje nos falla de Mouros sempre que tem de referir-se a povos
-muito antigos, preromanos, romanos, barbaros, etc[26].
-
-Mas o documento de 1148 já tratava de mourisca uma obra que não podia
-ser dos Sarracenos, a esse tempo ainda no sul de Portugal. Creio não se
-poder sustentar que a estrada que passava em Cerzedo era construida por
-arabes; aproveitada sim, porque sendo o caminho que elles ainda
-encontravam á sua disposição, devia ser aquelle que inundavam do terror
-das suas algaras.
-
-Em que elementos se estribava Viterbo para dizer ainda que a mesma
-estrada mourisca tocava em Oliveira de Azemeis, Albergaria, Vouga e
-Agueda? Confesso que não os conheço, a não ser que a memoria e o uso
-d'este caminho tradicional se perpetuassem através de tantos seculos e
-tão profundas transformações sociaes.
-
-Informa Pinho Leal que na freguesia da Trofa (concelho de Agueda) ha
-ainda o logar de _Mourisca_, á margem da estrada, e que o nome lhe veio
-d'esta. Traduzindo _mourisco_ em _romano_, póde ser acertada a
-supposição. Isto transcreveu-o elle de Viterbo, s. v. _Estrada_.
-
-Mais expressivo é o tópico de um sitio, perto de Lamas e junto da
-estrada real; chama-se elle _Fundo da rua_. Tal rua não é outra senão a
-via romana. Esta explicação affere pela que dá o _Corpus_ (II. p. 363)
-com referencia a uma freguesia de Santo Estevam da Rua, onde passava uma
-estrada romana (_oppido quod a via romana nomen duxit_). A 3:500 para O.
-da Feira ha um sitio chamado _Rua Nova_. Aqui é que só a inspecção dos
-logares poderia indicar-me o significado d'este tópico.
-
-Num escritor estrangeiro do sec. XVIII, lê-se uma descrição litteraria
-do caminho através do campo de Aveiro, que só se entende se o
-suppusermos encostado ás montanhas de leste, permittindo que se
-descortine para a banda do mar toda aquella immensidade de terras
-feracissimas que aquelle autor olhava como planicie encantadora
-(_Annales de l'Espagne et du Portugal_, Alvares de Colmenar, Amsterdam
-1741, p. 253).
-
-Isto demonstra que a estrada real de hoje é um caminho velho e
-tradicionalmente batido para ligar Coimbra ao Porto.
-
-Nos _Port. Mon. Hist._ não se encontram referencias mais claras do que
-esta de Viterbo e as que adduzi em nota, á antiga via romana. Compulsei
-bastantes documentos d'aquella publicação e nella encontrei variadas
-referencias a caminhos, mas em termos d'onde não se podia concluir cousa
-alguma que indicasse o conhecimento da existencia de uma estrada da
-epoca romana, considerada como tal[27].
-
-
-XII
-
-Um esclarecimento dá Viterbo que é exacto e tem importancia para a
-historia d'esta região tributaria dos esteiros vacuenses.
-
-Retiro-me ao «entupimento» da costa que com o rodar dos annos se foi
-alteando e ao «estagnamento» dos rios que esterilizava os campos e
-fechava os caminhos. Esta acção do mar na costa de Aveiro tem sido um
-problema technico e administrativo extremamente complicado para os
-governos portugueses, não só pelas condições commerciaes de Aveiro, mas
-pelo estado sanitario de toda esta região. O coração d'este problema é a
-barra do Vouga.
-
-É difficultoso dizer o estado d'esta embocadura nos tempos que
-interessam ao presente estudo. Tenho lido que, na epoca romana, entravam
-a foz do Vacua embarcações de grande arqueamento (_Os portos maritimos
-de Portugal_, pelo Sr. Adolfo Loureiro, II, 3). Não sei que fundamentos
-póde ter esta asserção, que em todo o caso é relativa á tonelagem dos
-antigos navios.
-
-Os geographos antigos que se referem a este rio lusitanico, não dizem
-cousa d'onde se possa inferir a sua capacidade para grandes embarcações,
-como aliás se tem escrito.
-
-O mais explicito é Estrabão (_Geographia_, liv. III, III), que vertido a
-latim, diz: _Deinceps post Tagum nobilissima flumina sunt Muliadas,
-parvas habens navigationes. Itidem Vacua fluvius, post quos Durius longo
-fluens cursu_, etc. O geographo grego iguala o Mondego (_Muliadas_) rio
-de navegação diminuta, ao Vouga, da mesma fórma (_itidem_) estuario de
-diminuta navegação. E tanto mais é esta a natural hermeneutica, que o
-contraste é frisante com a importancia do Douro, _longo fluens cursu_.
-Estrabão escreveu no sec. I a. e d. de C.; como póde affirmar-se que no
-tempo dos romanos entravam o Vouga embarcações de longo curso e a sua
-foz era um porto de grande commercio e muita prosperidade?
-
-Ora isto vem ao intento de eu pretender que no surgidouro do Vouga não
-havia nos primeiros seculos, pelo menos da epoca romana, povoação de
-vulto que determinasse uma passagem forçada na via militar e um desvio
-da natural directriz _ab Aeminio Calem_. E para um porto de tamanho
-trafego, era pouco um simples _vicus_.
-
-Temos pois a affirmação estraboniana[28]. E antes?
-
-Menos ainda. Diz-se que em algumas minas da região metallifera de
-Entre-Vouga-e-Caima tem apparecido vestigios de antigas laborações.
-Apesar da falta de precisão chronologica nesta noticia, póde presumir-se
-o facto até para a epoca preromana. E neste caso, a via fluvial seria a
-mais pronta saida do mineiro para o commercio externo.
-
-Mas um óbice encontro agora. Seria consequente que este trafico
-determinasse a formação de um povoado á beira-mar ou na enseada
-interior. A essa gente faltaria, porém, uma cousa, que se lhes tornára
-tão indispensavel, como o pão para a boca: era a segurança pessoal, era
-o ninho de aguia. Com as planuras não se queriam elles. A não ser que
-deroguemos os conhecimentos adquiridos no que até agora se tem encontrado.
-
-Alem disto, que motivos ha para tirar effeíto tambem retroactivo á
-noticia de Estrabão?
-
-Um primorosissimo escritor[29], filho de Aveiro, evita, com
-exemplar abnegação patriotica, o problema archeologico da origem
-preromana da sua terra natal, mas propende á presumpção de que algum
-povoado assentaria antigamente na foz do Vouga os seus lares. E enfeixa
-o illustre homem de letras duas razoes: 1.ª, a geographica; 2.ª, a da
-exploração do sal. Aquella parece-me menos conciliavel com a
-ethnographia dos povos a que se deseja alludir, como notei. E esta? Para
-o commercio, quer interno quer externo, temos ainda o mesmo senão. Os
-marnôtos d'aquelle tempo onde se acoitariam[30]?
-
-Que, posteriormente a Estrabão, as _parvae navigationes_ crescessem em
-numero e tonelagem não é impossivel, porque a vida social começava já a
-fervilhar nas planicies.
-
-E a industria do sal, cuja utilização aliás já data dos tempos
-neolithicos, poderia commercializar-se (perdão para o neologismo) d'essa
-epoca em deante, se tomarmos por base da hypothese o caracter latino da
-technologia[31] e o que sabemos por aquelle geographo da
-importancia das salgas (_Geographie de Strabon_, por Am. Tardieu, 1886;
-III-IV-2). Mas então já a via militar _ab Aeminio ad Calem_ lá estaria
-antes de ser necessaria, se necessaria se pudesse considerar por motivo
-do commercio externo, num porto afastado da linha natural de
-communicação e posto em duvida pelo silencio dos textos, como vimos.
-
-Do que o Vouga seria na idade media possuimos o testemunho do geographo
-arabico Edrisi (_Géographie d'Edrisi_, trad. de P. Amédée Jaubort. Paris
-1840 II, 227).
-
-O nosso rio foi transposto para aquella lingoa por uma palavra que A.
-Jaubert representa na graphia francêsa por _Boudhou_ (ou==u); e assim
-conforme o texto arabico vemos que o _nahr-Budhu_ é um rio consideravel
-onde navegam embarcações grandes e pequenas, e a navegação se estende a
-70 milhas da sua foz. Agora já começamos a entrever uma população
-occupada no trafego maritimo.
-
-A diplomatica tambem proporciona alguns elementos de estudo
-relacionaveis com este, mas propriamente esta epoca já não interessa á
-questão posta.
-
-Há porém, uma cousa que não posso omittir.
-
-É o documento n.º LXXVI dos _Port. Mon. Hist._, «Dipl. et Chartae», onde
-se lê a fórma medievica de Aveiro, a qual é _alauario_, o que só por si
-desmorona as hypotheses etymologicas a que varios chorographos se tem
-apegado, mas revela pela primeira vez a existencia de uma povoação onde
-hoje é Aveiro (assim tambem _Talabario_ e _Táveiro_. Doc. CXXVIII).
-
-O trabalho do mar e das aguas na desintegração de um subsolo brando e a
-força do vento nos areaes movediços devem ter sido causa perenne e
-inflexivel dos açoreamentos e obstrucção da navigabilidade[32]. O factor
-é antigo, tão antigo quanto o póde ser, por maneira que aquella região
-nunca teve, fóra das epocas geologicas, outra face topographica muito
-diversa da dos nossos dias[33]. É presumivel que elevadas florestas
-forrassem com sombras impenetraveis toda essa immensa orla limitada pelo
-mar a Oeste e pelas montanhas a E., na região e na epoca de que me
-occupo[34] como em outros pontos suppôe o Sr. Alberto Sampaio
-(_Portugalia_, II, 215, art. cit.); mas isso não importa acreditar a
-possibilidade da via romana por terrenos de tal especie.
-
-Informou-me o distincto engenheiro Sr. Mello de Matos, que, ao
-proceder-se aos trabalhos de construcção de uma ponte nas proximidades
-de _Vagos_, se encontrou encastoado nas areias o cavername de um navio,
-que infelizmente não foi estudado. Na _Esgueira_, achara-se outro.
-
-Narra Pinho Leal que ha annos em Vagos se descobriu uma ponte sobre um
-ribeiro que a areia das dunas entupiu completamente. Escusado é
-acrescentar que a ponte foi logo capitulada de _romana_, nada menos.
-
-Estes factos não tem sido apenas recentemente verificados. Já vimos num
-trecho, que desatei do nosso Gaspar Barreiros (p. 50) que pelas alturas
-de Cacia se tem encontrado, submersos na terra, cascos de navios e
-ancoras, o que radicou a crença de que as embarcações chegavam ate ahi
-em tempos antigos. Esta apreciação já é do sec. XVI.
-
-D'este millenario ha um mappa, publicado por Abrahão Ortelius, onde se
-reconhece nitidamente a bacia de Aveiro. (Vide _Theatrum orbis
-terrarum_, já citado a pag. 132).
-
-Estes factos esclarecem o assunto e reatam a tradição de que os fundos
-da ria se vão alteando com a obstrucçâo nos esgotos das correntes
-fluviaes. Fr. Bernardo de Brito (_Monarchia Lusitana_, II. V. p. 130)
-diz que, do tempo d'elle, Aveiro, muito concorrida de gente de mar e
-pescarias, era cidade florescente[35].
-
-O Sr. Cons.º Luis de Magalhães tambem entende que, tendo ahi embarcado
-para uma jornada de Africa os terços da Beira, é porque o porto
-consentia a arqueação das caravelas.
-
-D'esta epoca ha mais elementos concordantes no movimento commercial de
-Aveiro e portanto no estado da sua barra. (Vid. _Os portos maritimos de
-Portugal_, pelo Sr. A. Loureiro, II, 3).
-
-O que Barreiros conta relativamente a Cacia, encontra-se repercutido num
-local situado muito mais acima sobre o Vouga. No sec. XVIII corria que
-em eras passadas ainda os navios subiam aquelle estuario até a antiga
-cidade de _Vacua_[36], onde depois foi a villa de Vouga e
-agora mero cabeço de Vouga (_Arch. Port._, VII, 191), que aliás tende a
-desapparecer, como desappareceu a de Marnel pelo impaludismo (Pinho
-Leal, _Port, Ant. e Mod._, s. v. _Vouga_).
-
-Esta noticia, porém, deve interpretar-se com uma informação mais
-minuciosa que encontro em uma obra de 1741 (_Annales de l'Espagne et du
-Portugal_, por Alvares de Colmenar, Amsterdam). Diz este A. que Aveiro é
-uma cidade bastante consideravel, situada na testa de um pequeno golfo
-que a maré estabelece na embocadura do Vouga. Este rio fórma um porto de
-limitadas dimensões, onde os navios mediocres, que não demandam senão 8
-ou 9 pés de agua, podem entrar na preamar, com a direcção de pilotos do
-sitio. Este A. já falla na grande producção de sal e nas fortificações
-constantes apenas de uma muralha flanqueada de algumas torres.
-
-Na lagoa de Esmoriz, de que falla um doc. do sec. IX, (_Port. Mon.
-Hist._, «Dipl. et Chart.», n.º XII), havia uma barra por onde entravam
-as caravelas em antigos tempos e depois se entupiu (_Arch. Port._, IV,
-144).
-
-O caso do cavername encontrado perto de Vagos liga-se com a noticia do
-sec. XVIII, transmittida pelas _Memorias Parochiaes_, segundo as quaes o
-braço da ria que existe entre Aveiro e Ilhavo dava antigamente fundo
-para caravelas e agora é vadeavel (_Arch. Port._, IV, 329).
-
-Em Mira, numa lagoa de agua doce, conta um informador que nella se
-encontram vestigios de casas, moedas e alicerces de uma parede ou
-caminho que a atravessou pelo meio. Alem disto, pelo norte e poente,
-tem-se açoreado (_Arch. Port._, V, 297).
-
-Quanto se póde deduzir d'estas noticias, o extenso delta vacuense tem
-sido invadido com trabalho successivo pelas areias que causam a
-obstrucção dos esteiros e a diminuição da navegabilidade. De nenhuma
-noticia, porém, se póde concluir que na epoca romana o aspecto
-topographico e a constituição orographica da região fosse tão diverso do
-que é actualmente, que a via romana lá pudesse passar preferentemente ao
-trajecto mais interno, na base da montanha, através dos castros e das
-minas.
-
-
-XIII
-
-De Talabriga temos uma das paginas da sua historia escrita por um autor
-do meio do sec. II d. C., Appiano de Alexandria.
-
-É certamente este um caso particular, mas não deverá deixar de ser
-considerado como uma amostra de dramas analogos que succederam com os
-oppidos lusitanos, no embate das cohortes romanas.
-
-Talabriga, escreve Appiano, era uma das cidades (da Lusitania) que mais
-frequentemente se revoltava. Esta falta de resignação, este, direi eu,
-germen de patriotismo ou melhor de municipalismo, não podia
-tranquillizar Decimo Junio Bruto, que julgou que o caso era de reclamar
-a sua presença no local da cidade. Partiu com numerosa gente, e ao seu
-apparecimento responderam os irrequietos Talabrigenses com supplicas e o
-seu incondicional abandono á discrição do conquistador. Então J. Bruto
-foi energico e insaciavel, mas ao mesmo tempo teve um lanço inesperado
-de generosidade. Quis fazer-lhes sentir primeiro a dureza cruel do seu
-braço de guerreiro, e para isso impôs-lhe a immediata entrega dos
-transfugas das hostes d'elle, certamente alliados dos romanos, a dos
-prisioneiros, a de todo o armamento e ainda por cima exigiu refens.
-Depois chegou a ordenar-lhes que abandonassem a cidade com suas mulheres
-e filhos. Parece que o prestigio militar de J. Bruto não valia menos que
-seu tino de politico e conquistador. Os Talabrigenses aprontaram-se para
-obedecer alli mesmo. Mas o capitão romano queria compor-lhes um quadro
-que lhes impressionasse perduravelmente a imaginação. E ia espreitar o
-effeito produzido.
-
-Desdobrou em circulo as suas tropas e, agglomerando dentro a chusma dos
-habitantes humilhados, arengou-lhes. Fez-lhes perceber que não receava a
-sua turbulencia indomita, porque quantas vezes desertassem, outras
-tantas elle viria combatê-los e reduzi-los com a necessaria firmeza,
-incutido assim o receio e a convicção de que no momento adequado, J.
-Bruto cairia sobre elles com toda a energia, o general romano quebrantou
-a sua ira, satisfeito com estas objurgatorias. Mas não sem que lhes
-tomasse os cavallos, os mantimentos, os dinheiros da cidade com todo o
-outro material publico[37]. Isto era claramente deixá-los na
-impotencia e até na penúria. E por fim J. Bruto, contra tudo quanto os
-Talabrigenses podiam já esperar (_pratter spem_), restituiu-lhes a
-cidade para nella continuarem a habitar. Isto passava-se já meado o sec.
-II, antes de Christo (138 a. C).
-
-Feito isto, o conquistador regressou a Roma.
-
-Esta pagina da conquista da Lusitania é tanto mais importante quanto é,
-com igual individuação, a unica que nos resta de historia escrita dos
-oppidos lusitanos, e, embora narre um só episodio da guerra da
-conquista, não deixa de ser elucidativa.
-
-Quando li este trecho de Appiano (_Appiani Alexandrini Rom. Historiarum
-quae supersunt_. Parisiis. F. Didot. MDCCCXL), confesso que senti
-amargura por não podermos ainda ir conversar na região do Vouga com as
-ruinas da cidade onde estes successos crueis se desfiaram, e segredar ás
-cinzas d'aquelle abrasado patriotismo que o mesmo sentimento, que
-chammejou nesses lusitanos insoffridos, ainda se não arrefentára com o
-soprar sobre ellas de vinte vezes cem invernos, e em mais de um dia, já
-da nossa existencia nacional, elle se tem ateado em protestos bem
-tumidos de calor.
-
-Talabriga continuou a existir e refazer-se, atravessando a epoca
-imperatoria, como nos attesta: 1.º, a data a que pertence a ara de
-Estorãos, sec. III-IV; 2.º, a sua inscripção no Itinerario (sec. IV).
-
-Que seculos lhe trouxeram o ultimo acto das suas tragedias? Os do mal
-afamado frankisk barbaro ou os do pavor sarraceno mais verdadeiro e real
-que aquelle, sobretudo no territorio portugalense?
-
-Entrevejo pois para a archeologia portuguesa este problema: sondar o
-jazigo de Talabriga, verdadeiro simbolo do nosso sentimento de
-independencia territorial e figura-se-me que mostrei onde com toda a
-probabilidade elle se deve encontrar. Espero ter eu mesmo ensejo de
-averiguar se o simples e frio raciocinio me guiou, sem desvio, até as
-trincheiras historicas, que occultam os miserandos restos de Talabriga.
-
-Conservar-se-ha ainda evolucionado este toponimo? Responderá o
-onomastico, paternalmente assistido pela philologia, não se dando o caso
-mais provavel do verso susodito de Vergilio:
-
- _Haec tum nomina erunt, nunc sunt sine nomine terrae!_
-
-Março de 1907.
-
-
-_P. S._ No mappa do _Ortelius_, de que me soccorri a pp. 132 e 155, vejo
-nova _Lancobriga_, pelo sul de Scalabis; teremos tres? (Ver _O Arch.
-Port._, XII, 42).
-
-
- [1] O brasão de Agueda ostenta num lemnisco o mote Aeminium. Mas
- Coimbra tem hoje uma lapide, quo lhe dá irrecusavelmente o foro de
- _civitas aeminiensis_.
-
- [2] Um dos autores que se destacam por tentar a determinação de
- Talabriga e Langobriga (e ainda outras estações da via ab _Olisipone
- Bracaram Augustam_) por um processo exacto é o Sr. J. Henriques
- Pinheiro, fallecido professor do Lyceu de Bragança. Mas talvez em
- consequencia de trabalhar sobre uma carta (a de Folque) muito
- reduzida e de se servir da reducção de milhas a leguas, localiza
- Talabriga em _Aveiro_ e Langobriga na _Feira_. Em todo o caso, não
- podendo conciliar as distancias relativas a Langobriga, conclue que
- ha erro nos Codices (_Estudo da Estrada Militar Romana de Braga a
- Astorga_, por J. Henriques Pinheiro, Porto, 1896, p. 129).
-
- [3] O Sr. A. Coelho diz que a fórma verdadeira é a de Estrabão, como
- o prova a moderna _Vouga_ e _Vauga_ dos documentos em baixo latim
- anteriores ao sec. XII (Mélanges Graux, 1882). Vid. _Religiões de
- Lusitania_, II, 28.
-
- [4] Nas _Noticias Archeologicas de Portugal_, de Hübner, trad. do
- Visconde de Juromenha, vem um extracto do Itinerario segundo a ed.
- de Parthey & Pinder (1848). Prefiro a lição _briga a brica_ de
- Wesseling, ed. dos _Vetera romanorum Itineraria_, MDCCXXXV.
-
- [5] Não pude haver á mão as _Memorias_ d'este mesmo senhor.
-
- [6] Como preciosidade estrangeira, desejo referir que o aliás
- eminente celtista D'Arbois de Jubainville, num estudo erudito sobre
- «Les Celtes en Espagne» (_Revue Celtique_, XIV, § 8) diz, de
- passagem, ser Talabriga a actual povoação de Sousa, conc. de
- Alenquer! Presumo que esta incongruencia é proveniente do que
- escreveu _C. Muller_ em uma nota da _Cl. Ptolemaei Geographia_ (I,
- 137) a respeito de Talabriga: _Oppidum haud longe a Vouga, fluvio
- circa, hod. Souza alicubi steterit. Accuratius locum definire non
- licet._ Como ha mais Marias na terra, d'ahi proveio a confusão.
- Veja-se Sousa a O. de Vagos.
-
- [7] Por partes temos:
-
- De Gaia á Feira 21:900 metros
- Da Feira a Oliveira de Azemeis 10:900 metros
- De Oliveira de Azemeis a Albergaria 18:000 metros
- De Albergaria ao rio Vouga 6:800 metros
- Do rio Vouga a Agueda 9:000 metros
- De Agueda á Mealhada 22:000 metros
- Da Mealhada a Coimbra 16:500 metros
- 105:100 metros
-
- [8] Escreveu o autor do _Portugal Antigo e Moderno_ que a via romana
- seguiria pouco mais ou menos o trajecto da linha ferrea. Assim era
- preciso, se Talabriga fosse Aveiro, quer no troço ao norte, quer no
- troço para sul, em attenção ás condições topographicas. Neste caso,
- porém, a distancia de Coimbra a Gaia seria necessariamente pelo
- menos a que hoje é por aquelle caminho; nada menos de 115
- kilometros, o que está bem longe dos 105 kilometros da via romana e
- da estrada real. Num diagramma da carta indico a differença das
- distancias entre Cale e Talabriga e Gaia e Aveiro pela via ferrea
- (45:800 metros e 59:000 metros).
-
- [9] No mappa com que documento este estudo, lancei só os elementos
- que me eram uteis. Tudo o mais ficou no original, a que até accresci
- alguma cousa a mais por assim convir á minha demonstração.
-
- [10] É força porém attentar na exigua differença que no caso
- presente existe entre a recta, que unisse os dois pontos extremos
- (Coimbra e Gaia), e o desenvolvimento da distancia effectiva pela
- estrada real, entre os mesmos pontos. Bem sei que differentes
- parcellas podem dar a mesma somma, mas difficultoso seria crer que,
- acertando o Itinerario na distancia total entre Aemiuium e Cale,
- delinquisse nas parcellas, que vem a ser as tres secções da via
- militar. Veja-se o diagramma.
-
- [11] Pela linha ferrea de Coimbra a Aveiro são 56 kilometros: pelo
- caminho romano de Coimbra a Talabriga eram 59 kilometros.
-
- [12] Nada mais possivel do que um erro de informação de Plinio. Mas
- poderia tambem haver aqui uma confusão entre a Talabriga do roteiro
- romano e a Vacua, de que parece existirem ruinas no Cabeço de Vouga
- (Cit. _Oppida restituta_, 1885). Mas o Itinerario omitte-a, o que é
- apenas argumento negativo. Ainda se poderia dar o caso de _Vacua_
- não ser _mansio_ do caminho romano. Havia um codice de Plinio que
- nomeava Talabriga e _Vacca_ e uma cosmographia antiga que refere
- _Vacca_ (_sic_) e não Talabriga, que aliás deveria ter conhecido
- pelos AA.
-
- Jorge Cardoso, no _Agiologio_, II, 65, quer que Vacua tenha sido em
- Viseu. Peor!
-
- [13] Nos _Port. Mon. Hist._, «Diplom. & Chart.», vem um documento
- (n.º 815 do anno de 1095) cujo teor nos não prende, mas onde se
- lê:.... _Ista igitur auctoritate confissus ingressus sum et ego
- densissimam silliam_ (silvam) _que ab antiquis temporibus
- habitaculum erat bestiarum_.... Trata-se de arredores de Ilhavo.
-
- [14] Nos arredores de Aveiro ha pontos com as cotas de 15, 27, 46,
- 57, 48, 38, 23, 16, 24 e 10 que correspondem a relevos suaves. Todos
- estes pontos estão situados na margem esquerda do Vouga. Mas na
- hipothese de Talabriga, a estação do Itinerario, ser Aveiro ou
- proximidades, a estrada romana, chegada ahi, ver-se-hia forçada a
- atravessar o Vouga desde Eixo para baixo, em direcção ao Norte. E
- digam-me se todo esse trato de terreno, comprehendido entre a margem
- direita do Vouga, desde a ponte de S. João de Loure, como vertice
- meridional, e os sitios de Froços, Angeja, Formelã, Canellas e
- Salreu, não eram de fazer recuar o engenheiro romano que por ahi
- tentasse obter saida para o norte, em direcção a Cale, tendo outra
- incomparavelmente melhor?
-
- [15] Tenho sempre especial satisfação quando vejo que conceitos meus
- foram já formulados por escritores de outro cunho. Assim na _Revue
- des Études Anciennes_ (1905, p. 389), Cam. Jullian, referindo-se a
- caminhos de epocas prehistoricas, diz: _Et il résulte bien.... que
- beaucoup des grandes lignes de circulation actuelle ne sont que les
- héritiers des pistes tracées il y a des milliers d'années._
-
- [16] Para os leitores habituaes do _Archeologo Português_, seria
- ociosa esta nota; para os que porventura o assunto do presente
- estudo desperte de-novo, é uma prevenção necessaria. Quando se falla
- em _castros_ com supposta referencia á epoca romana, não se trata
- dos _castra_, acampamentos ou abarracamentos (Saglio & Daremberg)
- fortificados que as forças militares de Roma construiam em campanha:
- nunca vi ruinas de nenhum d'estes _castra_, nem me consta que as
- haja verificadas no pais. E comtudo os _castros_, ou _crastos_ no
- fallar do povo, são abundantissimos entre nós... porque são cousas
- muito differentes. Estes _castros_ são apenas uns montes com
- vestigios de habitação _ante-romana_ e quasi sempre de obras de
- fortificação de terra ou de muralha. Assim os castros são outeiros,
- cabeços habitados e fortificados, não pelos romanos, mas contra os
- romanos, pelo menos, e pertencentes aos antigos habitadores do país.
- Os _castros_ devem pois aos romanos, não o seu principio, mas a sua
- decadencia e o seu fim, porque foi a conquista e foi a civilização
- romana que os tornou desnecessarios naquelle tempo. Como se lhes dá
- então este epitheto que não vem senão causar confusões? O epitheto
- encontramo-lo na toponimia local; foi o povo que conservou até hoje
- esta designação que nós vamos encontrar com frequente emprego nos
- documentos da idade media. É que no singular _castrum_ significou
- secundariamente um castello, uma fortaleza; cita Rich o capitulo VI
- da _Eneida_, onde se lê (_vv_. 771 a 776):
-
- Qui juvenes quantas ostentant, aspice, vires!
- At qui umbrata gerunt civili tempora quercu,
- Hi tibi Nomentum, et Gabios, urbemque Fidenam,
- Hi Collatinas imponent montibus arces,
- 775 Pometios, Castrumque Inui, Bolamque, Coramque:
- Haec tum nomina erunt, nunc sunt sine nomine terrae.
-
- (_Oevres de Virgile_, par E. Benoist; vol. I, Hachette, 1882).
-
- (Trad.) _Contempla como são grandes as forças que aquelles mancebos
- ostentam! Pois d'entre os que trazem a fronte sombreada pelo
- carvalho civico, uns construir-te-hão Nomento, Gabios e a cidade de
- Fidena, outros assentarão em montanhas as fortalezas Collatinas,
- Pometios, o castello de Inuo, Bola e Cora_ (antigas povoações do
- Lacio): _estes serão os nomes d'aquelles lugares, que estão agora na
- terra sem nome._
-
- Foi certamente d'esta accepção que derivou para o latim corrente, e
- em seguida para o fallar medieval das nossas populações, a
- denominação de _castro_ ou _crasto_.
-
- Na _Revue des Études Anciennes_ (IV, p. 43, 1902) vem uma serie de
- citações para demonstrar que no fim do Imperio pela palavra
- _castrum_ se designavam frequentemente as cidades fortificadas; de
- entre todas extraio a seguinte de Isidoro (_Origines_, XV, 2, 13):
- _Castrum antiqui dicebant oppidum loco altissimo situm_. Com
- referencia a sitios nossos, temos, bibliographicamente, o conhecido
- _Portumcale castrum_, de Idacio.
-
- Mas a par d'aquella, outras se formaram, como _castello_,
- _cristêlo_, _crastêlo_ e _castrêlo_. _Castellum_ (cfr. cit. _Rev.
- des Ét. Anc._) na lingua latina, era um deminutivo de _castrum_ e
- applicava-se tanto a um reducto transitorio, como a um forte
- permanente, quasi sempre situado em logar elevado (Saglio &
- Daremberg, s. v. _Castellum_). Depois, é explicavel que a linguagem
- popular prescindisse da origem não romana d'estes pontos
- estrategicos, e applicasse o termo a alguns castros, talvez aos mais
- deminutos. Aos mesmos montes se vêem tambem applicadas as
- designações de _cividade_, mais ou menos pura, _cidadêlhe_, _coroa_
- e outras ainda. Os autores antigos usam o termo _oppidum_ applicado
- a alguns d'estes centros de população (_oppidum Aeminium_). E ainda
- se encontra junto ao nome originario da povoação, a modo de suffixo,
- o termo de origem celtica _briga_, que tambem quer dizer castello,
- altura fortificada (_Talabriga_).
-
- Os romanos, no nosso caso, traçando a via militar através d'estes
- montes habitados, não fariam mais do que seguir um caminho historico
- e uma directriz frequentada.
-
- [17] O parocho de Segadães (1758) informava que a antiga cidade de
- _Vaca_ (_sic_) fôra assolada pelos _mouros_. Os Leitores conhecem
- estes _mouros_... (_Arch. Port._, VII, 191).
-
- [18] Varios outros documentos d'esta região de Entre-Vouga-e-Douro
- compulsei eu nesta collecção, que se reportavam a _castros_, mas não
- pude localizar as referencias com a presteza que era necessaria. Até
- se me deparou a fórma rara _crésto_ (_cresto ualanes_, doc. DXLIX do
- anno 1077), da qual conheço outra actual no concelho de Valdevêz.
-
- [19] Na fé de Nascimento Silveira (_Mappa breve da Lusitania_, p.
- 226), em Mancinhata, nos cruzeiros ha inscripções que ainda ninguem
- entendeu.
-
- [20] Nos _Port. Mon. Hist._, «Dipl. et Chart.», n.º CCCCLXXI, vem um
- documento que diz: _Cesari... subtus monte castro calbo..._ Cf. o
- n.º CCCCLXX. Não pude averiguar se é um _Monte Calvo_ que vejo perto
- de Romariz. _Cesári_ (gen. de _Cesarius_, _-ii_) deu Cesár, como
- _Severi_ (_Port. Mon. Hist._, «Dipl. et Ch.», _passim_, e _Arch.
- Port._, II, 252, art. do Sr. P. de Azevedo) deu Sever.
-
- [21] Virá de _Calambria_? pergunta A. Herculano (_Historia de
- Portugal_, III, 423). Cfr. _Arch. Port._, art. do Sr. A. Cortesão,
- IX, 232. Teremos aqui alguma _Calambriga_? Um thesouro de 16 argolas
- de ouro é de lá. (_Arch. Port._, II, 87).
-
- [22] Eu não me occupo especialmente da _Langobriga_ do Itinerario,
- mas é facil ver que identicos raciocinios lhe são applicaveis e em
- consequencia, a situação d'este segundo oppido deveria ser na faixa
- de terreno vagamente indicada pela curva _LL._ um pouco ao norte da
- Feira. No meu estudo da ara de Estorãos, assentei que esta não é a
- actual _Longroiva_, cuja fórma medieval era _Langobria_, (_Port.
- Mon. Hist._, «Dipl. et Chart.» CCCCXX). Do que deponho a p. 141,
- parece que é a algum dos castros de _Obil_ ou do _Monte do Murado_
- que deverá convir a localização de Langobriga. Este fica a 6:000
- metros para leste da lagoa.
-
- Para _longo-_ e _lango-_ como para _brica_ e _briga_, não encontram
- difficuldade os celtistas. (_Élém. celt. dans les noms de personnes
- des inscr. d'Esp._, por A. Carnoy. Luvaina 1907).
-
- [23] A legitimidade do processo que segui, empregando o compasso e a
- escala para determinar a zona em que, segundo as indicações do
- roteiro romano, deve encontrar-se o jazigo de Talabriga, tem uma
- averiguação facil, apesar da estranheza que possa causar. Se eu,
- collocado em Eminio, quisesse determinar a situação de Cale, cujo
- anorteamento já conhecia previamente, e para isso adoptasse identico
- systema, o compasso levar-me-hia a uma zona de terreno, onde não me
- seria impossivel encontrar localizações compativeis com uma estação
- d'aquella natureza.
-
- Creio todavia que nem com todos os terrenos assim se póde proceder.
-
- Comprova tambem a plausibilidade do resultado a circunstancia de
- fazerem pequena differença a distancia em linha recta entre Coimbra
- e Gaia e a rectificação da estrada entre os mesmos pontos.
-
- [24] ... por ser tam grande como todos sab[~e], de [~q] á prouerbio
- no pouo. (_Ibid._ p. 50). Já não é só pois grande a legua da Povoa!
-
- [25] O escritor espanhol Eduardo Saavedra, num artigo intitulado «La
- geografia árabe de Portugal» in _Revista Archeologica e Historica_,
- I, 49, suppõe que o trajecto descrito por Edrisi vae de Coimbra a
- Viseu e Braga «por um caminho muito frequentado», fazendo o primeiro
- descanso em Avô, 45 kil. a NE. de Coimbra; o segundo em S. Miguel do
- Outeiro, 10 kil. a O. de Viseu no caminho de S. Pedro do Sul; depois
- chega-se ao Douro, que se passa em embarcações defronte de uma
- aldeia, que é Villaboa de Quires, a E. de Penafiel. D'aqui duas
- jornadas a Braga e outras duas a Tuy.
-
- Salvo o devido respeito, isto parece uma viagem... _à vol d'oiseau_!
-
- [26] Nos _Port. Mon. Hist._, «Diplom. de Chart.», apparecem mais
- documentos em que se encontra esta mesma designação. Estes por
- exemplo:
-
- N.º 67 do anno 953:... _et inde per carraria mourisca..._ (Isto era
- nas vizinhanças de Villa do Conde).
-
- N.º 614 do anno 1083:... _et inde per via maurisca:..._ (territorio
- de Arouca).
-
- Póde não se tratar nestes dois documentos de vias militares romanas,
- como não se trata; mas nem por isso a designação deixa de ser
- inexacta no seu sentido proprio. Eram antigos caminhos, anteriores
- aos arabes. Aliás teriamos que admittir que os filhos do Islam
- andaram por terras de Villa do Conde e de Arouca a abrir estradas em
- fórma, por serem invios os territorios.
-
- Demonstra isto que os amanuenses do secs. X e XI já não sabiam
- estremar romanos (e visigodos) de serracenos. Era pois, como hoje, o
- fallar do povo.
-
- É tambem este o sentimento do Sr. Pedro de Azevedo (_Arch. Port._,
- III, 137 sgs.). Este facto é bastante expressivo. Não passára um
- seculo ainda depois da expulsão dos arabes naquella região, e a
- interrupção de tradições locaes tinha sido tão intensa que a mera
- conjectura tomara o logar d'aquellas, attribuindo aos muçulmanos as
- obras de viação de que elles apenas tiveram a utilidade (Veja-se
- _Hist. de Portugal_, por A. Herculano, III, 421). Em França não se
- dava isto. Ruy de Pina na _Chronica do sr. rey D. Affonso V_ (p.
- 569) diz: «E na cidade de Nimis leixou El-rey _a estrada romam_, que
- vay a Avinham».
-
- [27] Seria longo transcrever os trechos respectivos d'esses
- documentos; e nem sempre é possivel acertar a que especie de
- caminhos se referem as expressões usadas nos documentos. É commum o
- termo _strada_, _strata_; algumas vezes adjectivada _strata
- ueredaria_ (Dipl. et Chart., n.º 174) em opposição a _alia carrale_
- (id.); _estrata de uereda_ (id. n.º 13); _in estrada qui discurrit
- via de uereda_ (id. n.º 24) ou _strata maiore_ (id. n.os 563, 378 e
- 549). Tambem se encontra a expressão _carreira antiqua_ (id. n.os
- 620 e 639), _karraria antiqua_ (id. n.os 888), _carraria antiqua_
- (n.os 639 e 287), _carera antiqua_ (id. n.os 366). _Via de strada_ e
- _strada de uiminaria_ lêem-se no doc. n.º 817 (_ob. cit._) Ainda hoje
- se póde dizer _caminho de estrada_. _Carreira_ é termo agora quasi
- só locativo, mas ainda se ouve no norte applicado ás largas entradas
- de algumas casas antigas, precedidas de uma alameda plana;
- certamente _carreira_ inclue a ideia de carro, como _carrale_. Outra
- denominação que encontrei foi a de _via publica_ (_ob. cit._, n.º
- 676), que parece corresponder a caminho publico.
-
- _Karraria antiqua_ era certamente uma estrada carreteira antiga já
- naquella epoca e portanto tradicional, mas d'aqui não se póde
- concluir que essa estrada fosse _via militar_ romana. Assim o doc.
- n.º 570 do anno 1079 refere-se á freguesia moderna de Paçô, no
- concelho do Valdevêz (_uilla Palatiolo_), onde nunca passou via
- militar e onde a _carreira antiqua_ poderia bem attingir a epoca
- romana.
-
- Alguns d'estes documentos foram indicados pelo erudito conservador
- do Archivo Nacional e meu amigo o Sr. Pedro de Azevedo; outros
- rebusquei-os propositamente com o auxilio do valioso trabalho do Sr.
- Gama Barros, _A administração Publica em Portugal_, entre os que
- pertencem á região de Entre-Vouga-e-Douro.
-
- [28] No mesmo pensar encontro-me com o Sr. Alberto Sampaio na
- _Portugalia_, II, 216 (_As povoas maritimas do norte de Portugal_).
- Assim se exprime: «As unicas povoações, vizinhas do mar, existentes
- então (no tempo dos romanos), eram Calem e Portucale».
-
- [29] É o Sr. Conselheiro Luis de Magalhães, em _A arte e a natureza
- em Portugal_, vol. IV. A descrição da ria immensa de Aveiro, com as
- salinas espelhadas que a cobrem, com os seus cones alvissimos de
- sal, que marchetam a planicie sem fim, é um d'estes primores de
- prosa gracil e diaphana, que mais ninguem poderia escrever com igual
- coração e com pulso comparavel. Parece que a seducção d'esse
- panorama não me será mais intensa, quando com os olhos o vir, do que
- quando o adivinhei naquellas tão poupadas paginas.
-
- [30] A grandíssima maioria das povoações d'estas epocas era nos
- altos; ahi tem sido encontrados os seus vestigios. Para a alguma se
- attribuir situação aberta como a de Aveiro, necessario seria
- documentar a excepção.
-
- Não repugna absolutamente admitti-la no nosso caso, mas é hypothese
- pura. E depois, lá temos o distinctivo _briga_. O nome da cidade
- comsigo traz a natureza do seu assento. No Algarve, _Ossonoba_ e
- _Balsa_, não demoravam em outeiros. (Vide _Religiões da Lusitana_
- II, 85).
-
- [31] _Portugalia_, II, 220, «As póvoas marítimas do norte de
- Portugal», pelo Sr. Alberto Sampaio.
-
- [32] Explicação geologica d'estes phenomenos: «C'est après avoir
- traversé les marécages du Vouga, que l'on entre dans les terrains
- anciens; ce sont d'abord des schistes luisants, généralement cachés
- par des dêpots superficiels: sables des dunes, graviers pliocènes et
- graviers kaoliniques appartenant au Crétacique. Ces derniers ne
- montent pas plus haut qu'Estarreja et le Pliocène est rarement
- visible depuis la voie ferrée. Parfois ce soubassement de roches
- solides n'existe pas, ou du moins ne se trouve qu'à une certaine
- profondeur au-dessous du niveau de la mer; dans ce cas, la côte
- subit des alternances d'accroissement et de décroissement qui
- peuvent être funestes à l'homme trop empressé de s'approprier le
- terrain que les sables ont gagné sur la mer; tel est le cas à
- Espinho». _Promenade au Gerez (Souvenirs d'un géologue)_, por Paul
- Choffat, 1895, p. 1.
-
- [33] Poderia aqui investigar-se das alterações da costa que possam
- ter modificado o aspecto do surgidouro do Vouga. Um apello,
- publicado no _Arch. Port._, II, 301, teve em resposta o silencio.
- Não tratando dos factos de periodos geologicos ou indeterminados
- (_Arch. Port._, VII, 274 e X, 193) pouco é o que se tem recolhido e
- ás vezes antagonico. Açoreamentos em epocas historicas foram notados
- na Povoa de Varzim, Villa do Conde, Fão, Esposende, Vianna, em
- Setubal, no Algarve (_Portugalia_, I e II. _passim_), e eu mostro
- que na faixa de Esmoriz a Mira elles se deram tambem em epoca que
- não posso precisar. Num mappa que illustra o _Hisp. & Port.,
- Itinerarium_ de Martin Zeiler (1656) Aveiro é situada ao norte do
- Vouga. E não é o unico mesmo de datas mais recentes.
-
- [34] Ha um documento do sec. XI que faz uma referencia aproveitavel
- debaixo d'este aspecto: é o n.º DCCCXV do anno 1095 (doação á sé de
- Coimbra da igreja de S. Christovam, junto a Ilhavo)... _Ista igitur
- auctoritate confissus ingressus sum et ego densissimam silliamm_
- (silvam) _que ab antiquis temporibus habitaculum erat bestiarum..._
-
- [35] Entre as cartas antigas que folheei, desejo destacar uma do
- sec. XVII, assinada por N. Sanson. _christ. Gall. regis geografo_
- (_Hispaniae antiquae tabulae_, 1641). O mappa de Portugal antigo
- individúa, na região que andei estudando, _Conimbrica_ em Condeixa,
- _Aeminium_ na margem norte do Mondego; _Talabriga_ ao N. do Vouga,
- um pouco afastada do estuario, a 20 ou 25 _milliaria_ da foz do
- Vouga (isto é, na altura onde eu localizo esta povoação); e,
- seguindo no mesmo rumo, _Langobriga_. É na Bibliotheca Nacional, um
- grosso volume _in-folio_, recentemente encadernado com o
- dístico--Mappas--e sem frontispicio.
-
- [36] Esta lenda porém reproduz-se em mais localidades, fóra d'esta
- região.
-
- [37] ... _pecuniis publicis, cum reliquo publico apparatu, ademtis_.
- Isto dá bem a entender que havia uma perfeita organização politica,
- e n'ella se estribava a organização de uma defesa militar contra a
- invasão romana.
-
-
-
-
-DO AUTOR
-
-
-ESTUDOS DO ALTO-MINHO (SERIE 1.ª)
-
-
-Publicados
-
-I--Epigraphia christiano-latina (uma inscripção inedita).
-
-II--Um passeio archeologico no concelho dos Arcos de Valdevez (visita ás
-antas da serra do Soajo).
-
-III--Machados de duplo anel.
-
-IV--Ainda a inscripção christã de S. Pedro de Arcos.
-
-V--Uma primicia de epigraphia funeraria romana.
-
-VI--O portico da matriz de Monção.
-
-VII--Um castro com muralhas.
-
-VIII--Um erro de amanuense nas inquirições de D. Affonso III (C. Sancti
-Salvatoris Darcus).
-
-IX--Um Grovio autentico (cippo de Villa-Mou).
-
-X--Ara celtiberica da epoca romana (um novo «Genio»).
-
-
-PAGINAS ARCHEOLOGICAS (SERIE 2.ª)
-
-
-Publicadas
-
-I--Estatueta ithyphallica.
-
-II--Cemiterio da epoca romana em Vianna do Alemtejo.
-
-III--Situação conjectural de Talabriga.
-
-
-
-
-
-End of Project Gutenberg's Paginas Archeologicas, by Felix Alves Pereira
-
-*** END OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK 30071 ***
+*** START OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK 30071 ***
+
+ FELIX ALVES PEREIRA
+
+
+ PAGINAS ARCHEOLOGICAS
+
+ III
+
+ SITUAÇÃO CONJECTURAL DE TALABRIGA
+
+
+
+
+ LISBOA
+ IMPRENSA NACIONAL
+ 1907
+
+
+
+
+ * * * * *
+
+ SITUAÇÃO CONJECTURAL DE TALABRIGA
+
+
+ Obra composta e impressa na Imprensa Nacional
+
+ Edição e propriedade do Museu Ethnologico Português
+
+ * * * * *
+
+
+
+
+ FELIX ALVES PEREIRA
+
+
+ PAGINAS ARCHEOLOGICAS
+
+ III
+
+ SITUAÇÃO CONJECTURAL DE TALABRIGA
+
+
+
+
+ LISBOA
+ IMPRENSA NACIONAL
+ 1907
+
+
+ * * * * *
+
+
+
+ Ao
+
+ Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Conselheiro
+
+
+ _Luis Cypriano Coelho de Magalhães_
+
+ _O. e D._
+
+ _O autor._
+
+ * * * * *
+
+
+
+
+Separata d'«O Archeologo Português», XII, n.os 5 a 8 de 1907
+
+
+
+
+SITUAÇÃO CONJECTURAL DE TALABRIGA
+
+
+Summario
+
+1. Estado da questão.--2. Autores antigos--3. Itinerario--4. Exame do
+mappa--5. Topographia e onomastico da região--6. Os castros do trajecto
+da Via--7. Região mineira--8. Localização de Talabriga--9. Opinião de
+Gaspar Barreiros--10. Geographia arabica--11. _Strata maurisca_--12. Ria
+de Aveiro e o Vouga--13. Historia de Talabriga.
+
+
+I
+
+Algum tanto sem o presentir, ao fazer o estudo da ara de Estorãos,
+(_Arch. Port._, XII, 36) encontrei-me no limiar de um problema que, de
+modo definitivo, não se resolverá senão com a verificação _in loco_ de
+vestigios archeologicos incontrastaveis.
+
+É o problema da trajectoria exacta da via romana entre Aeminium e Calem,
+da qual não se conhecem milliarios decisivos e sufficientes,
+especialmente da sua passagem por Talabriga.
+
+O assunto, parcialmente considerado, tem sido alvo das principaes
+referencias na pugna litteraria em que os paladinos de Agueda, de Aveiro
+e de Coimbra patrioticamente articulavam preeminencias genealogicas, que
+é da praxe mencionarem-se em monographias locaes, mas que hoje, quanto a
+Coimbra (e Condeixa-a-Velha) estão sentenciadas, em prejuizo até
+heraldico de Agueda[1].
+
+Propositadamente, porém, o problema não foi ainda estudado debaixo do
+seu aspecto geral; apenas por incidente tem sido versada a localização
+de Talabriga. Não venho com o proposito de o dar como resolvido, é
+certo; mas desejo englobar neste estudo um certo numero de
+considerações, que podem preparar o desenlace d'este ponto controvertido
+da geographia protohistorica da Lusitania, no campo adequado, e quiçá
+orientar pesquisas.
+
+Onde foi Talabriga? Até hoje nenhum d'estes indices peremptorios que
+marcam inilludivelmente a situação das antigas cidades, como para
+_Conimbriga_ (Condeixa-a-Velha), _Aeminium_ (Coimbra), _Bracara Augusta_
+(Braga), _Olisippo_ (Lisboa), _Pax Julia_ (Beja), etc., se nos antolha
+para dar resposta nitida áquella pergunta.
+
+Guiados pelas indicações geographicas do Itinerario e de Plinio, os
+nossos escritores teem querido alternadamente que Aveiro, Cacia,
+Esgueira occupem hoje o logar que outrora se chamou _Talabriga_. De
+facto, o Itinerario, ao contar as milhas que de _Aeminium_ vão a _Calem_
+(Gaia ou Porto?) pela via militar, devia ter especial valor para este
+problema; mas a comprehensão da necessidade de verificar rigorosamente
+as indicações d'aquelle documento, a consulta de edições criticas,
+tomando-se por base a decisão do problema de Aeminium, e talvez o
+desaffecto de uma ou outra solução é que teem, no meu humilde entender,
+faltado a todos os autores que mais modernamente do assunto se teem
+abeirado[2].
+
+
+II
+
+A geographia classica não é de todo omissa a respeito d'esta antiga
+povoação. O testimunho de Plinio, que é o A. mais expresso, vem a ser o
+seguinte: _A Durio Lusitania incipit. Turduli veteres, Paesuri, flumen
+Vagia[3], Oppidum Talabrica, Oppidum et flumen Aeminium,
+Oppida Coniumbrica, Collippo, Eburobritium._ (C. Plinii Secundi, _Nat.
+Hist._, ed. de Detlefsen, IIII, 113). Isto tem o ar de uma sêca
+enumeração chorographica, que se desdoba do norte para o sul, a contar
+do Douro, e que, restringida ao nosso caso, nos dá esta sequencia:
+
+ _a_) rio Vouga;
+
+ _b_) cidade de Talabrica;
+
+ _c_) cidade e rio de Aeminio (Coimbra);
+
+ _d_) e as cidades de Conimbrica (Condeixa),
+
+ _e_) Collippo (Leiria) e
+
+ _f_) Eburobricio (Obidos, Vejam-se _Relig. da Lusit._, II, 31).
+
+Se não fôr certo, como não me parece, que Vouga é ao norte de Talabriga
+e este oppido ao sul do mesmo rio, pelo menos conclue-se que Talabriga
+vizinha de um lado ou outro aquelle estuario.
+
+Não trago nenhum outro autor antigo, porque elles não adeantam o
+problema chorographico. Na _Cosmografia_ de Ravennate (ed. de
+Pinder & Parthey, p. 307) _Talabrica_ apparece transformada
+em Terebrica e fica na seguinte localização relativa:
+_Olisipona--Terebrica--Langobrica--Cenoopido--Calo_...
+
+
+III
+
+Vamos pois ao _Itinerario_[4] e á discussão das suas
+indicações. Encontra-se nelle, que nos sirva:
+
+ Eminio mp. X
+ Talabriga mp. XL (= 59:240 metros)
+ Langobriga mp. XVIII (= 26:658 » )
+ Calem mp. XIII (= 19:253 » )
+ 105:151 »
+
+A equivalencia que sigo é a de 1 milha = 1:481 metros (Saglio &
+Daremberg, s. v. _Milliarium_).
+
+A trajectoria d'esta via desde Coimbra (Aeminium) a Gaia (Calem)
+deixaria de ser ponto controverso se, como succede noutras estradas
+romanas, alguns milliarios sobreviventes escalonassem os seus vestigios.
+
+Não ha porém, neste particular, mais que isto:
+
+1.º Um fragmento de milliario com 2,04m de alto X 1,40m de circuito,
+que appareceu na Mealhada ao norte de Coimbra e só tem M.XII.
+
+2.º Outro que foi encontrado mesmo em Coimbra e aponta M.IIII.
+
+Nem aquelle nem muito menos este servem ao meu intento; o traçado
+litigioso no nosso caso é para norte da Mealhada e Anadia, e não entre
+Mealhada e Coimbra. (Vid. Borges de Figueiredo, _Oppida restituta_, p.
+82; Hübner, _Notas archeologicas sobre Portugal_, p. 67, trad. cit.:
+_Catalogo dos objectos existentes no Museu de Archeologia do Instituto
+de Coimbra_, p. 6; A. Filipe Simões, _Escritos diversos_, 1883).
+
+3.º Um pretenso milliario descrito por Fr. Bernardo de Brito na
+_Monarchia Lusitana_, II, V, p. 3. Este vicio de origem obriga-me a pôr
+ainda de parte este monumento como comprobativo da directriz; Hübner
+fulmina-o com a sua desconfiança (_Corpus_, II, 55 a *) dizendo que
+Brito queria demonstrar com elle a existencia de _Vacua_. Não lhe darei
+porém eu maior valor que o proprio monge, que, como por prevenção,
+confessa que as letras da pedra eram «mal distinctas e muy quebradas».
+Assim a sua interpretação deve desinteressar-nos, visto que não ha meio
+de contraprovar a leitura de Fr. Bernardo de Brito, duvidosa para elle
+proprio. Para este, a lapide era porém um padrão de estrada, o que pouco
+vale por entretanto para nós; mas provinha do Castello de S. Gião, ao
+que parece, _castro_ rico em ruinas de muros, etc. Isto, cuja
+importancia só modernamente se aprecia, é que não se inventa e dá visos
+de que com effeito alguma cousa lá pudera ter apparecido. Mas Brito, com
+o dizer que a lapide era padrão de estrada, contrariava sem o advertir a
+propria crença de que a via romana seguia pela beiramar e _Talabriga_
+era em Aveiro. (_Mon. Lusit._, id., p. 130).
+
+Não obstante, ponha-se de parte a exactidão da epigraphe do supposto,
+mas rehabilitavel, milliario do castro de S. Gião, e fique,
+provisoriamente, apenas um facto--o achado de um padrão de via romana
+num castro das margens do Caima.
+
+A opinião de que Aveiro fôra o assento da antiga estação do Itinerario
+tinha ainda por si, alem do mappa de Abr.ão Ortelius (_Theatrum orbis
+terrarum_, Antuerpia, CIC.IC.CIII) o pensar de Florez (_España Sagrada_,
+tomo XIV, p. 73), que lêra Plinio e uma edição antiga do Itinerario
+romano. E póde dizer-se que foi essa a corrente que dominou até hoje, se
+com Aveiro abrangermos o aro circunjacente. (Vejam-se Adolfo Loureiro.
+_Os portos maritimos de Portugal_, II, p. 3; Marques Gomes, _Districto
+de Aveiro_, onde restringe[5] a Cacia o _ubi_ de Talabriga;
+Borges de Figueiredo, _Oppida restituta_, 1885; Pinho Leal, _Portugal
+Antigo e Moderno_, s. v. _Aveiro_; Gaspar Barreiros, _Chorographia de
+alguns lugares_; D. Nunes de Leão, _Descripção do reino de Portugal_;
+Francisco do Nascimento Silveira, _Mappa breve da Lusitania antiga_,
+etc.)[6].
+
+Regressemos porém ao _Itinerario_, e vejamos se será possivel concluir
+algo que um dia a pesquisa e exploração persistente do archeologo possa
+contraprovar. É o meu sonho.
+
+Que a medição total do _Itinerario_ relativa á via _ab Aeminio Calem_
+está notavelmente exacta, demonstra-o esta verificação facil: a somma
+das milhas que se contaram de Eminio a Gaia, reduzida a kilometros,
+(unidade mais pratica e mais exacta que a de leguas, até agora adoptada)
+era de 105:151 metros, como vimos; a distancia computada actualmente na
+Carta do Estado Maior d'esta região pela directriz da _estrada real_ é
+de 105:100 metros[7]. Não podendo ser mais breve a distancia
+d'esta estrada, como se verifica olhando os traçados rectificados ao
+lado do mappa junto, em que a distancia em linha recta e a rectificação
+exacta da extensão effectiva da estrada fazem pequena differença, o que
+mostra que os desniveis ou as inflexões do traçado são assaz reduzidos,
+conclue-se que a via romana, desde que marca igual extensão kilometrica,
+não poderia seguir caminho mais longo que ella, nem portanto muito
+distanciado d'ella.
+
+Esta coincidencia de medições é suggestiva e não permittiria, só por si,
+que a trajectoria da via romana e da actual estrada real divergissem
+muito. Se esta desenhasse uma inflexão pronunciada no seu trajecto de
+Coimbra a Gaia, claro é que era possivel, sem exceder a mesma extensão,
+encontrar outra curva symetrica que tocasse em pontos intermedios
+diversos e afastados, e coincidisse apenas nos respectivos extremos, o
+que nada util me seria; mas nas circunstancias que se dão e já
+salientei, e que me permittiram estudar sobre uma carta este problema, a
+coincidencia effectiva das duas vias de communicação deve em grande
+parte quasi corresponder á coincidencia theorica, agora expendida.
+
+Isto oppõe-se a que a via romana passasse em Aveiro, ponto muito
+afastado e divergente do trajecto theorico[8].
+
+
+IV
+
+Vou porém demonstrar por partes como isto assim deve ser. É preciso
+partir do principio já demonstrado, embora para o total da distancia,
+que as medições do Itinerario não contém erro. Qualquer inexactidão nas
+milhas marcadas para cada uma das secções da via militar alteraria a
+somma, desde que, por um acaso unico, não fosse compensada por outra
+inexactidão.
+
+Ora a via romana de Eminio contém tres troços ou secções; o 1.º de
+Eminio a Talabriga; o 2.º de Talabriga a Langobriga; o 3.º de Langobriga
+a Cale. Se uma sequer das distancias correspondentes do Itinerario
+contivesse erro, a somma total accusá-lo-hia; mas nós já vimos que a
+distancia de 105 kilometros corresponde a uma realidade. Comecemos pelo
+extremo norte da via. Isto conduz mais claramente ao meu fim; e descobre
+mais prontamente o erro em que até agora me parece que tem laborado os
+escritores. Tomemos o mappa[9].
+
+Se traçarmos um arco de circulo, cujo centro seja Gaia e o raio igual á
+distancia de Cale a Langobriga, isto é, a 19 kilometros (veja-se a
+escala), teremos obtido uma curva theorica (LL no mappa) que no terreno
+representa uma faixa de tolerancia, mais ou menos larga, dentro da qual
+e numa zona d'ella que seja compativel com um trajecto ininterrupto da
+via, cuja extensão já definida se não póde exceder, o archeologo deverá
+procurar os vestigios de Lancobriga.
+
+Esta zona, ou este segmento, não poderá pois, em principio, afastar-se
+consideravelmente da directriz da estrada real.
+
+Consultemos de novo o Itinerario. Entre Langobriga e Talabriga medeiam
+26:600 metros. Ignorando ainda qual o ponto preciso que na curva _LL_
+marca o primeiro d'aquelles oppidos, deveremos traçar um arco de circulo
+parallelo ao antecedente e á distancia que a escala indica. Como o
+terreno não é propriamente uma carta celeste[10] em que os
+pontos podem ser rigorosamente indicados, a nova curva deixada pelo
+compasso é representativa de uma segunda faixa de tolerancia,
+susceptivel de maior ou menor elasticidade, mas confinada, quanto á sua
+extensão, pela continuidade do trajecto viario em direcção a Aeminium,
+trajecto cujo comprimento tem limite determinado de milhas.
+
+E assim temos o arco _TT_.
+
+Nesta curva, que não é mais que uma zona media, deverão surgir ao
+appellido do archeologo as ruinas do que outrora foi Talabriga. Esta
+conclusão emerge logicamente das bases que tomei: o acerto evidente do
+Itinerario no total e muito provavel nas secções; a coincidencia das
+extensões da via antiga e da estrada moderna.
+
+Se agora, por contraprova, apontarmos o compasso a Eminio e girarmos com
+um raio de 59 kilometros, verificado segundo a escala, obteremos outra
+curva, a terceira, tangente á segunda e que tem a missão de indicar a
+zona util, o segmento dos arcos, correspondente á area provavel da
+situação de Talabriga. Porque o que não póde haver, é um hiato, uma
+interrupção de trajecto de Cale a Aeminium[11].
+
+Esta primeira phase da minha demonstração, porém, já torna incompativel
+a actual situação de Aveiro com vestigios de Talabriga. E mais do que
+isto; vem levantar um equivoco de Plinio, que parece suppôr aquelle
+oppido ao sul do Vouga; se assim fosse, não seria possivel encontrar o
+ponto de reunião do caminho que descia de Cale a encontrar Lancobriga
+aos 19 kilometros e se prolongava na direcção do sul até mais 20
+kilometros, onde devia beijar a Talabriga do Itinerario sem encontrar a
+de Plinio[12]. O hiato resultante fica, parece-me, fechado e
+annullado, desviando Talabriga de Aveiro e aproximando-a de Albergaria,
+ao norte do Vouga; isto é, a hipothese que proponho é a que se concilia
+em todos os pontos com o Itinerario.
+
+
+V
+
+Mas não se concilia só com esta fonte documental: é a mais plausivel em
+face das condições topographicas e historicas da região de
+Entre-Vouga-e-Douro.
+
+A actual directriz da estrada real é a que mais ou menos devia ter
+seguido a via romana que procurasse unir Eminio a Cale, dado o traçado
+que ella já trazia desde Lisboa.
+
+Em primeiro logar: as condições topographicas d'aquelle grande delta do
+Vouga não eram senão de molde para difficultar a abertura de uma estrada
+na epoca romana, em concorrencia com traçado mais firme e duradouro,
+mais economico, mais util e mais commercial. Aquellas planuras deviam
+existir já então, como um presente do Vouga, segundo se tem dito, creio,
+do Nilo.
+
+Se eram naquelle tempo pantanos, ou bosques intransitaveis[13]
+ou veigas retalhadas, como hoje, por um dedalo de canaes e
+esteiros, não me cabe a mim defini-lo. De qualquer d'estas fórmas, uma
+via romana não iria atravessar uma região em que a falta de pedra é
+quasi absoluta, e a multiplicidade de trabalhos de architectura civil ou
+de obras de arte uma consequencia inevitavel. Era preciso combater por
+um lado a pouca firmeza do terreno, por outro contar com o custo da
+empresa[14], ou os impecilhos da viagem.
+
+Por isso os mesmos motivos que na idade media afastaram a construcção,
+ou melhor, a conservação de uma estrada velha para longe da costa,
+obrigando-a a passar nas pontes que ainda existem, devem ter sido os
+mesmos que desviaram os engenheiros romanos de lançarem a via militar
+através de campinas encharcadas, só para irem buscar a embocadura do
+Vouga, antes de attingir Calem.
+
+Depois preciso é notar que havia outra directriz ao alcance da
+administração do Imperio, directriz que não podia admittir confrontos
+com a traçada através do delta do Vouga. Essa directriz levava a estrada
+romana pela orla fóra do terreno firme e accidentado e da região povoada
+de castros e abundosa de minerios, região que ainda hoje podemos ver
+acompanha-la pelo trajecto da estrada real. As vias de communicação teem
+muitas vezes uma directriz fatal e tradicional através de longos tempos
+e povoadores successivos[15].
+
+Póde soffrer destruição o caminho, sem estancar a arteria de communicação.
+
+A actual estrada real ou de macadam foi ainda, por assim dizer,
+decalcada pela anterior, a medieval, cujos restos subsistem nas pontes
+antigas de que os chorographos fallam. Esta orientou-se pela
+comprehensão das conveniencias, e afastou-se da embocadura do Vouga,
+seguindo a directriz mais economica e mais util; não direi ainda a
+directriz romana porque é o que pretendo demonstrar, mas a que era
+directriz tradicional, como vou explicar.
+
+
+VI
+
+Os castros ou montes habitados encontram-se precisamente no seguimento
+da via romana; os oppidos referidos pelos AA. antigos, as _brigae_, e as
+cidades romanizadas não são mais que uma evolução d'aquellas estancias,
+consoante as denominações que lhes applicaram[16]; era por
+essa corda alem, que o terreno baixo e plano da zona maritima começava
+de elevar-se. A estrada romana desenrolava-se por entre esses centros da
+habitação, abandonando ao lado um país chato, pouco firme e talvez quasi
+invio.
+
+Do sul para o norte _Anadia_ está situada nas abas de um monte de
+_Crasto_ (Pinho Leal e M. Gomes).
+
+_Agueda_ está tambem perto de um _Crasto_ (Pinho Leal).
+
+Nas margens do Vouga, naquelle logar onde subsiste ainda a ponte
+medieval (Pinho Leal), encontra-se na aldeia de _Vouga_ um morro que foi
+castro (Brito e P.e Carvalho, II, 161); explica Francisco do Nascimento
+Silveira (_Mappa breve da Lusitania_, p. 239) que _Vacca_ existia em
+sitio forte por natureza, entre as pontes de Vouga e Marnel, porque alli
+se vêem vestigios de muros antigos e sinaes de uma majestosa grandeza;
+existem ainda tijolos, cantarias, muralhas em _Lamas de Vouga_ (_Arch.
+Port._, V, 50 e VII, 191)[17], e havia ahi a _civitas Marnele_ (_Port.
+Mon. Hist._, «Diplom. de Chart.», n.º 819)[18], cuja origem deve ter
+sido outro castro.
+
+Na carta geodesica vê-se, junto ao rio, um _Castello_ (111). Isto é
+ainda do concelho de Agueda[19].
+
+Na freguesia de Serem, tambem concelho de Agueda, outra _civitas_
+(Viterbo, s. v. _Cidade_); ha lá sitios elevados a norte e a sul (Cfr.
+M. Gomes).
+
+Na freguesia da _Branca_ ha um logar de _Cristellos_ (M. Gomes e _Arch.
+Port._, II, 313).
+
+Na serra de S. Julião, mesma freguesia, _onde passa a estrada real_, diz
+o Sr. M. Gomes que ha ruinas de muralhas e fossos: acreditava-se (_Arch.
+Port._, loc. cit.) que ahi era a antiga _Langobria_ (sic). Não sei se é
+precisamente o mesmo local a que Brito (_Mon. Lusit._, II, V, p. 3)
+chama castello de _S. Gião_, onde havia ruinas de muros e elle encontrou
+o tal padrão suspeito e onde presume _Lancobriga_, não na Feira, diz,
+mas entre Albergaria e Bemposta, defronte de Pinheiro. Significativa
+confusão! Aquelle logar de _Cristello_ vem na carta geodesica entre
+Estarreja e a estrada real[20].
+
+Na freguesia de Ul ha outro castro (_aldeia do crasto_), de que porém
+não conheço o _ubi_. Tem uma cintura de muralha de pedra solta ou cousa
+que o valha. (Pinho Leal, s. v. _Ul_).
+
+Nas proximidades de Azemeis parece que não são escassos estes monumentos
+(_Quatro Dias na Serra da Estrella_, por E. Navarro, Porto 1884, p. 174).
+
+Em _Ossella_ ha um castro com ruinas de muralhas (Brito, _loc. cit._).
+
+Entre _S. Martinho_ e _S. Tiago_ vê-se na carta geodesica um _crasto_, a
+O. da estrada real; isto é no parallelo de Ovar. Será aquelle a que
+Pinho Leal chama Castro Troncal ou Francal (s. v. _C. de Cucujães_)?
+
+No _Arch. Port._, VI, 68, diz-se que ha em Oliveira de Azemeis um logar
+de _Lações_, onde foi a antiga Lancobriga (_sic_), porque ahi se ajustam
+as medidas do Itinerario e não na Feira ou Bemposta. Este sitio é
+elevado e estrategico; a sua cota é de 287 metros e fica na fronte de um
+promontorio fechado por duas ribeiras e no extremo de uma chapada em
+cujo prolongamento se conta ainda a altitude de 274 metros. É, pelo que
+se vê, um _castro_. _Lancobriga_ e que não.
+
+Em _Macieira de Cambra_ ha um castro (_Arch. Port._, VII, 54)[21].
+
+Em _Romariz_ informa o Sr. M. Gomes que ha um _Crasto_, onde appareceram
+antiqualhas da epoca romana; o que é presumivel e prova ter recebido a
+influencia dos seus conquistadores.
+
+Os antigos chorographos portugueses não teem dado valor aos cabeços
+elevados, onde se encontram os vestigios do que póde ter sido um castro,
+uma citania, emfim uma estacão archeologica pre-romana, e isso não
+admira; mas o facto é esse e constitue uma deficiencia na descrição dos
+logares, que actualmente seria imperdoavel, e que, num caso como o que
+estou versando, sonega lamentavelmente elementos aproveitaveis de estudo.
+
+Junto ao mar, e bastante para o norte, em Esmoriz, encontro menção de um
+castro, especializado hoje pelo erudito estudo que d'elle fez
+documentalmente o meu erudito amigo Sr. Pedro de Azevedo (_Arch. Port._,
+III, 137). Era o castro de _Aville_, _Ouvil_, _Ubile_ e _Obil_,
+denominações que se applicavam á lagoa que ainda existe, e que elle
+dominava. Crê o distincto publicista que aquelle castro é o mesmo
+outeiro a que o parocho depoente de 1758 chamou _Monte do Murado_,
+pertencente á freguesia de S. Martinho de Mozellos. Fico porém em
+duvida, pois que estando o castro _prope litore maris_ (Docs. de 1055,
+1076) bem como a lagoa (Docs. de 1057 e 1090), Mozellos parece um pouco
+afastado para o interior. Confessando que, sem a inspecção dos logares,
+a base é instavel, em todo o caso affiguram-se-me aqui dois castros
+distinctos.
+
+Em S.ta Maria de _Fiães_ apparece outro castro ou «povoação de Mouros»
+(_Arch. Port._, IV, 250).
+
+E d'ahi para o norte, são frequentes na faixa atravessada pelo caminho
+romano. Será algum d'estes castros o jazigo de Langobriga?
+
+Este inventario, tendo origem, como tem, exclusivamente bibliographica,
+não póde deixar de ser omisso. A averiguação local e a informação
+competente accrescentá-lo-hiam, se eu d'estes dois factores me tivesse
+soccorrido. Para o meu intento, o pouco que joeirei, era colheita bastante.
+
+
+VII
+
+Alem d'estas averiguadas condições de habitabilidade que se encontravam
+no trajecto da via romana e que, em meu entender, conjugadas com as da
+elevação e relevos de terreno, que para as populações ante-historicas
+constituiam uma necessidade vital, concorreria tambem, não sem ligação
+com ellas, a existencia de jazigos metalliferos.
+
+Nem todas as minas que enumero seriam conhecidas na antiguidade, mas em
+algumas ha vestigios da remota laboração e o que tudo attesta é que a
+região era mineira e portanto centripeta de populações.
+
+Os locaes explorados são Telhadella, Albergaria, Palhal, Milheirós,
+Cucujães, Nogueira, Ossella, Palmás, Carvalhal, Pindello, Silva Escura,
+Ul, Talhadas, Braçal, Coval da Mó, Malhada.
+
+Os minerios são cobre, tão procurado na antiguidade, chumbo, prata, etc.
+
+D'estes jazigos, aquelle em que são mais importantes os vestigios de
+antiga lavra, é o da Malhada, uma das concessões das chamadas Minas do
+Braçal. As madeiras de entivação, que foram encontradas dentro da mina,
+denotam tal antiguidade que parecem fossilizadas, em consequencia da côr
+negra que adquiriram. Os trabalhos antigos attingem a profundidade de 45
+metros (_Catalogo Descriptivo da Secção de Minas_, pelos Srs. Severiano
+Monteiro e J. Augusto Barata, p. 188).
+
+A respeito dos outros, a noticia de antiga exploração é muito vaga para
+que me seja licito insistir. Nas minas de Palhal tambem ha vestigios
+antigos. (Cfr. Marques Gomes, _Districto de Aveiro_).
+
+
+VIII
+
+Que se póde concluir das considerações que até aqui tenho encadeado?
+
+Por um lado, o estudo do Itinerario levou-me a aventurar na carta
+geographica, largamente circunscritas, as zonas em que o calculo faz
+presumir que se devem encontrar as ruinas de Talabriga; por outro lado,
+a inquirição topographica e onomastica da região, tanto quanto era
+possivel com a escassez de elementos, indicou-me alguns logares de
+archaicas estações archeologicas do genero da que deve ter sido
+Talabriga, como castro ou oppido submettido ao poder de Roma.
+
+Quero lembrar que _briga_ só póde corresponder a uma posição elevada, a
+um outeiro ou cabeço fortificado; por onde Talabriga nunca pudera ser
+Aveiro ou arredores (Vid. _Arch. Port._, XII, 42).
+
+Relançando novamente o olhar ao mappa, poder-se-há notar que a zona
+attribuivel á situação de Talabriga[22] não está erma de
+castros, antes nella se dão varias circunstancias que não posso deixar
+de aproveitar para a minha these conjectural.
+
+_Branca_ é uma freguesia cuja séde fica na margem direita de Caima e que
+é cortada pela estrada real; ha nella um logar de _Cristellos_, que só
+pelo toponimo demonstra a existencia de um castro ou oppido. Mas alem
+d'este, infere-se do Sr. Marques Gomes, de Fr. Bernardo de Brito (_loc.
+cit._) e d-_O Arch. Port._ (II, 313, «Mem. Parochiaes») que ha um local
+sito na serra de S. Julião, atravessado pela estrada real e que Brito
+mais claramente chama _castello_ de S. Gião (_castello_ por _castro_),
+no qual, segundo aquelles tres testimunhos, ha ruinas de muralhas e
+fossos, que o Sr. M. Gomes presume serem ruinas de uma _atalaia_ e que o
+parocho das _Memorias_ tambem capitula de vestigios romanos,
+acrescentando muito singularmente (note-se bem o que isto póde
+significar) que ahi esteve... _Langobria_ (_sic_). Foi aqui que Brito
+diz ter encontrado a tal pedra de _letras mal distinctas_ de que não
+affiança a leitura, mas que lhe pareceu _padrão de estrada_.
+
+E aqui tem cabimento o que já atrás deixo dito, para absolver de fraude
+consciente a noticia archivada em Fr. Bernardo de Brito.
+
+Parece-me pois ser neste aro, se não neste mesmo ponto, que se deverá
+procurar o jazigo, não de Langobriga, mas da nossa Talabriga, e é
+precisamente a estas immediações que o compasso me levou ao medir sobre
+a carta a primeira secção da via romana de Coimbra a Gaia[23].
+
+Não desconheço quanto de problematico isto tem antes de serem
+perguntados pelo archeologo os logares, as ruinas, os vestigios e os
+montes e as vozes da região, mas nem por isso o meu espirito deixa de
+ficar demonstrado, até o possivel, que as cinzas de Talabriga nunca
+podem estar guardadas em Aveiro. As coincidencias que acabo de notar,
+não são bases frivolas.
+
+Só pois a inspecção directa do terreno, nas immediações da Branca,
+poderá concorrer para confirmar ou destruir a minha conjectura.
+
+D'esta região para o norte, a via romana seguiria até Cale, mais ou
+menos proxima do actual leito da estrada real; só alguns vestigios ou
+referencias de documentos, como os de Grijó, e a inquirição dos logares
+e tradições poderão concorrer para precisar a trajectoria d'aquella
+antiga via de communicação; o caso em si, porém, é indifferente para a
+questão primacial que motivou este estudo. O que é certo, é que a
+estrada romana sulcava a faixa comprehendida entre a estrada real e a
+linha ferrea até o vertice de Gaia.
+
+Ao sul de Branca e Albergaria, a directriz da via militar sente-se
+escalonada nos vestigios medievaes que deixei explanados nas paginas
+anteriores. _Albergaria_ denota bem que o sitio era de assiduo e antigo
+transito (Viterbo, _Elucidario de palavras_, etc. s. v. _Albergaria_)
+ponto necessario de passagem para quem do sul buscava o norte do país.
+As _mansiones_ tinham o caracter de pousadas.
+
+Em tempos de lazer para obras de piedade, é que a instituição caritativa
+se fundou, como implemento de uma necessidade que já existia.
+
+As pontes de Vouga e Marnel são indicios bem importantes da frequencia
+das viagens através d'esta parte da região, afastada da costa baixa e
+paludosa. São decerto obras da idade media, dos _mouros_, diz Pinho Leal
+(s. v. _Marnel_ e _Vouga_). Mas os indicios pre-romanos e romanos
+soletram-se nessas ruinas de muralhas, pedras lavradas, vestigios de
+edifícios e toponymia, que os cabeços de Vouga e Marnel nos conservam,
+segundo descrevem Brito, Pinho Leal e os parochos do sec. XVIII nos
+extractos publicados pelo _Archeologo Português_.
+
+
+IX
+
+O sentimento de Gaspar Barreiros (_Chorographia de alguns logares_,
+MDLXI, p. 48 sgs.) era que a situação de Talabriga devia ser a actual
+Cacia, especialmente na igreja de S. Julião, onde apparecem vestigios
+antigos. Varios autores o seguem.
+
+As razões d'este illustre escritor do sec. XVI merecem alguma discussão.
+
+Barreiros funda-se no Itinerario e conta, no sentido d'este roteiro, as
+milhas de Conimbriga para o norte. E por confirmação d'este argumento,
+traz o passo de Plinio que eu já transportei a este estudo, mas com uma
+differença que elle tomou de um archetypo Toletano (p. 51), declarando
+porém que alguns exemplares de Plinio não são accordes com aquelle. A
+lição citada é pois esta: _A Durio Lusitania incipit, Turduli veteres,
+Pesuri, flummen Vacca, oppidum Vacca, oppidum Talabrica, oppidum et
+flumen Minium_, etc. Esta variante demonstra a existencia de uma cidade
+_Vouga_, que G. Barreiros colloca na Ponte de Vouga (p. 50 _v_). Algumas
+cartas antigas reflectem esta indicação. Isto posto, G. Barreiros leva a
+contagem de Conimbriga para Talabriga por espaço de 50 milhas, o que é
+exacto, espaço que elle computa equivalente a 12,5 leguas e enumera:
+
+ De Condeixa a Coimbra 2,5 leguas
+ De Coimbra á Mealhada 3,5 »
+ Da Mealhada a Avellãs 2 »
+ De Avellãs a Agueda 2 »
+ De Agueda á Ponte de Vouga 1,5[24] »
+ De Ponte de Vouga a Cacia 1 »
+ 12,5
+
+«Na qual villa & igreja de sanct. Juliã nas ribeiras do Vouga situadas,
+se acham vestigios antigos, s. os fundam[~e]tos de h[~u]a torre que na
+memoria dos hom[~e]s inda staua quasi inteira, onde era outro tipo
+segundo ficou fama de h[~u]s em outros chegauam nauios da foz do mar,
+porque inda ali se acharam pedaços d'elles & anchoras iuncto da dicta
+torre em h[~u]a lagoa Afora muitos vestigios & ruinas d'argamassa que
+dentro em seu ambito cõprehende h[~u]a milha pouco mais ou menos» (p. 50).
+
+A não ser que tenhamos de recorrer a uma mudança da primitiva situação,
+nós temos de procurar em Talabriga a cidade preromana, que no sec. II a.
+C. Decimo Junio Bruto reduzia á miseria e á impotencia, segundo narra
+Appiano. E esse oppidum teria que possuir condições estrategicas
+identicas ás dos outros castros preromanos, taes como elles nos acenam
+que foram escolhidos pelas populações proto-historicas; teria que
+justificar o proprio designativo de caracter celtico _briga_--altura
+fortificada.
+
+Creio poder affirmar que nada d'isto se encontra em Cacia. Alem d'isto o
+proprio G. Barreiros, no dizer que, entre os vestigios antigos,
+sobresaía uma torre, que ainda andava lembrada, e se topavam «ruinas de
+argamassa», quasi estabelece uma chronologia, porque taes vestigios não
+podem ser anteriores aos romanos; poderão attribuir-se menos á sua epoca
+que ás posteriores. Para a contemporaneidade, teriamos que admittir e
+demonstrar uma deslocação do primitivo assento de oppidum, como vimos;
+se esses vestigios se affectam ás epocas successoras dos romanos, o
+facto sae para fóra do problema e d'elle me não posso occupar.
+
+O principal estorvo, porém, que a opinião de Barreiros encontra, é
+aquelle que eu quis descobrir e evitar, quando ajustei a medição do
+itinerario a contar de Cale para o Sul e não de Aeminium para o Norte.
+Evitei assim o erro de cair em Aveiro, em Esgueira e agora em Cacia,
+onde muito bem podia ir passar com o roteiro romano nas mãos.
+
+Isto illumina-se á luz da carta. Barreiros vem seguindo, com os ouvidos
+na tradição do seu tempo, o leito do caminho romano (dito mourisco) pela
+Mealhada, Agueda, até á ponte de Vouga, e até aqui bem elle vem; chegado
+porém a esta altura, desnorteia-se e inflecte para Oeste para fazer a
+primeira estação de Itinerario em Cacia, imaginando-se em Talabriga.
+Kilometricamente, creio não haver que lhe objectar. A distancia da ponte
+de Vouga a Cacia é proximamente igual á que entre o mesmo ponto se nota
+e a linha-zona _TT_, que eu determinei. Portanto não falseava o illustre
+chorographo quinhentista a tabella do Itinerario, isto é, as 50 milhas
+desde Condeixa (Conimbriga).
+
+Mas a precaução de começar a contagem de Cale para Talabriga, obsta ou
+impede aquella inflexão e obriga a trazer o caminho numa directriz mais
+desempenada para a ponte de Vouga. Volvendo os olhos á curva _TT_ do
+mappa, ver-se-ha que Cacia lhe fica a distancia grande porque, com este
+desvio da trajectoria normal, a medição romana perdeu espaço, atrasando-se.
+
+Se não fosse este meio de verificar o erro, era possivel a desorientação.
+
+Creio, pois, ter demonstrado pela ethnographia e pela geometria
+topographica que Talabriga não póde ser collocada em Cacia, quer se olhe
+á Talabriga preromana ou protohistorica, quer á romana ou historica; á
+Talabriga de Appiano e D. J. Bruto ou á da epoca imperial e do Itinerario.
+
+
+X
+
+Como, segundo se infere de Appiano (vid. adeante), o oppidum de
+Talabriga continuou a ser habitado depois da sua rendição no sec. IV a.
+C. e emfim ainda existia no sec. IV d. C., poderia succeder que elle
+conseguisse resistir á vinda dos barbaros, e chegar ao dominio dos
+arabes. Convinha pois consultar a geographia arabica, e o nome de
+Edrisi, geographo do sec. XII, impunha-se-me logo.
+
+O que das suas differentes traducções se conclue, não é nada claro para
+mim que ignoro o arabe, mas poderá auxiliar o estudo da questão por
+parte dos arabistas.
+
+Ha uma edição de 1619 (Paris) com o titulo de _Geographia Nubiensis_,
+que quero pôr em confronto com a traducção de Amédée Jaubert
+(_Géographie d'Edrisi_, Paris 1840).
+
+Edrisi descreve dois caminhos de Coimbra a Santiago de Compostella: um
+por terra, outro por mar.
+
+
+Caminho por terra
+
+ _Ed de 1619_ (trad. lat)
+
+ «Iter autem terrestre a _Colimria_ ad _S. Jacobum_ est hujusmodi: a
+ _Colimbria_ ad oppidum _Aba_ stationis habetur intervallum. Ab _Aba_
+ ad oppidum _Vatira_ statio. Ab hoc ad primos terminos regionum
+ Portugalliae, statio, pergit que iter secans terram Portugalliae
+ spatio diei, ibique conspicitur oppidum _Bonacar_ ad ripam fluminis
+ _Durii_, quod est flumen Samorae, atque illic trajiciendum cymbis ad
+ hoc paratis. Ab oppido ad amnem Minio, indeque ad castellum Abraca
+ LX M. P. duae videlicet stationes. A castello _Abraca_ ad castellum
+ _Tui_ stationes duae».
+
+ ---
+
+ O editor de 1619 diz que não ha medida certa para as _stationes_,
+ expressão que se referia a pousada dos viandantes. As _stationes_
+ justas eram de 25 milhas, mas algumas tinham mais, outras menos.
+ Parece que seria o espaço que se poderia percorrer em um dia.
+
+
+ _Ed. de 1840_ (trad. fr.)
+
+ «O itinerario por terra de Colomria (Coimbra) a S. Tiago é como
+ segue: de _Coimbra_ a _Abah_ (Ribadavia) (!) aldeia, uma jornada. De
+ _Abah_ a _Uetaria_ (Huctaria) (?) aldeia, uma jornada. D'ahi á
+ fronteira de Portugal, uma jornada. O caminho vae através das terras
+ de Portugal durante uma jornada, ao fim da qual se chega a
+ _Buna-Car_, aldeiasinha nas margens do _Douro_, que é o rio de
+ Zamora. Passa-se o rio em barcos proprios para isto. D'este logar ao
+ rio _Minho_ ou antes ao forte _Abraça_ (insua de Caminha) (?) 60
+ milhas ou duas jornadas. Depois _Tuia_ (Tuy) cidade pouco notavel,
+ mas bella e numa região fertil, duas jornadas» (II, p. 232)
+
+ ---
+
+ No texto francês, ao vocabulo _statio_ corresponde _journée_, que eu
+ traduzi por _jornada_ (de um dia).
+
+
+Temos aqui duas traducções do texto arabe, uma em frente da outra, e a
+verdade é que sufficientemente se correspondem. O principal para o meu
+fim seria a localização das estações de Edrisi; neste ponto o traductor
+francês apenas conserva intemeratamente as tradições dos estrangeiros
+quando, fallando ou escrevendo, debicam na nossa geographia.
+
+Nem ao diabo lembra que a Coimbra se siga... _Ribadavia_!
+
+A primeira estação ao deixar Coimbra é _Aba_ (ed. 1619) ou _Abah_ (ed.
+1840). Poderá corresponder a _Agueda_? Jaubert desejaria falar em
+_Riba-d'Agueda_! É provavel.
+
+A segunda estação foi interpretada por _Vatira_ (ed. 1610) e _Uetaria_
+(ed. 1840). Não sei identificar esta localidade, assim desfigurada.
+
+Em seguida a isto, se na versão latina parece haver uma incongruencia,
+ella desapparece na traducção francesa. Através das terras de Portugal,
+chega-se com um dia de viagem ás margens do Douro. Isto parece ser bem o
+tradicional caminho que entesta na foz do Douro.
+
+Não diz o geographo arabe em que ponto da margem do Douro ficava _Bona_
+ou _Buna-car_, expressão que não sei reconhecer, mas parece-me que deve
+ser a embocadura d'este rio, e é a seguinte a razão. Diz Edrisi que de
+_Bona-car_ ao rio Minho são 60 milhas; ora, numa pagina anterior (p.
+227) elle conta da foz do Douro á do Minho as mesmas 60 milhas. Portanto
+creio que _Buna-car_ era aproximadamente em Gaia, onde depois o rio se
+atravessava em barcos[25].
+
+Descrevendo o mesmo _caminho por mar_, isto é, a viagem de Coimbra a
+Santiago, o primeiro ponto onde diz que se abica, é a foz de
+_nahr-Budhu_ (rio _Vadeo_, traduz A. Jaubert!) que corresponde ao Vouga,
+rio, acrescenta, consideravel, onde entram embarcações grandes e
+pequenas (II, 227). Esta aclaração parece indicar que naquelle tempo a
+foz do Vouga e o lago interno serviam a uma navegação bastante activa.
+Quanto ao relacionamento da antiga Talabriga com alguma das estações do
+caminho medieval descrito por Edrisi, nenhuma conclusão posso tirar com
+segurança.
+
+Com muita probalidade porém se infere d'isto que o caminho frequentado
+então devia ser o que hoje corresponde á estrada real com a passagem nas
+pontes medievaes de Vouga, mas emquanto não se fixarem estes dois ponto;
+duvidosos, localização muito verosimil de _Aba_ ou _Abah_ em Agueda e
+incerta de _Vatira_ ou _Ueturia_, o testemunho do geographo arabe apenas
+serve seguramente para localizar as testas d'este caminho, estabelecer
+com grande plausibilidade a tradição do caminho historico pela orla das
+montanhas e revelar-nos o movimento commercial da foz do Vouga.
+
+
+XI
+
+Tratando-se pesquisa dos vestigios da via romana _ab Aeminio ad Calem_,
+o testemunho de Viterbo (_Elucidario_, s. v. _Estrada mourisca_) devia
+ser ponderado. Diz este illustre antiquario que, nos documentos de
+Grijó, se fazia larga menção de propriedades que ficavam umas da parte
+de cima, outras da parte de baixo da estrada mourisca. No anno de 1148,
+Trutesindo doa ao celebre mosteiro o que possuia em Brantães e em S.
+Felix _subter illam Stratam Mauriscam, discurrente riuulo Cerzedo_.
+
+Acrescenta o sabio antiquario que a estrada era mourisca por ter sido
+aberta pelos Mouros, que abandonaram a romana que vinha ali a passar
+entre Lancobriga e o mar, pois que com o rodar dos annos a costa se
+entupira e alteara por causa das areias e os rios estagnados não só
+esterilizaram os campos, mas fecharam a passagem dos caminhos. E mais
+depõe Viterbo que a estrada mourisca ia do Porto a Agueda por Azemeis,
+Albergaria, Vouga, etc.
+
+Antes de mais: notemos esta opinião corrente, esta tradição, tão
+concordante com o que eu já procurei accentuar, de que a tal estrada
+_mourisca_ descia do Porto a Agueda precisamente por Azemeis, por
+Albergaria e por Vouga.
+
+Que Viterbo lhe chamasse _mourisca_ não é de espantar; era a voz popular
+que ainda hoje nos falla de Mouros sempre que tem de referir-se a povos
+muito antigos, preromanos, romanos, barbaros, etc[26].
+
+Mas o documento de 1148 já tratava de mourisca uma obra que não podia
+ser dos Sarracenos, a esse tempo ainda no sul de Portugal. Creio não se
+poder sustentar que a estrada que passava em Cerzedo era construida por
+arabes; aproveitada sim, porque sendo o caminho que elles ainda
+encontravam á sua disposição, devia ser aquelle que inundavam do terror
+das suas algaras.
+
+Em que elementos se estribava Viterbo para dizer ainda que a mesma
+estrada mourisca tocava em Oliveira de Azemeis, Albergaria, Vouga e
+Agueda? Confesso que não os conheço, a não ser que a memoria e o uso
+d'este caminho tradicional se perpetuassem através de tantos seculos e
+tão profundas transformações sociaes.
+
+Informa Pinho Leal que na freguesia da Trofa (concelho de Agueda) ha
+ainda o logar de _Mourisca_, á margem da estrada, e que o nome lhe veio
+d'esta. Traduzindo _mourisco_ em _romano_, póde ser acertada a
+supposição. Isto transcreveu-o elle de Viterbo, s. v. _Estrada_.
+
+Mais expressivo é o tópico de um sitio, perto de Lamas e junto da
+estrada real; chama-se elle _Fundo da rua_. Tal rua não é outra senão a
+via romana. Esta explicação affere pela que dá o _Corpus_ (II. p. 363)
+com referencia a uma freguesia de Santo Estevam da Rua, onde passava uma
+estrada romana (_oppido quod a via romana nomen duxit_). A 3:500 para O.
+da Feira ha um sitio chamado _Rua Nova_. Aqui é que só a inspecção dos
+logares poderia indicar-me o significado d'este tópico.
+
+Num escritor estrangeiro do sec. XVIII, lê-se uma descrição litteraria
+do caminho através do campo de Aveiro, que só se entende se o
+suppusermos encostado ás montanhas de leste, permittindo que se
+descortine para a banda do mar toda aquella immensidade de terras
+feracissimas que aquelle autor olhava como planicie encantadora
+(_Annales de l'Espagne et du Portugal_, Alvares de Colmenar, Amsterdam
+1741, p. 253).
+
+Isto demonstra que a estrada real de hoje é um caminho velho e
+tradicionalmente batido para ligar Coimbra ao Porto.
+
+Nos _Port. Mon. Hist._ não se encontram referencias mais claras do que
+esta de Viterbo e as que adduzi em nota, á antiga via romana. Compulsei
+bastantes documentos d'aquella publicação e nella encontrei variadas
+referencias a caminhos, mas em termos d'onde não se podia concluir cousa
+alguma que indicasse o conhecimento da existencia de uma estrada da
+epoca romana, considerada como tal[27].
+
+
+XII
+
+Um esclarecimento dá Viterbo que é exacto e tem importancia para a
+historia d'esta região tributaria dos esteiros vacuenses.
+
+Retiro-me ao «entupimento» da costa que com o rodar dos annos se foi
+alteando e ao «estagnamento» dos rios que esterilizava os campos e
+fechava os caminhos. Esta acção do mar na costa de Aveiro tem sido um
+problema technico e administrativo extremamente complicado para os
+governos portugueses, não só pelas condições commerciaes de Aveiro, mas
+pelo estado sanitario de toda esta região. O coração d'este problema é a
+barra do Vouga.
+
+É difficultoso dizer o estado d'esta embocadura nos tempos que
+interessam ao presente estudo. Tenho lido que, na epoca romana, entravam
+a foz do Vacua embarcações de grande arqueamento (_Os portos maritimos
+de Portugal_, pelo Sr. Adolfo Loureiro, II, 3). Não sei que fundamentos
+póde ter esta asserção, que em todo o caso é relativa á tonelagem dos
+antigos navios.
+
+Os geographos antigos que se referem a este rio lusitanico, não dizem
+cousa d'onde se possa inferir a sua capacidade para grandes embarcações,
+como aliás se tem escrito.
+
+O mais explicito é Estrabão (_Geographia_, liv. III, III), que vertido a
+latim, diz: _Deinceps post Tagum nobilissima flumina sunt Muliadas,
+parvas habens navigationes. Itidem Vacua fluvius, post quos Durius longo
+fluens cursu_, etc. O geographo grego iguala o Mondego (_Muliadas_) rio
+de navegação diminuta, ao Vouga, da mesma fórma (_itidem_) estuario de
+diminuta navegação. E tanto mais é esta a natural hermeneutica, que o
+contraste é frisante com a importancia do Douro, _longo fluens cursu_.
+Estrabão escreveu no sec. I a. e d. de C.; como póde affirmar-se que no
+tempo dos romanos entravam o Vouga embarcações de longo curso e a sua
+foz era um porto de grande commercio e muita prosperidade?
+
+Ora isto vem ao intento de eu pretender que no surgidouro do Vouga não
+havia nos primeiros seculos, pelo menos da epoca romana, povoação de
+vulto que determinasse uma passagem forçada na via militar e um desvio
+da natural directriz _ab Aeminio Calem_. E para um porto de tamanho
+trafego, era pouco um simples _vicus_.
+
+Temos pois a affirmação estraboniana[28]. E antes?
+
+Menos ainda. Diz-se que em algumas minas da região metallifera de
+Entre-Vouga-e-Caima tem apparecido vestigios de antigas laborações.
+Apesar da falta de precisão chronologica nesta noticia, póde presumir-se
+o facto até para a epoca preromana. E neste caso, a via fluvial seria a
+mais pronta saida do mineiro para o commercio externo.
+
+Mas um óbice encontro agora. Seria consequente que este trafico
+determinasse a formação de um povoado á beira-mar ou na enseada
+interior. A essa gente faltaria, porém, uma cousa, que se lhes tornára
+tão indispensavel, como o pão para a boca: era a segurança pessoal, era
+o ninho de aguia. Com as planuras não se queriam elles. A não ser que
+deroguemos os conhecimentos adquiridos no que até agora se tem encontrado.
+
+Alem disto, que motivos ha para tirar effeíto tambem retroactivo á
+noticia de Estrabão?
+
+Um primorosissimo escritor[29], filho de Aveiro, evita, com
+exemplar abnegação patriotica, o problema archeologico da origem
+preromana da sua terra natal, mas propende á presumpção de que algum
+povoado assentaria antigamente na foz do Vouga os seus lares. E enfeixa
+o illustre homem de letras duas razoes: 1.ª, a geographica; 2.ª, a da
+exploração do sal. Aquella parece-me menos conciliavel com a
+ethnographia dos povos a que se deseja alludir, como notei. E esta? Para
+o commercio, quer interno quer externo, temos ainda o mesmo senão. Os
+marnôtos d'aquelle tempo onde se acoitariam[30]?
+
+Que, posteriormente a Estrabão, as _parvae navigationes_ crescessem em
+numero e tonelagem não é impossivel, porque a vida social começava já a
+fervilhar nas planicies.
+
+E a industria do sal, cuja utilização aliás já data dos tempos
+neolithicos, poderia commercializar-se (perdão para o neologismo) d'essa
+epoca em deante, se tomarmos por base da hypothese o caracter latino da
+technologia[31] e o que sabemos por aquelle geographo da
+importancia das salgas (_Geographie de Strabon_, por Am. Tardieu, 1886;
+III-IV-2). Mas então já a via militar _ab Aeminio ad Calem_ lá estaria
+antes de ser necessaria, se necessaria se pudesse considerar por motivo
+do commercio externo, num porto afastado da linha natural de
+communicação e posto em duvida pelo silencio dos textos, como vimos.
+
+Do que o Vouga seria na idade media possuimos o testemunho do geographo
+arabico Edrisi (_Géographie d'Edrisi_, trad. de P. Amédée Jaubort. Paris
+1840 II, 227).
+
+O nosso rio foi transposto para aquella lingoa por uma palavra que A.
+Jaubert representa na graphia francêsa por _Boudhou_ (ou==u); e assim
+conforme o texto arabico vemos que o _nahr-Budhu_ é um rio consideravel
+onde navegam embarcações grandes e pequenas, e a navegação se estende a
+70 milhas da sua foz. Agora já começamos a entrever uma população
+occupada no trafego maritimo.
+
+A diplomatica tambem proporciona alguns elementos de estudo
+relacionaveis com este, mas propriamente esta epoca já não interessa á
+questão posta.
+
+Há porém, uma cousa que não posso omittir.
+
+É o documento n.º LXXVI dos _Port. Mon. Hist._, «Dipl. et Chartae», onde
+se lê a fórma medievica de Aveiro, a qual é _alauario_, o que só por si
+desmorona as hypotheses etymologicas a que varios chorographos se tem
+apegado, mas revela pela primeira vez a existencia de uma povoação onde
+hoje é Aveiro (assim tambem _Talabario_ e _Táveiro_. Doc. CXXVIII).
+
+O trabalho do mar e das aguas na desintegração de um subsolo brando e a
+força do vento nos areaes movediços devem ter sido causa perenne e
+inflexivel dos açoreamentos e obstrucção da navigabilidade[32]. O factor
+é antigo, tão antigo quanto o póde ser, por maneira que aquella região
+nunca teve, fóra das epocas geologicas, outra face topographica muito
+diversa da dos nossos dias[33]. É presumivel que elevadas florestas
+forrassem com sombras impenetraveis toda essa immensa orla limitada pelo
+mar a Oeste e pelas montanhas a E., na região e na epoca de que me
+occupo[34] como em outros pontos suppôe o Sr. Alberto Sampaio
+(_Portugalia_, II, 215, art. cit.); mas isso não importa acreditar a
+possibilidade da via romana por terrenos de tal especie.
+
+Informou-me o distincto engenheiro Sr. Mello de Matos, que, ao
+proceder-se aos trabalhos de construcção de uma ponte nas proximidades
+de _Vagos_, se encontrou encastoado nas areias o cavername de um navio,
+que infelizmente não foi estudado. Na _Esgueira_, achara-se outro.
+
+Narra Pinho Leal que ha annos em Vagos se descobriu uma ponte sobre um
+ribeiro que a areia das dunas entupiu completamente. Escusado é
+acrescentar que a ponte foi logo capitulada de _romana_, nada menos.
+
+Estes factos não tem sido apenas recentemente verificados. Já vimos num
+trecho, que desatei do nosso Gaspar Barreiros (p. 50) que pelas alturas
+de Cacia se tem encontrado, submersos na terra, cascos de navios e
+ancoras, o que radicou a crença de que as embarcações chegavam ate ahi
+em tempos antigos. Esta apreciação já é do sec. XVI.
+
+D'este millenario ha um mappa, publicado por Abrahão Ortelius, onde se
+reconhece nitidamente a bacia de Aveiro. (Vide _Theatrum orbis
+terrarum_, já citado a pag. 132).
+
+Estes factos esclarecem o assunto e reatam a tradição de que os fundos
+da ria se vão alteando com a obstrucçâo nos esgotos das correntes
+fluviaes. Fr. Bernardo de Brito (_Monarchia Lusitana_, II. V. p. 130)
+diz que, do tempo d'elle, Aveiro, muito concorrida de gente de mar e
+pescarias, era cidade florescente[35].
+
+O Sr. Cons.º Luis de Magalhães tambem entende que, tendo ahi embarcado
+para uma jornada de Africa os terços da Beira, é porque o porto
+consentia a arqueação das caravelas.
+
+D'esta epoca ha mais elementos concordantes no movimento commercial de
+Aveiro e portanto no estado da sua barra. (Vid. _Os portos maritimos de
+Portugal_, pelo Sr. A. Loureiro, II, 3).
+
+O que Barreiros conta relativamente a Cacia, encontra-se repercutido num
+local situado muito mais acima sobre o Vouga. No sec. XVIII corria que
+em eras passadas ainda os navios subiam aquelle estuario até a antiga
+cidade de _Vacua_[36], onde depois foi a villa de Vouga e
+agora mero cabeço de Vouga (_Arch. Port._, VII, 191), que aliás tende a
+desapparecer, como desappareceu a de Marnel pelo impaludismo (Pinho
+Leal, _Port, Ant. e Mod._, s. v. _Vouga_).
+
+Esta noticia, porém, deve interpretar-se com uma informação mais
+minuciosa que encontro em uma obra de 1741 (_Annales de l'Espagne et du
+Portugal_, por Alvares de Colmenar, Amsterdam). Diz este A. que Aveiro é
+uma cidade bastante consideravel, situada na testa de um pequeno golfo
+que a maré estabelece na embocadura do Vouga. Este rio fórma um porto de
+limitadas dimensões, onde os navios mediocres, que não demandam senão 8
+ou 9 pés de agua, podem entrar na preamar, com a direcção de pilotos do
+sitio. Este A. já falla na grande producção de sal e nas fortificações
+constantes apenas de uma muralha flanqueada de algumas torres.
+
+Na lagoa de Esmoriz, de que falla um doc. do sec. IX, (_Port. Mon.
+Hist._, «Dipl. et Chart.», n.º XII), havia uma barra por onde entravam
+as caravelas em antigos tempos e depois se entupiu (_Arch. Port._, IV,
+144).
+
+O caso do cavername encontrado perto de Vagos liga-se com a noticia do
+sec. XVIII, transmittida pelas _Memorias Parochiaes_, segundo as quaes o
+braço da ria que existe entre Aveiro e Ilhavo dava antigamente fundo
+para caravelas e agora é vadeavel (_Arch. Port._, IV, 329).
+
+Em Mira, numa lagoa de agua doce, conta um informador que nella se
+encontram vestigios de casas, moedas e alicerces de uma parede ou
+caminho que a atravessou pelo meio. Alem disto, pelo norte e poente,
+tem-se açoreado (_Arch. Port._, V, 297).
+
+Quanto se póde deduzir d'estas noticias, o extenso delta vacuense tem
+sido invadido com trabalho successivo pelas areias que causam a
+obstrucção dos esteiros e a diminuição da navegabilidade. De nenhuma
+noticia, porém, se póde concluir que na epoca romana o aspecto
+topographico e a constituição orographica da região fosse tão diverso do
+que é actualmente, que a via romana lá pudesse passar preferentemente ao
+trajecto mais interno, na base da montanha, através dos castros e das
+minas.
+
+
+XIII
+
+De Talabriga temos uma das paginas da sua historia escrita por um autor
+do meio do sec. II d. C., Appiano de Alexandria.
+
+É certamente este um caso particular, mas não deverá deixar de ser
+considerado como uma amostra de dramas analogos que succederam com os
+oppidos lusitanos, no embate das cohortes romanas.
+
+Talabriga, escreve Appiano, era uma das cidades (da Lusitania) que mais
+frequentemente se revoltava. Esta falta de resignação, este, direi eu,
+germen de patriotismo ou melhor de municipalismo, não podia
+tranquillizar Decimo Junio Bruto, que julgou que o caso era de reclamar
+a sua presença no local da cidade. Partiu com numerosa gente, e ao seu
+apparecimento responderam os irrequietos Talabrigenses com supplicas e o
+seu incondicional abandono á discrição do conquistador. Então J. Bruto
+foi energico e insaciavel, mas ao mesmo tempo teve um lanço inesperado
+de generosidade. Quis fazer-lhes sentir primeiro a dureza cruel do seu
+braço de guerreiro, e para isso impôs-lhe a immediata entrega dos
+transfugas das hostes d'elle, certamente alliados dos romanos, a dos
+prisioneiros, a de todo o armamento e ainda por cima exigiu refens.
+Depois chegou a ordenar-lhes que abandonassem a cidade com suas mulheres
+e filhos. Parece que o prestigio militar de J. Bruto não valia menos que
+seu tino de politico e conquistador. Os Talabrigenses aprontaram-se para
+obedecer alli mesmo. Mas o capitão romano queria compor-lhes um quadro
+que lhes impressionasse perduravelmente a imaginação. E ia espreitar o
+effeito produzido.
+
+Desdobrou em circulo as suas tropas e, agglomerando dentro a chusma dos
+habitantes humilhados, arengou-lhes. Fez-lhes perceber que não receava a
+sua turbulencia indomita, porque quantas vezes desertassem, outras
+tantas elle viria combatê-los e reduzi-los com a necessaria firmeza,
+incutido assim o receio e a convicção de que no momento adequado, J.
+Bruto cairia sobre elles com toda a energia, o general romano quebrantou
+a sua ira, satisfeito com estas objurgatorias. Mas não sem que lhes
+tomasse os cavallos, os mantimentos, os dinheiros da cidade com todo o
+outro material publico[37]. Isto era claramente deixá-los na
+impotencia e até na penúria. E por fim J. Bruto, contra tudo quanto os
+Talabrigenses podiam já esperar (_pratter spem_), restituiu-lhes a
+cidade para nella continuarem a habitar. Isto passava-se já meado o sec.
+II, antes de Christo (138 a. C).
+
+Feito isto, o conquistador regressou a Roma.
+
+Esta pagina da conquista da Lusitania é tanto mais importante quanto é,
+com igual individuação, a unica que nos resta de historia escrita dos
+oppidos lusitanos, e, embora narre um só episodio da guerra da
+conquista, não deixa de ser elucidativa.
+
+Quando li este trecho de Appiano (_Appiani Alexandrini Rom. Historiarum
+quae supersunt_. Parisiis. F. Didot. MDCCCXL), confesso que senti
+amargura por não podermos ainda ir conversar na região do Vouga com as
+ruinas da cidade onde estes successos crueis se desfiaram, e segredar ás
+cinzas d'aquelle abrasado patriotismo que o mesmo sentimento, que
+chammejou nesses lusitanos insoffridos, ainda se não arrefentára com o
+soprar sobre ellas de vinte vezes cem invernos, e em mais de um dia, já
+da nossa existencia nacional, elle se tem ateado em protestos bem
+tumidos de calor.
+
+Talabriga continuou a existir e refazer-se, atravessando a epoca
+imperatoria, como nos attesta: 1.º, a data a que pertence a ara de
+Estorãos, sec. III-IV; 2.º, a sua inscripção no Itinerario (sec. IV).
+
+Que seculos lhe trouxeram o ultimo acto das suas tragedias? Os do mal
+afamado frankisk barbaro ou os do pavor sarraceno mais verdadeiro e real
+que aquelle, sobretudo no territorio portugalense?
+
+Entrevejo pois para a archeologia portuguesa este problema: sondar o
+jazigo de Talabriga, verdadeiro simbolo do nosso sentimento de
+independencia territorial e figura-se-me que mostrei onde com toda a
+probabilidade elle se deve encontrar. Espero ter eu mesmo ensejo de
+averiguar se o simples e frio raciocinio me guiou, sem desvio, até as
+trincheiras historicas, que occultam os miserandos restos de Talabriga.
+
+Conservar-se-ha ainda evolucionado este toponimo? Responderá o
+onomastico, paternalmente assistido pela philologia, não se dando o caso
+mais provavel do verso susodito de Vergilio:
+
+ _Haec tum nomina erunt, nunc sunt sine nomine terrae!_
+
+Março de 1907.
+
+
+_P. S._ No mappa do _Ortelius_, de que me soccorri a pp. 132 e 155, vejo
+nova _Lancobriga_, pelo sul de Scalabis; teremos tres? (Ver _O Arch.
+Port._, XII, 42).
+
+
+ [1] O brasão de Agueda ostenta num lemnisco o mote Aeminium. Mas
+ Coimbra tem hoje uma lapide, quo lhe dá irrecusavelmente o foro de
+ _civitas aeminiensis_.
+
+ [2] Um dos autores que se destacam por tentar a determinação de
+ Talabriga e Langobriga (e ainda outras estações da via ab _Olisipone
+ Bracaram Augustam_) por um processo exacto é o Sr. J. Henriques
+ Pinheiro, fallecido professor do Lyceu de Bragança. Mas talvez em
+ consequencia de trabalhar sobre uma carta (a de Folque) muito
+ reduzida e de se servir da reducção de milhas a leguas, localiza
+ Talabriga em _Aveiro_ e Langobriga na _Feira_. Em todo o caso, não
+ podendo conciliar as distancias relativas a Langobriga, conclue que
+ ha erro nos Codices (_Estudo da Estrada Militar Romana de Braga a
+ Astorga_, por J. Henriques Pinheiro, Porto, 1896, p. 129).
+
+ [3] O Sr. A. Coelho diz que a fórma verdadeira é a de Estrabão, como
+ o prova a moderna _Vouga_ e _Vauga_ dos documentos em baixo latim
+ anteriores ao sec. XII (Mélanges Graux, 1882). Vid. _Religiões de
+ Lusitania_, II, 28.
+
+ [4] Nas _Noticias Archeologicas de Portugal_, de Hübner, trad. do
+ Visconde de Juromenha, vem um extracto do Itinerario segundo a ed.
+ de Parthey & Pinder (1848). Prefiro a lição _briga a brica_ de
+ Wesseling, ed. dos _Vetera romanorum Itineraria_, MDCCXXXV.
+
+ [5] Não pude haver á mão as _Memorias_ d'este mesmo senhor.
+
+ [6] Como preciosidade estrangeira, desejo referir que o aliás
+ eminente celtista D'Arbois de Jubainville, num estudo erudito sobre
+ «Les Celtes en Espagne» (_Revue Celtique_, XIV, § 8) diz, de
+ passagem, ser Talabriga a actual povoação de Sousa, conc. de
+ Alenquer! Presumo que esta incongruencia é proveniente do que
+ escreveu _C. Muller_ em uma nota da _Cl. Ptolemaei Geographia_ (I,
+ 137) a respeito de Talabriga: _Oppidum haud longe a Vouga, fluvio
+ circa, hod. Souza alicubi steterit. Accuratius locum definire non
+ licet._ Como ha mais Marias na terra, d'ahi proveio a confusão.
+ Veja-se Sousa a O. de Vagos.
+
+ [7] Por partes temos:
+
+ De Gaia á Feira 21:900 metros
+ Da Feira a Oliveira de Azemeis 10:900 metros
+ De Oliveira de Azemeis a Albergaria 18:000 metros
+ De Albergaria ao rio Vouga 6:800 metros
+ Do rio Vouga a Agueda 9:000 metros
+ De Agueda á Mealhada 22:000 metros
+ Da Mealhada a Coimbra 16:500 metros
+ 105:100 metros
+
+ [8] Escreveu o autor do _Portugal Antigo e Moderno_ que a via romana
+ seguiria pouco mais ou menos o trajecto da linha ferrea. Assim era
+ preciso, se Talabriga fosse Aveiro, quer no troço ao norte, quer no
+ troço para sul, em attenção ás condições topographicas. Neste caso,
+ porém, a distancia de Coimbra a Gaia seria necessariamente pelo
+ menos a que hoje é por aquelle caminho; nada menos de 115
+ kilometros, o que está bem longe dos 105 kilometros da via romana e
+ da estrada real. Num diagramma da carta indico a differença das
+ distancias entre Cale e Talabriga e Gaia e Aveiro pela via ferrea
+ (45:800 metros e 59:000 metros).
+
+ [9] No mappa com que documento este estudo, lancei só os elementos
+ que me eram uteis. Tudo o mais ficou no original, a que até accresci
+ alguma cousa a mais por assim convir á minha demonstração.
+
+ [10] É força porém attentar na exigua differença que no caso
+ presente existe entre a recta, que unisse os dois pontos extremos
+ (Coimbra e Gaia), e o desenvolvimento da distancia effectiva pela
+ estrada real, entre os mesmos pontos. Bem sei que differentes
+ parcellas podem dar a mesma somma, mas difficultoso seria crer que,
+ acertando o Itinerario na distancia total entre Aemiuium e Cale,
+ delinquisse nas parcellas, que vem a ser as tres secções da via
+ militar. Veja-se o diagramma.
+
+ [11] Pela linha ferrea de Coimbra a Aveiro são 56 kilometros: pelo
+ caminho romano de Coimbra a Talabriga eram 59 kilometros.
+
+ [12] Nada mais possivel do que um erro de informação de Plinio. Mas
+ poderia tambem haver aqui uma confusão entre a Talabriga do roteiro
+ romano e a Vacua, de que parece existirem ruinas no Cabeço de Vouga
+ (Cit. _Oppida restituta_, 1885). Mas o Itinerario omitte-a, o que é
+ apenas argumento negativo. Ainda se poderia dar o caso de _Vacua_
+ não ser _mansio_ do caminho romano. Havia um codice de Plinio que
+ nomeava Talabriga e _Vacca_ e uma cosmographia antiga que refere
+ _Vacca_ (_sic_) e não Talabriga, que aliás deveria ter conhecido
+ pelos AA.
+
+ Jorge Cardoso, no _Agiologio_, II, 65, quer que Vacua tenha sido em
+ Viseu. Peor!
+
+ [13] Nos _Port. Mon. Hist._, «Diplom. & Chart.», vem um documento
+ (n.º 815 do anno de 1095) cujo teor nos não prende, mas onde se
+ lê:.... _Ista igitur auctoritate confissus ingressus sum et ego
+ densissimam silliam_ (silvam) _que ab antiquis temporibus
+ habitaculum erat bestiarum_.... Trata-se de arredores de Ilhavo.
+
+ [14] Nos arredores de Aveiro ha pontos com as cotas de 15, 27, 46,
+ 57, 48, 38, 23, 16, 24 e 10 que correspondem a relevos suaves. Todos
+ estes pontos estão situados na margem esquerda do Vouga. Mas na
+ hipothese de Talabriga, a estação do Itinerario, ser Aveiro ou
+ proximidades, a estrada romana, chegada ahi, ver-se-hia forçada a
+ atravessar o Vouga desde Eixo para baixo, em direcção ao Norte. E
+ digam-me se todo esse trato de terreno, comprehendido entre a margem
+ direita do Vouga, desde a ponte de S. João de Loure, como vertice
+ meridional, e os sitios de Froços, Angeja, Formelã, Canellas e
+ Salreu, não eram de fazer recuar o engenheiro romano que por ahi
+ tentasse obter saida para o norte, em direcção a Cale, tendo outra
+ incomparavelmente melhor?
+
+ [15] Tenho sempre especial satisfação quando vejo que conceitos meus
+ foram já formulados por escritores de outro cunho. Assim na _Revue
+ des Études Anciennes_ (1905, p. 389), Cam. Jullian, referindo-se a
+ caminhos de epocas prehistoricas, diz: _Et il résulte bien.... que
+ beaucoup des grandes lignes de circulation actuelle ne sont que les
+ héritiers des pistes tracées il y a des milliers d'années._
+
+ [16] Para os leitores habituaes do _Archeologo Português_, seria
+ ociosa esta nota; para os que porventura o assunto do presente
+ estudo desperte de-novo, é uma prevenção necessaria. Quando se falla
+ em _castros_ com supposta referencia á epoca romana, não se trata
+ dos _castra_, acampamentos ou abarracamentos (Saglio & Daremberg)
+ fortificados que as forças militares de Roma construiam em campanha:
+ nunca vi ruinas de nenhum d'estes _castra_, nem me consta que as
+ haja verificadas no pais. E comtudo os _castros_, ou _crastos_ no
+ fallar do povo, são abundantissimos entre nós... porque são cousas
+ muito differentes. Estes _castros_ são apenas uns montes com
+ vestigios de habitação _ante-romana_ e quasi sempre de obras de
+ fortificação de terra ou de muralha. Assim os castros são outeiros,
+ cabeços habitados e fortificados, não pelos romanos, mas contra os
+ romanos, pelo menos, e pertencentes aos antigos habitadores do país.
+ Os _castros_ devem pois aos romanos, não o seu principio, mas a sua
+ decadencia e o seu fim, porque foi a conquista e foi a civilização
+ romana que os tornou desnecessarios naquelle tempo. Como se lhes dá
+ então este epitheto que não vem senão causar confusões? O epitheto
+ encontramo-lo na toponimia local; foi o povo que conservou até hoje
+ esta designação que nós vamos encontrar com frequente emprego nos
+ documentos da idade media. É que no singular _castrum_ significou
+ secundariamente um castello, uma fortaleza; cita Rich o capitulo VI
+ da _Eneida_, onde se lê (_vv_. 771 a 776):
+
+ Qui juvenes quantas ostentant, aspice, vires!
+ At qui umbrata gerunt civili tempora quercu,
+ Hi tibi Nomentum, et Gabios, urbemque Fidenam,
+ Hi Collatinas imponent montibus arces,
+ 775 Pometios, Castrumque Inui, Bolamque, Coramque:
+ Haec tum nomina erunt, nunc sunt sine nomine terrae.
+
+ (_Oevres de Virgile_, par E. Benoist; vol. I, Hachette, 1882).
+
+ (Trad.) _Contempla como são grandes as forças que aquelles mancebos
+ ostentam! Pois d'entre os que trazem a fronte sombreada pelo
+ carvalho civico, uns construir-te-hão Nomento, Gabios e a cidade de
+ Fidena, outros assentarão em montanhas as fortalezas Collatinas,
+ Pometios, o castello de Inuo, Bola e Cora_ (antigas povoações do
+ Lacio): _estes serão os nomes d'aquelles lugares, que estão agora na
+ terra sem nome._
+
+ Foi certamente d'esta accepção que derivou para o latim corrente, e
+ em seguida para o fallar medieval das nossas populações, a
+ denominação de _castro_ ou _crasto_.
+
+ Na _Revue des Études Anciennes_ (IV, p. 43, 1902) vem uma serie de
+ citações para demonstrar que no fim do Imperio pela palavra
+ _castrum_ se designavam frequentemente as cidades fortificadas; de
+ entre todas extraio a seguinte de Isidoro (_Origines_, XV, 2, 13):
+ _Castrum antiqui dicebant oppidum loco altissimo situm_. Com
+ referencia a sitios nossos, temos, bibliographicamente, o conhecido
+ _Portumcale castrum_, de Idacio.
+
+ Mas a par d'aquella, outras se formaram, como _castello_,
+ _cristêlo_, _crastêlo_ e _castrêlo_. _Castellum_ (cfr. cit. _Rev.
+ des Ét. Anc._) na lingua latina, era um deminutivo de _castrum_ e
+ applicava-se tanto a um reducto transitorio, como a um forte
+ permanente, quasi sempre situado em logar elevado (Saglio &
+ Daremberg, s. v. _Castellum_). Depois, é explicavel que a linguagem
+ popular prescindisse da origem não romana d'estes pontos
+ estrategicos, e applicasse o termo a alguns castros, talvez aos mais
+ deminutos. Aos mesmos montes se vêem tambem applicadas as
+ designações de _cividade_, mais ou menos pura, _cidadêlhe_, _coroa_
+ e outras ainda. Os autores antigos usam o termo _oppidum_ applicado
+ a alguns d'estes centros de população (_oppidum Aeminium_). E ainda
+ se encontra junto ao nome originario da povoação, a modo de suffixo,
+ o termo de origem celtica _briga_, que tambem quer dizer castello,
+ altura fortificada (_Talabriga_).
+
+ Os romanos, no nosso caso, traçando a via militar através d'estes
+ montes habitados, não fariam mais do que seguir um caminho historico
+ e uma directriz frequentada.
+
+ [17] O parocho de Segadães (1758) informava que a antiga cidade de
+ _Vaca_ (_sic_) fôra assolada pelos _mouros_. Os Leitores conhecem
+ estes _mouros_... (_Arch. Port._, VII, 191).
+
+ [18] Varios outros documentos d'esta região de Entre-Vouga-e-Douro
+ compulsei eu nesta collecção, que se reportavam a _castros_, mas não
+ pude localizar as referencias com a presteza que era necessaria. Até
+ se me deparou a fórma rara _crésto_ (_cresto ualanes_, doc. DXLIX do
+ anno 1077), da qual conheço outra actual no concelho de Valdevêz.
+
+ [19] Na fé de Nascimento Silveira (_Mappa breve da Lusitania_, p.
+ 226), em Mancinhata, nos cruzeiros ha inscripções que ainda ninguem
+ entendeu.
+
+ [20] Nos _Port. Mon. Hist._, «Dipl. et Chart.», n.º CCCCLXXI, vem um
+ documento que diz: _Cesari... subtus monte castro calbo..._ Cf. o
+ n.º CCCCLXX. Não pude averiguar se é um _Monte Calvo_ que vejo perto
+ de Romariz. _Cesári_ (gen. de _Cesarius_, _-ii_) deu Cesár, como
+ _Severi_ (_Port. Mon. Hist._, «Dipl. et Ch.», _passim_, e _Arch.
+ Port._, II, 252, art. do Sr. P. de Azevedo) deu Sever.
+
+ [21] Virá de _Calambria_? pergunta A. Herculano (_Historia de
+ Portugal_, III, 423). Cfr. _Arch. Port._, art. do Sr. A. Cortesão,
+ IX, 232. Teremos aqui alguma _Calambriga_? Um thesouro de 16 argolas
+ de ouro é de lá. (_Arch. Port._, II, 87).
+
+ [22] Eu não me occupo especialmente da _Langobriga_ do Itinerario,
+ mas é facil ver que identicos raciocinios lhe são applicaveis e em
+ consequencia, a situação d'este segundo oppido deveria ser na faixa
+ de terreno vagamente indicada pela curva _LL._ um pouco ao norte da
+ Feira. No meu estudo da ara de Estorãos, assentei que esta não é a
+ actual _Longroiva_, cuja fórma medieval era _Langobria_, (_Port.
+ Mon. Hist._, «Dipl. et Chart.» CCCCXX). Do que deponho a p. 141,
+ parece que é a algum dos castros de _Obil_ ou do _Monte do Murado_
+ que deverá convir a localização de Langobriga. Este fica a 6:000
+ metros para leste da lagoa.
+
+ Para _longo-_ e _lango-_ como para _brica_ e _briga_, não encontram
+ difficuldade os celtistas. (_Élém. celt. dans les noms de personnes
+ des inscr. d'Esp._, por A. Carnoy. Luvaina 1907).
+
+ [23] A legitimidade do processo que segui, empregando o compasso e a
+ escala para determinar a zona em que, segundo as indicações do
+ roteiro romano, deve encontrar-se o jazigo de Talabriga, tem uma
+ averiguação facil, apesar da estranheza que possa causar. Se eu,
+ collocado em Eminio, quisesse determinar a situação de Cale, cujo
+ anorteamento já conhecia previamente, e para isso adoptasse identico
+ systema, o compasso levar-me-hia a uma zona de terreno, onde não me
+ seria impossivel encontrar localizações compativeis com uma estação
+ d'aquella natureza.
+
+ Creio todavia que nem com todos os terrenos assim se póde proceder.
+
+ Comprova tambem a plausibilidade do resultado a circunstancia de
+ fazerem pequena differença a distancia em linha recta entre Coimbra
+ e Gaia e a rectificação da estrada entre os mesmos pontos.
+
+ [24] ... por ser tam grande como todos sab[~e], de [~q] á prouerbio
+ no pouo. (_Ibid._ p. 50). Já não é só pois grande a legua da Povoa!
+
+ [25] O escritor espanhol Eduardo Saavedra, num artigo intitulado «La
+ geografia árabe de Portugal» in _Revista Archeologica e Historica_,
+ I, 49, suppõe que o trajecto descrito por Edrisi vae de Coimbra a
+ Viseu e Braga «por um caminho muito frequentado», fazendo o primeiro
+ descanso em Avô, 45 kil. a NE. de Coimbra; o segundo em S. Miguel do
+ Outeiro, 10 kil. a O. de Viseu no caminho de S. Pedro do Sul; depois
+ chega-se ao Douro, que se passa em embarcações defronte de uma
+ aldeia, que é Villaboa de Quires, a E. de Penafiel. D'aqui duas
+ jornadas a Braga e outras duas a Tuy.
+
+ Salvo o devido respeito, isto parece uma viagem... _à vol d'oiseau_!
+
+ [26] Nos _Port. Mon. Hist._, «Diplom. de Chart.», apparecem mais
+ documentos em que se encontra esta mesma designação. Estes por
+ exemplo:
+
+ N.º 67 do anno 953:... _et inde per carraria mourisca..._ (Isto era
+ nas vizinhanças de Villa do Conde).
+
+ N.º 614 do anno 1083:... _et inde per via maurisca:..._ (territorio
+ de Arouca).
+
+ Póde não se tratar nestes dois documentos de vias militares romanas,
+ como não se trata; mas nem por isso a designação deixa de ser
+ inexacta no seu sentido proprio. Eram antigos caminhos, anteriores
+ aos arabes. Aliás teriamos que admittir que os filhos do Islam
+ andaram por terras de Villa do Conde e de Arouca a abrir estradas em
+ fórma, por serem invios os territorios.
+
+ Demonstra isto que os amanuenses do secs. X e XI já não sabiam
+ estremar romanos (e visigodos) de serracenos. Era pois, como hoje, o
+ fallar do povo.
+
+ É tambem este o sentimento do Sr. Pedro de Azevedo (_Arch. Port._,
+ III, 137 sgs.). Este facto é bastante expressivo. Não passára um
+ seculo ainda depois da expulsão dos arabes naquella região, e a
+ interrupção de tradições locaes tinha sido tão intensa que a mera
+ conjectura tomara o logar d'aquellas, attribuindo aos muçulmanos as
+ obras de viação de que elles apenas tiveram a utilidade (Veja-se
+ _Hist. de Portugal_, por A. Herculano, III, 421). Em França não se
+ dava isto. Ruy de Pina na _Chronica do sr. rey D. Affonso V_ (p.
+ 569) diz: «E na cidade de Nimis leixou El-rey _a estrada romam_, que
+ vay a Avinham».
+
+ [27] Seria longo transcrever os trechos respectivos d'esses
+ documentos; e nem sempre é possivel acertar a que especie de
+ caminhos se referem as expressões usadas nos documentos. É commum o
+ termo _strada_, _strata_; algumas vezes adjectivada _strata
+ ueredaria_ (Dipl. et Chart., n.º 174) em opposição a _alia carrale_
+ (id.); _estrata de uereda_ (id. n.º 13); _in estrada qui discurrit
+ via de uereda_ (id. n.º 24) ou _strata maiore_ (id. n.os 563, 378 e
+ 549). Tambem se encontra a expressão _carreira antiqua_ (id. n.os
+ 620 e 639), _karraria antiqua_ (id. n.os 888), _carraria antiqua_
+ (n.os 639 e 287), _carera antiqua_ (id. n.os 366). _Via de strada_ e
+ _strada de uiminaria_ lêem-se no doc. n.º 817 (_ob. cit._) Ainda hoje
+ se póde dizer _caminho de estrada_. _Carreira_ é termo agora quasi
+ só locativo, mas ainda se ouve no norte applicado ás largas entradas
+ de algumas casas antigas, precedidas de uma alameda plana;
+ certamente _carreira_ inclue a ideia de carro, como _carrale_. Outra
+ denominação que encontrei foi a de _via publica_ (_ob. cit._, n.º
+ 676), que parece corresponder a caminho publico.
+
+ _Karraria antiqua_ era certamente uma estrada carreteira antiga já
+ naquella epoca e portanto tradicional, mas d'aqui não se póde
+ concluir que essa estrada fosse _via militar_ romana. Assim o doc.
+ n.º 570 do anno 1079 refere-se á freguesia moderna de Paçô, no
+ concelho do Valdevêz (_uilla Palatiolo_), onde nunca passou via
+ militar e onde a _carreira antiqua_ poderia bem attingir a epoca
+ romana.
+
+ Alguns d'estes documentos foram indicados pelo erudito conservador
+ do Archivo Nacional e meu amigo o Sr. Pedro de Azevedo; outros
+ rebusquei-os propositamente com o auxilio do valioso trabalho do Sr.
+ Gama Barros, _A administração Publica em Portugal_, entre os que
+ pertencem á região de Entre-Vouga-e-Douro.
+
+ [28] No mesmo pensar encontro-me com o Sr. Alberto Sampaio na
+ _Portugalia_, II, 216 (_As povoas maritimas do norte de Portugal_).
+ Assim se exprime: «As unicas povoações, vizinhas do mar, existentes
+ então (no tempo dos romanos), eram Calem e Portucale».
+
+ [29] É o Sr. Conselheiro Luis de Magalhães, em _A arte e a natureza
+ em Portugal_, vol. IV. A descrição da ria immensa de Aveiro, com as
+ salinas espelhadas que a cobrem, com os seus cones alvissimos de
+ sal, que marchetam a planicie sem fim, é um d'estes primores de
+ prosa gracil e diaphana, que mais ninguem poderia escrever com igual
+ coração e com pulso comparavel. Parece que a seducção d'esse
+ panorama não me será mais intensa, quando com os olhos o vir, do que
+ quando o adivinhei naquellas tão poupadas paginas.
+
+ [30] A grandíssima maioria das povoações d'estas epocas era nos
+ altos; ahi tem sido encontrados os seus vestigios. Para a alguma se
+ attribuir situação aberta como a de Aveiro, necessario seria
+ documentar a excepção.
+
+ Não repugna absolutamente admitti-la no nosso caso, mas é hypothese
+ pura. E depois, lá temos o distinctivo _briga_. O nome da cidade
+ comsigo traz a natureza do seu assento. No Algarve, _Ossonoba_ e
+ _Balsa_, não demoravam em outeiros. (Vide _Religiões da Lusitana_
+ II, 85).
+
+ [31] _Portugalia_, II, 220, «As póvoas marítimas do norte de
+ Portugal», pelo Sr. Alberto Sampaio.
+
+ [32] Explicação geologica d'estes phenomenos: «C'est après avoir
+ traversé les marécages du Vouga, que l'on entre dans les terrains
+ anciens; ce sont d'abord des schistes luisants, généralement cachés
+ par des dêpots superficiels: sables des dunes, graviers pliocènes et
+ graviers kaoliniques appartenant au Crétacique. Ces derniers ne
+ montent pas plus haut qu'Estarreja et le Pliocène est rarement
+ visible depuis la voie ferrée. Parfois ce soubassement de roches
+ solides n'existe pas, ou du moins ne se trouve qu'à une certaine
+ profondeur au-dessous du niveau de la mer; dans ce cas, la côte
+ subit des alternances d'accroissement et de décroissement qui
+ peuvent être funestes à l'homme trop empressé de s'approprier le
+ terrain que les sables ont gagné sur la mer; tel est le cas à
+ Espinho». _Promenade au Gerez (Souvenirs d'un géologue)_, por Paul
+ Choffat, 1895, p. 1.
+
+ [33] Poderia aqui investigar-se das alterações da costa que possam
+ ter modificado o aspecto do surgidouro do Vouga. Um apello,
+ publicado no _Arch. Port._, II, 301, teve em resposta o silencio.
+ Não tratando dos factos de periodos geologicos ou indeterminados
+ (_Arch. Port._, VII, 274 e X, 193) pouco é o que se tem recolhido e
+ ás vezes antagonico. Açoreamentos em epocas historicas foram notados
+ na Povoa de Varzim, Villa do Conde, Fão, Esposende, Vianna, em
+ Setubal, no Algarve (_Portugalia_, I e II. _passim_), e eu mostro
+ que na faixa de Esmoriz a Mira elles se deram tambem em epoca que
+ não posso precisar. Num mappa que illustra o _Hisp. & Port.,
+ Itinerarium_ de Martin Zeiler (1656) Aveiro é situada ao norte do
+ Vouga. E não é o unico mesmo de datas mais recentes.
+
+ [34] Ha um documento do sec. XI que faz uma referencia aproveitavel
+ debaixo d'este aspecto: é o n.º DCCCXV do anno 1095 (doação á sé de
+ Coimbra da igreja de S. Christovam, junto a Ilhavo)... _Ista igitur
+ auctoritate confissus ingressus sum et ego densissimam silliamm_
+ (silvam) _que ab antiquis temporibus habitaculum erat bestiarum..._
+
+ [35] Entre as cartas antigas que folheei, desejo destacar uma do
+ sec. XVII, assinada por N. Sanson. _christ. Gall. regis geografo_
+ (_Hispaniae antiquae tabulae_, 1641). O mappa de Portugal antigo
+ individúa, na região que andei estudando, _Conimbrica_ em Condeixa,
+ _Aeminium_ na margem norte do Mondego; _Talabriga_ ao N. do Vouga,
+ um pouco afastada do estuario, a 20 ou 25 _milliaria_ da foz do
+ Vouga (isto é, na altura onde eu localizo esta povoação); e,
+ seguindo no mesmo rumo, _Langobriga_. É na Bibliotheca Nacional, um
+ grosso volume _in-folio_, recentemente encadernado com o
+ dístico--Mappas--e sem frontispicio.
+
+ [36] Esta lenda porém reproduz-se em mais localidades, fóra d'esta
+ região.
+
+ [37] ... _pecuniis publicis, cum reliquo publico apparatu, ademtis_.
+ Isto dá bem a entender que havia uma perfeita organização politica,
+ e n'ella se estribava a organização de uma defesa militar contra a
+ invasão romana.
+
+
+
+
+DO AUTOR
+
+
+ESTUDOS DO ALTO-MINHO (SERIE 1.ª)
+
+
+Publicados
+
+I--Epigraphia christiano-latina (uma inscripção inedita).
+
+II--Um passeio archeologico no concelho dos Arcos de Valdevez (visita ás
+antas da serra do Soajo).
+
+III--Machados de duplo anel.
+
+IV--Ainda a inscripção christã de S. Pedro de Arcos.
+
+V--Uma primicia de epigraphia funeraria romana.
+
+VI--O portico da matriz de Monção.
+
+VII--Um castro com muralhas.
+
+VIII--Um erro de amanuense nas inquirições de D. Affonso III (C. Sancti
+Salvatoris Darcus).
+
+IX--Um Grovio autentico (cippo de Villa-Mou).
+
+X--Ara celtiberica da epoca romana (um novo «Genio»).
+
+
+PAGINAS ARCHEOLOGICAS (SERIE 2.ª)
+
+
+Publicadas
+
+I--Estatueta ithyphallica.
+
+II--Cemiterio da epoca romana em Vianna do Alemtejo.
+
+III--Situação conjectural de Talabriga.
+
+
+
+
+
+End of Project Gutenberg's Paginas Archeologicas, by Felix Alves Pereira
+
+*** END OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK 30071 ***
diff --git a/30071-8.txt b/30071-8.txt
deleted file mode 100644
index c28c2ad..0000000
--- a/30071-8.txt
+++ /dev/null
@@ -1,2011 +0,0 @@
-The Project Gutenberg EBook of Paginas Archeologicas, by Felix Alves Pereira
-
-This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
-almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
-re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
-with this eBook or online at www.gutenberg.org
-
-
-Title: Paginas Archeologicas
- III - Situação conjectural de Talabriga
-
-Author: Felix Alves Pereira
-
-Release Date: September 23, 2009 [EBook #30071]
-
-Language: Portuguese
-
-Character set encoding: ISO-8859-15
-
-*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK PAGINAS ARCHEOLOGICAS ***
-
-
-
-
-Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images
-of public domain material from BibRia)
-
-
-
-
-
- FELIX ALVES PEREIRA
-
-
- PAGINAS ARCHEOLOGICAS
-
- III
-
- SITUAÇÃO CONJECTURAL DE TALABRIGA
-
-
-
-
- LISBOA
- IMPRENSA NACIONAL
- 1907
-
-
-
-
- * * * * *
-
- SITUAÇÃO CONJECTURAL DE TALABRIGA
-
-
- Obra composta e impressa na Imprensa Nacional
-
- Edição e propriedade do Museu Ethnologico Português
-
- * * * * *
-
-
-
-
- FELIX ALVES PEREIRA
-
-
- PAGINAS ARCHEOLOGICAS
-
- III
-
- SITUAÇÃO CONJECTURAL DE TALABRIGA
-
-
-
-
- LISBOA
- IMPRENSA NACIONAL
- 1907
-
-
- * * * * *
-
-
-
- Ao
-
- Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Conselheiro
-
-
- _Luis Cypriano Coelho de Magalhães_
-
- _O. e D._
-
- _O autor._
-
- * * * * *
-
-
-
-
-Separata d'«O Archeologo Português», XII, n.os 5 a 8 de 1907
-
-
-
-
-SITUAÇÃO CONJECTURAL DE TALABRIGA
-
-
-Summario
-
-1. Estado da questão.--2. Autores antigos--3. Itinerario--4. Exame do
-mappa--5. Topographia e onomastico da região--6. Os castros do trajecto
-da Via--7. Região mineira--8. Localização de Talabriga--9. Opinião de
-Gaspar Barreiros--10. Geographia arabica--11. _Strata maurisca_--12. Ria
-de Aveiro e o Vouga--13. Historia de Talabriga.
-
-
-I
-
-Algum tanto sem o presentir, ao fazer o estudo da ara de Estorãos,
-(_Arch. Port._, XII, 36) encontrei-me no limiar de um problema que, de
-modo definitivo, não se resolverá senão com a verificação _in loco_ de
-vestigios archeologicos incontrastaveis.
-
-É o problema da trajectoria exacta da via romana entre Aeminium e Calem,
-da qual não se conhecem milliarios decisivos e sufficientes,
-especialmente da sua passagem por Talabriga.
-
-O assunto, parcialmente considerado, tem sido alvo das principaes
-referencias na pugna litteraria em que os paladinos de Agueda, de Aveiro
-e de Coimbra patrioticamente articulavam preeminencias genealogicas, que
-é da praxe mencionarem-se em monographias locaes, mas que hoje, quanto a
-Coimbra (e Condeixa-a-Velha) estão sentenciadas, em prejuizo até
-heraldico de Agueda[1].
-
-Propositadamente, porém, o problema não foi ainda estudado debaixo do
-seu aspecto geral; apenas por incidente tem sido versada a localização
-de Talabriga. Não venho com o proposito de o dar como resolvido, é
-certo; mas desejo englobar neste estudo um certo numero de
-considerações, que podem preparar o desenlace d'este ponto controvertido
-da geographia protohistorica da Lusitania, no campo adequado, e quiçá
-orientar pesquisas.
-
-Onde foi Talabriga? Até hoje nenhum d'estes indices peremptorios que
-marcam inilludivelmente a situação das antigas cidades, como para
-_Conimbriga_ (Condeixa-a-Velha), _Aeminium_ (Coimbra), _Bracara Augusta_
-(Braga), _Olisippo_ (Lisboa), _Pax Julia_ (Beja), etc., se nos antolha
-para dar resposta nitida áquella pergunta.
-
-Guiados pelas indicações geographicas do Itinerario e de Plinio, os
-nossos escritores teem querido alternadamente que Aveiro, Cacia,
-Esgueira occupem hoje o logar que outrora se chamou _Talabriga_. De
-facto, o Itinerario, ao contar as milhas que de _Aeminium_ vão a _Calem_
-(Gaia ou Porto?) pela via militar, devia ter especial valor para este
-problema; mas a comprehensão da necessidade de verificar rigorosamente
-as indicações d'aquelle documento, a consulta de edições criticas,
-tomando-se por base a decisão do problema de Aeminium, e talvez o
-desaffecto de uma ou outra solução é que teem, no meu humilde entender,
-faltado a todos os autores que mais modernamente do assunto se teem
-abeirado[2].
-
-
-II
-
-A geographia classica não é de todo omissa a respeito d'esta antiga
-povoação. O testimunho de Plinio, que é o A. mais expresso, vem a ser o
-seguinte: _A Durio Lusitania incipit. Turduli veteres, Paesuri, flumen
-Vagia[3], Oppidum Talabrica, Oppidum et flumen Aeminium,
-Oppida Coniumbrica, Collippo, Eburobritium._ (C. Plinii Secundi, _Nat.
-Hist._, ed. de Detlefsen, IIII, 113). Isto tem o ar de uma sêca
-enumeração chorographica, que se desdoba do norte para o sul, a contar
-do Douro, e que, restringida ao nosso caso, nos dá esta sequencia:
-
- _a_) rio Vouga;
-
- _b_) cidade de Talabrica;
-
- _c_) cidade e rio de Aeminio (Coimbra);
-
- _d_) e as cidades de Conimbrica (Condeixa),
-
- _e_) Collippo (Leiria) e
-
- _f_) Eburobricio (Obidos, Vejam-se _Relig. da Lusit._, II, 31).
-
-Se não fôr certo, como não me parece, que Vouga é ao norte de Talabriga
-e este oppido ao sul do mesmo rio, pelo menos conclue-se que Talabriga
-vizinha de um lado ou outro aquelle estuario.
-
-Não trago nenhum outro autor antigo, porque elles não adeantam o
-problema chorographico. Na _Cosmografia_ de Ravennate (ed. de
-Pinder & Parthey, p. 307) _Talabrica_ apparece transformada
-em Terebrica e fica na seguinte localização relativa:
-_Olisipona--Terebrica--Langobrica--Cenoopido--Calo_...
-
-
-III
-
-Vamos pois ao _Itinerario_[4] e á discussão das suas
-indicações. Encontra-se nelle, que nos sirva:
-
- Eminio mp. X
- Talabriga mp. XL (= 59:240 metros)
- Langobriga mp. XVIII (= 26:658 » )
- Calem mp. XIII (= 19:253 » )
- 105:151 »
-
-A equivalencia que sigo é a de 1 milha = 1:481 metros (Saglio &
-Daremberg, s. v. _Milliarium_).
-
-A trajectoria d'esta via desde Coimbra (Aeminium) a Gaia (Calem)
-deixaria de ser ponto controverso se, como succede noutras estradas
-romanas, alguns milliarios sobreviventes escalonassem os seus vestigios.
-
-Não ha porém, neste particular, mais que isto:
-
-1.º Um fragmento de milliario com 2,04m de alto X 1,40m de circuito,
-que appareceu na Mealhada ao norte de Coimbra e só tem M.XII.
-
-2.º Outro que foi encontrado mesmo em Coimbra e aponta M.IIII.
-
-Nem aquelle nem muito menos este servem ao meu intento; o traçado
-litigioso no nosso caso é para norte da Mealhada e Anadia, e não entre
-Mealhada e Coimbra. (Vid. Borges de Figueiredo, _Oppida restituta_, p.
-82; Hübner, _Notas archeologicas sobre Portugal_, p. 67, trad. cit.:
-_Catalogo dos objectos existentes no Museu de Archeologia do Instituto
-de Coimbra_, p. 6; A. Filipe Simões, _Escritos diversos_, 1883).
-
-3.º Um pretenso milliario descrito por Fr. Bernardo de Brito na
-_Monarchia Lusitana_, II, V, p. 3. Este vicio de origem obriga-me a pôr
-ainda de parte este monumento como comprobativo da directriz; Hübner
-fulmina-o com a sua desconfiança (_Corpus_, II, 55 a *) dizendo que
-Brito queria demonstrar com elle a existencia de _Vacua_. Não lhe darei
-porém eu maior valor que o proprio monge, que, como por prevenção,
-confessa que as letras da pedra eram «mal distinctas e muy quebradas».
-Assim a sua interpretação deve desinteressar-nos, visto que não ha meio
-de contraprovar a leitura de Fr. Bernardo de Brito, duvidosa para elle
-proprio. Para este, a lapide era porém um padrão de estrada, o que pouco
-vale por entretanto para nós; mas provinha do Castello de S. Gião, ao
-que parece, _castro_ rico em ruinas de muros, etc. Isto, cuja
-importancia só modernamente se aprecia, é que não se inventa e dá visos
-de que com effeito alguma cousa lá pudera ter apparecido. Mas Brito, com
-o dizer que a lapide era padrão de estrada, contrariava sem o advertir a
-propria crença de que a via romana seguia pela beiramar e _Talabriga_
-era em Aveiro. (_Mon. Lusit._, id., p. 130).
-
-Não obstante, ponha-se de parte a exactidão da epigraphe do supposto,
-mas rehabilitavel, milliario do castro de S. Gião, e fique,
-provisoriamente, apenas um facto--o achado de um padrão de via romana
-num castro das margens do Caima.
-
-A opinião de que Aveiro fôra o assento da antiga estação do Itinerario
-tinha ainda por si, alem do mappa de Abr.ão Ortelius (_Theatrum orbis
-terrarum_, Antuerpia, CIC.IC.CIII) o pensar de Florez (_España Sagrada_,
-tomo XIV, p. 73), que lêra Plinio e uma edição antiga do Itinerario
-romano. E póde dizer-se que foi essa a corrente que dominou até hoje, se
-com Aveiro abrangermos o aro circunjacente. (Vejam-se Adolfo Loureiro.
-_Os portos maritimos de Portugal_, II, p. 3; Marques Gomes, _Districto
-de Aveiro_, onde restringe[5] a Cacia o _ubi_ de Talabriga;
-Borges de Figueiredo, _Oppida restituta_, 1885; Pinho Leal, _Portugal
-Antigo e Moderno_, s. v. _Aveiro_; Gaspar Barreiros, _Chorographia de
-alguns lugares_; D. Nunes de Leão, _Descripção do reino de Portugal_;
-Francisco do Nascimento Silveira, _Mappa breve da Lusitania antiga_,
-etc.)[6].
-
-Regressemos porém ao _Itinerario_, e vejamos se será possivel concluir
-algo que um dia a pesquisa e exploração persistente do archeologo possa
-contraprovar. É o meu sonho.
-
-Que a medição total do _Itinerario_ relativa á via _ab Aeminio Calem_
-está notavelmente exacta, demonstra-o esta verificação facil: a somma
-das milhas que se contaram de Eminio a Gaia, reduzida a kilometros,
-(unidade mais pratica e mais exacta que a de leguas, até agora adoptada)
-era de 105:151 metros, como vimos; a distancia computada actualmente na
-Carta do Estado Maior d'esta região pela directriz da _estrada real_ é
-de 105:100 metros[7]. Não podendo ser mais breve a distancia
-d'esta estrada, como se verifica olhando os traçados rectificados ao
-lado do mappa junto, em que a distancia em linha recta e a rectificação
-exacta da extensão effectiva da estrada fazem pequena differença, o que
-mostra que os desniveis ou as inflexões do traçado são assaz reduzidos,
-conclue-se que a via romana, desde que marca igual extensão kilometrica,
-não poderia seguir caminho mais longo que ella, nem portanto muito
-distanciado d'ella.
-
-Esta coincidencia de medições é suggestiva e não permittiria, só por si,
-que a trajectoria da via romana e da actual estrada real divergissem
-muito. Se esta desenhasse uma inflexão pronunciada no seu trajecto de
-Coimbra a Gaia, claro é que era possivel, sem exceder a mesma extensão,
-encontrar outra curva symetrica que tocasse em pontos intermedios
-diversos e afastados, e coincidisse apenas nos respectivos extremos, o
-que nada util me seria; mas nas circunstancias que se dão e já
-salientei, e que me permittiram estudar sobre uma carta este problema, a
-coincidencia effectiva das duas vias de communicação deve em grande
-parte quasi corresponder á coincidencia theorica, agora expendida.
-
-Isto oppõe-se a que a via romana passasse em Aveiro, ponto muito
-afastado e divergente do trajecto theorico[8].
-
-
-IV
-
-Vou porém demonstrar por partes como isto assim deve ser. É preciso
-partir do principio já demonstrado, embora para o total da distancia,
-que as medições do Itinerario não contém erro. Qualquer inexactidão nas
-milhas marcadas para cada uma das secções da via militar alteraria a
-somma, desde que, por um acaso unico, não fosse compensada por outra
-inexactidão.
-
-Ora a via romana de Eminio contém tres troços ou secções; o 1.º de
-Eminio a Talabriga; o 2.º de Talabriga a Langobriga; o 3.º de Langobriga
-a Cale. Se uma sequer das distancias correspondentes do Itinerario
-contivesse erro, a somma total accusá-lo-hia; mas nós já vimos que a
-distancia de 105 kilometros corresponde a uma realidade. Comecemos pelo
-extremo norte da via. Isto conduz mais claramente ao meu fim; e descobre
-mais prontamente o erro em que até agora me parece que tem laborado os
-escritores. Tomemos o mappa[9].
-
-Se traçarmos um arco de circulo, cujo centro seja Gaia e o raio igual á
-distancia de Cale a Langobriga, isto é, a 19 kilometros (veja-se a
-escala), teremos obtido uma curva theorica (LL no mappa) que no terreno
-representa uma faixa de tolerancia, mais ou menos larga, dentro da qual
-e numa zona d'ella que seja compativel com um trajecto ininterrupto da
-via, cuja extensão já definida se não póde exceder, o archeologo deverá
-procurar os vestigios de Lancobriga.
-
-Esta zona, ou este segmento, não poderá pois, em principio, afastar-se
-consideravelmente da directriz da estrada real.
-
-Consultemos de novo o Itinerario. Entre Langobriga e Talabriga medeiam
-26:600 metros. Ignorando ainda qual o ponto preciso que na curva _LL_
-marca o primeiro d'aquelles oppidos, deveremos traçar um arco de circulo
-parallelo ao antecedente e á distancia que a escala indica. Como o
-terreno não é propriamente uma carta celeste[10] em que os
-pontos podem ser rigorosamente indicados, a nova curva deixada pelo
-compasso é representativa de uma segunda faixa de tolerancia,
-susceptivel de maior ou menor elasticidade, mas confinada, quanto á sua
-extensão, pela continuidade do trajecto viario em direcção a Aeminium,
-trajecto cujo comprimento tem limite determinado de milhas.
-
-E assim temos o arco _TT_.
-
-Nesta curva, que não é mais que uma zona media, deverão surgir ao
-appellido do archeologo as ruinas do que outrora foi Talabriga. Esta
-conclusão emerge logicamente das bases que tomei: o acerto evidente do
-Itinerario no total e muito provavel nas secções; a coincidencia das
-extensões da via antiga e da estrada moderna.
-
-Se agora, por contraprova, apontarmos o compasso a Eminio e girarmos com
-um raio de 59 kilometros, verificado segundo a escala, obteremos outra
-curva, a terceira, tangente á segunda e que tem a missão de indicar a
-zona util, o segmento dos arcos, correspondente á area provavel da
-situação de Talabriga. Porque o que não póde haver, é um hiato, uma
-interrupção de trajecto de Cale a Aeminium[11].
-
-Esta primeira phase da minha demonstração, porém, já torna incompativel
-a actual situação de Aveiro com vestigios de Talabriga. E mais do que
-isto; vem levantar um equivoco de Plinio, que parece suppôr aquelle
-oppido ao sul do Vouga; se assim fosse, não seria possivel encontrar o
-ponto de reunião do caminho que descia de Cale a encontrar Lancobriga
-aos 19 kilometros e se prolongava na direcção do sul até mais 20
-kilometros, onde devia beijar a Talabriga do Itinerario sem encontrar a
-de Plinio[12]. O hiato resultante fica, parece-me, fechado e
-annullado, desviando Talabriga de Aveiro e aproximando-a de Albergaria,
-ao norte do Vouga; isto é, a hipothese que proponho é a que se concilia
-em todos os pontos com o Itinerario.
-
-
-V
-
-Mas não se concilia só com esta fonte documental: é a mais plausivel em
-face das condições topographicas e historicas da região de
-Entre-Vouga-e-Douro.
-
-A actual directriz da estrada real é a que mais ou menos devia ter
-seguido a via romana que procurasse unir Eminio a Cale, dado o traçado
-que ella já trazia desde Lisboa.
-
-Em primeiro logar: as condições topographicas d'aquelle grande delta do
-Vouga não eram senão de molde para difficultar a abertura de uma estrada
-na epoca romana, em concorrencia com traçado mais firme e duradouro,
-mais economico, mais util e mais commercial. Aquellas planuras deviam
-existir já então, como um presente do Vouga, segundo se tem dito, creio,
-do Nilo.
-
-Se eram naquelle tempo pantanos, ou bosques intransitaveis[13]
-ou veigas retalhadas, como hoje, por um dedalo de canaes e
-esteiros, não me cabe a mim defini-lo. De qualquer d'estas fórmas, uma
-via romana não iria atravessar uma região em que a falta de pedra é
-quasi absoluta, e a multiplicidade de trabalhos de architectura civil ou
-de obras de arte uma consequencia inevitavel. Era preciso combater por
-um lado a pouca firmeza do terreno, por outro contar com o custo da
-empresa[14], ou os impecilhos da viagem.
-
-Por isso os mesmos motivos que na idade media afastaram a construcção,
-ou melhor, a conservação de uma estrada velha para longe da costa,
-obrigando-a a passar nas pontes que ainda existem, devem ter sido os
-mesmos que desviaram os engenheiros romanos de lançarem a via militar
-através de campinas encharcadas, só para irem buscar a embocadura do
-Vouga, antes de attingir Calem.
-
-Depois preciso é notar que havia outra directriz ao alcance da
-administração do Imperio, directriz que não podia admittir confrontos
-com a traçada através do delta do Vouga. Essa directriz levava a estrada
-romana pela orla fóra do terreno firme e accidentado e da região povoada
-de castros e abundosa de minerios, região que ainda hoje podemos ver
-acompanha-la pelo trajecto da estrada real. As vias de communicação teem
-muitas vezes uma directriz fatal e tradicional através de longos tempos
-e povoadores successivos[15].
-
-Póde soffrer destruição o caminho, sem estancar a arteria de communicação.
-
-A actual estrada real ou de macadam foi ainda, por assim dizer,
-decalcada pela anterior, a medieval, cujos restos subsistem nas pontes
-antigas de que os chorographos fallam. Esta orientou-se pela
-comprehensão das conveniencias, e afastou-se da embocadura do Vouga,
-seguindo a directriz mais economica e mais util; não direi ainda a
-directriz romana porque é o que pretendo demonstrar, mas a que era
-directriz tradicional, como vou explicar.
-
-
-VI
-
-Os castros ou montes habitados encontram-se precisamente no seguimento
-da via romana; os oppidos referidos pelos AA. antigos, as _brigae_, e as
-cidades romanizadas não são mais que uma evolução d'aquellas estancias,
-consoante as denominações que lhes applicaram[16]; era por
-essa corda alem, que o terreno baixo e plano da zona maritima começava
-de elevar-se. A estrada romana desenrolava-se por entre esses centros da
-habitação, abandonando ao lado um país chato, pouco firme e talvez quasi
-invio.
-
-Do sul para o norte _Anadia_ está situada nas abas de um monte de
-_Crasto_ (Pinho Leal e M. Gomes).
-
-_Agueda_ está tambem perto de um _Crasto_ (Pinho Leal).
-
-Nas margens do Vouga, naquelle logar onde subsiste ainda a ponte
-medieval (Pinho Leal), encontra-se na aldeia de _Vouga_ um morro que foi
-castro (Brito e P.e Carvalho, II, 161); explica Francisco do Nascimento
-Silveira (_Mappa breve da Lusitania_, p. 239) que _Vacca_ existia em
-sitio forte por natureza, entre as pontes de Vouga e Marnel, porque alli
-se vêem vestigios de muros antigos e sinaes de uma majestosa grandeza;
-existem ainda tijolos, cantarias, muralhas em _Lamas de Vouga_ (_Arch.
-Port._, V, 50 e VII, 191)[17], e havia ahi a _civitas Marnele_ (_Port.
-Mon. Hist._, «Diplom. de Chart.», n.º 819)[18], cuja origem deve ter
-sido outro castro.
-
-Na carta geodesica vê-se, junto ao rio, um _Castello_ (111). Isto é
-ainda do concelho de Agueda[19].
-
-Na freguesia de Serem, tambem concelho de Agueda, outra _civitas_
-(Viterbo, s. v. _Cidade_); ha lá sitios elevados a norte e a sul (Cfr.
-M. Gomes).
-
-Na freguesia da _Branca_ ha um logar de _Cristellos_ (M. Gomes e _Arch.
-Port._, II, 313).
-
-Na serra de S. Julião, mesma freguesia, _onde passa a estrada real_, diz
-o Sr. M. Gomes que ha ruinas de muralhas e fossos: acreditava-se (_Arch.
-Port._, loc. cit.) que ahi era a antiga _Langobria_ (sic). Não sei se é
-precisamente o mesmo local a que Brito (_Mon. Lusit._, II, V, p. 3)
-chama castello de _S. Gião_, onde havia ruinas de muros e elle encontrou
-o tal padrão suspeito e onde presume _Lancobriga_, não na Feira, diz,
-mas entre Albergaria e Bemposta, defronte de Pinheiro. Significativa
-confusão! Aquelle logar de _Cristello_ vem na carta geodesica entre
-Estarreja e a estrada real[20].
-
-Na freguesia de Ul ha outro castro (_aldeia do crasto_), de que porém
-não conheço o _ubi_. Tem uma cintura de muralha de pedra solta ou cousa
-que o valha. (Pinho Leal, s. v. _Ul_).
-
-Nas proximidades de Azemeis parece que não são escassos estes monumentos
-(_Quatro Dias na Serra da Estrella_, por E. Navarro, Porto 1884, p. 174).
-
-Em _Ossella_ ha um castro com ruinas de muralhas (Brito, _loc. cit._).
-
-Entre _S. Martinho_ e _S. Tiago_ vê-se na carta geodesica um _crasto_, a
-O. da estrada real; isto é no parallelo de Ovar. Será aquelle a que
-Pinho Leal chama Castro Troncal ou Francal (s. v. _C. de Cucujães_)?
-
-No _Arch. Port._, VI, 68, diz-se que ha em Oliveira de Azemeis um logar
-de _Lações_, onde foi a antiga Lancobriga (_sic_), porque ahi se ajustam
-as medidas do Itinerario e não na Feira ou Bemposta. Este sitio é
-elevado e estrategico; a sua cota é de 287 metros e fica na fronte de um
-promontorio fechado por duas ribeiras e no extremo de uma chapada em
-cujo prolongamento se conta ainda a altitude de 274 metros. É, pelo que
-se vê, um _castro_. _Lancobriga_ e que não.
-
-Em _Macieira de Cambra_ ha um castro (_Arch. Port._, VII, 54)[21].
-
-Em _Romariz_ informa o Sr. M. Gomes que ha um _Crasto_, onde appareceram
-antiqualhas da epoca romana; o que é presumivel e prova ter recebido a
-influencia dos seus conquistadores.
-
-Os antigos chorographos portugueses não teem dado valor aos cabeços
-elevados, onde se encontram os vestigios do que póde ter sido um castro,
-uma citania, emfim uma estacão archeologica pre-romana, e isso não
-admira; mas o facto é esse e constitue uma deficiencia na descrição dos
-logares, que actualmente seria imperdoavel, e que, num caso como o que
-estou versando, sonega lamentavelmente elementos aproveitaveis de estudo.
-
-Junto ao mar, e bastante para o norte, em Esmoriz, encontro menção de um
-castro, especializado hoje pelo erudito estudo que d'elle fez
-documentalmente o meu erudito amigo Sr. Pedro de Azevedo (_Arch. Port._,
-III, 137). Era o castro de _Aville_, _Ouvil_, _Ubile_ e _Obil_,
-denominações que se applicavam á lagoa que ainda existe, e que elle
-dominava. Crê o distincto publicista que aquelle castro é o mesmo
-outeiro a que o parocho depoente de 1758 chamou _Monte do Murado_,
-pertencente á freguesia de S. Martinho de Mozellos. Fico porém em
-duvida, pois que estando o castro _prope litore maris_ (Docs. de 1055,
-1076) bem como a lagoa (Docs. de 1057 e 1090), Mozellos parece um pouco
-afastado para o interior. Confessando que, sem a inspecção dos logares,
-a base é instavel, em todo o caso affiguram-se-me aqui dois castros
-distinctos.
-
-Em S.ta Maria de _Fiães_ apparece outro castro ou «povoação de Mouros»
-(_Arch. Port._, IV, 250).
-
-E d'ahi para o norte, são frequentes na faixa atravessada pelo caminho
-romano. Será algum d'estes castros o jazigo de Langobriga?
-
-Este inventario, tendo origem, como tem, exclusivamente bibliographica,
-não póde deixar de ser omisso. A averiguação local e a informação
-competente accrescentá-lo-hiam, se eu d'estes dois factores me tivesse
-soccorrido. Para o meu intento, o pouco que joeirei, era colheita bastante.
-
-
-VII
-
-Alem d'estas averiguadas condições de habitabilidade que se encontravam
-no trajecto da via romana e que, em meu entender, conjugadas com as da
-elevação e relevos de terreno, que para as populações ante-historicas
-constituiam uma necessidade vital, concorreria tambem, não sem ligação
-com ellas, a existencia de jazigos metalliferos.
-
-Nem todas as minas que enumero seriam conhecidas na antiguidade, mas em
-algumas ha vestigios da remota laboração e o que tudo attesta é que a
-região era mineira e portanto centripeta de populações.
-
-Os locaes explorados são Telhadella, Albergaria, Palhal, Milheirós,
-Cucujães, Nogueira, Ossella, Palmás, Carvalhal, Pindello, Silva Escura,
-Ul, Talhadas, Braçal, Coval da Mó, Malhada.
-
-Os minerios são cobre, tão procurado na antiguidade, chumbo, prata, etc.
-
-D'estes jazigos, aquelle em que são mais importantes os vestigios de
-antiga lavra, é o da Malhada, uma das concessões das chamadas Minas do
-Braçal. As madeiras de entivação, que foram encontradas dentro da mina,
-denotam tal antiguidade que parecem fossilizadas, em consequencia da côr
-negra que adquiriram. Os trabalhos antigos attingem a profundidade de 45
-metros (_Catalogo Descriptivo da Secção de Minas_, pelos Srs. Severiano
-Monteiro e J. Augusto Barata, p. 188).
-
-A respeito dos outros, a noticia de antiga exploração é muito vaga para
-que me seja licito insistir. Nas minas de Palhal tambem ha vestigios
-antigos. (Cfr. Marques Gomes, _Districto de Aveiro_).
-
-
-VIII
-
-Que se póde concluir das considerações que até aqui tenho encadeado?
-
-Por um lado, o estudo do Itinerario levou-me a aventurar na carta
-geographica, largamente circunscritas, as zonas em que o calculo faz
-presumir que se devem encontrar as ruinas de Talabriga; por outro lado,
-a inquirição topographica e onomastica da região, tanto quanto era
-possivel com a escassez de elementos, indicou-me alguns logares de
-archaicas estações archeologicas do genero da que deve ter sido
-Talabriga, como castro ou oppido submettido ao poder de Roma.
-
-Quero lembrar que _briga_ só póde corresponder a uma posição elevada, a
-um outeiro ou cabeço fortificado; por onde Talabriga nunca pudera ser
-Aveiro ou arredores (Vid. _Arch. Port._, XII, 42).
-
-Relançando novamente o olhar ao mappa, poder-se-há notar que a zona
-attribuivel á situação de Talabriga[22] não está erma de
-castros, antes nella se dão varias circunstancias que não posso deixar
-de aproveitar para a minha these conjectural.
-
-_Branca_ é uma freguesia cuja séde fica na margem direita de Caima e que
-é cortada pela estrada real; ha nella um logar de _Cristellos_, que só
-pelo toponimo demonstra a existencia de um castro ou oppido. Mas alem
-d'este, infere-se do Sr. Marques Gomes, de Fr. Bernardo de Brito (_loc.
-cit._) e d-_O Arch. Port._ (II, 313, «Mem. Parochiaes») que ha um local
-sito na serra de S. Julião, atravessado pela estrada real e que Brito
-mais claramente chama _castello_ de S. Gião (_castello_ por _castro_),
-no qual, segundo aquelles tres testimunhos, ha ruinas de muralhas e
-fossos, que o Sr. M. Gomes presume serem ruinas de uma _atalaia_ e que o
-parocho das _Memorias_ tambem capitula de vestigios romanos,
-acrescentando muito singularmente (note-se bem o que isto póde
-significar) que ahi esteve... _Langobria_ (_sic_). Foi aqui que Brito
-diz ter encontrado a tal pedra de _letras mal distinctas_ de que não
-affiança a leitura, mas que lhe pareceu _padrão de estrada_.
-
-E aqui tem cabimento o que já atrás deixo dito, para absolver de fraude
-consciente a noticia archivada em Fr. Bernardo de Brito.
-
-Parece-me pois ser neste aro, se não neste mesmo ponto, que se deverá
-procurar o jazigo, não de Langobriga, mas da nossa Talabriga, e é
-precisamente a estas immediações que o compasso me levou ao medir sobre
-a carta a primeira secção da via romana de Coimbra a Gaia[23].
-
-Não desconheço quanto de problematico isto tem antes de serem
-perguntados pelo archeologo os logares, as ruinas, os vestigios e os
-montes e as vozes da região, mas nem por isso o meu espirito deixa de
-ficar demonstrado, até o possivel, que as cinzas de Talabriga nunca
-podem estar guardadas em Aveiro. As coincidencias que acabo de notar,
-não são bases frivolas.
-
-Só pois a inspecção directa do terreno, nas immediações da Branca,
-poderá concorrer para confirmar ou destruir a minha conjectura.
-
-D'esta região para o norte, a via romana seguiria até Cale, mais ou
-menos proxima do actual leito da estrada real; só alguns vestigios ou
-referencias de documentos, como os de Grijó, e a inquirição dos logares
-e tradições poderão concorrer para precisar a trajectoria d'aquella
-antiga via de communicação; o caso em si, porém, é indifferente para a
-questão primacial que motivou este estudo. O que é certo, é que a
-estrada romana sulcava a faixa comprehendida entre a estrada real e a
-linha ferrea até o vertice de Gaia.
-
-Ao sul de Branca e Albergaria, a directriz da via militar sente-se
-escalonada nos vestigios medievaes que deixei explanados nas paginas
-anteriores. _Albergaria_ denota bem que o sitio era de assiduo e antigo
-transito (Viterbo, _Elucidario de palavras_, etc. s. v. _Albergaria_)
-ponto necessario de passagem para quem do sul buscava o norte do país.
-As _mansiones_ tinham o caracter de pousadas.
-
-Em tempos de lazer para obras de piedade, é que a instituição caritativa
-se fundou, como implemento de uma necessidade que já existia.
-
-As pontes de Vouga e Marnel são indicios bem importantes da frequencia
-das viagens através d'esta parte da região, afastada da costa baixa e
-paludosa. São decerto obras da idade media, dos _mouros_, diz Pinho Leal
-(s. v. _Marnel_ e _Vouga_). Mas os indicios pre-romanos e romanos
-soletram-se nessas ruinas de muralhas, pedras lavradas, vestigios de
-edifícios e toponymia, que os cabeços de Vouga e Marnel nos conservam,
-segundo descrevem Brito, Pinho Leal e os parochos do sec. XVIII nos
-extractos publicados pelo _Archeologo Português_.
-
-
-IX
-
-O sentimento de Gaspar Barreiros (_Chorographia de alguns logares_,
-MDLXI, p. 48 sgs.) era que a situação de Talabriga devia ser a actual
-Cacia, especialmente na igreja de S. Julião, onde apparecem vestigios
-antigos. Varios autores o seguem.
-
-As razões d'este illustre escritor do sec. XVI merecem alguma discussão.
-
-Barreiros funda-se no Itinerario e conta, no sentido d'este roteiro, as
-milhas de Conimbriga para o norte. E por confirmação d'este argumento,
-traz o passo de Plinio que eu já transportei a este estudo, mas com uma
-differença que elle tomou de um archetypo Toletano (p. 51), declarando
-porém que alguns exemplares de Plinio não são accordes com aquelle. A
-lição citada é pois esta: _A Durio Lusitania incipit, Turduli veteres,
-Pesuri, flummen Vacca, oppidum Vacca, oppidum Talabrica, oppidum et
-flumen Minium_, etc. Esta variante demonstra a existencia de uma cidade
-_Vouga_, que G. Barreiros colloca na Ponte de Vouga (p. 50 _v_). Algumas
-cartas antigas reflectem esta indicação. Isto posto, G. Barreiros leva a
-contagem de Conimbriga para Talabriga por espaço de 50 milhas, o que é
-exacto, espaço que elle computa equivalente a 12,5 leguas e enumera:
-
- De Condeixa a Coimbra 2,5 leguas
- De Coimbra á Mealhada 3,5 »
- Da Mealhada a Avellãs 2 »
- De Avellãs a Agueda 2 »
- De Agueda á Ponte de Vouga 1,5[24] »
- De Ponte de Vouga a Cacia 1 »
- 12,5
-
-«Na qual villa & igreja de sanct. Juliã nas ribeiras do Vouga situadas,
-se acham vestigios antigos, s. os fundam[~e]tos de h[~u]a torre que na
-memoria dos hom[~e]s inda staua quasi inteira, onde era outro tipo
-segundo ficou fama de h[~u]s em outros chegauam nauios da foz do mar,
-porque inda ali se acharam pedaços d'elles & anchoras iuncto da dicta
-torre em h[~u]a lagoa Afora muitos vestigios & ruinas d'argamassa que
-dentro em seu ambito cõprehende h[~u]a milha pouco mais ou menos» (p. 50).
-
-A não ser que tenhamos de recorrer a uma mudança da primitiva situação,
-nós temos de procurar em Talabriga a cidade preromana, que no sec. II a.
-C. Decimo Junio Bruto reduzia á miseria e á impotencia, segundo narra
-Appiano. E esse oppidum teria que possuir condições estrategicas
-identicas ás dos outros castros preromanos, taes como elles nos acenam
-que foram escolhidos pelas populações proto-historicas; teria que
-justificar o proprio designativo de caracter celtico _briga_--altura
-fortificada.
-
-Creio poder affirmar que nada d'isto se encontra em Cacia. Alem d'isto o
-proprio G. Barreiros, no dizer que, entre os vestigios antigos,
-sobresaía uma torre, que ainda andava lembrada, e se topavam «ruinas de
-argamassa», quasi estabelece uma chronologia, porque taes vestigios não
-podem ser anteriores aos romanos; poderão attribuir-se menos á sua epoca
-que ás posteriores. Para a contemporaneidade, teriamos que admittir e
-demonstrar uma deslocação do primitivo assento de oppidum, como vimos;
-se esses vestigios se affectam ás epocas successoras dos romanos, o
-facto sae para fóra do problema e d'elle me não posso occupar.
-
-O principal estorvo, porém, que a opinião de Barreiros encontra, é
-aquelle que eu quis descobrir e evitar, quando ajustei a medição do
-itinerario a contar de Cale para o Sul e não de Aeminium para o Norte.
-Evitei assim o erro de cair em Aveiro, em Esgueira e agora em Cacia,
-onde muito bem podia ir passar com o roteiro romano nas mãos.
-
-Isto illumina-se á luz da carta. Barreiros vem seguindo, com os ouvidos
-na tradição do seu tempo, o leito do caminho romano (dito mourisco) pela
-Mealhada, Agueda, até á ponte de Vouga, e até aqui bem elle vem; chegado
-porém a esta altura, desnorteia-se e inflecte para Oeste para fazer a
-primeira estação de Itinerario em Cacia, imaginando-se em Talabriga.
-Kilometricamente, creio não haver que lhe objectar. A distancia da ponte
-de Vouga a Cacia é proximamente igual á que entre o mesmo ponto se nota
-e a linha-zona _TT_, que eu determinei. Portanto não falseava o illustre
-chorographo quinhentista a tabella do Itinerario, isto é, as 50 milhas
-desde Condeixa (Conimbriga).
-
-Mas a precaução de começar a contagem de Cale para Talabriga, obsta ou
-impede aquella inflexão e obriga a trazer o caminho numa directriz mais
-desempenada para a ponte de Vouga. Volvendo os olhos á curva _TT_ do
-mappa, ver-se-ha que Cacia lhe fica a distancia grande porque, com este
-desvio da trajectoria normal, a medição romana perdeu espaço, atrasando-se.
-
-Se não fosse este meio de verificar o erro, era possivel a desorientação.
-
-Creio, pois, ter demonstrado pela ethnographia e pela geometria
-topographica que Talabriga não póde ser collocada em Cacia, quer se olhe
-á Talabriga preromana ou protohistorica, quer á romana ou historica; á
-Talabriga de Appiano e D. J. Bruto ou á da epoca imperial e do Itinerario.
-
-
-X
-
-Como, segundo se infere de Appiano (vid. adeante), o oppidum de
-Talabriga continuou a ser habitado depois da sua rendição no sec. IV a.
-C. e emfim ainda existia no sec. IV d. C., poderia succeder que elle
-conseguisse resistir á vinda dos barbaros, e chegar ao dominio dos
-arabes. Convinha pois consultar a geographia arabica, e o nome de
-Edrisi, geographo do sec. XII, impunha-se-me logo.
-
-O que das suas differentes traducções se conclue, não é nada claro para
-mim que ignoro o arabe, mas poderá auxiliar o estudo da questão por
-parte dos arabistas.
-
-Ha uma edição de 1619 (Paris) com o titulo de _Geographia Nubiensis_,
-que quero pôr em confronto com a traducção de Amédée Jaubert
-(_Géographie d'Edrisi_, Paris 1840).
-
-Edrisi descreve dois caminhos de Coimbra a Santiago de Compostella: um
-por terra, outro por mar.
-
-
-Caminho por terra
-
- _Ed de 1619_ (trad. lat)
-
- «Iter autem terrestre a _Colimria_ ad _S. Jacobum_ est hujusmodi: a
- _Colimbria_ ad oppidum _Aba_ stationis habetur intervallum. Ab _Aba_
- ad oppidum _Vatira_ statio. Ab hoc ad primos terminos regionum
- Portugalliae, statio, pergit que iter secans terram Portugalliae
- spatio diei, ibique conspicitur oppidum _Bonacar_ ad ripam fluminis
- _Durii_, quod est flumen Samorae, atque illic trajiciendum cymbis ad
- hoc paratis. Ab oppido ad amnem Minio, indeque ad castellum Abraca
- LX M. P. duae videlicet stationes. A castello _Abraca_ ad castellum
- _Tui_ stationes duae».
-
- ---
-
- O editor de 1619 diz que não ha medida certa para as _stationes_,
- expressão que se referia a pousada dos viandantes. As _stationes_
- justas eram de 25 milhas, mas algumas tinham mais, outras menos.
- Parece que seria o espaço que se poderia percorrer em um dia.
-
-
- _Ed. de 1840_ (trad. fr.)
-
- «O itinerario por terra de Colomria (Coimbra) a S. Tiago é como
- segue: de _Coimbra_ a _Abah_ (Ribadavia) (!) aldeia, uma jornada. De
- _Abah_ a _Uetaria_ (Huctaria) (?) aldeia, uma jornada. D'ahi á
- fronteira de Portugal, uma jornada. O caminho vae através das terras
- de Portugal durante uma jornada, ao fim da qual se chega a
- _Buna-Car_, aldeiasinha nas margens do _Douro_, que é o rio de
- Zamora. Passa-se o rio em barcos proprios para isto. D'este logar ao
- rio _Minho_ ou antes ao forte _Abraça_ (insua de Caminha) (?) 60
- milhas ou duas jornadas. Depois _Tuia_ (Tuy) cidade pouco notavel,
- mas bella e numa região fertil, duas jornadas» (II, p. 232)
-
- ---
-
- No texto francês, ao vocabulo _statio_ corresponde _journée_, que eu
- traduzi por _jornada_ (de um dia).
-
-
-Temos aqui duas traducções do texto arabe, uma em frente da outra, e a
-verdade é que sufficientemente se correspondem. O principal para o meu
-fim seria a localização das estações de Edrisi; neste ponto o traductor
-francês apenas conserva intemeratamente as tradições dos estrangeiros
-quando, fallando ou escrevendo, debicam na nossa geographia.
-
-Nem ao diabo lembra que a Coimbra se siga... _Ribadavia_!
-
-A primeira estação ao deixar Coimbra é _Aba_ (ed. 1619) ou _Abah_ (ed.
-1840). Poderá corresponder a _Agueda_? Jaubert desejaria falar em
-_Riba-d'Agueda_! É provavel.
-
-A segunda estação foi interpretada por _Vatira_ (ed. 1610) e _Uetaria_
-(ed. 1840). Não sei identificar esta localidade, assim desfigurada.
-
-Em seguida a isto, se na versão latina parece haver uma incongruencia,
-ella desapparece na traducção francesa. Através das terras de Portugal,
-chega-se com um dia de viagem ás margens do Douro. Isto parece ser bem o
-tradicional caminho que entesta na foz do Douro.
-
-Não diz o geographo arabe em que ponto da margem do Douro ficava _Bona_
-ou _Buna-car_, expressão que não sei reconhecer, mas parece-me que deve
-ser a embocadura d'este rio, e é a seguinte a razão. Diz Edrisi que de
-_Bona-car_ ao rio Minho são 60 milhas; ora, numa pagina anterior (p.
-227) elle conta da foz do Douro á do Minho as mesmas 60 milhas. Portanto
-creio que _Buna-car_ era aproximadamente em Gaia, onde depois o rio se
-atravessava em barcos[25].
-
-Descrevendo o mesmo _caminho por mar_, isto é, a viagem de Coimbra a
-Santiago, o primeiro ponto onde diz que se abica, é a foz de
-_nahr-Budhu_ (rio _Vadeo_, traduz A. Jaubert!) que corresponde ao Vouga,
-rio, acrescenta, consideravel, onde entram embarcações grandes e
-pequenas (II, 227). Esta aclaração parece indicar que naquelle tempo a
-foz do Vouga e o lago interno serviam a uma navegação bastante activa.
-Quanto ao relacionamento da antiga Talabriga com alguma das estações do
-caminho medieval descrito por Edrisi, nenhuma conclusão posso tirar com
-segurança.
-
-Com muita probalidade porém se infere d'isto que o caminho frequentado
-então devia ser o que hoje corresponde á estrada real com a passagem nas
-pontes medievaes de Vouga, mas emquanto não se fixarem estes dois ponto;
-duvidosos, localização muito verosimil de _Aba_ ou _Abah_ em Agueda e
-incerta de _Vatira_ ou _Ueturia_, o testemunho do geographo arabe apenas
-serve seguramente para localizar as testas d'este caminho, estabelecer
-com grande plausibilidade a tradição do caminho historico pela orla das
-montanhas e revelar-nos o movimento commercial da foz do Vouga.
-
-
-XI
-
-Tratando-se pesquisa dos vestigios da via romana _ab Aeminio ad Calem_,
-o testemunho de Viterbo (_Elucidario_, s. v. _Estrada mourisca_) devia
-ser ponderado. Diz este illustre antiquario que, nos documentos de
-Grijó, se fazia larga menção de propriedades que ficavam umas da parte
-de cima, outras da parte de baixo da estrada mourisca. No anno de 1148,
-Trutesindo doa ao celebre mosteiro o que possuia em Brantães e em S.
-Felix _subter illam Stratam Mauriscam, discurrente riuulo Cerzedo_.
-
-Acrescenta o sabio antiquario que a estrada era mourisca por ter sido
-aberta pelos Mouros, que abandonaram a romana que vinha ali a passar
-entre Lancobriga e o mar, pois que com o rodar dos annos a costa se
-entupira e alteara por causa das areias e os rios estagnados não só
-esterilizaram os campos, mas fecharam a passagem dos caminhos. E mais
-depõe Viterbo que a estrada mourisca ia do Porto a Agueda por Azemeis,
-Albergaria, Vouga, etc.
-
-Antes de mais: notemos esta opinião corrente, esta tradição, tão
-concordante com o que eu já procurei accentuar, de que a tal estrada
-_mourisca_ descia do Porto a Agueda precisamente por Azemeis, por
-Albergaria e por Vouga.
-
-Que Viterbo lhe chamasse _mourisca_ não é de espantar; era a voz popular
-que ainda hoje nos falla de Mouros sempre que tem de referir-se a povos
-muito antigos, preromanos, romanos, barbaros, etc[26].
-
-Mas o documento de 1148 já tratava de mourisca uma obra que não podia
-ser dos Sarracenos, a esse tempo ainda no sul de Portugal. Creio não se
-poder sustentar que a estrada que passava em Cerzedo era construida por
-arabes; aproveitada sim, porque sendo o caminho que elles ainda
-encontravam á sua disposição, devia ser aquelle que inundavam do terror
-das suas algaras.
-
-Em que elementos se estribava Viterbo para dizer ainda que a mesma
-estrada mourisca tocava em Oliveira de Azemeis, Albergaria, Vouga e
-Agueda? Confesso que não os conheço, a não ser que a memoria e o uso
-d'este caminho tradicional se perpetuassem através de tantos seculos e
-tão profundas transformações sociaes.
-
-Informa Pinho Leal que na freguesia da Trofa (concelho de Agueda) ha
-ainda o logar de _Mourisca_, á margem da estrada, e que o nome lhe veio
-d'esta. Traduzindo _mourisco_ em _romano_, póde ser acertada a
-supposição. Isto transcreveu-o elle de Viterbo, s. v. _Estrada_.
-
-Mais expressivo é o tópico de um sitio, perto de Lamas e junto da
-estrada real; chama-se elle _Fundo da rua_. Tal rua não é outra senão a
-via romana. Esta explicação affere pela que dá o _Corpus_ (II. p. 363)
-com referencia a uma freguesia de Santo Estevam da Rua, onde passava uma
-estrada romana (_oppido quod a via romana nomen duxit_). A 3:500 para O.
-da Feira ha um sitio chamado _Rua Nova_. Aqui é que só a inspecção dos
-logares poderia indicar-me o significado d'este tópico.
-
-Num escritor estrangeiro do sec. XVIII, lê-se uma descrição litteraria
-do caminho através do campo de Aveiro, que só se entende se o
-suppusermos encostado ás montanhas de leste, permittindo que se
-descortine para a banda do mar toda aquella immensidade de terras
-feracissimas que aquelle autor olhava como planicie encantadora
-(_Annales de l'Espagne et du Portugal_, Alvares de Colmenar, Amsterdam
-1741, p. 253).
-
-Isto demonstra que a estrada real de hoje é um caminho velho e
-tradicionalmente batido para ligar Coimbra ao Porto.
-
-Nos _Port. Mon. Hist._ não se encontram referencias mais claras do que
-esta de Viterbo e as que adduzi em nota, á antiga via romana. Compulsei
-bastantes documentos d'aquella publicação e nella encontrei variadas
-referencias a caminhos, mas em termos d'onde não se podia concluir cousa
-alguma que indicasse o conhecimento da existencia de uma estrada da
-epoca romana, considerada como tal[27].
-
-
-XII
-
-Um esclarecimento dá Viterbo que é exacto e tem importancia para a
-historia d'esta região tributaria dos esteiros vacuenses.
-
-Retiro-me ao «entupimento» da costa que com o rodar dos annos se foi
-alteando e ao «estagnamento» dos rios que esterilizava os campos e
-fechava os caminhos. Esta acção do mar na costa de Aveiro tem sido um
-problema technico e administrativo extremamente complicado para os
-governos portugueses, não só pelas condições commerciaes de Aveiro, mas
-pelo estado sanitario de toda esta região. O coração d'este problema é a
-barra do Vouga.
-
-É difficultoso dizer o estado d'esta embocadura nos tempos que
-interessam ao presente estudo. Tenho lido que, na epoca romana, entravam
-a foz do Vacua embarcações de grande arqueamento (_Os portos maritimos
-de Portugal_, pelo Sr. Adolfo Loureiro, II, 3). Não sei que fundamentos
-póde ter esta asserção, que em todo o caso é relativa á tonelagem dos
-antigos navios.
-
-Os geographos antigos que se referem a este rio lusitanico, não dizem
-cousa d'onde se possa inferir a sua capacidade para grandes embarcações,
-como aliás se tem escrito.
-
-O mais explicito é Estrabão (_Geographia_, liv. III, III), que vertido a
-latim, diz: _Deinceps post Tagum nobilissima flumina sunt Muliadas,
-parvas habens navigationes. Itidem Vacua fluvius, post quos Durius longo
-fluens cursu_, etc. O geographo grego iguala o Mondego (_Muliadas_) rio
-de navegação diminuta, ao Vouga, da mesma fórma (_itidem_) estuario de
-diminuta navegação. E tanto mais é esta a natural hermeneutica, que o
-contraste é frisante com a importancia do Douro, _longo fluens cursu_.
-Estrabão escreveu no sec. I a. e d. de C.; como póde affirmar-se que no
-tempo dos romanos entravam o Vouga embarcações de longo curso e a sua
-foz era um porto de grande commercio e muita prosperidade?
-
-Ora isto vem ao intento de eu pretender que no surgidouro do Vouga não
-havia nos primeiros seculos, pelo menos da epoca romana, povoação de
-vulto que determinasse uma passagem forçada na via militar e um desvio
-da natural directriz _ab Aeminio Calem_. E para um porto de tamanho
-trafego, era pouco um simples _vicus_.
-
-Temos pois a affirmação estraboniana[28]. E antes?
-
-Menos ainda. Diz-se que em algumas minas da região metallifera de
-Entre-Vouga-e-Caima tem apparecido vestigios de antigas laborações.
-Apesar da falta de precisão chronologica nesta noticia, póde presumir-se
-o facto até para a epoca preromana. E neste caso, a via fluvial seria a
-mais pronta saida do mineiro para o commercio externo.
-
-Mas um óbice encontro agora. Seria consequente que este trafico
-determinasse a formação de um povoado á beira-mar ou na enseada
-interior. A essa gente faltaria, porém, uma cousa, que se lhes tornára
-tão indispensavel, como o pão para a boca: era a segurança pessoal, era
-o ninho de aguia. Com as planuras não se queriam elles. A não ser que
-deroguemos os conhecimentos adquiridos no que até agora se tem encontrado.
-
-Alem disto, que motivos ha para tirar effeíto tambem retroactivo á
-noticia de Estrabão?
-
-Um primorosissimo escritor[29], filho de Aveiro, evita, com
-exemplar abnegação patriotica, o problema archeologico da origem
-preromana da sua terra natal, mas propende á presumpção de que algum
-povoado assentaria antigamente na foz do Vouga os seus lares. E enfeixa
-o illustre homem de letras duas razoes: 1.ª, a geographica; 2.ª, a da
-exploração do sal. Aquella parece-me menos conciliavel com a
-ethnographia dos povos a que se deseja alludir, como notei. E esta? Para
-o commercio, quer interno quer externo, temos ainda o mesmo senão. Os
-marnôtos d'aquelle tempo onde se acoitariam[30]?
-
-Que, posteriormente a Estrabão, as _parvae navigationes_ crescessem em
-numero e tonelagem não é impossivel, porque a vida social começava já a
-fervilhar nas planicies.
-
-E a industria do sal, cuja utilização aliás já data dos tempos
-neolithicos, poderia commercializar-se (perdão para o neologismo) d'essa
-epoca em deante, se tomarmos por base da hypothese o caracter latino da
-technologia[31] e o que sabemos por aquelle geographo da
-importancia das salgas (_Geographie de Strabon_, por Am. Tardieu, 1886;
-III-IV-2). Mas então já a via militar _ab Aeminio ad Calem_ lá estaria
-antes de ser necessaria, se necessaria se pudesse considerar por motivo
-do commercio externo, num porto afastado da linha natural de
-communicação e posto em duvida pelo silencio dos textos, como vimos.
-
-Do que o Vouga seria na idade media possuimos o testemunho do geographo
-arabico Edrisi (_Géographie d'Edrisi_, trad. de P. Amédée Jaubort. Paris
-1840 II, 227).
-
-O nosso rio foi transposto para aquella lingoa por uma palavra que A.
-Jaubert representa na graphia francêsa por _Boudhou_ (ou==u); e assim
-conforme o texto arabico vemos que o _nahr-Budhu_ é um rio consideravel
-onde navegam embarcações grandes e pequenas, e a navegação se estende a
-70 milhas da sua foz. Agora já começamos a entrever uma população
-occupada no trafego maritimo.
-
-A diplomatica tambem proporciona alguns elementos de estudo
-relacionaveis com este, mas propriamente esta epoca já não interessa á
-questão posta.
-
-Há porém, uma cousa que não posso omittir.
-
-É o documento n.º LXXVI dos _Port. Mon. Hist._, «Dipl. et Chartae», onde
-se lê a fórma medievica de Aveiro, a qual é _alauario_, o que só por si
-desmorona as hypotheses etymologicas a que varios chorographos se tem
-apegado, mas revela pela primeira vez a existencia de uma povoação onde
-hoje é Aveiro (assim tambem _Talabario_ e _Táveiro_. Doc. CXXVIII).
-
-O trabalho do mar e das aguas na desintegração de um subsolo brando e a
-força do vento nos areaes movediços devem ter sido causa perenne e
-inflexivel dos açoreamentos e obstrucção da navigabilidade[32]. O factor
-é antigo, tão antigo quanto o póde ser, por maneira que aquella região
-nunca teve, fóra das epocas geologicas, outra face topographica muito
-diversa da dos nossos dias[33]. É presumivel que elevadas florestas
-forrassem com sombras impenetraveis toda essa immensa orla limitada pelo
-mar a Oeste e pelas montanhas a E., na região e na epoca de que me
-occupo[34] como em outros pontos suppôe o Sr. Alberto Sampaio
-(_Portugalia_, II, 215, art. cit.); mas isso não importa acreditar a
-possibilidade da via romana por terrenos de tal especie.
-
-Informou-me o distincto engenheiro Sr. Mello de Matos, que, ao
-proceder-se aos trabalhos de construcção de uma ponte nas proximidades
-de _Vagos_, se encontrou encastoado nas areias o cavername de um navio,
-que infelizmente não foi estudado. Na _Esgueira_, achara-se outro.
-
-Narra Pinho Leal que ha annos em Vagos se descobriu uma ponte sobre um
-ribeiro que a areia das dunas entupiu completamente. Escusado é
-acrescentar que a ponte foi logo capitulada de _romana_, nada menos.
-
-Estes factos não tem sido apenas recentemente verificados. Já vimos num
-trecho, que desatei do nosso Gaspar Barreiros (p. 50) que pelas alturas
-de Cacia se tem encontrado, submersos na terra, cascos de navios e
-ancoras, o que radicou a crença de que as embarcações chegavam ate ahi
-em tempos antigos. Esta apreciação já é do sec. XVI.
-
-D'este millenario ha um mappa, publicado por Abrahão Ortelius, onde se
-reconhece nitidamente a bacia de Aveiro. (Vide _Theatrum orbis
-terrarum_, já citado a pag. 132).
-
-Estes factos esclarecem o assunto e reatam a tradição de que os fundos
-da ria se vão alteando com a obstrucçâo nos esgotos das correntes
-fluviaes. Fr. Bernardo de Brito (_Monarchia Lusitana_, II. V. p. 130)
-diz que, do tempo d'elle, Aveiro, muito concorrida de gente de mar e
-pescarias, era cidade florescente[35].
-
-O Sr. Cons.º Luis de Magalhães tambem entende que, tendo ahi embarcado
-para uma jornada de Africa os terços da Beira, é porque o porto
-consentia a arqueação das caravelas.
-
-D'esta epoca ha mais elementos concordantes no movimento commercial de
-Aveiro e portanto no estado da sua barra. (Vid. _Os portos maritimos de
-Portugal_, pelo Sr. A. Loureiro, II, 3).
-
-O que Barreiros conta relativamente a Cacia, encontra-se repercutido num
-local situado muito mais acima sobre o Vouga. No sec. XVIII corria que
-em eras passadas ainda os navios subiam aquelle estuario até a antiga
-cidade de _Vacua_[36], onde depois foi a villa de Vouga e
-agora mero cabeço de Vouga (_Arch. Port._, VII, 191), que aliás tende a
-desapparecer, como desappareceu a de Marnel pelo impaludismo (Pinho
-Leal, _Port, Ant. e Mod._, s. v. _Vouga_).
-
-Esta noticia, porém, deve interpretar-se com uma informação mais
-minuciosa que encontro em uma obra de 1741 (_Annales de l'Espagne et du
-Portugal_, por Alvares de Colmenar, Amsterdam). Diz este A. que Aveiro é
-uma cidade bastante consideravel, situada na testa de um pequeno golfo
-que a maré estabelece na embocadura do Vouga. Este rio fórma um porto de
-limitadas dimensões, onde os navios mediocres, que não demandam senão 8
-ou 9 pés de agua, podem entrar na preamar, com a direcção de pilotos do
-sitio. Este A. já falla na grande producção de sal e nas fortificações
-constantes apenas de uma muralha flanqueada de algumas torres.
-
-Na lagoa de Esmoriz, de que falla um doc. do sec. IX, (_Port. Mon.
-Hist._, «Dipl. et Chart.», n.º XII), havia uma barra por onde entravam
-as caravelas em antigos tempos e depois se entupiu (_Arch. Port._, IV,
-144).
-
-O caso do cavername encontrado perto de Vagos liga-se com a noticia do
-sec. XVIII, transmittida pelas _Memorias Parochiaes_, segundo as quaes o
-braço da ria que existe entre Aveiro e Ilhavo dava antigamente fundo
-para caravelas e agora é vadeavel (_Arch. Port._, IV, 329).
-
-Em Mira, numa lagoa de agua doce, conta um informador que nella se
-encontram vestigios de casas, moedas e alicerces de uma parede ou
-caminho que a atravessou pelo meio. Alem disto, pelo norte e poente,
-tem-se açoreado (_Arch. Port._, V, 297).
-
-Quanto se póde deduzir d'estas noticias, o extenso delta vacuense tem
-sido invadido com trabalho successivo pelas areias que causam a
-obstrucção dos esteiros e a diminuição da navegabilidade. De nenhuma
-noticia, porém, se póde concluir que na epoca romana o aspecto
-topographico e a constituição orographica da região fosse tão diverso do
-que é actualmente, que a via romana lá pudesse passar preferentemente ao
-trajecto mais interno, na base da montanha, através dos castros e das
-minas.
-
-
-XIII
-
-De Talabriga temos uma das paginas da sua historia escrita por um autor
-do meio do sec. II d. C., Appiano de Alexandria.
-
-É certamente este um caso particular, mas não deverá deixar de ser
-considerado como uma amostra de dramas analogos que succederam com os
-oppidos lusitanos, no embate das cohortes romanas.
-
-Talabriga, escreve Appiano, era uma das cidades (da Lusitania) que mais
-frequentemente se revoltava. Esta falta de resignação, este, direi eu,
-germen de patriotismo ou melhor de municipalismo, não podia
-tranquillizar Decimo Junio Bruto, que julgou que o caso era de reclamar
-a sua presença no local da cidade. Partiu com numerosa gente, e ao seu
-apparecimento responderam os irrequietos Talabrigenses com supplicas e o
-seu incondicional abandono á discrição do conquistador. Então J. Bruto
-foi energico e insaciavel, mas ao mesmo tempo teve um lanço inesperado
-de generosidade. Quis fazer-lhes sentir primeiro a dureza cruel do seu
-braço de guerreiro, e para isso impôs-lhe a immediata entrega dos
-transfugas das hostes d'elle, certamente alliados dos romanos, a dos
-prisioneiros, a de todo o armamento e ainda por cima exigiu refens.
-Depois chegou a ordenar-lhes que abandonassem a cidade com suas mulheres
-e filhos. Parece que o prestigio militar de J. Bruto não valia menos que
-seu tino de politico e conquistador. Os Talabrigenses aprontaram-se para
-obedecer alli mesmo. Mas o capitão romano queria compor-lhes um quadro
-que lhes impressionasse perduravelmente a imaginação. E ia espreitar o
-effeito produzido.
-
-Desdobrou em circulo as suas tropas e, agglomerando dentro a chusma dos
-habitantes humilhados, arengou-lhes. Fez-lhes perceber que não receava a
-sua turbulencia indomita, porque quantas vezes desertassem, outras
-tantas elle viria combatê-los e reduzi-los com a necessaria firmeza,
-incutido assim o receio e a convicção de que no momento adequado, J.
-Bruto cairia sobre elles com toda a energia, o general romano quebrantou
-a sua ira, satisfeito com estas objurgatorias. Mas não sem que lhes
-tomasse os cavallos, os mantimentos, os dinheiros da cidade com todo o
-outro material publico[37]. Isto era claramente deixá-los na
-impotencia e até na penúria. E por fim J. Bruto, contra tudo quanto os
-Talabrigenses podiam já esperar (_pratter spem_), restituiu-lhes a
-cidade para nella continuarem a habitar. Isto passava-se já meado o sec.
-II, antes de Christo (138 a. C).
-
-Feito isto, o conquistador regressou a Roma.
-
-Esta pagina da conquista da Lusitania é tanto mais importante quanto é,
-com igual individuação, a unica que nos resta de historia escrita dos
-oppidos lusitanos, e, embora narre um só episodio da guerra da
-conquista, não deixa de ser elucidativa.
-
-Quando li este trecho de Appiano (_Appiani Alexandrini Rom. Historiarum
-quae supersunt_. Parisiis. F. Didot. MDCCCXL), confesso que senti
-amargura por não podermos ainda ir conversar na região do Vouga com as
-ruinas da cidade onde estes successos crueis se desfiaram, e segredar ás
-cinzas d'aquelle abrasado patriotismo que o mesmo sentimento, que
-chammejou nesses lusitanos insoffridos, ainda se não arrefentára com o
-soprar sobre ellas de vinte vezes cem invernos, e em mais de um dia, já
-da nossa existencia nacional, elle se tem ateado em protestos bem
-tumidos de calor.
-
-Talabriga continuou a existir e refazer-se, atravessando a epoca
-imperatoria, como nos attesta: 1.º, a data a que pertence a ara de
-Estorãos, sec. III-IV; 2.º, a sua inscripção no Itinerario (sec. IV).
-
-Que seculos lhe trouxeram o ultimo acto das suas tragedias? Os do mal
-afamado frankisk barbaro ou os do pavor sarraceno mais verdadeiro e real
-que aquelle, sobretudo no territorio portugalense?
-
-Entrevejo pois para a archeologia portuguesa este problema: sondar o
-jazigo de Talabriga, verdadeiro simbolo do nosso sentimento de
-independencia territorial e figura-se-me que mostrei onde com toda a
-probabilidade elle se deve encontrar. Espero ter eu mesmo ensejo de
-averiguar se o simples e frio raciocinio me guiou, sem desvio, até as
-trincheiras historicas, que occultam os miserandos restos de Talabriga.
-
-Conservar-se-ha ainda evolucionado este toponimo? Responderá o
-onomastico, paternalmente assistido pela philologia, não se dando o caso
-mais provavel do verso susodito de Vergilio:
-
- _Haec tum nomina erunt, nunc sunt sine nomine terrae!_
-
-Março de 1907.
-
-
-_P. S._ No mappa do _Ortelius_, de que me soccorri a pp. 132 e 155, vejo
-nova _Lancobriga_, pelo sul de Scalabis; teremos tres? (Ver _O Arch.
-Port._, XII, 42).
-
-
- [1] O brasão de Agueda ostenta num lemnisco o mote Aeminium. Mas
- Coimbra tem hoje uma lapide, quo lhe dá irrecusavelmente o foro de
- _civitas aeminiensis_.
-
- [2] Um dos autores que se destacam por tentar a determinação de
- Talabriga e Langobriga (e ainda outras estações da via ab _Olisipone
- Bracaram Augustam_) por um processo exacto é o Sr. J. Henriques
- Pinheiro, fallecido professor do Lyceu de Bragança. Mas talvez em
- consequencia de trabalhar sobre uma carta (a de Folque) muito
- reduzida e de se servir da reducção de milhas a leguas, localiza
- Talabriga em _Aveiro_ e Langobriga na _Feira_. Em todo o caso, não
- podendo conciliar as distancias relativas a Langobriga, conclue que
- ha erro nos Codices (_Estudo da Estrada Militar Romana de Braga a
- Astorga_, por J. Henriques Pinheiro, Porto, 1896, p. 129).
-
- [3] O Sr. A. Coelho diz que a fórma verdadeira é a de Estrabão, como
- o prova a moderna _Vouga_ e _Vauga_ dos documentos em baixo latim
- anteriores ao sec. XII (Mélanges Graux, 1882). Vid. _Religiões de
- Lusitania_, II, 28.
-
- [4] Nas _Noticias Archeologicas de Portugal_, de Hübner, trad. do
- Visconde de Juromenha, vem um extracto do Itinerario segundo a ed.
- de Parthey & Pinder (1848). Prefiro a lição _briga a brica_ de
- Wesseling, ed. dos _Vetera romanorum Itineraria_, MDCCXXXV.
-
- [5] Não pude haver á mão as _Memorias_ d'este mesmo senhor.
-
- [6] Como preciosidade estrangeira, desejo referir que o aliás
- eminente celtista D'Arbois de Jubainville, num estudo erudito sobre
- «Les Celtes en Espagne» (_Revue Celtique_, XIV, § 8) diz, de
- passagem, ser Talabriga a actual povoação de Sousa, conc. de
- Alenquer! Presumo que esta incongruencia é proveniente do que
- escreveu _C. Muller_ em uma nota da _Cl. Ptolemaei Geographia_ (I,
- 137) a respeito de Talabriga: _Oppidum haud longe a Vouga, fluvio
- circa, hod. Souza alicubi steterit. Accuratius locum definire non
- licet._ Como ha mais Marias na terra, d'ahi proveio a confusão.
- Veja-se Sousa a O. de Vagos.
-
- [7] Por partes temos:
-
- De Gaia á Feira 21:900 metros
- Da Feira a Oliveira de Azemeis 10:900 metros
- De Oliveira de Azemeis a Albergaria 18:000 metros
- De Albergaria ao rio Vouga 6:800 metros
- Do rio Vouga a Agueda 9:000 metros
- De Agueda á Mealhada 22:000 metros
- Da Mealhada a Coimbra 16:500 metros
- 105:100 metros
-
- [8] Escreveu o autor do _Portugal Antigo e Moderno_ que a via romana
- seguiria pouco mais ou menos o trajecto da linha ferrea. Assim era
- preciso, se Talabriga fosse Aveiro, quer no troço ao norte, quer no
- troço para sul, em attenção ás condições topographicas. Neste caso,
- porém, a distancia de Coimbra a Gaia seria necessariamente pelo
- menos a que hoje é por aquelle caminho; nada menos de 115
- kilometros, o que está bem longe dos 105 kilometros da via romana e
- da estrada real. Num diagramma da carta indico a differença das
- distancias entre Cale e Talabriga e Gaia e Aveiro pela via ferrea
- (45:800 metros e 59:000 metros).
-
- [9] No mappa com que documento este estudo, lancei só os elementos
- que me eram uteis. Tudo o mais ficou no original, a que até accresci
- alguma cousa a mais por assim convir á minha demonstração.
-
- [10] É força porém attentar na exigua differença que no caso
- presente existe entre a recta, que unisse os dois pontos extremos
- (Coimbra e Gaia), e o desenvolvimento da distancia effectiva pela
- estrada real, entre os mesmos pontos. Bem sei que differentes
- parcellas podem dar a mesma somma, mas difficultoso seria crer que,
- acertando o Itinerario na distancia total entre Aemiuium e Cale,
- delinquisse nas parcellas, que vem a ser as tres secções da via
- militar. Veja-se o diagramma.
-
- [11] Pela linha ferrea de Coimbra a Aveiro são 56 kilometros: pelo
- caminho romano de Coimbra a Talabriga eram 59 kilometros.
-
- [12] Nada mais possivel do que um erro de informação de Plinio. Mas
- poderia tambem haver aqui uma confusão entre a Talabriga do roteiro
- romano e a Vacua, de que parece existirem ruinas no Cabeço de Vouga
- (Cit. _Oppida restituta_, 1885). Mas o Itinerario omitte-a, o que é
- apenas argumento negativo. Ainda se poderia dar o caso de _Vacua_
- não ser _mansio_ do caminho romano. Havia um codice de Plinio que
- nomeava Talabriga e _Vacca_ e uma cosmographia antiga que refere
- _Vacca_ (_sic_) e não Talabriga, que aliás deveria ter conhecido
- pelos AA.
-
- Jorge Cardoso, no _Agiologio_, II, 65, quer que Vacua tenha sido em
- Viseu. Peor!
-
- [13] Nos _Port. Mon. Hist._, «Diplom. & Chart.», vem um documento
- (n.º 815 do anno de 1095) cujo teor nos não prende, mas onde se
- lê:.... _Ista igitur auctoritate confissus ingressus sum et ego
- densissimam silliam_ (silvam) _que ab antiquis temporibus
- habitaculum erat bestiarum_.... Trata-se de arredores de Ilhavo.
-
- [14] Nos arredores de Aveiro ha pontos com as cotas de 15, 27, 46,
- 57, 48, 38, 23, 16, 24 e 10 que correspondem a relevos suaves. Todos
- estes pontos estão situados na margem esquerda do Vouga. Mas na
- hipothese de Talabriga, a estação do Itinerario, ser Aveiro ou
- proximidades, a estrada romana, chegada ahi, ver-se-hia forçada a
- atravessar o Vouga desde Eixo para baixo, em direcção ao Norte. E
- digam-me se todo esse trato de terreno, comprehendido entre a margem
- direita do Vouga, desde a ponte de S. João de Loure, como vertice
- meridional, e os sitios de Froços, Angeja, Formelã, Canellas e
- Salreu, não eram de fazer recuar o engenheiro romano que por ahi
- tentasse obter saida para o norte, em direcção a Cale, tendo outra
- incomparavelmente melhor?
-
- [15] Tenho sempre especial satisfação quando vejo que conceitos meus
- foram já formulados por escritores de outro cunho. Assim na _Revue
- des Études Anciennes_ (1905, p. 389), Cam. Jullian, referindo-se a
- caminhos de epocas prehistoricas, diz: _Et il résulte bien.... que
- beaucoup des grandes lignes de circulation actuelle ne sont que les
- héritiers des pistes tracées il y a des milliers d'années._
-
- [16] Para os leitores habituaes do _Archeologo Português_, seria
- ociosa esta nota; para os que porventura o assunto do presente
- estudo desperte de-novo, é uma prevenção necessaria. Quando se falla
- em _castros_ com supposta referencia á epoca romana, não se trata
- dos _castra_, acampamentos ou abarracamentos (Saglio & Daremberg)
- fortificados que as forças militares de Roma construiam em campanha:
- nunca vi ruinas de nenhum d'estes _castra_, nem me consta que as
- haja verificadas no pais. E comtudo os _castros_, ou _crastos_ no
- fallar do povo, são abundantissimos entre nós... porque são cousas
- muito differentes. Estes _castros_ são apenas uns montes com
- vestigios de habitação _ante-romana_ e quasi sempre de obras de
- fortificação de terra ou de muralha. Assim os castros são outeiros,
- cabeços habitados e fortificados, não pelos romanos, mas contra os
- romanos, pelo menos, e pertencentes aos antigos habitadores do país.
- Os _castros_ devem pois aos romanos, não o seu principio, mas a sua
- decadencia e o seu fim, porque foi a conquista e foi a civilização
- romana que os tornou desnecessarios naquelle tempo. Como se lhes dá
- então este epitheto que não vem senão causar confusões? O epitheto
- encontramo-lo na toponimia local; foi o povo que conservou até hoje
- esta designação que nós vamos encontrar com frequente emprego nos
- documentos da idade media. É que no singular _castrum_ significou
- secundariamente um castello, uma fortaleza; cita Rich o capitulo VI
- da _Eneida_, onde se lê (_vv_. 771 a 776):
-
- Qui juvenes quantas ostentant, aspice, vires!
- At qui umbrata gerunt civili tempora quercu,
- Hi tibi Nomentum, et Gabios, urbemque Fidenam,
- Hi Collatinas imponent montibus arces,
- 775 Pometios, Castrumque Inui, Bolamque, Coramque:
- Haec tum nomina erunt, nunc sunt sine nomine terrae.
-
- (_Oevres de Virgile_, par E. Benoist; vol. I, Hachette, 1882).
-
- (Trad.) _Contempla como são grandes as forças que aquelles mancebos
- ostentam! Pois d'entre os que trazem a fronte sombreada pelo
- carvalho civico, uns construir-te-hão Nomento, Gabios e a cidade de
- Fidena, outros assentarão em montanhas as fortalezas Collatinas,
- Pometios, o castello de Inuo, Bola e Cora_ (antigas povoações do
- Lacio): _estes serão os nomes d'aquelles lugares, que estão agora na
- terra sem nome._
-
- Foi certamente d'esta accepção que derivou para o latim corrente, e
- em seguida para o fallar medieval das nossas populações, a
- denominação de _castro_ ou _crasto_.
-
- Na _Revue des Études Anciennes_ (IV, p. 43, 1902) vem uma serie de
- citações para demonstrar que no fim do Imperio pela palavra
- _castrum_ se designavam frequentemente as cidades fortificadas; de
- entre todas extraio a seguinte de Isidoro (_Origines_, XV, 2, 13):
- _Castrum antiqui dicebant oppidum loco altissimo situm_. Com
- referencia a sitios nossos, temos, bibliographicamente, o conhecido
- _Portumcale castrum_, de Idacio.
-
- Mas a par d'aquella, outras se formaram, como _castello_,
- _cristêlo_, _crastêlo_ e _castrêlo_. _Castellum_ (cfr. cit. _Rev.
- des Ét. Anc._) na lingua latina, era um deminutivo de _castrum_ e
- applicava-se tanto a um reducto transitorio, como a um forte
- permanente, quasi sempre situado em logar elevado (Saglio &
- Daremberg, s. v. _Castellum_). Depois, é explicavel que a linguagem
- popular prescindisse da origem não romana d'estes pontos
- estrategicos, e applicasse o termo a alguns castros, talvez aos mais
- deminutos. Aos mesmos montes se vêem tambem applicadas as
- designações de _cividade_, mais ou menos pura, _cidadêlhe_, _coroa_
- e outras ainda. Os autores antigos usam o termo _oppidum_ applicado
- a alguns d'estes centros de população (_oppidum Aeminium_). E ainda
- se encontra junto ao nome originario da povoação, a modo de suffixo,
- o termo de origem celtica _briga_, que tambem quer dizer castello,
- altura fortificada (_Talabriga_).
-
- Os romanos, no nosso caso, traçando a via militar através d'estes
- montes habitados, não fariam mais do que seguir um caminho historico
- e uma directriz frequentada.
-
- [17] O parocho de Segadães (1758) informava que a antiga cidade de
- _Vaca_ (_sic_) fôra assolada pelos _mouros_. Os Leitores conhecem
- estes _mouros_... (_Arch. Port._, VII, 191).
-
- [18] Varios outros documentos d'esta região de Entre-Vouga-e-Douro
- compulsei eu nesta collecção, que se reportavam a _castros_, mas não
- pude localizar as referencias com a presteza que era necessaria. Até
- se me deparou a fórma rara _crésto_ (_cresto ualanes_, doc. DXLIX do
- anno 1077), da qual conheço outra actual no concelho de Valdevêz.
-
- [19] Na fé de Nascimento Silveira (_Mappa breve da Lusitania_, p.
- 226), em Mancinhata, nos cruzeiros ha inscripções que ainda ninguem
- entendeu.
-
- [20] Nos _Port. Mon. Hist._, «Dipl. et Chart.», n.º CCCCLXXI, vem um
- documento que diz: _Cesari... subtus monte castro calbo..._ Cf. o
- n.º CCCCLXX. Não pude averiguar se é um _Monte Calvo_ que vejo perto
- de Romariz. _Cesári_ (gen. de _Cesarius_, _-ii_) deu Cesár, como
- _Severi_ (_Port. Mon. Hist._, «Dipl. et Ch.», _passim_, e _Arch.
- Port._, II, 252, art. do Sr. P. de Azevedo) deu Sever.
-
- [21] Virá de _Calambria_? pergunta A. Herculano (_Historia de
- Portugal_, III, 423). Cfr. _Arch. Port._, art. do Sr. A. Cortesão,
- IX, 232. Teremos aqui alguma _Calambriga_? Um thesouro de 16 argolas
- de ouro é de lá. (_Arch. Port._, II, 87).
-
- [22] Eu não me occupo especialmente da _Langobriga_ do Itinerario,
- mas é facil ver que identicos raciocinios lhe são applicaveis e em
- consequencia, a situação d'este segundo oppido deveria ser na faixa
- de terreno vagamente indicada pela curva _LL._ um pouco ao norte da
- Feira. No meu estudo da ara de Estorãos, assentei que esta não é a
- actual _Longroiva_, cuja fórma medieval era _Langobria_, (_Port.
- Mon. Hist._, «Dipl. et Chart.» CCCCXX). Do que deponho a p. 141,
- parece que é a algum dos castros de _Obil_ ou do _Monte do Murado_
- que deverá convir a localização de Langobriga. Este fica a 6:000
- metros para leste da lagoa.
-
- Para _longo-_ e _lango-_ como para _brica_ e _briga_, não encontram
- difficuldade os celtistas. (_Élém. celt. dans les noms de personnes
- des inscr. d'Esp._, por A. Carnoy. Luvaina 1907).
-
- [23] A legitimidade do processo que segui, empregando o compasso e a
- escala para determinar a zona em que, segundo as indicações do
- roteiro romano, deve encontrar-se o jazigo de Talabriga, tem uma
- averiguação facil, apesar da estranheza que possa causar. Se eu,
- collocado em Eminio, quisesse determinar a situação de Cale, cujo
- anorteamento já conhecia previamente, e para isso adoptasse identico
- systema, o compasso levar-me-hia a uma zona de terreno, onde não me
- seria impossivel encontrar localizações compativeis com uma estação
- d'aquella natureza.
-
- Creio todavia que nem com todos os terrenos assim se póde proceder.
-
- Comprova tambem a plausibilidade do resultado a circunstancia de
- fazerem pequena differença a distancia em linha recta entre Coimbra
- e Gaia e a rectificação da estrada entre os mesmos pontos.
-
- [24] ... por ser tam grande como todos sab[~e], de [~q] á prouerbio
- no pouo. (_Ibid._ p. 50). Já não é só pois grande a legua da Povoa!
-
- [25] O escritor espanhol Eduardo Saavedra, num artigo intitulado «La
- geografia árabe de Portugal» in _Revista Archeologica e Historica_,
- I, 49, suppõe que o trajecto descrito por Edrisi vae de Coimbra a
- Viseu e Braga «por um caminho muito frequentado», fazendo o primeiro
- descanso em Avô, 45 kil. a NE. de Coimbra; o segundo em S. Miguel do
- Outeiro, 10 kil. a O. de Viseu no caminho de S. Pedro do Sul; depois
- chega-se ao Douro, que se passa em embarcações defronte de uma
- aldeia, que é Villaboa de Quires, a E. de Penafiel. D'aqui duas
- jornadas a Braga e outras duas a Tuy.
-
- Salvo o devido respeito, isto parece uma viagem... _à vol d'oiseau_!
-
- [26] Nos _Port. Mon. Hist._, «Diplom. de Chart.», apparecem mais
- documentos em que se encontra esta mesma designação. Estes por
- exemplo:
-
- N.º 67 do anno 953:... _et inde per carraria mourisca..._ (Isto era
- nas vizinhanças de Villa do Conde).
-
- N.º 614 do anno 1083:... _et inde per via maurisca:..._ (territorio
- de Arouca).
-
- Póde não se tratar nestes dois documentos de vias militares romanas,
- como não se trata; mas nem por isso a designação deixa de ser
- inexacta no seu sentido proprio. Eram antigos caminhos, anteriores
- aos arabes. Aliás teriamos que admittir que os filhos do Islam
- andaram por terras de Villa do Conde e de Arouca a abrir estradas em
- fórma, por serem invios os territorios.
-
- Demonstra isto que os amanuenses do secs. X e XI já não sabiam
- estremar romanos (e visigodos) de serracenos. Era pois, como hoje, o
- fallar do povo.
-
- É tambem este o sentimento do Sr. Pedro de Azevedo (_Arch. Port._,
- III, 137 sgs.). Este facto é bastante expressivo. Não passára um
- seculo ainda depois da expulsão dos arabes naquella região, e a
- interrupção de tradições locaes tinha sido tão intensa que a mera
- conjectura tomara o logar d'aquellas, attribuindo aos muçulmanos as
- obras de viação de que elles apenas tiveram a utilidade (Veja-se
- _Hist. de Portugal_, por A. Herculano, III, 421). Em França não se
- dava isto. Ruy de Pina na _Chronica do sr. rey D. Affonso V_ (p.
- 569) diz: «E na cidade de Nimis leixou El-rey _a estrada romam_, que
- vay a Avinham».
-
- [27] Seria longo transcrever os trechos respectivos d'esses
- documentos; e nem sempre é possivel acertar a que especie de
- caminhos se referem as expressões usadas nos documentos. É commum o
- termo _strada_, _strata_; algumas vezes adjectivada _strata
- ueredaria_ (Dipl. et Chart., n.º 174) em opposição a _alia carrale_
- (id.); _estrata de uereda_ (id. n.º 13); _in estrada qui discurrit
- via de uereda_ (id. n.º 24) ou _strata maiore_ (id. n.os 563, 378 e
- 549). Tambem se encontra a expressão _carreira antiqua_ (id. n.os
- 620 e 639), _karraria antiqua_ (id. n.os 888), _carraria antiqua_
- (n.os 639 e 287), _carera antiqua_ (id. n.os 366). _Via de strada_ e
- _strada de uiminaria_ lêem-se no doc. n.º 817 (_ob. cit._) Ainda hoje
- se póde dizer _caminho de estrada_. _Carreira_ é termo agora quasi
- só locativo, mas ainda se ouve no norte applicado ás largas entradas
- de algumas casas antigas, precedidas de uma alameda plana;
- certamente _carreira_ inclue a ideia de carro, como _carrale_. Outra
- denominação que encontrei foi a de _via publica_ (_ob. cit._, n.º
- 676), que parece corresponder a caminho publico.
-
- _Karraria antiqua_ era certamente uma estrada carreteira antiga já
- naquella epoca e portanto tradicional, mas d'aqui não se póde
- concluir que essa estrada fosse _via militar_ romana. Assim o doc.
- n.º 570 do anno 1079 refere-se á freguesia moderna de Paçô, no
- concelho do Valdevêz (_uilla Palatiolo_), onde nunca passou via
- militar e onde a _carreira antiqua_ poderia bem attingir a epoca
- romana.
-
- Alguns d'estes documentos foram indicados pelo erudito conservador
- do Archivo Nacional e meu amigo o Sr. Pedro de Azevedo; outros
- rebusquei-os propositamente com o auxilio do valioso trabalho do Sr.
- Gama Barros, _A administração Publica em Portugal_, entre os que
- pertencem á região de Entre-Vouga-e-Douro.
-
- [28] No mesmo pensar encontro-me com o Sr. Alberto Sampaio na
- _Portugalia_, II, 216 (_As povoas maritimas do norte de Portugal_).
- Assim se exprime: «As unicas povoações, vizinhas do mar, existentes
- então (no tempo dos romanos), eram Calem e Portucale».
-
- [29] É o Sr. Conselheiro Luis de Magalhães, em _A arte e a natureza
- em Portugal_, vol. IV. A descrição da ria immensa de Aveiro, com as
- salinas espelhadas que a cobrem, com os seus cones alvissimos de
- sal, que marchetam a planicie sem fim, é um d'estes primores de
- prosa gracil e diaphana, que mais ninguem poderia escrever com igual
- coração e com pulso comparavel. Parece que a seducção d'esse
- panorama não me será mais intensa, quando com os olhos o vir, do que
- quando o adivinhei naquellas tão poupadas paginas.
-
- [30] A grandíssima maioria das povoações d'estas epocas era nos
- altos; ahi tem sido encontrados os seus vestigios. Para a alguma se
- attribuir situação aberta como a de Aveiro, necessario seria
- documentar a excepção.
-
- Não repugna absolutamente admitti-la no nosso caso, mas é hypothese
- pura. E depois, lá temos o distinctivo _briga_. O nome da cidade
- comsigo traz a natureza do seu assento. No Algarve, _Ossonoba_ e
- _Balsa_, não demoravam em outeiros. (Vide _Religiões da Lusitana_
- II, 85).
-
- [31] _Portugalia_, II, 220, «As póvoas marítimas do norte de
- Portugal», pelo Sr. Alberto Sampaio.
-
- [32] Explicação geologica d'estes phenomenos: «C'est après avoir
- traversé les marécages du Vouga, que l'on entre dans les terrains
- anciens; ce sont d'abord des schistes luisants, généralement cachés
- par des dêpots superficiels: sables des dunes, graviers pliocènes et
- graviers kaoliniques appartenant au Crétacique. Ces derniers ne
- montent pas plus haut qu'Estarreja et le Pliocène est rarement
- visible depuis la voie ferrée. Parfois ce soubassement de roches
- solides n'existe pas, ou du moins ne se trouve qu'à une certaine
- profondeur au-dessous du niveau de la mer; dans ce cas, la côte
- subit des alternances d'accroissement et de décroissement qui
- peuvent être funestes à l'homme trop empressé de s'approprier le
- terrain que les sables ont gagné sur la mer; tel est le cas à
- Espinho». _Promenade au Gerez (Souvenirs d'un géologue)_, por Paul
- Choffat, 1895, p. 1.
-
- [33] Poderia aqui investigar-se das alterações da costa que possam
- ter modificado o aspecto do surgidouro do Vouga. Um apello,
- publicado no _Arch. Port._, II, 301, teve em resposta o silencio.
- Não tratando dos factos de periodos geologicos ou indeterminados
- (_Arch. Port._, VII, 274 e X, 193) pouco é o que se tem recolhido e
- ás vezes antagonico. Açoreamentos em epocas historicas foram notados
- na Povoa de Varzim, Villa do Conde, Fão, Esposende, Vianna, em
- Setubal, no Algarve (_Portugalia_, I e II. _passim_), e eu mostro
- que na faixa de Esmoriz a Mira elles se deram tambem em epoca que
- não posso precisar. Num mappa que illustra o _Hisp. & Port.,
- Itinerarium_ de Martin Zeiler (1656) Aveiro é situada ao norte do
- Vouga. E não é o unico mesmo de datas mais recentes.
-
- [34] Ha um documento do sec. XI que faz uma referencia aproveitavel
- debaixo d'este aspecto: é o n.º DCCCXV do anno 1095 (doação á sé de
- Coimbra da igreja de S. Christovam, junto a Ilhavo)... _Ista igitur
- auctoritate confissus ingressus sum et ego densissimam silliamm_
- (silvam) _que ab antiquis temporibus habitaculum erat bestiarum..._
-
- [35] Entre as cartas antigas que folheei, desejo destacar uma do
- sec. XVII, assinada por N. Sanson. _christ. Gall. regis geografo_
- (_Hispaniae antiquae tabulae_, 1641). O mappa de Portugal antigo
- individúa, na região que andei estudando, _Conimbrica_ em Condeixa,
- _Aeminium_ na margem norte do Mondego; _Talabriga_ ao N. do Vouga,
- um pouco afastada do estuario, a 20 ou 25 _milliaria_ da foz do
- Vouga (isto é, na altura onde eu localizo esta povoação); e,
- seguindo no mesmo rumo, _Langobriga_. É na Bibliotheca Nacional, um
- grosso volume _in-folio_, recentemente encadernado com o
- dístico--Mappas--e sem frontispicio.
-
- [36] Esta lenda porém reproduz-se em mais localidades, fóra d'esta
- região.
-
- [37] ... _pecuniis publicis, cum reliquo publico apparatu, ademtis_.
- Isto dá bem a entender que havia uma perfeita organização politica,
- e n'ella se estribava a organização de uma defesa militar contra a
- invasão romana.
-
-
-
-
-DO AUTOR
-
-
-ESTUDOS DO ALTO-MINHO (SERIE 1.ª)
-
-
-Publicados
-
-I--Epigraphia christiano-latina (uma inscripção inedita).
-
-II--Um passeio archeologico no concelho dos Arcos de Valdevez (visita ás
-antas da serra do Soajo).
-
-III--Machados de duplo anel.
-
-IV--Ainda a inscripção christã de S. Pedro de Arcos.
-
-V--Uma primicia de epigraphia funeraria romana.
-
-VI--O portico da matriz de Monção.
-
-VII--Um castro com muralhas.
-
-VIII--Um erro de amanuense nas inquirições de D. Affonso III (C. Sancti
-Salvatoris Darcus).
-
-IX--Um Grovio autentico (cippo de Villa-Mou).
-
-X--Ara celtiberica da epoca romana (um novo «Genio»).
-
-
-PAGINAS ARCHEOLOGICAS (SERIE 2.ª)
-
-
-Publicadas
-
-I--Estatueta ithyphallica.
-
-II--Cemiterio da epoca romana em Vianna do Alemtejo.
-
-III--Situação conjectural de Talabriga.
-
-
-
-
-
-End of Project Gutenberg's Paginas Archeologicas, by Felix Alves Pereira
-
-*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK PAGINAS ARCHEOLOGICAS ***
-
-***** This file should be named 30071-8.txt or 30071-8.zip *****
-This and all associated files of various formats will be found in:
- https://www.gutenberg.org/3/0/0/7/30071/
-
-Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images
-of public domain material from BibRia)
-
-
-Updated editions will replace the previous one--the old editions
-will be renamed.
-
-Creating the works from public domain print editions means that no
-one owns a United States copyright in these works, so the Foundation
-(and you!) can copy and distribute it in the United States without
-permission and without paying copyright royalties. Special rules,
-set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to
-copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to
-protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. Project
-Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you
-charge for the eBooks, unless you receive specific permission. If you
-do not charge anything for copies of this eBook, complying with the
-rules is very easy. You may use this eBook for nearly any purpose
-such as creation of derivative works, reports, performances and
-research. They may be modified and printed and given away--you may do
-practically ANYTHING with public domain eBooks. Redistribution is
-subject to the trademark license, especially commercial
-redistribution.
-
-
-
-*** START: FULL LICENSE ***
-
-THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE
-PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK
-
-To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free
-distribution of electronic works, by using or distributing this work
-(or any other work associated in any way with the phrase "Project
-Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full Project
-Gutenberg-tm License (available with this file or online at
-https://gutenberg.org/license).
-
-
-Section 1. General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tm
-electronic works
-
-1.A. By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm
-electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to
-and accept all the terms of this license and intellectual property
-(trademark/copyright) agreement. If you do not agree to abide by all
-the terms of this agreement, you must cease using and return or destroy
-all copies of Project Gutenberg-tm electronic works in your possession.
-If you paid a fee for obtaining a copy of or access to a Project
-Gutenberg-tm electronic work and you do not agree to be bound by the
-terms of this agreement, you may obtain a refund from the person or
-entity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8.
-
-1.B. "Project Gutenberg" is a registered trademark. It may only be
-used on or associated in any way with an electronic work by people who
-agree to be bound by the terms of this agreement. There are a few
-things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works
-even without complying with the full terms of this agreement. See
-paragraph 1.C below. There are a lot of things you can do with Project
-Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement
-and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic
-works. See paragraph 1.E below.
-
-1.C. The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation"
-or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project
-Gutenberg-tm electronic works. Nearly all the individual works in the
-collection are in the public domain in the United States. If an
-individual work is in the public domain in the United States and you are
-located in the United States, we do not claim a right to prevent you from
-copying, distributing, performing, displaying or creating derivative
-works based on the work as long as all references to Project Gutenberg
-are removed. Of course, we hope that you will support the Project
-Gutenberg-tm mission of promoting free access to electronic works by
-freely sharing Project Gutenberg-tm works in compliance with the terms of
-this agreement for keeping the Project Gutenberg-tm name associated with
-the work. You can easily comply with the terms of this agreement by
-keeping this work in the same format with its attached full Project
-Gutenberg-tm License when you share it without charge with others.
-
-1.D. The copyright laws of the place where you are located also govern
-what you can do with this work. Copyright laws in most countries are in
-a constant state of change. If you are outside the United States, check
-the laws of your country in addition to the terms of this agreement
-before downloading, copying, displaying, performing, distributing or
-creating derivative works based on this work or any other Project
-Gutenberg-tm work. The Foundation makes no representations concerning
-the copyright status of any work in any country outside the United
-States.
-
-1.E. Unless you have removed all references to Project Gutenberg:
-
-1.E.1. The following sentence, with active links to, or other immediate
-access to, the full Project Gutenberg-tm License must appear prominently
-whenever any copy of a Project Gutenberg-tm work (any work on which the
-phrase "Project Gutenberg" appears, or with which the phrase "Project
-Gutenberg" is associated) is accessed, displayed, performed, viewed,
-copied or distributed:
-
-This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
-almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
-re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
-with this eBook or online at www.gutenberg.org
-
-1.E.2. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is derived
-from the public domain (does not contain a notice indicating that it is
-posted with permission of the copyright holder), the work can be copied
-and distributed to anyone in the United States without paying any fees
-or charges. If you are redistributing or providing access to a work
-with the phrase "Project Gutenberg" associated with or appearing on the
-work, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1
-through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and the
-Project Gutenberg-tm trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or
-1.E.9.
-
-1.E.3. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is posted
-with the permission of the copyright holder, your use and distribution
-must comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additional
-terms imposed by the copyright holder. Additional terms will be linked
-to the Project Gutenberg-tm License for all works posted with the
-permission of the copyright holder found at the beginning of this work.
-
-1.E.4. Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg-tm
-License terms from this work, or any files containing a part of this
-work or any other work associated with Project Gutenberg-tm.
-
-1.E.5. Do not copy, display, perform, distribute or redistribute this
-electronic work, or any part of this electronic work, without
-prominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 with
-active links or immediate access to the full terms of the Project
-Gutenberg-tm License.
-
-1.E.6. You may convert to and distribute this work in any binary,
-compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including any
-word processing or hypertext form. However, if you provide access to or
-distribute copies of a Project Gutenberg-tm work in a format other than
-"Plain Vanilla ASCII" or other format used in the official version
-posted on the official Project Gutenberg-tm web site (www.gutenberg.org),
-you must, at no additional cost, fee or expense to the user, provide a
-copy, a means of exporting a copy, or a means of obtaining a copy upon
-request, of the work in its original "Plain Vanilla ASCII" or other
-form. Any alternate format must include the full Project Gutenberg-tm
-License as specified in paragraph 1.E.1.
-
-1.E.7. Do not charge a fee for access to, viewing, displaying,
-performing, copying or distributing any Project Gutenberg-tm works
-unless you comply with paragraph 1.E.8 or 1.E.9.
-
-1.E.8. You may charge a reasonable fee for copies of or providing
-access to or distributing Project Gutenberg-tm electronic works provided
-that
-
-- You pay a royalty fee of 20% of the gross profits you derive from
- the use of Project Gutenberg-tm works calculated using the method
- you already use to calculate your applicable taxes. The fee is
- owed to the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, but he
- has agreed to donate royalties under this paragraph to the
- Project Gutenberg Literary Archive Foundation. Royalty payments
- must be paid within 60 days following each date on which you
- prepare (or are legally required to prepare) your periodic tax
- returns. Royalty payments should be clearly marked as such and
- sent to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation at the
- address specified in Section 4, "Information about donations to
- the Project Gutenberg Literary Archive Foundation."
-
-- You provide a full refund of any money paid by a user who notifies
- you in writing (or by e-mail) within 30 days of receipt that s/he
- does not agree to the terms of the full Project Gutenberg-tm
- License. You must require such a user to return or
- destroy all copies of the works possessed in a physical medium
- and discontinue all use of and all access to other copies of
- Project Gutenberg-tm works.
-
-- You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any
- money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the
- electronic work is discovered and reported to you within 90 days
- of receipt of the work.
-
-- You comply with all other terms of this agreement for free
- distribution of Project Gutenberg-tm works.
-
-1.E.9. If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm
-electronic work or group of works on different terms than are set
-forth in this agreement, you must obtain permission in writing from
-both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael
-Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark. Contact the
-Foundation as set forth in Section 3 below.
-
-1.F.
-
-1.F.1. Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable
-effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread
-public domain works in creating the Project Gutenberg-tm
-collection. Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic
-works, and the medium on which they may be stored, may contain
-"Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or
-corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual
-property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a
-computer virus, or computer codes that damage or cannot be read by
-your equipment.
-
-1.F.2. LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the "Right
-of Replacement or Refund" described in paragraph 1.F.3, the Project
-Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project
-Gutenberg-tm trademark, and any other party distributing a Project
-Gutenberg-tm electronic work under this agreement, disclaim all
-liability to you for damages, costs and expenses, including legal
-fees. YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICT
-LIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSE
-PROVIDED IN PARAGRAPH F3. YOU AGREE THAT THE FOUNDATION, THE
-TRADEMARK OWNER, AND ANY DISTRIBUTOR UNDER THIS AGREEMENT WILL NOT BE
-LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR
-INCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCH
-DAMAGE.
-
-1.F.3. LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover a
-defect in this electronic work within 90 days of receiving it, you can
-receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a
-written explanation to the person you received the work from. If you
-received the work on a physical medium, you must return the medium with
-your written explanation. The person or entity that provided you with
-the defective work may elect to provide a replacement copy in lieu of a
-refund. If you received the work electronically, the person or entity
-providing it to you may choose to give you a second opportunity to
-receive the work electronically in lieu of a refund. If the second copy
-is also defective, you may demand a refund in writing without further
-opportunities to fix the problem.
-
-1.F.4. Except for the limited right of replacement or refund set forth
-in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER
-WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO
-WARRANTIES OF MERCHANTIBILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE.
-
-1.F.5. Some states do not allow disclaimers of certain implied
-warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages.
-If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the
-law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be
-interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by
-the applicable state law. The invalidity or unenforceability of any
-provision of this agreement shall not void the remaining provisions.
-
-1.F.6. INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the
-trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone
-providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance
-with this agreement, and any volunteers associated with the production,
-promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works,
-harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees,
-that arise directly or indirectly from any of the following which you do
-or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm
-work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any
-Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause.
-
-
-Section 2. Information about the Mission of Project Gutenberg-tm
-
-Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of
-electronic works in formats readable by the widest variety of computers
-including obsolete, old, middle-aged and new computers. It exists
-because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from
-people in all walks of life.
-
-Volunteers and financial support to provide volunteers with the
-assistance they need are critical to reaching Project Gutenberg-tm's
-goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will
-remain freely available for generations to come. In 2001, the Project
-Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
-and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations.
-To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
-and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
-and the Foundation web page at https://www.pglaf.org.
-
-
-Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive
-Foundation
-
-The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
-501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
-state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal
-Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification
-number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at
-https://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg
-Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
-permitted by U.S. federal laws and your state's laws.
-
-The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S.
-Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered
-throughout numerous locations. Its business office is located at
-809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email
-business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact
-information can be found at the Foundation's web site and official
-page at https://pglaf.org
-
-For additional contact information:
- Dr. Gregory B. Newby
- Chief Executive and Director
- gbnewby@pglaf.org
-
-
-Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg
-Literary Archive Foundation
-
-Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide
-spread public support and donations to carry out its mission of
-increasing the number of public domain and licensed works that can be
-freely distributed in machine readable form accessible by the widest
-array of equipment including outdated equipment. Many small donations
-($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt
-status with the IRS.
-
-The Foundation is committed to complying with the laws regulating
-charities and charitable donations in all 50 states of the United
-States. Compliance requirements are not uniform and it takes a
-considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up
-with these requirements. We do not solicit donations in locations
-where we have not received written confirmation of compliance. To
-SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any
-particular state visit https://pglaf.org
-
-While we cannot and do not solicit contributions from states where we
-have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition
-against accepting unsolicited donations from donors in such states who
-approach us with offers to donate.
-
-International donations are gratefully accepted, but we cannot make
-any statements concerning tax treatment of donations received from
-outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff.
-
-Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation
-methods and addresses. Donations are accepted in a number of other
-ways including including checks, online payments and credit card
-donations. To donate, please visit: https://pglaf.org/donate
-
-
-Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic
-works.
-
-Professor Michael S. Hart was the originator of the Project Gutenberg-tm
-concept of a library of electronic works that could be freely shared
-with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project
-Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support.
-
-
-Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed
-editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S.
-unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily
-keep eBooks in compliance with any particular paper edition.
-
-
-Most people start at our Web site which has the main PG search facility:
-
- https://www.gutenberg.org
-
-This Web site includes information about Project Gutenberg-tm,
-including how to make donations to the Project Gutenberg Literary
-Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to
-subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.
diff --git a/30071-8.zip b/30071-8.zip
deleted file mode 100644
index 72939d2..0000000
--- a/30071-8.zip
+++ /dev/null
Binary files differ
diff --git a/30071-h.zip b/30071-h.zip
deleted file mode 100644
index 2b6306d..0000000
--- a/30071-h.zip
+++ /dev/null
Binary files differ
diff --git a/30071-h/30071-h.htm b/30071-h/30071-h.htm
index 3913e2c..01baf1b 100644
--- a/30071-h/30071-h.htm
+++ b/30071-h/30071-h.htm
@@ -1,1848 +1,1848 @@
-<!DOCTYPE HTML PUBLIC "-//W3C//DTD HTML 4.0 Transitional//EN">
-<html lang="pt">
-<head>
- <title>Páginas Arqueológicas III - Situação conjectural de Talabriga, por
- Félix Alves Pereira</title>
- <meta name="Author" content="Félix Alves Pereira">
- <meta name="Publisher" content="Imprensa Nacional">
- <meta name="Date" content="1907">
- <meta http-equiv="content-type" content="text/html; charset=UTF-8">
- <style type="text/css">
- body{margin-left: 10%;
- margin-right: 10%;
- }
- .pn {
- text-indent: 0em;
- position: absolute;
- left: 92%;
- font-size: smaller;
- text-align: right;
- color: silver;
- }
- #corpo p{text-align: justify; text-indent: 1em;}
- h1, h2, h3, h4 {text-align: center; margin-top: 3em; margin-bottom: 2em;}
- blockquote {margin-left: 10%; font-size: small;}
- .rodape {
- font-size: 0.8em;
- margin: 2em;
- }
- </style>
-</head>
-
-<body>
-<div>*** START OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK 30071 ***</div>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<div style="border: solid 2px #000; padding: 1em; text-align: center;">
-<p style="font-size: 1.2em;">FELIX ALVES PEREIRA</p>
-
-<p style="font-size: 1.6em; border: solid 1px silver; padding: 1em;">PAGINAS
-ARCHEOLOGICAS</p>
-
-<p style="font-size: 1.2em;">III</p>
-
-<p style="font-size: 1.4em;">SITUAÇÃO CONJECTURAL DE TALABRIGA</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>LISBOA<br>
-<small>IMPRENSA NACIONAL</small><br>
-1907</p>
-</div>
-
-<div style="padding: 1em; text-align: center;">
-<p><span class="pn">{1}</span></p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p style="font-size: 1.4em;">SITUAÇÃO CONJECTURAL DE TALABRIGA</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p><small>Obra composta e impressa na Imprensa Nacional</small></p>
-
-<p><small>Edição e propriedade do Museu Ethnologico Português</small></p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p><span class="pn">{2}<br>
-{3}</span></p>
-
-<p style="font-size: 1.2em;">FELIX ALVES PEREIRA</p>
-
-<p style="font-size: 1.6em; border: solid 1px silver; padding: 1em;">PAGINAS
-ARCHEOLOGICAS</p>
-
-<p style="font-size: 1.2em;">III</p>
-
-<p style="font-size: 1.4em;">SITUAÇÃO CONJECTURAL DE TALABRIGA</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>LISBOA<br>
-<small>IMPRENSA NACIONAL</small><br>
-1907</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p><span class="pn">{4}<br>
-{5}</span></p>
-
-<p style="font-size: 1.4em;">Ao</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p style="font-size: 1.2em;">Illustrissimo e Excellentissimo Senhor
-Conselheiro</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p style="font-size: 1.4em;"><em>Luis Cypriano Coelho de Magalhães</em></p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p style="font-size: 1.4em;"><em>O. e D.</em></p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p style="font-size: 1.2em; text-align: right;"><em>O autor.</em></p>
-
-<p><span class="pn">{6}<br>
-{7}</span></p>
-</div>
-
-<p>Separata d'«O Archeologo Português», XII, n.<sup>os</sup> 5 a 8 de 1907</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<div id="corpo">
-<h1><a name="SECTION0010000">SITUAÇÃO CONJECTURAL DE TALABRIGA</a></h1>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<h4><a name="SECTION0010001">Summario</a></h4>
-
-<p><a href="#SECTION0011000">1. Estado da questão.</a>&mdash;<a
-href="#SECTION0012000">2. Autores antigos</a>&mdash;<a
-href="#SECTION0013000">3. Itinerario</a>&mdash;<a href="#SECTION0014000">4.
-Exame do mappa</a>&mdash;<a href="#SECTION0015000">5. Topographia e onomastico
-da região</a>&mdash;<a href="#SECTION0016000">6. Os castros do trajecto da
-Via</a>&mdash;<a href="#SECTION0017000">7. Região mineira</a>&mdash;<a
-href="#SECTION0018000">8. Localização de Talabriga</a>&mdash;<a
-href="#SECTION0019000">9. Opinião de Gaspar Barreiros</a>&mdash;<a
-href="#SECTION00110000">10. Geographia arabica</a>&mdash;<a
-href="#SECTION00111000">11. <em>Strata maurisca</em></a>&mdash;<a
-href="#SECTION00112000">12. Ria de Aveiro e o Vouga</a>&mdash;<a
-href="#SECTION00113000">13. Historia de Talabriga.</a></p>
-
-<h2><a name="SECTION0011000">I</a></h2>
-
-<p>Algum tanto sem o presentir, ao fazer o estudo da ara de Estorãos,
-(<em>Arch. Port.</em>, <small>XII</small>, 36) encontrei-me no limiar de um
-problema que, de modo definitivo, não se resolverá senão com a verificação
-<em>in loco</em> de vestigios archeologicos incontrastaveis.</p>
-
-<p>É o problema da trajectoria exacta da via romana entre Aeminium e Calem, da
-qual não se conhecem milliarios decisivos e sufficientes, especialmente da sua
-passagem por Talabriga.</p>
-
-<p>O assunto, parcialmente considerado, tem sido alvo das principaes
-referencias na pugna litteraria em que os paladinos de Agueda, de Aveiro e de
-Coimbra patrioticamente articulavam preeminencias genealogicas, que é da praxe
-mencionarem-se em monographias locaes, mas que hoje, quanto a Coimbra (e
-Condeixa-a-Velha) estão sentenciadas, em prejuizo até heraldico de Agueda<a
-name="tex2html1" href="#foot644"><sup>[1]</sup></a>.<span
-class="pn">{8}</span></p>
-
-<p>Propositadamente, porém, o problema não foi ainda estudado debaixo do seu
-aspecto geral; apenas por incidente tem sido versada a localização de
-Talabriga. Não venho com o proposito de o dar como resolvido, é certo; mas
-desejo englobar neste estudo um certo numero de considerações, que podem
-preparar o desenlace d'este ponto controvertido da geographia protohistorica da
-Lusitania, no campo adequado, e quiçá orientar pesquisas.</p>
-
-<p>Onde foi Talabriga? Até hoje nenhum d'estes indices peremptorios que marcam
-inilludivelmente a situação das antigas cidades, como para <em>Conimbriga</em>
-(Condeixa-a-Velha), <em>Aeminium</em> (Coimbra), <em>Bracara Augusta</em>
-(Braga), <em>Olisippo</em> (Lisboa), <em>Pax Julia</em> (Beja), etc., se nos
-antolha para dar resposta nitida áquella pergunta.</p>
-
-<p>Guiados pelas indicações geographicas do Itinerario e de Plinio, os nossos
-escritores teem querido alternadamente que Aveiro, Cacia, Esgueira occupem hoje
-o logar que outrora se chamou <em>Talabriga</em>. De facto, o Itinerario, ao
-contar as milhas que de <em>Aeminium</em> vão a <em>Calem</em> (Gaia ou Porto?)
-pela via militar, devia ter especial valor para este problema; mas a
-comprehensão da necessidade de verificar rigorosamente as indicações d'aquelle
-documento, a consulta de edições criticas, tomando-se por base a decisão do
-problema de Aeminium, e talvez o desaffecto de uma ou outra solução é que teem,
-no meu humilde entender, faltado a todos os autores que mais modernamente do
-assunto se teem abeirado<a name="tex2html2"
-href="#foot645"><sup>[2]</sup></a>.</p>
-
-<h2><a name="SECTION0012000">II</a></h2>
-
-<p>A geographia classica não é de todo omissa a respeito d'esta antiga
-povoação. O testimunho de Plinio, que é o A. mais expresso, vem a ser o
-seguinte: <em>A Durio Lusitania incipit. Turduli veteres, Paesuri, flumen
-Vagia</em><a name="tex2html3" href="#foot646"><sup>[3]</sup></a><em>, Oppidum
-Talabrica, Oppidum et flumen Aeminium, Oppida Coniumbrica,<span
-class="pn">{9}</span> Collippo, Eburobritium.</em> (C. Plinii Secundi, <em>Nat.
-Hist.</em>, ed. de Detlefsen, <small>IIII</small>, 113). Isto tem o ar de uma
-sêca enumeração chorographica, que se desdoba do norte para o sul, a contar do
-Douro, e que, restringida ao nosso caso, nos dá esta sequencia:</p>
-
-<p><em>a</em>) rio Vouga;</p>
-
-<p><em>b</em>) cidade de Talabrica;</p>
-
-<p><em>c</em>) cidade e rio de Aeminio (Coimbra);</p>
-
-<p><em>d</em>) e as cidades de Conimbrica (Condeixa),</p>
-
-<p><em>e</em>) Collippo (Leiria) e</p>
-
-<p><em>f</em>) Eburobricio (Obidos, Vejam-se <em>Relig. da Lusit.</em>,
-<small>II</small>, 31).</p>
-
-<p>Se não fôr certo, como não me parece, que Vouga é ao norte de Talabriga e
-este oppido ao sul do mesmo rio, pelo menos conclue-se que Talabriga vizinha de
-um lado ou outro aquelle estuario.</p>
-
-<p>Não trago nenhum outro autor antigo, porque elles não adeantam o problema
-chorographico. Na <em>Cosmografia</em> de Ravennate (ed. de Pinder &amp;
-Parthey, p. 307) <em>Talabrica</em> apparece transformada em Terebrica e fica
-na seguinte localização relativa:
-<em>Olisipona&mdash;Terebrica&mdash;Langobrica&mdash;Cenoopido&mdash;Calo</em>...</p>
-
-<h2><a name="SECTION0013000">III</a></h2>
-
-<p>Vamos pois ao <em>Itinerario</em><a name="tex2html4"
-href="#foot647"><sup>[4]</sup></a> e á discussão das suas indicações.
-Encontra-se nelle, que nos sirva:</p>
-
-<table align="center" cellpadding="3" border="0" summary="Indicações do itinerário">
- <tbody>
- <tr>
- <td align="left">Eminio</td>
- <td align="left">mp. <small>X</small></td>
- <td align="left"> </td>
- </tr>
- <tr>
- <td align="left">Talabriga</td>
- <td align="left">mp. <small>XL</small></td>
- <td align="left">(= 59:240 metros)</td>
- </tr>
- <tr>
- <td align="left">Langobriga</td>
- <td align="left">mp. <small>XVIII</small></td>
- <td align="left">(= 26:658 » )</td>
- </tr>
- <tr>
- <td align="left">Calem</td>
- <td align="left">mp. <small>XIII</small></td>
- <td align="left">(= 19:253 » )</td>
- </tr>
- <tr>
- <td align="left"> </td>
- <td align="left"> </td>
- <td align="left">   105:151 »</td>
- </tr>
- </tbody>
-</table>
-
-<p>A equivalencia que sigo é a de 1 milha = 1:481 metros (Saglio &amp;
-Daremberg, s. v. <em>Milliarium</em>).</p>
-
-<p>A trajectoria d'esta via desde Coimbra (Aeminium) a Gaia (Calem) deixaria de
-ser ponto controverso se, como succede noutras estradas romanas, alguns
-milliarios sobreviventes escalonassem os seus vestigios.<span
-class="pn">{10}</span></p>
-
-<p>Não ha porém, neste particular, mais que isto:</p>
-
-<p>1.º Um fragmento de milliario com 2<sup>m</sup>,04 de alto X
-1<sup>m</sup>,40 de circuito, que appareceu na Mealhada ao norte de Coimbra e
-só tem <small>M.XII</small>.</p>
-
-<p>2.º Outro que foi encontrado mesmo em Coimbra e aponta
-<small>M.IIII</small>.</p>
-
-<p>Nem aquelle nem muito menos este servem ao meu intento; o traçado litigioso
-no nosso caso é para norte da Mealhada e Anadia, e não entre Mealhada e
-Coimbra. (Vid. Borges de Figueiredo, <em>Oppida restituta</em>, p. 82; Hübner,
-<em>Notas archeologicas sobre Portugal</em>, p. 67, trad. cit.: <em>Catalogo
-dos objectos existentes no Museu de Archeologia do Instituto de Coimbra</em>,
-p. 6; A. Filipe Simões, <em>Escritos diversos</em>, 1883).</p>
-
-<p>3.º Um pretenso milliario descrito por Fr. Bernardo de Brito na
-<em>Monarchia Lusitana</em>, II, <small>V</small>, p. 3. Este vicio de origem
-obriga-me a pôr ainda de parte este monumento como comprobativo da directriz;
-Hübner fulmina-o com a sua desconfiança (<em>Corpus</em>, <small>II</small>, 55
-a *) dizendo que Brito queria demonstrar com elle a existencia de
-<em>Vacua</em>. Não lhe darei porém eu maior valor que o proprio monge, que,
-como por prevenção, confessa que as letras da pedra eram «mal distinctas e muy
-quebradas». Assim a sua interpretação deve desinteressar-nos, visto que não ha
-meio de contraprovar a leitura de Fr. Bernardo de Brito, duvidosa para elle
-proprio. Para este, a lapide era porém um padrão de estrada, o que pouco vale
-por entretanto para nós; mas provinha do Castello de S. Gião, ao que parece,
-<em>castro</em> rico em ruinas de muros, etc. Isto, cuja importancia só
-modernamente se aprecia, é que não se inventa e dá visos de que com effeito
-alguma cousa lá pudera ter apparecido. Mas Brito, com o dizer que a lapide era
-padrão de estrada, contrariava sem o advertir a propria crença de que a via
-romana seguia pela beiramar e <em>Talabriga</em> era em Aveiro. (<em>Mon.
-Lusit.</em>, id., p. 130).</p>
-
-<p>Não obstante, ponha-se de parte a exactidão da epigraphe do supposto, mas
-rehabilitavel, milliario do castro de S. Gião, e fique, provisoriamente, apenas
-um facto&mdash;o achado de um padrão de via romana num castro das margens do
-Caima. </p>
-
-<p>A opinião de que Aveiro fôra o assento da antiga estação do Itinerario tinha
-ainda por si, alem do mappa de Abr.<sup>ão</sup> Ortelius (<em>Theatrum orbis
-terrarum</em>, Antuerpia, CIC.IC.CIII) o pensar de Florez (<em>España
-Sagrada</em>, tomo <small>XIV</small>, p. 73), que lêra Plinio e uma edição
-antiga do Itinerario romano. E póde dizer-se que foi essa a corrente que
-dominou até hoje, se com Aveiro abrangermos o aro circunjacente. (Vejam-se
-Adolfo Loureiro. <em>Os portos maritimos de Portugal</em>, <small>II</small>,
-p. 3; Marques Gomes, <em>Districto de Aveiro</em>, onde restringe<a
-name="tex2html5" href="#foot651"><sup>[5]</sup></a> a Cacia o <em>ubi</em> de
-Talabriga;<span class="pn">{11}</span> Borges de Figueiredo, <em>Oppida
-restituta</em>, 1885; Pinho Leal, <em>Portugal Antigo e Moderno</em>, s. v.
-<em>Aveiro</em>; Gaspar Barreiros, <em>Chorographia de alguns lugares</em>; D.
-Nunes de Leão, <em>Descripção do reino de Portugal</em>; Francisco do
-Nascimento Silveira, <em>Mappa breve da Lusitania antiga</em>, etc.)<a
-name="tex2html6" href="#foot652"><sup>[6]</sup></a>.</p>
-
-<p>Regressemos porém ao <em>Itinerario</em>, e vejamos se será possivel
-concluir algo que um dia a pesquisa e exploração persistente do archeologo
-possa contraprovar. É o meu sonho.</p>
-
-<p>Que a medição total do <em>Itinerario</em> relativa á via <em>ab Aeminio
-Calem</em> está notavelmente exacta, demonstra-o esta verificação facil: a
-somma das milhas que se contaram de Eminio a Gaia, reduzida a kilometros,
-(unidade mais pratica e mais exacta que a de leguas, até agora adoptada) era de
-105:151 metros, como vimos; a distancia computada actualmente na Carta do
-Estado Maior d'esta região pela directriz da <em>estrada real</em> é de 105:100
-metros<a name="tex2html7" href="#foot653"><sup>[7]</sup></a>. Não podendo ser
-mais breve a distancia d'esta estrada, como se verifica olhando os traçados
-rectificados ao lado do mappa junto, em que a distancia em linha recta e a
-rectificação exacta da extensão effectiva da estrada fazem pequena differença,
-o que mostra que os desniveis ou as inflexões do traçado são assaz reduzidos,
-conclue-se que a via romana, desde que marca igual extensão kilometrica, não
-poderia seguir caminho mais longo que ella, nem portanto muito distanciado
-d'ella.</p>
-
-<p>Esta coincidencia de medições é suggestiva e não permittiria, só por si, que
-a trajectoria da via romana e da actual estrada real divergissem<span
-class="pn">{12}</span> muito. Se esta desenhasse uma inflexão pronunciada no
-seu trajecto de Coimbra a Gaia, claro é que era possivel, sem exceder a mesma
-extensão, encontrar outra curva symetrica que tocasse em pontos intermedios
-diversos e afastados, e coincidisse apenas nos respectivos extremos, o que nada
-util me seria; mas nas circunstancias que se dão e já salientei, e que me
-permittiram estudar sobre uma carta este problema, a coincidencia effectiva das
-duas vias de communicação deve em grande parte quasi corresponder á
-coincidencia theorica, agora expendida.</p>
-
-<p>Isto oppõe-se a que a via romana passasse em Aveiro, ponto muito afastado e
-divergente do trajecto theorico<a name="tex2html8"
-href="#foot654"><sup>[8]</sup></a>.</p>
-
-<h2><a name="SECTION0014000">IV</a></h2>
-
-<p>Vou porém demonstrar por partes como isto assim deve ser. É preciso partir
-do principio já demonstrado, embora para o total da distancia, que as medições
-do Itinerario não contém erro. Qualquer inexactidão nas milhas marcadas para
-cada uma das secções da via militar alteraria a somma, desde que, por um acaso
-unico, não fosse compensada por outra inexactidão.</p>
-
-<p>Ora a via romana de Eminio contém tres troços ou secções; o 1.º de Eminio a
-Talabriga; o 2.º de Talabriga a Langobriga; o 3.º de Langobriga a Cale. Se uma
-sequer das distancias correspondentes do Itinerario contivesse erro, a somma
-total accusá-lo-hia; mas nós já vimos que a distancia de 105 kilometros
-corresponde a uma realidade. Comecemos pelo extremo norte da via. Isto conduz
-mais claramente ao meu fim; e descobre mais prontamente o erro em que até agora
-me parece que tem laborado os escritores. Tomemos o mappa<a name="tex2html9"
-href="#foot151"><sup>[9]</sup></a>.</p>
-
-<p>Se traçarmos um arco de circulo, cujo centro seja Gaia e o raio igual á
-distancia de Cale a Langobriga, isto é, a 19 kilometros (veja-se<span
-class="pn">{13}</span> a escala), teremos obtido uma curva theorica (LL no
-mappa) que no terreno representa uma faixa de tolerancia, mais ou menos larga,
-dentro da qual e numa zona d'ella que seja compativel com um trajecto
-ininterrupto da via, cuja extensão já definida se não póde exceder, o
-archeologo deverá procurar os vestigios de Lancobriga.</p>
-
-<p>Esta zona, ou este segmento, não poderá pois, em principio, afastar-se
-consideravelmente da directriz da estrada real.</p>
-
-<p>Consultemos de novo o Itinerario. Entre Langobriga e Talabriga medeiam
-26:600 metros. Ignorando ainda qual o ponto preciso que na curva <em>LL</em>
-marca o primeiro d'aquelles oppidos, deveremos traçar um arco de circulo
-parallelo ao antecedente e á distancia que a escala indica. Como o terreno não
-é propriamente uma carta celeste<a name="tex2html10"
-href="#foot154"><sup>[10]</sup></a> em que os pontos podem ser rigorosamente
-indicados, a nova curva deixada pelo compasso é representativa de uma segunda
-faixa de tolerancia, susceptivel de maior ou menor elasticidade, mas confinada,
-quanto á sua extensão, pela continuidade do trajecto viario em direcção a
-Aeminium, trajecto cujo comprimento tem limite determinado de milhas.</p>
-
-<p>E assim temos o arco <em>TT</em>.</p>
-
-<p>Nesta curva, que não é mais que uma zona media, deverão surgir ao appellido
-do archeologo as ruinas do que outrora foi Talabriga. Esta conclusão emerge
-logicamente das bases que tomei: o acerto evidente do Itinerario no total e
-muito provavel nas secções; a coincidencia das extensões da via antiga e da
-estrada moderna.</p>
-
-<p>Se agora, por contraprova, apontarmos o compasso a Eminio e girarmos com um
-raio de 59 kilometros, verificado segundo a escala, obteremos outra curva, a
-terceira, tangente á segunda e que tem a missão de indicar a zona util, o
-segmento dos arcos, correspondente á area provavel da situação de Talabriga.
-Porque o que não póde haver, é um hiato, uma interrupção de trajecto de Cale a
-Aeminium<a name="tex2html11" href="#foot156"><sup>[11]</sup></a>.</p>
-
-<p>Esta primeira phase da minha demonstração, porém, já torna incompativel a
-actual situação de Aveiro com vestigios de Talabriga. E mais do que isto; vem
-levantar um equivoco de Plinio, que parece<span class="pn">{14}</span> suppôr
-aquelle oppido ao sul do Vouga; se assim fosse, não seria possivel encontrar o
-ponto de reunião do caminho que descia de Cale a encontrar Lancobriga aos 19
-kilometros e se prolongava na direcção do sul até mais 20 kilometros, onde
-devia beijar a Talabriga do Itinerario sem encontrar a de Plinio<a
-name="tex2html12" href="#foot655"><sup>[12]</sup></a>. O hiato resultante fica,
-parece-me, fechado e annullado, desviando Talabriga de Aveiro e aproximando-a
-de Albergaria, ao norte do Vouga; isto é, a hipothese que proponho é a que se
-concilia em todos os pontos com o Itinerario.</p>
-
-<h2><a name="SECTION0015000">V</a></h2>
-
-<p>Mas não se concilia só com esta fonte documental: é a mais plausivel em face
-das condições topographicas e historicas da região de Entre-Vouga-e-Douro.</p>
-
-<p>A actual directriz da estrada real é a que mais ou menos devia ter seguido a
-via romana que procurasse unir Eminio a Cale, dado o traçado que ella já trazia
-desde Lisboa.</p>
-
-<p>Em primeiro logar: as condições topographicas d'aquelle grande delta do
-Vouga não eram senão de molde para difficultar a abertura de uma estrada na
-epoca romana, em concorrencia com traçado mais firme e duradouro, mais
-economico, mais util e mais commercial. Aquellas planuras deviam existir já
-então, como um presente do Vouga, segundo se tem dito, creio, do Nilo.</p>
-
-<p>Se eram naquelle tempo pantanos, ou bosques intransitaveis<a
-name="tex2html13" href="#foot656"><sup>[13]</sup></a> ou veigas retalhadas,
-como hoje, por um dedalo de canaes e esteiros, não me cabe a mim defini-lo. De
-qualquer d'estas fórmas, uma via romana não iria atravessar uma região em que a
-falta de pedra é quasi absoluta, e a multiplicidade de trabalhos de
-architectura civil ou de obras<span class="pn">{15}</span> de arte uma
-consequencia inevitavel. Era preciso combater por um lado a pouca firmeza do
-terreno, por outro contar com o custo da empresa<a name="tex2html14"
-href="#foot171"><sup>[14]</sup></a>, ou os impecilhos da viagem.</p>
-
-<p>Por isso os mesmos motivos que na idade media afastaram a construcção, ou
-melhor, a conservação de uma estrada velha para longe da costa, obrigando-a a
-passar nas pontes que ainda existem, devem ter sido os mesmos que desviaram os
-engenheiros romanos de lançarem a via militar através de campinas encharcadas,
-só para irem buscar a embocadura do Vouga, antes de attingir Calem.</p>
-
-<p>Depois preciso é notar que havia outra directriz ao alcance da administração
-do Imperio, directriz que não podia admittir confrontos com a traçada através
-do delta do Vouga. Essa directriz levava a estrada romana pela orla fóra do
-terreno firme e accidentado e da região povoada de castros e abundosa de
-minerios, região que ainda hoje podemos ver acompanha-la pelo trajecto da
-estrada real. As vias de communicação teem muitas vezes uma directriz fatal e
-tradicional através de longos tempos e povoadores successivos<a
-name="tex2html15" href="#foot657"><sup>[15]</sup></a>.</p>
-
-<p>Póde soffrer destruição o caminho, sem estancar a arteria de communicação.
-</p>
-
-<p>A actual estrada real ou de macadam foi ainda, por assim dizer, decalcada
-pela anterior, a medieval, cujos restos subsistem nas pontes antigas de que os
-chorographos fallam. Esta orientou-se pela comprehensão das conveniencias, e
-afastou-se da embocadura do Vouga, seguindo a directriz mais economica e mais
-util; não direi ainda a directriz romana porque é o que pretendo demonstrar,
-mas a que era directriz tradicional, como vou explicar.<span
-class="pn">{16}</span></p>
-
-<h2><a name="SECTION0016000">VI</a></h2>
-
-<p>Os castros ou montes habitados encontram-se precisamente no seguimento da
-via romana; os oppidos referidos pelos AA. antigos, as <em>brigae</em>, e as
-cidades romanizadas não são mais que uma evolução d'aquellas estancias,
-consoante as denominações que lhes applicaram<a name="tex2html16"
-href="#foot658"><sup>[16]</sup></a>; era por essa corda alem, que o terreno
-baixo e plano da zona maritima começava de elevar-se. A estrada romana
-desenrolava-se por entre esses centros da habitação, abandonando ao lado um
-país chato, pouco firme e talvez quasi invio.</p>
-
-<p>Do sul para o norte <em>Anadia</em> está situada nas abas de um monte de
-<em>Crasto</em> (Pinho Leal e M. Gomes).</p>
-
-<p><em>Agueda</em> está tambem perto de um <em>Crasto</em> (Pinho Leal).<span
-class="pn">{17}</span></p>
-
-<p>Nas margens do Vouga, naquelle logar onde subsiste ainda a ponte medieval
-(Pinho Leal), encontra-se na aldeia de <em>Vouga</em> um morro que foi castro
-(Brito e P.<sup>e</sup> Carvalho, <small>II</small>, 161); explica Francisco do
-Nascimento Silveira (<em>Mappa breve da Lusitania</em>, p. 239) que
-<em>Vacca</em> existia em sitio forte por natureza, entre as pontes de Vouga e
-Marnel, porque alli se vêem vestigios de muros antigos e sinaes de uma
-majestosa grandeza; existem ainda tijolos, cantarias, muralhas em <em>Lamas de
-Vouga</em> (<em>Arch. Port.</em>, <small>V</small>, 50 e <small>VII</small>, 191)<a
-name="tex2html17" href="#foot660"><sup>[17]</sup></a>, e havia ahi a
-<em>civitas Marnele</em> (<em>Port. Mon. Hist.</em>, «Diplom. de Chart.», n.º
-819)<a name="tex2html18" href="#foot661"><sup>[18]</sup></a>, cuja origem deve
-ter sido outro castro.<span class="pn">{18}</span></p>
-
-<p>Na carta geodesica vê-se, junto ao rio, um <em>Castello</em> (111). Isto é
-ainda do concelho de Agueda<a name="tex2html19"
-href="#foot662"><sup>[19]</sup></a>.</p>
-
-<p>Na freguesia de Serem, tambem concelho de Agueda, outra <em>civitas</em>
-(Viterbo, s. v. <em>Cidade</em>); ha lá sitios elevados a norte e a sul (Cfr.
-M. Gomes).</p>
-
-<p>Na freguesia da <em>Branca</em> ha um logar de <em>Cristellos</em> (M. Gomes
-e <em>Arch. Port.</em>, <small>II</small>, 313).</p>
-
-<p>Na serra de S. Julião, mesma freguesia, <em>onde passa a estrada real</em>,
-diz o Sr. M. Gomes que ha ruinas de muralhas e fossos: acreditava-se (<em>Arch.
-Port.</em>, loc. cit.) que ahi era a antiga <em>Langobria</em> (sic). Não sei
-se é precisamente o mesmo local a que Brito (<em>Mon. Lusit.</em>, II,
-<small>V</small>, p. 3) chama castello de <em>S. Gião</em>, onde havia ruinas
-de muros e elle encontrou o tal padrão suspeito e onde presume
-<em>Lancobriga</em>, não na Feira, diz, mas entre Albergaria e Bemposta,
-defronte de Pinheiro. Significativa confusão! Aquelle logar de
-<em>Cristello</em> vem na carta geodesica entre Estarreja e a estrada real<a
-name="tex2html20" href="#foot663"><sup>[20]</sup></a>.</p>
-
-<p>Na freguesia de Ul ha outro castro (<em>aldeia do crasto</em>), de que porém
-não conheço o <em>ubi</em>. Tem uma cintura de muralha de pedra solta ou cousa
-que o valha. (Pinho Leal, s. v. <em>Ul</em>).</p>
-
-<p>Nas proximidades de Azemeis parece que não são escassos estes monumentos
-(<em>Quatro Dias na Serra da Estrella</em>, por E. Navarro, Porto 1884, p.
-174).</p>
-
-<p>Em <em>Ossella</em> ha um castro com ruinas de muralhas (Brito, <em>loc.
-cit.</em>).</p>
-
-<p>Entre <em>S. Martinho</em> e <em>S. Tiago</em> vê-se na carta geodesica um
-<em>crasto</em>, a O. da estrada real; isto é no parallelo de Ovar. Será
-aquelle a que Pinho Leal chama Castro Troncal ou Francal (s. v. <em>C. de
-Cucujães</em>)?</p>
-
-<p>No <em>Arch. Port.</em>, <small>VI</small>, 68, diz-se que ha em Oliveira de
-Azemeis um logar de <em>Lações</em>, onde foi a antiga Lancobriga
-(<em>sic</em>), porque ahi se ajustam as medidas do Itinerario e não na Feira
-ou Bemposta. Este sitio é elevado e estrategico; a sua cota é de 287 metros e
-fica na fronte de um promontorio fechado por duas ribeiras e no extremo de uma
-chapada em cujo prolongamento se conta ainda a altitude de 274 metros. É, pelo
-que se vê, um <em>castro</em>. <em>Lancobriga</em> e que não.<span
-class="pn">{19}</span></p>
-
-<p>Em <em>Macieira de Cambra</em> ha um castro (<em>Arch. Port.</em>,
-<small>VII</small>, 54)<a name="tex2html21"
-href="#foot664"><sup>[21]</sup></a>.</p>
-
-<p>Em <em>Romariz</em> informa o Sr. M. Gomes que ha um <em>Crasto</em>, onde
-appareceram antiqualhas da epoca romana; o que é presumivel e prova ter
-recebido a influencia dos seus conquistadores.</p>
-
-<p>Os antigos chorographos portugueses não teem dado valor aos cabeços
-elevados, onde se encontram os vestigios do que póde ter sido um castro, uma
-citania, emfim uma estacão archeologica pre-romana, e isso não admira; mas o
-facto é esse e constitue uma deficiencia na descrição dos logares, que
-actualmente seria imperdoavel, e que, num caso como o que estou versando,
-sonega lamentavelmente elementos aproveitaveis de estudo.</p>
-
-<p>Junto ao mar, e bastante para o norte, em Esmoriz, encontro menção de um
-castro, especializado hoje pelo erudito estudo que d'elle fez documentalmente o
-meu erudito amigo Sr. Pedro de Azevedo (<em>Arch. Port.</em>,
-<small>III</small>, 137). Era o castro de <em>Aville</em>, <em>Ouvil</em>,
-<em>Ubile</em> e <em>Obil</em>, denominações que se applicavam á lagoa que
-ainda existe, e que elle dominava. Crê o distincto publicista que aquelle
-castro é o mesmo outeiro a que o parocho depoente de 1758 chamou <em>Monte do
-Murado</em>, pertencente á freguesia de S. Martinho de Mozellos. Fico porém em
-duvida, pois que estando o castro <em>prope litore maris</em> (Docs. de 1055,
-1076) bem como a lagoa (Docs. de 1057 e 1090), Mozellos parece um pouco
-afastado para o interior. Confessando que, sem a inspecção dos logares, a base
-é instavel, em todo o caso affiguram-se-me aqui dois castros distinctos.</p>
-
-<p>Em S.<sup>ta</sup> Maria de <em>Fiães</em> apparece outro castro ou
-«povoação de Mouros» (<em>Arch. Port.</em>, <small>IV</small>, 250).</p>
-
-<p>E d'ahi para o norte, são frequentes na faixa atravessada pelo caminho
-romano. Será algum d'estes castros o jazigo de Langobriga?</p>
-
-<p>Este inventario, tendo origem, como tem, exclusivamente bibliographica, não
-póde deixar de ser omisso. A averiguação local e a informação competente
-accrescentá-lo-hiam, se eu d'estes dois factores me tivesse soccorrido. Para o
-meu intento, o pouco que joeirei, era colheita bastante.</p>
-
-<h2><a name="SECTION0017000">VII</a></h2>
-
-<p>Alem d'estas averiguadas condições de habitabilidade que se encontravam no
-trajecto da via romana e que, em meu entender, conjugadas com as da elevação e
-relevos de terreno, que para as populações<span class="pn">{20}</span>
-ante-historicas constituiam uma necessidade vital, concorreria tambem, não sem
-ligação com ellas, a existencia de jazigos metalliferos.</p>
-
-<p>Nem todas as minas que enumero seriam conhecidas na antiguidade, mas em
-algumas ha vestigios da remota laboração e o que tudo attesta é que a região
-era mineira e portanto centripeta de populações.</p>
-
-<p>Os locaes explorados são Telhadella, Albergaria, Palhal, Milheirós,
-Cucujães, Nogueira, Ossella, Palmás, Carvalhal, Pindello, Silva Escura, Ul,
-Talhadas, Braçal, Coval da Mó, Malhada.</p>
-
-<p>Os minerios são cobre, tão procurado na antiguidade, chumbo, prata, etc.</p>
-
-<p>D'estes jazigos, aquelle em que são mais importantes os vestigios de antiga
-lavra, é o da Malhada, uma das concessões das chamadas Minas do Braçal. As
-madeiras de entivação, que foram encontradas dentro da mina, denotam tal
-antiguidade que parecem fossilizadas, em consequencia da côr negra que
-adquiriram. Os trabalhos antigos attingem a profundidade de 45 metros
-(<em>Catalogo Descriptivo da Secção de Minas</em>, pelos Srs. Severiano
-Monteiro e J. Augusto Barata, p. 188).</p>
-
-<p>A respeito dos outros, a noticia de antiga exploração é muito vaga para que
-me seja licito insistir. Nas minas de Palhal tambem ha vestigios antigos. (Cfr.
-Marques Gomes, <em>Districto de Aveiro</em>).</p>
-
-<h2><a name="SECTION0018000">VIII</a></h2>
-
-<p>Que se póde concluir das considerações que até aqui tenho encadeado?</p>
-
-<p>Por um lado, o estudo do Itinerario levou-me a aventurar na carta
-geographica, largamente circunscritas, as zonas em que o calculo faz presumir
-que se devem encontrar as ruinas de Talabriga; por outro lado, a inquirição
-topographica e onomastica da região, tanto quanto era possivel com a escassez
-de elementos, indicou-me alguns logares de archaicas estações archeologicas do
-genero da que deve ter sido Talabriga, como castro ou oppido submettido ao
-poder de Roma.</p>
-
-<p>Quero lembrar que <em>briga</em> só póde corresponder a uma posição elevada,
-a um outeiro ou cabeço fortificado; por onde Talabriga nunca pudera ser Aveiro
-ou arredores (Vid. <em>Arch. Port.</em>, <small>XII</small>, 42).</p>
-
-<p>Relançando novamente o olhar ao mappa, poder-se-há notar que a zona
-attribuivel á situação de Talabriga<a name="tex2html22"
-href="#foot666"><sup>[22]</sup></a> não está erma de castros,<span
-class="pn">{21}</span> antes nella se dão varias circunstancias que não posso
-deixar de aproveitar para a minha these conjectural.</p>
-
-<p><em>Branca</em> é uma freguesia cuja séde fica na margem direita de Caima e
-que é cortada pela estrada real; ha nella um logar de <em>Cristellos</em>, que
-só pelo toponimo demonstra a existencia de um castro ou oppido. Mas alem
-d'este, infere-se do Sr. Marques Gomes, de Fr. Bernardo de Brito (<em>loc.
-cit.</em>) e d-<em>O Arch. Port.</em> (<small>II</small>, 313, «Mem.
-Parochiaes») que ha um local sito na serra de S. Julião, atravessado pela
-estrada real e que Brito mais claramente chama <em>castello</em> de S. Gião
-(<em>castello</em> por <em>castro</em>), no qual, segundo aquelles tres
-testimunhos, ha ruinas de muralhas e fossos, que o Sr. M. Gomes presume serem
-ruinas de uma <em>atalaia</em> e que o parocho das <em>Memorias</em> tambem
-capitula de vestigios romanos, acrescentando muito singularmente (note-se bem o
-que isto póde significar) que ahi esteve... <em>Langobria</em> (<em>sic</em>).
-Foi aqui que Brito diz ter encontrado a tal pedra de <em>letras mal
-distinctas</em> de que não affiança a leitura, mas que lhe pareceu <em>padrão
-de estrada</em>.</p>
-
-<p>E aqui tem cabimento o que já atrás deixo dito, para absolver de fraude
-consciente a noticia archivada em Fr. Bernardo de Brito.</p>
-
-<p>Parece-me pois ser neste aro, se não neste mesmo ponto, que se deverá
-procurar o jazigo, não de Langobriga, mas da nossa Talabriga, e é precisamente
-a estas immediações que o compasso me levou ao medir sobre a carta a primeira
-secção da via romana de Coimbra a Gaia<a name="tex2html23"
-href="#foot352"><sup>[23]</sup></a>.<span class="pn">{22}</span></p>
-
-<p>Não desconheço quanto de problematico isto tem antes de serem perguntados
-pelo archeologo os logares, as ruinas, os vestigios e os montes e as vozes da
-região, mas nem por isso o meu espirito deixa de ficar demonstrado, até o
-possivel, que as cinzas de Talabriga nunca podem estar guardadas em Aveiro. As
-coincidencias que acabo de notar, não são bases frivolas.</p>
-
-<p>Só pois a inspecção directa do terreno, nas immediações da Branca, poderá
-concorrer para confirmar ou destruir a minha conjectura.</p>
-
-<p>D'esta região para o norte, a via romana seguiria até Cale, mais ou menos
-proxima do actual leito da estrada real; só alguns vestigios ou referencias de
-documentos, como os de Grijó, e a inquirição dos logares e tradições poderão
-concorrer para precisar a trajectoria d'aquella antiga via de communicação; o
-caso em si, porém, é indifferente para a questão primacial que motivou este
-estudo. O que é certo, é que a estrada romana sulcava a faixa comprehendida
-entre a estrada real e a linha ferrea até o vertice de Gaia.</p>
-
-<p>Ao sul de Branca e Albergaria, a directriz da via militar sente-se
-escalonada nos vestigios medievaes que deixei explanados nas paginas
-anteriores. <em>Albergaria</em> denota bem que o sitio era de assiduo e antigo
-transito (Viterbo, <em>Elucidario de palavras</em>, etc. s. v.
-<em>Albergaria</em>) ponto necessario de passagem para quem do sul buscava o
-norte do país. As <em>mansiones</em> tinham o caracter de pousadas.</p>
-
-<p>Em tempos de lazer para obras de piedade, é que a instituição caritativa se
-fundou, como implemento de uma necessidade que já existia.</p>
-
-<p>As pontes de Vouga e Marnel são indicios bem importantes da frequencia das
-viagens através d'esta parte da região, afastada da costa baixa e paludosa. São
-decerto obras da idade media, dos <em>mouros</em>, diz Pinho Leal (s. v.
-<em>Marnel</em> e <em>Vouga</em>). Mas os indicios pre-romanos e romanos
-soletram-se nessas ruinas de muralhas, pedras lavradas, vestigios de edifícios
-e toponymia, que os cabeços de Vouga e Marnel nos conservam, segundo descrevem
-Brito, Pinho Leal e os parochos do sec. <small>XVIII</small> nos extractos
-publicados pelo <em>Archeologo Português</em>.</p>
-
-<h2><a name="SECTION0019000">IX</a></h2>
-
-<p>O sentimento de Gaspar Barreiros (<em>Chorographia de alguns logares</em>,
-<small>MDLXI</small>, p. 48 sgs.) era que a situação de Talabriga devia ser a
-actual Cacia, especialmente na igreja de S. Julião, onde apparecem vestigios
-antigos. Varios autores o seguem.</p>
-
-<p>As razões d'este illustre escritor do sec. <small>XVI</small> merecem alguma
-discussão.<span class="pn">{23}</span></p>
-
-<p>Barreiros funda-se no Itinerario e conta, no sentido d'este roteiro, as
-milhas de Conimbriga para o norte. E por confirmação d'este argumento, traz o
-passo de Plinio que eu já transportei a este estudo, mas com uma differença que
-elle tomou de um archetypo Toletano (p. 51), declarando porém que alguns
-exemplares de Plinio não são accordes com aquelle. A lição citada é pois esta:
-<em>A Durio Lusitania incipit, Turduli veteres, Pesuri, flummen Vacca, oppidum
-Vacca, oppidum Talabrica, oppidum et flumen Minium</em>, etc. Esta variante
-demonstra a existencia de uma cidade <em>Vouga</em>, que G. Barreiros colloca
-na Ponte de Vouga (p. 50 <em>v</em>). Algumas cartas antigas reflectem esta
-indicação. Isto posto, G. Barreiros leva a contagem de Conimbriga para
-Talabriga por espaço de 50 milhas, o que é exacto, espaço que elle computa
-equivalente a 12,5 leguas e enumera:</p>
-
-<table align="center" border="0" cellpadding="3" summary="Calculo de G. Barreiros">
- <tbody>
- <tr>
- <td>De Condeixa a Coimbra</td>
- <td>2,5 leguas</td>
- </tr>
- <tr>
- <td>De Coimbra á Mealhada</td>
- <td>3,5 »</td>
- </tr>
- <tr>
- <td>Da Mealhada a Avellãs</td>
- <td>2 »</td>
- </tr>
- <tr>
- <td>De Avellãs a Agueda</td>
- <td>2 »</td>
- </tr>
- <tr>
- <td>De Agueda á Ponte de Vouga</td>
- <td>1,5<a name="tex2html24" href="#foot667"><sup>[24]</sup></a> »</td>
- </tr>
- <tr>
- <td>De Ponte de Vouga a Cacia</td>
- <td>1 »</td>
- </tr>
- <tr>
- <td> </td>
- <td>12,5</td>
- </tr>
- </tbody>
-</table>
-
-<p>«Na qual villa &amp; igreja de sanct. Juliã nas ribeiras do Vouga situadas,
-se acham vestigios antigos, s. os fundam&#x1ebd;tos de h#7869;a torre que na
-memoria dos hom&#x1ebd;s inda staua quasi inteira, onde era outro tipo segundo
-ficou fama de h#7869;s em outros chegauam nauios da foz do mar, porque inda ali
-se acharam pedaços d'elles &amp; anchoras iuncto da dicta torre em h#7869;a
-lagoa Afora muitos vestigios &amp; ruinas d'argamassa que dentro em seu ambito
-cõprehende h#7869;a milha pouco mais ou menos» (p. 50).</p>
-
-<p>A não ser que tenhamos de recorrer a uma mudança da primitiva situação, nós
-temos de procurar em Talabriga a cidade preromana, que no sec.
-<small>II</small> a. C. Decimo Junio Bruto reduzia á miseria e á impotencia,
-segundo narra Appiano. E esse oppidum teria que possuir condições estrategicas
-identicas ás dos outros castros preromanos, taes como elles nos acenam que
-foram escolhidos pelas populações proto-historicas;<span class="pn">{24}</span>
-teria que justificar o proprio designativo de caracter celtico
-<em>briga</em>&mdash;altura fortificada.</p>
-
-<p>Creio poder affirmar que nada d'isto se encontra em Cacia. Alem d'isto o
-proprio G. Barreiros, no dizer que, entre os vestigios antigos, sobresaía uma
-torre, que ainda andava lembrada, e se topavam «ruinas de argamassa», quasi
-estabelece uma chronologia, porque taes vestigios não podem ser anteriores aos
-romanos; poderão attribuir-se menos á sua epoca que ás posteriores. Para a
-contemporaneidade, teriamos que admittir e demonstrar uma deslocação do
-primitivo assento de oppidum, como vimos; se esses vestigios se affectam ás
-epocas successoras dos romanos, o facto sae para fóra do problema e d'elle me
-não posso occupar.</p>
-
-<p>O principal estorvo, porém, que a opinião de Barreiros encontra, é aquelle
-que eu quis descobrir e evitar, quando ajustei a medição do itinerario a contar
-de Cale para o Sul e não de Aeminium para o Norte. Evitei assim o erro de cair
-em Aveiro, em Esgueira e agora em Cacia, onde muito bem podia ir passar com o
-roteiro romano nas mãos.</p>
-
-<p>Isto illumina-se á luz da carta. Barreiros vem seguindo, com os ouvidos na
-tradição do seu tempo, o leito do caminho romano (dito mourisco) pela Mealhada,
-Agueda, até á ponte de Vouga, e até aqui bem elle vem; chegado porém a esta
-altura, desnorteia-se e inflecte para Oeste para fazer a primeira estação de
-Itinerario em Cacia, imaginando-se em Talabriga. Kilometricamente, creio não
-haver que lhe objectar. A distancia da ponte de Vouga a Cacia é proximamente
-igual á que entre o mesmo ponto se nota e a linha-zona <em>TT</em>, que eu
-determinei. Portanto não falseava o illustre chorographo quinhentista a tabella
-do Itinerario, isto é, as 50 milhas desde Condeixa (Conimbriga).</p>
-
-<p>Mas a precaução de começar a contagem de Cale para Talabriga, obsta ou
-impede aquella inflexão e obriga a trazer o caminho numa directriz mais
-desempenada para a ponte de Vouga. Volvendo os olhos á curva <em>TT</em> do
-mappa, ver-se-ha que Cacia lhe fica a distancia grande porque, com este desvio
-da trajectoria normal, a medição romana perdeu espaço, atrasando-se.</p>
-
-<p>Se não fosse este meio de verificar o erro, era possivel a desorientação.
-</p>
-
-<p>Creio, pois, ter demonstrado pela ethnographia e pela geometria topographica
-que Talabriga não póde ser collocada em Cacia, quer se olhe á Talabriga
-preromana ou protohistorica, quer á romana ou historica; á Talabriga de Appiano
-e D. J. Bruto ou á da epoca imperial e do Itinerario.<span
-class="pn">{25}</span></p>
-
-<h2><a name="SECTION00110000">X</a></h2>
-
-<p>Como, segundo se infere de Appiano (vid. adeante), o oppidum de Talabriga
-continuou a ser habitado depois da sua rendição no sec. <small>IV</small> a. C.
-e emfim ainda existia no sec. <small>IV</small> d. C., poderia succeder que elle
-conseguisse resistir á vinda dos barbaros, e chegar ao dominio dos arabes.
-Convinha pois consultar a geographia arabica, e o nome de Edrisi, geographo do
-sec. <small>XII</small>, impunha-se-me logo.</p>
-
-<p>O que das suas differentes traducções se conclue, não é nada claro para mim
-que ignoro o arabe, mas poderá auxiliar o estudo da questão por parte dos
-arabistas.</p>
-
-<p>Ha uma edição de 1619 (Paris) com o titulo de <em>Geographia Nubiensis</em>,
-que quero pôr em confronto com a traducção de Amédée Jaubert (<em>Géographie
-d'Edrisi</em>, Paris 1840).</p>
-
-<p>Edrisi descreve dois caminhos de Coimbra a Santiago de Compostella: um por
-terra, outro por mar.</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p style="text-align: center;"><strong>Caminho por terra</strong></p>
-
-<div style="width: 50%; padding: 0.5em; float: left;">
-<p style="text-align: center;"><em>Ed de 1619</em> (trad. lat)</p>
-
-<p>«Iter autem terrestre a <em>Colimria</em> ad <em>S. Jacobum</em> est
-hujusmodi: a <em>Colimbria</em> ad oppidum <em>Aba</em> stationis habetur
-intervallum. Ab <em>Aba</em> ad oppidum <em>Vatira</em> statio. Ab hoc ad
-primos terminos regionum Portugalliae, statio, pergit que iter secans terram
-Portugalliae spatio diei, ibique conspicitur oppidum <em>Bonacar</em> ad ripam
-fluminis <em>Durii</em>, quod est flumen Samorae, atque illic trajiciendum
-cymbis ad hoc paratis. Ab oppido ad amnem Minio, indeque ad castellum Abraca LX
-M. P. duae videlicet stationes. A castello <em>Abraca</em> ad castellum
-<em>Tui</em> stationes duae».</p>
-
-<p style="text-align: center;">&mdash;&mdash;</p>
-
-<p>O editor de 1619 diz que não ha medida certa para as <em>stationes</em>,
-expressão que se referia a pousada dos viandantes. As <em>stationes</em> justas
-eram de 25 milhas, mas algumas tinham mais, outras menos. Parece que seria o
-espaço que se poderia percorrer em um dia.</p>
-</div>
-
-<div style="padding: 0.5em;">
-<p style="text-align: center;"><em>Ed. de 1840</em> (trad. fr.)</p>
-
-<p>«O itinerario por terra de Colomria (Coimbra) a S. Tiago é como segue: de
-<em>Coimbra</em> a <em>Abah</em> (Ribadavia) (!) aldeia, uma jornada. De
-<em>Abah</em> a <em>Uetaria</em> (Huctaria) (?) aldeia, uma jornada. D'ahi á
-fronteira de Portugal, uma jornada. O caminho vae através das terras de
-Portugal durante uma jornada, ao fim da qual se chega a <em>Buna-Car</em>,
-aldeiasinha nas margens do <em>Douro</em>, que é o rio de Zamora. Passa-se o
-rio em barcos proprios para isto. D'este logar ao rio <em>Minho</em> ou antes
-ao forte <em>Abraça</em> (insua de Caminha) (?) 60 milhas ou duas jornadas.
-Depois <em>Tuia</em> (Tuy) cidade pouco notavel, mas bella e numa região
-fertil, duas jornadas» (<small>II</small>, p. 232)</p>
-
-<p style="text-align: center;">&mdash;&mdash;</p>
-
-<p>No texto francês, ao vocabulo <em>statio</em> corresponde <em>journée</em>,
-que eu traduzi por <em>jornada</em> (de um dia).</p>
-</div>
-
-<p>Temos aqui duas traducções do texto arabe, uma em frente da outra, e a
-verdade é que sufficientemente se correspondem. O principal para<span
-class="pn">{26}</span> o meu fim seria a localização das estações de Edrisi;
-neste ponto o traductor francês apenas conserva intemeratamente as tradições
-dos estrangeiros quando, fallando ou escrevendo, debicam na nossa geographia.
-</p>
-
-<p>Nem ao diabo lembra que a Coimbra se siga... <em>Ribadavia</em>!</p>
-
-<p>A primeira estação ao deixar Coimbra é <em>Aba</em> (ed. 1619) ou
-<em>Abah</em> (ed. 1840). Poderá corresponder a <em>Agueda</em>? Jaubert
-desejaria falar em <em>Riba-d'Agueda</em>! É provavel.</p>
-
-<p>A segunda estação foi interpretada por <em>Vatira</em> (ed. 1610) e
-<em>Uetaria</em> (ed. 1840). Não sei identificar esta localidade, assim
-desfigurada.</p>
-
-<p>Em seguida a isto, se na versão latina parece haver uma incongruencia, ella
-desapparece na traducção francesa. Através das terras de Portugal, chega-se com
-um dia de viagem ás margens do Douro. Isto parece ser bem o tradicional caminho
-que entesta na foz do Douro.</p>
-
-<p>Não diz o geographo arabe em que ponto da margem do Douro ficava
-<em>Bona</em> ou <em>Buna-car</em>, expressão que não sei reconhecer, mas
-parece-me que deve ser a embocadura d'este rio, e é a seguinte a razão. Diz
-Edrisi que de <em>Bona-car</em> ao rio Minho são 60 milhas; ora, numa pagina
-anterior (p. 227) elle conta da foz do Douro á do Minho as mesmas 60 milhas.
-Portanto creio que <em>Buna-car</em> era aproximadamente em Gaia, onde depois o
-rio se atravessava em barcos<a name="tex2html25"
-href="#foot668"><sup>[25]</sup></a>.</p>
-
-<p>Descrevendo o mesmo <em>caminho por mar</em>, isto é, a viagem de Coimbra a
-Santiago, o primeiro ponto onde diz que se abica, é a foz de
-<em>nahr-Budhu</em> (rio <em>Vadeo</em>, traduz A. Jaubert!) que corresponde ao
-Vouga, rio, acrescenta, consideravel, onde entram embarcações grandes e
-pequenas (<small>II</small>, 227). Esta aclaração parece indicar que naquelle
-tempo a foz do Vouga e o lago interno serviam a uma navegação bastante activa.
-Quanto ao relacionamento da antiga Talabriga com alguma das estações do caminho
-medieval descrito por Edrisi, nenhuma conclusão posso tirar com segurança.</p>
-
-<p>Com muita probalidade porém se infere d'isto que o caminho frequentado então
-devia ser o que hoje corresponde á estrada real com a passagem nas pontes
-medievaes de Vouga, mas emquanto não se fixarem<span class="pn">{27}</span>
-estes dois ponto; duvidosos, localização muito verosimil de <em>Aba</em> ou
-<em>Abah</em> em Agueda e incerta de <em>Vatira</em> ou <em>Ueturia</em>, o
-testemunho do geographo arabe apenas serve seguramente para localizar as testas
-d'este caminho, estabelecer com grande plausibilidade a tradição do caminho
-historico pela orla das montanhas e revelar-nos o movimento commercial da foz
-do Vouga.</p>
-
-<h2><a name="SECTION00111000">XI</a></h2>
-
-<p>Tratando-se pesquisa dos vestigios da via romana <em>ab Aeminio ad
-Calem</em>, o testemunho de Viterbo (<em>Elucidario</em>, s. v. <em>Estrada
-mourisca</em>) devia ser ponderado. Diz este illustre antiquario que, nos
-documentos de Grijó, se fazia larga menção de propriedades que ficavam umas da
-parte de cima, outras da parte de baixo da estrada mourisca. No anno de 1148,
-Trutesindo doa ao celebre mosteiro o que possuia em Brantães e em S. Felix
-<em>subter illam Stratam Mauriscam, discurrente riuulo Cerzedo</em>.</p>
-
-<p>Acrescenta o sabio antiquario que a estrada era mourisca por ter sido aberta
-pelos Mouros, que abandonaram a romana que vinha ali a passar entre Lancobriga
-e o mar, pois que com o rodar dos annos a costa se entupira e alteara por causa
-das areias e os rios estagnados não só esterilizaram os campos, mas fecharam a
-passagem dos caminhos. E mais depõe Viterbo que a estrada mourisca ia do Porto
-a Agueda por Azemeis, Albergaria, Vouga, etc.</p>
-
-<p>Antes de mais: notemos esta opinião corrente, esta tradição, tão concordante
-com o que eu já procurei accentuar, de que a tal estrada <em>mourisca</em>
-descia do Porto a Agueda precisamente por Azemeis, por Albergaria e por Vouga.
-</p>
-
-<p>Que Viterbo lhe chamasse <em>mourisca</em> não é de espantar; era a voz
-popular que ainda hoje nos falla de Mouros sempre que tem de referir-se a povos
-muito antigos, preromanos, romanos, barbaros, etc<a name="tex2html26"
-href="#foot669"><sup>[26]</sup></a>.</p>
-
-<p>Mas o documento de 1148 já tratava de mourisca uma obra que<span
-class="pn">{28}</span> não podia ser dos Sarracenos, a esse tempo ainda no sul
-de Portugal. Creio não se poder sustentar que a estrada que passava em Cerzedo
-era construida por arabes; aproveitada sim, porque sendo o caminho que elles
-ainda encontravam á sua disposição, devia ser aquelle que inundavam do terror
-das suas algaras.</p>
-
-<p>Em que elementos se estribava Viterbo para dizer ainda que a mesma estrada
-mourisca tocava em Oliveira de Azemeis, Albergaria, Vouga e Agueda? Confesso
-que não os conheço, a não ser que a memoria e o uso d'este caminho tradicional
-se perpetuassem através de tantos seculos e tão profundas transformações
-sociaes.</p>
-
-<p>Informa Pinho Leal que na freguesia da Trofa (concelho de Agueda) ha ainda o
-logar de <em>Mourisca</em>, á margem da estrada, e que o nome lhe veio d'esta.
-Traduzindo <em>mourisco</em> em <em>romano</em>, póde ser acertada a
-supposição. Isto transcreveu-o elle de Viterbo, s. v. <em>Estrada</em>.</p>
-
-<p>Mais expressivo é o tópico de um sitio, perto de Lamas e junto da estrada
-real; chama-se elle <em>Fundo da rua</em>. Tal rua não é outra senão a via
-romana. Esta explicação affere pela que dá o <em>Corpus</em>
-(<small>II</small>. p. 363) com referencia a uma freguesia de Santo Estevam da
-Rua, onde passava uma estrada romana (<em>oppido quod a via romana nomen
-duxit</em>). A 3:500 para O. da Feira ha um sitio chamado <em>Rua Nova</em>.
-Aqui é que só a inspecção dos logares poderia indicar-me o significado d'este
-tópico.</p>
-
-<p>Num escritor estrangeiro do sec. <small>XVIII</small>, lê-se uma descrição
-litteraria do caminho através do campo de Aveiro, que só se entende se o
-suppusermos encostado ás montanhas de leste, permittindo que se descortine para
-a banda do mar toda aquella immensidade de terras feracissimas que aquelle
-autor olhava como planicie encantadora (<em>Annales de l'Espagne et du
-Portugal</em>, Alvares de Colmenar, Amsterdam 1741, p. 253).</p>
-
-<p>Isto demonstra que a estrada real de hoje é um caminho velho e
-tradicionalmente batido para ligar Coimbra ao Porto.<span
-class="pn">{29}</span></p>
-
-<p>Nos <em>Port. Mon. Hist.</em> não se encontram referencias mais claras do
-que esta de Viterbo e as que adduzi em nota, á antiga via romana. Compulsei
-bastantes documentos d'aquella publicação e nella encontrei variadas
-referencias a caminhos, mas em termos d'onde não se podia concluir cousa alguma
-que indicasse o conhecimento da existencia de uma estrada da epoca romana,
-considerada como tal<a name="tex2html27" href="#foot684"><sup>[27]</sup></a>.
-</p>
-
-<h2><a name="SECTION00112000">XII</a></h2>
-
-<p>Um esclarecimento dá Viterbo que é exacto e tem importancia para a historia
-d'esta região tributaria dos esteiros vacuenses.</p>
-
-<p>Retiro-me ao «entupimento» da costa que com o rodar dos annos se foi
-alteando e ao «estagnamento» dos rios que esterilizava os campos e fechava os
-caminhos. Esta acção do mar na costa de Aveiro tem sido um problema technico e
-administrativo extremamente complicado para os governos portugueses, não só
-pelas condições commerciaes de Aveiro, mas pelo estado sanitario de toda esta
-região. O coração d'este problema é a barra do Vouga.</p>
-
-<p>É difficultoso dizer o estado d'esta embocadura nos tempos que interessam ao
-presente estudo. Tenho lido que, na epoca romana, entravam<span
-class="pn">{30}</span> a foz do Vacua embarcações de grande arqueamento (<em>Os
-portos maritimos de Portugal</em>, pelo Sr. Adolfo Loureiro, <small>II</small>,
-3). Não sei que fundamentos póde ter esta asserção, que em todo o caso é
-relativa á tonelagem dos antigos navios.</p>
-
-<p>Os geographos antigos que se referem a este rio lusitanico, não dizem cousa
-d'onde se possa inferir a sua capacidade para grandes embarcações, como aliás
-se tem escrito.</p>
-
-<p>O mais explicito é Estrabão (<em>Geographia</em>, liv. III,
-<small>III</small>), que vertido a latim, diz: <em>Deinceps post Tagum
-nobilissima flumina sunt Muliadas, parvas habens navigationes. Itidem Vacua
-fluvius, post quos Durius longo fluens cursu</em>, etc. O geographo grego
-iguala o Mondego (<em>Muliadas</em>) rio de navegação diminuta, ao Vouga, da
-mesma fórma (<em>itidem</em>) estuario de diminuta navegação. E tanto mais é
-esta a natural hermeneutica, que o contraste é frisante com a importancia do
-Douro, <em>longo fluens cursu</em>. Estrabão escreveu no sec. <small>I</small>
-a. e d. de C.; como póde affirmar-se que no tempo dos romanos entravam o Vouga
-embarcações de longo curso e a sua foz era um porto de grande commercio e muita
-prosperidade?</p>
-
-<p>Ora isto vem ao intento de eu pretender que no surgidouro do Vouga não havia
-nos primeiros seculos, pelo menos da epoca romana, povoação de vulto que
-determinasse uma passagem forçada na via militar e um desvio da natural
-directriz <em>ab Aeminio Calem</em>. E para um porto de tamanho trafego, era
-pouco um simples <em>vicus</em>.</p>
-
-<p>Temos pois a affirmação estraboniana<a name="tex2html28"
-href="#foot675"><sup>[28]</sup></a>. E antes?</p>
-
-<p>Menos ainda. Diz-se que em algumas minas da região metallifera de
-Entre-Vouga-e-Caima tem apparecido vestigios de antigas laborações. Apesar da
-falta de precisão chronologica nesta noticia, póde presumir-se o facto até para
-a epoca preromana. E neste caso, a via fluvial seria a mais pronta saida do
-mineiro para o commercio externo.</p>
-
-<p>Mas um óbice encontro agora. Seria consequente que este trafico determinasse
-a formação de um povoado á beira-mar ou na enseada interior. A essa gente
-faltaria, porém, uma cousa, que se lhes tornára tão indispensavel, como o pão
-para a boca: era a segurança pessoal, era o ninho de aguia. Com as planuras não
-se queriam elles. A não ser que deroguemos os conhecimentos adquiridos no que
-até agora se tem encontrado.<span class="pn">{31}</span></p>
-
-<p>Alem disto, que motivos ha para tirar effeíto tambem retroactivo á noticia
-de Estrabão?</p>
-
-<p>Um primorosissimo escritor<a name="tex2html29"
-href="#foot676"><sup>[29]</sup></a>, filho de Aveiro, evita, com exemplar
-abnegação patriotica, o problema archeologico da origem preromana da sua terra
-natal, mas propende á presumpção de que algum povoado assentaria antigamente na
-foz do Vouga os seus lares. E enfeixa o illustre homem de letras duas razoes:
-1.ª, a geographica; 2.ª, a da exploração do sal. Aquella parece-me menos
-conciliavel com a ethnographia dos povos a que se deseja alludir, como notei. E
-esta? Para o commercio, quer interno quer externo, temos ainda o mesmo senão.
-Os marnôtos d'aquelle tempo onde se acoitariam<a name="tex2html30"
-href="#foot677"><sup>[30]</sup></a>?</p>
-
-<p>Que, posteriormente a Estrabão, as <em>parvae navigationes</em> crescessem
-em numero e tonelagem não é impossivel, porque a vida social começava já a
-fervilhar nas planicies.</p>
-
-<p>E a industria do sal, cuja utilização aliás já data dos tempos neolithicos,
-poderia commercializar-se (perdão para o neologismo) d'essa epoca em deante, se
-tomarmos por base da hypothese o caracter latino da technologia<a
-name="tex2html31" href="#foot678"><sup>[31]</sup></a> e o que sabemos por
-aquelle geographo da importancia das salgas (<em>Geographie de Strabon</em>,
-por Am. Tardieu, 1886; III-<small>IV</small>-2). Mas então já a via militar
-<em>ab Aeminio ad Calem</em> lá estaria antes de ser necessaria, se necessaria
-se pudesse considerar por motivo do commercio externo, num porto afastado da
-linha natural de communicação e posto em duvida pelo silencio dos textos, como
-vimos.</p>
-
-<p>Do que o Vouga seria na idade media possuimos o testemunho do geographo
-arabico Edrisi (<em>Géographie d'Edrisi</em>, trad. de P. Amédée Jaubort. Paris
-1840 <small>II</small>, 227).<span class="pn">{32}</span></p>
-
-<p>O nosso rio foi transposto para aquella lingoa por uma palavra que A.
-Jaubert representa na graphia francêsa por <em>Boudhou</em> (ou==u); e assim
-conforme o texto arabico vemos que o <em>nahr-Budhu</em> é um rio consideravel
-onde navegam embarcações grandes e pequenas, e a navegação se estende a 70
-milhas da sua foz. Agora já começamos a entrever uma população occupada no
-trafego maritimo.</p>
-
-<p>A diplomatica tambem proporciona alguns elementos de estudo relacionaveis
-com este, mas propriamente esta epoca já não interessa á questão posta.</p>
-
-<p>Há porém, uma cousa que não posso omittir.</p>
-
-<p>É o documento n.º <small>LXXVI</small> dos <em>Port. Mon. Hist.</em>, «Dipl.
-et Chartae», onde se lê a fórma medievica de Aveiro, a qual é
-<em>alauario</em>, o que só por si desmorona as hypotheses etymologicas a que
-varios chorographos se tem apegado, mas revela pela primeira vez a existencia
-de uma povoação onde hoje é Aveiro (assim tambem <em>Talabario</em> e
-<em>Táveiro</em>. Doc. <small>CXXVIII</small>).</p>
-
-<p>O trabalho do mar e das aguas na desintegração de um subsolo brando e a
-força do vento nos areaes movediços devem ter sido causa perenne e inflexivel
-dos açoreamentos e obstrucção da navigabilidade<a name="tex2html32"
-href="#foot679"><sup>[32]</sup></a>. O factor é antigo, tão antigo quanto o
-póde ser, por maneira que aquella região nunca teve, fóra das epocas
-geologicas, outra face topographica muito diversa da dos nossos dias<a
-name="tex2html33" href="#foot680"><sup>[33]</sup></a>. É presumivel que
-elevadas florestas forrassem com sombras impenetraveis toda essa immensa orla
-limitada<span class="pn">{33}</span> pelo mar a Oeste e pelas montanhas a E.,
-na região e na epoca de que me occupo<a name="tex2html34"
-href="#foot681"><sup>[34]</sup></a> como em outros pontos suppôe o Sr. Alberto
-Sampaio (<em>Portugalia</em>, <small>II</small>, 215, art. cit.); mas isso não
-importa acreditar a possibilidade da via romana por terrenos de tal especie.
-</p>
-
-<p>Informou-me o distincto engenheiro Sr. Mello de Matos, que, ao proceder-se
-aos trabalhos de construcção de uma ponte nas proximidades de <em>Vagos</em>,
-se encontrou encastoado nas areias o cavername de um navio, que infelizmente
-não foi estudado. Na <em>Esgueira</em>, achara-se outro.</p>
-
-<p>Narra Pinho Leal que ha annos em Vagos se descobriu uma ponte sobre um
-ribeiro que a areia das dunas entupiu completamente. Escusado é acrescentar que
-a ponte foi logo capitulada de <em>romana</em>, nada menos.</p>
-
-<p>Estes factos não tem sido apenas recentemente verificados. Já vimos num
-trecho, que desatei do nosso Gaspar Barreiros (p. 50) que pelas alturas de
-Cacia se tem encontrado, submersos na terra, cascos de navios e ancoras, o que
-radicou a crença de que as embarcações chegavam ate ahi em tempos antigos. Esta
-apreciação já é do sec. <small>XVI</small>.</p>
-
-<p>D'este millenario ha um mappa, publicado por Abrahão Ortelius, onde se
-reconhece nitidamente a bacia de Aveiro. (Vide <em>Theatrum orbis
-terrarum</em>, já citado a pag. 132).</p>
-
-<p>Estes factos esclarecem o assunto e reatam a tradição de que os fundos da
-ria se vão alteando com a obstrucçâo nos esgotos das correntes fluviaes. Fr.
-Bernardo de Brito (<em>Monarchia Lusitana</em>, <small>II</small>.
-<small>V</small>. p. 130) diz que, do tempo d'elle, Aveiro, muito concorrida de
-gente de mar e pescarias, era cidade florescente<a name="tex2html35"
-href="#foot682"><sup>[35]</sup></a>.</p>
-
-<p>O Sr. Cons.º Luis de Magalhães tambem entende que, tendo ahi embarcado para
-uma jornada de Africa os terços da Beira, é porque o porto consentia a
-arqueação das caravelas.<span class="pn">{34}</span></p>
-
-<p>D'esta epoca ha mais elementos concordantes no movimento commercial de
-Aveiro e portanto no estado da sua barra. (Vid. <em>Os portos maritimos de
-Portugal</em>, pelo Sr. A. Loureiro, <small>II</small>, 3).</p>
-
-<p>O que Barreiros conta relativamente a Cacia, encontra-se repercutido num
-local situado muito mais acima sobre o Vouga. No sec. <small>XVIII</small>
-corria que em eras passadas ainda os navios subiam aquelle estuario até a
-antiga cidade de <em>Vacua</em><a name="tex2html36"
-href="#foot606"><sup>[36]</sup></a>, onde depois foi a villa de Vouga e agora
-mero cabeço de Vouga (<em>Arch. Port.</em>, <small>VII</small>, 191), que aliás
-tende a desapparecer, como desappareceu a de Marnel pelo impaludismo (Pinho
-Leal, <em>Port, Ant. e Mod.</em>, s. v. <em>Vouga</em>).</p>
-
-<p>Esta noticia, porém, deve interpretar-se com uma informação mais minuciosa
-que encontro em uma obra de 1741 (<em>Annales de l'Espagne et du Portugal</em>,
-por Alvares de Colmenar, Amsterdam). Diz este A. que Aveiro é uma cidade
-bastante consideravel, situada na testa de um pequeno golfo que a maré
-estabelece na embocadura do Vouga. Este rio fórma um porto de limitadas
-dimensões, onde os navios mediocres, que não demandam senão 8 ou 9 pés de agua,
-podem entrar na preamar, com a direcção de pilotos do sitio. Este A. já falla
-na grande producção de sal e nas fortificações constantes apenas de uma muralha
-flanqueada de algumas torres.</p>
-
-<p>Na lagoa de Esmoriz, de que falla um doc. do sec. <small>IX</small>,
-(<em>Port. Mon. Hist.</em>, «Dipl. et Chart.», n.º <small>XII</small>), havia
-uma barra por onde entravam as caravelas em antigos tempos e depois se entupiu
-(<em>Arch. Port.</em>, <small>IV</small>, 144).</p>
-
-<p>O caso do cavername encontrado perto de Vagos liga-se com a noticia do sec.
-<small>XVIII</small>, transmittida pelas <em>Memorias Parochiaes</em>, segundo
-as quaes o braço da ria que existe entre Aveiro e Ilhavo dava antigamente fundo
-para caravelas e agora é vadeavel (<em>Arch. Port.</em>, <small>IV</small>,
-329).</p>
-
-<p>Em Mira, numa lagoa de agua doce, conta um informador que nella se encontram
-vestigios de casas, moedas e alicerces de uma parede ou caminho que a
-atravessou pelo meio. Alem disto, pelo norte e poente, tem-se açoreado
-(<em>Arch. Port.</em>, <small>V</small>, 297).</p>
-
-<p>Quanto se póde deduzir d'estas noticias, o extenso delta vacuense tem sido
-invadido com trabalho successivo pelas areias que causam a obstrucção dos
-esteiros e a diminuição da navegabilidade. De nenhuma noticia, porém, se póde
-concluir que na epoca romana o aspecto topographico e a constituição
-orographica da região fosse tão diverso<span class="pn">{35}</span> do que é
-actualmente, que a via romana lá pudesse passar preferentemente ao trajecto
-mais interno, na base da montanha, através dos castros e das minas.</p>
-
-<h2><a name="SECTION00113000">XIII</a></h2>
-
-<p>De Talabriga temos uma das paginas da sua historia escrita por um autor do
-meio do sec. <small>II</small> d. C., Appiano de Alexandria.</p>
-
-<p>É certamente este um caso particular, mas não deverá deixar de ser
-considerado como uma amostra de dramas analogos que succederam com os oppidos
-lusitanos, no embate das cohortes romanas.</p>
-
-<p>Talabriga, escreve Appiano, era uma das cidades (da Lusitania) que mais
-frequentemente se revoltava. Esta falta de resignação, este, direi eu, germen
-de patriotismo ou melhor de municipalismo, não podia tranquillizar Decimo Junio
-Bruto, que julgou que o caso era de reclamar a sua presença no local da cidade.
-Partiu com numerosa gente, e ao seu apparecimento responderam os irrequietos
-Talabrigenses com supplicas e o seu incondicional abandono á discrição do
-conquistador. Então J. Bruto foi energico e insaciavel, mas ao mesmo tempo teve
-um lanço inesperado de generosidade. Quis fazer-lhes sentir primeiro a dureza
-cruel do seu braço de guerreiro, e para isso impôs-lhe a immediata entrega dos
-transfugas das hostes d'elle, certamente alliados dos romanos, a dos
-prisioneiros, a de todo o armamento e ainda por cima exigiu refens. Depois
-chegou a ordenar-lhes que abandonassem a cidade com suas mulheres e filhos.
-Parece que o prestigio militar de J. Bruto não valia menos que seu tino de
-politico e conquistador. Os Talabrigenses aprontaram-se para obedecer alli
-mesmo. Mas o capitão romano queria compor-lhes um quadro que lhes
-impressionasse perduravelmente a imaginação. E ia espreitar o effeito
-produzido.</p>
-
-<p>Desdobrou em circulo as suas tropas e, agglomerando dentro a chusma dos
-habitantes humilhados, arengou-lhes. Fez-lhes perceber que não receava a sua
-turbulencia indomita, porque quantas vezes desertassem, outras tantas elle
-viria combatê-los e reduzi-los com a necessaria firmeza, incutido assim o
-receio e a convicção de que no momento adequado, J. Bruto cairia sobre elles
-com toda a energia, o general romano quebrantou a sua ira, satisfeito com estas
-objurgatorias. Mas não sem que lhes tomasse os cavallos, os mantimentos, os
-dinheiros da cidade com todo o outro material publico<a name="tex2html37"
-href="#foot683"><sup>[37]</sup></a>. Isto era claramente<span
-class="pn">{36}</span> deixá-los na impotencia e até na penúria. E por fim J.
-Bruto, contra tudo quanto os Talabrigenses podiam já esperar (<em>pratter
-spem</em>), restituiu-lhes a cidade para nella continuarem a habitar. Isto
-passava-se já meado o sec. <small>II</small>, antes de Christo (138 a. C).</p>
-
-<p>Feito isto, o conquistador regressou a Roma.</p>
-
-<p>Esta pagina da conquista da Lusitania é tanto mais importante quanto é, com
-igual individuação, a unica que nos resta de historia escrita dos oppidos
-lusitanos, e, embora narre um só episodio da guerra da conquista, não deixa de
-ser elucidativa.</p>
-
-<p>Quando li este trecho de Appiano (<em>Appiani Alexandrini Rom. Historiarum
-quae supersunt</em>. Parisiis. F. Didot. MDCCCXL), confesso que senti amargura
-por não podermos ainda ir conversar na região do Vouga com as ruinas da cidade
-onde estes successos crueis se desfiaram, e segredar ás cinzas d'aquelle
-abrasado patriotismo que o mesmo sentimento, que chammejou nesses lusitanos
-insoffridos, ainda se não arrefentára com o soprar sobre ellas de vinte vezes
-cem invernos, e em mais de um dia, já da nossa existencia nacional, elle se tem
-ateado em protestos bem tumidos de calor.</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>Talabriga continuou a existir e refazer-se, atravessando a epoca
-imperatoria, como nos attesta: 1.º, a data a que pertence a ara de Estorãos,
-sec. <small>III-IV</small>; 2.º, a sua inscripção no Itinerario (sec.
-<small>IV</small>).</p>
-
-<p>Que seculos lhe trouxeram o ultimo acto das suas tragedias? Os do mal
-afamado frankisk barbaro ou os do pavor sarraceno mais verdadeiro e real que
-aquelle, sobretudo no territorio portugalense?</p>
-
-<p>Entrevejo pois para a archeologia portuguesa este problema: sondar o jazigo
-de Talabriga, verdadeiro simbolo do nosso sentimento de independencia
-territorial e figura-se-me que mostrei onde com toda a probabilidade elle se
-deve encontrar. Espero ter eu mesmo ensejo de averiguar se o simples e frio
-raciocinio me guiou, sem desvio, até as trincheiras historicas, que occultam os
-miserandos restos de Talabriga.</p>
-
-<p>Conservar-se-ha ainda evolucionado este toponimo? Responderá o onomastico,
-paternalmente assistido pela philologia, não se dando o caso mais provavel do
-verso susodito de Vergilio:</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<blockquote>
- <em>Haec tum nomina erunt, nunc sunt sine nomine terrae!</em> </blockquote>
-
-<p>Março de 1907.</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p><em>P. S.</em> No mappa do <em>Ortelius</em>, de que me soccorri a pp. 132 e
-155, vejo nova <em>Lancobriga</em>, pelo sul de Scalabis; teremos tres? (Ver
-<em>O Arch. Port.</em>, <small>XII</small>, 42).</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<div class="rodape">
-<p><a name="foot644" href="#tex2html1"><sup>[1]</sup></a> O brasão de Agueda
-ostenta num lemnisco o mote Aeminium. Mas Coimbra tem hoje uma lapide, quo lhe
-dá irrecusavelmente o foro de <em>civitas aeminiensis</em>.</p>
-
-<p><a name="foot645" href="#tex2html2"><sup>[2]</sup></a> Um dos autores que se
-destacam por tentar a determinação de Talabriga e Langobriga (e ainda outras
-estações da via ab <em>Olisipone Bracaram Augustam</em>) por um processo exacto
-é o Sr. J. Henriques Pinheiro, fallecido professor do Lyceu de Bragança. Mas
-talvez em consequencia de trabalhar sobre uma carta (a de Folque) muito
-reduzida e de se servir da reducção de milhas a leguas, localiza Talabriga em
-<em>Aveiro</em> e Langobriga na <em>Feira</em>. Em todo o caso, não podendo
-conciliar as distancias relativas a Langobriga, conclue que ha erro nos Codices
-(<em>Estudo da Estrada Militar Romana de Braga a Astorga</em>, por J. Henriques
-Pinheiro, Porto, 1896, p. 129).</p>
-
-<p><a name="foot646" href="#tex2html3"><sup>[3]</sup></a> O Sr. A. Coelho diz
-que a fórma verdadeira é a de Estrabão, como o prova a moderna <em>Vouga</em> e
-<em>Vauga</em> dos documentos em baixo latim anteriores ao sec.
-<small>XII</small> (Mélanges Graux, 1882). Vid. <em>Religiões de
-Lusitania</em>, <small>II</small>, 28.</p>
-
-<p><a name="foot647" href="#tex2html4"><sup>[4]</sup></a> Nas <em>Noticias
-Archeologicas de Portugal</em>, de Hübner, trad. do Visconde de Juromenha, vem
-um extracto do Itinerario segundo a ed. de Parthey &amp; Pinder (1848). Prefiro
-a lição <em>briga a brica</em> de Wesseling, ed. dos <em>Vetera romanorum
-Itineraria</em>, <small>MDCCXXXV</small>.</p>
-
-<p><a name="foot651" href="#tex2html5"><sup>[5]</sup></a> Não pude haver á mão
-as <em>Memorias</em> d'este mesmo senhor.</p>
-
-<p><a name="foot652" href="#tex2html6"><sup>[6]</sup></a> Como preciosidade
-estrangeira, desejo referir que o aliás eminente celtista D'Arbois de
-Jubainville, num estudo erudito sobre «Les Celtes en Espagne» (<em>Revue
-Celtique</em>, <small>XIV</small>, § 8) diz, de passagem, ser Talabriga a
-actual povoação de Sousa, conc. de Alenquer! Presumo que esta incongruencia é
-proveniente do que escreveu <em>C. Muller</em> em uma nota da <em>Cl. Ptolemaei
-Geographia</em> (<small>I</small>, 137) a respeito de Talabriga: <em>Oppidum
-haud longe a Vouga, fluvio circa, hod. Souza alicubi steterit. Accuratius locum
-definire non licet.</em> Como ha mais Marias na terra, d'ahi proveio a
-confusão. Veja-se Sousa a O. de Vagos.</p>
-
-<p><a name="foot653" href="#tex2html7"><sup>[7]</sup></a> Por partes temos:</p>
-
-<table cellpadding="3" border="0" align="center" summary="Itinerário de D'Arbois">
- <tbody>
- <tr>
- <td>De Gaia á Feira</td>
- <td style="text-align:right;">21:900 metros</td>
- </tr>
- <tr>
- <td>Da Feira a Oliveira de Azemeis</td>
- <td style="text-align:right;">10:900 metros</td>
- </tr>
- <tr>
- <td>De Oliveira de Azemeis a Albergaria</td>
- <td style="text-align:right;">18:000 metros</td>
- </tr>
- <tr>
- <td>De Albergaria ao rio Vouga</td>
- <td style="text-align:right;">6:800 metros</td>
- </tr>
- <tr>
- <td>Do rio Vouga a Agueda</td>
- <td style="text-align:right;">9:000 metros</td>
- </tr>
- <tr>
- <td>De Agueda á Mealhada</td>
- <td style="text-align:right;">22:000 metros</td>
- </tr>
- <tr>
- <td>Da Mealhada a Coimbra</td>
- <td style="text-align:right;">16:500 metros</td>
- </tr>
- <tr>
- <td></td>
- <td style="text-align:right;">105:100 metros</td>
- </tr>
- </tbody>
-</table>
-
-<p><a name="foot654" href="#tex2html8"><sup>[8]</sup></a> Escreveu o autor do
-<em>Portugal Antigo e Moderno</em> que a via romana seguiria pouco mais ou
-menos o trajecto da linha ferrea. Assim era preciso, se Talabriga fosse Aveiro,
-quer no troço ao norte, quer no troço para sul, em attenção ás condições
-topographicas. Neste caso, porém, a distancia de Coimbra a Gaia seria
-necessariamente pelo menos a que hoje é por aquelle caminho; nada menos de 115
-kilometros, o que está bem longe dos 105 kilometros da via romana e da estrada
-real. Num diagramma da carta indico a differença das distancias entre Cale e
-Talabriga e Gaia e Aveiro pela via ferrea (45:800 metros e 59:000 metros).</p>
-
-<p><a name="foot151" href="#tex2html9"><sup>[9]</sup></a> No mappa com que
-documento este estudo, lancei só os elementos que me eram uteis. Tudo o mais
-ficou no original, a que até accresci alguma cousa a mais por assim convir á
-minha demonstração.</p>
-
-<p><a name="foot154" href="#tex2html10"><sup>[10]</sup></a> É força porém
-attentar na exigua differença que no caso presente existe entre a recta, que
-unisse os dois pontos extremos (Coimbra e Gaia), e o desenvolvimento da
-distancia effectiva pela estrada real, entre os mesmos pontos. Bem sei que
-differentes parcellas podem dar a mesma somma, mas difficultoso seria crer que,
-acertando o Itinerario na distancia total entre Aemiuium e Cale, delinquisse
-nas parcellas, que vem a ser as tres secções da via militar. Veja-se o
-diagramma.</p>
-
-<p><a name="foot156" href="#tex2html11"><sup>[11]</sup></a> Pela linha ferrea
-de Coimbra a Aveiro são 56 kilometros: pelo caminho romano de Coimbra a
-Talabriga eram 59 kilometros.</p>
-
-<p><a name="foot655" href="#tex2html12"><sup>[12]</sup></a> Nada mais possivel
-do que um erro de informação de Plinio. Mas poderia tambem haver aqui uma
-confusão entre a Talabriga do roteiro romano e a Vacua, de que parece existirem
-ruinas no Cabeço de Vouga (Cit. <em>Oppida restituta</em>, 1885). Mas o
-Itinerario omitte-a, o que é apenas argumento negativo. Ainda se poderia dar o
-caso de <em>Vacua</em> não ser <em>mansio</em> do caminho romano. Havia um
-codice de Plinio que nomeava Talabriga e <em>Vacca</em> e uma cosmographia
-antiga que refere <em>Vacca</em> (<em>sic</em>) e não Talabriga, que aliás
-deveria ter conhecido pelos AA.</p>
-
-<p>Jorge Cardoso, no <em>Agiologio</em>, <small>II</small>, 65, quer que Vacua
-tenha sido em Viseu. Peor!</p>
-
-<p><a name="foot656" href="#tex2html13"><sup>[13]</sup></a> Nos <em>Port. Mon.
-Hist.</em>, «Diplom. &amp; Chart.», vem um documento (n.º 815 do anno de 1095)
-cujo teor nos não prende, mas onde se lê:.... <em>Ista igitur auctoritate
-confissus ingressus sum et ego densissimam silliam</em> (silvam) <em>que ab
-antiquis temporibus habitaculum erat bestiarum</em>.... Trata-se de arredores
-de Ilhavo.</p>
-
-<p><a name="foot171" href="#tex2html14"><sup>[14]</sup></a> Nos arredores de
-Aveiro ha pontos com as cotas de 15, 27, 46, 57, 48, 38, 23, 16, 24 e 10 que
-correspondem a relevos suaves. Todos estes pontos estão situados na margem
-esquerda do Vouga. Mas na hipothese de Talabriga, a estação do Itinerario, ser
-Aveiro ou proximidades, a estrada romana, chegada ahi, ver-se-hia forçada a
-atravessar o Vouga desde Eixo para baixo, em direcção ao Norte. E digam-me se
-todo esse trato de terreno, comprehendido entre a margem direita do Vouga,
-desde a ponte de S. João de Loure, como vertice meridional, e os sitios de
-Froços, Angeja, Formelã, Canellas e Salreu, não eram de fazer recuar o
-engenheiro romano que por ahi tentasse obter saida para o norte, em direcção a
-Cale, tendo outra incomparavelmente melhor?</p>
-
-<p><a name="foot657" href="#tex2html15"><sup>[15]</sup></a> Tenho sempre
-especial satisfação quando vejo que conceitos meus foram já formulados por
-escritores de outro cunho. Assim na <em>Revue des Études Anciennes</em> (1905,
-p. 389), Cam. Jullian, referindo-se a caminhos de epocas prehistoricas, diz:
-<em>Et il résulte bien.... que beaucoup des grandes lignes de circulation
-actuelle ne sont que les héritiers des pistes tracées il y a des milliers
-d'années.</em></p>
-
-<p><a name="foot658" href="#tex2html16"><sup>[16]</sup></a> Para os leitores
-habituaes do <em>Archeologo Português</em>, seria ociosa esta nota; para os que
-porventura o assunto do presente estudo desperte de-novo, é uma prevenção
-necessaria. Quando se falla em <em>castros</em> com supposta referencia á epoca
-romana, não se trata dos <em>castra</em>, acampamentos ou abarracamentos
-(Saglio &amp; Daremberg) fortificados que as forças militares de Roma
-construiam em campanha: nunca vi ruinas de nenhum d'estes <em>castra</em>, nem
-me consta que as haja verificadas no pais. E comtudo os <em>castros</em>, ou
-<em>crastos</em> no fallar do povo, são abundantissimos entre nós... porque são
-cousas muito differentes. Estes <em>castros</em> são apenas uns montes com
-vestigios de habitação <em>ante-romana</em> e quasi sempre de obras de
-fortificação de terra ou de muralha. Assim os castros são outeiros, cabeços
-habitados e fortificados, não pelos romanos, mas contra os romanos, pelo menos,
-e pertencentes aos antigos habitadores do país. Os <em>castros</em> devem pois
-aos romanos, não o seu principio, mas a sua decadencia e o seu fim, porque foi
-a conquista e foi a civilização romana que os tornou desnecessarios naquelle
-tempo. Como se lhes dá então este epitheto que não vem senão causar confusões?
-O epitheto encontramo-lo na toponimia local; foi o povo que conservou até hoje
-esta designação que nós vamos encontrar com frequente emprego nos documentos da
-idade media. É que no singular <em>castrum</em> significou secundariamente um
-castello, uma fortaleza; cita Rich o capitulo <small>VI</small> da
-<em>Eneida</em>, onde se lê (<em>vv</em>. 771 a 776):</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<blockquote>
- Qui juvenes quantas ostentant, aspice, vires! <br>
- At qui umbrata gerunt civili tempora quercu, <br>
- Hi tibi Nomentum, et Gabios, urbemque Fidenam, <br>
- Hi Collatinas imponent montibus arces, <br>
- 775 Pometios, Castrumque Inui, Bolamque, Coramque: <br>
- Haec tum nomina erunt, nunc sunt sine nomine terrae. </blockquote>
-
-<p>(<em>Oevres de Virgile</em>, par E. Benoist; vol. <small>I</small>,
-Hachette, 1882).</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>(Trad.) <em>Contempla como são grandes as forças que aquelles mancebos
-ostentam! Pois d'entre os que trazem a fronte sombreada pelo carvalho civico,
-uns construir-te-hão Nomento, Gabios e a cidade de Fidena, outros assentarão em
-montanhas as fortalezas Collatinas, Pometios, o castello de Inuo, Bola e
-Cora</em> (antigas povoações do Lacio): <em>estes serão os nomes d'aquelles
-lugares, que estão agora na terra sem nome.</em></p>
-
-<p>Foi certamente d'esta accepção que derivou para o latim corrente, e em
-seguida para o fallar medieval das nossas populações, a denominação de
-<em>castro</em> ou <em>crasto</em>.</p>
-
-<p>Na <em>Revue des Études Anciennes</em> (<small>IV</small>, p. 43, 1902) vem
-uma serie de citações para demonstrar que no fim do Imperio pela palavra
-<em>castrum</em> se designavam frequentemente as cidades fortificadas; de entre
-todas extraio a seguinte de Isidoro (<em>Origines</em>, <small>XV</small>, 2,
-13): <em>Castrum antiqui dicebant oppidum loco altissimo situm</em>. Com
-referencia a sitios nossos, temos, bibliographicamente, o conhecido
-<em>Portumcale castrum</em>, de Idacio.</p>
-
-<p>Mas a par d'aquella, outras se formaram, como <em>castello</em>,
-<em>cristêlo</em>, <em>crastêlo</em> e <em>castrêlo</em>. <em>Castellum</em>
-(cfr. cit. <em>Rev. des Ét. Anc.</em>) na lingua latina, era um deminutivo de
-<em>castrum</em> e applicava-se tanto a um reducto transitorio, como a um forte
-permanente, quasi sempre situado em logar elevado (Saglio &amp; Daremberg, s.
-v. <em>Castellum</em>). Depois, é explicavel que a linguagem popular
-prescindisse da origem não romana d'estes pontos estrategicos, e applicasse o
-termo a alguns castros, talvez aos mais deminutos. Aos mesmos montes se vêem
-tambem applicadas as designações de <em>cividade</em>, mais ou menos pura,
-<em>cidadêlhe</em>, <em>coroa</em> e outras ainda. Os autores antigos usam o
-termo <em>oppidum</em> applicado a alguns d'estes centros de população
-(<em>oppidum Aeminium</em>). E ainda se encontra junto ao nome originario da
-povoação, a modo de suffixo, o termo de origem celtica <em>briga</em>, que
-tambem quer dizer castello, altura fortificada (<em>Talabriga</em>).</p>
-
-<p>Os romanos, no nosso caso, traçando a via militar através d'estes montes
-habitados, não fariam mais do que seguir um caminho historico e uma directriz
-frequentada.</p>
-
-<p><a name="foot660" href="#tex2html17"><sup>[17]</sup></a> O parocho de
-Segadães (1758) informava que a antiga cidade de <em>Vaca</em> (<em>sic</em>)
-fôra assolada pelos <em>mouros</em>. Os Leitores conhecem estes
-<em>mouros</em>... (<em>Arch. Port.</em>, VII, 191).</p>
-
-<p><a name="foot661" href="#tex2html18"><sup>[18]</sup></a> Varios outros
-documentos d'esta região de Entre-Vouga-e-Douro compulsei eu nesta collecção,
-que se reportavam a <em>castros</em>, mas não pude localizar as referencias com
-a presteza que era necessaria. Até se me deparou a fórma rara <em>crésto</em>
-(<em>cresto ualanes</em>, doc. <small>DXLIX</small> do anno 1077), da qual
-conheço outra actual no concelho de Valdevêz.</p>
-
-<p><a name="foot662" href="#tex2html19"><sup>[19]</sup></a> Na fé de Nascimento
-Silveira (<em>Mappa breve da Lusitania</em>, p. 226), em Mancinhata, nos
-cruzeiros ha inscripções que ainda ninguem entendeu.</p>
-
-<p><a name="foot663" href="#tex2html20"><sup>[20]</sup></a> Nos <em>Port. Mon.
-Hist.</em>, «Dipl. et Chart.», n.º <small>CCCCLXXI</small>, vem um documento
-que diz: <em>Cesari... subtus monte castro calbo...</em> Cf. o n.º
-<small>CCCCLXX</small>. Não pude averiguar se é um <em>Monte Calvo</em> que
-vejo perto de Romariz. <em>Cesári</em> (gen. de <em>Cesarius</em>,
-<em>-ii</em>) deu Cesár, como <em>Severi</em> (<em>Port. Mon. Hist.</em>,
-«Dipl. et Ch.», <em>passim</em>, e <em>Arch. Port.</em>, <small>II</small>,
-252, art. do Sr. P. de Azevedo) deu Sever.</p>
-
-<p><a name="foot664" href="#tex2html21"><sup>[21]</sup></a> Virá de
-<em>Calambria</em>? pergunta A. Herculano (<em>Historia de Portugal</em>,
-<small>III</small>, 423). Cfr. <em>Arch. Port.</em>, art. do Sr. A. Cortesão,
-<small>IX</small>, 232. Teremos aqui alguma <em>Calambriga</em>? Um thesouro de
-16 argolas de ouro é de lá. (<em>Arch. Port.</em>, <small>II</small>, 87).</p>
-
-<p><a name="foot666" href="#tex2html22"><sup>[22]</sup></a> Eu não me occupo
-especialmente da <em>Langobriga</em> do Itinerario, mas é facil ver que
-identicos raciocinios lhe são applicaveis e em consequencia, a situação d'este
-segundo oppido deveria ser na faixa de terreno vagamente indicada pela curva
-<em>LL.</em> um pouco ao norte da Feira. No meu estudo da ara de Estorãos,
-assentei que esta não é a actual <em>Longroiva</em>, cuja fórma medieval era
-<em>Langobria</em>, (<em>Port. Mon. Hist.</em>, «Dipl. et Chart.»
-<small>CCCCXX</small>). Do que deponho a p. 141, parece que é a algum dos
-castros de <em>Obil</em> ou do <em>Monte do Murado</em> que deverá convir a
-localização de Langobriga. Este fica a 6:000 metros para leste da lagoa.</p>
-
-<p>Para <em>longo-</em> e <em>lango-</em> como para <em>brica</em> e
-<em>briga</em>, não encontram difficuldade os celtistas. (<em>Élém. celt. dans
-les noms de personnes des inscr. d'Esp.</em>, por A. Carnoy. Luvaina 1907).</p>
-
-<p><a name="foot352" href="#tex2html23"><sup>[23]</sup></a> A legitimidade do
-processo que segui, empregando o compasso e a escala para determinar a zona em
-que, segundo as indicações do roteiro romano, deve encontrar-se o jazigo de
-Talabriga, tem uma averiguação facil, apesar da estranheza que possa causar. Se
-eu, collocado em Eminio, quisesse determinar a situação de Cale, cujo
-anorteamento já conhecia previamente, e para isso adoptasse identico systema, o
-compasso levar-me-hia a uma zona de terreno, onde não me seria impossivel
-encontrar localizações compativeis com uma estação d'aquella natureza.</p>
-
-<p>Creio todavia que nem com todos os terrenos assim se póde proceder.</p>
-
-<p>Comprova tambem a plausibilidade do resultado a circunstancia de fazerem
-pequena differença a distancia em linha recta entre Coimbra e Gaia e a
-rectificação da estrada entre os mesmos pontos.</p>
-
-<p><a name="foot667" href="#tex2html24"><sup>[24]</sup></a> ... por ser tam
-grande como todos sab&#x1ebd;, de <span
-style="position: relative; left: 0.5em; bottom: 0.5em; ">~</span>q á prouerbio
-no pouo. (<em>Ibid.</em> p. 50). Já não é só pois grande a legua da Povoa!</p>
-
-<p><a name="foot668" href="#tex2html25"><sup>[25]</sup></a> O escritor espanhol
-Eduardo Saavedra, num artigo intitulado «La geografia árabe de Portugal» in
-<em>Revista Archeologica e Historica</em>, <small>I</small>, 49, suppõe que o
-trajecto descrito por Edrisi vae de Coimbra a Viseu e Braga «por um caminho
-muito frequentado», fazendo o primeiro descanso em Avô, 45 kil. a NE. de
-Coimbra; o segundo em S. Miguel do Outeiro, 10 kil. a O. de Viseu no caminho de
-S. Pedro do Sul; depois chega-se ao Douro, que se passa em embarcações defronte
-de uma aldeia, que é Villaboa de Quires, a E. de Penafiel. D'aqui duas jornadas
-a Braga e outras duas a Tuy.</p>
-
-<p>Salvo o devido respeito, isto parece uma viagem... <em>à vol d'oiseau</em>!
-</p>
-
-<p><a name="foot669" href="#tex2html26"><sup>[26]</sup></a> Nos <em>Port. Mon.
-Hist.</em>, «Diplom. de Chart.», apparecem mais documentos em que se encontra
-esta mesma designação. Estes por exemplo:</p>
-
-<p>N.º 67 do anno 953:... <em>et inde per carraria mourisca...</em> (Isto era
-nas vizinhanças de Villa do Conde).</p>
-
-<p>N.º 614 do anno 1083:... <em>et inde per via maurisca:...</em> (territorio
-de Arouca).</p>
-
-<p>Póde não se tratar nestes dois documentos de vias militares romanas, como
-não se trata; mas nem por isso a designação deixa de ser inexacta no seu
-sentido proprio. Eram antigos caminhos, anteriores aos arabes. Aliás teriamos
-que admittir que os filhos do Islam andaram por terras de Villa do Conde e de
-Arouca a abrir estradas em fórma, por serem invios os territorios.</p>
-
-<p>Demonstra isto que os amanuenses do secs. <small>X</small> e
-<small>XI</small> já não sabiam estremar romanos (e visigodos) de serracenos.
-Era pois, como hoje, o fallar do povo.</p>
-
-<p>É tambem este o sentimento do Sr. Pedro de Azevedo (<em>Arch. Port.</em>,
-<small>III</small>, 137 sgs.). Este facto é bastante expressivo. Não passára um
-seculo ainda depois da expulsão dos arabes naquella região, e a interrupção de
-tradições locaes tinha sido tão intensa que a mera conjectura tomara o logar
-d'aquellas, attribuindo aos muçulmanos as obras de viação de que elles apenas
-tiveram a utilidade (Veja-se <em>Hist. de Portugal</em>, por A. Herculano,
-<small>III</small>, 421). Em França não se dava isto. Ruy de Pina na
-<em>Chronica do sr. rey D. Affonso V</em> (p. 569) diz: «E na cidade de Nimis
-leixou El-rey <em>a estrada romam</em>, que vay a Avinham».</p>
-
-<p><a name="foot684" href="#tex2html27"><sup>[27]</sup></a> Seria longo
-transcrever os trechos respectivos d'esses documentos; e nem sempre é possivel
-acertar a que especie de caminhos se referem as expressões usadas nos
-documentos. É commum o termo <em>strada</em>, <em>strata</em>; algumas vezes
-adjectivada <em>strata ueredaria</em> (Dipl. et Chart., n.º 174) em opposição a
-<em>alia carrale</em> (id.); <em>estrata de uereda</em> (id. n.º 13); <em>in
-estrada qui discurrit via de uereda</em> (id. n.º 24) ou <em>strata maiore</em>
-(id. n.<sup>os</sup> 563, 378 e 549). Tambem se encontra a expressão
-<em>carreira antiqua</em> (id. n.<sup>os</sup> 620 e 639), <em>karraria
-antiqua</em> (id. n.<sup>os</sup> 888), <em>carraria antiqua</em>
-(n.<sup>os</sup> 639 e 287), <em>carera antiqua</em> (id. n.<sup>os</sup> 366).
-<em>Via de strada</em> e <em>strada de uiminaria</em> lêem-se no doc. n.º 817
-(<em>ob. cit.</em>) Ainda hoje se póde dizer <em>caminho de estrada</em>.
-<em>Carreira</em> é termo agora quasi só locativo, mas ainda se ouve no norte
-applicado ás largas entradas de algumas casas antigas, precedidas de uma
-alameda plana; certamente <em>carreira</em> inclue a ideia de carro, como
-<em>carrale</em>. Outra denominação que encontrei foi a de <em>via publica</em>
-(<em>ob. cit.</em>, n.º 676), que parece corresponder a caminho publico.</p>
-
-<p><em>Karraria antiqua</em> era certamente uma estrada carreteira antiga já
-naquella epoca e portanto tradicional, mas d'aqui não se póde concluir que essa
-estrada fosse <em>via militar</em> romana. Assim o doc. n.º 570 do anno 1079
-refere-se á freguesia moderna de Paçô, no concelho do Valdevêz (<em>uilla
-Palatiolo</em>), onde nunca passou via militar e onde a <em>carreira
-antiqua</em> poderia bem attingir a epoca romana.</p>
-
-<p>Alguns d'estes documentos foram indicados pelo erudito conservador do
-Archivo Nacional e meu amigo o Sr. Pedro de Azevedo; outros rebusquei-os
-propositamente com o auxilio do valioso trabalho do Sr. Gama Barros, <em>A
-administração Publica em Portugal</em>, entre os que pertencem á região de
-Entre-Vouga-e-Douro.</p>
-
-<p><a name="foot675" href="#tex2html28"><sup>[28]</sup></a> No mesmo pensar
-encontro-me com o Sr. Alberto Sampaio na <em>Portugalia</em>,
-<small>II</small>, 216 (<em>As povoas maritimas do norte de Portugal</em>).
-Assim se exprime: «As unicas povoações, vizinhas do mar, existentes então (no
-tempo dos romanos), eram Calem e Portucale».</p>
-
-<p><a name="foot676" href="#tex2html29"><sup>[29]</sup></a> É o Sr. Conselheiro
-Luis de Magalhães, em <em>A arte e a natureza em Portugal</em>, vol.
-<small>IV</small>. A descrição da ria immensa de Aveiro, com as salinas
-espelhadas que a cobrem, com os seus cones alvissimos de sal, que marchetam a
-planicie sem fim, é um d'estes primores de prosa gracil e diaphana, que mais
-ninguem poderia escrever com igual coração e com pulso comparavel. Parece que a
-seducção d'esse panorama não me será mais intensa, quando com os olhos o vir,
-do que quando o adivinhei naquellas tão poupadas paginas.</p>
-
-<p><a name="foot677" href="#tex2html30"><sup>[30]</sup></a> A grandíssima
-maioria das povoações d'estas epocas era nos altos; ahi tem sido encontrados os
-seus vestigios. Para a alguma se attribuir situação aberta como a de Aveiro,
-necessario seria documentar a excepção.</p>
-
-<p>Não repugna absolutamente admitti-la no nosso caso, mas é hypothese pura. E
-depois, lá temos o distinctivo <em>briga</em>. O nome da cidade comsigo traz a
-natureza do seu assento. No Algarve, <em>Ossonoba</em> e <em>Balsa</em>, não
-demoravam em outeiros. (Vide <em>Religiões da Lusitana</em> <small>II</small>,
-85).</p>
-
-<p><a name="foot678" href="#tex2html31"><sup>[31]</sup></a>
-<em>Portugalia</em>, <small>II</small>, 220, «As póvoas marítimas do norte de
-Portugal», pelo Sr. Alberto Sampaio.</p>
-
-<p><a name="foot679" href="#tex2html32"><sup>[32]</sup></a> Explicação
-geologica d'estes phenomenos: «C'est après avoir traversé les marécages du
-Vouga, que l'on entre dans les terrains anciens; ce sont d'abord des schistes
-luisants, généralement cachés par des dêpots superficiels: sables des dunes,
-graviers pliocènes et graviers kaoliniques appartenant au Crétacique. Ces
-derniers ne montent pas plus haut qu'Estarreja et le Pliocène est rarement
-visible depuis la voie ferrée. Parfois ce soubassement de roches solides
-n'existe pas, ou du moins ne se trouve qu'à une certaine profondeur au-dessous
-du niveau de la mer; dans ce cas, la côte subit des alternances d'accroissement
-et de décroissement qui peuvent être funestes à l'homme trop empressé de
-s'approprier le terrain que les sables ont gagné sur la mer; tel est le cas à
-Espinho». <em>Promenade au Gerez (Souvenirs d'un géologue)</em>, por Paul
-Choffat, 1895, p. 1.</p>
-
-<p><a name="foot680" href="#tex2html33"><sup>[33]</sup></a> Poderia aqui
-investigar-se das alterações da costa que possam ter modificado o aspecto do
-surgidouro do Vouga. Um apello, publicado no <em>Arch. Port.</em>,
-<small>II</small>, 301, teve em resposta o silencio. Não tratando dos factos de
-periodos geologicos ou indeterminados (<em>Arch. Port.</em>,
-<small>VII</small>, 274 e <small>X</small>, 193) pouco é o que se tem recolhido
-e ás vezes antagonico. Açoreamentos em epocas historicas foram notados na Povoa
-de Varzim, Villa do Conde, Fão, Esposende, Vianna, em Setubal, no Algarve
-(<em>Portugalia</em>, <small>I</small> e <small>II</small>. <em>passim</em>), e
-eu mostro que na faixa de Esmoriz a Mira elles se deram tambem em epoca que não
-posso precisar. Num mappa que illustra o <em>Hisp. &amp; Port.,
-Itinerarium</em> de Martin Zeiler (1656) Aveiro é situada ao norte do Vouga. E
-não é o unico mesmo de datas mais recentes.</p>
-
-<p><a name="foot681" href="#tex2html34"><sup>[34]</sup></a> Ha um documento do
-sec. <small>XI</small> que faz uma referencia aproveitavel debaixo d'este
-aspecto: é o n.º <small>DCCCXV</small> do anno 1095 (doação á sé de Coimbra da
-igreja de S. Christovam, junto a Ilhavo)... <em>Ista igitur auctoritate
-confissus ingressus sum et ego densissimam silliamm</em> (silvam) <em>que ab
-antiquis temporibus habitaculum erat bestiarum...</em></p>
-
-<p><a name="foot682" href="#tex2html35"><sup>[35]</sup></a> Entre as cartas
-antigas que folheei, desejo destacar uma do sec. <small>XVII</small>, assinada
-por N. Sanson. <em>christ. Gall. regis geografo</em> (<em>Hispaniae antiquae
-tabulae</em>, 1641). O mappa de Portugal antigo individúa, na região que andei
-estudando, <em>Conimbrica</em> em Condeixa, <em>Aeminium</em> na margem norte
-do Mondego; <em>Talabriga</em> ao N. do Vouga, um pouco afastada do estuario, a
-20 ou 25 <em>milliaria</em> da foz do Vouga (isto é, na altura onde eu localizo
-esta povoação); e, seguindo no mesmo rumo, <em>Langobriga</em>. É na
-Bibliotheca Nacional, um grosso volume <em>in-folio</em>, recentemente
-encadernado com o dístico&mdash;Mappas&mdash;e sem frontispicio.</p>
-
-<p><a name="foot606" href="#tex2html36"><sup>[36]</sup></a> Esta lenda porém
-reproduz-se em mais localidades, fóra d'esta região.</p>
-
-<p><a name="foot683" href="#tex2html37"><sup>[37]</sup></a> ... <em>pecuniis
-publicis, cum reliquo publico apparatu, ademtis</em>. Isto dá bem a entender
-que havia uma perfeita organização politica, e n'ella se estribava a
-organização de uma defesa militar contra a invasão romana.</p>
-</div>
-</div>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p style="text-align: center;"><a href="images/mapa.jpg"><img src="images/mapa.jpg" width="80%" border="0" alt="Carta da região de Entre-Mondego-e-Douro"></a></p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<h2>DO AUTOR</h2>
-
-<h3 style="text-align:center;">ESTUDOS DO ALTO-MINHO (SERIE 1.ª)</h3>
-
-<h4>Publicados</h4>
-
-<p>I&mdash;<strong>Epigraphia christiano-latina</strong> (uma inscripção
-inedita).</p>
-
-<p>II&mdash;<strong>Um passeio archeologico no concelho dos Arcos de
-Valdevez</strong> (visita ás antas da serra do Soajo).</p>
-
-<p>III&mdash;<strong>Machados de duplo anel</strong>.</p>
-
-<p>IV&mdash;<strong>Ainda a inscripção christã de S. Pedro de
-Arcos</strong>.</p>
-
-<p>V&mdash;<strong>Uma primicia de epigraphia funeraria romana</strong>.</p>
-
-<p>VI&mdash;<strong>O portico da matriz de Monção</strong>.</p>
-
-<p>VII&mdash;<strong>Um castro com muralhas</strong>.</p>
-
-<p>VIII&mdash;<strong>Um erro de amanuense nas inquirições de D. Affonso
-III</strong> (C. Sancti Salvatoris Darcus).</p>
-
-<p>IX&mdash;<strong>Um Grovio autentico</strong> (cippo de Villa-Mou).</p>
-
-<p>X&mdash;<strong>Ara celtiberica da epoca romana</strong> (um novo
-«Genio»).</p>
-
-<h3>PAGINAS ARCHEOLOGICAS (SERIE 2.ª)</h3>
-
-<h4>Publicadas</h4>
-
-<p>I&mdash;<strong>Estatueta ithyphallica</strong>.</p>
-
-<p>II&mdash;<strong>Cemiterio da epoca romana em Vianna do
-Alemtejo</strong>.</p>
-
-<p>III&mdash;<strong>Situação conjectural de Talabriga</strong>.</p>
-
-<div>*** END OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK 30071 ***</div>
-</body>
-</html>
+<!DOCTYPE HTML PUBLIC "-//W3C//DTD HTML 4.0 Transitional//EN">
+<html lang="pt">
+<head>
+ <title>Páginas Arqueológicas III - Situação conjectural de Talabriga, por
+ Félix Alves Pereira</title>
+ <meta name="Author" content="Félix Alves Pereira">
+ <meta name="Publisher" content="Imprensa Nacional">
+ <meta name="Date" content="1907">
+ <meta http-equiv="content-type" content="text/html; charset=UTF-8">
+ <style type="text/css">
+ body{margin-left: 10%;
+ margin-right: 10%;
+ }
+ .pn {
+ text-indent: 0em;
+ position: absolute;
+ left: 92%;
+ font-size: smaller;
+ text-align: right;
+ color: silver;
+ }
+ #corpo p{text-align: justify; text-indent: 1em;}
+ h1, h2, h3, h4 {text-align: center; margin-top: 3em; margin-bottom: 2em;}
+ blockquote {margin-left: 10%; font-size: small;}
+ .rodape {
+ font-size: 0.8em;
+ margin: 2em;
+ }
+ </style>
+</head>
+
+<body>
+<div>*** START OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK 30071 ***</div>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<div style="border: solid 2px #000; padding: 1em; text-align: center;">
+<p style="font-size: 1.2em;">FELIX ALVES PEREIRA</p>
+
+<p style="font-size: 1.6em; border: solid 1px silver; padding: 1em;">PAGINAS
+ARCHEOLOGICAS</p>
+
+<p style="font-size: 1.2em;">III</p>
+
+<p style="font-size: 1.4em;">SITUAÇÃO CONJECTURAL DE TALABRIGA</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>LISBOA<br>
+<small>IMPRENSA NACIONAL</small><br>
+1907</p>
+</div>
+
+<div style="padding: 1em; text-align: center;">
+<p><span class="pn">{1}</span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="font-size: 1.4em;">SITUAÇÃO CONJECTURAL DE TALABRIGA</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p><small>Obra composta e impressa na Imprensa Nacional</small></p>
+
+<p><small>Edição e propriedade do Museu Ethnologico Português</small></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p><span class="pn">{2}<br>
+{3}</span></p>
+
+<p style="font-size: 1.2em;">FELIX ALVES PEREIRA</p>
+
+<p style="font-size: 1.6em; border: solid 1px silver; padding: 1em;">PAGINAS
+ARCHEOLOGICAS</p>
+
+<p style="font-size: 1.2em;">III</p>
+
+<p style="font-size: 1.4em;">SITUAÇÃO CONJECTURAL DE TALABRIGA</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>LISBOA<br>
+<small>IMPRENSA NACIONAL</small><br>
+1907</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p><span class="pn">{4}<br>
+{5}</span></p>
+
+<p style="font-size: 1.4em;">Ao</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="font-size: 1.2em;">Illustrissimo e Excellentissimo Senhor
+Conselheiro</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="font-size: 1.4em;"><em>Luis Cypriano Coelho de Magalhães</em></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="font-size: 1.4em;"><em>O. e D.</em></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="font-size: 1.2em; text-align: right;"><em>O autor.</em></p>
+
+<p><span class="pn">{6}<br>
+{7}</span></p>
+</div>
+
+<p>Separata d'«O Archeologo Português», XII, n.<sup>os</sup> 5 a 8 de 1907</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<div id="corpo">
+<h1><a name="SECTION0010000">SITUAÇÃO CONJECTURAL DE TALABRIGA</a></h1>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h4><a name="SECTION0010001">Summario</a></h4>
+
+<p><a href="#SECTION0011000">1. Estado da questão.</a>&mdash;<a
+href="#SECTION0012000">2. Autores antigos</a>&mdash;<a
+href="#SECTION0013000">3. Itinerario</a>&mdash;<a href="#SECTION0014000">4.
+Exame do mappa</a>&mdash;<a href="#SECTION0015000">5. Topographia e onomastico
+da região</a>&mdash;<a href="#SECTION0016000">6. Os castros do trajecto da
+Via</a>&mdash;<a href="#SECTION0017000">7. Região mineira</a>&mdash;<a
+href="#SECTION0018000">8. Localização de Talabriga</a>&mdash;<a
+href="#SECTION0019000">9. Opinião de Gaspar Barreiros</a>&mdash;<a
+href="#SECTION00110000">10. Geographia arabica</a>&mdash;<a
+href="#SECTION00111000">11. <em>Strata maurisca</em></a>&mdash;<a
+href="#SECTION00112000">12. Ria de Aveiro e o Vouga</a>&mdash;<a
+href="#SECTION00113000">13. Historia de Talabriga.</a></p>
+
+<h2><a name="SECTION0011000">I</a></h2>
+
+<p>Algum tanto sem o presentir, ao fazer o estudo da ara de Estorãos,
+(<em>Arch. Port.</em>, <small>XII</small>, 36) encontrei-me no limiar de um
+problema que, de modo definitivo, não se resolverá senão com a verificação
+<em>in loco</em> de vestigios archeologicos incontrastaveis.</p>
+
+<p>É o problema da trajectoria exacta da via romana entre Aeminium e Calem, da
+qual não se conhecem milliarios decisivos e sufficientes, especialmente da sua
+passagem por Talabriga.</p>
+
+<p>O assunto, parcialmente considerado, tem sido alvo das principaes
+referencias na pugna litteraria em que os paladinos de Agueda, de Aveiro e de
+Coimbra patrioticamente articulavam preeminencias genealogicas, que é da praxe
+mencionarem-se em monographias locaes, mas que hoje, quanto a Coimbra (e
+Condeixa-a-Velha) estão sentenciadas, em prejuizo até heraldico de Agueda<a
+name="tex2html1" href="#foot644"><sup>[1]</sup></a>.<span
+class="pn">{8}</span></p>
+
+<p>Propositadamente, porém, o problema não foi ainda estudado debaixo do seu
+aspecto geral; apenas por incidente tem sido versada a localização de
+Talabriga. Não venho com o proposito de o dar como resolvido, é certo; mas
+desejo englobar neste estudo um certo numero de considerações, que podem
+preparar o desenlace d'este ponto controvertido da geographia protohistorica da
+Lusitania, no campo adequado, e quiçá orientar pesquisas.</p>
+
+<p>Onde foi Talabriga? Até hoje nenhum d'estes indices peremptorios que marcam
+inilludivelmente a situação das antigas cidades, como para <em>Conimbriga</em>
+(Condeixa-a-Velha), <em>Aeminium</em> (Coimbra), <em>Bracara Augusta</em>
+(Braga), <em>Olisippo</em> (Lisboa), <em>Pax Julia</em> (Beja), etc., se nos
+antolha para dar resposta nitida áquella pergunta.</p>
+
+<p>Guiados pelas indicações geographicas do Itinerario e de Plinio, os nossos
+escritores teem querido alternadamente que Aveiro, Cacia, Esgueira occupem hoje
+o logar que outrora se chamou <em>Talabriga</em>. De facto, o Itinerario, ao
+contar as milhas que de <em>Aeminium</em> vão a <em>Calem</em> (Gaia ou Porto?)
+pela via militar, devia ter especial valor para este problema; mas a
+comprehensão da necessidade de verificar rigorosamente as indicações d'aquelle
+documento, a consulta de edições criticas, tomando-se por base a decisão do
+problema de Aeminium, e talvez o desaffecto de uma ou outra solução é que teem,
+no meu humilde entender, faltado a todos os autores que mais modernamente do
+assunto se teem abeirado<a name="tex2html2"
+href="#foot645"><sup>[2]</sup></a>.</p>
+
+<h2><a name="SECTION0012000">II</a></h2>
+
+<p>A geographia classica não é de todo omissa a respeito d'esta antiga
+povoação. O testimunho de Plinio, que é o A. mais expresso, vem a ser o
+seguinte: <em>A Durio Lusitania incipit. Turduli veteres, Paesuri, flumen
+Vagia</em><a name="tex2html3" href="#foot646"><sup>[3]</sup></a><em>, Oppidum
+Talabrica, Oppidum et flumen Aeminium, Oppida Coniumbrica,<span
+class="pn">{9}</span> Collippo, Eburobritium.</em> (C. Plinii Secundi, <em>Nat.
+Hist.</em>, ed. de Detlefsen, <small>IIII</small>, 113). Isto tem o ar de uma
+sêca enumeração chorographica, que se desdoba do norte para o sul, a contar do
+Douro, e que, restringida ao nosso caso, nos dá esta sequencia:</p>
+
+<p><em>a</em>) rio Vouga;</p>
+
+<p><em>b</em>) cidade de Talabrica;</p>
+
+<p><em>c</em>) cidade e rio de Aeminio (Coimbra);</p>
+
+<p><em>d</em>) e as cidades de Conimbrica (Condeixa),</p>
+
+<p><em>e</em>) Collippo (Leiria) e</p>
+
+<p><em>f</em>) Eburobricio (Obidos, Vejam-se <em>Relig. da Lusit.</em>,
+<small>II</small>, 31).</p>
+
+<p>Se não fôr certo, como não me parece, que Vouga é ao norte de Talabriga e
+este oppido ao sul do mesmo rio, pelo menos conclue-se que Talabriga vizinha de
+um lado ou outro aquelle estuario.</p>
+
+<p>Não trago nenhum outro autor antigo, porque elles não adeantam o problema
+chorographico. Na <em>Cosmografia</em> de Ravennate (ed. de Pinder &amp;
+Parthey, p. 307) <em>Talabrica</em> apparece transformada em Terebrica e fica
+na seguinte localização relativa:
+<em>Olisipona&mdash;Terebrica&mdash;Langobrica&mdash;Cenoopido&mdash;Calo</em>...</p>
+
+<h2><a name="SECTION0013000">III</a></h2>
+
+<p>Vamos pois ao <em>Itinerario</em><a name="tex2html4"
+href="#foot647"><sup>[4]</sup></a> e á discussão das suas indicações.
+Encontra-se nelle, que nos sirva:</p>
+
+<table align="center" cellpadding="3" border="0" summary="Indicações do itinerário">
+ <tbody>
+ <tr>
+ <td align="left">Eminio</td>
+ <td align="left">mp. <small>X</small></td>
+ <td align="left"> </td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td align="left">Talabriga</td>
+ <td align="left">mp. <small>XL</small></td>
+ <td align="left">(= 59:240 metros)</td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td align="left">Langobriga</td>
+ <td align="left">mp. <small>XVIII</small></td>
+ <td align="left">(= 26:658 » )</td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td align="left">Calem</td>
+ <td align="left">mp. <small>XIII</small></td>
+ <td align="left">(= 19:253 » )</td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td align="left"> </td>
+ <td align="left"> </td>
+ <td align="left">   105:151 »</td>
+ </tr>
+ </tbody>
+</table>
+
+<p>A equivalencia que sigo é a de 1 milha = 1:481 metros (Saglio &amp;
+Daremberg, s. v. <em>Milliarium</em>).</p>
+
+<p>A trajectoria d'esta via desde Coimbra (Aeminium) a Gaia (Calem) deixaria de
+ser ponto controverso se, como succede noutras estradas romanas, alguns
+milliarios sobreviventes escalonassem os seus vestigios.<span
+class="pn">{10}</span></p>
+
+<p>Não ha porém, neste particular, mais que isto:</p>
+
+<p>1.º Um fragmento de milliario com 2<sup>m</sup>,04 de alto X
+1<sup>m</sup>,40 de circuito, que appareceu na Mealhada ao norte de Coimbra e
+só tem <small>M.XII</small>.</p>
+
+<p>2.º Outro que foi encontrado mesmo em Coimbra e aponta
+<small>M.IIII</small>.</p>
+
+<p>Nem aquelle nem muito menos este servem ao meu intento; o traçado litigioso
+no nosso caso é para norte da Mealhada e Anadia, e não entre Mealhada e
+Coimbra. (Vid. Borges de Figueiredo, <em>Oppida restituta</em>, p. 82; Hübner,
+<em>Notas archeologicas sobre Portugal</em>, p. 67, trad. cit.: <em>Catalogo
+dos objectos existentes no Museu de Archeologia do Instituto de Coimbra</em>,
+p. 6; A. Filipe Simões, <em>Escritos diversos</em>, 1883).</p>
+
+<p>3.º Um pretenso milliario descrito por Fr. Bernardo de Brito na
+<em>Monarchia Lusitana</em>, II, <small>V</small>, p. 3. Este vicio de origem
+obriga-me a pôr ainda de parte este monumento como comprobativo da directriz;
+Hübner fulmina-o com a sua desconfiança (<em>Corpus</em>, <small>II</small>, 55
+a *) dizendo que Brito queria demonstrar com elle a existencia de
+<em>Vacua</em>. Não lhe darei porém eu maior valor que o proprio monge, que,
+como por prevenção, confessa que as letras da pedra eram «mal distinctas e muy
+quebradas». Assim a sua interpretação deve desinteressar-nos, visto que não ha
+meio de contraprovar a leitura de Fr. Bernardo de Brito, duvidosa para elle
+proprio. Para este, a lapide era porém um padrão de estrada, o que pouco vale
+por entretanto para nós; mas provinha do Castello de S. Gião, ao que parece,
+<em>castro</em> rico em ruinas de muros, etc. Isto, cuja importancia só
+modernamente se aprecia, é que não se inventa e dá visos de que com effeito
+alguma cousa lá pudera ter apparecido. Mas Brito, com o dizer que a lapide era
+padrão de estrada, contrariava sem o advertir a propria crença de que a via
+romana seguia pela beiramar e <em>Talabriga</em> era em Aveiro. (<em>Mon.
+Lusit.</em>, id., p. 130).</p>
+
+<p>Não obstante, ponha-se de parte a exactidão da epigraphe do supposto, mas
+rehabilitavel, milliario do castro de S. Gião, e fique, provisoriamente, apenas
+um facto&mdash;o achado de um padrão de via romana num castro das margens do
+Caima. </p>
+
+<p>A opinião de que Aveiro fôra o assento da antiga estação do Itinerario tinha
+ainda por si, alem do mappa de Abr.<sup>ão</sup> Ortelius (<em>Theatrum orbis
+terrarum</em>, Antuerpia, CIC.IC.CIII) o pensar de Florez (<em>España
+Sagrada</em>, tomo <small>XIV</small>, p. 73), que lêra Plinio e uma edição
+antiga do Itinerario romano. E póde dizer-se que foi essa a corrente que
+dominou até hoje, se com Aveiro abrangermos o aro circunjacente. (Vejam-se
+Adolfo Loureiro. <em>Os portos maritimos de Portugal</em>, <small>II</small>,
+p. 3; Marques Gomes, <em>Districto de Aveiro</em>, onde restringe<a
+name="tex2html5" href="#foot651"><sup>[5]</sup></a> a Cacia o <em>ubi</em> de
+Talabriga;<span class="pn">{11}</span> Borges de Figueiredo, <em>Oppida
+restituta</em>, 1885; Pinho Leal, <em>Portugal Antigo e Moderno</em>, s. v.
+<em>Aveiro</em>; Gaspar Barreiros, <em>Chorographia de alguns lugares</em>; D.
+Nunes de Leão, <em>Descripção do reino de Portugal</em>; Francisco do
+Nascimento Silveira, <em>Mappa breve da Lusitania antiga</em>, etc.)<a
+name="tex2html6" href="#foot652"><sup>[6]</sup></a>.</p>
+
+<p>Regressemos porém ao <em>Itinerario</em>, e vejamos se será possivel
+concluir algo que um dia a pesquisa e exploração persistente do archeologo
+possa contraprovar. É o meu sonho.</p>
+
+<p>Que a medição total do <em>Itinerario</em> relativa á via <em>ab Aeminio
+Calem</em> está notavelmente exacta, demonstra-o esta verificação facil: a
+somma das milhas que se contaram de Eminio a Gaia, reduzida a kilometros,
+(unidade mais pratica e mais exacta que a de leguas, até agora adoptada) era de
+105:151 metros, como vimos; a distancia computada actualmente na Carta do
+Estado Maior d'esta região pela directriz da <em>estrada real</em> é de 105:100
+metros<a name="tex2html7" href="#foot653"><sup>[7]</sup></a>. Não podendo ser
+mais breve a distancia d'esta estrada, como se verifica olhando os traçados
+rectificados ao lado do mappa junto, em que a distancia em linha recta e a
+rectificação exacta da extensão effectiva da estrada fazem pequena differença,
+o que mostra que os desniveis ou as inflexões do traçado são assaz reduzidos,
+conclue-se que a via romana, desde que marca igual extensão kilometrica, não
+poderia seguir caminho mais longo que ella, nem portanto muito distanciado
+d'ella.</p>
+
+<p>Esta coincidencia de medições é suggestiva e não permittiria, só por si, que
+a trajectoria da via romana e da actual estrada real divergissem<span
+class="pn">{12}</span> muito. Se esta desenhasse uma inflexão pronunciada no
+seu trajecto de Coimbra a Gaia, claro é que era possivel, sem exceder a mesma
+extensão, encontrar outra curva symetrica que tocasse em pontos intermedios
+diversos e afastados, e coincidisse apenas nos respectivos extremos, o que nada
+util me seria; mas nas circunstancias que se dão e já salientei, e que me
+permittiram estudar sobre uma carta este problema, a coincidencia effectiva das
+duas vias de communicação deve em grande parte quasi corresponder á
+coincidencia theorica, agora expendida.</p>
+
+<p>Isto oppõe-se a que a via romana passasse em Aveiro, ponto muito afastado e
+divergente do trajecto theorico<a name="tex2html8"
+href="#foot654"><sup>[8]</sup></a>.</p>
+
+<h2><a name="SECTION0014000">IV</a></h2>
+
+<p>Vou porém demonstrar por partes como isto assim deve ser. É preciso partir
+do principio já demonstrado, embora para o total da distancia, que as medições
+do Itinerario não contém erro. Qualquer inexactidão nas milhas marcadas para
+cada uma das secções da via militar alteraria a somma, desde que, por um acaso
+unico, não fosse compensada por outra inexactidão.</p>
+
+<p>Ora a via romana de Eminio contém tres troços ou secções; o 1.º de Eminio a
+Talabriga; o 2.º de Talabriga a Langobriga; o 3.º de Langobriga a Cale. Se uma
+sequer das distancias correspondentes do Itinerario contivesse erro, a somma
+total accusá-lo-hia; mas nós já vimos que a distancia de 105 kilometros
+corresponde a uma realidade. Comecemos pelo extremo norte da via. Isto conduz
+mais claramente ao meu fim; e descobre mais prontamente o erro em que até agora
+me parece que tem laborado os escritores. Tomemos o mappa<a name="tex2html9"
+href="#foot151"><sup>[9]</sup></a>.</p>
+
+<p>Se traçarmos um arco de circulo, cujo centro seja Gaia e o raio igual á
+distancia de Cale a Langobriga, isto é, a 19 kilometros (veja-se<span
+class="pn">{13}</span> a escala), teremos obtido uma curva theorica (LL no
+mappa) que no terreno representa uma faixa de tolerancia, mais ou menos larga,
+dentro da qual e numa zona d'ella que seja compativel com um trajecto
+ininterrupto da via, cuja extensão já definida se não póde exceder, o
+archeologo deverá procurar os vestigios de Lancobriga.</p>
+
+<p>Esta zona, ou este segmento, não poderá pois, em principio, afastar-se
+consideravelmente da directriz da estrada real.</p>
+
+<p>Consultemos de novo o Itinerario. Entre Langobriga e Talabriga medeiam
+26:600 metros. Ignorando ainda qual o ponto preciso que na curva <em>LL</em>
+marca o primeiro d'aquelles oppidos, deveremos traçar um arco de circulo
+parallelo ao antecedente e á distancia que a escala indica. Como o terreno não
+é propriamente uma carta celeste<a name="tex2html10"
+href="#foot154"><sup>[10]</sup></a> em que os pontos podem ser rigorosamente
+indicados, a nova curva deixada pelo compasso é representativa de uma segunda
+faixa de tolerancia, susceptivel de maior ou menor elasticidade, mas confinada,
+quanto á sua extensão, pela continuidade do trajecto viario em direcção a
+Aeminium, trajecto cujo comprimento tem limite determinado de milhas.</p>
+
+<p>E assim temos o arco <em>TT</em>.</p>
+
+<p>Nesta curva, que não é mais que uma zona media, deverão surgir ao appellido
+do archeologo as ruinas do que outrora foi Talabriga. Esta conclusão emerge
+logicamente das bases que tomei: o acerto evidente do Itinerario no total e
+muito provavel nas secções; a coincidencia das extensões da via antiga e da
+estrada moderna.</p>
+
+<p>Se agora, por contraprova, apontarmos o compasso a Eminio e girarmos com um
+raio de 59 kilometros, verificado segundo a escala, obteremos outra curva, a
+terceira, tangente á segunda e que tem a missão de indicar a zona util, o
+segmento dos arcos, correspondente á area provavel da situação de Talabriga.
+Porque o que não póde haver, é um hiato, uma interrupção de trajecto de Cale a
+Aeminium<a name="tex2html11" href="#foot156"><sup>[11]</sup></a>.</p>
+
+<p>Esta primeira phase da minha demonstração, porém, já torna incompativel a
+actual situação de Aveiro com vestigios de Talabriga. E mais do que isto; vem
+levantar um equivoco de Plinio, que parece<span class="pn">{14}</span> suppôr
+aquelle oppido ao sul do Vouga; se assim fosse, não seria possivel encontrar o
+ponto de reunião do caminho que descia de Cale a encontrar Lancobriga aos 19
+kilometros e se prolongava na direcção do sul até mais 20 kilometros, onde
+devia beijar a Talabriga do Itinerario sem encontrar a de Plinio<a
+name="tex2html12" href="#foot655"><sup>[12]</sup></a>. O hiato resultante fica,
+parece-me, fechado e annullado, desviando Talabriga de Aveiro e aproximando-a
+de Albergaria, ao norte do Vouga; isto é, a hipothese que proponho é a que se
+concilia em todos os pontos com o Itinerario.</p>
+
+<h2><a name="SECTION0015000">V</a></h2>
+
+<p>Mas não se concilia só com esta fonte documental: é a mais plausivel em face
+das condições topographicas e historicas da região de Entre-Vouga-e-Douro.</p>
+
+<p>A actual directriz da estrada real é a que mais ou menos devia ter seguido a
+via romana que procurasse unir Eminio a Cale, dado o traçado que ella já trazia
+desde Lisboa.</p>
+
+<p>Em primeiro logar: as condições topographicas d'aquelle grande delta do
+Vouga não eram senão de molde para difficultar a abertura de uma estrada na
+epoca romana, em concorrencia com traçado mais firme e duradouro, mais
+economico, mais util e mais commercial. Aquellas planuras deviam existir já
+então, como um presente do Vouga, segundo se tem dito, creio, do Nilo.</p>
+
+<p>Se eram naquelle tempo pantanos, ou bosques intransitaveis<a
+name="tex2html13" href="#foot656"><sup>[13]</sup></a> ou veigas retalhadas,
+como hoje, por um dedalo de canaes e esteiros, não me cabe a mim defini-lo. De
+qualquer d'estas fórmas, uma via romana não iria atravessar uma região em que a
+falta de pedra é quasi absoluta, e a multiplicidade de trabalhos de
+architectura civil ou de obras<span class="pn">{15}</span> de arte uma
+consequencia inevitavel. Era preciso combater por um lado a pouca firmeza do
+terreno, por outro contar com o custo da empresa<a name="tex2html14"
+href="#foot171"><sup>[14]</sup></a>, ou os impecilhos da viagem.</p>
+
+<p>Por isso os mesmos motivos que na idade media afastaram a construcção, ou
+melhor, a conservação de uma estrada velha para longe da costa, obrigando-a a
+passar nas pontes que ainda existem, devem ter sido os mesmos que desviaram os
+engenheiros romanos de lançarem a via militar através de campinas encharcadas,
+só para irem buscar a embocadura do Vouga, antes de attingir Calem.</p>
+
+<p>Depois preciso é notar que havia outra directriz ao alcance da administração
+do Imperio, directriz que não podia admittir confrontos com a traçada através
+do delta do Vouga. Essa directriz levava a estrada romana pela orla fóra do
+terreno firme e accidentado e da região povoada de castros e abundosa de
+minerios, região que ainda hoje podemos ver acompanha-la pelo trajecto da
+estrada real. As vias de communicação teem muitas vezes uma directriz fatal e
+tradicional através de longos tempos e povoadores successivos<a
+name="tex2html15" href="#foot657"><sup>[15]</sup></a>.</p>
+
+<p>Póde soffrer destruição o caminho, sem estancar a arteria de communicação.
+</p>
+
+<p>A actual estrada real ou de macadam foi ainda, por assim dizer, decalcada
+pela anterior, a medieval, cujos restos subsistem nas pontes antigas de que os
+chorographos fallam. Esta orientou-se pela comprehensão das conveniencias, e
+afastou-se da embocadura do Vouga, seguindo a directriz mais economica e mais
+util; não direi ainda a directriz romana porque é o que pretendo demonstrar,
+mas a que era directriz tradicional, como vou explicar.<span
+class="pn">{16}</span></p>
+
+<h2><a name="SECTION0016000">VI</a></h2>
+
+<p>Os castros ou montes habitados encontram-se precisamente no seguimento da
+via romana; os oppidos referidos pelos AA. antigos, as <em>brigae</em>, e as
+cidades romanizadas não são mais que uma evolução d'aquellas estancias,
+consoante as denominações que lhes applicaram<a name="tex2html16"
+href="#foot658"><sup>[16]</sup></a>; era por essa corda alem, que o terreno
+baixo e plano da zona maritima começava de elevar-se. A estrada romana
+desenrolava-se por entre esses centros da habitação, abandonando ao lado um
+país chato, pouco firme e talvez quasi invio.</p>
+
+<p>Do sul para o norte <em>Anadia</em> está situada nas abas de um monte de
+<em>Crasto</em> (Pinho Leal e M. Gomes).</p>
+
+<p><em>Agueda</em> está tambem perto de um <em>Crasto</em> (Pinho Leal).<span
+class="pn">{17}</span></p>
+
+<p>Nas margens do Vouga, naquelle logar onde subsiste ainda a ponte medieval
+(Pinho Leal), encontra-se na aldeia de <em>Vouga</em> um morro que foi castro
+(Brito e P.<sup>e</sup> Carvalho, <small>II</small>, 161); explica Francisco do
+Nascimento Silveira (<em>Mappa breve da Lusitania</em>, p. 239) que
+<em>Vacca</em> existia em sitio forte por natureza, entre as pontes de Vouga e
+Marnel, porque alli se vêem vestigios de muros antigos e sinaes de uma
+majestosa grandeza; existem ainda tijolos, cantarias, muralhas em <em>Lamas de
+Vouga</em> (<em>Arch. Port.</em>, <small>V</small>, 50 e <small>VII</small>, 191)<a
+name="tex2html17" href="#foot660"><sup>[17]</sup></a>, e havia ahi a
+<em>civitas Marnele</em> (<em>Port. Mon. Hist.</em>, «Diplom. de Chart.», n.º
+819)<a name="tex2html18" href="#foot661"><sup>[18]</sup></a>, cuja origem deve
+ter sido outro castro.<span class="pn">{18}</span></p>
+
+<p>Na carta geodesica vê-se, junto ao rio, um <em>Castello</em> (111). Isto é
+ainda do concelho de Agueda<a name="tex2html19"
+href="#foot662"><sup>[19]</sup></a>.</p>
+
+<p>Na freguesia de Serem, tambem concelho de Agueda, outra <em>civitas</em>
+(Viterbo, s. v. <em>Cidade</em>); ha lá sitios elevados a norte e a sul (Cfr.
+M. Gomes).</p>
+
+<p>Na freguesia da <em>Branca</em> ha um logar de <em>Cristellos</em> (M. Gomes
+e <em>Arch. Port.</em>, <small>II</small>, 313).</p>
+
+<p>Na serra de S. Julião, mesma freguesia, <em>onde passa a estrada real</em>,
+diz o Sr. M. Gomes que ha ruinas de muralhas e fossos: acreditava-se (<em>Arch.
+Port.</em>, loc. cit.) que ahi era a antiga <em>Langobria</em> (sic). Não sei
+se é precisamente o mesmo local a que Brito (<em>Mon. Lusit.</em>, II,
+<small>V</small>, p. 3) chama castello de <em>S. Gião</em>, onde havia ruinas
+de muros e elle encontrou o tal padrão suspeito e onde presume
+<em>Lancobriga</em>, não na Feira, diz, mas entre Albergaria e Bemposta,
+defronte de Pinheiro. Significativa confusão! Aquelle logar de
+<em>Cristello</em> vem na carta geodesica entre Estarreja e a estrada real<a
+name="tex2html20" href="#foot663"><sup>[20]</sup></a>.</p>
+
+<p>Na freguesia de Ul ha outro castro (<em>aldeia do crasto</em>), de que porém
+não conheço o <em>ubi</em>. Tem uma cintura de muralha de pedra solta ou cousa
+que o valha. (Pinho Leal, s. v. <em>Ul</em>).</p>
+
+<p>Nas proximidades de Azemeis parece que não são escassos estes monumentos
+(<em>Quatro Dias na Serra da Estrella</em>, por E. Navarro, Porto 1884, p.
+174).</p>
+
+<p>Em <em>Ossella</em> ha um castro com ruinas de muralhas (Brito, <em>loc.
+cit.</em>).</p>
+
+<p>Entre <em>S. Martinho</em> e <em>S. Tiago</em> vê-se na carta geodesica um
+<em>crasto</em>, a O. da estrada real; isto é no parallelo de Ovar. Será
+aquelle a que Pinho Leal chama Castro Troncal ou Francal (s. v. <em>C. de
+Cucujães</em>)?</p>
+
+<p>No <em>Arch. Port.</em>, <small>VI</small>, 68, diz-se que ha em Oliveira de
+Azemeis um logar de <em>Lações</em>, onde foi a antiga Lancobriga
+(<em>sic</em>), porque ahi se ajustam as medidas do Itinerario e não na Feira
+ou Bemposta. Este sitio é elevado e estrategico; a sua cota é de 287 metros e
+fica na fronte de um promontorio fechado por duas ribeiras e no extremo de uma
+chapada em cujo prolongamento se conta ainda a altitude de 274 metros. É, pelo
+que se vê, um <em>castro</em>. <em>Lancobriga</em> e que não.<span
+class="pn">{19}</span></p>
+
+<p>Em <em>Macieira de Cambra</em> ha um castro (<em>Arch. Port.</em>,
+<small>VII</small>, 54)<a name="tex2html21"
+href="#foot664"><sup>[21]</sup></a>.</p>
+
+<p>Em <em>Romariz</em> informa o Sr. M. Gomes que ha um <em>Crasto</em>, onde
+appareceram antiqualhas da epoca romana; o que é presumivel e prova ter
+recebido a influencia dos seus conquistadores.</p>
+
+<p>Os antigos chorographos portugueses não teem dado valor aos cabeços
+elevados, onde se encontram os vestigios do que póde ter sido um castro, uma
+citania, emfim uma estacão archeologica pre-romana, e isso não admira; mas o
+facto é esse e constitue uma deficiencia na descrição dos logares, que
+actualmente seria imperdoavel, e que, num caso como o que estou versando,
+sonega lamentavelmente elementos aproveitaveis de estudo.</p>
+
+<p>Junto ao mar, e bastante para o norte, em Esmoriz, encontro menção de um
+castro, especializado hoje pelo erudito estudo que d'elle fez documentalmente o
+meu erudito amigo Sr. Pedro de Azevedo (<em>Arch. Port.</em>,
+<small>III</small>, 137). Era o castro de <em>Aville</em>, <em>Ouvil</em>,
+<em>Ubile</em> e <em>Obil</em>, denominações que se applicavam á lagoa que
+ainda existe, e que elle dominava. Crê o distincto publicista que aquelle
+castro é o mesmo outeiro a que o parocho depoente de 1758 chamou <em>Monte do
+Murado</em>, pertencente á freguesia de S. Martinho de Mozellos. Fico porém em
+duvida, pois que estando o castro <em>prope litore maris</em> (Docs. de 1055,
+1076) bem como a lagoa (Docs. de 1057 e 1090), Mozellos parece um pouco
+afastado para o interior. Confessando que, sem a inspecção dos logares, a base
+é instavel, em todo o caso affiguram-se-me aqui dois castros distinctos.</p>
+
+<p>Em S.<sup>ta</sup> Maria de <em>Fiães</em> apparece outro castro ou
+«povoação de Mouros» (<em>Arch. Port.</em>, <small>IV</small>, 250).</p>
+
+<p>E d'ahi para o norte, são frequentes na faixa atravessada pelo caminho
+romano. Será algum d'estes castros o jazigo de Langobriga?</p>
+
+<p>Este inventario, tendo origem, como tem, exclusivamente bibliographica, não
+póde deixar de ser omisso. A averiguação local e a informação competente
+accrescentá-lo-hiam, se eu d'estes dois factores me tivesse soccorrido. Para o
+meu intento, o pouco que joeirei, era colheita bastante.</p>
+
+<h2><a name="SECTION0017000">VII</a></h2>
+
+<p>Alem d'estas averiguadas condições de habitabilidade que se encontravam no
+trajecto da via romana e que, em meu entender, conjugadas com as da elevação e
+relevos de terreno, que para as populações<span class="pn">{20}</span>
+ante-historicas constituiam uma necessidade vital, concorreria tambem, não sem
+ligação com ellas, a existencia de jazigos metalliferos.</p>
+
+<p>Nem todas as minas que enumero seriam conhecidas na antiguidade, mas em
+algumas ha vestigios da remota laboração e o que tudo attesta é que a região
+era mineira e portanto centripeta de populações.</p>
+
+<p>Os locaes explorados são Telhadella, Albergaria, Palhal, Milheirós,
+Cucujães, Nogueira, Ossella, Palmás, Carvalhal, Pindello, Silva Escura, Ul,
+Talhadas, Braçal, Coval da Mó, Malhada.</p>
+
+<p>Os minerios são cobre, tão procurado na antiguidade, chumbo, prata, etc.</p>
+
+<p>D'estes jazigos, aquelle em que são mais importantes os vestigios de antiga
+lavra, é o da Malhada, uma das concessões das chamadas Minas do Braçal. As
+madeiras de entivação, que foram encontradas dentro da mina, denotam tal
+antiguidade que parecem fossilizadas, em consequencia da côr negra que
+adquiriram. Os trabalhos antigos attingem a profundidade de 45 metros
+(<em>Catalogo Descriptivo da Secção de Minas</em>, pelos Srs. Severiano
+Monteiro e J. Augusto Barata, p. 188).</p>
+
+<p>A respeito dos outros, a noticia de antiga exploração é muito vaga para que
+me seja licito insistir. Nas minas de Palhal tambem ha vestigios antigos. (Cfr.
+Marques Gomes, <em>Districto de Aveiro</em>).</p>
+
+<h2><a name="SECTION0018000">VIII</a></h2>
+
+<p>Que se póde concluir das considerações que até aqui tenho encadeado?</p>
+
+<p>Por um lado, o estudo do Itinerario levou-me a aventurar na carta
+geographica, largamente circunscritas, as zonas em que o calculo faz presumir
+que se devem encontrar as ruinas de Talabriga; por outro lado, a inquirição
+topographica e onomastica da região, tanto quanto era possivel com a escassez
+de elementos, indicou-me alguns logares de archaicas estações archeologicas do
+genero da que deve ter sido Talabriga, como castro ou oppido submettido ao
+poder de Roma.</p>
+
+<p>Quero lembrar que <em>briga</em> só póde corresponder a uma posição elevada,
+a um outeiro ou cabeço fortificado; por onde Talabriga nunca pudera ser Aveiro
+ou arredores (Vid. <em>Arch. Port.</em>, <small>XII</small>, 42).</p>
+
+<p>Relançando novamente o olhar ao mappa, poder-se-há notar que a zona
+attribuivel á situação de Talabriga<a name="tex2html22"
+href="#foot666"><sup>[22]</sup></a> não está erma de castros,<span
+class="pn">{21}</span> antes nella se dão varias circunstancias que não posso
+deixar de aproveitar para a minha these conjectural.</p>
+
+<p><em>Branca</em> é uma freguesia cuja séde fica na margem direita de Caima e
+que é cortada pela estrada real; ha nella um logar de <em>Cristellos</em>, que
+só pelo toponimo demonstra a existencia de um castro ou oppido. Mas alem
+d'este, infere-se do Sr. Marques Gomes, de Fr. Bernardo de Brito (<em>loc.
+cit.</em>) e d-<em>O Arch. Port.</em> (<small>II</small>, 313, «Mem.
+Parochiaes») que ha um local sito na serra de S. Julião, atravessado pela
+estrada real e que Brito mais claramente chama <em>castello</em> de S. Gião
+(<em>castello</em> por <em>castro</em>), no qual, segundo aquelles tres
+testimunhos, ha ruinas de muralhas e fossos, que o Sr. M. Gomes presume serem
+ruinas de uma <em>atalaia</em> e que o parocho das <em>Memorias</em> tambem
+capitula de vestigios romanos, acrescentando muito singularmente (note-se bem o
+que isto póde significar) que ahi esteve... <em>Langobria</em> (<em>sic</em>).
+Foi aqui que Brito diz ter encontrado a tal pedra de <em>letras mal
+distinctas</em> de que não affiança a leitura, mas que lhe pareceu <em>padrão
+de estrada</em>.</p>
+
+<p>E aqui tem cabimento o que já atrás deixo dito, para absolver de fraude
+consciente a noticia archivada em Fr. Bernardo de Brito.</p>
+
+<p>Parece-me pois ser neste aro, se não neste mesmo ponto, que se deverá
+procurar o jazigo, não de Langobriga, mas da nossa Talabriga, e é precisamente
+a estas immediações que o compasso me levou ao medir sobre a carta a primeira
+secção da via romana de Coimbra a Gaia<a name="tex2html23"
+href="#foot352"><sup>[23]</sup></a>.<span class="pn">{22}</span></p>
+
+<p>Não desconheço quanto de problematico isto tem antes de serem perguntados
+pelo archeologo os logares, as ruinas, os vestigios e os montes e as vozes da
+região, mas nem por isso o meu espirito deixa de ficar demonstrado, até o
+possivel, que as cinzas de Talabriga nunca podem estar guardadas em Aveiro. As
+coincidencias que acabo de notar, não são bases frivolas.</p>
+
+<p>Só pois a inspecção directa do terreno, nas immediações da Branca, poderá
+concorrer para confirmar ou destruir a minha conjectura.</p>
+
+<p>D'esta região para o norte, a via romana seguiria até Cale, mais ou menos
+proxima do actual leito da estrada real; só alguns vestigios ou referencias de
+documentos, como os de Grijó, e a inquirição dos logares e tradições poderão
+concorrer para precisar a trajectoria d'aquella antiga via de communicação; o
+caso em si, porém, é indifferente para a questão primacial que motivou este
+estudo. O que é certo, é que a estrada romana sulcava a faixa comprehendida
+entre a estrada real e a linha ferrea até o vertice de Gaia.</p>
+
+<p>Ao sul de Branca e Albergaria, a directriz da via militar sente-se
+escalonada nos vestigios medievaes que deixei explanados nas paginas
+anteriores. <em>Albergaria</em> denota bem que o sitio era de assiduo e antigo
+transito (Viterbo, <em>Elucidario de palavras</em>, etc. s. v.
+<em>Albergaria</em>) ponto necessario de passagem para quem do sul buscava o
+norte do país. As <em>mansiones</em> tinham o caracter de pousadas.</p>
+
+<p>Em tempos de lazer para obras de piedade, é que a instituição caritativa se
+fundou, como implemento de uma necessidade que já existia.</p>
+
+<p>As pontes de Vouga e Marnel são indicios bem importantes da frequencia das
+viagens através d'esta parte da região, afastada da costa baixa e paludosa. São
+decerto obras da idade media, dos <em>mouros</em>, diz Pinho Leal (s. v.
+<em>Marnel</em> e <em>Vouga</em>). Mas os indicios pre-romanos e romanos
+soletram-se nessas ruinas de muralhas, pedras lavradas, vestigios de edifícios
+e toponymia, que os cabeços de Vouga e Marnel nos conservam, segundo descrevem
+Brito, Pinho Leal e os parochos do sec. <small>XVIII</small> nos extractos
+publicados pelo <em>Archeologo Português</em>.</p>
+
+<h2><a name="SECTION0019000">IX</a></h2>
+
+<p>O sentimento de Gaspar Barreiros (<em>Chorographia de alguns logares</em>,
+<small>MDLXI</small>, p. 48 sgs.) era que a situação de Talabriga devia ser a
+actual Cacia, especialmente na igreja de S. Julião, onde apparecem vestigios
+antigos. Varios autores o seguem.</p>
+
+<p>As razões d'este illustre escritor do sec. <small>XVI</small> merecem alguma
+discussão.<span class="pn">{23}</span></p>
+
+<p>Barreiros funda-se no Itinerario e conta, no sentido d'este roteiro, as
+milhas de Conimbriga para o norte. E por confirmação d'este argumento, traz o
+passo de Plinio que eu já transportei a este estudo, mas com uma differença que
+elle tomou de um archetypo Toletano (p. 51), declarando porém que alguns
+exemplares de Plinio não são accordes com aquelle. A lição citada é pois esta:
+<em>A Durio Lusitania incipit, Turduli veteres, Pesuri, flummen Vacca, oppidum
+Vacca, oppidum Talabrica, oppidum et flumen Minium</em>, etc. Esta variante
+demonstra a existencia de uma cidade <em>Vouga</em>, que G. Barreiros colloca
+na Ponte de Vouga (p. 50 <em>v</em>). Algumas cartas antigas reflectem esta
+indicação. Isto posto, G. Barreiros leva a contagem de Conimbriga para
+Talabriga por espaço de 50 milhas, o que é exacto, espaço que elle computa
+equivalente a 12,5 leguas e enumera:</p>
+
+<table align="center" border="0" cellpadding="3" summary="Calculo de G. Barreiros">
+ <tbody>
+ <tr>
+ <td>De Condeixa a Coimbra</td>
+ <td>2,5 leguas</td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>De Coimbra á Mealhada</td>
+ <td>3,5 »</td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Da Mealhada a Avellãs</td>
+ <td>2 »</td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>De Avellãs a Agueda</td>
+ <td>2 »</td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>De Agueda á Ponte de Vouga</td>
+ <td>1,5<a name="tex2html24" href="#foot667"><sup>[24]</sup></a> »</td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>De Ponte de Vouga a Cacia</td>
+ <td>1 »</td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td> </td>
+ <td>12,5</td>
+ </tr>
+ </tbody>
+</table>
+
+<p>«Na qual villa &amp; igreja de sanct. Juliã nas ribeiras do Vouga situadas,
+se acham vestigios antigos, s. os fundam&#x1ebd;tos de h#7869;a torre que na
+memoria dos hom&#x1ebd;s inda staua quasi inteira, onde era outro tipo segundo
+ficou fama de h#7869;s em outros chegauam nauios da foz do mar, porque inda ali
+se acharam pedaços d'elles &amp; anchoras iuncto da dicta torre em h#7869;a
+lagoa Afora muitos vestigios &amp; ruinas d'argamassa que dentro em seu ambito
+cõprehende h#7869;a milha pouco mais ou menos» (p. 50).</p>
+
+<p>A não ser que tenhamos de recorrer a uma mudança da primitiva situação, nós
+temos de procurar em Talabriga a cidade preromana, que no sec.
+<small>II</small> a. C. Decimo Junio Bruto reduzia á miseria e á impotencia,
+segundo narra Appiano. E esse oppidum teria que possuir condições estrategicas
+identicas ás dos outros castros preromanos, taes como elles nos acenam que
+foram escolhidos pelas populações proto-historicas;<span class="pn">{24}</span>
+teria que justificar o proprio designativo de caracter celtico
+<em>briga</em>&mdash;altura fortificada.</p>
+
+<p>Creio poder affirmar que nada d'isto se encontra em Cacia. Alem d'isto o
+proprio G. Barreiros, no dizer que, entre os vestigios antigos, sobresaía uma
+torre, que ainda andava lembrada, e se topavam «ruinas de argamassa», quasi
+estabelece uma chronologia, porque taes vestigios não podem ser anteriores aos
+romanos; poderão attribuir-se menos á sua epoca que ás posteriores. Para a
+contemporaneidade, teriamos que admittir e demonstrar uma deslocação do
+primitivo assento de oppidum, como vimos; se esses vestigios se affectam ás
+epocas successoras dos romanos, o facto sae para fóra do problema e d'elle me
+não posso occupar.</p>
+
+<p>O principal estorvo, porém, que a opinião de Barreiros encontra, é aquelle
+que eu quis descobrir e evitar, quando ajustei a medição do itinerario a contar
+de Cale para o Sul e não de Aeminium para o Norte. Evitei assim o erro de cair
+em Aveiro, em Esgueira e agora em Cacia, onde muito bem podia ir passar com o
+roteiro romano nas mãos.</p>
+
+<p>Isto illumina-se á luz da carta. Barreiros vem seguindo, com os ouvidos na
+tradição do seu tempo, o leito do caminho romano (dito mourisco) pela Mealhada,
+Agueda, até á ponte de Vouga, e até aqui bem elle vem; chegado porém a esta
+altura, desnorteia-se e inflecte para Oeste para fazer a primeira estação de
+Itinerario em Cacia, imaginando-se em Talabriga. Kilometricamente, creio não
+haver que lhe objectar. A distancia da ponte de Vouga a Cacia é proximamente
+igual á que entre o mesmo ponto se nota e a linha-zona <em>TT</em>, que eu
+determinei. Portanto não falseava o illustre chorographo quinhentista a tabella
+do Itinerario, isto é, as 50 milhas desde Condeixa (Conimbriga).</p>
+
+<p>Mas a precaução de começar a contagem de Cale para Talabriga, obsta ou
+impede aquella inflexão e obriga a trazer o caminho numa directriz mais
+desempenada para a ponte de Vouga. Volvendo os olhos á curva <em>TT</em> do
+mappa, ver-se-ha que Cacia lhe fica a distancia grande porque, com este desvio
+da trajectoria normal, a medição romana perdeu espaço, atrasando-se.</p>
+
+<p>Se não fosse este meio de verificar o erro, era possivel a desorientação.
+</p>
+
+<p>Creio, pois, ter demonstrado pela ethnographia e pela geometria topographica
+que Talabriga não póde ser collocada em Cacia, quer se olhe á Talabriga
+preromana ou protohistorica, quer á romana ou historica; á Talabriga de Appiano
+e D. J. Bruto ou á da epoca imperial e do Itinerario.<span
+class="pn">{25}</span></p>
+
+<h2><a name="SECTION00110000">X</a></h2>
+
+<p>Como, segundo se infere de Appiano (vid. adeante), o oppidum de Talabriga
+continuou a ser habitado depois da sua rendição no sec. <small>IV</small> a. C.
+e emfim ainda existia no sec. <small>IV</small> d. C., poderia succeder que elle
+conseguisse resistir á vinda dos barbaros, e chegar ao dominio dos arabes.
+Convinha pois consultar a geographia arabica, e o nome de Edrisi, geographo do
+sec. <small>XII</small>, impunha-se-me logo.</p>
+
+<p>O que das suas differentes traducções se conclue, não é nada claro para mim
+que ignoro o arabe, mas poderá auxiliar o estudo da questão por parte dos
+arabistas.</p>
+
+<p>Ha uma edição de 1619 (Paris) com o titulo de <em>Geographia Nubiensis</em>,
+que quero pôr em confronto com a traducção de Amédée Jaubert (<em>Géographie
+d'Edrisi</em>, Paris 1840).</p>
+
+<p>Edrisi descreve dois caminhos de Coimbra a Santiago de Compostella: um por
+terra, outro por mar.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="text-align: center;"><strong>Caminho por terra</strong></p>
+
+<div style="width: 50%; padding: 0.5em; float: left;">
+<p style="text-align: center;"><em>Ed de 1619</em> (trad. lat)</p>
+
+<p>«Iter autem terrestre a <em>Colimria</em> ad <em>S. Jacobum</em> est
+hujusmodi: a <em>Colimbria</em> ad oppidum <em>Aba</em> stationis habetur
+intervallum. Ab <em>Aba</em> ad oppidum <em>Vatira</em> statio. Ab hoc ad
+primos terminos regionum Portugalliae, statio, pergit que iter secans terram
+Portugalliae spatio diei, ibique conspicitur oppidum <em>Bonacar</em> ad ripam
+fluminis <em>Durii</em>, quod est flumen Samorae, atque illic trajiciendum
+cymbis ad hoc paratis. Ab oppido ad amnem Minio, indeque ad castellum Abraca LX
+M. P. duae videlicet stationes. A castello <em>Abraca</em> ad castellum
+<em>Tui</em> stationes duae».</p>
+
+<p style="text-align: center;">&mdash;&mdash;</p>
+
+<p>O editor de 1619 diz que não ha medida certa para as <em>stationes</em>,
+expressão que se referia a pousada dos viandantes. As <em>stationes</em> justas
+eram de 25 milhas, mas algumas tinham mais, outras menos. Parece que seria o
+espaço que se poderia percorrer em um dia.</p>
+</div>
+
+<div style="padding: 0.5em;">
+<p style="text-align: center;"><em>Ed. de 1840</em> (trad. fr.)</p>
+
+<p>«O itinerario por terra de Colomria (Coimbra) a S. Tiago é como segue: de
+<em>Coimbra</em> a <em>Abah</em> (Ribadavia) (!) aldeia, uma jornada. De
+<em>Abah</em> a <em>Uetaria</em> (Huctaria) (?) aldeia, uma jornada. D'ahi á
+fronteira de Portugal, uma jornada. O caminho vae através das terras de
+Portugal durante uma jornada, ao fim da qual se chega a <em>Buna-Car</em>,
+aldeiasinha nas margens do <em>Douro</em>, que é o rio de Zamora. Passa-se o
+rio em barcos proprios para isto. D'este logar ao rio <em>Minho</em> ou antes
+ao forte <em>Abraça</em> (insua de Caminha) (?) 60 milhas ou duas jornadas.
+Depois <em>Tuia</em> (Tuy) cidade pouco notavel, mas bella e numa região
+fertil, duas jornadas» (<small>II</small>, p. 232)</p>
+
+<p style="text-align: center;">&mdash;&mdash;</p>
+
+<p>No texto francês, ao vocabulo <em>statio</em> corresponde <em>journée</em>,
+que eu traduzi por <em>jornada</em> (de um dia).</p>
+</div>
+
+<p>Temos aqui duas traducções do texto arabe, uma em frente da outra, e a
+verdade é que sufficientemente se correspondem. O principal para<span
+class="pn">{26}</span> o meu fim seria a localização das estações de Edrisi;
+neste ponto o traductor francês apenas conserva intemeratamente as tradições
+dos estrangeiros quando, fallando ou escrevendo, debicam na nossa geographia.
+</p>
+
+<p>Nem ao diabo lembra que a Coimbra se siga... <em>Ribadavia</em>!</p>
+
+<p>A primeira estação ao deixar Coimbra é <em>Aba</em> (ed. 1619) ou
+<em>Abah</em> (ed. 1840). Poderá corresponder a <em>Agueda</em>? Jaubert
+desejaria falar em <em>Riba-d'Agueda</em>! É provavel.</p>
+
+<p>A segunda estação foi interpretada por <em>Vatira</em> (ed. 1610) e
+<em>Uetaria</em> (ed. 1840). Não sei identificar esta localidade, assim
+desfigurada.</p>
+
+<p>Em seguida a isto, se na versão latina parece haver uma incongruencia, ella
+desapparece na traducção francesa. Através das terras de Portugal, chega-se com
+um dia de viagem ás margens do Douro. Isto parece ser bem o tradicional caminho
+que entesta na foz do Douro.</p>
+
+<p>Não diz o geographo arabe em que ponto da margem do Douro ficava
+<em>Bona</em> ou <em>Buna-car</em>, expressão que não sei reconhecer, mas
+parece-me que deve ser a embocadura d'este rio, e é a seguinte a razão. Diz
+Edrisi que de <em>Bona-car</em> ao rio Minho são 60 milhas; ora, numa pagina
+anterior (p. 227) elle conta da foz do Douro á do Minho as mesmas 60 milhas.
+Portanto creio que <em>Buna-car</em> era aproximadamente em Gaia, onde depois o
+rio se atravessava em barcos<a name="tex2html25"
+href="#foot668"><sup>[25]</sup></a>.</p>
+
+<p>Descrevendo o mesmo <em>caminho por mar</em>, isto é, a viagem de Coimbra a
+Santiago, o primeiro ponto onde diz que se abica, é a foz de
+<em>nahr-Budhu</em> (rio <em>Vadeo</em>, traduz A. Jaubert!) que corresponde ao
+Vouga, rio, acrescenta, consideravel, onde entram embarcações grandes e
+pequenas (<small>II</small>, 227). Esta aclaração parece indicar que naquelle
+tempo a foz do Vouga e o lago interno serviam a uma navegação bastante activa.
+Quanto ao relacionamento da antiga Talabriga com alguma das estações do caminho
+medieval descrito por Edrisi, nenhuma conclusão posso tirar com segurança.</p>
+
+<p>Com muita probalidade porém se infere d'isto que o caminho frequentado então
+devia ser o que hoje corresponde á estrada real com a passagem nas pontes
+medievaes de Vouga, mas emquanto não se fixarem<span class="pn">{27}</span>
+estes dois ponto; duvidosos, localização muito verosimil de <em>Aba</em> ou
+<em>Abah</em> em Agueda e incerta de <em>Vatira</em> ou <em>Ueturia</em>, o
+testemunho do geographo arabe apenas serve seguramente para localizar as testas
+d'este caminho, estabelecer com grande plausibilidade a tradição do caminho
+historico pela orla das montanhas e revelar-nos o movimento commercial da foz
+do Vouga.</p>
+
+<h2><a name="SECTION00111000">XI</a></h2>
+
+<p>Tratando-se pesquisa dos vestigios da via romana <em>ab Aeminio ad
+Calem</em>, o testemunho de Viterbo (<em>Elucidario</em>, s. v. <em>Estrada
+mourisca</em>) devia ser ponderado. Diz este illustre antiquario que, nos
+documentos de Grijó, se fazia larga menção de propriedades que ficavam umas da
+parte de cima, outras da parte de baixo da estrada mourisca. No anno de 1148,
+Trutesindo doa ao celebre mosteiro o que possuia em Brantães e em S. Felix
+<em>subter illam Stratam Mauriscam, discurrente riuulo Cerzedo</em>.</p>
+
+<p>Acrescenta o sabio antiquario que a estrada era mourisca por ter sido aberta
+pelos Mouros, que abandonaram a romana que vinha ali a passar entre Lancobriga
+e o mar, pois que com o rodar dos annos a costa se entupira e alteara por causa
+das areias e os rios estagnados não só esterilizaram os campos, mas fecharam a
+passagem dos caminhos. E mais depõe Viterbo que a estrada mourisca ia do Porto
+a Agueda por Azemeis, Albergaria, Vouga, etc.</p>
+
+<p>Antes de mais: notemos esta opinião corrente, esta tradição, tão concordante
+com o que eu já procurei accentuar, de que a tal estrada <em>mourisca</em>
+descia do Porto a Agueda precisamente por Azemeis, por Albergaria e por Vouga.
+</p>
+
+<p>Que Viterbo lhe chamasse <em>mourisca</em> não é de espantar; era a voz
+popular que ainda hoje nos falla de Mouros sempre que tem de referir-se a povos
+muito antigos, preromanos, romanos, barbaros, etc<a name="tex2html26"
+href="#foot669"><sup>[26]</sup></a>.</p>
+
+<p>Mas o documento de 1148 já tratava de mourisca uma obra que<span
+class="pn">{28}</span> não podia ser dos Sarracenos, a esse tempo ainda no sul
+de Portugal. Creio não se poder sustentar que a estrada que passava em Cerzedo
+era construida por arabes; aproveitada sim, porque sendo o caminho que elles
+ainda encontravam á sua disposição, devia ser aquelle que inundavam do terror
+das suas algaras.</p>
+
+<p>Em que elementos se estribava Viterbo para dizer ainda que a mesma estrada
+mourisca tocava em Oliveira de Azemeis, Albergaria, Vouga e Agueda? Confesso
+que não os conheço, a não ser que a memoria e o uso d'este caminho tradicional
+se perpetuassem através de tantos seculos e tão profundas transformações
+sociaes.</p>
+
+<p>Informa Pinho Leal que na freguesia da Trofa (concelho de Agueda) ha ainda o
+logar de <em>Mourisca</em>, á margem da estrada, e que o nome lhe veio d'esta.
+Traduzindo <em>mourisco</em> em <em>romano</em>, póde ser acertada a
+supposição. Isto transcreveu-o elle de Viterbo, s. v. <em>Estrada</em>.</p>
+
+<p>Mais expressivo é o tópico de um sitio, perto de Lamas e junto da estrada
+real; chama-se elle <em>Fundo da rua</em>. Tal rua não é outra senão a via
+romana. Esta explicação affere pela que dá o <em>Corpus</em>
+(<small>II</small>. p. 363) com referencia a uma freguesia de Santo Estevam da
+Rua, onde passava uma estrada romana (<em>oppido quod a via romana nomen
+duxit</em>). A 3:500 para O. da Feira ha um sitio chamado <em>Rua Nova</em>.
+Aqui é que só a inspecção dos logares poderia indicar-me o significado d'este
+tópico.</p>
+
+<p>Num escritor estrangeiro do sec. <small>XVIII</small>, lê-se uma descrição
+litteraria do caminho através do campo de Aveiro, que só se entende se o
+suppusermos encostado ás montanhas de leste, permittindo que se descortine para
+a banda do mar toda aquella immensidade de terras feracissimas que aquelle
+autor olhava como planicie encantadora (<em>Annales de l'Espagne et du
+Portugal</em>, Alvares de Colmenar, Amsterdam 1741, p. 253).</p>
+
+<p>Isto demonstra que a estrada real de hoje é um caminho velho e
+tradicionalmente batido para ligar Coimbra ao Porto.<span
+class="pn">{29}</span></p>
+
+<p>Nos <em>Port. Mon. Hist.</em> não se encontram referencias mais claras do
+que esta de Viterbo e as que adduzi em nota, á antiga via romana. Compulsei
+bastantes documentos d'aquella publicação e nella encontrei variadas
+referencias a caminhos, mas em termos d'onde não se podia concluir cousa alguma
+que indicasse o conhecimento da existencia de uma estrada da epoca romana,
+considerada como tal<a name="tex2html27" href="#foot684"><sup>[27]</sup></a>.
+</p>
+
+<h2><a name="SECTION00112000">XII</a></h2>
+
+<p>Um esclarecimento dá Viterbo que é exacto e tem importancia para a historia
+d'esta região tributaria dos esteiros vacuenses.</p>
+
+<p>Retiro-me ao «entupimento» da costa que com o rodar dos annos se foi
+alteando e ao «estagnamento» dos rios que esterilizava os campos e fechava os
+caminhos. Esta acção do mar na costa de Aveiro tem sido um problema technico e
+administrativo extremamente complicado para os governos portugueses, não só
+pelas condições commerciaes de Aveiro, mas pelo estado sanitario de toda esta
+região. O coração d'este problema é a barra do Vouga.</p>
+
+<p>É difficultoso dizer o estado d'esta embocadura nos tempos que interessam ao
+presente estudo. Tenho lido que, na epoca romana, entravam<span
+class="pn">{30}</span> a foz do Vacua embarcações de grande arqueamento (<em>Os
+portos maritimos de Portugal</em>, pelo Sr. Adolfo Loureiro, <small>II</small>,
+3). Não sei que fundamentos póde ter esta asserção, que em todo o caso é
+relativa á tonelagem dos antigos navios.</p>
+
+<p>Os geographos antigos que se referem a este rio lusitanico, não dizem cousa
+d'onde se possa inferir a sua capacidade para grandes embarcações, como aliás
+se tem escrito.</p>
+
+<p>O mais explicito é Estrabão (<em>Geographia</em>, liv. III,
+<small>III</small>), que vertido a latim, diz: <em>Deinceps post Tagum
+nobilissima flumina sunt Muliadas, parvas habens navigationes. Itidem Vacua
+fluvius, post quos Durius longo fluens cursu</em>, etc. O geographo grego
+iguala o Mondego (<em>Muliadas</em>) rio de navegação diminuta, ao Vouga, da
+mesma fórma (<em>itidem</em>) estuario de diminuta navegação. E tanto mais é
+esta a natural hermeneutica, que o contraste é frisante com a importancia do
+Douro, <em>longo fluens cursu</em>. Estrabão escreveu no sec. <small>I</small>
+a. e d. de C.; como póde affirmar-se que no tempo dos romanos entravam o Vouga
+embarcações de longo curso e a sua foz era um porto de grande commercio e muita
+prosperidade?</p>
+
+<p>Ora isto vem ao intento de eu pretender que no surgidouro do Vouga não havia
+nos primeiros seculos, pelo menos da epoca romana, povoação de vulto que
+determinasse uma passagem forçada na via militar e um desvio da natural
+directriz <em>ab Aeminio Calem</em>. E para um porto de tamanho trafego, era
+pouco um simples <em>vicus</em>.</p>
+
+<p>Temos pois a affirmação estraboniana<a name="tex2html28"
+href="#foot675"><sup>[28]</sup></a>. E antes?</p>
+
+<p>Menos ainda. Diz-se que em algumas minas da região metallifera de
+Entre-Vouga-e-Caima tem apparecido vestigios de antigas laborações. Apesar da
+falta de precisão chronologica nesta noticia, póde presumir-se o facto até para
+a epoca preromana. E neste caso, a via fluvial seria a mais pronta saida do
+mineiro para o commercio externo.</p>
+
+<p>Mas um óbice encontro agora. Seria consequente que este trafico determinasse
+a formação de um povoado á beira-mar ou na enseada interior. A essa gente
+faltaria, porém, uma cousa, que se lhes tornára tão indispensavel, como o pão
+para a boca: era a segurança pessoal, era o ninho de aguia. Com as planuras não
+se queriam elles. A não ser que deroguemos os conhecimentos adquiridos no que
+até agora se tem encontrado.<span class="pn">{31}</span></p>
+
+<p>Alem disto, que motivos ha para tirar effeíto tambem retroactivo á noticia
+de Estrabão?</p>
+
+<p>Um primorosissimo escritor<a name="tex2html29"
+href="#foot676"><sup>[29]</sup></a>, filho de Aveiro, evita, com exemplar
+abnegação patriotica, o problema archeologico da origem preromana da sua terra
+natal, mas propende á presumpção de que algum povoado assentaria antigamente na
+foz do Vouga os seus lares. E enfeixa o illustre homem de letras duas razoes:
+1.ª, a geographica; 2.ª, a da exploração do sal. Aquella parece-me menos
+conciliavel com a ethnographia dos povos a que se deseja alludir, como notei. E
+esta? Para o commercio, quer interno quer externo, temos ainda o mesmo senão.
+Os marnôtos d'aquelle tempo onde se acoitariam<a name="tex2html30"
+href="#foot677"><sup>[30]</sup></a>?</p>
+
+<p>Que, posteriormente a Estrabão, as <em>parvae navigationes</em> crescessem
+em numero e tonelagem não é impossivel, porque a vida social começava já a
+fervilhar nas planicies.</p>
+
+<p>E a industria do sal, cuja utilização aliás já data dos tempos neolithicos,
+poderia commercializar-se (perdão para o neologismo) d'essa epoca em deante, se
+tomarmos por base da hypothese o caracter latino da technologia<a
+name="tex2html31" href="#foot678"><sup>[31]</sup></a> e o que sabemos por
+aquelle geographo da importancia das salgas (<em>Geographie de Strabon</em>,
+por Am. Tardieu, 1886; III-<small>IV</small>-2). Mas então já a via militar
+<em>ab Aeminio ad Calem</em> lá estaria antes de ser necessaria, se necessaria
+se pudesse considerar por motivo do commercio externo, num porto afastado da
+linha natural de communicação e posto em duvida pelo silencio dos textos, como
+vimos.</p>
+
+<p>Do que o Vouga seria na idade media possuimos o testemunho do geographo
+arabico Edrisi (<em>Géographie d'Edrisi</em>, trad. de P. Amédée Jaubort. Paris
+1840 <small>II</small>, 227).<span class="pn">{32}</span></p>
+
+<p>O nosso rio foi transposto para aquella lingoa por uma palavra que A.
+Jaubert representa na graphia francêsa por <em>Boudhou</em> (ou==u); e assim
+conforme o texto arabico vemos que o <em>nahr-Budhu</em> é um rio consideravel
+onde navegam embarcações grandes e pequenas, e a navegação se estende a 70
+milhas da sua foz. Agora já começamos a entrever uma população occupada no
+trafego maritimo.</p>
+
+<p>A diplomatica tambem proporciona alguns elementos de estudo relacionaveis
+com este, mas propriamente esta epoca já não interessa á questão posta.</p>
+
+<p>Há porém, uma cousa que não posso omittir.</p>
+
+<p>É o documento n.º <small>LXXVI</small> dos <em>Port. Mon. Hist.</em>, «Dipl.
+et Chartae», onde se lê a fórma medievica de Aveiro, a qual é
+<em>alauario</em>, o que só por si desmorona as hypotheses etymologicas a que
+varios chorographos se tem apegado, mas revela pela primeira vez a existencia
+de uma povoação onde hoje é Aveiro (assim tambem <em>Talabario</em> e
+<em>Táveiro</em>. Doc. <small>CXXVIII</small>).</p>
+
+<p>O trabalho do mar e das aguas na desintegração de um subsolo brando e a
+força do vento nos areaes movediços devem ter sido causa perenne e inflexivel
+dos açoreamentos e obstrucção da navigabilidade<a name="tex2html32"
+href="#foot679"><sup>[32]</sup></a>. O factor é antigo, tão antigo quanto o
+póde ser, por maneira que aquella região nunca teve, fóra das epocas
+geologicas, outra face topographica muito diversa da dos nossos dias<a
+name="tex2html33" href="#foot680"><sup>[33]</sup></a>. É presumivel que
+elevadas florestas forrassem com sombras impenetraveis toda essa immensa orla
+limitada<span class="pn">{33}</span> pelo mar a Oeste e pelas montanhas a E.,
+na região e na epoca de que me occupo<a name="tex2html34"
+href="#foot681"><sup>[34]</sup></a> como em outros pontos suppôe o Sr. Alberto
+Sampaio (<em>Portugalia</em>, <small>II</small>, 215, art. cit.); mas isso não
+importa acreditar a possibilidade da via romana por terrenos de tal especie.
+</p>
+
+<p>Informou-me o distincto engenheiro Sr. Mello de Matos, que, ao proceder-se
+aos trabalhos de construcção de uma ponte nas proximidades de <em>Vagos</em>,
+se encontrou encastoado nas areias o cavername de um navio, que infelizmente
+não foi estudado. Na <em>Esgueira</em>, achara-se outro.</p>
+
+<p>Narra Pinho Leal que ha annos em Vagos se descobriu uma ponte sobre um
+ribeiro que a areia das dunas entupiu completamente. Escusado é acrescentar que
+a ponte foi logo capitulada de <em>romana</em>, nada menos.</p>
+
+<p>Estes factos não tem sido apenas recentemente verificados. Já vimos num
+trecho, que desatei do nosso Gaspar Barreiros (p. 50) que pelas alturas de
+Cacia se tem encontrado, submersos na terra, cascos de navios e ancoras, o que
+radicou a crença de que as embarcações chegavam ate ahi em tempos antigos. Esta
+apreciação já é do sec. <small>XVI</small>.</p>
+
+<p>D'este millenario ha um mappa, publicado por Abrahão Ortelius, onde se
+reconhece nitidamente a bacia de Aveiro. (Vide <em>Theatrum orbis
+terrarum</em>, já citado a pag. 132).</p>
+
+<p>Estes factos esclarecem o assunto e reatam a tradição de que os fundos da
+ria se vão alteando com a obstrucçâo nos esgotos das correntes fluviaes. Fr.
+Bernardo de Brito (<em>Monarchia Lusitana</em>, <small>II</small>.
+<small>V</small>. p. 130) diz que, do tempo d'elle, Aveiro, muito concorrida de
+gente de mar e pescarias, era cidade florescente<a name="tex2html35"
+href="#foot682"><sup>[35]</sup></a>.</p>
+
+<p>O Sr. Cons.º Luis de Magalhães tambem entende que, tendo ahi embarcado para
+uma jornada de Africa os terços da Beira, é porque o porto consentia a
+arqueação das caravelas.<span class="pn">{34}</span></p>
+
+<p>D'esta epoca ha mais elementos concordantes no movimento commercial de
+Aveiro e portanto no estado da sua barra. (Vid. <em>Os portos maritimos de
+Portugal</em>, pelo Sr. A. Loureiro, <small>II</small>, 3).</p>
+
+<p>O que Barreiros conta relativamente a Cacia, encontra-se repercutido num
+local situado muito mais acima sobre o Vouga. No sec. <small>XVIII</small>
+corria que em eras passadas ainda os navios subiam aquelle estuario até a
+antiga cidade de <em>Vacua</em><a name="tex2html36"
+href="#foot606"><sup>[36]</sup></a>, onde depois foi a villa de Vouga e agora
+mero cabeço de Vouga (<em>Arch. Port.</em>, <small>VII</small>, 191), que aliás
+tende a desapparecer, como desappareceu a de Marnel pelo impaludismo (Pinho
+Leal, <em>Port, Ant. e Mod.</em>, s. v. <em>Vouga</em>).</p>
+
+<p>Esta noticia, porém, deve interpretar-se com uma informação mais minuciosa
+que encontro em uma obra de 1741 (<em>Annales de l'Espagne et du Portugal</em>,
+por Alvares de Colmenar, Amsterdam). Diz este A. que Aveiro é uma cidade
+bastante consideravel, situada na testa de um pequeno golfo que a maré
+estabelece na embocadura do Vouga. Este rio fórma um porto de limitadas
+dimensões, onde os navios mediocres, que não demandam senão 8 ou 9 pés de agua,
+podem entrar na preamar, com a direcção de pilotos do sitio. Este A. já falla
+na grande producção de sal e nas fortificações constantes apenas de uma muralha
+flanqueada de algumas torres.</p>
+
+<p>Na lagoa de Esmoriz, de que falla um doc. do sec. <small>IX</small>,
+(<em>Port. Mon. Hist.</em>, «Dipl. et Chart.», n.º <small>XII</small>), havia
+uma barra por onde entravam as caravelas em antigos tempos e depois se entupiu
+(<em>Arch. Port.</em>, <small>IV</small>, 144).</p>
+
+<p>O caso do cavername encontrado perto de Vagos liga-se com a noticia do sec.
+<small>XVIII</small>, transmittida pelas <em>Memorias Parochiaes</em>, segundo
+as quaes o braço da ria que existe entre Aveiro e Ilhavo dava antigamente fundo
+para caravelas e agora é vadeavel (<em>Arch. Port.</em>, <small>IV</small>,
+329).</p>
+
+<p>Em Mira, numa lagoa de agua doce, conta um informador que nella se encontram
+vestigios de casas, moedas e alicerces de uma parede ou caminho que a
+atravessou pelo meio. Alem disto, pelo norte e poente, tem-se açoreado
+(<em>Arch. Port.</em>, <small>V</small>, 297).</p>
+
+<p>Quanto se póde deduzir d'estas noticias, o extenso delta vacuense tem sido
+invadido com trabalho successivo pelas areias que causam a obstrucção dos
+esteiros e a diminuição da navegabilidade. De nenhuma noticia, porém, se póde
+concluir que na epoca romana o aspecto topographico e a constituição
+orographica da região fosse tão diverso<span class="pn">{35}</span> do que é
+actualmente, que a via romana lá pudesse passar preferentemente ao trajecto
+mais interno, na base da montanha, através dos castros e das minas.</p>
+
+<h2><a name="SECTION00113000">XIII</a></h2>
+
+<p>De Talabriga temos uma das paginas da sua historia escrita por um autor do
+meio do sec. <small>II</small> d. C., Appiano de Alexandria.</p>
+
+<p>É certamente este um caso particular, mas não deverá deixar de ser
+considerado como uma amostra de dramas analogos que succederam com os oppidos
+lusitanos, no embate das cohortes romanas.</p>
+
+<p>Talabriga, escreve Appiano, era uma das cidades (da Lusitania) que mais
+frequentemente se revoltava. Esta falta de resignação, este, direi eu, germen
+de patriotismo ou melhor de municipalismo, não podia tranquillizar Decimo Junio
+Bruto, que julgou que o caso era de reclamar a sua presença no local da cidade.
+Partiu com numerosa gente, e ao seu apparecimento responderam os irrequietos
+Talabrigenses com supplicas e o seu incondicional abandono á discrição do
+conquistador. Então J. Bruto foi energico e insaciavel, mas ao mesmo tempo teve
+um lanço inesperado de generosidade. Quis fazer-lhes sentir primeiro a dureza
+cruel do seu braço de guerreiro, e para isso impôs-lhe a immediata entrega dos
+transfugas das hostes d'elle, certamente alliados dos romanos, a dos
+prisioneiros, a de todo o armamento e ainda por cima exigiu refens. Depois
+chegou a ordenar-lhes que abandonassem a cidade com suas mulheres e filhos.
+Parece que o prestigio militar de J. Bruto não valia menos que seu tino de
+politico e conquistador. Os Talabrigenses aprontaram-se para obedecer alli
+mesmo. Mas o capitão romano queria compor-lhes um quadro que lhes
+impressionasse perduravelmente a imaginação. E ia espreitar o effeito
+produzido.</p>
+
+<p>Desdobrou em circulo as suas tropas e, agglomerando dentro a chusma dos
+habitantes humilhados, arengou-lhes. Fez-lhes perceber que não receava a sua
+turbulencia indomita, porque quantas vezes desertassem, outras tantas elle
+viria combatê-los e reduzi-los com a necessaria firmeza, incutido assim o
+receio e a convicção de que no momento adequado, J. Bruto cairia sobre elles
+com toda a energia, o general romano quebrantou a sua ira, satisfeito com estas
+objurgatorias. Mas não sem que lhes tomasse os cavallos, os mantimentos, os
+dinheiros da cidade com todo o outro material publico<a name="tex2html37"
+href="#foot683"><sup>[37]</sup></a>. Isto era claramente<span
+class="pn">{36}</span> deixá-los na impotencia e até na penúria. E por fim J.
+Bruto, contra tudo quanto os Talabrigenses podiam já esperar (<em>pratter
+spem</em>), restituiu-lhes a cidade para nella continuarem a habitar. Isto
+passava-se já meado o sec. <small>II</small>, antes de Christo (138 a. C).</p>
+
+<p>Feito isto, o conquistador regressou a Roma.</p>
+
+<p>Esta pagina da conquista da Lusitania é tanto mais importante quanto é, com
+igual individuação, a unica que nos resta de historia escrita dos oppidos
+lusitanos, e, embora narre um só episodio da guerra da conquista, não deixa de
+ser elucidativa.</p>
+
+<p>Quando li este trecho de Appiano (<em>Appiani Alexandrini Rom. Historiarum
+quae supersunt</em>. Parisiis. F. Didot. MDCCCXL), confesso que senti amargura
+por não podermos ainda ir conversar na região do Vouga com as ruinas da cidade
+onde estes successos crueis se desfiaram, e segredar ás cinzas d'aquelle
+abrasado patriotismo que o mesmo sentimento, que chammejou nesses lusitanos
+insoffridos, ainda se não arrefentára com o soprar sobre ellas de vinte vezes
+cem invernos, e em mais de um dia, já da nossa existencia nacional, elle se tem
+ateado em protestos bem tumidos de calor.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Talabriga continuou a existir e refazer-se, atravessando a epoca
+imperatoria, como nos attesta: 1.º, a data a que pertence a ara de Estorãos,
+sec. <small>III-IV</small>; 2.º, a sua inscripção no Itinerario (sec.
+<small>IV</small>).</p>
+
+<p>Que seculos lhe trouxeram o ultimo acto das suas tragedias? Os do mal
+afamado frankisk barbaro ou os do pavor sarraceno mais verdadeiro e real que
+aquelle, sobretudo no territorio portugalense?</p>
+
+<p>Entrevejo pois para a archeologia portuguesa este problema: sondar o jazigo
+de Talabriga, verdadeiro simbolo do nosso sentimento de independencia
+territorial e figura-se-me que mostrei onde com toda a probabilidade elle se
+deve encontrar. Espero ter eu mesmo ensejo de averiguar se o simples e frio
+raciocinio me guiou, sem desvio, até as trincheiras historicas, que occultam os
+miserandos restos de Talabriga.</p>
+
+<p>Conservar-se-ha ainda evolucionado este toponimo? Responderá o onomastico,
+paternalmente assistido pela philologia, não se dando o caso mais provavel do
+verso susodito de Vergilio:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<blockquote>
+ <em>Haec tum nomina erunt, nunc sunt sine nomine terrae!</em> </blockquote>
+
+<p>Março de 1907.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p><em>P. S.</em> No mappa do <em>Ortelius</em>, de que me soccorri a pp. 132 e
+155, vejo nova <em>Lancobriga</em>, pelo sul de Scalabis; teremos tres? (Ver
+<em>O Arch. Port.</em>, <small>XII</small>, 42).</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<div class="rodape">
+<p><a name="foot644" href="#tex2html1"><sup>[1]</sup></a> O brasão de Agueda
+ostenta num lemnisco o mote Aeminium. Mas Coimbra tem hoje uma lapide, quo lhe
+dá irrecusavelmente o foro de <em>civitas aeminiensis</em>.</p>
+
+<p><a name="foot645" href="#tex2html2"><sup>[2]</sup></a> Um dos autores que se
+destacam por tentar a determinação de Talabriga e Langobriga (e ainda outras
+estações da via ab <em>Olisipone Bracaram Augustam</em>) por um processo exacto
+é o Sr. J. Henriques Pinheiro, fallecido professor do Lyceu de Bragança. Mas
+talvez em consequencia de trabalhar sobre uma carta (a de Folque) muito
+reduzida e de se servir da reducção de milhas a leguas, localiza Talabriga em
+<em>Aveiro</em> e Langobriga na <em>Feira</em>. Em todo o caso, não podendo
+conciliar as distancias relativas a Langobriga, conclue que ha erro nos Codices
+(<em>Estudo da Estrada Militar Romana de Braga a Astorga</em>, por J. Henriques
+Pinheiro, Porto, 1896, p. 129).</p>
+
+<p><a name="foot646" href="#tex2html3"><sup>[3]</sup></a> O Sr. A. Coelho diz
+que a fórma verdadeira é a de Estrabão, como o prova a moderna <em>Vouga</em> e
+<em>Vauga</em> dos documentos em baixo latim anteriores ao sec.
+<small>XII</small> (Mélanges Graux, 1882). Vid. <em>Religiões de
+Lusitania</em>, <small>II</small>, 28.</p>
+
+<p><a name="foot647" href="#tex2html4"><sup>[4]</sup></a> Nas <em>Noticias
+Archeologicas de Portugal</em>, de Hübner, trad. do Visconde de Juromenha, vem
+um extracto do Itinerario segundo a ed. de Parthey &amp; Pinder (1848). Prefiro
+a lição <em>briga a brica</em> de Wesseling, ed. dos <em>Vetera romanorum
+Itineraria</em>, <small>MDCCXXXV</small>.</p>
+
+<p><a name="foot651" href="#tex2html5"><sup>[5]</sup></a> Não pude haver á mão
+as <em>Memorias</em> d'este mesmo senhor.</p>
+
+<p><a name="foot652" href="#tex2html6"><sup>[6]</sup></a> Como preciosidade
+estrangeira, desejo referir que o aliás eminente celtista D'Arbois de
+Jubainville, num estudo erudito sobre «Les Celtes en Espagne» (<em>Revue
+Celtique</em>, <small>XIV</small>, § 8) diz, de passagem, ser Talabriga a
+actual povoação de Sousa, conc. de Alenquer! Presumo que esta incongruencia é
+proveniente do que escreveu <em>C. Muller</em> em uma nota da <em>Cl. Ptolemaei
+Geographia</em> (<small>I</small>, 137) a respeito de Talabriga: <em>Oppidum
+haud longe a Vouga, fluvio circa, hod. Souza alicubi steterit. Accuratius locum
+definire non licet.</em> Como ha mais Marias na terra, d'ahi proveio a
+confusão. Veja-se Sousa a O. de Vagos.</p>
+
+<p><a name="foot653" href="#tex2html7"><sup>[7]</sup></a> Por partes temos:</p>
+
+<table cellpadding="3" border="0" align="center" summary="Itinerário de D'Arbois">
+ <tbody>
+ <tr>
+ <td>De Gaia á Feira</td>
+ <td style="text-align:right;">21:900 metros</td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Da Feira a Oliveira de Azemeis</td>
+ <td style="text-align:right;">10:900 metros</td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>De Oliveira de Azemeis a Albergaria</td>
+ <td style="text-align:right;">18:000 metros</td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>De Albergaria ao rio Vouga</td>
+ <td style="text-align:right;">6:800 metros</td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Do rio Vouga a Agueda</td>
+ <td style="text-align:right;">9:000 metros</td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>De Agueda á Mealhada</td>
+ <td style="text-align:right;">22:000 metros</td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Da Mealhada a Coimbra</td>
+ <td style="text-align:right;">16:500 metros</td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td style="text-align:right;">105:100 metros</td>
+ </tr>
+ </tbody>
+</table>
+
+<p><a name="foot654" href="#tex2html8"><sup>[8]</sup></a> Escreveu o autor do
+<em>Portugal Antigo e Moderno</em> que a via romana seguiria pouco mais ou
+menos o trajecto da linha ferrea. Assim era preciso, se Talabriga fosse Aveiro,
+quer no troço ao norte, quer no troço para sul, em attenção ás condições
+topographicas. Neste caso, porém, a distancia de Coimbra a Gaia seria
+necessariamente pelo menos a que hoje é por aquelle caminho; nada menos de 115
+kilometros, o que está bem longe dos 105 kilometros da via romana e da estrada
+real. Num diagramma da carta indico a differença das distancias entre Cale e
+Talabriga e Gaia e Aveiro pela via ferrea (45:800 metros e 59:000 metros).</p>
+
+<p><a name="foot151" href="#tex2html9"><sup>[9]</sup></a> No mappa com que
+documento este estudo, lancei só os elementos que me eram uteis. Tudo o mais
+ficou no original, a que até accresci alguma cousa a mais por assim convir á
+minha demonstração.</p>
+
+<p><a name="foot154" href="#tex2html10"><sup>[10]</sup></a> É força porém
+attentar na exigua differença que no caso presente existe entre a recta, que
+unisse os dois pontos extremos (Coimbra e Gaia), e o desenvolvimento da
+distancia effectiva pela estrada real, entre os mesmos pontos. Bem sei que
+differentes parcellas podem dar a mesma somma, mas difficultoso seria crer que,
+acertando o Itinerario na distancia total entre Aemiuium e Cale, delinquisse
+nas parcellas, que vem a ser as tres secções da via militar. Veja-se o
+diagramma.</p>
+
+<p><a name="foot156" href="#tex2html11"><sup>[11]</sup></a> Pela linha ferrea
+de Coimbra a Aveiro são 56 kilometros: pelo caminho romano de Coimbra a
+Talabriga eram 59 kilometros.</p>
+
+<p><a name="foot655" href="#tex2html12"><sup>[12]</sup></a> Nada mais possivel
+do que um erro de informação de Plinio. Mas poderia tambem haver aqui uma
+confusão entre a Talabriga do roteiro romano e a Vacua, de que parece existirem
+ruinas no Cabeço de Vouga (Cit. <em>Oppida restituta</em>, 1885). Mas o
+Itinerario omitte-a, o que é apenas argumento negativo. Ainda se poderia dar o
+caso de <em>Vacua</em> não ser <em>mansio</em> do caminho romano. Havia um
+codice de Plinio que nomeava Talabriga e <em>Vacca</em> e uma cosmographia
+antiga que refere <em>Vacca</em> (<em>sic</em>) e não Talabriga, que aliás
+deveria ter conhecido pelos AA.</p>
+
+<p>Jorge Cardoso, no <em>Agiologio</em>, <small>II</small>, 65, quer que Vacua
+tenha sido em Viseu. Peor!</p>
+
+<p><a name="foot656" href="#tex2html13"><sup>[13]</sup></a> Nos <em>Port. Mon.
+Hist.</em>, «Diplom. &amp; Chart.», vem um documento (n.º 815 do anno de 1095)
+cujo teor nos não prende, mas onde se lê:.... <em>Ista igitur auctoritate
+confissus ingressus sum et ego densissimam silliam</em> (silvam) <em>que ab
+antiquis temporibus habitaculum erat bestiarum</em>.... Trata-se de arredores
+de Ilhavo.</p>
+
+<p><a name="foot171" href="#tex2html14"><sup>[14]</sup></a> Nos arredores de
+Aveiro ha pontos com as cotas de 15, 27, 46, 57, 48, 38, 23, 16, 24 e 10 que
+correspondem a relevos suaves. Todos estes pontos estão situados na margem
+esquerda do Vouga. Mas na hipothese de Talabriga, a estação do Itinerario, ser
+Aveiro ou proximidades, a estrada romana, chegada ahi, ver-se-hia forçada a
+atravessar o Vouga desde Eixo para baixo, em direcção ao Norte. E digam-me se
+todo esse trato de terreno, comprehendido entre a margem direita do Vouga,
+desde a ponte de S. João de Loure, como vertice meridional, e os sitios de
+Froços, Angeja, Formelã, Canellas e Salreu, não eram de fazer recuar o
+engenheiro romano que por ahi tentasse obter saida para o norte, em direcção a
+Cale, tendo outra incomparavelmente melhor?</p>
+
+<p><a name="foot657" href="#tex2html15"><sup>[15]</sup></a> Tenho sempre
+especial satisfação quando vejo que conceitos meus foram já formulados por
+escritores de outro cunho. Assim na <em>Revue des Études Anciennes</em> (1905,
+p. 389), Cam. Jullian, referindo-se a caminhos de epocas prehistoricas, diz:
+<em>Et il résulte bien.... que beaucoup des grandes lignes de circulation
+actuelle ne sont que les héritiers des pistes tracées il y a des milliers
+d'années.</em></p>
+
+<p><a name="foot658" href="#tex2html16"><sup>[16]</sup></a> Para os leitores
+habituaes do <em>Archeologo Português</em>, seria ociosa esta nota; para os que
+porventura o assunto do presente estudo desperte de-novo, é uma prevenção
+necessaria. Quando se falla em <em>castros</em> com supposta referencia á epoca
+romana, não se trata dos <em>castra</em>, acampamentos ou abarracamentos
+(Saglio &amp; Daremberg) fortificados que as forças militares de Roma
+construiam em campanha: nunca vi ruinas de nenhum d'estes <em>castra</em>, nem
+me consta que as haja verificadas no pais. E comtudo os <em>castros</em>, ou
+<em>crastos</em> no fallar do povo, são abundantissimos entre nós... porque são
+cousas muito differentes. Estes <em>castros</em> são apenas uns montes com
+vestigios de habitação <em>ante-romana</em> e quasi sempre de obras de
+fortificação de terra ou de muralha. Assim os castros são outeiros, cabeços
+habitados e fortificados, não pelos romanos, mas contra os romanos, pelo menos,
+e pertencentes aos antigos habitadores do país. Os <em>castros</em> devem pois
+aos romanos, não o seu principio, mas a sua decadencia e o seu fim, porque foi
+a conquista e foi a civilização romana que os tornou desnecessarios naquelle
+tempo. Como se lhes dá então este epitheto que não vem senão causar confusões?
+O epitheto encontramo-lo na toponimia local; foi o povo que conservou até hoje
+esta designação que nós vamos encontrar com frequente emprego nos documentos da
+idade media. É que no singular <em>castrum</em> significou secundariamente um
+castello, uma fortaleza; cita Rich o capitulo <small>VI</small> da
+<em>Eneida</em>, onde se lê (<em>vv</em>. 771 a 776):</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<blockquote>
+ Qui juvenes quantas ostentant, aspice, vires! <br>
+ At qui umbrata gerunt civili tempora quercu, <br>
+ Hi tibi Nomentum, et Gabios, urbemque Fidenam, <br>
+ Hi Collatinas imponent montibus arces, <br>
+ 775 Pometios, Castrumque Inui, Bolamque, Coramque: <br>
+ Haec tum nomina erunt, nunc sunt sine nomine terrae. </blockquote>
+
+<p>(<em>Oevres de Virgile</em>, par E. Benoist; vol. <small>I</small>,
+Hachette, 1882).</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>(Trad.) <em>Contempla como são grandes as forças que aquelles mancebos
+ostentam! Pois d'entre os que trazem a fronte sombreada pelo carvalho civico,
+uns construir-te-hão Nomento, Gabios e a cidade de Fidena, outros assentarão em
+montanhas as fortalezas Collatinas, Pometios, o castello de Inuo, Bola e
+Cora</em> (antigas povoações do Lacio): <em>estes serão os nomes d'aquelles
+lugares, que estão agora na terra sem nome.</em></p>
+
+<p>Foi certamente d'esta accepção que derivou para o latim corrente, e em
+seguida para o fallar medieval das nossas populações, a denominação de
+<em>castro</em> ou <em>crasto</em>.</p>
+
+<p>Na <em>Revue des Études Anciennes</em> (<small>IV</small>, p. 43, 1902) vem
+uma serie de citações para demonstrar que no fim do Imperio pela palavra
+<em>castrum</em> se designavam frequentemente as cidades fortificadas; de entre
+todas extraio a seguinte de Isidoro (<em>Origines</em>, <small>XV</small>, 2,
+13): <em>Castrum antiqui dicebant oppidum loco altissimo situm</em>. Com
+referencia a sitios nossos, temos, bibliographicamente, o conhecido
+<em>Portumcale castrum</em>, de Idacio.</p>
+
+<p>Mas a par d'aquella, outras se formaram, como <em>castello</em>,
+<em>cristêlo</em>, <em>crastêlo</em> e <em>castrêlo</em>. <em>Castellum</em>
+(cfr. cit. <em>Rev. des Ét. Anc.</em>) na lingua latina, era um deminutivo de
+<em>castrum</em> e applicava-se tanto a um reducto transitorio, como a um forte
+permanente, quasi sempre situado em logar elevado (Saglio &amp; Daremberg, s.
+v. <em>Castellum</em>). Depois, é explicavel que a linguagem popular
+prescindisse da origem não romana d'estes pontos estrategicos, e applicasse o
+termo a alguns castros, talvez aos mais deminutos. Aos mesmos montes se vêem
+tambem applicadas as designações de <em>cividade</em>, mais ou menos pura,
+<em>cidadêlhe</em>, <em>coroa</em> e outras ainda. Os autores antigos usam o
+termo <em>oppidum</em> applicado a alguns d'estes centros de população
+(<em>oppidum Aeminium</em>). E ainda se encontra junto ao nome originario da
+povoação, a modo de suffixo, o termo de origem celtica <em>briga</em>, que
+tambem quer dizer castello, altura fortificada (<em>Talabriga</em>).</p>
+
+<p>Os romanos, no nosso caso, traçando a via militar através d'estes montes
+habitados, não fariam mais do que seguir um caminho historico e uma directriz
+frequentada.</p>
+
+<p><a name="foot660" href="#tex2html17"><sup>[17]</sup></a> O parocho de
+Segadães (1758) informava que a antiga cidade de <em>Vaca</em> (<em>sic</em>)
+fôra assolada pelos <em>mouros</em>. Os Leitores conhecem estes
+<em>mouros</em>... (<em>Arch. Port.</em>, VII, 191).</p>
+
+<p><a name="foot661" href="#tex2html18"><sup>[18]</sup></a> Varios outros
+documentos d'esta região de Entre-Vouga-e-Douro compulsei eu nesta collecção,
+que se reportavam a <em>castros</em>, mas não pude localizar as referencias com
+a presteza que era necessaria. Até se me deparou a fórma rara <em>crésto</em>
+(<em>cresto ualanes</em>, doc. <small>DXLIX</small> do anno 1077), da qual
+conheço outra actual no concelho de Valdevêz.</p>
+
+<p><a name="foot662" href="#tex2html19"><sup>[19]</sup></a> Na fé de Nascimento
+Silveira (<em>Mappa breve da Lusitania</em>, p. 226), em Mancinhata, nos
+cruzeiros ha inscripções que ainda ninguem entendeu.</p>
+
+<p><a name="foot663" href="#tex2html20"><sup>[20]</sup></a> Nos <em>Port. Mon.
+Hist.</em>, «Dipl. et Chart.», n.º <small>CCCCLXXI</small>, vem um documento
+que diz: <em>Cesari... subtus monte castro calbo...</em> Cf. o n.º
+<small>CCCCLXX</small>. Não pude averiguar se é um <em>Monte Calvo</em> que
+vejo perto de Romariz. <em>Cesári</em> (gen. de <em>Cesarius</em>,
+<em>-ii</em>) deu Cesár, como <em>Severi</em> (<em>Port. Mon. Hist.</em>,
+«Dipl. et Ch.», <em>passim</em>, e <em>Arch. Port.</em>, <small>II</small>,
+252, art. do Sr. P. de Azevedo) deu Sever.</p>
+
+<p><a name="foot664" href="#tex2html21"><sup>[21]</sup></a> Virá de
+<em>Calambria</em>? pergunta A. Herculano (<em>Historia de Portugal</em>,
+<small>III</small>, 423). Cfr. <em>Arch. Port.</em>, art. do Sr. A. Cortesão,
+<small>IX</small>, 232. Teremos aqui alguma <em>Calambriga</em>? Um thesouro de
+16 argolas de ouro é de lá. (<em>Arch. Port.</em>, <small>II</small>, 87).</p>
+
+<p><a name="foot666" href="#tex2html22"><sup>[22]</sup></a> Eu não me occupo
+especialmente da <em>Langobriga</em> do Itinerario, mas é facil ver que
+identicos raciocinios lhe são applicaveis e em consequencia, a situação d'este
+segundo oppido deveria ser na faixa de terreno vagamente indicada pela curva
+<em>LL.</em> um pouco ao norte da Feira. No meu estudo da ara de Estorãos,
+assentei que esta não é a actual <em>Longroiva</em>, cuja fórma medieval era
+<em>Langobria</em>, (<em>Port. Mon. Hist.</em>, «Dipl. et Chart.»
+<small>CCCCXX</small>). Do que deponho a p. 141, parece que é a algum dos
+castros de <em>Obil</em> ou do <em>Monte do Murado</em> que deverá convir a
+localização de Langobriga. Este fica a 6:000 metros para leste da lagoa.</p>
+
+<p>Para <em>longo-</em> e <em>lango-</em> como para <em>brica</em> e
+<em>briga</em>, não encontram difficuldade os celtistas. (<em>Élém. celt. dans
+les noms de personnes des inscr. d'Esp.</em>, por A. Carnoy. Luvaina 1907).</p>
+
+<p><a name="foot352" href="#tex2html23"><sup>[23]</sup></a> A legitimidade do
+processo que segui, empregando o compasso e a escala para determinar a zona em
+que, segundo as indicações do roteiro romano, deve encontrar-se o jazigo de
+Talabriga, tem uma averiguação facil, apesar da estranheza que possa causar. Se
+eu, collocado em Eminio, quisesse determinar a situação de Cale, cujo
+anorteamento já conhecia previamente, e para isso adoptasse identico systema, o
+compasso levar-me-hia a uma zona de terreno, onde não me seria impossivel
+encontrar localizações compativeis com uma estação d'aquella natureza.</p>
+
+<p>Creio todavia que nem com todos os terrenos assim se póde proceder.</p>
+
+<p>Comprova tambem a plausibilidade do resultado a circunstancia de fazerem
+pequena differença a distancia em linha recta entre Coimbra e Gaia e a
+rectificação da estrada entre os mesmos pontos.</p>
+
+<p><a name="foot667" href="#tex2html24"><sup>[24]</sup></a> ... por ser tam
+grande como todos sab&#x1ebd;, de <span
+style="position: relative; left: 0.5em; bottom: 0.5em; ">~</span>q á prouerbio
+no pouo. (<em>Ibid.</em> p. 50). Já não é só pois grande a legua da Povoa!</p>
+
+<p><a name="foot668" href="#tex2html25"><sup>[25]</sup></a> O escritor espanhol
+Eduardo Saavedra, num artigo intitulado «La geografia árabe de Portugal» in
+<em>Revista Archeologica e Historica</em>, <small>I</small>, 49, suppõe que o
+trajecto descrito por Edrisi vae de Coimbra a Viseu e Braga «por um caminho
+muito frequentado», fazendo o primeiro descanso em Avô, 45 kil. a NE. de
+Coimbra; o segundo em S. Miguel do Outeiro, 10 kil. a O. de Viseu no caminho de
+S. Pedro do Sul; depois chega-se ao Douro, que se passa em embarcações defronte
+de uma aldeia, que é Villaboa de Quires, a E. de Penafiel. D'aqui duas jornadas
+a Braga e outras duas a Tuy.</p>
+
+<p>Salvo o devido respeito, isto parece uma viagem... <em>à vol d'oiseau</em>!
+</p>
+
+<p><a name="foot669" href="#tex2html26"><sup>[26]</sup></a> Nos <em>Port. Mon.
+Hist.</em>, «Diplom. de Chart.», apparecem mais documentos em que se encontra
+esta mesma designação. Estes por exemplo:</p>
+
+<p>N.º 67 do anno 953:... <em>et inde per carraria mourisca...</em> (Isto era
+nas vizinhanças de Villa do Conde).</p>
+
+<p>N.º 614 do anno 1083:... <em>et inde per via maurisca:...</em> (territorio
+de Arouca).</p>
+
+<p>Póde não se tratar nestes dois documentos de vias militares romanas, como
+não se trata; mas nem por isso a designação deixa de ser inexacta no seu
+sentido proprio. Eram antigos caminhos, anteriores aos arabes. Aliás teriamos
+que admittir que os filhos do Islam andaram por terras de Villa do Conde e de
+Arouca a abrir estradas em fórma, por serem invios os territorios.</p>
+
+<p>Demonstra isto que os amanuenses do secs. <small>X</small> e
+<small>XI</small> já não sabiam estremar romanos (e visigodos) de serracenos.
+Era pois, como hoje, o fallar do povo.</p>
+
+<p>É tambem este o sentimento do Sr. Pedro de Azevedo (<em>Arch. Port.</em>,
+<small>III</small>, 137 sgs.). Este facto é bastante expressivo. Não passára um
+seculo ainda depois da expulsão dos arabes naquella região, e a interrupção de
+tradições locaes tinha sido tão intensa que a mera conjectura tomara o logar
+d'aquellas, attribuindo aos muçulmanos as obras de viação de que elles apenas
+tiveram a utilidade (Veja-se <em>Hist. de Portugal</em>, por A. Herculano,
+<small>III</small>, 421). Em França não se dava isto. Ruy de Pina na
+<em>Chronica do sr. rey D. Affonso V</em> (p. 569) diz: «E na cidade de Nimis
+leixou El-rey <em>a estrada romam</em>, que vay a Avinham».</p>
+
+<p><a name="foot684" href="#tex2html27"><sup>[27]</sup></a> Seria longo
+transcrever os trechos respectivos d'esses documentos; e nem sempre é possivel
+acertar a que especie de caminhos se referem as expressões usadas nos
+documentos. É commum o termo <em>strada</em>, <em>strata</em>; algumas vezes
+adjectivada <em>strata ueredaria</em> (Dipl. et Chart., n.º 174) em opposição a
+<em>alia carrale</em> (id.); <em>estrata de uereda</em> (id. n.º 13); <em>in
+estrada qui discurrit via de uereda</em> (id. n.º 24) ou <em>strata maiore</em>
+(id. n.<sup>os</sup> 563, 378 e 549). Tambem se encontra a expressão
+<em>carreira antiqua</em> (id. n.<sup>os</sup> 620 e 639), <em>karraria
+antiqua</em> (id. n.<sup>os</sup> 888), <em>carraria antiqua</em>
+(n.<sup>os</sup> 639 e 287), <em>carera antiqua</em> (id. n.<sup>os</sup> 366).
+<em>Via de strada</em> e <em>strada de uiminaria</em> lêem-se no doc. n.º 817
+(<em>ob. cit.</em>) Ainda hoje se póde dizer <em>caminho de estrada</em>.
+<em>Carreira</em> é termo agora quasi só locativo, mas ainda se ouve no norte
+applicado ás largas entradas de algumas casas antigas, precedidas de uma
+alameda plana; certamente <em>carreira</em> inclue a ideia de carro, como
+<em>carrale</em>. Outra denominação que encontrei foi a de <em>via publica</em>
+(<em>ob. cit.</em>, n.º 676), que parece corresponder a caminho publico.</p>
+
+<p><em>Karraria antiqua</em> era certamente uma estrada carreteira antiga já
+naquella epoca e portanto tradicional, mas d'aqui não se póde concluir que essa
+estrada fosse <em>via militar</em> romana. Assim o doc. n.º 570 do anno 1079
+refere-se á freguesia moderna de Paçô, no concelho do Valdevêz (<em>uilla
+Palatiolo</em>), onde nunca passou via militar e onde a <em>carreira
+antiqua</em> poderia bem attingir a epoca romana.</p>
+
+<p>Alguns d'estes documentos foram indicados pelo erudito conservador do
+Archivo Nacional e meu amigo o Sr. Pedro de Azevedo; outros rebusquei-os
+propositamente com o auxilio do valioso trabalho do Sr. Gama Barros, <em>A
+administração Publica em Portugal</em>, entre os que pertencem á região de
+Entre-Vouga-e-Douro.</p>
+
+<p><a name="foot675" href="#tex2html28"><sup>[28]</sup></a> No mesmo pensar
+encontro-me com o Sr. Alberto Sampaio na <em>Portugalia</em>,
+<small>II</small>, 216 (<em>As povoas maritimas do norte de Portugal</em>).
+Assim se exprime: «As unicas povoações, vizinhas do mar, existentes então (no
+tempo dos romanos), eram Calem e Portucale».</p>
+
+<p><a name="foot676" href="#tex2html29"><sup>[29]</sup></a> É o Sr. Conselheiro
+Luis de Magalhães, em <em>A arte e a natureza em Portugal</em>, vol.
+<small>IV</small>. A descrição da ria immensa de Aveiro, com as salinas
+espelhadas que a cobrem, com os seus cones alvissimos de sal, que marchetam a
+planicie sem fim, é um d'estes primores de prosa gracil e diaphana, que mais
+ninguem poderia escrever com igual coração e com pulso comparavel. Parece que a
+seducção d'esse panorama não me será mais intensa, quando com os olhos o vir,
+do que quando o adivinhei naquellas tão poupadas paginas.</p>
+
+<p><a name="foot677" href="#tex2html30"><sup>[30]</sup></a> A grandíssima
+maioria das povoações d'estas epocas era nos altos; ahi tem sido encontrados os
+seus vestigios. Para a alguma se attribuir situação aberta como a de Aveiro,
+necessario seria documentar a excepção.</p>
+
+<p>Não repugna absolutamente admitti-la no nosso caso, mas é hypothese pura. E
+depois, lá temos o distinctivo <em>briga</em>. O nome da cidade comsigo traz a
+natureza do seu assento. No Algarve, <em>Ossonoba</em> e <em>Balsa</em>, não
+demoravam em outeiros. (Vide <em>Religiões da Lusitana</em> <small>II</small>,
+85).</p>
+
+<p><a name="foot678" href="#tex2html31"><sup>[31]</sup></a>
+<em>Portugalia</em>, <small>II</small>, 220, «As póvoas marítimas do norte de
+Portugal», pelo Sr. Alberto Sampaio.</p>
+
+<p><a name="foot679" href="#tex2html32"><sup>[32]</sup></a> Explicação
+geologica d'estes phenomenos: «C'est après avoir traversé les marécages du
+Vouga, que l'on entre dans les terrains anciens; ce sont d'abord des schistes
+luisants, généralement cachés par des dêpots superficiels: sables des dunes,
+graviers pliocènes et graviers kaoliniques appartenant au Crétacique. Ces
+derniers ne montent pas plus haut qu'Estarreja et le Pliocène est rarement
+visible depuis la voie ferrée. Parfois ce soubassement de roches solides
+n'existe pas, ou du moins ne se trouve qu'à une certaine profondeur au-dessous
+du niveau de la mer; dans ce cas, la côte subit des alternances d'accroissement
+et de décroissement qui peuvent être funestes à l'homme trop empressé de
+s'approprier le terrain que les sables ont gagné sur la mer; tel est le cas à
+Espinho». <em>Promenade au Gerez (Souvenirs d'un géologue)</em>, por Paul
+Choffat, 1895, p. 1.</p>
+
+<p><a name="foot680" href="#tex2html33"><sup>[33]</sup></a> Poderia aqui
+investigar-se das alterações da costa que possam ter modificado o aspecto do
+surgidouro do Vouga. Um apello, publicado no <em>Arch. Port.</em>,
+<small>II</small>, 301, teve em resposta o silencio. Não tratando dos factos de
+periodos geologicos ou indeterminados (<em>Arch. Port.</em>,
+<small>VII</small>, 274 e <small>X</small>, 193) pouco é o que se tem recolhido
+e ás vezes antagonico. Açoreamentos em epocas historicas foram notados na Povoa
+de Varzim, Villa do Conde, Fão, Esposende, Vianna, em Setubal, no Algarve
+(<em>Portugalia</em>, <small>I</small> e <small>II</small>. <em>passim</em>), e
+eu mostro que na faixa de Esmoriz a Mira elles se deram tambem em epoca que não
+posso precisar. Num mappa que illustra o <em>Hisp. &amp; Port.,
+Itinerarium</em> de Martin Zeiler (1656) Aveiro é situada ao norte do Vouga. E
+não é o unico mesmo de datas mais recentes.</p>
+
+<p><a name="foot681" href="#tex2html34"><sup>[34]</sup></a> Ha um documento do
+sec. <small>XI</small> que faz uma referencia aproveitavel debaixo d'este
+aspecto: é o n.º <small>DCCCXV</small> do anno 1095 (doação á sé de Coimbra da
+igreja de S. Christovam, junto a Ilhavo)... <em>Ista igitur auctoritate
+confissus ingressus sum et ego densissimam silliamm</em> (silvam) <em>que ab
+antiquis temporibus habitaculum erat bestiarum...</em></p>
+
+<p><a name="foot682" href="#tex2html35"><sup>[35]</sup></a> Entre as cartas
+antigas que folheei, desejo destacar uma do sec. <small>XVII</small>, assinada
+por N. Sanson. <em>christ. Gall. regis geografo</em> (<em>Hispaniae antiquae
+tabulae</em>, 1641). O mappa de Portugal antigo individúa, na região que andei
+estudando, <em>Conimbrica</em> em Condeixa, <em>Aeminium</em> na margem norte
+do Mondego; <em>Talabriga</em> ao N. do Vouga, um pouco afastada do estuario, a
+20 ou 25 <em>milliaria</em> da foz do Vouga (isto é, na altura onde eu localizo
+esta povoação); e, seguindo no mesmo rumo, <em>Langobriga</em>. É na
+Bibliotheca Nacional, um grosso volume <em>in-folio</em>, recentemente
+encadernado com o dístico&mdash;Mappas&mdash;e sem frontispicio.</p>
+
+<p><a name="foot606" href="#tex2html36"><sup>[36]</sup></a> Esta lenda porém
+reproduz-se em mais localidades, fóra d'esta região.</p>
+
+<p><a name="foot683" href="#tex2html37"><sup>[37]</sup></a> ... <em>pecuniis
+publicis, cum reliquo publico apparatu, ademtis</em>. Isto dá bem a entender
+que havia uma perfeita organização politica, e n'ella se estribava a
+organização de uma defesa militar contra a invasão romana.</p>
+</div>
+</div>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="text-align: center;"><a href="images/mapa.jpg"><img src="images/mapa.jpg" width="80%" border="0" alt="Carta da região de Entre-Mondego-e-Douro"></a></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h2>DO AUTOR</h2>
+
+<h3 style="text-align:center;">ESTUDOS DO ALTO-MINHO (SERIE 1.ª)</h3>
+
+<h4>Publicados</h4>
+
+<p>I&mdash;<strong>Epigraphia christiano-latina</strong> (uma inscripção
+inedita).</p>
+
+<p>II&mdash;<strong>Um passeio archeologico no concelho dos Arcos de
+Valdevez</strong> (visita ás antas da serra do Soajo).</p>
+
+<p>III&mdash;<strong>Machados de duplo anel</strong>.</p>
+
+<p>IV&mdash;<strong>Ainda a inscripção christã de S. Pedro de
+Arcos</strong>.</p>
+
+<p>V&mdash;<strong>Uma primicia de epigraphia funeraria romana</strong>.</p>
+
+<p>VI&mdash;<strong>O portico da matriz de Monção</strong>.</p>
+
+<p>VII&mdash;<strong>Um castro com muralhas</strong>.</p>
+
+<p>VIII&mdash;<strong>Um erro de amanuense nas inquirições de D. Affonso
+III</strong> (C. Sancti Salvatoris Darcus).</p>
+
+<p>IX&mdash;<strong>Um Grovio autentico</strong> (cippo de Villa-Mou).</p>
+
+<p>X&mdash;<strong>Ara celtiberica da epoca romana</strong> (um novo
+«Genio»).</p>
+
+<h3>PAGINAS ARCHEOLOGICAS (SERIE 2.ª)</h3>
+
+<h4>Publicadas</h4>
+
+<p>I&mdash;<strong>Estatueta ithyphallica</strong>.</p>
+
+<p>II&mdash;<strong>Cemiterio da epoca romana em Vianna do
+Alemtejo</strong>.</p>
+
+<p>III&mdash;<strong>Situação conjectural de Talabriga</strong>.</p>
+
+<div>*** END OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK 30071 ***</div>
+</body>
+</html>
diff --git a/LICENSE.txt b/LICENSE.txt
new file mode 100644
index 0000000..6312041
--- /dev/null
+++ b/LICENSE.txt
@@ -0,0 +1,11 @@
+This eBook, including all associated images, markup, improvements,
+metadata, and any other content or labor, has been confirmed to be
+in the PUBLIC DOMAIN IN THE UNITED STATES.
+
+Procedures for determining public domain status are described in
+the "Copyright How-To" at https://www.gutenberg.org.
+
+No investigation has been made concerning possible copyrights in
+jurisdictions other than the United States. Anyone seeking to utilize
+this eBook outside of the United States should confirm copyright
+status under the laws that apply to them.
diff --git a/README.md b/README.md
new file mode 100644
index 0000000..79c93e5
--- /dev/null
+++ b/README.md
@@ -0,0 +1,2 @@
+Project Gutenberg (https://www.gutenberg.org) public repository for
+eBook #30071 (https://www.gutenberg.org/ebooks/30071)
diff --git a/old/30071-8.txt b/old/30071-8.txt
deleted file mode 100644
index c28c2ad..0000000
--- a/old/30071-8.txt
+++ /dev/null
@@ -1,2011 +0,0 @@
-The Project Gutenberg EBook of Paginas Archeologicas, by Felix Alves Pereira
-
-This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
-almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
-re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
-with this eBook or online at www.gutenberg.org
-
-
-Title: Paginas Archeologicas
- III - Situação conjectural de Talabriga
-
-Author: Felix Alves Pereira
-
-Release Date: September 23, 2009 [EBook #30071]
-
-Language: Portuguese
-
-Character set encoding: ISO-8859-15
-
-*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK PAGINAS ARCHEOLOGICAS ***
-
-
-
-
-Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images
-of public domain material from BibRia)
-
-
-
-
-
- FELIX ALVES PEREIRA
-
-
- PAGINAS ARCHEOLOGICAS
-
- III
-
- SITUAÇÃO CONJECTURAL DE TALABRIGA
-
-
-
-
- LISBOA
- IMPRENSA NACIONAL
- 1907
-
-
-
-
- * * * * *
-
- SITUAÇÃO CONJECTURAL DE TALABRIGA
-
-
- Obra composta e impressa na Imprensa Nacional
-
- Edição e propriedade do Museu Ethnologico Português
-
- * * * * *
-
-
-
-
- FELIX ALVES PEREIRA
-
-
- PAGINAS ARCHEOLOGICAS
-
- III
-
- SITUAÇÃO CONJECTURAL DE TALABRIGA
-
-
-
-
- LISBOA
- IMPRENSA NACIONAL
- 1907
-
-
- * * * * *
-
-
-
- Ao
-
- Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Conselheiro
-
-
- _Luis Cypriano Coelho de Magalhães_
-
- _O. e D._
-
- _O autor._
-
- * * * * *
-
-
-
-
-Separata d'«O Archeologo Português», XII, n.os 5 a 8 de 1907
-
-
-
-
-SITUAÇÃO CONJECTURAL DE TALABRIGA
-
-
-Summario
-
-1. Estado da questão.--2. Autores antigos--3. Itinerario--4. Exame do
-mappa--5. Topographia e onomastico da região--6. Os castros do trajecto
-da Via--7. Região mineira--8. Localização de Talabriga--9. Opinião de
-Gaspar Barreiros--10. Geographia arabica--11. _Strata maurisca_--12. Ria
-de Aveiro e o Vouga--13. Historia de Talabriga.
-
-
-I
-
-Algum tanto sem o presentir, ao fazer o estudo da ara de Estorãos,
-(_Arch. Port._, XII, 36) encontrei-me no limiar de um problema que, de
-modo definitivo, não se resolverá senão com a verificação _in loco_ de
-vestigios archeologicos incontrastaveis.
-
-É o problema da trajectoria exacta da via romana entre Aeminium e Calem,
-da qual não se conhecem milliarios decisivos e sufficientes,
-especialmente da sua passagem por Talabriga.
-
-O assunto, parcialmente considerado, tem sido alvo das principaes
-referencias na pugna litteraria em que os paladinos de Agueda, de Aveiro
-e de Coimbra patrioticamente articulavam preeminencias genealogicas, que
-é da praxe mencionarem-se em monographias locaes, mas que hoje, quanto a
-Coimbra (e Condeixa-a-Velha) estão sentenciadas, em prejuizo até
-heraldico de Agueda[1].
-
-Propositadamente, porém, o problema não foi ainda estudado debaixo do
-seu aspecto geral; apenas por incidente tem sido versada a localização
-de Talabriga. Não venho com o proposito de o dar como resolvido, é
-certo; mas desejo englobar neste estudo um certo numero de
-considerações, que podem preparar o desenlace d'este ponto controvertido
-da geographia protohistorica da Lusitania, no campo adequado, e quiçá
-orientar pesquisas.
-
-Onde foi Talabriga? Até hoje nenhum d'estes indices peremptorios que
-marcam inilludivelmente a situação das antigas cidades, como para
-_Conimbriga_ (Condeixa-a-Velha), _Aeminium_ (Coimbra), _Bracara Augusta_
-(Braga), _Olisippo_ (Lisboa), _Pax Julia_ (Beja), etc., se nos antolha
-para dar resposta nitida áquella pergunta.
-
-Guiados pelas indicações geographicas do Itinerario e de Plinio, os
-nossos escritores teem querido alternadamente que Aveiro, Cacia,
-Esgueira occupem hoje o logar que outrora se chamou _Talabriga_. De
-facto, o Itinerario, ao contar as milhas que de _Aeminium_ vão a _Calem_
-(Gaia ou Porto?) pela via militar, devia ter especial valor para este
-problema; mas a comprehensão da necessidade de verificar rigorosamente
-as indicações d'aquelle documento, a consulta de edições criticas,
-tomando-se por base a decisão do problema de Aeminium, e talvez o
-desaffecto de uma ou outra solução é que teem, no meu humilde entender,
-faltado a todos os autores que mais modernamente do assunto se teem
-abeirado[2].
-
-
-II
-
-A geographia classica não é de todo omissa a respeito d'esta antiga
-povoação. O testimunho de Plinio, que é o A. mais expresso, vem a ser o
-seguinte: _A Durio Lusitania incipit. Turduli veteres, Paesuri, flumen
-Vagia[3], Oppidum Talabrica, Oppidum et flumen Aeminium,
-Oppida Coniumbrica, Collippo, Eburobritium._ (C. Plinii Secundi, _Nat.
-Hist._, ed. de Detlefsen, IIII, 113). Isto tem o ar de uma sêca
-enumeração chorographica, que se desdoba do norte para o sul, a contar
-do Douro, e que, restringida ao nosso caso, nos dá esta sequencia:
-
- _a_) rio Vouga;
-
- _b_) cidade de Talabrica;
-
- _c_) cidade e rio de Aeminio (Coimbra);
-
- _d_) e as cidades de Conimbrica (Condeixa),
-
- _e_) Collippo (Leiria) e
-
- _f_) Eburobricio (Obidos, Vejam-se _Relig. da Lusit._, II, 31).
-
-Se não fôr certo, como não me parece, que Vouga é ao norte de Talabriga
-e este oppido ao sul do mesmo rio, pelo menos conclue-se que Talabriga
-vizinha de um lado ou outro aquelle estuario.
-
-Não trago nenhum outro autor antigo, porque elles não adeantam o
-problema chorographico. Na _Cosmografia_ de Ravennate (ed. de
-Pinder & Parthey, p. 307) _Talabrica_ apparece transformada
-em Terebrica e fica na seguinte localização relativa:
-_Olisipona--Terebrica--Langobrica--Cenoopido--Calo_...
-
-
-III
-
-Vamos pois ao _Itinerario_[4] e á discussão das suas
-indicações. Encontra-se nelle, que nos sirva:
-
- Eminio mp. X
- Talabriga mp. XL (= 59:240 metros)
- Langobriga mp. XVIII (= 26:658 » )
- Calem mp. XIII (= 19:253 » )
- 105:151 »
-
-A equivalencia que sigo é a de 1 milha = 1:481 metros (Saglio &
-Daremberg, s. v. _Milliarium_).
-
-A trajectoria d'esta via desde Coimbra (Aeminium) a Gaia (Calem)
-deixaria de ser ponto controverso se, como succede noutras estradas
-romanas, alguns milliarios sobreviventes escalonassem os seus vestigios.
-
-Não ha porém, neste particular, mais que isto:
-
-1.º Um fragmento de milliario com 2,04m de alto X 1,40m de circuito,
-que appareceu na Mealhada ao norte de Coimbra e só tem M.XII.
-
-2.º Outro que foi encontrado mesmo em Coimbra e aponta M.IIII.
-
-Nem aquelle nem muito menos este servem ao meu intento; o traçado
-litigioso no nosso caso é para norte da Mealhada e Anadia, e não entre
-Mealhada e Coimbra. (Vid. Borges de Figueiredo, _Oppida restituta_, p.
-82; Hübner, _Notas archeologicas sobre Portugal_, p. 67, trad. cit.:
-_Catalogo dos objectos existentes no Museu de Archeologia do Instituto
-de Coimbra_, p. 6; A. Filipe Simões, _Escritos diversos_, 1883).
-
-3.º Um pretenso milliario descrito por Fr. Bernardo de Brito na
-_Monarchia Lusitana_, II, V, p. 3. Este vicio de origem obriga-me a pôr
-ainda de parte este monumento como comprobativo da directriz; Hübner
-fulmina-o com a sua desconfiança (_Corpus_, II, 55 a *) dizendo que
-Brito queria demonstrar com elle a existencia de _Vacua_. Não lhe darei
-porém eu maior valor que o proprio monge, que, como por prevenção,
-confessa que as letras da pedra eram «mal distinctas e muy quebradas».
-Assim a sua interpretação deve desinteressar-nos, visto que não ha meio
-de contraprovar a leitura de Fr. Bernardo de Brito, duvidosa para elle
-proprio. Para este, a lapide era porém um padrão de estrada, o que pouco
-vale por entretanto para nós; mas provinha do Castello de S. Gião, ao
-que parece, _castro_ rico em ruinas de muros, etc. Isto, cuja
-importancia só modernamente se aprecia, é que não se inventa e dá visos
-de que com effeito alguma cousa lá pudera ter apparecido. Mas Brito, com
-o dizer que a lapide era padrão de estrada, contrariava sem o advertir a
-propria crença de que a via romana seguia pela beiramar e _Talabriga_
-era em Aveiro. (_Mon. Lusit._, id., p. 130).
-
-Não obstante, ponha-se de parte a exactidão da epigraphe do supposto,
-mas rehabilitavel, milliario do castro de S. Gião, e fique,
-provisoriamente, apenas um facto--o achado de um padrão de via romana
-num castro das margens do Caima.
-
-A opinião de que Aveiro fôra o assento da antiga estação do Itinerario
-tinha ainda por si, alem do mappa de Abr.ão Ortelius (_Theatrum orbis
-terrarum_, Antuerpia, CIC.IC.CIII) o pensar de Florez (_España Sagrada_,
-tomo XIV, p. 73), que lêra Plinio e uma edição antiga do Itinerario
-romano. E póde dizer-se que foi essa a corrente que dominou até hoje, se
-com Aveiro abrangermos o aro circunjacente. (Vejam-se Adolfo Loureiro.
-_Os portos maritimos de Portugal_, II, p. 3; Marques Gomes, _Districto
-de Aveiro_, onde restringe[5] a Cacia o _ubi_ de Talabriga;
-Borges de Figueiredo, _Oppida restituta_, 1885; Pinho Leal, _Portugal
-Antigo e Moderno_, s. v. _Aveiro_; Gaspar Barreiros, _Chorographia de
-alguns lugares_; D. Nunes de Leão, _Descripção do reino de Portugal_;
-Francisco do Nascimento Silveira, _Mappa breve da Lusitania antiga_,
-etc.)[6].
-
-Regressemos porém ao _Itinerario_, e vejamos se será possivel concluir
-algo que um dia a pesquisa e exploração persistente do archeologo possa
-contraprovar. É o meu sonho.
-
-Que a medição total do _Itinerario_ relativa á via _ab Aeminio Calem_
-está notavelmente exacta, demonstra-o esta verificação facil: a somma
-das milhas que se contaram de Eminio a Gaia, reduzida a kilometros,
-(unidade mais pratica e mais exacta que a de leguas, até agora adoptada)
-era de 105:151 metros, como vimos; a distancia computada actualmente na
-Carta do Estado Maior d'esta região pela directriz da _estrada real_ é
-de 105:100 metros[7]. Não podendo ser mais breve a distancia
-d'esta estrada, como se verifica olhando os traçados rectificados ao
-lado do mappa junto, em que a distancia em linha recta e a rectificação
-exacta da extensão effectiva da estrada fazem pequena differença, o que
-mostra que os desniveis ou as inflexões do traçado são assaz reduzidos,
-conclue-se que a via romana, desde que marca igual extensão kilometrica,
-não poderia seguir caminho mais longo que ella, nem portanto muito
-distanciado d'ella.
-
-Esta coincidencia de medições é suggestiva e não permittiria, só por si,
-que a trajectoria da via romana e da actual estrada real divergissem
-muito. Se esta desenhasse uma inflexão pronunciada no seu trajecto de
-Coimbra a Gaia, claro é que era possivel, sem exceder a mesma extensão,
-encontrar outra curva symetrica que tocasse em pontos intermedios
-diversos e afastados, e coincidisse apenas nos respectivos extremos, o
-que nada util me seria; mas nas circunstancias que se dão e já
-salientei, e que me permittiram estudar sobre uma carta este problema, a
-coincidencia effectiva das duas vias de communicação deve em grande
-parte quasi corresponder á coincidencia theorica, agora expendida.
-
-Isto oppõe-se a que a via romana passasse em Aveiro, ponto muito
-afastado e divergente do trajecto theorico[8].
-
-
-IV
-
-Vou porém demonstrar por partes como isto assim deve ser. É preciso
-partir do principio já demonstrado, embora para o total da distancia,
-que as medições do Itinerario não contém erro. Qualquer inexactidão nas
-milhas marcadas para cada uma das secções da via militar alteraria a
-somma, desde que, por um acaso unico, não fosse compensada por outra
-inexactidão.
-
-Ora a via romana de Eminio contém tres troços ou secções; o 1.º de
-Eminio a Talabriga; o 2.º de Talabriga a Langobriga; o 3.º de Langobriga
-a Cale. Se uma sequer das distancias correspondentes do Itinerario
-contivesse erro, a somma total accusá-lo-hia; mas nós já vimos que a
-distancia de 105 kilometros corresponde a uma realidade. Comecemos pelo
-extremo norte da via. Isto conduz mais claramente ao meu fim; e descobre
-mais prontamente o erro em que até agora me parece que tem laborado os
-escritores. Tomemos o mappa[9].
-
-Se traçarmos um arco de circulo, cujo centro seja Gaia e o raio igual á
-distancia de Cale a Langobriga, isto é, a 19 kilometros (veja-se a
-escala), teremos obtido uma curva theorica (LL no mappa) que no terreno
-representa uma faixa de tolerancia, mais ou menos larga, dentro da qual
-e numa zona d'ella que seja compativel com um trajecto ininterrupto da
-via, cuja extensão já definida se não póde exceder, o archeologo deverá
-procurar os vestigios de Lancobriga.
-
-Esta zona, ou este segmento, não poderá pois, em principio, afastar-se
-consideravelmente da directriz da estrada real.
-
-Consultemos de novo o Itinerario. Entre Langobriga e Talabriga medeiam
-26:600 metros. Ignorando ainda qual o ponto preciso que na curva _LL_
-marca o primeiro d'aquelles oppidos, deveremos traçar um arco de circulo
-parallelo ao antecedente e á distancia que a escala indica. Como o
-terreno não é propriamente uma carta celeste[10] em que os
-pontos podem ser rigorosamente indicados, a nova curva deixada pelo
-compasso é representativa de uma segunda faixa de tolerancia,
-susceptivel de maior ou menor elasticidade, mas confinada, quanto á sua
-extensão, pela continuidade do trajecto viario em direcção a Aeminium,
-trajecto cujo comprimento tem limite determinado de milhas.
-
-E assim temos o arco _TT_.
-
-Nesta curva, que não é mais que uma zona media, deverão surgir ao
-appellido do archeologo as ruinas do que outrora foi Talabriga. Esta
-conclusão emerge logicamente das bases que tomei: o acerto evidente do
-Itinerario no total e muito provavel nas secções; a coincidencia das
-extensões da via antiga e da estrada moderna.
-
-Se agora, por contraprova, apontarmos o compasso a Eminio e girarmos com
-um raio de 59 kilometros, verificado segundo a escala, obteremos outra
-curva, a terceira, tangente á segunda e que tem a missão de indicar a
-zona util, o segmento dos arcos, correspondente á area provavel da
-situação de Talabriga. Porque o que não póde haver, é um hiato, uma
-interrupção de trajecto de Cale a Aeminium[11].
-
-Esta primeira phase da minha demonstração, porém, já torna incompativel
-a actual situação de Aveiro com vestigios de Talabriga. E mais do que
-isto; vem levantar um equivoco de Plinio, que parece suppôr aquelle
-oppido ao sul do Vouga; se assim fosse, não seria possivel encontrar o
-ponto de reunião do caminho que descia de Cale a encontrar Lancobriga
-aos 19 kilometros e se prolongava na direcção do sul até mais 20
-kilometros, onde devia beijar a Talabriga do Itinerario sem encontrar a
-de Plinio[12]. O hiato resultante fica, parece-me, fechado e
-annullado, desviando Talabriga de Aveiro e aproximando-a de Albergaria,
-ao norte do Vouga; isto é, a hipothese que proponho é a que se concilia
-em todos os pontos com o Itinerario.
-
-
-V
-
-Mas não se concilia só com esta fonte documental: é a mais plausivel em
-face das condições topographicas e historicas da região de
-Entre-Vouga-e-Douro.
-
-A actual directriz da estrada real é a que mais ou menos devia ter
-seguido a via romana que procurasse unir Eminio a Cale, dado o traçado
-que ella já trazia desde Lisboa.
-
-Em primeiro logar: as condições topographicas d'aquelle grande delta do
-Vouga não eram senão de molde para difficultar a abertura de uma estrada
-na epoca romana, em concorrencia com traçado mais firme e duradouro,
-mais economico, mais util e mais commercial. Aquellas planuras deviam
-existir já então, como um presente do Vouga, segundo se tem dito, creio,
-do Nilo.
-
-Se eram naquelle tempo pantanos, ou bosques intransitaveis[13]
-ou veigas retalhadas, como hoje, por um dedalo de canaes e
-esteiros, não me cabe a mim defini-lo. De qualquer d'estas fórmas, uma
-via romana não iria atravessar uma região em que a falta de pedra é
-quasi absoluta, e a multiplicidade de trabalhos de architectura civil ou
-de obras de arte uma consequencia inevitavel. Era preciso combater por
-um lado a pouca firmeza do terreno, por outro contar com o custo da
-empresa[14], ou os impecilhos da viagem.
-
-Por isso os mesmos motivos que na idade media afastaram a construcção,
-ou melhor, a conservação de uma estrada velha para longe da costa,
-obrigando-a a passar nas pontes que ainda existem, devem ter sido os
-mesmos que desviaram os engenheiros romanos de lançarem a via militar
-através de campinas encharcadas, só para irem buscar a embocadura do
-Vouga, antes de attingir Calem.
-
-Depois preciso é notar que havia outra directriz ao alcance da
-administração do Imperio, directriz que não podia admittir confrontos
-com a traçada através do delta do Vouga. Essa directriz levava a estrada
-romana pela orla fóra do terreno firme e accidentado e da região povoada
-de castros e abundosa de minerios, região que ainda hoje podemos ver
-acompanha-la pelo trajecto da estrada real. As vias de communicação teem
-muitas vezes uma directriz fatal e tradicional através de longos tempos
-e povoadores successivos[15].
-
-Póde soffrer destruição o caminho, sem estancar a arteria de communicação.
-
-A actual estrada real ou de macadam foi ainda, por assim dizer,
-decalcada pela anterior, a medieval, cujos restos subsistem nas pontes
-antigas de que os chorographos fallam. Esta orientou-se pela
-comprehensão das conveniencias, e afastou-se da embocadura do Vouga,
-seguindo a directriz mais economica e mais util; não direi ainda a
-directriz romana porque é o que pretendo demonstrar, mas a que era
-directriz tradicional, como vou explicar.
-
-
-VI
-
-Os castros ou montes habitados encontram-se precisamente no seguimento
-da via romana; os oppidos referidos pelos AA. antigos, as _brigae_, e as
-cidades romanizadas não são mais que uma evolução d'aquellas estancias,
-consoante as denominações que lhes applicaram[16]; era por
-essa corda alem, que o terreno baixo e plano da zona maritima começava
-de elevar-se. A estrada romana desenrolava-se por entre esses centros da
-habitação, abandonando ao lado um país chato, pouco firme e talvez quasi
-invio.
-
-Do sul para o norte _Anadia_ está situada nas abas de um monte de
-_Crasto_ (Pinho Leal e M. Gomes).
-
-_Agueda_ está tambem perto de um _Crasto_ (Pinho Leal).
-
-Nas margens do Vouga, naquelle logar onde subsiste ainda a ponte
-medieval (Pinho Leal), encontra-se na aldeia de _Vouga_ um morro que foi
-castro (Brito e P.e Carvalho, II, 161); explica Francisco do Nascimento
-Silveira (_Mappa breve da Lusitania_, p. 239) que _Vacca_ existia em
-sitio forte por natureza, entre as pontes de Vouga e Marnel, porque alli
-se vêem vestigios de muros antigos e sinaes de uma majestosa grandeza;
-existem ainda tijolos, cantarias, muralhas em _Lamas de Vouga_ (_Arch.
-Port._, V, 50 e VII, 191)[17], e havia ahi a _civitas Marnele_ (_Port.
-Mon. Hist._, «Diplom. de Chart.», n.º 819)[18], cuja origem deve ter
-sido outro castro.
-
-Na carta geodesica vê-se, junto ao rio, um _Castello_ (111). Isto é
-ainda do concelho de Agueda[19].
-
-Na freguesia de Serem, tambem concelho de Agueda, outra _civitas_
-(Viterbo, s. v. _Cidade_); ha lá sitios elevados a norte e a sul (Cfr.
-M. Gomes).
-
-Na freguesia da _Branca_ ha um logar de _Cristellos_ (M. Gomes e _Arch.
-Port._, II, 313).
-
-Na serra de S. Julião, mesma freguesia, _onde passa a estrada real_, diz
-o Sr. M. Gomes que ha ruinas de muralhas e fossos: acreditava-se (_Arch.
-Port._, loc. cit.) que ahi era a antiga _Langobria_ (sic). Não sei se é
-precisamente o mesmo local a que Brito (_Mon. Lusit._, II, V, p. 3)
-chama castello de _S. Gião_, onde havia ruinas de muros e elle encontrou
-o tal padrão suspeito e onde presume _Lancobriga_, não na Feira, diz,
-mas entre Albergaria e Bemposta, defronte de Pinheiro. Significativa
-confusão! Aquelle logar de _Cristello_ vem na carta geodesica entre
-Estarreja e a estrada real[20].
-
-Na freguesia de Ul ha outro castro (_aldeia do crasto_), de que porém
-não conheço o _ubi_. Tem uma cintura de muralha de pedra solta ou cousa
-que o valha. (Pinho Leal, s. v. _Ul_).
-
-Nas proximidades de Azemeis parece que não são escassos estes monumentos
-(_Quatro Dias na Serra da Estrella_, por E. Navarro, Porto 1884, p. 174).
-
-Em _Ossella_ ha um castro com ruinas de muralhas (Brito, _loc. cit._).
-
-Entre _S. Martinho_ e _S. Tiago_ vê-se na carta geodesica um _crasto_, a
-O. da estrada real; isto é no parallelo de Ovar. Será aquelle a que
-Pinho Leal chama Castro Troncal ou Francal (s. v. _C. de Cucujães_)?
-
-No _Arch. Port._, VI, 68, diz-se que ha em Oliveira de Azemeis um logar
-de _Lações_, onde foi a antiga Lancobriga (_sic_), porque ahi se ajustam
-as medidas do Itinerario e não na Feira ou Bemposta. Este sitio é
-elevado e estrategico; a sua cota é de 287 metros e fica na fronte de um
-promontorio fechado por duas ribeiras e no extremo de uma chapada em
-cujo prolongamento se conta ainda a altitude de 274 metros. É, pelo que
-se vê, um _castro_. _Lancobriga_ e que não.
-
-Em _Macieira de Cambra_ ha um castro (_Arch. Port._, VII, 54)[21].
-
-Em _Romariz_ informa o Sr. M. Gomes que ha um _Crasto_, onde appareceram
-antiqualhas da epoca romana; o que é presumivel e prova ter recebido a
-influencia dos seus conquistadores.
-
-Os antigos chorographos portugueses não teem dado valor aos cabeços
-elevados, onde se encontram os vestigios do que póde ter sido um castro,
-uma citania, emfim uma estacão archeologica pre-romana, e isso não
-admira; mas o facto é esse e constitue uma deficiencia na descrição dos
-logares, que actualmente seria imperdoavel, e que, num caso como o que
-estou versando, sonega lamentavelmente elementos aproveitaveis de estudo.
-
-Junto ao mar, e bastante para o norte, em Esmoriz, encontro menção de um
-castro, especializado hoje pelo erudito estudo que d'elle fez
-documentalmente o meu erudito amigo Sr. Pedro de Azevedo (_Arch. Port._,
-III, 137). Era o castro de _Aville_, _Ouvil_, _Ubile_ e _Obil_,
-denominações que se applicavam á lagoa que ainda existe, e que elle
-dominava. Crê o distincto publicista que aquelle castro é o mesmo
-outeiro a que o parocho depoente de 1758 chamou _Monte do Murado_,
-pertencente á freguesia de S. Martinho de Mozellos. Fico porém em
-duvida, pois que estando o castro _prope litore maris_ (Docs. de 1055,
-1076) bem como a lagoa (Docs. de 1057 e 1090), Mozellos parece um pouco
-afastado para o interior. Confessando que, sem a inspecção dos logares,
-a base é instavel, em todo o caso affiguram-se-me aqui dois castros
-distinctos.
-
-Em S.ta Maria de _Fiães_ apparece outro castro ou «povoação de Mouros»
-(_Arch. Port._, IV, 250).
-
-E d'ahi para o norte, são frequentes na faixa atravessada pelo caminho
-romano. Será algum d'estes castros o jazigo de Langobriga?
-
-Este inventario, tendo origem, como tem, exclusivamente bibliographica,
-não póde deixar de ser omisso. A averiguação local e a informação
-competente accrescentá-lo-hiam, se eu d'estes dois factores me tivesse
-soccorrido. Para o meu intento, o pouco que joeirei, era colheita bastante.
-
-
-VII
-
-Alem d'estas averiguadas condições de habitabilidade que se encontravam
-no trajecto da via romana e que, em meu entender, conjugadas com as da
-elevação e relevos de terreno, que para as populações ante-historicas
-constituiam uma necessidade vital, concorreria tambem, não sem ligação
-com ellas, a existencia de jazigos metalliferos.
-
-Nem todas as minas que enumero seriam conhecidas na antiguidade, mas em
-algumas ha vestigios da remota laboração e o que tudo attesta é que a
-região era mineira e portanto centripeta de populações.
-
-Os locaes explorados são Telhadella, Albergaria, Palhal, Milheirós,
-Cucujães, Nogueira, Ossella, Palmás, Carvalhal, Pindello, Silva Escura,
-Ul, Talhadas, Braçal, Coval da Mó, Malhada.
-
-Os minerios são cobre, tão procurado na antiguidade, chumbo, prata, etc.
-
-D'estes jazigos, aquelle em que são mais importantes os vestigios de
-antiga lavra, é o da Malhada, uma das concessões das chamadas Minas do
-Braçal. As madeiras de entivação, que foram encontradas dentro da mina,
-denotam tal antiguidade que parecem fossilizadas, em consequencia da côr
-negra que adquiriram. Os trabalhos antigos attingem a profundidade de 45
-metros (_Catalogo Descriptivo da Secção de Minas_, pelos Srs. Severiano
-Monteiro e J. Augusto Barata, p. 188).
-
-A respeito dos outros, a noticia de antiga exploração é muito vaga para
-que me seja licito insistir. Nas minas de Palhal tambem ha vestigios
-antigos. (Cfr. Marques Gomes, _Districto de Aveiro_).
-
-
-VIII
-
-Que se póde concluir das considerações que até aqui tenho encadeado?
-
-Por um lado, o estudo do Itinerario levou-me a aventurar na carta
-geographica, largamente circunscritas, as zonas em que o calculo faz
-presumir que se devem encontrar as ruinas de Talabriga; por outro lado,
-a inquirição topographica e onomastica da região, tanto quanto era
-possivel com a escassez de elementos, indicou-me alguns logares de
-archaicas estações archeologicas do genero da que deve ter sido
-Talabriga, como castro ou oppido submettido ao poder de Roma.
-
-Quero lembrar que _briga_ só póde corresponder a uma posição elevada, a
-um outeiro ou cabeço fortificado; por onde Talabriga nunca pudera ser
-Aveiro ou arredores (Vid. _Arch. Port._, XII, 42).
-
-Relançando novamente o olhar ao mappa, poder-se-há notar que a zona
-attribuivel á situação de Talabriga[22] não está erma de
-castros, antes nella se dão varias circunstancias que não posso deixar
-de aproveitar para a minha these conjectural.
-
-_Branca_ é uma freguesia cuja séde fica na margem direita de Caima e que
-é cortada pela estrada real; ha nella um logar de _Cristellos_, que só
-pelo toponimo demonstra a existencia de um castro ou oppido. Mas alem
-d'este, infere-se do Sr. Marques Gomes, de Fr. Bernardo de Brito (_loc.
-cit._) e d-_O Arch. Port._ (II, 313, «Mem. Parochiaes») que ha um local
-sito na serra de S. Julião, atravessado pela estrada real e que Brito
-mais claramente chama _castello_ de S. Gião (_castello_ por _castro_),
-no qual, segundo aquelles tres testimunhos, ha ruinas de muralhas e
-fossos, que o Sr. M. Gomes presume serem ruinas de uma _atalaia_ e que o
-parocho das _Memorias_ tambem capitula de vestigios romanos,
-acrescentando muito singularmente (note-se bem o que isto póde
-significar) que ahi esteve... _Langobria_ (_sic_). Foi aqui que Brito
-diz ter encontrado a tal pedra de _letras mal distinctas_ de que não
-affiança a leitura, mas que lhe pareceu _padrão de estrada_.
-
-E aqui tem cabimento o que já atrás deixo dito, para absolver de fraude
-consciente a noticia archivada em Fr. Bernardo de Brito.
-
-Parece-me pois ser neste aro, se não neste mesmo ponto, que se deverá
-procurar o jazigo, não de Langobriga, mas da nossa Talabriga, e é
-precisamente a estas immediações que o compasso me levou ao medir sobre
-a carta a primeira secção da via romana de Coimbra a Gaia[23].
-
-Não desconheço quanto de problematico isto tem antes de serem
-perguntados pelo archeologo os logares, as ruinas, os vestigios e os
-montes e as vozes da região, mas nem por isso o meu espirito deixa de
-ficar demonstrado, até o possivel, que as cinzas de Talabriga nunca
-podem estar guardadas em Aveiro. As coincidencias que acabo de notar,
-não são bases frivolas.
-
-Só pois a inspecção directa do terreno, nas immediações da Branca,
-poderá concorrer para confirmar ou destruir a minha conjectura.
-
-D'esta região para o norte, a via romana seguiria até Cale, mais ou
-menos proxima do actual leito da estrada real; só alguns vestigios ou
-referencias de documentos, como os de Grijó, e a inquirição dos logares
-e tradições poderão concorrer para precisar a trajectoria d'aquella
-antiga via de communicação; o caso em si, porém, é indifferente para a
-questão primacial que motivou este estudo. O que é certo, é que a
-estrada romana sulcava a faixa comprehendida entre a estrada real e a
-linha ferrea até o vertice de Gaia.
-
-Ao sul de Branca e Albergaria, a directriz da via militar sente-se
-escalonada nos vestigios medievaes que deixei explanados nas paginas
-anteriores. _Albergaria_ denota bem que o sitio era de assiduo e antigo
-transito (Viterbo, _Elucidario de palavras_, etc. s. v. _Albergaria_)
-ponto necessario de passagem para quem do sul buscava o norte do país.
-As _mansiones_ tinham o caracter de pousadas.
-
-Em tempos de lazer para obras de piedade, é que a instituição caritativa
-se fundou, como implemento de uma necessidade que já existia.
-
-As pontes de Vouga e Marnel são indicios bem importantes da frequencia
-das viagens através d'esta parte da região, afastada da costa baixa e
-paludosa. São decerto obras da idade media, dos _mouros_, diz Pinho Leal
-(s. v. _Marnel_ e _Vouga_). Mas os indicios pre-romanos e romanos
-soletram-se nessas ruinas de muralhas, pedras lavradas, vestigios de
-edifícios e toponymia, que os cabeços de Vouga e Marnel nos conservam,
-segundo descrevem Brito, Pinho Leal e os parochos do sec. XVIII nos
-extractos publicados pelo _Archeologo Português_.
-
-
-IX
-
-O sentimento de Gaspar Barreiros (_Chorographia de alguns logares_,
-MDLXI, p. 48 sgs.) era que a situação de Talabriga devia ser a actual
-Cacia, especialmente na igreja de S. Julião, onde apparecem vestigios
-antigos. Varios autores o seguem.
-
-As razões d'este illustre escritor do sec. XVI merecem alguma discussão.
-
-Barreiros funda-se no Itinerario e conta, no sentido d'este roteiro, as
-milhas de Conimbriga para o norte. E por confirmação d'este argumento,
-traz o passo de Plinio que eu já transportei a este estudo, mas com uma
-differença que elle tomou de um archetypo Toletano (p. 51), declarando
-porém que alguns exemplares de Plinio não são accordes com aquelle. A
-lição citada é pois esta: _A Durio Lusitania incipit, Turduli veteres,
-Pesuri, flummen Vacca, oppidum Vacca, oppidum Talabrica, oppidum et
-flumen Minium_, etc. Esta variante demonstra a existencia de uma cidade
-_Vouga_, que G. Barreiros colloca na Ponte de Vouga (p. 50 _v_). Algumas
-cartas antigas reflectem esta indicação. Isto posto, G. Barreiros leva a
-contagem de Conimbriga para Talabriga por espaço de 50 milhas, o que é
-exacto, espaço que elle computa equivalente a 12,5 leguas e enumera:
-
- De Condeixa a Coimbra 2,5 leguas
- De Coimbra á Mealhada 3,5 »
- Da Mealhada a Avellãs 2 »
- De Avellãs a Agueda 2 »
- De Agueda á Ponte de Vouga 1,5[24] »
- De Ponte de Vouga a Cacia 1 »
- 12,5
-
-«Na qual villa & igreja de sanct. Juliã nas ribeiras do Vouga situadas,
-se acham vestigios antigos, s. os fundam[~e]tos de h[~u]a torre que na
-memoria dos hom[~e]s inda staua quasi inteira, onde era outro tipo
-segundo ficou fama de h[~u]s em outros chegauam nauios da foz do mar,
-porque inda ali se acharam pedaços d'elles & anchoras iuncto da dicta
-torre em h[~u]a lagoa Afora muitos vestigios & ruinas d'argamassa que
-dentro em seu ambito cõprehende h[~u]a milha pouco mais ou menos» (p. 50).
-
-A não ser que tenhamos de recorrer a uma mudança da primitiva situação,
-nós temos de procurar em Talabriga a cidade preromana, que no sec. II a.
-C. Decimo Junio Bruto reduzia á miseria e á impotencia, segundo narra
-Appiano. E esse oppidum teria que possuir condições estrategicas
-identicas ás dos outros castros preromanos, taes como elles nos acenam
-que foram escolhidos pelas populações proto-historicas; teria que
-justificar o proprio designativo de caracter celtico _briga_--altura
-fortificada.
-
-Creio poder affirmar que nada d'isto se encontra em Cacia. Alem d'isto o
-proprio G. Barreiros, no dizer que, entre os vestigios antigos,
-sobresaía uma torre, que ainda andava lembrada, e se topavam «ruinas de
-argamassa», quasi estabelece uma chronologia, porque taes vestigios não
-podem ser anteriores aos romanos; poderão attribuir-se menos á sua epoca
-que ás posteriores. Para a contemporaneidade, teriamos que admittir e
-demonstrar uma deslocação do primitivo assento de oppidum, como vimos;
-se esses vestigios se affectam ás epocas successoras dos romanos, o
-facto sae para fóra do problema e d'elle me não posso occupar.
-
-O principal estorvo, porém, que a opinião de Barreiros encontra, é
-aquelle que eu quis descobrir e evitar, quando ajustei a medição do
-itinerario a contar de Cale para o Sul e não de Aeminium para o Norte.
-Evitei assim o erro de cair em Aveiro, em Esgueira e agora em Cacia,
-onde muito bem podia ir passar com o roteiro romano nas mãos.
-
-Isto illumina-se á luz da carta. Barreiros vem seguindo, com os ouvidos
-na tradição do seu tempo, o leito do caminho romano (dito mourisco) pela
-Mealhada, Agueda, até á ponte de Vouga, e até aqui bem elle vem; chegado
-porém a esta altura, desnorteia-se e inflecte para Oeste para fazer a
-primeira estação de Itinerario em Cacia, imaginando-se em Talabriga.
-Kilometricamente, creio não haver que lhe objectar. A distancia da ponte
-de Vouga a Cacia é proximamente igual á que entre o mesmo ponto se nota
-e a linha-zona _TT_, que eu determinei. Portanto não falseava o illustre
-chorographo quinhentista a tabella do Itinerario, isto é, as 50 milhas
-desde Condeixa (Conimbriga).
-
-Mas a precaução de começar a contagem de Cale para Talabriga, obsta ou
-impede aquella inflexão e obriga a trazer o caminho numa directriz mais
-desempenada para a ponte de Vouga. Volvendo os olhos á curva _TT_ do
-mappa, ver-se-ha que Cacia lhe fica a distancia grande porque, com este
-desvio da trajectoria normal, a medição romana perdeu espaço, atrasando-se.
-
-Se não fosse este meio de verificar o erro, era possivel a desorientação.
-
-Creio, pois, ter demonstrado pela ethnographia e pela geometria
-topographica que Talabriga não póde ser collocada em Cacia, quer se olhe
-á Talabriga preromana ou protohistorica, quer á romana ou historica; á
-Talabriga de Appiano e D. J. Bruto ou á da epoca imperial e do Itinerario.
-
-
-X
-
-Como, segundo se infere de Appiano (vid. adeante), o oppidum de
-Talabriga continuou a ser habitado depois da sua rendição no sec. IV a.
-C. e emfim ainda existia no sec. IV d. C., poderia succeder que elle
-conseguisse resistir á vinda dos barbaros, e chegar ao dominio dos
-arabes. Convinha pois consultar a geographia arabica, e o nome de
-Edrisi, geographo do sec. XII, impunha-se-me logo.
-
-O que das suas differentes traducções se conclue, não é nada claro para
-mim que ignoro o arabe, mas poderá auxiliar o estudo da questão por
-parte dos arabistas.
-
-Ha uma edição de 1619 (Paris) com o titulo de _Geographia Nubiensis_,
-que quero pôr em confronto com a traducção de Amédée Jaubert
-(_Géographie d'Edrisi_, Paris 1840).
-
-Edrisi descreve dois caminhos de Coimbra a Santiago de Compostella: um
-por terra, outro por mar.
-
-
-Caminho por terra
-
- _Ed de 1619_ (trad. lat)
-
- «Iter autem terrestre a _Colimria_ ad _S. Jacobum_ est hujusmodi: a
- _Colimbria_ ad oppidum _Aba_ stationis habetur intervallum. Ab _Aba_
- ad oppidum _Vatira_ statio. Ab hoc ad primos terminos regionum
- Portugalliae, statio, pergit que iter secans terram Portugalliae
- spatio diei, ibique conspicitur oppidum _Bonacar_ ad ripam fluminis
- _Durii_, quod est flumen Samorae, atque illic trajiciendum cymbis ad
- hoc paratis. Ab oppido ad amnem Minio, indeque ad castellum Abraca
- LX M. P. duae videlicet stationes. A castello _Abraca_ ad castellum
- _Tui_ stationes duae».
-
- ---
-
- O editor de 1619 diz que não ha medida certa para as _stationes_,
- expressão que se referia a pousada dos viandantes. As _stationes_
- justas eram de 25 milhas, mas algumas tinham mais, outras menos.
- Parece que seria o espaço que se poderia percorrer em um dia.
-
-
- _Ed. de 1840_ (trad. fr.)
-
- «O itinerario por terra de Colomria (Coimbra) a S. Tiago é como
- segue: de _Coimbra_ a _Abah_ (Ribadavia) (!) aldeia, uma jornada. De
- _Abah_ a _Uetaria_ (Huctaria) (?) aldeia, uma jornada. D'ahi á
- fronteira de Portugal, uma jornada. O caminho vae através das terras
- de Portugal durante uma jornada, ao fim da qual se chega a
- _Buna-Car_, aldeiasinha nas margens do _Douro_, que é o rio de
- Zamora. Passa-se o rio em barcos proprios para isto. D'este logar ao
- rio _Minho_ ou antes ao forte _Abraça_ (insua de Caminha) (?) 60
- milhas ou duas jornadas. Depois _Tuia_ (Tuy) cidade pouco notavel,
- mas bella e numa região fertil, duas jornadas» (II, p. 232)
-
- ---
-
- No texto francês, ao vocabulo _statio_ corresponde _journée_, que eu
- traduzi por _jornada_ (de um dia).
-
-
-Temos aqui duas traducções do texto arabe, uma em frente da outra, e a
-verdade é que sufficientemente se correspondem. O principal para o meu
-fim seria a localização das estações de Edrisi; neste ponto o traductor
-francês apenas conserva intemeratamente as tradições dos estrangeiros
-quando, fallando ou escrevendo, debicam na nossa geographia.
-
-Nem ao diabo lembra que a Coimbra se siga... _Ribadavia_!
-
-A primeira estação ao deixar Coimbra é _Aba_ (ed. 1619) ou _Abah_ (ed.
-1840). Poderá corresponder a _Agueda_? Jaubert desejaria falar em
-_Riba-d'Agueda_! É provavel.
-
-A segunda estação foi interpretada por _Vatira_ (ed. 1610) e _Uetaria_
-(ed. 1840). Não sei identificar esta localidade, assim desfigurada.
-
-Em seguida a isto, se na versão latina parece haver uma incongruencia,
-ella desapparece na traducção francesa. Através das terras de Portugal,
-chega-se com um dia de viagem ás margens do Douro. Isto parece ser bem o
-tradicional caminho que entesta na foz do Douro.
-
-Não diz o geographo arabe em que ponto da margem do Douro ficava _Bona_
-ou _Buna-car_, expressão que não sei reconhecer, mas parece-me que deve
-ser a embocadura d'este rio, e é a seguinte a razão. Diz Edrisi que de
-_Bona-car_ ao rio Minho são 60 milhas; ora, numa pagina anterior (p.
-227) elle conta da foz do Douro á do Minho as mesmas 60 milhas. Portanto
-creio que _Buna-car_ era aproximadamente em Gaia, onde depois o rio se
-atravessava em barcos[25].
-
-Descrevendo o mesmo _caminho por mar_, isto é, a viagem de Coimbra a
-Santiago, o primeiro ponto onde diz que se abica, é a foz de
-_nahr-Budhu_ (rio _Vadeo_, traduz A. Jaubert!) que corresponde ao Vouga,
-rio, acrescenta, consideravel, onde entram embarcações grandes e
-pequenas (II, 227). Esta aclaração parece indicar que naquelle tempo a
-foz do Vouga e o lago interno serviam a uma navegação bastante activa.
-Quanto ao relacionamento da antiga Talabriga com alguma das estações do
-caminho medieval descrito por Edrisi, nenhuma conclusão posso tirar com
-segurança.
-
-Com muita probalidade porém se infere d'isto que o caminho frequentado
-então devia ser o que hoje corresponde á estrada real com a passagem nas
-pontes medievaes de Vouga, mas emquanto não se fixarem estes dois ponto;
-duvidosos, localização muito verosimil de _Aba_ ou _Abah_ em Agueda e
-incerta de _Vatira_ ou _Ueturia_, o testemunho do geographo arabe apenas
-serve seguramente para localizar as testas d'este caminho, estabelecer
-com grande plausibilidade a tradição do caminho historico pela orla das
-montanhas e revelar-nos o movimento commercial da foz do Vouga.
-
-
-XI
-
-Tratando-se pesquisa dos vestigios da via romana _ab Aeminio ad Calem_,
-o testemunho de Viterbo (_Elucidario_, s. v. _Estrada mourisca_) devia
-ser ponderado. Diz este illustre antiquario que, nos documentos de
-Grijó, se fazia larga menção de propriedades que ficavam umas da parte
-de cima, outras da parte de baixo da estrada mourisca. No anno de 1148,
-Trutesindo doa ao celebre mosteiro o que possuia em Brantães e em S.
-Felix _subter illam Stratam Mauriscam, discurrente riuulo Cerzedo_.
-
-Acrescenta o sabio antiquario que a estrada era mourisca por ter sido
-aberta pelos Mouros, que abandonaram a romana que vinha ali a passar
-entre Lancobriga e o mar, pois que com o rodar dos annos a costa se
-entupira e alteara por causa das areias e os rios estagnados não só
-esterilizaram os campos, mas fecharam a passagem dos caminhos. E mais
-depõe Viterbo que a estrada mourisca ia do Porto a Agueda por Azemeis,
-Albergaria, Vouga, etc.
-
-Antes de mais: notemos esta opinião corrente, esta tradição, tão
-concordante com o que eu já procurei accentuar, de que a tal estrada
-_mourisca_ descia do Porto a Agueda precisamente por Azemeis, por
-Albergaria e por Vouga.
-
-Que Viterbo lhe chamasse _mourisca_ não é de espantar; era a voz popular
-que ainda hoje nos falla de Mouros sempre que tem de referir-se a povos
-muito antigos, preromanos, romanos, barbaros, etc[26].
-
-Mas o documento de 1148 já tratava de mourisca uma obra que não podia
-ser dos Sarracenos, a esse tempo ainda no sul de Portugal. Creio não se
-poder sustentar que a estrada que passava em Cerzedo era construida por
-arabes; aproveitada sim, porque sendo o caminho que elles ainda
-encontravam á sua disposição, devia ser aquelle que inundavam do terror
-das suas algaras.
-
-Em que elementos se estribava Viterbo para dizer ainda que a mesma
-estrada mourisca tocava em Oliveira de Azemeis, Albergaria, Vouga e
-Agueda? Confesso que não os conheço, a não ser que a memoria e o uso
-d'este caminho tradicional se perpetuassem através de tantos seculos e
-tão profundas transformações sociaes.
-
-Informa Pinho Leal que na freguesia da Trofa (concelho de Agueda) ha
-ainda o logar de _Mourisca_, á margem da estrada, e que o nome lhe veio
-d'esta. Traduzindo _mourisco_ em _romano_, póde ser acertada a
-supposição. Isto transcreveu-o elle de Viterbo, s. v. _Estrada_.
-
-Mais expressivo é o tópico de um sitio, perto de Lamas e junto da
-estrada real; chama-se elle _Fundo da rua_. Tal rua não é outra senão a
-via romana. Esta explicação affere pela que dá o _Corpus_ (II. p. 363)
-com referencia a uma freguesia de Santo Estevam da Rua, onde passava uma
-estrada romana (_oppido quod a via romana nomen duxit_). A 3:500 para O.
-da Feira ha um sitio chamado _Rua Nova_. Aqui é que só a inspecção dos
-logares poderia indicar-me o significado d'este tópico.
-
-Num escritor estrangeiro do sec. XVIII, lê-se uma descrição litteraria
-do caminho através do campo de Aveiro, que só se entende se o
-suppusermos encostado ás montanhas de leste, permittindo que se
-descortine para a banda do mar toda aquella immensidade de terras
-feracissimas que aquelle autor olhava como planicie encantadora
-(_Annales de l'Espagne et du Portugal_, Alvares de Colmenar, Amsterdam
-1741, p. 253).
-
-Isto demonstra que a estrada real de hoje é um caminho velho e
-tradicionalmente batido para ligar Coimbra ao Porto.
-
-Nos _Port. Mon. Hist._ não se encontram referencias mais claras do que
-esta de Viterbo e as que adduzi em nota, á antiga via romana. Compulsei
-bastantes documentos d'aquella publicação e nella encontrei variadas
-referencias a caminhos, mas em termos d'onde não se podia concluir cousa
-alguma que indicasse o conhecimento da existencia de uma estrada da
-epoca romana, considerada como tal[27].
-
-
-XII
-
-Um esclarecimento dá Viterbo que é exacto e tem importancia para a
-historia d'esta região tributaria dos esteiros vacuenses.
-
-Retiro-me ao «entupimento» da costa que com o rodar dos annos se foi
-alteando e ao «estagnamento» dos rios que esterilizava os campos e
-fechava os caminhos. Esta acção do mar na costa de Aveiro tem sido um
-problema technico e administrativo extremamente complicado para os
-governos portugueses, não só pelas condições commerciaes de Aveiro, mas
-pelo estado sanitario de toda esta região. O coração d'este problema é a
-barra do Vouga.
-
-É difficultoso dizer o estado d'esta embocadura nos tempos que
-interessam ao presente estudo. Tenho lido que, na epoca romana, entravam
-a foz do Vacua embarcações de grande arqueamento (_Os portos maritimos
-de Portugal_, pelo Sr. Adolfo Loureiro, II, 3). Não sei que fundamentos
-póde ter esta asserção, que em todo o caso é relativa á tonelagem dos
-antigos navios.
-
-Os geographos antigos que se referem a este rio lusitanico, não dizem
-cousa d'onde se possa inferir a sua capacidade para grandes embarcações,
-como aliás se tem escrito.
-
-O mais explicito é Estrabão (_Geographia_, liv. III, III), que vertido a
-latim, diz: _Deinceps post Tagum nobilissima flumina sunt Muliadas,
-parvas habens navigationes. Itidem Vacua fluvius, post quos Durius longo
-fluens cursu_, etc. O geographo grego iguala o Mondego (_Muliadas_) rio
-de navegação diminuta, ao Vouga, da mesma fórma (_itidem_) estuario de
-diminuta navegação. E tanto mais é esta a natural hermeneutica, que o
-contraste é frisante com a importancia do Douro, _longo fluens cursu_.
-Estrabão escreveu no sec. I a. e d. de C.; como póde affirmar-se que no
-tempo dos romanos entravam o Vouga embarcações de longo curso e a sua
-foz era um porto de grande commercio e muita prosperidade?
-
-Ora isto vem ao intento de eu pretender que no surgidouro do Vouga não
-havia nos primeiros seculos, pelo menos da epoca romana, povoação de
-vulto que determinasse uma passagem forçada na via militar e um desvio
-da natural directriz _ab Aeminio Calem_. E para um porto de tamanho
-trafego, era pouco um simples _vicus_.
-
-Temos pois a affirmação estraboniana[28]. E antes?
-
-Menos ainda. Diz-se que em algumas minas da região metallifera de
-Entre-Vouga-e-Caima tem apparecido vestigios de antigas laborações.
-Apesar da falta de precisão chronologica nesta noticia, póde presumir-se
-o facto até para a epoca preromana. E neste caso, a via fluvial seria a
-mais pronta saida do mineiro para o commercio externo.
-
-Mas um óbice encontro agora. Seria consequente que este trafico
-determinasse a formação de um povoado á beira-mar ou na enseada
-interior. A essa gente faltaria, porém, uma cousa, que se lhes tornára
-tão indispensavel, como o pão para a boca: era a segurança pessoal, era
-o ninho de aguia. Com as planuras não se queriam elles. A não ser que
-deroguemos os conhecimentos adquiridos no que até agora se tem encontrado.
-
-Alem disto, que motivos ha para tirar effeíto tambem retroactivo á
-noticia de Estrabão?
-
-Um primorosissimo escritor[29], filho de Aveiro, evita, com
-exemplar abnegação patriotica, o problema archeologico da origem
-preromana da sua terra natal, mas propende á presumpção de que algum
-povoado assentaria antigamente na foz do Vouga os seus lares. E enfeixa
-o illustre homem de letras duas razoes: 1.ª, a geographica; 2.ª, a da
-exploração do sal. Aquella parece-me menos conciliavel com a
-ethnographia dos povos a que se deseja alludir, como notei. E esta? Para
-o commercio, quer interno quer externo, temos ainda o mesmo senão. Os
-marnôtos d'aquelle tempo onde se acoitariam[30]?
-
-Que, posteriormente a Estrabão, as _parvae navigationes_ crescessem em
-numero e tonelagem não é impossivel, porque a vida social começava já a
-fervilhar nas planicies.
-
-E a industria do sal, cuja utilização aliás já data dos tempos
-neolithicos, poderia commercializar-se (perdão para o neologismo) d'essa
-epoca em deante, se tomarmos por base da hypothese o caracter latino da
-technologia[31] e o que sabemos por aquelle geographo da
-importancia das salgas (_Geographie de Strabon_, por Am. Tardieu, 1886;
-III-IV-2). Mas então já a via militar _ab Aeminio ad Calem_ lá estaria
-antes de ser necessaria, se necessaria se pudesse considerar por motivo
-do commercio externo, num porto afastado da linha natural de
-communicação e posto em duvida pelo silencio dos textos, como vimos.
-
-Do que o Vouga seria na idade media possuimos o testemunho do geographo
-arabico Edrisi (_Géographie d'Edrisi_, trad. de P. Amédée Jaubort. Paris
-1840 II, 227).
-
-O nosso rio foi transposto para aquella lingoa por uma palavra que A.
-Jaubert representa na graphia francêsa por _Boudhou_ (ou==u); e assim
-conforme o texto arabico vemos que o _nahr-Budhu_ é um rio consideravel
-onde navegam embarcações grandes e pequenas, e a navegação se estende a
-70 milhas da sua foz. Agora já começamos a entrever uma população
-occupada no trafego maritimo.
-
-A diplomatica tambem proporciona alguns elementos de estudo
-relacionaveis com este, mas propriamente esta epoca já não interessa á
-questão posta.
-
-Há porém, uma cousa que não posso omittir.
-
-É o documento n.º LXXVI dos _Port. Mon. Hist._, «Dipl. et Chartae», onde
-se lê a fórma medievica de Aveiro, a qual é _alauario_, o que só por si
-desmorona as hypotheses etymologicas a que varios chorographos se tem
-apegado, mas revela pela primeira vez a existencia de uma povoação onde
-hoje é Aveiro (assim tambem _Talabario_ e _Táveiro_. Doc. CXXVIII).
-
-O trabalho do mar e das aguas na desintegração de um subsolo brando e a
-força do vento nos areaes movediços devem ter sido causa perenne e
-inflexivel dos açoreamentos e obstrucção da navigabilidade[32]. O factor
-é antigo, tão antigo quanto o póde ser, por maneira que aquella região
-nunca teve, fóra das epocas geologicas, outra face topographica muito
-diversa da dos nossos dias[33]. É presumivel que elevadas florestas
-forrassem com sombras impenetraveis toda essa immensa orla limitada pelo
-mar a Oeste e pelas montanhas a E., na região e na epoca de que me
-occupo[34] como em outros pontos suppôe o Sr. Alberto Sampaio
-(_Portugalia_, II, 215, art. cit.); mas isso não importa acreditar a
-possibilidade da via romana por terrenos de tal especie.
-
-Informou-me o distincto engenheiro Sr. Mello de Matos, que, ao
-proceder-se aos trabalhos de construcção de uma ponte nas proximidades
-de _Vagos_, se encontrou encastoado nas areias o cavername de um navio,
-que infelizmente não foi estudado. Na _Esgueira_, achara-se outro.
-
-Narra Pinho Leal que ha annos em Vagos se descobriu uma ponte sobre um
-ribeiro que a areia das dunas entupiu completamente. Escusado é
-acrescentar que a ponte foi logo capitulada de _romana_, nada menos.
-
-Estes factos não tem sido apenas recentemente verificados. Já vimos num
-trecho, que desatei do nosso Gaspar Barreiros (p. 50) que pelas alturas
-de Cacia se tem encontrado, submersos na terra, cascos de navios e
-ancoras, o que radicou a crença de que as embarcações chegavam ate ahi
-em tempos antigos. Esta apreciação já é do sec. XVI.
-
-D'este millenario ha um mappa, publicado por Abrahão Ortelius, onde se
-reconhece nitidamente a bacia de Aveiro. (Vide _Theatrum orbis
-terrarum_, já citado a pag. 132).
-
-Estes factos esclarecem o assunto e reatam a tradição de que os fundos
-da ria se vão alteando com a obstrucçâo nos esgotos das correntes
-fluviaes. Fr. Bernardo de Brito (_Monarchia Lusitana_, II. V. p. 130)
-diz que, do tempo d'elle, Aveiro, muito concorrida de gente de mar e
-pescarias, era cidade florescente[35].
-
-O Sr. Cons.º Luis de Magalhães tambem entende que, tendo ahi embarcado
-para uma jornada de Africa os terços da Beira, é porque o porto
-consentia a arqueação das caravelas.
-
-D'esta epoca ha mais elementos concordantes no movimento commercial de
-Aveiro e portanto no estado da sua barra. (Vid. _Os portos maritimos de
-Portugal_, pelo Sr. A. Loureiro, II, 3).
-
-O que Barreiros conta relativamente a Cacia, encontra-se repercutido num
-local situado muito mais acima sobre o Vouga. No sec. XVIII corria que
-em eras passadas ainda os navios subiam aquelle estuario até a antiga
-cidade de _Vacua_[36], onde depois foi a villa de Vouga e
-agora mero cabeço de Vouga (_Arch. Port._, VII, 191), que aliás tende a
-desapparecer, como desappareceu a de Marnel pelo impaludismo (Pinho
-Leal, _Port, Ant. e Mod._, s. v. _Vouga_).
-
-Esta noticia, porém, deve interpretar-se com uma informação mais
-minuciosa que encontro em uma obra de 1741 (_Annales de l'Espagne et du
-Portugal_, por Alvares de Colmenar, Amsterdam). Diz este A. que Aveiro é
-uma cidade bastante consideravel, situada na testa de um pequeno golfo
-que a maré estabelece na embocadura do Vouga. Este rio fórma um porto de
-limitadas dimensões, onde os navios mediocres, que não demandam senão 8
-ou 9 pés de agua, podem entrar na preamar, com a direcção de pilotos do
-sitio. Este A. já falla na grande producção de sal e nas fortificações
-constantes apenas de uma muralha flanqueada de algumas torres.
-
-Na lagoa de Esmoriz, de que falla um doc. do sec. IX, (_Port. Mon.
-Hist._, «Dipl. et Chart.», n.º XII), havia uma barra por onde entravam
-as caravelas em antigos tempos e depois se entupiu (_Arch. Port._, IV,
-144).
-
-O caso do cavername encontrado perto de Vagos liga-se com a noticia do
-sec. XVIII, transmittida pelas _Memorias Parochiaes_, segundo as quaes o
-braço da ria que existe entre Aveiro e Ilhavo dava antigamente fundo
-para caravelas e agora é vadeavel (_Arch. Port._, IV, 329).
-
-Em Mira, numa lagoa de agua doce, conta um informador que nella se
-encontram vestigios de casas, moedas e alicerces de uma parede ou
-caminho que a atravessou pelo meio. Alem disto, pelo norte e poente,
-tem-se açoreado (_Arch. Port._, V, 297).
-
-Quanto se póde deduzir d'estas noticias, o extenso delta vacuense tem
-sido invadido com trabalho successivo pelas areias que causam a
-obstrucção dos esteiros e a diminuição da navegabilidade. De nenhuma
-noticia, porém, se póde concluir que na epoca romana o aspecto
-topographico e a constituição orographica da região fosse tão diverso do
-que é actualmente, que a via romana lá pudesse passar preferentemente ao
-trajecto mais interno, na base da montanha, através dos castros e das
-minas.
-
-
-XIII
-
-De Talabriga temos uma das paginas da sua historia escrita por um autor
-do meio do sec. II d. C., Appiano de Alexandria.
-
-É certamente este um caso particular, mas não deverá deixar de ser
-considerado como uma amostra de dramas analogos que succederam com os
-oppidos lusitanos, no embate das cohortes romanas.
-
-Talabriga, escreve Appiano, era uma das cidades (da Lusitania) que mais
-frequentemente se revoltava. Esta falta de resignação, este, direi eu,
-germen de patriotismo ou melhor de municipalismo, não podia
-tranquillizar Decimo Junio Bruto, que julgou que o caso era de reclamar
-a sua presença no local da cidade. Partiu com numerosa gente, e ao seu
-apparecimento responderam os irrequietos Talabrigenses com supplicas e o
-seu incondicional abandono á discrição do conquistador. Então J. Bruto
-foi energico e insaciavel, mas ao mesmo tempo teve um lanço inesperado
-de generosidade. Quis fazer-lhes sentir primeiro a dureza cruel do seu
-braço de guerreiro, e para isso impôs-lhe a immediata entrega dos
-transfugas das hostes d'elle, certamente alliados dos romanos, a dos
-prisioneiros, a de todo o armamento e ainda por cima exigiu refens.
-Depois chegou a ordenar-lhes que abandonassem a cidade com suas mulheres
-e filhos. Parece que o prestigio militar de J. Bruto não valia menos que
-seu tino de politico e conquistador. Os Talabrigenses aprontaram-se para
-obedecer alli mesmo. Mas o capitão romano queria compor-lhes um quadro
-que lhes impressionasse perduravelmente a imaginação. E ia espreitar o
-effeito produzido.
-
-Desdobrou em circulo as suas tropas e, agglomerando dentro a chusma dos
-habitantes humilhados, arengou-lhes. Fez-lhes perceber que não receava a
-sua turbulencia indomita, porque quantas vezes desertassem, outras
-tantas elle viria combatê-los e reduzi-los com a necessaria firmeza,
-incutido assim o receio e a convicção de que no momento adequado, J.
-Bruto cairia sobre elles com toda a energia, o general romano quebrantou
-a sua ira, satisfeito com estas objurgatorias. Mas não sem que lhes
-tomasse os cavallos, os mantimentos, os dinheiros da cidade com todo o
-outro material publico[37]. Isto era claramente deixá-los na
-impotencia e até na penúria. E por fim J. Bruto, contra tudo quanto os
-Talabrigenses podiam já esperar (_pratter spem_), restituiu-lhes a
-cidade para nella continuarem a habitar. Isto passava-se já meado o sec.
-II, antes de Christo (138 a. C).
-
-Feito isto, o conquistador regressou a Roma.
-
-Esta pagina da conquista da Lusitania é tanto mais importante quanto é,
-com igual individuação, a unica que nos resta de historia escrita dos
-oppidos lusitanos, e, embora narre um só episodio da guerra da
-conquista, não deixa de ser elucidativa.
-
-Quando li este trecho de Appiano (_Appiani Alexandrini Rom. Historiarum
-quae supersunt_. Parisiis. F. Didot. MDCCCXL), confesso que senti
-amargura por não podermos ainda ir conversar na região do Vouga com as
-ruinas da cidade onde estes successos crueis se desfiaram, e segredar ás
-cinzas d'aquelle abrasado patriotismo que o mesmo sentimento, que
-chammejou nesses lusitanos insoffridos, ainda se não arrefentára com o
-soprar sobre ellas de vinte vezes cem invernos, e em mais de um dia, já
-da nossa existencia nacional, elle se tem ateado em protestos bem
-tumidos de calor.
-
-Talabriga continuou a existir e refazer-se, atravessando a epoca
-imperatoria, como nos attesta: 1.º, a data a que pertence a ara de
-Estorãos, sec. III-IV; 2.º, a sua inscripção no Itinerario (sec. IV).
-
-Que seculos lhe trouxeram o ultimo acto das suas tragedias? Os do mal
-afamado frankisk barbaro ou os do pavor sarraceno mais verdadeiro e real
-que aquelle, sobretudo no territorio portugalense?
-
-Entrevejo pois para a archeologia portuguesa este problema: sondar o
-jazigo de Talabriga, verdadeiro simbolo do nosso sentimento de
-independencia territorial e figura-se-me que mostrei onde com toda a
-probabilidade elle se deve encontrar. Espero ter eu mesmo ensejo de
-averiguar se o simples e frio raciocinio me guiou, sem desvio, até as
-trincheiras historicas, que occultam os miserandos restos de Talabriga.
-
-Conservar-se-ha ainda evolucionado este toponimo? Responderá o
-onomastico, paternalmente assistido pela philologia, não se dando o caso
-mais provavel do verso susodito de Vergilio:
-
- _Haec tum nomina erunt, nunc sunt sine nomine terrae!_
-
-Março de 1907.
-
-
-_P. S._ No mappa do _Ortelius_, de que me soccorri a pp. 132 e 155, vejo
-nova _Lancobriga_, pelo sul de Scalabis; teremos tres? (Ver _O Arch.
-Port._, XII, 42).
-
-
- [1] O brasão de Agueda ostenta num lemnisco o mote Aeminium. Mas
- Coimbra tem hoje uma lapide, quo lhe dá irrecusavelmente o foro de
- _civitas aeminiensis_.
-
- [2] Um dos autores que se destacam por tentar a determinação de
- Talabriga e Langobriga (e ainda outras estações da via ab _Olisipone
- Bracaram Augustam_) por um processo exacto é o Sr. J. Henriques
- Pinheiro, fallecido professor do Lyceu de Bragança. Mas talvez em
- consequencia de trabalhar sobre uma carta (a de Folque) muito
- reduzida e de se servir da reducção de milhas a leguas, localiza
- Talabriga em _Aveiro_ e Langobriga na _Feira_. Em todo o caso, não
- podendo conciliar as distancias relativas a Langobriga, conclue que
- ha erro nos Codices (_Estudo da Estrada Militar Romana de Braga a
- Astorga_, por J. Henriques Pinheiro, Porto, 1896, p. 129).
-
- [3] O Sr. A. Coelho diz que a fórma verdadeira é a de Estrabão, como
- o prova a moderna _Vouga_ e _Vauga_ dos documentos em baixo latim
- anteriores ao sec. XII (Mélanges Graux, 1882). Vid. _Religiões de
- Lusitania_, II, 28.
-
- [4] Nas _Noticias Archeologicas de Portugal_, de Hübner, trad. do
- Visconde de Juromenha, vem um extracto do Itinerario segundo a ed.
- de Parthey & Pinder (1848). Prefiro a lição _briga a brica_ de
- Wesseling, ed. dos _Vetera romanorum Itineraria_, MDCCXXXV.
-
- [5] Não pude haver á mão as _Memorias_ d'este mesmo senhor.
-
- [6] Como preciosidade estrangeira, desejo referir que o aliás
- eminente celtista D'Arbois de Jubainville, num estudo erudito sobre
- «Les Celtes en Espagne» (_Revue Celtique_, XIV, § 8) diz, de
- passagem, ser Talabriga a actual povoação de Sousa, conc. de
- Alenquer! Presumo que esta incongruencia é proveniente do que
- escreveu _C. Muller_ em uma nota da _Cl. Ptolemaei Geographia_ (I,
- 137) a respeito de Talabriga: _Oppidum haud longe a Vouga, fluvio
- circa, hod. Souza alicubi steterit. Accuratius locum definire non
- licet._ Como ha mais Marias na terra, d'ahi proveio a confusão.
- Veja-se Sousa a O. de Vagos.
-
- [7] Por partes temos:
-
- De Gaia á Feira 21:900 metros
- Da Feira a Oliveira de Azemeis 10:900 metros
- De Oliveira de Azemeis a Albergaria 18:000 metros
- De Albergaria ao rio Vouga 6:800 metros
- Do rio Vouga a Agueda 9:000 metros
- De Agueda á Mealhada 22:000 metros
- Da Mealhada a Coimbra 16:500 metros
- 105:100 metros
-
- [8] Escreveu o autor do _Portugal Antigo e Moderno_ que a via romana
- seguiria pouco mais ou menos o trajecto da linha ferrea. Assim era
- preciso, se Talabriga fosse Aveiro, quer no troço ao norte, quer no
- troço para sul, em attenção ás condições topographicas. Neste caso,
- porém, a distancia de Coimbra a Gaia seria necessariamente pelo
- menos a que hoje é por aquelle caminho; nada menos de 115
- kilometros, o que está bem longe dos 105 kilometros da via romana e
- da estrada real. Num diagramma da carta indico a differença das
- distancias entre Cale e Talabriga e Gaia e Aveiro pela via ferrea
- (45:800 metros e 59:000 metros).
-
- [9] No mappa com que documento este estudo, lancei só os elementos
- que me eram uteis. Tudo o mais ficou no original, a que até accresci
- alguma cousa a mais por assim convir á minha demonstração.
-
- [10] É força porém attentar na exigua differença que no caso
- presente existe entre a recta, que unisse os dois pontos extremos
- (Coimbra e Gaia), e o desenvolvimento da distancia effectiva pela
- estrada real, entre os mesmos pontos. Bem sei que differentes
- parcellas podem dar a mesma somma, mas difficultoso seria crer que,
- acertando o Itinerario na distancia total entre Aemiuium e Cale,
- delinquisse nas parcellas, que vem a ser as tres secções da via
- militar. Veja-se o diagramma.
-
- [11] Pela linha ferrea de Coimbra a Aveiro são 56 kilometros: pelo
- caminho romano de Coimbra a Talabriga eram 59 kilometros.
-
- [12] Nada mais possivel do que um erro de informação de Plinio. Mas
- poderia tambem haver aqui uma confusão entre a Talabriga do roteiro
- romano e a Vacua, de que parece existirem ruinas no Cabeço de Vouga
- (Cit. _Oppida restituta_, 1885). Mas o Itinerario omitte-a, o que é
- apenas argumento negativo. Ainda se poderia dar o caso de _Vacua_
- não ser _mansio_ do caminho romano. Havia um codice de Plinio que
- nomeava Talabriga e _Vacca_ e uma cosmographia antiga que refere
- _Vacca_ (_sic_) e não Talabriga, que aliás deveria ter conhecido
- pelos AA.
-
- Jorge Cardoso, no _Agiologio_, II, 65, quer que Vacua tenha sido em
- Viseu. Peor!
-
- [13] Nos _Port. Mon. Hist._, «Diplom. & Chart.», vem um documento
- (n.º 815 do anno de 1095) cujo teor nos não prende, mas onde se
- lê:.... _Ista igitur auctoritate confissus ingressus sum et ego
- densissimam silliam_ (silvam) _que ab antiquis temporibus
- habitaculum erat bestiarum_.... Trata-se de arredores de Ilhavo.
-
- [14] Nos arredores de Aveiro ha pontos com as cotas de 15, 27, 46,
- 57, 48, 38, 23, 16, 24 e 10 que correspondem a relevos suaves. Todos
- estes pontos estão situados na margem esquerda do Vouga. Mas na
- hipothese de Talabriga, a estação do Itinerario, ser Aveiro ou
- proximidades, a estrada romana, chegada ahi, ver-se-hia forçada a
- atravessar o Vouga desde Eixo para baixo, em direcção ao Norte. E
- digam-me se todo esse trato de terreno, comprehendido entre a margem
- direita do Vouga, desde a ponte de S. João de Loure, como vertice
- meridional, e os sitios de Froços, Angeja, Formelã, Canellas e
- Salreu, não eram de fazer recuar o engenheiro romano que por ahi
- tentasse obter saida para o norte, em direcção a Cale, tendo outra
- incomparavelmente melhor?
-
- [15] Tenho sempre especial satisfação quando vejo que conceitos meus
- foram já formulados por escritores de outro cunho. Assim na _Revue
- des Études Anciennes_ (1905, p. 389), Cam. Jullian, referindo-se a
- caminhos de epocas prehistoricas, diz: _Et il résulte bien.... que
- beaucoup des grandes lignes de circulation actuelle ne sont que les
- héritiers des pistes tracées il y a des milliers d'années._
-
- [16] Para os leitores habituaes do _Archeologo Português_, seria
- ociosa esta nota; para os que porventura o assunto do presente
- estudo desperte de-novo, é uma prevenção necessaria. Quando se falla
- em _castros_ com supposta referencia á epoca romana, não se trata
- dos _castra_, acampamentos ou abarracamentos (Saglio & Daremberg)
- fortificados que as forças militares de Roma construiam em campanha:
- nunca vi ruinas de nenhum d'estes _castra_, nem me consta que as
- haja verificadas no pais. E comtudo os _castros_, ou _crastos_ no
- fallar do povo, são abundantissimos entre nós... porque são cousas
- muito differentes. Estes _castros_ são apenas uns montes com
- vestigios de habitação _ante-romana_ e quasi sempre de obras de
- fortificação de terra ou de muralha. Assim os castros são outeiros,
- cabeços habitados e fortificados, não pelos romanos, mas contra os
- romanos, pelo menos, e pertencentes aos antigos habitadores do país.
- Os _castros_ devem pois aos romanos, não o seu principio, mas a sua
- decadencia e o seu fim, porque foi a conquista e foi a civilização
- romana que os tornou desnecessarios naquelle tempo. Como se lhes dá
- então este epitheto que não vem senão causar confusões? O epitheto
- encontramo-lo na toponimia local; foi o povo que conservou até hoje
- esta designação que nós vamos encontrar com frequente emprego nos
- documentos da idade media. É que no singular _castrum_ significou
- secundariamente um castello, uma fortaleza; cita Rich o capitulo VI
- da _Eneida_, onde se lê (_vv_. 771 a 776):
-
- Qui juvenes quantas ostentant, aspice, vires!
- At qui umbrata gerunt civili tempora quercu,
- Hi tibi Nomentum, et Gabios, urbemque Fidenam,
- Hi Collatinas imponent montibus arces,
- 775 Pometios, Castrumque Inui, Bolamque, Coramque:
- Haec tum nomina erunt, nunc sunt sine nomine terrae.
-
- (_Oevres de Virgile_, par E. Benoist; vol. I, Hachette, 1882).
-
- (Trad.) _Contempla como são grandes as forças que aquelles mancebos
- ostentam! Pois d'entre os que trazem a fronte sombreada pelo
- carvalho civico, uns construir-te-hão Nomento, Gabios e a cidade de
- Fidena, outros assentarão em montanhas as fortalezas Collatinas,
- Pometios, o castello de Inuo, Bola e Cora_ (antigas povoações do
- Lacio): _estes serão os nomes d'aquelles lugares, que estão agora na
- terra sem nome._
-
- Foi certamente d'esta accepção que derivou para o latim corrente, e
- em seguida para o fallar medieval das nossas populações, a
- denominação de _castro_ ou _crasto_.
-
- Na _Revue des Études Anciennes_ (IV, p. 43, 1902) vem uma serie de
- citações para demonstrar que no fim do Imperio pela palavra
- _castrum_ se designavam frequentemente as cidades fortificadas; de
- entre todas extraio a seguinte de Isidoro (_Origines_, XV, 2, 13):
- _Castrum antiqui dicebant oppidum loco altissimo situm_. Com
- referencia a sitios nossos, temos, bibliographicamente, o conhecido
- _Portumcale castrum_, de Idacio.
-
- Mas a par d'aquella, outras se formaram, como _castello_,
- _cristêlo_, _crastêlo_ e _castrêlo_. _Castellum_ (cfr. cit. _Rev.
- des Ét. Anc._) na lingua latina, era um deminutivo de _castrum_ e
- applicava-se tanto a um reducto transitorio, como a um forte
- permanente, quasi sempre situado em logar elevado (Saglio &
- Daremberg, s. v. _Castellum_). Depois, é explicavel que a linguagem
- popular prescindisse da origem não romana d'estes pontos
- estrategicos, e applicasse o termo a alguns castros, talvez aos mais
- deminutos. Aos mesmos montes se vêem tambem applicadas as
- designações de _cividade_, mais ou menos pura, _cidadêlhe_, _coroa_
- e outras ainda. Os autores antigos usam o termo _oppidum_ applicado
- a alguns d'estes centros de população (_oppidum Aeminium_). E ainda
- se encontra junto ao nome originario da povoação, a modo de suffixo,
- o termo de origem celtica _briga_, que tambem quer dizer castello,
- altura fortificada (_Talabriga_).
-
- Os romanos, no nosso caso, traçando a via militar através d'estes
- montes habitados, não fariam mais do que seguir um caminho historico
- e uma directriz frequentada.
-
- [17] O parocho de Segadães (1758) informava que a antiga cidade de
- _Vaca_ (_sic_) fôra assolada pelos _mouros_. Os Leitores conhecem
- estes _mouros_... (_Arch. Port._, VII, 191).
-
- [18] Varios outros documentos d'esta região de Entre-Vouga-e-Douro
- compulsei eu nesta collecção, que se reportavam a _castros_, mas não
- pude localizar as referencias com a presteza que era necessaria. Até
- se me deparou a fórma rara _crésto_ (_cresto ualanes_, doc. DXLIX do
- anno 1077), da qual conheço outra actual no concelho de Valdevêz.
-
- [19] Na fé de Nascimento Silveira (_Mappa breve da Lusitania_, p.
- 226), em Mancinhata, nos cruzeiros ha inscripções que ainda ninguem
- entendeu.
-
- [20] Nos _Port. Mon. Hist._, «Dipl. et Chart.», n.º CCCCLXXI, vem um
- documento que diz: _Cesari... subtus monte castro calbo..._ Cf. o
- n.º CCCCLXX. Não pude averiguar se é um _Monte Calvo_ que vejo perto
- de Romariz. _Cesári_ (gen. de _Cesarius_, _-ii_) deu Cesár, como
- _Severi_ (_Port. Mon. Hist._, «Dipl. et Ch.», _passim_, e _Arch.
- Port._, II, 252, art. do Sr. P. de Azevedo) deu Sever.
-
- [21] Virá de _Calambria_? pergunta A. Herculano (_Historia de
- Portugal_, III, 423). Cfr. _Arch. Port._, art. do Sr. A. Cortesão,
- IX, 232. Teremos aqui alguma _Calambriga_? Um thesouro de 16 argolas
- de ouro é de lá. (_Arch. Port._, II, 87).
-
- [22] Eu não me occupo especialmente da _Langobriga_ do Itinerario,
- mas é facil ver que identicos raciocinios lhe são applicaveis e em
- consequencia, a situação d'este segundo oppido deveria ser na faixa
- de terreno vagamente indicada pela curva _LL._ um pouco ao norte da
- Feira. No meu estudo da ara de Estorãos, assentei que esta não é a
- actual _Longroiva_, cuja fórma medieval era _Langobria_, (_Port.
- Mon. Hist._, «Dipl. et Chart.» CCCCXX). Do que deponho a p. 141,
- parece que é a algum dos castros de _Obil_ ou do _Monte do Murado_
- que deverá convir a localização de Langobriga. Este fica a 6:000
- metros para leste da lagoa.
-
- Para _longo-_ e _lango-_ como para _brica_ e _briga_, não encontram
- difficuldade os celtistas. (_Élém. celt. dans les noms de personnes
- des inscr. d'Esp._, por A. Carnoy. Luvaina 1907).
-
- [23] A legitimidade do processo que segui, empregando o compasso e a
- escala para determinar a zona em que, segundo as indicações do
- roteiro romano, deve encontrar-se o jazigo de Talabriga, tem uma
- averiguação facil, apesar da estranheza que possa causar. Se eu,
- collocado em Eminio, quisesse determinar a situação de Cale, cujo
- anorteamento já conhecia previamente, e para isso adoptasse identico
- systema, o compasso levar-me-hia a uma zona de terreno, onde não me
- seria impossivel encontrar localizações compativeis com uma estação
- d'aquella natureza.
-
- Creio todavia que nem com todos os terrenos assim se póde proceder.
-
- Comprova tambem a plausibilidade do resultado a circunstancia de
- fazerem pequena differença a distancia em linha recta entre Coimbra
- e Gaia e a rectificação da estrada entre os mesmos pontos.
-
- [24] ... por ser tam grande como todos sab[~e], de [~q] á prouerbio
- no pouo. (_Ibid._ p. 50). Já não é só pois grande a legua da Povoa!
-
- [25] O escritor espanhol Eduardo Saavedra, num artigo intitulado «La
- geografia árabe de Portugal» in _Revista Archeologica e Historica_,
- I, 49, suppõe que o trajecto descrito por Edrisi vae de Coimbra a
- Viseu e Braga «por um caminho muito frequentado», fazendo o primeiro
- descanso em Avô, 45 kil. a NE. de Coimbra; o segundo em S. Miguel do
- Outeiro, 10 kil. a O. de Viseu no caminho de S. Pedro do Sul; depois
- chega-se ao Douro, que se passa em embarcações defronte de uma
- aldeia, que é Villaboa de Quires, a E. de Penafiel. D'aqui duas
- jornadas a Braga e outras duas a Tuy.
-
- Salvo o devido respeito, isto parece uma viagem... _à vol d'oiseau_!
-
- [26] Nos _Port. Mon. Hist._, «Diplom. de Chart.», apparecem mais
- documentos em que se encontra esta mesma designação. Estes por
- exemplo:
-
- N.º 67 do anno 953:... _et inde per carraria mourisca..._ (Isto era
- nas vizinhanças de Villa do Conde).
-
- N.º 614 do anno 1083:... _et inde per via maurisca:..._ (territorio
- de Arouca).
-
- Póde não se tratar nestes dois documentos de vias militares romanas,
- como não se trata; mas nem por isso a designação deixa de ser
- inexacta no seu sentido proprio. Eram antigos caminhos, anteriores
- aos arabes. Aliás teriamos que admittir que os filhos do Islam
- andaram por terras de Villa do Conde e de Arouca a abrir estradas em
- fórma, por serem invios os territorios.
-
- Demonstra isto que os amanuenses do secs. X e XI já não sabiam
- estremar romanos (e visigodos) de serracenos. Era pois, como hoje, o
- fallar do povo.
-
- É tambem este o sentimento do Sr. Pedro de Azevedo (_Arch. Port._,
- III, 137 sgs.). Este facto é bastante expressivo. Não passára um
- seculo ainda depois da expulsão dos arabes naquella região, e a
- interrupção de tradições locaes tinha sido tão intensa que a mera
- conjectura tomara o logar d'aquellas, attribuindo aos muçulmanos as
- obras de viação de que elles apenas tiveram a utilidade (Veja-se
- _Hist. de Portugal_, por A. Herculano, III, 421). Em França não se
- dava isto. Ruy de Pina na _Chronica do sr. rey D. Affonso V_ (p.
- 569) diz: «E na cidade de Nimis leixou El-rey _a estrada romam_, que
- vay a Avinham».
-
- [27] Seria longo transcrever os trechos respectivos d'esses
- documentos; e nem sempre é possivel acertar a que especie de
- caminhos se referem as expressões usadas nos documentos. É commum o
- termo _strada_, _strata_; algumas vezes adjectivada _strata
- ueredaria_ (Dipl. et Chart., n.º 174) em opposição a _alia carrale_
- (id.); _estrata de uereda_ (id. n.º 13); _in estrada qui discurrit
- via de uereda_ (id. n.º 24) ou _strata maiore_ (id. n.os 563, 378 e
- 549). Tambem se encontra a expressão _carreira antiqua_ (id. n.os
- 620 e 639), _karraria antiqua_ (id. n.os 888), _carraria antiqua_
- (n.os 639 e 287), _carera antiqua_ (id. n.os 366). _Via de strada_ e
- _strada de uiminaria_ lêem-se no doc. n.º 817 (_ob. cit._) Ainda hoje
- se póde dizer _caminho de estrada_. _Carreira_ é termo agora quasi
- só locativo, mas ainda se ouve no norte applicado ás largas entradas
- de algumas casas antigas, precedidas de uma alameda plana;
- certamente _carreira_ inclue a ideia de carro, como _carrale_. Outra
- denominação que encontrei foi a de _via publica_ (_ob. cit._, n.º
- 676), que parece corresponder a caminho publico.
-
- _Karraria antiqua_ era certamente uma estrada carreteira antiga já
- naquella epoca e portanto tradicional, mas d'aqui não se póde
- concluir que essa estrada fosse _via militar_ romana. Assim o doc.
- n.º 570 do anno 1079 refere-se á freguesia moderna de Paçô, no
- concelho do Valdevêz (_uilla Palatiolo_), onde nunca passou via
- militar e onde a _carreira antiqua_ poderia bem attingir a epoca
- romana.
-
- Alguns d'estes documentos foram indicados pelo erudito conservador
- do Archivo Nacional e meu amigo o Sr. Pedro de Azevedo; outros
- rebusquei-os propositamente com o auxilio do valioso trabalho do Sr.
- Gama Barros, _A administração Publica em Portugal_, entre os que
- pertencem á região de Entre-Vouga-e-Douro.
-
- [28] No mesmo pensar encontro-me com o Sr. Alberto Sampaio na
- _Portugalia_, II, 216 (_As povoas maritimas do norte de Portugal_).
- Assim se exprime: «As unicas povoações, vizinhas do mar, existentes
- então (no tempo dos romanos), eram Calem e Portucale».
-
- [29] É o Sr. Conselheiro Luis de Magalhães, em _A arte e a natureza
- em Portugal_, vol. IV. A descrição da ria immensa de Aveiro, com as
- salinas espelhadas que a cobrem, com os seus cones alvissimos de
- sal, que marchetam a planicie sem fim, é um d'estes primores de
- prosa gracil e diaphana, que mais ninguem poderia escrever com igual
- coração e com pulso comparavel. Parece que a seducção d'esse
- panorama não me será mais intensa, quando com os olhos o vir, do que
- quando o adivinhei naquellas tão poupadas paginas.
-
- [30] A grandíssima maioria das povoações d'estas epocas era nos
- altos; ahi tem sido encontrados os seus vestigios. Para a alguma se
- attribuir situação aberta como a de Aveiro, necessario seria
- documentar a excepção.
-
- Não repugna absolutamente admitti-la no nosso caso, mas é hypothese
- pura. E depois, lá temos o distinctivo _briga_. O nome da cidade
- comsigo traz a natureza do seu assento. No Algarve, _Ossonoba_ e
- _Balsa_, não demoravam em outeiros. (Vide _Religiões da Lusitana_
- II, 85).
-
- [31] _Portugalia_, II, 220, «As póvoas marítimas do norte de
- Portugal», pelo Sr. Alberto Sampaio.
-
- [32] Explicação geologica d'estes phenomenos: «C'est après avoir
- traversé les marécages du Vouga, que l'on entre dans les terrains
- anciens; ce sont d'abord des schistes luisants, généralement cachés
- par des dêpots superficiels: sables des dunes, graviers pliocènes et
- graviers kaoliniques appartenant au Crétacique. Ces derniers ne
- montent pas plus haut qu'Estarreja et le Pliocène est rarement
- visible depuis la voie ferrée. Parfois ce soubassement de roches
- solides n'existe pas, ou du moins ne se trouve qu'à une certaine
- profondeur au-dessous du niveau de la mer; dans ce cas, la côte
- subit des alternances d'accroissement et de décroissement qui
- peuvent être funestes à l'homme trop empressé de s'approprier le
- terrain que les sables ont gagné sur la mer; tel est le cas à
- Espinho». _Promenade au Gerez (Souvenirs d'un géologue)_, por Paul
- Choffat, 1895, p. 1.
-
- [33] Poderia aqui investigar-se das alterações da costa que possam
- ter modificado o aspecto do surgidouro do Vouga. Um apello,
- publicado no _Arch. Port._, II, 301, teve em resposta o silencio.
- Não tratando dos factos de periodos geologicos ou indeterminados
- (_Arch. Port._, VII, 274 e X, 193) pouco é o que se tem recolhido e
- ás vezes antagonico. Açoreamentos em epocas historicas foram notados
- na Povoa de Varzim, Villa do Conde, Fão, Esposende, Vianna, em
- Setubal, no Algarve (_Portugalia_, I e II. _passim_), e eu mostro
- que na faixa de Esmoriz a Mira elles se deram tambem em epoca que
- não posso precisar. Num mappa que illustra o _Hisp. & Port.,
- Itinerarium_ de Martin Zeiler (1656) Aveiro é situada ao norte do
- Vouga. E não é o unico mesmo de datas mais recentes.
-
- [34] Ha um documento do sec. XI que faz uma referencia aproveitavel
- debaixo d'este aspecto: é o n.º DCCCXV do anno 1095 (doação á sé de
- Coimbra da igreja de S. Christovam, junto a Ilhavo)... _Ista igitur
- auctoritate confissus ingressus sum et ego densissimam silliamm_
- (silvam) _que ab antiquis temporibus habitaculum erat bestiarum..._
-
- [35] Entre as cartas antigas que folheei, desejo destacar uma do
- sec. XVII, assinada por N. Sanson. _christ. Gall. regis geografo_
- (_Hispaniae antiquae tabulae_, 1641). O mappa de Portugal antigo
- individúa, na região que andei estudando, _Conimbrica_ em Condeixa,
- _Aeminium_ na margem norte do Mondego; _Talabriga_ ao N. do Vouga,
- um pouco afastada do estuario, a 20 ou 25 _milliaria_ da foz do
- Vouga (isto é, na altura onde eu localizo esta povoação); e,
- seguindo no mesmo rumo, _Langobriga_. É na Bibliotheca Nacional, um
- grosso volume _in-folio_, recentemente encadernado com o
- dístico--Mappas--e sem frontispicio.
-
- [36] Esta lenda porém reproduz-se em mais localidades, fóra d'esta
- região.
-
- [37] ... _pecuniis publicis, cum reliquo publico apparatu, ademtis_.
- Isto dá bem a entender que havia uma perfeita organização politica,
- e n'ella se estribava a organização de uma defesa militar contra a
- invasão romana.
-
-
-
-
-DO AUTOR
-
-
-ESTUDOS DO ALTO-MINHO (SERIE 1.ª)
-
-
-Publicados
-
-I--Epigraphia christiano-latina (uma inscripção inedita).
-
-II--Um passeio archeologico no concelho dos Arcos de Valdevez (visita ás
-antas da serra do Soajo).
-
-III--Machados de duplo anel.
-
-IV--Ainda a inscripção christã de S. Pedro de Arcos.
-
-V--Uma primicia de epigraphia funeraria romana.
-
-VI--O portico da matriz de Monção.
-
-VII--Um castro com muralhas.
-
-VIII--Um erro de amanuense nas inquirições de D. Affonso III (C. Sancti
-Salvatoris Darcus).
-
-IX--Um Grovio autentico (cippo de Villa-Mou).
-
-X--Ara celtiberica da epoca romana (um novo «Genio»).
-
-
-PAGINAS ARCHEOLOGICAS (SERIE 2.ª)
-
-
-Publicadas
-
-I--Estatueta ithyphallica.
-
-II--Cemiterio da epoca romana em Vianna do Alemtejo.
-
-III--Situação conjectural de Talabriga.
-
-
-
-
-
-End of Project Gutenberg's Paginas Archeologicas, by Felix Alves Pereira
-
-*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK PAGINAS ARCHEOLOGICAS ***
-
-***** This file should be named 30071-8.txt or 30071-8.zip *****
-This and all associated files of various formats will be found in:
- https://www.gutenberg.org/3/0/0/7/30071/
-
-Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images
-of public domain material from BibRia)
-
-
-Updated editions will replace the previous one--the old editions
-will be renamed.
-
-Creating the works from public domain print editions means that no
-one owns a United States copyright in these works, so the Foundation
-(and you!) can copy and distribute it in the United States without
-permission and without paying copyright royalties. Special rules,
-set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to
-copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to
-protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. Project
-Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you
-charge for the eBooks, unless you receive specific permission. If you
-do not charge anything for copies of this eBook, complying with the
-rules is very easy. You may use this eBook for nearly any purpose
-such as creation of derivative works, reports, performances and
-research. They may be modified and printed and given away--you may do
-practically ANYTHING with public domain eBooks. Redistribution is
-subject to the trademark license, especially commercial
-redistribution.
-
-
-
-*** START: FULL LICENSE ***
-
-THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE
-PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK
-
-To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free
-distribution of electronic works, by using or distributing this work
-(or any other work associated in any way with the phrase "Project
-Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full Project
-Gutenberg-tm License (available with this file or online at
-https://gutenberg.org/license).
-
-
-Section 1. General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tm
-electronic works
-
-1.A. By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm
-electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to
-and accept all the terms of this license and intellectual property
-(trademark/copyright) agreement. If you do not agree to abide by all
-the terms of this agreement, you must cease using and return or destroy
-all copies of Project Gutenberg-tm electronic works in your possession.
-If you paid a fee for obtaining a copy of or access to a Project
-Gutenberg-tm electronic work and you do not agree to be bound by the
-terms of this agreement, you may obtain a refund from the person or
-entity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8.
-
-1.B. "Project Gutenberg" is a registered trademark. It may only be
-used on or associated in any way with an electronic work by people who
-agree to be bound by the terms of this agreement. There are a few
-things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works
-even without complying with the full terms of this agreement. See
-paragraph 1.C below. There are a lot of things you can do with Project
-Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement
-and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic
-works. See paragraph 1.E below.
-
-1.C. The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation"
-or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project
-Gutenberg-tm electronic works. Nearly all the individual works in the
-collection are in the public domain in the United States. If an
-individual work is in the public domain in the United States and you are
-located in the United States, we do not claim a right to prevent you from
-copying, distributing, performing, displaying or creating derivative
-works based on the work as long as all references to Project Gutenberg
-are removed. Of course, we hope that you will support the Project
-Gutenberg-tm mission of promoting free access to electronic works by
-freely sharing Project Gutenberg-tm works in compliance with the terms of
-this agreement for keeping the Project Gutenberg-tm name associated with
-the work. You can easily comply with the terms of this agreement by
-keeping this work in the same format with its attached full Project
-Gutenberg-tm License when you share it without charge with others.
-
-1.D. The copyright laws of the place where you are located also govern
-what you can do with this work. Copyright laws in most countries are in
-a constant state of change. If you are outside the United States, check
-the laws of your country in addition to the terms of this agreement
-before downloading, copying, displaying, performing, distributing or
-creating derivative works based on this work or any other Project
-Gutenberg-tm work. The Foundation makes no representations concerning
-the copyright status of any work in any country outside the United
-States.
-
-1.E. Unless you have removed all references to Project Gutenberg:
-
-1.E.1. The following sentence, with active links to, or other immediate
-access to, the full Project Gutenberg-tm License must appear prominently
-whenever any copy of a Project Gutenberg-tm work (any work on which the
-phrase "Project Gutenberg" appears, or with which the phrase "Project
-Gutenberg" is associated) is accessed, displayed, performed, viewed,
-copied or distributed:
-
-This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
-almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
-re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
-with this eBook or online at www.gutenberg.org
-
-1.E.2. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is derived
-from the public domain (does not contain a notice indicating that it is
-posted with permission of the copyright holder), the work can be copied
-and distributed to anyone in the United States without paying any fees
-or charges. If you are redistributing or providing access to a work
-with the phrase "Project Gutenberg" associated with or appearing on the
-work, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1
-through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and the
-Project Gutenberg-tm trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or
-1.E.9.
-
-1.E.3. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is posted
-with the permission of the copyright holder, your use and distribution
-must comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additional
-terms imposed by the copyright holder. Additional terms will be linked
-to the Project Gutenberg-tm License for all works posted with the
-permission of the copyright holder found at the beginning of this work.
-
-1.E.4. Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg-tm
-License terms from this work, or any files containing a part of this
-work or any other work associated with Project Gutenberg-tm.
-
-1.E.5. Do not copy, display, perform, distribute or redistribute this
-electronic work, or any part of this electronic work, without
-prominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 with
-active links or immediate access to the full terms of the Project
-Gutenberg-tm License.
-
-1.E.6. You may convert to and distribute this work in any binary,
-compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including any
-word processing or hypertext form. However, if you provide access to or
-distribute copies of a Project Gutenberg-tm work in a format other than
-"Plain Vanilla ASCII" or other format used in the official version
-posted on the official Project Gutenberg-tm web site (www.gutenberg.org),
-you must, at no additional cost, fee or expense to the user, provide a
-copy, a means of exporting a copy, or a means of obtaining a copy upon
-request, of the work in its original "Plain Vanilla ASCII" or other
-form. Any alternate format must include the full Project Gutenberg-tm
-License as specified in paragraph 1.E.1.
-
-1.E.7. Do not charge a fee for access to, viewing, displaying,
-performing, copying or distributing any Project Gutenberg-tm works
-unless you comply with paragraph 1.E.8 or 1.E.9.
-
-1.E.8. You may charge a reasonable fee for copies of or providing
-access to or distributing Project Gutenberg-tm electronic works provided
-that
-
-- You pay a royalty fee of 20% of the gross profits you derive from
- the use of Project Gutenberg-tm works calculated using the method
- you already use to calculate your applicable taxes. The fee is
- owed to the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, but he
- has agreed to donate royalties under this paragraph to the
- Project Gutenberg Literary Archive Foundation. Royalty payments
- must be paid within 60 days following each date on which you
- prepare (or are legally required to prepare) your periodic tax
- returns. Royalty payments should be clearly marked as such and
- sent to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation at the
- address specified in Section 4, "Information about donations to
- the Project Gutenberg Literary Archive Foundation."
-
-- You provide a full refund of any money paid by a user who notifies
- you in writing (or by e-mail) within 30 days of receipt that s/he
- does not agree to the terms of the full Project Gutenberg-tm
- License. You must require such a user to return or
- destroy all copies of the works possessed in a physical medium
- and discontinue all use of and all access to other copies of
- Project Gutenberg-tm works.
-
-- You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any
- money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the
- electronic work is discovered and reported to you within 90 days
- of receipt of the work.
-
-- You comply with all other terms of this agreement for free
- distribution of Project Gutenberg-tm works.
-
-1.E.9. If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm
-electronic work or group of works on different terms than are set
-forth in this agreement, you must obtain permission in writing from
-both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael
-Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark. Contact the
-Foundation as set forth in Section 3 below.
-
-1.F.
-
-1.F.1. Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable
-effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread
-public domain works in creating the Project Gutenberg-tm
-collection. Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic
-works, and the medium on which they may be stored, may contain
-"Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or
-corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual
-property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a
-computer virus, or computer codes that damage or cannot be read by
-your equipment.
-
-1.F.2. LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the "Right
-of Replacement or Refund" described in paragraph 1.F.3, the Project
-Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project
-Gutenberg-tm trademark, and any other party distributing a Project
-Gutenberg-tm electronic work under this agreement, disclaim all
-liability to you for damages, costs and expenses, including legal
-fees. YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICT
-LIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSE
-PROVIDED IN PARAGRAPH F3. YOU AGREE THAT THE FOUNDATION, THE
-TRADEMARK OWNER, AND ANY DISTRIBUTOR UNDER THIS AGREEMENT WILL NOT BE
-LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR
-INCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCH
-DAMAGE.
-
-1.F.3. LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover a
-defect in this electronic work within 90 days of receiving it, you can
-receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a
-written explanation to the person you received the work from. If you
-received the work on a physical medium, you must return the medium with
-your written explanation. The person or entity that provided you with
-the defective work may elect to provide a replacement copy in lieu of a
-refund. If you received the work electronically, the person or entity
-providing it to you may choose to give you a second opportunity to
-receive the work electronically in lieu of a refund. If the second copy
-is also defective, you may demand a refund in writing without further
-opportunities to fix the problem.
-
-1.F.4. Except for the limited right of replacement or refund set forth
-in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER
-WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO
-WARRANTIES OF MERCHANTIBILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE.
-
-1.F.5. Some states do not allow disclaimers of certain implied
-warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages.
-If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the
-law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be
-interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by
-the applicable state law. The invalidity or unenforceability of any
-provision of this agreement shall not void the remaining provisions.
-
-1.F.6. INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the
-trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone
-providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance
-with this agreement, and any volunteers associated with the production,
-promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works,
-harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees,
-that arise directly or indirectly from any of the following which you do
-or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm
-work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any
-Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause.
-
-
-Section 2. Information about the Mission of Project Gutenberg-tm
-
-Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of
-electronic works in formats readable by the widest variety of computers
-including obsolete, old, middle-aged and new computers. It exists
-because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from
-people in all walks of life.
-
-Volunteers and financial support to provide volunteers with the
-assistance they need are critical to reaching Project Gutenberg-tm's
-goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will
-remain freely available for generations to come. In 2001, the Project
-Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
-and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations.
-To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
-and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
-and the Foundation web page at https://www.pglaf.org.
-
-
-Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive
-Foundation
-
-The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
-501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
-state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal
-Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification
-number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at
-https://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg
-Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
-permitted by U.S. federal laws and your state's laws.
-
-The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S.
-Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered
-throughout numerous locations. Its business office is located at
-809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email
-business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact
-information can be found at the Foundation's web site and official
-page at https://pglaf.org
-
-For additional contact information:
- Dr. Gregory B. Newby
- Chief Executive and Director
- gbnewby@pglaf.org
-
-
-Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg
-Literary Archive Foundation
-
-Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide
-spread public support and donations to carry out its mission of
-increasing the number of public domain and licensed works that can be
-freely distributed in machine readable form accessible by the widest
-array of equipment including outdated equipment. Many small donations
-($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt
-status with the IRS.
-
-The Foundation is committed to complying with the laws regulating
-charities and charitable donations in all 50 states of the United
-States. Compliance requirements are not uniform and it takes a
-considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up
-with these requirements. We do not solicit donations in locations
-where we have not received written confirmation of compliance. To
-SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any
-particular state visit https://pglaf.org
-
-While we cannot and do not solicit contributions from states where we
-have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition
-against accepting unsolicited donations from donors in such states who
-approach us with offers to donate.
-
-International donations are gratefully accepted, but we cannot make
-any statements concerning tax treatment of donations received from
-outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff.
-
-Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation
-methods and addresses. Donations are accepted in a number of other
-ways including including checks, online payments and credit card
-donations. To donate, please visit: https://pglaf.org/donate
-
-
-Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic
-works.
-
-Professor Michael S. Hart was the originator of the Project Gutenberg-tm
-concept of a library of electronic works that could be freely shared
-with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project
-Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support.
-
-
-Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed
-editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S.
-unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily
-keep eBooks in compliance with any particular paper edition.
-
-
-Most people start at our Web site which has the main PG search facility:
-
- https://www.gutenberg.org
-
-This Web site includes information about Project Gutenberg-tm,
-including how to make donations to the Project Gutenberg Literary
-Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to
-subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.
diff --git a/old/30071-8.zip b/old/30071-8.zip
deleted file mode 100644
index 72939d2..0000000
--- a/old/30071-8.zip
+++ /dev/null
Binary files differ
diff --git a/old/30071-h.zip b/old/30071-h.zip
deleted file mode 100644
index 2b6306d..0000000
--- a/old/30071-h.zip
+++ /dev/null
Binary files differ
diff --git a/old/30071-h/30071-h.htm b/old/30071-h/30071-h.htm
deleted file mode 100644
index 252df62..0000000
--- a/old/30071-h/30071-h.htm
+++ /dev/null
@@ -1,2263 +0,0 @@
-<!DOCTYPE HTML PUBLIC "-//W3C//DTD HTML 4.0 Transitional//EN">
-<html lang="pt">
-<head>
- <title>Páginas Arqueológicas III - Situação conjectural de Talabriga, por
- Félix Alves Pereira</title>
- <meta name="Author" content="Félix Alves Pereira">
- <meta name="Publisher" content="Imprensa Nacional">
- <meta name="Date" content="1907">
- <meta http-equiv="content-type" content="text/html; charset=iso-8859-15">
- <style type="text/css">
- body{margin-left: 10%;
- margin-right: 10%;
- }
- .pn {
- text-indent: 0em;
- position: absolute;
- left: 92%;
- font-size: smaller;
- text-align: right;
- color: silver;
- }
- #corpo p{text-align: justify; text-indent: 1em;}
- h1, h2, h3, h4 {text-align: center; margin-top: 3em; margin-bottom: 2em;}
- blockquote {margin-left: 10%; font-size: small;}
- .rodape {
- font-size: 0.8em;
- margin: 2em;
- }
- </style>
-</head>
-
-<body>
-
-
-<pre>
-
-The Project Gutenberg EBook of Paginas Archeologicas, by Felix Alves Pereira
-
-This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
-almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
-re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
-with this eBook or online at www.gutenberg.org
-
-
-Title: Paginas Archeologicas
- III - Situação conjectural de Talabriga
-
-Author: Felix Alves Pereira
-
-Release Date: September 23, 2009 [EBook #30071]
-
-Language: Portuguese
-
-Character set encoding: ISO-8859-15
-
-*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK PAGINAS ARCHEOLOGICAS ***
-
-
-
-
-Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images
-of public domain material from BibRia)
-
-
-
-
-
-
-</pre>
-
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<div style="border: solid 2px #000; padding: 1em; text-align: center;">
-<p style="font-size: 1.2em;">FELIX ALVES PEREIRA</p>
-
-<p style="font-size: 1.6em; border: solid 1px silver; padding: 1em;">PAGINAS
-ARCHEOLOGICAS</p>
-
-<p style="font-size: 1.2em;">III</p>
-
-<p style="font-size: 1.4em;">SITUAÇÃO CONJECTURAL DE TALABRIGA</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>LISBOA<br>
-<small>IMPRENSA NACIONAL</small><br>
-1907</p>
-</div>
-
-<div style="padding: 1em; text-align: center;">
-<p><span class="pn">{1}</span></p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p style="font-size: 1.4em;">SITUAÇÃO CONJECTURAL DE TALABRIGA</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p><small>Obra composta e impressa na Imprensa Nacional</small></p>
-
-<p><small>Edição e propriedade do Museu Ethnologico Português</small></p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p><span class="pn">{2}<br>
-{3}</span></p>
-
-<p style="font-size: 1.2em;">FELIX ALVES PEREIRA</p>
-
-<p style="font-size: 1.6em; border: solid 1px silver; padding: 1em;">PAGINAS
-ARCHEOLOGICAS</p>
-
-<p style="font-size: 1.2em;">III</p>
-
-<p style="font-size: 1.4em;">SITUAÇÃO CONJECTURAL DE TALABRIGA</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>LISBOA<br>
-<small>IMPRENSA NACIONAL</small><br>
-1907</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p><span class="pn">{4}<br>
-{5}</span></p>
-
-<p style="font-size: 1.4em;">Ao</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p style="font-size: 1.2em;">Illustrissimo e Excellentissimo Senhor
-Conselheiro</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p style="font-size: 1.4em;"><em>Luis Cypriano Coelho de Magalhães</em></p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p style="font-size: 1.4em;"><em>O. e D.</em></p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p style="font-size: 1.2em; text-align: right;"><em>O autor.</em></p>
-
-<p><span class="pn">{6}<br>
-{7}</span></p>
-</div>
-
-<p>Separata d'«O Archeologo Português», XII, n.<sup>os</sup> 5 a 8 de 1907</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<div id="corpo">
-<h1><a name="SECTION0010000">SITUAÇÃO CONJECTURAL DE TALABRIGA</a></h1>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<h4><a name="SECTION0010001">Summario</a></h4>
-
-<p><a href="#SECTION0011000">1. Estado da questão.</a>&mdash;<a
-href="#SECTION0012000">2. Autores antigos</a>&mdash;<a
-href="#SECTION0013000">3. Itinerario</a>&mdash;<a href="#SECTION0014000">4.
-Exame do mappa</a>&mdash;<a href="#SECTION0015000">5. Topographia e onomastico
-da região</a>&mdash;<a href="#SECTION0016000">6. Os castros do trajecto da
-Via</a>&mdash;<a href="#SECTION0017000">7. Região mineira</a>&mdash;<a
-href="#SECTION0018000">8. Localização de Talabriga</a>&mdash;<a
-href="#SECTION0019000">9. Opinião de Gaspar Barreiros</a>&mdash;<a
-href="#SECTION00110000">10. Geographia arabica</a>&mdash;<a
-href="#SECTION00111000">11. <em>Strata maurisca</em></a>&mdash;<a
-href="#SECTION00112000">12. Ria de Aveiro e o Vouga</a>&mdash;<a
-href="#SECTION00113000">13. Historia de Talabriga.</a></p>
-
-<h2><a name="SECTION0011000">I</a></h2>
-
-<p>Algum tanto sem o presentir, ao fazer o estudo da ara de Estorãos,
-(<em>Arch. Port.</em>, <small>XII</small>, 36) encontrei-me no limiar de um
-problema que, de modo definitivo, não se resolverá senão com a verificação
-<em>in loco</em> de vestigios archeologicos incontrastaveis.</p>
-
-<p>É o problema da trajectoria exacta da via romana entre Aeminium e Calem, da
-qual não se conhecem milliarios decisivos e sufficientes, especialmente da sua
-passagem por Talabriga.</p>
-
-<p>O assunto, parcialmente considerado, tem sido alvo das principaes
-referencias na pugna litteraria em que os paladinos de Agueda, de Aveiro e de
-Coimbra patrioticamente articulavam preeminencias genealogicas, que é da praxe
-mencionarem-se em monographias locaes, mas que hoje, quanto a Coimbra (e
-Condeixa-a-Velha) estão sentenciadas, em prejuizo até heraldico de Agueda<a
-name="tex2html1" href="#foot644"><sup>[1]</sup></a>.<span
-class="pn">{8}</span></p>
-
-<p>Propositadamente, porém, o problema não foi ainda estudado debaixo do seu
-aspecto geral; apenas por incidente tem sido versada a localização de
-Talabriga. Não venho com o proposito de o dar como resolvido, é certo; mas
-desejo englobar neste estudo um certo numero de considerações, que podem
-preparar o desenlace d'este ponto controvertido da geographia protohistorica da
-Lusitania, no campo adequado, e quiçá orientar pesquisas.</p>
-
-<p>Onde foi Talabriga? Até hoje nenhum d'estes indices peremptorios que marcam
-inilludivelmente a situação das antigas cidades, como para <em>Conimbriga</em>
-(Condeixa-a-Velha), <em>Aeminium</em> (Coimbra), <em>Bracara Augusta</em>
-(Braga), <em>Olisippo</em> (Lisboa), <em>Pax Julia</em> (Beja), etc., se nos
-antolha para dar resposta nitida áquella pergunta.</p>
-
-<p>Guiados pelas indicações geographicas do Itinerario e de Plinio, os nossos
-escritores teem querido alternadamente que Aveiro, Cacia, Esgueira occupem hoje
-o logar que outrora se chamou <em>Talabriga</em>. De facto, o Itinerario, ao
-contar as milhas que de <em>Aeminium</em> vão a <em>Calem</em> (Gaia ou Porto?)
-pela via militar, devia ter especial valor para este problema; mas a
-comprehensão da necessidade de verificar rigorosamente as indicações d'aquelle
-documento, a consulta de edições criticas, tomando-se por base a decisão do
-problema de Aeminium, e talvez o desaffecto de uma ou outra solução é que teem,
-no meu humilde entender, faltado a todos os autores que mais modernamente do
-assunto se teem abeirado<a name="tex2html2"
-href="#foot645"><sup>[2]</sup></a>.</p>
-
-<h2><a name="SECTION0012000">II</a></h2>
-
-<p>A geographia classica não é de todo omissa a respeito d'esta antiga
-povoação. O testimunho de Plinio, que é o A. mais expresso, vem a ser o
-seguinte: <em>A Durio Lusitania incipit. Turduli veteres, Paesuri, flumen
-Vagia</em><a name="tex2html3" href="#foot646"><sup>[3]</sup></a><em>, Oppidum
-Talabrica, Oppidum et flumen Aeminium, Oppida Coniumbrica,<span
-class="pn">{9}</span> Collippo, Eburobritium.</em> (C. Plinii Secundi, <em>Nat.
-Hist.</em>, ed. de Detlefsen, <small>IIII</small>, 113). Isto tem o ar de uma
-sêca enumeração chorographica, que se desdoba do norte para o sul, a contar do
-Douro, e que, restringida ao nosso caso, nos dá esta sequencia:</p>
-
-<p><em>a</em>) rio Vouga;</p>
-
-<p><em>b</em>) cidade de Talabrica;</p>
-
-<p><em>c</em>) cidade e rio de Aeminio (Coimbra);</p>
-
-<p><em>d</em>) e as cidades de Conimbrica (Condeixa),</p>
-
-<p><em>e</em>) Collippo (Leiria) e</p>
-
-<p><em>f</em>) Eburobricio (Obidos, Vejam-se <em>Relig. da Lusit.</em>,
-<small>II</small>, 31).</p>
-
-<p>Se não fôr certo, como não me parece, que Vouga é ao norte de Talabriga e
-este oppido ao sul do mesmo rio, pelo menos conclue-se que Talabriga vizinha de
-um lado ou outro aquelle estuario.</p>
-
-<p>Não trago nenhum outro autor antigo, porque elles não adeantam o problema
-chorographico. Na <em>Cosmografia</em> de Ravennate (ed. de Pinder &amp;
-Parthey, p. 307) <em>Talabrica</em> apparece transformada em Terebrica e fica
-na seguinte localização relativa:
-<em>Olisipona&mdash;Terebrica&mdash;Langobrica&mdash;Cenoopido&mdash;Calo</em>...</p>
-
-<h2><a name="SECTION0013000">III</a></h2>
-
-<p>Vamos pois ao <em>Itinerario</em><a name="tex2html4"
-href="#foot647"><sup>[4]</sup></a> e á discussão das suas indicações.
-Encontra-se nelle, que nos sirva:</p>
-
-<table align="center" cellpadding="3" border="0" summary="Indicações do itinerário">
- <tbody>
- <tr>
- <td align="left">Eminio</td>
- <td align="left">mp. <small>X</small></td>
- <td align="left"> </td>
- </tr>
- <tr>
- <td align="left">Talabriga</td>
- <td align="left">mp. <small>XL</small></td>
- <td align="left">(= 59:240 metros)</td>
- </tr>
- <tr>
- <td align="left">Langobriga</td>
- <td align="left">mp. <small>XVIII</small></td>
- <td align="left">(= 26:658 » )</td>
- </tr>
- <tr>
- <td align="left">Calem</td>
- <td align="left">mp. <small>XIII</small></td>
- <td align="left">(= 19:253 » )</td>
- </tr>
- <tr>
- <td align="left"> </td>
- <td align="left"> </td>
- <td align="left">   105:151 »</td>
- </tr>
- </tbody>
-</table>
-
-<p>A equivalencia que sigo é a de 1 milha = 1:481 metros (Saglio &amp;
-Daremberg, s. v. <em>Milliarium</em>).</p>
-
-<p>A trajectoria d'esta via desde Coimbra (Aeminium) a Gaia (Calem) deixaria de
-ser ponto controverso se, como succede noutras estradas romanas, alguns
-milliarios sobreviventes escalonassem os seus vestigios.<span
-class="pn">{10}</span></p>
-
-<p>Não ha porém, neste particular, mais que isto:</p>
-
-<p>1.º Um fragmento de milliario com 2<sup>m</sup>,04 de alto X
-1<sup>m</sup>,40 de circuito, que appareceu na Mealhada ao norte de Coimbra e
-só tem <small>M.XII</small>.</p>
-
-<p>2.º Outro que foi encontrado mesmo em Coimbra e aponta
-<small>M.IIII</small>.</p>
-
-<p>Nem aquelle nem muito menos este servem ao meu intento; o traçado litigioso
-no nosso caso é para norte da Mealhada e Anadia, e não entre Mealhada e
-Coimbra. (Vid. Borges de Figueiredo, <em>Oppida restituta</em>, p. 82; Hübner,
-<em>Notas archeologicas sobre Portugal</em>, p. 67, trad. cit.: <em>Catalogo
-dos objectos existentes no Museu de Archeologia do Instituto de Coimbra</em>,
-p. 6; A. Filipe Simões, <em>Escritos diversos</em>, 1883).</p>
-
-<p>3.º Um pretenso milliario descrito por Fr. Bernardo de Brito na
-<em>Monarchia Lusitana</em>, II, <small>V</small>, p. 3. Este vicio de origem
-obriga-me a pôr ainda de parte este monumento como comprobativo da directriz;
-Hübner fulmina-o com a sua desconfiança (<em>Corpus</em>, <small>II</small>, 55
-a *) dizendo que Brito queria demonstrar com elle a existencia de
-<em>Vacua</em>. Não lhe darei porém eu maior valor que o proprio monge, que,
-como por prevenção, confessa que as letras da pedra eram «mal distinctas e muy
-quebradas». Assim a sua interpretação deve desinteressar-nos, visto que não ha
-meio de contraprovar a leitura de Fr. Bernardo de Brito, duvidosa para elle
-proprio. Para este, a lapide era porém um padrão de estrada, o que pouco vale
-por entretanto para nós; mas provinha do Castello de S. Gião, ao que parece,
-<em>castro</em> rico em ruinas de muros, etc. Isto, cuja importancia só
-modernamente se aprecia, é que não se inventa e dá visos de que com effeito
-alguma cousa lá pudera ter apparecido. Mas Brito, com o dizer que a lapide era
-padrão de estrada, contrariava sem o advertir a propria crença de que a via
-romana seguia pela beiramar e <em>Talabriga</em> era em Aveiro. (<em>Mon.
-Lusit.</em>, id., p. 130).</p>
-
-<p>Não obstante, ponha-se de parte a exactidão da epigraphe do supposto, mas
-rehabilitavel, milliario do castro de S. Gião, e fique, provisoriamente, apenas
-um facto&mdash;o achado de um padrão de via romana num castro das margens do
-Caima. </p>
-
-<p>A opinião de que Aveiro fôra o assento da antiga estação do Itinerario tinha
-ainda por si, alem do mappa de Abr.<sup>ão</sup> Ortelius (<em>Theatrum orbis
-terrarum</em>, Antuerpia, CIC.IC.CIII) o pensar de Florez (<em>España
-Sagrada</em>, tomo <small>XIV</small>, p. 73), que lêra Plinio e uma edição
-antiga do Itinerario romano. E póde dizer-se que foi essa a corrente que
-dominou até hoje, se com Aveiro abrangermos o aro circunjacente. (Vejam-se
-Adolfo Loureiro. <em>Os portos maritimos de Portugal</em>, <small>II</small>,
-p. 3; Marques Gomes, <em>Districto de Aveiro</em>, onde restringe<a
-name="tex2html5" href="#foot651"><sup>[5]</sup></a> a Cacia o <em>ubi</em> de
-Talabriga;<span class="pn">{11}</span> Borges de Figueiredo, <em>Oppida
-restituta</em>, 1885; Pinho Leal, <em>Portugal Antigo e Moderno</em>, s. v.
-<em>Aveiro</em>; Gaspar Barreiros, <em>Chorographia de alguns lugares</em>; D.
-Nunes de Leão, <em>Descripção do reino de Portugal</em>; Francisco do
-Nascimento Silveira, <em>Mappa breve da Lusitania antiga</em>, etc.)<a
-name="tex2html6" href="#foot652"><sup>[6]</sup></a>.</p>
-
-<p>Regressemos porém ao <em>Itinerario</em>, e vejamos se será possivel
-concluir algo que um dia a pesquisa e exploração persistente do archeologo
-possa contraprovar. É o meu sonho.</p>
-
-<p>Que a medição total do <em>Itinerario</em> relativa á via <em>ab Aeminio
-Calem</em> está notavelmente exacta, demonstra-o esta verificação facil: a
-somma das milhas que se contaram de Eminio a Gaia, reduzida a kilometros,
-(unidade mais pratica e mais exacta que a de leguas, até agora adoptada) era de
-105:151 metros, como vimos; a distancia computada actualmente na Carta do
-Estado Maior d'esta região pela directriz da <em>estrada real</em> é de 105:100
-metros<a name="tex2html7" href="#foot653"><sup>[7]</sup></a>. Não podendo ser
-mais breve a distancia d'esta estrada, como se verifica olhando os traçados
-rectificados ao lado do mappa junto, em que a distancia em linha recta e a
-rectificação exacta da extensão effectiva da estrada fazem pequena differença,
-o que mostra que os desniveis ou as inflexões do traçado são assaz reduzidos,
-conclue-se que a via romana, desde que marca igual extensão kilometrica, não
-poderia seguir caminho mais longo que ella, nem portanto muito distanciado
-d'ella.</p>
-
-<p>Esta coincidencia de medições é suggestiva e não permittiria, só por si, que
-a trajectoria da via romana e da actual estrada real divergissem<span
-class="pn">{12}</span> muito. Se esta desenhasse uma inflexão pronunciada no
-seu trajecto de Coimbra a Gaia, claro é que era possivel, sem exceder a mesma
-extensão, encontrar outra curva symetrica que tocasse em pontos intermedios
-diversos e afastados, e coincidisse apenas nos respectivos extremos, o que nada
-util me seria; mas nas circunstancias que se dão e já salientei, e que me
-permittiram estudar sobre uma carta este problema, a coincidencia effectiva das
-duas vias de communicação deve em grande parte quasi corresponder á
-coincidencia theorica, agora expendida.</p>
-
-<p>Isto oppõe-se a que a via romana passasse em Aveiro, ponto muito afastado e
-divergente do trajecto theorico<a name="tex2html8"
-href="#foot654"><sup>[8]</sup></a>.</p>
-
-<h2><a name="SECTION0014000">IV</a></h2>
-
-<p>Vou porém demonstrar por partes como isto assim deve ser. É preciso partir
-do principio já demonstrado, embora para o total da distancia, que as medições
-do Itinerario não contém erro. Qualquer inexactidão nas milhas marcadas para
-cada uma das secções da via militar alteraria a somma, desde que, por um acaso
-unico, não fosse compensada por outra inexactidão.</p>
-
-<p>Ora a via romana de Eminio contém tres troços ou secções; o 1.º de Eminio a
-Talabriga; o 2.º de Talabriga a Langobriga; o 3.º de Langobriga a Cale. Se uma
-sequer das distancias correspondentes do Itinerario contivesse erro, a somma
-total accusá-lo-hia; mas nós já vimos que a distancia de 105 kilometros
-corresponde a uma realidade. Comecemos pelo extremo norte da via. Isto conduz
-mais claramente ao meu fim; e descobre mais prontamente o erro em que até agora
-me parece que tem laborado os escritores. Tomemos o mappa<a name="tex2html9"
-href="#foot151"><sup>[9]</sup></a>.</p>
-
-<p>Se traçarmos um arco de circulo, cujo centro seja Gaia e o raio igual á
-distancia de Cale a Langobriga, isto é, a 19 kilometros (veja-se<span
-class="pn">{13}</span> a escala), teremos obtido uma curva theorica (LL no
-mappa) que no terreno representa uma faixa de tolerancia, mais ou menos larga,
-dentro da qual e numa zona d'ella que seja compativel com um trajecto
-ininterrupto da via, cuja extensão já definida se não póde exceder, o
-archeologo deverá procurar os vestigios de Lancobriga.</p>
-
-<p>Esta zona, ou este segmento, não poderá pois, em principio, afastar-se
-consideravelmente da directriz da estrada real.</p>
-
-<p>Consultemos de novo o Itinerario. Entre Langobriga e Talabriga medeiam
-26:600 metros. Ignorando ainda qual o ponto preciso que na curva <em>LL</em>
-marca o primeiro d'aquelles oppidos, deveremos traçar um arco de circulo
-parallelo ao antecedente e á distancia que a escala indica. Como o terreno não
-é propriamente uma carta celeste<a name="tex2html10"
-href="#foot154"><sup>[10]</sup></a> em que os pontos podem ser rigorosamente
-indicados, a nova curva deixada pelo compasso é representativa de uma segunda
-faixa de tolerancia, susceptivel de maior ou menor elasticidade, mas confinada,
-quanto á sua extensão, pela continuidade do trajecto viario em direcção a
-Aeminium, trajecto cujo comprimento tem limite determinado de milhas.</p>
-
-<p>E assim temos o arco <em>TT</em>.</p>
-
-<p>Nesta curva, que não é mais que uma zona media, deverão surgir ao appellido
-do archeologo as ruinas do que outrora foi Talabriga. Esta conclusão emerge
-logicamente das bases que tomei: o acerto evidente do Itinerario no total e
-muito provavel nas secções; a coincidencia das extensões da via antiga e da
-estrada moderna.</p>
-
-<p>Se agora, por contraprova, apontarmos o compasso a Eminio e girarmos com um
-raio de 59 kilometros, verificado segundo a escala, obteremos outra curva, a
-terceira, tangente á segunda e que tem a missão de indicar a zona util, o
-segmento dos arcos, correspondente á area provavel da situação de Talabriga.
-Porque o que não póde haver, é um hiato, uma interrupção de trajecto de Cale a
-Aeminium<a name="tex2html11" href="#foot156"><sup>[11]</sup></a>.</p>
-
-<p>Esta primeira phase da minha demonstração, porém, já torna incompativel a
-actual situação de Aveiro com vestigios de Talabriga. E mais do que isto; vem
-levantar um equivoco de Plinio, que parece<span class="pn">{14}</span> suppôr
-aquelle oppido ao sul do Vouga; se assim fosse, não seria possivel encontrar o
-ponto de reunião do caminho que descia de Cale a encontrar Lancobriga aos 19
-kilometros e se prolongava na direcção do sul até mais 20 kilometros, onde
-devia beijar a Talabriga do Itinerario sem encontrar a de Plinio<a
-name="tex2html12" href="#foot655"><sup>[12]</sup></a>. O hiato resultante fica,
-parece-me, fechado e annullado, desviando Talabriga de Aveiro e aproximando-a
-de Albergaria, ao norte do Vouga; isto é, a hipothese que proponho é a que se
-concilia em todos os pontos com o Itinerario.</p>
-
-<h2><a name="SECTION0015000">V</a></h2>
-
-<p>Mas não se concilia só com esta fonte documental: é a mais plausivel em face
-das condições topographicas e historicas da região de Entre-Vouga-e-Douro.</p>
-
-<p>A actual directriz da estrada real é a que mais ou menos devia ter seguido a
-via romana que procurasse unir Eminio a Cale, dado o traçado que ella já trazia
-desde Lisboa.</p>
-
-<p>Em primeiro logar: as condições topographicas d'aquelle grande delta do
-Vouga não eram senão de molde para difficultar a abertura de uma estrada na
-epoca romana, em concorrencia com traçado mais firme e duradouro, mais
-economico, mais util e mais commercial. Aquellas planuras deviam existir já
-então, como um presente do Vouga, segundo se tem dito, creio, do Nilo.</p>
-
-<p>Se eram naquelle tempo pantanos, ou bosques intransitaveis<a
-name="tex2html13" href="#foot656"><sup>[13]</sup></a> ou veigas retalhadas,
-como hoje, por um dedalo de canaes e esteiros, não me cabe a mim defini-lo. De
-qualquer d'estas fórmas, uma via romana não iria atravessar uma região em que a
-falta de pedra é quasi absoluta, e a multiplicidade de trabalhos de
-architectura civil ou de obras<span class="pn">{15}</span> de arte uma
-consequencia inevitavel. Era preciso combater por um lado a pouca firmeza do
-terreno, por outro contar com o custo da empresa<a name="tex2html14"
-href="#foot171"><sup>[14]</sup></a>, ou os impecilhos da viagem.</p>
-
-<p>Por isso os mesmos motivos que na idade media afastaram a construcção, ou
-melhor, a conservação de uma estrada velha para longe da costa, obrigando-a a
-passar nas pontes que ainda existem, devem ter sido os mesmos que desviaram os
-engenheiros romanos de lançarem a via militar através de campinas encharcadas,
-só para irem buscar a embocadura do Vouga, antes de attingir Calem.</p>
-
-<p>Depois preciso é notar que havia outra directriz ao alcance da administração
-do Imperio, directriz que não podia admittir confrontos com a traçada através
-do delta do Vouga. Essa directriz levava a estrada romana pela orla fóra do
-terreno firme e accidentado e da região povoada de castros e abundosa de
-minerios, região que ainda hoje podemos ver acompanha-la pelo trajecto da
-estrada real. As vias de communicação teem muitas vezes uma directriz fatal e
-tradicional através de longos tempos e povoadores successivos<a
-name="tex2html15" href="#foot657"><sup>[15]</sup></a>.</p>
-
-<p>Póde soffrer destruição o caminho, sem estancar a arteria de communicação.
-</p>
-
-<p>A actual estrada real ou de macadam foi ainda, por assim dizer, decalcada
-pela anterior, a medieval, cujos restos subsistem nas pontes antigas de que os
-chorographos fallam. Esta orientou-se pela comprehensão das conveniencias, e
-afastou-se da embocadura do Vouga, seguindo a directriz mais economica e mais
-util; não direi ainda a directriz romana porque é o que pretendo demonstrar,
-mas a que era directriz tradicional, como vou explicar.<span
-class="pn">{16}</span></p>
-
-<h2><a name="SECTION0016000">VI</a></h2>
-
-<p>Os castros ou montes habitados encontram-se precisamente no seguimento da
-via romana; os oppidos referidos pelos AA. antigos, as <em>brigae</em>, e as
-cidades romanizadas não são mais que uma evolução d'aquellas estancias,
-consoante as denominações que lhes applicaram<a name="tex2html16"
-href="#foot658"><sup>[16]</sup></a>; era por essa corda alem, que o terreno
-baixo e plano da zona maritima começava de elevar-se. A estrada romana
-desenrolava-se por entre esses centros da habitação, abandonando ao lado um
-país chato, pouco firme e talvez quasi invio.</p>
-
-<p>Do sul para o norte <em>Anadia</em> está situada nas abas de um monte de
-<em>Crasto</em> (Pinho Leal e M. Gomes).</p>
-
-<p><em>Agueda</em> está tambem perto de um <em>Crasto</em> (Pinho Leal).<span
-class="pn">{17}</span></p>
-
-<p>Nas margens do Vouga, naquelle logar onde subsiste ainda a ponte medieval
-(Pinho Leal), encontra-se na aldeia de <em>Vouga</em> um morro que foi castro
-(Brito e P.<sup>e</sup> Carvalho, <small>II</small>, 161); explica Francisco do
-Nascimento Silveira (<em>Mappa breve da Lusitania</em>, p. 239) que
-<em>Vacca</em> existia em sitio forte por natureza, entre as pontes de Vouga e
-Marnel, porque alli se vêem vestigios de muros antigos e sinaes de uma
-majestosa grandeza; existem ainda tijolos, cantarias, muralhas em <em>Lamas de
-Vouga</em> (<em>Arch. Port.</em>, <small>V</small>, 50 e <small>VII</small>, 191)<a
-name="tex2html17" href="#foot660"><sup>[17]</sup></a>, e havia ahi a
-<em>civitas Marnele</em> (<em>Port. Mon. Hist.</em>, «Diplom. de Chart.», n.º
-819)<a name="tex2html18" href="#foot661"><sup>[18]</sup></a>, cuja origem deve
-ter sido outro castro.<span class="pn">{18}</span></p>
-
-<p>Na carta geodesica vê-se, junto ao rio, um <em>Castello</em> (111). Isto é
-ainda do concelho de Agueda<a name="tex2html19"
-href="#foot662"><sup>[19]</sup></a>.</p>
-
-<p>Na freguesia de Serem, tambem concelho de Agueda, outra <em>civitas</em>
-(Viterbo, s. v. <em>Cidade</em>); ha lá sitios elevados a norte e a sul (Cfr.
-M. Gomes).</p>
-
-<p>Na freguesia da <em>Branca</em> ha um logar de <em>Cristellos</em> (M. Gomes
-e <em>Arch. Port.</em>, <small>II</small>, 313).</p>
-
-<p>Na serra de S. Julião, mesma freguesia, <em>onde passa a estrada real</em>,
-diz o Sr. M. Gomes que ha ruinas de muralhas e fossos: acreditava-se (<em>Arch.
-Port.</em>, loc. cit.) que ahi era a antiga <em>Langobria</em> (sic). Não sei
-se é precisamente o mesmo local a que Brito (<em>Mon. Lusit.</em>, II,
-<small>V</small>, p. 3) chama castello de <em>S. Gião</em>, onde havia ruinas
-de muros e elle encontrou o tal padrão suspeito e onde presume
-<em>Lancobriga</em>, não na Feira, diz, mas entre Albergaria e Bemposta,
-defronte de Pinheiro. Significativa confusão! Aquelle logar de
-<em>Cristello</em> vem na carta geodesica entre Estarreja e a estrada real<a
-name="tex2html20" href="#foot663"><sup>[20]</sup></a>.</p>
-
-<p>Na freguesia de Ul ha outro castro (<em>aldeia do crasto</em>), de que porém
-não conheço o <em>ubi</em>. Tem uma cintura de muralha de pedra solta ou cousa
-que o valha. (Pinho Leal, s. v. <em>Ul</em>).</p>
-
-<p>Nas proximidades de Azemeis parece que não são escassos estes monumentos
-(<em>Quatro Dias na Serra da Estrella</em>, por E. Navarro, Porto 1884, p.
-174).</p>
-
-<p>Em <em>Ossella</em> ha um castro com ruinas de muralhas (Brito, <em>loc.
-cit.</em>).</p>
-
-<p>Entre <em>S. Martinho</em> e <em>S. Tiago</em> vê-se na carta geodesica um
-<em>crasto</em>, a O. da estrada real; isto é no parallelo de Ovar. Será
-aquelle a que Pinho Leal chama Castro Troncal ou Francal (s. v. <em>C. de
-Cucujães</em>)?</p>
-
-<p>No <em>Arch. Port.</em>, <small>VI</small>, 68, diz-se que ha em Oliveira de
-Azemeis um logar de <em>Lações</em>, onde foi a antiga Lancobriga
-(<em>sic</em>), porque ahi se ajustam as medidas do Itinerario e não na Feira
-ou Bemposta. Este sitio é elevado e estrategico; a sua cota é de 287 metros e
-fica na fronte de um promontorio fechado por duas ribeiras e no extremo de uma
-chapada em cujo prolongamento se conta ainda a altitude de 274 metros. É, pelo
-que se vê, um <em>castro</em>. <em>Lancobriga</em> e que não.<span
-class="pn">{19}</span></p>
-
-<p>Em <em>Macieira de Cambra</em> ha um castro (<em>Arch. Port.</em>,
-<small>VII</small>, 54)<a name="tex2html21"
-href="#foot664"><sup>[21]</sup></a>.</p>
-
-<p>Em <em>Romariz</em> informa o Sr. M. Gomes que ha um <em>Crasto</em>, onde
-appareceram antiqualhas da epoca romana; o que é presumivel e prova ter
-recebido a influencia dos seus conquistadores.</p>
-
-<p>Os antigos chorographos portugueses não teem dado valor aos cabeços
-elevados, onde se encontram os vestigios do que póde ter sido um castro, uma
-citania, emfim uma estacão archeologica pre-romana, e isso não admira; mas o
-facto é esse e constitue uma deficiencia na descrição dos logares, que
-actualmente seria imperdoavel, e que, num caso como o que estou versando,
-sonega lamentavelmente elementos aproveitaveis de estudo.</p>
-
-<p>Junto ao mar, e bastante para o norte, em Esmoriz, encontro menção de um
-castro, especializado hoje pelo erudito estudo que d'elle fez documentalmente o
-meu erudito amigo Sr. Pedro de Azevedo (<em>Arch. Port.</em>,
-<small>III</small>, 137). Era o castro de <em>Aville</em>, <em>Ouvil</em>,
-<em>Ubile</em> e <em>Obil</em>, denominações que se applicavam á lagoa que
-ainda existe, e que elle dominava. Crê o distincto publicista que aquelle
-castro é o mesmo outeiro a que o parocho depoente de 1758 chamou <em>Monte do
-Murado</em>, pertencente á freguesia de S. Martinho de Mozellos. Fico porém em
-duvida, pois que estando o castro <em>prope litore maris</em> (Docs. de 1055,
-1076) bem como a lagoa (Docs. de 1057 e 1090), Mozellos parece um pouco
-afastado para o interior. Confessando que, sem a inspecção dos logares, a base
-é instavel, em todo o caso affiguram-se-me aqui dois castros distinctos.</p>
-
-<p>Em S.<sup>ta</sup> Maria de <em>Fiães</em> apparece outro castro ou
-«povoação de Mouros» (<em>Arch. Port.</em>, <small>IV</small>, 250).</p>
-
-<p>E d'ahi para o norte, são frequentes na faixa atravessada pelo caminho
-romano. Será algum d'estes castros o jazigo de Langobriga?</p>
-
-<p>Este inventario, tendo origem, como tem, exclusivamente bibliographica, não
-póde deixar de ser omisso. A averiguação local e a informação competente
-accrescentá-lo-hiam, se eu d'estes dois factores me tivesse soccorrido. Para o
-meu intento, o pouco que joeirei, era colheita bastante.</p>
-
-<h2><a name="SECTION0017000">VII</a></h2>
-
-<p>Alem d'estas averiguadas condições de habitabilidade que se encontravam no
-trajecto da via romana e que, em meu entender, conjugadas com as da elevação e
-relevos de terreno, que para as populações<span class="pn">{20}</span>
-ante-historicas constituiam uma necessidade vital, concorreria tambem, não sem
-ligação com ellas, a existencia de jazigos metalliferos.</p>
-
-<p>Nem todas as minas que enumero seriam conhecidas na antiguidade, mas em
-algumas ha vestigios da remota laboração e o que tudo attesta é que a região
-era mineira e portanto centripeta de populações.</p>
-
-<p>Os locaes explorados são Telhadella, Albergaria, Palhal, Milheirós,
-Cucujães, Nogueira, Ossella, Palmás, Carvalhal, Pindello, Silva Escura, Ul,
-Talhadas, Braçal, Coval da Mó, Malhada.</p>
-
-<p>Os minerios são cobre, tão procurado na antiguidade, chumbo, prata, etc.</p>
-
-<p>D'estes jazigos, aquelle em que são mais importantes os vestigios de antiga
-lavra, é o da Malhada, uma das concessões das chamadas Minas do Braçal. As
-madeiras de entivação, que foram encontradas dentro da mina, denotam tal
-antiguidade que parecem fossilizadas, em consequencia da côr negra que
-adquiriram. Os trabalhos antigos attingem a profundidade de 45 metros
-(<em>Catalogo Descriptivo da Secção de Minas</em>, pelos Srs. Severiano
-Monteiro e J. Augusto Barata, p. 188).</p>
-
-<p>A respeito dos outros, a noticia de antiga exploração é muito vaga para que
-me seja licito insistir. Nas minas de Palhal tambem ha vestigios antigos. (Cfr.
-Marques Gomes, <em>Districto de Aveiro</em>).</p>
-
-<h2><a name="SECTION0018000">VIII</a></h2>
-
-<p>Que se póde concluir das considerações que até aqui tenho encadeado?</p>
-
-<p>Por um lado, o estudo do Itinerario levou-me a aventurar na carta
-geographica, largamente circunscritas, as zonas em que o calculo faz presumir
-que se devem encontrar as ruinas de Talabriga; por outro lado, a inquirição
-topographica e onomastica da região, tanto quanto era possivel com a escassez
-de elementos, indicou-me alguns logares de archaicas estações archeologicas do
-genero da que deve ter sido Talabriga, como castro ou oppido submettido ao
-poder de Roma.</p>
-
-<p>Quero lembrar que <em>briga</em> só póde corresponder a uma posição elevada,
-a um outeiro ou cabeço fortificado; por onde Talabriga nunca pudera ser Aveiro
-ou arredores (Vid. <em>Arch. Port.</em>, <small>XII</small>, 42).</p>
-
-<p>Relançando novamente o olhar ao mappa, poder-se-há notar que a zona
-attribuivel á situação de Talabriga<a name="tex2html22"
-href="#foot666"><sup>[22]</sup></a> não está erma de castros,<span
-class="pn">{21}</span> antes nella se dão varias circunstancias que não posso
-deixar de aproveitar para a minha these conjectural.</p>
-
-<p><em>Branca</em> é uma freguesia cuja séde fica na margem direita de Caima e
-que é cortada pela estrada real; ha nella um logar de <em>Cristellos</em>, que
-só pelo toponimo demonstra a existencia de um castro ou oppido. Mas alem
-d'este, infere-se do Sr. Marques Gomes, de Fr. Bernardo de Brito (<em>loc.
-cit.</em>) e d-<em>O Arch. Port.</em> (<small>II</small>, 313, «Mem.
-Parochiaes») que ha um local sito na serra de S. Julião, atravessado pela
-estrada real e que Brito mais claramente chama <em>castello</em> de S. Gião
-(<em>castello</em> por <em>castro</em>), no qual, segundo aquelles tres
-testimunhos, ha ruinas de muralhas e fossos, que o Sr. M. Gomes presume serem
-ruinas de uma <em>atalaia</em> e que o parocho das <em>Memorias</em> tambem
-capitula de vestigios romanos, acrescentando muito singularmente (note-se bem o
-que isto póde significar) que ahi esteve... <em>Langobria</em> (<em>sic</em>).
-Foi aqui que Brito diz ter encontrado a tal pedra de <em>letras mal
-distinctas</em> de que não affiança a leitura, mas que lhe pareceu <em>padrão
-de estrada</em>.</p>
-
-<p>E aqui tem cabimento o que já atrás deixo dito, para absolver de fraude
-consciente a noticia archivada em Fr. Bernardo de Brito.</p>
-
-<p>Parece-me pois ser neste aro, se não neste mesmo ponto, que se deverá
-procurar o jazigo, não de Langobriga, mas da nossa Talabriga, e é precisamente
-a estas immediações que o compasso me levou ao medir sobre a carta a primeira
-secção da via romana de Coimbra a Gaia<a name="tex2html23"
-href="#foot352"><sup>[23]</sup></a>.<span class="pn">{22}</span></p>
-
-<p>Não desconheço quanto de problematico isto tem antes de serem perguntados
-pelo archeologo os logares, as ruinas, os vestigios e os montes e as vozes da
-região, mas nem por isso o meu espirito deixa de ficar demonstrado, até o
-possivel, que as cinzas de Talabriga nunca podem estar guardadas em Aveiro. As
-coincidencias que acabo de notar, não são bases frivolas.</p>
-
-<p>Só pois a inspecção directa do terreno, nas immediações da Branca, poderá
-concorrer para confirmar ou destruir a minha conjectura.</p>
-
-<p>D'esta região para o norte, a via romana seguiria até Cale, mais ou menos
-proxima do actual leito da estrada real; só alguns vestigios ou referencias de
-documentos, como os de Grijó, e a inquirição dos logares e tradições poderão
-concorrer para precisar a trajectoria d'aquella antiga via de communicação; o
-caso em si, porém, é indifferente para a questão primacial que motivou este
-estudo. O que é certo, é que a estrada romana sulcava a faixa comprehendida
-entre a estrada real e a linha ferrea até o vertice de Gaia.</p>
-
-<p>Ao sul de Branca e Albergaria, a directriz da via militar sente-se
-escalonada nos vestigios medievaes que deixei explanados nas paginas
-anteriores. <em>Albergaria</em> denota bem que o sitio era de assiduo e antigo
-transito (Viterbo, <em>Elucidario de palavras</em>, etc. s. v.
-<em>Albergaria</em>) ponto necessario de passagem para quem do sul buscava o
-norte do país. As <em>mansiones</em> tinham o caracter de pousadas.</p>
-
-<p>Em tempos de lazer para obras de piedade, é que a instituição caritativa se
-fundou, como implemento de uma necessidade que já existia.</p>
-
-<p>As pontes de Vouga e Marnel são indicios bem importantes da frequencia das
-viagens através d'esta parte da região, afastada da costa baixa e paludosa. São
-decerto obras da idade media, dos <em>mouros</em>, diz Pinho Leal (s. v.
-<em>Marnel</em> e <em>Vouga</em>). Mas os indicios pre-romanos e romanos
-soletram-se nessas ruinas de muralhas, pedras lavradas, vestigios de edifícios
-e toponymia, que os cabeços de Vouga e Marnel nos conservam, segundo descrevem
-Brito, Pinho Leal e os parochos do sec. <small>XVIII</small> nos extractos
-publicados pelo <em>Archeologo Português</em>.</p>
-
-<h2><a name="SECTION0019000">IX</a></h2>
-
-<p>O sentimento de Gaspar Barreiros (<em>Chorographia de alguns logares</em>,
-<small>MDLXI</small>, p. 48 sgs.) era que a situação de Talabriga devia ser a
-actual Cacia, especialmente na igreja de S. Julião, onde apparecem vestigios
-antigos. Varios autores o seguem.</p>
-
-<p>As razões d'este illustre escritor do sec. <small>XVI</small> merecem alguma
-discussão.<span class="pn">{23}</span></p>
-
-<p>Barreiros funda-se no Itinerario e conta, no sentido d'este roteiro, as
-milhas de Conimbriga para o norte. E por confirmação d'este argumento, traz o
-passo de Plinio que eu já transportei a este estudo, mas com uma differença que
-elle tomou de um archetypo Toletano (p. 51), declarando porém que alguns
-exemplares de Plinio não são accordes com aquelle. A lição citada é pois esta:
-<em>A Durio Lusitania incipit, Turduli veteres, Pesuri, flummen Vacca, oppidum
-Vacca, oppidum Talabrica, oppidum et flumen Minium</em>, etc. Esta variante
-demonstra a existencia de uma cidade <em>Vouga</em>, que G. Barreiros colloca
-na Ponte de Vouga (p. 50 <em>v</em>). Algumas cartas antigas reflectem esta
-indicação. Isto posto, G. Barreiros leva a contagem de Conimbriga para
-Talabriga por espaço de 50 milhas, o que é exacto, espaço que elle computa
-equivalente a 12,5 leguas e enumera:</p>
-
-<table align="center" border="0" cellpadding="3" summary="Calculo de G. Barreiros">
- <tbody>
- <tr>
- <td>De Condeixa a Coimbra</td>
- <td>2,5 leguas</td>
- </tr>
- <tr>
- <td>De Coimbra á Mealhada</td>
- <td>3,5 »</td>
- </tr>
- <tr>
- <td>Da Mealhada a Avellãs</td>
- <td>2 »</td>
- </tr>
- <tr>
- <td>De Avellãs a Agueda</td>
- <td>2 »</td>
- </tr>
- <tr>
- <td>De Agueda á Ponte de Vouga</td>
- <td>1,5<a name="tex2html24" href="#foot667"><sup>[24]</sup></a> »</td>
- </tr>
- <tr>
- <td>De Ponte de Vouga a Cacia</td>
- <td>1 »</td>
- </tr>
- <tr>
- <td> </td>
- <td>12,5</td>
- </tr>
- </tbody>
-</table>
-
-<p>«Na qual villa &amp; igreja de sanct. Juliã nas ribeiras do Vouga situadas,
-se acham vestigios antigos, s. os fundam&#x1ebd;tos de h#7869;a torre que na
-memoria dos hom&#x1ebd;s inda staua quasi inteira, onde era outro tipo segundo
-ficou fama de h#7869;s em outros chegauam nauios da foz do mar, porque inda ali
-se acharam pedaços d'elles &amp; anchoras iuncto da dicta torre em h#7869;a
-lagoa Afora muitos vestigios &amp; ruinas d'argamassa que dentro em seu ambito
-cõprehende h#7869;a milha pouco mais ou menos» (p. 50).</p>
-
-<p>A não ser que tenhamos de recorrer a uma mudança da primitiva situação, nós
-temos de procurar em Talabriga a cidade preromana, que no sec.
-<small>II</small> a. C. Decimo Junio Bruto reduzia á miseria e á impotencia,
-segundo narra Appiano. E esse oppidum teria que possuir condições estrategicas
-identicas ás dos outros castros preromanos, taes como elles nos acenam que
-foram escolhidos pelas populações proto-historicas;<span class="pn">{24}</span>
-teria que justificar o proprio designativo de caracter celtico
-<em>briga</em>&mdash;altura fortificada.</p>
-
-<p>Creio poder affirmar que nada d'isto se encontra em Cacia. Alem d'isto o
-proprio G. Barreiros, no dizer que, entre os vestigios antigos, sobresaía uma
-torre, que ainda andava lembrada, e se topavam «ruinas de argamassa», quasi
-estabelece uma chronologia, porque taes vestigios não podem ser anteriores aos
-romanos; poderão attribuir-se menos á sua epoca que ás posteriores. Para a
-contemporaneidade, teriamos que admittir e demonstrar uma deslocação do
-primitivo assento de oppidum, como vimos; se esses vestigios se affectam ás
-epocas successoras dos romanos, o facto sae para fóra do problema e d'elle me
-não posso occupar.</p>
-
-<p>O principal estorvo, porém, que a opinião de Barreiros encontra, é aquelle
-que eu quis descobrir e evitar, quando ajustei a medição do itinerario a contar
-de Cale para o Sul e não de Aeminium para o Norte. Evitei assim o erro de cair
-em Aveiro, em Esgueira e agora em Cacia, onde muito bem podia ir passar com o
-roteiro romano nas mãos.</p>
-
-<p>Isto illumina-se á luz da carta. Barreiros vem seguindo, com os ouvidos na
-tradição do seu tempo, o leito do caminho romano (dito mourisco) pela Mealhada,
-Agueda, até á ponte de Vouga, e até aqui bem elle vem; chegado porém a esta
-altura, desnorteia-se e inflecte para Oeste para fazer a primeira estação de
-Itinerario em Cacia, imaginando-se em Talabriga. Kilometricamente, creio não
-haver que lhe objectar. A distancia da ponte de Vouga a Cacia é proximamente
-igual á que entre o mesmo ponto se nota e a linha-zona <em>TT</em>, que eu
-determinei. Portanto não falseava o illustre chorographo quinhentista a tabella
-do Itinerario, isto é, as 50 milhas desde Condeixa (Conimbriga).</p>
-
-<p>Mas a precaução de começar a contagem de Cale para Talabriga, obsta ou
-impede aquella inflexão e obriga a trazer o caminho numa directriz mais
-desempenada para a ponte de Vouga. Volvendo os olhos á curva <em>TT</em> do
-mappa, ver-se-ha que Cacia lhe fica a distancia grande porque, com este desvio
-da trajectoria normal, a medição romana perdeu espaço, atrasando-se.</p>
-
-<p>Se não fosse este meio de verificar o erro, era possivel a desorientação.
-</p>
-
-<p>Creio, pois, ter demonstrado pela ethnographia e pela geometria topographica
-que Talabriga não póde ser collocada em Cacia, quer se olhe á Talabriga
-preromana ou protohistorica, quer á romana ou historica; á Talabriga de Appiano
-e D. J. Bruto ou á da epoca imperial e do Itinerario.<span
-class="pn">{25}</span></p>
-
-<h2><a name="SECTION00110000">X</a></h2>
-
-<p>Como, segundo se infere de Appiano (vid. adeante), o oppidum de Talabriga
-continuou a ser habitado depois da sua rendição no sec. <small>IV</small> a. C.
-e emfim ainda existia no sec. <small>IV</small> d. C., poderia succeder que elle
-conseguisse resistir á vinda dos barbaros, e chegar ao dominio dos arabes.
-Convinha pois consultar a geographia arabica, e o nome de Edrisi, geographo do
-sec. <small>XII</small>, impunha-se-me logo.</p>
-
-<p>O que das suas differentes traducções se conclue, não é nada claro para mim
-que ignoro o arabe, mas poderá auxiliar o estudo da questão por parte dos
-arabistas.</p>
-
-<p>Ha uma edição de 1619 (Paris) com o titulo de <em>Geographia Nubiensis</em>,
-que quero pôr em confronto com a traducção de Amédée Jaubert (<em>Géographie
-d'Edrisi</em>, Paris 1840).</p>
-
-<p>Edrisi descreve dois caminhos de Coimbra a Santiago de Compostella: um por
-terra, outro por mar.</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p style="text-align: center;"><strong>Caminho por terra</strong></p>
-
-<div style="width: 50%; padding: 0.5em; float: left;">
-<p style="text-align: center;"><em>Ed de 1619</em> (trad. lat)</p>
-
-<p>«Iter autem terrestre a <em>Colimria</em> ad <em>S. Jacobum</em> est
-hujusmodi: a <em>Colimbria</em> ad oppidum <em>Aba</em> stationis habetur
-intervallum. Ab <em>Aba</em> ad oppidum <em>Vatira</em> statio. Ab hoc ad
-primos terminos regionum Portugalliae, statio, pergit que iter secans terram
-Portugalliae spatio diei, ibique conspicitur oppidum <em>Bonacar</em> ad ripam
-fluminis <em>Durii</em>, quod est flumen Samorae, atque illic trajiciendum
-cymbis ad hoc paratis. Ab oppido ad amnem Minio, indeque ad castellum Abraca LX
-M. P. duae videlicet stationes. A castello <em>Abraca</em> ad castellum
-<em>Tui</em> stationes duae».</p>
-
-<p style="text-align: center;">&mdash;&mdash;</p>
-
-<p>O editor de 1619 diz que não ha medida certa para as <em>stationes</em>,
-expressão que se referia a pousada dos viandantes. As <em>stationes</em> justas
-eram de 25 milhas, mas algumas tinham mais, outras menos. Parece que seria o
-espaço que se poderia percorrer em um dia.</p>
-</div>
-
-<div style="padding: 0.5em;">
-<p style="text-align: center;"><em>Ed. de 1840</em> (trad. fr.)</p>
-
-<p>«O itinerario por terra de Colomria (Coimbra) a S. Tiago é como segue: de
-<em>Coimbra</em> a <em>Abah</em> (Ribadavia) (!) aldeia, uma jornada. De
-<em>Abah</em> a <em>Uetaria</em> (Huctaria) (?) aldeia, uma jornada. D'ahi á
-fronteira de Portugal, uma jornada. O caminho vae através das terras de
-Portugal durante uma jornada, ao fim da qual se chega a <em>Buna-Car</em>,
-aldeiasinha nas margens do <em>Douro</em>, que é o rio de Zamora. Passa-se o
-rio em barcos proprios para isto. D'este logar ao rio <em>Minho</em> ou antes
-ao forte <em>Abraça</em> (insua de Caminha) (?) 60 milhas ou duas jornadas.
-Depois <em>Tuia</em> (Tuy) cidade pouco notavel, mas bella e numa região
-fertil, duas jornadas» (<small>II</small>, p. 232)</p>
-
-<p style="text-align: center;">&mdash;&mdash;</p>
-
-<p>No texto francês, ao vocabulo <em>statio</em> corresponde <em>journée</em>,
-que eu traduzi por <em>jornada</em> (de um dia).</p>
-</div>
-
-<p>Temos aqui duas traducções do texto arabe, uma em frente da outra, e a
-verdade é que sufficientemente se correspondem. O principal para<span
-class="pn">{26}</span> o meu fim seria a localização das estações de Edrisi;
-neste ponto o traductor francês apenas conserva intemeratamente as tradições
-dos estrangeiros quando, fallando ou escrevendo, debicam na nossa geographia.
-</p>
-
-<p>Nem ao diabo lembra que a Coimbra se siga... <em>Ribadavia</em>!</p>
-
-<p>A primeira estação ao deixar Coimbra é <em>Aba</em> (ed. 1619) ou
-<em>Abah</em> (ed. 1840). Poderá corresponder a <em>Agueda</em>? Jaubert
-desejaria falar em <em>Riba-d'Agueda</em>! É provavel.</p>
-
-<p>A segunda estação foi interpretada por <em>Vatira</em> (ed. 1610) e
-<em>Uetaria</em> (ed. 1840). Não sei identificar esta localidade, assim
-desfigurada.</p>
-
-<p>Em seguida a isto, se na versão latina parece haver uma incongruencia, ella
-desapparece na traducção francesa. Através das terras de Portugal, chega-se com
-um dia de viagem ás margens do Douro. Isto parece ser bem o tradicional caminho
-que entesta na foz do Douro.</p>
-
-<p>Não diz o geographo arabe em que ponto da margem do Douro ficava
-<em>Bona</em> ou <em>Buna-car</em>, expressão que não sei reconhecer, mas
-parece-me que deve ser a embocadura d'este rio, e é a seguinte a razão. Diz
-Edrisi que de <em>Bona-car</em> ao rio Minho são 60 milhas; ora, numa pagina
-anterior (p. 227) elle conta da foz do Douro á do Minho as mesmas 60 milhas.
-Portanto creio que <em>Buna-car</em> era aproximadamente em Gaia, onde depois o
-rio se atravessava em barcos<a name="tex2html25"
-href="#foot668"><sup>[25]</sup></a>.</p>
-
-<p>Descrevendo o mesmo <em>caminho por mar</em>, isto é, a viagem de Coimbra a
-Santiago, o primeiro ponto onde diz que se abica, é a foz de
-<em>nahr-Budhu</em> (rio <em>Vadeo</em>, traduz A. Jaubert!) que corresponde ao
-Vouga, rio, acrescenta, consideravel, onde entram embarcações grandes e
-pequenas (<small>II</small>, 227). Esta aclaração parece indicar que naquelle
-tempo a foz do Vouga e o lago interno serviam a uma navegação bastante activa.
-Quanto ao relacionamento da antiga Talabriga com alguma das estações do caminho
-medieval descrito por Edrisi, nenhuma conclusão posso tirar com segurança.</p>
-
-<p>Com muita probalidade porém se infere d'isto que o caminho frequentado então
-devia ser o que hoje corresponde á estrada real com a passagem nas pontes
-medievaes de Vouga, mas emquanto não se fixarem<span class="pn">{27}</span>
-estes dois ponto; duvidosos, localização muito verosimil de <em>Aba</em> ou
-<em>Abah</em> em Agueda e incerta de <em>Vatira</em> ou <em>Ueturia</em>, o
-testemunho do geographo arabe apenas serve seguramente para localizar as testas
-d'este caminho, estabelecer com grande plausibilidade a tradição do caminho
-historico pela orla das montanhas e revelar-nos o movimento commercial da foz
-do Vouga.</p>
-
-<h2><a name="SECTION00111000">XI</a></h2>
-
-<p>Tratando-se pesquisa dos vestigios da via romana <em>ab Aeminio ad
-Calem</em>, o testemunho de Viterbo (<em>Elucidario</em>, s. v. <em>Estrada
-mourisca</em>) devia ser ponderado. Diz este illustre antiquario que, nos
-documentos de Grijó, se fazia larga menção de propriedades que ficavam umas da
-parte de cima, outras da parte de baixo da estrada mourisca. No anno de 1148,
-Trutesindo doa ao celebre mosteiro o que possuia em Brantães e em S. Felix
-<em>subter illam Stratam Mauriscam, discurrente riuulo Cerzedo</em>.</p>
-
-<p>Acrescenta o sabio antiquario que a estrada era mourisca por ter sido aberta
-pelos Mouros, que abandonaram a romana que vinha ali a passar entre Lancobriga
-e o mar, pois que com o rodar dos annos a costa se entupira e alteara por causa
-das areias e os rios estagnados não só esterilizaram os campos, mas fecharam a
-passagem dos caminhos. E mais depõe Viterbo que a estrada mourisca ia do Porto
-a Agueda por Azemeis, Albergaria, Vouga, etc.</p>
-
-<p>Antes de mais: notemos esta opinião corrente, esta tradição, tão concordante
-com o que eu já procurei accentuar, de que a tal estrada <em>mourisca</em>
-descia do Porto a Agueda precisamente por Azemeis, por Albergaria e por Vouga.
-</p>
-
-<p>Que Viterbo lhe chamasse <em>mourisca</em> não é de espantar; era a voz
-popular que ainda hoje nos falla de Mouros sempre que tem de referir-se a povos
-muito antigos, preromanos, romanos, barbaros, etc<a name="tex2html26"
-href="#foot669"><sup>[26]</sup></a>.</p>
-
-<p>Mas o documento de 1148 já tratava de mourisca uma obra que<span
-class="pn">{28}</span> não podia ser dos Sarracenos, a esse tempo ainda no sul
-de Portugal. Creio não se poder sustentar que a estrada que passava em Cerzedo
-era construida por arabes; aproveitada sim, porque sendo o caminho que elles
-ainda encontravam á sua disposição, devia ser aquelle que inundavam do terror
-das suas algaras.</p>
-
-<p>Em que elementos se estribava Viterbo para dizer ainda que a mesma estrada
-mourisca tocava em Oliveira de Azemeis, Albergaria, Vouga e Agueda? Confesso
-que não os conheço, a não ser que a memoria e o uso d'este caminho tradicional
-se perpetuassem através de tantos seculos e tão profundas transformações
-sociaes.</p>
-
-<p>Informa Pinho Leal que na freguesia da Trofa (concelho de Agueda) ha ainda o
-logar de <em>Mourisca</em>, á margem da estrada, e que o nome lhe veio d'esta.
-Traduzindo <em>mourisco</em> em <em>romano</em>, póde ser acertada a
-supposição. Isto transcreveu-o elle de Viterbo, s. v. <em>Estrada</em>.</p>
-
-<p>Mais expressivo é o tópico de um sitio, perto de Lamas e junto da estrada
-real; chama-se elle <em>Fundo da rua</em>. Tal rua não é outra senão a via
-romana. Esta explicação affere pela que dá o <em>Corpus</em>
-(<small>II</small>. p. 363) com referencia a uma freguesia de Santo Estevam da
-Rua, onde passava uma estrada romana (<em>oppido quod a via romana nomen
-duxit</em>). A 3:500 para O. da Feira ha um sitio chamado <em>Rua Nova</em>.
-Aqui é que só a inspecção dos logares poderia indicar-me o significado d'este
-tópico.</p>
-
-<p>Num escritor estrangeiro do sec. <small>XVIII</small>, lê-se uma descrição
-litteraria do caminho através do campo de Aveiro, que só se entende se o
-suppusermos encostado ás montanhas de leste, permittindo que se descortine para
-a banda do mar toda aquella immensidade de terras feracissimas que aquelle
-autor olhava como planicie encantadora (<em>Annales de l'Espagne et du
-Portugal</em>, Alvares de Colmenar, Amsterdam 1741, p. 253).</p>
-
-<p>Isto demonstra que a estrada real de hoje é um caminho velho e
-tradicionalmente batido para ligar Coimbra ao Porto.<span
-class="pn">{29}</span></p>
-
-<p>Nos <em>Port. Mon. Hist.</em> não se encontram referencias mais claras do
-que esta de Viterbo e as que adduzi em nota, á antiga via romana. Compulsei
-bastantes documentos d'aquella publicação e nella encontrei variadas
-referencias a caminhos, mas em termos d'onde não se podia concluir cousa alguma
-que indicasse o conhecimento da existencia de uma estrada da epoca romana,
-considerada como tal<a name="tex2html27" href="#foot684"><sup>[27]</sup></a>.
-</p>
-
-<h2><a name="SECTION00112000">XII</a></h2>
-
-<p>Um esclarecimento dá Viterbo que é exacto e tem importancia para a historia
-d'esta região tributaria dos esteiros vacuenses.</p>
-
-<p>Retiro-me ao «entupimento» da costa que com o rodar dos annos se foi
-alteando e ao «estagnamento» dos rios que esterilizava os campos e fechava os
-caminhos. Esta acção do mar na costa de Aveiro tem sido um problema technico e
-administrativo extremamente complicado para os governos portugueses, não só
-pelas condições commerciaes de Aveiro, mas pelo estado sanitario de toda esta
-região. O coração d'este problema é a barra do Vouga.</p>
-
-<p>É difficultoso dizer o estado d'esta embocadura nos tempos que interessam ao
-presente estudo. Tenho lido que, na epoca romana, entravam<span
-class="pn">{30}</span> a foz do Vacua embarcações de grande arqueamento (<em>Os
-portos maritimos de Portugal</em>, pelo Sr. Adolfo Loureiro, <small>II</small>,
-3). Não sei que fundamentos póde ter esta asserção, que em todo o caso é
-relativa á tonelagem dos antigos navios.</p>
-
-<p>Os geographos antigos que se referem a este rio lusitanico, não dizem cousa
-d'onde se possa inferir a sua capacidade para grandes embarcações, como aliás
-se tem escrito.</p>
-
-<p>O mais explicito é Estrabão (<em>Geographia</em>, liv. III,
-<small>III</small>), que vertido a latim, diz: <em>Deinceps post Tagum
-nobilissima flumina sunt Muliadas, parvas habens navigationes. Itidem Vacua
-fluvius, post quos Durius longo fluens cursu</em>, etc. O geographo grego
-iguala o Mondego (<em>Muliadas</em>) rio de navegação diminuta, ao Vouga, da
-mesma fórma (<em>itidem</em>) estuario de diminuta navegação. E tanto mais é
-esta a natural hermeneutica, que o contraste é frisante com a importancia do
-Douro, <em>longo fluens cursu</em>. Estrabão escreveu no sec. <small>I</small>
-a. e d. de C.; como póde affirmar-se que no tempo dos romanos entravam o Vouga
-embarcações de longo curso e a sua foz era um porto de grande commercio e muita
-prosperidade?</p>
-
-<p>Ora isto vem ao intento de eu pretender que no surgidouro do Vouga não havia
-nos primeiros seculos, pelo menos da epoca romana, povoação de vulto que
-determinasse uma passagem forçada na via militar e um desvio da natural
-directriz <em>ab Aeminio Calem</em>. E para um porto de tamanho trafego, era
-pouco um simples <em>vicus</em>.</p>
-
-<p>Temos pois a affirmação estraboniana<a name="tex2html28"
-href="#foot675"><sup>[28]</sup></a>. E antes?</p>
-
-<p>Menos ainda. Diz-se que em algumas minas da região metallifera de
-Entre-Vouga-e-Caima tem apparecido vestigios de antigas laborações. Apesar da
-falta de precisão chronologica nesta noticia, póde presumir-se o facto até para
-a epoca preromana. E neste caso, a via fluvial seria a mais pronta saida do
-mineiro para o commercio externo.</p>
-
-<p>Mas um óbice encontro agora. Seria consequente que este trafico determinasse
-a formação de um povoado á beira-mar ou na enseada interior. A essa gente
-faltaria, porém, uma cousa, que se lhes tornára tão indispensavel, como o pão
-para a boca: era a segurança pessoal, era o ninho de aguia. Com as planuras não
-se queriam elles. A não ser que deroguemos os conhecimentos adquiridos no que
-até agora se tem encontrado.<span class="pn">{31}</span></p>
-
-<p>Alem disto, que motivos ha para tirar effeíto tambem retroactivo á noticia
-de Estrabão?</p>
-
-<p>Um primorosissimo escritor<a name="tex2html29"
-href="#foot676"><sup>[29]</sup></a>, filho de Aveiro, evita, com exemplar
-abnegação patriotica, o problema archeologico da origem preromana da sua terra
-natal, mas propende á presumpção de que algum povoado assentaria antigamente na
-foz do Vouga os seus lares. E enfeixa o illustre homem de letras duas razoes:
-1.ª, a geographica; 2.ª, a da exploração do sal. Aquella parece-me menos
-conciliavel com a ethnographia dos povos a que se deseja alludir, como notei. E
-esta? Para o commercio, quer interno quer externo, temos ainda o mesmo senão.
-Os marnôtos d'aquelle tempo onde se acoitariam<a name="tex2html30"
-href="#foot677"><sup>[30]</sup></a>?</p>
-
-<p>Que, posteriormente a Estrabão, as <em>parvae navigationes</em> crescessem
-em numero e tonelagem não é impossivel, porque a vida social começava já a
-fervilhar nas planicies.</p>
-
-<p>E a industria do sal, cuja utilização aliás já data dos tempos neolithicos,
-poderia commercializar-se (perdão para o neologismo) d'essa epoca em deante, se
-tomarmos por base da hypothese o caracter latino da technologia<a
-name="tex2html31" href="#foot678"><sup>[31]</sup></a> e o que sabemos por
-aquelle geographo da importancia das salgas (<em>Geographie de Strabon</em>,
-por Am. Tardieu, 1886; III-<small>IV</small>-2). Mas então já a via militar
-<em>ab Aeminio ad Calem</em> lá estaria antes de ser necessaria, se necessaria
-se pudesse considerar por motivo do commercio externo, num porto afastado da
-linha natural de communicação e posto em duvida pelo silencio dos textos, como
-vimos.</p>
-
-<p>Do que o Vouga seria na idade media possuimos o testemunho do geographo
-arabico Edrisi (<em>Géographie d'Edrisi</em>, trad. de P. Amédée Jaubort. Paris
-1840 <small>II</small>, 227).<span class="pn">{32}</span></p>
-
-<p>O nosso rio foi transposto para aquella lingoa por uma palavra que A.
-Jaubert representa na graphia francêsa por <em>Boudhou</em> (ou==u); e assim
-conforme o texto arabico vemos que o <em>nahr-Budhu</em> é um rio consideravel
-onde navegam embarcações grandes e pequenas, e a navegação se estende a 70
-milhas da sua foz. Agora já começamos a entrever uma população occupada no
-trafego maritimo.</p>
-
-<p>A diplomatica tambem proporciona alguns elementos de estudo relacionaveis
-com este, mas propriamente esta epoca já não interessa á questão posta.</p>
-
-<p>Há porém, uma cousa que não posso omittir.</p>
-
-<p>É o documento n.º <small>LXXVI</small> dos <em>Port. Mon. Hist.</em>, «Dipl.
-et Chartae», onde se lê a fórma medievica de Aveiro, a qual é
-<em>alauario</em>, o que só por si desmorona as hypotheses etymologicas a que
-varios chorographos se tem apegado, mas revela pela primeira vez a existencia
-de uma povoação onde hoje é Aveiro (assim tambem <em>Talabario</em> e
-<em>Táveiro</em>. Doc. <small>CXXVIII</small>).</p>
-
-<p>O trabalho do mar e das aguas na desintegração de um subsolo brando e a
-força do vento nos areaes movediços devem ter sido causa perenne e inflexivel
-dos açoreamentos e obstrucção da navigabilidade<a name="tex2html32"
-href="#foot679"><sup>[32]</sup></a>. O factor é antigo, tão antigo quanto o
-póde ser, por maneira que aquella região nunca teve, fóra das epocas
-geologicas, outra face topographica muito diversa da dos nossos dias<a
-name="tex2html33" href="#foot680"><sup>[33]</sup></a>. É presumivel que
-elevadas florestas forrassem com sombras impenetraveis toda essa immensa orla
-limitada<span class="pn">{33}</span> pelo mar a Oeste e pelas montanhas a E.,
-na região e na epoca de que me occupo<a name="tex2html34"
-href="#foot681"><sup>[34]</sup></a> como em outros pontos suppôe o Sr. Alberto
-Sampaio (<em>Portugalia</em>, <small>II</small>, 215, art. cit.); mas isso não
-importa acreditar a possibilidade da via romana por terrenos de tal especie.
-</p>
-
-<p>Informou-me o distincto engenheiro Sr. Mello de Matos, que, ao proceder-se
-aos trabalhos de construcção de uma ponte nas proximidades de <em>Vagos</em>,
-se encontrou encastoado nas areias o cavername de um navio, que infelizmente
-não foi estudado. Na <em>Esgueira</em>, achara-se outro.</p>
-
-<p>Narra Pinho Leal que ha annos em Vagos se descobriu uma ponte sobre um
-ribeiro que a areia das dunas entupiu completamente. Escusado é acrescentar que
-a ponte foi logo capitulada de <em>romana</em>, nada menos.</p>
-
-<p>Estes factos não tem sido apenas recentemente verificados. Já vimos num
-trecho, que desatei do nosso Gaspar Barreiros (p. 50) que pelas alturas de
-Cacia se tem encontrado, submersos na terra, cascos de navios e ancoras, o que
-radicou a crença de que as embarcações chegavam ate ahi em tempos antigos. Esta
-apreciação já é do sec. <small>XVI</small>.</p>
-
-<p>D'este millenario ha um mappa, publicado por Abrahão Ortelius, onde se
-reconhece nitidamente a bacia de Aveiro. (Vide <em>Theatrum orbis
-terrarum</em>, já citado a pag. 132).</p>
-
-<p>Estes factos esclarecem o assunto e reatam a tradição de que os fundos da
-ria se vão alteando com a obstrucçâo nos esgotos das correntes fluviaes. Fr.
-Bernardo de Brito (<em>Monarchia Lusitana</em>, <small>II</small>.
-<small>V</small>. p. 130) diz que, do tempo d'elle, Aveiro, muito concorrida de
-gente de mar e pescarias, era cidade florescente<a name="tex2html35"
-href="#foot682"><sup>[35]</sup></a>.</p>
-
-<p>O Sr. Cons.º Luis de Magalhães tambem entende que, tendo ahi embarcado para
-uma jornada de Africa os terços da Beira, é porque o porto consentia a
-arqueação das caravelas.<span class="pn">{34}</span></p>
-
-<p>D'esta epoca ha mais elementos concordantes no movimento commercial de
-Aveiro e portanto no estado da sua barra. (Vid. <em>Os portos maritimos de
-Portugal</em>, pelo Sr. A. Loureiro, <small>II</small>, 3).</p>
-
-<p>O que Barreiros conta relativamente a Cacia, encontra-se repercutido num
-local situado muito mais acima sobre o Vouga. No sec. <small>XVIII</small>
-corria que em eras passadas ainda os navios subiam aquelle estuario até a
-antiga cidade de <em>Vacua</em><a name="tex2html36"
-href="#foot606"><sup>[36]</sup></a>, onde depois foi a villa de Vouga e agora
-mero cabeço de Vouga (<em>Arch. Port.</em>, <small>VII</small>, 191), que aliás
-tende a desapparecer, como desappareceu a de Marnel pelo impaludismo (Pinho
-Leal, <em>Port, Ant. e Mod.</em>, s. v. <em>Vouga</em>).</p>
-
-<p>Esta noticia, porém, deve interpretar-se com uma informação mais minuciosa
-que encontro em uma obra de 1741 (<em>Annales de l'Espagne et du Portugal</em>,
-por Alvares de Colmenar, Amsterdam). Diz este A. que Aveiro é uma cidade
-bastante consideravel, situada na testa de um pequeno golfo que a maré
-estabelece na embocadura do Vouga. Este rio fórma um porto de limitadas
-dimensões, onde os navios mediocres, que não demandam senão 8 ou 9 pés de agua,
-podem entrar na preamar, com a direcção de pilotos do sitio. Este A. já falla
-na grande producção de sal e nas fortificações constantes apenas de uma muralha
-flanqueada de algumas torres.</p>
-
-<p>Na lagoa de Esmoriz, de que falla um doc. do sec. <small>IX</small>,
-(<em>Port. Mon. Hist.</em>, «Dipl. et Chart.», n.º <small>XII</small>), havia
-uma barra por onde entravam as caravelas em antigos tempos e depois se entupiu
-(<em>Arch. Port.</em>, <small>IV</small>, 144).</p>
-
-<p>O caso do cavername encontrado perto de Vagos liga-se com a noticia do sec.
-<small>XVIII</small>, transmittida pelas <em>Memorias Parochiaes</em>, segundo
-as quaes o braço da ria que existe entre Aveiro e Ilhavo dava antigamente fundo
-para caravelas e agora é vadeavel (<em>Arch. Port.</em>, <small>IV</small>,
-329).</p>
-
-<p>Em Mira, numa lagoa de agua doce, conta um informador que nella se encontram
-vestigios de casas, moedas e alicerces de uma parede ou caminho que a
-atravessou pelo meio. Alem disto, pelo norte e poente, tem-se açoreado
-(<em>Arch. Port.</em>, <small>V</small>, 297).</p>
-
-<p>Quanto se póde deduzir d'estas noticias, o extenso delta vacuense tem sido
-invadido com trabalho successivo pelas areias que causam a obstrucção dos
-esteiros e a diminuição da navegabilidade. De nenhuma noticia, porém, se póde
-concluir que na epoca romana o aspecto topographico e a constituição
-orographica da região fosse tão diverso<span class="pn">{35}</span> do que é
-actualmente, que a via romana lá pudesse passar preferentemente ao trajecto
-mais interno, na base da montanha, através dos castros e das minas.</p>
-
-<h2><a name="SECTION00113000">XIII</a></h2>
-
-<p>De Talabriga temos uma das paginas da sua historia escrita por um autor do
-meio do sec. <small>II</small> d. C., Appiano de Alexandria.</p>
-
-<p>É certamente este um caso particular, mas não deverá deixar de ser
-considerado como uma amostra de dramas analogos que succederam com os oppidos
-lusitanos, no embate das cohortes romanas.</p>
-
-<p>Talabriga, escreve Appiano, era uma das cidades (da Lusitania) que mais
-frequentemente se revoltava. Esta falta de resignação, este, direi eu, germen
-de patriotismo ou melhor de municipalismo, não podia tranquillizar Decimo Junio
-Bruto, que julgou que o caso era de reclamar a sua presença no local da cidade.
-Partiu com numerosa gente, e ao seu apparecimento responderam os irrequietos
-Talabrigenses com supplicas e o seu incondicional abandono á discrição do
-conquistador. Então J. Bruto foi energico e insaciavel, mas ao mesmo tempo teve
-um lanço inesperado de generosidade. Quis fazer-lhes sentir primeiro a dureza
-cruel do seu braço de guerreiro, e para isso impôs-lhe a immediata entrega dos
-transfugas das hostes d'elle, certamente alliados dos romanos, a dos
-prisioneiros, a de todo o armamento e ainda por cima exigiu refens. Depois
-chegou a ordenar-lhes que abandonassem a cidade com suas mulheres e filhos.
-Parece que o prestigio militar de J. Bruto não valia menos que seu tino de
-politico e conquistador. Os Talabrigenses aprontaram-se para obedecer alli
-mesmo. Mas o capitão romano queria compor-lhes um quadro que lhes
-impressionasse perduravelmente a imaginação. E ia espreitar o effeito
-produzido.</p>
-
-<p>Desdobrou em circulo as suas tropas e, agglomerando dentro a chusma dos
-habitantes humilhados, arengou-lhes. Fez-lhes perceber que não receava a sua
-turbulencia indomita, porque quantas vezes desertassem, outras tantas elle
-viria combatê-los e reduzi-los com a necessaria firmeza, incutido assim o
-receio e a convicção de que no momento adequado, J. Bruto cairia sobre elles
-com toda a energia, o general romano quebrantou a sua ira, satisfeito com estas
-objurgatorias. Mas não sem que lhes tomasse os cavallos, os mantimentos, os
-dinheiros da cidade com todo o outro material publico<a name="tex2html37"
-href="#foot683"><sup>[37]</sup></a>. Isto era claramente<span
-class="pn">{36}</span> deixá-los na impotencia e até na penúria. E por fim J.
-Bruto, contra tudo quanto os Talabrigenses podiam já esperar (<em>pratter
-spem</em>), restituiu-lhes a cidade para nella continuarem a habitar. Isto
-passava-se já meado o sec. <small>II</small>, antes de Christo (138 a. C).</p>
-
-<p>Feito isto, o conquistador regressou a Roma.</p>
-
-<p>Esta pagina da conquista da Lusitania é tanto mais importante quanto é, com
-igual individuação, a unica que nos resta de historia escrita dos oppidos
-lusitanos, e, embora narre um só episodio da guerra da conquista, não deixa de
-ser elucidativa.</p>
-
-<p>Quando li este trecho de Appiano (<em>Appiani Alexandrini Rom. Historiarum
-quae supersunt</em>. Parisiis. F. Didot. MDCCCXL), confesso que senti amargura
-por não podermos ainda ir conversar na região do Vouga com as ruinas da cidade
-onde estes successos crueis se desfiaram, e segredar ás cinzas d'aquelle
-abrasado patriotismo que o mesmo sentimento, que chammejou nesses lusitanos
-insoffridos, ainda se não arrefentára com o soprar sobre ellas de vinte vezes
-cem invernos, e em mais de um dia, já da nossa existencia nacional, elle se tem
-ateado em protestos bem tumidos de calor.</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>Talabriga continuou a existir e refazer-se, atravessando a epoca
-imperatoria, como nos attesta: 1.º, a data a que pertence a ara de Estorãos,
-sec. <small>III-IV</small>; 2.º, a sua inscripção no Itinerario (sec.
-<small>IV</small>).</p>
-
-<p>Que seculos lhe trouxeram o ultimo acto das suas tragedias? Os do mal
-afamado frankisk barbaro ou os do pavor sarraceno mais verdadeiro e real que
-aquelle, sobretudo no territorio portugalense?</p>
-
-<p>Entrevejo pois para a archeologia portuguesa este problema: sondar o jazigo
-de Talabriga, verdadeiro simbolo do nosso sentimento de independencia
-territorial e figura-se-me que mostrei onde com toda a probabilidade elle se
-deve encontrar. Espero ter eu mesmo ensejo de averiguar se o simples e frio
-raciocinio me guiou, sem desvio, até as trincheiras historicas, que occultam os
-miserandos restos de Talabriga.</p>
-
-<p>Conservar-se-ha ainda evolucionado este toponimo? Responderá o onomastico,
-paternalmente assistido pela philologia, não se dando o caso mais provavel do
-verso susodito de Vergilio:</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<blockquote>
- <em>Haec tum nomina erunt, nunc sunt sine nomine terrae!</em> </blockquote>
-
-<p>Março de 1907.</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p><em>P. S.</em> No mappa do <em>Ortelius</em>, de que me soccorri a pp. 132 e
-155, vejo nova <em>Lancobriga</em>, pelo sul de Scalabis; teremos tres? (Ver
-<em>O Arch. Port.</em>, <small>XII</small>, 42).</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<div class="rodape">
-<p><a name="foot644" href="#tex2html1"><sup>[1]</sup></a> O brasão de Agueda
-ostenta num lemnisco o mote Aeminium. Mas Coimbra tem hoje uma lapide, quo lhe
-dá irrecusavelmente o foro de <em>civitas aeminiensis</em>.</p>
-
-<p><a name="foot645" href="#tex2html2"><sup>[2]</sup></a> Um dos autores que se
-destacam por tentar a determinação de Talabriga e Langobriga (e ainda outras
-estações da via ab <em>Olisipone Bracaram Augustam</em>) por um processo exacto
-é o Sr. J. Henriques Pinheiro, fallecido professor do Lyceu de Bragança. Mas
-talvez em consequencia de trabalhar sobre uma carta (a de Folque) muito
-reduzida e de se servir da reducção de milhas a leguas, localiza Talabriga em
-<em>Aveiro</em> e Langobriga na <em>Feira</em>. Em todo o caso, não podendo
-conciliar as distancias relativas a Langobriga, conclue que ha erro nos Codices
-(<em>Estudo da Estrada Militar Romana de Braga a Astorga</em>, por J. Henriques
-Pinheiro, Porto, 1896, p. 129).</p>
-
-<p><a name="foot646" href="#tex2html3"><sup>[3]</sup></a> O Sr. A. Coelho diz
-que a fórma verdadeira é a de Estrabão, como o prova a moderna <em>Vouga</em> e
-<em>Vauga</em> dos documentos em baixo latim anteriores ao sec.
-<small>XII</small> (Mélanges Graux, 1882). Vid. <em>Religiões de
-Lusitania</em>, <small>II</small>, 28.</p>
-
-<p><a name="foot647" href="#tex2html4"><sup>[4]</sup></a> Nas <em>Noticias
-Archeologicas de Portugal</em>, de Hübner, trad. do Visconde de Juromenha, vem
-um extracto do Itinerario segundo a ed. de Parthey &amp; Pinder (1848). Prefiro
-a lição <em>briga a brica</em> de Wesseling, ed. dos <em>Vetera romanorum
-Itineraria</em>, <small>MDCCXXXV</small>.</p>
-
-<p><a name="foot651" href="#tex2html5"><sup>[5]</sup></a> Não pude haver á mão
-as <em>Memorias</em> d'este mesmo senhor.</p>
-
-<p><a name="foot652" href="#tex2html6"><sup>[6]</sup></a> Como preciosidade
-estrangeira, desejo referir que o aliás eminente celtista D'Arbois de
-Jubainville, num estudo erudito sobre «Les Celtes en Espagne» (<em>Revue
-Celtique</em>, <small>XIV</small>, § 8) diz, de passagem, ser Talabriga a
-actual povoação de Sousa, conc. de Alenquer! Presumo que esta incongruencia é
-proveniente do que escreveu <em>C. Muller</em> em uma nota da <em>Cl. Ptolemaei
-Geographia</em> (<small>I</small>, 137) a respeito de Talabriga: <em>Oppidum
-haud longe a Vouga, fluvio circa, hod. Souza alicubi steterit. Accuratius locum
-definire non licet.</em> Como ha mais Marias na terra, d'ahi proveio a
-confusão. Veja-se Sousa a O. de Vagos.</p>
-
-<p><a name="foot653" href="#tex2html7"><sup>[7]</sup></a> Por partes temos:</p>
-
-<table cellpadding="3" border="0" align="center" summary="Itinerário de D'Arbois">
- <tbody>
- <tr>
- <td>De Gaia á Feira</td>
- <td style="text-align:right;">21:900 metros</td>
- </tr>
- <tr>
- <td>Da Feira a Oliveira de Azemeis</td>
- <td style="text-align:right;">10:900 metros</td>
- </tr>
- <tr>
- <td>De Oliveira de Azemeis a Albergaria</td>
- <td style="text-align:right;">18:000 metros</td>
- </tr>
- <tr>
- <td>De Albergaria ao rio Vouga</td>
- <td style="text-align:right;">6:800 metros</td>
- </tr>
- <tr>
- <td>Do rio Vouga a Agueda</td>
- <td style="text-align:right;">9:000 metros</td>
- </tr>
- <tr>
- <td>De Agueda á Mealhada</td>
- <td style="text-align:right;">22:000 metros</td>
- </tr>
- <tr>
- <td>Da Mealhada a Coimbra</td>
- <td style="text-align:right;">16:500 metros</td>
- </tr>
- <tr>
- <td></td>
- <td style="text-align:right;">105:100 metros</td>
- </tr>
- </tbody>
-</table>
-
-<p><a name="foot654" href="#tex2html8"><sup>[8]</sup></a> Escreveu o autor do
-<em>Portugal Antigo e Moderno</em> que a via romana seguiria pouco mais ou
-menos o trajecto da linha ferrea. Assim era preciso, se Talabriga fosse Aveiro,
-quer no troço ao norte, quer no troço para sul, em attenção ás condições
-topographicas. Neste caso, porém, a distancia de Coimbra a Gaia seria
-necessariamente pelo menos a que hoje é por aquelle caminho; nada menos de 115
-kilometros, o que está bem longe dos 105 kilometros da via romana e da estrada
-real. Num diagramma da carta indico a differença das distancias entre Cale e
-Talabriga e Gaia e Aveiro pela via ferrea (45:800 metros e 59:000 metros).</p>
-
-<p><a name="foot151" href="#tex2html9"><sup>[9]</sup></a> No mappa com que
-documento este estudo, lancei só os elementos que me eram uteis. Tudo o mais
-ficou no original, a que até accresci alguma cousa a mais por assim convir á
-minha demonstração.</p>
-
-<p><a name="foot154" href="#tex2html10"><sup>[10]</sup></a> É força porém
-attentar na exigua differença que no caso presente existe entre a recta, que
-unisse os dois pontos extremos (Coimbra e Gaia), e o desenvolvimento da
-distancia effectiva pela estrada real, entre os mesmos pontos. Bem sei que
-differentes parcellas podem dar a mesma somma, mas difficultoso seria crer que,
-acertando o Itinerario na distancia total entre Aemiuium e Cale, delinquisse
-nas parcellas, que vem a ser as tres secções da via militar. Veja-se o
-diagramma.</p>
-
-<p><a name="foot156" href="#tex2html11"><sup>[11]</sup></a> Pela linha ferrea
-de Coimbra a Aveiro são 56 kilometros: pelo caminho romano de Coimbra a
-Talabriga eram 59 kilometros.</p>
-
-<p><a name="foot655" href="#tex2html12"><sup>[12]</sup></a> Nada mais possivel
-do que um erro de informação de Plinio. Mas poderia tambem haver aqui uma
-confusão entre a Talabriga do roteiro romano e a Vacua, de que parece existirem
-ruinas no Cabeço de Vouga (Cit. <em>Oppida restituta</em>, 1885). Mas o
-Itinerario omitte-a, o que é apenas argumento negativo. Ainda se poderia dar o
-caso de <em>Vacua</em> não ser <em>mansio</em> do caminho romano. Havia um
-codice de Plinio que nomeava Talabriga e <em>Vacca</em> e uma cosmographia
-antiga que refere <em>Vacca</em> (<em>sic</em>) e não Talabriga, que aliás
-deveria ter conhecido pelos AA.</p>
-
-<p>Jorge Cardoso, no <em>Agiologio</em>, <small>II</small>, 65, quer que Vacua
-tenha sido em Viseu. Peor!</p>
-
-<p><a name="foot656" href="#tex2html13"><sup>[13]</sup></a> Nos <em>Port. Mon.
-Hist.</em>, «Diplom. &amp; Chart.», vem um documento (n.º 815 do anno de 1095)
-cujo teor nos não prende, mas onde se lê:.... <em>Ista igitur auctoritate
-confissus ingressus sum et ego densissimam silliam</em> (silvam) <em>que ab
-antiquis temporibus habitaculum erat bestiarum</em>.... Trata-se de arredores
-de Ilhavo.</p>
-
-<p><a name="foot171" href="#tex2html14"><sup>[14]</sup></a> Nos arredores de
-Aveiro ha pontos com as cotas de 15, 27, 46, 57, 48, 38, 23, 16, 24 e 10 que
-correspondem a relevos suaves. Todos estes pontos estão situados na margem
-esquerda do Vouga. Mas na hipothese de Talabriga, a estação do Itinerario, ser
-Aveiro ou proximidades, a estrada romana, chegada ahi, ver-se-hia forçada a
-atravessar o Vouga desde Eixo para baixo, em direcção ao Norte. E digam-me se
-todo esse trato de terreno, comprehendido entre a margem direita do Vouga,
-desde a ponte de S. João de Loure, como vertice meridional, e os sitios de
-Froços, Angeja, Formelã, Canellas e Salreu, não eram de fazer recuar o
-engenheiro romano que por ahi tentasse obter saida para o norte, em direcção a
-Cale, tendo outra incomparavelmente melhor?</p>
-
-<p><a name="foot657" href="#tex2html15"><sup>[15]</sup></a> Tenho sempre
-especial satisfação quando vejo que conceitos meus foram já formulados por
-escritores de outro cunho. Assim na <em>Revue des Études Anciennes</em> (1905,
-p. 389), Cam. Jullian, referindo-se a caminhos de epocas prehistoricas, diz:
-<em>Et il résulte bien.... que beaucoup des grandes lignes de circulation
-actuelle ne sont que les héritiers des pistes tracées il y a des milliers
-d'années.</em></p>
-
-<p><a name="foot658" href="#tex2html16"><sup>[16]</sup></a> Para os leitores
-habituaes do <em>Archeologo Português</em>, seria ociosa esta nota; para os que
-porventura o assunto do presente estudo desperte de-novo, é uma prevenção
-necessaria. Quando se falla em <em>castros</em> com supposta referencia á epoca
-romana, não se trata dos <em>castra</em>, acampamentos ou abarracamentos
-(Saglio &amp; Daremberg) fortificados que as forças militares de Roma
-construiam em campanha: nunca vi ruinas de nenhum d'estes <em>castra</em>, nem
-me consta que as haja verificadas no pais. E comtudo os <em>castros</em>, ou
-<em>crastos</em> no fallar do povo, são abundantissimos entre nós... porque são
-cousas muito differentes. Estes <em>castros</em> são apenas uns montes com
-vestigios de habitação <em>ante-romana</em> e quasi sempre de obras de
-fortificação de terra ou de muralha. Assim os castros são outeiros, cabeços
-habitados e fortificados, não pelos romanos, mas contra os romanos, pelo menos,
-e pertencentes aos antigos habitadores do país. Os <em>castros</em> devem pois
-aos romanos, não o seu principio, mas a sua decadencia e o seu fim, porque foi
-a conquista e foi a civilização romana que os tornou desnecessarios naquelle
-tempo. Como se lhes dá então este epitheto que não vem senão causar confusões?
-O epitheto encontramo-lo na toponimia local; foi o povo que conservou até hoje
-esta designação que nós vamos encontrar com frequente emprego nos documentos da
-idade media. É que no singular <em>castrum</em> significou secundariamente um
-castello, uma fortaleza; cita Rich o capitulo <small>VI</small> da
-<em>Eneida</em>, onde se lê (<em>vv</em>. 771 a 776):</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<blockquote>
- Qui juvenes quantas ostentant, aspice, vires! <br>
- At qui umbrata gerunt civili tempora quercu, <br>
- Hi tibi Nomentum, et Gabios, urbemque Fidenam, <br>
- Hi Collatinas imponent montibus arces, <br>
- 775 Pometios, Castrumque Inui, Bolamque, Coramque: <br>
- Haec tum nomina erunt, nunc sunt sine nomine terrae. </blockquote>
-
-<p>(<em>Oevres de Virgile</em>, par E. Benoist; vol. <small>I</small>,
-Hachette, 1882).</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>(Trad.) <em>Contempla como são grandes as forças que aquelles mancebos
-ostentam! Pois d'entre os que trazem a fronte sombreada pelo carvalho civico,
-uns construir-te-hão Nomento, Gabios e a cidade de Fidena, outros assentarão em
-montanhas as fortalezas Collatinas, Pometios, o castello de Inuo, Bola e
-Cora</em> (antigas povoações do Lacio): <em>estes serão os nomes d'aquelles
-lugares, que estão agora na terra sem nome.</em></p>
-
-<p>Foi certamente d'esta accepção que derivou para o latim corrente, e em
-seguida para o fallar medieval das nossas populações, a denominação de
-<em>castro</em> ou <em>crasto</em>.</p>
-
-<p>Na <em>Revue des Études Anciennes</em> (<small>IV</small>, p. 43, 1902) vem
-uma serie de citações para demonstrar que no fim do Imperio pela palavra
-<em>castrum</em> se designavam frequentemente as cidades fortificadas; de entre
-todas extraio a seguinte de Isidoro (<em>Origines</em>, <small>XV</small>, 2,
-13): <em>Castrum antiqui dicebant oppidum loco altissimo situm</em>. Com
-referencia a sitios nossos, temos, bibliographicamente, o conhecido
-<em>Portumcale castrum</em>, de Idacio.</p>
-
-<p>Mas a par d'aquella, outras se formaram, como <em>castello</em>,
-<em>cristêlo</em>, <em>crastêlo</em> e <em>castrêlo</em>. <em>Castellum</em>
-(cfr. cit. <em>Rev. des Ét. Anc.</em>) na lingua latina, era um deminutivo de
-<em>castrum</em> e applicava-se tanto a um reducto transitorio, como a um forte
-permanente, quasi sempre situado em logar elevado (Saglio &amp; Daremberg, s.
-v. <em>Castellum</em>). Depois, é explicavel que a linguagem popular
-prescindisse da origem não romana d'estes pontos estrategicos, e applicasse o
-termo a alguns castros, talvez aos mais deminutos. Aos mesmos montes se vêem
-tambem applicadas as designações de <em>cividade</em>, mais ou menos pura,
-<em>cidadêlhe</em>, <em>coroa</em> e outras ainda. Os autores antigos usam o
-termo <em>oppidum</em> applicado a alguns d'estes centros de população
-(<em>oppidum Aeminium</em>). E ainda se encontra junto ao nome originario da
-povoação, a modo de suffixo, o termo de origem celtica <em>briga</em>, que
-tambem quer dizer castello, altura fortificada (<em>Talabriga</em>).</p>
-
-<p>Os romanos, no nosso caso, traçando a via militar através d'estes montes
-habitados, não fariam mais do que seguir um caminho historico e uma directriz
-frequentada.</p>
-
-<p><a name="foot660" href="#tex2html17"><sup>[17]</sup></a> O parocho de
-Segadães (1758) informava que a antiga cidade de <em>Vaca</em> (<em>sic</em>)
-fôra assolada pelos <em>mouros</em>. Os Leitores conhecem estes
-<em>mouros</em>... (<em>Arch. Port.</em>, VII, 191).</p>
-
-<p><a name="foot661" href="#tex2html18"><sup>[18]</sup></a> Varios outros
-documentos d'esta região de Entre-Vouga-e-Douro compulsei eu nesta collecção,
-que se reportavam a <em>castros</em>, mas não pude localizar as referencias com
-a presteza que era necessaria. Até se me deparou a fórma rara <em>crésto</em>
-(<em>cresto ualanes</em>, doc. <small>DXLIX</small> do anno 1077), da qual
-conheço outra actual no concelho de Valdevêz.</p>
-
-<p><a name="foot662" href="#tex2html19"><sup>[19]</sup></a> Na fé de Nascimento
-Silveira (<em>Mappa breve da Lusitania</em>, p. 226), em Mancinhata, nos
-cruzeiros ha inscripções que ainda ninguem entendeu.</p>
-
-<p><a name="foot663" href="#tex2html20"><sup>[20]</sup></a> Nos <em>Port. Mon.
-Hist.</em>, «Dipl. et Chart.», n.º <small>CCCCLXXI</small>, vem um documento
-que diz: <em>Cesari... subtus monte castro calbo...</em> Cf. o n.º
-<small>CCCCLXX</small>. Não pude averiguar se é um <em>Monte Calvo</em> que
-vejo perto de Romariz. <em>Cesári</em> (gen. de <em>Cesarius</em>,
-<em>-ii</em>) deu Cesár, como <em>Severi</em> (<em>Port. Mon. Hist.</em>,
-«Dipl. et Ch.», <em>passim</em>, e <em>Arch. Port.</em>, <small>II</small>,
-252, art. do Sr. P. de Azevedo) deu Sever.</p>
-
-<p><a name="foot664" href="#tex2html21"><sup>[21]</sup></a> Virá de
-<em>Calambria</em>? pergunta A. Herculano (<em>Historia de Portugal</em>,
-<small>III</small>, 423). Cfr. <em>Arch. Port.</em>, art. do Sr. A. Cortesão,
-<small>IX</small>, 232. Teremos aqui alguma <em>Calambriga</em>? Um thesouro de
-16 argolas de ouro é de lá. (<em>Arch. Port.</em>, <small>II</small>, 87).</p>
-
-<p><a name="foot666" href="#tex2html22"><sup>[22]</sup></a> Eu não me occupo
-especialmente da <em>Langobriga</em> do Itinerario, mas é facil ver que
-identicos raciocinios lhe são applicaveis e em consequencia, a situação d'este
-segundo oppido deveria ser na faixa de terreno vagamente indicada pela curva
-<em>LL.</em> um pouco ao norte da Feira. No meu estudo da ara de Estorãos,
-assentei que esta não é a actual <em>Longroiva</em>, cuja fórma medieval era
-<em>Langobria</em>, (<em>Port. Mon. Hist.</em>, «Dipl. et Chart.»
-<small>CCCCXX</small>). Do que deponho a p. 141, parece que é a algum dos
-castros de <em>Obil</em> ou do <em>Monte do Murado</em> que deverá convir a
-localização de Langobriga. Este fica a 6:000 metros para leste da lagoa.</p>
-
-<p>Para <em>longo-</em> e <em>lango-</em> como para <em>brica</em> e
-<em>briga</em>, não encontram difficuldade os celtistas. (<em>Élém. celt. dans
-les noms de personnes des inscr. d'Esp.</em>, por A. Carnoy. Luvaina 1907).</p>
-
-<p><a name="foot352" href="#tex2html23"><sup>[23]</sup></a> A legitimidade do
-processo que segui, empregando o compasso e a escala para determinar a zona em
-que, segundo as indicações do roteiro romano, deve encontrar-se o jazigo de
-Talabriga, tem uma averiguação facil, apesar da estranheza que possa causar. Se
-eu, collocado em Eminio, quisesse determinar a situação de Cale, cujo
-anorteamento já conhecia previamente, e para isso adoptasse identico systema, o
-compasso levar-me-hia a uma zona de terreno, onde não me seria impossivel
-encontrar localizações compativeis com uma estação d'aquella natureza.</p>
-
-<p>Creio todavia que nem com todos os terrenos assim se póde proceder.</p>
-
-<p>Comprova tambem a plausibilidade do resultado a circunstancia de fazerem
-pequena differença a distancia em linha recta entre Coimbra e Gaia e a
-rectificação da estrada entre os mesmos pontos.</p>
-
-<p><a name="foot667" href="#tex2html24"><sup>[24]</sup></a> ... por ser tam
-grande como todos sab&#x1ebd;, de <span
-style="position: relative; left: 0.5em; bottom: 0.5em; ">~</span>q á prouerbio
-no pouo. (<em>Ibid.</em> p. 50). Já não é só pois grande a legua da Povoa!</p>
-
-<p><a name="foot668" href="#tex2html25"><sup>[25]</sup></a> O escritor espanhol
-Eduardo Saavedra, num artigo intitulado «La geografia árabe de Portugal» in
-<em>Revista Archeologica e Historica</em>, <small>I</small>, 49, suppõe que o
-trajecto descrito por Edrisi vae de Coimbra a Viseu e Braga «por um caminho
-muito frequentado», fazendo o primeiro descanso em Avô, 45 kil. a NE. de
-Coimbra; o segundo em S. Miguel do Outeiro, 10 kil. a O. de Viseu no caminho de
-S. Pedro do Sul; depois chega-se ao Douro, que se passa em embarcações defronte
-de uma aldeia, que é Villaboa de Quires, a E. de Penafiel. D'aqui duas jornadas
-a Braga e outras duas a Tuy.</p>
-
-<p>Salvo o devido respeito, isto parece uma viagem... <em>à vol d'oiseau</em>!
-</p>
-
-<p><a name="foot669" href="#tex2html26"><sup>[26]</sup></a> Nos <em>Port. Mon.
-Hist.</em>, «Diplom. de Chart.», apparecem mais documentos em que se encontra
-esta mesma designação. Estes por exemplo:</p>
-
-<p>N.º 67 do anno 953:... <em>et inde per carraria mourisca...</em> (Isto era
-nas vizinhanças de Villa do Conde).</p>
-
-<p>N.º 614 do anno 1083:... <em>et inde per via maurisca:...</em> (territorio
-de Arouca).</p>
-
-<p>Póde não se tratar nestes dois documentos de vias militares romanas, como
-não se trata; mas nem por isso a designação deixa de ser inexacta no seu
-sentido proprio. Eram antigos caminhos, anteriores aos arabes. Aliás teriamos
-que admittir que os filhos do Islam andaram por terras de Villa do Conde e de
-Arouca a abrir estradas em fórma, por serem invios os territorios.</p>
-
-<p>Demonstra isto que os amanuenses do secs. <small>X</small> e
-<small>XI</small> já não sabiam estremar romanos (e visigodos) de serracenos.
-Era pois, como hoje, o fallar do povo.</p>
-
-<p>É tambem este o sentimento do Sr. Pedro de Azevedo (<em>Arch. Port.</em>,
-<small>III</small>, 137 sgs.). Este facto é bastante expressivo. Não passára um
-seculo ainda depois da expulsão dos arabes naquella região, e a interrupção de
-tradições locaes tinha sido tão intensa que a mera conjectura tomara o logar
-d'aquellas, attribuindo aos muçulmanos as obras de viação de que elles apenas
-tiveram a utilidade (Veja-se <em>Hist. de Portugal</em>, por A. Herculano,
-<small>III</small>, 421). Em França não se dava isto. Ruy de Pina na
-<em>Chronica do sr. rey D. Affonso V</em> (p. 569) diz: «E na cidade de Nimis
-leixou El-rey <em>a estrada romam</em>, que vay a Avinham».</p>
-
-<p><a name="foot684" href="#tex2html27"><sup>[27]</sup></a> Seria longo
-transcrever os trechos respectivos d'esses documentos; e nem sempre é possivel
-acertar a que especie de caminhos se referem as expressões usadas nos
-documentos. É commum o termo <em>strada</em>, <em>strata</em>; algumas vezes
-adjectivada <em>strata ueredaria</em> (Dipl. et Chart., n.º 174) em opposição a
-<em>alia carrale</em> (id.); <em>estrata de uereda</em> (id. n.º 13); <em>in
-estrada qui discurrit via de uereda</em> (id. n.º 24) ou <em>strata maiore</em>
-(id. n.<sup>os</sup> 563, 378 e 549). Tambem se encontra a expressão
-<em>carreira antiqua</em> (id. n.<sup>os</sup> 620 e 639), <em>karraria
-antiqua</em> (id. n.<sup>os</sup> 888), <em>carraria antiqua</em>
-(n.<sup>os</sup> 639 e 287), <em>carera antiqua</em> (id. n.<sup>os</sup> 366).
-<em>Via de strada</em> e <em>strada de uiminaria</em> lêem-se no doc. n.º 817
-(<em>ob. cit.</em>) Ainda hoje se póde dizer <em>caminho de estrada</em>.
-<em>Carreira</em> é termo agora quasi só locativo, mas ainda se ouve no norte
-applicado ás largas entradas de algumas casas antigas, precedidas de uma
-alameda plana; certamente <em>carreira</em> inclue a ideia de carro, como
-<em>carrale</em>. Outra denominação que encontrei foi a de <em>via publica</em>
-(<em>ob. cit.</em>, n.º 676), que parece corresponder a caminho publico.</p>
-
-<p><em>Karraria antiqua</em> era certamente uma estrada carreteira antiga já
-naquella epoca e portanto tradicional, mas d'aqui não se póde concluir que essa
-estrada fosse <em>via militar</em> romana. Assim o doc. n.º 570 do anno 1079
-refere-se á freguesia moderna de Paçô, no concelho do Valdevêz (<em>uilla
-Palatiolo</em>), onde nunca passou via militar e onde a <em>carreira
-antiqua</em> poderia bem attingir a epoca romana.</p>
-
-<p>Alguns d'estes documentos foram indicados pelo erudito conservador do
-Archivo Nacional e meu amigo o Sr. Pedro de Azevedo; outros rebusquei-os
-propositamente com o auxilio do valioso trabalho do Sr. Gama Barros, <em>A
-administração Publica em Portugal</em>, entre os que pertencem á região de
-Entre-Vouga-e-Douro.</p>
-
-<p><a name="foot675" href="#tex2html28"><sup>[28]</sup></a> No mesmo pensar
-encontro-me com o Sr. Alberto Sampaio na <em>Portugalia</em>,
-<small>II</small>, 216 (<em>As povoas maritimas do norte de Portugal</em>).
-Assim se exprime: «As unicas povoações, vizinhas do mar, existentes então (no
-tempo dos romanos), eram Calem e Portucale».</p>
-
-<p><a name="foot676" href="#tex2html29"><sup>[29]</sup></a> É o Sr. Conselheiro
-Luis de Magalhães, em <em>A arte e a natureza em Portugal</em>, vol.
-<small>IV</small>. A descrição da ria immensa de Aveiro, com as salinas
-espelhadas que a cobrem, com os seus cones alvissimos de sal, que marchetam a
-planicie sem fim, é um d'estes primores de prosa gracil e diaphana, que mais
-ninguem poderia escrever com igual coração e com pulso comparavel. Parece que a
-seducção d'esse panorama não me será mais intensa, quando com os olhos o vir,
-do que quando o adivinhei naquellas tão poupadas paginas.</p>
-
-<p><a name="foot677" href="#tex2html30"><sup>[30]</sup></a> A grandíssima
-maioria das povoações d'estas epocas era nos altos; ahi tem sido encontrados os
-seus vestigios. Para a alguma se attribuir situação aberta como a de Aveiro,
-necessario seria documentar a excepção.</p>
-
-<p>Não repugna absolutamente admitti-la no nosso caso, mas é hypothese pura. E
-depois, lá temos o distinctivo <em>briga</em>. O nome da cidade comsigo traz a
-natureza do seu assento. No Algarve, <em>Ossonoba</em> e <em>Balsa</em>, não
-demoravam em outeiros. (Vide <em>Religiões da Lusitana</em> <small>II</small>,
-85).</p>
-
-<p><a name="foot678" href="#tex2html31"><sup>[31]</sup></a>
-<em>Portugalia</em>, <small>II</small>, 220, «As póvoas marítimas do norte de
-Portugal», pelo Sr. Alberto Sampaio.</p>
-
-<p><a name="foot679" href="#tex2html32"><sup>[32]</sup></a> Explicação
-geologica d'estes phenomenos: «C'est après avoir traversé les marécages du
-Vouga, que l'on entre dans les terrains anciens; ce sont d'abord des schistes
-luisants, généralement cachés par des dêpots superficiels: sables des dunes,
-graviers pliocènes et graviers kaoliniques appartenant au Crétacique. Ces
-derniers ne montent pas plus haut qu'Estarreja et le Pliocène est rarement
-visible depuis la voie ferrée. Parfois ce soubassement de roches solides
-n'existe pas, ou du moins ne se trouve qu'à une certaine profondeur au-dessous
-du niveau de la mer; dans ce cas, la côte subit des alternances d'accroissement
-et de décroissement qui peuvent être funestes à l'homme trop empressé de
-s'approprier le terrain que les sables ont gagné sur la mer; tel est le cas à
-Espinho». <em>Promenade au Gerez (Souvenirs d'un géologue)</em>, por Paul
-Choffat, 1895, p. 1.</p>
-
-<p><a name="foot680" href="#tex2html33"><sup>[33]</sup></a> Poderia aqui
-investigar-se das alterações da costa que possam ter modificado o aspecto do
-surgidouro do Vouga. Um apello, publicado no <em>Arch. Port.</em>,
-<small>II</small>, 301, teve em resposta o silencio. Não tratando dos factos de
-periodos geologicos ou indeterminados (<em>Arch. Port.</em>,
-<small>VII</small>, 274 e <small>X</small>, 193) pouco é o que se tem recolhido
-e ás vezes antagonico. Açoreamentos em epocas historicas foram notados na Povoa
-de Varzim, Villa do Conde, Fão, Esposende, Vianna, em Setubal, no Algarve
-(<em>Portugalia</em>, <small>I</small> e <small>II</small>. <em>passim</em>), e
-eu mostro que na faixa de Esmoriz a Mira elles se deram tambem em epoca que não
-posso precisar. Num mappa que illustra o <em>Hisp. &amp; Port.,
-Itinerarium</em> de Martin Zeiler (1656) Aveiro é situada ao norte do Vouga. E
-não é o unico mesmo de datas mais recentes.</p>
-
-<p><a name="foot681" href="#tex2html34"><sup>[34]</sup></a> Ha um documento do
-sec. <small>XI</small> que faz uma referencia aproveitavel debaixo d'este
-aspecto: é o n.º <small>DCCCXV</small> do anno 1095 (doação á sé de Coimbra da
-igreja de S. Christovam, junto a Ilhavo)... <em>Ista igitur auctoritate
-confissus ingressus sum et ego densissimam silliamm</em> (silvam) <em>que ab
-antiquis temporibus habitaculum erat bestiarum...</em></p>
-
-<p><a name="foot682" href="#tex2html35"><sup>[35]</sup></a> Entre as cartas
-antigas que folheei, desejo destacar uma do sec. <small>XVII</small>, assinada
-por N. Sanson. <em>christ. Gall. regis geografo</em> (<em>Hispaniae antiquae
-tabulae</em>, 1641). O mappa de Portugal antigo individúa, na região que andei
-estudando, <em>Conimbrica</em> em Condeixa, <em>Aeminium</em> na margem norte
-do Mondego; <em>Talabriga</em> ao N. do Vouga, um pouco afastada do estuario, a
-20 ou 25 <em>milliaria</em> da foz do Vouga (isto é, na altura onde eu localizo
-esta povoação); e, seguindo no mesmo rumo, <em>Langobriga</em>. É na
-Bibliotheca Nacional, um grosso volume <em>in-folio</em>, recentemente
-encadernado com o dístico&mdash;Mappas&mdash;e sem frontispicio.</p>
-
-<p><a name="foot606" href="#tex2html36"><sup>[36]</sup></a> Esta lenda porém
-reproduz-se em mais localidades, fóra d'esta região.</p>
-
-<p><a name="foot683" href="#tex2html37"><sup>[37]</sup></a> ... <em>pecuniis
-publicis, cum reliquo publico apparatu, ademtis</em>. Isto dá bem a entender
-que havia uma perfeita organização politica, e n'ella se estribava a
-organização de uma defesa militar contra a invasão romana.</p>
-</div>
-</div>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p style="text-align: center;"><a href="images/mapa.jpg"><img src="images/mapa.jpg" width="80%" border="0" alt="Carta da região de Entre-Mondego-e-Douro"></a></p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<p>&nbsp;</p>
-
-<h2>DO AUTOR</h2>
-
-<h3 style="text-align:center;">ESTUDOS DO ALTO-MINHO (SERIE 1.ª)</h3>
-
-<h4>Publicados</h4>
-
-<p>I&mdash;<strong>Epigraphia christiano-latina</strong> (uma inscripção
-inedita).</p>
-
-<p>II&mdash;<strong>Um passeio archeologico no concelho dos Arcos de
-Valdevez</strong> (visita ás antas da serra do Soajo).</p>
-
-<p>III&mdash;<strong>Machados de duplo anel</strong>.</p>
-
-<p>IV&mdash;<strong>Ainda a inscripção christã de S. Pedro de
-Arcos</strong>.</p>
-
-<p>V&mdash;<strong>Uma primicia de epigraphia funeraria romana</strong>.</p>
-
-<p>VI&mdash;<strong>O portico da matriz de Monção</strong>.</p>
-
-<p>VII&mdash;<strong>Um castro com muralhas</strong>.</p>
-
-<p>VIII&mdash;<strong>Um erro de amanuense nas inquirições de D. Affonso
-III</strong> (C. Sancti Salvatoris Darcus).</p>
-
-<p>IX&mdash;<strong>Um Grovio autentico</strong> (cippo de Villa-Mou).</p>
-
-<p>X&mdash;<strong>Ara celtiberica da epoca romana</strong> (um novo
-«Genio»).</p>
-
-<h3>PAGINAS ARCHEOLOGICAS (SERIE 2.ª)</h3>
-
-<h4>Publicadas</h4>
-
-<p>I&mdash;<strong>Estatueta ithyphallica</strong>.</p>
-
-<p>II&mdash;<strong>Cemiterio da epoca romana em Vianna do
-Alemtejo</strong>.</p>
-
-<p>III&mdash;<strong>Situação conjectural de Talabriga</strong>.</p>
-
-
-
-
-
-
-
-<pre>
-
-
-
-
-
-End of Project Gutenberg's Paginas Archeologicas, by Felix Alves Pereira
-
-*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK PAGINAS ARCHEOLOGICAS ***
-
-***** This file should be named 30071-h.htm or 30071-h.zip *****
-This and all associated files of various formats will be found in:
- https://www.gutenberg.org/3/0/0/7/30071/
-
-Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images
-of public domain material from BibRia)
-
-
-Updated editions will replace the previous one--the old editions
-will be renamed.
-
-Creating the works from public domain print editions means that no
-one owns a United States copyright in these works, so the Foundation
-(and you!) can copy and distribute it in the United States without
-permission and without paying copyright royalties. Special rules,
-set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to
-copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to
-protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. Project
-Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you
-charge for the eBooks, unless you receive specific permission. If you
-do not charge anything for copies of this eBook, complying with the
-rules is very easy. You may use this eBook for nearly any purpose
-such as creation of derivative works, reports, performances and
-research. They may be modified and printed and given away--you may do
-practically ANYTHING with public domain eBooks. Redistribution is
-subject to the trademark license, especially commercial
-redistribution.
-
-
-
-*** START: FULL LICENSE ***
-
-THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE
-PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK
-
-To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free
-distribution of electronic works, by using or distributing this work
-(or any other work associated in any way with the phrase "Project
-Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full Project
-Gutenberg-tm License (available with this file or online at
-https://gutenberg.org/license).
-
-
-Section 1. General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tm
-electronic works
-
-1.A. By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm
-electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to
-and accept all the terms of this license and intellectual property
-(trademark/copyright) agreement. If you do not agree to abide by all
-the terms of this agreement, you must cease using and return or destroy
-all copies of Project Gutenberg-tm electronic works in your possession.
-If you paid a fee for obtaining a copy of or access to a Project
-Gutenberg-tm electronic work and you do not agree to be bound by the
-terms of this agreement, you may obtain a refund from the person or
-entity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8.
-
-1.B. "Project Gutenberg" is a registered trademark. It may only be
-used on or associated in any way with an electronic work by people who
-agree to be bound by the terms of this agreement. There are a few
-things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works
-even without complying with the full terms of this agreement. See
-paragraph 1.C below. There are a lot of things you can do with Project
-Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement
-and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic
-works. See paragraph 1.E below.
-
-1.C. The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation"
-or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project
-Gutenberg-tm electronic works. Nearly all the individual works in the
-collection are in the public domain in the United States. If an
-individual work is in the public domain in the United States and you are
-located in the United States, we do not claim a right to prevent you from
-copying, distributing, performing, displaying or creating derivative
-works based on the work as long as all references to Project Gutenberg
-are removed. Of course, we hope that you will support the Project
-Gutenberg-tm mission of promoting free access to electronic works by
-freely sharing Project Gutenberg-tm works in compliance with the terms of
-this agreement for keeping the Project Gutenberg-tm name associated with
-the work. You can easily comply with the terms of this agreement by
-keeping this work in the same format with its attached full Project
-Gutenberg-tm License when you share it without charge with others.
-
-1.D. The copyright laws of the place where you are located also govern
-what you can do with this work. Copyright laws in most countries are in
-a constant state of change. If you are outside the United States, check
-the laws of your country in addition to the terms of this agreement
-before downloading, copying, displaying, performing, distributing or
-creating derivative works based on this work or any other Project
-Gutenberg-tm work. The Foundation makes no representations concerning
-the copyright status of any work in any country outside the United
-States.
-
-1.E. Unless you have removed all references to Project Gutenberg:
-
-1.E.1. The following sentence, with active links to, or other immediate
-access to, the full Project Gutenberg-tm License must appear prominently
-whenever any copy of a Project Gutenberg-tm work (any work on which the
-phrase "Project Gutenberg" appears, or with which the phrase "Project
-Gutenberg" is associated) is accessed, displayed, performed, viewed,
-copied or distributed:
-
-This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
-almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
-re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
-with this eBook or online at www.gutenberg.org
-
-1.E.2. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is derived
-from the public domain (does not contain a notice indicating that it is
-posted with permission of the copyright holder), the work can be copied
-and distributed to anyone in the United States without paying any fees
-or charges. If you are redistributing or providing access to a work
-with the phrase "Project Gutenberg" associated with or appearing on the
-work, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1
-through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and the
-Project Gutenberg-tm trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or
-1.E.9.
-
-1.E.3. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is posted
-with the permission of the copyright holder, your use and distribution
-must comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additional
-terms imposed by the copyright holder. Additional terms will be linked
-to the Project Gutenberg-tm License for all works posted with the
-permission of the copyright holder found at the beginning of this work.
-
-1.E.4. Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg-tm
-License terms from this work, or any files containing a part of this
-work or any other work associated with Project Gutenberg-tm.
-
-1.E.5. Do not copy, display, perform, distribute or redistribute this
-electronic work, or any part of this electronic work, without
-prominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 with
-active links or immediate access to the full terms of the Project
-Gutenberg-tm License.
-
-1.E.6. You may convert to and distribute this work in any binary,
-compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including any
-word processing or hypertext form. However, if you provide access to or
-distribute copies of a Project Gutenberg-tm work in a format other than
-"Plain Vanilla ASCII" or other format used in the official version
-posted on the official Project Gutenberg-tm web site (www.gutenberg.org),
-you must, at no additional cost, fee or expense to the user, provide a
-copy, a means of exporting a copy, or a means of obtaining a copy upon
-request, of the work in its original "Plain Vanilla ASCII" or other
-form. Any alternate format must include the full Project Gutenberg-tm
-License as specified in paragraph 1.E.1.
-
-1.E.7. Do not charge a fee for access to, viewing, displaying,
-performing, copying or distributing any Project Gutenberg-tm works
-unless you comply with paragraph 1.E.8 or 1.E.9.
-
-1.E.8. You may charge a reasonable fee for copies of or providing
-access to or distributing Project Gutenberg-tm electronic works provided
-that
-
-- You pay a royalty fee of 20% of the gross profits you derive from
- the use of Project Gutenberg-tm works calculated using the method
- you already use to calculate your applicable taxes. The fee is
- owed to the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, but he
- has agreed to donate royalties under this paragraph to the
- Project Gutenberg Literary Archive Foundation. Royalty payments
- must be paid within 60 days following each date on which you
- prepare (or are legally required to prepare) your periodic tax
- returns. Royalty payments should be clearly marked as such and
- sent to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation at the
- address specified in Section 4, "Information about donations to
- the Project Gutenberg Literary Archive Foundation."
-
-- You provide a full refund of any money paid by a user who notifies
- you in writing (or by e-mail) within 30 days of receipt that s/he
- does not agree to the terms of the full Project Gutenberg-tm
- License. You must require such a user to return or
- destroy all copies of the works possessed in a physical medium
- and discontinue all use of and all access to other copies of
- Project Gutenberg-tm works.
-
-- You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any
- money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the
- electronic work is discovered and reported to you within 90 days
- of receipt of the work.
-
-- You comply with all other terms of this agreement for free
- distribution of Project Gutenberg-tm works.
-
-1.E.9. If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm
-electronic work or group of works on different terms than are set
-forth in this agreement, you must obtain permission in writing from
-both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael
-Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark. Contact the
-Foundation as set forth in Section 3 below.
-
-1.F.
-
-1.F.1. Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable
-effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread
-public domain works in creating the Project Gutenberg-tm
-collection. Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic
-works, and the medium on which they may be stored, may contain
-"Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or
-corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual
-property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a
-computer virus, or computer codes that damage or cannot be read by
-your equipment.
-
-1.F.2. LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the "Right
-of Replacement or Refund" described in paragraph 1.F.3, the Project
-Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project
-Gutenberg-tm trademark, and any other party distributing a Project
-Gutenberg-tm electronic work under this agreement, disclaim all
-liability to you for damages, costs and expenses, including legal
-fees. YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICT
-LIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSE
-PROVIDED IN PARAGRAPH F3. YOU AGREE THAT THE FOUNDATION, THE
-TRADEMARK OWNER, AND ANY DISTRIBUTOR UNDER THIS AGREEMENT WILL NOT BE
-LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR
-INCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCH
-DAMAGE.
-
-1.F.3. LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover a
-defect in this electronic work within 90 days of receiving it, you can
-receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a
-written explanation to the person you received the work from. If you
-received the work on a physical medium, you must return the medium with
-your written explanation. The person or entity that provided you with
-the defective work may elect to provide a replacement copy in lieu of a
-refund. If you received the work electronically, the person or entity
-providing it to you may choose to give you a second opportunity to
-receive the work electronically in lieu of a refund. If the second copy
-is also defective, you may demand a refund in writing without further
-opportunities to fix the problem.
-
-1.F.4. Except for the limited right of replacement or refund set forth
-in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER
-WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO
-WARRANTIES OF MERCHANTIBILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE.
-
-1.F.5. Some states do not allow disclaimers of certain implied
-warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages.
-If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the
-law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be
-interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by
-the applicable state law. The invalidity or unenforceability of any
-provision of this agreement shall not void the remaining provisions.
-
-1.F.6. INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the
-trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone
-providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance
-with this agreement, and any volunteers associated with the production,
-promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works,
-harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees,
-that arise directly or indirectly from any of the following which you do
-or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm
-work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any
-Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause.
-
-
-Section 2. Information about the Mission of Project Gutenberg-tm
-
-Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of
-electronic works in formats readable by the widest variety of computers
-including obsolete, old, middle-aged and new computers. It exists
-because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from
-people in all walks of life.
-
-Volunteers and financial support to provide volunteers with the
-assistance they need are critical to reaching Project Gutenberg-tm's
-goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will
-remain freely available for generations to come. In 2001, the Project
-Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
-and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations.
-To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
-and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
-and the Foundation web page at https://www.pglaf.org.
-
-
-Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive
-Foundation
-
-The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
-501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
-state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal
-Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification
-number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at
-https://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg
-Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
-permitted by U.S. federal laws and your state's laws.
-
-The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S.
-Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered
-throughout numerous locations. Its business office is located at
-809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email
-business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact
-information can be found at the Foundation's web site and official
-page at https://pglaf.org
-
-For additional contact information:
- Dr. Gregory B. Newby
- Chief Executive and Director
- gbnewby@pglaf.org
-
-
-Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg
-Literary Archive Foundation
-
-Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide
-spread public support and donations to carry out its mission of
-increasing the number of public domain and licensed works that can be
-freely distributed in machine readable form accessible by the widest
-array of equipment including outdated equipment. Many small donations
-($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt
-status with the IRS.
-
-The Foundation is committed to complying with the laws regulating
-charities and charitable donations in all 50 states of the United
-States. Compliance requirements are not uniform and it takes a
-considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up
-with these requirements. We do not solicit donations in locations
-where we have not received written confirmation of compliance. To
-SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any
-particular state visit https://pglaf.org
-
-While we cannot and do not solicit contributions from states where we
-have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition
-against accepting unsolicited donations from donors in such states who
-approach us with offers to donate.
-
-International donations are gratefully accepted, but we cannot make
-any statements concerning tax treatment of donations received from
-outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff.
-
-Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation
-methods and addresses. Donations are accepted in a number of other
-ways including including checks, online payments and credit card
-donations. To donate, please visit: https://pglaf.org/donate
-
-
-Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic
-works.
-
-Professor Michael S. Hart was the originator of the Project Gutenberg-tm
-concept of a library of electronic works that could be freely shared
-with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project
-Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support.
-
-
-Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed
-editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S.
-unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily
-keep eBooks in compliance with any particular paper edition.
-
-
-Most people start at our Web site which has the main PG search facility:
-
- https://www.gutenberg.org
-
-This Web site includes information about Project Gutenberg-tm,
-including how to make donations to the Project Gutenberg Literary
-Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to
-subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.
-
-
-</pre>
-
-</body>
-</html>
diff --git a/old/30071-h/images/mapa.jpg b/old/30071-h/images/mapa.jpg
deleted file mode 100644
index dbb9fbb..0000000
--- a/old/30071-h/images/mapa.jpg
+++ /dev/null
Binary files differ