diff options
| -rw-r--r-- | .gitattributes | 3 | ||||
| -rw-r--r-- | 27940-8.txt | 3879 | ||||
| -rw-r--r-- | 27940-8.zip | bin | 0 -> 49125 bytes | |||
| -rw-r--r-- | 27940-h.zip | bin | 0 -> 53701 bytes | |||
| -rw-r--r-- | 27940-h/27940-h.htm | 3924 | ||||
| -rw-r--r-- | LICENSE.txt | 11 | ||||
| -rw-r--r-- | README.md | 2 |
7 files changed, 7819 insertions, 0 deletions
diff --git a/.gitattributes b/.gitattributes new file mode 100644 index 0000000..6833f05 --- /dev/null +++ b/.gitattributes @@ -0,0 +1,3 @@ +* text=auto +*.txt text +*.md text diff --git a/27940-8.txt b/27940-8.txt new file mode 100644 index 0000000..8f539f5 --- /dev/null +++ b/27940-8.txt @@ -0,0 +1,3879 @@ +The Project Gutenberg EBook of Musa Velha, by Francisco Palha + +This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with +almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or +re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included +with this eBook or online at www.gutenberg.org + + +Title: Musa Velha + +Author: Francisco Palha + +Release Date: January 31, 2009 [EBook #27940] + +Language: Portuguese + +Character set encoding: ISO-8859-1 + +*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK MUSA VELHA *** + + + + +Produced by Pedro Saborano + + + + + +MUSA VELHA + +Porto: 1883--Typ. de A. J. da Silva Teixeira +62, Rua da Cancella Velha, 62 + + +FRANCISCO PALHA + +MUSA VELHA + + +PORTO + +ERNESTO CHARDRON, EDITOR + +1883 + + + _Virgem dos olhos negros, se em tua alma + memoria inda conservas d'outro tempo, + só tu entenderás porque este livro + ousa ás trevas fugir, e o sol encara; + mas como quem escreve e quem publica + não perde tempo, nem dinheiro gasta + para teus ocios entreter sómente, + deixa-me vêr se á força de assignantes, + de venda avulsa, exemplares de mofo, + ha mais no mundo quem me entenda e leia._ + + + + +_DONA MORTE_ + + +Deu na tonta de entrar na minha escada + á Dona Morte um dia. + A pobre anda estafada +do continuo ceifar desde que ao nada +por divinaes processos da alchimia + a terra foi roubada. + + * + +Da comprida queixola desdentada +esta sentida nenia lhe saía: + --Senhor! forte estopada! +Sem poisar a caveira o mundo corro. +Em toda a parte estou. A toda a hora +prostro alguem a meus pés, e geme, e chora +por minha culpa alguem! Nenhuma aurora, + de luz nenhuma o jorro, +as orbitas vazias me alumia!... +Nunca uma esp'rança! nunca uma alegria! +Á dôr alheia pondo um suave termo +só a minha o não tem!... Só eu não morro +emquanto o mundo não tornar um ermo!... +Á obra! Á obra!-- + E lepida subindo + tocou a campainha: +um lugubre tocar que dava medo; +que não mais deixarei de estar ouvindo, +e fez com que eu então, muito em segredo, + rezasse a ladainha. + + * + +Era um simples aviso, pois que a porta +por si se escancarou e deu entrada + áquella feia ossada +de vermes revestida, e negra, e torta, +de mim ha longo tempo enamorada. + + --Senhora Morte, viva!-- +disse ao vêl-a, fingindo animo forte; +mas cá por dentro, como a sensitiva +n'haste as folhas retráe que lh'as não córte + quem d'ella se aproxima +e levemente a mão lhe põe por cima, +cá por dentro a minh'alma, em pasmo estranho +por vêr-se em tão cruel extremidade, +foi-se encolhendo até ser do tamanho + d'um reles feijão frade! + + * + + --Desculpe a impertinencia-- +continuei.--Como é que usam tratal-a? + Por tu? Por _Excellencia_ +como é hoje tratada toda a gente?-- + «A mim é-me indifferente. +Não faz ninguem de tal miseria gala +no reino onde eu impero.» + Esta resposta +me deu a Dona Morte, e junto ao leito, +onde eu espreguiçava a mandrieira, + chegou; puxou cadeira; +sentou-se gravemente, sobreposta +uma rótula n'outra. + Com effeito +mau é vêl-a!... peior á cabeceira! +E poz-me a fria mão aqui no peito. +«Que bons pulmões tens tu! e como pulsa +na tua idade o coração ainda +pelas paixões mundanas agitado!» +--Então...--volvi com voz menos convulsa-- +inda tenho a viver um bom bocado?!-- + «Conforme. Tudo finda +quando me apraz e breve.» + --Se ao teu lado +para afastar-te eu não chamar a Siencia.-- +«Dou-te um dôce que a chames! Cáe tu n'essa! +descobriste a maneira, tem paciencia, +de eu carregar comtigo mais depressa.» + +--Banal! Banal! Cuidei que era outra coisa-- +rosnei com meus botões.--Um vende bolas, +um palurdio qualquer vindo de Loiza, +da Lourinhã, do inferno, esta sandice +ancho diria qual a Morte a disse. + + * + +Ella no entanto, um pé bamboleando, +co'as phalanges dos dedos descarnados +batendo sobre a tibia, ia soltando + uns sons de castanholas +com que sóe convocar gatos pingados +ás grandes, funerarias cabriolas. + Após pequena pausa +de subito se ergueu. + «Não ha remedio! + Deixar-te vou por causa +d'uns ganchitos que tenho aqui no predio. +O cónego não dorme ha tres semanas. +Rouba-lhe o ar a suffocante angina + que o peito dilacera. +Tem esgotado as provações humanas. +Na longa vida santamente austera +fez jus, coitado! á compaixão divina. + Melhor que o da morphina, +premio á virtude, um somno lhe preparo +brando, quieto, sereno como um lago. +Apanha o padre agora! e apanha, é claro, +quem lhe abichar na Sé o logar vago. +O conego aviado, tenho uns planos +de ir tocar no ferrolho ao conselheiro. +Quero abater-lhe a prôa!... Setenta annos + e sóbe inda lampeiro +outros tantos degraus!... Então córado! + redondo!... Uma cereja!... + E como se espenneja +quando vae pela rua engravatado, +para as moças olhando ás furtadellas +como quem diz: _Assim quisessem ellas!_ +Chucha um pisco ao jantar; um pisco á ceia. + Por não dormir de tarde +nem trazer nunca a barriguinha cheia +considera-se livre do meu jugo + e d'isso faz alarde! +Pois tu vaes vêr, fradinho de sabugo!» + + Travou da arqueada foice; +disse-me:--«Adeus! Eu volto. Eu volto. Espera»: + virou a espinha, e foi-se. + + * + +Sim, que te espero! Aqui te aguardo, ó fera! + + * + +Mal passado um minuto, instantes, penso, +portas a abrir-se, gente que subia +resmoneando latim, e cheiro a incenso, +o _opoponax_ da velha liturgia. + +Desci. Curvei-me. Bemaventurado +aquelle que tem fé! Como um soldado, +firme em seu posto o conego morria. + + * + +Volto a casa. Corri logo á janella. +Nos amplos ceus azues esmorecia +a luz d'um sol d'abril. Do floreo seio +perfumes exhalava a Primavera +fallando-me por modo que a entendia. +Quanto distava, quão diversa que era + da outra scena aquella! +Então clamei: _Em ti, meu Deus, eu creio!_ + +Um mez depois alguem contar-me veio: +--Lá puxou o visinho aqui do lado! +Hontem, depois do chá e o rol escripto, +saíu da mesa, deu-lhe uma tontura, +rodopiou, caíu na sepultura +co'a paz na consciencia e o palito +no canto inda da bocca!-- + + No outro dia +foi-se o bom conselheiro, encaixotado, + direito ao cemiterio. + Na turba que o seguia +havia quem dissesse: _Um homem sério!_ + E tudo era acabado. + + * + +Chega-me agora a vez. Prompto! Presente! +Prompto sou a marchar!... mas descontente. +Não que eu tema morrer. Quem morre inteiro? +Aquillo que me assusta, o que me aterra +é sómente a lembrança de que á terra, +tal qual se semeasse fava ou trigo, + o bruto do coveiro +cantarolando, atirará commigo! + +Eu, que respiro ao sol da liberdade, +fechado n'um segredo humido, immenso, +frio, escuro, por toda a eternidade! +Preso... amarrado ali! Meu nome inscripto +n'um livro negro, em folhas côr d'ict'ricia, +como se inscreve em notas de policia +o nome do gatuno a quem o apito +tranquillo não deixou bifar um lenço! +Numerado inda em cima! numerado +como um grilheta!... _O cento e trinta e cinco._ +de cestos de cal virgem carregado +p'ra todo o sempre n'um caixão de zinco!... + + * + +Não estou pelos autos. Não!... Protesto. +Quando a morte vier por este resto, +d'homem... de coisa... nem eu sei ao certo +isso que fui, que sou, para o que presto: +quando ella pois vier, e virá cedo... + e vem... que a sinto perto, +ordeno que me estendam n'um penedo +da minha amada Cintra. Redivivo, + á luz serena e pura +dos puros ceus, o misero captivo +reabrirá seus olhos porventura! +Inda lá teu amor, tua belleza, +a força me darão, tres _estrellinhas_, +para affrontar a idade, a natureza, +e triumphar do Eterno! + Com certeza +que nem sequer, leitor, tu adivinhas, +nem eu jámais direi de quem se trata. +Bem o desejas tu, lingua de prata! +Era um maná! + + * + + Ó sombra que fugiste, +que sem cessar procuro em toda a parte + e não encontro nunca, +porque é que tu não voltas, e d'est'arte +de saudades a Dôr, teimosa, junca + o meu caminho triste?! +Agora ao menos, anjo expatriado, + em que eu por ti resumo +n'uma lagrima só as que hei chorado +dês que te dei minh'alma até est'hora, +porque é que tu não vens mostrar-me o rumo + do ninho teu d'outr'ora?! +Vem! e guia-me tu n'este momento +á dôce paz do suspirado porto! +Foste na vida o meu maior tormento... +Ai! Sê na morte o meu maior conforto! + + + + +_POR FIM..._ + + +Tu queres, Dorinda, queres +que eu tome os banhos da igreja?! +Não será melhor que esteja +de noite a fazer colheres, +de dia a apanhar carqueja?! + +Pelo ceu! que o matrimonio +não é mais que pellourinho, +d'onde as barbas do visinho +vemos ardendo! demonio +disfarçado em Cupidinho. + +O outono com seu cortejo +de folhas seccas no chão! +O eterno adeus á illusão! +O ultimo som do harpejo +que Amor tira ao coração! + +O susto! a agonia! o trance +de ir vivendo sempre á espreita +se ha quem tornar-nos alcance, +pois tal historia deleita, +_altos_ heroes d'um romance. + +E queres, Dorinda, queres +que eu tome os banhos da igreja?! +Para quê? Para que veja +que entre todas as mulheres +uma existe que sobeja?! + +Não! e não! Viva o solteiro! +Aguia voando no espaço +sem ter certo o paradeiro, +e cravando as garras d'aço +nas pombas que vê primeiro! + +Sae, e entra, e torna fóra +sem que ninguem lhe interrogue +onde foi, qual é a hora, +nem pecuinhas lhe jogue +sobre a provavel demora; + +Sem que a esposa ciumenta, +Furia, Medusa, tormenta +de más caras, más respostas, +invente o que o diabo inventa: +dormir-se costas com costas. + +E, depois, Madame Aline +rôa as unhas! Que se fine +entre rendas d'Alençon! +que o meu dinheiro não tine +p'ra que tu andes no tom! + +Já vês que debalde queres +que eu tome os banhos da igreja. +Iça o pau da carangueja! +Nos turcos os escaleres, +e para o largo veleja! + +Mas tambem... viver sósinho! +Sem fé... perdido... sem ninho... +Sem se erguer uma só voz +na aridez d'este caminho +a Deus orando por nós!! + +Retornando ao lar deserto +achar tudo a _trochemoche_!... +O bahu sem chave e aberto +dizendo ao larapio:--_Entrouxe, +que você é que é o esperto!_-- + +Sempre mal fervida a sopa! +Sempre o café mal torrado! +Feita a passagem na roupa +deixando o dono enleiado +se foi a agulha se a choupa! + +Se ainda, Dorinda, queres +que eu tome os banhos da igreja, +não descances na peleja, +que eu sou como os malmequeres: +_não e sim_. Louvado seja! + +Ai! que é bom durante os ocios, +na fortuna e na miseria, +achar ao lado uma Egeria +que, em se fallando em negocios, +não tuja sobre a materia; + +Que seja como a romana, +meio amor e meio roca; +não sáia nunca da toca +mais que uma vez por semana, +nem tinja o cabello d'óca; + +Nem, quando a afiada foice +da vida o fio nos córte, +de rijo invective a Sorte, +e diga baixinho:--_Foi-se! +Quanto és minha amiga, ó morte!_-- + +E d'aqui outro consolo +melhor que maracujá +e que o dôce de tijolo: +ter quem, a rilhar n'um bolo, +nos julgue e chame papá! + +Loura criancinha meiga, +para o pai mimo celeste, +e para o estranho uma peste +que emporcalha de manteiga +as calças que a gente veste. + +Inda agora é que eu reparo +nos teus olhos, creatura! +São negros... d'um negro raro! +Negros como a noite escura +com seus quês d'um sol bem claro! + +Alto o seio e pura neve +que mil desejos excita! +O pé delgadinho e breve; +e quanto a mão... Deus permitta +que a não tenhas muito leve. + +Dá-me o teu braço, Dorinda. +Vamos aos banhos da igreja. +Certo é que não graceja +quem diz que os refrescos, linda, +curam toda a brotoeja. + + + + +_CARTA_ + +ao Conde D'Almedina, Inspector da Academia Real de Bellas-Artes, +que no estrangeiro sollicitou uma commenda para o author + + +Tratante d'inspector, cuidei-te amigo +e sácas-te a mangar assim commigo! +Traição! insidia! roubo! Eu, um pelintra +que nem posso comprar um burro em Cintra, +onde a commenda magna em chammas brilha +sobre o manto azulado de escumilha +que Deus usa no v'rão, e a natureza +ironica sorri da pequeneza +d'esta baixa comedia, eu--velho! eu--calvo! +á publica irrisão a servir d'alvo?!... +Qual foi meu crime? Qual? Era deveras +menos duro entregar-me inteiro ás feras. +Ridiculo não ha na gente morta. +Fôra uma vez um Palha!... A questão corta +e não se falla mais.-- + Por não ter _guines_, +tratante d'inspector, não me apepines. + +Eu amo a sombra fria. Odeio a moda. +No bulicio d'um baile anda-me á roda +a caixa do miolo; um labyrintho +onde, perdido, entontecer-me sinto. +Moem-me as praxes; pesam-me etiquetas, +e tudo sei rasgar... menos baetas. +Por mais que mire uns outros enfeitados, +tão contentes de si, e tão coitados +que julgam ser alguem!, não sei... não acho +nem honra nem razão no berbicacho +dourado, reluzente, sol d'esmalte, +do qual em cada raio não ressalte, +ante luz de gloriosa eternidade, +um feito illustre a bem da humanidade. + +D'outro modo o que é? Um mau bocado +de pão de rala a cães famintos dado: +d'um réles charlatão a taboleta, +na qual, quem passa, lê: _Dom Paparrêta!_ +ou lê inda peior! + Mette-me á bulha, +terás aqui o rol de quanto pulha +_grande_ se fez tal qual se torna grande +o bácoro a fossar e a comer lande. +_Ai! no me pique usted!_ Sob o arminho +busca, e talvez encontres pergaminho +lavrado a ferro e sangue, fresco ainda, +nos coiros fuscos de infeliz cabinda. +Nem titulos pomposos nem veneras +valem dez reis furados n'estas eras. +Hoje o premio a heroes dá-se ao dinheiro. +Importa lá se é falso ou verdadeiro?! +Comprou? Correu? O mais é tudo historia. +Nem o nome villão fica em memoria. +Uma coisa é escalracho, outra--papoila. +Onde era a nódoa poz-se a lentejoila. + +Ha excepções, bem sei. Dou-lhes apreço. +Morro d'amor por essas que eu conheço; +mas como a estes raros não pertenço, +e menos inda aos outros, o bom senso +manda que eu te agradeça os teus favores +e ria da mercê. + Quando tu fores, +saudade ao peito, encasacado, sério, +despedir-te de mim no cemiterio, +verás que desço á terra, oh! vista horrenda! +nusinho tal qual vim; e por commenda +inerte o coração, gasto da vida +na rude, pertinaz, obscura lida. + +Tu mesmo então, artista d'olho fino, +dirás á turba: + «Emfim o peregrino +na paz eterna vai dormir agora! +Andou mettido a vida inteira á nora +d'este poço sem fundo de miserias. +Abusava do riso, das pilherias, +e d'outras coisas mais em que não fallo. +Foi Job em vez de ser Sardanapálo. +Uma _raia_ da Sorte. Ella faz d'isto: +dá impérios ao démo, a cruz ao Christo. +Mas resta-nos, amigos, um consolo: +tudo seria... excepto um grande tolo.» + + + + +_REQUERIMENTO_ + + + Meu Couto Monteiro, + senhor da Justiça +que nunca, que eu saiba, saíu do tinteiro, +e pae dos famintos que engolem á missa +o corpo sem mancha do santo Cordeiro. + Não rondo as arcadas + fazendo-te esperas. + Não subo as escadas +que ascendem aos atrios das altas espheras, +levando no bolso memoria sebenta +que ha mais de mil annos requer um despacho, +nem ponho o toutiço, já calvo aos cincoenta, + em ar de tapete, + em ar de capacho, + no teu gabinete. +Só quero dizer-te que tenho defronte + da casa onde habito + um sino maldito. + Não sei se t'o conte... +De dia, de noite, ao sol, ao luar, + não faz outra coisa + senão badalar! + Nem elle repoisa +nem deixa na rua ninguem repoisar!... + +Ha quem me assevere que o demo mofino + montado no sino + se foi baloiçar!... +Baloiça-te, pêrro! Engendra um badalo + do vil pé caprino + e dá-lhe um estalo! + e dá-lhe a matar! +Não tremas, sabujo! que o sino foi bento; +mas sabes que as bençãos são cruzes no ar; + levou-lh'as o vento. + +Entrasse em teus ossos o meu rheumatismo; +roesse a medulla; por noites e dias +chumbasse-te o corpo n'um duro colchão; + então saberias, + ó filho do abysmo, + verias então + se assim te mexias! + + O caso é que tu +commigo caçôas e ris dos doutores, + pois nunca tens dôres, +e nem te constipas! e, mais, andas nu! + +Parece impossivel! Dá volta á cabeça! +Eu cá, homem serio, que gema e padeça; + que em vindo janeiro +me rape um catarrho!... E haver um brejeiro + que passa o inverno + sem chuvas nem lamas! + quentinho nas chammas + do próvido inferno! + rival do Eterno! +eterno elle mesmo! Sagaz Providencia, +e és da justiça, do amor és a essencia! + +Bem sei que o tal sino foi feito, fundido +na terra dos cirios, da Carta, do hymno, + d'aquelles quarenta + de pêllo na venta + que ao reino opprimido +quebraram algemas d'um jugo ferino; +e a Carta era um mytho, são presas do olvido +os nomes e as glorias de heroes legendarios +se os sinos dormirem nos seus campanarios + qual dorme a memoria +dos feitos illustres nas sombras da Historia. +Ó Couto Monteiro, se a Carta está morta, + o que é que lhe importa, +que importa aos guerreiros em pó transformados, + que toque ou não toque +nas torres da Graça, da Sé, de S. Roque, +o sino importuno masurkas e fados?! +Nem isso os aquece, nem ha desafôro +qual este que os templos agora profana +passando dos palcos aos orgãos do côro, +aos sinos de igrejas, a copla mundana. + +Nem tu me perguntes: «Quem é que armarieis + com mais alegria +que o meigo innocente, do somno lethal + que á treva o prendia, +nos braços do Christo resurge immortal? +Qual voz, como aquella, dos vivos implora +por alma dos mortos a prece final?» +Por isso!... por isso, meu Couto Monteiro! +O vil não repica, nem geme, nem chora, +senão por aquelles que teem dinheiro! + +Que nasça, que viva, que durma na valla +quem é pobresinho, sem festas nem dobres! +O sino só tange conforme a tabella, +só diz:--_Baptisou-se_, dos mortos só falla + se o manda o _sob'rano_ + do reino dos cobres, + a libra amarella! +No ceu, felizmente, vigora outra escala +na qual os primeiros são elles--os pobres, +e poucos ricassos, que vão por engano. + +Se és, qual eu julgo, christão verdadeiro. + Meu Couto Monteiro, +é justo que ponhas no prego o sineiro + que á patria com fome + propines uns nacos + de sino em patacos: + verás como os come. + + + + +_PREFACIO D'UM LIVRO INEDITO_ + + +Mamãsinha impertinente, +não te ponhas com tolices. +Faze como se não visses +se vires a filha innocente +lendo as minhas criancices. + +Deixa vãs prohibições +se este meu livro não queres +escondido entre colchões, +que é onde escondem mulheres +livros, cartas, e... orações. + +Depois, o livro que ensina? +Muita coisa boa e má +que ha de fazer a menina +porque tu, que és menos fina, +as fizeste ao seu papá. + +E sendo condão fatal +que a filhinha, que tu crias +com pretensões a Vestal, +siga o exemplo das tias +pela influencia carnal; + +Ao vêr servir de palito +n'este meu livro erudito +tanta gente, ha de hesitar; +e á cova irá de palmito... +se a morte cêdo a levar. + +Deixa-te pois de tolices, +mamãsinha impertinente. +Faze como se não visses +se vires a filha innocente +lendo as minhas criancices. + + + + +_MAL POR MAL..._ + + +Eu trago em minh'alma afflicta +revolto mar de agonias. +Tedio da vida os meus dias, +as minhas noites, agita. + +Ó minhas crenças d'outr'ora, +dôces amigas da infancia, +a que longinqua distancia +do meu peito andaes agora! + +N'esta cerração escura +assim me deixaes sósinho! +e sem que volteis ao ninho +baixarei á sepultura! + +De mim te acerca bem perto, +ó morte! No estreito abraço +vôa commigo no espaço, +leva-me d'este deserto! + +Mas se na mansão infinda, +onde librar-me tencionas, +nos dão as mesmas taponas +com que a sorte aqui nos brinda; + +Se esguio velhote avaro +n'essas alturas se encontra, +com seu barrete de lontra, +olhar e sorriso ignaro; + +De fallas mansas, beato +para vêr se os santos pobres, +saudosos dos magros cobres, +lhe vão empenhar o fato; + +Se o operario, se o povo +crê tambem que o mundo em ruina +ha de saír da officina +corrigido e mundo novo. + +E em lutas, que são eternas +por lhe ser eterna a peia, +quebrar pretende a cadeia +e quebra a si proprio as pernas; + +Se n'esse logar bemdito +pisamos a mesma lama +que sobre a terra se chama +--_O Asmodeu_,--_O Mosquito_--; + +Se é Mercurio almiscarado +o filho de Compostella; +se por ventura um Alviella +tem lá de ser encanado; + +Se o Milhão é quem impera; +se se fez Deus o egoismo; +se ha dôres de rheumatismo, +e nas vinhas phylloxera: + +Fecha, ó anjo, as negras azas! +que em tal apuro, olha o rente! +tanto faz morrer a gente +como mudar-se de casas! + + + + +_A UMA CREATURA_ + + +Que tens tu a dizer do teu destino? +Que mal... que mal te fez, ingrata, a sorte? +Desunhas-te a comer queijo londrino; + na polka és a mais forte; +essa fulva cabeça de leôa +não passa d'avellã; por isso és goso +do bravo rapazio de Lisboa. +Preludias na _banza_ um _rigoroso_ +que os mortos ergue, as campas despovôa. +Desmamadinho já, em salto airoso, +balando, os longos ecos atordôa + o teu futuro esposo. +Calçando o largo pé na estreita bota +encaixaste o Rocio na Bitesga. +Capaz és tu de entrar, sendo janota, + no ceu... por uma nesga. + +Trazes um _dogue_ ao collo... Tens na tia +_chaperon_ e banqueiro. Anda estafada +a velha e mais a burra. A orthographia +comtigo, ao vêr as duas, não quer nada. +Quem de môlho as barbas não poria +vendo a barba visinha incendiada?! +Dás á lingua durante o santo dia, + e bates na criada! + +A coisa mais feliz de quanto existe +és tu portanto. E dás então cavaco, +maldizes, blasphemando, o mundo triste! + e chamas-lhe velhaco! + +O mundo?! O mundo o que é? Por mim supponho +ser apenas ironica pilheria +que Jehovah soltou quando, risonho, +pretendeu descansar de empreza séria. +Ha n'elle o encanto espiritual do sonho. +Ha n'elle o encanto vil da vil materia. +Faz rir e faz chorar, o Triboulet medonho! + a divinal miseria! + +A graça toda está n'estas _nuances_; +nas sombras e na luz com que prepara +da dôr e do prazer os varios lances + o velho Dulcamára; + +Nunca viste Neptuno carrancudo +pendurar-se nas azas da procella, +roçar as cãs no ceu e em silvo agudo +dar por mortalha ao barco a solta vela? +Agora não o vês sereno e mudo +como a brincar na praia se ennovella? +Pois similhante ao mar no mundo é tudo. + Resigna-te, donzella. + +E tudo ha de acabar, o mar e o mundo. +Até do meu amor a intensidade +sumir-se irá no pelago profundo + da fria eternidade! + +Eu escrevi--_amor_?! Fiz mal. É grego; +é grego para ti: peior,--sãoskrito; +e tu nas linguas mortas não dás rego. +Se um dia, por acaso, o pequenito +traquinas e cruel, alado e cego, +tentasse dar-te um golpe... era bonito! +Fugiria a gritar: _Armas que emprego + não entram no granito!_ + +Tu partilha não tens na dôce herança +dos anjos que voaram! Antro escuro +a tua alma será! Nenhuma esp'rança!-- + nenhum extasis puro! + +Como quando ao romper da rôxa aurora +deslisando na valsa doidejante +soltas da trança a rosa que descora, +de si te apartará n'um só instante +o louco turbilhão que te enamora. +Pallido o rosto, o seio palpitante, +ao ceu perguntarás na dôr d'ess'hora + se a morte vem distante! + +O vácuo! a saciedade! o horror das trevas! +Ninguem ao pé da cruz no teu calvario! +Por só cortejo ao cemiterio levas + um padre mercenario! + +Nem esse volta lá. Rezou, e a prece, +em mau latim, por bons tostões foi paga. +O fardo que largou mais não merece. +Recebe por adeus grosseira praga +d'um coveiro que o some, e breve esquece. +Grão d'areia que foste ao mar co'a vaga, +quem te busca depois? Quem te conhece? + Teu fim quem é que indaga? + +Se é tempo, ó transviada, atraz teus passos! +Abre o teu coração. A fé te anime. +Não ha na vida mais estreitos laços. + Amor tudo redime. + +Vêl-o-has dissipar a nevoa densa +que o teu dia transforma em noite escura. +Respeitada serás. Trarás, suspensa +de teus vermelhos labios, a ventura; +que eu não sei de ninguem a quem não vença +puro amor abraçado á formosura. +Serás mulher,--é essa a recompensa, +em vez de _creatura_. + +Se mover-te consegue esta palestra +manda morrer o cão no Instituto; +compra cartilha e pedra, e prova á mestra + que vales mais que o bruto. + +Depois reforma a tia. Irá na Graça +accender ao Senhor trezentos lumes +por tirar-lhe do lombo essa carraça. +Vê-se livre da espada de dois gumes +que a burra lhe sangrava, e na carcassa +vasto caminho abria a vãos queixumes. +Menina, já que estás co'a mão na massa, + reforma os teus costumes. + +E como incerto é sempre o bem futuro +e póde arrepender-se o arrependido, +vae lá pondo, á cautela, no seguro + o nome do marido. + + + + +_ALÉM DA CAMPA_ + +(Imitação do hespanhol) + + +N'um povo, perto de Cintra, +foi o rev'rendo prior +em fria cova depor +o cadaver d'um pelintra +mesmo ao pé d'um seu crédor. + +Apenas se viram juntos +por toda a vida sem fim +romperam n'um tal chinfrim +que, dizem velhos defuntos, +ser virgem um caso assim. + +«Vossê pague! ai que vae torta!» +gritava o crédor.--Com quê?-- +gemia o outro.--Não vê +que entrei nú aquella porta +porque nú me poz vossê?!-- + +E n'este rosnar eterno, +n'este diz tu direi eu, +o crédor, que era judeu, +enreda o outro n'um inferno +como o inferno em que viveu. + +Se em meu derradeiro instante +eu tiver crédor voraz, +permitte, ó Deus, se te apraz, +que por cá fique o tratante +p'ra que eu, morto, viva em paz. + + + + +_A JULIO CESAR MACHADO_ + +que em folhetim do _Diario de Noticias_ dirigira ao author +phrases benevolas + + +Ó Julio, ó meu amigo, o que disseste? +Fallar em nós?! Fallar em mim?! Na peste +d'esse Parnaso ignobil de ha trinta annos? +Fui um asno sem tom, nem som, nem furo; +uma coisa p'r'ahi entre os humanos +como entre o trigo o joio; um insensato +cuidando toda a vida que o futuro +se faz sómente como o faz o gato +por noites janeirinhas, e o menino +d'onde ha de vir ridente, e róseo, e puro, +é da raiz... do verso alexandrino! +Tu verás, se viveres. O destino +se condôa de ti a tempo e a horas, +que eu já não temo nada. N'esta idade +quanto mais o doutor me põe escoras +mais depressa galopo á Eternidade. +No dia em que florir a ideia nova +nem restos ha de mim na escura cova. +Depois... + Pensando bem, ás vezes julgo +que não deve ser mau vêr estes numes +na faina redemptora! E, mais, o vulgo +já não crê n'outro Deus! Os bons costumes +vão apanhar por fim um São Martinho +qual nunca lhes foi dado... excepto em vinho +que embrutece a razão! Pois com certeza +leva uma _razzia_ o Torres e o Cartaxo! +Ou bem que a gente é gente ou que é um cacho! +D'amor, que é velho, temos conversado! +Rua com elle! Amor é uma fraqueza. +É velho e cego, e não espera luas, +e quando lhe appetece faz das suas, +e são as suas d'elle o vil peccado! +Basta cortar-lhe bem a ponta da aza +e triumpha a moral. Rapaziada, +nunca mais andarás no mundo em braza + atraz da tua amada! + +Mudei de metro como d'alimaria +muda Tinoco, o bravo, na tourada, +pois quanto em verso a fórma fôr mais vária + menor é a massada. + +Calcule-se o porvir pelo presente. + Nós somos democratas; + e fique o ponto assente. +_Noventa e tres_ é tudo quanto, em datas, + a Historia nos tem dado +mais nobre, e santo, e digno de imitado. + + Amor... e guilhotina! +Luz d'uma aurora, d'um incendio chamma! +_Mayonnaise_ de sangue e de doutrina! +Quanto o homem sublima e quanto o infama! + _Noventa e tres_ e a França! +Eis o lemma, eis o exemplo, a viva esp'rança. + +Anda tu cá, ó lemma, que te quero! +Dom Bertholdinho a dar-se um ar de Nero! +Somos, sim, democratas... á capucha; +Marats de sêda frouxa; uma chalaça +com Marselheza indigena,--a _Cachucha_. + Palavra! que tem graça! + +Que o bom senso, tão raro! nos acuda; + nos tome um dia a sério! +Não ha Sebastião nenhum da Arruda, + suando phalansterio, +que não mande estampar nos seus bilhetes +armas ducaes, brazões de pataratas! +Morremos por trincar a monarchia; +mas trincamos-lhe a ceia e os sorvetes +emquanto lá do ceu Deus não envia +novo maná... de instituições baratas!... +Uns typos! Bons, pacatos, sem ter odios +nem bombas... a não ser de Santo Antonio, +bombas de luxo, bombas só de estrondo; +indo buscar pretextos para brodios + a casa do demonio, + e quando os não achamos +nem dentro em nossa casa nem na estranha, +calçado a polimento o pé redondo, +vazio o coração, repleta a entranha, +vêr desfilar a procissão de Ramos. +E n'este ambiente, em pleno Rilhafolles, +no ardor da Saturnal, sonhaste, ó Julio, +que um velho gordo, com as carnes molles, + sem ter outro peculio +além do rheumatismo, sertanejo, +viria em _petit-maitre_ dar aos folles +do outr'ora enamorado realejo? + +Desde que o maganão do deus Cupido +não tem na aljava setta que me fira, + passou-me do sentido +tudo quanto em rapaz tanto sentira. +Rabisaltona musa é hoje em dia +quem me ampara e conforta, e quem me inspira. +Quando fugir, morri. Outra alegria +qual te foi dada a ti, sol na velhice, +conceder-m'o não quiz quem bem podia. + E fez uma tolice. +Eu sei se a fez, ou não; modestia á parte. + +E só para dizer-te uma palavra +d'affecto e gratidão moí d'est'arte +a tua paciencia! Antes do Lavra + subisses a calçada, +ou lesses uma peça premiada. +Era muito, bem sei; mas era menos. + +Obrigado, meu Julio. Isto, em resumo, +devera ter escripto. O mais é fumo. +Deixa-o seguir no espaço o ignoto rumo, +e dá saudades minhas aos pequenos. + + + + +_DIES IRAE_ + + +É novembro, e faz um frio! +Eu então é que ando em braza! +Pudera! se o senhorio +me pede a renda da casa! + +Réles cobre em vão recruto +no lidar da vida insano. +Desertam n'um só minuto +as vis poupanças d'um anno. + +Embora á carne dê tratos, +á velha carne exigente, +deixando passar os pratos +sem pôr nos piteus o dente; + +Embora esguia quinzena +traga já no extremo fio, +e córte a rara melena +só pelas calmas, no estio: + +Não coalha esta formiga +nem grão, nem sequer paveia! +Sempre na mesma fadiga, +enche... vasa... o pé da meia! + +Sob o teimoso aguaceiro +de tanta renda de casas, +depennado, em meu poleiro, +metto a cabeça nas azas. + +Cança o sorrir da ventura; +o rigor da sorte cança; +só por entre o que não dura +vae sempre durando a esp'rança. + +Eu espero a moradia, +onde de graça me acoite, +no seio da terra fria; +nas sombras da infinda noite! + +Ao menos no eterno gelo, +nos fundos antros escuros, +não terei por pesadêlo +meus senhorios futuros! + +Um é Deus: a esse um amigo +satisfaça em padre-nossos. +Outro é o verme: eu cá o espigo +dando-lhe em paga os meus ossos. + + + + +_O MEU TINTEIRO_ + + +Era em agosto. O norte, desabrido, +mugindo como um toiro, sacudia +os troncos do arvoredo. Ia-se o dia: +um dia d'amarguras tão comprido +que eu cheguei a pensar que a Eternidade +nas chammas infernaes já me envolvia! +Por meu mal terminou! que um outro veio +depois d'aquelle, e foi peior mil vezes! +A minha irmã, á dôce companheira +da longinqua, saudosa mocidade, +coubera, nova ainda, a feliz sorte +de ter, após tres longos, tristes mezes +d'um filho haver perdido, achado a morte. + +Antes d'ella expirar, á cabeceira, +em torno do seu leito, se agrupára +tudo quanto durante a vida inteira +fôra por ella amado, e tanto a amára. +Eu, fingindo sorrir, assim dizia: + +«Agora estás melhor. No rosto as rosas +da antiga primavera! Olhos em fogo! +Uns olhos como d'antes! Vês, Maria, +que estás melhor agora?! Em desafogo +respira o peito já! Estas nervosas +dão vontade de rir! Que espalhafato! +Um cortejo de coisas! Raça estranha! +Por isso o outro fez com que a montanha +désse, aturdindo a terra, á luz um rato! +Vae a galope a enferma que melhora. +Ámanhã, ou depois, saltarás fóra +d'essa importuna cama. O que te cança +é ter o corpo ahi. Vamos a Piza +passar o inverno todo. Alli serenos +são sempre os ceus. Alli tepida a briza +dá vida a um velho! Então a uma criança! + +«Tontinha é o que tu és! que estás chorando! +sem que saibas porquê, aposto, ao menos! +Iremos todos, grandes e pequenos! +Quasi uma romaria, um cirio, um bando +d'alegres passarinhos chilreando +por essa Europa além! Tu, pregoando: +_Quem quer saude? Quem? Vende-se e dá-se!_ +irás distribuindo, co'a mão cheia +d'essas papoilas, um _bouquet_ vermelho +que pouco e pouco a desbotada face +ha de tingir-te e... até fazer-te feia!» + +--Iremos todos, sim!--fraca, tossindo, +a pobre interrompeu:--Sim!... Vamos _indo_. +É então ámanhã que eu d'aqui saio? +Depressa ámanhã vem! Dá-me esse espelho. +Se tu não mentes devo estar um Maio!-- +Mirando-se, volveu:--A minha pena +é que... _ellas_... me não vejam n'este instante +em que finda a comedia e deixo a scena! +Se eu não soubesse que este mundo é um sonho; +se trouxesse o meu Deus de mim distante; +como este despertar fôra medonho!-- + +Depois foi repartindo as suas prendas +por quantos eram lá. + + --A ti... primeiro. +Lego-te... dou-te... aquelle meu tinteiro. +Tu fazes versos. Sei que não te emendas; +sempre te serve aquillo!-- + + Desde ess'hora, +e já lá vão cumpridos bons trinta annos, +quando me engano a mim n'esses enganos +da musa brincalhona, raro mólho +a penna folgazã que me não traga +nos bicos uma lagrima. + + Ai!... Eu ólho... +aos abysmos do mar pergunto: «A vaga, +que eu vi sumir-se, onde é?» + + E o mar afaga +a praia em que a deixei, e vae-se embora, +e volta, e vae! mas não responde; chora. + + + + +_A VENUS NOVA_ + + +Não, Rachel, não desvario. +Venus, o estylo é antigo, +os seus dotes repartio +bem largamente comtigo. + +Deu-te esse corpo divino! +esses seios palpitantes! +Fosse eu inda pequenino +e tu minh'ama! Que instantes! + +Por ser branca e por ser loira +tem o loiro em menos preço; +por isso te deu da moira +o negro cabello espesso. + +Chega aos olhos... De repente +vê que não tem na palheta +côr nenhuma refulgente +para imitar um planeta. + +Corre logo á fonte limpa; +e procedeu com acerto +que em ocios não se repimpa +quem se encontra em duro aperto. + +«Ó dôce noite», ella exclama. +«Tu tens estrellas a esmo. +Duas quero em rubra chamma, +quasi soes; dois soes. É o mesmo.» + +A Noite, que é velha fina, +e foi sempre a Venus dada, +responde:--Minha menina, +só para a outra fornada.-- + +«Pois ao forno! e já! que eu pago!» +A Noite, ouvindo-a, lampeira. +A estrada de São Thiago +deitou logo na caldeira. + +Fogo ao lado, e fogo ao centro! +Quando a fervura era viva +o sete-estrello p'ra dentro! +e folhas de sensitiva! + +Ao cabo de poucas horas +em duas orbitas fundas +despejou duas auroras +com que est'alma em luz inundas. + +Venus pulou de contente; +mas depois... (que são mulheres!) +disse á outra em tom plangente: +«Adeus!... O que tu quizeres!... + +«Fizeste-a fresca! Eu reinava. +Era no Olympo a mais bella. +Passei de rainha a escrava. +A Venus agora... é ella!» + + + + +_O LOBO E O CÃO_ + +Traducção da fabula de Lafontaine--Le Loup et le Chien + + +Não tinha um lobo mais que a pelle e o osso. +Signal é que de orelha arrebitada +bem vigilante andava a canzoada. +Encontra o lobo um dógue forte, grosso, +nutrido, luzidio, uma belleza! +que distraído abandonára a estrada. + Sorri-lhe a nedia preza! +Saltar-lhe logo ali, fazêl-a em postas +o seu desejo fôra. Dura empreza! +A lucta era infallivel. Voltar costas +não usam perros quando são valentes, +e, mais, os brutos! dão ás vezes cabo +do fero contendor! Diabo!... Diabo! +Então aquelle, com aquelles dentes! + + * + +Humilde o lobo, pois, encolhe a cauda; +chega-se ao cão; abaixa-lhe a cabeça; +puxa conversa; diz que folga em vêl-o, +que deixe que elle admire, que elle applauda +topal-o assim... e com tão bom cabello!... +e rijo! e gordo! Um frade! Uma abbadessa! + +«Esplendido senhor»,--o cão responde;-- +«de vós depende o ter igual gordura. + Fugí dos bosques, onde + por teima da desgraça +de fome e frio só achaes fartura, +vós, senhor lobo, e a vossa pifia raça. +Dias e dias sem comerem nada! +e lá por festas, raras, esquecidas, +um petisquinho conquistado á espada, + tragado ás escondidas! + Ahi é certa a morte! + Furtae-vos a seus braços! + Seguí... seguí meus passos; +tereis outro destino e melhor sorte.» + --Mas como?--volve o lobo. +--Fazer então que devo?-- + «Bagatella: +nem morte d'homem nem de egreja roubo; +simplesmente estas coisas: não dar tregoa +á _santa_ gente rôta, mendicante, +bordão n'uma das mãos, n'outra a tigela, +que vem inda a distancia d'uma legoa +e já tresanda a essencia de tratante. +Lamber as mãos ao dono; ser submisso... +_dar cóca_, é o termo proprio, ao dono e a todo +quanto bicho careta houver em casa. +Salario apanhareis que vos apraza: +ossos das aves, rodas de chouriço, +restos vindos da mesa, e tudo a rôdo! +Até uns _tagatés_ em cima d'isso!» + + * + +Tendo prestado ao cão attento ouvido + o lobo, coitadinho! +com perspectiva tal enternecido +não tugiu nem mugiu, mas fez beicinho. + + * + +Iam caminho já do povoado +quando o lobo notou que no pescoço + o cão era pellado. +--Que tens ahi?--pergunta em alvoroço. + «Nada, que eu saiba.» + --Nada?!-- + «Frioleira.» +--Mas afinal o que é?-- + «Ora!... A colleira +com que á noite me prendem junto á porta...» +--Prender-te?!--o lobo exclama.--Não saes fóra, +não corres livre pela terra inteira +quando te dá na gana, e a toda a hora?-- + «Nem sempre. Isso que importa?!» +--Tanto importa que toda a trincadeira +com que me acenas, um thesouro embora, +por tal preço não quero.-- + O lobo finda; +põe-se logo na perna, e corre ainda. + + + + +_DEUS E O AMOR_ + +(1870) + + +No ceu, cabisbaixo, o Amor +um d'estes dias entrava. +O pobresito levava +impressa no rosto a dôr +e as settas todas na aljava. + +Ao vêl-o o Eterno exclama: +«Que vens tu fazer aqui?!» +--De Lysia, meu Deus, fugi +porque lá vivo da fama; +os meus freguezes perdi. + +Busca a moça um noivo rico +sem lhe importar nada mais. +_São fumo as paixões e os ais; +pintos, nina. Apanha o mico!--_ +lhe bradam os proprios paes. + +Por isso, feito o consorcio, +sae da egreja o par fiel, +e o noivo compra papel +para requ'rer o divorcio, +passada a lua de mel. + +Torto já, e á vara larga, +o fino _dandy_ seduz. +O mais que faz o lapuz +quando em finezas se alarga +é roncar: _Que tal te eu puz!_ + +Do patrio amor todo o fogo +traduz-se no _venha a mim_. +Quem faz d'um jornal pasquim, +sem trunfos entra no jogo +e sae-se trunfo por fim. + +Bellini foi-se!... não presta. +Da harmonia a nata, a flôr, +veio encontrar successor +no _Fado_, que é o rei da festa, +o canto que faz _furor_!-- + +A virgem martyr Cecilia, +ao ouvir blasphemia tal, +ataca o _si_ natural, +e, pedindo um chá de tilia, +cae em deliquio mortal. + +Sem reparar no que passa +soluça o Amor e diz: +--Murcha pende a flôr de liz. +Jaz prostrada na desgraça +a patria de São Luiz! + +O Krupp a morte semeia +de Sarbruck até Sedan, +e París, a cortezã, +nas garras da fome anceia! +Que serás, França, ámanhã?! + +Pois n'estes dias sombrios +a velha Europa sagaz, +cuidando ter um antraz, +fez ataduras e fios +em vez de fazer a paz! + +Lisboa, toda vergonhas, +e orgulhosa, e esmoler, +atraz ficar-lhe não quer +e desata a fazer _monhas_; +mas fios, nem um, sequer! + +Acima da humanidade +ha n'esse bom Portugal +o novilho e o boi real. +A dôce fraternidade +anda nos paus do animal. + +De meu seio a pura chamma +deixa, ó Deus, arder aqui. +De Lysia a correr fugi +porque lá já ninguem ama +nem mesmo, Senhor, a ti! + +Nem mesmo! que sem respeito +tonsurado berrador +troveja em voz de Stentor, +batendo murros no peito, +que o teu braço é vingador; + +Que ao reino teu infinito, +á mansão da eterna luz, +tua mão, Senhor, não conduz +quem fez o enorme delicto +de ignorar que houve Jesus; + +Que tu, meu Deus, que és o forte +que destruiu Jericó, +que és a Justiça... tu só, +habitas n'aquella córte; +encarnas no immundo pó! + +E para acabar o quadro, +para lhe dar mais unção, +afoga o impio sermão +junto á cruz que está no adro +em ondas de carrascão! + +No templo teu, Pae divino, +apparato theatral! +Em redoma de crystal +vestido Jesus Menino +de _chéché_ do Carnaval; + +E o alvo lirio, Maria, +a pura depois de mãe, +caracoes e rolos tem +como usava a minha tia +quando ia ao Paço em Belem! + +No altar-mór o scenario +que effeito fazendo está! +Pallida a lua... acolá!... +Além a cruz... o Calvario... +Fóra, author! Bravo, Rambois![1] + +Na nave central--cavaco; +e no côro, ai! pobre fé! +latagões côr de café +uivando dentro d'um sacco: +--Sou o Barba-Azul! Olé!-- + +A catholica Judêa, +o christianismo pagão, +ousa mais! Põe em acção +do Homem-Deus a epopêa +na sensual procissão! + +Ás enfeitadas janellas +corre a curiosa avidez. +_Fazem cauda._ Esperam vez +como se elles e ellas +fossem vêr um entremez! + +Depois começa o serviço. +Olho aqui... e olho lá... +no seu _tudo_, e no papá +que embirra co'o tal derriço +por andar no _b-a-ba_. + +Namorando as carnes núas +do que vae no floreo andor, +outras dizem:--«Salvador, +se todas são como as tuas +quem não será peccador?!» + +Emquanto se eleva o incenso +na caprichosa espiral, +o garoto, essa vestal +dos vates de hoje, no lenço +faz mão baixa e no metal. + +E, manso, por entre o grupo +da ondulante multidão, +serpenteia a procissão. +Rumoreja em torno o apupo. +Consternam-se alma e razão. + +Que brutos cêpos são esses? +Vae Deus ali? Christo nú +posto a par do _manitú_, +homens dos torpes int'resses, +filhos glotões de Esaú?!... + +Tartufo os impetos doma. +Vive agachado o chacal +a espreitar se o olhar fatal +de Filippe á voz de Roma +lampeja no Escurial! + +Fiar n'elle!... O incendio lavra +occulto. Na escuridão +forja de novo o grilhão +á consciencia, á palavra, +a satanica legião. + +Em teu nome o lar deserto!... +O pranto manando a flux!... +Morta a esp'rança! Extincta a luz! +e da cruz contra o liberto +mudada em punhal a cruz!-- + +Largamente aqui respira +sêcca a lingua e falto de ar, +que o terno Amor, a fallar, +não é como os de Tavira: +--dá-lhe... dá-lhe até 'stoirar!-- + +Mas, depois, como o Vesuvio +irrompe. Ao rosto gentil +assoma a raiva, e febril +bate o pé; grita;--um diluvio +manda ao infame covil! + +Outro diluvio! incessante +a subir... subir... até +que não fique nada em pé! +nem possa nenhum farçante +fazer arca e ser Noé!-- + +Deus, que os seus ouvidos presta +ás queixas que Amor lhe faz, +sorri e diz: «Ó rapaz, +um _T_ escripto na testa +porventura me verás? + +Eu dei-lhes a lei sublime +nas alturas do Sinai. +Se contra a lei, contra o pae, +conspira Lysia--no crime +do crime o castigo vae. + +Triumpha o Milhão, e Hero +não houve mais que uma só? +O Creso do oiro em pó +a flauta fará de Nero, +e da flauta um bom cipó. + +E se os maridos, tontinho, +fugindo ás esposas vão, +deixa-os lá. Por fim terão, +em vez do calor do ninho, +os gêlos da solidão. + +A vida passa ligeira; +e, quando a morte vier, +qual d'elles é que não quer +dôce oração derradeira +entre beijos de mulher?! + +Ai!... Acabar longe d'isto!... +sem perdão!... sem paz!... e meu +sem ser nenhum!... Galileu, +tu que fizeste?... Ó Christo, +teu sangue que fructos deu?!... + +Fiz de ti a rósea aurora +da universal redempção; +inda após o teu clarão +o Deus cêpo é o Deus que adora +a proterva multidão! + +Pois para amar-me é preciso +mais que os olhos alongar +pelos ceus, por terra, e mar? +mais que o pallôr indeciso +d'uma noite de luar?! + +Pois n'esses milhões de mundos, +que girar no espaço fiz, +não falla tudo? não diz +em seus canticos jucundos: +--Senhor! Senhor, existis?!-- + +Erriça o leão a coma? +Nas sombras do Escurial +ergue a pedra sepulchral +de Filippe a astuta Roma?... +Erga!... e surja o rei fatal!... + +Antro, e fera, e vil Tiberio, +tudo no pó sumirei!... +que dos reis eu sou o rei, +e as chaves do meu imperio +a mão nenhuma entreguei! + +Perdes o tempo, creança! +Se o perdes, meu doido Amor! +Sei quanto és enganador! +quanto és feroz na vingança +e folgas da alheia dôr! + +És vendado, és cego, e ousas +como se visses fallar?! +Pois has de á terra voltar.»-- +E o pae de todas as cousas +foi-lhe os olhos desvendar. + +Então o dôce fedelho, +tão dôce como cajú, +repara em si... vê-se nú... +faz-se azul... faz-se vermelho +como um monco de perú. + +Depois a fugir desata +pelas ethereas regiões. +Atraz d'elle as maldições +de quanta velha beata +foi ao ceu... por alçapões. + +Que o ceu que estamos mirando +occultas entradas tem, +e sem fiscal! Inda bem. +A não ser por contrabando +já lá não entra ninguem. + +Vôa... vôa... É mesmo um raio +rapido o espaço a rasgar. +Vôa... Á força de voar +perde o alento, e n'um desmaio +vem no chão co'as azas dar! + +N'essa noite a authoridade +metteu, zelosa qual é, +o menino em São José; +mas ninguem crê na cidade +que a sciencia o ponha em pé. + +Quem tem os dias contados +mais viver não póde, não. +É do amor finda a missão +dês que os fundos, bem cotados, +valem mais que o coração. + +[1] Pronuncie _Ramboá_. + + + + +_ENTEADA_ + + +Casou segunda vez certo sujeito +que sempre á viuvez torceu a cara. +Deixára-lhe uma filha o velho leito, +e mimo egual o novo lhe offertára. + +Quando eu as conheci, uma era forte, +córada, alegre, brincalhona, viva; +pallida a outra, triste, pensativa, +como quem traz em si a dôr e a morte. + +Das duas a mais nova, a que é sadía, +a lapis, n'um papel, graciosos traços +d'um corpo de mulher hontem fazia. +No fim as palmas bate, e, erguendo os braços, + +«Olha a mamã!» gritou, «De longe basta... +basta vêl-a d'ahi!... Não será ella?»-- +Volve-lhe a outra em voz que o sangue gela: +--_Agora pinta lá uma madrasta!_-- + +Miserrimos poetas que nós somos! +Por mais inspiração que nos abraze, +por mais phantasiar tomos e tomos +não valem juntos, não, aquella phrase. + + + + +_N'UM ALBUM_ + +Por essa existencia fóra +nosso caminho é diff'rente. +Eu vou por onde se chora; +tu por onde canta a gente. +Tu chegas; tu vens agora; +tu sobes qual sobe a aurora; +eu, tal qual o sol poente, +desço... desço!... Vou-me embora. + + + + +_RAPHAELA_ + + +I + +Era em março, e a Folia, +dando o braço ao Carnaval, +entrava em _Dona Maria_. +Não sei que idea fatal +me levou tambem á festa. + +Sei que fui. Sei que vestia +_dominó_ côr de giesta, +e que a mascara, que ao rosto +trago presa todo o dia, +eu trocára, ébrio de gosto, +por outra que não mentia. + + +II + +Ia a noite em mais de meio +quando os pés na sala puz. +Os gritos, a dança, a luz +que os novos encanta, e creio +que mais os velhos seduz, +tocaram-me o coração +por tão estranha maneira, +que a não ter ali á mão +as costas d'uma cadeira, +dava co'as minhas no chão. +Persuadiam-me que a Sorte +quer que o homem seja egual +sómente perante a morte, +e vi eu que o Carnaval +tinha o mesmo poder forte! + +Junto a mim o sôr _Sovela_, +disfarçado em lord inglez, +trata por _tu_ o freguez, +que n'outro _tu_ se nivela +com quem as botas lhe fez. +Ao longe o sujo vadio +que, para impingir á gente +um bilhete do _Pão quente_, +corre a Baixa e o Rocio +dando _Excellencias_ a rodo, +agora vestido á turca, +_turca_ por dentro elle todo, +grunhindo sem tom nem som +paga depois da mazurka +ponche ardente a quem tem _Dom_. +N'aquelle canto escondido +o calvo e gordo marido +ás moças falla d'amor; +e como deve o traidor +pela traição ser punido, +n'outro canto anda a mulher +a brincar co'o deus Cupido... +dê o brinquedo o que dér! +Cada flôr, rosa ou jasmim, +com seu calix entreaberto +embalsama este jardim, +e ás abelhas que andam perto +como que as oiço dizer: +--Oh! Bebei dôce prazer +que rendida vos offerto!-- + +Isto é vida! Isto aqui, sim! +que a humilde e santa egualdade +o mundo mergulha emfim +no sol da eterna verdade!... + + +III + +«Boas noites, dominó.» +--Só isso me dizes?-- + «Só. +--Pois desde já te requeiro +que ámanhã fiques na cama, +e manda o teu travesseiro +dar umas voltas por cá. +Na chalaça, no epigramma, +as lampas te levará.-- +«Quem de espirito é tão fino +devêra ser mais cortez.» +--Vestiu-se de peregrino +a cortezia...-- + «Talvez +d'essa longa romaria +a que foi não voltaria!» +--Assim parece. Não vês?! + + +IV + +Quem me descobre a razão +d'esta infame grosseria?... +Consultando minha tia, +disse-me ella:--És um ratão! +Coisas tuas!...-- + «Coisas minhas?! +Ora essa!» + --De quem são? +Se teu pae sem ter gallinhas +te deu boa creação?!-- +Mais ainda me condemna +ser a mulher que offendi +segunda Venus de Milo! +Que remorso o que eu senti, +e que nó no gorgomilo, +quando, absorto, o que era vi!... +Que ao fallar olhei... Por Christo! +juro que olhei sem ter visto. + + +V + +Como usa a formosa filha +da formosa Andaluzia, +sob a elegante mantilha +pelos hombros lhe caía +de negro e farto cabello +a madeixa ondeada e crespa. +Na cinturinha de vespa... +Alto lá! De vespa, não; +que é corriqueira a figura +e tola a comparação.-- +A cintura... Se lhe chamo +só delgada--aqui d'el-rei! +porque é prosa. Ah! Já sei. +Delgadinha como um ramo +que sustém duas laranjas... +E da voz os sons tão finos +com que os hei de comparar? +Com voz d'anjos pequeninos, +travêssos, loiros, meninos +que andam no ceu a cantar, +aos quaes não tira o chapeu +este pobre filho d'Eva +emquanto Deus o não leva +a conhecel-os no ceu?!... +Impossivel!... Pois com quê?... + +Deixe-se lá d'essas franjas, +ruim poeta! Você +não sabe que a natureza +faz coisas de tal belleza +que um homem, se logra vêl-as, +ha de pasmado ficar, +e pasmar... pasmar... pasmar; +mas não tentar descrevêl-as?! + + +VI + +Qual a timida gazella +que no prado anda brincando +estremece e foge quando +sente rumor perto d'ella, +assim Dona Raphaela... +Podia chamar-lhe Jónia, +Mathilde, Elisa ou Antonia. +Era o mesmo. Á mulher bella +todo o nome fica bem. +Toma-lhe a graça, a frescura: +participa da candura +de su'alma... se é que a tem. + +Que a minha airosa andaluza +como a gazella fugio, +se o não disse a casta musa +que me inspira, o leitor pio +(não ha _calemburgo_ aqui) +certo de si para si +a crêl-o não se recusa; +mas o que o leitor ignora +é que eu proprio, eu que ind'agora +lhe dissera: _Vae-te embora_, +ao vêl-a fugir fiquei +triste, só, desamparado +como o valido d'um rei +quando cae em desagrado!... + +Ai! se o pensamento é vário +mais varía o coração. +Coração--Contradicção-- +affirma-me o diccionario +que dois synonymos são. + + +VII + +Amar depois que trinta annos +nos pesam sobre o cachaço; +quando os frios desenganos +guias são do incerto passo +que nos vae levando á campa; +quando a edade a correr vem +e nas faces nos estampa +oitenta rugas, ou cem! +amar sem crenças; amar +sem possuir attractivos; +é padecer, é penar +dôres do inferno entre os vivos. + +Sabia-o; mas se fadado +fôra eu já para essa dôr! +e diz Garrett, o doutor +em taes materias versado, +que ninguem foge ao seu fado! +Funesto foi sempre o meu! +Est'alma, que Deus me deu, +em quantos affectos nutre +que devorou Prometheu!. + + +VIII + +Da rósea estancia em que mora +com seu limpido clarão, +sorrindo, ao ceu vinha a aurora +soltar do prégo as azelhas +d'onde pende a escuridão +sobre chaminés e telhas. + +A festival harmonia +pouco e pouco esmorecêra; +e co'a luz do novo dia +d'outra oschestra a afinação +mais altos cantos rompêra, +pois que entre os rocios do orvalho +levantára escopro, e malho, +um hymno de gratidão +ao Deus, author do trabalho. + +Este aranzel, espremido +n'uma phrase clara e chã, +quer dizer:--era manhã, +e a solfa dos caldeireiros +matava o bicho do ouvido +na rua Augusta aos parceiros. + + +IX + +Cheguei a casa. Quem ama +tambem dorme o seu bocado; +nem ha nada como a cama +para amor ser bem tratado. +Vêde as ratices do mundo! +Sentados no mesmo throno +amor, que é vida;--e o somno, +que da morte é irmão segundo!... + +Em tão doloroso trance +é praxe no bom romance +surgir a pallida insomnia +beliscando a cachimonia +do que ás paixões não se poupa; +mas eu, que sigo outra lei, +fui-me enroscando na roupa, +e dormi. Fiz mais: sonhei. + +Sonhei, sim. O que é sonhar? +É fugir do captiveiro +d'esta bola sublunar. +A noss'alma, que gemia +entre os ferros, encontrar +a paz, o amor, a alegria, +vivo, real, verdadeiro, +o mundo da phantasia. +É n'um divinal momento +conquistar, possuir, haver +o que nunca o pensamento, +por mais audaz, ousou crêr +que um dia á mão nos viria. +Sonhar é vêr palpitante +a toda a luz da existencia +o pae, os filhos, a amante +que a morte apartou de nós! + +Ouvir-lhes a dôce voz... +interromper essa ausencia +eterna, a eterna saudade +que nos deixára o perdêl-os! +Sonhar é esta piedade +do ceu pelas nossas dôres; +esta mão cheia de flôres +que Deus esparge nos gelos!-- +Tudo mais são pesadelos. + +Pois eu sonhei, e não digo +o sonho que tive então. +Não por ser segredo, não, +que á terra desça commigo; +mas quem tem, como eu, vergonha, +mesmo ao leitor seu amigo +nem sempre diz o que sonha. + + +X + +No outro dia ao almoço, +frugal almoço invejado +ao pobre e triste empregado +a quem aos mezes o Estado +permitte rilhar um osso, +muitas vezes esbrugado; +no outro dia a Gertrudes, +velha magra, feia, teza, +inda cheia, á portugueza, +de calvas e de virtudes, +as quentes papas de milho +veio pôr-me sobre a meza. + +A mim a quem nada escapa +logo ali me deu no gôto +O vêl-a andar n'um sarilho +a peneirar-se, e á socapa +sorrindo com ar garôto. + +--Gertrudes, que historia é esta?-- +E ella a rir. + --De que ri?!...-- +A rir-se mais. + --Temos festa! +Vae grande baralha aqui +se me não diz, como quero, +porque essa bocca escancára, +e se desengonça, e rebola... +Ella, atalhando: + «Salero! +Soy, señorito, española!» + +Figurem-se a minha cara!! +A visão, a Raphaela +com quem ha pouco sonhára, +o bello typo andaluz, +a flôr de um dia... era ella +saída das mãos do Cruz![2] + + +XI + +A moral d'este meu conto +implica artigos de fé: + + 1.º + +Quem vê masc'ra não vê rosto. + + 2.º + +Belleza vista de dia +dê-se-lhe sempre o desconto +de trinta por cento em cré. + + 3.º + +Depois do sol se haver posto +até a Virgem Maria +precisa ser vista ao pé. + + 4.º + +Mesmo assim, inda que perto, +não se diga nunca ao certo +que se está longe da Sé. + +[2] Guarda-roupa. + + + + +_AS MINHAS MEMORIAS_ + +Á Exc.ma Snr.ª D. A. F. Pinto + + +Nasci. Vivi. Foi meu cruel destino +ser inutil, vulgar, emquanto moço. +De dôr em dôr, cançado peregrino, +chego á triste velhice sem conforto. +Nunca pude saber o que era tino, +como a bolsa não soube o que é _caroço_. + +Quando voltares hei de ser um morto. + + + + +_ESTRELLA CADENTE_ + + +Ella não tinha ainda os seus vinte annos. +Eu já cincoenta, ou mais. Poucos enganos +podia haver na conta. Trouxe-a ao cóllo! +Não fôra um pólo em frente do outro pólo; +mas, inda assim, contando-se este caso, +dir-se-ia ao certo: Era uma vez o Occaso, +e era uma vez a Aurora... + Não sei como +n'um bello dia, por ser vedado o pomo, +por ser appetitoso, finalmente +não sei porquê!... por eu ser um demente... +por ser ella o retrato da que é morta... +fosse lá porque fosse!--Isso o que importa +n'um bello dia--amei-a!... Uma doença +que a gente apanha quando menos pensa. + + * + +Sorriam de piedade os meus amigos +todos á uma, e os novos e os antigos. +Nas salas bichanava-se em cochichos: +«Ora, o ginja! aparando inda os esguichos +com que o _bisnaga_ amor! Atraz da pomba, +o perfido lacrau!» + Deitavam tromba +os outros pretendentes. Um barulho +por nada. Então porquê?! Por um arrulho?... +Um simples suspirar?... Pois que mau era +brotar-me em pleno inverno a primavera?... +Durava pouco?... Tanto quanto dura +em toda a terra tudo o que é ventura. +Engeita-se por isso?... + A minha idade?! +Fui de Mathusalem socio e confrade. +Adão dizia ao vêr-me: _Olá, compadre!_ +Contemporaneo eu sou do eterno Padre. +Não ha mais nada acima. Querem isto?... +O Padre, o velho, foi mais tarde o Christo. +Ondas d'amor jorrou d'aquelle peito. +Remiu. Salvou. Pôz termo ao longo pleito +entre as trevas e a luz, e, porque vinha +em nome só do amor, annos que tinha +ninguem lh'o perguntou. + Sinceramente: +ha rugas dentro d'alma?!... + + * + + Impenitente +morrera n'esta fé; sobre o Evangelho +jurára que mais ama o que é mais velho; +se o ponto da questão, o delicado, +outro não fôra; um velho ser amado! +Aqui é que me dóe! + É necessario +primeiro formular um questionario. +Menos se quer á flôr, menos se trata, +por ser de argilla o vaso e não de prata? +Aqui... além... embora onde estiveres... +não és, ó flôr, a mesma?... e das mulheres, +--não digo já de todas; mas d'algumas-- +igualmente o _boudoir_ tu não perfumas?... +Não busca asylo a crença, a christandade +não presta o culto seu á Divindade +no templo secular, de negro aspecto, +humida arcada, abobadas por tecto, +como na alegre ermida redourada, +quente aos raios do sol, sempre inundada +de jubilos e festa?!... Amor travêsso, +só por vêr para dentro, vê do avêsso? + + * + +Não te illudas, ó louco! A Providencia +dependente do amor fez a existencia. +Para estimulo a amor fez a belleza, +o viço, a força, quanto com certeza +tu já não tens. Por isso no concurso +aos vagos corações a pelle do urso, +a penna luzidia do bom pato, +dão por si preferencia ao candidato. +Esta a verdade crua. O sentimento +depois é que se faz. É-lhe fermento, +é mister que primeiro insuffle a arteria, +e n'ella o sangue injecte, a vil materia. +A bocca, um pé, a guia d'um bigode +mais que as almas em fogo sempre póde. +E tu não valsas!... tu não tens bocca +o _argot_ da moda, a phrase insossa e ôca! +Por mais _ciré_, torcido, repintado, +que o teu bigode vá... bigodeado +és tu que ficas, velho! a torto e a esmo! + +Justo e fatal!... Fatal e justo é o mesmo. + +No chão não rojes teus cabellos brancos +n'um desespero ignobil! Para arrancos, +para entrares no inferno como o Dante, +a dôr da tua cólica é bastante. +Outras não queiras, outras não procures +improprias já de ti. Não; em nenhures +rejuvenesce o Fausto; e, dês que ha mundo, +quem disse um velho--disse um moribundo. + + * + +Ella não tinha ainda os seus vinte annos. +Por não tel-os vivia n'uns enganos +que eu não devia ter nos meus cincoenta. +Distraída commigo olhou attenta +para um moço qualquer. Nem eu me lembro +do nome d'elle já! Era em setembro. +Isso sei eu. Que noite!... Estou a vêl-a! +Ultima noite azul!... Rasto d'estrella, +curva de luz nos amplos ceus cadente, +illuminar-nos veio de repente. +Ella assustou-se, e disse: _Dieu te garde!_ + +Pouco tempo depois, horas mais tarde, +tal qual a estrella, em rapido trajecto, +no mundo novo entrou d'um novo affecto. + + + + +_AO ACTOR JOÃO ANASTACIO ROSA_ + +que, na sua officina de sapateiro, mandára fazer para uso do author +umas botas impermeaveis + + +Boas botas com effeito! +Ha que tempos que te eu digo +que, de pequeno, o teu geito +é ser sapateiro, amigo! + +Afóra o bico da moda, +que é moda o _bico_ hoje em dia, +quem da terra andasse á roda +_mestre_ assim não toparia. + +E lá no mar,--tens ratices!-- +com ellas por sobre as ondas +anda a gente como Ulysses +nas aguas das Trabisondas. + +O povo grita: Milagre!--; +teus filhos:--Estamos salvos!--; +e tu com graxa e vinagre +vaes enganando os papalvos. + +Queima a Sciencia as pestanas +buscando o que seja aquillo; +e nem passadas semanas +conclue que é sebo de grillo! + +Tu proprio chuchas no dedo, +_avis rara_, ó _raio_ d'ave; +pois ao fechar teu segredo +perdeste-lhe o tino e a chave. + +Seja qual fôr teu systema, +graxa só ou graxa e sebo, +eu, indigena na gemma, +applaudo o que não percebo. + +De tão prodigioso invento +só entendo, e não é pouco, +que ou me saíste um portento +ou és rematado louco! + +Mas que importa qual diploma +um logar nos dá na Historia? +Toda a estrada leva a Roma. +Por atalhos vae-se á gloria. + +É certo que ao fim da vida +a luz do provir é tua: +luz accêsa sem torcida!... +porta aberta com gazua!-- + +Vê quanto o sec'lo é fecundo! +Vê; regista em tuas notas. +Em poucos annos ao mundo +botou dois homens das botas! + + + + +_ÁS RÃS PEDINDO REI_ + +Traducção da fabula de Lafontaine--Les Grenouilles + + +Viviam certas rãs n'um charco immundo +em republica plena. Era um pagode! +Tal qual uns democratas que ha no mundo +julgando que a republica, no fundo, +outra coisa não é senão a gente +fazer o que bem quer e quanto póde, +a rã tripudiava impunemente. +Todos os dias era certo o choque +entre o batrachio forte, intransigente, +e parte da nação já descontente +que a Jupiter pedia ou rei ou roque. + + O deus fez-lhe a vontade. +Largou-lhe lá do ceu um rei pacato, + de summa gravidade. + +Das alturas tombando, o rei na quéda + fez tal espalhafato, +que as fêmeas em pavor, os machos fulos, +aquellas saltitando, estes aos pulos, +como é uso das rãs nas grandes crises, +cada qual a gritar:--arreda! arreda!-- +entre os juncaes, no lôdo, nas raizes +dos salgueiraes se enreda. + + * + +Por longo tempo em seus esconderijos +das rãs esteve homiziado o povo. +Transformaram-se em medo os regosijos +da antiga bacchanal. Gigante novo +cuidavam ser o rei que o ceu lhes déra. +Não ousavam sequer saír da tóca; +pois, não raro, os instinctos maus da fera +por imprudente a presa é que os provoca. + +Já n'essas eras muito a pêllo vinha +dizer: _Cautela e caldos de gallinha..._ + +O rei era um pedaço de madeira. +Nem mais, nem menos. + N'uma bella tarde +uma das rãs, por ser menos covarde + ou mais bisbilhoteira, +tirou-se de cuidados, manso e manso +na flôr das aguas surge, e ás guinadinhas + com muito tento e geito + do cêpo se aproxima. +Após ella vem outra... e outra... aos centos. +Vendo que o rei não sae do seu ripanso, +rodeiam-no; coaxam: _Salta acima!..._ + e coaxado e feito!... + +O rei, temido outr'ora, ás pecuinhas +d'essa chusma villã se vê sujeito. + Em rapido momento +sobre elle a malta audaz se encarapita, +e faz do bom monarcha um bom assento. +Nem chus nem bus! Calado que nem porta, +qual fôra n'outros tempos!... + Isto irrita. +Rompem as rãs então n'uma algazarra + que o pantano atordôa, +os fios d'alma a quem as ouve corta. +«Leva d'aqui, ó Jove, esta almanjarra +que nem mexe, nem pune, nem perdôa, +e mais parece uma alimaria morta, + cabide d'uma c'rôa, +em vez de nosso rei--nossa vergonha!» +Vae Jupiter que faz? Uma cegonha, +das muitas que possue, logo destaca, +e manda que das rãs ponha e disponha, +n'uma das mãos o queijo e n'outra a faca. +Ora a cegonha, apenas em seu throno +dona das rãs se vê e sem ter dono, +diz comsigo: + --Nasci dentro d'um folle! +Quem tira agora o papo da miseria +sempre sou eu!...-- + Passeia toda séria, +perna aqui... perna além, n'um andar molle, +e quanta rã apanha quanta engole. + + * + +Geral consternação o charco enluta. + Renovam-se as lamurias: +que o rei é doido e tem ás vezes furias; +que, doido ou não, o povo trata á bruta; +por fim, que faça o deus formal promessa +d'outro rei que as não coma tão depressa! + O Jupiter tonante +d'est'arte lhes responde: + «Inutil prece! +Dei-vos um rei tranquillo, inoffensivo, +que nem sempre se tem nem se merece: + um rei que era um regalo! +Foi vêl-o e pôl-o pela barra fóra! +Dei-vos segundo: um genio um pouco vivo... + um pouco extravagante... + Meninas, aguental-o! +Era bom o primeiro e foi-se embora. + É mau este de agora. +Contentae-vos com elle, ó meus endezes, +pois venha quem vier... peior mil vezes.» + + + + +_ONZE DE NOVEMBRO_ + + +É noite de São Martinho, +rival do velho Noé. +Cae agua em logar de vinho, +e--milagre!--o meu visinho +entra em casa por seu pé!... + +Memorias do alegre santo, +porque é que tanto duraes +se eu já nem bailo nem canto +dês que me deram quebranto +as peças originaes?! + +Até as caras meninas, +socias minhas na funcção, +rosas, d'antes, purpurinas, +por muito favor--cravinas... +d'Ambrosio cravinas são. + +Martinho, ao que chega a gente! +Ellas feitas uns pasteis +de carne velha e doente; +eu comprando cada dente +por tres e quatro mil reis! + +Bem me toucaram taes flôres! +Bem com ellas me touquei! +Da cabeça agora as dôres +quem m'as faz são os tenores, +as portarias, e a lei! + +A lei!... a eterna cantiga! +o eterno sarapatel! +Na nossa edade, e na antiga, +lá para uns certos--espiga; +lá para uns outros--papel. + +Só uma córta direito: +só a lei da morte é egual. +Para calcular-lhe o effeito +vou, deitado no meu leito, +dormir um somno real. + + + + +_ASSIM É QUE EU GÓSTO D'ELLA!_ + + +Eu nunca fui poeta. Era loucura +mostrar depois de velho pretensões +quando as não tive em horas de ventura, +de tão dôces, mas breves, illusões. + +Então era a minh'alma que gemia +no vago anceio d'onde nasce o amor; +mas hoje sei que amor no mesmo dia +nasce, esmorece, e morre como a flôr. + +Da meiga briza o tépido bafejo, +a rosa perfumada, o pôr do sol, +as nuvens d'oiro,--esplendido cortejo +do astro-rei, a voz do rouxinol; + +Esse hymno immenso com que a terra exprime +viva saudade pela extincta luz, +se para mim então era sublime, +ai! que já por meu mal me não seduz! + +Quando contemplo agora o fim da tarde, +quando ao sumir-se no crystallino mar +o facho accêso sobre as ondas arde +e vae depois nas ondas mergulhar; + +Sabeis vós o que penso em tal instante? +--Vêde a que prosa vil isto chegou!-- +Sabeis vós o que penso?'... o que lamento?... +O dia mais de vida que passou. + + De vida, sim, meus senhores, + que não ha pechincha egual! + Só algum sarrafaçal + em horas de maus humores + grunhirá sombrio e rouco + que pelo seu fim anhela! + Eu cá por mim acho pouco + e morro d'amores por ella! + + A vida saboreada + de um certo modo que eu sei. + Nem limpa-botas nem rei; + trazer camisa lavada; + bem lavada a consciencia; + libras velhas na algibeira; + ter um trem e por decencia + um garoto na trazeira. + + Cadeiras... todas de braços, + fôfas como pão de ló. + Nunca dar ponto sem nó + nem pôr ponto em dar abraços. + Caçadas... feitas no prato, + e sobre a caça café. + Charutos... dos de contracto + _Lib'ra nos!_ antes galé. + + Vejam se eu dava o cavaco + ou se quebrava o toutiço + por ser tudo quebradiço + n'este mundo como um caco! + Em se quebrando... acabou-se. + Ora, adeus! Fortes lamechas! + Era bonito se fosse + ficando tudo p'ra mechas! + + Amor de marrafa branca + como o cão e a cadellinha + sempre fiel! Que gracinha!... + Ao chá por baixo da banca + dando ternas pizadellas + que as meias deixam de luto, + que fazem vêr as estrellas, + e provam que o par é bruto. + + Ter sempre o mesmo barbeiro + e sempre o mesmo topete!... + Á mesa do voltarete + defronte o mesmo parceiro!... + O molle ser sempre o molle!... + sempre esperto o serigaita!... + Na mesma gaita de folle + soprar quem sopra tal gaita!... + + Quem pensa assim... ai! coitado! + ou perdeu todo o juizo, + ou se tem dente do sizo + pelo alveitar foi achado. + Para mim que sou amante + do que muda e do que mexe, + como havia ser seccante + o tal mundo de escabeche! + + Beijar nos pulsos a algema + com que Amor nos manietava; + amanhã mandal-a á fava; + a belleza eis do systema. + Ser hoje amigo do Brito, + amanhã sêl-o dos Soisas!... + Viajar hoje no Egypto; + vêr ámanhã novas coisas! + + Isto, sim, que é prazer certo! + Quem julgar que assim não presta + diga adeus a esta festa + que o cemiterio está perto! + Pois póde haver tolerancia + na China, aqui, ou em Gôa + com quem defende a constancia + que é a maçada em pessoa?! + + Aqui d'el-rei porque mente + toda a humana geração!... + Grande pena!... pois então, + se mente, mente-lhe a gente. + Por mentira, mentirola. + Por esparrella, esparrella. + Assim vae esta charola: + assim é que eu gosto d'ella! + + Dizem que a vida os assusta + porque em tudo encontram móca; + que o bem a todos não toca, + que a Justiça não é justa. + Eu, por mim, quero-a mais larga, + que, se acaso um dia fôr + parar-lhe ás mãos, menos carga + sobre os hombros me ha de pôr. + + E se o bem me não tocar + tambem uma vez sómente, + ferro commigo no quente + e, lá, desato a chorar. + Não é mau. Dou de conselho + a quem quizer divertir-se + que chore em frente do espelho + e por força acaba a rir-se. + + Chorar é bom! Quem me dera + nos tempos que já lá vão + quando, moço, o coração, + ao romper a primavera + sobresaltado tremia, + e da terra toda em flôr + juntava á meiga harmonia + doces lagrimas d'amor! + + Se á vida não acham geito + porque todos têm chorado, + cá para mim vem barrado + quem lhe põe este defeito. + Elles que foram pequenos + e contra as lagrimas chiam, + de _lacrima christi_ ao menos + um copo não beberiam? + + Tal resmuneia e se queixa + que as filhas não fecha a mãe; + que a mãe namora tambem, + e mais que torna e que deixa! + Ih! Jesus!... Que gritaria! + Se a mãe as filhas fechasse, + nenhuma as portas abria. + Ai de quem as arrombasse! + + Caturras! Se ha quem supponha + nas politicas regiões + que inda póde haver Catões + sendo tão rara a vergonha!... + O galante é que no jogo + cada qual puxa o seu trunfo + quando sem armas nem fogo + alcançar póde o triumpho! + + Deploram republicanos + que lhes tosquiam as azas? + Pois vão lá p'ra suas casas + fazer dos creados--manos. + Os outros temem que os thronos + se despedacem? Demonio! + Não lhes resta ainda, monos, + os thronos de Santo Antonio?-- + + Tudo aqui se remedeia; + tudo tem facil saída + se as honras dermos á vida + d'um jantar ou d'uma ceia. + Quem tentar pôl-a a direito + perde o tempo e a razão + porque luta peito a peito + com phantastica visão. + +Eu nunca fui poeta. Agora vêdes +que menos do que nunca aspiro a sêl-o. +Se espalmar-me tentei pelas paredes +do teu Parnaso, Apollo, vae-me ao pêllo! + +Põe-me nú se conservo n'este fato +algum resto de parvoas pretensões, +já que o mundo como é, o mundo ingrato, +despir-me soube as dôces illusões. + +Dormi. Sonhei. Do sonho hoje acordado +na prosa da verdade emfim caí; +mas como tudo tem sempre um bom lado +ganhei gordura se illusões perdi. + + + + +_EM CINTRA_ + + + Tal qual como o sacrista, +o velho Catecismo soletrando, + primeiro se espreguiça; +cabeceia depois de quando em quando; + por fim já não atina +se ha tres, se um cento d'inimigos d'alma; + meninos e doutrina, + rosnando manda á missa; +engendra um travesseiro da batina; +deita-se e dorme emquanto dura a calma: +farto da vida fui-me estiraçando +n'este alcantil, onde aves de rapina + fizeram ninho outr'ora. + Ao longe o sol declina; + já sobre as ondas arde. + Soltando a voz sonora +n'um murmurio suave expira a tarde. + +Ai! quem me dera aqui morrer agora!... +Não ha somno melhor!... Somno?... Sería?... +Eu penso que não é, que sentiria +em torno do meu sêr, do meu sêr novo, +uma coisa qualquer que a phantasia +não ousa precisar, á qual aspiro, +para a qual vou fugindo, que me chama, +na qual hei de caír como em seu giro +alado insecto vae caír na chamma. + +Não é tolice, não. Quem n'este mundo +diria afoito ao sabio mais profundo, +se n'esse tempo o mundo sabios tinha, +que dentro da gallinha estava um ovo +e dentro d'aquelle ovo outra gallinha?... +Assim succede em tudo. Muda a fórma; +as condições variam da existencia; +mas, por mais que a materia se transforma, +intacta se conserva sempre a essencia. +Logo: hei de viver. Ter consciencia +d'aquillo que então fôr!... + + UM CORVO (_que fende o espaço, grasnando_) + + Senil demencia! +Sobre essa rocha estoira como um ôdre: + terás a mesma sorte + de tudo quanto é pôdre. + Serei eu só bastante +para fazer-te o corpo n'um farrapo. +Que vida has de viver desde esse instante + mettido no meu papo? +Aonde a consciencia?... o sentimento?... + Perante a Eternidade + tu duras um momento. + Serviste o pensamento + da grande Divindade; + depois!... Depois da morte + não és coisa que importe + do mundo ao movimento. + + UMA ANDORINHA (_chilreando em roda da penedia_) + + Ai! terra onde nasci! + Ai! dôce patria minha! + tão longe eu sou de ti!... + + Saudosa do palmar, + aqui, pobre avesinha, + errante a voltear. + + Um dia... qual--não sei... + um dia, em vindo o inverno, + de novo á patria irei. + + Então sob o docel + d'aquelle azul eterno, + nos plainos meus d'Argel + + Emfim serei feliz! + Nenhuma primavera + roubar-me ao meu paiz + + Jamais conseguirá!... + Uma outra pátria, espera, + tambem te surrirá. + + UM SAPO (_no fundo do valle_) + + Cantigas! boas cantigas + lá por cima oiço cantar. + Do que vae cá pela terra + entendem mais as formigas, + sabem mais reptis na serra + que os passarinhos no ar. + + Deixa piar a andorinha. + Bem facilmente se ad'vinha + a tua sorte futura. + Tu és, amigo, a doninha. + É teu sapo a sepultura. + + Cantigas! Boas cantigas! + Quem trinca, trinca; trincou. + As doninhas que hei papado + por mais figas, figas, figas + que as outras me têm armado, + ninguem d'aqui m'as levou! + + O PINHAL (_ao longe_) + + N'um cantico dolente + meus hymnos rumorejo. +É Deus que passa em mim; o Deus que eu vejo +em tudo o que palpita, e vive, e sente. + Ó balsamica rosa, +quando a fragrancia exhalas docemente + da petala mimosa; + lá quando do teu seio, +tepido ninho d'um amor fremente, + irrompem n'um gorgeio + maternas alegrias, +é Deus que passa, o rosto surridente, + cercado de harmonias. + + O SINO DA PENA + + Dong!... + Dong!... + Dong!... + + UM VELHO QUE VAE NA ESTRADA (_tirando o barrete_) + + Avè, Maria, + cheia de graça... + + O SINO + + Dong!... + Dong!... + Dong!... +N'estas auras subtis do fim do dia +--descobri-vos, mortaes!--é Deus que passa. + Dong!... + Dong!... + Dong!... + +Desde a remota edade á edade hodierna +Descrença e Fé por esse mundo fóra +vão em perpetua luta caminhando. +Da Sciencia os cartapacios consultando +em Deus não crê, não crê na vida eterna +quem da eterna sciencia tudo ignora. +Sei d'alguns que não crêem... porque é moda... +por ser qualquer idea contrabando +em casco avariado. Finalmente, +crêr, ou não crêr, a certos pouco importa, + por isso que incommoda +andar com seus botões pensando a gente +no fim que ha de levar depois de morta. + +Eu á Sciencia estranho e bom jarreta, +eu que penso em morrer, por ser um vivo +que fecha a mala e puxa da gorgeta, +encontro ás minhas maguas lenitivo +crendo que ambas as coisas não são pêta. +Tudo em roda de mim é o grande effeito +d'uma causa maior, cuja existencia +dois principios envolve fatalmente; + amor e omnipotencia: +poder que salva; amor sempre clemente. + +Isto me fique ao menos! Hei mudado +de pensar e sentir bastantes vezes. +Só não pude sentir nem ter pensado +ser o mundo um curral, e nós--as rezes. + + + + +_PEDINDO O INDULTO_ + +D'UM ALUMNO MILITAR + +que em 1872 foi expulso do Lyceu de Lisboa por não haver restituido a +outro alumno um livro que lhe pedira emprestado + + +Misericordia!... Um rapaz +sem reflexão e sem tino, que +é da milicia e inda traz +reles buço de menino, +brincando pede e sonega +um mau livro a um mau collega. +O facto é grave! A moral +traja luto!... Esta noticia +corre por maneira tal +que até chegou á policia! + +Desloca a pedra angular +do social edificio!... +Cheira a Communa!... Pelo ar, +em busca d'um outro officio, +paira e pia a disciplina!... +Ai de nós! que é certa a ruina +se um braço potente e audaz +não suspende o cataclysmo!... +Corte-se fundo o antraz! +Dôa e pelle o sinapismo! + +Assim se fez. Lá no ceu +ha quem nos proteja ainda. +A lei pune. O infame reu +cae prostrado, e o p'rigo finda. +Sabia a lei no monstro fere +_Cartouche e Robert Macaire._ +N'um golpe os reduz a pó! +Da dupla calamidade, +descascando um ovo só, +livra e salva a humanidade! + +Os relaxados sandeus +dizem:--Não valia a pena.-- +Mas é que a Lei, pygmeus, +não raciocina, condemna. +E raciocinasse!... O pepino +não se torce em pequenino? +Aprender nos livros quiz? +Quiz illustrar a sua farda? +Fique burro, que o paiz +gosta que o sirvam d'albarda. + +A vergonha, a nodoa, o que é? +O que foi sempre. Esta é fina! +Um pinguinho de rapé +que se tira com benzina: +um nada... que inhabilita: +a letra fatal escripta +com ferro em braza na mão! +E n'este abysmo se lança +sem piedade e sem razão +uma inconsciente creança!... + +Melhor livro alguem pilhou +sem ninguem lhe gritar:--Larga!-- +Lambeu; os beiços limpou; +e poz-se de mão na ilharga! +Não! que o melro d'alto canta! +e quando ás vezes se espanta +fazem-no Deus, tal crereis? +Uno e bis trino,--isto é sério, +pois sendo os ministros seis +é só elle um ministerio! + +O supplicante, senhor, +cartista puro, em presença +dos factos que vem de expôr, +pede o indulto e a recompensa +que o pobre rapaz merece. +É fundada a sua prece +em ser a Lei coisa igual: +e, sendo, já me contento, +se não póde ser mar'chal +façam-no ao menos sargento. + + + + +_PROCESSO_ + +1875 + + +_LIBELLO_ + + _Le cynisme de l'apostasie._ + (Berryer). + +Que graçolas são essas, senhor Palha? +Que estulto riso sobre tudo espalha? +Costuma attribuir-se a pouco siso +O séstro folião do eterno riso. +E cuidou tirar joias d'um thesouro? +Cuidou ter dito bocadinhos d'ouro? +Pilherias de matar, chistes d'arromba? +Pois nunca embalde co'a razão se zomba, +E com ella zombou no seu escripto. +Uma coisa é _espirito_, outra _esprito_. +Já vê que me refiro á carta-asneira +Abrindo aos disparates a torneira +Nas illustres columnas do _Illustrado_. +Quanto fôra melhor estar calado! +A defeza enterrou-lhe a protegida, +Ha patronos assim; hoje é perdida +A causa da Madama. Andou de leve +Em tudo quanto disse, e nunca teve +Hora mais infeliz. Veja: primeiro +O seu grande argumento é--_dá dinheiro!_ +Que miseria inaudita! D'esse modo +Bota abaixo a moral do mundo todo. +Ó venenos subtis, ó ferros finos. +Quem maldirá a mão dos assassinos +Se vós rendeis milhões? Ó lupanares +Da vil prostituição, nos seus cantares +Passou-vos Palha carta de limpeza. +Lucraes muito por dia? Santa empreza. +Não quer saber de mais; o merecimento +Afére-o pelo ganho; isto é nojento. +A moral, a virtude, que lhe importa? +O caso está em quanto rende a porta, +A corrupção geral é que o deleita +Dês que possa ser fonte de receita. +A arte mascarou-se em traficante, +A arte é _chilrear_ e vêr sonante. +E houve quem berrasse, e inda hoje berra, +Contra o barbaro interesse da Inglaterra +Envenenando a China? Que patetas! +Não haviam mugir á vacca as tetas? +Se vem sangue no tarro que tem isso? +O sangue tambem faz bello chouriço. +E fresquinha a _Madama_, e curto o fato? +Diz elle que o reparo é caricato. +Pois quanto mais a filha mostra a perna +E a linguagem mais cheira a taberna +Mais acode o concurso hoje em Lisboa +Que até na _côrte_, em gripho, inda resôa +A fama de Cascaes e os lindos _fados_ +Que por lá se dançaram, e os trinados +Da banza afidalgada; haja folgança +Que n'este mundo ha só prazer e pança. +Na insulsa peça o Palha chocarreiro +Só dá voto de peso ao bilheteiro; +Com este é tudo bom. Frivolidades. +Phrases regateiraes, e necedades; +A praça da Figueira, emfim, na scena. +Sem um dito sequer que faça pena +De não lembrar depois; eis o encanto +Do Palha da Trindade; e faz-lhe espanto +Que os da _Nação_ não saltem d'alegria, +E ratos diz que são de _Sacristia_... +Alto lá, senhor Palha, mais decencia. +Não se emporcalhe assim _Vossa Excellencia_. +Não bula na _Nação_, que o trouxe ao collo, +Que passa por ingrato, além de tolo. +Pois não andou por lá de noite e dia? +Não foi rato tambem na sacristia? +Então o dizer mal mui mal lhe fica; +Embora n'outra parte arme a futrica. +O bonito é caluda. Se hoje adora +O que d'antes queimára, rôa agora +Nas lonas do theatro, chupe azeite +Dos candieiros da rampa, mas não deite +Só por na corrupção viver contente +Má fama da que fôra sua gente. +Que mal lhe fez á bolsa, em que só pensa, +A antiga tradição, a antiga crença? +Desertou; e bem viu que foi tranquillo. +Nenhum tiro se deu a perseguil-o. +Nenhuma voz se ergueu bradando--raca--, +Nem ninguem lhe puxou pela casaca. +Virou-a como quiz; e nem as trovas +D'aquelle _José Paes de Torres Novas_ +Ninguem lhe recordou: assim, nem pio, +Que mais calvo o farão, e inda faz frio. +Se seu honrado pae resuscitasse +Como o rubor lhe subiria á face +Vendo o filho truão na patria cara +Cuspir injurias, com facecia ignara; +Vendo o filho nos tempos em que vamos +Morder insano a procissão de Ramos! +Que tem, que póde ter gambia obscena, +Em anzol de patacos sobre a scena, +Com pia procissão, qualquer que seja, +Dês que tem por escudo a Santa Egreja? +Como o tal velho Palha encresparia +O sobr'olho a toda esta porcaria? +Vêr seu filho gabando os assobios +D'amoladinhos vãos e de vadios; +Censurar a gravata séria e lisa; +O _pé fresco_ exaltar; gente em camisa; +Ser-lhe, emfim, tudo antigo de quizilia +E comicos só ter como familia!... +Ó manes venerandos e _embécados_ +Dos Desembargadores, sois trocados +Na voz do filho e neto, em sêde d'ouro. +Por titeres do palco! Forte estouro +Levava o tal amigo se surgia +Toda a Palha anciã, se não morria +De vergonha outra vez, que é coisa dura +Ver por nossos mordida a sepultura! +Mas basta, senhor Palha, e se inda a fome +Lhe exige mais roer, roa em seu nome. + + (_A Nação_). + + +_CONTRARIEDADE_ + + _.......... e nunca teve + Hora mais infeliz....._ + + (V. Exc.ª mesmo). + +Cantor das duzias, teu rosto +porque é que encobres assim? +Quem és tu? Es Arlequim? +Es o Furioso de Ariosto? +Es o Roberto Pimpim? + +És um anão Torquemada +com pretensões a Vestal, +fructo da copla carnal +do author da _Besta esfolada_ +e do esfolado animal?... + +Não és coisa alguma d'estas? +Então, ó santinho, o que és? +Pedes p'r'a missa das dez, +ou tocas órgão nas festas +e dás aos folles co'os pés? + +Pela linguagem rasteira +comtigo decerto dou. +Se pae não és, és avô +da que chamas regateira, +da propria filha da Angot. + +E a neta engeitas?... e á neta +condemnas a phrase chã? +Que cheira mal a hortelã +dizêl-o póde, pateta, +a vil cebola albarrã? + +É franca? P'ra sempre o seja. +Vale mais ter esse dom +que ser beato e maçon +e berrar que é contra a Egreja +_colhér e trolha!..._ Chiton! + +Mostra uma perna? Essa é boa! +Olhem lá co'o que elle vem! +Mostrou uma? Pois tambem +você percorre Lisboa +mostrando as quatro que tem. + +Ó sociedade corrupta!... +Ó moralista infeliz!... +que viste a perna da actriz +e em vez de beber cicuta +vaes beber... ao chafariz! + +Eu sei que o mundo é doente. +Tem um scirro que o corroe. +Além d'isso ao fraco heroe +doe-lhe inda a raiz do dente +que foi arrancar a Alcoy. + +Ao mais pequeno symptoma +que indique augmento do mal +recresce a faina geral. +Com papas lhe acode Roma +na região temporal; + +Dá-lhe sangrias Castella; +põe-lhe um cauterio o allemão, +emquanto mata o capão +e ferve á pressa a panella +a Italia no seu vulcão. + +Em França a magna assemblea +revôlta, ignara, loquaz, +discute se é agua raz +ou se é forca a panacea +n'este momento efficaz. + +Seguindo o fraterno impulso, +o frio, sizudo inglez +chega-se ao leito do endez +e diz, tomando-lhe o pulso: +_Inda não vae d'esta vez._ + +E o pai da magra Siberia, +o grande doutor Moscow, +da casa de Deus avô +brama:--_Pois se a coisa é séria, +ó rapazinhos, lá vou._ + +Mas tu co'os teus alfarrabios +e com teu surriso alvar +é vêr, apalpar, e... obrar. +Podera! Que valem sabios +onde apparece o alveitar?... + +Assim, receitas á antiga: +«Dois grãos de moral... de Adão, +que andou nú e foi burlão. +Com elles faça uma figa, +raspe, e metta de infusão. + +«Deite depois disciplinas +com ponta de pita e nó. +Misture São Pedro em pó, +e co'as minhas proprias clinas +fomente o enfermo sem dó. + +«Note bem. Rigor na dieta +de acepipes liberaes. +Não cheirar sequer jornaes. +Se a cura for incompleta +dê-lhe mais... e mais... e mais!» + +O mau, o peior, o diabo, +ó cego Miramolim, +é que essa droga ruim +por um triz que já deu cabo +do mundo vezes sem fim. + +Não faças mais medicina +que o tempo gastas em vão; +e, se és tolo ou charlatão, +grunhe contra a tua sina, +mas contra mim, isso não. + +Porque andei lá na botica +de _avantal_ e braços nús, +porque os xaropes compuz, +mais e mais se justifica +meu tédio pelo alcaçuz. + +E se a _Nação_ me deu mama, +se ao collo trazer-me quiz, +porque estranhas se lhe eu fiz +no regaço e p'ra tal ama +o que faz todo o petiz?! + +Sob a campa que os encerra +deixa tranquillos os meus. +Não chames, rei dos pygmeus, +para as contendas da terra +aquelles que estão com Deus. + +Do seu tempo honradamente +seguiram costume e lei. +Com ser do meu provarei +que amo a patria, a minha gente, +e o seu exemplo imitei. + +E se algum, velha maluca, +surgisse da eterna paz, +de provar-me era incapaz, +que os olhos estão na nuca; +que o _direito_ é andar p'ra traz. + + +_SENTENÇA_ + +Estes autos correndo folha a folha, +d'elles fica provado á saciedade +que tem bolha a _Nação_, e que tem bolha + o Palha da Trindade. +Marfára-se o jornal só porque em scena + mostrára certa artista +uma das pernas gordas, e essa--obscena. +O Palha redarguiu: que era uma pena + e, mais, uma injustiça +tratar como se fôra de corista +a perna d'uma actriz--das de mão cheia; + --que a perna era a cubiça + do velho jornalista; +--que o ferro d'elle, o ferro... era que a meia +cobrisse aquella gambia tão roliça; + por fim--que era um sacrista... +insulto enorme a quem ajuda á missa! + + Ás partes deu-se vista +da perna questionada. Era postiça. + +Recalcitra a _Nação_, accesa em febre: +--que fôra burla torpe, e facto novo +em terra portugueza, dar-se ao povo + um gato em vez de lebre. +--Que falsa ou verdadeira a perna fosse, +de rama d'algodão, ou simples cana, +sempre era perna, e _gratis_ dava um dôce +a quem de lhe morder não désse a gana. + D'ahi a grave offensa +á pureza moral da raça humana; + a indignação immensa +d'uma sã consciencia ultramontana! +--Que o Palha tambem fôra antigamente + irmão na sacristia +levantando a ração, conforme a havia, + e sempre com bom dente. + --Que lá n'um bello dia +fugira como um burro cacilheiro +sem lhe gritarem: _Chó!..._ Que santa gente! + +Que o réles emprezario, tendo o fito + nas cruzes do dinheiro, + trazia todo inteiro, +aos pinchos, dentro em si, um vil cabrito: +a fórma d'animal mais predilecta + do Belzebuth maldito +quando a noss'alma empanzinar projecta. +--Que os paes, avós, emfim toda a Palhada +que jaz na cova, qual vivera, honrada, + por causa da tal perna + ficára condemnada +d'uma eterna vergonha á dôr eterna. +O réo contesta, e diz: + --Que era verdade + haver por lá andado; + mas n'uma tal edade +que não chegára nunca a ser ferrado. + --Que o tinham n'um cerrado +onde brotava apenas a Saudade; + constante era a estiagem; + o ceu caliginoso; +de lagrimas sómente a beberagem; +por festa o cardo; espinhos só por goso. +--Que tiritando ali, aguado o pêllo, + extincto o movimento, +transportado se vira n'um momento +ás pávidas mansões do eterno gêlo. +--Que, lá muito de longe, a Liberdade + lhe fez então negaças. + +«Tens frio?... Vem. Aqueço. A escuridade +é de razão deixal-a á sepultura, +veu das caveiras, manto das carcassas! +Chama-te a luz! a luz que vem da altura +dos iriados ceus!... Surge!... Caminha!... +Quanto mais caminhar a humanidade +do espirito de Deus mais se avisinha.» + +Apoz da seducçáo d'aquelle canto, + ouvindo aquelles hymnos, +homem por elles feito, erguida a fronte, +partira ancioso em busca do horisonte +onde, envolvida em nimbos purpurinos, + c'roada d'amaranto, + a deusa refulgia. +Partira. Fôra. E não se arrependia. + +Conspurcal-a pretendem? Na passagem +cospem-lhe insultos? Baixam-lhe a pagode +o templo augusto? Arrastam-na á voragem? +Ella é pura sempre; é sempre forte! +Póde velar seu rosto; só não póde, +sem que renasça, captival-a a morte! + +E disse mais. E disse d'esta sorte: +--Que mesmo ao Santo Padre, e mais é santo, +não faz o dinheirinho um mau cabello... +nem, em nome de Pedro, recebêl-o. +Para engeital-o, em menospreço tel-o, +nas mãos como José largar-lhe o manto, +um pobre peccador e Belisario, + seria necessario + que fosse um dromedario; + que fosse um gran camêlo! + +--Que exhibir uma perna no theatro +não era nada comparado ás quatro +sobre as quaes a _Nação_ a qualquer hora +vae, cabisbaixa, manquejando legoas +por esse paiz fóra. + + --Que em seu rancor profundo, +sendo christã, não dera ao menos tregoas +áquelles que dormiam descançados + nas sombras do outro mundo!... + Coitados!... + Sim; coitados! +Empenharam-se juntos na batalha +em pró do mesmo rei. Nos mesmos fossos +o mesmo pó morderam. Na mortalha +nem isso lhes valeu! + Ai! pobres ossos! + +Ouvidos por tal fórma ambos os lados; +e + --Sendo mais que certo +que a folha authora, os olhos pondo em Christo, +por um cantinho d'elles já tem visto +pernas no palco, e pernas mais ao perto, +sem que torça o nariz ou mostre nojo; +--Não podendo a Moral chegar tão longe +que exija a cada canto um Varatojo, +nem de cada mortal engendre um monge + dormindo sobre o tojo; +e + Visto que a _Nação_ no seu ataque +foi rude, e foi cruel, e deu motivo + do Palha ao fogo vivo + que a poz, no ardor do saque, +pouco mais, pouco menos, como um crivo; + +--Sendo que o Palha, embora na defeza, + faltou ás leis da guerra +contundindo a _Nação_ prostrada em terra; +inutil, bestial, impia fereza, +inda em cima aggravada na certeza +de estar sovando um martyr; + Attendendo +a ter o mesmo reu a consciencia + do mal que procedia +quando, esquecendo a antiga convivencia + por futil ninharia, +em vez de lhe deitar logo um remendo +se poz a esg'ravatar na porcaria; +Manda a Justiça, a cega, a que é machucha, + a pomba immaculada, + a fossil que nem chucha +nem consente sequer em ser chuchada; +ordena a incorruptivel,--Deus lhes valha!... +que vejam bruxa os dois! Veja uma bruxa +a bruxa da _Nação_! Veja outra o Palha. + +Assim, condemno os dois da vida airada. + +Em castigo ao jornal seja o Libello, +n'um livro, publicado. E que o releia, +(pequena penitencia ao grande excesso!) +quem á bilis soez abriu a veia. +Saibam-lhe a fel, e trinque-os sempre á ceia, +os fructos do seu odio! + Dal-o ao prelo, +dar-se a si mesmo em elzevir impresso, +jungidos ambos, presos n'um só elo, +do Palha a pena seja, e o seu flagello! + + Na mesma falta incursos, +e n'outra falta ainda, a de recursos, +paguem os dois as custas do processo. + + + + +_INDICE_ + + +Dona Morte + +Por fim + +Carta ao Conde d'Almedina, Inspector da Academia Real de Bellas-Artes, +que no estrangeiro sollicitou uma commenda para o author + +Requerimento + +Prefacio d'um livro inedito + +Mal por mal + +A uma creatura + +Além da campa + +A Julio Cesar Machado, que em folhetim do _Diario de Noticias_ dirigira +ao author phrases benevolas + +Dies iræ + +O meu tinteiro + +A Venus nova + +O lobo e o cão + +Deus e o Amor + +Enteada + +N'um album + +Raphaela + +As minhas memorias + +Estrella cadente + +Ao actor João Anastacio Rosa que, na sua officina de sapateiro, mandára +fazer para uso do author umas botas impermeaveis + +Ás rãs pedindo rei + +Onze de Novembro + +Assim é que eu gósto d'ella! + +Em Cintra + +Pedindo o indulto d'um alumno militar que em 1872 foi expulso do Lyceu +de Lisboa por não haver restituido a outro alumno um livro que lhe +pedira emprestado + +Processo (1875) + + Libello + + Contrariedade + + Sentença + + + + + +End of the Project Gutenberg EBook of Musa Velha, by Francisco Palha + +*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK MUSA VELHA *** + +***** This file should be named 27940-8.txt or 27940-8.zip ***** +This and all associated files of various formats will be found in: + https://www.gutenberg.org/2/7/9/4/27940/ + +Produced by Pedro Saborano + +Updated editions will replace the previous one--the old editions +will be renamed. + +Creating the works from public domain print editions means that no +one owns a United States copyright in these works, so the Foundation +(and you!) can copy and distribute it in the United States without +permission and without paying copyright royalties. Special rules, +set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to +copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to +protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. Project +Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you +charge for the eBooks, unless you receive specific permission. If you +do not charge anything for copies of this eBook, complying with the +rules is very easy. You may use this eBook for nearly any purpose +such as creation of derivative works, reports, performances and +research. They may be modified and printed and given away--you may do +practically ANYTHING with public domain eBooks. Redistribution is +subject to the trademark license, especially commercial +redistribution. + + + +*** START: FULL LICENSE *** + +THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE +PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK + +To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free +distribution of electronic works, by using or distributing this work +(or any other work associated in any way with the phrase "Project +Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full Project +Gutenberg-tm License (available with this file or online at +https://gutenberg.org/license). + + +Section 1. General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tm +electronic works + +1.A. By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm +electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to +and accept all the terms of this license and intellectual property +(trademark/copyright) agreement. If you do not agree to abide by all +the terms of this agreement, you must cease using and return or destroy +all copies of Project Gutenberg-tm electronic works in your possession. +If you paid a fee for obtaining a copy of or access to a Project +Gutenberg-tm electronic work and you do not agree to be bound by the +terms of this agreement, you may obtain a refund from the person or +entity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8. + +1.B. "Project Gutenberg" is a registered trademark. It may only be +used on or associated in any way with an electronic work by people who +agree to be bound by the terms of this agreement. There are a few +things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works +even without complying with the full terms of this agreement. See +paragraph 1.C below. There are a lot of things you can do with Project +Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement +and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic +works. See paragraph 1.E below. + +1.C. The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation" +or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project +Gutenberg-tm electronic works. Nearly all the individual works in the +collection are in the public domain in the United States. If an +individual work is in the public domain in the United States and you are +located in the United States, we do not claim a right to prevent you from +copying, distributing, performing, displaying or creating derivative +works based on the work as long as all references to Project Gutenberg +are removed. Of course, we hope that you will support the Project +Gutenberg-tm mission of promoting free access to electronic works by +freely sharing Project Gutenberg-tm works in compliance with the terms of +this agreement for keeping the Project Gutenberg-tm name associated with +the work. You can easily comply with the terms of this agreement by +keeping this work in the same format with its attached full Project +Gutenberg-tm License when you share it without charge with others. + +1.D. The copyright laws of the place where you are located also govern +what you can do with this work. Copyright laws in most countries are in +a constant state of change. If you are outside the United States, check +the laws of your country in addition to the terms of this agreement +before downloading, copying, displaying, performing, distributing or +creating derivative works based on this work or any other Project +Gutenberg-tm work. The Foundation makes no representations concerning +the copyright status of any work in any country outside the United +States. + +1.E. Unless you have removed all references to Project Gutenberg: + +1.E.1. The following sentence, with active links to, or other immediate +access to, the full Project Gutenberg-tm License must appear prominently +whenever any copy of a Project Gutenberg-tm work (any work on which the +phrase "Project Gutenberg" appears, or with which the phrase "Project +Gutenberg" is associated) is accessed, displayed, performed, viewed, +copied or distributed: + +This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with +almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or +re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included +with this eBook or online at www.gutenberg.org + +1.E.2. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is derived +from the public domain (does not contain a notice indicating that it is +posted with permission of the copyright holder), the work can be copied +and distributed to anyone in the United States without paying any fees +or charges. If you are redistributing or providing access to a work +with the phrase "Project Gutenberg" associated with or appearing on the +work, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1 +through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and the +Project Gutenberg-tm trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or +1.E.9. + +1.E.3. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is posted +with the permission of the copyright holder, your use and distribution +must comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additional +terms imposed by the copyright holder. Additional terms will be linked +to the Project Gutenberg-tm License for all works posted with the +permission of the copyright holder found at the beginning of this work. + +1.E.4. Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg-tm +License terms from this work, or any files containing a part of this +work or any other work associated with Project Gutenberg-tm. + +1.E.5. Do not copy, display, perform, distribute or redistribute this +electronic work, or any part of this electronic work, without +prominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 with +active links or immediate access to the full terms of the Project +Gutenberg-tm License. + +1.E.6. You may convert to and distribute this work in any binary, +compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including any +word processing or hypertext form. However, if you provide access to or +distribute copies of a Project Gutenberg-tm work in a format other than +"Plain Vanilla ASCII" or other format used in the official version +posted on the official Project Gutenberg-tm web site (www.gutenberg.org), +you must, at no additional cost, fee or expense to the user, provide a +copy, a means of exporting a copy, or a means of obtaining a copy upon +request, of the work in its original "Plain Vanilla ASCII" or other +form. Any alternate format must include the full Project Gutenberg-tm +License as specified in paragraph 1.E.1. + +1.E.7. Do not charge a fee for access to, viewing, displaying, +performing, copying or distributing any Project Gutenberg-tm works +unless you comply with paragraph 1.E.8 or 1.E.9. + +1.E.8. You may charge a reasonable fee for copies of or providing +access to or distributing Project Gutenberg-tm electronic works provided +that + +- You pay a royalty fee of 20% of the gross profits you derive from + the use of Project Gutenberg-tm works calculated using the method + you already use to calculate your applicable taxes. The fee is + owed to the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, but he + has agreed to donate royalties under this paragraph to the + Project Gutenberg Literary Archive Foundation. Royalty payments + must be paid within 60 days following each date on which you + prepare (or are legally required to prepare) your periodic tax + returns. Royalty payments should be clearly marked as such and + sent to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation at the + address specified in Section 4, "Information about donations to + the Project Gutenberg Literary Archive Foundation." + +- You provide a full refund of any money paid by a user who notifies + you in writing (or by e-mail) within 30 days of receipt that s/he + does not agree to the terms of the full Project Gutenberg-tm + License. You must require such a user to return or + destroy all copies of the works possessed in a physical medium + and discontinue all use of and all access to other copies of + Project Gutenberg-tm works. + +- You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any + money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the + electronic work is discovered and reported to you within 90 days + of receipt of the work. + +- You comply with all other terms of this agreement for free + distribution of Project Gutenberg-tm works. + +1.E.9. If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm +electronic work or group of works on different terms than are set +forth in this agreement, you must obtain permission in writing from +both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael +Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark. Contact the +Foundation as set forth in Section 3 below. + +1.F. + +1.F.1. Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable +effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread +public domain works in creating the Project Gutenberg-tm +collection. Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic +works, and the medium on which they may be stored, may contain +"Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or +corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual +property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a +computer virus, or computer codes that damage or cannot be read by +your equipment. + +1.F.2. LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the "Right +of Replacement or Refund" described in paragraph 1.F.3, the Project +Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project +Gutenberg-tm trademark, and any other party distributing a Project +Gutenberg-tm electronic work under this agreement, disclaim all +liability to you for damages, costs and expenses, including legal +fees. YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICT +LIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSE +PROVIDED IN PARAGRAPH F3. YOU AGREE THAT THE FOUNDATION, THE +TRADEMARK OWNER, AND ANY DISTRIBUTOR UNDER THIS AGREEMENT WILL NOT BE +LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR +INCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCH +DAMAGE. + +1.F.3. LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover a +defect in this electronic work within 90 days of receiving it, you can +receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a +written explanation to the person you received the work from. If you +received the work on a physical medium, you must return the medium with +your written explanation. The person or entity that provided you with +the defective work may elect to provide a replacement copy in lieu of a +refund. If you received the work electronically, the person or entity +providing it to you may choose to give you a second opportunity to +receive the work electronically in lieu of a refund. If the second copy +is also defective, you may demand a refund in writing without further +opportunities to fix the problem. + +1.F.4. Except for the limited right of replacement or refund set forth +in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER +WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO +WARRANTIES OF MERCHANTIBILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE. + +1.F.5. Some states do not allow disclaimers of certain implied +warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages. +If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the +law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be +interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by +the applicable state law. The invalidity or unenforceability of any +provision of this agreement shall not void the remaining provisions. + +1.F.6. INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the +trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone +providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance +with this agreement, and any volunteers associated with the production, +promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works, +harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees, +that arise directly or indirectly from any of the following which you do +or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm +work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any +Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause. + + +Section 2. Information about the Mission of Project Gutenberg-tm + +Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of +electronic works in formats readable by the widest variety of computers +including obsolete, old, middle-aged and new computers. It exists +because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from +people in all walks of life. + +Volunteers and financial support to provide volunteers with the +assistance they need are critical to reaching Project Gutenberg-tm's +goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will +remain freely available for generations to come. In 2001, the Project +Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure +and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations. +To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation +and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4 +and the Foundation web page at https://www.pglaf.org. + + +Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive +Foundation + +The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit +501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the +state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal +Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification +number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at +https://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg +Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent +permitted by U.S. federal laws and your state's laws. + +The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S. +Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered +throughout numerous locations. Its business office is located at +809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email +business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact +information can be found at the Foundation's web site and official +page at https://pglaf.org + +For additional contact information: + Dr. Gregory B. Newby + Chief Executive and Director + gbnewby@pglaf.org + + +Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg +Literary Archive Foundation + +Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide +spread public support and donations to carry out its mission of +increasing the number of public domain and licensed works that can be +freely distributed in machine readable form accessible by the widest +array of equipment including outdated equipment. Many small donations +($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt +status with the IRS. + +The Foundation is committed to complying with the laws regulating +charities and charitable donations in all 50 states of the United +States. Compliance requirements are not uniform and it takes a +considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up +with these requirements. We do not solicit donations in locations +where we have not received written confirmation of compliance. To +SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any +particular state visit https://pglaf.org + +While we cannot and do not solicit contributions from states where we +have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition +against accepting unsolicited donations from donors in such states who +approach us with offers to donate. + +International donations are gratefully accepted, but we cannot make +any statements concerning tax treatment of donations received from +outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff. + +Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation +methods and addresses. Donations are accepted in a number of other +ways including including checks, online payments and credit card +donations. To donate, please visit: https://pglaf.org/donate + + +Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic +works. + +Professor Michael S. Hart was the originator of the Project Gutenberg-tm +concept of a library of electronic works that could be freely shared +with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project +Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support. + + +Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed +editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S. +unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily +keep eBooks in compliance with any particular paper edition. + + +Most people start at our Web site which has the main PG search facility: + + https://www.gutenberg.org + +This Web site includes information about Project Gutenberg-tm, +including how to make donations to the Project Gutenberg Literary +Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to +subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks. diff --git a/27940-8.zip b/27940-8.zip Binary files differnew file mode 100644 index 0000000..55946fc --- /dev/null +++ b/27940-8.zip diff --git a/27940-h.zip b/27940-h.zip Binary files differnew file mode 100644 index 0000000..3af03f6 --- /dev/null +++ b/27940-h.zip diff --git a/27940-h/27940-h.htm b/27940-h/27940-h.htm new file mode 100644 index 0000000..3c32407 --- /dev/null +++ b/27940-h/27940-h.htm @@ -0,0 +1,3924 @@ +<!DOCTYPE HTML PUBLIC "-//W3C//DTD HTML 4.01 Transitional//EN" "http://www.w3.org/TR/html4/loose.dtd"> +<html lang="pt"> +<head> + <title>Musa Velha, por Francisco Palha</title> + <meta http-equiv="content-type" content="text/html; charset=iso-8859-15"> + <meta name="Author" content="Francisco Palha"> + <meta name="Date" content="1883"> + <meta name="Publisher" content="Ernesto Chardron, Editor"> + <style type="text/css"> + body{margin-left: 10%; + margin-right: 10%; + } + .pagenum { + text-indent: 0em; + position: absolute; + left: 92%; + font-size: small; + text-align: right; + color: silver; + } + h1, h2, h3 {text-align: center; margin-top: 3em; margin-bottom: 2em;} + .sc {font-variant: small-caps;} + blockquote {font-size: 90%;} + .rodape {font-size: small; margin: 1em;} + a {text-decoration: none;} + pre {margin-left: 10em;} + .sup {position: relative; bottom: 0.5em; font-size: 80%;} + </style> +</head> + +<body> + + +<pre> + +The Project Gutenberg EBook of Musa Velha, by Francisco Palha + +This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with +almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or +re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included +with this eBook or online at www.gutenberg.org + + +Title: Musa Velha + +Author: Francisco Palha + +Release Date: January 31, 2009 [EBook #27940] + +Language: Portuguese + +Character set encoding: ISO-8859-1 + +*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK MUSA VELHA *** + + + + +Produced by Pedro Saborano + + + + + +</pre> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<p style="text-align: center;font-size: 1.5em;">MUSA VELHA</p> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<p style="text-align: center; font-size: small">Porto: 1883—Typ. de A. J. da +Silva Teixeira<br> +62, Rua da Cancella Velha, 62</p> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<div style="text-align: center; border: solid 2px #000000;"> +<p>FRANCISCO PALHA</p> + +<p style="font-size: 3em; color: red;">MUSA VELHA</p> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<p>PORTO <br> +ERNESTO CHARDRON, EDITOR<br> +1883</p> +</div> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<p style="margin-left: 10em;"><em>Virgem dos olhos negros, se em tua alma<br> +memoria inda conservas d'outro tempo,<br> +só tu entenderás porque este livro<br> +ousa ás trevas fugir, e o sol encara;<br> +mas como quem escreve e quem publica<br> +não perde tempo, nem dinheiro gasta<br> +para teus ocios entreter sómente,<br> +deixa-me vêr se á força de assignantes,<br> +de venda avulsa, exemplares de mofo,<br> +ha mais no mundo quem me entenda e leia.</em><span class="pagenum">[<a +id="pag-6" name="pag-6">6</a>]</span></p> + +<p><span class="pagenum">[<a id="pag-7" name="pag-7">7</a>]</span></p> + +<h1><span class="sc">Musa velha</span></h1> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<h2><em>DONA MORTE</em></h2> +<pre>Deu na tonta de entrar na minha escada + á Dona Morte um dia. + A pobre anda estafada +do continuo ceifar desde que ao nada +por divinaes processos da alchimia + a terra foi roubada. + + * + +Da comprida queixola desdentada +esta sentida nenia lhe saía: + —Senhor! forte estopada! +Sem poisar a caveira o mundo corro.<span class="pagenum">[<a id="pag-8" name="pag-8">8</a>]</span> +Em toda a parte estou. A toda a hora +prostro alguem a meus pés, e geme, e chora +por minha culpa alguem! Nenhuma aurora, + de luz nenhuma o jorro, +as orbitas vazias me alumia!... +Nunca uma esp'rança! nunca uma alegria! +Á dôr alheia pondo um suave termo +só a minha o não tem!... Só eu não morro +emquanto o mundo não tornar um ermo!... +Á obra! Á obra!— + E lepida subindo + tocou a campainha: +um lugubre tocar que dava medo; +que não mais deixarei de estar ouvindo, +e fez com que eu então, muito em segredo, + rezasse a ladainha. + + * + +Era um simples aviso, pois que a porta +por si se escancarou e deu entrada + áquella feia ossada +de vermes revestida, e negra, e torta, +de mim ha longo tempo enamorada. + + —Senhora Morte, viva!— +disse ao vêl-a, fingindo animo forte; +mas cá por dentro, como a sensitiva<span class="pagenum">[<a id="pag-9" name="pag-9">9</a>]</span> +n'haste as folhas retráe que lh'as não córte + quem d'ella se aproxima +e levemente a mão lhe põe por cima, +cá por dentro a minh'alma, em pasmo estranho +por vêr-se em tão cruel extremidade, +foi-se encolhendo até ser do tamanho + d'um reles feijão frade! + + * + + —Desculpe a impertinencia— +continuei.—Como é que usam tratal-a? + Por tu? Por <em>Excellencia</em> +como é hoje tratada toda a gente?— + «A mim é-me indifferente. +Não faz ninguem de tal miseria gala +no reino onde eu impero.» + Esta resposta +me deu a Dona Morte, e junto ao leito, +onde eu espreguiçava a mandrieira, + chegou; puxou cadeira; +sentou-se gravemente, sobreposta +uma rótula n'outra. + Com effeito +mau é vêl-a!... peior á cabeceira! +E poz-me a fria mão aqui no peito. +«Que bons pulmões tens tu! e como pulsa +na tua idade o coração ainda +pelas paixões mundanas agitado!»<span class="pagenum">[<a id="pag-10" name="pag-10">10</a>]</span> +—Então...—volvi com voz menos convulsa— +inda tenho a viver um bom bocado?!— + «Conforme. Tudo finda +quando me apraz e breve.» + —Se ao teu lado +para afastar-te eu não chamar a Siencia.— +«Dou-te um dôce que a chames! Cáe tu n'essa! +descobriste a maneira, tem paciencia, +de eu carregar comtigo mais depressa.» + +—Banal! Banal! Cuidei que era outra coisa— +rosnei com meus botões.—Um vende bolas, +um palurdio qualquer vindo de Loiza, +da Lourinhã, do inferno, esta sandice +ancho diria qual a Morte a disse. + + * + +Ella no entanto, um pé bamboleando, +co'as phalanges dos dedos descarnados +batendo sobre a tibia, ia soltando + uns sons de castanholas +com que sóe convocar gatos pingados +ás grandes, funerarias cabriolas.<span class="pagenum">[<a id="pag-11" name="pag-11">11</a>]</span> + Após pequena pausa +de subito se ergueu. + «Não ha remedio! + Deixar-te vou por causa +d'uns ganchitos que tenho aqui no predio. +O cónego não dorme ha tres semanas. +Rouba-lhe o ar a suffocante angina + que o peito dilacera. +Tem esgotado as provações humanas. +Na longa vida santamente austera +fez jus, coitado! á compaixão divina. + Melhor que o da morphina, +premio á virtude, um somno lhe preparo +brando, quieto, sereno como um lago. +Apanha o padre agora! e apanha, é claro, +quem lhe abichar na Sé o logar vago. +O conego aviado, tenho uns planos +de ir tocar no ferrolho ao conselheiro. +Quero abater-lhe a prôa!... Setenta annos + e sóbe inda lampeiro +outros tantos degraus!... Então córado! + redondo!... Uma cereja!... + E como se espenneja +quando vae pela rua engravatado, +para as moças olhando ás furtadellas +como quem diz: <em>Assim quisessem ellas!</em> +Chucha um pisco ao jantar; um pisco á ceia. + Por não dormir de tarde<span class="pagenum">[<a id="pag-12" name="pag-12">12</a>]</span> +nem trazer nunca a barriguinha cheia +considera-se livre do meu jugo + e d'isso faz alarde! +Pois tu vaes vêr, fradinho de sabugo!» + + Travou da arqueada foice; +disse-me:—«Adeus! Eu volto. Eu volto. Espera»: + virou a espinha, e foi-se. + + * + +Sim, que te espero! Aqui te aguardo, ó fera! + + * + +Mal passado um minuto, instantes, penso, +portas a abrir-se, gente que subia +resmoneando latim, e cheiro a incenso. +o <em>opoponax</em> da velha liturgia. + +Desci. Curvei-me. Bemaventurado +aquelle que tem fé! Como um soldado, +firme em seu posto o conego morria. + + * + +Volto a casa. Corri logo á janella. +Nos amplos ceus azues esmorecia +a luz d'um sol d'abril. Do floreo seio<span class="pagenum">[<a id="pag-13" name="pag-13">13</a>]</span> +perfumes exhalava a Primavera +fallando-me por modo que a entendia. +Quanto distava, quão diversa que era + da outra scena aquella! +Então clamei: <em>Em ti, meu Deus, eu creio!</em> + +Um mez depois alguem contar-me veio: +—Lá puxou o visinho aqui do lado! +Hontem, depois do chá e o rol escripto, +saíu da mesa, deu-lhe uma tontura, +rodopiou, caíu na sepultura +co'a paz na consciencia e o palito +no canto inda da bocca!— + + No outro dia +foi-se o bom conselheiro, encaixotado, + direito ao cemiterio. + Na turba que o seguia +havia quem dissesse: <em>Um homem sério!</em> + E tudo era acabado. + + * + +Chega-me agora a vez. Prompto! Presente! +Prompto sou a marchar!... mas descontente.<span class="pagenum">[<a id="pag-14" name="pag-14">14</a>]</span> +Não que eu tema morrer. Quem morre inteiro? +Aquillo que me assusta, o que me aterra +é sómente a lembrança de que á terra, +tal qual se semeasse fava ou trigo, + o bruto do coveiro +cantarolando, atirará commigo! + +Eu, que respiro ao sol da liberdade, +fechado n'um segredo humido, immenso, +frio, escuro, por toda a eternidade! +Preso... amarrado ali! Meu nome inscripto +n'um livro negro, em folhas côr d'ict'ricia, +como se inscreve em notas de policia +o nome do gatuno a quem o apito +tranquillo não deixou bifar um lenço! +Numerado inda em cima! numerado +como um grilheta!... <em>O cento e trinta e cinco.</em> +de cestos de cal virgem carregado +p'ra todo o sempre n'um caixão de zinco!... + + * + +Não estou pelos autos. Não!... Protesto. +Quando a morte vier por este resto, +d'homem... de coisa... nem eu sei ao certo +isso que fui, que sou, para o que presto:<span class="pagenum">[<a id="pag-15" name="pag-15">15</a>]</span> +quando ella pois vier, e virá cedo... + e vem... que a sinto perto, +ordeno que me estendam n'um penedo +da minha amada Cintra. Redivivo, + á luz serena e pura +dos puros ceus, o misero captivo +reabrirá seus olhos porventura! +Inda lá teu amor, tua belleza, +a força me darão, tres <em>estrellinhas</em>, +para affrontar a idade, a natureza, +e triumphar do Eterno! + Com certeza +que nem sequer, leitor, tu adivinhas, +nem eu jámais direi de quem se trata. +Bem o desejas tu, lingua de prata! +Era um maná! + + * + + Ó sombra que fugiste, +que sem cessar procuro em toda a parte + e não encontro nunca, +porque é que tu não voltas, e d'est'arte +de saudades a Dôr, teimosa, junca + o meu caminho triste?! +Agora ao menos, anjo expatriado, + em que eu por ti resumo<span class="pagenum">[<a id="pag-16" name="pag-16">16</a>]</span> +n'uma lagrima só as que hei chorado +dês que te dei minh'alma até est'hora, +porque é que tu não vens mostrar-me o rumo + do ninho teu d'outr'ora?! +Vem! e guia-me tu n'este momento +á dôce paz do suspirado porto! +Foste na vida o meu maior tormento... +Ai! Sê na morte o meu maior conforto! +</pre> +<span class="pagenum">[<a id="pag-17" name="pag-17">17</a>]</span> + +<h2><em>POR FIM...</em></h2> +<pre>Tu queres, Dorinda, queres +que eu tome os banhos da igreja?! +Não será melhor que esteja +de noite a fazer colheres, +de dia a apanhar carqueja?! + +Pelo ceu! que o matrimonio +não é mais que pellourinho, +d'onde as barbas do visinho +vemos ardendo! demonio +disfarçado em Cupidinho.<span class="pagenum">[<a id="pag-18" name="pag-18">18</a>]</span> + +O outono com seu cortejo +de folhas seccas no chão! +O eterno adeus á illusão! +O ultimo som do harpejo +que Amor tira ao coração! + +O susto! a agonia! o trance +de ir vivendo sempre á espreita +se ha quem tornar-nos alcance, +pois tal historia deleita, +<em>altos</em> heroes d'um romance. + +E queres, Dorinda, queres +que eu tome os banhos da igreja?! +Para quê? Para que veja +que entre todas as mulheres +uma existe que sobeja?! + +Não! e não! Viva o solteiro! +Aguia voando no espaço +sem ter certo o paradeiro, +e cravando as garras d'aço +nas pombas que vê primeiro!<span class="pagenum">[<a id="pag-19" name="pag-19">19</a>]</span> + +Sae, e entra, e torna fóra +sem que ninguem lhe interrogue +onde foi, qual é a hora, +nem pecuinhas lhe jogue +sobre a provavel demora; + +Sem que a esposa ciumenta, +Furia, Medusa, tormenta +de más caras, más respostas, +invente o que o diabo inventa: +dormir-se costas com costas. + +E, depois, Madame Aline +rôa as unhas! Que se fine +entre rendas d'Alençon! +que o meu dinheiro não tine +p'ra que tu andes no tom! + +Já vês que debalde queres +que eu tome os banhos da igreja. +Iça o pau da carangueja! +Nos turcos os escaleres, +e para o largo veleja!<span class="pagenum">[<a id="pag-20" name="pag-20">20</a>]</span> + +Mas tambem... viver sósinho! +Sem fé... perdido... sem ninho... +Sem se erguer uma só voz +na aridez d'este caminho +a Deus orando por nós!! + +Retornando ao lar deserto +achar tudo a <em>trochemoche</em>!... +O bahu sem chave e aberto +dizendo ao larapio:—<em>Entrouxe, +que você é que é o esperto!</em>— + +Sempre mal fervida a sopa! +Sempre o café mal torrado! +Feita a passagem na roupa +deixando o dono enleiado +se foi a agulha se a choupa! + +Se ainda, Dorinda, queres +que eu tome os banhos da igreja, +não descances na peleja, +que eu sou como os malmequeres: +<em>não e sim</em>. Louvado seja!<span class="pagenum">[<a id="pag-21" name="pag-21">21</a>]</span> + +Ai! que é bom durante os ocios, +na fortuna e na miseria, +achar ao lado uma Egeria +que, em se fallando em negocios, +não tuja sobre a materia; + +Que seja como a romana, +meio amor e meio roca; +não sáia nunca da toca +mais que uma vez por semana, +nem tinja o cabello d'óca; + +Nem, quando a afiada foice +da vida o fio nos córte, +de rijo invective a Sorte, +e diga baixinho:—<em>Foi-se! +Quanto és minha amiga, ó morte!</em>— + +E d'aqui outro consolo +melhor que maracujá +e que o dôce de tijolo: +ter quem, a rilhar n'um bolo, +nos julgue e chame papá!<span class="pagenum">[<a id="pag-22" name="pag-22">22</a>]</span> + +Loura criancinha meiga, +para o pai mimo celeste, +e para o estranho uma peste +que emporcalha de manteiga +as calças que a gente veste. + +Inda agora é que eu reparo +nos teus olhos, creatura! +São negros... d'um negro raro! +Negros como a noite escura +com seus quês d'um sol bem claro! + +Alto o seio e pura neve +que mil desejos excita! +O pé delgadinho e breve; +e quanto a mão... Deus permitta +que a não tenhas muito leve. + +Dá-me o teu braço, Dorinda. +Vamos aos banhos da igreja. +Certo é que não graceja +quem diz que os refrescos, linda, +curam toda a brotoeja.<span class="pagenum">[<a id="pag-23" name="pag-23">23</a>]</span></pre> + +<h2><em>CARTA</em></h2> + +<p style="text-align: center;">ao Conde D'Almedina, Inspector da Academia Real +de Bellas-Artes, que no estrangeiro sollicitou uma commenda para o author</p> +<pre>Tratante d'inspector, cuidei-te amigo +e sácas-te a mangar assim commigo! +Traição! insidia! roubo! Eu, um pelintra +que nem posso comprar um burro em Cintra, +onde a commenda magna em chammas brilha +sobre o manto azulado de escumilha +que Deus usa no v'rão, e a natureza +ironica sorri da pequeneza +d'esta baixa comedia, eu—velho! eu—calvo! +á publica irrisão a servir d'alvo?!...<span class="pagenum">[<a id="pag-24" name="pag-24">24</a>]</span> +Qual foi meu crime? Qual? Era deveras +menos duro entregar-me inteiro ás feras. +Ridiculo não ha na gente morta. +Fôra uma vez um Palha!... A questão corta +e não se falla mais.— + Por não ter <em>guines</em>, +tratante d'inspector, não me apepines. + +Eu amo a sombra fria. Odeio a moda. +No bulicio d'um baile anda-me á roda +a caixa do miolo; um labyrintho +onde, perdido, entontecer-me sinto. +Moem-me as praxes; pesam-me etiquetas, +e tudo sei rasgar... menos baetas. +Por mais que mire uns outros enfeitados, +tão contentes de si, e tão coitados +que julgam ser alguem!, não sei... não acho +nem honra nem razão no berbicacho +dourado, reluzente, sol d'esmalte, +do qual em cada raio não ressalte, +ante luz de gloriosa eternidade, +um feito illustre a bem da humanidade. + +D'outro modo o que é? Um mau bocado +de pão de rala a cães famintos dado: +d'um réles charlatão a taboleta, +na qual, quem passa, lê: <em>Dom Paparrêta!</em> +ou lê inda peior!<span class="pagenum">[<a id="pag-25" name="pag-25">25</a>]</span> + Mette-me á bulha, +terás aqui o rol de quanto pulha +<em>grande</em> se fez tal qual se torna grande +o bácoro a fossar e a comer lande. +<em>Ai! no me pique usted!</em> Sob o arminho +busca, e talvez encontres pergaminho +lavrado a ferro e sangue, fresco ainda, +nos coiros fuscos de infeliz cabinda. +Nem titulos pomposos nem veneras +valem dez reis furados n'estas eras. +Hoje o premio a heroes dá-se ao dinheiro. +Importa lá se é falso ou verdadeiro?! +Comprou? Correu? O mais é tudo historia. +Nem o nome villão fica em memoria. +Uma coisa é escalracho, outra—papoila. +Onde era a nódoa poz-se a lentejoila. + +Ha excepções, bem sei. Dou-lhes apreço. +Morro d'amor por essas que eu conheço; +mas como a estes raros não pertenço, +e menos inda aos outros, o bom senso +manda que eu te agradeça os teus favores +e ria da mercê. + Quando tu fores, +saudade ao peito, encasacado, sério, +despedir-te de mim no cemiterio, +verás que desço á terra, oh! vista horrenda! +nusinho tal qual vim; e por commenda<span class="pagenum">[<a id="pag-26" name="pag-26">26</a>]</span> +inerte o coração, gasto da vida +na rude, pertinaz, obscura lida. + +Tu mesmo então, artista d'olho fino, +dirás á turba: + «Emfim o peregrino +na paz eterna vai dormir agora! +Andou mettido a vida inteira á nora +d'este poço sem fundo de miserias. +Abusava do riso, das pilherias, +e d'outras coisas mais em que não fallo. +Foi Job em vez de ser Sardanapálo. +Uma <em>raia</em> da Sorte. Ella faz d'isto: +dá impérios ao démo, a cruz ao Christo. +Mas resta-nos, amigos, um consolo: +tudo seria... excepto um grande tolo.»<span class="pagenum">[<a id="pag-27" name="pag-27">27</a>]</span></pre> + +<h2><em>REQUERIMENTO</em></h2> +<pre> Meu Couto Monteiro, + senhor da Justiça +que nunca, que eu saiba, saíu do tinteiro, +e pae dos famintos que engolem á missa +o corpo sem mancha do santo Cordeiro. + Não rondo as arcadas + fazendo-te esperas. + Não subo as escadas +que ascendem aos atrios das altas espheras, +levando no bolso memoria sebenta +que ha mais de mil annos requer um despacho, +nem ponho o toutiço, já calvo aos cincoenta,<span class="pagenum">[<a id="pag-28" name="pag-28">28</a>]</span> + em ar de tapete, + em ar de capacho, + no teu gabinete. +Só quero dizer-te que tenho defronte + da casa onde habito + um sino maldito. + Não sei se t'o conte... +De dia, de noite, ao sol, ao luar, + não faz outra coisa + senão badalar! + Nem elle repoisa +nem deixa na rua ninguem repoisar!... + +Ha quem me assevere que o demo mofino + montado no sino + se foi baloiçar!... +Baloiça-te, pêrro! Engendra um badalo + do vil pé caprino + e dá-lhe um estalo! + e dá-lhe a matar! +Não tremas, sabujo! que o sino foi bento; +mas sabes que as bençãos são cruzes no ar; + levou-lh'as o vento. + +Entrasse em teus ossos o meu rheumatismo; +roesse a medulla; por noites e dias<span class="pagenum">[<a id="pag-29" name="pag-29">29</a>]</span> +chumbasse-te o corpo n'um duro colchão; + então saberias, + ó filho do abysmo, + verias então + se assim te mexias! + + O caso é que tu +commigo caçôas e ris dos doutores, + pois nunca tens dôres, +e nem te constipas! e, mais, andas nu! + +Parece impossivel! Dá volta á cabeça! +Eu cá, homem serio, que gema e padeça; + que em vindo janeiro +me rape um catarrho!... E haver um brejeiro + que passa o inverno + sem chuvas nem lamas! + quentinho nas chammas + do próvido inferno! + rival do Eterno! +eterno elle mesmo! Sagaz Providencia, +e és da justiça, do amor és a essencia! + +Bem sei que o tal sino foi feito, fundido +na terra dos cirios, da Carta, do hymno,<span class="pagenum">[<a id="pag-30" name="pag-30">30</a>]</span> + d'aquelles quarenta + de pêllo na venta + que ao reino opprimido +quebraram algemas d'um jugo ferino; +e a Carta era um mytho, são presas do olvido +os nomes e as glorias de heroes legendarios +se os sinos dormirem nos seus campanarios + qual dorme a memoria +dos feitos illustres nas sombras da Historia. +Ó Couto Monteiro, se a Carta está morta, + o que é que lhe importa, +que importa aos guerreiros em pó transformados, + que toque ou não toque +nas torres da Graça, da Sé, de S. Roque, +o sino importuno masurkas e fados?! +Nem isso os aquece, nem ha desafôro +qual este que os templos agora profana +passando dos palcos aos orgãos do côro, +aos sinos de igrejas, a copla mundana. + +Nem tu me perguntes: «Quem é que armarieis + com mais alegria +que o meigo innocente, do somno lethal + que á treva o prendia, +nos braços do Christo resurge immortal? +Qual voz, como aquella, dos vivos implora +por alma dos mortos a prece final?»<span class="pagenum">[<a id="pag-31" name="pag-31">31</a>]</span> +Por isso!... por isso, meu Couto Monteiro! +O vil não repica, nem geme, nem chora, +senão por aquelles que teem dinheiro! + +Que nasça, que viva, que durma na valla +quem é pobresinho, sem festas nem dobres! +O sino só tange conforme a tabella, +só diz:—<em>Baptisou-se</em>, dos mortos só falla + se o manda o <em>sob'rano</em> + do reino dos cobres, + a libra amarella! +No ceu, felizmente, vigora outra escala +na qual os primeiros são elles—os pobres, +e poucos ricassos, que vão por engano. + +Se és, qual eu julgo, christão verdadeiro. + Meu Couto Monteiro, +é justo que ponhas no prego o sineiro + que á patria com fome + propines uns nacos + de sino em patacos: + verás como os come.<span class="pagenum">[<a id="pag-32" name="pag-32">32</a>]</span></pre> + +<p><span class="pagenum">[<a id="pag-33" name="pag-33">33</a>]</span></p> + +<h2><em>PREFACIO D'UM LIVRO INEDITO</em></h2> +<pre>Mamãsinha impertinente, +não te ponhas com tolices. +Faze como se não visses +se vires a filha innocente +lendo as minhas criancices. + +Deixa vãs prohibições +se este meu livro não queres +escondido entre colchões, +que é onde escondem mulheres +livros, cartas, e... orações.<span class="pagenum">[<a id="pag-34" name="pag-34">34</a>]</span> + +Depois, o livro que ensina? +Muita coisa boa e má +que ha de fazer a menina +porque tu, que és menos fina, +as fizeste ao seu papá. + +E sendo condão fatal +que a filhinha, que tu crias +com pretensões a Vestal, +siga o exemplo das tias +pela influencia carnal; + +Ao vêr servir de palito +n'este meu livro erudito +tanta gente, ha de hesitar; +e á cova irá de palmito... +se a morte cêdo a levar. + +Deixa-te pois de tolices, +mamãsinha impertinente. +Faze como se não visses +se vires a filha innocente +lendo as minhas criancices.<span class="pagenum">[<a id="pag-35" name="pag-35">35</a>]</span></pre> + +<h2><em>MAL POR MAL...</em></h2> +<pre>Eu trago em minh'alma afflicta +revolto mar de agonias. +Tedio da vida os meus dias, +as minhas noites, agita. + +Ó minhas crenças d'outr'ora, +dôces amigas da infancia, +a que longinqua distancia +do meu peito andaes agora!<span class="pagenum">[<a id="pag-36" name="pag-36">36</a>]</span> + +N'esta cerração escura +assim me deixaes sósinho! +e sem que volteis ao ninho +baixarei á sepultura! + +De mim te acerca bem perto, +ó morte! No estreito abraço +vôa commigo no espaço, +leva-me d'este deserto! + +Mas se na mansão infinda, +onde librar-me tencionas, +nos dão as mesmas taponas +com que a sorte aqui nos brinda; + +Se esguio velhote avaro +n'essas alturas se encontra, +com seu barrete de lontra, +olhar e sorriso ignaro; + +De fallas mansas, beato +para vêr se os santos pobres, +saudosos dos magros cobres, +lhe vão empenhar o fato;<span class="pagenum">[<a id="pag-37" name="pag-37">37</a>]</span> + +Se o operario, se o povo +crê tambem que o mundo em ruina +ha de saír da officina +corrigido e mundo novo. + +E em lutas, que são eternas +por lhe ser eterna a peia, +quebrar pretende a cadeia +e quebra a si proprio as pernas; + +Se n'esse logar bemdito +pisamos a mesma lama +que sobre a terra se chama +—<em>O Asmodeu</em>,—<em>O Mosquito</em>—; + +Se é Mercurio almiscarado +o filho de Compostella; +se por ventura um Alviella +tem lá de ser encanado; + +Se o Milhão é quem impera; +se se fez Deus o egoismo; +se ha dôres de rheumatismo, +e nas vinhas phylloxera:<span class="pagenum">[<a id="pag-38" name="pag-38">38</a>]</span> + +Fecha, ó anjo, as negras azas! +que em tal apuro, olha o rente! +tanto faz morrer a gente +como mudar-se de casas!<span class="pagenum">[<a id="pag-39" name="pag-39">39</a>]</span></pre> + +<h2><em>A UMA CREATURA</em></h2> +<pre>Que tens tu a dizer do teu destino? +Que mal... que mal te fez, ingrata, a sorte? +Desunhas-te a comer queijo londrino; + na polka és a mais forte; +essa fulva cabeça de leôa +não passa d'avellã; por isso és goso +do bravo rapazio de Lisboa. +Preludias na <em>banza</em> um <em>rigoroso</em> +que os mortos ergue, as campas despovôa. +Desmamadinho já, em salto airoso, +balando, os longos ecos atordôa + o teu futuro esposo.<span class="pagenum">[<a id="pag-40" name="pag-40">40</a>]</span> +Calçando o largo pé na estreita bota +encaixaste o Rocio na Bitesga. +Capaz és tu de entrar, sendo janota, + no ceu... por uma nesga. + +Trazes um <em>dogue</em> ao collo... Tens na tia +<em>chaperon</em> e banqueiro. Anda estafada +a velha e mais a burra. A orthographia +comtigo, ao vêr as duas, não quer nada. +Quem de môlho as barbas não poria +vendo a barba visinha incendiada?! +Dás á lingua durante o santo dia, + e bates na criada! + +A coisa mais feliz de quanto existe +és tu portanto. E dás então cavaco, +maldizes, blasphemando, o mundo triste! + e chamas-lhe velhaco! + +O mundo?! O mundo o que é? Por mim supponho +ser apenas ironica pilheria +que Jehovah soltou quando, risonho, +pretendeu descansar de empreza séria. +Ha n'elle o encanto espiritual do sonho. +Ha n'elle o encanto vil da vil materia.<span class="pagenum">[<a id="pag-41" name="pag-41">41</a>]</span> +Faz rir e faz chorar, o Triboulet medonho! + a divinal miseria! + +A graça toda está n'estas <em>nuances</em>; +nas sombras e na luz com que prepara +da dôr e do prazer os varios lances + o velho Dulcamára; + +Nunca viste Neptuno carrancudo +pendurar-se nas azas da procella, +roçar as cãs no ceu e em silvo agudo +dar por mortalha ao barco a solta vela? +Agora não o vês sereno e mudo +como a brincar na praia se ennovella? +Pois similhante ao mar no mundo é tudo. + Resigna-te, donzella. + +E tudo ha de acabar, o mar e o mundo. +Até do meu amor a intensidade +sumir-se irá no pelago profundo + da fria eternidade! + +Eu escrevi—<em>amor</em>?! Fiz mal. É grego; +é grego para ti: peior,—sãoskrito;<span class="pagenum">[<a id="pag-42" name="pag-42">42</a>]</span> +e tu nas linguas mortas não dás rego. +Se um dia, por acaso, o pequenito +traquinas e cruel, alado e cego, +tentasse dar-te um golpe... era bonito! +Fugiria a gritar: <em>Armas que emprego + não entram no granito!</em> + +Tu partilha não tens na dôce herança +dos anjos que voaram! Antro escuro +a tua alma será! Nenhuma esp'rança!— + nenhum extasis puro! + +Como quando ao romper da rôxa aurora +deslisando na valsa doidejante +soltas da trança a rosa que descora, +de si te apartará n'um só instante +o louco turbilhão que te enamora. +Pallido o rosto, o seio palpitante, +ao ceu perguntarás na dôr d'ess'hora + se a morte vem distante! + +O vácuo! a saciedade! o horror das trevas! +Ninguem ao pé da cruz no teu calvario! +Por só cortejo ao cemiterio levas + um padre mercenario!<span class="pagenum">[<a id="pag-43" name="pag-43">43</a>]</span> + +Nem esse volta lá. Rezou, e a prece, +em mau latim, por bons tostões foi paga. +O fardo que largou mais não merece. +Recebe por adeus grosseira praga +d'um coveiro que o some, e breve esquece. +Grão d'areia que foste ao mar co'a vaga, +quem te busca depois? Quem te conhece? + Teu fim quem é que indaga? + +Se é tempo, ó transviada, atraz teus passos! +Abre o teu coração. A fé te anime. +Não ha na vida mais estreitos laços. + Amor tudo redime. + +Vêl-o-has dissipar a nevoa densa +que o teu dia transforma em noite escura. +Respeitada serás. Trarás, suspensa +de teus vermelhos labios, a ventura; +que eu não sei de ninguem a quem não vença +puro amor abraçado á formosura. +Serás mulher,—é essa a recompensa, +em vez de <em>creatura</em>. + +Se mover-te consegue esta palestra +manda morrer o cão no Instituto;<span class="pagenum">[<a id="pag-44" name="pag-44">44</a>]</span> +compra cartilha e pedra, e prova á mestra + que vales mais que o bruto. + +Depois reforma a tia. Irá na Graça +accender ao Senhor trezentos lumes +por tirar-lhe do lombo essa carraça. +Vê-se livre da espada de dois gumes +que a burra lhe sangrava, e na carcassa +vasto caminho abria a vãos queixumes. +Menina, já que estás co'a mão na massa, + reforma os teus costumes. + +E como incerto é sempre o bem futuro +e póde arrepender-se o arrependido, +vae lá pondo, á cautela, no seguro + o nome do marido.<span class="pagenum">[<a id="pag-45" name="pag-45">45</a>]</span></pre> + +<h2><em>ALÉM DA CAMPA</em></h2> + +<p style="text-align: center;">(Imitação do hespanhol)</p> +<pre>N'um povo, perto de Cintra, +foi o rev'rendo prior +em fria cova depor +o cadaver d'um pelintra +mesmo ao pé d'um seu crédor. + +Apenas se viram juntos +por toda a vida sem fim +romperam n'um tal chinfrim +que, dizem velhos defuntos, +ser virgem um caso assim.<span class="pagenum">[<a id="pag-46" name="pag-46">46</a>]</span> + +«Vossê pague! ai que vae torta!» +gritava o crédor.—Com quê?— +gemia o outro.—Não vê +que entrei nú aquella porta +porque nú me poz vossê?!— + +E n'este rosnar eterno, +n'este diz tu direi eu, +o crédor, que era judeu, +enreda o outro n'um inferno +como o inferno em que viveu. + +Se em meu derradeiro instante +eu tiver crédor voraz, +permitte, ó Deus, se te apraz, +que por cá fique o tratante +p'ra que eu, morto, viva em paz.<span class="pagenum">[<a id="pag-47" name="pag-47">47</a>]</span></pre> + +<h2><em>A JULIO CESAR MACHADO</em></h2> + +<p style="text-align: center;">que em folhetim do <em>Diario de Noticias</em> +dirigira ao author phrases benevolas</p> +<pre>Ó Julio, ó meu amigo, o que disseste? +Fallar em nós?! Fallar em mim?! Na peste +d'esse Parnaso ignobil de ha trinta annos? +Fui um asno sem tom, nem som, nem furo; +uma coisa p'r'ahi entre os humanos +como entre o trigo o joio; um insensato +cuidando toda a vida que o futuro +se faz sómente como o faz o gato +por noites janeirinhas, e o menino<span class="pagenum">[<a id="pag-48" name="pag-48">48</a>]</span> +d'onde ha de vir ridente, e róseo, e puro, +é da raiz... do verso alexandrino! +Tu verás, se viveres. O destino +se condôa de ti a tempo e a horas, +que eu já não temo nada. N'esta idade +quanto mais o doutor me põe escoras +mais depressa galopo á Eternidade. +No dia em que florir a ideia nova +nem restos ha de mim na escura cova. +Depois... + Pensando bem, ás vezes julgo +que não deve ser mau vêr estes numes +na faina redemptora! E, mais, o vulgo +já não crê n'outro Deus! Os bons costumes +vão apanhar por fim um São Martinho +qual nunca lhes foi dado... excepto em vinho +que embrutece a razão! Pois com certeza +leva uma <em>razzia</em> o Torres e o Cartaxo! +Ou bem que a gente é gente ou que é um cacho! +D'amor, que é velho, temos conversado! +Rua com elle! Amor é uma fraqueza. +É velho e cego, e não espera luas, +e quando lhe appetece faz das suas, +e são as suas d'elle o vil peccado! +Basta cortar-lhe bem a ponta da aza +e triumpha a moral. Rapaziada, +nunca mais andarás no mundo em braza + atraz da tua amada!<span class="pagenum">[<a id="pag-49" name="pag-49">49</a>]</span> + +Mudei de metro como d'alimaria +muda Tinoco, o bravo, na tourada, +pois quanto em verso a fórma fôr mais vária + menor é a massada. + +Calcule-se o porvir pelo presente. + Nós somos democratas; + e fique o ponto assente. +<em>Noventa e tres</em> é tudo quanto, em datas, + a Historia nos tem dado +mais nobre, e santo, e digno de imitado. + + Amor... e guilhotina! +Luz d'uma aurora, d'um incendio chamma! +<em>Mayonnaise</em> de sangue e de doutrina! +Quanto o homem sublima e quanto o infama! + <em>Noventa e tres</em> e a França! +Eis o lemma, eis o exemplo, a viva esp'rança. + +Anda tu cá, ó lemma, que te quero! +Dom Bertholdinho a dar-se um ar de Nero!<span class="pagenum">[<a id="pag-50" name="pag-50">50</a>]</span> +Somos, sim, democratas... á capucha; +Marats de sêda frouxa; uma chalaça +com Marselheza indigena,—a <em>Cachucha</em>. + Palavra! que tem graça! + +Que o bom senso, tão raro! nos acuda; + nos tome um dia a sério! +Não ha Sebastião nenhum da Arruda, + suando phalansterio, +que não mande estampar nos seus bilhetes +armas ducaes, brazões de pataratas! +Morremos por trincar a monarchia; +mas trincamos-lhe a ceia e os sorvetes +emquanto lá do ceu Deus não envia +novo maná... de instituições baratas!... +Uns typos! Bons, pacatos, sem ter odios +nem bombas... a não ser de Santo Antonio, +bombas de luxo, bombas só de estrondo; +indo buscar pretextos para brodios + a casa do demonio, + e quando os não achamos +nem dentro em nossa casa nem na estranha, +calçado a polimento o pé redondo, +vazio o coração, repleta a entranha, +vêr desfilar a procissão de Ramos.<span class="pagenum">[<a id="pag-51" name="pag-51">51</a>]</span> +E n'este ambiente, em pleno Rilhafolles, +no ardor da Saturnal, sonhaste, ó Julio, +que um velho gordo, com as carnes molles, + sem ter outro peculio +além do rheumatismo, sertanejo, +viria em <em>petit-maitre</em> dar aos folles +do outr'ora enamorado realejo? + +Desde que o maganão do deus Cupido +não tem na aljava setta que me fira, + passou-me do sentido +tudo quanto em rapaz tanto sentira. +Rabisaltona musa é hoje em dia +quem me ampara e conforta, e quem me inspira. +Quando fugir, morri. Outra alegria +qual te foi dada a ti, sol na velhice, +conceder-m'o não quiz quem bem podia. + E fez uma tolice. +Eu sei se a fez, ou não; modestia á parte. + +E só para dizer-te uma palavra +d'affecto e gratidão moí d'est'arte +a tua paciencia! Antes do Lavra<span class="pagenum">[<a id="pag-52" name="pag-52">52</a>]</span> + subisses a calçada, +ou lesses uma peça premiada. +Era muito, bem sei; mas era menos. + +Obrigado, meu Julio. Isto, em resumo, +devera ter escripto. O mais é fumo. +Deixa-o seguir no espaço o ignoto rumo, +e dá saudades minhas aos pequenos.<span class="pagenum">[<a id="pag-53" name="pag-53">53</a>]</span></pre> + +<h2><em>DIES IRAE</em></h2> +<pre>É novembro, e faz um frio! +Eu então é que ando em braza! +Pudera! se o senhorio +me pede a renda da casa! + +Réles cobre em vão recruto +no lidar da vida insano. +Desertam n'um só minuto +as vis poupanças d'um anno.<span class="pagenum">[<a id="pag-54" name="pag-54">54</a>]</span> + +Embora á carne dê tratos, +á velha carne exigente, +deixando passar os pratos +sem pôr nos piteus o dente; + +Embora esguia quinzena +traga já no extremo fio, +e córte a rara melena +só pelas calmas, no estio: + +Não coalha esta formiga +nem grão, nem sequer paveia! +Sempre na mesma fadiga, +enche... vasa... o pé da meia! + +Sob o teimoso aguaceiro +de tanta renda de casas, +depennado, em meu poleiro, +metto a cabeça nas azas. + +Cança o sorrir da ventura; +o rigor da sorte cança; +só por entre o que não dura +vae sempre durando a esp'rança.<span class="pagenum">[<a id="pag-55" name="pag-55">55</a>]</span> + +Eu espero a moradia, +onde de graça me acoite, +no seio da terra fria; +nas sombras da infinda noite! + +Ao menos no eterno gelo, +nos fundos antros escuros, +não terei por pesadêlo +meus senhorios futuros! + +Um é Deus: a esse um amigo +satisfaça em padre-nossos. +Outro é o verme: eu cá o espigo +dando-lhe em paga os meus ossos.<span class="pagenum">[<a id="pag-56" name="pag-56">56</a>]</span></pre> + +<p><span class="pagenum">[<a id="pag-57" name="pag-57">57</a>]</span></p> + +<h2><em>O MEU TINTEIRO</em></h2> +<pre>Era em agosto. O norte, desabrido, +mugindo como um toiro, sacudia +os troncos do arvoredo. Ia-se o dia: +um dia d'amarguras tão comprido +que eu cheguei a pensar que a Eternidade +nas chammas infernaes já me envolvia! +Por meu mal terminou! que um outro veio +depois d'aquelle, e foi peior mil vezes!<span class="pagenum">[<a id="pag-58" name="pag-58">58</a>]</span> +A minha irmã, á dôce companheira +da longinqua, saudosa mocidade, +coubera, nova ainda, a feliz sorte +de ter, após tres longos, tristes mezes +d'um filho haver perdido, achado a morte. + +Antes d'ella expirar, á cabeceira, +em torno do seu leito, se agrupára +tudo quanto durante a vida inteira +fôra por ella amado, e tanto a amára. +Eu, fingindo sorrir, assim dizia: + +«Agora estás melhor. No rosto as rosas +da antiga primavera! Olhos em fogo! +Uns olhos como d'antes! Vês, Maria, +que estás melhor agora?! Em desafogo +respira o peito já! Estas nervosas +dão vontade de rir! Que espalhafato! +Um cortejo de coisas! Raça estranha! +Por isso o outro fez com que a montanha +désse, aturdindo a terra, á luz um rato! +Vae a galope a enferma que melhora. +Ámanhã, ou depois, saltarás fóra<span class="pagenum">[<a id="pag-59" name="pag-59">59</a>]</span> +d'essa importuna cama. O que te cança +é ter o corpo ahi. Vamos a Piza +passar o inverno todo. Alli serenos +são sempre os ceus. Alli tepida a briza +dá vida a um velho! Então a uma criança! + +«Tontinha é o que tu és! que estás chorando! +sem que saibas porquê, aposto, ao menos! +Iremos todos, grandes e pequenos! +Quasi uma romaria, um cirio, um bando +d'alegres passarinhos chilreando +por essa Europa além! Tu, pregoando: +<em>Quem quer saude? Quem? Vende-se e dá-se!</em> +irás distribuindo, co'a mão cheia +d'essas papoilas, um <em>bouquet</em> vermelho +que pouco e pouco a desbotada face +ha de tingir-te e... até fazer-te feia!» + +—Iremos todos, sim!—fraca, tossindo, +a pobre interrompeu:—Sim!... Vamos <em>indo</em>. +É então ámanhã que eu d'aqui saio? +Depressa ámanhã vem! Dá-me esse espelho. +Se tu não mentes devo estar um Maio!—<span class="pagenum">[<a id="pag-60" name="pag-60">60</a>]</span> +Mirando-se, volveu:—A minha pena +é que... <em>ellas</em>... me não vejam n'este instante +em que finda a comedia e deixo a scena! +Se eu não soubesse que este mundo é um sonho; +se trouxesse o meu Deus de mim distante; +como este despertar fôra medonho!— + +Depois foi repartindo as suas prendas +por quantos eram lá. + + —A ti... primeiro. +Lego-te... dou-te... aquelle meu tinteiro. +Tu fazes versos. Sei que não te emendas; +sempre te serve aquillo!— + + Desde ess'hora, +e já lá vão cumpridos bons trinta annos, +quando me engano a mim n'esses enganos +da musa brincalhona, raro mólho +a penna folgazã que me não traga +nos bicos uma lagrima.<span class="pagenum">[<a id="pag-61" name="pag-61">61</a>]</span> + + Ai!... Eu ólho... +aos abysmos do mar pergunto: «A vaga, +que eu vi sumir-se, onde é?» + + E o mar afaga +a praia em que a deixei, e vae-se embora, +e volta, e vae! mas não responde; chora.<span class="pagenum">[<a id="pag-62" name="pag-62">62</a>]</span></pre> + +<p><span class="pagenum">[<a id="pag-63" name="pag-63">63</a>]</span></p> + +<h2><em>A VENUS NOVA</em></h2> +<pre>Não, Rachel, não desvario. +Venus, o estylo é antigo, +os seus dotes repartio +bem largamente comtigo. + +Deu-te esse corpo divino! +esses seios palpitantes! +Fosse eu inda pequenino +e tu minh'ama! Que instantes!<span class="pagenum">[<a id="pag-64" name="pag-64">64</a>]</span> + +Por ser branca e por ser loira +tem o loiro em menos preço; +por isso te deu da moira +o negro cabello espesso. + +Chega aos olhos... De repente +vê que não tem na palheta +côr nenhuma refulgente +para imitar um planeta. + +Corre logo á fonte limpa; +e procedeu com acerto +que em ocios não se repimpa +quem se encontra em duro aperto. + +«Ó dôce noite», ella exclama. +«Tu tens estrellas a esmo. +Duas quero em rubra chamma, +quasi soes; dois soes. É o mesmo.» + +A Noite, que é velha fina, +e foi sempre a Venus dada, +responde:—Minha menina, +só para a outra fornada.—<span class="pagenum">[<a id="pag-65" name="pag-65">65</a>]</span> + +«Pois ao forno! e já! que eu pago!» +A Noite, ouvindo-a, lampeira. +A estrada de São Thiago +deitou logo na caldeira. + +Fogo ao lado, e fogo ao centro! +Quando a fervura era viva +o sete-estrello p'ra dentro! +e folhas de sensitiva! + +Ao cabo de poucas horas +em duas orbitas fundas +despejou duas auroras +com que est'alma em luz inundas. + +Venus pulou de contente; +mas depois... (que são mulheres!) +disse á outra em tom plangente: +«Adeus!... O que tu quizeres!... + +«Fizeste-a fresca! Eu reinava. +Era no Olympo a mais bella. +Passei de rainha a escrava. +A Venus agora... é ella!»<span class="pagenum">[<a id="pag-66" name="pag-66">66</a>]</span></pre> + +<p><span class="pagenum">[<a id="pag-67" name="pag-67">67</a>]</span></p> + +<h2><em>O LOBO E O CÃO</em></h2> + +<p style="text-align: center;">Traducção da fabula de Lafontaine—<span +class="sc">Le Loup et le Chien</span></p> +<pre>Não tinha um lobo mais que a pelle e o osso. +Signal é que de orelha arrebitada +bem vigilante andava a canzoada. +Encontra o lobo um dógue forte, grosso, +nutrido, luzidio, uma belleza! +que distraído abandonára a estrada. + Sorri-lhe a nedia preza! +Saltar-lhe logo ali, fazêl-a em postas +o seu desejo fôra. Dura empreza! +A lucta era infallivel. Voltar costas +não usam perros quando são valentes,<span class="pagenum">[<a id="pag-68" name="pag-68">68</a>]</span> +e, mais, os brutos! dão ás vezes cabo +do fero contendor! Diabo!... Diabo! +Então aquelle, com aquelles dentes! + + * + +Humilde o lobo, pois, encolhe a cauda; +chega-se ao cão; abaixa-lhe a cabeça; +puxa conversa; diz que folga em vêl-o, +que deixe que elle admire, que elle applauda +topal-o assim... e com tão bom cabello!... +e rijo! e gordo! Um frade! Uma abbadessa! + +«Esplendido senhor»,—o cão responde;— +«de vós depende o ter igual gordura. + Fugí dos bosques, onde + por teima da desgraça +de fome e frio só achaes fartura, +vós, senhor lobo, e a vossa pifia raça. +Dias e dias sem comerem nada! +e lá por festas, raras, esquecidas, +um petisquinho conquistado á espada, + tragado ás escondidas! + Ahi é certa a morte!<span class="pagenum">[<a id="pag-69" name="pag-69">69</a>]</span> + Furtae-vos a seus braços! + Seguí... seguí meus passos; +tereis outro destino e melhor sorte.» + —Mas como?—volve o lobo. +—Fazer então que devo?— + «Bagatella: +nem morte d'homem nem de egreja roubo; +simplesmente estas coisas: não dar tregoa +á <em>santa</em> gente rôta, mendicante, +bordão n'uma das mãos, n'outra a tigela, +que vem inda a distancia d'uma legoa +e já tresanda a essencia de tratante. +Lamber as mãos ao dono; ser submisso... +<em>dar cóca</em>, é o termo proprio, ao dono e a todo +quanto bicho careta houver em casa. +Salario apanhareis que vos apraza: +ossos das aves, rodas de chouriço, +restos vindos da mesa, e tudo a rôdo! +Até uns <em>tagatés</em> em cima d'isso!» + + * + +Tendo prestado ao cão attento ouvido + o lobo, coitadinho! +com perspectiva tal enternecido +não tugiu nem mugiu, mas fez beicinho.<span class="pagenum">[<a id="pag-70" name="pag-70">70</a>]</span> + + * + +Iam caminho já do povoado +quando o lobo notou que no pescoço + o cão era pellado. +—Que tens ahi?—pergunta em alvoroço. + «Nada, que eu saiba.» + —Nada?!— + «Frioleira.» +—Mas afinal o que é?— + «Ora!... A colleira +com que á noite me prendem junto á porta...» +—Prender-te?!—o lobo exclama.—Não saes fóra, +não corres livre pela terra inteira +quando te dá na gana, e a toda a hora?— + «Nem sempre. Isso que importa?!» +—Tanto importa que toda a trincadeira +com que me acenas, um thesouro embora, +por tal preço não quero.— + O lobo finda; +põe-se logo na perna, e corre ainda.<span class="pagenum">[<a id="pag-71" name="pag-71">71</a>]</span></pre> + +<h2><em>DEUS E O AMOR</em></h2> + +<h3>(1870)</h3> +<pre>No ceu, cabisbaixo, o Amor +um d'estes dias entrava. +O pobresito levava +impressa no rosto a dôr +e as settas todas na aljava. + +Ao vêl-o o Eterno exclama: +«Que vens tu fazer aqui?!» +—De Lysia, meu Deus, fugi +porque lá vivo da fama; +os meus freguezes perdi.<span class="pagenum">[<a id="pag-72" name="pag-72">72</a>]</span> + +Busca a moça um noivo rico +sem lhe importar nada mais. +<em>São fumo as paixões e os ais; +pintos, nina. Apanha o mico!—</em> +lhe bradam os proprios paes. + +Por isso, feito o consorcio, +sae da egreja o par fiel, +e o noivo compra papel +para requ'rer o divorcio, +passada a lua de mel. + +Torto já, e á vara larga, +o fino <em>dandy</em> seduz. +O mais que faz o lapuz +quando em finezas se alarga +é roncar: <em>Que tal te eu puz!</em> + +Do patrio amor todo o fogo +traduz-se no <em>venha a mim</em>. +Quem faz d'um jornal pasquim, +sem trunfos entra no jogo +e sae-se trunfo por fim.<span class="pagenum">[<a id="pag-73" name="pag-73">73</a>]</span> + +Bellini foi-se!... não presta. +Da harmonia a nata, a flôr, +veio encontrar successor +no <em>Fado</em>, que é o rei da festa, +o canto que faz <em>furor</em>!— + +A virgem martyr Cecilia, +ao ouvir blasphemia tal, +ataca o <em>si</em> natural, +e, pedindo um chá de tilia, +cae em deliquio mortal. + +Sem reparar no que passa +soluça o Amor e diz: +—Murcha pende a flôr de liz. +Jaz prostrada na desgraça +a patria de São Luiz! + +O Krupp a morte semeia +de Sarbruck até Sedan, +e París, a cortezã, +nas garras da fome anceia! +Que serás, França, ámanhã?!<span class="pagenum">[<a id="pag-74" name="pag-74">74</a>]</span> + +Pois n'estes dias sombrios +a velha Europa sagaz, +cuidando ter um antraz, +fez ataduras e fios +em vez de fazer a paz! + +Lisboa, toda vergonhas, +e orgulhosa, e esmoler, +atraz ficar-lhe não quer +e desata a fazer <em>monhas</em>; +mas fios, nem um, sequer! + +Acima da humanidade +ha n'esse bom Portugal +o novilho e o boi real. +A dôce fraternidade +anda nos paus do animal. + +De meu seio a pura chamma +deixa, ó Deus, arder aqui. +De Lysia a correr fugi +porque lá já ninguem ama +nem mesmo, Senhor, a ti!<span class="pagenum">[<a id="pag-75" name="pag-75">75</a>]</span> + +Nem mesmo! que sem respeito +tonsurado berrador +troveja em voz de Stentor, +batendo murros no peito, +que o teu braço é vingador; + +Que ao reino teu infinito, +á mansão da eterna luz, +tua mão, Senhor, não conduz +quem fez o enorme delicto +de ignorar que houve Jesus; + +Que tu, meu Deus, que és o forte +que destruiu Jericó, +que és a Justiça... tu só, +habitas n'aquella córte; +encarnas no immundo pó! + +E para acabar o quadro, +para lhe dar mais unção, +afoga o impio sermão +junto á cruz que está no adro +em ondas de carrascão!<span class="pagenum">[<a id="pag-76" name="pag-76">76</a>]</span> + +No templo teu, Pae divino, +apparato theatral! +Em redoma de crystal +vestido Jesus Menino +de <em>chéché</em> do Carnaval; + +E o alvo lirio, Maria, +a pura depois de mãe, +caracoes e rolos tem +como usava a minha tia +quando ia ao Paço em Belem! + +No altar-mór o scenario +que effeito fazendo está! +Pallida a lua... acolá!... +Além a cruz... o Calvario... +Fóra, author! Bravo, Rambois!<span class="sup"><a href="#fn1" name="mfn1" id="mfn1">[1]</a></span><span class="pagenum">[<a id="pag-77" name="pag-77">77</a>]</span> + +Na nave central—cavaco; +e no côro, ai! pobre fé! +latagões côr de café +uivando dentro d'um sacco: +—Sou o Barba-Azul! Olé!— + +A catholica Judêa, +o christianismo pagão, +ousa mais! Põe em acção +do Homem-Deus a epopêa +na sensual procissão! + +Ás enfeitadas janellas +corre a curiosa avidez. +<em>Fazem cauda.</em> Esperam vez +como se elles e ellas +fossem vêr um entremez! + +Depois começa o serviço. +Olho aqui... e olho lá... +no seu <em>tudo</em>, e no papá +que embirra co'o tal derriço +por andar no <em>b-a-ba</em>.<span class="pagenum">[<a id="pag-78" name="pag-78">78</a>]</span> + +Namorando as carnes núas +do que vae no floreo andor, +outras dizem:—«Salvador, +se todas são como as tuas +quem não será peccador?!» + +Emquanto se eleva o incenso +na caprichosa espiral, +o garoto, essa vestal +dos vates de hoje, no lenço +faz mão baixa e no metal. + +E, manso, por entre o grupo +da ondulante multidão, +serpenteia a procissão. +Rumoreja em torno o apupo. +Consternam-se alma e razão. + +Que brutos cêpos são esses? +Vae Deus ali? Christo nú +posto a par do <em>manitú</em>, +homens dos torpes int'resses, +filhos glotões de Esaú?!...<span class="pagenum">[<a id="pag-79" name="pag-79">79</a>]</span> + +Tartufo os impetos doma. +Vive agachado o chacal +a espreitar se o olhar fatal +de Filippe á voz de Roma +lampeja no Escurial! + +Fiar n'elle!... O incendio lavra +occulto. Na escuridão +forja de novo o grilhão +á consciencia, á palavra, +a satanica legião. + +Em teu nome o lar deserto!... +O pranto manando a flux!... +Morta a esp'rança! Extincta a luz! +e da cruz contra o liberto +mudada em punhal a cruz!— + +Largamente aqui respira +sêcca a lingua e falto de ar, +que o terno Amor, a fallar, +não é como os de Tavira: +—dá-lhe... dá-lhe até 'stoirar!—<span class="pagenum">[<a id="pag-80" name="pag-80">80</a>]</span> + +Mas, depois, como o Vesuvio +irrompe. Ao rosto gentil +assoma a raiva, e febril +bate o pé; grita;—um diluvio +manda ao infame covil! + +Outro diluvio! incessante +a subir... subir... até +que não fique nada em pé! +nem possa nenhum farçante +fazer arca e ser Noé!— + +Deus, que os seus ouvidos presta +ás queixas que Amor lhe faz, +sorri e diz: «Ó rapaz, +um <em>T</em> escripto na testa +porventura me verás? + +Eu dei-lhes a lei sublime +nas alturas do Sinai. +Se contra a lei, contra o pae, +conspira Lysia—no crime +do crime o castigo vae.<span class="pagenum">[<a id="pag-81" name="pag-81">81</a>]</span> + +Triumpha o Milhão, e Hero +não houve mais que uma só? +O Creso do oiro em pó +a flauta fará de Nero, +e da flauta um bom cipó. + +E se os maridos, tontinho, +fugindo ás esposas vão, +deixa-os lá. Por fim terão, +em vez do calor do ninho, +os gêlos da solidão. + +A vida passa ligeira; +e, quando a morte vier, +qual d'elles é que não quer +dôce oração derradeira +entre beijos de mulher?! + +Ai!... Acabar longe d'isto!... +sem perdão!... sem paz!... e meu +sem ser nenhum!... Galileu, +tu que fizeste?... Ó Christo, +teu sangue que fructos deu?!...<span class="pagenum">[<a id="pag-82" name="pag-82">82</a>]</span> + +Fiz de ti a rósea aurora +da universal redempção; +inda após o teu clarão +o Deus cêpo é o Deus que adora +a proterva multidão! + +Pois para amar-me é preciso +mais que os olhos alongar +pelos ceus, por terra, e mar? +mais que o pallôr indeciso +d'uma noite de luar?! + +Pois n'esses milhões de mundos, +que girar no espaço fiz, +não falla tudo? não diz +em seus canticos jucundos: +—Senhor! Senhor, existis?!— + +Erriça o leão a coma? +Nas sombras do Escurial +ergue a pedra sepulchral +de Filippe a astuta Roma?... +Erga!... e surja o rei fatal!...<span class="pagenum">[<a id="pag-83" name="pag-83">83</a>]</span> + +Antro, e fera, e vil Tiberio, +tudo no pó sumirei!... +que dos reis eu sou o rei, +e as chaves do meu imperio +a mão nenhuma entreguei! + +Perdes o tempo, creança! +Se o perdes, meu doido Amor! +Sei quanto és enganador! +quanto és feroz na vingança +e folgas da alheia dôr! + +És vendado, és cego, e ousas +como se visses fallar?! +Pois has de á terra voltar.»— +E o pae de todas as cousas +foi-lhe os olhos desvendar. + +Então o dôce fedelho, +tão dôce como cajú, +repara em si... vê-se nú... +faz-se azul... faz-se vermelho +como um monco de perú.<span class="pagenum">[<a id="pag-84" name="pag-84">84</a>]</span> + +Depois a fugir desata +pelas ethereas regiões. +Atraz d'elle as maldições +de quanta velha beata +foi ao ceu... por alçapões. + +Que o ceu que estamos mirando +occultas entradas tem, +e sem fiscal! Inda bem. +A não ser por contrabando +já lá não entra ninguem. + +Vôa... vôa... É mesmo um raio +rapido o espaço a rasgar. +Vôa... Á força de voar +perde o alento, e n'um desmaio +vem no chão co'as azas dar! + +N'essa noite a authoridade +metteu, zelosa qual é, +o menino em São José; +mas ninguem crê na cidade +que a sciencia o ponha em pé.<span class="pagenum">[<a id="pag-85" name="pag-85">85</a>]</span> + +Quem tem os dias contados +mais viver não póde, não. +É do amor finda a missão +dês que os fundos, bem cotados, +valem mais que o coração.<span class="pagenum">[<a id="pag-86" name="pag-86">86</a>]</span></pre> + +<p class="rodape"><sup><a href="#mfn1" name="fn1" id="fn1">[1]</a></sup> +Pronuncie <em>Ramboá</em>.</p> + +<p><span class="pagenum">[<a id="pag-87" name="pag-87">87</a>]</span></p> + +<h2><em>ENTEADA</em></h2> +<pre>Casou segunda vez certo sujeito +que sempre á viuvez torceu a cara. +Deixára-lhe uma filha o velho leito, +e mimo egual o novo lhe offertára. + +Quando eu as conheci, uma era forte, +córada, alegre, brincalhona, viva; +pallida a outra, triste, pensativa, +como quem traz em si a dôr e a morte.<span class="pagenum">[<a id="pag-88" name="pag-88">88</a>]</span> + +Das duas a mais nova, a que é sadía, +a lapis, n'um papel, graciosos traços +d'um corpo de mulher hontem fazia. +No fim as palmas bate, e, erguendo os braços, + +«Olha a mamã!» gritou, «De longe basta... +basta vêl-a d'ahi!... Não será ella?»— +Volve-lhe a outra em voz que o sangue gela: +—<em>Agora pinta lá uma madrasta!</em>— + +Miserrimos poetas que nós somos! +Por mais inspiração que nos abraze, +por mais phantasiar tomos e tomos +não valem juntos, não, aquella phrase.<span class="pagenum">[<a id="pag-89" name="pag-89">89</a>]</span></pre> + +<h2><em>N'UM ALBUM</em></h2> +<pre>Por essa existencia fóra +nosso caminho é diff'rente. +Eu vou por onde se chora; +tu por onde canta a gente. +Tu chegas; tu vens agora; +tu sobes qual sobe a aurora; +eu, tal qual o sol poente, +desço... desço!... Vou-me embora.<span class="pagenum">[<a id="pag-90" name="pag-90">90</a>]</span></pre> + +<p><span class="pagenum">[<a id="pag-91" name="pag-91">91</a>]</span></p> + +<h2><em>RAPHAELA</em></h2> + +<h3>I</h3> +<pre>Era em março, e a Folia, +dando o braço ao Carnaval, +entrava em <em>Dona Maria</em>. +Não sei que idea fatal +me levou tambem á festa.<span class="pagenum">[<a id="pag-92" name="pag-92">92</a>]</span> + +Sei que fui. Sei que vestia +<em>dominó</em> côr de giesta, +e que a mascara, que ao rosto +trago presa todo o dia, +eu trocára, ébrio de gosto, +por outra que não mentia.<span class="pagenum">[<a id="pag-93" name="pag-93">93</a>]</span></pre> + +<h3>II</h3> +<pre>Ia a noite em mais de meio +quando os pés na sala puz. +Os gritos, a dança, a luz +que os novos encanta, e creio +que mais os velhos seduz, +tocaram-me o coração +por tão estranha maneira, +que a não ter ali á mão +as costas d'uma cadeira, +dava co'as minhas no chão.<span class="pagenum">[<a id="pag-94" name="pag-94">94</a>]</span> +Persuadiam-me que a Sorte +quer que o homem seja egual +sómente perante a morte, +e vi eu que o Carnaval +tinha o mesmo poder forte! + +Junto a mim o sôr <em>Sovela</em>, +disfarçado em lord inglez, +trata por <em>tu</em> o freguez, +que n'outro <em>tu</em> se nivela +com quem as botas lhe fez. +Ao longe o sujo vadio +que, para impingir á gente +um bilhete do <em>Pão quente</em>, +corre a Baixa e o Rocio +dando <em>Excellencias</em> a rodo, +agora vestido á turca, +<em>turca</em> por dentro elle todo, +grunhindo sem tom nem som +paga depois da mazurka +ponche ardente a quem tem <em>Dom</em>. +N'aquelle canto escondido +o calvo e gordo marido +ás moças falla d'amor; +e como deve o traidor +pela traição ser punido,<span class="pagenum">[<a id="pag-95" name="pag-95">95</a>]</span> +n'outro canto anda a mulher +a brincar co'o deus Cupido... +dê o brinquedo o que dér! +Cada flôr, rosa ou jasmim, +com seu calix entreaberto +embalsama este jardim, +e ás abelhas que andam perto +como que as oiço dizer: +—Oh! Bebei dôce prazer +que rendida vos offerto!— + +Isto é vida! Isto aqui, sim! +que a humilde e santa egualdade +o mundo mergulha emfim +no sol da eterna verdade!...<span class="pagenum">[<a id="pag-96" name="pag-96">96</a>]</span></pre> + +<h3>III</h3> +<pre>«Boas noites, dominó.» +—Só isso me dizes?— + «Só. +—Pois desde já te requeiro +que ámanhã fiques na cama, +e manda o teu travesseiro +dar umas voltas por cá. +Na chalaça, no epigramma, +as lampas te levará.—<span class="pagenum">[<a id="pag-97" name="pag-97">97</a>]</span> +«Quem de espirito é tão fino +devêra ser mais cortez.» +—Vestiu-se de peregrino +a cortezia...— + «Talvez +d'essa longa romaria +a que foi não voltaria!» +—Assim parece. Não vês?!<span class="pagenum">[<a id="pag-98" name="pag-98">98</a>]</span></pre> + +<h3>IV</h3> +<pre>Quem me descobre a razão +d'esta infame grosseria?... +Consultando minha tia, +disse-me ella:—És um ratão! +Coisas tuas!...— + «Coisas minhas?! +Ora essa!» + —De quem são? +Se teu pae sem ter gallinhas +te deu boa creação?!—<span class="pagenum">[<a id="pag-99" name="pag-99">99</a>]</span> +Mais ainda me condemna +ser a mulher que offendi +segunda Venus de Milo! +Que remorso o que eu senti, +e que nó no gorgomilo, +quando, absorto, o que era vi!... +Que ao fallar olhei... Por Christo! +juro que olhei sem ter visto.<span class="pagenum">[<a id="pag-100" name="pag-100">100</a>]</span></pre> + +<h3>V</h3> +<pre>Como usa a formosa filha +da formosa Andaluzia, +sob a elegante mantilha +pelos hombros lhe caía +de negro e farto cabello +a madeixa ondeada e crespa.<span class="pagenum">[<a id="pag-101" name="pag-101">101</a>]</span> +Na cinturinha de vespa... +Alto lá! De vespa, não; +que é corriqueira a figura +e tola a comparação.— +A cintura... Se lhe chamo +só delgada—aqui d'el-rei! +porque é prosa. Ah! Já sei. +Delgadinha como um ramo +que sustém duas laranjas... +E da voz os sons tão finos +com que os hei de comparar? +Com voz d'anjos pequeninos, +travêssos, loiros, meninos +que andam no ceu a cantar, +aos quaes não tira o chapeu +este pobre filho d'Eva +emquanto Deus o não leva +a conhecel-os no ceu?!... +Impossivel!... Pois com quê?... + +Deixe-se lá d'essas franjas, +ruim poeta! Você +não sabe que a natureza +faz coisas de tal belleza<span class="pagenum">[<a id="pag-102" name="pag-102">102</a>]</span> +que um homem, se logra vêl-as, +ha de pasmado ficar, +e pasmar... pasmar... pasmar; +mas não tentar descrevêl-as?!<span class="pagenum">[<a id="pag-103" name="pag-103">103</a>]</span></pre> + +<h3>VI</h3> +<pre>Qual a timida gazella +que no prado anda brincando +estremece e foge quando +sente rumor perto d'ella,<span class="pagenum">[<a id="pag-104" name="pag-104">104</a>]</span> +assim Dona Raphaela... +Podia chamar-lhe Jónia, +Mathilde, Elisa ou Antonia. +Era o mesmo. Á mulher bella +todo o nome fica bem. +Toma-lhe a graça, a frescura: +participa da candura +de su'alma... se é que a tem. + +Que a minha airosa andaluza +como a gazella fugio, +se o não disse a casta musa +que me inspira, o leitor pio +(não ha <em>calemburgo</em> aqui) +certo de si para si +a crêl-o não se recusa; +mas o que o leitor ignora +é que eu proprio, eu que ind'agora +lhe dissera: <em>Vae-te embora</em>, +ao vêl-a fugir fiquei +triste, só, desamparado +como o valido d'um rei +quando cae em desagrado!...<span class="pagenum">[<a id="pag-105" name="pag-105">105</a>]</span> + +Ai! se o pensamento é vário +mais varía o coração. +Coração—Contradicção— +affirma-me o diccionario +que dois synonymos são.<span class="pagenum">[<a id="pag-106" name="pag-106">106</a>]</span></pre> + +<h3>VII</h3> +<pre>Amar depois que trinta annos +nos pesam sobre o cachaço; +quando os frios desenganos +guias são do incerto passo +que nos vae levando á campa; +quando a edade a correr vem +e nas faces nos estampa +oitenta rugas, ou cem! +amar sem crenças; amar +sem possuir attractivos; +é padecer, é penar +dôres do inferno entre os vivos.<span class="pagenum">[<a id="pag-107" name="pag-107">107</a>]</span> + +Sabia-o; mas se fadado +fôra eu já para essa dôr! +e diz Garrett, o doutor +em taes materias versado, +que ninguem foge ao seu fado! +Funesto foi sempre o meu! +Est'alma, que Deus me deu, +em quantos affectos nutre +que devorou Prometheu!.<span class="pagenum">[<a id="pag-108" name="pag-108">108</a>]</span></pre> + +<h3>VIII</h3> +<pre>Da rósea estancia em que mora +com seu limpido clarão, +sorrindo, ao ceu vinha a aurora +soltar do prégo as azelhas +d'onde pende a escuridão +sobre chaminés e telhas.<span class="pagenum">[<a id="pag-109" name="pag-109">109</a>]</span> + +A festival harmonia +pouco e pouco esmorecêra; +e co'a luz do novo dia +d'outra oschestra a afinação +mais altos cantos rompêra, +pois que entre os rocios do orvalho +levantára escopro, e malho, +um hymno de gratidão +ao Deus, author do trabalho. + +Este aranzel, espremido +n'uma phrase clara e chã, +quer dizer:—era manhã, +e a solfa dos caldeireiros +matava o bicho do ouvido +na rua Augusta aos parceiros.<span class="pagenum">[<a id="pag-110" name="pag-110">110</a>]</span></pre> + +<h3>IX</h3> +<pre>Cheguei a casa. Quem ama +tambem dorme o seu bocado; +nem ha nada como a cama +para amor ser bem tratado. +Vêde as ratices do mundo! +Sentados no mesmo throno +amor, que é vida;—e o somno, +que da morte é irmão segundo!...<span class="pagenum">[<a id="pag-111" name="pag-111">111</a>]</span> + +Em tão doloroso trance +é praxe no bom romance +surgir a pallida insomnia +beliscando a cachimonia +do que ás paixões não se poupa; +mas eu, que sigo outra lei, +fui-me enroscando na roupa, +e dormi. Fiz mais: sonhei. + +Sonhei, sim. O que é sonhar? +É fugir do captiveiro +d'esta bola sublunar. +A noss'alma, que gemia +entre os ferros, encontrar +a paz, o amor, a alegria, +vivo, real, verdadeiro, +o mundo da phantasia. +É n'um divinal momento +conquistar, possuir, haver +o que nunca o pensamento, +por mais audaz, ousou crêr +que um dia á mão nos viria. +Sonhar é vêr palpitante +a toda a luz da existencia +o pae, os filhos, a amante +que a morte apartou de nós!<span class="pagenum">[<a id="pag-112" name="pag-112">112</a>]</span> + +Ouvir-lhes a dôce voz... +interromper essa ausencia +eterna, a eterna saudade +que nos deixára o perdêl-os! +Sonhar é esta piedade +do ceu pelas nossas dôres; +esta mão cheia de flôres +que Deus esparge nos gelos!— +Tudo mais são pesadelos. + +Pois eu sonhei, e não digo +o sonho que tive então. +Não por ser segredo, não, +que á terra desça commigo; +mas quem tem, como eu, vergonha, +mesmo ao leitor seu amigo +nem sempre diz o que sonha.<span class="pagenum">[<a id="pag-113" name="pag-113">113</a>]</span></pre> + +<h3>X</h3> +<pre>No outro dia ao almoço, +frugal almoço invejado +ao pobre e triste empregado +a quem aos mezes o Estado +permitte rilhar um osso, +muitas vezes esbrugado;<span class="pagenum">[<a id="pag-114" name="pag-114">114</a>]</span> +no outro dia a Gertrudes, +velha magra, feia, teza, +inda cheia, á portugueza, +de calvas e de virtudes, +as quentes papas de milho +veio pôr-me sobre a meza. + +A mim a quem nada escapa +logo ali me deu no gôto +O vêl-a andar n'um sarilho +a peneirar-se, e á socapa +sorrindo com ar garôto. + +—Gertrudes, que historia é esta?— +E ella a rir. + —De que ri?!...— +A rir-se mais. + —Temos festa! +Vae grande baralha aqui +se me não diz, como quero, +porque essa bocca escancára, +e se desengonça, e rebola...<span class="pagenum">[<a id="pag-115" name="pag-115">115</a>]</span> +Ella, atalhando: + «Salero!. +Soy, señorito, española!» + +Figurem-se a minha cara!! +A visão, a Raphaela +com quem ha pouco sonhára. +o bello typo andaluz, +a flôr de um dia... era ella +saída das mãos do Cruz!<span class="sup"><a href="#fn2" name="mfn2" id="mfn2">[2]</a></span><span class="pagenum">[<a id="pag-116" name="pag-116">116</a>]</span></pre> + +<h3>XI</h3> +<pre>A moral d'este meu conto +implica artigos de fé: + + 1.º + +Quem vê masc'ra não vê rosto. + + 2.º + +Belleza vista de dia +dê-se-lhe sempre o desconto +de trinta por cento em cré.<span class="pagenum">[<a id="pag-117" name="pag-117">117</a>]</span> + + 3.º + +Depois do sol se haver posto +até a Virgem Maria +precisa ser vista ao pé. + + 4.º + +Mesmo assim, inda que perto, +não se diga nunca ao certo +que se está longe da Sé.<span class="pagenum">[<a id="pag-118" name="pag-118">118</a>]</span></pre> + + +<p class="rodape"><sup><a href="#mfn2" name="fn2" id="fn2">[2]</a></sup> +Guarda-roupa.</p> + +<p><span class="pagenum">[<a id="pag-119" name="pag-119">119</a>]</span></p> + +<h2><em>AS MINHAS MEMORIAS</em></h2> + +<p style="text-align: center;">Á Exc.<sup>ma</sup> Snr.ª D. A. F. Pinto</p> +<pre>Nasci. Vivi. Foi meu cruel destino +ser inutil, vulgar, emquanto moço. +De dôr em dôr, cançado peregrino, +chego á triste velhice sem conforto. +Nunca pude saber o que era tino, +como a bolsa não soube o que é <em>caroço</em>. + +Quando voltares hei de ser um morto.<span class="pagenum">[<a id="pag-120" name="pag-120">120</a>]</span></pre> + +<p><span class="pagenum">[<a id="pag-121" name="pag-121">121</a>]</span></p> + +<h2><em>ESTRELLA CADENTE</em></h2> +<pre>Ella não tinha ainda os seus vinte annos. +Eu já cincoenta, ou mais. Poucos enganos +podia haver na conta. Trouxe-a ao cóllo! +Não fôra um pólo em frente do outro pólo; +mas, inda assim, contando-se este caso, +dir-se-ia ao certo: Era uma vez o Occaso, +e era uma vez a Aurora...<span class="pagenum">[<a id="pag-122" name="pag-122">122</a>]</span> + Não sei como +n'um bello dia, por ser vedado o pomo, +por ser appetitoso, finalmente +não sei porquê!... por eu ser um demente... +por ser ella o retrato da que é morta... +fosse lá porque fosse!—Isso o que importa +n'um bello dia—amei-a!... Uma doença +que a gente apanha quando menos pensa. + + * + +Sorriam de piedade os meus amigos +todos á uma, e os novos e os antigos. +Nas salas bichanava-se em cochichos: +«Ora, o ginja! aparando inda os esguichos +com que o <em>bisnaga</em> amor! Atraz da pomba, +o perfido lacrau!» + Deitavam tromba +os outros pretendentes. Um barulho +por nada. Então porquê?! Por um arrulho?... +Um simples suspirar?... Pois que mau era +brotar-me em pleno inverno a primavera?...<span class="pagenum">[<a id="pag-123" name="pag-123">123</a>]</span> +Durava pouco?... Tanto quanto dura +em toda a terra tudo o que é ventura. +Engeita-se por isso?... + A minha idade?! +Fui de Mathusalem socio e confrade. +Adão dizia ao vêr-me: <em>Olá, compadre!</em> +Contemporaneo eu sou do eterno Padre. +Não ha mais nada acima. Querem isto?... +O Padre, o velho, foi mais tarde o Christo. +Ondas d'amor jorrou d'aquelle peito. +Remiu. Salvou. Pôz termo ao longo pleito +entre as trevas e a luz, e, porque vinha +em nome só do amor, annos que tinha +ninguem lh'o perguntou. + Sinceramente: +ha rugas dentro d'alma?!... + + * + + Impenitente +morrera n'esta fé; sobre o Evangelho +jurára que mais ama o que é mais velho;<span class="pagenum">[<a id="pag-124" name="pag-124">124</a>]</span> +se o ponto da questão, o delicado, +outro não fôra; um velho ser amado! +Aqui é que me dóe! + É necessario +primeiro formular um questionario. +Menos se quer á flôr, menos se trata, +por ser de argilla o vaso e não de prata? +Aqui... além... embora onde estiveres... +não és, ó flôr, a mesma?... e das mulheres, +—não digo já de todas; mas d'algumas— +igualmente o <em>boudoir</em> tu não perfumas?... +Não busca asylo a crença, a christandade +não presta o culto seu á Divindade +no templo secular, de negro aspecto, +humida arcada, abobadas por tecto, +como na alegre ermida redourada, +quente aos raios do sol, sempre inundada +de jubilos e festa?!... Amor travêsso, +só por vêr para dentro, vê do avêsso? + + * + +Não te illudas, ó louco! A Providencia +dependente do amor fez a existencia.<span class="pagenum">[<a id="pag-125" name="pag-125">125</a>]</span> +Para estimulo a amor fez a belleza, +o viço, a força, quanto com certeza +tu já não tens. Por isso no concurso +aos vagos corações a pelle do urso, +a penna luzidia do bom pato, +dão por si preferencia ao candidato. +Esta a verdade crua. O sentimento +depois é que se faz. É-lhe fermento, +é mister que primeiro insuffle a arteria, +e n'ella o sangue injecte, a vil materia. +A bocca, um pé, a guia d'um bigode +mais que as almas em fogo sempre póde. +E tu não valsas!... tu não tens bocca +o <em>argot</em> da moda, a phrase insossa e ôca! +Por mais <em>ciré</em>, torcido, repintado, +que o teu bigode vá... bigodeado +és tu que ficas, velho! a torto e a esmo! + +Justo e fatal!... Fatal e justo é o mesmo. + +No chão não rojes teus cabellos brancos +n'um desespero ignobil! Para arrancos,<span class="pagenum">[<a id="pag-126" name="pag-126">126</a>]</span> +para entrares no inferno como o Dante, +a dôr da tua cólica é bastante. +Outras não queiras, outras não procures +improprias já de ti. Não; em nenhures +rejuvenesce o Fausto; e, dês que ha mundo, +quem disse um velho—disse um moribundo. + + * + +Ella não tinha ainda os seus vinte annos. +Por não tel-os vivia n'uns enganos +que eu não devia ter nos meus cincoenta. +Distraída commigo olhou attenta +para um moço qualquer. Nem eu me lembro +do nome d'elle já! Era em setembro. +Isso sei eu. Que noite!... Estou a vêl-a! +Ultima noite azul!... Rasto d'estrella, +curva de luz nos amplos ceus cadente,<span class="pagenum">[<a id="pag-127" name="pag-127">127</a>]</span> +illuminar-nos veio de repente. +Ella assustou-se, e disse: <em>Dieu te garde!</em> + +Pouco tempo depois, horas mais tarde, +tal qual a estrella, em rapido trajecto, +no mundo novo entrou d'um novo affecto.<span class="pagenum">[<a id="pag-128" name="pag-128">128</a>]</span></pre> + +<p><span class="pagenum">[<a id="pag-129" name="pag-129">129</a>]</span></p> + +<h2><em>AO ACTOR JOÃO ANASTACIO ROSA</em></h2> + +<p style="text-align: center;">que, na sua officina de sapateiro, mandára fazer +para uso do author umas botas impermeaveis</p> +<pre>Boas botas com effeito! +Ha que tempos que te eu digo +que, de pequeno, o teu geito +é ser sapateiro, amigo!<span class="pagenum">[<a id="pag-130" name="pag-130">130</a>]</span> + +Afóra o bico da moda, +que é moda o <em>bico</em> hoje em dia, +quem da terra andasse á roda +<em>mestre</em> assim não toparia. + +E lá no mar,—tens ratices!— +com ellas por sobre as ondas +anda a gente como Ulysses +nas aguas das Trabisondas. + +O povo grita: Milagre!—; +teus filhos:—Estamos salvos!—; +e tu com graxa e vinagre +vaes enganando os papalvos. + +Queima a Sciencia as pestanas +buscando o que seja aquillo; +e nem passadas semanas +conclue que é sebo de grillo!<span class="pagenum">[<a id="pag-131" name="pag-131">131</a>]</span> + +Tu proprio chuchas no dedo, +<em>avis rara</em>, ó <em>raio</em> d'ave; +pois ao fechar teu segredo +perdeste-lhe o tino e a chave. + +Seja qual fôr teu systema, +graxa só ou graxa e sebo, +eu, indigena na gemma, +applaudo o que não percebo. + +De tão prodigioso invento +só entendo, e não é pouco, +que ou me saíste um portento +ou és rematado louco! + +Mas que importa qual diploma +um logar nos dá na Historia? +Toda a estrada leva a Roma. +Por atalhos vae-se á gloria.<span class="pagenum">[<a id="pag-132" name="pag-132">132</a>]</span> + +É certo que ao fim da vida +a luz do provir é tua: +luz accêsa sem torcida!... +porta aberta com gazua!— + +Vê quanto o sec'lo é fecundo! +Vê; regista em tuas notas. +Em poucos annos ao mundo +botou dois homens das botas!<span class="pagenum">[<a id="pag-133" name="pag-133">133</a>]</span></pre> + +<h2><em>ÁS RÃS PEDINDO REI</em></h2> + +<p style="text-align: center;">Traducção da fabula de Lafontaine—<span +class="sc">Les Grenouilles</span></p> +<pre>Viviam certas rãs n'um charco immundo +em republica plena. Era um pagode! +Tal qual uns democratas que ha no mundo +julgando que a republica, no fundo, +outra coisa não é senão a gente +fazer o que bem quer e quanto póde, +a rã tripudiava impunemente.<span class="pagenum">[<a id="pag-134" name="pag-134">134</a>]</span> +Todos os dias era certo o choque +entre o batrachio forte, intransigente, +e parte da nação já descontente +que a Jupiter pedia ou rei ou roque. + + O deus fez-lhe a vontade. +Largou-lhe lá do ceu um rei pacato, + de summa gravidade. + +Das alturas tombando, o rei na quéda + fez tal espalhafato, +que as fêmeas em pavor, os machos fulos, +aquellas saltitando, estes aos pulos, +como é uso das rãs nas grandes crises, +cada qual a gritar:—arreda! arreda!— +entre os juncaes, no lôdo, nas raizes +dos salgueiraes se enreda.<span class="pagenum">[<a id="pag-135" name="pag-135">135</a>]</span> + + * + +Por longo tempo em seus esconderijos +das rãs esteve homiziado o povo. +Transformaram-se em medo os regosijos +da antiga bacchanal. Gigante novo +cuidavam ser o rei que o ceu lhes déra. +Não ousavam sequer saír da tóca; +pois, não raro, os instinctos maus da fera +por imprudente a presa é que os provoca. + +Já n'essas eras muito a pêllo vinha +dizer: <em>Cautela e caldos de gallinha...</em> + +O rei era um pedaço de madeira. +Nem mais, nem menos. + N'uma bella tarde +uma das rãs, por ser menos covarde + ou mais bisbilhoteira, +tirou-se de cuidados, manso e manso +na flôr das aguas surge, e ás guinadinhas + com muito tento e geito + do cêpo se aproxima.<span class="pagenum">[<a id="pag-136" name="pag-136">136</a>]</span> +Após ella vem outra... e outra... aos centos. +Vendo que o rei não sae do seu ripanso, +rodeiam-no; coaxam: <em>Salta acima!...</em> + e coaxado e feito!... + +O rei, temido outr'ora, ás pecuinhas +d'essa chusma villã se vê sujeito. + Em rapido momento +sobre elle a malta audaz se encarapita, +e faz do bom monarcha um bom assento. +Nem chus nem bus! Calado que nem porta, +qual fôra n'outros tempos!... + Isto irrita. +Rompem as rãs então n'uma algazarra + que o pantano atordôa, +os fios d'alma a quem as ouve corta. +«Leva d'aqui, ó Jove, esta almanjarra +que nem mexe, nem pune, nem perdôa, +e mais parece uma alimaria morta, + cabide d'uma c'rôa, +em vez de nosso rei—nossa vergonha!» +Vae Jupiter que faz? Uma cegonha, +das muitas que possue, logo destaca, +e manda que das rãs ponha e disponha, +n'uma das mãos o queijo e n'outra a faca.<span class="pagenum">[<a id="pag-137" name="pag-137">137</a>]</span> +Ora a cegonha, apenas em seu throno +dona das rãs se vê e sem ter dono, +diz comsigo: + —Nasci dentro d'um folle! +Quem tira agora o papo da miseria +sempre sou eu!...— + Passeia toda séria, +perna aqui... perna além, n'um andar molle, +e quanta rã apanha quanta engole. + + * + +Geral consternação o charco enluta. + Renovam-se as lamurias: +que o rei é doido e tem ás vezes furias; +que, doido ou não, o povo trata á bruta; +por fim, que faça o deus formal promessa +d'outro rei que as não coma tão depressa!<span class="pagenum">[<a id="pag-138" name="pag-138">138</a>]</span> + O Jupiter tonante +d'est'arte lhes responde: + «Inutil prece! +Dei-vos um rei tranquillo, inoffensivo, +que nem sempre se tem nem se merece: + um rei que era um regalo! +Foi vêl-o e pôl-o pela barra fóra! +Dei-vos segundo: um genio um pouco vivo... + um pouco extravagante... + Meninas, aguental-o! +Era bom o primeiro e foi-se embora. + É mau este de agora. +Contentae-vos com elle, ó meus endezes, +pois venha quem vier... peior mil vezes.»<span class="pagenum">[<a id="pag-139" name="pag-139">139</a>]</span></pre> + +<h2><em>ONZE DE NOVEMBRO</em></h2> +<pre>É noite de São Martinho, +rival do velho Noé. +Cae agua em logar de vinho, +e—milagre!—o meu visinho +entra em casa por seu pé!... + +Memorias do alegre santo, +porque é que tanto duraes +se eu já nem bailo nem canto +dês que me deram quebranto +as peças originaes?!<span class="pagenum">[<a id="pag-140" name="pag-140">140</a>]</span> + +Até as caras meninas, +socias minhas na funcção, +rosas, d'antes, purpurinas, +por muito favor—cravinas... +d'Ambrosio cravinas são. + +Martinho, ao que chega a gente! +Ellas feitas uns pasteis +de carne velha e doente; +eu comprando cada dente +por tres e quatro mil reis! + +Bem me toucaram taes flôres! +Bem com ellas me touquei! +Da cabeça agora as dôres +quem m'as faz são os tenores, +as portarias, e a lei! + +A lei!... a eterna cantiga! +o eterno sarapatel! +Na nossa edade, e na antiga, +lá para uns certos—espiga; +lá para uns outros—papel.<span class="pagenum">[<a id="pag-141" name="pag-141">141</a>]</span> + +Só uma córta direito: +só a lei da morte é egual. +Para calcular-lhe o effeito +vou, deitado no meu leito, +dormir um somno real.<span class="pagenum">[<a id="pag-142" name="pag-142">142</a>]</span></pre> + +<p><span class="pagenum">[<a id="pag-143" name="pag-143">143</a>]</span></p> + +<h2><em>ASSIM É QUE EU GÓSTO D'ELLA!</em></h2> +<pre>Eu nunca fui poeta. Era loucura +mostrar depois de velho pretensões +quando as não tive em horas de ventura, +de tão dôces, mas breves, illusões. + +Então era a minh'alma que gemia +no vago anceio d'onde nasce o amor; +mas hoje sei que amor no mesmo dia +nasce, esmorece, e morre como a flôr.<span class="pagenum">[<a id="pag-144" name="pag-144">144</a>]</span> + +Da meiga briza o tépido bafejo, +a rosa perfumada, o pôr do sol, +as nuvens d'oiro,—esplendido cortejo +do astro-rei, a voz do rouxinol; + +Esse hymno immenso com que a terra exprime +viva saudade pela extincta luz, +se para mim então era sublime, +ai! que já por meu mal me não seduz! + +Quando contemplo agora o fim da tarde, +quando ao sumir-se no crystallino mar +o facho accêso sobre as ondas arde +e vae depois nas ondas mergulhar; + +Sabeis vós o que penso em tal instante? +—Vêde a que prosa vil isto chegou!— +Sabeis vós o que penso?'... o que lamento?... +O dia mais de vida que passou.<span class="pagenum">[<a id="pag-145" name="pag-145">145</a>]</span> + + De vida, sim, meus senhores, + que não ha pechincha egual! + Só algum sarrafaçal + em horas de maus humores + grunhirá sombrio e rouco + que pelo seu fim anhela! + Eu cá por mim acho pouco + e morro d'amores por ella! + + A vida saboreada + de um certo modo que eu sei. + Nem limpa-botas nem rei; + trazer camisa lavada; + bem lavada a consciencia; + libras velhas na algibeira; + ter um trem e por decencia + um garoto na trazeira. + + Cadeiras... todas de braços, + fôfas como pão de ló. + Nunca dar ponto sem nó + nem pôr ponto em dar abraços.<span class="pagenum">[<a id="pag-146" name="pag-146">146</a>]</span> + Caçadas... feitas no prato, + e sobre a caça café. + Charutos... dos de contracto + <em>Lib'ra nos!</em> antes galé. + + Vejam se eu dava o cavaco + ou se quebrava o toutiço + por ser tudo quebradiço + n'este mundo como um caco! + Em se quebrando... acabou-se. + Ora, adeus! Fortes lamechas! + Era bonito se fosse + ficando tudo p'ra mechas! + + Amor de marrafa branca + como o cão e a cadellinha + sempre fiel! Que gracinha!... + Ao chá por baixo da banca + dando ternas pizadellas + que as meias deixam de luto, + que fazem vêr as estrellas, + e provam que o par é bruto.<span class="pagenum">[<a id="pag-147" name="pag-147">147</a>]</span> + + Ter sempre o mesmo barbeiro + e sempre o mesmo topete!... + Á mesa do voltarete + defronte o mesmo parceiro!... + O molle ser sempre o molle!... + sempre esperto o serigaita!... + Na mesma gaita de folle + soprar quem sopra tal gaita!... + + Quem pensa assim... ai! coitado! + ou perdeu todo o juizo, + ou se tem dente do sizo + pelo alveitar foi achado. + Para mim que sou amante + do que muda e do que mexe, + como havia ser seccante + o tal mundo de escabeche! + + Beijar nos pulsos a algema + com que Amor nos manietava; + amanhã mandal-a á fava; + a belleza eis do systema.<span class="pagenum">[<a id="pag-148" name="pag-148">148</a>]</span> + Ser hoje amigo do Brito, + amanhã sêl-o dos Soisas!... + Viajar hoje no Egypto; + vêr ámanhã novas coisas! + + Isto, sim, que é prazer certo! + Quem julgar que assim não presta + diga adeus a esta festa + que o cemiterio está perto! + Pois póde haver tolerancia + na China, aqui, ou em Gôa + com quem defende a constancia + que é a maçada em pessoa?! + + Aqui d'el-rei porque mente + toda a humana geração!... + Grande pena!... pois então, + se mente, mente-lhe a gente. + Por mentira, mentirola. + Por esparrella, esparrella. + Assim vae esta charola: + assim é que eu gosto d'ella!<span class="pagenum">[<a id="pag-149" name="pag-149">149</a>]</span> + + Dizem que a vida os assusta + porque em tudo encontram móca; + que o bem a todos não toca, + que a Justiça não é justa. + Eu, por mim, quero-a mais larga, + que, se acaso um dia fôr + parar-lhe ás mãos, menos carga + sobre os hombros me ha de pôr. + + E se o bem me não tocar + tambem uma vez sómente, + ferro commigo no quente + e, lá, desato a chorar. + Não é mau. Dou de conselho + a quem quizer divertir-se + que chore em frente do espelho + e por força acaba a rir-se. + + Chorar é bom! Quem me dera + nos tempos que já lá vão + quando, moço, o coração, + ao romper a primavera<span class="pagenum">[<a id="pag-150" name="pag-150">150</a>]</span> + sobresaltado tremia, + e da terra toda em flôr + juntava á meiga harmonia + doces lagrimas d'amor! + + Se á vida não acham geito + porque todos têm chorado, + cá para mim vem barrado + quem lhe põe este defeito. + Elles que foram pequenos + e contra as lagrimas chiam, + de <em>lacrima christi</em> ao menos + um copo não beberiam? + + Tal resmuneia e se queixa + que as filhas não fecha a mãe; + que a mãe namora tambem, + e mais que torna e que deixa! + Ih! Jesus!... Que gritaria! + Se a mãe as filhas fechasse, + nenhuma as portas abria. + Ai de quem as arrombasse!<span class="pagenum">[<a id="pag-151" name="pag-151">151</a>]</span> + + Caturras! Se ha quem supponha + nas politicas regiões + que inda póde haver Catões + sendo tão rara a vergonha!... + O galante é que no jogo + cada qual puxa o seu trunfo + quando sem armas nem fogo + alcançar póde o triumpho! + + Deploram republicanos + que lhes tosquiam as azas? + Pois vão lá p'ra suas casas + fazer dos creados—manos. + Os outros temem que os thronos + se despedacem? Demonio! + Não lhes resta ainda, monos, + os thronos de Santo Antonio?— + + Tudo aqui se remedeia; + tudo tem facil saída + se as honras dermos á vida + d'um jantar ou d'uma ceia.<span class="pagenum">[<a id="pag-152" name="pag-152">152</a>]</span> + Quem tentar pôl-a a direito + perde o tempo e a razão + porque luta peito a peito + com phantastica visão. + +Eu nunca fui poeta. Agora vêdes +que menos do que nunca aspiro a sêl-o. +Se espalmar-me tentei pelas paredes +do teu Parnaso, Apollo, vae-me ao pêllo! + +Põe-me nú se conservo n'este fato +algum resto de parvoas pretensões, +já que o mundo como é, o mundo ingrato, +despir-me soube as dôces illusões. + +Dormi. Sonhei. Do sonho hoje acordado +na prosa da verdade emfim caí; +mas como tudo tem sempre um bom lado +ganhei gordura se illusões perdi.<span class="pagenum">[<a id="pag-153" name="pag-153">153</a>]</span></pre> + +<h2><em>EM CINTRA</em></h2> +<pre> Tal qual como o sacrista, +o velho Catecismo soletrando, + primeiro se espreguiça; +cabeceia depois de quando em quando; + por fim já não atina +se ha tres, se um cento d'inimigos d'alma; + meninos e doutrina, + rosnando manda á missa; +engendra um travesseiro da batina; +deita-se e dorme emquanto dura a calma: +farto da vida fui-me estiraçando +n'este alcantil, onde aves de rapina<span class="pagenum">[<a id="pag-154" name="pag-154">154</a>]</span> + fizeram ninho outr'ora. + Ao longe o sol declina; + já sobre as ondas arde. + Soltando a voz sonora +n'um murmurio suave expira a tarde. + +Ai! quem me dera aqui morrer agora!... +Não ha somno melhor!... Somno?... Sería?... +Eu penso que não é, que sentiria +em torno do meu sêr, do meu sêr novo, +uma coisa qualquer que a phantasia +não ousa precisar, á qual aspiro, +para a qual vou fugindo, que me chama, +na qual hei de caír como em seu giro +alado insecto vae caír na chamma. + +Não é tolice, não. Quem n'este mundo +diria afoito ao sabio mais profundo, +se n'esse tempo o mundo sabios tinha, +que dentro da gallinha estava um ovo +e dentro d'aquelle ovo outra gallinha?... +Assim succede em tudo. Muda a fórma;<span class="pagenum">[<a id="pag-155" name="pag-155">155</a>]</span> +as condições variam da existencia; +mas, por mais que a materia se transforma, +intacta se conserva sempre a essencia. +Logo: hei de viver. Ter consciencia +d'aquillo que então fôr!... + + <span class="sc">Um Corvo</span> (<em>que fende o espaço, grasnando</em>) + + Senil demencia! +Sobre essa rocha estoira como um ôdre: + terás a mesma sorte + de tudo quanto é pôdre. + Serei eu só bastante +para fazer-te o corpo n'um farrapo. +Que vida has de viver desde esse instante + mettido no meu papo? +Aonde a consciencia?... o sentimento?... + Perante a Eternidade + tu duras um momento. + Serviste o pensamento + da grande Divindade; + depois!... Depois da morte + não és coisa que importe + do mundo ao movimento.<span class="pagenum">[<a id="pag-156" name="pag-156">156</a>]</span> + + <span class="sc">Uma Andorinha</span> (<em>chilreando em roda da penedia</em>) + + Ai! terra onde nasci! + Ai! dôce patria minha! + tão longe eu sou de ti!... + + Saudosa do palmar, + aqui, pobre avesinha, + errante a voltear. + + Um dia... qual—não sei... + um dia, em vindo o inverno, + de novo á patria irei. + + Então sob o docel + d'aquelle azul eterno, + nos plainos meus d'Argel<span class="pagenum">[<a id="pag-157" name="pag-157">157</a>]</span> + + Emfim serei feliz! + Nenhuma primavera + roubar-me ao meu paiz + + Jamais conseguirá!... + Uma outra pátria, espera, + tambem te surrirá. + + <span class="sc">Um Sapo</span> (<em>no fundo do valle</em>) + + Cantigas! boas cantigas + lá por cima oiço cantar. + Do que vae cá pela terra + entendem mais as formigas, + sabem mais reptis na serra + que os passarinhos no ar. + + Deixa piar a andorinha. + Bem facilmente se ad'vinha + a tua sorte futura.<span class="pagenum">[<a id="pag-158" name="pag-158">158</a>]</span> + Tu és, amigo, a doninha. + É teu sapo a sepultura. + + Cantigas! Boas cantigas! + Quem trinca, trinca; trincou. + As doninhas que hei papado + por mais figas, figas, figas + que as outras me têm armado, + ninguem d'aqui m'as levou! + + <span class="sc">O Pinhal</span> (<em>ao longe</em>) + + N'um cantico dolente + meus hymnos rumorejo. +É Deus que passa em mim; o Deus que eu vejo +em tudo o que palpita, e vive, e sente. + Ó balsamica rosa, +quando a fragrancia exhalas docemente + da petala mimosa; + lá quando do teu seio, +tepido ninho d'um amor fremente, + irrompem n'um gorgeio + maternas alegrias,<span class="pagenum">[<a id="pag-159" name="pag-159">159</a>]</span> +é Deus que passa, o rosto surridente, + cercado de harmonias. + + <span class="sc">O Sino da Pena</span> + + Dong!... + Dong!... + Dong!... + + <span class="sc">Um velho que vae na estrada</span> (<em>tirando o barrete</em>) + + Avè, Maria, + cheia de graça... + + <span class="sc">O Sino</span> + + Dong!... + Dong!... + Dong!...<span class="pagenum">[<a id="pag-160" name="pag-160">160</a>]</span> +N'estas auras subtis do fim do dia +—descobri-vos, mortaes!—é Deus que passa. + Dong!... + Dong!... + Dong!... + +Desde a remota edade á edade hodierna +Descrença e Fé por esse mundo fóra +vão em perpetua luta caminhando. +Da Sciencia os cartapacios consultando +em Deus não crê, não crê na vida eterna +quem da eterna sciencia tudo ignora. +Sei d'alguns que não crêem... porque é moda... +por ser qualquer idea contrabando +em casco avariado. Finalmente, +crêr, ou não crêr, a certos pouco importa, + por isso que incommoda +andar com seus botões pensando a gente +no fim que ha de levar depois de morta. + +Eu á Sciencia estranho e bom jarreta, +eu que penso em morrer, por ser um vivo +que fecha a mala e puxa da gorgeta,<span class="pagenum">[<a id="pag-161" name="pag-161">161</a>]</span> +encontro ás minhas maguas lenitivo +crendo que ambas as coisas não são pêta. +Tudo em roda de mim é o grande effeito +d'uma causa maior, cuja existencia +dois principios envolve fatalmente; + amor e omnipotencia: +poder que salva; amor sempre clemente. + +Isto me fique ao menos! Hei mudado +de pensar e sentir bastantes vezes. +Só não pude sentir nem ter pensado +ser o mundo um curral, e nós—as rezes.<span class="pagenum">[<a id="pag-162" name="pag-162">162</a>]</span></pre> + +<p><span class="pagenum">[<a id="pag-163" name="pag-163">163</a>]</span></p> + +<h2><em>PEDINDO O INDULTO</em></h2> + +<p style="text-align: center;">D'UM ALUMNO MILITAR</p> + +<p style="text-align: center;">que em 1872 foi expulso do Lyceu de Lisboa por +não haver restituido a outro alumno um livro que lhe pedira emprestado</p> +<pre>Misericordia!... Um rapaz +sem reflexão e sem tino, que +é da milicia e inda traz +reles buço de menino,<span class="pagenum">[<a id="pag-164" name="pag-164">164</a>]</span> +brincando pede e sonega +um mau livro a um mau collega. +O facto é grave! A moral +traja luto!... Esta noticia +corre por maneira tal +que até chegou á policia! + +Desloca a pedra angular +do social edificio!... +Cheira a Communa!... Pelo ar, +em busca d'um outro officio, +paira e pia a disciplina!... +Ai de nós! que é certa a ruina +se um braço potente e audaz +não suspende o cataclysmo!... +Corte-se fundo o antraz! +Dôa e pelle o sinapismo! + +Assim se fez. Lá no ceu +ha quem nos proteja ainda. +A lei pune. O infame reu +cae prostrado, e o p'rigo finda. +Sabia a lei no monstro fere +<em>Cartouche e Robert Macaire.</em><span class="pagenum">[<a id="pag-165" name="pag-165">165</a>]</span> +N'um golpe os reduz a pó! +Da dupla calamidade, +descascando um ovo só, +livra e salva a humanidade! + +Os relaxados sandeus +dizem:—Não valia a pena.— +Mas é que a Lei, pygmeus, +não raciocina, condemna. +E raciocinasse!... O pepino +não se torce em pequenino? +Aprender nos livros quiz? +Quiz illustrar a sua farda? +Fique burro, que o paiz +gosta que o sirvam d'albarda. + +A vergonha, a nodoa, o que é? +O que foi sempre. Esta é fina! +Um pinguinho de rapé +que se tira com benzina: +um nada... que inhabilita: +a letra fatal escripta +com ferro em braza na mão! +E n'este abysmo se lança<span class="pagenum">[<a id="pag-166" name="pag-166">166</a>]</span> +sem piedade e sem razão +uma inconsciente creança!... + +Melhor livro alguem pilhou +sem ninguem lhe gritar:—Larga!— +Lambeu; os beiços limpou; +e poz-se de mão na ilharga! +Não! que o melro d'alto canta! +e quando ás vezes se espanta +fazem-no Deus, tal crereis? +Uno e bis trino,—isto é sério, +pois sendo os ministros seis +é só elle um ministerio! + +O supplicante, senhor, +cartista puro, em presença +dos factos que vem de expôr, +pede o indulto e a recompensa +que o pobre rapaz merece. +É fundada a sua prece +em ser a Lei coisa igual: +e, sendo, já me contento, +se não póde ser mar'chal +façam-no ao menos sargento.<span class="pagenum">[<a id="pag-167" name="pag-167">167</a>]</span></pre> + +<h1><em>PROCESSO</em></h1> + +<h3>1875</h3> + +<h2><em>LIBELLO</em></h2> + +<blockquote style="margin-left: 50%; font-size: small; width: 50%;"> + <p><em>Le cynisme de l'apostasie.</em></p> + + <p style="margin-left: 5em;">(<span class="sc">Berryer</span>).</p> +</blockquote> +<pre>Que graçolas são essas, senhor Palha? +Que estulto riso sobre tudo espalha? +Costuma attribuir-se a pouco siso +O séstro folião do eterno riso. +E cuidou tirar joias d'um thesouro? +Cuidou ter dito bocadinhos d'ouro?<span class="pagenum">[<a id="pag-168" name="pag-168">168</a>]</span> +Pilherias de matar, chistes d'arromba? +Pois nunca embalde co'a razão se zomba, +E com ella zombou no seu escripto. +Uma coisa é <em>espirito</em>, outra <em>esprito</em>. +Já vê que me refiro á carta-asneira +Abrindo aos disparates a torneira +Nas illustres columnas do <em>Illustrado</em>. +Quanto fôra melhor estar calado! +A defeza enterrou-lhe a protegida, +Ha patronos assim; hoje é perdida +A causa da Madama. Andou de leve +Em tudo quanto disse, e nunca teve +Hora mais infeliz. Veja: primeiro +O seu grande argumento é—<em>dá dinheiro!</em> +Que miseria inaudita! D'esse modo +Bota abaixo a moral do mundo todo. +Ó venenos subtis, ó ferros finos, +Quem maldirá a mão dos assassinos +Se vós rendeis milhões? Ó lupanares +Da vil prostituição, nos seus cantares +Passou-vos Palha carta de limpeza. +Lucraes muito por dia? Santa empreza. +Não quer saber de mais; o merecimento +Afére-o pelo ganho; isto é nojento. +A moral, a virtude, que lhe importa? +O caso está em quanto rende a porta, +A corrupção geral é que o deleita +Dês que possa ser fonte de receita.<span class="pagenum">[<a id="pag-169" name="pag-169">169</a>]</span> +A arte mascarou-se em traficante, +A arte é <em>chilrear</em> e vêr sonante. +E houve quem berrasse, e inda hoje berra, +Contra o barbaro interesse da Inglaterra +Envenenando a China? Que patetas! +Não haviam mugir á vacca as tetas? +Se vem sangue no tarro que tem isso? +O sangue tambem faz bello chouriço. +E fresquinha a <em>Madama</em>, e curto o fato? +Diz elle que o reparo é caricato. +Pois quanto mais a filha mostra a perna +E a linguagem mais cheira a taberna +Mais acode o concurso hoje em Lisboa +Que até na <em>côrte</em>, em gripho, inda resôa +A fama de Cascaes e os lindos <em>fados</em> +Que por lá se dançaram, e os trinados +Da banza afidalgada; haja folgança +Que n'este mundo ha só prazer e pança. +Na insulsa peça o Palha chocarreiro +Só dá voto de peso ao bilheteiro; +Com este é tudo bom. Frivolidades, +Phrases regateiraes, e necedades; +A praça da Figueira, emfim, na scena, +Sem um dito sequer que faça pena +De não lembrar depois; eis o encanto +Do Palha da Trindade; e faz-lhe espanto +Que os da <em>Nação</em> não saltem d'alegria, +E ratos diz que são de <em>Sacristia</em>...<span class="pagenum">[<a id="pag-170" name="pag-170">170</a>]</span> +Alto lá, senhor Palha, mais decencia. +Não se emporcalhe assim <em>Vossa Excellencia</em>. +Não bula na <em>Nação</em>, que o trouxe ao collo, +Que passa por ingrato, além de tolo. +Pois não andou por lá de noite e dia? +Não foi rato tambem na sacristia? +Então o dizer mal mui mal lhe fica; +Embora n'outra parte arme a futrica. +O bonito é caluda. Se hoje adora +O que d'antes queimára, rôa agora +Nas lonas do theatro, chupe azeite +Dos candieiros da rampa, mas não deite +Só por na corrupção viver contente +Má fama da que fôra sua gente. +Que mal lhe fez á bolsa, em que só pensa, +A antiga tradição, a antiga crença? +Desertou; e bem viu que foi tranquillo, +Nenhum tiro se deu a perseguil-o, +Nenhuma voz se ergueu bradando—raca—, +Nem ninguem lhe puxou pela casaca. +Virou-a como quiz; e nem as trovas +D'aquelle <em>José Paes de Torres Novas</em> +Ninguem lhe recordou: assim, nem pio, +Que mais calvo o farão, e inda faz frio. +Se seu honrado pae resuscitasse +Como o rubor lhe subiria á face +Vendo o filho truão na patria cara +Cuspir injurias, com facecia ignara;<span class="pagenum">[<a id="pag-171" name="pag-171">171</a>]</span> +Vendo o filho nos tempos em que vamos +Morder insano a procissão de Ramos! +Que tem, que póde ter gambia obscena, +Em anzol de patacos sobre a scena, +Com pia procissão, qualquer que seja, +Dês que tem por escudo a Santa Egreja? +Como o tal velho Palha encresparia +O sobr'olho a toda esta porcaria? +Vêr seu filho gabando os assobios +D'amoladinhos vãos e de vadios; +Censurar a gravata séria e lisa; +O <em>pé fresco</em> exaltar; gente em camisa; +Ser-lhe, emfim, tudo antigo de quizilia +E comicos só ter como familia!... +Ó manes venerandos e <em>embécados</em> +Dos Desembargadores, sois trocados +Na voz do filho e neto, em sêde d'ouro, +Por titeres do palco! Forte estouro +Levava o tal amigo se surgia +Toda a Palha anciã, se não morria +De vergonha outra vez, que é coisa dura +Ver por nossos mordida a sepultura! +Mas basta, senhor Palha, e se inda a fome +Lhe exige mais roer, roa em seu nome. +</pre> + +<p style="text-align: right;font-size: small;">(<em>A Nação</em>).<span +class="pagenum">[<a id="pag-172" name="pag-172">172</a>]</span></p> + +<p><span class="pagenum">[<a id="pag-173" name="pag-173">173</a>]</span></p> + +<h2><em>CONTRARIEDADE</em></h2> + +<blockquote style="margin-left: 50%; font-size: small; width: 50%;"> + <em>.......... e nunca teve<br> + Hora mais infeliz.....</em> + + <p style="margin-left: 2em;">(<span class="sc">V. Exc.ª mesmo</span>).</p> +</blockquote> +<pre>Cantor das duzias, teu rosto +porque é que encobres assim? +Quem és tu? Es Arlequim? +Es o Furioso de Ariosto? +Es o Roberto Pimpim?<span class="pagenum">[<a id="pag-174" name="pag-174">174</a>]</span> + +És um anão Torquemada +com pretensões a Vestal, +fructo da copla carnal +do author da <em>Besta esfolada</em> +e do esfolado animal?... + +Não és coisa alguma d'estas? +Então, ó santinho, o que és? +Pedes p'r'a missa das dez, +ou tocas órgão nas festas +e dás aos folles co'os pés? + +Pela linguagem rasteira +comtigo decerto dou. +Se pae não és, és avô +da que chamas regateira, +da propria filha da Angot. + +E a neta engeitas?... e á neta +condemnas a phrase chã? +Que cheira mal a hortelã +dizêl-o póde, pateta, +a vil cebola albarrã?<span class="pagenum">[<a id="pag-175" name="pag-175">175</a>]</span> + +É franca? P'ra sempre o seja. +Vale mais ter esse dom +que ser beato e maçon +e berrar que é contra a Egreja +<em>colhér e trolha!...</em> Chiton! + +Mostra uma perna? Essa é boa! +Olhem lá co'o que elle vem! +Mostrou uma? Pois tambem +você percorre Lisboa +mostrando as quatro que tem. + +Ó sociedade corrupta!... +Ó moralista infeliz!... +que viste a perna da actriz +e em vez de beber cicuta +vaes beber... ao chafariz! + +Eu sei que o mundo é doente. +Tem um scirro que o corroe. +Além d'isso ao fraco heroe +doe-lhe inda a raiz do dente +que foi arrancar a Alcoy.<span class="pagenum">[<a id="pag-176" name="pag-176">176</a>]</span> + +Ao mais pequeno symptoma +que indique augmento do mal +recresce a faina geral. +Com papas lhe acode Roma +na região temporal; + +Dá-lhe sangrias Castella; +põe-lhe um cauterio o allemão, +emquanto mata o capão +e ferve á pressa a panella +a Italia no seu vulcão. + +Em França a magna assemblea +revôlta, ignara, loquaz, +discute se é agua raz +ou se é forca a panacea +n'este momento efficaz. + +Seguindo o fraterno impulso, +o frio, sizudo inglez +chega-se ao leito do endez +e diz, tomando-lhe o pulso: +<em>Inda não vae d'esta vez.</em><span class="pagenum">[<a id="pag-177" name="pag-177">177</a>]</span> + +E o pai da magra Siberia, +o grande doutor Moscow, +da casa de Deus avô +brama:—<em>Pois se a coisa é séria, +ó rapazinhos, lá vou.</em> + +Mas tu co'os teus alfarrabios +e com teu surriso alvar +é vêr, apalpar, e... obrar. +Podera! Que valem sabios +onde apparece o alveitar?... + +Assim, receitas á antiga: +«Dois grãos de moral... de Adão, +que andou nú e foi burlão. +Com elles faça uma figa, +raspe, e metta de infusão. + +«Deite depois disciplinas +com ponta de pita e nó. +Misture São Pedro em pó, +e co'as minhas proprias clinas +fomente o enfermo sem dó.<span class="pagenum">[<a id="pag-178" name="pag-178">178</a>]</span> + +«Note bem. Rigor na dieta +de acepipes liberaes. +Não cheirar sequer jornaes. +Se a cura for incompleta +dê-lhe mais... e mais... e mais!» + +O mau, o peior, o diabo, +ó cego Miramolim, +é que essa droga ruim +por um triz que já deu cabo +do mundo vezes sem fim. + +Não faças mais medicina +que o tempo gastas em vão; +e, se és tolo ou charlatão, +grunhe contra a tua sina, +mas contra mim, isso não. + +Porque andei lá na botica +de <em>avantal</em> e braços nús, +porque os xaropes compuz, +mais e mais se justifica +meu tédio pelo alcaçuz.<span class="pagenum">[<a id="pag-179" name="pag-179">179</a>]</span> + +E se a <em>Nação</em> me deu mama, +se ao collo trazer-me quiz, +porque estranhas se lhe eu fiz +no regaço e p'ra tal ama +o que faz todo o petiz?! + +Sob a campa que os encerra +deixa tranquillos os meus. +Não chames, rei dos pygmeus, +para as contendas da terra +aquelles que estão com Deus. + +Do seu tempo honradamente +seguiram costume e lei. +Com ser do meu provarei +que amo a patria, a minha gente, +e o seu exemplo imitei. + +E se algum, velha maluca, +surgisse da eterna paz, +de provar-me era incapaz, +que os olhos estão na nuca; +que o <em>direito</em> é andar p'ra traz.<span class="pagenum">[<a id="pag-180" name="pag-180">180</a>]</span></pre> + +<p><span class="pagenum">[<a id="pag-181" name="pag-181">181</a>]</span></p> + +<h2><em>SENTENÇA</em></h2> +<pre>Estes autos correndo folha a folha, +d'elles fica provado á saciedade +que tem bolha a <em>Nação</em>, e que tem bolha + o Palha da Trindade. +Marfára-se o jornal só porque em scena + mostrára certa artista +uma das pernas gordas, e essa—obscena,<span class="pagenum">[<a id="pag-182" name="pag-182">182</a>]</span> +O Palha redarguiu: que era uma pena + e, mais, uma injustiça +tratar como se fôra de corista +a perna d'uma actriz—das de mão cheia; + —que a perna era a cubiça + do velho jornalista; +—que o ferro d'elle, o ferro... era que a meia +cobrisse aquella gambia tão roliça; + por fim—que era um sacrista... +insulto enorme a quem ajuda á missa! + + Ás partes deu-se vista +da perna questionada. Era postiça. + +Recalcitra a <em>Nação</em>, accesa em febre: +—que fôra burla torpe, e facto novo +em terra portugueza, dar-se ao povo + um gato em vez de lebre. +—Que falsa ou verdadeira a perna fosse, +de rama d'algodão, ou simples cana, +sempre era perna, e <em>gratis</em> dava um dôce +a quem de lhe morder não désse a gana. + D'ahi a grave offensa +á pureza moral da raça humana; + a indignação immensa +d'uma sã consciencia ultramontana!<span class="pagenum">[<a id="pag-183" name="pag-183">183</a>]</span> +—Que o Palha tambem fôra antigamente + irmão na sacristia +levantando a ração, conforme a havia, + e sempre com bom dente. + —Que lá n'um bello dia +fugira como um burro cacilheiro +sem lhe gritarem: <em>Chó!...</em> Que santa gente! + +Que o réles emprezario, tendo o fito + nas cruzes do dinheiro, + trazia todo inteiro, +aos pinchos, dentro em si, um vil cabrito: +a fórma d'animal mais predilecta + do Belzebuth maldito +quando a noss'alma empanzinar projecta. +—Que os paes, avós, emfim toda a Palhada +que jaz na cova, qual vivera, honrada, + por causa da tal perna + ficára condemnada +d'uma eterna vergonha á dôr eterna. +O réo contesta, e diz: + —Que era verdade + haver por lá andado; + mas n'uma tal edade +que não chegára nunca a ser ferrado. + —Que o tinham n'um cerrado<span class="pagenum">[<a id="pag-184" name="pag-184">184</a>]</span> +onde brotava apenas a Saudade; + constante era a estiagem; + o ceu caliginoso; +de lagrimas sómente a beberagem; +por festa o cardo; espinhos só por goso. +—Que tiritando ali, aguado o pêllo, + extincto o movimento, +transportado se vira n'um momento +ás pávidas mansões do eterno gêlo. +—Que, lá muito de longe, a Liberdade + lhe fez então negaças. + +«Tens frio?... Vem. Aqueço. A escuridade +é de razão deixal-a á sepultura, +veu das caveiras, manto das carcassas! +Chama-te a luz! a luz que vem da altura +dos iriados ceus!... Surge!... Caminha!... +Quanto mais caminhar a humanidade +do espirito de Deus mais se avisinha.» + +Apoz da seducçáo d'aquelle canto, + ouvindo aquelles hymnos, +homem por elles feito, erguida a fronte, +partira ancioso em busca do horisonte<span class="pagenum">[<a id="pag-185" name="pag-185">185</a>]</span> +onde, envolvida em nimbos purpurinos, + c'roada d'amaranto, + a deusa refulgia. +Partira. Fôra. E não se arrependia. + +Conspurcal-a pretendem? Na passagem +cospem-lhe insultos? Baixam-lhe a pagode +o templo augusto? Arrastam-na á voragem? +Ella é pura sempre; é sempre forte! +Póde velar seu rosto; só não póde, +sem que renasça, captival-a a morte! + +E disse mais. E disse d'esta sorte: +—Que mesmo ao Santo Padre, e mais é santo, +não faz o dinheirinho um mau cabello... +nem, em nome de Pedro, recebêl-o. +Para engeital-o, em menospreço tel-o, +nas mãos como José largar-lhe o manto, +um pobre peccador e Belisario, + seria necessario + que fosse um dromedario; + que fosse um gran camêlo! + +—Que exhibir uma perna no theatro +não era nada comparado ás quatro<span class="pagenum">[<a id="pag-186" name="pag-186">186</a>]</span> +sobre as quaes a <em>Nação</em> a qualquer hora +vae, cabisbaixa, manquejando legoas +por esse paiz fóra. + + —Que em seu rancor profundo, +sendo christã, não dera ao menos tregoas +áquelles que dormiam descançados + nas sombras do outro mundo!... + Coitados!... + Sim; coitados! +Empenharam-se juntos na batalha +em pró do mesmo rei. Nos mesmos fossos +o mesmo pó morderam. Na mortalha +nem isso lhes valeu! + Ai! pobres ossos! + +Ouvidos por tal fórma ambos os lados; +e + —Sendo mais que certo +que a folha authora, os olhos pondo em Christo, +por um cantinho d'elles já tem visto +pernas no palco, e pernas mais ao perto, +sem que torça o nariz ou mostre nojo;<span class="pagenum">[<a id="pag-187" name="pag-187">187</a>]</span> +—Não podendo a Moral chegar tão longe +que exija a cada canto um Varatojo, +nem de cada mortal engendre um monge + dormindo sobre o tojo; +e + Visto que a <em>Nação</em> no seu ataque +foi rude, e foi cruel, e deu motivo + do Palha ao fogo vivo + que a poz, no ardor do saque, +pouco mais, pouco menos, como um crivo; + +—Sendo que o Palha, embora na defeza, + faltou ás leis da guerra +contundindo a <em>Nação</em> prostrada em terra; +inutil, bestial, impia fereza, +inda em cima aggravada na certeza +de estar sovando um martyr; + Attendendo +a ter o mesmo reu a consciencia + do mal que procedia +quando, esquecendo a antiga convivencia + por futil ninharia, +em vez de lhe deitar logo um remendo +se poz a esg'ravatar na porcaria; +Manda a Justiça, a cega, a que é machucha, + a pomba immaculada, + a fossil que nem chucha<span class="pagenum">[<a id="pag-188" name="pag-188">188</a>]</span> +nem consente sequer em ser chuchada; +ordena a incorruptivel,—Deus lhes valha!... +que vejam bruxa os dois! Veja uma bruxa +a bruxa da <em>Nação</em>! Veja outra o Palha. + +Assim, condemno os dois da vida airada. + +Em castigo ao jornal seja o Libello, +n'um livro, publicado. E que o releia, +(pequena penitencia ao grande excesso!) +quem á bilis soez abriu a veia. +Saibam-lhe a fel, e trinque-os sempre á ceia, +os fructos do seu odio! + Dal-o ao prelo, +dar-se a si mesmo em elzevir impresso, +jungidos ambos, presos n'um só elo, +do Palha a pena seja, e o seu flagello! + + Na mesma falta incursos, +e n'outra falta ainda, a de recursos, +paguem os dois as custas do processo.<span class="pagenum">[<a id="pag-189" name="pag-189">189</a>]</span></pre> + +<h2><em>INDICE</em></h2> + +<table style="font-size: small;" summary="Indice"> + <tbody> + <tr> + <td> </td> + <td><em>Pag.</em></td> + </tr> + <tr> + <td>Dona Morte</td> + <td><a href="#pag-7">7</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Por fim</td> + <td><a href="#pag-17">17</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Carta ao Conde d'Almedina, Inspector da Academia Real de + Bellas-Artes, que no estrangeiro sollicitou uma commenda para o + author</td> + <td><a href="#pag-23">23</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Requerimento</td> + <td><a href="#pag-27">27</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Prefacio d'um livro inedito</td> + <td><a href="#pag-33">33</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Mal por mal</td> + <td><a href="#pag-35">35</a></td> + </tr> + <tr> + <td>A uma creatura</td> + <td><a href="#pag-39">39</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Além da campa</td> + <td><a href="#pag-45">45</a></td> + </tr> + <tr> + <td>A Julio Cesar Machado, que em folhetim do <em>Diario de Noticias</em> + dirigira ao author phrases benevolas</td> + <td><a href="#pag-47">47</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Dies iræ</td> + <td><a href="#pag-53">53</a></td> + </tr> + <tr> + <td>O meu tinteiro</td> + <td><a href="#pag-57">57</a></td> + </tr> + <tr> + <td>A Venus nova</td> + <td><a href="#pag-63">63</a></td> + </tr> + <tr> + <td>O lobo e o cão</td> + <td><a href="#pag-67">67</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Deus e o Amor</td> + <td><a href="#pag-71">71</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Enteada</td> + <td><a href="#pag-87">87</a></td> + </tr> + <tr> + <td>N'um album</td> + <td><a href="#pag-89">89</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Raphaela</td> + <td><a href="#pag-91">91</a></td> + </tr> + <tr> + <td>As minhas memorias</td> + <td><a href="#pag-119">119</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Estrella cadente</td> + <td><a href="#pag-121">121</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Ao actor João Anastacio Rosa que, na sua officina de sapateiro, + mandára fazer para uso do author umas botas impermeaveis</td> + <td><a href="#pag-129">129</a></td> + </tr> + <tr> + <td>As rãs pedindo rei</td> + <td><a href="#pag-133">133</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Onze de Novembro</td> + <td><a href="#pag-139">139</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Assim é que eu gosto d'ella!</td> + <td><a href="#pag-143">143</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Em Cintra</td> + <td><a href="#pag-153">153</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Pedindo o indulto d'um alumno militar que em 1872 foi expulso do + Lyceu de Lisboa por não haver restituido a outro alumno um livro que + lhe pedira emprestado</td> + <td><a href="#pag-163">163</a></td> + </tr> + <tr> + <td><span class="sc">Processo</span> (1875):</td> + <td></td> + </tr> + <tr> + <td>Libello</td> + <td><a href="#pag-167">167</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Contrariedade</td> + <td><a href="#pag-173">173</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Sentença</td> + <td><a href="#pag-181">181</a></td> + </tr> + </tbody> +</table> + + + + + + + +<pre> + + + + + +End of the Project Gutenberg EBook of Musa Velha, by Francisco Palha + +*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK MUSA VELHA *** + +***** This file should be named 27940-h.htm or 27940-h.zip ***** +This and all associated files of various formats will be found in: + https://www.gutenberg.org/2/7/9/4/27940/ + +Produced by Pedro Saborano + +Updated editions will replace the previous one--the old editions +will be renamed. + +Creating the works from public domain print editions means that no +one owns a United States copyright in these works, so the Foundation +(and you!) can copy and distribute it in the United States without +permission and without paying copyright royalties. Special rules, +set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to +copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to +protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. Project +Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you +charge for the eBooks, unless you receive specific permission. If you +do not charge anything for copies of this eBook, complying with the +rules is very easy. You may use this eBook for nearly any purpose +such as creation of derivative works, reports, performances and +research. They may be modified and printed and given away--you may do +practically ANYTHING with public domain eBooks. Redistribution is +subject to the trademark license, especially commercial +redistribution. + + + +*** START: FULL LICENSE *** + +THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE +PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK + +To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free +distribution of electronic works, by using or distributing this work +(or any other work associated in any way with the phrase "Project +Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full Project +Gutenberg-tm License (available with this file or online at +https://gutenberg.org/license). + + +Section 1. General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tm +electronic works + +1.A. By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm +electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to +and accept all the terms of this license and intellectual property +(trademark/copyright) agreement. If you do not agree to abide by all +the terms of this agreement, you must cease using and return or destroy +all copies of Project Gutenberg-tm electronic works in your possession. +If you paid a fee for obtaining a copy of or access to a Project +Gutenberg-tm electronic work and you do not agree to be bound by the +terms of this agreement, you may obtain a refund from the person or +entity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8. + +1.B. "Project Gutenberg" is a registered trademark. It may only be +used on or associated in any way with an electronic work by people who +agree to be bound by the terms of this agreement. There are a few +things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works +even without complying with the full terms of this agreement. See +paragraph 1.C below. There are a lot of things you can do with Project +Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement +and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic +works. See paragraph 1.E below. + +1.C. The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation" +or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project +Gutenberg-tm electronic works. Nearly all the individual works in the +collection are in the public domain in the United States. If an +individual work is in the public domain in the United States and you are +located in the United States, we do not claim a right to prevent you from +copying, distributing, performing, displaying or creating derivative +works based on the work as long as all references to Project Gutenberg +are removed. Of course, we hope that you will support the Project +Gutenberg-tm mission of promoting free access to electronic works by +freely sharing Project Gutenberg-tm works in compliance with the terms of +this agreement for keeping the Project Gutenberg-tm name associated with +the work. You can easily comply with the terms of this agreement by +keeping this work in the same format with its attached full Project +Gutenberg-tm License when you share it without charge with others. + +1.D. The copyright laws of the place where you are located also govern +what you can do with this work. Copyright laws in most countries are in +a constant state of change. If you are outside the United States, check +the laws of your country in addition to the terms of this agreement +before downloading, copying, displaying, performing, distributing or +creating derivative works based on this work or any other Project +Gutenberg-tm work. The Foundation makes no representations concerning +the copyright status of any work in any country outside the United +States. + +1.E. Unless you have removed all references to Project Gutenberg: + +1.E.1. The following sentence, with active links to, or other immediate +access to, the full Project Gutenberg-tm License must appear prominently +whenever any copy of a Project Gutenberg-tm work (any work on which the +phrase "Project Gutenberg" appears, or with which the phrase "Project +Gutenberg" is associated) is accessed, displayed, performed, viewed, +copied or distributed: + +This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with +almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or +re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included +with this eBook or online at www.gutenberg.org + +1.E.2. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is derived +from the public domain (does not contain a notice indicating that it is +posted with permission of the copyright holder), the work can be copied +and distributed to anyone in the United States without paying any fees +or charges. If you are redistributing or providing access to a work +with the phrase "Project Gutenberg" associated with or appearing on the +work, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1 +through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and the +Project Gutenberg-tm trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or +1.E.9. + +1.E.3. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is posted +with the permission of the copyright holder, your use and distribution +must comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additional +terms imposed by the copyright holder. Additional terms will be linked +to the Project Gutenberg-tm License for all works posted with the +permission of the copyright holder found at the beginning of this work. + +1.E.4. Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg-tm +License terms from this work, or any files containing a part of this +work or any other work associated with Project Gutenberg-tm. + +1.E.5. Do not copy, display, perform, distribute or redistribute this +electronic work, or any part of this electronic work, without +prominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 with +active links or immediate access to the full terms of the Project +Gutenberg-tm License. + +1.E.6. You may convert to and distribute this work in any binary, +compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including any +word processing or hypertext form. However, if you provide access to or +distribute copies of a Project Gutenberg-tm work in a format other than +"Plain Vanilla ASCII" or other format used in the official version +posted on the official Project Gutenberg-tm web site (www.gutenberg.org), +you must, at no additional cost, fee or expense to the user, provide a +copy, a means of exporting a copy, or a means of obtaining a copy upon +request, of the work in its original "Plain Vanilla ASCII" or other +form. Any alternate format must include the full Project Gutenberg-tm +License as specified in paragraph 1.E.1. + +1.E.7. Do not charge a fee for access to, viewing, displaying, +performing, copying or distributing any Project Gutenberg-tm works +unless you comply with paragraph 1.E.8 or 1.E.9. + +1.E.8. You may charge a reasonable fee for copies of or providing +access to or distributing Project Gutenberg-tm electronic works provided +that + +- You pay a royalty fee of 20% of the gross profits you derive from + the use of Project Gutenberg-tm works calculated using the method + you already use to calculate your applicable taxes. The fee is + owed to the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, but he + has agreed to donate royalties under this paragraph to the + Project Gutenberg Literary Archive Foundation. Royalty payments + must be paid within 60 days following each date on which you + prepare (or are legally required to prepare) your periodic tax + returns. Royalty payments should be clearly marked as such and + sent to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation at the + address specified in Section 4, "Information about donations to + the Project Gutenberg Literary Archive Foundation." + +- You provide a full refund of any money paid by a user who notifies + you in writing (or by e-mail) within 30 days of receipt that s/he + does not agree to the terms of the full Project Gutenberg-tm + License. You must require such a user to return or + destroy all copies of the works possessed in a physical medium + and discontinue all use of and all access to other copies of + Project Gutenberg-tm works. + +- You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any + money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the + electronic work is discovered and reported to you within 90 days + of receipt of the work. + +- You comply with all other terms of this agreement for free + distribution of Project Gutenberg-tm works. + +1.E.9. If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm +electronic work or group of works on different terms than are set +forth in this agreement, you must obtain permission in writing from +both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael +Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark. Contact the +Foundation as set forth in Section 3 below. + +1.F. + +1.F.1. Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable +effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread +public domain works in creating the Project Gutenberg-tm +collection. Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic +works, and the medium on which they may be stored, may contain +"Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or +corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual +property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a +computer virus, or computer codes that damage or cannot be read by +your equipment. + +1.F.2. LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the "Right +of Replacement or Refund" described in paragraph 1.F.3, the Project +Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project +Gutenberg-tm trademark, and any other party distributing a Project +Gutenberg-tm electronic work under this agreement, disclaim all +liability to you for damages, costs and expenses, including legal +fees. YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICT +LIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSE +PROVIDED IN PARAGRAPH F3. YOU AGREE THAT THE FOUNDATION, THE +TRADEMARK OWNER, AND ANY DISTRIBUTOR UNDER THIS AGREEMENT WILL NOT BE +LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR +INCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCH +DAMAGE. + +1.F.3. LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover a +defect in this electronic work within 90 days of receiving it, you can +receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a +written explanation to the person you received the work from. If you +received the work on a physical medium, you must return the medium with +your written explanation. The person or entity that provided you with +the defective work may elect to provide a replacement copy in lieu of a +refund. If you received the work electronically, the person or entity +providing it to you may choose to give you a second opportunity to +receive the work electronically in lieu of a refund. If the second copy +is also defective, you may demand a refund in writing without further +opportunities to fix the problem. + +1.F.4. Except for the limited right of replacement or refund set forth +in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER +WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO +WARRANTIES OF MERCHANTIBILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE. + +1.F.5. Some states do not allow disclaimers of certain implied +warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages. +If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the +law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be +interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by +the applicable state law. The invalidity or unenforceability of any +provision of this agreement shall not void the remaining provisions. + +1.F.6. INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the +trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone +providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance +with this agreement, and any volunteers associated with the production, +promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works, +harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees, +that arise directly or indirectly from any of the following which you do +or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm +work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any +Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause. + + +Section 2. Information about the Mission of Project Gutenberg-tm + +Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of +electronic works in formats readable by the widest variety of computers +including obsolete, old, middle-aged and new computers. It exists +because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from +people in all walks of life. + +Volunteers and financial support to provide volunteers with the +assistance they need are critical to reaching Project Gutenberg-tm's +goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will +remain freely available for generations to come. In 2001, the Project +Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure +and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations. +To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation +and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4 +and the Foundation web page at https://www.pglaf.org. + + +Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive +Foundation + +The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit +501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the +state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal +Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification +number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at +https://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg +Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent +permitted by U.S. federal laws and your state's laws. + +The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S. +Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered +throughout numerous locations. Its business office is located at +809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email +business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact +information can be found at the Foundation's web site and official +page at https://pglaf.org + +For additional contact information: + Dr. Gregory B. Newby + Chief Executive and Director + gbnewby@pglaf.org + + +Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg +Literary Archive Foundation + +Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide +spread public support and donations to carry out its mission of +increasing the number of public domain and licensed works that can be +freely distributed in machine readable form accessible by the widest +array of equipment including outdated equipment. Many small donations +($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt +status with the IRS. + +The Foundation is committed to complying with the laws regulating +charities and charitable donations in all 50 states of the United +States. Compliance requirements are not uniform and it takes a +considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up +with these requirements. We do not solicit donations in locations +where we have not received written confirmation of compliance. To +SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any +particular state visit https://pglaf.org + +While we cannot and do not solicit contributions from states where we +have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition +against accepting unsolicited donations from donors in such states who +approach us with offers to donate. + +International donations are gratefully accepted, but we cannot make +any statements concerning tax treatment of donations received from +outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff. + +Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation +methods and addresses. Donations are accepted in a number of other +ways including including checks, online payments and credit card +donations. To donate, please visit: https://pglaf.org/donate + + +Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic +works. + +Professor Michael S. Hart was the originator of the Project Gutenberg-tm +concept of a library of electronic works that could be freely shared +with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project +Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support. + + +Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed +editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S. +unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily +keep eBooks in compliance with any particular paper edition. + + +Most people start at our Web site which has the main PG search facility: + + https://www.gutenberg.org + +This Web site includes information about Project Gutenberg-tm, +including how to make donations to the Project Gutenberg Literary +Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to +subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks. + + +</pre> + +</body> +</html> diff --git a/LICENSE.txt b/LICENSE.txt new file mode 100644 index 0000000..6312041 --- /dev/null +++ b/LICENSE.txt @@ -0,0 +1,11 @@ +This eBook, including all associated images, markup, improvements, +metadata, and any other content or labor, has been confirmed to be +in the PUBLIC DOMAIN IN THE UNITED STATES. + +Procedures for determining public domain status are described in +the "Copyright How-To" at https://www.gutenberg.org. + +No investigation has been made concerning possible copyrights in +jurisdictions other than the United States. Anyone seeking to utilize +this eBook outside of the United States should confirm copyright +status under the laws that apply to them. diff --git a/README.md b/README.md new file mode 100644 index 0000000..ec7d9d4 --- /dev/null +++ b/README.md @@ -0,0 +1,2 @@ +Project Gutenberg (https://www.gutenberg.org) public repository for +eBook #27940 (https://www.gutenberg.org/ebooks/27940) |
