summaryrefslogtreecommitdiff
diff options
context:
space:
mode:
-rw-r--r--.gitattributes3
-rw-r--r--27940-8.txt3879
-rw-r--r--27940-8.zipbin0 -> 49125 bytes
-rw-r--r--27940-h.zipbin0 -> 53701 bytes
-rw-r--r--27940-h/27940-h.htm3924
-rw-r--r--LICENSE.txt11
-rw-r--r--README.md2
7 files changed, 7819 insertions, 0 deletions
diff --git a/.gitattributes b/.gitattributes
new file mode 100644
index 0000000..6833f05
--- /dev/null
+++ b/.gitattributes
@@ -0,0 +1,3 @@
+* text=auto
+*.txt text
+*.md text
diff --git a/27940-8.txt b/27940-8.txt
new file mode 100644
index 0000000..8f539f5
--- /dev/null
+++ b/27940-8.txt
@@ -0,0 +1,3879 @@
+The Project Gutenberg EBook of Musa Velha, by Francisco Palha
+
+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
+almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
+re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
+with this eBook or online at www.gutenberg.org
+
+
+Title: Musa Velha
+
+Author: Francisco Palha
+
+Release Date: January 31, 2009 [EBook #27940]
+
+Language: Portuguese
+
+Character set encoding: ISO-8859-1
+
+*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK MUSA VELHA ***
+
+
+
+
+Produced by Pedro Saborano
+
+
+
+
+
+MUSA VELHA
+
+Porto: 1883--Typ. de A. J. da Silva Teixeira
+62, Rua da Cancella Velha, 62
+
+
+FRANCISCO PALHA
+
+MUSA VELHA
+
+
+PORTO
+
+ERNESTO CHARDRON, EDITOR
+
+1883
+
+
+ _Virgem dos olhos negros, se em tua alma
+ memoria inda conservas d'outro tempo,
+ só tu entenderás porque este livro
+ ousa ás trevas fugir, e o sol encara;
+ mas como quem escreve e quem publica
+ não perde tempo, nem dinheiro gasta
+ para teus ocios entreter sómente,
+ deixa-me vêr se á força de assignantes,
+ de venda avulsa, exemplares de mofo,
+ ha mais no mundo quem me entenda e leia._
+
+
+
+
+_DONA MORTE_
+
+
+Deu na tonta de entrar na minha escada
+ á Dona Morte um dia.
+ A pobre anda estafada
+do continuo ceifar desde que ao nada
+por divinaes processos da alchimia
+ a terra foi roubada.
+
+ *
+
+Da comprida queixola desdentada
+esta sentida nenia lhe saía:
+ --Senhor! forte estopada!
+Sem poisar a caveira o mundo corro.
+Em toda a parte estou. A toda a hora
+prostro alguem a meus pés, e geme, e chora
+por minha culpa alguem! Nenhuma aurora,
+ de luz nenhuma o jorro,
+as orbitas vazias me alumia!...
+Nunca uma esp'rança! nunca uma alegria!
+Á dôr alheia pondo um suave termo
+só a minha o não tem!... Só eu não morro
+emquanto o mundo não tornar um ermo!...
+Á obra! Á obra!--
+ E lepida subindo
+ tocou a campainha:
+um lugubre tocar que dava medo;
+que não mais deixarei de estar ouvindo,
+e fez com que eu então, muito em segredo,
+ rezasse a ladainha.
+
+ *
+
+Era um simples aviso, pois que a porta
+por si se escancarou e deu entrada
+ áquella feia ossada
+de vermes revestida, e negra, e torta,
+de mim ha longo tempo enamorada.
+
+ --Senhora Morte, viva!--
+disse ao vêl-a, fingindo animo forte;
+mas cá por dentro, como a sensitiva
+n'haste as folhas retráe que lh'as não córte
+ quem d'ella se aproxima
+e levemente a mão lhe põe por cima,
+cá por dentro a minh'alma, em pasmo estranho
+por vêr-se em tão cruel extremidade,
+foi-se encolhendo até ser do tamanho
+ d'um reles feijão frade!
+
+ *
+
+ --Desculpe a impertinencia--
+continuei.--Como é que usam tratal-a?
+ Por tu? Por _Excellencia_
+como é hoje tratada toda a gente?--
+ «A mim é-me indifferente.
+Não faz ninguem de tal miseria gala
+no reino onde eu impero.»
+ Esta resposta
+me deu a Dona Morte, e junto ao leito,
+onde eu espreguiçava a mandrieira,
+ chegou; puxou cadeira;
+sentou-se gravemente, sobreposta
+uma rótula n'outra.
+ Com effeito
+mau é vêl-a!... peior á cabeceira!
+E poz-me a fria mão aqui no peito.
+«Que bons pulmões tens tu! e como pulsa
+na tua idade o coração ainda
+pelas paixões mundanas agitado!»
+--Então...--volvi com voz menos convulsa--
+inda tenho a viver um bom bocado?!--
+ «Conforme. Tudo finda
+quando me apraz e breve.»
+ --Se ao teu lado
+para afastar-te eu não chamar a Siencia.--
+«Dou-te um dôce que a chames! Cáe tu n'essa!
+descobriste a maneira, tem paciencia,
+de eu carregar comtigo mais depressa.»
+
+--Banal! Banal! Cuidei que era outra coisa--
+rosnei com meus botões.--Um vende bolas,
+um palurdio qualquer vindo de Loiza,
+da Lourinhã, do inferno, esta sandice
+ancho diria qual a Morte a disse.
+
+ *
+
+Ella no entanto, um pé bamboleando,
+co'as phalanges dos dedos descarnados
+batendo sobre a tibia, ia soltando
+ uns sons de castanholas
+com que sóe convocar gatos pingados
+ás grandes, funerarias cabriolas.
+ Após pequena pausa
+de subito se ergueu.
+ «Não ha remedio!
+ Deixar-te vou por causa
+d'uns ganchitos que tenho aqui no predio.
+O cónego não dorme ha tres semanas.
+Rouba-lhe o ar a suffocante angina
+ que o peito dilacera.
+Tem esgotado as provações humanas.
+Na longa vida santamente austera
+fez jus, coitado! á compaixão divina.
+ Melhor que o da morphina,
+premio á virtude, um somno lhe preparo
+brando, quieto, sereno como um lago.
+Apanha o padre agora! e apanha, é claro,
+quem lhe abichar na Sé o logar vago.
+O conego aviado, tenho uns planos
+de ir tocar no ferrolho ao conselheiro.
+Quero abater-lhe a prôa!... Setenta annos
+ e sóbe inda lampeiro
+outros tantos degraus!... Então córado!
+ redondo!... Uma cereja!...
+ E como se espenneja
+quando vae pela rua engravatado,
+para as moças olhando ás furtadellas
+como quem diz: _Assim quisessem ellas!_
+Chucha um pisco ao jantar; um pisco á ceia.
+ Por não dormir de tarde
+nem trazer nunca a barriguinha cheia
+considera-se livre do meu jugo
+ e d'isso faz alarde!
+Pois tu vaes vêr, fradinho de sabugo!»
+
+ Travou da arqueada foice;
+disse-me:--«Adeus! Eu volto. Eu volto. Espera»:
+ virou a espinha, e foi-se.
+
+ *
+
+Sim, que te espero! Aqui te aguardo, ó fera!
+
+ *
+
+Mal passado um minuto, instantes, penso,
+portas a abrir-se, gente que subia
+resmoneando latim, e cheiro a incenso,
+o _opoponax_ da velha liturgia.
+
+Desci. Curvei-me. Bemaventurado
+aquelle que tem fé! Como um soldado,
+firme em seu posto o conego morria.
+
+ *
+
+Volto a casa. Corri logo á janella.
+Nos amplos ceus azues esmorecia
+a luz d'um sol d'abril. Do floreo seio
+perfumes exhalava a Primavera
+fallando-me por modo que a entendia.
+Quanto distava, quão diversa que era
+ da outra scena aquella!
+Então clamei: _Em ti, meu Deus, eu creio!_
+
+Um mez depois alguem contar-me veio:
+--Lá puxou o visinho aqui do lado!
+Hontem, depois do chá e o rol escripto,
+saíu da mesa, deu-lhe uma tontura,
+rodopiou, caíu na sepultura
+co'a paz na consciencia e o palito
+no canto inda da bocca!--
+
+ No outro dia
+foi-se o bom conselheiro, encaixotado,
+ direito ao cemiterio.
+ Na turba que o seguia
+havia quem dissesse: _Um homem sério!_
+ E tudo era acabado.
+
+ *
+
+Chega-me agora a vez. Prompto! Presente!
+Prompto sou a marchar!... mas descontente.
+Não que eu tema morrer. Quem morre inteiro?
+Aquillo que me assusta, o que me aterra
+é sómente a lembrança de que á terra,
+tal qual se semeasse fava ou trigo,
+ o bruto do coveiro
+cantarolando, atirará commigo!
+
+Eu, que respiro ao sol da liberdade,
+fechado n'um segredo humido, immenso,
+frio, escuro, por toda a eternidade!
+Preso... amarrado ali! Meu nome inscripto
+n'um livro negro, em folhas côr d'ict'ricia,
+como se inscreve em notas de policia
+o nome do gatuno a quem o apito
+tranquillo não deixou bifar um lenço!
+Numerado inda em cima! numerado
+como um grilheta!... _O cento e trinta e cinco._
+de cestos de cal virgem carregado
+p'ra todo o sempre n'um caixão de zinco!...
+
+ *
+
+Não estou pelos autos. Não!... Protesto.
+Quando a morte vier por este resto,
+d'homem... de coisa... nem eu sei ao certo
+isso que fui, que sou, para o que presto:
+quando ella pois vier, e virá cedo...
+ e vem... que a sinto perto,
+ordeno que me estendam n'um penedo
+da minha amada Cintra. Redivivo,
+ á luz serena e pura
+dos puros ceus, o misero captivo
+reabrirá seus olhos porventura!
+Inda lá teu amor, tua belleza,
+a força me darão, tres _estrellinhas_,
+para affrontar a idade, a natureza,
+e triumphar do Eterno!
+ Com certeza
+que nem sequer, leitor, tu adivinhas,
+nem eu jámais direi de quem se trata.
+Bem o desejas tu, lingua de prata!
+Era um maná!
+
+ *
+
+ Ó sombra que fugiste,
+que sem cessar procuro em toda a parte
+ e não encontro nunca,
+porque é que tu não voltas, e d'est'arte
+de saudades a Dôr, teimosa, junca
+ o meu caminho triste?!
+Agora ao menos, anjo expatriado,
+ em que eu por ti resumo
+n'uma lagrima só as que hei chorado
+dês que te dei minh'alma até est'hora,
+porque é que tu não vens mostrar-me o rumo
+ do ninho teu d'outr'ora?!
+Vem! e guia-me tu n'este momento
+á dôce paz do suspirado porto!
+Foste na vida o meu maior tormento...
+Ai! Sê na morte o meu maior conforto!
+
+
+
+
+_POR FIM..._
+
+
+Tu queres, Dorinda, queres
+que eu tome os banhos da igreja?!
+Não será melhor que esteja
+de noite a fazer colheres,
+de dia a apanhar carqueja?!
+
+Pelo ceu! que o matrimonio
+não é mais que pellourinho,
+d'onde as barbas do visinho
+vemos ardendo! demonio
+disfarçado em Cupidinho.
+
+O outono com seu cortejo
+de folhas seccas no chão!
+O eterno adeus á illusão!
+O ultimo som do harpejo
+que Amor tira ao coração!
+
+O susto! a agonia! o trance
+de ir vivendo sempre á espreita
+se ha quem tornar-nos alcance,
+pois tal historia deleita,
+_altos_ heroes d'um romance.
+
+E queres, Dorinda, queres
+que eu tome os banhos da igreja?!
+Para quê? Para que veja
+que entre todas as mulheres
+uma existe que sobeja?!
+
+Não! e não! Viva o solteiro!
+Aguia voando no espaço
+sem ter certo o paradeiro,
+e cravando as garras d'aço
+nas pombas que vê primeiro!
+
+Sae, e entra, e torna fóra
+sem que ninguem lhe interrogue
+onde foi, qual é a hora,
+nem pecuinhas lhe jogue
+sobre a provavel demora;
+
+Sem que a esposa ciumenta,
+Furia, Medusa, tormenta
+de más caras, más respostas,
+invente o que o diabo inventa:
+dormir-se costas com costas.
+
+E, depois, Madame Aline
+rôa as unhas! Que se fine
+entre rendas d'Alençon!
+que o meu dinheiro não tine
+p'ra que tu andes no tom!
+
+Já vês que debalde queres
+que eu tome os banhos da igreja.
+Iça o pau da carangueja!
+Nos turcos os escaleres,
+e para o largo veleja!
+
+Mas tambem... viver sósinho!
+Sem fé... perdido... sem ninho...
+Sem se erguer uma só voz
+na aridez d'este caminho
+a Deus orando por nós!!
+
+Retornando ao lar deserto
+achar tudo a _trochemoche_!...
+O bahu sem chave e aberto
+dizendo ao larapio:--_Entrouxe,
+que você é que é o esperto!_--
+
+Sempre mal fervida a sopa!
+Sempre o café mal torrado!
+Feita a passagem na roupa
+deixando o dono enleiado
+se foi a agulha se a choupa!
+
+Se ainda, Dorinda, queres
+que eu tome os banhos da igreja,
+não descances na peleja,
+que eu sou como os malmequeres:
+_não e sim_. Louvado seja!
+
+Ai! que é bom durante os ocios,
+na fortuna e na miseria,
+achar ao lado uma Egeria
+que, em se fallando em negocios,
+não tuja sobre a materia;
+
+Que seja como a romana,
+meio amor e meio roca;
+não sáia nunca da toca
+mais que uma vez por semana,
+nem tinja o cabello d'óca;
+
+Nem, quando a afiada foice
+da vida o fio nos córte,
+de rijo invective a Sorte,
+e diga baixinho:--_Foi-se!
+Quanto és minha amiga, ó morte!_--
+
+E d'aqui outro consolo
+melhor que maracujá
+e que o dôce de tijolo:
+ter quem, a rilhar n'um bolo,
+nos julgue e chame papá!
+
+Loura criancinha meiga,
+para o pai mimo celeste,
+e para o estranho uma peste
+que emporcalha de manteiga
+as calças que a gente veste.
+
+Inda agora é que eu reparo
+nos teus olhos, creatura!
+São negros... d'um negro raro!
+Negros como a noite escura
+com seus quês d'um sol bem claro!
+
+Alto o seio e pura neve
+que mil desejos excita!
+O pé delgadinho e breve;
+e quanto a mão... Deus permitta
+que a não tenhas muito leve.
+
+Dá-me o teu braço, Dorinda.
+Vamos aos banhos da igreja.
+Certo é que não graceja
+quem diz que os refrescos, linda,
+curam toda a brotoeja.
+
+
+
+
+_CARTA_
+
+ao Conde D'Almedina, Inspector da Academia Real de Bellas-Artes,
+que no estrangeiro sollicitou uma commenda para o author
+
+
+Tratante d'inspector, cuidei-te amigo
+e sácas-te a mangar assim commigo!
+Traição! insidia! roubo! Eu, um pelintra
+que nem posso comprar um burro em Cintra,
+onde a commenda magna em chammas brilha
+sobre o manto azulado de escumilha
+que Deus usa no v'rão, e a natureza
+ironica sorri da pequeneza
+d'esta baixa comedia, eu--velho! eu--calvo!
+á publica irrisão a servir d'alvo?!...
+Qual foi meu crime? Qual? Era deveras
+menos duro entregar-me inteiro ás feras.
+Ridiculo não ha na gente morta.
+Fôra uma vez um Palha!... A questão corta
+e não se falla mais.--
+ Por não ter _guines_,
+tratante d'inspector, não me apepines.
+
+Eu amo a sombra fria. Odeio a moda.
+No bulicio d'um baile anda-me á roda
+a caixa do miolo; um labyrintho
+onde, perdido, entontecer-me sinto.
+Moem-me as praxes; pesam-me etiquetas,
+e tudo sei rasgar... menos baetas.
+Por mais que mire uns outros enfeitados,
+tão contentes de si, e tão coitados
+que julgam ser alguem!, não sei... não acho
+nem honra nem razão no berbicacho
+dourado, reluzente, sol d'esmalte,
+do qual em cada raio não ressalte,
+ante luz de gloriosa eternidade,
+um feito illustre a bem da humanidade.
+
+D'outro modo o que é? Um mau bocado
+de pão de rala a cães famintos dado:
+d'um réles charlatão a taboleta,
+na qual, quem passa, lê: _Dom Paparrêta!_
+ou lê inda peior!
+ Mette-me á bulha,
+terás aqui o rol de quanto pulha
+_grande_ se fez tal qual se torna grande
+o bácoro a fossar e a comer lande.
+_Ai! no me pique usted!_ Sob o arminho
+busca, e talvez encontres pergaminho
+lavrado a ferro e sangue, fresco ainda,
+nos coiros fuscos de infeliz cabinda.
+Nem titulos pomposos nem veneras
+valem dez reis furados n'estas eras.
+Hoje o premio a heroes dá-se ao dinheiro.
+Importa lá se é falso ou verdadeiro?!
+Comprou? Correu? O mais é tudo historia.
+Nem o nome villão fica em memoria.
+Uma coisa é escalracho, outra--papoila.
+Onde era a nódoa poz-se a lentejoila.
+
+Ha excepções, bem sei. Dou-lhes apreço.
+Morro d'amor por essas que eu conheço;
+mas como a estes raros não pertenço,
+e menos inda aos outros, o bom senso
+manda que eu te agradeça os teus favores
+e ria da mercê.
+ Quando tu fores,
+saudade ao peito, encasacado, sério,
+despedir-te de mim no cemiterio,
+verás que desço á terra, oh! vista horrenda!
+nusinho tal qual vim; e por commenda
+inerte o coração, gasto da vida
+na rude, pertinaz, obscura lida.
+
+Tu mesmo então, artista d'olho fino,
+dirás á turba:
+ «Emfim o peregrino
+na paz eterna vai dormir agora!
+Andou mettido a vida inteira á nora
+d'este poço sem fundo de miserias.
+Abusava do riso, das pilherias,
+e d'outras coisas mais em que não fallo.
+Foi Job em vez de ser Sardanapálo.
+Uma _raia_ da Sorte. Ella faz d'isto:
+dá impérios ao démo, a cruz ao Christo.
+Mas resta-nos, amigos, um consolo:
+tudo seria... excepto um grande tolo.»
+
+
+
+
+_REQUERIMENTO_
+
+
+ Meu Couto Monteiro,
+ senhor da Justiça
+que nunca, que eu saiba, saíu do tinteiro,
+e pae dos famintos que engolem á missa
+o corpo sem mancha do santo Cordeiro.
+ Não rondo as arcadas
+ fazendo-te esperas.
+ Não subo as escadas
+que ascendem aos atrios das altas espheras,
+levando no bolso memoria sebenta
+que ha mais de mil annos requer um despacho,
+nem ponho o toutiço, já calvo aos cincoenta,
+ em ar de tapete,
+ em ar de capacho,
+ no teu gabinete.
+Só quero dizer-te que tenho defronte
+ da casa onde habito
+ um sino maldito.
+ Não sei se t'o conte...
+De dia, de noite, ao sol, ao luar,
+ não faz outra coisa
+ senão badalar!
+ Nem elle repoisa
+nem deixa na rua ninguem repoisar!...
+
+Ha quem me assevere que o demo mofino
+ montado no sino
+ se foi baloiçar!...
+Baloiça-te, pêrro! Engendra um badalo
+ do vil pé caprino
+ e dá-lhe um estalo!
+ e dá-lhe a matar!
+Não tremas, sabujo! que o sino foi bento;
+mas sabes que as bençãos são cruzes no ar;
+ levou-lh'as o vento.
+
+Entrasse em teus ossos o meu rheumatismo;
+roesse a medulla; por noites e dias
+chumbasse-te o corpo n'um duro colchão;
+ então saberias,
+ ó filho do abysmo,
+ verias então
+ se assim te mexias!
+
+ O caso é que tu
+commigo caçôas e ris dos doutores,
+ pois nunca tens dôres,
+e nem te constipas! e, mais, andas nu!
+
+Parece impossivel! Dá volta á cabeça!
+Eu cá, homem serio, que gema e padeça;
+ que em vindo janeiro
+me rape um catarrho!... E haver um brejeiro
+ que passa o inverno
+ sem chuvas nem lamas!
+ quentinho nas chammas
+ do próvido inferno!
+ rival do Eterno!
+eterno elle mesmo! Sagaz Providencia,
+e és da justiça, do amor és a essencia!
+
+Bem sei que o tal sino foi feito, fundido
+na terra dos cirios, da Carta, do hymno,
+ d'aquelles quarenta
+ de pêllo na venta
+ que ao reino opprimido
+quebraram algemas d'um jugo ferino;
+e a Carta era um mytho, são presas do olvido
+os nomes e as glorias de heroes legendarios
+se os sinos dormirem nos seus campanarios
+ qual dorme a memoria
+dos feitos illustres nas sombras da Historia.
+Ó Couto Monteiro, se a Carta está morta,
+ o que é que lhe importa,
+que importa aos guerreiros em pó transformados,
+ que toque ou não toque
+nas torres da Graça, da Sé, de S. Roque,
+o sino importuno masurkas e fados?!
+Nem isso os aquece, nem ha desafôro
+qual este que os templos agora profana
+passando dos palcos aos orgãos do côro,
+aos sinos de igrejas, a copla mundana.
+
+Nem tu me perguntes: «Quem é que armarieis
+ com mais alegria
+que o meigo innocente, do somno lethal
+ que á treva o prendia,
+nos braços do Christo resurge immortal?
+Qual voz, como aquella, dos vivos implora
+por alma dos mortos a prece final?»
+Por isso!... por isso, meu Couto Monteiro!
+O vil não repica, nem geme, nem chora,
+senão por aquelles que teem dinheiro!
+
+Que nasça, que viva, que durma na valla
+quem é pobresinho, sem festas nem dobres!
+O sino só tange conforme a tabella,
+só diz:--_Baptisou-se_, dos mortos só falla
+ se o manda o _sob'rano_
+ do reino dos cobres,
+ a libra amarella!
+No ceu, felizmente, vigora outra escala
+na qual os primeiros são elles--os pobres,
+e poucos ricassos, que vão por engano.
+
+Se és, qual eu julgo, christão verdadeiro.
+ Meu Couto Monteiro,
+é justo que ponhas no prego o sineiro
+ que á patria com fome
+ propines uns nacos
+ de sino em patacos:
+ verás como os come.
+
+
+
+
+_PREFACIO D'UM LIVRO INEDITO_
+
+
+Mamãsinha impertinente,
+não te ponhas com tolices.
+Faze como se não visses
+se vires a filha innocente
+lendo as minhas criancices.
+
+Deixa vãs prohibições
+se este meu livro não queres
+escondido entre colchões,
+que é onde escondem mulheres
+livros, cartas, e... orações.
+
+Depois, o livro que ensina?
+Muita coisa boa e má
+que ha de fazer a menina
+porque tu, que és menos fina,
+as fizeste ao seu papá.
+
+E sendo condão fatal
+que a filhinha, que tu crias
+com pretensões a Vestal,
+siga o exemplo das tias
+pela influencia carnal;
+
+Ao vêr servir de palito
+n'este meu livro erudito
+tanta gente, ha de hesitar;
+e á cova irá de palmito...
+se a morte cêdo a levar.
+
+Deixa-te pois de tolices,
+mamãsinha impertinente.
+Faze como se não visses
+se vires a filha innocente
+lendo as minhas criancices.
+
+
+
+
+_MAL POR MAL..._
+
+
+Eu trago em minh'alma afflicta
+revolto mar de agonias.
+Tedio da vida os meus dias,
+as minhas noites, agita.
+
+Ó minhas crenças d'outr'ora,
+dôces amigas da infancia,
+a que longinqua distancia
+do meu peito andaes agora!
+
+N'esta cerração escura
+assim me deixaes sósinho!
+e sem que volteis ao ninho
+baixarei á sepultura!
+
+De mim te acerca bem perto,
+ó morte! No estreito abraço
+vôa commigo no espaço,
+leva-me d'este deserto!
+
+Mas se na mansão infinda,
+onde librar-me tencionas,
+nos dão as mesmas taponas
+com que a sorte aqui nos brinda;
+
+Se esguio velhote avaro
+n'essas alturas se encontra,
+com seu barrete de lontra,
+olhar e sorriso ignaro;
+
+De fallas mansas, beato
+para vêr se os santos pobres,
+saudosos dos magros cobres,
+lhe vão empenhar o fato;
+
+Se o operario, se o povo
+crê tambem que o mundo em ruina
+ha de saír da officina
+corrigido e mundo novo.
+
+E em lutas, que são eternas
+por lhe ser eterna a peia,
+quebrar pretende a cadeia
+e quebra a si proprio as pernas;
+
+Se n'esse logar bemdito
+pisamos a mesma lama
+que sobre a terra se chama
+--_O Asmodeu_,--_O Mosquito_--;
+
+Se é Mercurio almiscarado
+o filho de Compostella;
+se por ventura um Alviella
+tem lá de ser encanado;
+
+Se o Milhão é quem impera;
+se se fez Deus o egoismo;
+se ha dôres de rheumatismo,
+e nas vinhas phylloxera:
+
+Fecha, ó anjo, as negras azas!
+que em tal apuro, olha o rente!
+tanto faz morrer a gente
+como mudar-se de casas!
+
+
+
+
+_A UMA CREATURA_
+
+
+Que tens tu a dizer do teu destino?
+Que mal... que mal te fez, ingrata, a sorte?
+Desunhas-te a comer queijo londrino;
+ na polka és a mais forte;
+essa fulva cabeça de leôa
+não passa d'avellã; por isso és goso
+do bravo rapazio de Lisboa.
+Preludias na _banza_ um _rigoroso_
+que os mortos ergue, as campas despovôa.
+Desmamadinho já, em salto airoso,
+balando, os longos ecos atordôa
+ o teu futuro esposo.
+Calçando o largo pé na estreita bota
+encaixaste o Rocio na Bitesga.
+Capaz és tu de entrar, sendo janota,
+ no ceu... por uma nesga.
+
+Trazes um _dogue_ ao collo... Tens na tia
+_chaperon_ e banqueiro. Anda estafada
+a velha e mais a burra. A orthographia
+comtigo, ao vêr as duas, não quer nada.
+Quem de môlho as barbas não poria
+vendo a barba visinha incendiada?!
+Dás á lingua durante o santo dia,
+ e bates na criada!
+
+A coisa mais feliz de quanto existe
+és tu portanto. E dás então cavaco,
+maldizes, blasphemando, o mundo triste!
+ e chamas-lhe velhaco!
+
+O mundo?! O mundo o que é? Por mim supponho
+ser apenas ironica pilheria
+que Jehovah soltou quando, risonho,
+pretendeu descansar de empreza séria.
+Ha n'elle o encanto espiritual do sonho.
+Ha n'elle o encanto vil da vil materia.
+Faz rir e faz chorar, o Triboulet medonho!
+ a divinal miseria!
+
+A graça toda está n'estas _nuances_;
+nas sombras e na luz com que prepara
+da dôr e do prazer os varios lances
+ o velho Dulcamára;
+
+Nunca viste Neptuno carrancudo
+pendurar-se nas azas da procella,
+roçar as cãs no ceu e em silvo agudo
+dar por mortalha ao barco a solta vela?
+Agora não o vês sereno e mudo
+como a brincar na praia se ennovella?
+Pois similhante ao mar no mundo é tudo.
+ Resigna-te, donzella.
+
+E tudo ha de acabar, o mar e o mundo.
+Até do meu amor a intensidade
+sumir-se irá no pelago profundo
+ da fria eternidade!
+
+Eu escrevi--_amor_?! Fiz mal. É grego;
+é grego para ti: peior,--sãoskrito;
+e tu nas linguas mortas não dás rego.
+Se um dia, por acaso, o pequenito
+traquinas e cruel, alado e cego,
+tentasse dar-te um golpe... era bonito!
+Fugiria a gritar: _Armas que emprego
+ não entram no granito!_
+
+Tu partilha não tens na dôce herança
+dos anjos que voaram! Antro escuro
+a tua alma será! Nenhuma esp'rança!--
+ nenhum extasis puro!
+
+Como quando ao romper da rôxa aurora
+deslisando na valsa doidejante
+soltas da trança a rosa que descora,
+de si te apartará n'um só instante
+o louco turbilhão que te enamora.
+Pallido o rosto, o seio palpitante,
+ao ceu perguntarás na dôr d'ess'hora
+ se a morte vem distante!
+
+O vácuo! a saciedade! o horror das trevas!
+Ninguem ao pé da cruz no teu calvario!
+Por só cortejo ao cemiterio levas
+ um padre mercenario!
+
+Nem esse volta lá. Rezou, e a prece,
+em mau latim, por bons tostões foi paga.
+O fardo que largou mais não merece.
+Recebe por adeus grosseira praga
+d'um coveiro que o some, e breve esquece.
+Grão d'areia que foste ao mar co'a vaga,
+quem te busca depois? Quem te conhece?
+ Teu fim quem é que indaga?
+
+Se é tempo, ó transviada, atraz teus passos!
+Abre o teu coração. A fé te anime.
+Não ha na vida mais estreitos laços.
+ Amor tudo redime.
+
+Vêl-o-has dissipar a nevoa densa
+que o teu dia transforma em noite escura.
+Respeitada serás. Trarás, suspensa
+de teus vermelhos labios, a ventura;
+que eu não sei de ninguem a quem não vença
+puro amor abraçado á formosura.
+Serás mulher,--é essa a recompensa,
+em vez de _creatura_.
+
+Se mover-te consegue esta palestra
+manda morrer o cão no Instituto;
+compra cartilha e pedra, e prova á mestra
+ que vales mais que o bruto.
+
+Depois reforma a tia. Irá na Graça
+accender ao Senhor trezentos lumes
+por tirar-lhe do lombo essa carraça.
+Vê-se livre da espada de dois gumes
+que a burra lhe sangrava, e na carcassa
+vasto caminho abria a vãos queixumes.
+Menina, já que estás co'a mão na massa,
+ reforma os teus costumes.
+
+E como incerto é sempre o bem futuro
+e póde arrepender-se o arrependido,
+vae lá pondo, á cautela, no seguro
+ o nome do marido.
+
+
+
+
+_ALÉM DA CAMPA_
+
+(Imitação do hespanhol)
+
+
+N'um povo, perto de Cintra,
+foi o rev'rendo prior
+em fria cova depor
+o cadaver d'um pelintra
+mesmo ao pé d'um seu crédor.
+
+Apenas se viram juntos
+por toda a vida sem fim
+romperam n'um tal chinfrim
+que, dizem velhos defuntos,
+ser virgem um caso assim.
+
+«Vossê pague! ai que vae torta!»
+gritava o crédor.--Com quê?--
+gemia o outro.--Não vê
+que entrei nú aquella porta
+porque nú me poz vossê?!--
+
+E n'este rosnar eterno,
+n'este diz tu direi eu,
+o crédor, que era judeu,
+enreda o outro n'um inferno
+como o inferno em que viveu.
+
+Se em meu derradeiro instante
+eu tiver crédor voraz,
+permitte, ó Deus, se te apraz,
+que por cá fique o tratante
+p'ra que eu, morto, viva em paz.
+
+
+
+
+_A JULIO CESAR MACHADO_
+
+que em folhetim do _Diario de Noticias_ dirigira ao author
+phrases benevolas
+
+
+Ó Julio, ó meu amigo, o que disseste?
+Fallar em nós?! Fallar em mim?! Na peste
+d'esse Parnaso ignobil de ha trinta annos?
+Fui um asno sem tom, nem som, nem furo;
+uma coisa p'r'ahi entre os humanos
+como entre o trigo o joio; um insensato
+cuidando toda a vida que o futuro
+se faz sómente como o faz o gato
+por noites janeirinhas, e o menino
+d'onde ha de vir ridente, e róseo, e puro,
+é da raiz... do verso alexandrino!
+Tu verás, se viveres. O destino
+se condôa de ti a tempo e a horas,
+que eu já não temo nada. N'esta idade
+quanto mais o doutor me põe escoras
+mais depressa galopo á Eternidade.
+No dia em que florir a ideia nova
+nem restos ha de mim na escura cova.
+Depois...
+ Pensando bem, ás vezes julgo
+que não deve ser mau vêr estes numes
+na faina redemptora! E, mais, o vulgo
+já não crê n'outro Deus! Os bons costumes
+vão apanhar por fim um São Martinho
+qual nunca lhes foi dado... excepto em vinho
+que embrutece a razão! Pois com certeza
+leva uma _razzia_ o Torres e o Cartaxo!
+Ou bem que a gente é gente ou que é um cacho!
+D'amor, que é velho, temos conversado!
+Rua com elle! Amor é uma fraqueza.
+É velho e cego, e não espera luas,
+e quando lhe appetece faz das suas,
+e são as suas d'elle o vil peccado!
+Basta cortar-lhe bem a ponta da aza
+e triumpha a moral. Rapaziada,
+nunca mais andarás no mundo em braza
+ atraz da tua amada!
+
+Mudei de metro como d'alimaria
+muda Tinoco, o bravo, na tourada,
+pois quanto em verso a fórma fôr mais vária
+ menor é a massada.
+
+Calcule-se o porvir pelo presente.
+ Nós somos democratas;
+ e fique o ponto assente.
+_Noventa e tres_ é tudo quanto, em datas,
+ a Historia nos tem dado
+mais nobre, e santo, e digno de imitado.
+
+ Amor... e guilhotina!
+Luz d'uma aurora, d'um incendio chamma!
+_Mayonnaise_ de sangue e de doutrina!
+Quanto o homem sublima e quanto o infama!
+ _Noventa e tres_ e a França!
+Eis o lemma, eis o exemplo, a viva esp'rança.
+
+Anda tu cá, ó lemma, que te quero!
+Dom Bertholdinho a dar-se um ar de Nero!
+Somos, sim, democratas... á capucha;
+Marats de sêda frouxa; uma chalaça
+com Marselheza indigena,--a _Cachucha_.
+ Palavra! que tem graça!
+
+Que o bom senso, tão raro! nos acuda;
+ nos tome um dia a sério!
+Não ha Sebastião nenhum da Arruda,
+ suando phalansterio,
+que não mande estampar nos seus bilhetes
+armas ducaes, brazões de pataratas!
+Morremos por trincar a monarchia;
+mas trincamos-lhe a ceia e os sorvetes
+emquanto lá do ceu Deus não envia
+novo maná... de instituições baratas!...
+Uns typos! Bons, pacatos, sem ter odios
+nem bombas... a não ser de Santo Antonio,
+bombas de luxo, bombas só de estrondo;
+indo buscar pretextos para brodios
+ a casa do demonio,
+ e quando os não achamos
+nem dentro em nossa casa nem na estranha,
+calçado a polimento o pé redondo,
+vazio o coração, repleta a entranha,
+vêr desfilar a procissão de Ramos.
+E n'este ambiente, em pleno Rilhafolles,
+no ardor da Saturnal, sonhaste, ó Julio,
+que um velho gordo, com as carnes molles,
+ sem ter outro peculio
+além do rheumatismo, sertanejo,
+viria em _petit-maitre_ dar aos folles
+do outr'ora enamorado realejo?
+
+Desde que o maganão do deus Cupido
+não tem na aljava setta que me fira,
+ passou-me do sentido
+tudo quanto em rapaz tanto sentira.
+Rabisaltona musa é hoje em dia
+quem me ampara e conforta, e quem me inspira.
+Quando fugir, morri. Outra alegria
+qual te foi dada a ti, sol na velhice,
+conceder-m'o não quiz quem bem podia.
+ E fez uma tolice.
+Eu sei se a fez, ou não; modestia á parte.
+
+E só para dizer-te uma palavra
+d'affecto e gratidão moí d'est'arte
+a tua paciencia! Antes do Lavra
+ subisses a calçada,
+ou lesses uma peça premiada.
+Era muito, bem sei; mas era menos.
+
+Obrigado, meu Julio. Isto, em resumo,
+devera ter escripto. O mais é fumo.
+Deixa-o seguir no espaço o ignoto rumo,
+e dá saudades minhas aos pequenos.
+
+
+
+
+_DIES IRAE_
+
+
+É novembro, e faz um frio!
+Eu então é que ando em braza!
+Pudera! se o senhorio
+me pede a renda da casa!
+
+Réles cobre em vão recruto
+no lidar da vida insano.
+Desertam n'um só minuto
+as vis poupanças d'um anno.
+
+Embora á carne dê tratos,
+á velha carne exigente,
+deixando passar os pratos
+sem pôr nos piteus o dente;
+
+Embora esguia quinzena
+traga já no extremo fio,
+e córte a rara melena
+só pelas calmas, no estio:
+
+Não coalha esta formiga
+nem grão, nem sequer paveia!
+Sempre na mesma fadiga,
+enche... vasa... o pé da meia!
+
+Sob o teimoso aguaceiro
+de tanta renda de casas,
+depennado, em meu poleiro,
+metto a cabeça nas azas.
+
+Cança o sorrir da ventura;
+o rigor da sorte cança;
+só por entre o que não dura
+vae sempre durando a esp'rança.
+
+Eu espero a moradia,
+onde de graça me acoite,
+no seio da terra fria;
+nas sombras da infinda noite!
+
+Ao menos no eterno gelo,
+nos fundos antros escuros,
+não terei por pesadêlo
+meus senhorios futuros!
+
+Um é Deus: a esse um amigo
+satisfaça em padre-nossos.
+Outro é o verme: eu cá o espigo
+dando-lhe em paga os meus ossos.
+
+
+
+
+_O MEU TINTEIRO_
+
+
+Era em agosto. O norte, desabrido,
+mugindo como um toiro, sacudia
+os troncos do arvoredo. Ia-se o dia:
+um dia d'amarguras tão comprido
+que eu cheguei a pensar que a Eternidade
+nas chammas infernaes já me envolvia!
+Por meu mal terminou! que um outro veio
+depois d'aquelle, e foi peior mil vezes!
+A minha irmã, á dôce companheira
+da longinqua, saudosa mocidade,
+coubera, nova ainda, a feliz sorte
+de ter, após tres longos, tristes mezes
+d'um filho haver perdido, achado a morte.
+
+Antes d'ella expirar, á cabeceira,
+em torno do seu leito, se agrupára
+tudo quanto durante a vida inteira
+fôra por ella amado, e tanto a amára.
+Eu, fingindo sorrir, assim dizia:
+
+«Agora estás melhor. No rosto as rosas
+da antiga primavera! Olhos em fogo!
+Uns olhos como d'antes! Vês, Maria,
+que estás melhor agora?! Em desafogo
+respira o peito já! Estas nervosas
+dão vontade de rir! Que espalhafato!
+Um cortejo de coisas! Raça estranha!
+Por isso o outro fez com que a montanha
+désse, aturdindo a terra, á luz um rato!
+Vae a galope a enferma que melhora.
+Ámanhã, ou depois, saltarás fóra
+d'essa importuna cama. O que te cança
+é ter o corpo ahi. Vamos a Piza
+passar o inverno todo. Alli serenos
+são sempre os ceus. Alli tepida a briza
+dá vida a um velho! Então a uma criança!
+
+«Tontinha é o que tu és! que estás chorando!
+sem que saibas porquê, aposto, ao menos!
+Iremos todos, grandes e pequenos!
+Quasi uma romaria, um cirio, um bando
+d'alegres passarinhos chilreando
+por essa Europa além! Tu, pregoando:
+_Quem quer saude? Quem? Vende-se e dá-se!_
+irás distribuindo, co'a mão cheia
+d'essas papoilas, um _bouquet_ vermelho
+que pouco e pouco a desbotada face
+ha de tingir-te e... até fazer-te feia!»
+
+--Iremos todos, sim!--fraca, tossindo,
+a pobre interrompeu:--Sim!... Vamos _indo_.
+É então ámanhã que eu d'aqui saio?
+Depressa ámanhã vem! Dá-me esse espelho.
+Se tu não mentes devo estar um Maio!--
+Mirando-se, volveu:--A minha pena
+é que... _ellas_... me não vejam n'este instante
+em que finda a comedia e deixo a scena!
+Se eu não soubesse que este mundo é um sonho;
+se trouxesse o meu Deus de mim distante;
+como este despertar fôra medonho!--
+
+Depois foi repartindo as suas prendas
+por quantos eram lá.
+
+ --A ti... primeiro.
+Lego-te... dou-te... aquelle meu tinteiro.
+Tu fazes versos. Sei que não te emendas;
+sempre te serve aquillo!--
+
+ Desde ess'hora,
+e já lá vão cumpridos bons trinta annos,
+quando me engano a mim n'esses enganos
+da musa brincalhona, raro mólho
+a penna folgazã que me não traga
+nos bicos uma lagrima.
+
+ Ai!... Eu ólho...
+aos abysmos do mar pergunto: «A vaga,
+que eu vi sumir-se, onde é?»
+
+ E o mar afaga
+a praia em que a deixei, e vae-se embora,
+e volta, e vae! mas não responde; chora.
+
+
+
+
+_A VENUS NOVA_
+
+
+Não, Rachel, não desvario.
+Venus, o estylo é antigo,
+os seus dotes repartio
+bem largamente comtigo.
+
+Deu-te esse corpo divino!
+esses seios palpitantes!
+Fosse eu inda pequenino
+e tu minh'ama! Que instantes!
+
+Por ser branca e por ser loira
+tem o loiro em menos preço;
+por isso te deu da moira
+o negro cabello espesso.
+
+Chega aos olhos... De repente
+vê que não tem na palheta
+côr nenhuma refulgente
+para imitar um planeta.
+
+Corre logo á fonte limpa;
+e procedeu com acerto
+que em ocios não se repimpa
+quem se encontra em duro aperto.
+
+«Ó dôce noite», ella exclama.
+«Tu tens estrellas a esmo.
+Duas quero em rubra chamma,
+quasi soes; dois soes. É o mesmo.»
+
+A Noite, que é velha fina,
+e foi sempre a Venus dada,
+responde:--Minha menina,
+só para a outra fornada.--
+
+«Pois ao forno! e já! que eu pago!»
+A Noite, ouvindo-a, lampeira.
+A estrada de São Thiago
+deitou logo na caldeira.
+
+Fogo ao lado, e fogo ao centro!
+Quando a fervura era viva
+o sete-estrello p'ra dentro!
+e folhas de sensitiva!
+
+Ao cabo de poucas horas
+em duas orbitas fundas
+despejou duas auroras
+com que est'alma em luz inundas.
+
+Venus pulou de contente;
+mas depois... (que são mulheres!)
+disse á outra em tom plangente:
+«Adeus!... O que tu quizeres!...
+
+«Fizeste-a fresca! Eu reinava.
+Era no Olympo a mais bella.
+Passei de rainha a escrava.
+A Venus agora... é ella!»
+
+
+
+
+_O LOBO E O CÃO_
+
+Traducção da fabula de Lafontaine--Le Loup et le Chien
+
+
+Não tinha um lobo mais que a pelle e o osso.
+Signal é que de orelha arrebitada
+bem vigilante andava a canzoada.
+Encontra o lobo um dógue forte, grosso,
+nutrido, luzidio, uma belleza!
+que distraído abandonára a estrada.
+ Sorri-lhe a nedia preza!
+Saltar-lhe logo ali, fazêl-a em postas
+o seu desejo fôra. Dura empreza!
+A lucta era infallivel. Voltar costas
+não usam perros quando são valentes,
+e, mais, os brutos! dão ás vezes cabo
+do fero contendor! Diabo!... Diabo!
+Então aquelle, com aquelles dentes!
+
+ *
+
+Humilde o lobo, pois, encolhe a cauda;
+chega-se ao cão; abaixa-lhe a cabeça;
+puxa conversa; diz que folga em vêl-o,
+que deixe que elle admire, que elle applauda
+topal-o assim... e com tão bom cabello!...
+e rijo! e gordo! Um frade! Uma abbadessa!
+
+«Esplendido senhor»,--o cão responde;--
+«de vós depende o ter igual gordura.
+ Fugí dos bosques, onde
+ por teima da desgraça
+de fome e frio só achaes fartura,
+vós, senhor lobo, e a vossa pifia raça.
+Dias e dias sem comerem nada!
+e lá por festas, raras, esquecidas,
+um petisquinho conquistado á espada,
+ tragado ás escondidas!
+ Ahi é certa a morte!
+ Furtae-vos a seus braços!
+ Seguí... seguí meus passos;
+tereis outro destino e melhor sorte.»
+ --Mas como?--volve o lobo.
+--Fazer então que devo?--
+ «Bagatella:
+nem morte d'homem nem de egreja roubo;
+simplesmente estas coisas: não dar tregoa
+á _santa_ gente rôta, mendicante,
+bordão n'uma das mãos, n'outra a tigela,
+que vem inda a distancia d'uma legoa
+e já tresanda a essencia de tratante.
+Lamber as mãos ao dono; ser submisso...
+_dar cóca_, é o termo proprio, ao dono e a todo
+quanto bicho careta houver em casa.
+Salario apanhareis que vos apraza:
+ossos das aves, rodas de chouriço,
+restos vindos da mesa, e tudo a rôdo!
+Até uns _tagatés_ em cima d'isso!»
+
+ *
+
+Tendo prestado ao cão attento ouvido
+ o lobo, coitadinho!
+com perspectiva tal enternecido
+não tugiu nem mugiu, mas fez beicinho.
+
+ *
+
+Iam caminho já do povoado
+quando o lobo notou que no pescoço
+ o cão era pellado.
+--Que tens ahi?--pergunta em alvoroço.
+ «Nada, que eu saiba.»
+ --Nada?!--
+ «Frioleira.»
+--Mas afinal o que é?--
+ «Ora!... A colleira
+com que á noite me prendem junto á porta...»
+--Prender-te?!--o lobo exclama.--Não saes fóra,
+não corres livre pela terra inteira
+quando te dá na gana, e a toda a hora?--
+ «Nem sempre. Isso que importa?!»
+--Tanto importa que toda a trincadeira
+com que me acenas, um thesouro embora,
+por tal preço não quero.--
+ O lobo finda;
+põe-se logo na perna, e corre ainda.
+
+
+
+
+_DEUS E O AMOR_
+
+(1870)
+
+
+No ceu, cabisbaixo, o Amor
+um d'estes dias entrava.
+O pobresito levava
+impressa no rosto a dôr
+e as settas todas na aljava.
+
+Ao vêl-o o Eterno exclama:
+«Que vens tu fazer aqui?!»
+--De Lysia, meu Deus, fugi
+porque lá vivo da fama;
+os meus freguezes perdi.
+
+Busca a moça um noivo rico
+sem lhe importar nada mais.
+_São fumo as paixões e os ais;
+pintos, nina. Apanha o mico!--_
+lhe bradam os proprios paes.
+
+Por isso, feito o consorcio,
+sae da egreja o par fiel,
+e o noivo compra papel
+para requ'rer o divorcio,
+passada a lua de mel.
+
+Torto já, e á vara larga,
+o fino _dandy_ seduz.
+O mais que faz o lapuz
+quando em finezas se alarga
+é roncar: _Que tal te eu puz!_
+
+Do patrio amor todo o fogo
+traduz-se no _venha a mim_.
+Quem faz d'um jornal pasquim,
+sem trunfos entra no jogo
+e sae-se trunfo por fim.
+
+Bellini foi-se!... não presta.
+Da harmonia a nata, a flôr,
+veio encontrar successor
+no _Fado_, que é o rei da festa,
+o canto que faz _furor_!--
+
+A virgem martyr Cecilia,
+ao ouvir blasphemia tal,
+ataca o _si_ natural,
+e, pedindo um chá de tilia,
+cae em deliquio mortal.
+
+Sem reparar no que passa
+soluça o Amor e diz:
+--Murcha pende a flôr de liz.
+Jaz prostrada na desgraça
+a patria de São Luiz!
+
+O Krupp a morte semeia
+de Sarbruck até Sedan,
+e París, a cortezã,
+nas garras da fome anceia!
+Que serás, França, ámanhã?!
+
+Pois n'estes dias sombrios
+a velha Europa sagaz,
+cuidando ter um antraz,
+fez ataduras e fios
+em vez de fazer a paz!
+
+Lisboa, toda vergonhas,
+e orgulhosa, e esmoler,
+atraz ficar-lhe não quer
+e desata a fazer _monhas_;
+mas fios, nem um, sequer!
+
+Acima da humanidade
+ha n'esse bom Portugal
+o novilho e o boi real.
+A dôce fraternidade
+anda nos paus do animal.
+
+De meu seio a pura chamma
+deixa, ó Deus, arder aqui.
+De Lysia a correr fugi
+porque lá já ninguem ama
+nem mesmo, Senhor, a ti!
+
+Nem mesmo! que sem respeito
+tonsurado berrador
+troveja em voz de Stentor,
+batendo murros no peito,
+que o teu braço é vingador;
+
+Que ao reino teu infinito,
+á mansão da eterna luz,
+tua mão, Senhor, não conduz
+quem fez o enorme delicto
+de ignorar que houve Jesus;
+
+Que tu, meu Deus, que és o forte
+que destruiu Jericó,
+que és a Justiça... tu só,
+habitas n'aquella córte;
+encarnas no immundo pó!
+
+E para acabar o quadro,
+para lhe dar mais unção,
+afoga o impio sermão
+junto á cruz que está no adro
+em ondas de carrascão!
+
+No templo teu, Pae divino,
+apparato theatral!
+Em redoma de crystal
+vestido Jesus Menino
+de _chéché_ do Carnaval;
+
+E o alvo lirio, Maria,
+a pura depois de mãe,
+caracoes e rolos tem
+como usava a minha tia
+quando ia ao Paço em Belem!
+
+No altar-mór o scenario
+que effeito fazendo está!
+Pallida a lua... acolá!...
+Além a cruz... o Calvario...
+Fóra, author! Bravo, Rambois![1]
+
+Na nave central--cavaco;
+e no côro, ai! pobre fé!
+latagões côr de café
+uivando dentro d'um sacco:
+--Sou o Barba-Azul! Olé!--
+
+A catholica Judêa,
+o christianismo pagão,
+ousa mais! Põe em acção
+do Homem-Deus a epopêa
+na sensual procissão!
+
+Ás enfeitadas janellas
+corre a curiosa avidez.
+_Fazem cauda._ Esperam vez
+como se elles e ellas
+fossem vêr um entremez!
+
+Depois começa o serviço.
+Olho aqui... e olho lá...
+no seu _tudo_, e no papá
+que embirra co'o tal derriço
+por andar no _b-a-ba_.
+
+Namorando as carnes núas
+do que vae no floreo andor,
+outras dizem:--«Salvador,
+se todas são como as tuas
+quem não será peccador?!»
+
+Emquanto se eleva o incenso
+na caprichosa espiral,
+o garoto, essa vestal
+dos vates de hoje, no lenço
+faz mão baixa e no metal.
+
+E, manso, por entre o grupo
+da ondulante multidão,
+serpenteia a procissão.
+Rumoreja em torno o apupo.
+Consternam-se alma e razão.
+
+Que brutos cêpos são esses?
+Vae Deus ali? Christo nú
+posto a par do _manitú_,
+homens dos torpes int'resses,
+filhos glotões de Esaú?!...
+
+Tartufo os impetos doma.
+Vive agachado o chacal
+a espreitar se o olhar fatal
+de Filippe á voz de Roma
+lampeja no Escurial!
+
+Fiar n'elle!... O incendio lavra
+occulto. Na escuridão
+forja de novo o grilhão
+á consciencia, á palavra,
+a satanica legião.
+
+Em teu nome o lar deserto!...
+O pranto manando a flux!...
+Morta a esp'rança! Extincta a luz!
+e da cruz contra o liberto
+mudada em punhal a cruz!--
+
+Largamente aqui respira
+sêcca a lingua e falto de ar,
+que o terno Amor, a fallar,
+não é como os de Tavira:
+--dá-lhe... dá-lhe até 'stoirar!--
+
+Mas, depois, como o Vesuvio
+irrompe. Ao rosto gentil
+assoma a raiva, e febril
+bate o pé; grita;--um diluvio
+manda ao infame covil!
+
+Outro diluvio! incessante
+a subir... subir... até
+que não fique nada em pé!
+nem possa nenhum farçante
+fazer arca e ser Noé!--
+
+Deus, que os seus ouvidos presta
+ás queixas que Amor lhe faz,
+sorri e diz: «Ó rapaz,
+um _T_ escripto na testa
+porventura me verás?
+
+Eu dei-lhes a lei sublime
+nas alturas do Sinai.
+Se contra a lei, contra o pae,
+conspira Lysia--no crime
+do crime o castigo vae.
+
+Triumpha o Milhão, e Hero
+não houve mais que uma só?
+O Creso do oiro em pó
+a flauta fará de Nero,
+e da flauta um bom cipó.
+
+E se os maridos, tontinho,
+fugindo ás esposas vão,
+deixa-os lá. Por fim terão,
+em vez do calor do ninho,
+os gêlos da solidão.
+
+A vida passa ligeira;
+e, quando a morte vier,
+qual d'elles é que não quer
+dôce oração derradeira
+entre beijos de mulher?!
+
+Ai!... Acabar longe d'isto!...
+sem perdão!... sem paz!... e meu
+sem ser nenhum!... Galileu,
+tu que fizeste?... Ó Christo,
+teu sangue que fructos deu?!...
+
+Fiz de ti a rósea aurora
+da universal redempção;
+inda após o teu clarão
+o Deus cêpo é o Deus que adora
+a proterva multidão!
+
+Pois para amar-me é preciso
+mais que os olhos alongar
+pelos ceus, por terra, e mar?
+mais que o pallôr indeciso
+d'uma noite de luar?!
+
+Pois n'esses milhões de mundos,
+que girar no espaço fiz,
+não falla tudo? não diz
+em seus canticos jucundos:
+--Senhor! Senhor, existis?!--
+
+Erriça o leão a coma?
+Nas sombras do Escurial
+ergue a pedra sepulchral
+de Filippe a astuta Roma?...
+Erga!... e surja o rei fatal!...
+
+Antro, e fera, e vil Tiberio,
+tudo no pó sumirei!...
+que dos reis eu sou o rei,
+e as chaves do meu imperio
+a mão nenhuma entreguei!
+
+Perdes o tempo, creança!
+Se o perdes, meu doido Amor!
+Sei quanto és enganador!
+quanto és feroz na vingança
+e folgas da alheia dôr!
+
+És vendado, és cego, e ousas
+como se visses fallar?!
+Pois has de á terra voltar.»--
+E o pae de todas as cousas
+foi-lhe os olhos desvendar.
+
+Então o dôce fedelho,
+tão dôce como cajú,
+repara em si... vê-se nú...
+faz-se azul... faz-se vermelho
+como um monco de perú.
+
+Depois a fugir desata
+pelas ethereas regiões.
+Atraz d'elle as maldições
+de quanta velha beata
+foi ao ceu... por alçapões.
+
+Que o ceu que estamos mirando
+occultas entradas tem,
+e sem fiscal! Inda bem.
+A não ser por contrabando
+já lá não entra ninguem.
+
+Vôa... vôa... É mesmo um raio
+rapido o espaço a rasgar.
+Vôa... Á força de voar
+perde o alento, e n'um desmaio
+vem no chão co'as azas dar!
+
+N'essa noite a authoridade
+metteu, zelosa qual é,
+o menino em São José;
+mas ninguem crê na cidade
+que a sciencia o ponha em pé.
+
+Quem tem os dias contados
+mais viver não póde, não.
+É do amor finda a missão
+dês que os fundos, bem cotados,
+valem mais que o coração.
+
+[1] Pronuncie _Ramboá_.
+
+
+
+
+_ENTEADA_
+
+
+Casou segunda vez certo sujeito
+que sempre á viuvez torceu a cara.
+Deixára-lhe uma filha o velho leito,
+e mimo egual o novo lhe offertára.
+
+Quando eu as conheci, uma era forte,
+córada, alegre, brincalhona, viva;
+pallida a outra, triste, pensativa,
+como quem traz em si a dôr e a morte.
+
+Das duas a mais nova, a que é sadía,
+a lapis, n'um papel, graciosos traços
+d'um corpo de mulher hontem fazia.
+No fim as palmas bate, e, erguendo os braços,
+
+«Olha a mamã!» gritou, «De longe basta...
+basta vêl-a d'ahi!... Não será ella?»--
+Volve-lhe a outra em voz que o sangue gela:
+--_Agora pinta lá uma madrasta!_--
+
+Miserrimos poetas que nós somos!
+Por mais inspiração que nos abraze,
+por mais phantasiar tomos e tomos
+não valem juntos, não, aquella phrase.
+
+
+
+
+_N'UM ALBUM_
+
+Por essa existencia fóra
+nosso caminho é diff'rente.
+Eu vou por onde se chora;
+tu por onde canta a gente.
+Tu chegas; tu vens agora;
+tu sobes qual sobe a aurora;
+eu, tal qual o sol poente,
+desço... desço!... Vou-me embora.
+
+
+
+
+_RAPHAELA_
+
+
+I
+
+Era em março, e a Folia,
+dando o braço ao Carnaval,
+entrava em _Dona Maria_.
+Não sei que idea fatal
+me levou tambem á festa.
+
+Sei que fui. Sei que vestia
+_dominó_ côr de giesta,
+e que a mascara, que ao rosto
+trago presa todo o dia,
+eu trocára, ébrio de gosto,
+por outra que não mentia.
+
+
+II
+
+Ia a noite em mais de meio
+quando os pés na sala puz.
+Os gritos, a dança, a luz
+que os novos encanta, e creio
+que mais os velhos seduz,
+tocaram-me o coração
+por tão estranha maneira,
+que a não ter ali á mão
+as costas d'uma cadeira,
+dava co'as minhas no chão.
+Persuadiam-me que a Sorte
+quer que o homem seja egual
+sómente perante a morte,
+e vi eu que o Carnaval
+tinha o mesmo poder forte!
+
+Junto a mim o sôr _Sovela_,
+disfarçado em lord inglez,
+trata por _tu_ o freguez,
+que n'outro _tu_ se nivela
+com quem as botas lhe fez.
+Ao longe o sujo vadio
+que, para impingir á gente
+um bilhete do _Pão quente_,
+corre a Baixa e o Rocio
+dando _Excellencias_ a rodo,
+agora vestido á turca,
+_turca_ por dentro elle todo,
+grunhindo sem tom nem som
+paga depois da mazurka
+ponche ardente a quem tem _Dom_.
+N'aquelle canto escondido
+o calvo e gordo marido
+ás moças falla d'amor;
+e como deve o traidor
+pela traição ser punido,
+n'outro canto anda a mulher
+a brincar co'o deus Cupido...
+dê o brinquedo o que dér!
+Cada flôr, rosa ou jasmim,
+com seu calix entreaberto
+embalsama este jardim,
+e ás abelhas que andam perto
+como que as oiço dizer:
+--Oh! Bebei dôce prazer
+que rendida vos offerto!--
+
+Isto é vida! Isto aqui, sim!
+que a humilde e santa egualdade
+o mundo mergulha emfim
+no sol da eterna verdade!...
+
+
+III
+
+«Boas noites, dominó.»
+--Só isso me dizes?--
+ «Só.
+--Pois desde já te requeiro
+que ámanhã fiques na cama,
+e manda o teu travesseiro
+dar umas voltas por cá.
+Na chalaça, no epigramma,
+as lampas te levará.--
+«Quem de espirito é tão fino
+devêra ser mais cortez.»
+--Vestiu-se de peregrino
+a cortezia...--
+ «Talvez
+d'essa longa romaria
+a que foi não voltaria!»
+--Assim parece. Não vês?!
+
+
+IV
+
+Quem me descobre a razão
+d'esta infame grosseria?...
+Consultando minha tia,
+disse-me ella:--És um ratão!
+Coisas tuas!...--
+ «Coisas minhas?!
+Ora essa!»
+ --De quem são?
+Se teu pae sem ter gallinhas
+te deu boa creação?!--
+Mais ainda me condemna
+ser a mulher que offendi
+segunda Venus de Milo!
+Que remorso o que eu senti,
+e que nó no gorgomilo,
+quando, absorto, o que era vi!...
+Que ao fallar olhei... Por Christo!
+juro que olhei sem ter visto.
+
+
+V
+
+Como usa a formosa filha
+da formosa Andaluzia,
+sob a elegante mantilha
+pelos hombros lhe caía
+de negro e farto cabello
+a madeixa ondeada e crespa.
+Na cinturinha de vespa...
+Alto lá! De vespa, não;
+que é corriqueira a figura
+e tola a comparação.--
+A cintura... Se lhe chamo
+só delgada--aqui d'el-rei!
+porque é prosa. Ah! Já sei.
+Delgadinha como um ramo
+que sustém duas laranjas...
+E da voz os sons tão finos
+com que os hei de comparar?
+Com voz d'anjos pequeninos,
+travêssos, loiros, meninos
+que andam no ceu a cantar,
+aos quaes não tira o chapeu
+este pobre filho d'Eva
+emquanto Deus o não leva
+a conhecel-os no ceu?!...
+Impossivel!... Pois com quê?...
+
+Deixe-se lá d'essas franjas,
+ruim poeta! Você
+não sabe que a natureza
+faz coisas de tal belleza
+que um homem, se logra vêl-as,
+ha de pasmado ficar,
+e pasmar... pasmar... pasmar;
+mas não tentar descrevêl-as?!
+
+
+VI
+
+Qual a timida gazella
+que no prado anda brincando
+estremece e foge quando
+sente rumor perto d'ella,
+assim Dona Raphaela...
+Podia chamar-lhe Jónia,
+Mathilde, Elisa ou Antonia.
+Era o mesmo. Á mulher bella
+todo o nome fica bem.
+Toma-lhe a graça, a frescura:
+participa da candura
+de su'alma... se é que a tem.
+
+Que a minha airosa andaluza
+como a gazella fugio,
+se o não disse a casta musa
+que me inspira, o leitor pio
+(não ha _calemburgo_ aqui)
+certo de si para si
+a crêl-o não se recusa;
+mas o que o leitor ignora
+é que eu proprio, eu que ind'agora
+lhe dissera: _Vae-te embora_,
+ao vêl-a fugir fiquei
+triste, só, desamparado
+como o valido d'um rei
+quando cae em desagrado!...
+
+Ai! se o pensamento é vário
+mais varía o coração.
+Coração--Contradicção--
+affirma-me o diccionario
+que dois synonymos são.
+
+
+VII
+
+Amar depois que trinta annos
+nos pesam sobre o cachaço;
+quando os frios desenganos
+guias são do incerto passo
+que nos vae levando á campa;
+quando a edade a correr vem
+e nas faces nos estampa
+oitenta rugas, ou cem!
+amar sem crenças; amar
+sem possuir attractivos;
+é padecer, é penar
+dôres do inferno entre os vivos.
+
+Sabia-o; mas se fadado
+fôra eu já para essa dôr!
+e diz Garrett, o doutor
+em taes materias versado,
+que ninguem foge ao seu fado!
+Funesto foi sempre o meu!
+Est'alma, que Deus me deu,
+em quantos affectos nutre
+que devorou Prometheu!.
+
+
+VIII
+
+Da rósea estancia em que mora
+com seu limpido clarão,
+sorrindo, ao ceu vinha a aurora
+soltar do prégo as azelhas
+d'onde pende a escuridão
+sobre chaminés e telhas.
+
+A festival harmonia
+pouco e pouco esmorecêra;
+e co'a luz do novo dia
+d'outra oschestra a afinação
+mais altos cantos rompêra,
+pois que entre os rocios do orvalho
+levantára escopro, e malho,
+um hymno de gratidão
+ao Deus, author do trabalho.
+
+Este aranzel, espremido
+n'uma phrase clara e chã,
+quer dizer:--era manhã,
+e a solfa dos caldeireiros
+matava o bicho do ouvido
+na rua Augusta aos parceiros.
+
+
+IX
+
+Cheguei a casa. Quem ama
+tambem dorme o seu bocado;
+nem ha nada como a cama
+para amor ser bem tratado.
+Vêde as ratices do mundo!
+Sentados no mesmo throno
+amor, que é vida;--e o somno,
+que da morte é irmão segundo!...
+
+Em tão doloroso trance
+é praxe no bom romance
+surgir a pallida insomnia
+beliscando a cachimonia
+do que ás paixões não se poupa;
+mas eu, que sigo outra lei,
+fui-me enroscando na roupa,
+e dormi. Fiz mais: sonhei.
+
+Sonhei, sim. O que é sonhar?
+É fugir do captiveiro
+d'esta bola sublunar.
+A noss'alma, que gemia
+entre os ferros, encontrar
+a paz, o amor, a alegria,
+vivo, real, verdadeiro,
+o mundo da phantasia.
+É n'um divinal momento
+conquistar, possuir, haver
+o que nunca o pensamento,
+por mais audaz, ousou crêr
+que um dia á mão nos viria.
+Sonhar é vêr palpitante
+a toda a luz da existencia
+o pae, os filhos, a amante
+que a morte apartou de nós!
+
+Ouvir-lhes a dôce voz...
+interromper essa ausencia
+eterna, a eterna saudade
+que nos deixára o perdêl-os!
+Sonhar é esta piedade
+do ceu pelas nossas dôres;
+esta mão cheia de flôres
+que Deus esparge nos gelos!--
+Tudo mais são pesadelos.
+
+Pois eu sonhei, e não digo
+o sonho que tive então.
+Não por ser segredo, não,
+que á terra desça commigo;
+mas quem tem, como eu, vergonha,
+mesmo ao leitor seu amigo
+nem sempre diz o que sonha.
+
+
+X
+
+No outro dia ao almoço,
+frugal almoço invejado
+ao pobre e triste empregado
+a quem aos mezes o Estado
+permitte rilhar um osso,
+muitas vezes esbrugado;
+no outro dia a Gertrudes,
+velha magra, feia, teza,
+inda cheia, á portugueza,
+de calvas e de virtudes,
+as quentes papas de milho
+veio pôr-me sobre a meza.
+
+A mim a quem nada escapa
+logo ali me deu no gôto
+O vêl-a andar n'um sarilho
+a peneirar-se, e á socapa
+sorrindo com ar garôto.
+
+--Gertrudes, que historia é esta?--
+E ella a rir.
+ --De que ri?!...--
+A rir-se mais.
+ --Temos festa!
+Vae grande baralha aqui
+se me não diz, como quero,
+porque essa bocca escancára,
+e se desengonça, e rebola...
+Ella, atalhando:
+ «Salero!
+Soy, señorito, española!»
+
+Figurem-se a minha cara!!
+A visão, a Raphaela
+com quem ha pouco sonhára,
+o bello typo andaluz,
+a flôr de um dia... era ella
+saída das mãos do Cruz![2]
+
+
+XI
+
+A moral d'este meu conto
+implica artigos de fé:
+
+ 1.º
+
+Quem vê masc'ra não vê rosto.
+
+ 2.º
+
+Belleza vista de dia
+dê-se-lhe sempre o desconto
+de trinta por cento em cré.
+
+ 3.º
+
+Depois do sol se haver posto
+até a Virgem Maria
+precisa ser vista ao pé.
+
+ 4.º
+
+Mesmo assim, inda que perto,
+não se diga nunca ao certo
+que se está longe da Sé.
+
+[2] Guarda-roupa.
+
+
+
+
+_AS MINHAS MEMORIAS_
+
+Á Exc.ma Snr.ª D. A. F. Pinto
+
+
+Nasci. Vivi. Foi meu cruel destino
+ser inutil, vulgar, emquanto moço.
+De dôr em dôr, cançado peregrino,
+chego á triste velhice sem conforto.
+Nunca pude saber o que era tino,
+como a bolsa não soube o que é _caroço_.
+
+Quando voltares hei de ser um morto.
+
+
+
+
+_ESTRELLA CADENTE_
+
+
+Ella não tinha ainda os seus vinte annos.
+Eu já cincoenta, ou mais. Poucos enganos
+podia haver na conta. Trouxe-a ao cóllo!
+Não fôra um pólo em frente do outro pólo;
+mas, inda assim, contando-se este caso,
+dir-se-ia ao certo: Era uma vez o Occaso,
+e era uma vez a Aurora...
+ Não sei como
+n'um bello dia, por ser vedado o pomo,
+por ser appetitoso, finalmente
+não sei porquê!... por eu ser um demente...
+por ser ella o retrato da que é morta...
+fosse lá porque fosse!--Isso o que importa
+n'um bello dia--amei-a!... Uma doença
+que a gente apanha quando menos pensa.
+
+ *
+
+Sorriam de piedade os meus amigos
+todos á uma, e os novos e os antigos.
+Nas salas bichanava-se em cochichos:
+«Ora, o ginja! aparando inda os esguichos
+com que o _bisnaga_ amor! Atraz da pomba,
+o perfido lacrau!»
+ Deitavam tromba
+os outros pretendentes. Um barulho
+por nada. Então porquê?! Por um arrulho?...
+Um simples suspirar?... Pois que mau era
+brotar-me em pleno inverno a primavera?...
+Durava pouco?... Tanto quanto dura
+em toda a terra tudo o que é ventura.
+Engeita-se por isso?...
+ A minha idade?!
+Fui de Mathusalem socio e confrade.
+Adão dizia ao vêr-me: _Olá, compadre!_
+Contemporaneo eu sou do eterno Padre.
+Não ha mais nada acima. Querem isto?...
+O Padre, o velho, foi mais tarde o Christo.
+Ondas d'amor jorrou d'aquelle peito.
+Remiu. Salvou. Pôz termo ao longo pleito
+entre as trevas e a luz, e, porque vinha
+em nome só do amor, annos que tinha
+ninguem lh'o perguntou.
+ Sinceramente:
+ha rugas dentro d'alma?!...
+
+ *
+
+ Impenitente
+morrera n'esta fé; sobre o Evangelho
+jurára que mais ama o que é mais velho;
+se o ponto da questão, o delicado,
+outro não fôra; um velho ser amado!
+Aqui é que me dóe!
+ É necessario
+primeiro formular um questionario.
+Menos se quer á flôr, menos se trata,
+por ser de argilla o vaso e não de prata?
+Aqui... além... embora onde estiveres...
+não és, ó flôr, a mesma?... e das mulheres,
+--não digo já de todas; mas d'algumas--
+igualmente o _boudoir_ tu não perfumas?...
+Não busca asylo a crença, a christandade
+não presta o culto seu á Divindade
+no templo secular, de negro aspecto,
+humida arcada, abobadas por tecto,
+como na alegre ermida redourada,
+quente aos raios do sol, sempre inundada
+de jubilos e festa?!... Amor travêsso,
+só por vêr para dentro, vê do avêsso?
+
+ *
+
+Não te illudas, ó louco! A Providencia
+dependente do amor fez a existencia.
+Para estimulo a amor fez a belleza,
+o viço, a força, quanto com certeza
+tu já não tens. Por isso no concurso
+aos vagos corações a pelle do urso,
+a penna luzidia do bom pato,
+dão por si preferencia ao candidato.
+Esta a verdade crua. O sentimento
+depois é que se faz. É-lhe fermento,
+é mister que primeiro insuffle a arteria,
+e n'ella o sangue injecte, a vil materia.
+A bocca, um pé, a guia d'um bigode
+mais que as almas em fogo sempre póde.
+E tu não valsas!... tu não tens bocca
+o _argot_ da moda, a phrase insossa e ôca!
+Por mais _ciré_, torcido, repintado,
+que o teu bigode vá... bigodeado
+és tu que ficas, velho! a torto e a esmo!
+
+Justo e fatal!... Fatal e justo é o mesmo.
+
+No chão não rojes teus cabellos brancos
+n'um desespero ignobil! Para arrancos,
+para entrares no inferno como o Dante,
+a dôr da tua cólica é bastante.
+Outras não queiras, outras não procures
+improprias já de ti. Não; em nenhures
+rejuvenesce o Fausto; e, dês que ha mundo,
+quem disse um velho--disse um moribundo.
+
+ *
+
+Ella não tinha ainda os seus vinte annos.
+Por não tel-os vivia n'uns enganos
+que eu não devia ter nos meus cincoenta.
+Distraída commigo olhou attenta
+para um moço qualquer. Nem eu me lembro
+do nome d'elle já! Era em setembro.
+Isso sei eu. Que noite!... Estou a vêl-a!
+Ultima noite azul!... Rasto d'estrella,
+curva de luz nos amplos ceus cadente,
+illuminar-nos veio de repente.
+Ella assustou-se, e disse: _Dieu te garde!_
+
+Pouco tempo depois, horas mais tarde,
+tal qual a estrella, em rapido trajecto,
+no mundo novo entrou d'um novo affecto.
+
+
+
+
+_AO ACTOR JOÃO ANASTACIO ROSA_
+
+que, na sua officina de sapateiro, mandára fazer para uso do author
+umas botas impermeaveis
+
+
+Boas botas com effeito!
+Ha que tempos que te eu digo
+que, de pequeno, o teu geito
+é ser sapateiro, amigo!
+
+Afóra o bico da moda,
+que é moda o _bico_ hoje em dia,
+quem da terra andasse á roda
+_mestre_ assim não toparia.
+
+E lá no mar,--tens ratices!--
+com ellas por sobre as ondas
+anda a gente como Ulysses
+nas aguas das Trabisondas.
+
+O povo grita: Milagre!--;
+teus filhos:--Estamos salvos!--;
+e tu com graxa e vinagre
+vaes enganando os papalvos.
+
+Queima a Sciencia as pestanas
+buscando o que seja aquillo;
+e nem passadas semanas
+conclue que é sebo de grillo!
+
+Tu proprio chuchas no dedo,
+_avis rara_, ó _raio_ d'ave;
+pois ao fechar teu segredo
+perdeste-lhe o tino e a chave.
+
+Seja qual fôr teu systema,
+graxa só ou graxa e sebo,
+eu, indigena na gemma,
+applaudo o que não percebo.
+
+De tão prodigioso invento
+só entendo, e não é pouco,
+que ou me saíste um portento
+ou és rematado louco!
+
+Mas que importa qual diploma
+um logar nos dá na Historia?
+Toda a estrada leva a Roma.
+Por atalhos vae-se á gloria.
+
+É certo que ao fim da vida
+a luz do provir é tua:
+luz accêsa sem torcida!...
+porta aberta com gazua!--
+
+Vê quanto o sec'lo é fecundo!
+Vê; regista em tuas notas.
+Em poucos annos ao mundo
+botou dois homens das botas!
+
+
+
+
+_ÁS RÃS PEDINDO REI_
+
+Traducção da fabula de Lafontaine--Les Grenouilles
+
+
+Viviam certas rãs n'um charco immundo
+em republica plena. Era um pagode!
+Tal qual uns democratas que ha no mundo
+julgando que a republica, no fundo,
+outra coisa não é senão a gente
+fazer o que bem quer e quanto póde,
+a rã tripudiava impunemente.
+Todos os dias era certo o choque
+entre o batrachio forte, intransigente,
+e parte da nação já descontente
+que a Jupiter pedia ou rei ou roque.
+
+ O deus fez-lhe a vontade.
+Largou-lhe lá do ceu um rei pacato,
+ de summa gravidade.
+
+Das alturas tombando, o rei na quéda
+ fez tal espalhafato,
+que as fêmeas em pavor, os machos fulos,
+aquellas saltitando, estes aos pulos,
+como é uso das rãs nas grandes crises,
+cada qual a gritar:--arreda! arreda!--
+entre os juncaes, no lôdo, nas raizes
+dos salgueiraes se enreda.
+
+ *
+
+Por longo tempo em seus esconderijos
+das rãs esteve homiziado o povo.
+Transformaram-se em medo os regosijos
+da antiga bacchanal. Gigante novo
+cuidavam ser o rei que o ceu lhes déra.
+Não ousavam sequer saír da tóca;
+pois, não raro, os instinctos maus da fera
+por imprudente a presa é que os provoca.
+
+Já n'essas eras muito a pêllo vinha
+dizer: _Cautela e caldos de gallinha..._
+
+O rei era um pedaço de madeira.
+Nem mais, nem menos.
+ N'uma bella tarde
+uma das rãs, por ser menos covarde
+ ou mais bisbilhoteira,
+tirou-se de cuidados, manso e manso
+na flôr das aguas surge, e ás guinadinhas
+ com muito tento e geito
+ do cêpo se aproxima.
+Após ella vem outra... e outra... aos centos.
+Vendo que o rei não sae do seu ripanso,
+rodeiam-no; coaxam: _Salta acima!..._
+ e coaxado e feito!...
+
+O rei, temido outr'ora, ás pecuinhas
+d'essa chusma villã se vê sujeito.
+ Em rapido momento
+sobre elle a malta audaz se encarapita,
+e faz do bom monarcha um bom assento.
+Nem chus nem bus! Calado que nem porta,
+qual fôra n'outros tempos!...
+ Isto irrita.
+Rompem as rãs então n'uma algazarra
+ que o pantano atordôa,
+os fios d'alma a quem as ouve corta.
+«Leva d'aqui, ó Jove, esta almanjarra
+que nem mexe, nem pune, nem perdôa,
+e mais parece uma alimaria morta,
+ cabide d'uma c'rôa,
+em vez de nosso rei--nossa vergonha!»
+Vae Jupiter que faz? Uma cegonha,
+das muitas que possue, logo destaca,
+e manda que das rãs ponha e disponha,
+n'uma das mãos o queijo e n'outra a faca.
+Ora a cegonha, apenas em seu throno
+dona das rãs se vê e sem ter dono,
+diz comsigo:
+ --Nasci dentro d'um folle!
+Quem tira agora o papo da miseria
+sempre sou eu!...--
+ Passeia toda séria,
+perna aqui... perna além, n'um andar molle,
+e quanta rã apanha quanta engole.
+
+ *
+
+Geral consternação o charco enluta.
+ Renovam-se as lamurias:
+que o rei é doido e tem ás vezes furias;
+que, doido ou não, o povo trata á bruta;
+por fim, que faça o deus formal promessa
+d'outro rei que as não coma tão depressa!
+ O Jupiter tonante
+d'est'arte lhes responde:
+ «Inutil prece!
+Dei-vos um rei tranquillo, inoffensivo,
+que nem sempre se tem nem se merece:
+ um rei que era um regalo!
+Foi vêl-o e pôl-o pela barra fóra!
+Dei-vos segundo: um genio um pouco vivo...
+ um pouco extravagante...
+ Meninas, aguental-o!
+Era bom o primeiro e foi-se embora.
+ É mau este de agora.
+Contentae-vos com elle, ó meus endezes,
+pois venha quem vier... peior mil vezes.»
+
+
+
+
+_ONZE DE NOVEMBRO_
+
+
+É noite de São Martinho,
+rival do velho Noé.
+Cae agua em logar de vinho,
+e--milagre!--o meu visinho
+entra em casa por seu pé!...
+
+Memorias do alegre santo,
+porque é que tanto duraes
+se eu já nem bailo nem canto
+dês que me deram quebranto
+as peças originaes?!
+
+Até as caras meninas,
+socias minhas na funcção,
+rosas, d'antes, purpurinas,
+por muito favor--cravinas...
+d'Ambrosio cravinas são.
+
+Martinho, ao que chega a gente!
+Ellas feitas uns pasteis
+de carne velha e doente;
+eu comprando cada dente
+por tres e quatro mil reis!
+
+Bem me toucaram taes flôres!
+Bem com ellas me touquei!
+Da cabeça agora as dôres
+quem m'as faz são os tenores,
+as portarias, e a lei!
+
+A lei!... a eterna cantiga!
+o eterno sarapatel!
+Na nossa edade, e na antiga,
+lá para uns certos--espiga;
+lá para uns outros--papel.
+
+Só uma córta direito:
+só a lei da morte é egual.
+Para calcular-lhe o effeito
+vou, deitado no meu leito,
+dormir um somno real.
+
+
+
+
+_ASSIM É QUE EU GÓSTO D'ELLA!_
+
+
+Eu nunca fui poeta. Era loucura
+mostrar depois de velho pretensões
+quando as não tive em horas de ventura,
+de tão dôces, mas breves, illusões.
+
+Então era a minh'alma que gemia
+no vago anceio d'onde nasce o amor;
+mas hoje sei que amor no mesmo dia
+nasce, esmorece, e morre como a flôr.
+
+Da meiga briza o tépido bafejo,
+a rosa perfumada, o pôr do sol,
+as nuvens d'oiro,--esplendido cortejo
+do astro-rei, a voz do rouxinol;
+
+Esse hymno immenso com que a terra exprime
+viva saudade pela extincta luz,
+se para mim então era sublime,
+ai! que já por meu mal me não seduz!
+
+Quando contemplo agora o fim da tarde,
+quando ao sumir-se no crystallino mar
+o facho accêso sobre as ondas arde
+e vae depois nas ondas mergulhar;
+
+Sabeis vós o que penso em tal instante?
+--Vêde a que prosa vil isto chegou!--
+Sabeis vós o que penso?'... o que lamento?...
+O dia mais de vida que passou.
+
+ De vida, sim, meus senhores,
+ que não ha pechincha egual!
+ Só algum sarrafaçal
+ em horas de maus humores
+ grunhirá sombrio e rouco
+ que pelo seu fim anhela!
+ Eu cá por mim acho pouco
+ e morro d'amores por ella!
+
+ A vida saboreada
+ de um certo modo que eu sei.
+ Nem limpa-botas nem rei;
+ trazer camisa lavada;
+ bem lavada a consciencia;
+ libras velhas na algibeira;
+ ter um trem e por decencia
+ um garoto na trazeira.
+
+ Cadeiras... todas de braços,
+ fôfas como pão de ló.
+ Nunca dar ponto sem nó
+ nem pôr ponto em dar abraços.
+ Caçadas... feitas no prato,
+ e sobre a caça café.
+ Charutos... dos de contracto
+ _Lib'ra nos!_ antes galé.
+
+ Vejam se eu dava o cavaco
+ ou se quebrava o toutiço
+ por ser tudo quebradiço
+ n'este mundo como um caco!
+ Em se quebrando... acabou-se.
+ Ora, adeus! Fortes lamechas!
+ Era bonito se fosse
+ ficando tudo p'ra mechas!
+
+ Amor de marrafa branca
+ como o cão e a cadellinha
+ sempre fiel! Que gracinha!...
+ Ao chá por baixo da banca
+ dando ternas pizadellas
+ que as meias deixam de luto,
+ que fazem vêr as estrellas,
+ e provam que o par é bruto.
+
+ Ter sempre o mesmo barbeiro
+ e sempre o mesmo topete!...
+ Á mesa do voltarete
+ defronte o mesmo parceiro!...
+ O molle ser sempre o molle!...
+ sempre esperto o serigaita!...
+ Na mesma gaita de folle
+ soprar quem sopra tal gaita!...
+
+ Quem pensa assim... ai! coitado!
+ ou perdeu todo o juizo,
+ ou se tem dente do sizo
+ pelo alveitar foi achado.
+ Para mim que sou amante
+ do que muda e do que mexe,
+ como havia ser seccante
+ o tal mundo de escabeche!
+
+ Beijar nos pulsos a algema
+ com que Amor nos manietava;
+ amanhã mandal-a á fava;
+ a belleza eis do systema.
+ Ser hoje amigo do Brito,
+ amanhã sêl-o dos Soisas!...
+ Viajar hoje no Egypto;
+ vêr ámanhã novas coisas!
+
+ Isto, sim, que é prazer certo!
+ Quem julgar que assim não presta
+ diga adeus a esta festa
+ que o cemiterio está perto!
+ Pois póde haver tolerancia
+ na China, aqui, ou em Gôa
+ com quem defende a constancia
+ que é a maçada em pessoa?!
+
+ Aqui d'el-rei porque mente
+ toda a humana geração!...
+ Grande pena!... pois então,
+ se mente, mente-lhe a gente.
+ Por mentira, mentirola.
+ Por esparrella, esparrella.
+ Assim vae esta charola:
+ assim é que eu gosto d'ella!
+
+ Dizem que a vida os assusta
+ porque em tudo encontram móca;
+ que o bem a todos não toca,
+ que a Justiça não é justa.
+ Eu, por mim, quero-a mais larga,
+ que, se acaso um dia fôr
+ parar-lhe ás mãos, menos carga
+ sobre os hombros me ha de pôr.
+
+ E se o bem me não tocar
+ tambem uma vez sómente,
+ ferro commigo no quente
+ e, lá, desato a chorar.
+ Não é mau. Dou de conselho
+ a quem quizer divertir-se
+ que chore em frente do espelho
+ e por força acaba a rir-se.
+
+ Chorar é bom! Quem me dera
+ nos tempos que já lá vão
+ quando, moço, o coração,
+ ao romper a primavera
+ sobresaltado tremia,
+ e da terra toda em flôr
+ juntava á meiga harmonia
+ doces lagrimas d'amor!
+
+ Se á vida não acham geito
+ porque todos têm chorado,
+ cá para mim vem barrado
+ quem lhe põe este defeito.
+ Elles que foram pequenos
+ e contra as lagrimas chiam,
+ de _lacrima christi_ ao menos
+ um copo não beberiam?
+
+ Tal resmuneia e se queixa
+ que as filhas não fecha a mãe;
+ que a mãe namora tambem,
+ e mais que torna e que deixa!
+ Ih! Jesus!... Que gritaria!
+ Se a mãe as filhas fechasse,
+ nenhuma as portas abria.
+ Ai de quem as arrombasse!
+
+ Caturras! Se ha quem supponha
+ nas politicas regiões
+ que inda póde haver Catões
+ sendo tão rara a vergonha!...
+ O galante é que no jogo
+ cada qual puxa o seu trunfo
+ quando sem armas nem fogo
+ alcançar póde o triumpho!
+
+ Deploram republicanos
+ que lhes tosquiam as azas?
+ Pois vão lá p'ra suas casas
+ fazer dos creados--manos.
+ Os outros temem que os thronos
+ se despedacem? Demonio!
+ Não lhes resta ainda, monos,
+ os thronos de Santo Antonio?--
+
+ Tudo aqui se remedeia;
+ tudo tem facil saída
+ se as honras dermos á vida
+ d'um jantar ou d'uma ceia.
+ Quem tentar pôl-a a direito
+ perde o tempo e a razão
+ porque luta peito a peito
+ com phantastica visão.
+
+Eu nunca fui poeta. Agora vêdes
+que menos do que nunca aspiro a sêl-o.
+Se espalmar-me tentei pelas paredes
+do teu Parnaso, Apollo, vae-me ao pêllo!
+
+Põe-me nú se conservo n'este fato
+algum resto de parvoas pretensões,
+já que o mundo como é, o mundo ingrato,
+despir-me soube as dôces illusões.
+
+Dormi. Sonhei. Do sonho hoje acordado
+na prosa da verdade emfim caí;
+mas como tudo tem sempre um bom lado
+ganhei gordura se illusões perdi.
+
+
+
+
+_EM CINTRA_
+
+
+ Tal qual como o sacrista,
+o velho Catecismo soletrando,
+ primeiro se espreguiça;
+cabeceia depois de quando em quando;
+ por fim já não atina
+se ha tres, se um cento d'inimigos d'alma;
+ meninos e doutrina,
+ rosnando manda á missa;
+engendra um travesseiro da batina;
+deita-se e dorme emquanto dura a calma:
+farto da vida fui-me estiraçando
+n'este alcantil, onde aves de rapina
+ fizeram ninho outr'ora.
+ Ao longe o sol declina;
+ já sobre as ondas arde.
+ Soltando a voz sonora
+n'um murmurio suave expira a tarde.
+
+Ai! quem me dera aqui morrer agora!...
+Não ha somno melhor!... Somno?... Sería?...
+Eu penso que não é, que sentiria
+em torno do meu sêr, do meu sêr novo,
+uma coisa qualquer que a phantasia
+não ousa precisar, á qual aspiro,
+para a qual vou fugindo, que me chama,
+na qual hei de caír como em seu giro
+alado insecto vae caír na chamma.
+
+Não é tolice, não. Quem n'este mundo
+diria afoito ao sabio mais profundo,
+se n'esse tempo o mundo sabios tinha,
+que dentro da gallinha estava um ovo
+e dentro d'aquelle ovo outra gallinha?...
+Assim succede em tudo. Muda a fórma;
+as condições variam da existencia;
+mas, por mais que a materia se transforma,
+intacta se conserva sempre a essencia.
+Logo: hei de viver. Ter consciencia
+d'aquillo que então fôr!...
+
+ UM CORVO (_que fende o espaço, grasnando_)
+
+ Senil demencia!
+Sobre essa rocha estoira como um ôdre:
+ terás a mesma sorte
+ de tudo quanto é pôdre.
+ Serei eu só bastante
+para fazer-te o corpo n'um farrapo.
+Que vida has de viver desde esse instante
+ mettido no meu papo?
+Aonde a consciencia?... o sentimento?...
+ Perante a Eternidade
+ tu duras um momento.
+ Serviste o pensamento
+ da grande Divindade;
+ depois!... Depois da morte
+ não és coisa que importe
+ do mundo ao movimento.
+
+ UMA ANDORINHA (_chilreando em roda da penedia_)
+
+ Ai! terra onde nasci!
+ Ai! dôce patria minha!
+ tão longe eu sou de ti!...
+
+ Saudosa do palmar,
+ aqui, pobre avesinha,
+ errante a voltear.
+
+ Um dia... qual--não sei...
+ um dia, em vindo o inverno,
+ de novo á patria irei.
+
+ Então sob o docel
+ d'aquelle azul eterno,
+ nos plainos meus d'Argel
+
+ Emfim serei feliz!
+ Nenhuma primavera
+ roubar-me ao meu paiz
+
+ Jamais conseguirá!...
+ Uma outra pátria, espera,
+ tambem te surrirá.
+
+ UM SAPO (_no fundo do valle_)
+
+ Cantigas! boas cantigas
+ lá por cima oiço cantar.
+ Do que vae cá pela terra
+ entendem mais as formigas,
+ sabem mais reptis na serra
+ que os passarinhos no ar.
+
+ Deixa piar a andorinha.
+ Bem facilmente se ad'vinha
+ a tua sorte futura.
+ Tu és, amigo, a doninha.
+ É teu sapo a sepultura.
+
+ Cantigas! Boas cantigas!
+ Quem trinca, trinca; trincou.
+ As doninhas que hei papado
+ por mais figas, figas, figas
+ que as outras me têm armado,
+ ninguem d'aqui m'as levou!
+
+ O PINHAL (_ao longe_)
+
+ N'um cantico dolente
+ meus hymnos rumorejo.
+É Deus que passa em mim; o Deus que eu vejo
+em tudo o que palpita, e vive, e sente.
+ Ó balsamica rosa,
+quando a fragrancia exhalas docemente
+ da petala mimosa;
+ lá quando do teu seio,
+tepido ninho d'um amor fremente,
+ irrompem n'um gorgeio
+ maternas alegrias,
+é Deus que passa, o rosto surridente,
+ cercado de harmonias.
+
+ O SINO DA PENA
+
+ Dong!...
+ Dong!...
+ Dong!...
+
+ UM VELHO QUE VAE NA ESTRADA (_tirando o barrete_)
+
+ Avè, Maria,
+ cheia de graça...
+
+ O SINO
+
+ Dong!...
+ Dong!...
+ Dong!...
+N'estas auras subtis do fim do dia
+--descobri-vos, mortaes!--é Deus que passa.
+ Dong!...
+ Dong!...
+ Dong!...
+
+Desde a remota edade á edade hodierna
+Descrença e Fé por esse mundo fóra
+vão em perpetua luta caminhando.
+Da Sciencia os cartapacios consultando
+em Deus não crê, não crê na vida eterna
+quem da eterna sciencia tudo ignora.
+Sei d'alguns que não crêem... porque é moda...
+por ser qualquer idea contrabando
+em casco avariado. Finalmente,
+crêr, ou não crêr, a certos pouco importa,
+ por isso que incommoda
+andar com seus botões pensando a gente
+no fim que ha de levar depois de morta.
+
+Eu á Sciencia estranho e bom jarreta,
+eu que penso em morrer, por ser um vivo
+que fecha a mala e puxa da gorgeta,
+encontro ás minhas maguas lenitivo
+crendo que ambas as coisas não são pêta.
+Tudo em roda de mim é o grande effeito
+d'uma causa maior, cuja existencia
+dois principios envolve fatalmente;
+ amor e omnipotencia:
+poder que salva; amor sempre clemente.
+
+Isto me fique ao menos! Hei mudado
+de pensar e sentir bastantes vezes.
+Só não pude sentir nem ter pensado
+ser o mundo um curral, e nós--as rezes.
+
+
+
+
+_PEDINDO O INDULTO_
+
+D'UM ALUMNO MILITAR
+
+que em 1872 foi expulso do Lyceu de Lisboa por não haver restituido a
+outro alumno um livro que lhe pedira emprestado
+
+
+Misericordia!... Um rapaz
+sem reflexão e sem tino, que
+é da milicia e inda traz
+reles buço de menino,
+brincando pede e sonega
+um mau livro a um mau collega.
+O facto é grave! A moral
+traja luto!... Esta noticia
+corre por maneira tal
+que até chegou á policia!
+
+Desloca a pedra angular
+do social edificio!...
+Cheira a Communa!... Pelo ar,
+em busca d'um outro officio,
+paira e pia a disciplina!...
+Ai de nós! que é certa a ruina
+se um braço potente e audaz
+não suspende o cataclysmo!...
+Corte-se fundo o antraz!
+Dôa e pelle o sinapismo!
+
+Assim se fez. Lá no ceu
+ha quem nos proteja ainda.
+A lei pune. O infame reu
+cae prostrado, e o p'rigo finda.
+Sabia a lei no monstro fere
+_Cartouche e Robert Macaire._
+N'um golpe os reduz a pó!
+Da dupla calamidade,
+descascando um ovo só,
+livra e salva a humanidade!
+
+Os relaxados sandeus
+dizem:--Não valia a pena.--
+Mas é que a Lei, pygmeus,
+não raciocina, condemna.
+E raciocinasse!... O pepino
+não se torce em pequenino?
+Aprender nos livros quiz?
+Quiz illustrar a sua farda?
+Fique burro, que o paiz
+gosta que o sirvam d'albarda.
+
+A vergonha, a nodoa, o que é?
+O que foi sempre. Esta é fina!
+Um pinguinho de rapé
+que se tira com benzina:
+um nada... que inhabilita:
+a letra fatal escripta
+com ferro em braza na mão!
+E n'este abysmo se lança
+sem piedade e sem razão
+uma inconsciente creança!...
+
+Melhor livro alguem pilhou
+sem ninguem lhe gritar:--Larga!--
+Lambeu; os beiços limpou;
+e poz-se de mão na ilharga!
+Não! que o melro d'alto canta!
+e quando ás vezes se espanta
+fazem-no Deus, tal crereis?
+Uno e bis trino,--isto é sério,
+pois sendo os ministros seis
+é só elle um ministerio!
+
+O supplicante, senhor,
+cartista puro, em presença
+dos factos que vem de expôr,
+pede o indulto e a recompensa
+que o pobre rapaz merece.
+É fundada a sua prece
+em ser a Lei coisa igual:
+e, sendo, já me contento,
+se não póde ser mar'chal
+façam-no ao menos sargento.
+
+
+
+
+_PROCESSO_
+
+1875
+
+
+_LIBELLO_
+
+ _Le cynisme de l'apostasie._
+ (Berryer).
+
+Que graçolas são essas, senhor Palha?
+Que estulto riso sobre tudo espalha?
+Costuma attribuir-se a pouco siso
+O séstro folião do eterno riso.
+E cuidou tirar joias d'um thesouro?
+Cuidou ter dito bocadinhos d'ouro?
+Pilherias de matar, chistes d'arromba?
+Pois nunca embalde co'a razão se zomba,
+E com ella zombou no seu escripto.
+Uma coisa é _espirito_, outra _esprito_.
+Já vê que me refiro á carta-asneira
+Abrindo aos disparates a torneira
+Nas illustres columnas do _Illustrado_.
+Quanto fôra melhor estar calado!
+A defeza enterrou-lhe a protegida,
+Ha patronos assim; hoje é perdida
+A causa da Madama. Andou de leve
+Em tudo quanto disse, e nunca teve
+Hora mais infeliz. Veja: primeiro
+O seu grande argumento é--_dá dinheiro!_
+Que miseria inaudita! D'esse modo
+Bota abaixo a moral do mundo todo.
+Ó venenos subtis, ó ferros finos.
+Quem maldirá a mão dos assassinos
+Se vós rendeis milhões? Ó lupanares
+Da vil prostituição, nos seus cantares
+Passou-vos Palha carta de limpeza.
+Lucraes muito por dia? Santa empreza.
+Não quer saber de mais; o merecimento
+Afére-o pelo ganho; isto é nojento.
+A moral, a virtude, que lhe importa?
+O caso está em quanto rende a porta,
+A corrupção geral é que o deleita
+Dês que possa ser fonte de receita.
+A arte mascarou-se em traficante,
+A arte é _chilrear_ e vêr sonante.
+E houve quem berrasse, e inda hoje berra,
+Contra o barbaro interesse da Inglaterra
+Envenenando a China? Que patetas!
+Não haviam mugir á vacca as tetas?
+Se vem sangue no tarro que tem isso?
+O sangue tambem faz bello chouriço.
+E fresquinha a _Madama_, e curto o fato?
+Diz elle que o reparo é caricato.
+Pois quanto mais a filha mostra a perna
+E a linguagem mais cheira a taberna
+Mais acode o concurso hoje em Lisboa
+Que até na _côrte_, em gripho, inda resôa
+A fama de Cascaes e os lindos _fados_
+Que por lá se dançaram, e os trinados
+Da banza afidalgada; haja folgança
+Que n'este mundo ha só prazer e pança.
+Na insulsa peça o Palha chocarreiro
+Só dá voto de peso ao bilheteiro;
+Com este é tudo bom. Frivolidades.
+Phrases regateiraes, e necedades;
+A praça da Figueira, emfim, na scena.
+Sem um dito sequer que faça pena
+De não lembrar depois; eis o encanto
+Do Palha da Trindade; e faz-lhe espanto
+Que os da _Nação_ não saltem d'alegria,
+E ratos diz que são de _Sacristia_...
+Alto lá, senhor Palha, mais decencia.
+Não se emporcalhe assim _Vossa Excellencia_.
+Não bula na _Nação_, que o trouxe ao collo,
+Que passa por ingrato, além de tolo.
+Pois não andou por lá de noite e dia?
+Não foi rato tambem na sacristia?
+Então o dizer mal mui mal lhe fica;
+Embora n'outra parte arme a futrica.
+O bonito é caluda. Se hoje adora
+O que d'antes queimára, rôa agora
+Nas lonas do theatro, chupe azeite
+Dos candieiros da rampa, mas não deite
+Só por na corrupção viver contente
+Má fama da que fôra sua gente.
+Que mal lhe fez á bolsa, em que só pensa,
+A antiga tradição, a antiga crença?
+Desertou; e bem viu que foi tranquillo.
+Nenhum tiro se deu a perseguil-o.
+Nenhuma voz se ergueu bradando--raca--,
+Nem ninguem lhe puxou pela casaca.
+Virou-a como quiz; e nem as trovas
+D'aquelle _José Paes de Torres Novas_
+Ninguem lhe recordou: assim, nem pio,
+Que mais calvo o farão, e inda faz frio.
+Se seu honrado pae resuscitasse
+Como o rubor lhe subiria á face
+Vendo o filho truão na patria cara
+Cuspir injurias, com facecia ignara;
+Vendo o filho nos tempos em que vamos
+Morder insano a procissão de Ramos!
+Que tem, que póde ter gambia obscena,
+Em anzol de patacos sobre a scena,
+Com pia procissão, qualquer que seja,
+Dês que tem por escudo a Santa Egreja?
+Como o tal velho Palha encresparia
+O sobr'olho a toda esta porcaria?
+Vêr seu filho gabando os assobios
+D'amoladinhos vãos e de vadios;
+Censurar a gravata séria e lisa;
+O _pé fresco_ exaltar; gente em camisa;
+Ser-lhe, emfim, tudo antigo de quizilia
+E comicos só ter como familia!...
+Ó manes venerandos e _embécados_
+Dos Desembargadores, sois trocados
+Na voz do filho e neto, em sêde d'ouro.
+Por titeres do palco! Forte estouro
+Levava o tal amigo se surgia
+Toda a Palha anciã, se não morria
+De vergonha outra vez, que é coisa dura
+Ver por nossos mordida a sepultura!
+Mas basta, senhor Palha, e se inda a fome
+Lhe exige mais roer, roa em seu nome.
+
+ (_A Nação_).
+
+
+_CONTRARIEDADE_
+
+ _.......... e nunca teve
+ Hora mais infeliz....._
+
+ (V. Exc.ª mesmo).
+
+Cantor das duzias, teu rosto
+porque é que encobres assim?
+Quem és tu? Es Arlequim?
+Es o Furioso de Ariosto?
+Es o Roberto Pimpim?
+
+És um anão Torquemada
+com pretensões a Vestal,
+fructo da copla carnal
+do author da _Besta esfolada_
+e do esfolado animal?...
+
+Não és coisa alguma d'estas?
+Então, ó santinho, o que és?
+Pedes p'r'a missa das dez,
+ou tocas órgão nas festas
+e dás aos folles co'os pés?
+
+Pela linguagem rasteira
+comtigo decerto dou.
+Se pae não és, és avô
+da que chamas regateira,
+da propria filha da Angot.
+
+E a neta engeitas?... e á neta
+condemnas a phrase chã?
+Que cheira mal a hortelã
+dizêl-o póde, pateta,
+a vil cebola albarrã?
+
+É franca? P'ra sempre o seja.
+Vale mais ter esse dom
+que ser beato e maçon
+e berrar que é contra a Egreja
+_colhér e trolha!..._ Chiton!
+
+Mostra uma perna? Essa é boa!
+Olhem lá co'o que elle vem!
+Mostrou uma? Pois tambem
+você percorre Lisboa
+mostrando as quatro que tem.
+
+Ó sociedade corrupta!...
+Ó moralista infeliz!...
+que viste a perna da actriz
+e em vez de beber cicuta
+vaes beber... ao chafariz!
+
+Eu sei que o mundo é doente.
+Tem um scirro que o corroe.
+Além d'isso ao fraco heroe
+doe-lhe inda a raiz do dente
+que foi arrancar a Alcoy.
+
+Ao mais pequeno symptoma
+que indique augmento do mal
+recresce a faina geral.
+Com papas lhe acode Roma
+na região temporal;
+
+Dá-lhe sangrias Castella;
+põe-lhe um cauterio o allemão,
+emquanto mata o capão
+e ferve á pressa a panella
+a Italia no seu vulcão.
+
+Em França a magna assemblea
+revôlta, ignara, loquaz,
+discute se é agua raz
+ou se é forca a panacea
+n'este momento efficaz.
+
+Seguindo o fraterno impulso,
+o frio, sizudo inglez
+chega-se ao leito do endez
+e diz, tomando-lhe o pulso:
+_Inda não vae d'esta vez._
+
+E o pai da magra Siberia,
+o grande doutor Moscow,
+da casa de Deus avô
+brama:--_Pois se a coisa é séria,
+ó rapazinhos, lá vou._
+
+Mas tu co'os teus alfarrabios
+e com teu surriso alvar
+é vêr, apalpar, e... obrar.
+Podera! Que valem sabios
+onde apparece o alveitar?...
+
+Assim, receitas á antiga:
+«Dois grãos de moral... de Adão,
+que andou nú e foi burlão.
+Com elles faça uma figa,
+raspe, e metta de infusão.
+
+«Deite depois disciplinas
+com ponta de pita e nó.
+Misture São Pedro em pó,
+e co'as minhas proprias clinas
+fomente o enfermo sem dó.
+
+«Note bem. Rigor na dieta
+de acepipes liberaes.
+Não cheirar sequer jornaes.
+Se a cura for incompleta
+dê-lhe mais... e mais... e mais!»
+
+O mau, o peior, o diabo,
+ó cego Miramolim,
+é que essa droga ruim
+por um triz que já deu cabo
+do mundo vezes sem fim.
+
+Não faças mais medicina
+que o tempo gastas em vão;
+e, se és tolo ou charlatão,
+grunhe contra a tua sina,
+mas contra mim, isso não.
+
+Porque andei lá na botica
+de _avantal_ e braços nús,
+porque os xaropes compuz,
+mais e mais se justifica
+meu tédio pelo alcaçuz.
+
+E se a _Nação_ me deu mama,
+se ao collo trazer-me quiz,
+porque estranhas se lhe eu fiz
+no regaço e p'ra tal ama
+o que faz todo o petiz?!
+
+Sob a campa que os encerra
+deixa tranquillos os meus.
+Não chames, rei dos pygmeus,
+para as contendas da terra
+aquelles que estão com Deus.
+
+Do seu tempo honradamente
+seguiram costume e lei.
+Com ser do meu provarei
+que amo a patria, a minha gente,
+e o seu exemplo imitei.
+
+E se algum, velha maluca,
+surgisse da eterna paz,
+de provar-me era incapaz,
+que os olhos estão na nuca;
+que o _direito_ é andar p'ra traz.
+
+
+_SENTENÇA_
+
+Estes autos correndo folha a folha,
+d'elles fica provado á saciedade
+que tem bolha a _Nação_, e que tem bolha
+ o Palha da Trindade.
+Marfára-se o jornal só porque em scena
+ mostrára certa artista
+uma das pernas gordas, e essa--obscena.
+O Palha redarguiu: que era uma pena
+ e, mais, uma injustiça
+tratar como se fôra de corista
+a perna d'uma actriz--das de mão cheia;
+ --que a perna era a cubiça
+ do velho jornalista;
+--que o ferro d'elle, o ferro... era que a meia
+cobrisse aquella gambia tão roliça;
+ por fim--que era um sacrista...
+insulto enorme a quem ajuda á missa!
+
+ Ás partes deu-se vista
+da perna questionada. Era postiça.
+
+Recalcitra a _Nação_, accesa em febre:
+--que fôra burla torpe, e facto novo
+em terra portugueza, dar-se ao povo
+ um gato em vez de lebre.
+--Que falsa ou verdadeira a perna fosse,
+de rama d'algodão, ou simples cana,
+sempre era perna, e _gratis_ dava um dôce
+a quem de lhe morder não désse a gana.
+ D'ahi a grave offensa
+á pureza moral da raça humana;
+ a indignação immensa
+d'uma sã consciencia ultramontana!
+--Que o Palha tambem fôra antigamente
+ irmão na sacristia
+levantando a ração, conforme a havia,
+ e sempre com bom dente.
+ --Que lá n'um bello dia
+fugira como um burro cacilheiro
+sem lhe gritarem: _Chó!..._ Que santa gente!
+
+Que o réles emprezario, tendo o fito
+ nas cruzes do dinheiro,
+ trazia todo inteiro,
+aos pinchos, dentro em si, um vil cabrito:
+a fórma d'animal mais predilecta
+ do Belzebuth maldito
+quando a noss'alma empanzinar projecta.
+--Que os paes, avós, emfim toda a Palhada
+que jaz na cova, qual vivera, honrada,
+ por causa da tal perna
+ ficára condemnada
+d'uma eterna vergonha á dôr eterna.
+O réo contesta, e diz:
+ --Que era verdade
+ haver por lá andado;
+ mas n'uma tal edade
+que não chegára nunca a ser ferrado.
+ --Que o tinham n'um cerrado
+onde brotava apenas a Saudade;
+ constante era a estiagem;
+ o ceu caliginoso;
+de lagrimas sómente a beberagem;
+por festa o cardo; espinhos só por goso.
+--Que tiritando ali, aguado o pêllo,
+ extincto o movimento,
+transportado se vira n'um momento
+ás pávidas mansões do eterno gêlo.
+--Que, lá muito de longe, a Liberdade
+ lhe fez então negaças.
+
+«Tens frio?... Vem. Aqueço. A escuridade
+é de razão deixal-a á sepultura,
+veu das caveiras, manto das carcassas!
+Chama-te a luz! a luz que vem da altura
+dos iriados ceus!... Surge!... Caminha!...
+Quanto mais caminhar a humanidade
+do espirito de Deus mais se avisinha.»
+
+Apoz da seducçáo d'aquelle canto,
+ ouvindo aquelles hymnos,
+homem por elles feito, erguida a fronte,
+partira ancioso em busca do horisonte
+onde, envolvida em nimbos purpurinos,
+ c'roada d'amaranto,
+ a deusa refulgia.
+Partira. Fôra. E não se arrependia.
+
+Conspurcal-a pretendem? Na passagem
+cospem-lhe insultos? Baixam-lhe a pagode
+o templo augusto? Arrastam-na á voragem?
+Ella é pura sempre; é sempre forte!
+Póde velar seu rosto; só não póde,
+sem que renasça, captival-a a morte!
+
+E disse mais. E disse d'esta sorte:
+--Que mesmo ao Santo Padre, e mais é santo,
+não faz o dinheirinho um mau cabello...
+nem, em nome de Pedro, recebêl-o.
+Para engeital-o, em menospreço tel-o,
+nas mãos como José largar-lhe o manto,
+um pobre peccador e Belisario,
+ seria necessario
+ que fosse um dromedario;
+ que fosse um gran camêlo!
+
+--Que exhibir uma perna no theatro
+não era nada comparado ás quatro
+sobre as quaes a _Nação_ a qualquer hora
+vae, cabisbaixa, manquejando legoas
+por esse paiz fóra.
+
+ --Que em seu rancor profundo,
+sendo christã, não dera ao menos tregoas
+áquelles que dormiam descançados
+ nas sombras do outro mundo!...
+ Coitados!...
+ Sim; coitados!
+Empenharam-se juntos na batalha
+em pró do mesmo rei. Nos mesmos fossos
+o mesmo pó morderam. Na mortalha
+nem isso lhes valeu!
+ Ai! pobres ossos!
+
+Ouvidos por tal fórma ambos os lados;
+e
+ --Sendo mais que certo
+que a folha authora, os olhos pondo em Christo,
+por um cantinho d'elles já tem visto
+pernas no palco, e pernas mais ao perto,
+sem que torça o nariz ou mostre nojo;
+--Não podendo a Moral chegar tão longe
+que exija a cada canto um Varatojo,
+nem de cada mortal engendre um monge
+ dormindo sobre o tojo;
+e
+ Visto que a _Nação_ no seu ataque
+foi rude, e foi cruel, e deu motivo
+ do Palha ao fogo vivo
+ que a poz, no ardor do saque,
+pouco mais, pouco menos, como um crivo;
+
+--Sendo que o Palha, embora na defeza,
+ faltou ás leis da guerra
+contundindo a _Nação_ prostrada em terra;
+inutil, bestial, impia fereza,
+inda em cima aggravada na certeza
+de estar sovando um martyr;
+ Attendendo
+a ter o mesmo reu a consciencia
+ do mal que procedia
+quando, esquecendo a antiga convivencia
+ por futil ninharia,
+em vez de lhe deitar logo um remendo
+se poz a esg'ravatar na porcaria;
+Manda a Justiça, a cega, a que é machucha,
+ a pomba immaculada,
+ a fossil que nem chucha
+nem consente sequer em ser chuchada;
+ordena a incorruptivel,--Deus lhes valha!...
+que vejam bruxa os dois! Veja uma bruxa
+a bruxa da _Nação_! Veja outra o Palha.
+
+Assim, condemno os dois da vida airada.
+
+Em castigo ao jornal seja o Libello,
+n'um livro, publicado. E que o releia,
+(pequena penitencia ao grande excesso!)
+quem á bilis soez abriu a veia.
+Saibam-lhe a fel, e trinque-os sempre á ceia,
+os fructos do seu odio!
+ Dal-o ao prelo,
+dar-se a si mesmo em elzevir impresso,
+jungidos ambos, presos n'um só elo,
+do Palha a pena seja, e o seu flagello!
+
+ Na mesma falta incursos,
+e n'outra falta ainda, a de recursos,
+paguem os dois as custas do processo.
+
+
+
+
+_INDICE_
+
+
+Dona Morte
+
+Por fim
+
+Carta ao Conde d'Almedina, Inspector da Academia Real de Bellas-Artes,
+que no estrangeiro sollicitou uma commenda para o author
+
+Requerimento
+
+Prefacio d'um livro inedito
+
+Mal por mal
+
+A uma creatura
+
+Além da campa
+
+A Julio Cesar Machado, que em folhetim do _Diario de Noticias_ dirigira
+ao author phrases benevolas
+
+Dies iræ
+
+O meu tinteiro
+
+A Venus nova
+
+O lobo e o cão
+
+Deus e o Amor
+
+Enteada
+
+N'um album
+
+Raphaela
+
+As minhas memorias
+
+Estrella cadente
+
+Ao actor João Anastacio Rosa que, na sua officina de sapateiro, mandára
+fazer para uso do author umas botas impermeaveis
+
+Ás rãs pedindo rei
+
+Onze de Novembro
+
+Assim é que eu gósto d'ella!
+
+Em Cintra
+
+Pedindo o indulto d'um alumno militar que em 1872 foi expulso do Lyceu
+de Lisboa por não haver restituido a outro alumno um livro que lhe
+pedira emprestado
+
+Processo (1875)
+
+ Libello
+
+ Contrariedade
+
+ Sentença
+
+
+
+
+
+End of the Project Gutenberg EBook of Musa Velha, by Francisco Palha
+
+*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK MUSA VELHA ***
+
+***** This file should be named 27940-8.txt or 27940-8.zip *****
+This and all associated files of various formats will be found in:
+ https://www.gutenberg.org/2/7/9/4/27940/
+
+Produced by Pedro Saborano
+
+Updated editions will replace the previous one--the old editions
+will be renamed.
+
+Creating the works from public domain print editions means that no
+one owns a United States copyright in these works, so the Foundation
+(and you!) can copy and distribute it in the United States without
+permission and without paying copyright royalties. Special rules,
+set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to
+copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to
+protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. Project
+Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you
+charge for the eBooks, unless you receive specific permission. If you
+do not charge anything for copies of this eBook, complying with the
+rules is very easy. You may use this eBook for nearly any purpose
+such as creation of derivative works, reports, performances and
+research. They may be modified and printed and given away--you may do
+practically ANYTHING with public domain eBooks. Redistribution is
+subject to the trademark license, especially commercial
+redistribution.
+
+
+
+*** START: FULL LICENSE ***
+
+THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE
+PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK
+
+To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free
+distribution of electronic works, by using or distributing this work
+(or any other work associated in any way with the phrase "Project
+Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full Project
+Gutenberg-tm License (available with this file or online at
+https://gutenberg.org/license).
+
+
+Section 1. General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tm
+electronic works
+
+1.A. By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm
+electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to
+and accept all the terms of this license and intellectual property
+(trademark/copyright) agreement. If you do not agree to abide by all
+the terms of this agreement, you must cease using and return or destroy
+all copies of Project Gutenberg-tm electronic works in your possession.
+If you paid a fee for obtaining a copy of or access to a Project
+Gutenberg-tm electronic work and you do not agree to be bound by the
+terms of this agreement, you may obtain a refund from the person or
+entity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8.
+
+1.B. "Project Gutenberg" is a registered trademark. It may only be
+used on or associated in any way with an electronic work by people who
+agree to be bound by the terms of this agreement. There are a few
+things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works
+even without complying with the full terms of this agreement. See
+paragraph 1.C below. There are a lot of things you can do with Project
+Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement
+and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic
+works. See paragraph 1.E below.
+
+1.C. The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation"
+or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project
+Gutenberg-tm electronic works. Nearly all the individual works in the
+collection are in the public domain in the United States. If an
+individual work is in the public domain in the United States and you are
+located in the United States, we do not claim a right to prevent you from
+copying, distributing, performing, displaying or creating derivative
+works based on the work as long as all references to Project Gutenberg
+are removed. Of course, we hope that you will support the Project
+Gutenberg-tm mission of promoting free access to electronic works by
+freely sharing Project Gutenberg-tm works in compliance with the terms of
+this agreement for keeping the Project Gutenberg-tm name associated with
+the work. You can easily comply with the terms of this agreement by
+keeping this work in the same format with its attached full Project
+Gutenberg-tm License when you share it without charge with others.
+
+1.D. The copyright laws of the place where you are located also govern
+what you can do with this work. Copyright laws in most countries are in
+a constant state of change. If you are outside the United States, check
+the laws of your country in addition to the terms of this agreement
+before downloading, copying, displaying, performing, distributing or
+creating derivative works based on this work or any other Project
+Gutenberg-tm work. The Foundation makes no representations concerning
+the copyright status of any work in any country outside the United
+States.
+
+1.E. Unless you have removed all references to Project Gutenberg:
+
+1.E.1. The following sentence, with active links to, or other immediate
+access to, the full Project Gutenberg-tm License must appear prominently
+whenever any copy of a Project Gutenberg-tm work (any work on which the
+phrase "Project Gutenberg" appears, or with which the phrase "Project
+Gutenberg" is associated) is accessed, displayed, performed, viewed,
+copied or distributed:
+
+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
+almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
+re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
+with this eBook or online at www.gutenberg.org
+
+1.E.2. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is derived
+from the public domain (does not contain a notice indicating that it is
+posted with permission of the copyright holder), the work can be copied
+and distributed to anyone in the United States without paying any fees
+or charges. If you are redistributing or providing access to a work
+with the phrase "Project Gutenberg" associated with or appearing on the
+work, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1
+through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and the
+Project Gutenberg-tm trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or
+1.E.9.
+
+1.E.3. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is posted
+with the permission of the copyright holder, your use and distribution
+must comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additional
+terms imposed by the copyright holder. Additional terms will be linked
+to the Project Gutenberg-tm License for all works posted with the
+permission of the copyright holder found at the beginning of this work.
+
+1.E.4. Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg-tm
+License terms from this work, or any files containing a part of this
+work or any other work associated with Project Gutenberg-tm.
+
+1.E.5. Do not copy, display, perform, distribute or redistribute this
+electronic work, or any part of this electronic work, without
+prominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 with
+active links or immediate access to the full terms of the Project
+Gutenberg-tm License.
+
+1.E.6. You may convert to and distribute this work in any binary,
+compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including any
+word processing or hypertext form. However, if you provide access to or
+distribute copies of a Project Gutenberg-tm work in a format other than
+"Plain Vanilla ASCII" or other format used in the official version
+posted on the official Project Gutenberg-tm web site (www.gutenberg.org),
+you must, at no additional cost, fee or expense to the user, provide a
+copy, a means of exporting a copy, or a means of obtaining a copy upon
+request, of the work in its original "Plain Vanilla ASCII" or other
+form. Any alternate format must include the full Project Gutenberg-tm
+License as specified in paragraph 1.E.1.
+
+1.E.7. Do not charge a fee for access to, viewing, displaying,
+performing, copying or distributing any Project Gutenberg-tm works
+unless you comply with paragraph 1.E.8 or 1.E.9.
+
+1.E.8. You may charge a reasonable fee for copies of or providing
+access to or distributing Project Gutenberg-tm electronic works provided
+that
+
+- You pay a royalty fee of 20% of the gross profits you derive from
+ the use of Project Gutenberg-tm works calculated using the method
+ you already use to calculate your applicable taxes. The fee is
+ owed to the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, but he
+ has agreed to donate royalties under this paragraph to the
+ Project Gutenberg Literary Archive Foundation. Royalty payments
+ must be paid within 60 days following each date on which you
+ prepare (or are legally required to prepare) your periodic tax
+ returns. Royalty payments should be clearly marked as such and
+ sent to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation at the
+ address specified in Section 4, "Information about donations to
+ the Project Gutenberg Literary Archive Foundation."
+
+- You provide a full refund of any money paid by a user who notifies
+ you in writing (or by e-mail) within 30 days of receipt that s/he
+ does not agree to the terms of the full Project Gutenberg-tm
+ License. You must require such a user to return or
+ destroy all copies of the works possessed in a physical medium
+ and discontinue all use of and all access to other copies of
+ Project Gutenberg-tm works.
+
+- You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any
+ money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the
+ electronic work is discovered and reported to you within 90 days
+ of receipt of the work.
+
+- You comply with all other terms of this agreement for free
+ distribution of Project Gutenberg-tm works.
+
+1.E.9. If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm
+electronic work or group of works on different terms than are set
+forth in this agreement, you must obtain permission in writing from
+both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael
+Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark. Contact the
+Foundation as set forth in Section 3 below.
+
+1.F.
+
+1.F.1. Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable
+effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread
+public domain works in creating the Project Gutenberg-tm
+collection. Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic
+works, and the medium on which they may be stored, may contain
+"Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or
+corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual
+property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a
+computer virus, or computer codes that damage or cannot be read by
+your equipment.
+
+1.F.2. LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the "Right
+of Replacement or Refund" described in paragraph 1.F.3, the Project
+Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project
+Gutenberg-tm trademark, and any other party distributing a Project
+Gutenberg-tm electronic work under this agreement, disclaim all
+liability to you for damages, costs and expenses, including legal
+fees. YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICT
+LIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSE
+PROVIDED IN PARAGRAPH F3. YOU AGREE THAT THE FOUNDATION, THE
+TRADEMARK OWNER, AND ANY DISTRIBUTOR UNDER THIS AGREEMENT WILL NOT BE
+LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR
+INCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCH
+DAMAGE.
+
+1.F.3. LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover a
+defect in this electronic work within 90 days of receiving it, you can
+receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a
+written explanation to the person you received the work from. If you
+received the work on a physical medium, you must return the medium with
+your written explanation. The person or entity that provided you with
+the defective work may elect to provide a replacement copy in lieu of a
+refund. If you received the work electronically, the person or entity
+providing it to you may choose to give you a second opportunity to
+receive the work electronically in lieu of a refund. If the second copy
+is also defective, you may demand a refund in writing without further
+opportunities to fix the problem.
+
+1.F.4. Except for the limited right of replacement or refund set forth
+in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER
+WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO
+WARRANTIES OF MERCHANTIBILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE.
+
+1.F.5. Some states do not allow disclaimers of certain implied
+warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages.
+If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the
+law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be
+interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by
+the applicable state law. The invalidity or unenforceability of any
+provision of this agreement shall not void the remaining provisions.
+
+1.F.6. INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the
+trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone
+providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance
+with this agreement, and any volunteers associated with the production,
+promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works,
+harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees,
+that arise directly or indirectly from any of the following which you do
+or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm
+work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any
+Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause.
+
+
+Section 2. Information about the Mission of Project Gutenberg-tm
+
+Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of
+electronic works in formats readable by the widest variety of computers
+including obsolete, old, middle-aged and new computers. It exists
+because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from
+people in all walks of life.
+
+Volunteers and financial support to provide volunteers with the
+assistance they need are critical to reaching Project Gutenberg-tm's
+goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will
+remain freely available for generations to come. In 2001, the Project
+Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
+and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations.
+To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
+and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
+and the Foundation web page at https://www.pglaf.org.
+
+
+Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive
+Foundation
+
+The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
+501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
+state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal
+Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification
+number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at
+https://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
+permitted by U.S. federal laws and your state's laws.
+
+The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S.
+Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered
+throughout numerous locations. Its business office is located at
+809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email
+business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact
+information can be found at the Foundation's web site and official
+page at https://pglaf.org
+
+For additional contact information:
+ Dr. Gregory B. Newby
+ Chief Executive and Director
+ gbnewby@pglaf.org
+
+
+Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation
+
+Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide
+spread public support and donations to carry out its mission of
+increasing the number of public domain and licensed works that can be
+freely distributed in machine readable form accessible by the widest
+array of equipment including outdated equipment. Many small donations
+($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt
+status with the IRS.
+
+The Foundation is committed to complying with the laws regulating
+charities and charitable donations in all 50 states of the United
+States. Compliance requirements are not uniform and it takes a
+considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up
+with these requirements. We do not solicit donations in locations
+where we have not received written confirmation of compliance. To
+SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any
+particular state visit https://pglaf.org
+
+While we cannot and do not solicit contributions from states where we
+have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition
+against accepting unsolicited donations from donors in such states who
+approach us with offers to donate.
+
+International donations are gratefully accepted, but we cannot make
+any statements concerning tax treatment of donations received from
+outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff.
+
+Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation
+methods and addresses. Donations are accepted in a number of other
+ways including including checks, online payments and credit card
+donations. To donate, please visit: https://pglaf.org/donate
+
+
+Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic
+works.
+
+Professor Michael S. Hart was the originator of the Project Gutenberg-tm
+concept of a library of electronic works that could be freely shared
+with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project
+Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support.
+
+
+Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed
+editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S.
+unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily
+keep eBooks in compliance with any particular paper edition.
+
+
+Most people start at our Web site which has the main PG search facility:
+
+ https://www.gutenberg.org
+
+This Web site includes information about Project Gutenberg-tm,
+including how to make donations to the Project Gutenberg Literary
+Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to
+subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.
diff --git a/27940-8.zip b/27940-8.zip
new file mode 100644
index 0000000..55946fc
--- /dev/null
+++ b/27940-8.zip
Binary files differ
diff --git a/27940-h.zip b/27940-h.zip
new file mode 100644
index 0000000..3af03f6
--- /dev/null
+++ b/27940-h.zip
Binary files differ
diff --git a/27940-h/27940-h.htm b/27940-h/27940-h.htm
new file mode 100644
index 0000000..3c32407
--- /dev/null
+++ b/27940-h/27940-h.htm
@@ -0,0 +1,3924 @@
+<!DOCTYPE HTML PUBLIC "-//W3C//DTD HTML 4.01 Transitional//EN" "http://www.w3.org/TR/html4/loose.dtd">
+<html lang="pt">
+<head>
+ <title>Musa Velha, por Francisco Palha</title>
+ <meta http-equiv="content-type" content="text/html; charset=iso-8859-15">
+ <meta name="Author" content="Francisco Palha">
+ <meta name="Date" content="1883">
+ <meta name="Publisher" content="Ernesto Chardron, Editor">
+ <style type="text/css">
+ body{margin-left: 10%;
+ margin-right: 10%;
+ }
+ .pagenum {
+ text-indent: 0em;
+ position: absolute;
+ left: 92%;
+ font-size: small;
+ text-align: right;
+ color: silver;
+ }
+ h1, h2, h3 {text-align: center; margin-top: 3em; margin-bottom: 2em;}
+ .sc {font-variant: small-caps;}
+ blockquote {font-size: 90%;}
+ .rodape {font-size: small; margin: 1em;}
+ a {text-decoration: none;}
+ pre {margin-left: 10em;}
+ .sup {position: relative; bottom: 0.5em; font-size: 80%;}
+ </style>
+</head>
+
+<body>
+
+
+<pre>
+
+The Project Gutenberg EBook of Musa Velha, by Francisco Palha
+
+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
+almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
+re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
+with this eBook or online at www.gutenberg.org
+
+
+Title: Musa Velha
+
+Author: Francisco Palha
+
+Release Date: January 31, 2009 [EBook #27940]
+
+Language: Portuguese
+
+Character set encoding: ISO-8859-1
+
+*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK MUSA VELHA ***
+
+
+
+
+Produced by Pedro Saborano
+
+
+
+
+
+</pre>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="text-align: center;font-size: 1.5em;">MUSA VELHA</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="text-align: center; font-size: small">Porto: 1883&mdash;Typ. de A. J. da
+Silva Teixeira<br>
+62, Rua da Cancella Velha, 62</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<div style="text-align: center; border: solid 2px #000000;">
+<p>FRANCISCO PALHA</p>
+
+<p style="font-size: 3em; color: red;">MUSA VELHA</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>PORTO <br>
+ERNESTO CHARDRON, EDITOR<br>
+1883</p>
+</div>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="margin-left: 10em;"><em>Virgem dos olhos negros, se em tua alma<br>
+memoria inda conservas d'outro tempo,<br>
+só tu entenderás porque este livro<br>
+ousa ás trevas fugir, e o sol encara;<br>
+mas como quem escreve e quem publica<br>
+não perde tempo, nem dinheiro gasta<br>
+para teus ocios entreter sómente,<br>
+deixa-me vêr se á força de assignantes,<br>
+de venda avulsa, exemplares de mofo,<br>
+ha mais no mundo quem me entenda e leia.</em><span class="pagenum">[<a
+id="pag-6" name="pag-6">6</a>]</span></p>
+
+<p><span class="pagenum">[<a id="pag-7" name="pag-7">7</a>]</span></p>
+
+<h1><span class="sc">Musa velha</span></h1>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h2><em>DONA MORTE</em></h2>
+<pre>Deu na tonta de entrar na minha escada
+ á Dona Morte um dia.
+ A pobre anda estafada
+do continuo ceifar desde que ao nada
+por divinaes processos da alchimia
+ a terra foi roubada.
+
+ *
+
+Da comprida queixola desdentada
+esta sentida nenia lhe saía:
+ &mdash;Senhor! forte estopada!
+Sem poisar a caveira o mundo corro.<span class="pagenum">[<a id="pag-8" name="pag-8">8</a>]</span>
+Em toda a parte estou. A toda a hora
+prostro alguem a meus pés, e geme, e chora
+por minha culpa alguem! Nenhuma aurora,
+ de luz nenhuma o jorro,
+as orbitas vazias me alumia!...
+Nunca uma esp'rança! nunca uma alegria!
+Á dôr alheia pondo um suave termo
+só a minha o não tem!... Só eu não morro
+emquanto o mundo não tornar um ermo!...
+Á obra! Á obra!&mdash;
+ E lepida subindo
+ tocou a campainha:
+um lugubre tocar que dava medo;
+que não mais deixarei de estar ouvindo,
+e fez com que eu então, muito em segredo,
+ rezasse a ladainha.
+
+ *
+
+Era um simples aviso, pois que a porta
+por si se escancarou e deu entrada
+ áquella feia ossada
+de vermes revestida, e negra, e torta,
+de mim ha longo tempo enamorada.
+
+ &mdash;Senhora Morte, viva!&mdash;
+disse ao vêl-a, fingindo animo forte;
+mas cá por dentro, como a sensitiva<span class="pagenum">[<a id="pag-9" name="pag-9">9</a>]</span>
+n'haste as folhas retráe que lh'as não córte
+ quem d'ella se aproxima
+e levemente a mão lhe põe por cima,
+cá por dentro a minh'alma, em pasmo estranho
+por vêr-se em tão cruel extremidade,
+foi-se encolhendo até ser do tamanho
+ d'um reles feijão frade!
+
+ *
+
+ &mdash;Desculpe a impertinencia&mdash;
+continuei.&mdash;Como é que usam tratal-a?
+ Por tu? Por <em>Excellencia</em>
+como é hoje tratada toda a gente?&mdash;
+ «A mim é-me indifferente.
+Não faz ninguem de tal miseria gala
+no reino onde eu impero.»
+ Esta resposta
+me deu a Dona Morte, e junto ao leito,
+onde eu espreguiçava a mandrieira,
+ chegou; puxou cadeira;
+sentou-se gravemente, sobreposta
+uma rótula n'outra.
+ Com effeito
+mau é vêl-a!... peior á cabeceira!
+E poz-me a fria mão aqui no peito.
+«Que bons pulmões tens tu! e como pulsa
+na tua idade o coração ainda
+pelas paixões mundanas agitado!»<span class="pagenum">[<a id="pag-10" name="pag-10">10</a>]</span>
+&mdash;Então...&mdash;volvi com voz menos convulsa&mdash;
+inda tenho a viver um bom bocado?!&mdash;
+ «Conforme. Tudo finda
+quando me apraz e breve.»
+ &mdash;Se ao teu lado
+para afastar-te eu não chamar a Siencia.&mdash;
+«Dou-te um dôce que a chames! Cáe tu n'essa!
+descobriste a maneira, tem paciencia,
+de eu carregar comtigo mais depressa.»
+
+&mdash;Banal! Banal! Cuidei que era outra coisa&mdash;
+rosnei com meus botões.&mdash;Um vende bolas,
+um palurdio qualquer vindo de Loiza,
+da Lourinhã, do inferno, esta sandice
+ancho diria qual a Morte a disse.
+
+ *
+
+Ella no entanto, um pé bamboleando,
+co'as phalanges dos dedos descarnados
+batendo sobre a tibia, ia soltando
+ uns sons de castanholas
+com que sóe convocar gatos pingados
+ás grandes, funerarias cabriolas.<span class="pagenum">[<a id="pag-11" name="pag-11">11</a>]</span>
+ Após pequena pausa
+de subito se ergueu.
+ «Não ha remedio!
+ Deixar-te vou por causa
+d'uns ganchitos que tenho aqui no predio.
+O cónego não dorme ha tres semanas.
+Rouba-lhe o ar a suffocante angina
+ que o peito dilacera.
+Tem esgotado as provações humanas.
+Na longa vida santamente austera
+fez jus, coitado! á compaixão divina.
+ Melhor que o da morphina,
+premio á virtude, um somno lhe preparo
+brando, quieto, sereno como um lago.
+Apanha o padre agora! e apanha, é claro,
+quem lhe abichar na Sé o logar vago.
+O conego aviado, tenho uns planos
+de ir tocar no ferrolho ao conselheiro.
+Quero abater-lhe a prôa!... Setenta annos
+ e sóbe inda lampeiro
+outros tantos degraus!... Então córado!
+ redondo!... Uma cereja!...
+ E como se espenneja
+quando vae pela rua engravatado,
+para as moças olhando ás furtadellas
+como quem diz: <em>Assim quisessem ellas!</em>
+Chucha um pisco ao jantar; um pisco á ceia.
+ Por não dormir de tarde<span class="pagenum">[<a id="pag-12" name="pag-12">12</a>]</span>
+nem trazer nunca a barriguinha cheia
+considera-se livre do meu jugo
+ e d'isso faz alarde!
+Pois tu vaes vêr, fradinho de sabugo!»
+
+ Travou da arqueada foice;
+disse-me:&mdash;«Adeus! Eu volto. Eu volto. Espera»:
+ virou a espinha, e foi-se.
+
+ *
+
+Sim, que te espero! Aqui te aguardo, ó fera!
+
+ *
+
+Mal passado um minuto, instantes, penso,
+portas a abrir-se, gente que subia
+resmoneando latim, e cheiro a incenso.
+o <em>opoponax</em> da velha liturgia.
+
+Desci. Curvei-me. Bemaventurado
+aquelle que tem fé! Como um soldado,
+firme em seu posto o conego morria.
+
+ *
+
+Volto a casa. Corri logo á janella.
+Nos amplos ceus azues esmorecia
+a luz d'um sol d'abril. Do floreo seio<span class="pagenum">[<a id="pag-13" name="pag-13">13</a>]</span>
+perfumes exhalava a Primavera
+fallando-me por modo que a entendia.
+Quanto distava, quão diversa que era
+ da outra scena aquella!
+Então clamei: <em>Em ti, meu Deus, eu creio!</em>
+
+Um mez depois alguem contar-me veio:
+&mdash;Lá puxou o visinho aqui do lado!
+Hontem, depois do chá e o rol escripto,
+saíu da mesa, deu-lhe uma tontura,
+rodopiou, caíu na sepultura
+co'a paz na consciencia e o palito
+no canto inda da bocca!&mdash;
+
+ No outro dia
+foi-se o bom conselheiro, encaixotado,
+ direito ao cemiterio.
+ Na turba que o seguia
+havia quem dissesse: <em>Um homem sério!</em>
+ E tudo era acabado.
+
+ *
+
+Chega-me agora a vez. Prompto! Presente!
+Prompto sou a marchar!... mas descontente.<span class="pagenum">[<a id="pag-14" name="pag-14">14</a>]</span>
+Não que eu tema morrer. Quem morre inteiro?
+Aquillo que me assusta, o que me aterra
+é sómente a lembrança de que á terra,
+tal qual se semeasse fava ou trigo,
+ o bruto do coveiro
+cantarolando, atirará commigo!
+
+Eu, que respiro ao sol da liberdade,
+fechado n'um segredo humido, immenso,
+frio, escuro, por toda a eternidade!
+Preso... amarrado ali! Meu nome inscripto
+n'um livro negro, em folhas côr d'ict'ricia,
+como se inscreve em notas de policia
+o nome do gatuno a quem o apito
+tranquillo não deixou bifar um lenço!
+Numerado inda em cima! numerado
+como um grilheta!... <em>O cento e trinta e cinco.</em>
+de cestos de cal virgem carregado
+p'ra todo o sempre n'um caixão de zinco!...
+
+ *
+
+Não estou pelos autos. Não!... Protesto.
+Quando a morte vier por este resto,
+d'homem... de coisa... nem eu sei ao certo
+isso que fui, que sou, para o que presto:<span class="pagenum">[<a id="pag-15" name="pag-15">15</a>]</span>
+quando ella pois vier, e virá cedo...
+ e vem... que a sinto perto,
+ordeno que me estendam n'um penedo
+da minha amada Cintra. Redivivo,
+ á luz serena e pura
+dos puros ceus, o misero captivo
+reabrirá seus olhos porventura!
+Inda lá teu amor, tua belleza,
+a força me darão, tres <em>estrellinhas</em>,
+para affrontar a idade, a natureza,
+e triumphar do Eterno!
+ Com certeza
+que nem sequer, leitor, tu adivinhas,
+nem eu jámais direi de quem se trata.
+Bem o desejas tu, lingua de prata!
+Era um maná!
+
+ *
+
+ Ó sombra que fugiste,
+que sem cessar procuro em toda a parte
+ e não encontro nunca,
+porque é que tu não voltas, e d'est'arte
+de saudades a Dôr, teimosa, junca
+ o meu caminho triste?!
+Agora ao menos, anjo expatriado,
+ em que eu por ti resumo<span class="pagenum">[<a id="pag-16" name="pag-16">16</a>]</span>
+n'uma lagrima só as que hei chorado
+dês que te dei minh'alma até est'hora,
+porque é que tu não vens mostrar-me o rumo
+ do ninho teu d'outr'ora?!
+Vem! e guia-me tu n'este momento
+á dôce paz do suspirado porto!
+Foste na vida o meu maior tormento...
+Ai! Sê na morte o meu maior conforto!
+</pre>
+<span class="pagenum">[<a id="pag-17" name="pag-17">17</a>]</span>
+
+<h2><em>POR FIM...</em></h2>
+<pre>Tu queres, Dorinda, queres
+que eu tome os banhos da igreja?!
+Não será melhor que esteja
+de noite a fazer colheres,
+de dia a apanhar carqueja?!
+
+Pelo ceu! que o matrimonio
+não é mais que pellourinho,
+d'onde as barbas do visinho
+vemos ardendo! demonio
+disfarçado em Cupidinho.<span class="pagenum">[<a id="pag-18" name="pag-18">18</a>]</span>
+
+O outono com seu cortejo
+de folhas seccas no chão!
+O eterno adeus á illusão!
+O ultimo som do harpejo
+que Amor tira ao coração!
+
+O susto! a agonia! o trance
+de ir vivendo sempre á espreita
+se ha quem tornar-nos alcance,
+pois tal historia deleita,
+<em>altos</em> heroes d'um romance.
+
+E queres, Dorinda, queres
+que eu tome os banhos da igreja?!
+Para quê? Para que veja
+que entre todas as mulheres
+uma existe que sobeja?!
+
+Não! e não! Viva o solteiro!
+Aguia voando no espaço
+sem ter certo o paradeiro,
+e cravando as garras d'aço
+nas pombas que vê primeiro!<span class="pagenum">[<a id="pag-19" name="pag-19">19</a>]</span>
+
+Sae, e entra, e torna fóra
+sem que ninguem lhe interrogue
+onde foi, qual é a hora,
+nem pecuinhas lhe jogue
+sobre a provavel demora;
+
+Sem que a esposa ciumenta,
+Furia, Medusa, tormenta
+de más caras, más respostas,
+invente o que o diabo inventa:
+dormir-se costas com costas.
+
+E, depois, Madame Aline
+rôa as unhas! Que se fine
+entre rendas d'Alençon!
+que o meu dinheiro não tine
+p'ra que tu andes no tom!
+
+Já vês que debalde queres
+que eu tome os banhos da igreja.
+Iça o pau da carangueja!
+Nos turcos os escaleres,
+e para o largo veleja!<span class="pagenum">[<a id="pag-20" name="pag-20">20</a>]</span>
+
+Mas tambem... viver sósinho!
+Sem fé... perdido... sem ninho...
+Sem se erguer uma só voz
+na aridez d'este caminho
+a Deus orando por nós!!
+
+Retornando ao lar deserto
+achar tudo a <em>trochemoche</em>!...
+O bahu sem chave e aberto
+dizendo ao larapio:&mdash;<em>Entrouxe,
+que você é que é o esperto!</em>&mdash;
+
+Sempre mal fervida a sopa!
+Sempre o café mal torrado!
+Feita a passagem na roupa
+deixando o dono enleiado
+se foi a agulha se a choupa!
+
+Se ainda, Dorinda, queres
+que eu tome os banhos da igreja,
+não descances na peleja,
+que eu sou como os malmequeres:
+<em>não e sim</em>. Louvado seja!<span class="pagenum">[<a id="pag-21" name="pag-21">21</a>]</span>
+
+Ai! que é bom durante os ocios,
+na fortuna e na miseria,
+achar ao lado uma Egeria
+que, em se fallando em negocios,
+não tuja sobre a materia;
+
+Que seja como a romana,
+meio amor e meio roca;
+não sáia nunca da toca
+mais que uma vez por semana,
+nem tinja o cabello d'óca;
+
+Nem, quando a afiada foice
+da vida o fio nos córte,
+de rijo invective a Sorte,
+e diga baixinho:&mdash;<em>Foi-se!
+Quanto és minha amiga, ó morte!</em>&mdash;
+
+E d'aqui outro consolo
+melhor que maracujá
+e que o dôce de tijolo:
+ter quem, a rilhar n'um bolo,
+nos julgue e chame papá!<span class="pagenum">[<a id="pag-22" name="pag-22">22</a>]</span>
+
+Loura criancinha meiga,
+para o pai mimo celeste,
+e para o estranho uma peste
+que emporcalha de manteiga
+as calças que a gente veste.
+
+Inda agora é que eu reparo
+nos teus olhos, creatura!
+São negros... d'um negro raro!
+Negros como a noite escura
+com seus quês d'um sol bem claro!
+
+Alto o seio e pura neve
+que mil desejos excita!
+O pé delgadinho e breve;
+e quanto a mão... Deus permitta
+que a não tenhas muito leve.
+
+Dá-me o teu braço, Dorinda.
+Vamos aos banhos da igreja.
+Certo é que não graceja
+quem diz que os refrescos, linda,
+curam toda a brotoeja.<span class="pagenum">[<a id="pag-23" name="pag-23">23</a>]</span></pre>
+
+<h2><em>CARTA</em></h2>
+
+<p style="text-align: center;">ao Conde D'Almedina, Inspector da Academia Real
+de Bellas-Artes, que no estrangeiro sollicitou uma commenda para o author</p>
+<pre>Tratante d'inspector, cuidei-te amigo
+e sácas-te a mangar assim commigo!
+Traição! insidia! roubo! Eu, um pelintra
+que nem posso comprar um burro em Cintra,
+onde a commenda magna em chammas brilha
+sobre o manto azulado de escumilha
+que Deus usa no v'rão, e a natureza
+ironica sorri da pequeneza
+d'esta baixa comedia, eu&mdash;velho! eu&mdash;calvo!
+á publica irrisão a servir d'alvo?!...<span class="pagenum">[<a id="pag-24" name="pag-24">24</a>]</span>
+Qual foi meu crime? Qual? Era deveras
+menos duro entregar-me inteiro ás feras.
+Ridiculo não ha na gente morta.
+Fôra uma vez um Palha!... A questão corta
+e não se falla mais.&mdash;
+ Por não ter <em>guines</em>,
+tratante d'inspector, não me apepines.
+
+Eu amo a sombra fria. Odeio a moda.
+No bulicio d'um baile anda-me á roda
+a caixa do miolo; um labyrintho
+onde, perdido, entontecer-me sinto.
+Moem-me as praxes; pesam-me etiquetas,
+e tudo sei rasgar... menos baetas.
+Por mais que mire uns outros enfeitados,
+tão contentes de si, e tão coitados
+que julgam ser alguem!, não sei... não acho
+nem honra nem razão no berbicacho
+dourado, reluzente, sol d'esmalte,
+do qual em cada raio não ressalte,
+ante luz de gloriosa eternidade,
+um feito illustre a bem da humanidade.
+
+D'outro modo o que é? Um mau bocado
+de pão de rala a cães famintos dado:
+d'um réles charlatão a taboleta,
+na qual, quem passa, lê: <em>Dom Paparrêta!</em>
+ou lê inda peior!<span class="pagenum">[<a id="pag-25" name="pag-25">25</a>]</span>
+ Mette-me á bulha,
+terás aqui o rol de quanto pulha
+<em>grande</em> se fez tal qual se torna grande
+o bácoro a fossar e a comer lande.
+<em>Ai! no me pique usted!</em> Sob o arminho
+busca, e talvez encontres pergaminho
+lavrado a ferro e sangue, fresco ainda,
+nos coiros fuscos de infeliz cabinda.
+Nem titulos pomposos nem veneras
+valem dez reis furados n'estas eras.
+Hoje o premio a heroes dá-se ao dinheiro.
+Importa lá se é falso ou verdadeiro?!
+Comprou? Correu? O mais é tudo historia.
+Nem o nome villão fica em memoria.
+Uma coisa é escalracho, outra&mdash;papoila.
+Onde era a nódoa poz-se a lentejoila.
+
+Ha excepções, bem sei. Dou-lhes apreço.
+Morro d'amor por essas que eu conheço;
+mas como a estes raros não pertenço,
+e menos inda aos outros, o bom senso
+manda que eu te agradeça os teus favores
+e ria da mercê.
+ Quando tu fores,
+saudade ao peito, encasacado, sério,
+despedir-te de mim no cemiterio,
+verás que desço á terra, oh! vista horrenda!
+nusinho tal qual vim; e por commenda<span class="pagenum">[<a id="pag-26" name="pag-26">26</a>]</span>
+inerte o coração, gasto da vida
+na rude, pertinaz, obscura lida.
+
+Tu mesmo então, artista d'olho fino,
+dirás á turba:
+ «Emfim o peregrino
+na paz eterna vai dormir agora!
+Andou mettido a vida inteira á nora
+d'este poço sem fundo de miserias.
+Abusava do riso, das pilherias,
+e d'outras coisas mais em que não fallo.
+Foi Job em vez de ser Sardanapálo.
+Uma <em>raia</em> da Sorte. Ella faz d'isto:
+dá impérios ao démo, a cruz ao Christo.
+Mas resta-nos, amigos, um consolo:
+tudo seria... excepto um grande tolo.»<span class="pagenum">[<a id="pag-27" name="pag-27">27</a>]</span></pre>
+
+<h2><em>REQUERIMENTO</em></h2>
+<pre> Meu Couto Monteiro,
+ senhor da Justiça
+que nunca, que eu saiba, saíu do tinteiro,
+e pae dos famintos que engolem á missa
+o corpo sem mancha do santo Cordeiro.
+ Não rondo as arcadas
+ fazendo-te esperas.
+ Não subo as escadas
+que ascendem aos atrios das altas espheras,
+levando no bolso memoria sebenta
+que ha mais de mil annos requer um despacho,
+nem ponho o toutiço, já calvo aos cincoenta,<span class="pagenum">[<a id="pag-28" name="pag-28">28</a>]</span>
+ em ar de tapete,
+ em ar de capacho,
+ no teu gabinete.
+Só quero dizer-te que tenho defronte
+ da casa onde habito
+ um sino maldito.
+ Não sei se t'o conte...
+De dia, de noite, ao sol, ao luar,
+ não faz outra coisa
+ senão badalar!
+ Nem elle repoisa
+nem deixa na rua ninguem repoisar!...
+
+Ha quem me assevere que o demo mofino
+ montado no sino
+ se foi baloiçar!...
+Baloiça-te, pêrro! Engendra um badalo
+ do vil pé caprino
+ e dá-lhe um estalo!
+ e dá-lhe a matar!
+Não tremas, sabujo! que o sino foi bento;
+mas sabes que as bençãos são cruzes no ar;
+ levou-lh'as o vento.
+
+Entrasse em teus ossos o meu rheumatismo;
+roesse a medulla; por noites e dias<span class="pagenum">[<a id="pag-29" name="pag-29">29</a>]</span>
+chumbasse-te o corpo n'um duro colchão;
+ então saberias,
+ ó filho do abysmo,
+ verias então
+ se assim te mexias!
+
+ O caso é que tu
+commigo caçôas e ris dos doutores,
+ pois nunca tens dôres,
+e nem te constipas! e, mais, andas nu!
+
+Parece impossivel! Dá volta á cabeça!
+Eu cá, homem serio, que gema e padeça;
+ que em vindo janeiro
+me rape um catarrho!... E haver um brejeiro
+ que passa o inverno
+ sem chuvas nem lamas!
+ quentinho nas chammas
+ do próvido inferno!
+ rival do Eterno!
+eterno elle mesmo! Sagaz Providencia,
+e és da justiça, do amor és a essencia!
+
+Bem sei que o tal sino foi feito, fundido
+na terra dos cirios, da Carta, do hymno,<span class="pagenum">[<a id="pag-30" name="pag-30">30</a>]</span>
+ d'aquelles quarenta
+ de pêllo na venta
+ que ao reino opprimido
+quebraram algemas d'um jugo ferino;
+e a Carta era um mytho, são presas do olvido
+os nomes e as glorias de heroes legendarios
+se os sinos dormirem nos seus campanarios
+ qual dorme a memoria
+dos feitos illustres nas sombras da Historia.
+Ó Couto Monteiro, se a Carta está morta,
+ o que é que lhe importa,
+que importa aos guerreiros em pó transformados,
+ que toque ou não toque
+nas torres da Graça, da Sé, de S. Roque,
+o sino importuno masurkas e fados?!
+Nem isso os aquece, nem ha desafôro
+qual este que os templos agora profana
+passando dos palcos aos orgãos do côro,
+aos sinos de igrejas, a copla mundana.
+
+Nem tu me perguntes: «Quem é que armarieis
+ com mais alegria
+que o meigo innocente, do somno lethal
+ que á treva o prendia,
+nos braços do Christo resurge immortal?
+Qual voz, como aquella, dos vivos implora
+por alma dos mortos a prece final?»<span class="pagenum">[<a id="pag-31" name="pag-31">31</a>]</span>
+Por isso!... por isso, meu Couto Monteiro!
+O vil não repica, nem geme, nem chora,
+senão por aquelles que teem dinheiro!
+
+Que nasça, que viva, que durma na valla
+quem é pobresinho, sem festas nem dobres!
+O sino só tange conforme a tabella,
+só diz:&mdash;<em>Baptisou-se</em>, dos mortos só falla
+ se o manda o <em>sob'rano</em>
+ do reino dos cobres,
+ a libra amarella!
+No ceu, felizmente, vigora outra escala
+na qual os primeiros são elles&mdash;os pobres,
+e poucos ricassos, que vão por engano.
+
+Se és, qual eu julgo, christão verdadeiro.
+ Meu Couto Monteiro,
+é justo que ponhas no prego o sineiro
+ que á patria com fome
+ propines uns nacos
+ de sino em patacos:
+ verás como os come.<span class="pagenum">[<a id="pag-32" name="pag-32">32</a>]</span></pre>
+
+<p><span class="pagenum">[<a id="pag-33" name="pag-33">33</a>]</span></p>
+
+<h2><em>PREFACIO D'UM LIVRO INEDITO</em></h2>
+<pre>Mamãsinha impertinente,
+não te ponhas com tolices.
+Faze como se não visses
+se vires a filha innocente
+lendo as minhas criancices.
+
+Deixa vãs prohibições
+se este meu livro não queres
+escondido entre colchões,
+que é onde escondem mulheres
+livros, cartas, e... orações.<span class="pagenum">[<a id="pag-34" name="pag-34">34</a>]</span>
+
+Depois, o livro que ensina?
+Muita coisa boa e má
+que ha de fazer a menina
+porque tu, que és menos fina,
+as fizeste ao seu papá.
+
+E sendo condão fatal
+que a filhinha, que tu crias
+com pretensões a Vestal,
+siga o exemplo das tias
+pela influencia carnal;
+
+Ao vêr servir de palito
+n'este meu livro erudito
+tanta gente, ha de hesitar;
+e á cova irá de palmito...
+se a morte cêdo a levar.
+
+Deixa-te pois de tolices,
+mamãsinha impertinente.
+Faze como se não visses
+se vires a filha innocente
+lendo as minhas criancices.<span class="pagenum">[<a id="pag-35" name="pag-35">35</a>]</span></pre>
+
+<h2><em>MAL POR MAL...</em></h2>
+<pre>Eu trago em minh'alma afflicta
+revolto mar de agonias.
+Tedio da vida os meus dias,
+as minhas noites, agita.
+
+Ó minhas crenças d'outr'ora,
+dôces amigas da infancia,
+a que longinqua distancia
+do meu peito andaes agora!<span class="pagenum">[<a id="pag-36" name="pag-36">36</a>]</span>
+
+N'esta cerração escura
+assim me deixaes sósinho!
+e sem que volteis ao ninho
+baixarei á sepultura!
+
+De mim te acerca bem perto,
+ó morte! No estreito abraço
+vôa commigo no espaço,
+leva-me d'este deserto!
+
+Mas se na mansão infinda,
+onde librar-me tencionas,
+nos dão as mesmas taponas
+com que a sorte aqui nos brinda;
+
+Se esguio velhote avaro
+n'essas alturas se encontra,
+com seu barrete de lontra,
+olhar e sorriso ignaro;
+
+De fallas mansas, beato
+para vêr se os santos pobres,
+saudosos dos magros cobres,
+lhe vão empenhar o fato;<span class="pagenum">[<a id="pag-37" name="pag-37">37</a>]</span>
+
+Se o operario, se o povo
+crê tambem que o mundo em ruina
+ha de saír da officina
+corrigido e mundo novo.
+
+E em lutas, que são eternas
+por lhe ser eterna a peia,
+quebrar pretende a cadeia
+e quebra a si proprio as pernas;
+
+Se n'esse logar bemdito
+pisamos a mesma lama
+que sobre a terra se chama
+&mdash;<em>O Asmodeu</em>,&mdash;<em>O Mosquito</em>&mdash;;
+
+Se é Mercurio almiscarado
+o filho de Compostella;
+se por ventura um Alviella
+tem lá de ser encanado;
+
+Se o Milhão é quem impera;
+se se fez Deus o egoismo;
+se ha dôres de rheumatismo,
+e nas vinhas phylloxera:<span class="pagenum">[<a id="pag-38" name="pag-38">38</a>]</span>
+
+Fecha, ó anjo, as negras azas!
+que em tal apuro, olha o rente!
+tanto faz morrer a gente
+como mudar-se de casas!<span class="pagenum">[<a id="pag-39" name="pag-39">39</a>]</span></pre>
+
+<h2><em>A UMA CREATURA</em></h2>
+<pre>Que tens tu a dizer do teu destino?
+Que mal... que mal te fez, ingrata, a sorte?
+Desunhas-te a comer queijo londrino;
+ na polka és a mais forte;
+essa fulva cabeça de leôa
+não passa d'avellã; por isso és goso
+do bravo rapazio de Lisboa.
+Preludias na <em>banza</em> um <em>rigoroso</em>
+que os mortos ergue, as campas despovôa.
+Desmamadinho já, em salto airoso,
+balando, os longos ecos atordôa
+ o teu futuro esposo.<span class="pagenum">[<a id="pag-40" name="pag-40">40</a>]</span>
+Calçando o largo pé na estreita bota
+encaixaste o Rocio na Bitesga.
+Capaz és tu de entrar, sendo janota,
+ no ceu... por uma nesga.
+
+Trazes um <em>dogue</em> ao collo... Tens na tia
+<em>chaperon</em> e banqueiro. Anda estafada
+a velha e mais a burra. A orthographia
+comtigo, ao vêr as duas, não quer nada.
+Quem de môlho as barbas não poria
+vendo a barba visinha incendiada?!
+Dás á lingua durante o santo dia,
+ e bates na criada!
+
+A coisa mais feliz de quanto existe
+és tu portanto. E dás então cavaco,
+maldizes, blasphemando, o mundo triste!
+ e chamas-lhe velhaco!
+
+O mundo?! O mundo o que é? Por mim supponho
+ser apenas ironica pilheria
+que Jehovah soltou quando, risonho,
+pretendeu descansar de empreza séria.
+Ha n'elle o encanto espiritual do sonho.
+Ha n'elle o encanto vil da vil materia.<span class="pagenum">[<a id="pag-41" name="pag-41">41</a>]</span>
+Faz rir e faz chorar, o Triboulet medonho!
+ a divinal miseria!
+
+A graça toda está n'estas <em>nuances</em>;
+nas sombras e na luz com que prepara
+da dôr e do prazer os varios lances
+ o velho Dulcamára;
+
+Nunca viste Neptuno carrancudo
+pendurar-se nas azas da procella,
+roçar as cãs no ceu e em silvo agudo
+dar por mortalha ao barco a solta vela?
+Agora não o vês sereno e mudo
+como a brincar na praia se ennovella?
+Pois similhante ao mar no mundo é tudo.
+ Resigna-te, donzella.
+
+E tudo ha de acabar, o mar e o mundo.
+Até do meu amor a intensidade
+sumir-se irá no pelago profundo
+ da fria eternidade!
+
+Eu escrevi&mdash;<em>amor</em>?! Fiz mal. É grego;
+é grego para ti: peior,&mdash;sãoskrito;<span class="pagenum">[<a id="pag-42" name="pag-42">42</a>]</span>
+e tu nas linguas mortas não dás rego.
+Se um dia, por acaso, o pequenito
+traquinas e cruel, alado e cego,
+tentasse dar-te um golpe... era bonito!
+Fugiria a gritar: <em>Armas que emprego
+ não entram no granito!</em>
+
+Tu partilha não tens na dôce herança
+dos anjos que voaram! Antro escuro
+a tua alma será! Nenhuma esp'rança!&mdash;
+ nenhum extasis puro!
+
+Como quando ao romper da rôxa aurora
+deslisando na valsa doidejante
+soltas da trança a rosa que descora,
+de si te apartará n'um só instante
+o louco turbilhão que te enamora.
+Pallido o rosto, o seio palpitante,
+ao ceu perguntarás na dôr d'ess'hora
+ se a morte vem distante!
+
+O vácuo! a saciedade! o horror das trevas!
+Ninguem ao pé da cruz no teu calvario!
+Por só cortejo ao cemiterio levas
+ um padre mercenario!<span class="pagenum">[<a id="pag-43" name="pag-43">43</a>]</span>
+
+Nem esse volta lá. Rezou, e a prece,
+em mau latim, por bons tostões foi paga.
+O fardo que largou mais não merece.
+Recebe por adeus grosseira praga
+d'um coveiro que o some, e breve esquece.
+Grão d'areia que foste ao mar co'a vaga,
+quem te busca depois? Quem te conhece?
+ Teu fim quem é que indaga?
+
+Se é tempo, ó transviada, atraz teus passos!
+Abre o teu coração. A fé te anime.
+Não ha na vida mais estreitos laços.
+ Amor tudo redime.
+
+Vêl-o-has dissipar a nevoa densa
+que o teu dia transforma em noite escura.
+Respeitada serás. Trarás, suspensa
+de teus vermelhos labios, a ventura;
+que eu não sei de ninguem a quem não vença
+puro amor abraçado á formosura.
+Serás mulher,&mdash;é essa a recompensa,
+em vez de <em>creatura</em>.
+
+Se mover-te consegue esta palestra
+manda morrer o cão no Instituto;<span class="pagenum">[<a id="pag-44" name="pag-44">44</a>]</span>
+compra cartilha e pedra, e prova á mestra
+ que vales mais que o bruto.
+
+Depois reforma a tia. Irá na Graça
+accender ao Senhor trezentos lumes
+por tirar-lhe do lombo essa carraça.
+Vê-se livre da espada de dois gumes
+que a burra lhe sangrava, e na carcassa
+vasto caminho abria a vãos queixumes.
+Menina, já que estás co'a mão na massa,
+ reforma os teus costumes.
+
+E como incerto é sempre o bem futuro
+e póde arrepender-se o arrependido,
+vae lá pondo, á cautela, no seguro
+ o nome do marido.<span class="pagenum">[<a id="pag-45" name="pag-45">45</a>]</span></pre>
+
+<h2><em>ALÉM DA CAMPA</em></h2>
+
+<p style="text-align: center;">(Imitação do hespanhol)</p>
+<pre>N'um povo, perto de Cintra,
+foi o rev'rendo prior
+em fria cova depor
+o cadaver d'um pelintra
+mesmo ao pé d'um seu crédor.
+
+Apenas se viram juntos
+por toda a vida sem fim
+romperam n'um tal chinfrim
+que, dizem velhos defuntos,
+ser virgem um caso assim.<span class="pagenum">[<a id="pag-46" name="pag-46">46</a>]</span>
+
+«Vossê pague! ai que vae torta!»
+gritava o crédor.&mdash;Com quê?&mdash;
+gemia o outro.&mdash;Não vê
+que entrei nú aquella porta
+porque nú me poz vossê?!&mdash;
+
+E n'este rosnar eterno,
+n'este diz tu direi eu,
+o crédor, que era judeu,
+enreda o outro n'um inferno
+como o inferno em que viveu.
+
+Se em meu derradeiro instante
+eu tiver crédor voraz,
+permitte, ó Deus, se te apraz,
+que por cá fique o tratante
+p'ra que eu, morto, viva em paz.<span class="pagenum">[<a id="pag-47" name="pag-47">47</a>]</span></pre>
+
+<h2><em>A JULIO CESAR MACHADO</em></h2>
+
+<p style="text-align: center;">que em folhetim do <em>Diario de Noticias</em>
+dirigira ao author phrases benevolas</p>
+<pre>Ó Julio, ó meu amigo, o que disseste?
+Fallar em nós?! Fallar em mim?! Na peste
+d'esse Parnaso ignobil de ha trinta annos?
+Fui um asno sem tom, nem som, nem furo;
+uma coisa p'r'ahi entre os humanos
+como entre o trigo o joio; um insensato
+cuidando toda a vida que o futuro
+se faz sómente como o faz o gato
+por noites janeirinhas, e o menino<span class="pagenum">[<a id="pag-48" name="pag-48">48</a>]</span>
+d'onde ha de vir ridente, e róseo, e puro,
+é da raiz... do verso alexandrino!
+Tu verás, se viveres. O destino
+se condôa de ti a tempo e a horas,
+que eu já não temo nada. N'esta idade
+quanto mais o doutor me põe escoras
+mais depressa galopo á Eternidade.
+No dia em que florir a ideia nova
+nem restos ha de mim na escura cova.
+Depois...
+ Pensando bem, ás vezes julgo
+que não deve ser mau vêr estes numes
+na faina redemptora! E, mais, o vulgo
+já não crê n'outro Deus! Os bons costumes
+vão apanhar por fim um São Martinho
+qual nunca lhes foi dado... excepto em vinho
+que embrutece a razão! Pois com certeza
+leva uma <em>razzia</em> o Torres e o Cartaxo!
+Ou bem que a gente é gente ou que é um cacho!
+D'amor, que é velho, temos conversado!
+Rua com elle! Amor é uma fraqueza.
+É velho e cego, e não espera luas,
+e quando lhe appetece faz das suas,
+e são as suas d'elle o vil peccado!
+Basta cortar-lhe bem a ponta da aza
+e triumpha a moral. Rapaziada,
+nunca mais andarás no mundo em braza
+ atraz da tua amada!<span class="pagenum">[<a id="pag-49" name="pag-49">49</a>]</span>
+
+Mudei de metro como d'alimaria
+muda Tinoco, o bravo, na tourada,
+pois quanto em verso a fórma fôr mais vária
+ menor é a massada.
+
+Calcule-se o porvir pelo presente.
+ Nós somos democratas;
+ e fique o ponto assente.
+<em>Noventa e tres</em> é tudo quanto, em datas,
+ a Historia nos tem dado
+mais nobre, e santo, e digno de imitado.
+
+ Amor... e guilhotina!
+Luz d'uma aurora, d'um incendio chamma!
+<em>Mayonnaise</em> de sangue e de doutrina!
+Quanto o homem sublima e quanto o infama!
+ <em>Noventa e tres</em> e a França!
+Eis o lemma, eis o exemplo, a viva esp'rança.
+
+Anda tu cá, ó lemma, que te quero!
+Dom Bertholdinho a dar-se um ar de Nero!<span class="pagenum">[<a id="pag-50" name="pag-50">50</a>]</span>
+Somos, sim, democratas... á capucha;
+Marats de sêda frouxa; uma chalaça
+com Marselheza indigena,&mdash;a <em>Cachucha</em>.
+ Palavra! que tem graça!
+
+Que o bom senso, tão raro! nos acuda;
+ nos tome um dia a sério!
+Não ha Sebastião nenhum da Arruda,
+ suando phalansterio,
+que não mande estampar nos seus bilhetes
+armas ducaes, brazões de pataratas!
+Morremos por trincar a monarchia;
+mas trincamos-lhe a ceia e os sorvetes
+emquanto lá do ceu Deus não envia
+novo maná... de instituições baratas!...
+Uns typos! Bons, pacatos, sem ter odios
+nem bombas... a não ser de Santo Antonio,
+bombas de luxo, bombas só de estrondo;
+indo buscar pretextos para brodios
+ a casa do demonio,
+ e quando os não achamos
+nem dentro em nossa casa nem na estranha,
+calçado a polimento o pé redondo,
+vazio o coração, repleta a entranha,
+vêr desfilar a procissão de Ramos.<span class="pagenum">[<a id="pag-51" name="pag-51">51</a>]</span>
+E n'este ambiente, em pleno Rilhafolles,
+no ardor da Saturnal, sonhaste, ó Julio,
+que um velho gordo, com as carnes molles,
+ sem ter outro peculio
+além do rheumatismo, sertanejo,
+viria em <em>petit-maitre</em> dar aos folles
+do outr'ora enamorado realejo?
+
+Desde que o maganão do deus Cupido
+não tem na aljava setta que me fira,
+ passou-me do sentido
+tudo quanto em rapaz tanto sentira.
+Rabisaltona musa é hoje em dia
+quem me ampara e conforta, e quem me inspira.
+Quando fugir, morri. Outra alegria
+qual te foi dada a ti, sol na velhice,
+conceder-m'o não quiz quem bem podia.
+ E fez uma tolice.
+Eu sei se a fez, ou não; modestia á parte.
+
+E só para dizer-te uma palavra
+d'affecto e gratidão moí d'est'arte
+a tua paciencia! Antes do Lavra<span class="pagenum">[<a id="pag-52" name="pag-52">52</a>]</span>
+ subisses a calçada,
+ou lesses uma peça premiada.
+Era muito, bem sei; mas era menos.
+
+Obrigado, meu Julio. Isto, em resumo,
+devera ter escripto. O mais é fumo.
+Deixa-o seguir no espaço o ignoto rumo,
+e dá saudades minhas aos pequenos.<span class="pagenum">[<a id="pag-53" name="pag-53">53</a>]</span></pre>
+
+<h2><em>DIES IRAE</em></h2>
+<pre>É novembro, e faz um frio!
+Eu então é que ando em braza!
+Pudera! se o senhorio
+me pede a renda da casa!
+
+Réles cobre em vão recruto
+no lidar da vida insano.
+Desertam n'um só minuto
+as vis poupanças d'um anno.<span class="pagenum">[<a id="pag-54" name="pag-54">54</a>]</span>
+
+Embora á carne dê tratos,
+á velha carne exigente,
+deixando passar os pratos
+sem pôr nos piteus o dente;
+
+Embora esguia quinzena
+traga já no extremo fio,
+e córte a rara melena
+só pelas calmas, no estio:
+
+Não coalha esta formiga
+nem grão, nem sequer paveia!
+Sempre na mesma fadiga,
+enche... vasa... o pé da meia!
+
+Sob o teimoso aguaceiro
+de tanta renda de casas,
+depennado, em meu poleiro,
+metto a cabeça nas azas.
+
+Cança o sorrir da ventura;
+o rigor da sorte cança;
+só por entre o que não dura
+vae sempre durando a esp'rança.<span class="pagenum">[<a id="pag-55" name="pag-55">55</a>]</span>
+
+Eu espero a moradia,
+onde de graça me acoite,
+no seio da terra fria;
+nas sombras da infinda noite!
+
+Ao menos no eterno gelo,
+nos fundos antros escuros,
+não terei por pesadêlo
+meus senhorios futuros!
+
+Um é Deus: a esse um amigo
+satisfaça em padre-nossos.
+Outro é o verme: eu cá o espigo
+dando-lhe em paga os meus ossos.<span class="pagenum">[<a id="pag-56" name="pag-56">56</a>]</span></pre>
+
+<p><span class="pagenum">[<a id="pag-57" name="pag-57">57</a>]</span></p>
+
+<h2><em>O MEU TINTEIRO</em></h2>
+<pre>Era em agosto. O norte, desabrido,
+mugindo como um toiro, sacudia
+os troncos do arvoredo. Ia-se o dia:
+um dia d'amarguras tão comprido
+que eu cheguei a pensar que a Eternidade
+nas chammas infernaes já me envolvia!
+Por meu mal terminou! que um outro veio
+depois d'aquelle, e foi peior mil vezes!<span class="pagenum">[<a id="pag-58" name="pag-58">58</a>]</span>
+A minha irmã, á dôce companheira
+da longinqua, saudosa mocidade,
+coubera, nova ainda, a feliz sorte
+de ter, após tres longos, tristes mezes
+d'um filho haver perdido, achado a morte.
+
+Antes d'ella expirar, á cabeceira,
+em torno do seu leito, se agrupára
+tudo quanto durante a vida inteira
+fôra por ella amado, e tanto a amára.
+Eu, fingindo sorrir, assim dizia:
+
+«Agora estás melhor. No rosto as rosas
+da antiga primavera! Olhos em fogo!
+Uns olhos como d'antes! Vês, Maria,
+que estás melhor agora?! Em desafogo
+respira o peito já! Estas nervosas
+dão vontade de rir! Que espalhafato!
+Um cortejo de coisas! Raça estranha!
+Por isso o outro fez com que a montanha
+désse, aturdindo a terra, á luz um rato!
+Vae a galope a enferma que melhora.
+Ámanhã, ou depois, saltarás fóra<span class="pagenum">[<a id="pag-59" name="pag-59">59</a>]</span>
+d'essa importuna cama. O que te cança
+é ter o corpo ahi. Vamos a Piza
+passar o inverno todo. Alli serenos
+são sempre os ceus. Alli tepida a briza
+dá vida a um velho! Então a uma criança!
+
+«Tontinha é o que tu és! que estás chorando!
+sem que saibas porquê, aposto, ao menos!
+Iremos todos, grandes e pequenos!
+Quasi uma romaria, um cirio, um bando
+d'alegres passarinhos chilreando
+por essa Europa além! Tu, pregoando:
+<em>Quem quer saude? Quem? Vende-se e dá-se!</em>
+irás distribuindo, co'a mão cheia
+d'essas papoilas, um <em>bouquet</em> vermelho
+que pouco e pouco a desbotada face
+ha de tingir-te e... até fazer-te feia!»
+
+&mdash;Iremos todos, sim!&mdash;fraca, tossindo,
+a pobre interrompeu:&mdash;Sim!... Vamos <em>indo</em>.
+É então ámanhã que eu d'aqui saio?
+Depressa ámanhã vem! Dá-me esse espelho.
+Se tu não mentes devo estar um Maio!&mdash;<span class="pagenum">[<a id="pag-60" name="pag-60">60</a>]</span>
+Mirando-se, volveu:&mdash;A minha pena
+é que... <em>ellas</em>... me não vejam n'este instante
+em que finda a comedia e deixo a scena!
+Se eu não soubesse que este mundo é um sonho;
+se trouxesse o meu Deus de mim distante;
+como este despertar fôra medonho!&mdash;
+
+Depois foi repartindo as suas prendas
+por quantos eram lá.
+
+ &mdash;A ti... primeiro.
+Lego-te... dou-te... aquelle meu tinteiro.
+Tu fazes versos. Sei que não te emendas;
+sempre te serve aquillo!&mdash;
+
+ Desde ess'hora,
+e já lá vão cumpridos bons trinta annos,
+quando me engano a mim n'esses enganos
+da musa brincalhona, raro mólho
+a penna folgazã que me não traga
+nos bicos uma lagrima.<span class="pagenum">[<a id="pag-61" name="pag-61">61</a>]</span>
+
+ Ai!... Eu ólho...
+aos abysmos do mar pergunto: «A vaga,
+que eu vi sumir-se, onde é?»
+
+ E o mar afaga
+a praia em que a deixei, e vae-se embora,
+e volta, e vae! mas não responde; chora.<span class="pagenum">[<a id="pag-62" name="pag-62">62</a>]</span></pre>
+
+<p><span class="pagenum">[<a id="pag-63" name="pag-63">63</a>]</span></p>
+
+<h2><em>A VENUS NOVA</em></h2>
+<pre>Não, Rachel, não desvario.
+Venus, o estylo é antigo,
+os seus dotes repartio
+bem largamente comtigo.
+
+Deu-te esse corpo divino!
+esses seios palpitantes!
+Fosse eu inda pequenino
+e tu minh'ama! Que instantes!<span class="pagenum">[<a id="pag-64" name="pag-64">64</a>]</span>
+
+Por ser branca e por ser loira
+tem o loiro em menos preço;
+por isso te deu da moira
+o negro cabello espesso.
+
+Chega aos olhos... De repente
+vê que não tem na palheta
+côr nenhuma refulgente
+para imitar um planeta.
+
+Corre logo á fonte limpa;
+e procedeu com acerto
+que em ocios não se repimpa
+quem se encontra em duro aperto.
+
+«Ó dôce noite», ella exclama.
+«Tu tens estrellas a esmo.
+Duas quero em rubra chamma,
+quasi soes; dois soes. É o mesmo.»
+
+A Noite, que é velha fina,
+e foi sempre a Venus dada,
+responde:&mdash;Minha menina,
+só para a outra fornada.&mdash;<span class="pagenum">[<a id="pag-65" name="pag-65">65</a>]</span>
+
+«Pois ao forno! e já! que eu pago!»
+A Noite, ouvindo-a, lampeira.
+A estrada de São Thiago
+deitou logo na caldeira.
+
+Fogo ao lado, e fogo ao centro!
+Quando a fervura era viva
+o sete-estrello p'ra dentro!
+e folhas de sensitiva!
+
+Ao cabo de poucas horas
+em duas orbitas fundas
+despejou duas auroras
+com que est'alma em luz inundas.
+
+Venus pulou de contente;
+mas depois... (que são mulheres!)
+disse á outra em tom plangente:
+«Adeus!... O que tu quizeres!...
+
+«Fizeste-a fresca! Eu reinava.
+Era no Olympo a mais bella.
+Passei de rainha a escrava.
+A Venus agora... é ella!»<span class="pagenum">[<a id="pag-66" name="pag-66">66</a>]</span></pre>
+
+<p><span class="pagenum">[<a id="pag-67" name="pag-67">67</a>]</span></p>
+
+<h2><em>O LOBO E O CÃO</em></h2>
+
+<p style="text-align: center;">Traducção da fabula de Lafontaine&mdash;<span
+class="sc">Le Loup et le Chien</span></p>
+<pre>Não tinha um lobo mais que a pelle e o osso.
+Signal é que de orelha arrebitada
+bem vigilante andava a canzoada.
+Encontra o lobo um dógue forte, grosso,
+nutrido, luzidio, uma belleza!
+que distraído abandonára a estrada.
+ Sorri-lhe a nedia preza!
+Saltar-lhe logo ali, fazêl-a em postas
+o seu desejo fôra. Dura empreza!
+A lucta era infallivel. Voltar costas
+não usam perros quando são valentes,<span class="pagenum">[<a id="pag-68" name="pag-68">68</a>]</span>
+e, mais, os brutos! dão ás vezes cabo
+do fero contendor! Diabo!... Diabo!
+Então aquelle, com aquelles dentes!
+
+ *
+
+Humilde o lobo, pois, encolhe a cauda;
+chega-se ao cão; abaixa-lhe a cabeça;
+puxa conversa; diz que folga em vêl-o,
+que deixe que elle admire, que elle applauda
+topal-o assim... e com tão bom cabello!...
+e rijo! e gordo! Um frade! Uma abbadessa!
+
+«Esplendido senhor»,&mdash;o cão responde;&mdash;
+«de vós depende o ter igual gordura.
+ Fugí dos bosques, onde
+ por teima da desgraça
+de fome e frio só achaes fartura,
+vós, senhor lobo, e a vossa pifia raça.
+Dias e dias sem comerem nada!
+e lá por festas, raras, esquecidas,
+um petisquinho conquistado á espada,
+ tragado ás escondidas!
+ Ahi é certa a morte!<span class="pagenum">[<a id="pag-69" name="pag-69">69</a>]</span>
+ Furtae-vos a seus braços!
+ Seguí... seguí meus passos;
+tereis outro destino e melhor sorte.»
+ &mdash;Mas como?&mdash;volve o lobo.
+&mdash;Fazer então que devo?&mdash;
+ «Bagatella:
+nem morte d'homem nem de egreja roubo;
+simplesmente estas coisas: não dar tregoa
+á <em>santa</em> gente rôta, mendicante,
+bordão n'uma das mãos, n'outra a tigela,
+que vem inda a distancia d'uma legoa
+e já tresanda a essencia de tratante.
+Lamber as mãos ao dono; ser submisso...
+<em>dar cóca</em>, é o termo proprio, ao dono e a todo
+quanto bicho careta houver em casa.
+Salario apanhareis que vos apraza:
+ossos das aves, rodas de chouriço,
+restos vindos da mesa, e tudo a rôdo!
+Até uns <em>tagatés</em> em cima d'isso!»
+
+ *
+
+Tendo prestado ao cão attento ouvido
+ o lobo, coitadinho!
+com perspectiva tal enternecido
+não tugiu nem mugiu, mas fez beicinho.<span class="pagenum">[<a id="pag-70" name="pag-70">70</a>]</span>
+
+ *
+
+Iam caminho já do povoado
+quando o lobo notou que no pescoço
+ o cão era pellado.
+&mdash;Que tens ahi?&mdash;pergunta em alvoroço.
+ «Nada, que eu saiba.»
+ &mdash;Nada?!&mdash;
+ «Frioleira.»
+&mdash;Mas afinal o que é?&mdash;
+ «Ora!... A colleira
+com que á noite me prendem junto á porta...»
+&mdash;Prender-te?!&mdash;o lobo exclama.&mdash;Não saes fóra,
+não corres livre pela terra inteira
+quando te dá na gana, e a toda a hora?&mdash;
+ «Nem sempre. Isso que importa?!»
+&mdash;Tanto importa que toda a trincadeira
+com que me acenas, um thesouro embora,
+por tal preço não quero.&mdash;
+ O lobo finda;
+põe-se logo na perna, e corre ainda.<span class="pagenum">[<a id="pag-71" name="pag-71">71</a>]</span></pre>
+
+<h2><em>DEUS E O AMOR</em></h2>
+
+<h3>(1870)</h3>
+<pre>No ceu, cabisbaixo, o Amor
+um d'estes dias entrava.
+O pobresito levava
+impressa no rosto a dôr
+e as settas todas na aljava.
+
+Ao vêl-o o Eterno exclama:
+«Que vens tu fazer aqui?!»
+&mdash;De Lysia, meu Deus, fugi
+porque lá vivo da fama;
+os meus freguezes perdi.<span class="pagenum">[<a id="pag-72" name="pag-72">72</a>]</span>
+
+Busca a moça um noivo rico
+sem lhe importar nada mais.
+<em>São fumo as paixões e os ais;
+pintos, nina. Apanha o mico!&mdash;</em>
+lhe bradam os proprios paes.
+
+Por isso, feito o consorcio,
+sae da egreja o par fiel,
+e o noivo compra papel
+para requ'rer o divorcio,
+passada a lua de mel.
+
+Torto já, e á vara larga,
+o fino <em>dandy</em> seduz.
+O mais que faz o lapuz
+quando em finezas se alarga
+é roncar: <em>Que tal te eu puz!</em>
+
+Do patrio amor todo o fogo
+traduz-se no <em>venha a mim</em>.
+Quem faz d'um jornal pasquim,
+sem trunfos entra no jogo
+e sae-se trunfo por fim.<span class="pagenum">[<a id="pag-73" name="pag-73">73</a>]</span>
+
+Bellini foi-se!... não presta.
+Da harmonia a nata, a flôr,
+veio encontrar successor
+no <em>Fado</em>, que é o rei da festa,
+o canto que faz <em>furor</em>!&mdash;
+
+A virgem martyr Cecilia,
+ao ouvir blasphemia tal,
+ataca o <em>si</em> natural,
+e, pedindo um chá de tilia,
+cae em deliquio mortal.
+
+Sem reparar no que passa
+soluça o Amor e diz:
+&mdash;Murcha pende a flôr de liz.
+Jaz prostrada na desgraça
+a patria de São Luiz!
+
+O Krupp a morte semeia
+de Sarbruck até Sedan,
+e París, a cortezã,
+nas garras da fome anceia!
+Que serás, França, ámanhã?!<span class="pagenum">[<a id="pag-74" name="pag-74">74</a>]</span>
+
+Pois n'estes dias sombrios
+a velha Europa sagaz,
+cuidando ter um antraz,
+fez ataduras e fios
+em vez de fazer a paz!
+
+Lisboa, toda vergonhas,
+e orgulhosa, e esmoler,
+atraz ficar-lhe não quer
+e desata a fazer <em>monhas</em>;
+mas fios, nem um, sequer!
+
+Acima da humanidade
+ha n'esse bom Portugal
+o novilho e o boi real.
+A dôce fraternidade
+anda nos paus do animal.
+
+De meu seio a pura chamma
+deixa, ó Deus, arder aqui.
+De Lysia a correr fugi
+porque lá já ninguem ama
+nem mesmo, Senhor, a ti!<span class="pagenum">[<a id="pag-75" name="pag-75">75</a>]</span>
+
+Nem mesmo! que sem respeito
+tonsurado berrador
+troveja em voz de Stentor,
+batendo murros no peito,
+que o teu braço é vingador;
+
+Que ao reino teu infinito,
+á mansão da eterna luz,
+tua mão, Senhor, não conduz
+quem fez o enorme delicto
+de ignorar que houve Jesus;
+
+Que tu, meu Deus, que és o forte
+que destruiu Jericó,
+que és a Justiça... tu só,
+habitas n'aquella córte;
+encarnas no immundo pó!
+
+E para acabar o quadro,
+para lhe dar mais unção,
+afoga o impio sermão
+junto á cruz que está no adro
+em ondas de carrascão!<span class="pagenum">[<a id="pag-76" name="pag-76">76</a>]</span>
+
+No templo teu, Pae divino,
+apparato theatral!
+Em redoma de crystal
+vestido Jesus Menino
+de <em>chéché</em> do Carnaval;
+
+E o alvo lirio, Maria,
+a pura depois de mãe,
+caracoes e rolos tem
+como usava a minha tia
+quando ia ao Paço em Belem!
+
+No altar-mór o scenario
+que effeito fazendo está!
+Pallida a lua... acolá!...
+Além a cruz... o Calvario...
+Fóra, author! Bravo, Rambois!<span class="sup"><a href="#fn1" name="mfn1" id="mfn1">[1]</a></span><span class="pagenum">[<a id="pag-77" name="pag-77">77</a>]</span>
+
+Na nave central&mdash;cavaco;
+e no côro, ai! pobre fé!
+latagões côr de café
+uivando dentro d'um sacco:
+&mdash;Sou o Barba-Azul! Olé!&mdash;
+
+A catholica Judêa,
+o christianismo pagão,
+ousa mais! Põe em acção
+do Homem-Deus a epopêa
+na sensual procissão!
+
+Ás enfeitadas janellas
+corre a curiosa avidez.
+<em>Fazem cauda.</em> Esperam vez
+como se elles e ellas
+fossem vêr um entremez!
+
+Depois começa o serviço.
+Olho aqui... e olho lá...
+no seu <em>tudo</em>, e no papá
+que embirra co'o tal derriço
+por andar no <em>b-a-ba</em>.<span class="pagenum">[<a id="pag-78" name="pag-78">78</a>]</span>
+
+Namorando as carnes núas
+do que vae no floreo andor,
+outras dizem:&mdash;«Salvador,
+se todas são como as tuas
+quem não será peccador?!»
+
+Emquanto se eleva o incenso
+na caprichosa espiral,
+o garoto, essa vestal
+dos vates de hoje, no lenço
+faz mão baixa e no metal.
+
+E, manso, por entre o grupo
+da ondulante multidão,
+serpenteia a procissão.
+Rumoreja em torno o apupo.
+Consternam-se alma e razão.
+
+Que brutos cêpos são esses?
+Vae Deus ali? Christo nú
+posto a par do <em>manitú</em>,
+homens dos torpes int'resses,
+filhos glotões de Esaú?!...<span class="pagenum">[<a id="pag-79" name="pag-79">79</a>]</span>
+
+Tartufo os impetos doma.
+Vive agachado o chacal
+a espreitar se o olhar fatal
+de Filippe á voz de Roma
+lampeja no Escurial!
+
+Fiar n'elle!... O incendio lavra
+occulto. Na escuridão
+forja de novo o grilhão
+á consciencia, á palavra,
+a satanica legião.
+
+Em teu nome o lar deserto!...
+O pranto manando a flux!...
+Morta a esp'rança! Extincta a luz!
+e da cruz contra o liberto
+mudada em punhal a cruz!&mdash;
+
+Largamente aqui respira
+sêcca a lingua e falto de ar,
+que o terno Amor, a fallar,
+não é como os de Tavira:
+&mdash;dá-lhe... dá-lhe até 'stoirar!&mdash;<span class="pagenum">[<a id="pag-80" name="pag-80">80</a>]</span>
+
+Mas, depois, como o Vesuvio
+irrompe. Ao rosto gentil
+assoma a raiva, e febril
+bate o pé; grita;&mdash;um diluvio
+manda ao infame covil!
+
+Outro diluvio! incessante
+a subir... subir... até
+que não fique nada em pé!
+nem possa nenhum farçante
+fazer arca e ser Noé!&mdash;
+
+Deus, que os seus ouvidos presta
+ás queixas que Amor lhe faz,
+sorri e diz: «Ó rapaz,
+um <em>T</em> escripto na testa
+porventura me verás?
+
+Eu dei-lhes a lei sublime
+nas alturas do Sinai.
+Se contra a lei, contra o pae,
+conspira Lysia&mdash;no crime
+do crime o castigo vae.<span class="pagenum">[<a id="pag-81" name="pag-81">81</a>]</span>
+
+Triumpha o Milhão, e Hero
+não houve mais que uma só?
+O Creso do oiro em pó
+a flauta fará de Nero,
+e da flauta um bom cipó.
+
+E se os maridos, tontinho,
+fugindo ás esposas vão,
+deixa-os lá. Por fim terão,
+em vez do calor do ninho,
+os gêlos da solidão.
+
+A vida passa ligeira;
+e, quando a morte vier,
+qual d'elles é que não quer
+dôce oração derradeira
+entre beijos de mulher?!
+
+Ai!... Acabar longe d'isto!...
+sem perdão!... sem paz!... e meu
+sem ser nenhum!... Galileu,
+tu que fizeste?... Ó Christo,
+teu sangue que fructos deu?!...<span class="pagenum">[<a id="pag-82" name="pag-82">82</a>]</span>
+
+Fiz de ti a rósea aurora
+da universal redempção;
+inda após o teu clarão
+o Deus cêpo é o Deus que adora
+a proterva multidão!
+
+Pois para amar-me é preciso
+mais que os olhos alongar
+pelos ceus, por terra, e mar?
+mais que o pallôr indeciso
+d'uma noite de luar?!
+
+Pois n'esses milhões de mundos,
+que girar no espaço fiz,
+não falla tudo? não diz
+em seus canticos jucundos:
+&mdash;Senhor! Senhor, existis?!&mdash;
+
+Erriça o leão a coma?
+Nas sombras do Escurial
+ergue a pedra sepulchral
+de Filippe a astuta Roma?...
+Erga!... e surja o rei fatal!...<span class="pagenum">[<a id="pag-83" name="pag-83">83</a>]</span>
+
+Antro, e fera, e vil Tiberio,
+tudo no pó sumirei!...
+que dos reis eu sou o rei,
+e as chaves do meu imperio
+a mão nenhuma entreguei!
+
+Perdes o tempo, creança!
+Se o perdes, meu doido Amor!
+Sei quanto és enganador!
+quanto és feroz na vingança
+e folgas da alheia dôr!
+
+És vendado, és cego, e ousas
+como se visses fallar?!
+Pois has de á terra voltar.»&mdash;
+E o pae de todas as cousas
+foi-lhe os olhos desvendar.
+
+Então o dôce fedelho,
+tão dôce como cajú,
+repara em si... vê-se nú...
+faz-se azul... faz-se vermelho
+como um monco de perú.<span class="pagenum">[<a id="pag-84" name="pag-84">84</a>]</span>
+
+Depois a fugir desata
+pelas ethereas regiões.
+Atraz d'elle as maldições
+de quanta velha beata
+foi ao ceu... por alçapões.
+
+Que o ceu que estamos mirando
+occultas entradas tem,
+e sem fiscal! Inda bem.
+A não ser por contrabando
+já lá não entra ninguem.
+
+Vôa... vôa... É mesmo um raio
+rapido o espaço a rasgar.
+Vôa... Á força de voar
+perde o alento, e n'um desmaio
+vem no chão co'as azas dar!
+
+N'essa noite a authoridade
+metteu, zelosa qual é,
+o menino em São José;
+mas ninguem crê na cidade
+que a sciencia o ponha em pé.<span class="pagenum">[<a id="pag-85" name="pag-85">85</a>]</span>
+
+Quem tem os dias contados
+mais viver não póde, não.
+É do amor finda a missão
+dês que os fundos, bem cotados,
+valem mais que o coração.<span class="pagenum">[<a id="pag-86" name="pag-86">86</a>]</span></pre>
+
+<p class="rodape"><sup><a href="#mfn1" name="fn1" id="fn1">[1]</a></sup>
+Pronuncie <em>Ramboá</em>.</p>
+
+<p><span class="pagenum">[<a id="pag-87" name="pag-87">87</a>]</span></p>
+
+<h2><em>ENTEADA</em></h2>
+<pre>Casou segunda vez certo sujeito
+que sempre á viuvez torceu a cara.
+Deixára-lhe uma filha o velho leito,
+e mimo egual o novo lhe offertára.
+
+Quando eu as conheci, uma era forte,
+córada, alegre, brincalhona, viva;
+pallida a outra, triste, pensativa,
+como quem traz em si a dôr e a morte.<span class="pagenum">[<a id="pag-88" name="pag-88">88</a>]</span>
+
+Das duas a mais nova, a que é sadía,
+a lapis, n'um papel, graciosos traços
+d'um corpo de mulher hontem fazia.
+No fim as palmas bate, e, erguendo os braços,
+
+«Olha a mamã!» gritou, «De longe basta...
+basta vêl-a d'ahi!... Não será ella?»&mdash;
+Volve-lhe a outra em voz que o sangue gela:
+&mdash;<em>Agora pinta lá uma madrasta!</em>&mdash;
+
+Miserrimos poetas que nós somos!
+Por mais inspiração que nos abraze,
+por mais phantasiar tomos e tomos
+não valem juntos, não, aquella phrase.<span class="pagenum">[<a id="pag-89" name="pag-89">89</a>]</span></pre>
+
+<h2><em>N'UM ALBUM</em></h2>
+<pre>Por essa existencia fóra
+nosso caminho é diff'rente.
+Eu vou por onde se chora;
+tu por onde canta a gente.
+Tu chegas; tu vens agora;
+tu sobes qual sobe a aurora;
+eu, tal qual o sol poente,
+desço... desço!... Vou-me embora.<span class="pagenum">[<a id="pag-90" name="pag-90">90</a>]</span></pre>
+
+<p><span class="pagenum">[<a id="pag-91" name="pag-91">91</a>]</span></p>
+
+<h2><em>RAPHAELA</em></h2>
+
+<h3>I</h3>
+<pre>Era em março, e a Folia,
+dando o braço ao Carnaval,
+entrava em <em>Dona Maria</em>.
+Não sei que idea fatal
+me levou tambem á festa.<span class="pagenum">[<a id="pag-92" name="pag-92">92</a>]</span>
+
+Sei que fui. Sei que vestia
+<em>dominó</em> côr de giesta,
+e que a mascara, que ao rosto
+trago presa todo o dia,
+eu trocára, ébrio de gosto,
+por outra que não mentia.<span class="pagenum">[<a id="pag-93" name="pag-93">93</a>]</span></pre>
+
+<h3>II</h3>
+<pre>Ia a noite em mais de meio
+quando os pés na sala puz.
+Os gritos, a dança, a luz
+que os novos encanta, e creio
+que mais os velhos seduz,
+tocaram-me o coração
+por tão estranha maneira,
+que a não ter ali á mão
+as costas d'uma cadeira,
+dava co'as minhas no chão.<span class="pagenum">[<a id="pag-94" name="pag-94">94</a>]</span>
+Persuadiam-me que a Sorte
+quer que o homem seja egual
+sómente perante a morte,
+e vi eu que o Carnaval
+tinha o mesmo poder forte!
+
+Junto a mim o sôr <em>Sovela</em>,
+disfarçado em lord inglez,
+trata por <em>tu</em> o freguez,
+que n'outro <em>tu</em> se nivela
+com quem as botas lhe fez.
+Ao longe o sujo vadio
+que, para impingir á gente
+um bilhete do <em>Pão quente</em>,
+corre a Baixa e o Rocio
+dando <em>Excellencias</em> a rodo,
+agora vestido á turca,
+<em>turca</em> por dentro elle todo,
+grunhindo sem tom nem som
+paga depois da mazurka
+ponche ardente a quem tem <em>Dom</em>.
+N'aquelle canto escondido
+o calvo e gordo marido
+ás moças falla d'amor;
+e como deve o traidor
+pela traição ser punido,<span class="pagenum">[<a id="pag-95" name="pag-95">95</a>]</span>
+n'outro canto anda a mulher
+a brincar co'o deus Cupido...
+dê o brinquedo o que dér!
+Cada flôr, rosa ou jasmim,
+com seu calix entreaberto
+embalsama este jardim,
+e ás abelhas que andam perto
+como que as oiço dizer:
+&mdash;Oh! Bebei dôce prazer
+que rendida vos offerto!&mdash;
+
+Isto é vida! Isto aqui, sim!
+que a humilde e santa egualdade
+o mundo mergulha emfim
+no sol da eterna verdade!...<span class="pagenum">[<a id="pag-96" name="pag-96">96</a>]</span></pre>
+
+<h3>III</h3>
+<pre>«Boas noites, dominó.»
+&mdash;Só isso me dizes?&mdash;
+ «Só.
+&mdash;Pois desde já te requeiro
+que ámanhã fiques na cama,
+e manda o teu travesseiro
+dar umas voltas por cá.
+Na chalaça, no epigramma,
+as lampas te levará.&mdash;<span class="pagenum">[<a id="pag-97" name="pag-97">97</a>]</span>
+«Quem de espirito é tão fino
+devêra ser mais cortez.»
+&mdash;Vestiu-se de peregrino
+a cortezia...&mdash;
+ «Talvez
+d'essa longa romaria
+a que foi não voltaria!»
+&mdash;Assim parece. Não vês?!<span class="pagenum">[<a id="pag-98" name="pag-98">98</a>]</span></pre>
+
+<h3>IV</h3>
+<pre>Quem me descobre a razão
+d'esta infame grosseria?...
+Consultando minha tia,
+disse-me ella:&mdash;És um ratão!
+Coisas tuas!...&mdash;
+ «Coisas minhas?!
+Ora essa!»
+ &mdash;De quem são?
+Se teu pae sem ter gallinhas
+te deu boa creação?!&mdash;<span class="pagenum">[<a id="pag-99" name="pag-99">99</a>]</span>
+Mais ainda me condemna
+ser a mulher que offendi
+segunda Venus de Milo!
+Que remorso o que eu senti,
+e que nó no gorgomilo,
+quando, absorto, o que era vi!...
+Que ao fallar olhei... Por Christo!
+juro que olhei sem ter visto.<span class="pagenum">[<a id="pag-100" name="pag-100">100</a>]</span></pre>
+
+<h3>V</h3>
+<pre>Como usa a formosa filha
+da formosa Andaluzia,
+sob a elegante mantilha
+pelos hombros lhe caía
+de negro e farto cabello
+a madeixa ondeada e crespa.<span class="pagenum">[<a id="pag-101" name="pag-101">101</a>]</span>
+Na cinturinha de vespa...
+Alto lá! De vespa, não;
+que é corriqueira a figura
+e tola a comparação.&mdash;
+A cintura... Se lhe chamo
+só delgada&mdash;aqui d'el-rei!
+porque é prosa. Ah! Já sei.
+Delgadinha como um ramo
+que sustém duas laranjas...
+E da voz os sons tão finos
+com que os hei de comparar?
+Com voz d'anjos pequeninos,
+travêssos, loiros, meninos
+que andam no ceu a cantar,
+aos quaes não tira o chapeu
+este pobre filho d'Eva
+emquanto Deus o não leva
+a conhecel-os no ceu?!...
+Impossivel!... Pois com quê?...
+
+Deixe-se lá d'essas franjas,
+ruim poeta! Você
+não sabe que a natureza
+faz coisas de tal belleza<span class="pagenum">[<a id="pag-102" name="pag-102">102</a>]</span>
+que um homem, se logra vêl-as,
+ha de pasmado ficar,
+e pasmar... pasmar... pasmar;
+mas não tentar descrevêl-as?!<span class="pagenum">[<a id="pag-103" name="pag-103">103</a>]</span></pre>
+
+<h3>VI</h3>
+<pre>Qual a timida gazella
+que no prado anda brincando
+estremece e foge quando
+sente rumor perto d'ella,<span class="pagenum">[<a id="pag-104" name="pag-104">104</a>]</span>
+assim Dona Raphaela...
+Podia chamar-lhe Jónia,
+Mathilde, Elisa ou Antonia.
+Era o mesmo. Á mulher bella
+todo o nome fica bem.
+Toma-lhe a graça, a frescura:
+participa da candura
+de su'alma... se é que a tem.
+
+Que a minha airosa andaluza
+como a gazella fugio,
+se o não disse a casta musa
+que me inspira, o leitor pio
+(não ha <em>calemburgo</em> aqui)
+certo de si para si
+a crêl-o não se recusa;
+mas o que o leitor ignora
+é que eu proprio, eu que ind'agora
+lhe dissera: <em>Vae-te embora</em>,
+ao vêl-a fugir fiquei
+triste, só, desamparado
+como o valido d'um rei
+quando cae em desagrado!...<span class="pagenum">[<a id="pag-105" name="pag-105">105</a>]</span>
+
+Ai! se o pensamento é vário
+mais varía o coração.
+Coração&mdash;Contradicção&mdash;
+affirma-me o diccionario
+que dois synonymos são.<span class="pagenum">[<a id="pag-106" name="pag-106">106</a>]</span></pre>
+
+<h3>VII</h3>
+<pre>Amar depois que trinta annos
+nos pesam sobre o cachaço;
+quando os frios desenganos
+guias são do incerto passo
+que nos vae levando á campa;
+quando a edade a correr vem
+e nas faces nos estampa
+oitenta rugas, ou cem!
+amar sem crenças; amar
+sem possuir attractivos;
+é padecer, é penar
+dôres do inferno entre os vivos.<span class="pagenum">[<a id="pag-107" name="pag-107">107</a>]</span>
+
+Sabia-o; mas se fadado
+fôra eu já para essa dôr!
+e diz Garrett, o doutor
+em taes materias versado,
+que ninguem foge ao seu fado!
+Funesto foi sempre o meu!
+Est'alma, que Deus me deu,
+em quantos affectos nutre
+que devorou Prometheu!.<span class="pagenum">[<a id="pag-108" name="pag-108">108</a>]</span></pre>
+
+<h3>VIII</h3>
+<pre>Da rósea estancia em que mora
+com seu limpido clarão,
+sorrindo, ao ceu vinha a aurora
+soltar do prégo as azelhas
+d'onde pende a escuridão
+sobre chaminés e telhas.<span class="pagenum">[<a id="pag-109" name="pag-109">109</a>]</span>
+
+A festival harmonia
+pouco e pouco esmorecêra;
+e co'a luz do novo dia
+d'outra oschestra a afinação
+mais altos cantos rompêra,
+pois que entre os rocios do orvalho
+levantára escopro, e malho,
+um hymno de gratidão
+ao Deus, author do trabalho.
+
+Este aranzel, espremido
+n'uma phrase clara e chã,
+quer dizer:&mdash;era manhã,
+e a solfa dos caldeireiros
+matava o bicho do ouvido
+na rua Augusta aos parceiros.<span class="pagenum">[<a id="pag-110" name="pag-110">110</a>]</span></pre>
+
+<h3>IX</h3>
+<pre>Cheguei a casa. Quem ama
+tambem dorme o seu bocado;
+nem ha nada como a cama
+para amor ser bem tratado.
+Vêde as ratices do mundo!
+Sentados no mesmo throno
+amor, que é vida;&mdash;e o somno,
+que da morte é irmão segundo!...<span class="pagenum">[<a id="pag-111" name="pag-111">111</a>]</span>
+
+Em tão doloroso trance
+é praxe no bom romance
+surgir a pallida insomnia
+beliscando a cachimonia
+do que ás paixões não se poupa;
+mas eu, que sigo outra lei,
+fui-me enroscando na roupa,
+e dormi. Fiz mais: sonhei.
+
+Sonhei, sim. O que é sonhar?
+É fugir do captiveiro
+d'esta bola sublunar.
+A noss'alma, que gemia
+entre os ferros, encontrar
+a paz, o amor, a alegria,
+vivo, real, verdadeiro,
+o mundo da phantasia.
+É n'um divinal momento
+conquistar, possuir, haver
+o que nunca o pensamento,
+por mais audaz, ousou crêr
+que um dia á mão nos viria.
+Sonhar é vêr palpitante
+a toda a luz da existencia
+o pae, os filhos, a amante
+que a morte apartou de nós!<span class="pagenum">[<a id="pag-112" name="pag-112">112</a>]</span>
+
+Ouvir-lhes a dôce voz...
+interromper essa ausencia
+eterna, a eterna saudade
+que nos deixára o perdêl-os!
+Sonhar é esta piedade
+do ceu pelas nossas dôres;
+esta mão cheia de flôres
+que Deus esparge nos gelos!&mdash;
+Tudo mais são pesadelos.
+
+Pois eu sonhei, e não digo
+o sonho que tive então.
+Não por ser segredo, não,
+que á terra desça commigo;
+mas quem tem, como eu, vergonha,
+mesmo ao leitor seu amigo
+nem sempre diz o que sonha.<span class="pagenum">[<a id="pag-113" name="pag-113">113</a>]</span></pre>
+
+<h3>X</h3>
+<pre>No outro dia ao almoço,
+frugal almoço invejado
+ao pobre e triste empregado
+a quem aos mezes o Estado
+permitte rilhar um osso,
+muitas vezes esbrugado;<span class="pagenum">[<a id="pag-114" name="pag-114">114</a>]</span>
+no outro dia a Gertrudes,
+velha magra, feia, teza,
+inda cheia, á portugueza,
+de calvas e de virtudes,
+as quentes papas de milho
+veio pôr-me sobre a meza.
+
+A mim a quem nada escapa
+logo ali me deu no gôto
+O vêl-a andar n'um sarilho
+a peneirar-se, e á socapa
+sorrindo com ar garôto.
+
+&mdash;Gertrudes, que historia é esta?&mdash;
+E ella a rir.
+ &mdash;De que ri?!...&mdash;
+A rir-se mais.
+ &mdash;Temos festa!
+Vae grande baralha aqui
+se me não diz, como quero,
+porque essa bocca escancára,
+e se desengonça, e rebola...<span class="pagenum">[<a id="pag-115" name="pag-115">115</a>]</span>
+Ella, atalhando:
+ «Salero!.
+Soy, señorito, española!»
+
+Figurem-se a minha cara!!
+A visão, a Raphaela
+com quem ha pouco sonhára.
+o bello typo andaluz,
+a flôr de um dia... era ella
+saída das mãos do Cruz!<span class="sup"><a href="#fn2" name="mfn2" id="mfn2">[2]</a></span><span class="pagenum">[<a id="pag-116" name="pag-116">116</a>]</span></pre>
+
+<h3>XI</h3>
+<pre>A moral d'este meu conto
+implica artigos de fé:
+
+ 1.º
+
+Quem vê masc'ra não vê rosto.
+
+ 2.º
+
+Belleza vista de dia
+dê-se-lhe sempre o desconto
+de trinta por cento em cré.<span class="pagenum">[<a id="pag-117" name="pag-117">117</a>]</span>
+
+ 3.º
+
+Depois do sol se haver posto
+até a Virgem Maria
+precisa ser vista ao pé.
+
+ 4.º
+
+Mesmo assim, inda que perto,
+não se diga nunca ao certo
+que se está longe da Sé.<span class="pagenum">[<a id="pag-118" name="pag-118">118</a>]</span></pre>
+
+
+<p class="rodape"><sup><a href="#mfn2" name="fn2" id="fn2">[2]</a></sup>
+Guarda-roupa.</p>
+
+<p><span class="pagenum">[<a id="pag-119" name="pag-119">119</a>]</span></p>
+
+<h2><em>AS MINHAS MEMORIAS</em></h2>
+
+<p style="text-align: center;">Á Exc.<sup>ma</sup> Snr.ª D. A. F. Pinto</p>
+<pre>Nasci. Vivi. Foi meu cruel destino
+ser inutil, vulgar, emquanto moço.
+De dôr em dôr, cançado peregrino,
+chego á triste velhice sem conforto.
+Nunca pude saber o que era tino,
+como a bolsa não soube o que é <em>caroço</em>.
+
+Quando voltares hei de ser um morto.<span class="pagenum">[<a id="pag-120" name="pag-120">120</a>]</span></pre>
+
+<p><span class="pagenum">[<a id="pag-121" name="pag-121">121</a>]</span></p>
+
+<h2><em>ESTRELLA CADENTE</em></h2>
+<pre>Ella não tinha ainda os seus vinte annos.
+Eu já cincoenta, ou mais. Poucos enganos
+podia haver na conta. Trouxe-a ao cóllo!
+Não fôra um pólo em frente do outro pólo;
+mas, inda assim, contando-se este caso,
+dir-se-ia ao certo: Era uma vez o Occaso,
+e era uma vez a Aurora...<span class="pagenum">[<a id="pag-122" name="pag-122">122</a>]</span>
+ Não sei como
+n'um bello dia, por ser vedado o pomo,
+por ser appetitoso, finalmente
+não sei porquê!... por eu ser um demente...
+por ser ella o retrato da que é morta...
+fosse lá porque fosse!&mdash;Isso o que importa
+n'um bello dia&mdash;amei-a!... Uma doença
+que a gente apanha quando menos pensa.
+
+ *
+
+Sorriam de piedade os meus amigos
+todos á uma, e os novos e os antigos.
+Nas salas bichanava-se em cochichos:
+«Ora, o ginja! aparando inda os esguichos
+com que o <em>bisnaga</em> amor! Atraz da pomba,
+o perfido lacrau!»
+ Deitavam tromba
+os outros pretendentes. Um barulho
+por nada. Então porquê?! Por um arrulho?...
+Um simples suspirar?... Pois que mau era
+brotar-me em pleno inverno a primavera?...<span class="pagenum">[<a id="pag-123" name="pag-123">123</a>]</span>
+Durava pouco?... Tanto quanto dura
+em toda a terra tudo o que é ventura.
+Engeita-se por isso?...
+ A minha idade?!
+Fui de Mathusalem socio e confrade.
+Adão dizia ao vêr-me: <em>Olá, compadre!</em>
+Contemporaneo eu sou do eterno Padre.
+Não ha mais nada acima. Querem isto?...
+O Padre, o velho, foi mais tarde o Christo.
+Ondas d'amor jorrou d'aquelle peito.
+Remiu. Salvou. Pôz termo ao longo pleito
+entre as trevas e a luz, e, porque vinha
+em nome só do amor, annos que tinha
+ninguem lh'o perguntou.
+ Sinceramente:
+ha rugas dentro d'alma?!...
+
+ *
+
+ Impenitente
+morrera n'esta fé; sobre o Evangelho
+jurára que mais ama o que é mais velho;<span class="pagenum">[<a id="pag-124" name="pag-124">124</a>]</span>
+se o ponto da questão, o delicado,
+outro não fôra; um velho ser amado!
+Aqui é que me dóe!
+ É necessario
+primeiro formular um questionario.
+Menos se quer á flôr, menos se trata,
+por ser de argilla o vaso e não de prata?
+Aqui... além... embora onde estiveres...
+não és, ó flôr, a mesma?... e das mulheres,
+&mdash;não digo já de todas; mas d'algumas&mdash;
+igualmente o <em>boudoir</em> tu não perfumas?...
+Não busca asylo a crença, a christandade
+não presta o culto seu á Divindade
+no templo secular, de negro aspecto,
+humida arcada, abobadas por tecto,
+como na alegre ermida redourada,
+quente aos raios do sol, sempre inundada
+de jubilos e festa?!... Amor travêsso,
+só por vêr para dentro, vê do avêsso?
+
+ *
+
+Não te illudas, ó louco! A Providencia
+dependente do amor fez a existencia.<span class="pagenum">[<a id="pag-125" name="pag-125">125</a>]</span>
+Para estimulo a amor fez a belleza,
+o viço, a força, quanto com certeza
+tu já não tens. Por isso no concurso
+aos vagos corações a pelle do urso,
+a penna luzidia do bom pato,
+dão por si preferencia ao candidato.
+Esta a verdade crua. O sentimento
+depois é que se faz. É-lhe fermento,
+é mister que primeiro insuffle a arteria,
+e n'ella o sangue injecte, a vil materia.
+A bocca, um pé, a guia d'um bigode
+mais que as almas em fogo sempre póde.
+E tu não valsas!... tu não tens bocca
+o <em>argot</em> da moda, a phrase insossa e ôca!
+Por mais <em>ciré</em>, torcido, repintado,
+que o teu bigode vá... bigodeado
+és tu que ficas, velho! a torto e a esmo!
+
+Justo e fatal!... Fatal e justo é o mesmo.
+
+No chão não rojes teus cabellos brancos
+n'um desespero ignobil! Para arrancos,<span class="pagenum">[<a id="pag-126" name="pag-126">126</a>]</span>
+para entrares no inferno como o Dante,
+a dôr da tua cólica é bastante.
+Outras não queiras, outras não procures
+improprias já de ti. Não; em nenhures
+rejuvenesce o Fausto; e, dês que ha mundo,
+quem disse um velho&mdash;disse um moribundo.
+
+ *
+
+Ella não tinha ainda os seus vinte annos.
+Por não tel-os vivia n'uns enganos
+que eu não devia ter nos meus cincoenta.
+Distraída commigo olhou attenta
+para um moço qualquer. Nem eu me lembro
+do nome d'elle já! Era em setembro.
+Isso sei eu. Que noite!... Estou a vêl-a!
+Ultima noite azul!... Rasto d'estrella,
+curva de luz nos amplos ceus cadente,<span class="pagenum">[<a id="pag-127" name="pag-127">127</a>]</span>
+illuminar-nos veio de repente.
+Ella assustou-se, e disse: <em>Dieu te garde!</em>
+
+Pouco tempo depois, horas mais tarde,
+tal qual a estrella, em rapido trajecto,
+no mundo novo entrou d'um novo affecto.<span class="pagenum">[<a id="pag-128" name="pag-128">128</a>]</span></pre>
+
+<p><span class="pagenum">[<a id="pag-129" name="pag-129">129</a>]</span></p>
+
+<h2><em>AO ACTOR JOÃO ANASTACIO ROSA</em></h2>
+
+<p style="text-align: center;">que, na sua officina de sapateiro, mandára fazer
+para uso do author umas botas impermeaveis</p>
+<pre>Boas botas com effeito!
+Ha que tempos que te eu digo
+que, de pequeno, o teu geito
+é ser sapateiro, amigo!<span class="pagenum">[<a id="pag-130" name="pag-130">130</a>]</span>
+
+Afóra o bico da moda,
+que é moda o <em>bico</em> hoje em dia,
+quem da terra andasse á roda
+<em>mestre</em> assim não toparia.
+
+E lá no mar,&mdash;tens ratices!&mdash;
+com ellas por sobre as ondas
+anda a gente como Ulysses
+nas aguas das Trabisondas.
+
+O povo grita: Milagre!&mdash;;
+teus filhos:&mdash;Estamos salvos!&mdash;;
+e tu com graxa e vinagre
+vaes enganando os papalvos.
+
+Queima a Sciencia as pestanas
+buscando o que seja aquillo;
+e nem passadas semanas
+conclue que é sebo de grillo!<span class="pagenum">[<a id="pag-131" name="pag-131">131</a>]</span>
+
+Tu proprio chuchas no dedo,
+<em>avis rara</em>, ó <em>raio</em> d'ave;
+pois ao fechar teu segredo
+perdeste-lhe o tino e a chave.
+
+Seja qual fôr teu systema,
+graxa só ou graxa e sebo,
+eu, indigena na gemma,
+applaudo o que não percebo.
+
+De tão prodigioso invento
+só entendo, e não é pouco,
+que ou me saíste um portento
+ou és rematado louco!
+
+Mas que importa qual diploma
+um logar nos dá na Historia?
+Toda a estrada leva a Roma.
+Por atalhos vae-se á gloria.<span class="pagenum">[<a id="pag-132" name="pag-132">132</a>]</span>
+
+É certo que ao fim da vida
+a luz do provir é tua:
+luz accêsa sem torcida!...
+porta aberta com gazua!&mdash;
+
+Vê quanto o sec'lo é fecundo!
+Vê; regista em tuas notas.
+Em poucos annos ao mundo
+botou dois homens das botas!<span class="pagenum">[<a id="pag-133" name="pag-133">133</a>]</span></pre>
+
+<h2><em>ÁS RÃS PEDINDO REI</em></h2>
+
+<p style="text-align: center;">Traducção da fabula de Lafontaine&mdash;<span
+class="sc">Les Grenouilles</span></p>
+<pre>Viviam certas rãs n'um charco immundo
+em republica plena. Era um pagode!
+Tal qual uns democratas que ha no mundo
+julgando que a republica, no fundo,
+outra coisa não é senão a gente
+fazer o que bem quer e quanto póde,
+a rã tripudiava impunemente.<span class="pagenum">[<a id="pag-134" name="pag-134">134</a>]</span>
+Todos os dias era certo o choque
+entre o batrachio forte, intransigente,
+e parte da nação já descontente
+que a Jupiter pedia ou rei ou roque.
+
+ O deus fez-lhe a vontade.
+Largou-lhe lá do ceu um rei pacato,
+ de summa gravidade.
+
+Das alturas tombando, o rei na quéda
+ fez tal espalhafato,
+que as fêmeas em pavor, os machos fulos,
+aquellas saltitando, estes aos pulos,
+como é uso das rãs nas grandes crises,
+cada qual a gritar:&mdash;arreda! arreda!&mdash;
+entre os juncaes, no lôdo, nas raizes
+dos salgueiraes se enreda.<span class="pagenum">[<a id="pag-135" name="pag-135">135</a>]</span>
+
+ *
+
+Por longo tempo em seus esconderijos
+das rãs esteve homiziado o povo.
+Transformaram-se em medo os regosijos
+da antiga bacchanal. Gigante novo
+cuidavam ser o rei que o ceu lhes déra.
+Não ousavam sequer saír da tóca;
+pois, não raro, os instinctos maus da fera
+por imprudente a presa é que os provoca.
+
+Já n'essas eras muito a pêllo vinha
+dizer: <em>Cautela e caldos de gallinha...</em>
+
+O rei era um pedaço de madeira.
+Nem mais, nem menos.
+ N'uma bella tarde
+uma das rãs, por ser menos covarde
+ ou mais bisbilhoteira,
+tirou-se de cuidados, manso e manso
+na flôr das aguas surge, e ás guinadinhas
+ com muito tento e geito
+ do cêpo se aproxima.<span class="pagenum">[<a id="pag-136" name="pag-136">136</a>]</span>
+Após ella vem outra... e outra... aos centos.
+Vendo que o rei não sae do seu ripanso,
+rodeiam-no; coaxam: <em>Salta acima!...</em>
+ e coaxado e feito!...
+
+O rei, temido outr'ora, ás pecuinhas
+d'essa chusma villã se vê sujeito.
+ Em rapido momento
+sobre elle a malta audaz se encarapita,
+e faz do bom monarcha um bom assento.
+Nem chus nem bus! Calado que nem porta,
+qual fôra n'outros tempos!...
+ Isto irrita.
+Rompem as rãs então n'uma algazarra
+ que o pantano atordôa,
+os fios d'alma a quem as ouve corta.
+«Leva d'aqui, ó Jove, esta almanjarra
+que nem mexe, nem pune, nem perdôa,
+e mais parece uma alimaria morta,
+ cabide d'uma c'rôa,
+em vez de nosso rei&mdash;nossa vergonha!»
+Vae Jupiter que faz? Uma cegonha,
+das muitas que possue, logo destaca,
+e manda que das rãs ponha e disponha,
+n'uma das mãos o queijo e n'outra a faca.<span class="pagenum">[<a id="pag-137" name="pag-137">137</a>]</span>
+Ora a cegonha, apenas em seu throno
+dona das rãs se vê e sem ter dono,
+diz comsigo:
+ &mdash;Nasci dentro d'um folle!
+Quem tira agora o papo da miseria
+sempre sou eu!...&mdash;
+ Passeia toda séria,
+perna aqui... perna além, n'um andar molle,
+e quanta rã apanha quanta engole.
+
+ *
+
+Geral consternação o charco enluta.
+ Renovam-se as lamurias:
+que o rei é doido e tem ás vezes furias;
+que, doido ou não, o povo trata á bruta;
+por fim, que faça o deus formal promessa
+d'outro rei que as não coma tão depressa!<span class="pagenum">[<a id="pag-138" name="pag-138">138</a>]</span>
+ O Jupiter tonante
+d'est'arte lhes responde:
+ «Inutil prece!
+Dei-vos um rei tranquillo, inoffensivo,
+que nem sempre se tem nem se merece:
+ um rei que era um regalo!
+Foi vêl-o e pôl-o pela barra fóra!
+Dei-vos segundo: um genio um pouco vivo...
+ um pouco extravagante...
+ Meninas, aguental-o!
+Era bom o primeiro e foi-se embora.
+ É mau este de agora.
+Contentae-vos com elle, ó meus endezes,
+pois venha quem vier... peior mil vezes.»<span class="pagenum">[<a id="pag-139" name="pag-139">139</a>]</span></pre>
+
+<h2><em>ONZE DE NOVEMBRO</em></h2>
+<pre>É noite de São Martinho,
+rival do velho Noé.
+Cae agua em logar de vinho,
+e&mdash;milagre!&mdash;o meu visinho
+entra em casa por seu pé!...
+
+Memorias do alegre santo,
+porque é que tanto duraes
+se eu já nem bailo nem canto
+dês que me deram quebranto
+as peças originaes?!<span class="pagenum">[<a id="pag-140" name="pag-140">140</a>]</span>
+
+Até as caras meninas,
+socias minhas na funcção,
+rosas, d'antes, purpurinas,
+por muito favor&mdash;cravinas...
+d'Ambrosio cravinas são.
+
+Martinho, ao que chega a gente!
+Ellas feitas uns pasteis
+de carne velha e doente;
+eu comprando cada dente
+por tres e quatro mil reis!
+
+Bem me toucaram taes flôres!
+Bem com ellas me touquei!
+Da cabeça agora as dôres
+quem m'as faz são os tenores,
+as portarias, e a lei!
+
+A lei!... a eterna cantiga!
+o eterno sarapatel!
+Na nossa edade, e na antiga,
+lá para uns certos&mdash;espiga;
+lá para uns outros&mdash;papel.<span class="pagenum">[<a id="pag-141" name="pag-141">141</a>]</span>
+
+Só uma córta direito:
+só a lei da morte é egual.
+Para calcular-lhe o effeito
+vou, deitado no meu leito,
+dormir um somno real.<span class="pagenum">[<a id="pag-142" name="pag-142">142</a>]</span></pre>
+
+<p><span class="pagenum">[<a id="pag-143" name="pag-143">143</a>]</span></p>
+
+<h2><em>ASSIM É QUE EU GÓSTO D'ELLA!</em></h2>
+<pre>Eu nunca fui poeta. Era loucura
+mostrar depois de velho pretensões
+quando as não tive em horas de ventura,
+de tão dôces, mas breves, illusões.
+
+Então era a minh'alma que gemia
+no vago anceio d'onde nasce o amor;
+mas hoje sei que amor no mesmo dia
+nasce, esmorece, e morre como a flôr.<span class="pagenum">[<a id="pag-144" name="pag-144">144</a>]</span>
+
+Da meiga briza o tépido bafejo,
+a rosa perfumada, o pôr do sol,
+as nuvens d'oiro,&mdash;esplendido cortejo
+do astro-rei, a voz do rouxinol;
+
+Esse hymno immenso com que a terra exprime
+viva saudade pela extincta luz,
+se para mim então era sublime,
+ai! que já por meu mal me não seduz!
+
+Quando contemplo agora o fim da tarde,
+quando ao sumir-se no crystallino mar
+o facho accêso sobre as ondas arde
+e vae depois nas ondas mergulhar;
+
+Sabeis vós o que penso em tal instante?
+&mdash;Vêde a que prosa vil isto chegou!&mdash;
+Sabeis vós o que penso?'... o que lamento?...
+O dia mais de vida que passou.<span class="pagenum">[<a id="pag-145" name="pag-145">145</a>]</span>
+
+ De vida, sim, meus senhores,
+ que não ha pechincha egual!
+ Só algum sarrafaçal
+ em horas de maus humores
+ grunhirá sombrio e rouco
+ que pelo seu fim anhela!
+ Eu cá por mim acho pouco
+ e morro d'amores por ella!
+
+ A vida saboreada
+ de um certo modo que eu sei.
+ Nem limpa-botas nem rei;
+ trazer camisa lavada;
+ bem lavada a consciencia;
+ libras velhas na algibeira;
+ ter um trem e por decencia
+ um garoto na trazeira.
+
+ Cadeiras... todas de braços,
+ fôfas como pão de ló.
+ Nunca dar ponto sem nó
+ nem pôr ponto em dar abraços.<span class="pagenum">[<a id="pag-146" name="pag-146">146</a>]</span>
+ Caçadas... feitas no prato,
+ e sobre a caça café.
+ Charutos... dos de contracto
+ <em>Lib'ra nos!</em> antes galé.
+
+ Vejam se eu dava o cavaco
+ ou se quebrava o toutiço
+ por ser tudo quebradiço
+ n'este mundo como um caco!
+ Em se quebrando... acabou-se.
+ Ora, adeus! Fortes lamechas!
+ Era bonito se fosse
+ ficando tudo p'ra mechas!
+
+ Amor de marrafa branca
+ como o cão e a cadellinha
+ sempre fiel! Que gracinha!...
+ Ao chá por baixo da banca
+ dando ternas pizadellas
+ que as meias deixam de luto,
+ que fazem vêr as estrellas,
+ e provam que o par é bruto.<span class="pagenum">[<a id="pag-147" name="pag-147">147</a>]</span>
+
+ Ter sempre o mesmo barbeiro
+ e sempre o mesmo topete!...
+ Á mesa do voltarete
+ defronte o mesmo parceiro!...
+ O molle ser sempre o molle!...
+ sempre esperto o serigaita!...
+ Na mesma gaita de folle
+ soprar quem sopra tal gaita!...
+
+ Quem pensa assim... ai! coitado!
+ ou perdeu todo o juizo,
+ ou se tem dente do sizo
+ pelo alveitar foi achado.
+ Para mim que sou amante
+ do que muda e do que mexe,
+ como havia ser seccante
+ o tal mundo de escabeche!
+
+ Beijar nos pulsos a algema
+ com que Amor nos manietava;
+ amanhã mandal-a á fava;
+ a belleza eis do systema.<span class="pagenum">[<a id="pag-148" name="pag-148">148</a>]</span>
+ Ser hoje amigo do Brito,
+ amanhã sêl-o dos Soisas!...
+ Viajar hoje no Egypto;
+ vêr ámanhã novas coisas!
+
+ Isto, sim, que é prazer certo!
+ Quem julgar que assim não presta
+ diga adeus a esta festa
+ que o cemiterio está perto!
+ Pois póde haver tolerancia
+ na China, aqui, ou em Gôa
+ com quem defende a constancia
+ que é a maçada em pessoa?!
+
+ Aqui d'el-rei porque mente
+ toda a humana geração!...
+ Grande pena!... pois então,
+ se mente, mente-lhe a gente.
+ Por mentira, mentirola.
+ Por esparrella, esparrella.
+ Assim vae esta charola:
+ assim é que eu gosto d'ella!<span class="pagenum">[<a id="pag-149" name="pag-149">149</a>]</span>
+
+ Dizem que a vida os assusta
+ porque em tudo encontram móca;
+ que o bem a todos não toca,
+ que a Justiça não é justa.
+ Eu, por mim, quero-a mais larga,
+ que, se acaso um dia fôr
+ parar-lhe ás mãos, menos carga
+ sobre os hombros me ha de pôr.
+
+ E se o bem me não tocar
+ tambem uma vez sómente,
+ ferro commigo no quente
+ e, lá, desato a chorar.
+ Não é mau. Dou de conselho
+ a quem quizer divertir-se
+ que chore em frente do espelho
+ e por força acaba a rir-se.
+
+ Chorar é bom! Quem me dera
+ nos tempos que já lá vão
+ quando, moço, o coração,
+ ao romper a primavera<span class="pagenum">[<a id="pag-150" name="pag-150">150</a>]</span>
+ sobresaltado tremia,
+ e da terra toda em flôr
+ juntava á meiga harmonia
+ doces lagrimas d'amor!
+
+ Se á vida não acham geito
+ porque todos têm chorado,
+ cá para mim vem barrado
+ quem lhe põe este defeito.
+ Elles que foram pequenos
+ e contra as lagrimas chiam,
+ de <em>lacrima christi</em> ao menos
+ um copo não beberiam?
+
+ Tal resmuneia e se queixa
+ que as filhas não fecha a mãe;
+ que a mãe namora tambem,
+ e mais que torna e que deixa!
+ Ih! Jesus!... Que gritaria!
+ Se a mãe as filhas fechasse,
+ nenhuma as portas abria.
+ Ai de quem as arrombasse!<span class="pagenum">[<a id="pag-151" name="pag-151">151</a>]</span>
+
+ Caturras! Se ha quem supponha
+ nas politicas regiões
+ que inda póde haver Catões
+ sendo tão rara a vergonha!...
+ O galante é que no jogo
+ cada qual puxa o seu trunfo
+ quando sem armas nem fogo
+ alcançar póde o triumpho!
+
+ Deploram republicanos
+ que lhes tosquiam as azas?
+ Pois vão lá p'ra suas casas
+ fazer dos creados&mdash;manos.
+ Os outros temem que os thronos
+ se despedacem? Demonio!
+ Não lhes resta ainda, monos,
+ os thronos de Santo Antonio?&mdash;
+
+ Tudo aqui se remedeia;
+ tudo tem facil saída
+ se as honras dermos á vida
+ d'um jantar ou d'uma ceia.<span class="pagenum">[<a id="pag-152" name="pag-152">152</a>]</span>
+ Quem tentar pôl-a a direito
+ perde o tempo e a razão
+ porque luta peito a peito
+ com phantastica visão.
+
+Eu nunca fui poeta. Agora vêdes
+que menos do que nunca aspiro a sêl-o.
+Se espalmar-me tentei pelas paredes
+do teu Parnaso, Apollo, vae-me ao pêllo!
+
+Põe-me nú se conservo n'este fato
+algum resto de parvoas pretensões,
+já que o mundo como é, o mundo ingrato,
+despir-me soube as dôces illusões.
+
+Dormi. Sonhei. Do sonho hoje acordado
+na prosa da verdade emfim caí;
+mas como tudo tem sempre um bom lado
+ganhei gordura se illusões perdi.<span class="pagenum">[<a id="pag-153" name="pag-153">153</a>]</span></pre>
+
+<h2><em>EM CINTRA</em></h2>
+<pre> Tal qual como o sacrista,
+o velho Catecismo soletrando,
+ primeiro se espreguiça;
+cabeceia depois de quando em quando;
+ por fim já não atina
+se ha tres, se um cento d'inimigos d'alma;
+ meninos e doutrina,
+ rosnando manda á missa;
+engendra um travesseiro da batina;
+deita-se e dorme emquanto dura a calma:
+farto da vida fui-me estiraçando
+n'este alcantil, onde aves de rapina<span class="pagenum">[<a id="pag-154" name="pag-154">154</a>]</span>
+ fizeram ninho outr'ora.
+ Ao longe o sol declina;
+ já sobre as ondas arde.
+ Soltando a voz sonora
+n'um murmurio suave expira a tarde.
+
+Ai! quem me dera aqui morrer agora!...
+Não ha somno melhor!... Somno?... Sería?...
+Eu penso que não é, que sentiria
+em torno do meu sêr, do meu sêr novo,
+uma coisa qualquer que a phantasia
+não ousa precisar, á qual aspiro,
+para a qual vou fugindo, que me chama,
+na qual hei de caír como em seu giro
+alado insecto vae caír na chamma.
+
+Não é tolice, não. Quem n'este mundo
+diria afoito ao sabio mais profundo,
+se n'esse tempo o mundo sabios tinha,
+que dentro da gallinha estava um ovo
+e dentro d'aquelle ovo outra gallinha?...
+Assim succede em tudo. Muda a fórma;<span class="pagenum">[<a id="pag-155" name="pag-155">155</a>]</span>
+as condições variam da existencia;
+mas, por mais que a materia se transforma,
+intacta se conserva sempre a essencia.
+Logo: hei de viver. Ter consciencia
+d'aquillo que então fôr!...
+
+ <span class="sc">Um Corvo</span> (<em>que fende o espaço, grasnando</em>)
+
+ Senil demencia!
+Sobre essa rocha estoira como um ôdre:
+ terás a mesma sorte
+ de tudo quanto é pôdre.
+ Serei eu só bastante
+para fazer-te o corpo n'um farrapo.
+Que vida has de viver desde esse instante
+ mettido no meu papo?
+Aonde a consciencia?... o sentimento?...
+ Perante a Eternidade
+ tu duras um momento.
+ Serviste o pensamento
+ da grande Divindade;
+ depois!... Depois da morte
+ não és coisa que importe
+ do mundo ao movimento.<span class="pagenum">[<a id="pag-156" name="pag-156">156</a>]</span>
+
+ <span class="sc">Uma Andorinha</span> (<em>chilreando em roda da penedia</em>)
+
+ Ai! terra onde nasci!
+ Ai! dôce patria minha!
+ tão longe eu sou de ti!...
+
+ Saudosa do palmar,
+ aqui, pobre avesinha,
+ errante a voltear.
+
+ Um dia... qual&mdash;não sei...
+ um dia, em vindo o inverno,
+ de novo á patria irei.
+
+ Então sob o docel
+ d'aquelle azul eterno,
+ nos plainos meus d'Argel<span class="pagenum">[<a id="pag-157" name="pag-157">157</a>]</span>
+
+ Emfim serei feliz!
+ Nenhuma primavera
+ roubar-me ao meu paiz
+
+ Jamais conseguirá!...
+ Uma outra pátria, espera,
+ tambem te surrirá.
+
+ <span class="sc">Um Sapo</span> (<em>no fundo do valle</em>)
+
+ Cantigas! boas cantigas
+ lá por cima oiço cantar.
+ Do que vae cá pela terra
+ entendem mais as formigas,
+ sabem mais reptis na serra
+ que os passarinhos no ar.
+
+ Deixa piar a andorinha.
+ Bem facilmente se ad'vinha
+ a tua sorte futura.<span class="pagenum">[<a id="pag-158" name="pag-158">158</a>]</span>
+ Tu és, amigo, a doninha.
+ É teu sapo a sepultura.
+
+ Cantigas! Boas cantigas!
+ Quem trinca, trinca; trincou.
+ As doninhas que hei papado
+ por mais figas, figas, figas
+ que as outras me têm armado,
+ ninguem d'aqui m'as levou!
+
+ <span class="sc">O Pinhal</span> (<em>ao longe</em>)
+
+ N'um cantico dolente
+ meus hymnos rumorejo.
+É Deus que passa em mim; o Deus que eu vejo
+em tudo o que palpita, e vive, e sente.
+ Ó balsamica rosa,
+quando a fragrancia exhalas docemente
+ da petala mimosa;
+ lá quando do teu seio,
+tepido ninho d'um amor fremente,
+ irrompem n'um gorgeio
+ maternas alegrias,<span class="pagenum">[<a id="pag-159" name="pag-159">159</a>]</span>
+é Deus que passa, o rosto surridente,
+ cercado de harmonias.
+
+ <span class="sc">O Sino da Pena</span>
+
+ Dong!...
+ Dong!...
+ Dong!...
+
+ <span class="sc">Um velho que vae na estrada</span> (<em>tirando o barrete</em>)
+
+ Avè, Maria,
+ cheia de graça...
+
+ <span class="sc">O Sino</span>
+
+ Dong!...
+ Dong!...
+ Dong!...<span class="pagenum">[<a id="pag-160" name="pag-160">160</a>]</span>
+N'estas auras subtis do fim do dia
+&mdash;descobri-vos, mortaes!&mdash;é Deus que passa.
+ Dong!...
+ Dong!...
+ Dong!...
+
+Desde a remota edade á edade hodierna
+Descrença e Fé por esse mundo fóra
+vão em perpetua luta caminhando.
+Da Sciencia os cartapacios consultando
+em Deus não crê, não crê na vida eterna
+quem da eterna sciencia tudo ignora.
+Sei d'alguns que não crêem... porque é moda...
+por ser qualquer idea contrabando
+em casco avariado. Finalmente,
+crêr, ou não crêr, a certos pouco importa,
+ por isso que incommoda
+andar com seus botões pensando a gente
+no fim que ha de levar depois de morta.
+
+Eu á Sciencia estranho e bom jarreta,
+eu que penso em morrer, por ser um vivo
+que fecha a mala e puxa da gorgeta,<span class="pagenum">[<a id="pag-161" name="pag-161">161</a>]</span>
+encontro ás minhas maguas lenitivo
+crendo que ambas as coisas não são pêta.
+Tudo em roda de mim é o grande effeito
+d'uma causa maior, cuja existencia
+dois principios envolve fatalmente;
+ amor e omnipotencia:
+poder que salva; amor sempre clemente.
+
+Isto me fique ao menos! Hei mudado
+de pensar e sentir bastantes vezes.
+Só não pude sentir nem ter pensado
+ser o mundo um curral, e nós&mdash;as rezes.<span class="pagenum">[<a id="pag-162" name="pag-162">162</a>]</span></pre>
+
+<p><span class="pagenum">[<a id="pag-163" name="pag-163">163</a>]</span></p>
+
+<h2><em>PEDINDO O INDULTO</em></h2>
+
+<p style="text-align: center;">D'UM ALUMNO MILITAR</p>
+
+<p style="text-align: center;">que em 1872 foi expulso do Lyceu de Lisboa por
+não haver restituido a outro alumno um livro que lhe pedira emprestado</p>
+<pre>Misericordia!... Um rapaz
+sem reflexão e sem tino, que
+é da milicia e inda traz
+reles buço de menino,<span class="pagenum">[<a id="pag-164" name="pag-164">164</a>]</span>
+brincando pede e sonega
+um mau livro a um mau collega.
+O facto é grave! A moral
+traja luto!... Esta noticia
+corre por maneira tal
+que até chegou á policia!
+
+Desloca a pedra angular
+do social edificio!...
+Cheira a Communa!... Pelo ar,
+em busca d'um outro officio,
+paira e pia a disciplina!...
+Ai de nós! que é certa a ruina
+se um braço potente e audaz
+não suspende o cataclysmo!...
+Corte-se fundo o antraz!
+Dôa e pelle o sinapismo!
+
+Assim se fez. Lá no ceu
+ha quem nos proteja ainda.
+A lei pune. O infame reu
+cae prostrado, e o p'rigo finda.
+Sabia a lei no monstro fere
+<em>Cartouche e Robert Macaire.</em><span class="pagenum">[<a id="pag-165" name="pag-165">165</a>]</span>
+N'um golpe os reduz a pó!
+Da dupla calamidade,
+descascando um ovo só,
+livra e salva a humanidade!
+
+Os relaxados sandeus
+dizem:&mdash;Não valia a pena.&mdash;
+Mas é que a Lei, pygmeus,
+não raciocina, condemna.
+E raciocinasse!... O pepino
+não se torce em pequenino?
+Aprender nos livros quiz?
+Quiz illustrar a sua farda?
+Fique burro, que o paiz
+gosta que o sirvam d'albarda.
+
+A vergonha, a nodoa, o que é?
+O que foi sempre. Esta é fina!
+Um pinguinho de rapé
+que se tira com benzina:
+um nada... que inhabilita:
+a letra fatal escripta
+com ferro em braza na mão!
+E n'este abysmo se lança<span class="pagenum">[<a id="pag-166" name="pag-166">166</a>]</span>
+sem piedade e sem razão
+uma inconsciente creança!...
+
+Melhor livro alguem pilhou
+sem ninguem lhe gritar:&mdash;Larga!&mdash;
+Lambeu; os beiços limpou;
+e poz-se de mão na ilharga!
+Não! que o melro d'alto canta!
+e quando ás vezes se espanta
+fazem-no Deus, tal crereis?
+Uno e bis trino,&mdash;isto é sério,
+pois sendo os ministros seis
+é só elle um ministerio!
+
+O supplicante, senhor,
+cartista puro, em presença
+dos factos que vem de expôr,
+pede o indulto e a recompensa
+que o pobre rapaz merece.
+É fundada a sua prece
+em ser a Lei coisa igual:
+e, sendo, já me contento,
+se não póde ser mar'chal
+façam-no ao menos sargento.<span class="pagenum">[<a id="pag-167" name="pag-167">167</a>]</span></pre>
+
+<h1><em>PROCESSO</em></h1>
+
+<h3>1875</h3>
+
+<h2><em>LIBELLO</em></h2>
+
+<blockquote style="margin-left: 50%; font-size: small; width: 50%;">
+ <p><em>Le cynisme de l'apostasie.</em></p>
+
+ <p style="margin-left: 5em;">(<span class="sc">Berryer</span>).</p>
+</blockquote>
+<pre>Que graçolas são essas, senhor Palha?
+Que estulto riso sobre tudo espalha?
+Costuma attribuir-se a pouco siso
+O séstro folião do eterno riso.
+E cuidou tirar joias d'um thesouro?
+Cuidou ter dito bocadinhos d'ouro?<span class="pagenum">[<a id="pag-168" name="pag-168">168</a>]</span>
+Pilherias de matar, chistes d'arromba?
+Pois nunca embalde co'a razão se zomba,
+E com ella zombou no seu escripto.
+Uma coisa é <em>espirito</em>, outra <em>esprito</em>.
+Já vê que me refiro á carta-asneira
+Abrindo aos disparates a torneira
+Nas illustres columnas do <em>Illustrado</em>.
+Quanto fôra melhor estar calado!
+A defeza enterrou-lhe a protegida,
+Ha patronos assim; hoje é perdida
+A causa da Madama. Andou de leve
+Em tudo quanto disse, e nunca teve
+Hora mais infeliz. Veja: primeiro
+O seu grande argumento é&mdash;<em>dá dinheiro!</em>
+Que miseria inaudita! D'esse modo
+Bota abaixo a moral do mundo todo.
+Ó venenos subtis, ó ferros finos,
+Quem maldirá a mão dos assassinos
+Se vós rendeis milhões? Ó lupanares
+Da vil prostituição, nos seus cantares
+Passou-vos Palha carta de limpeza.
+Lucraes muito por dia? Santa empreza.
+Não quer saber de mais; o merecimento
+Afére-o pelo ganho; isto é nojento.
+A moral, a virtude, que lhe importa?
+O caso está em quanto rende a porta,
+A corrupção geral é que o deleita
+Dês que possa ser fonte de receita.<span class="pagenum">[<a id="pag-169" name="pag-169">169</a>]</span>
+A arte mascarou-se em traficante,
+A arte é <em>chilrear</em> e vêr sonante.
+E houve quem berrasse, e inda hoje berra,
+Contra o barbaro interesse da Inglaterra
+Envenenando a China? Que patetas!
+Não haviam mugir á vacca as tetas?
+Se vem sangue no tarro que tem isso?
+O sangue tambem faz bello chouriço.
+E fresquinha a <em>Madama</em>, e curto o fato?
+Diz elle que o reparo é caricato.
+Pois quanto mais a filha mostra a perna
+E a linguagem mais cheira a taberna
+Mais acode o concurso hoje em Lisboa
+Que até na <em>côrte</em>, em gripho, inda resôa
+A fama de Cascaes e os lindos <em>fados</em>
+Que por lá se dançaram, e os trinados
+Da banza afidalgada; haja folgança
+Que n'este mundo ha só prazer e pança.
+Na insulsa peça o Palha chocarreiro
+Só dá voto de peso ao bilheteiro;
+Com este é tudo bom. Frivolidades,
+Phrases regateiraes, e necedades;
+A praça da Figueira, emfim, na scena,
+Sem um dito sequer que faça pena
+De não lembrar depois; eis o encanto
+Do Palha da Trindade; e faz-lhe espanto
+Que os da <em>Nação</em> não saltem d'alegria,
+E ratos diz que são de <em>Sacristia</em>...<span class="pagenum">[<a id="pag-170" name="pag-170">170</a>]</span>
+Alto lá, senhor Palha, mais decencia.
+Não se emporcalhe assim <em>Vossa Excellencia</em>.
+Não bula na <em>Nação</em>, que o trouxe ao collo,
+Que passa por ingrato, além de tolo.
+Pois não andou por lá de noite e dia?
+Não foi rato tambem na sacristia?
+Então o dizer mal mui mal lhe fica;
+Embora n'outra parte arme a futrica.
+O bonito é caluda. Se hoje adora
+O que d'antes queimára, rôa agora
+Nas lonas do theatro, chupe azeite
+Dos candieiros da rampa, mas não deite
+Só por na corrupção viver contente
+Má fama da que fôra sua gente.
+Que mal lhe fez á bolsa, em que só pensa,
+A antiga tradição, a antiga crença?
+Desertou; e bem viu que foi tranquillo,
+Nenhum tiro se deu a perseguil-o,
+Nenhuma voz se ergueu bradando&mdash;raca&mdash;,
+Nem ninguem lhe puxou pela casaca.
+Virou-a como quiz; e nem as trovas
+D'aquelle <em>José Paes de Torres Novas</em>
+Ninguem lhe recordou: assim, nem pio,
+Que mais calvo o farão, e inda faz frio.
+Se seu honrado pae resuscitasse
+Como o rubor lhe subiria á face
+Vendo o filho truão na patria cara
+Cuspir injurias, com facecia ignara;<span class="pagenum">[<a id="pag-171" name="pag-171">171</a>]</span>
+Vendo o filho nos tempos em que vamos
+Morder insano a procissão de Ramos!
+Que tem, que póde ter gambia obscena,
+Em anzol de patacos sobre a scena,
+Com pia procissão, qualquer que seja,
+Dês que tem por escudo a Santa Egreja?
+Como o tal velho Palha encresparia
+O sobr'olho a toda esta porcaria?
+Vêr seu filho gabando os assobios
+D'amoladinhos vãos e de vadios;
+Censurar a gravata séria e lisa;
+O <em>pé fresco</em> exaltar; gente em camisa;
+Ser-lhe, emfim, tudo antigo de quizilia
+E comicos só ter como familia!...
+Ó manes venerandos e <em>embécados</em>
+Dos Desembargadores, sois trocados
+Na voz do filho e neto, em sêde d'ouro,
+Por titeres do palco! Forte estouro
+Levava o tal amigo se surgia
+Toda a Palha anciã, se não morria
+De vergonha outra vez, que é coisa dura
+Ver por nossos mordida a sepultura!
+Mas basta, senhor Palha, e se inda a fome
+Lhe exige mais roer, roa em seu nome.
+</pre>
+
+<p style="text-align: right;font-size: small;">(<em>A Nação</em>).<span
+class="pagenum">[<a id="pag-172" name="pag-172">172</a>]</span></p>
+
+<p><span class="pagenum">[<a id="pag-173" name="pag-173">173</a>]</span></p>
+
+<h2><em>CONTRARIEDADE</em></h2>
+
+<blockquote style="margin-left: 50%; font-size: small; width: 50%;">
+ <em>.......... e nunca teve<br>
+ Hora mais infeliz.....</em>
+
+ <p style="margin-left: 2em;">(<span class="sc">V. Exc.ª mesmo</span>).</p>
+</blockquote>
+<pre>Cantor das duzias, teu rosto
+porque é que encobres assim?
+Quem és tu? Es Arlequim?
+Es o Furioso de Ariosto?
+Es o Roberto Pimpim?<span class="pagenum">[<a id="pag-174" name="pag-174">174</a>]</span>
+
+És um anão Torquemada
+com pretensões a Vestal,
+fructo da copla carnal
+do author da <em>Besta esfolada</em>
+e do esfolado animal?...
+
+Não és coisa alguma d'estas?
+Então, ó santinho, o que és?
+Pedes p'r'a missa das dez,
+ou tocas órgão nas festas
+e dás aos folles co'os pés?
+
+Pela linguagem rasteira
+comtigo decerto dou.
+Se pae não és, és avô
+da que chamas regateira,
+da propria filha da Angot.
+
+E a neta engeitas?... e á neta
+condemnas a phrase chã?
+Que cheira mal a hortelã
+dizêl-o póde, pateta,
+a vil cebola albarrã?<span class="pagenum">[<a id="pag-175" name="pag-175">175</a>]</span>
+
+É franca? P'ra sempre o seja.
+Vale mais ter esse dom
+que ser beato e maçon
+e berrar que é contra a Egreja
+<em>colhér e trolha!...</em> Chiton!
+
+Mostra uma perna? Essa é boa!
+Olhem lá co'o que elle vem!
+Mostrou uma? Pois tambem
+você percorre Lisboa
+mostrando as quatro que tem.
+
+Ó sociedade corrupta!...
+Ó moralista infeliz!...
+que viste a perna da actriz
+e em vez de beber cicuta
+vaes beber... ao chafariz!
+
+Eu sei que o mundo é doente.
+Tem um scirro que o corroe.
+Além d'isso ao fraco heroe
+doe-lhe inda a raiz do dente
+que foi arrancar a Alcoy.<span class="pagenum">[<a id="pag-176" name="pag-176">176</a>]</span>
+
+Ao mais pequeno symptoma
+que indique augmento do mal
+recresce a faina geral.
+Com papas lhe acode Roma
+na região temporal;
+
+Dá-lhe sangrias Castella;
+põe-lhe um cauterio o allemão,
+emquanto mata o capão
+e ferve á pressa a panella
+a Italia no seu vulcão.
+
+Em França a magna assemblea
+revôlta, ignara, loquaz,
+discute se é agua raz
+ou se é forca a panacea
+n'este momento efficaz.
+
+Seguindo o fraterno impulso,
+o frio, sizudo inglez
+chega-se ao leito do endez
+e diz, tomando-lhe o pulso:
+<em>Inda não vae d'esta vez.</em><span class="pagenum">[<a id="pag-177" name="pag-177">177</a>]</span>
+
+E o pai da magra Siberia,
+o grande doutor Moscow,
+da casa de Deus avô
+brama:&mdash;<em>Pois se a coisa é séria,
+ó rapazinhos, lá vou.</em>
+
+Mas tu co'os teus alfarrabios
+e com teu surriso alvar
+é vêr, apalpar, e... obrar.
+Podera! Que valem sabios
+onde apparece o alveitar?...
+
+Assim, receitas á antiga:
+«Dois grãos de moral... de Adão,
+que andou nú e foi burlão.
+Com elles faça uma figa,
+raspe, e metta de infusão.
+
+«Deite depois disciplinas
+com ponta de pita e nó.
+Misture São Pedro em pó,
+e co'as minhas proprias clinas
+fomente o enfermo sem dó.<span class="pagenum">[<a id="pag-178" name="pag-178">178</a>]</span>
+
+«Note bem. Rigor na dieta
+de acepipes liberaes.
+Não cheirar sequer jornaes.
+Se a cura for incompleta
+dê-lhe mais... e mais... e mais!»
+
+O mau, o peior, o diabo,
+ó cego Miramolim,
+é que essa droga ruim
+por um triz que já deu cabo
+do mundo vezes sem fim.
+
+Não faças mais medicina
+que o tempo gastas em vão;
+e, se és tolo ou charlatão,
+grunhe contra a tua sina,
+mas contra mim, isso não.
+
+Porque andei lá na botica
+de <em>avantal</em> e braços nús,
+porque os xaropes compuz,
+mais e mais se justifica
+meu tédio pelo alcaçuz.<span class="pagenum">[<a id="pag-179" name="pag-179">179</a>]</span>
+
+E se a <em>Nação</em> me deu mama,
+se ao collo trazer-me quiz,
+porque estranhas se lhe eu fiz
+no regaço e p'ra tal ama
+o que faz todo o petiz?!
+
+Sob a campa que os encerra
+deixa tranquillos os meus.
+Não chames, rei dos pygmeus,
+para as contendas da terra
+aquelles que estão com Deus.
+
+Do seu tempo honradamente
+seguiram costume e lei.
+Com ser do meu provarei
+que amo a patria, a minha gente,
+e o seu exemplo imitei.
+
+E se algum, velha maluca,
+surgisse da eterna paz,
+de provar-me era incapaz,
+que os olhos estão na nuca;
+que o <em>direito</em> é andar p'ra traz.<span class="pagenum">[<a id="pag-180" name="pag-180">180</a>]</span></pre>
+
+<p><span class="pagenum">[<a id="pag-181" name="pag-181">181</a>]</span></p>
+
+<h2><em>SENTENÇA</em></h2>
+<pre>Estes autos correndo folha a folha,
+d'elles fica provado á saciedade
+que tem bolha a <em>Nação</em>, e que tem bolha
+ o Palha da Trindade.
+Marfára-se o jornal só porque em scena
+ mostrára certa artista
+uma das pernas gordas, e essa&mdash;obscena,<span class="pagenum">[<a id="pag-182" name="pag-182">182</a>]</span>
+O Palha redarguiu: que era uma pena
+ e, mais, uma injustiça
+tratar como se fôra de corista
+a perna d'uma actriz&mdash;das de mão cheia;
+ &mdash;que a perna era a cubiça
+ do velho jornalista;
+&mdash;que o ferro d'elle, o ferro... era que a meia
+cobrisse aquella gambia tão roliça;
+ por fim&mdash;que era um sacrista...
+insulto enorme a quem ajuda á missa!
+
+ Ás partes deu-se vista
+da perna questionada. Era postiça.
+
+Recalcitra a <em>Nação</em>, accesa em febre:
+&mdash;que fôra burla torpe, e facto novo
+em terra portugueza, dar-se ao povo
+ um gato em vez de lebre.
+&mdash;Que falsa ou verdadeira a perna fosse,
+de rama d'algodão, ou simples cana,
+sempre era perna, e <em>gratis</em> dava um dôce
+a quem de lhe morder não désse a gana.
+ D'ahi a grave offensa
+á pureza moral da raça humana;
+ a indignação immensa
+d'uma sã consciencia ultramontana!<span class="pagenum">[<a id="pag-183" name="pag-183">183</a>]</span>
+&mdash;Que o Palha tambem fôra antigamente
+ irmão na sacristia
+levantando a ração, conforme a havia,
+ e sempre com bom dente.
+ &mdash;Que lá n'um bello dia
+fugira como um burro cacilheiro
+sem lhe gritarem: <em>Chó!...</em> Que santa gente!
+
+Que o réles emprezario, tendo o fito
+ nas cruzes do dinheiro,
+ trazia todo inteiro,
+aos pinchos, dentro em si, um vil cabrito:
+a fórma d'animal mais predilecta
+ do Belzebuth maldito
+quando a noss'alma empanzinar projecta.
+&mdash;Que os paes, avós, emfim toda a Palhada
+que jaz na cova, qual vivera, honrada,
+ por causa da tal perna
+ ficára condemnada
+d'uma eterna vergonha á dôr eterna.
+O réo contesta, e diz:
+ &mdash;Que era verdade
+ haver por lá andado;
+ mas n'uma tal edade
+que não chegára nunca a ser ferrado.
+ &mdash;Que o tinham n'um cerrado<span class="pagenum">[<a id="pag-184" name="pag-184">184</a>]</span>
+onde brotava apenas a Saudade;
+ constante era a estiagem;
+ o ceu caliginoso;
+de lagrimas sómente a beberagem;
+por festa o cardo; espinhos só por goso.
+&mdash;Que tiritando ali, aguado o pêllo,
+ extincto o movimento,
+transportado se vira n'um momento
+ás pávidas mansões do eterno gêlo.
+&mdash;Que, lá muito de longe, a Liberdade
+ lhe fez então negaças.
+
+«Tens frio?... Vem. Aqueço. A escuridade
+é de razão deixal-a á sepultura,
+veu das caveiras, manto das carcassas!
+Chama-te a luz! a luz que vem da altura
+dos iriados ceus!... Surge!... Caminha!...
+Quanto mais caminhar a humanidade
+do espirito de Deus mais se avisinha.»
+
+Apoz da seducçáo d'aquelle canto,
+ ouvindo aquelles hymnos,
+homem por elles feito, erguida a fronte,
+partira ancioso em busca do horisonte<span class="pagenum">[<a id="pag-185" name="pag-185">185</a>]</span>
+onde, envolvida em nimbos purpurinos,
+ c'roada d'amaranto,
+ a deusa refulgia.
+Partira. Fôra. E não se arrependia.
+
+Conspurcal-a pretendem? Na passagem
+cospem-lhe insultos? Baixam-lhe a pagode
+o templo augusto? Arrastam-na á voragem?
+Ella é pura sempre; é sempre forte!
+Póde velar seu rosto; só não póde,
+sem que renasça, captival-a a morte!
+
+E disse mais. E disse d'esta sorte:
+&mdash;Que mesmo ao Santo Padre, e mais é santo,
+não faz o dinheirinho um mau cabello...
+nem, em nome de Pedro, recebêl-o.
+Para engeital-o, em menospreço tel-o,
+nas mãos como José largar-lhe o manto,
+um pobre peccador e Belisario,
+ seria necessario
+ que fosse um dromedario;
+ que fosse um gran camêlo!
+
+&mdash;Que exhibir uma perna no theatro
+não era nada comparado ás quatro<span class="pagenum">[<a id="pag-186" name="pag-186">186</a>]</span>
+sobre as quaes a <em>Nação</em> a qualquer hora
+vae, cabisbaixa, manquejando legoas
+por esse paiz fóra.
+
+ &mdash;Que em seu rancor profundo,
+sendo christã, não dera ao menos tregoas
+áquelles que dormiam descançados
+ nas sombras do outro mundo!...
+ Coitados!...
+ Sim; coitados!
+Empenharam-se juntos na batalha
+em pró do mesmo rei. Nos mesmos fossos
+o mesmo pó morderam. Na mortalha
+nem isso lhes valeu!
+ Ai! pobres ossos!
+
+Ouvidos por tal fórma ambos os lados;
+e
+ &mdash;Sendo mais que certo
+que a folha authora, os olhos pondo em Christo,
+por um cantinho d'elles já tem visto
+pernas no palco, e pernas mais ao perto,
+sem que torça o nariz ou mostre nojo;<span class="pagenum">[<a id="pag-187" name="pag-187">187</a>]</span>
+&mdash;Não podendo a Moral chegar tão longe
+que exija a cada canto um Varatojo,
+nem de cada mortal engendre um monge
+ dormindo sobre o tojo;
+e
+ Visto que a <em>Nação</em> no seu ataque
+foi rude, e foi cruel, e deu motivo
+ do Palha ao fogo vivo
+ que a poz, no ardor do saque,
+pouco mais, pouco menos, como um crivo;
+
+&mdash;Sendo que o Palha, embora na defeza,
+ faltou ás leis da guerra
+contundindo a <em>Nação</em> prostrada em terra;
+inutil, bestial, impia fereza,
+inda em cima aggravada na certeza
+de estar sovando um martyr;
+ Attendendo
+a ter o mesmo reu a consciencia
+ do mal que procedia
+quando, esquecendo a antiga convivencia
+ por futil ninharia,
+em vez de lhe deitar logo um remendo
+se poz a esg'ravatar na porcaria;
+Manda a Justiça, a cega, a que é machucha,
+ a pomba immaculada,
+ a fossil que nem chucha<span class="pagenum">[<a id="pag-188" name="pag-188">188</a>]</span>
+nem consente sequer em ser chuchada;
+ordena a incorruptivel,&mdash;Deus lhes valha!...
+que vejam bruxa os dois! Veja uma bruxa
+a bruxa da <em>Nação</em>! Veja outra o Palha.
+
+Assim, condemno os dois da vida airada.
+
+Em castigo ao jornal seja o Libello,
+n'um livro, publicado. E que o releia,
+(pequena penitencia ao grande excesso!)
+quem á bilis soez abriu a veia.
+Saibam-lhe a fel, e trinque-os sempre á ceia,
+os fructos do seu odio!
+ Dal-o ao prelo,
+dar-se a si mesmo em elzevir impresso,
+jungidos ambos, presos n'um só elo,
+do Palha a pena seja, e o seu flagello!
+
+ Na mesma falta incursos,
+e n'outra falta ainda, a de recursos,
+paguem os dois as custas do processo.<span class="pagenum">[<a id="pag-189" name="pag-189">189</a>]</span></pre>
+
+<h2><em>INDICE</em></h2>
+
+<table style="font-size: small;" summary="Indice">
+ <tbody>
+ <tr>
+ <td> </td>
+ <td><em>Pag.</em></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Dona Morte</td>
+ <td><a href="#pag-7">7</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Por fim</td>
+ <td><a href="#pag-17">17</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Carta ao Conde d'Almedina, Inspector da Academia Real de
+ Bellas-Artes, que no estrangeiro sollicitou uma commenda para o
+ author</td>
+ <td><a href="#pag-23">23</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Requerimento</td>
+ <td><a href="#pag-27">27</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Prefacio d'um livro inedito</td>
+ <td><a href="#pag-33">33</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Mal por mal</td>
+ <td><a href="#pag-35">35</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>A uma creatura</td>
+ <td><a href="#pag-39">39</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Além da campa</td>
+ <td><a href="#pag-45">45</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>A Julio Cesar Machado, que em folhetim do <em>Diario de Noticias</em>
+ dirigira ao author phrases benevolas</td>
+ <td><a href="#pag-47">47</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Dies iræ</td>
+ <td><a href="#pag-53">53</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>O meu tinteiro</td>
+ <td><a href="#pag-57">57</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>A Venus nova</td>
+ <td><a href="#pag-63">63</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>O lobo e o cão</td>
+ <td><a href="#pag-67">67</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Deus e o Amor</td>
+ <td><a href="#pag-71">71</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Enteada</td>
+ <td><a href="#pag-87">87</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>N'um album</td>
+ <td><a href="#pag-89">89</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Raphaela</td>
+ <td><a href="#pag-91">91</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>As minhas memorias</td>
+ <td><a href="#pag-119">119</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Estrella cadente</td>
+ <td><a href="#pag-121">121</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Ao actor João Anastacio Rosa que, na sua officina de sapateiro,
+ mandára fazer para uso do author umas botas impermeaveis</td>
+ <td><a href="#pag-129">129</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>As rãs pedindo rei</td>
+ <td><a href="#pag-133">133</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Onze de Novembro</td>
+ <td><a href="#pag-139">139</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Assim é que eu gosto d'ella!</td>
+ <td><a href="#pag-143">143</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Em Cintra</td>
+ <td><a href="#pag-153">153</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Pedindo o indulto d'um alumno militar que em 1872 foi expulso do
+ Lyceu de Lisboa por não haver restituido a outro alumno um livro que
+ lhe pedira emprestado</td>
+ <td><a href="#pag-163">163</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td><span class="sc">Processo</span> (1875):</td>
+ <td></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Libello</td>
+ <td><a href="#pag-167">167</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Contrariedade</td>
+ <td><a href="#pag-173">173</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Sentença</td>
+ <td><a href="#pag-181">181</a></td>
+ </tr>
+ </tbody>
+</table>
+
+
+
+
+
+
+
+<pre>
+
+
+
+
+
+End of the Project Gutenberg EBook of Musa Velha, by Francisco Palha
+
+*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK MUSA VELHA ***
+
+***** This file should be named 27940-h.htm or 27940-h.zip *****
+This and all associated files of various formats will be found in:
+ https://www.gutenberg.org/2/7/9/4/27940/
+
+Produced by Pedro Saborano
+
+Updated editions will replace the previous one--the old editions
+will be renamed.
+
+Creating the works from public domain print editions means that no
+one owns a United States copyright in these works, so the Foundation
+(and you!) can copy and distribute it in the United States without
+permission and without paying copyright royalties. Special rules,
+set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to
+copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to
+protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. Project
+Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you
+charge for the eBooks, unless you receive specific permission. If you
+do not charge anything for copies of this eBook, complying with the
+rules is very easy. You may use this eBook for nearly any purpose
+such as creation of derivative works, reports, performances and
+research. They may be modified and printed and given away--you may do
+practically ANYTHING with public domain eBooks. Redistribution is
+subject to the trademark license, especially commercial
+redistribution.
+
+
+
+*** START: FULL LICENSE ***
+
+THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE
+PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK
+
+To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free
+distribution of electronic works, by using or distributing this work
+(or any other work associated in any way with the phrase "Project
+Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full Project
+Gutenberg-tm License (available with this file or online at
+https://gutenberg.org/license).
+
+
+Section 1. General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tm
+electronic works
+
+1.A. By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm
+electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to
+and accept all the terms of this license and intellectual property
+(trademark/copyright) agreement. If you do not agree to abide by all
+the terms of this agreement, you must cease using and return or destroy
+all copies of Project Gutenberg-tm electronic works in your possession.
+If you paid a fee for obtaining a copy of or access to a Project
+Gutenberg-tm electronic work and you do not agree to be bound by the
+terms of this agreement, you may obtain a refund from the person or
+entity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8.
+
+1.B. "Project Gutenberg" is a registered trademark. It may only be
+used on or associated in any way with an electronic work by people who
+agree to be bound by the terms of this agreement. There are a few
+things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works
+even without complying with the full terms of this agreement. See
+paragraph 1.C below. There are a lot of things you can do with Project
+Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement
+and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic
+works. See paragraph 1.E below.
+
+1.C. The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation"
+or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project
+Gutenberg-tm electronic works. Nearly all the individual works in the
+collection are in the public domain in the United States. If an
+individual work is in the public domain in the United States and you are
+located in the United States, we do not claim a right to prevent you from
+copying, distributing, performing, displaying or creating derivative
+works based on the work as long as all references to Project Gutenberg
+are removed. Of course, we hope that you will support the Project
+Gutenberg-tm mission of promoting free access to electronic works by
+freely sharing Project Gutenberg-tm works in compliance with the terms of
+this agreement for keeping the Project Gutenberg-tm name associated with
+the work. You can easily comply with the terms of this agreement by
+keeping this work in the same format with its attached full Project
+Gutenberg-tm License when you share it without charge with others.
+
+1.D. The copyright laws of the place where you are located also govern
+what you can do with this work. Copyright laws in most countries are in
+a constant state of change. If you are outside the United States, check
+the laws of your country in addition to the terms of this agreement
+before downloading, copying, displaying, performing, distributing or
+creating derivative works based on this work or any other Project
+Gutenberg-tm work. The Foundation makes no representations concerning
+the copyright status of any work in any country outside the United
+States.
+
+1.E. Unless you have removed all references to Project Gutenberg:
+
+1.E.1. The following sentence, with active links to, or other immediate
+access to, the full Project Gutenberg-tm License must appear prominently
+whenever any copy of a Project Gutenberg-tm work (any work on which the
+phrase "Project Gutenberg" appears, or with which the phrase "Project
+Gutenberg" is associated) is accessed, displayed, performed, viewed,
+copied or distributed:
+
+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
+almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
+re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
+with this eBook or online at www.gutenberg.org
+
+1.E.2. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is derived
+from the public domain (does not contain a notice indicating that it is
+posted with permission of the copyright holder), the work can be copied
+and distributed to anyone in the United States without paying any fees
+or charges. If you are redistributing or providing access to a work
+with the phrase "Project Gutenberg" associated with or appearing on the
+work, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1
+through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and the
+Project Gutenberg-tm trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or
+1.E.9.
+
+1.E.3. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is posted
+with the permission of the copyright holder, your use and distribution
+must comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additional
+terms imposed by the copyright holder. Additional terms will be linked
+to the Project Gutenberg-tm License for all works posted with the
+permission of the copyright holder found at the beginning of this work.
+
+1.E.4. Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg-tm
+License terms from this work, or any files containing a part of this
+work or any other work associated with Project Gutenberg-tm.
+
+1.E.5. Do not copy, display, perform, distribute or redistribute this
+electronic work, or any part of this electronic work, without
+prominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 with
+active links or immediate access to the full terms of the Project
+Gutenberg-tm License.
+
+1.E.6. You may convert to and distribute this work in any binary,
+compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including any
+word processing or hypertext form. However, if you provide access to or
+distribute copies of a Project Gutenberg-tm work in a format other than
+"Plain Vanilla ASCII" or other format used in the official version
+posted on the official Project Gutenberg-tm web site (www.gutenberg.org),
+you must, at no additional cost, fee or expense to the user, provide a
+copy, a means of exporting a copy, or a means of obtaining a copy upon
+request, of the work in its original "Plain Vanilla ASCII" or other
+form. Any alternate format must include the full Project Gutenberg-tm
+License as specified in paragraph 1.E.1.
+
+1.E.7. Do not charge a fee for access to, viewing, displaying,
+performing, copying or distributing any Project Gutenberg-tm works
+unless you comply with paragraph 1.E.8 or 1.E.9.
+
+1.E.8. You may charge a reasonable fee for copies of or providing
+access to or distributing Project Gutenberg-tm electronic works provided
+that
+
+- You pay a royalty fee of 20% of the gross profits you derive from
+ the use of Project Gutenberg-tm works calculated using the method
+ you already use to calculate your applicable taxes. The fee is
+ owed to the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, but he
+ has agreed to donate royalties under this paragraph to the
+ Project Gutenberg Literary Archive Foundation. Royalty payments
+ must be paid within 60 days following each date on which you
+ prepare (or are legally required to prepare) your periodic tax
+ returns. Royalty payments should be clearly marked as such and
+ sent to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation at the
+ address specified in Section 4, "Information about donations to
+ the Project Gutenberg Literary Archive Foundation."
+
+- You provide a full refund of any money paid by a user who notifies
+ you in writing (or by e-mail) within 30 days of receipt that s/he
+ does not agree to the terms of the full Project Gutenberg-tm
+ License. You must require such a user to return or
+ destroy all copies of the works possessed in a physical medium
+ and discontinue all use of and all access to other copies of
+ Project Gutenberg-tm works.
+
+- You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any
+ money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the
+ electronic work is discovered and reported to you within 90 days
+ of receipt of the work.
+
+- You comply with all other terms of this agreement for free
+ distribution of Project Gutenberg-tm works.
+
+1.E.9. If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm
+electronic work or group of works on different terms than are set
+forth in this agreement, you must obtain permission in writing from
+both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael
+Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark. Contact the
+Foundation as set forth in Section 3 below.
+
+1.F.
+
+1.F.1. Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable
+effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread
+public domain works in creating the Project Gutenberg-tm
+collection. Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic
+works, and the medium on which they may be stored, may contain
+"Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or
+corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual
+property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a
+computer virus, or computer codes that damage or cannot be read by
+your equipment.
+
+1.F.2. LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the "Right
+of Replacement or Refund" described in paragraph 1.F.3, the Project
+Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project
+Gutenberg-tm trademark, and any other party distributing a Project
+Gutenberg-tm electronic work under this agreement, disclaim all
+liability to you for damages, costs and expenses, including legal
+fees. YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICT
+LIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSE
+PROVIDED IN PARAGRAPH F3. YOU AGREE THAT THE FOUNDATION, THE
+TRADEMARK OWNER, AND ANY DISTRIBUTOR UNDER THIS AGREEMENT WILL NOT BE
+LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR
+INCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCH
+DAMAGE.
+
+1.F.3. LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover a
+defect in this electronic work within 90 days of receiving it, you can
+receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a
+written explanation to the person you received the work from. If you
+received the work on a physical medium, you must return the medium with
+your written explanation. The person or entity that provided you with
+the defective work may elect to provide a replacement copy in lieu of a
+refund. If you received the work electronically, the person or entity
+providing it to you may choose to give you a second opportunity to
+receive the work electronically in lieu of a refund. If the second copy
+is also defective, you may demand a refund in writing without further
+opportunities to fix the problem.
+
+1.F.4. Except for the limited right of replacement or refund set forth
+in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER
+WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO
+WARRANTIES OF MERCHANTIBILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE.
+
+1.F.5. Some states do not allow disclaimers of certain implied
+warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages.
+If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the
+law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be
+interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by
+the applicable state law. The invalidity or unenforceability of any
+provision of this agreement shall not void the remaining provisions.
+
+1.F.6. INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the
+trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone
+providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance
+with this agreement, and any volunteers associated with the production,
+promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works,
+harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees,
+that arise directly or indirectly from any of the following which you do
+or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm
+work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any
+Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause.
+
+
+Section 2. Information about the Mission of Project Gutenberg-tm
+
+Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of
+electronic works in formats readable by the widest variety of computers
+including obsolete, old, middle-aged and new computers. It exists
+because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from
+people in all walks of life.
+
+Volunteers and financial support to provide volunteers with the
+assistance they need are critical to reaching Project Gutenberg-tm's
+goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will
+remain freely available for generations to come. In 2001, the Project
+Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
+and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations.
+To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
+and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
+and the Foundation web page at https://www.pglaf.org.
+
+
+Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive
+Foundation
+
+The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
+501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
+state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal
+Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification
+number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at
+https://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
+permitted by U.S. federal laws and your state's laws.
+
+The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S.
+Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered
+throughout numerous locations. Its business office is located at
+809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email
+business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact
+information can be found at the Foundation's web site and official
+page at https://pglaf.org
+
+For additional contact information:
+ Dr. Gregory B. Newby
+ Chief Executive and Director
+ gbnewby@pglaf.org
+
+
+Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation
+
+Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide
+spread public support and donations to carry out its mission of
+increasing the number of public domain and licensed works that can be
+freely distributed in machine readable form accessible by the widest
+array of equipment including outdated equipment. Many small donations
+($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt
+status with the IRS.
+
+The Foundation is committed to complying with the laws regulating
+charities and charitable donations in all 50 states of the United
+States. Compliance requirements are not uniform and it takes a
+considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up
+with these requirements. We do not solicit donations in locations
+where we have not received written confirmation of compliance. To
+SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any
+particular state visit https://pglaf.org
+
+While we cannot and do not solicit contributions from states where we
+have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition
+against accepting unsolicited donations from donors in such states who
+approach us with offers to donate.
+
+International donations are gratefully accepted, but we cannot make
+any statements concerning tax treatment of donations received from
+outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff.
+
+Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation
+methods and addresses. Donations are accepted in a number of other
+ways including including checks, online payments and credit card
+donations. To donate, please visit: https://pglaf.org/donate
+
+
+Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic
+works.
+
+Professor Michael S. Hart was the originator of the Project Gutenberg-tm
+concept of a library of electronic works that could be freely shared
+with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project
+Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support.
+
+
+Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed
+editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S.
+unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily
+keep eBooks in compliance with any particular paper edition.
+
+
+Most people start at our Web site which has the main PG search facility:
+
+ https://www.gutenberg.org
+
+This Web site includes information about Project Gutenberg-tm,
+including how to make donations to the Project Gutenberg Literary
+Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to
+subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.
+
+
+</pre>
+
+</body>
+</html>
diff --git a/LICENSE.txt b/LICENSE.txt
new file mode 100644
index 0000000..6312041
--- /dev/null
+++ b/LICENSE.txt
@@ -0,0 +1,11 @@
+This eBook, including all associated images, markup, improvements,
+metadata, and any other content or labor, has been confirmed to be
+in the PUBLIC DOMAIN IN THE UNITED STATES.
+
+Procedures for determining public domain status are described in
+the "Copyright How-To" at https://www.gutenberg.org.
+
+No investigation has been made concerning possible copyrights in
+jurisdictions other than the United States. Anyone seeking to utilize
+this eBook outside of the United States should confirm copyright
+status under the laws that apply to them.
diff --git a/README.md b/README.md
new file mode 100644
index 0000000..ec7d9d4
--- /dev/null
+++ b/README.md
@@ -0,0 +1,2 @@
+Project Gutenberg (https://www.gutenberg.org) public repository for
+eBook #27940 (https://www.gutenberg.org/ebooks/27940)