summaryrefslogtreecommitdiff
diff options
context:
space:
mode:
-rw-r--r--.gitattributes3
-rw-r--r--16385-8.txt4866
-rw-r--r--16385-8.zipbin0 -> 51174 bytes
-rw-r--r--LICENSE.txt11
-rw-r--r--README.md2
5 files changed, 4882 insertions, 0 deletions
diff --git a/.gitattributes b/.gitattributes
new file mode 100644
index 0000000..6833f05
--- /dev/null
+++ b/.gitattributes
@@ -0,0 +1,3 @@
+* text=auto
+*.txt text
+*.md text
diff --git a/16385-8.txt b/16385-8.txt
new file mode 100644
index 0000000..81756a5
--- /dev/null
+++ b/16385-8.txt
@@ -0,0 +1,4866 @@
+The Project Gutenberg EBook of Obras poéticas, by Nicolau Tolentino
+
+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
+almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
+re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
+with this eBook or online at www.gutenberg.org
+
+
+Title: Obras poéticas
+
+Author: Nicolau Tolentino
+
+Release Date: July 29, 2005 [EBook #16385]
+
+Language: Portuguese
+
+Character set encoding: ISO-8859-1
+
+*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK OBRAS POÉTICAS ***
+
+
+
+
+Produced by Biblioteca Nacional Digital (http://bnd.bn.pt),
+Rita Farinha and the Online Distributed Proofreading Team
+at https://www.pgdp.net
+
+
+
+
+
+
+OBRAS POETICAS
+
+DE
+
+NICOLÁO TOLENTINO
+DE ALMEIDA.
+
+
+TOM. II.
+
+
+LISBOA.
+
+NA REGIA OFFICINA TYPOGRAFICA.
+
+ANNO M.DCCCI.
+
+
+_Com licença da Meza do Desembargo do Paço_.
+
+
+
+
+QUINTILHAS
+
+
+_Offerecidas ao Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Conde de S.
+Lourenço_.
+
+
+
+Ante vós, Claro Senhor,
+Que pondes os sãos cuidados
+De bons estudos no amor,
+E que d'homens applicados
+Sois o exemplo, e o protector;
+
+Levanto sem pejo a voz;
+Que essa alma nunca despreza
+O pouco que encontra em nós;
+Não produz a Natureza
+Muitos homens como vós;
+
+Pois vi outr'ora amparado
+O discreto, e doce Brito,
+Triste moço, em flor cortado,
+Que hia alevantando o esprito,
+De vossas luzes guiado;
+
+Pois na vida lhe adoçastes
+De seu fado a má ventura,
+E não vos envergonhastes,
+Quando a fria sepultura
+Com as lagrimas lhe honrastes;
+
+Se os seus Versos sonorozos
+Inda repetis com mágoa;
+E pensamentos saudozos
+Vos trazem aos olhos agua,
+Que os deixa, Senhor, formozos;
+
+Hoje, outro triste vos faça
+Nascer iguaes sentimentos;
+Com os vossos pés se abraça;
+Não tem os mesmos talentos;
+Mas tem a mesma desgraça;
+
+Nascido em baixa pobreza,
+Quiz buscar huma Colu'na,
+Foi sempre baldada a empreza,
+Achou ingrata a fortuna,
+Inda mais, que a natureza.
+
+Em vão paternal ternura
+Com vivo zêlo me assiste;
+Foi trabalho sem ventura;
+Crescia no Filho triste,
+Com a idade, a desventura;
+
+Das boas Artes no estudo
+Bom Pai empenhar-me quiz;
+Traçava o velho sizudo
+Que fosse hum Filho feliz
+Dos outros Filhos o escudo;
+
+Forão seus intentos vãos;
+Zombou desgraça importuna
+Destes pensamentos sãos;
+Para vencer a fortuna
+Não ha lagrimas, nem mãos;
+
+Cortado então de agonias,
+Só esperei ter ventura,
+Quando envolto em cinzas frias
+Escondesse a sepultura
+Meu nome, e meus tristes dias;
+
+E em quanto o vento forceja,
+E no mar, que em flor rebenta,
+Meu fraco lenho veleja,
+Demando, em tanta tormenta,
+Por porto a Casa de Angeja;
+
+Surgi em lugar seguro,
+Onde achei mil acolhidos;
+Clareou o dia escuro;
+E meus molhados vestidos
+Pelas paredes penduro;
+
+De meu fado a força dura
+Foi hum pouco enfraquecendo;
+E ainda que em sombra escura,
+Vem-me ao longe apparecendo
+O bom rosto da Ventura;
+
+Vossos Sobrinhos me dão
+(Porque de meus males sabem)
+Principios de protecção;
+Mandai-lhe que em mim acabem
+Esta obra da sua mão.
+
+Mandai, que apressem o passo,
+Que inda longe a méta vejo,
+Pois nas supplicas que faço,
+Não se vence com dezejo,
+Vence-se á forca de braço;
+
+Mandai, pois tendes direito,
+Que o turvo mar arrostando,
+A' corrente ponhão peito;
+Fallai, Senhor, que em fallando,
+O vosso mandado he feito.
+
+Não vedes venal incenso
+Por astuta mão queimado;
+Fallo, Senhor, como penso;
+Eu sei quanto he respeitado
+O Erudîto São Lourenço;
+
+Eu sei bem o alto conceito,
+E as geraes estimações,
+Que todos de vós tem feito;
+Oiço ternas expressões,
+Filhas de amor, e respeito;
+
+Do bom Irmão, e Sobrinhos
+Oiço tod'ora louvar-vos;
+Oiço-lhes doces carinhos;
+De poderem agradar-vos
+Dezejão achar caminhos;
+
+Vosso Irmão, e pregoeiro
+Ordena, como sizudo,
+Ao Illustre Neto, e Herdeiro,
+Que das Sciencias no estudo
+Vai dar o passo primeiro,
+
+Se encoste a vós, sem desvio,
+Qual ao Choupo Hera silvestre;
+Que em Artes, virtude, e brio,
+Mais, do que as regras do Mestre,
+Siga os dictames do Tio;
+
+Com que gosto oiço, e contemplo,
+Dizer-lhe = Se ao bem te inclinas,
+Segue-o no estudo, e no Templo;
+Elle te dê as doutrinas;
+Elle te sirva de Exemplo.
+
+Mas sigo inutil empreza,
+Pois sabeis quaes são seus peitos,
+Mistura-se esta fineza
+Com os sagrados direitos
+Do sangue, e da natureza;
+
+Todo o mundo, em vosso abono,
+Põe na boca os corações,
+E delles vos chama dono;
+Oiço mil acclamações
+Desde a plebe até ao Throno;
+
+A geral estimação
+Nos arma de authoridade;
+Vinde pôr nesta obra a mão,
+E dai-me felicidade,
+Como me dais instrucção;
+
+Sabeis a fundo, e de cór,
+Tudo quanto ha bom, escrito;
+Juntai extremos, Senhor;
+Ao homem mais erudíto,
+Juntai o mais bemfeitor.
+
+Pois sabeis da Antiguidade
+Prozas sans, e sã poezia,
+Deveis sentir mais piedade;
+Quem tem mais filozofia,
+Vê melhor a humanidade:
+
+Que eu nesta fresca espessura,
+Entre estes Loiros sagrados,
+Sentado sobre a verdura,
+Cantarei Versos limados
+A quem me fez ter ventura.
+
+Deixarei em mil letreiros
+O vosso Nome entalhado
+Nos troncos destes Loureiros;
+Possa elle ser respeitado
+Do negro vento, e chuveiros;
+
+Ramos sobre elle estendendo,
+Dafne no seu peito o tome;
+E eu, doces hymnos tecendo,
+Verei ir o tronco, e o Nome
+Té ás Estrellas crescendo.
+
+
+
+
+QUINTILHAS
+
+
+_Offerecidas ao Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Marquez do
+Lavradio_.
+
+
+Se os Versos, que outra ora fiz
+Escutastes prompto, e attento;
+E se aos pés, que abraçar quiz,
+Achou grato acolhimento
+A minha Muza infeliz;
+
+Dai-me benignos ouvidos
+A outros, em dôr traçados,
+D'arte, e de enfeite despidos;
+Pela verdade dictados,
+E a vós, Senhor, dirigidos;
+
+Em louvores não os fundo,
+Pois sei que sempre os pizastes;
+E co'as mais acções confundo
+As do tempo, em que tomastes
+As rédeas do Novo Mundo;
+
+Mas se eu disser parte dellas,
+Não me julgueis lizonjeiro;
+Que vos poupo em não dizellas?
+Se vedes, que o Mundo inteiro
+As vai erguendo ás Estrellas?
+
+Diz que vio a Capital
+Cheia de pompa, e grandeza;
+E que a ergueis a lustre tal
+D'entre os braços da molleza,
+Que he no Clima natural.
+
+Que nas mãos, onde se encerra
+Alto Poder respeitozo,
+Mostraste na nova Terra
+Ao Vizinho revoltozo,
+N'uma a paz, em outra a guerra.
+
+Que offreceis a vida então
+Para a palavra salvar-se,
+Que, os bons Reis não dão em vão;
+Acção digna de contar-se
+Entre as de Mario, ou Catão;
+
+Que a mão que as Quinas voltêa,
+Justiça ao Povo reparte;
+E que igualmente menêa,
+Ora as Bandeiras de Marte,
+Ora as Balanças de Astiéa;
+
+Mas já vossa austeridade
+Minha narração reprime;
+Ouvis-me contra vontade;
+Perdoai, Senhor, hum crime,
+De que foi causa a verdade;
+
+Pois que vos não dão desvelos
+Louvores, que préza a gente,
+Eu vou, Senhor, suspendellos;
+E vou dar-vos novamente
+Motivos de merecellos.
+
+A minha longa fadiga
+Já sabeis qual he, Senhor;
+Levai-me a bem, que a não diga;
+Deixai-me poupar a dôr
+De abrir huma chaga antiga.
+
+Pintar Irmans desgrenhadas
+Co'as creanças innocentes.
+Nos débeis braços alçadas,
+E de lagrimas ardentes,
+Quasi sem fruto, banhadas.
+
+Mostrar-lhe os olhos magoados,
+Onde inutil pranto assiste,
+Immoveis no chão pregados,
+Nutrindo hum silencio triste,
+Falsa paz dos desgraçados;
+
+Contar-vos, que entre os Irmãos,
+Diz o bom Pai, com ternura,
+Que ao Ceo levantem as mãos;
+Que assim se emenda a ventura,
+E não com queixumes vãos:
+
+Que he do espirito fraqueza
+Perder suspiros no vento;
+Que venção a natureza;
+Que fação co'soffrimento
+Honroza a dura pobreza;
+
+Não lhe ver de dor sinais;
+Ter no rosto olhos serenos,
+E no peito agudos ais;
+Que porque se escutão menos,
+Por isso me córtão mais:
+
+Dar-vos huma inteira idéa
+Da desgraça minha, e delles,
+Pintura de pranto chêa;
+Se he preciza, he para aquelles,
+A quem não dóe dor alhêa.
+
+As almas tão bem nascidas,
+Como a vossa vejo ser,
+Para serem condoîdas,
+Não tem precizão de ver
+Correr sangue das feridas;
+
+Sabeis, que soffro a impiedade
+De vã fortuna traidora;
+Mudai pois de heroicidade;
+Vinde pleitear agora
+A cauza da humanidade;
+
+Por vós tirar não podeis
+Penas, que a alma me abafárão;
+Mas ante o Throno valeis;
+E se o Sceptro vos fiárão,
+Que vos negarão os Reis?
+
+Reger-lhe os vastos Estados,
+Ir dar-lhe hum novo esplendor,
+São feitos famigerados;
+Mas inda o será maior
+Ir pedir por desgraçados,
+
+Disse a Cezar o Orador,
+Que os Soldados tinhão parte
+No perigo, e no louvor;
+Que fosse em outro Estendarte
+Elle só o Vencedor;
+
+Que era, de doce brandura
+O deixar-se então vencer,
+Mór victoria, e mais segura;
+Onde não tinhão poder
+Nem ferro, nem má ventura.
+
+Vencei vós sem ter Soldados;
+Fazei de dias de dor
+Dias bemaventurados;
+E possa essa mão, Senhor,
+Mais do que podem meus fados;
+
+Claros Avós imitastes,
+Que o Mundo apenas abrange;
+No berço palmas achastes;
+Dos Heróes que vio o Gange,
+O sangue, e as acções herdastes;
+
+Remotos Povos vencêrão,
+E mares bravos abrindo;
+As Quinas desenvolvêrão;
+Ante eles o Gange, e o Indo,
+Tintos de sangue corrêrão.
+
+Vós, que em obras semelhantes
+Fostes ser a Copia honroza
+Do que elles fizerão d'antes,
+Na série maravilhoza
+Das vossas acções brilhantes;
+
+Consenti, que a larga historia,
+Que Almeidas levanta aos Ceos,
+Lhes deixe no Altar da Gloria
+Pendente, entre os mais Troféos,
+Huma negra Palmatoria.
+
+
+
+
+_A' Illustrissima, e Excellentissima Senhora Condeça de Tarouca, na
+occasião do seu Casamento_.
+
+
+Senhora, o Forte da Estrella,
+Chorando o bem que perdeo,
+Das suas justas saudades
+Por portador me escolheo;
+
+Quiz que eu viesse contallas
+Ao som desta rouca Lyra,
+De longos annos affeita
+A acompanhar quem suspira;
+
+Não fallo nos ternos Pais;
+Nelles a alta Jerarquia
+Tempéra saudozo pranto
+Com o pranto da alegria;
+
+Ao nome dos seus Passados
+Planos caminhos achárão,
+Unindo ao sangue de Heróes
+O sangue de Heróes que herdárão;
+
+Não fallo no amavel Conde;
+Esse não faz compaixão;
+Tem seges, tem bons cavallos,
+Tem o remedio na mão;
+
+Sobre rápidos ginetes,
+Quebrando a dura calçada,
+Com o Francisco a reboque,
+Andará sempre na estrada;
+
+Tambem das caras Irmans
+Não venho as mágoas pintar;
+Co'a terna Mãi muitas vezes
+As virão desafogar;
+
+Fallo da triste Familia,
+Que em amoroza manîa
+Accuza o Ceo, que vos deo
+Formozura, e Fidalguia;
+
+Dons, de seu mal cauzadores;
+E que deixão coroado,
+Na mais illustre Conquista,
+O mais ditozo Soldado;
+
+Ralham delle a toda hora;
+Foi cauza do seu tormento;
+Elogião, e praguejão
+Seu alto merecimento;
+
+Se he Soldado, siga a Guerra,
+E as funestas glorias della;
+Ataque milhões de Fortes,
+Mas deixe em paz o da Estrella;
+
+Tem figura, tem talentos;
+Tem alta Estirpe preclara;
+Oxalá que assim não fosse,
+Ella então o desprezára; =
+
+Mas, Senhores, perdoai-lhes;
+A's vezes na grande dor
+Fallão palavras de raiva
+A linguagem de amor;
+
+O Silva, o Authomato honrado,[1]
+Anda mais abstracto, e mudo;
+Põe o doce antes da sôpa;
+Queima o Café, quebra tudo;
+
+[Nota de rodapé 1: Copeiro.]
+
+O hirsuto, austéro Rodrigues,
+Semblante de poucas pazes,
+Desafoga a sua dor,
+Dando murros nos rapazes;
+
+Vossa Aya, de tres idades,
+Em canto escuro assentada,
+Vos manda calado pranto,
+N'um cobertor abafada.
+
+Outras vezes esquecida
+De quanto seu Fado he crú,
+No queixo ajustando o lenço,
+E sobrepondo o bajú:
+
+Ergue ao ar cansados ossos;
+E sem temer ventos frios,
+Tirando-lhe Amor o pezo
+Dos gelados pés tardios;
+
+Do bom costume enganada,
+E com a uzada cautela,
+Para dar, e ter, bons dias,
+Vos vai abrir a janela;
+
+A janela a desengana;
+Renova-lhe a dor no peito;
+Chama em vão o vosso nome,
+Abraçando hum ermo leito.
+
+Do peito das mais Creadas
+A saudade se não risca,
+Desde as Ayas ralhadoras,
+Té á ladina Francisca.
+
+E pois que o sangue de Reis,
+Pois que a Augusta Ceremonia,
+Bem a pezar das Creadas,
+Vos trouxe a Santa Apollonia;
+
+Ide, Senhora, mil vezes
+Curar-lhes a fresca chaga;
+Seu pranto he filho de amor,
+E amor com amor se paga;
+
+Na rica, airoza Berlinda,
+Dando ao digno Espozo parte,
+Aos patrios lares vos leve
+Amor nos braços de Marte.
+
+O Téjo, abaixando as ondas,
+Vossos pés virá beijar;
+Vai das Ninfas que creou,
+Ver a Ninfa Tutelar.
+
+Os Prazeres com os Rizos
+Sejão a vossa equipagem;
+Revôem em torno as Graças,
+De quem sois a inveja, e a imagem:
+
+Entrai nos tectos dourados,
+Hoje lugar de saudade;
+Ide, dos braços do Amor,
+Lançar-vos nos da Amizade;
+
+Levai-nos as doces noites,
+Em que a voz que se escutava,
+Sobre as azas da harmonia,
+Nos nossos peitos entrava;
+
+Quando o Cómico travêsso,
+Entre geitos, e corcovos,
+Habilmente arremedava
+Todos os Muzicos novos,
+
+O triste, calado Cravo;
+Já não sente a déstra mão;
+Apenas he perseguido
+Pelo Senhor Dom João.[2]
+
+[Nota de rodapé 2: Menino.]
+
+Ide, Senhora, levar-nos
+No vosso rosto a alegria;
+Fazei á triste Junqueira,
+O que faz o Sol ao dia;
+
+Mas, Senhora, a minha Muza
+Tem talvez errado os Cultos;
+Cuidando ter feito obsequios,
+Talvez tenha feito insultos;
+
+Dirão, que, trocando as cordas
+Forão meus sons desiguaes;
+Que errei em fallar aos Filhos,
+Sem fallar primeiro aos Pais.
+
+Que podia esta Embaixada
+Se désse em mais habil mão,
+Cumprir as leis da Saudade,
+Sem violar as da razão;
+
+Mas, Penalvas, dito, dito;
+Defendo o meu sacrilegio;
+Sois tudo; mas não sois Noivos,
+E he este o seu privilegio.
+
+
+
+
+_No dia dos Annos da Illustrissima, e Excellentissima Senhora D. Maria
+de Noronha, hoje Condeça de Valladares_.
+
+
+Senhora, os pobres vestidos
+Do vosso humilde Compadre,
+Não o deixão ir aos Annos
+Da sua Illustre Comadre;
+
+O conhecido Colete
+De bordadas guarnições,
+Encartado ha longo tempo
+Em Colete das Funções;
+
+Sobre os seus cançados annos,
+De humido Inverno Assaltado,
+Cheio de invenciveis manchas
+Me foi hoje apresentado;
+
+Em vão bemfeitor miôlo
+Lhe esfrega o quarto offendido;
+A minha choroza Mana
+Dá o cazo por perdido;
+
+E se assim me apresentasse
+A tão alta Companhia,
+As suas nódoas serião
+Manchas da seda, e do Dia;
+
+Do Tempo a fôice raivoza
+Não me dá só hum revéz;
+Além de me fazer velho,
+Faz-me tambem descortez;
+
+Mas elle honrou hoje o Mundo;
+Sois do Mundo ornato, e inveja;
+Deo hoje mais huma paga
+A' Illustre Caza de Angêja.
+
+Sua mão, que aperfeiçoa
+Altos dons da Natureza,
+A huns lindos, modestos olhos
+Vai augmentando a belleza;
+
+Altêa a airoza figura
+Sobre a das Graças moldada;
+A huma alma a mais digna, e nobre
+Dá a mais digna morada;
+
+Justo Tempo, eu abençôo
+O teu poder desigual;
+E em honra de tantos bens,
+Eu te perdoo o meu mal;
+
+Cem vezes nas tuas azas
+Nos mande este dia o Ceo;
+As Virtudes o consagrem
+Nos altares de Hymenêo.
+
+E Vós, Illustre Senhora,
+Perdoai Coletes rotos;
+Valem mais, que inuteis sedas,
+Puro incenso, puros votos;
+
+Quiz mandallos em bons versos;
+Suou em vão meu topete;
+Fui achar a minha Muza
+Como achei o meu Colete.
+
+
+
+
+_A' Illustrissima, e Excellentissima Senhora Marqueza de Alegrete,
+quando lhe nasceo huma Filha_.
+
+
+Senhora, he couza sabida,
+Que aos Deozes não são vedados
+Os escondidos segredos
+Do escuro livro dos Fados;
+
+E pois que em tempos antigos
+Já tive alguma valia
+Co'aquelle, a quem coube em forte
+O governo da Poezia;
+
+Não esperando do Tempo
+O vagarozo progresso,
+E desejando augurar-vos
+O vosso feliz successo;
+
+Na raiz do alto Parnazo,
+Curvando o humilde joelho,
+Exclamei = Se aqui se escutão
+Votos de hum Poeta velho,
+
+Não te peço, esquivo Apollo,
+Teus verdes, sagrados loiros;
+Não aspirão a coroas
+Desta testa os velhos coiros;
+
+Abre, sim, a densa nevoa
+Do vindoiro tempo escuro;
+E ante meus ávidos olhos
+Rasga as sombras do futuro;
+
+Saiba meu justo dezejo
+Quanto o destino promette
+Aos nossos ardentes votos,
+E aos da assustada Alegrete;
+
+O Deos, que nunca em mim vio
+De Odes moiras a manía,
+Que sem o assumpto honrarem,
+Lhe deshonrão a Poezia;
+
+Que em Oiteiros de Oratorio
+Não lhe puz a Lyra ao frio,
+Arriscando-a a ter por paga
+Ou pedrada, ou assobio;
+
+E muito mais porque vio,
+Que da minha petição
+Erão sagrados motivos
+A amizade, e a gratidão;
+
+Fez fuzilar em meus olhos
+Nova luz, vedada, e pura;
+E de tudo o que então vi,
+Vos vou fazer a pintura.
+
+Vi, Senhora, as loiras Graças
+Com doce, e rizonho aspeito,
+Tecendo engenhozas danças
+Em torno de hum aureo leito;
+
+E abrindo as ricas Cortinas
+Trazerem nos castos braços
+O digno, e precioso Fruto
+De Illustres, sagrados laços.
+
+Sobre o mimoso semblante,
+Em que os seus dons inspiravão,
+Dos mais altos Pertendentes,
+Mil suspiros auguravão;
+
+Os Prazeres sobre as azas
+O berço lhe rodeavão;
+Fortuna lhe abria os cofres,
+As Virtudes a embalavão;
+
+Vi Penalvas, vi Angejas,
+Que aos Ceos mil hymnos mandavão;
+Aos Ceos, que as duas Familias
+Novamente abençoavão:
+
+Vi a roda das Creadas,
+Que á Menina dando vai,
+Humas, os olhos da Mãi,
+Outras, a boca do Pai;
+
+Mas Apollo aqui fechando
+As altas couzas futuras,
+E deixando o pobre velho
+Alegre, mas ás escuras;
+
+Me disse = Conta o que viste;
+O mais, em tempo vindoiro,
+Fiel, apurada historia,
+O dirá em letras de oiro;
+
+Corri: mas trémulas pernas
+Tem sempre estrada comprida;
+E pois acho a profecia,
+Gradas aos Ceos, já cumprida,
+
+Beijo respeitozamente
+Estas faixas, que envolvêrão
+Aquella, a quem dão a vida
+Os que a minha protejêrão;
+
+= Recebe, oh Recem-nascida,
+Terno amor, alto respeito;
+Teus Avós, teus claros Pais
+Te derão este direito;
+
+E tu, Formoza Alegrete,
+Que depois de erguida a meza,
+Ficavas co'as velhas Aias
+De mágicos filtros prêza;
+
+Quando eu a teus pés contava,
+Mentirozo historiador,
+Ora a do Caixão de vidro,
+Ora a das Cidras do amor;
+
+Quando os mesmos tenros annos
+A tua Filha contar,
+Todos os dias virei
+Meu officio exercitar,
+
+E em tanto, a pezar do tempo,
+Que a fronte me vai gelando,
+Com a rouca Lyra ás costas
+Pelo Parnazo trepando:
+
+Vou sentar-me entre os Loireiros,
+Que réga Castalia fria;
+Onde revôam em bandos
+Os genios da Poezia;
+
+E co'a testa descuberta
+A' viração bemfeitora,
+Traçarei mais dignos versos
+Do que estes, que ouvis agora;
+
+Com tempo os irei fazendo;
+O Deos também me fez ver,
+Que sobre este mesmo assumpto
+Tenho muito que escrever.
+
+
+
+
+_Na occazião em que o A. hia ver o Varatojo_.
+
+
+Meu Amigo, duro Amigo,
+Fatal, rígido Banqueiro,
+Motivo dos meus pezares,
+Herdeiro do meu dinheiro;
+
+Em taes termos me deixaste,
+Que sou deste rancho o nôjo;
+E co'as lagrimas nos olhos
+Parto para o Varatojo;
+
+Por ti filho da pobreza,
+Irei ser naquelle mato,
+Qual foi São Sebastião,
+Não na vida, mas no fato;
+
+Vai tu seguindo a fortuna,
+E leva a bandeira alçada,
+De tarde na laranginha,
+A' noite na Arrenegada;
+
+Até que voltando a roda,
+Mande teu fado inimigo,
+Que deixes crescer as barbas,
+E venhas viver comigo:
+
+Vem, e traze o teu baralho,
+Ministro dos meus destroços;
+Farei do vicio virtude,
+Apontando a Padres nossos;
+
+Vem viver entre altas brenhas;
+Vem curtir as minhas dores;
+Traze o pranto dos Parentes,
+Traze as pragas dos Crédores.
+
+Não falla vão Agoureiro,
+De cujas palavras rias;
+Meus trabalhos me fizerão
+Mestre nestas profecias.
+
+Não te fies em ventura;
+Quem joga, tem o meu fim;
+Outrem te dará os gostos,
+Que tu me tens dado a mim.
+
+
+
+
+_Resposta a huma Carta, que em boa Poezia citava o A. por huns Versos,
+que tinha promettido_.
+
+
+A tua polida Carta,
+Que honrou hum Poeta razo,
+Escrita em pura linguagem,
+E assignada no Parnazo;
+
+Da mais injusta ambição
+Traz testemunhos fieis;
+Possues grossos thezoiros,
+E citas-me por dez reis?
+
+Quem do doce Anacreonte
+Bebeo o estilo divino,
+Quer prostituir seus olhos
+Co'as Trovas do Tolentino?
+
+Pago, em fim, divida louca;
+Mas quem quer pontualidade,
+Cuide tambem em pagar
+As dividas da Amizade;
+
+Sabes que intento imprimir;
+E porque o Povo não fuja,
+Sabio Amigo, emenda, risca,
+Põe sabão na roupa suja;
+
+Não te vendo falso íncenso;
+Es Juiz da Confraria;
+Oxalá que altos negocios
+Se tratassem em Poezia;
+
+A Paz, a fugida Paz,
+Voltára seu alvo cóllo;
+E dera brandos ouvidos
+A' branda Lyra de Apollo;
+
+Reziste humana cabeça
+A' mais discreta razão;
+Mas ao poder da harmonia
+Não reziste o coração:
+
+Faze, pois, o que eu te peço;
+Que inda que ha vótos diversos,
+Se lhe pões a tua lima,
+Quem morderá nos meus Versos?
+
+Dá-lhe, depois, teus louvores;
+Comprará toda Lisboa,
+Se huma vez te ouvir dizer =
+Que comprem, que a Obra he boa;
+
+Farta-me a bolsa; e se queres
+Ver tambem minha alma farta,
+Manda riquezas de Athenas
+Embrulhadas n'outra Carta.
+
+
+
+
+_Offerecendo hum Perum em caza, aonde todos os Domingos davão ao A. este
+prato_.
+
+
+Senhora, tambem hum dia
+Entrarei co'a frente erguida;
+Não serei na vossa meza
+Dependente toda a vida;
+
+Nem sempre abatido pejo
+Dirá nesta cara feia
+Quanto doe a hum peito altivo
+Matar fome em caza alheia;
+
+Airozo, gordo Perum,
+He meu soberbo prezente;
+Traz inda as pennas molhadas
+Co'pranto da minha gente;
+
+No Santo Dia esperavão,
+Quebrando antigo jejum,
+Cravar inexpertos dentes
+Neste primeiro Perum;
+
+A russa, magra Jozefa,[3]
+Ergueo queixume sentido;
+Custou-lhe mais esta auzencia,
+Que a do defunto Marido.
+
+[Nota de rodapé 3: Creada.]
+
+O loiro, alvar galleguinho
+Chegou aos olhos seu trapo;
+Tinha vistas sobre a carne,
+E muitas mais sobre o papo.
+
+Seu almôço requerendo
+Em luzindo a madrugada,
+Na esquerda, grossa fatia
+D'ambas as partes barrada;
+
+Na dextra, com branda cana
+O seu pupîlo guiava;
+Em tenras, públicas malvas,
+Para si o apascentava;
+
+Quando lhe mandei trazer-vos
+O bom companheiro seu,
+Pedindo-me côxos mezes,
+Me disse, que o trouxesse eu.
+
+Eu o trago; a offerta he pura,
+Mas a tenção a envenena;
+Traz escondida huma uzura,
+Maior, que a da meia sena.[4]
+
+[Nota de rodapé 4: Partido de jogo.]
+
+Com hum sorrizo acceitai
+O atraiçoado convite;
+Vem a morrer huma vez,
+Porque muitas resuscite.
+
+Curai todos os Domingos
+A minha doença interna;
+Sobre a meza milagroza
+Seja esta ave, huma ave eterna;
+
+De outra, que finge a Poezia,
+Trocai em verdade a pêta;
+E seja hum negro Perum
+A Fenis deste Poeta;
+
+Na ondada, pia toalha,
+Co'a benção da vossa mão
+Seus frios, despidos ossos,
+De carne se cubriráõ;
+
+Consenti, que este ouco peito
+Ao prodígio se consagre;
+E que dentro em si colloque
+A mór parte do milagre;
+
+Quanto ao Padre Prégador,[5]
+Meu voto he não convidallo;
+Porque ha de comer o assumpto,
+Muito melhor que prégallo.
+
+[Nota de rodapé 5: Capellão da Caza.]
+
+
+
+
+_A huma Preta, que pertendia que a obsequiassem_.
+
+
+Domingas, debalde queres,
+Nesse canto da Cozinha,
+Vencer a invencivel teima
+Da rebelde carapinha;
+
+Em vão te arripia a frente,
+De que zomba o Deos de Amor,
+Alvo côto de pomada,
+Furtado do Toucador;
+
+Debalde tufado laço
+De atadeira fitta Ingleza
+Te assombra a lêveda pôpa,
+Rissada por natureza.
+
+Debalde altêas as ancas,
+Esguias, e enganadoras,
+Co'as velhas algibeirinhas,
+Que vão deixando as Senhoras,
+
+Amor, fingindo dotar-te,
+Te poz, com traidora mão,
+Junto dos dentes de neve,
+Faces tintas de carvão;
+
+Inda que ancião pezado,
+Desprézo teus vãos intentos;
+Debaixo de murchas cans
+Nutro altivos pensamentos.
+
+Vejo a quebrada madeixa
+Já tornada em gêlo frio;
+Tudo o tempo me levou,
+Mas não me levou o brio.
+
+Debaixo da Zona Ardente
+Jurar-te-hia amor, e fé;
+Mas não tem culto na Europa
+As Deidades de Guiné;
+
+Se ás vezes te ponho os olhos,
+Não he de amor sinal certo;
+São dezejos de levar-te
+A' caza de João Alberto.[6]
+
+[Nota de rodapé 6: Comprador.]
+
+A engomada cazaquinha
+Te descobre novas faltas;
+Para outro corpo foi feita,
+Dizem-no as feições mais altas.
+
+Já n'outros pés teus çapatos
+Soffrêrão do tempo o açoite;
+Cansada, fendida sêda,
+Mostra dedos côr da noite;
+
+E pois que a Amor queres dar-te,
+Eu te aponto hum Xafariz,
+Onde aches dignos amantes
+Assentados em barris;
+
+Acharás o Pai Francisco,
+Homem a bulhas contrario,
+Já duas vezes Juiz
+Na Irmandade do Rozario;
+
+Acharás o forro Antonio,
+Que o tabaco, e vinho enjôa;
+E tem nos calmozos Junhos
+Caiado meia Lisboa;
+
+Verás esbelto Crioilo,
+Dado ao vento o peito nû,
+Levantando airosos saltos
+No manejo do barubû;
+
+Que ávidos cães enxotando,
+Tem, com braço arregaçado,
+Nas êrmas praias do Téjo
+Cem cavallos esfolado;
+
+Nestes, vaidoza Domingas,
+Assenta bem teu amor;
+Chovão settas de teus olhos
+Em peitos da tua côr;
+
+Vai da janella da escada
+Acolher, com doce agrado,
+Os suspiros que te envião,
+Ao som do londum chorado;
+
+E deixa de atormentar-me
+Com tuas loucas idéas;
+Também sinto dores proprias,
+E escuto pouco as alhêas;
+
+Sim, Domingas, nós marchamos
+Na mesma infeliz estrada;
+E do amor, que eu te não pago,
+Assaz estás bem vingada;
+
+Tu puzeste em mim teus olhos,
+E eu fui pôr em Marcia os meus;
+Que me paga mil extremos,
+Assim como eu pago os teus;
+
+Marcia, que em alçando os olhos,
+Mil settas nesta alma crava;
+E em cuja caza tu tens
+A dita de ser escrava;
+
+Tens-me a mim por companheiro;
+Temos o mesmo Senhor;
+Tu, por cazos da fortuna,
+Eu, por castigo de Amor;
+
+E pois que eu não posso amar-te,
+Seguirás melhor esteira,
+Se de meus ternos suspiros
+Quizeres ser mensageira;
+
+Em vendo que ella está só,
+Vai-lhe expôr a paixão minha;
+Eu peço a Amor, que entretanto
+Tóme conta na cozinha;
+
+Amor lavará teus pratos,
+E escumará a panella,
+Em quanto tu a seus pés
+Dizes, que eu morro por ella;
+
+Teus grossos, trombudos beiços,
+Lhe vão expôr meus cuidados;
+Hão de ser melhor ouvidos,
+Que sendo por mim contados;
+
+Pinta-lhe as lagrimas tristes
+Em que meu rosto se lava;
+Por hum infeliz cativo
+Peça huma ditoza escrava;
+
+Dize-lhe, que não se assuste
+De meu cabello nevado;
+Jura-lhe que não são annos,
+Mas penas, que me tem dado;
+
+Que a cauza das minhas rugas
+He o seu desabrimento;
+E vai da minha velhice
+Fazer-me hum merecimento;
+
+Ah Domingas, se em seu peito
+Me fazes achar piedade,
+Tambem eu juro fazer
+A tua felicidade;
+
+E pois que o teu coração
+Sómente he baixo, e grosseiro,
+Em preferir liberdade
+A tão feliz cativeiro;
+
+Por amor serei mesquinho;
+Meus gastos verás cortar;
+Para ajuntar-te quantia
+Com que te possas forrar;
+
+Cheia de teus beneficios
+Minha mão agradecida
+Te irá pôr em larga praça
+Rendozo modo de vida;
+
+E assentada em novo estrado,
+De fasquiada madeira,
+Ondeando ao som do vento
+Trémulo tecto de esteira,
+
+Teus negros, airozos braços,
+Chocalhando hum assador,
+Encherão famintos peitos
+De castanhas, e de amor;
+
+Terás bojudas tigellas
+Sobre incendidos tições,
+Onde fêrvão em cardumes
+Saborosos mexilhões;
+
+Teus doces, sonóros écos,
+Sem mentir, apregoaráõ
+O azeite de Santarem,
+O cravo do Maranhão.
+
+Domingas, segue esse rumo;
+Que teu amor reloucado,
+Sem te fazer venturoza,
+Me deixa a mim desgraçado;
+
+E se sem dó dos meus ais,
+Teimas nos projectos teus,
+Fallando nos teus amores,
+Em vez de fallar nos meus;
+
+Trocando boa amizade
+Por entranhado rancor,
+Vou descubrir teus intentos
+A teu austéro Senhor;
+
+Que em zelo honrozo inflammado,
+Sem ser precizo atiçallo,
+Vai a caza do Lagoia[7]
+Trocar-te por hum cavallo.
+
+[Nota de rodapé 7: Comprador]
+
+
+
+
+CARTA
+
+
+_A hum Amigo, louvando-lhe o estado de cazado_.
+
+
+Foi este o ditozo dia,
+Que te deo a Espoza bella;
+Doce, sólida alegria,
+Para ti, junto com ella,
+No mesmo berço nascia;
+
+Por tua maior ventura,
+Natureza lhe quiz pôr,
+Entre os Dons da Formozura,
+Outro dote inda maior,
+Que he, alma innocente, e pura;
+
+Eu sei teu costume antigo,
+A Mulher, que he só formoza,
+Não vale tudo comtigo;
+Soubeste escolher Espoza,
+Em quem tens Espoza, e Amigo;
+
+Quer sempre ter hum Senhor
+Nosso humano coração;
+E na ventura maior
+Inda sente em si hum vão,
+Que só enche o casto amor;
+
+De quantos males te eximes,
+Dando ao teu tão bom Senhor?
+Damnozas paixões reprimes;
+Recebes das mãos do Amor
+Os prazeres, sem os crimes;
+
+Céga mocidade errada,
+A' conjugal união
+Quiz chamar vida cansada;
+Diz que he triste escravidão,
+De mil pensões carregada.
+
+Chama á paz hum dissabor;
+Diz, que de susto, e desdens
+Se alimenta o Deos de Amor;
+E que a certeza dos bens
+Lhes diminue o valor;
+
+Fechão olhos á verdade,
+Caminhando apôs seus erros;
+E em falsa tranquilidade,
+Ao som de pezados ferros,
+Vão cantando liberdade;
+
+Mil remórsos na alma estão,
+Que inda que o rosto os suffoca,
+Roendo as entranhas vão;
+Que importa rizo na boca,
+Se ha punhaes no coração?
+
+Amor he fogo sublime,
+Que nas almas se accendeo;
+As outras paixões reprime;
+Elle he dadiva do Ceo,
+O abuzo he que o faz ser crime;
+
+Beija, Amigo, os teus grilhões;
+Hum para o outro erão feitos
+Os vossos bons corações;
+Crava em vossos ternos peitos
+Santo Amor os seus farpões;
+
+Onde achas pessoa estranha,
+Que não contrafaça o rosto,
+Porque vê, que assim te ganha?
+Quem he que na pena, ou gosto,
+Com verdade te acompanha?
+
+Contas teus cazos sem medo
+A quem por amigo passa;
+Fiaste-te em rosto lêdo;
+Foste no meio da praça
+Assoalhar teu segredo;
+
+Mal os homens conheceo
+Pura amizade enganada,
+O santo rosto escondeo,
+E tornou-se envergonhada
+Para o Ceo, donde desceo;
+
+O amigo que te rodeia,
+Véste das tuas paixões;
+Com ellas te lizonjeia;
+São raros os corações,
+Em que dôa dor alheia;
+
+Quando acertares de ler,
+Que houve entre homens união,
+O Escritor a quiz fazer;
+Não os pintou como são;
+Mas como devião ser;
+
+São coizas imaginadas
+Dos _Nizos_ o amor profundo;
+São fábulas bem contadas;
+Ou os não houve no Mundo,
+Ou não deixárão pégadas;
+
+Puro amor, limpa verdade,
+Só entre Esposos estão;
+Desce a elles a Amizade;
+Traz-lhes co'a santa união
+Huma só alma, e vontade;
+
+Communica á Espoza amada
+Teus mais internos cuidados;
+E vive em paz descançada
+A vida dos bem cazados,
+Vida bemaventurada;
+
+Sem receio de perigo
+Dorme sono saborozo;
+Que não tens junto comtigo;
+Lisonjeiro suspeitozo,
+Traidor, com rosto de amigo;
+
+Tens por doce companhia
+Aquella, que o justo Ceo
+Com mil virtudes te invia;
+Tu es o cuidado seu,
+E como seu, te vigia;
+
+Goza em socego profundo
+Tão pura felicidade;
+Tens hum thezoiro fecundo;
+Tens amor, tens amizade,
+Tens todos os bens do Mundo.
+
+E se ha entre homens desvelo
+(Coiza que aqui contradigo)
+Conta com hum, que he singelo;
+E foi sempre teu amigo,
+Quanto os homens podem sêlo.
+
+
+
+
+CARTA
+
+
+_Ao Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Conde de Villa Verde D. Jozé
+de Noronha, hoje Marquez de Angeja_.
+
+
+Senhor, eu não sou culpado;
+Traçar outros Versos quiz;
+Mas tenho perdido o trilho
+Com as Trovas do Luiz;
+
+A Muza, que ha pouco as fez,
+Outra rima não me inspira;
+Por mais que mordo nas unhas,
+E que em vão tempéro a Lyra.
+
+Acceitai meus bons dezejos;
+E como homem de razão
+Não desprezeis baixos Versos,
+Quando os dicta o coração;
+
+Minhas fiéis expressões,
+Filhas de amor, e saudade,
+O que não tem em poezia,
+Lhe vai supprido em verdade.
+
+Em quanto co'as soltas vélas,
+Forçadas do vento rijo,
+Demandava a Galeota
+Os areaes do Montijo;
+
+Em quanto ao Principe Augusto
+O patrio Téjo se humilha,
+E sobre os rasgados hombros
+Lhe leva a soberba quilha;
+
+Meus olhos, meus tristes olhos,
+Nas aguas seguindo a esteira,
+De lagrimas se arrazavão
+Sobre as praias da Junqueira.
+
+Dentro do cansado peito
+Se ateou crua peleja;
+Senti huma guerra viva
+De saudades, e de inveja;
+
+Não era de baixa inveja
+Affecto grosseiro, e injusto;
+Era invejar ao Creado
+Ir junto a seu Amo Augusto.
+
+Senhor, não sou atrevido;
+Ha lugares derradeiros;
+O meu dezejo me punha
+Entre a chusma dos Remeiros;
+
+Com as faces açoitadas
+Dos agudos ventos frios,
+Entre os borrifos das ondas,
+E as pragas dos Algarvios;
+
+A Apóllo pedindo a Lyra,
+Que só para isto invéjo,
+Chamára das frias grutas
+As loiras Filhas do Téjo;
+
+Que escutando o som divino
+Entre as húmidas moradas,
+E levantando nas ondas
+Suas cabeças doiradas;
+
+De tal Hospede soberbas
+O lenho rodearião;
+E as aguas co'branco peito
+A' porfia lhe abririão;
+
+O fatídico Protêo,
+Cheio de saber divino,
+Revelára ao novo Heróe
+Os segredos do Destino;
+
+Famozas acções cantára,
+Levantando a sábia voz,
+Moldadas sobre as historias
+Dos Augustos Pais, e Avós:
+
+Mas, Senhor, a minha Muza
+Sem tino ao ar se remonta;
+E vai-se mettendo em obra,
+De que não póde dar conta;
+
+Esta levantada empreza
+Até a _Boileau_ deo sustos;
+Dizia que só Virgilios
+Podião louvar Augustos;
+
+He queimar-lhe baixo incenso,
+Cansallo com Versos frios;
+Amor respeitoso, e votos
+Serão os meus elogios:
+
+Vós, Illustre Villa Verde,
+Com quem sempre me hei achado,
+Fazei que seja o meu nome
+A seus ouvidos levado;
+
+Se lhe der acolhimento,
+Sigamos de Horacio as traças,
+Façamos que a par das Muzas
+Marchem as rizonhas Graças;
+
+Dizei-lhe, que na Folhinha,
+Com letras doiradas puz
+Aquelles formozos dias
+Das escadas de Quéluz;
+
+Aquelles dias ditozos,
+Quando a seus pés ajoelhado,
+Era ao abrigo das Muzas
+Benignamente escutado;
+
+Quando, tendo já traçado
+Melhorar-me os meus destinos,
+Se dignava perguntar-me
+Como estavão os meninos.
+
+Quando me mandou, que em verso
+Contasse como escapára
+Naquelle funesto encontro
+Dos taes Carreiros da Enxára;[8]
+
+[Nota de rodapé 8: Allude ás Decimas.]
+
+E se inda o favor mereço
+De tão alta Protecção,
+Dizei, que mudei de Officio,
+Porém de ventura, não;
+
+Que não me enganão zumbaias
+Dos humildes Supplicantes;
+Porque a bolsa mais sincera
+Trata-me inda como dantes.
+
+Que inda os cães atrás do Russo
+Esperão nelle a merenda,
+Quando eu vou para Lisboa
+Fazendo Versos, e renda;
+
+Que dando aos oucos ilhaes,
+Vai marchando triste, e só;
+Que as mais seges fazem sécia,
+Porém que a minha faz dó;
+
+Que até o boçal Gallego,
+Que eu tinha por innocente,
+Já me conhece a fraqueza,
+E já me revíra o dente;
+
+Depois, que as vélas de cebo
+Já cerceia no topete,
+E vai conquistar o Bairro
+De polainas, e colete;
+
+Depois que em chapeo de Braga,
+Que só põe em dia claro,
+Cozeo em devota rosca
+Candêa de Santo Amaro;
+
+Depois que em déstros meneios
+O suado corpo bole,
+E abre guerra ás Cozinheiras
+Ao som da Gaita de fole;
+
+Já responde focinhudo,
+E eu me cálo as mais das vezes;
+Porque, pelos meus peccados,
+Sou réo de huns poucos de mezes:
+
+Mas, Senhor, este Epizódio
+Vai sendo dos arrastados,
+O Gallego veio nelle,
+Como me vai aos recados;
+
+Se o julgardes enfadonho,
+Ao Principe o não conteis;
+Nos factos da minha vida
+A' vontade escolhereis;
+
+Pintai-lhe a triste familia,
+Gritando-me por dinheiro;
+Hoje o rol de hum Alfaiate,
+A' manhã o de hum Tendeiro;
+
+Pintai-lhe hum Procurador,
+Que aqui vem todos os dias
+Saber da minha saude
+Da parte das Senhorias;[9]
+
+[Nota de rodapé 9: Das Cazas.]
+
+Enfeitai de côr alegre
+A funesta narração;
+Marchão ás vezes os rizos
+Ao lado da compaixão;
+
+E pois que os vossos esforços
+Nunca me tem sido vãos,
+Acabai, benigno Conde,
+Esta obra das vossas mãos;
+
+De hum mal fadado Poeta
+Trocai em prazer as penas;
+Já diante d'outro Augusto
+Fez o mesmo outro Mecenas.
+
+
+
+
+CARTA
+
+
+_No dia dos Annos do Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Marquez de
+Angeja D. Jozé de Noronha, estando o Author doente_.
+
+
+Senhor, se vos são acceitos
+Pobres Versos, mal limados,
+Entre vidros, e receitas,
+Em triste leito traçados;
+
+Se de hum sombrio doente
+A fúnebre poezia
+Os prazeres não perturba
+Deste faustissimo Dia;
+
+Consenti, que a branda Lyra,
+Por vós outr'ora escutada,
+E que teimoza molestia
+Tem ha muito pendurada;
+
+Sobre este cansado peito,
+Ferida com debil mão,
+Mande ao Ceo singelos hymnos,
+Nascidos do coração;
+
+Consenti, que eu louve o Dia,
+Para mim assinalado,
+Qne raia em nosso Horizonte,
+De nova luz coroado;
+
+Dia, que vos vio nascer;
+E que quiz trazer comsigo
+Quem une ao nome de Grande,
+O santo nome de Amigo;
+
+Quem não quer só a Nobreza
+De Illustres Antepassados;
+E mais ama huma virtude,
+Que cem Titulos herdados;
+
+Quem sabe, que o vir honrar
+Dos pequenos a baixeza,
+He entre os que nascem Grandes
+A verdadeira Grandeza;
+
+Quem a favor de infelizes
+Traz sempre occupada a idéa;
+E estima a fortuna propria,
+Só para fazer a alhea;
+
+Cem vezes, formozo Dia,
+Vem o Horizonte doirar;
+Nunca possão negros ventos
+Tuas luzes perturbar;
+
+Tu nos déste em peito illustre,
+Que se doe de alheios ais,
+Hum coração adornado
+De mil Virtudes Morais;
+
+Senhor, eu não doiro enganos,
+Que venal lizonja approva;
+Sabidas verdades digo,
+E sou dellas huima prova;
+
+Sou hum dos muitos exemplos
+Do vosso bom coração;
+A minha felicidade
+Foi obra da vossa mão;
+
+Razoando em meu favor
+Contra teimozos destinos,
+Felizmente pleiteastes
+A cauza dos meus Meninos;
+
+Ao bom Principe pedistes,
+Que com mão compadecida,
+Lhes concedesse humas ferias,
+Que durassem toda a vida;
+
+Pedistes depois, Senhor,
+Que a sua Real Grandeza
+Se dignasse de arrancar-me
+D'entre os braços da pobreza;
+
+Sei que nelle he natural
+Ter dó das alheias penas:
+Mas ouve-as melhor Augusto,
+Quando lhas conta Mecenas;
+
+Por este modo alegrastes
+A triste familia minha;
+E em caza nos levantastes
+O Interdicto da Cozinha:
+
+Já hum segundo Frizão,
+Pendurada a lingua velha,
+Dá reboque, como póde,
+A' antiga meia parelha;
+
+Já o sórdido Gallego,
+Meu antigo companheiro,
+De gravata, e carrapito
+Arvorado em Boleeiro;
+
+Açoitando surdas ancas
+De dois Sendeiros roazes,
+No mesmo Bairro apregôa,
+Ora barrîs; ora pazes;
+
+Mas, Senhor, deixando graças,
+Pois não as pede a materia,
+E pedindo á minha Muza,
+Que seja comvosco séria;
+
+Rogo ao Ceo vos dê mil annos,
+Já que são tão bem gastados;
+Annos que achareis depois
+Em Livro de Oiro apontados;
+
+E se em dia de Mercês
+Ides de Semana entrar,
+Seja a Mercê destes Annos
+O meu nome apprezentar.
+
+Ao Principe, ajoelhando,
+Em favoravel momento,
+Por mim, Senhor, lhe jurai
+Eterno agradecimento;
+
+E eu, em largando este leito,
+Já sei a hora opportuna
+De poder ajoelhar-lhe,
+Quando elle chega á Tribuna;
+
+E pondo-me ao pé do Ginja,
+Que na _Náo Ajuda_ falla;
+E faz a todos os _Glorias_
+Continencias co'a vengalla;
+
+Surdo á historia do naufragio,
+Com que elle ás vezes me afferra,
+Rezarei ao Deos do Ceo,
+E assistirei aos da Terra.
+
+
+
+
+CARTA.
+
+
+_Tendo mandado huma Senhora ao Author Vinho da Madeira com huma Carta em
+boa Poezia_.
+
+
+Hum humilde admirador
+Da vossa bondade, e estilo,
+Beija a Carta precioza,
+Que veio honrallo, e instruillo;
+
+Desde hoje, do Mestre Horacio
+Minha alma a lição escuza;
+Quiz a minha Bemfeitora
+Ser tambem a minha Muza;
+
+De fino licor mandastes
+A minha cava prover;
+A vossa mão generoza
+Sabe dar, como escrever;
+
+A' parca meza assentado,
+Em Vinho, e Carta pegava;
+Hia bebendo, hia lendo,
+E tudo me embebedava;
+
+Deixo o velho Anacreonte,
+Hoje mettido a hum cantinho;
+Sua meza nunca teve
+Tão bons Versos, tão bom Vinho;
+
+Se os teve, Vós o roubastes
+Por minha felicidade;
+Já cá tem o Vinho, e os Versos
+Quem delle só tinha a idade;
+
+Das escumas do Madeira
+Vejo nascer a alegria;
+Com as azas affugenta
+A minha melancolia;
+
+Já se perturba a cabeça;
+Já tenho emprestadas cores;
+Já começão a esquecer-me
+As molestias, e os Crédores;
+
+O tal Horacio enganou-se;
+Não conhecêo a parreira;
+Não se chamava Falerno;
+Se era bom, era Madeira;
+
+He bom, mas tira o juizo;
+Mandai-mo, em vez de o beber;
+Não se arrisque neste jogo
+Quem tem tanto que perder.
+
+
+
+
+CARTA.
+
+
+_Desculpando-se o Author de não ir a huns Annos_.
+
+
+Senhora, em honra do Dia,
+Esforçando a mão pezada,
+Tómo a Lyra, ha longo tempo
+Ao silencio consagrada;
+
+E em quanto lhe alimpo as cordas,
+Que bolor aos dedos dão,
+E atarantadas aranhas
+Despejando o bêco vão;
+
+C'os olhos ao ar alçados
+A' minha Muza pedia
+Me désse sonóros Versos,
+Dignos de Apollo, e do Dia;
+
+Que me ensinasse a louvar
+O ditozo Nascimento,
+Que ao vosso brilhante Séxo
+Trouxe mais hum ornamento;
+
+Que pintasse a loira Venus
+Vosso rosto bafejando;
+Que me mostrasse as tres Graças
+O rico berço embalando;
+
+Que me ensinasse a cantar,
+Cingida a testa de loiro,
+Huns claros, triunfantes olhos,
+Huns finos cabellos de oiro;
+
+Que me fizesse augurar,
+Rasgando ao futuro o véo,
+Amor consagrando as settas
+Nos Altares de Hymenêo;
+
+Mas as Muzas, como as Ninfas,
+Tem para mim os pés mancos;
+Fogem de trémulas vozes,
+Tremem de cabellos brancos;
+
+Fiquei, pois, desamparado;
+E merecendo desculpa,
+De não vos mandar bons Versos,
+Peco perdão, sem ter culpa;
+
+Sei que devia ir pedillo
+Respeitozo, e diligente;
+Mas impede-me essa honra
+Hum defluxo impertinente;
+
+E quem em caza traz botas,
+E vinte xaropes bebe;
+E quando fahe, fahe mettido
+N'uma loge de Algebebe;
+
+Se fosse em tempo invernozo
+Entrar na illustre Assembléa
+Com leve, ingleza cazaca,
+Fina, transparente mêa;
+
+Sem acabar cumprimentos,
+Logo o corpo arripiado,
+Gelada a voz sobre os beiços,
+Cahiria constipado;
+
+E o Marcos largando os bules,
+Pondo o Velho em quentes pannos,
+Entre os applauzos dos vossos,
+Praguejaria os meus annos;
+
+Vossa bondade não quer
+Pôr o Cortezão em risco,
+De ir com Habito de Christo,
+E vir no de S. Francisco;
+
+Acceitai dahi meus votos;
+Daqui a mão vos beijei;
+E dos doces que não como,
+Domingo me vingarei;
+
+Darei escumantes copos
+Ao perum, e aos môlhos seus;
+Brindarei os vossos Annos,
+Tratando mui bem dos meus.
+
+
+
+
+CARTA.
+
+
+_Aconselhando a hum Cebelleireiro, que não continuasse a fazer Versos_.
+
+
+Pois que o talento inquieto
+Até em poezia provas,
+E queres ás mais desgraças
+Ajuntar desgraças novas;
+
+Pois, que em galantes cantigas
+Teu Rival puzeste razo,
+E coroado de trovas
+Vás entrando no Parnazo,
+
+Quero em trovas avizar-te,
+Que ha baixîos nesta barra;
+Vou ser Prégador trovista,
+Vou ser hum novo Bandarra;
+
+A occupação de Poeta
+He nobre por natureza;
+Mas todo o Officio tem ossos,
+E os deste são, a pobreza;
+
+Os dentes do bom Camões
+Sejão fieis testemunhas;
+Muitas vezes esfaimados
+Não achárão senão unhas;
+
+Depois que seus frios olhos
+Se fechárão no Hospital
+Logo as Filhas da Memoria
+Lhe erguêrão Busto immortal;
+
+De que serve honra tardia?
+Bem sei, que o rifão vem torto;
+Mas faz lembrar a cevada,
+Que se deo ao asno morto;
+
+Só as Muzas o chorárão;
+E o enterro devia ser
+Como hoje nos pinta o Lobo
+O de João Xavier.
+
+Homéro, o divino Homéro,
+Honra de antigas Idades,
+Por cujos inuteis ossos
+Brigárão sete Cidades;
+
+Doces Versos recitando,
+Pela Grecia discorria;
+Tinha os Thezouros de Apollo,
+E esmola aos homens pedia;
+
+Mas se de Authores antigos
+Tens tido pouco exercicio,
+Eu te aponto hum bem moderno,
+E até do teu mesmo Officio;
+
+Foi este o famozo Quita,
+A quem triste fado ordena,
+Que a fome lhe traga o pentem,
+E da mão lhe tire a penna;
+
+Em quanto na suja banca
+Pobre tarefa tecia,
+Seu espirito sublime
+Sobre o Parnazo se erguia;
+
+Cozendo sobre o joelho
+Era dura, falsa cáveira,
+A sua alma conversava
+Com Bernardes, e Ferreira;
+
+Mil vezes travêssas Muzas
+Da baixa obra o desvião;
+E mostrando-lhe o tinteiro,
+Pós, e banha lhe escondião;
+
+Mas de que servem talentos
+A quem nasceo sem ventura?
+Vale mais, que cem Sonetos,
+A peior penteadura;
+
+Amigo, vamos errados;
+Escolhemos muito mal;
+He o fado dos Poetas
+Não professarem real;
+
+Péga no pardo baralho,
+E sobre a cama assentado,
+Fisga as biscas conhecidas
+Ao parceiro descuidado;
+
+Matando boçaes tafûes,
+Vai mexendo os papelinhos;
+Nem poupes no cadafalso
+As gargantas dos Sobrinhos;
+
+Em lhe vendo huma de seis,
+Arma-lhe os laços viscozos;
+Antes que lhe caia a xina
+Na ceira dos laparozos;
+
+Imita ondados cabellos
+Co'rubro lápis na mão;
+Estas pinturas dão xina,
+As da Poezia, não;
+
+Se em roda de loiras Ninfas
+Gyrão em torno teus ais,
+Em quanto lhe deres Versos,
+Acharás sempre Vestais;
+
+Fallo como exprimentado;
+Fallo com peito sincero,
+Póde huuma vara de fitta,
+Mais que a Ilíada de Homéro;
+
+No sonóro bandolim
+Fortuna as armas te deo;
+Não ha Dama, que rezista
+A' moda do Melibêo;
+
+Toca-lhe mil contradanças;
+Mas se não tiverem Dom,
+Entre ellas não sevandiges
+O Fidalgo Cotilhom;
+
+Nestas coizas he que eu creio;
+Poezia he mal fadada;
+Assenta, amigo Luiz,
+Que nunca servio de nada;
+
+Poucas Damas a conhecem;
+Se a pedem, e se a festejão,
+Gostão do que não entendem,
+Pedem o que não dezejão;
+
+Inda que por moda querem,
+Que lhes repitão Versinhos,
+Tem por modas de mais gosto
+Convulsões, e Jozézinhos;
+
+Huma Venus me pedio,
+Por quem inda eu hoje peno,
+Que lhe fizesse hum Soneto,
+Inda que fosse pequeno;
+
+Dinheiro, invisto dinheiro,
+Só em ti he que eu me fundo;
+Tens o Direito da força,
+És o Tyranno do Mundo;
+
+Amigo, escolhe hum Paralta,
+Corpo esbelto, perna teza,
+O chapeo tocando as nuvens,
+As fivellas á Malteza;
+
+Ornem-lhe loiros canudos,
+Pendentes com igualdade,
+Tenras faces, onde morão
+A Saûde, e a Mocidade;
+
+Chegue á bocca rubicunda
+Cheirozo lenço anilado;
+Dê bilhetinho discreto,
+De huma Novela furtado;
+
+Põe da outra parte hum Ginja,
+Fivella de oiro no pé,
+Bom vestido de lemiste,
+Boa meia grudifé;
+
+Com óculos no nariz,
+Mas com a penna na mão,
+Assignando vinte letras
+Para Londres, e Amsterdão;
+
+E dize-me, qual assentas,
+Que será o mais querido?
+Apósto, que as Damas todas
+Cuidão que o Velho he Cupido.
+
+Amigo, tenho acabado
+O meu comprido Sermão;
+Préguei-te as altas verdades,
+Que trago no coração;
+
+Abre mão das Poezias,
+Que nenhum prestimo tem;
+E cuida em sólidos meios
+De ganhar algum vintem;
+
+Se dizes, que contra os Versos,
+Em Verso huma Carta ordeno,
+E que aqui me contradigo,
+Praticando o que condemno;
+
+A teu forçozo argumento
+Respondo com Fr. Thomaz;
+Faze o que o Prégador diz,
+Não faças o que elle faz.
+
+
+
+
+CARTA.
+
+_Pedindo-se ao Author huma Gloza_.
+
+
+Menino, dizer finezas,
+Só o proprio Pertendente;
+Amor não póde imitar-se,
+Só o pinta quem o sente;
+
+Se adora alguma Nerina,
+Se he para ella a tal Gloza,
+Que vão fazer os meus Versos,
+Onde está a sua proza?
+
+Além disso, essa figura,
+Faces tenras, e córadas,
+Fallão mais discretamente,
+Que mil Cantigas glozadas;
+
+Lenço nas pontas bordado,
+Cipó, tízicas fivellas,
+Sobre hum corpo assim talhado,
+Se eu gósto, que farão ellas?
+
+Versos são mui fracas armas
+Para vencer corações;
+He clara a letra redonda,
+Leia a vida de Camões;
+
+Sua divina Poezia
+Teve mui curtos poderes;
+Tratarão-no mal os homens,
+E inda peior as mulheres;
+
+Pois entra de amor na estrada,
+Siga nella outro farol;
+Embuce-se a huma esquina,
+Soffra chuva, soffra Sol;
+
+Erga alli o Altar do Amor;
+Queime alli humilde incenso;
+Suba ao alto do capote
+Branco, alcoviteiro lenso;
+
+Que importa que os Çapateiros
+Dem assobio insultante,
+Se os negocios vão marchando
+Com passadas de Gigante?
+
+Cem vezes na mesma tarde
+Pize esbelto a feliz rua;
+Alheias cadeias de aço,
+Relogio de hollanda crua;
+
+Vá por aqui, que por Versos
+Dá em vão loucas passadas;
+São divertimento inutil,
+São as historias das Fadas;
+
+Inda que para cantallos
+Lhe désse Garção a Lyra,
+Como hão de crer-lhe verdades
+Na linguagem da mentira?
+
+Seja acérrimo chorão;
+Pranto entendem raparigas;
+Faça em lagrimas seu fundo,
+E não o faca em Cantigas;
+
+Palêe co'estes remedios,
+Pois não tem o verdadeiro;
+He elle (aqui em segredo)
+O mílagrozo dinheiro;
+
+Mas se teima em pedir Versos,
+E conselhos não supporta,
+Então perdôe, meu Menino,
+Póde bater a outra porta.
+
+
+
+
+CARTA.
+
+
+_Agradecendo alguns pratos, que despertárão a vontade de comer_.
+
+
+Senhor, a dada Perdiz,
+Acerejada, e fresquinha,
+Veio emendar os estragos
+Da enjoativa gallinha;
+
+Esta ave he sempre odioza
+A melancólicos dentes;
+Faz lembrar ultimos caldos
+De já perdidos doentes;
+
+He, além disto, hum cruzado
+Fugido do mialheiro;
+Este meu mortal fastio
+Custou rios de dinheiro;
+
+Mas da vossa lauta meza
+Bocados medicinais
+Forão tão bem applicados,
+Que me curárão de mais;
+
+Venceo vosso cozinheiro
+O tal fastio cruel;
+Meu estomago já pede
+Meças com Fr. Manoel;
+
+Mas, Senhor, vossa piedade
+Vai ser-vos hum dom fatal;
+Quizestes fazer hum bem,
+Que redunda em vosso mal;
+
+Fizestes nascer a fome,
+E a fome pede mantença;
+Se a deixais entregue a mim,
+Póde morrer á nascença;
+
+A vossa filha amparai;
+Não he de peitos honrados
+Pôr as suas Creaturas
+Na Roda dos Engeitados.
+
+Em soando as duas horas,
+Sabei que esta cara minha
+Tem longos, ávidos olhos,
+Fitos na vossa Cozinha;
+
+Eu não vou, porque inda fraco,
+Indo arrostar ar delgado,
+Antes de matar a fome,
+Morreria constipado.
+
+
+
+
+CARTA
+
+
+_Sobre o mesmo Assumpto_.
+
+
+Senhor, assim que eu largar
+A baetal fatiota minha,
+Vou beijar as pias lágeas
+Da vossa farta Cozinha;
+
+Não foi attento Hespanhol,[10]
+Receitando amarga quina,
+Quem venceo meu mal co'as armas
+Da fallivel Medicina;
+
+[Nota de rodapé 10: Medico.]
+
+Vós sabeis traçar receitas
+Mais gratas, e mais felizes:
+Curárão-me oppostos males
+Bem applicadas Perdizes;
+
+Humas o appetite abrírão,
+Outras socêgo lhe dão;
+Sarárão as duas chagas
+Co'pêllo do mesmo cão:
+
+Dizem linguas inimigas,
+Que esta doença he ficticia;
+E os Práticos do meu pulso
+A capitúlão malicia.
+
+Que em meu capote abafadas
+Estas goellas felizes,
+Em vez de cozerem lynfas,
+Estão armando ás Perdizes;
+
+Senhor, não devo atalhar
+Este conjurado assédio;
+Porque era, provar doença,
+Ingratidão ao remédio;
+
+Só digo, que não ganhais,
+Dando ouvido ás vozes suas;
+Aqui dais-me huma Perdiz,
+E se lá vou, tiro duas.
+
+
+
+
+CARTA.
+
+
+Bom Sobral, o que eu te disse
+He, a meu pezar, verdade;
+Sonóros, amenos versos,
+São obra da Mocidade;
+
+Mandaste que em Crescentini;
+Louvando a doce harmonia,
+O que o Mundo diz em proza,
+Eu lho enfeitasse em Poezia;
+
+Que invocando as brandas Muzas,
+Encostada ao peito a Lyra;
+Cante os ternos sentimentos,
+Que elle nas almas inspira;
+
+Môço Sobral, tu ignoras
+Da inerte velhice os damnos;
+Nesta fria testa brigão,
+Co'teu preceito, os meus annos:
+
+Que importa, que a huma orelha
+A tua voz respeitada
+Me mande afinar a Lyra
+Ha dez annos pendurada,
+
+Se á outra me diz Apollo,
+Que eu sou já dos reformados;
+Que em seu Tribunal não tornão
+A servir Apozentados?
+
+Longa idade, he longo mal;
+Velho, só he bom o Amigo;
+O teu mesmo Crescentini
+Ha de provar o que eu digo:
+
+Este homem, que a seu arbitrio
+Move as humanas paixões;
+Que traz na sua voz o sceptro
+Dos sensiveis corações;
+
+Que nos deixa duvidozos
+Quaes forças maiores são,
+Se os encantos da harmonia,
+Ou se a viveza da acção;
+
+Que em mim, que sou homem duro,
+E rebelde ás Leis primeiras;
+Que não chóro nos mais homens
+As desgraças verdadeiras;
+
+Que, insensivel, vi no Circo
+Burlesco Neto arrastado
+Deixar co'a rôta cabeça
+O terreno ensanguentado;
+
+Que vejo com olhos seccos,
+Com firme semblante inteiro,
+Fugir-me n'um parolim
+O meu ultimo dinheiro;
+
+Que em mim, digo, arranca pranto;
+Que amolga hum peito de seixo;
+Que muita vez co'chapeo
+Encubro o trêmulo queixo;
+
+Que quando dos tenros Filhos
+Chorava o triste destino,
+Tinha este peito de bronze
+O coração de Sabino;
+
+Este homem, que solto o panno,
+Vivas vem á força ouvir;
+Se cantar de hoje a déz lustros,
+Em vez de chorar, faz rir;
+
+Sobre os levantados áres
+A envergonhada Harmonia,
+Batendo apressadas azas,
+Do seu Filho fugiria;
+
+E o Jeronymo estendido[11]
+Co'as pernas nos tamboretes,
+Cabeceára entre as rimas
+Dos ociozos bilhetes;
+
+[Nota de rodapé 11: O Vendedor dos bilhetes.]
+
+E cuidavas tu, que a foice
+Que a taes dons ha de pôr fim,
+Que ha de ferir Crescentini,
+Me tinha poupado a mim?
+
+Se eu hoje fosse aos Oiteiros,
+Onde já tive elogios,
+Dir-me-hião crueis verdades
+Mil sinceros assobios;
+
+Este Genio dos Poetas
+He fugitivo, e mesquinho;
+A' primeira cam nos deixa
+Na ametade do caminho;
+
+Não he irmão do teu Genio,
+Este estende mão segura;
+Acompanha os seus Valídos
+A' borda da sepultura;
+
+Fará que sempre as desgraças
+Em tristes peitos emendes;
+Que sigas sempre os exemplos,
+Que dentro de caza aprendes;
+
+Lastima, pois, minhas rugas,
+Que até me cauzão o mal
+De faltar ao teu preceito,
+E a louvar hum homem tal;
+
+Mas vasto, cheio Theatro,
+Que elle encalma em tempo frio,
+Falla melhor, que dez Odes,
+He mais util elogio;
+
+E nelle estas velhas mãos
+Co'as forças que nascem d'alma,
+Darão, em lugar de Versos
+Muito pinto[12], e muito palma.
+
+[Nota de rodapé 12: Cruzado novo.]
+
+
+
+
+CARTA
+
+
+_A huma Senhora, que em bons Versos pedio ao A. a Sátyra do Velho_.
+
+
+Senhora, o Quadro pedido
+Não estava retocado,
+Mas brevemente o remetto,
+Deixai isto ao meu cuidado;
+
+Mostra os erros da velhice;
+Põe alguns Velhos á raza;
+Custou-me pouco a pintura,
+Por ter as tintas de caza;
+
+Que já hum Amigo o vio,
+Eu, Senhora, vos confesso,
+Porém mostrei-lho inda em calva
+Como eu tambem lhe appareço
+
+Vós sois de mais ceremonia,
+E pezais com mais rigor;
+Temi, que sem rir c'os Versos,
+Só vos vissem rir do Author;
+
+Tómo outra vez o pincel,
+Vou-lhe pôr attenta mão;
+Abençoarei meu trabalho,
+Se lhe derdes protecção;
+
+Pois que a deve o sangue illustre,
+Tem dois direitos meu cazo;
+Porque a peço a huma Fidalga,
+Que o he tambem no Parnazo;
+
+De tão alto voto espero,
+Que geral favor me traga
+A huns Versos, que antes de lidos
+Tiverão tamanha paga.
+
+Ao favor de mos pedirdes,
+Honra, que eu não merecia,
+Ajuntastes o thezoiro
+De mos pedir em Poezia;
+
+Que fáceis, que amenos Versos!
+Trazem das Muzas o bafo;
+A moral os faz ser vossos,
+Que quanto ao mais são de Sapho;
+
+Só na pintura dos annos
+Errou essa mestra mão;
+Porque inda que era em Poezia,
+Foi puchar muito a ficção;
+
+A doce, igual harmonia,
+A imaginação fogoza,
+Depuzerão contra vós,
+E vos chamão mentiroza.
+
+Se occulto, fyzico acazo
+Branqueou huns fios de oiro,
+Vosso vingador Apollo
+Os cobre de mirto, e loiro;
+
+Quem marcha ao lado das Graças,
+Não sabe o que he fria idade;
+Deixai-me dizer a mim
+Essa funesta verdade;
+
+He em mim que o voraz Tempo
+Já empolgou a mão forte;
+Se inda me mêcho em Poezia,
+He já co'a ansia da morte;
+
+Cedo raivozos Crédores,
+A quem não curei as chagas,
+Darão a meus frios ossos,
+Em lugar de pranto, pragas;
+
+E outros, a que a carapuça
+Mesmo, sem mira, não erra,
+Dirão com gosto ao Coveiro
+=Enche-lhe a boca de terra.=
+
+Mas tudo perdoaráõ
+Minhas sepultadas cans,
+Se de cypreste as cobrirdes
+Vós, e as vossas oito Irmans.
+
+
+
+
+CARTA.
+
+
+A ti, amavel Bandeira,
+Partidista da Verdade,
+E de quem tenho mil provas,
+Que o és tambem da Amizade:
+
+Que são Filozofo vives,
+E o mesmo morrer protestas,
+A' excepção de me dares
+Bilhete de boas festas:
+
+Tolentino firme amigo
+Inda quando o Mundo caia,
+E a quem obrigas a sêllo
+Desde a rua da Atalaia,[13]
+
+[Nota de rodapé 13: Onde tinhão morado havia muitos annos.]
+
+Dezeja pura alegria,
+Saûde, e muito vintem;
+Dezeja-te tudo aquillo,
+Que elle quasi nunca tem;
+
+Pois, que chuva, e negros ventos
+Me fechão a porta, e o dia,
+E em caza apontão cuidados,
+Redobrada bateria;
+
+Pois que a horrivel solidão
+Aviva a idéa cruel
+Da gaveta, vão sepulchro
+Do agonizante quartel.
+
+E a engenhoza Hypocondria
+Me mette no antigo empenho
+De jurar, que estou morrendo
+Das molestias, que não tenho,
+
+Vou ver se posso esquivar-me
+A tanto mortal immigo,
+Acolhendo-me ás lembranças
+Do nosso bom tempo antigo;
+
+Tem a sôlta fantazia
+Farto, milagrozo armario;
+Cura-me penas reaes
+Com prazer imaginario;
+
+O nosso bom tempo antigo!
+Quando alçando a tôrva fronte
+Jantava Quintiliano
+A' meza de Anacreonte;
+
+Quando nos brilhantes copos
+Do casto, herdado Gorizos,[14]
+Hião mergulhar as azas
+Os Prazeres com os Rizos;
+
+[Nota de rodapé 14: Nome de huma Quinta do Amigo, a quem o A.
+escreve, a qual produz bom vinho.]
+
+Quando em renhidas disputas
+Mettias traidora mão,
+Sendo o motivo da guerra
+Solapada mangação.
+
+E sem haver lindos olhos,
+Sem haver ondadas tranças,
+Doidos com doidos tecião
+Turbulentas contradanças.
+
+Quando o assustado Ministro,
+Que as margens do Doiro trilha,
+Pôde salvar da procella
+A sua estimavel bilha.
+
+Clama em vão por tão bom tempo
+Minha discreta saudade;
+Doce, fugitivo tempo,
+Da nossa doirada idade!
+
+Ante meus olhos sâudozos
+Cruas azas despregou;
+E em cambio de tantos bens,
+Cans, e rugas me deixou.
+
+Só tu podes, caro Amigo,
+Virar-lhe o vôo apressado;
+E fazer que elle me traga
+Outra vez o meu reinado:
+
+Não peço bruxos prestigios,
+Basta ouvires meu alvitre,
+Põe a rua da Atalaia
+Na Calçada do Salitre;[15]
+
+[Nota de rodapé 15: O A. jantava muitas vezes na rua da Atalaia em casa
+do Amigo, a quem escreve, o qual se mudou para o Salitre.]
+
+Prepara farta vingança
+A meus compridos jejuns;
+Lança, em nome da Amizade,
+Mais nozes aos teus peruns;
+
+Lance fumo a faca tinta
+Nas victimas degolladas;
+Revôem pelo quintal
+As pennas ensanguentadas;
+
+Tornem a dar os teus lares
+Guarida á minha desgraça;
+Tornem a ter teus amigos
+Polido Isidro de graça;[16]
+
+[Nota de rodapé 16: Caza de Pasto.]
+
+Vai na franca, lauta meza,
+Versos ouvindo, e tecendo;
+Entre as Muzas, entre as Graças
+Vai, a rir, empobrecendo;
+
+Correntes do Doiro, e Rheno
+Escaldem meu Estro fraco;
+Abrão-me o Templo de Apóllo
+Atrevidas mãos de Baco;
+
+Sólte o rozado Taful
+A falsa eloquencia sua;
+E marche pelas Sciencias
+Como marcha pela rua;[17]
+
+[Nota de rodapé 17: Cóxeava.]
+
+He alma das Companhias,
+Alegres mezas governa;
+Depois de estar assentado,
+Não conheço melhor perna;
+
+Tomando amolada faca
+Teu sizudo Capitão,
+Nos demonstre, sobre hum lombo,
+A guerra do Rossilhão;
+
+Aliza assim, caro Amigo,
+Meu velho, engelhado coiro;
+Manda ás Parcas, que o meu fio,
+Já que he curto, seja de oiro.
+
+Dá brando ouvido a meus rogos;
+Teu bom peito em bem os tome;
+Não te falla vil lizonja,
+Falla-te a Amizade, e a fome:
+
+E tu, dia tormentozo,
+Que abalas velhas trapeiras,
+Que o telhado me arripias,
+Que me ensopas as esteiras;
+
+Que em meus reumaticos ossos
+Assentas pezado açoite;
+E sobre medonhas nuvens,
+Me mandas de tarde a noite;
+
+Serás o dia mais alvo,
+Que em meus largos annos levo,
+Se for acceita esta Carta,
+Que á tua má luz escrevo;
+
+Chamarei Zéfiros brandos
+A teus roucos ventos frios,
+Se hoje rezolve o Bandeira
+Dar de comer a vádios.
+
+
+
+
+CARTA
+
+
+_A hum Camarista_.
+
+
+N'uma infeliz madrugada,
+Antes que o Sol esclareça,
+Mettido em pobre caleça,
+Puz peito, Senhor, á estrada:
+Sahi em hora mingoada,
+Pois negra traição me espera;
+Homens, com genios de féra,
+Me atacárão sem motivo;
+Por milagre fiquei vivo,
+E devo pezar-me a cêra.
+
+Vi revoltozos Carreiros
+Com duro aguilháo armados;
+Vi nuvens de páos alçados
+Pelos cumes dos oiteiros:
+Roldão, e o bravo Oliveiros,
+Que alta pena Heróes declara,
+Talvez voltassem a cara,
+Que a tantos tremer fazia,
+Se nos campos da Turquia
+Vissem Carreiros da Enxara.
+
+Vi os Campos inundados
+De gentes vagas, e incertas;
+Vi as estradas cobertas
+De cacheiras, e cajados:
+Não valem rogos, nem brados,
+Não valem ligeiras pernas;
+A raiva, e o Deos das Tavernas
+Accendêo tanto os Campinos,
+Que cuidei que os meus Meninos
+Terião férias eternas.[18]
+
+[Nota de rodapé 18: O A. era Professor de Rhetorica, e pertendia passar
+para outro emprego.]
+
+Em quanto no duro chão
+Meu Companheiro arquejava,
+Eu muito humilde esperava
+Tambem a minha ração;
+Bem me lembrou que esta acção
+Deslustrava a minha gloria;
+Mas não pertende vitoria,
+Nem sabe mover espada
+Mão, ha annos, costumada
+A dar só com palmatoria.
+
+Entre mortaes agonias,
+Da bruta gente escapando,
+Me fui na sege encaixando,
+Maldizendo as romarias;
+Praguejei meus negros dias,
+Dias de pranto, e de dor;
+Conheci então, Senhor,
+Que só me dão meus destinos,
+Ou Carreiros, ou Meninos,
+Que Deos sabe o que he peior.
+
+Mas a perda da vitoria
+Sirva de abrandar meus fados;
+Dem-vos motivo os Cajados
+De fallar na Palmatoria;
+Saiba o Principe esta historia;
+Contai-lha com viva côr;
+Fazei com que, em meu favor,
+Sentindo affectos diversos,
+Lhe motivem rizo os Versos,
+E lhe faça dó, o Author.
+
+
+
+
+CARTA
+
+
+_A hum Camarista, tendo o A. sido despachado_.
+
+
+A rara benignidade,
+Que quiz o Ceo conceder-vos,
+Permitta que de escrever-vos,
+Tome eu hoje a liberdade;
+Pois tendes tanta bondade,
+Peço, nella confiado,
+Que por mim ajoelhado,
+E na bocca o coração,
+Beijeis ao Principe a mão,
+E lhe deis este recado.
+
+=Dizei, pois, a Sua Alteza,
+Que eu, seu humilde Afilhado,
+Por elle ha pouco arrancado
+D'entre os braços da pobreza,
+Na simples, mas farta meza,
+Entre os Irmãos, e os Parentes,
+Aos Ceos, com votos ardentes,
+Pedimos, que em paga justa,
+Prosperem a Mão Augusta,
+Que nos faz viver contentes:
+
+E se entre as puras verdades,
+Que Vós lhe podeis contar,
+Virdes, que terão lugar
+Algumas jovialidades,
+Pintai-lhe as felicidades,
+Que vai tendo a gente minha;
+Dizei-lhe que na Cozinha
+Ardem já montões de brazas;
+Que em todas as minhas cazas,
+Era a mais fresca, que eu tinha;
+
+Que os enroupados Sobrinhos,
+Affrontando o vento frio,
+Vem todos mostrar ao Tio
+Os seus novos jozésinhos;
+Que então lhes conto, e aos vizinhos,
+Por quem a roupa foi dada;
+Que Mão, nunca assás louvada,
+Mão Real, piedoza, e justa,
+Me poz livre a Rua Augusta,[19]
+Por varios crimes vedada;
+
+[Nota de rodapé 19: Aonde se vende panno.]
+
+Que hum Tendeiro, que os seus bens
+Me fiava, dando arrancos,
+Veio em barrete, e támancos
+Dar-me logo os parabens;
+Espera que os meus vintens
+O fação tambem feliz;
+Porque, segundo elle diz,
+Ha de haver na sua Tenda
+Mais sahida na fazenda,
+E menos gasto no giz.[20]
+
+[Nota de rodapé 20: Costumão marcar com giz o que dão fiado.]
+
+Mas eu hum crime cometto,
+Quando de ensinar-vos trato;
+Quiz ser ao Principe grato,
+Mas fui comvosco indiscreto;
+Homem, como Vós, discreto
+Não preciza formulario;
+A Egoa do Seminario[21]
+Me deve os rompões cravar,
+Por eu querer ensinar
+O Padre nosso ao Vigario.
+
+[Nota de rodapé 21: Tinha alluzão particular.]
+
+
+
+
+_A' Illustrissima, Excellentissima Senhora D. Catharina Micaella de
+Souza, tendo feito a honra ao A. de lhe offerecer huma Vestia de Setim;
+e pedindo-lhe este que lembrasse o Requerimento, em que seu Irmão
+pertendia o Governo de hum Forte_.
+
+
+Minha respeitoza mão
+De seus limites não sai;
+A escritura, que aqui vai,
+Não he carta, he Petição;
+Até ante os Thronos vão
+Vozes em papel incluzas;
+As minhas não vão confuzas;
+São memorial mui claro;
+Sou Poeta, dai-me amparo,
+He obrigação das Muzas.
+
+Não peço hoje para mim;
+Bem cuberto anda meu peito;
+Inda beijo, inda respeito
+Huma Vestia de Setim.
+Triste Irmão tem já no fim
+Farda rôta, e chamuscada;
+Tem má côr, e he mal fadada;
+Quer que a mão piedoza, e franca,
+Que a mim me deo Vestia branca,
+Lhe dê Cazaca encarnada.
+
+
+
+
+_Ao Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Conde de Villa Verde, hoje
+Marquez de Angeja_.
+
+
+Em sege estreita entaipados,
+Sol á ilharga, Sol por cima,
+Vinha eu, e o Padre Lima
+Cheios de pó, e encalmados.
+Eis-que na estrada atacados,
+
+Párão as mulas baratas;
+Cuidei eu que erão Piratas,
+Que tirão vida, e dinheiro,
+Fui ver se era o Clavineiro,
+E achei duas Açafatas.
+
+Trazião a arma mais dura,
+Que nos peitos se tem posto,
+Trazião ambas no rosto
+O respeito, e a formozura.
+Querem sege mais segura,
+Porque a sua está quebrada;
+E em quanto o Padre na estrada
+Lhe diz palavras pompozas,
+As minhas mãos respeitozas
+Lhe affoufavão a almofada.
+
+Trabalho infeliz fizerão,
+Porque meus Fados são tais,
+Que acceitando tudo o mais,
+A almofada não quizerão.[22]
+Debaixo dos pés puzerão
+
+[Nota de rodapé 22: Por cauza dos toucados altos.]
+
+Minha obra desprezada
+Senhor, não fazemos nada,
+Tomar vãos trabalhos oizas,
+Tem todas as minhas coízas
+O destino da almofada.
+
+
+
+
+_No dia dos annos da Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Conde de
+Villa Verde, hoje Marquez de Angeja, em cuja caza o Author jantou_.
+
+Senhor, talvez neste dia
+Já cantei Versos polidos;
+Porém em tectos cahidos
+Não mora o Deos da Poezia.
+Voou; e da testa fria
+Me tirou o verde loiro,
+E das mãos a Lyra de oiro;
+Tudo em fim se foi co'a bréca;
+Mas se a Aganippe se séca,
+Não se ha de secar o Doiro.
+
+Embora no velho caco
+Murche o cansado miôlo;
+Se os loiros lhe tira Apollo,
+Com parras o adorna Baccho;
+Põe mira meu peito fraco
+Nos vossos puros almudes;
+E em honra de mil virtudes,
+De mil talentos diversos,
+Em vez de fazer dois Versos,
+Farei duas mil saûdes.
+
+
+
+
+_Sahindo por sortes Compadre de huma Senhora da primeira Grandeza_.
+
+
+Devo pouco á Natureza,
+E muito a hum brinco innocente;
+Porque elle me faz parente
+Da mais distinta Nobreza.
+Embora esquiva riqueza
+Pretas fortes me não mande;
+Qne importa que ha annos ande
+Sempre a perder nas menores,
+Se nas dos premios maiores
+Me sahio o premio grande.
+
+
+
+
+_Fazendo annos o Illustrissimo, e Excelentissimo Senhor Marquez de
+Angeja, Tenente General, na occazião em que sahíra Provedor da
+Mizericordia_.
+
+
+Que fazem Versos cansados,
+Applaudindo os vossos Annos,
+Se dos nossos Soberanos
+São melhor elogiados?
+Se os trazem sempre empregados
+Em servir a Monarquia,
+Se a Real Secretaria
+Escreve em vosso favor,
+Taes prozas louvão melhor,
+Do que a melhor Poezia.
+
+Da vossa dexteridade
+Fião coizas encontradas;
+Dão-vos as duas estradas,
+A do Sangue, e da Piedade.
+Vivei pois comprida idade
+
+Sempre entre Povos amigos;
+Mas se crescerem perigos,
+Cresceráõ as acções nobres;
+E a mão que defende os Pobres,
+Cortará os Inimigos.
+
+
+
+
+_No dia dos annos do mesmo Senhor_.
+
+
+A Minha Muza cansada,
+Perdendo os vôos ligeiros,
+E ao pé de murchos loireiros
+Com razão apozentada,
+Hoje, Senhor, animada
+Do amor, e da gratidão,
+Esquecendo a multidão
+De frios cabellos brancos,
+Vem, forcejando os pés mancos,
+Metter-me a Lyra na mão.
+
+Gratidão seus passos rege;
+Quer que em limada Poezia
+Venha louvar neste dia
+Quem em todos me protege;
+Nas cordas de oiro, que elege,
+Quer, que invocando as Camenas,
+Eu cante as horas serenas
+Em que o Ceo piedozo, e justo
+Para o lado de hum Augusto
+Me fez nascer hum Mecenas.
+
+Eu respondi, que a harmonia
+Me fugio co'a mocidade;
+E que a sólida verdade
+Não depende da Poezia;
+Que em proza sempre seguia
+Seu acertado conselho;
+E que em fim Poeta velho
+Por teima querer rimar,
+He o mesmo que ir dançar
+O vosso ginja, Botelho.[23]
+
+
+[Nota de rodapá 23: Creado muito velho, tentado com minuetes.]
+
+
+
+
+_Ao mesmo Senhor em outro dia de annos_.
+
+
+Senhor, co'as minhas Poezias
+Festejava os annos teus;
+Porém mandão já os meus,
+Que eu venha co'as mãos vazias;
+Geladas madeixas frias
+Fechão do Parnazo o passo;
+Pois que já o Tempo escaço
+Esfriar meus Versos quiz,
+Quem me acceitou os que fiz,
+Me agradeça os que não faço.
+
+Mas he da tua Grandeza,
+E a tal dia acção adquada,
+Inda que não trago nada,
+Não perder a Caza, e a meza;
+Por culpas da Natureza
+Não perca os meus ordenados;
+Cubrão teus tectos doirados
+Inutil, mudo Jarrêta;
+Não o merece o Poeta,
+Mas he costume aos Creados.
+
+
+
+
+_Ao mesmo Senhor em outro dia de annos_.
+
+
+Neste venturozo Dia,
+Honrado, e honrador Marquez,
+Sempre eu vim a vossos pés
+Trazer a offerta em Poezia;
+Ante Vós a Lyra erguia
+Humilde, alegre, e casquilho;
+Mas hoje mudando o trilho,
+A bem, Senhor, me levai,
+Que sendo os annos do Pai,
+Dê a Colgadura ao Filho.
+
+Moço Illustre, eu dou conselhos,
+Filhos de, amor, e verdade;
+Permittida liberdade
+Aos fieis Creados velhos;
+Ouvi: Bons Pais são espelhos;
+Dão doutrinas sem enganos;
+E eu rogo aos Ceos Soberanos,
+Que ao vosso ouvindo as lições,
+Sejão as vosss acções
+O elogio dos seus Annos.
+
+
+
+
+_Ao Illustrissimo, e Excelentissimo Senhor Marquez de Marialva, com quem
+se tinha encontrado o A. na Caza em que estava o Embaixador de
+Marrocos_.
+
+
+Na Quinta da Praia clama,
+Que lhe tireis a Cadeira
+Hum triste, que quarta feira
+Comvosco esteve em Moirama:
+Se a Estrella, que a Vós o chama,
+Não lhe abranda os seus destinos,
+Torna para os Marroquinos;
+Porque, agoiros por agoiros,
+Antes cativo de Moiros,
+Do que Mestre de Meninos.
+
+
+
+
+_No dia dos Annos de hum Menino_.
+
+
+De plumachos emplumado,
+Manso, alegre Cavallinho,
+Ou torneado carrinho
+D'alvos Carneiros puchado,
+Devião marchar ao lado
+Deste papel que remetto;
+Mas mostrando o meu affecto
+Como póde o meu destino,
+Em obzequio de hum Menino,
+Vou dar aos outros Suéto.
+
+
+
+
+_Na despedida de hum Ministro, que partia levando seus Filhos_.
+
+
+A Lei da pura amizade
+Minhas lagrimas condemna;
+Quer que ceda a minha pena
+A' tua felicidade;
+Vai; e em quanto a vil maldade,
+
+E a intrigante cubiça,
+A baixa inveja, a injustiça
+Pézas na recta balança,
+Conserva de mim lembrança,
+Que he tambem fazer justiça.
+
+E vós, lindos Innocentes,
+Que nessas tenras idades
+Já sabeis mover saudades
+Nos amigos, nos parentes,
+Quando lhe virdes pendentes
+As balanças da razão,
+Ide internecello então
+Com rizos, com géstos novos;
+Lembrai-lhe, que aquelles Povos,
+Como vós, seus filhos são.
+
+
+
+
+_A hum Fidalgo, que pedia para o Author hum lugar na Secretaria, na
+occazião em que elle pertendia o seu proprio Despacho_.
+
+
+Se vemos rir quem chorava,
+E tantos exemplos temos,
+Senhor, não desesperemos,
+Deos ainda está onde estava:
+Água branda as pedras cava;
+Em tudo o tempo he precizo;
+Saber teimar com juizo
+Tem mil montes aplanado;
+Talvez sejais despachado,
+E talvez que eu lavre o Avizo.
+
+Ah Senhor, com que alvoroço,
+Na liza banca forrada,
+Eu de cazaca encarnada,
+E fitta preta ao pescoço
+Lançára o despacho vosso,
+Que tanto tempo esqueceo!
+Que grande favor do Ceo,
+Se o meu primeiro exercicio
+Fosse servir-me do Officio
+A favor de quem mo deo!
+
+
+
+
+_A respeito de hum Padre, que dizia ter sido Mestre de Rhetorica; que
+tomava triaga contra o veneno que ainda lhe havião de dar; que dizia que
+estava eleito Cardeal; e que era demaziadamente trigueiro, se deo este_
+
+
+MOTE.
+
+
+_Não tem côr de Cardeal_
+
+
+Não ajuda ao Padre a cara;
+Revolvo antigos Annaes,
+E vejo que os Cardeaes
+Tinhão a pelle mais clara;
+Será maravilha rara
+Achar hum de côr igual;
+Forão brancos como a cal
+Mazarino, e Alberoni;
+E a não ser este o Negroni,
+Não tem côr de Cardeal.
+
+
+_Respondeo em Decimas, ás quaes se fizerão as seguintes_:
+
+
+Que venhão fuscos garraios
+Metter em Versos a mão!
+Potente Jove, aonde estão
+Os teus vingadores raios?
+Hum homem de coiros baios
+Segue as Muzas tuas filhas;
+Tu, pois, que os vaidozos trilhas,
+Faze que este, em todo o cazo,
+Saia logo do Parnazo,
+E passe para Cassilhas.
+
+Se em rhetorico exercicio
+Já soubeste regras dar,
+Tambem eu posso fallar,
+Porque sou do mesmo officio;
+Que o teu cérebro tem vicio,
+He verdade assás notoria;
+Na Poezia, e na Oratoria
+Vaz em total decadencia;
+Collega, tem paciencia,
+Has de vir á palmatoria.
+
+No teu escuro Papel,
+Aos bons ouvidos ingrato;
+Achei hum vivo retrato
+Da confuzao de Babel;
+A' patria lingua infiel
+Ès da Nação o desdoiro;
+Bem sei que te chego ao coiro;
+Mas não merece passagem,
+Que a batina, e a linguagem
+Ajuntem Clerigo, e Moiro.
+
+A quem me queira arguir,
+Mostro, Padre, o tal Papel;
+He testemunha fiel,
+Não me deixará mentir;
+Em novos termos urdir
+Mettes a todos n'um canto;
+Que uzas palavras de encanto
+Assentão gentes maxuchas,
+Boas para ajuntar bruchas,
+Ou para tirar quebranto;
+
+Deixei-me, pois, de criterio,
+E tomei melhor caminho;
+Meu amigo, a hum louquinho
+He loucura fallar serio;
+Chova, pois, o vituperio
+Sobre esse tostado coiro;
+Saia o tal Cardeal Moiro,
+Que o Capinha, alvoroçado,
+Vai, por ordem do Senado,
+Metter garrochas no toiro.
+
+Fulla escrava Americana
+Já mandava á luz do dia
+Hum Crioilo, que seria
+Nódoa da Curia Romana;
+Carregado de banana,
+Porque no caminho coma,
+O rumo da Europa toma;
+E em terra, marchando á pata,
+Com sacco, e folha de lata,
+Deo a sua entrada em Roma.
+
+Assim mesmo estropeado,
+E envolvido em grosso panno,
+Foi entre o Povo Romano
+Com mil respeitos tratado;
+Do vento, e do Sol queimado,
+Semblante quebrado, e afflito,
+Tem tal dom na cara escrito,
+Que gritavão de redor,
+Huns, que he o Rei Belxior,
+Outros, que he S. Benedito.
+
+Tomou a Benção Papal;
+E teve tanto poder,
+Que sem o Papa o saber,
+Ficou feiro Cardeal;
+Voltou para Portugal
+Já Cardeal Protector;
+Achou cá pouco favor;
+E zombão-lhe do Capello,
+Por ter mui crespo o cabello,
+E ser muito bassa a côr.
+
+Erra o Vulgo os passos seus;
+He hum cego, e maldizente;
+A côr he méro accidente,
+Todos são filhos de Deos.
+Porém para os lucros teus
+O Capello te faz mal;
+No S. João, e Natal
+Terias gôrda guedelha,
+Armado de faca velha,
+Pincel, e pote de cal.
+
+Padre, vai-te o mundo ao pêllo;
+E c'o a lingua maldizente
+Te vai cortando igualmente
+As Poezias, e o Capello;
+Porém eu, que sou singelo,
+E meus contrarios ameigo,
+Te affirmo, piedozo, e meigo,
+Que se não tens, por teu mal,
+Em Roma o de Cardeal,
+Tens no Parnazo o de Leigo.
+
+Deves voltar outra vez,
+E dizem que nisso fallas;
+Mas pégão-se pelas sallas
+Teus molles tardîos pés.
+Se ajuda de custo vês,[24]
+Fazes-te côxo, e ronceiro;
+Meu Padre, és muito matreiro,
+Já todos estão de acôrdo;
+E sem te verem a bórdo,
+Não pões a mão no dinheiro.
+
+[Nota de rodapé 24: Pedia huma ajuda de custo.]
+
+Tua saude se estraga,
+Mas teu Medico condemno;
+Meu amigo, o teu veneno
+Não se cura com triaga;
+Para a tua antiga chaga
+Medicina impropria he esta;
+Muda, pois vês que não presta;
+Grita c'os olhos em braza,
+Que te fechem n'uma caza,
+E que te sangrem na testa.
+
+De balde em Lisboa gritas,
+Attestando a Italia inteira,
+Que regeste huma Cadeira
+Nos Claustros dos Jezuitas;
+As obras que vejo escritas
+Provão que nos tens mentido;
+Até das Ordens duvido,
+Quando as tem cabeças tontas;
+Tu, cá pelas minhas contas,
+Ès hum mulato fugido.
+
+Foge outra vez, se tal és,
+Qual foge apupado mono;
+Antes que venha teu dono,
+E te ponha nas Galés;
+Antes que enfeite teus pés
+Legal, sonóro fuzil;
+Não veja o patrio Brazil,
+Que os hombros do filho bello,
+Vindo buscar hum Capello,
+Só achárão hum barril.
+
+Dizem todos, que és fingido,
+Que ninguem louco te chame;
+Por mais que eu lhe jure, e clame,
+Que és mesmo doido varrido;
+Dizem que estás conhecido,
+E que o fazes por estudo;
+Em tal cazo prompto acudo,
+E de outro lado te ataco;
+Se não és doido, és velhaco,
+E talvez que sejas tudo.
+
+Mas já quem póde me ordena,
+Que armas ponhamos em terra;
+Apôs sanguinoza guerra,
+Alce a frente a Paz serena;
+Sobre essa pelle morena
+Em paz teu Capello ajusta;
+Assento que he coiza justa
+Seguires methodo novo,
+E não dares gosto ao Povo,
+Que quer rir á tua custa.
+
+Não te finge falso agrado
+Meu semblante contrafeito;
+Não encobre honrado peito
+Coração refalseado;
+Se me julgas disfarçado,
+Alta injustiça me fazes;
+Eu te juro eternas pazes;
+E se falto aos votos meus,
+Ah Padre, permitta Deos
+Que eu sempre ensine rapazes.
+
+E tu, que sem estes sustos
+Vives cheio de alegrias,
+Serenos, doirados dias,
+Aos pés de teus Reis Augustos;
+Tu, que por titulos justos
+Te chamas o novo Horacio,
+Quando entrares em Palacio
+Conserva de mim lembranças,
+Porque tenho as esperanças
+Postas em ti, e no _Estacio_.[25]
+
+[Nota de rodapé 25: Bobo célebre.]
+
+
+
+
+MOTE.
+
+_Hum suspiro de repente,
+Hum certo mudar de côr,
+São evidentes sinaes
+De que o peito occulta amor_.
+
+
+GLOZA.
+
+
+Debalde as penas, e os gostos
+Disfarçais, loucos Amantes,
+Se os attentos circumstantes
+Tem em vós os olhos postos;
+De que servem falsos rostos,
+Se o coração desmente
+N'um instante infelizmente
+Sabe perdido o longo estudo,
+Pois vem destruir-vos tudo
+Hum suspiro de repente.
+
+Nada faz cautella, ou medo
+N'alma que devéras ama;
+Esta turbulenta chamma
+Não sabe arder em segredo;
+Sobe ao rosto, ou tarde, ou sedo,
+Do escondido fogo o ardor;
+Basta a declarar a dor,
+Vãmente n'alma guardada,
+Huma palavra truncada,
+Hum certo mudar de côr.
+
+Duro amor, que coração
+Saberá nunca occultar-te?
+Que vai fazer força, ou arte,
+Onde as tuas settas vão?
+Cegos Amantes, em vão
+O vivo fogo abafais;
+Esses descuidados ais,
+Que sem tino ao vento dáveis,
+São provas incontestaveis,
+São evidentes sinais.
+
+De que serve estar fallando
+Sizudos, e comedidos,
+Se esses olhos insoffridos
+Vos estão sempre entregando?
+Alçados de quando em quando
+Vão dizendo a occulta dôr;
+Abaixallos, he peior;
+Que essas vistas contrafeitas
+Dão ás vezes mais suspeitas,
+De que o peito occulta amor.
+
+
+
+
+_Mandando huma gallinha a huma Pretinha bonita, que gostava de brincar
+com ellas_.
+
+
+As tuas fulas mãoszinhas,
+Que a fome já não descarna,
+E que de crearem sarna
+Passão a crear gallinhas;
+Acceitem creações minhas,
+Que eu a outros fins guardava;
+Senhora com côr de escrava,
+Alta estrella, que em ti brilha,
+Manda que se dê á Filha
+Aquillo que o Pai furtava.
+
+
+
+
+CANTIGAS
+
+
+_Feitas nas caldas com o Estribilho_.
+
+
+_Olhos meus, cansados olhos,
+O vosso officio he chorar_.
+
+
+Nas Caldas, nas tristes Caldas
+Alegria vim buscar;
+Quiz de noíte ver o Sol,
+Quiz achar fogo no mar.
+ _Olhos meus, etc._
+
+Que importa mudar de terra,
+E baldados passos dar,
+Se a toda a parte a que os volto
+Vai comigo o meu pezar.
+ _Olhos meus, etc._
+
+Vejo pálidos doentes
+Pela Copa passear,
+Oiço de antigas molestias
+Tristes effeitos contar.
+ _Olhos meus, etc._
+
+Vejo nas férvidas aguas
+Mirrados corpos banhar,
+E de balde aos surdos Ceos
+Convulsos braços alçar.
+ _Olhos meus, etc._
+
+Vejo de perdido pranto
+Tristes ais acompanhar,
+Com as lagrimas alhêas
+Vou as minhas misturar.
+ _Olhos meus, etc._
+
+Que importa ver Ninfas bellas,
+Se accrescentão meu pezar?
+Gostão de attrahir os olhos,
+E as almas tyrannlzar.
+ _Olhos meus, etc._
+
+Ao som de feridas cordas
+Dão doces vozes ao ar,
+Quaes enganozas Serêas,
+Que cantão para matar.
+ _Olhos meus, etc._
+
+Se o meu pobre coração
+Se deixa huma vez tocar,
+Com escarneos, com rizadas,
+Meu pranto vejo pagar.
+ _Olhos meus, etc._
+
+Fartai-vos, pois, olhos meus
+De lagrimas derramar;
+Vós nascestes para tristes,
+E escolhestes o lugar.
+ _Olhos meus, etc._
+
+
+
+
+_A hum Leigo, que era vesgo, e que nunca teve fastio; e a quem por acazo
+tocou na cabeça a ponta de hum espadim_.
+
+
+Ferio sacrilega espada,
+Alçada por mão traidora,
+Cabeça, que sempre fôra
+Té aos Barbeiros vedada;
+D'entre a grenha profanada
+Corre o sangue á terra dura;
+Tosquiou-se a matadura;
+E o casco rebelde a ordens,
+Precizou destas desordens
+Para ter Prima Tonsura.
+
+Feroz Soldado imprudente,
+Que nova espada esgrimio,
+Foi o ímpio que ferio
+Esta victima innocente;
+A quem do golpe insolente
+O motivo lhe procura,
+Diz que fez compra segura;
+Pois duvidozo na escolha,
+Quiz ver que tal era a folha,
+Cortando por coiza dura.
+
+Homem de tenção damnada,
+Só tu conseguiste o fim
+De entrar o teu espadim
+Aonde não entra nada;
+Da repentina estocada
+Cahe o Padre desmaiado;
+Mas quando recuperado
+A ti os olhos volveo,
+Sabes o que te valeo?
+Foi teres já almoçado.
+
+Todo o Mundo te pragueja,
+Porque em detestavel guerra
+Hias deitando por terra
+Esta columna da Igreja;
+Mas se triunfaste a inveja,
+E o Padre morresse então,
+Dize, ó ímpío coração,
+Que tanto em furor te atiças,
+Quem ajudaria ás Missas?
+Quem tocaria ao Sermão?
+
+Quem nos daria a certeza
+De haver outro homem sizudo,
+Que pudesse comer tudo
+Ouanto se puzer na meza?
+Da próvida Natureza
+Quem havia as Leis seguir!
+Observante em digerir
+Qual outro havia saber
+Depois de acordar, comer,
+Depois de comer, dormir!
+
+Que importa, ó cruel Soldado,
+Para desculpar teu erro
+Ter sido o teu ímpio ferro
+Já pela Patria arrancado?
+Que importa que em campo armado
+Junto a si Lippe te veja,
+Que importa que o Mundo seja
+Das tuas acções o abono,
+Se a mão que defende o Throno,
+Ataca depois a Igreja?
+
+E tu, que segues os trilhos,
+Que S. Francisco te fez,
+E pões os teus gordos pés
+Sobre os seus santos ladrilhos;
+Pois que a seus devotos filhos
+Guarda no Ceo largas pagas,
+Nos olhos he bem que o tragas,
+E de modélo não mudes;
+E pois não he nas virtudes,
+Que o seja ao menos nas chagas.
+
+
+
+
+_Estando o A. doente, e mandando pedir algum prato á meza, aonde jantava
+o sobredito Leigo_.
+
+
+Hum estomago cansado,
+De cuja antiga ruina
+Tem sido cauzas iguaes
+A molestia, e a Medicina;
+
+Que tendo em si dos tres Reinos
+As perigozas heranças,
+Só não bebeo das Boticas
+Os S. Migueis, e as balanças;
+
+Hum estomago sem forcas,
+E ás leis geraes ínfiel,
+Que não trabalha em diamante,
+Como o de Fr. Manoel;
+
+Que não tem, como este Padre,
+Tanta fome obediente;
+E olha já para a gallinha
+Como elle olha para a gente;
+
+Para emendar semrazões,
+Que faz Arte, e Natureza,
+Vai, fugido das Boticas,
+Acoitar-se á vossa meza;
+
+Mil vezes por outra cauza
+Teve a honra de bussalla;
+Indo então por matar fome,
+Vai hoje por despertalla;
+
+Perdiz, ou branda vitella,
+São deste remedio o nome;
+Da vossa esplendida meza
+Seja elogio huma fome;
+
+E porque o Padre o não saiba,
+Será a melhor cautella,
+Mandar tirar a iguaria
+Quando elle olhar para ella.
+
+
+
+
+_Ao Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Marquez, de Ponte de Lima,
+Ministro de Estado, pedindo-lhe o A. licença para ir ao remedio de
+banhos, na occazião em que o mesmo Senhor se tinha encarregado de lhe
+promever a mercê de se imprimirem as suas Obras na Officina Regia_.
+
+
+CARTA.
+
+
+Senhor, entreguei meu livro;
+Foi esse filho mesquinho
+Co'a esteril benção do Pai
+Lançar-se aos pés do Padrinho;
+
+Dei-lhe em dote inuteis rimas,
+Dei-lhe vazio thezoiro;
+Mas vossas mãos milagrozas
+Convertem nadas em oiro;
+
+Do mal fadado Parnazo
+Quebrareis o injusto encanto;
+Nem sempre seus verdes loiros
+Serão regados com pranto;
+
+Impertinentes crédores
+Largar-me-hão em fim a rua;
+O meu cégo abrindo a bocca
+Lhes ha de fechar a sua;
+
+Até apertados genios
+Sem vontade comprarão;
+Farão focinho á Poezia,
+E obzequios á Protecçao;
+
+Mas, Senhor, de livro basta;
+He ínsulto ás mãos em que anda
+Passar de ser o meu livro
+A ser a minha demanda;
+
+Foi esse meu rogo ouvido;
+Deixai que para outro mude;
+Tem objecto inda mais alto,
+He mais do que oiro, he saude;
+
+Contra o mal que me tem feito
+Raivozos Caniculares
+Me off-rece a fresca Ericeira
+Seus claros, sádios mares;
+
+Sei que nestas ondas bravas
+O banho hum risco teria;
+Posso começallo alli,
+E ir acaballo á Bahia;
+
+Bramindo na vasta praia
+Enrolada vaga forte,
+Dentro do pérfido seio
+Me traz a saûde, e a morte;
+
+Mas com protector penedo,
+E cauto Marujo amigo,
+O impune, tónico susto,
+Tórna em remedio o perigo;
+
+Falta só licença vossa,
+E juro, Senhor, que vem;
+Como podeis Vós negalla,
+Se sabeis que ella he hum bem?
+
+He o Pindo o meu thezoiro,
+O Oceâno he meu Jordão;
+D'ambos recebo mil bens,
+Mas todos por vossa mão;
+
+Eu a beijo; ella receba
+Gratidão devida, e pura
+Em tributo que lhe paga
+O Creado, e a Creatura.[26]
+
+[Nota de rodapé 26: Tinha nomeado o A. Official da Secretaria.]
+
+
+
+
+_Ao Excellentissimo Senhor D. Lourenço de Lima, tendo promettido ao A.
+que quando chegasse das Caldas, havia lembrar a mercê de se imprimirem
+estas Obras_.
+
+
+CARTA.
+
+
+Ora do cume dos Montes,
+Ora em suas verdes fraldas,
+Hia estender os meus olhos
+Na longa estrada das Caldas;
+
+Sobre escumozos cavallos
+Trotando empoada sege,
+Disse quem fez os meus versos
+=Ahi vem quem os protege;=
+
+Alçando-me, hia a dizer-vos
+=Senhor, chegou o meu prazo;
+Honrastes hoje outros Montes,
+Honrai agora o Parnazo;
+
+Promettestes fazer ferteis
+Seus estereis Mirto, e Loiro;
+Promettestes que a Hypocrene
+Levaria arêas de oiro;
+
+Sua clara, inutil vêa
+Réga chão, que não se lavra;
+Vinde fazello fecundo,
+Vinde cumprir-me a palavra.=
+
+Mas, Senhor, não éreis Vós;
+Era hum Casquilho, e do Povo;
+Tornei a pegar nas Contas,
+Tomei a esperar de novo;
+
+Mil votos ao Céo mandava
+Este humilde orador fraco,
+Que vos não vissem Carreiros,[27]
+Nem os ladrões do Tabaco;[28]
+
+[Nota de rodapé 27: Allude ás Decimas da Enchára.]
+
+[Nota de rodapé 28: Furto célebre feito naquella estrada.]
+
+
+Então carrancuda Noite
+Me enxotou co'as negras azas;
+E em honra dos taes Amigos
+Vim como Gato por brazas;
+
+Sei, em fim, que já chegastes
+Chamou por Vós minha dôr,
+Venha o Illustre Conselheiro
+Honrar-se em Procurador;
+
+Fazer bem, he mór grandeza;
+Deo-vos, tambem esta, o Pai;
+Vós ambos d'entre os meus loiros
+Cruas silvas arrancai;
+
+Com piedoza Geografia
+As Paternas mãos benignas,
+Emendando ingratos Mappas,
+Ponhão o Pindo nas Minas;
+
+O Impressor gosta de Versos;
+Quer que os meus públicos andem;
+Mas he hum tanto acanhado,
+Não imprime sem que o mandem;
+
+Elle perdoa o contagio;
+Pegai-lhe a minha doença;
+Só deixarei de gemer
+Em gemendo a sua Imprensa;
+
+Assigne, pois, meu Avizo,
+Pia, obedecida mão;
+Mas não cuideis que com isso
+Dais férias á protecção;
+
+O mais ávido Leitor,
+Das Quintilhas pregoeiro,
+Ha de achallas insoffriveis
+Em lhe custando dinheiro;
+
+E só em nojoza Tenda
+De Braguez Chatim mesquinho
+Terão sahida os meus Versos,
+Embrulhando o seu toicinho;
+
+Só rapazes acharão
+Minha Muza doce, e meiga;
+Não porque tenha Poezia,
+Mas porque teve manteiga;
+
+Mettei, pois, Senhor, em brios
+Ricos peitos avarentos;
+Dizei, que comprem partidas,
+Que he honra honrar os talentos;
+
+Que serão, comigo, eternos
+Se me evitarem o mal
+De ir ao Templo da Memoria
+Pela porta do Hospital;
+
+E então da escondida burra
+Ouvirá a surda aldraba
+Não as vozes da Poezia,
+Mas a voz de quem lha gaba;
+
+Indo abrindo, juraráõ
+A duas Artes odio, e medo;
+A' da Guerra, em alta voz;
+A' da Poezia, em segredo.
+
+Entretanto ao digno Pai
+Pedi que me faça Author;
+Sejão públicos no Mundo
+Meus versos, e o seu favor;
+
+De Limas na honroza historia
+Não serão titulos falsos
+Fazer que as augustas Artes
+Não marchem cos'pés descalços;
+
+E Vós, firme Protector,
+Fazei que por taes favores
+Vamos beijar-vos a Mão,
+Eu, e os meus dois mil Credores.
+
+
+
+
+_Ao Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Conde dos Arcos, sobre o
+mesmo assumpto_.
+
+
+CARTA.
+
+
+Bateu aos vossos Portaes
+Hum morador do outro Pólo;[29]
+Veio ao Templo de Minerva
+Dar hum recado de Apollo;
+
+[Nota de rodapé 29: Morava muito distante.]
+
+Vós sois dos seus obrigados,
+Bebeis seu licôr divino;
+Manda que lembreis na Roza[30]
+O esquecido Tolentino;
+
+[Nota de rodapé 30: Sitio, aonde morava o Ministro de Estado respectivo.]
+
+Sei que alli meu pobre livro
+Altos Protectores tem;
+Mas agora só se falla
+Nesta magica _Dutein_;[31]
+
+[Nota de rodapé 31: Dançarina célebre.]
+
+Apollo não troca as Artes;
+Mas vendo a Artifice, infia;
+Recêa que com taes braços
+A Dança affaste a Poezia;
+
+Tambem sois réo; mas bem póde
+A Mágia dos passos seus
+Encantar os vossos olhos,
+Sem fazer chorar os meus.
+
+
+
+
+_Ao Excellentissimo Senhor D. Fernando de Lima, sobre o mesmo assumpto_.
+
+
+CARTA.
+
+
+Forte co'a vossa promessa
+Dura voz se vai alçar;
+Não vem como das mais vezes,
+Não vem pedir, vem ralhar;
+
+Não he de esteril rabugem
+Raiva inutil, que em mim lavra;
+Venho brigar, e vencer-vos,
+Minha arma he vossa palavra;
+
+São Leis os priscos rifões;
+Na mão a Lei me mettestes;
+Sei que a ricos não deveis,
+Mas a pobre promettestes;
+
+Promettestes, que huma Imprensa
+Faria hum faminto farto;
+Meu livro, e as vossas promessas
+Inda estão no vosso Quarto;
+
+Sei que a vossa Illustre Caza
+He das que honrão Portugal;
+Mas eu quero outra melhor,
+Quero a Caza Manescal;[32]
+
+[Nota de rodapé 32: Administrador da Imprensa Regia.]
+
+Reis de Hespanha a vossa honrárão,
+E eu espero o mesmo delle;
+Fizerão-vos _Ricos Homens_,
+O mesmo me fará elle;
+
+Vós sois Protector das Artes,
+E dahi meu mal viria;
+Talvez que pela da Dança
+Vos esqueça a da _Poezia_;
+
+Por _Dutein_ esquece tudo;
+Estes grupos tão gabados,
+Não digo que são os vossos,
+Porém são os meus peccados;
+
+As tres Graças a fadárão,
+Mas seus dons funestos são;
+Tira ás Deozas a maçã,[33]
+E a hum triste Poeta o pão;
+
+[Nota de rodapé 33: Fazia a figura de Venus na Pantomima, em que se
+reprezentava a fabula de Páris, julgando-lhe o pomo de oiro, destinado á
+mais formoza.]
+
+Se a vosso Pai vou queixar-me,
+Juro que acceita a querella;
+Juro, que vos quer os olhos
+Antes em mim, do que nella;
+
+Mas, Senhor, deixando graças
+De poetica licença,
+Este brinco quer dizer
+Que apresseis a tal Imprensa;
+
+Até por curiozidade
+Forjai-me este mialheiro;
+Só para vermos que effeito
+Faz em mim o ter dinheiro;
+
+Talvez que altiva luneta
+Nos piscos olhos traidores
+Não conheça huns tantos homens,
+Principalmente os Crédores;
+
+Talvez que o novel Gallego,
+Que soltas bragas trazia,
+Entaipado em pantalonas
+Dê ao Amo senhoria;
+
+Talvez que inventando heranças
+Bisneto de grão Senhor,
+A falso espectro agradeça
+O que devo ao Protector;
+
+Senhor, se o oiro tal póde;
+Levantai da empreza a mão;
+Antes réo do meu tendeiro,
+Do que réo de ingratidão
+
+Mas inda agora he que eu vejo,
+Quanto me fui desmentindo;
+Disse que vinha ralhar,
+Por fim acho-me pedindo;
+
+Não pude acabar a farça;
+Costume custa a vencer;
+Comvosco a minha linguagem
+He pedir, e agradecer.
+
+
+
+
+_A' Illustrissima, e Excelentissima Senhora Dona Catharina Micaella de
+Souza, tendo o Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Luiz Pinto de
+Souza expedido Avizo para se imprimirem as Obras do Author na Officina
+Regia_.
+
+
+CARTA.
+
+
+Senhora, Apollo bem sabe
+Que sois digna companhia
+De quem em doirados annos
+Lhe honrava a doce Poezia;
+
+Inda de viçozo loiro
+Lhe guarda a verde coroa;
+Fez-lhe falta em sua Corte,
+Mas a bem de outra o perdoa;
+
+Manda, pois lhe estais ao lado,
+Canteis polidos louvores
+A quem em honra ao Parnazo
+Fez versos, e faz favores;
+
+Vio o prazer generozo
+Com que acabou a tenção,
+Que crua Parca arrancára
+De outra bemfeitora Mão;[34]
+
+[Nota de rodapé 34: O Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Marquez de
+Ponte de Lima, Ministro de Estado, tinha obtido a mercê de se imprimirem
+estes Versos a beneficio do A. cujo Avizo não chegou a assignar por seu
+repentino falecimento.]
+
+Vio, que apressou seus negocios
+Perante quem todos rege;
+E que amigo do seu Monte,
+Ora o sóbe, ora o protege;
+
+Grato ao grande beneficio
+Vos envia o estilo, e a lyra;
+Manda-vos cantar-lhe os hymnos,
+Que lhe traja, e vos inspira;
+
+Diz que esta empreza vos toca,
+E que não admitte escuzas;
+Que favor feito ao Parnazo
+Hão de agradecello as Muzas;
+
+Pulsai a lyra, enfreai
+Bravos ventos rugidores;
+Cantai agradecimentos
+A quem cantastes amores;
+
+Em má honra a longas cans
+Desta empreza escuzo fico;
+Fechou-me Apollo a sua Arte,
+E quer que aprenda a de rico;
+
+Dura, enganoza sciencia!
+Incómmoda, tumultuaria!
+Muito mais a quem andou
+Sempre na escóla contraria;
+
+Já em socegado somno
+Não vejo doces ficções;
+Inda a obra está na Imprensa
+E já sonho com ladrões;
+
+Sonho, que escalada a porta,
+Medonhas caras sem dó,
+Vem furtar a Tolentino
+O que elle furta a _Boileau_;
+
+Co'esse metal turbulento
+Já d'antemão me malquisto;
+Que me não fará a posse,
+Se a esperança já faz isto?
+
+Sei quem poz a ultima força
+Ao punhal, de que me dôo;
+Mas, em fim, nada de raivas,
+Dizei-lhe que eu lhe perdôo;
+
+E que he tal nesta virtude
+Meu conforme coração,
+Que não só perdoo o mal,
+Mas beijo por elle a Mão.
+
+
+
+
+_Offerecendo alguns dos Versos, que vão neste Livro ao lllustrissimo,
+Excellentissimo Senhor Marquez de Angeja, Ministro de Estado, perante o
+qual se pertendeo desabonar a Poezia, e os Poetas_.
+
+
+ILL.^MO E EXC.^MO SENHOR.
+
+
+V. Excellencia se digne de não julgar atrevimento ir eu aprezentar hum
+Livro de inuteis Versos naquellas mesmas mãos, em que se apresentão
+Papeis, que decidem dos interesses do Estado, e dos destinos dos homens.
+A Poezia, Senhor, só he odioza a quem nella não he instruido. V.
+Excellencia sabe a origem, e os progressos desta Arte divina; sabe que
+de seu berço foi consagrada ao uzo da Religião, e da Politica; que por
+meio della o homem natural, que nutria vagamente entre fragas, e
+penedîas hum coração tão contrario ao do homem civil, conheceo a
+humanidade, e tomou sobre seus hombros o jugo da Razão, e da Justiça.
+
+Que os primeiros Legisladores escrevião as Leis em verso, para que a
+harmonia lhes aplanasse, ou encubrisse aquelles passos escabrozos, que
+ferem, e revoltão a nossa natureza, sempre amiga da liberdade; que os
+Filosofos, e Sacerdotes do Egypto ensinavão em Poezia os seus Dogmas;
+que os bons tempos dos Gregos, modélo dos Seculos de Augusto, e de Luiz
+XIV, ao mesmo passo que se alargavão os limites do seu Imperio, vírão
+levadas á ultima perfeição, de que são capazes as obras dos homens, a
+Lirica, a Epica, e a Poezia de theatro.
+
+V. Excellencia sabe, que os Poetas de Augusto, mais do que as Victorias
+de Farsalia, fizerão chamar-se o seu seculo, o seculo de Oiro: que a
+passagem do Rheno, e a conquista da Hollanda jazerião no esquecimento,
+com o nome de Luiz XIV, se Corneille, e os que o seguírão, não mandassem
+ás extremidades do Mundo a fama de suas Victorias; que ainda hoje a
+França conta, com prazer, entre as acções daquelle Monarca, a protecção,
+e acolhimento, que achárão ante elle as Artes, principalmente a da
+Poezia; e que as ultimas palavras do grande Corneille moribundo, forão
+agradecimentos ás liberalidades de Luiz XIV.
+
+V. Excellencia sabe, que a Augusta Theologia da Escritura nos instrue
+muitas vezes dos Attributos de Deos por imagens inteiramente poeticas;
+que os Profetas, unindo maravilhosamente o simples ao sublime, fallão da
+existencia, e da Omnipotencia de Deos, com a locução, e com as figuras
+da mais alta Poezia.
+
+Mas, SENHOR, eu insensivelmente vou fazendo de huma Dedicatoria huma
+Dissertação. V. Excellencia se digne attribuir este erro de methodo á
+desordem de animo, em que me põe a ingrata sem-razão de ver os Poetas
+desfavorecidos de alguns homens, talvez sem mais crime, que serem
+favorecidos das Muzas.
+
+V. Excellencia, em cuja alma raia a razão illustrada, limpa das sombras
+do abuzo, não faz cahir sobre o Poeta os defeitos, que são do homem: a
+inconstancia de genio, o desconcerto das acções, a filozofia mal
+entendida, que caminha a passo cheio á devassidão de costumes, são os
+crimes de que o vulgo errado accuza indifferentemente todos os Poetas;
+mas se vemos que estas más qualidades brotão no coração de tantos
+homens, que não são Poetas, para que hão de elles sós levar o ferrete,
+que a Natureza corrupta põe indistinctamente sobre todos os que não
+deixão guiar-se da Religião, e da honra? Sempre houve Poetas, bem, e mal
+morigerados, assim como o resto dos outros homens: e porque lei barbara
+ha de pagar a Poezia as fraquezas da humanidade? Porque falsa Logica
+havemos inferir, que o commercio das Muzas, a suave lição dos Antigos,
+em que vemos pintada a Natureza, e explicada docemente a boa filozofia,
+ha de affogar no coração do Poeta as virtudes, que a índole, ou a
+educação talvez alli plantárão?
+
+V. Excellencia julga mais rectamente; sabe, que em todos os ramos da
+vida Christã, e Civil tem havido Poetas, que hum talento não exclue os
+outros; que Richilieu fazia Versos, e foi grande Ministro; que entre os
+Poetas, como entre todos os mais homens, huns são venturozos, outros
+desgraçados; huns chamados aos grandes Empregos, ontros inteiramente
+esquecidos; que se houve hum Camões, e hum Bernardes, cuja memoria
+posthuma foi a unica paga do seu merecimento; tambem, houve hum Sá e
+Menezes levantado a Camareiro Mór dos Senhores Reis D. João o III, e D.
+Sebastião; hum Pedro de Andrade Caminha, Camareiro Mór do Infante D.
+Duarte; hum Garcia de Rezende muito estimado do Senhor D. João o II;
+hum Sá de Miranda feito Commendador pelo Senhor D. João o III; e para
+não fazer hum catalogo quazi infinito, houve o grande Ferreira, e
+Gabriel Pereira de Castro, os quaes, cada hum no gosto do seu Seculo,
+misturando Bartholo, e Accureio com Homero, e com Virgilio, forão tão
+estimados pelos Versos, que fazião no seu gabinete, como pelas Sentenças
+que lançárão nos diversos Tribunaes a que forão promovidos.
+
+O conhecimento da Historia Portugueza, huma das lições, que recreão o
+espirito de V. Excellencia, talvez concorra junto com o gosto, que tem
+pelas Artes, a que, seguindo o exemplo de tantos Reis, se não despreze
+de ouvir os Poetas: eu sou huma prova viva de que V. Excellencia os
+ouve, e os protege: nos tempos da antiga Roma Augusto fazia o mesmo, nos
+tempos da moderna, lemos, que Benedicto XIV. não se envergonhou de fazer
+a apologia aos Versos de hum Poeta Francez com aquella mesma mão, de que
+pendião as Chaves do Ceo.
+
+Esta justiça, e bom acolhimento, que V. Excellencia faz á Poezia, foi
+quem me esforçou a pôr nas respeitaveis mãos de V. Excellencia hum Livro
+de Versos; o terem alguns agradado a V. Excellencia, faz o seu unico
+merecimento: hum tal voto fez com que eu julgasse bem delles, e os
+levantasse á grande honra de serem offerecidos a V. Excellencia. Não me
+acovardão alguns assumptos joviaes, que nelles trato; V. Excellencia
+sabe, que se a Tragedia castiga os costumes pelos grandes afectos da
+compaixão, e do terror, tambem a Sátyra os castiga pelo meio do rizo; e
+este trabalho de minha penna, com que eu entretinha os meus cançados
+dias, passará a ser o mais feliz, se tiver a fortuna de divertir alguns
+instantes a V. Excellencia, para que com mais força torne depois a
+metter mão nos importantes Negocios, de que os Reis, prevenindo os
+dezejos do Público, se dignárão encarregar a V. Excellencia: isto
+dezeja, Senhor
+
+
+DE V. Excellencia
+
+O Criado mais humilde, e mais venerador.
+
+
+
+
+_Ao mesmo Senhor no dia dos seus Annos_.
+
+
+ILL.^MO E EXC.^MO SENHOR.
+
+
+Os louvores nem sempre são filhos da lizonja, nem sempre são a linguagem
+baixa, em que os infelices fazem o seu commercio com os Poderozos;
+quando assentão em merecimento sólido, são huma paga devida ás Virtudes;
+o Ceo as dá; os Reis devem-lhe os premios; os outros homens os louvores.
+
+Hoje, Ill.^mo e Exc.^mo Senhor, nos apontão os Fastos de Portugal o
+feliz Nascimento de V. Excellencia; o costume consagra com Elogios estes
+dias solemnes; a Patria recompensa assim os Annos, que a ella se derão;
+e se em hum dia destinado aos obsequios, eu fosse hum méro espectador,
+hum assistente ociozo, o silencio, tantas vezes virtude, seria agora hum
+crime, seria huma prova da minha ingratidão.
+
+A força do agradecimento, e a abundancia, da materia me porião na boca
+huma torrente de louvores; mas V. Excellencia põe tanto cuidado em
+merecellos, como em não querer ouvillos; temo a sua modestia; e huma
+virtude de V. Excellencia me não deixa fallar-lhe nas outras; porém ao
+menos seja-me permittido, que a minha alma se encha de complacencia,
+lembrando-se de que tres Reis elogiárão a V. Excellencia, chamando-o a
+grandes coizas; não quizerão que estes talentos jazessem debaixo da
+terra; sobre ella, e sobre os mares os fizerão luzir.
+
+Na flor dos annos, quando as paixões, os exemplos, a natureza abrem
+guerra viva ao coração do homem, então vio a severa Magestade do Senhor
+Rei D. João o V, que V. Excellencia tão moço nos annos, era já ancião
+no conselho, e nos costumes, queria o seu voto nos Tribunaes, e o seu
+braço nas Armadas, negros ventos, mares cavados, ferro, sangue, erão os
+leitos brandos, em que V. Excellencia hia descançar das honrozas fadigas
+da terra.
+
+Que direi do Augusto, Piedozo, e ainda de fresco banhado das nossas
+lagrimas, o Senhor Rei D. Jozé o I.? O merecimento, junto com a
+semelhança dos genios, e de idades, puzerão sempre a V. Excellencia ao
+lado daquelle Monarca; mandou-lhe que acceitasse novos, e importantes
+Empregos; recebeo mil provas do seu poder, e da sua familiaridade, e
+entre ellas aquella, que V. Excellencia não disse, mas que todos sabem;
+aquella de que V. Excellencia nunca poderá lembrar-se sem dôr, e sem
+gloria.
+
+Os Benignos, e Amaveis Soberanos, que vemos sobre o Throno, puzerão o
+Sêllo na Obra, que seus Augustos Predecessores tinhão começado;
+encarregárão a V. Excellencia dos mais importantes Negocios do Estado: a
+madureza nos conselhos, o sevéro espirito de inteireza, os Reis, a Lei,
+a utilidade pública, são os objectos, que vírão sempre na frente dos
+cuidados de V. Excellencia.
+
+Mas, Senhor, eu vou abuzando da bondade, com que V. Excellencia se digna
+ouvir-me: eu converto a minha falla ao Throno do Todo-poderozo, que tem
+na sua mão as vidas, e os successos dos homens; alli peço ardentemente,
+que dilate, que prospére tão bem cultivados annos; que conserve em V.
+Excellencia o bom Pai, o Vassallo zelozo, o grande Ministro.
+
+Vós, Illustres Mortos, antigos Instituidores da Caza de Angeja, que
+trouxestes no peito o Sangue de dois Reis, não peçais conta delle;
+descançai em paz nos frios moimentos, cheios de Victorias, cheios de
+Serviços, que pagárão Deos, e os Reis por quem se fizerão. O vosso
+Herdeiro he digno de Vós; caminha sobre as vossas pizadas; herdou os
+vossos Titulos, e as vossas Virtudes.
+
+E Vós, Moços Illustres, seus dignos Filhos, cujos costumes, frutos do
+exemplo, são alto elogio da mão, que vos educa, já os Reis vos chamão;
+querem nos Filhos perpetuar o Pai. Os largos, e felices annos, que o Ceo
+lhe concederá de vida, serão a vossa escola. Servi os Reis, e a Patria;
+sacrificai-lhe os vossos annos, e as vossas fadigas; sede affaveis,
+justos, inteiros; sede como elle.
+
+
+FIM.
+
+
+
+
+INDICE
+
+
+Do que contém este II. Tomo.
+
+
+QUINTILHAS.
+
+_Ao Excellentissimo Senhor Conde de S. Lourenço_.
+_Ao Excellentissimo Senhor Marquez de Lavradio_.
+
+
+QUARTETOS.
+
+_A' Excelentissima Senhora Condeça de Tarouca_.
+_No dia dos Annos da Excellentissima Senhora D. Maria de Noronha_.
+_A' Excellentissima Senhora Marqueza de Alegrete, nascendo-lhe huma
+filha_.
+_Na occasião em que o A. hia ver o Varatojo_.
+_Resposta a huma Carta, que em boa Poezia citava ao A. por huns Versos,
+que tinha promettido_.
+_Offerecendo hum Perum em huma caza, aonde todos os Domingos davão ao A.
+este prato_.
+_A huma Preta, que pertendia que a obzequiassem_.
+
+
+CARTAS.
+
+_A hum Amigo, louvando-lhe o estado de cazado_.
+_Ao Excellentissimo Senhor Conde de Villa Verde D. Jozé de Noronha, hoje
+Marquez de Angeja_.
+_Ao mesmo Senhor, no dia dos seus Annos, estando o A. doente_.
+_Tendo mandado huma Senhora ao A. Vinho da Madeira com huma Carta em boa
+Poezia_.
+_Desculpando-se o A. de não ir a huns Annos_.
+_Aconselhando hum Cabelleireiro, que não continuasse a fazer versos_ .
+_Pedindo-se ao A. huma Gloza_.
+_Agradecendo o A. alguns pratos, que lhe despertárão a vontade de comer_.
+_Sobre o mesmo Assumpto_.
+_Ao Senhor Dezembargador Sebastião Antonio Sobral_.
+_A huma Senhora, que em bons Versos pedio ao A. a Sátyra do Velho_.
+_Ao Senhor Deputado Domingos Pires Monteiro Bandeira_.
+_A hum Camarista_.
+
+
+DECIMAS.
+
+
+_A' Excellentissima Senhora D. Catharina Micaella de Souza, tendo feito
+a honra ao A. de lhe offerecer huma Vestia de Setim_.
+_Ao Excellentissimo Senhor Conde de Villa Verde, hoje Marquez de Angeja_.
+_No dia dos Annos do mesmo Senhor_.
+_Sahindo por sortes Compadre de huma Senhora da primeira Grandeza_.
+_Fazendo Annos o Excellentissimo Senhor Marquez de Angeja_.
+_Ao mesmo Senhor_.
+_Ao mesmo Senhor_.
+_Ao mesmo Senhor_.
+_Ao Excellentissimo Senhor Marquez de Marialva_.
+_No dia dos Annos de hum Menino_.
+_Na despedida de hum Ministro, que partia levando seus filhos_.
+_A hum Fidalgo, que pedia para o A. hum lugar na Secretaria, na occazião
+em que elle pertendia o seu proprio despacho_.
+_A hum Padre, que dizia ter sido Mestre de Rhetorica, e estava eleito
+Cardeal_.
+_Mote: Hum suspiro de repente_.
+_Mandando huma galinha a huma Pretinha bonita_.
+_Cantigas feitas nas Caldas_.
+_A hum Leigo, que era vesgo_.
+_Estando o A. doente, e mandando pedir algum prato á meza, onde jantava
+o sobredito Leigo_.
+_Ao Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Marquez de Ponte de Lima,
+Ministro de Estado, pedindo-lhe o A. licença para ir ao remedio de
+banhos_.
+_Ao Excellentissimo Senhor D. Lourenço de Lima_.
+_Ao Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Conde dos Arcos, sobre o
+mesmo assumpto_.
+_Ao Excellentissimo Senhor D. Fernando de Lima_.
+_A' Illustrissima, e Excellentissima Senhora Dona Catharina Micaela de
+Souza, tendo o Illustrissimo, e Excelentissimo Senhor Luiz Pinto de
+Souza expedido Avizo para se imprimirem as Obras do A. na Officina
+Regia_.
+
+
+PROZAS.
+
+
+_Ao Excellentissimo Senhor Marquez de Angeja, offerecendo alguns dos
+Versos, que vão neste Livro_.
+_Ao mesmo Senhor no dia dos seus Annos_.
+
+
+
+
+
+
+
+
+
+
+
+
+End of the Project Gutenberg EBook of Obras poéticas, by Nicolau Tolentino
+
+*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK OBRAS POÉTICAS ***
+
+***** This file should be named 16385-8.txt or 16385-8.zip *****
+This and all associated files of various formats will be found in:
+ https://www.gutenberg.org/1/6/3/8/16385/
+
+Produced by Biblioteca Nacional Digital (http://bnd.bn.pt),
+Rita Farinha and the Online Distributed Proofreading Team
+at https://www.pgdp.net
+
+
+Updated editions will replace the previous one--the old editions
+will be renamed.
+
+Creating the works from public domain print editions means that no
+one owns a United States copyright in these works, so the Foundation
+(and you!) can copy and distribute it in the United States without
+permission and without paying copyright royalties. Special rules,
+set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to
+copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to
+protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. Project
+Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you
+charge for the eBooks, unless you receive specific permission. If you
+do not charge anything for copies of this eBook, complying with the
+rules is very easy. You may use this eBook for nearly any purpose
+such as creation of derivative works, reports, performances and
+research. They may be modified and printed and given away--you may do
+practically ANYTHING with public domain eBooks. Redistribution is
+subject to the trademark license, especially commercial
+redistribution.
+
+
+
+*** START: FULL LICENSE ***
+
+THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE
+PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK
+
+To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free
+distribution of electronic works, by using or distributing this work
+(or any other work associated in any way with the phrase "Project
+Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full Project
+Gutenberg-tm License (available with this file or online at
+https://gutenberg.org/license).
+
+
+Section 1. General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tm
+electronic works
+
+1.A. By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm
+electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to
+and accept all the terms of this license and intellectual property
+(trademark/copyright) agreement. If you do not agree to abide by all
+the terms of this agreement, you must cease using and return or destroy
+all copies of Project Gutenberg-tm electronic works in your possession.
+If you paid a fee for obtaining a copy of or access to a Project
+Gutenberg-tm electronic work and you do not agree to be bound by the
+terms of this agreement, you may obtain a refund from the person or
+entity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8.
+
+1.B. "Project Gutenberg" is a registered trademark. It may only be
+used on or associated in any way with an electronic work by people who
+agree to be bound by the terms of this agreement. There are a few
+things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works
+even without complying with the full terms of this agreement. See
+paragraph 1.C below. There are a lot of things you can do with Project
+Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement
+and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic
+works. See paragraph 1.E below.
+
+1.C. The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation"
+or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project
+Gutenberg-tm electronic works. Nearly all the individual works in the
+collection are in the public domain in the United States. If an
+individual work is in the public domain in the United States and you are
+located in the United States, we do not claim a right to prevent you from
+copying, distributing, performing, displaying or creating derivative
+works based on the work as long as all references to Project Gutenberg
+are removed. Of course, we hope that you will support the Project
+Gutenberg-tm mission of promoting free access to electronic works by
+freely sharing Project Gutenberg-tm works in compliance with the terms of
+this agreement for keeping the Project Gutenberg-tm name associated with
+the work. You can easily comply with the terms of this agreement by
+keeping this work in the same format with its attached full Project
+Gutenberg-tm License when you share it without charge with others.
+
+1.D. The copyright laws of the place where you are located also govern
+what you can do with this work. Copyright laws in most countries are in
+a constant state of change. If you are outside the United States, check
+the laws of your country in addition to the terms of this agreement
+before downloading, copying, displaying, performing, distributing or
+creating derivative works based on this work or any other Project
+Gutenberg-tm work. The Foundation makes no representations concerning
+the copyright status of any work in any country outside the United
+States.
+
+1.E. Unless you have removed all references to Project Gutenberg:
+
+1.E.1. The following sentence, with active links to, or other immediate
+access to, the full Project Gutenberg-tm License must appear prominently
+whenever any copy of a Project Gutenberg-tm work (any work on which the
+phrase "Project Gutenberg" appears, or with which the phrase "Project
+Gutenberg" is associated) is accessed, displayed, performed, viewed,
+copied or distributed:
+
+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
+almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
+re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
+with this eBook or online at www.gutenberg.org
+
+1.E.2. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is derived
+from the public domain (does not contain a notice indicating that it is
+posted with permission of the copyright holder), the work can be copied
+and distributed to anyone in the United States without paying any fees
+or charges. If you are redistributing or providing access to a work
+with the phrase "Project Gutenberg" associated with or appearing on the
+work, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1
+through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and the
+Project Gutenberg-tm trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or
+1.E.9.
+
+1.E.3. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is posted
+with the permission of the copyright holder, your use and distribution
+must comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additional
+terms imposed by the copyright holder. Additional terms will be linked
+to the Project Gutenberg-tm License for all works posted with the
+permission of the copyright holder found at the beginning of this work.
+
+1.E.4. Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg-tm
+License terms from this work, or any files containing a part of this
+work or any other work associated with Project Gutenberg-tm.
+
+1.E.5. Do not copy, display, perform, distribute or redistribute this
+electronic work, or any part of this electronic work, without
+prominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 with
+active links or immediate access to the full terms of the Project
+Gutenberg-tm License.
+
+1.E.6. You may convert to and distribute this work in any binary,
+compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including any
+word processing or hypertext form. However, if you provide access to or
+distribute copies of a Project Gutenberg-tm work in a format other than
+"Plain Vanilla ASCII" or other format used in the official version
+posted on the official Project Gutenberg-tm web site (www.gutenberg.org),
+you must, at no additional cost, fee or expense to the user, provide a
+copy, a means of exporting a copy, or a means of obtaining a copy upon
+request, of the work in its original "Plain Vanilla ASCII" or other
+form. Any alternate format must include the full Project Gutenberg-tm
+License as specified in paragraph 1.E.1.
+
+1.E.7. Do not charge a fee for access to, viewing, displaying,
+performing, copying or distributing any Project Gutenberg-tm works
+unless you comply with paragraph 1.E.8 or 1.E.9.
+
+1.E.8. You may charge a reasonable fee for copies of or providing
+access to or distributing Project Gutenberg-tm electronic works provided
+that
+
+- You pay a royalty fee of 20% of the gross profits you derive from
+ the use of Project Gutenberg-tm works calculated using the method
+ you already use to calculate your applicable taxes. The fee is
+ owed to the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, but he
+ has agreed to donate royalties under this paragraph to the
+ Project Gutenberg Literary Archive Foundation. Royalty payments
+ must be paid within 60 days following each date on which you
+ prepare (or are legally required to prepare) your periodic tax
+ returns. Royalty payments should be clearly marked as such and
+ sent to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation at the
+ address specified in Section 4, "Information about donations to
+ the Project Gutenberg Literary Archive Foundation."
+
+- You provide a full refund of any money paid by a user who notifies
+ you in writing (or by e-mail) within 30 days of receipt that s/he
+ does not agree to the terms of the full Project Gutenberg-tm
+ License. You must require such a user to return or
+ destroy all copies of the works possessed in a physical medium
+ and discontinue all use of and all access to other copies of
+ Project Gutenberg-tm works.
+
+- You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any
+ money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the
+ electronic work is discovered and reported to you within 90 days
+ of receipt of the work.
+
+- You comply with all other terms of this agreement for free
+ distribution of Project Gutenberg-tm works.
+
+1.E.9. If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm
+electronic work or group of works on different terms than are set
+forth in this agreement, you must obtain permission in writing from
+both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael
+Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark. Contact the
+Foundation as set forth in Section 3 below.
+
+1.F.
+
+1.F.1. Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable
+effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread
+public domain works in creating the Project Gutenberg-tm
+collection. Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic
+works, and the medium on which they may be stored, may contain
+"Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or
+corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual
+property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a
+computer virus, or computer codes that damage or cannot be read by
+your equipment.
+
+1.F.2. LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the "Right
+of Replacement or Refund" described in paragraph 1.F.3, the Project
+Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project
+Gutenberg-tm trademark, and any other party distributing a Project
+Gutenberg-tm electronic work under this agreement, disclaim all
+liability to you for damages, costs and expenses, including legal
+fees. YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICT
+LIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSE
+PROVIDED IN PARAGRAPH F3. YOU AGREE THAT THE FOUNDATION, THE
+TRADEMARK OWNER, AND ANY DISTRIBUTOR UNDER THIS AGREEMENT WILL NOT BE
+LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR
+INCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCH
+DAMAGE.
+
+1.F.3. LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover a
+defect in this electronic work within 90 days of receiving it, you can
+receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a
+written explanation to the person you received the work from. If you
+received the work on a physical medium, you must return the medium with
+your written explanation. The person or entity that provided you with
+the defective work may elect to provide a replacement copy in lieu of a
+refund. If you received the work electronically, the person or entity
+providing it to you may choose to give you a second opportunity to
+receive the work electronically in lieu of a refund. If the second copy
+is also defective, you may demand a refund in writing without further
+opportunities to fix the problem.
+
+1.F.4. Except for the limited right of replacement or refund set forth
+in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS', WITH NO OTHER
+WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO
+WARRANTIES OF MERCHANTIBILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE.
+
+1.F.5. Some states do not allow disclaimers of certain implied
+warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages.
+If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the
+law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be
+interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by
+the applicable state law. The invalidity or unenforceability of any
+provision of this agreement shall not void the remaining provisions.
+
+1.F.6. INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the
+trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone
+providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance
+with this agreement, and any volunteers associated with the production,
+promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works,
+harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees,
+that arise directly or indirectly from any of the following which you do
+or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm
+work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any
+Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause.
+
+
+Section 2. Information about the Mission of Project Gutenberg-tm
+
+Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of
+electronic works in formats readable by the widest variety of computers
+including obsolete, old, middle-aged and new computers. It exists
+because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from
+people in all walks of life.
+
+Volunteers and financial support to provide volunteers with the
+assistance they need, is critical to reaching Project Gutenberg-tm's
+goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will
+remain freely available for generations to come. In 2001, the Project
+Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
+and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations.
+To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
+and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
+and the Foundation web page at https://www.pglaf.org.
+
+
+Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive
+Foundation
+
+The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
+501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
+state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal
+Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification
+number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at
+https://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
+permitted by U.S. federal laws and your state's laws.
+
+The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S.
+Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered
+throughout numerous locations. Its business office is located at
+809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email
+business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact
+information can be found at the Foundation's web site and official
+page at https://pglaf.org
+
+For additional contact information:
+ Dr. Gregory B. Newby
+ Chief Executive and Director
+ gbnewby@pglaf.org
+
+Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation
+
+Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide
+spread public support and donations to carry out its mission of
+increasing the number of public domain and licensed works that can be
+freely distributed in machine readable form accessible by the widest
+array of equipment including outdated equipment. Many small donations
+($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt
+status with the IRS.
+
+The Foundation is committed to complying with the laws regulating
+charities and charitable donations in all 50 states of the United
+States. Compliance requirements are not uniform and it takes a
+considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up
+with these requirements. We do not solicit donations in locations
+where we have not received written confirmation of compliance. To
+SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any
+particular state visit https://pglaf.org
+
+While we cannot and do not solicit contributions from states where we
+have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition
+against accepting unsolicited donations from donors in such states who
+approach us with offers to donate.
+
+International donations are gratefully accepted, but we cannot make
+any statements concerning tax treatment of donations received from
+outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff.
+
+Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation
+methods and addresses. Donations are accepted in a number of other
+ways including including checks, online payments and credit card
+donations. To donate, please visit: https://pglaf.org/donate
+
+
+Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic
+works.
+
+Professor Michael S. Hart was the originator of the Project Gutenberg-tm
+concept of a library of electronic works that could be freely shared
+with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project
+Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support.
+
+Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed
+editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S.
+unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily
+keep eBooks in compliance with any particular paper edition.
+
+Most people start at our Web site which has the main PG search facility:
+
+ https://www.gutenberg.org
+
+This Web site includes information about Project Gutenberg-tm,
+including how to make donations to the Project Gutenberg Literary
+Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to
+subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.
+
+*** END: FULL LICENSE ***
+
diff --git a/16385-8.zip b/16385-8.zip
new file mode 100644
index 0000000..cc5b153
--- /dev/null
+++ b/16385-8.zip
Binary files differ
diff --git a/LICENSE.txt b/LICENSE.txt
new file mode 100644
index 0000000..6312041
--- /dev/null
+++ b/LICENSE.txt
@@ -0,0 +1,11 @@
+This eBook, including all associated images, markup, improvements,
+metadata, and any other content or labor, has been confirmed to be
+in the PUBLIC DOMAIN IN THE UNITED STATES.
+
+Procedures for determining public domain status are described in
+the "Copyright How-To" at https://www.gutenberg.org.
+
+No investigation has been made concerning possible copyrights in
+jurisdictions other than the United States. Anyone seeking to utilize
+this eBook outside of the United States should confirm copyright
+status under the laws that apply to them.
diff --git a/README.md b/README.md
new file mode 100644
index 0000000..bedb54b
--- /dev/null
+++ b/README.md
@@ -0,0 +1,2 @@
+Project Gutenberg (https://www.gutenberg.org) public repository for
+eBook #16385 (https://www.gutenberg.org/ebooks/16385)