diff options
| -rw-r--r-- | .gitattributes | 3 | ||||
| -rw-r--r-- | 16385-8.txt | 4866 | ||||
| -rw-r--r-- | 16385-8.zip | bin | 0 -> 51174 bytes | |||
| -rw-r--r-- | LICENSE.txt | 11 | ||||
| -rw-r--r-- | README.md | 2 |
5 files changed, 4882 insertions, 0 deletions
diff --git a/.gitattributes b/.gitattributes new file mode 100644 index 0000000..6833f05 --- /dev/null +++ b/.gitattributes @@ -0,0 +1,3 @@ +* text=auto +*.txt text +*.md text diff --git a/16385-8.txt b/16385-8.txt new file mode 100644 index 0000000..81756a5 --- /dev/null +++ b/16385-8.txt @@ -0,0 +1,4866 @@ +The Project Gutenberg EBook of Obras poéticas, by Nicolau Tolentino + +This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with +almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or +re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included +with this eBook or online at www.gutenberg.org + + +Title: Obras poéticas + +Author: Nicolau Tolentino + +Release Date: July 29, 2005 [EBook #16385] + +Language: Portuguese + +Character set encoding: ISO-8859-1 + +*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK OBRAS POÉTICAS *** + + + + +Produced by Biblioteca Nacional Digital (http://bnd.bn.pt), +Rita Farinha and the Online Distributed Proofreading Team +at https://www.pgdp.net + + + + + + +OBRAS POETICAS + +DE + +NICOLÁO TOLENTINO +DE ALMEIDA. + + +TOM. II. + + +LISBOA. + +NA REGIA OFFICINA TYPOGRAFICA. + +ANNO M.DCCCI. + + +_Com licença da Meza do Desembargo do Paço_. + + + + +QUINTILHAS + + +_Offerecidas ao Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Conde de S. +Lourenço_. + + + +Ante vós, Claro Senhor, +Que pondes os sãos cuidados +De bons estudos no amor, +E que d'homens applicados +Sois o exemplo, e o protector; + +Levanto sem pejo a voz; +Que essa alma nunca despreza +O pouco que encontra em nós; +Não produz a Natureza +Muitos homens como vós; + +Pois vi outr'ora amparado +O discreto, e doce Brito, +Triste moço, em flor cortado, +Que hia alevantando o esprito, +De vossas luzes guiado; + +Pois na vida lhe adoçastes +De seu fado a má ventura, +E não vos envergonhastes, +Quando a fria sepultura +Com as lagrimas lhe honrastes; + +Se os seus Versos sonorozos +Inda repetis com mágoa; +E pensamentos saudozos +Vos trazem aos olhos agua, +Que os deixa, Senhor, formozos; + +Hoje, outro triste vos faça +Nascer iguaes sentimentos; +Com os vossos pés se abraça; +Não tem os mesmos talentos; +Mas tem a mesma desgraça; + +Nascido em baixa pobreza, +Quiz buscar huma Colu'na, +Foi sempre baldada a empreza, +Achou ingrata a fortuna, +Inda mais, que a natureza. + +Em vão paternal ternura +Com vivo zêlo me assiste; +Foi trabalho sem ventura; +Crescia no Filho triste, +Com a idade, a desventura; + +Das boas Artes no estudo +Bom Pai empenhar-me quiz; +Traçava o velho sizudo +Que fosse hum Filho feliz +Dos outros Filhos o escudo; + +Forão seus intentos vãos; +Zombou desgraça importuna +Destes pensamentos sãos; +Para vencer a fortuna +Não ha lagrimas, nem mãos; + +Cortado então de agonias, +Só esperei ter ventura, +Quando envolto em cinzas frias +Escondesse a sepultura +Meu nome, e meus tristes dias; + +E em quanto o vento forceja, +E no mar, que em flor rebenta, +Meu fraco lenho veleja, +Demando, em tanta tormenta, +Por porto a Casa de Angeja; + +Surgi em lugar seguro, +Onde achei mil acolhidos; +Clareou o dia escuro; +E meus molhados vestidos +Pelas paredes penduro; + +De meu fado a força dura +Foi hum pouco enfraquecendo; +E ainda que em sombra escura, +Vem-me ao longe apparecendo +O bom rosto da Ventura; + +Vossos Sobrinhos me dão +(Porque de meus males sabem) +Principios de protecção; +Mandai-lhe que em mim acabem +Esta obra da sua mão. + +Mandai, que apressem o passo, +Que inda longe a méta vejo, +Pois nas supplicas que faço, +Não se vence com dezejo, +Vence-se á forca de braço; + +Mandai, pois tendes direito, +Que o turvo mar arrostando, +A' corrente ponhão peito; +Fallai, Senhor, que em fallando, +O vosso mandado he feito. + +Não vedes venal incenso +Por astuta mão queimado; +Fallo, Senhor, como penso; +Eu sei quanto he respeitado +O Erudîto São Lourenço; + +Eu sei bem o alto conceito, +E as geraes estimações, +Que todos de vós tem feito; +Oiço ternas expressões, +Filhas de amor, e respeito; + +Do bom Irmão, e Sobrinhos +Oiço tod'ora louvar-vos; +Oiço-lhes doces carinhos; +De poderem agradar-vos +Dezejão achar caminhos; + +Vosso Irmão, e pregoeiro +Ordena, como sizudo, +Ao Illustre Neto, e Herdeiro, +Que das Sciencias no estudo +Vai dar o passo primeiro, + +Se encoste a vós, sem desvio, +Qual ao Choupo Hera silvestre; +Que em Artes, virtude, e brio, +Mais, do que as regras do Mestre, +Siga os dictames do Tio; + +Com que gosto oiço, e contemplo, +Dizer-lhe = Se ao bem te inclinas, +Segue-o no estudo, e no Templo; +Elle te dê as doutrinas; +Elle te sirva de Exemplo. + +Mas sigo inutil empreza, +Pois sabeis quaes são seus peitos, +Mistura-se esta fineza +Com os sagrados direitos +Do sangue, e da natureza; + +Todo o mundo, em vosso abono, +Põe na boca os corações, +E delles vos chama dono; +Oiço mil acclamações +Desde a plebe até ao Throno; + +A geral estimação +Nos arma de authoridade; +Vinde pôr nesta obra a mão, +E dai-me felicidade, +Como me dais instrucção; + +Sabeis a fundo, e de cór, +Tudo quanto ha bom, escrito; +Juntai extremos, Senhor; +Ao homem mais erudíto, +Juntai o mais bemfeitor. + +Pois sabeis da Antiguidade +Prozas sans, e sã poezia, +Deveis sentir mais piedade; +Quem tem mais filozofia, +Vê melhor a humanidade: + +Que eu nesta fresca espessura, +Entre estes Loiros sagrados, +Sentado sobre a verdura, +Cantarei Versos limados +A quem me fez ter ventura. + +Deixarei em mil letreiros +O vosso Nome entalhado +Nos troncos destes Loureiros; +Possa elle ser respeitado +Do negro vento, e chuveiros; + +Ramos sobre elle estendendo, +Dafne no seu peito o tome; +E eu, doces hymnos tecendo, +Verei ir o tronco, e o Nome +Té ás Estrellas crescendo. + + + + +QUINTILHAS + + +_Offerecidas ao Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Marquez do +Lavradio_. + + +Se os Versos, que outra ora fiz +Escutastes prompto, e attento; +E se aos pés, que abraçar quiz, +Achou grato acolhimento +A minha Muza infeliz; + +Dai-me benignos ouvidos +A outros, em dôr traçados, +D'arte, e de enfeite despidos; +Pela verdade dictados, +E a vós, Senhor, dirigidos; + +Em louvores não os fundo, +Pois sei que sempre os pizastes; +E co'as mais acções confundo +As do tempo, em que tomastes +As rédeas do Novo Mundo; + +Mas se eu disser parte dellas, +Não me julgueis lizonjeiro; +Que vos poupo em não dizellas? +Se vedes, que o Mundo inteiro +As vai erguendo ás Estrellas? + +Diz que vio a Capital +Cheia de pompa, e grandeza; +E que a ergueis a lustre tal +D'entre os braços da molleza, +Que he no Clima natural. + +Que nas mãos, onde se encerra +Alto Poder respeitozo, +Mostraste na nova Terra +Ao Vizinho revoltozo, +N'uma a paz, em outra a guerra. + +Que offreceis a vida então +Para a palavra salvar-se, +Que, os bons Reis não dão em vão; +Acção digna de contar-se +Entre as de Mario, ou Catão; + +Que a mão que as Quinas voltêa, +Justiça ao Povo reparte; +E que igualmente menêa, +Ora as Bandeiras de Marte, +Ora as Balanças de Astiéa; + +Mas já vossa austeridade +Minha narração reprime; +Ouvis-me contra vontade; +Perdoai, Senhor, hum crime, +De que foi causa a verdade; + +Pois que vos não dão desvelos +Louvores, que préza a gente, +Eu vou, Senhor, suspendellos; +E vou dar-vos novamente +Motivos de merecellos. + +A minha longa fadiga +Já sabeis qual he, Senhor; +Levai-me a bem, que a não diga; +Deixai-me poupar a dôr +De abrir huma chaga antiga. + +Pintar Irmans desgrenhadas +Co'as creanças innocentes. +Nos débeis braços alçadas, +E de lagrimas ardentes, +Quasi sem fruto, banhadas. + +Mostrar-lhe os olhos magoados, +Onde inutil pranto assiste, +Immoveis no chão pregados, +Nutrindo hum silencio triste, +Falsa paz dos desgraçados; + +Contar-vos, que entre os Irmãos, +Diz o bom Pai, com ternura, +Que ao Ceo levantem as mãos; +Que assim se emenda a ventura, +E não com queixumes vãos: + +Que he do espirito fraqueza +Perder suspiros no vento; +Que venção a natureza; +Que fação co'soffrimento +Honroza a dura pobreza; + +Não lhe ver de dor sinais; +Ter no rosto olhos serenos, +E no peito agudos ais; +Que porque se escutão menos, +Por isso me córtão mais: + +Dar-vos huma inteira idéa +Da desgraça minha, e delles, +Pintura de pranto chêa; +Se he preciza, he para aquelles, +A quem não dóe dor alhêa. + +As almas tão bem nascidas, +Como a vossa vejo ser, +Para serem condoîdas, +Não tem precizão de ver +Correr sangue das feridas; + +Sabeis, que soffro a impiedade +De vã fortuna traidora; +Mudai pois de heroicidade; +Vinde pleitear agora +A cauza da humanidade; + +Por vós tirar não podeis +Penas, que a alma me abafárão; +Mas ante o Throno valeis; +E se o Sceptro vos fiárão, +Que vos negarão os Reis? + +Reger-lhe os vastos Estados, +Ir dar-lhe hum novo esplendor, +São feitos famigerados; +Mas inda o será maior +Ir pedir por desgraçados, + +Disse a Cezar o Orador, +Que os Soldados tinhão parte +No perigo, e no louvor; +Que fosse em outro Estendarte +Elle só o Vencedor; + +Que era, de doce brandura +O deixar-se então vencer, +Mór victoria, e mais segura; +Onde não tinhão poder +Nem ferro, nem má ventura. + +Vencei vós sem ter Soldados; +Fazei de dias de dor +Dias bemaventurados; +E possa essa mão, Senhor, +Mais do que podem meus fados; + +Claros Avós imitastes, +Que o Mundo apenas abrange; +No berço palmas achastes; +Dos Heróes que vio o Gange, +O sangue, e as acções herdastes; + +Remotos Povos vencêrão, +E mares bravos abrindo; +As Quinas desenvolvêrão; +Ante eles o Gange, e o Indo, +Tintos de sangue corrêrão. + +Vós, que em obras semelhantes +Fostes ser a Copia honroza +Do que elles fizerão d'antes, +Na série maravilhoza +Das vossas acções brilhantes; + +Consenti, que a larga historia, +Que Almeidas levanta aos Ceos, +Lhes deixe no Altar da Gloria +Pendente, entre os mais Troféos, +Huma negra Palmatoria. + + + + +_A' Illustrissima, e Excellentissima Senhora Condeça de Tarouca, na +occasião do seu Casamento_. + + +Senhora, o Forte da Estrella, +Chorando o bem que perdeo, +Das suas justas saudades +Por portador me escolheo; + +Quiz que eu viesse contallas +Ao som desta rouca Lyra, +De longos annos affeita +A acompanhar quem suspira; + +Não fallo nos ternos Pais; +Nelles a alta Jerarquia +Tempéra saudozo pranto +Com o pranto da alegria; + +Ao nome dos seus Passados +Planos caminhos achárão, +Unindo ao sangue de Heróes +O sangue de Heróes que herdárão; + +Não fallo no amavel Conde; +Esse não faz compaixão; +Tem seges, tem bons cavallos, +Tem o remedio na mão; + +Sobre rápidos ginetes, +Quebrando a dura calçada, +Com o Francisco a reboque, +Andará sempre na estrada; + +Tambem das caras Irmans +Não venho as mágoas pintar; +Co'a terna Mãi muitas vezes +As virão desafogar; + +Fallo da triste Familia, +Que em amoroza manîa +Accuza o Ceo, que vos deo +Formozura, e Fidalguia; + +Dons, de seu mal cauzadores; +E que deixão coroado, +Na mais illustre Conquista, +O mais ditozo Soldado; + +Ralham delle a toda hora; +Foi cauza do seu tormento; +Elogião, e praguejão +Seu alto merecimento; + +Se he Soldado, siga a Guerra, +E as funestas glorias della; +Ataque milhões de Fortes, +Mas deixe em paz o da Estrella; + +Tem figura, tem talentos; +Tem alta Estirpe preclara; +Oxalá que assim não fosse, +Ella então o desprezára; = + +Mas, Senhores, perdoai-lhes; +A's vezes na grande dor +Fallão palavras de raiva +A linguagem de amor; + +O Silva, o Authomato honrado,[1] +Anda mais abstracto, e mudo; +Põe o doce antes da sôpa; +Queima o Café, quebra tudo; + +[Nota de rodapé 1: Copeiro.] + +O hirsuto, austéro Rodrigues, +Semblante de poucas pazes, +Desafoga a sua dor, +Dando murros nos rapazes; + +Vossa Aya, de tres idades, +Em canto escuro assentada, +Vos manda calado pranto, +N'um cobertor abafada. + +Outras vezes esquecida +De quanto seu Fado he crú, +No queixo ajustando o lenço, +E sobrepondo o bajú: + +Ergue ao ar cansados ossos; +E sem temer ventos frios, +Tirando-lhe Amor o pezo +Dos gelados pés tardios; + +Do bom costume enganada, +E com a uzada cautela, +Para dar, e ter, bons dias, +Vos vai abrir a janela; + +A janela a desengana; +Renova-lhe a dor no peito; +Chama em vão o vosso nome, +Abraçando hum ermo leito. + +Do peito das mais Creadas +A saudade se não risca, +Desde as Ayas ralhadoras, +Té á ladina Francisca. + +E pois que o sangue de Reis, +Pois que a Augusta Ceremonia, +Bem a pezar das Creadas, +Vos trouxe a Santa Apollonia; + +Ide, Senhora, mil vezes +Curar-lhes a fresca chaga; +Seu pranto he filho de amor, +E amor com amor se paga; + +Na rica, airoza Berlinda, +Dando ao digno Espozo parte, +Aos patrios lares vos leve +Amor nos braços de Marte. + +O Téjo, abaixando as ondas, +Vossos pés virá beijar; +Vai das Ninfas que creou, +Ver a Ninfa Tutelar. + +Os Prazeres com os Rizos +Sejão a vossa equipagem; +Revôem em torno as Graças, +De quem sois a inveja, e a imagem: + +Entrai nos tectos dourados, +Hoje lugar de saudade; +Ide, dos braços do Amor, +Lançar-vos nos da Amizade; + +Levai-nos as doces noites, +Em que a voz que se escutava, +Sobre as azas da harmonia, +Nos nossos peitos entrava; + +Quando o Cómico travêsso, +Entre geitos, e corcovos, +Habilmente arremedava +Todos os Muzicos novos, + +O triste, calado Cravo; +Já não sente a déstra mão; +Apenas he perseguido +Pelo Senhor Dom João.[2] + +[Nota de rodapé 2: Menino.] + +Ide, Senhora, levar-nos +No vosso rosto a alegria; +Fazei á triste Junqueira, +O que faz o Sol ao dia; + +Mas, Senhora, a minha Muza +Tem talvez errado os Cultos; +Cuidando ter feito obsequios, +Talvez tenha feito insultos; + +Dirão, que, trocando as cordas +Forão meus sons desiguaes; +Que errei em fallar aos Filhos, +Sem fallar primeiro aos Pais. + +Que podia esta Embaixada +Se désse em mais habil mão, +Cumprir as leis da Saudade, +Sem violar as da razão; + +Mas, Penalvas, dito, dito; +Defendo o meu sacrilegio; +Sois tudo; mas não sois Noivos, +E he este o seu privilegio. + + + + +_No dia dos Annos da Illustrissima, e Excellentissima Senhora D. Maria +de Noronha, hoje Condeça de Valladares_. + + +Senhora, os pobres vestidos +Do vosso humilde Compadre, +Não o deixão ir aos Annos +Da sua Illustre Comadre; + +O conhecido Colete +De bordadas guarnições, +Encartado ha longo tempo +Em Colete das Funções; + +Sobre os seus cançados annos, +De humido Inverno Assaltado, +Cheio de invenciveis manchas +Me foi hoje apresentado; + +Em vão bemfeitor miôlo +Lhe esfrega o quarto offendido; +A minha choroza Mana +Dá o cazo por perdido; + +E se assim me apresentasse +A tão alta Companhia, +As suas nódoas serião +Manchas da seda, e do Dia; + +Do Tempo a fôice raivoza +Não me dá só hum revéz; +Além de me fazer velho, +Faz-me tambem descortez; + +Mas elle honrou hoje o Mundo; +Sois do Mundo ornato, e inveja; +Deo hoje mais huma paga +A' Illustre Caza de Angêja. + +Sua mão, que aperfeiçoa +Altos dons da Natureza, +A huns lindos, modestos olhos +Vai augmentando a belleza; + +Altêa a airoza figura +Sobre a das Graças moldada; +A huma alma a mais digna, e nobre +Dá a mais digna morada; + +Justo Tempo, eu abençôo +O teu poder desigual; +E em honra de tantos bens, +Eu te perdoo o meu mal; + +Cem vezes nas tuas azas +Nos mande este dia o Ceo; +As Virtudes o consagrem +Nos altares de Hymenêo. + +E Vós, Illustre Senhora, +Perdoai Coletes rotos; +Valem mais, que inuteis sedas, +Puro incenso, puros votos; + +Quiz mandallos em bons versos; +Suou em vão meu topete; +Fui achar a minha Muza +Como achei o meu Colete. + + + + +_A' Illustrissima, e Excellentissima Senhora Marqueza de Alegrete, +quando lhe nasceo huma Filha_. + + +Senhora, he couza sabida, +Que aos Deozes não são vedados +Os escondidos segredos +Do escuro livro dos Fados; + +E pois que em tempos antigos +Já tive alguma valia +Co'aquelle, a quem coube em forte +O governo da Poezia; + +Não esperando do Tempo +O vagarozo progresso, +E desejando augurar-vos +O vosso feliz successo; + +Na raiz do alto Parnazo, +Curvando o humilde joelho, +Exclamei = Se aqui se escutão +Votos de hum Poeta velho, + +Não te peço, esquivo Apollo, +Teus verdes, sagrados loiros; +Não aspirão a coroas +Desta testa os velhos coiros; + +Abre, sim, a densa nevoa +Do vindoiro tempo escuro; +E ante meus ávidos olhos +Rasga as sombras do futuro; + +Saiba meu justo dezejo +Quanto o destino promette +Aos nossos ardentes votos, +E aos da assustada Alegrete; + +O Deos, que nunca em mim vio +De Odes moiras a manía, +Que sem o assumpto honrarem, +Lhe deshonrão a Poezia; + +Que em Oiteiros de Oratorio +Não lhe puz a Lyra ao frio, +Arriscando-a a ter por paga +Ou pedrada, ou assobio; + +E muito mais porque vio, +Que da minha petição +Erão sagrados motivos +A amizade, e a gratidão; + +Fez fuzilar em meus olhos +Nova luz, vedada, e pura; +E de tudo o que então vi, +Vos vou fazer a pintura. + +Vi, Senhora, as loiras Graças +Com doce, e rizonho aspeito, +Tecendo engenhozas danças +Em torno de hum aureo leito; + +E abrindo as ricas Cortinas +Trazerem nos castos braços +O digno, e precioso Fruto +De Illustres, sagrados laços. + +Sobre o mimoso semblante, +Em que os seus dons inspiravão, +Dos mais altos Pertendentes, +Mil suspiros auguravão; + +Os Prazeres sobre as azas +O berço lhe rodeavão; +Fortuna lhe abria os cofres, +As Virtudes a embalavão; + +Vi Penalvas, vi Angejas, +Que aos Ceos mil hymnos mandavão; +Aos Ceos, que as duas Familias +Novamente abençoavão: + +Vi a roda das Creadas, +Que á Menina dando vai, +Humas, os olhos da Mãi, +Outras, a boca do Pai; + +Mas Apollo aqui fechando +As altas couzas futuras, +E deixando o pobre velho +Alegre, mas ás escuras; + +Me disse = Conta o que viste; +O mais, em tempo vindoiro, +Fiel, apurada historia, +O dirá em letras de oiro; + +Corri: mas trémulas pernas +Tem sempre estrada comprida; +E pois acho a profecia, +Gradas aos Ceos, já cumprida, + +Beijo respeitozamente +Estas faixas, que envolvêrão +Aquella, a quem dão a vida +Os que a minha protejêrão; + += Recebe, oh Recem-nascida, +Terno amor, alto respeito; +Teus Avós, teus claros Pais +Te derão este direito; + +E tu, Formoza Alegrete, +Que depois de erguida a meza, +Ficavas co'as velhas Aias +De mágicos filtros prêza; + +Quando eu a teus pés contava, +Mentirozo historiador, +Ora a do Caixão de vidro, +Ora a das Cidras do amor; + +Quando os mesmos tenros annos +A tua Filha contar, +Todos os dias virei +Meu officio exercitar, + +E em tanto, a pezar do tempo, +Que a fronte me vai gelando, +Com a rouca Lyra ás costas +Pelo Parnazo trepando: + +Vou sentar-me entre os Loireiros, +Que réga Castalia fria; +Onde revôam em bandos +Os genios da Poezia; + +E co'a testa descuberta +A' viração bemfeitora, +Traçarei mais dignos versos +Do que estes, que ouvis agora; + +Com tempo os irei fazendo; +O Deos também me fez ver, +Que sobre este mesmo assumpto +Tenho muito que escrever. + + + + +_Na occazião em que o A. hia ver o Varatojo_. + + +Meu Amigo, duro Amigo, +Fatal, rígido Banqueiro, +Motivo dos meus pezares, +Herdeiro do meu dinheiro; + +Em taes termos me deixaste, +Que sou deste rancho o nôjo; +E co'as lagrimas nos olhos +Parto para o Varatojo; + +Por ti filho da pobreza, +Irei ser naquelle mato, +Qual foi São Sebastião, +Não na vida, mas no fato; + +Vai tu seguindo a fortuna, +E leva a bandeira alçada, +De tarde na laranginha, +A' noite na Arrenegada; + +Até que voltando a roda, +Mande teu fado inimigo, +Que deixes crescer as barbas, +E venhas viver comigo: + +Vem, e traze o teu baralho, +Ministro dos meus destroços; +Farei do vicio virtude, +Apontando a Padres nossos; + +Vem viver entre altas brenhas; +Vem curtir as minhas dores; +Traze o pranto dos Parentes, +Traze as pragas dos Crédores. + +Não falla vão Agoureiro, +De cujas palavras rias; +Meus trabalhos me fizerão +Mestre nestas profecias. + +Não te fies em ventura; +Quem joga, tem o meu fim; +Outrem te dará os gostos, +Que tu me tens dado a mim. + + + + +_Resposta a huma Carta, que em boa Poezia citava o A. por huns Versos, +que tinha promettido_. + + +A tua polida Carta, +Que honrou hum Poeta razo, +Escrita em pura linguagem, +E assignada no Parnazo; + +Da mais injusta ambição +Traz testemunhos fieis; +Possues grossos thezoiros, +E citas-me por dez reis? + +Quem do doce Anacreonte +Bebeo o estilo divino, +Quer prostituir seus olhos +Co'as Trovas do Tolentino? + +Pago, em fim, divida louca; +Mas quem quer pontualidade, +Cuide tambem em pagar +As dividas da Amizade; + +Sabes que intento imprimir; +E porque o Povo não fuja, +Sabio Amigo, emenda, risca, +Põe sabão na roupa suja; + +Não te vendo falso íncenso; +Es Juiz da Confraria; +Oxalá que altos negocios +Se tratassem em Poezia; + +A Paz, a fugida Paz, +Voltára seu alvo cóllo; +E dera brandos ouvidos +A' branda Lyra de Apollo; + +Reziste humana cabeça +A' mais discreta razão; +Mas ao poder da harmonia +Não reziste o coração: + +Faze, pois, o que eu te peço; +Que inda que ha vótos diversos, +Se lhe pões a tua lima, +Quem morderá nos meus Versos? + +Dá-lhe, depois, teus louvores; +Comprará toda Lisboa, +Se huma vez te ouvir dizer = +Que comprem, que a Obra he boa; + +Farta-me a bolsa; e se queres +Ver tambem minha alma farta, +Manda riquezas de Athenas +Embrulhadas n'outra Carta. + + + + +_Offerecendo hum Perum em caza, aonde todos os Domingos davão ao A. este +prato_. + + +Senhora, tambem hum dia +Entrarei co'a frente erguida; +Não serei na vossa meza +Dependente toda a vida; + +Nem sempre abatido pejo +Dirá nesta cara feia +Quanto doe a hum peito altivo +Matar fome em caza alheia; + +Airozo, gordo Perum, +He meu soberbo prezente; +Traz inda as pennas molhadas +Co'pranto da minha gente; + +No Santo Dia esperavão, +Quebrando antigo jejum, +Cravar inexpertos dentes +Neste primeiro Perum; + +A russa, magra Jozefa,[3] +Ergueo queixume sentido; +Custou-lhe mais esta auzencia, +Que a do defunto Marido. + +[Nota de rodapé 3: Creada.] + +O loiro, alvar galleguinho +Chegou aos olhos seu trapo; +Tinha vistas sobre a carne, +E muitas mais sobre o papo. + +Seu almôço requerendo +Em luzindo a madrugada, +Na esquerda, grossa fatia +D'ambas as partes barrada; + +Na dextra, com branda cana +O seu pupîlo guiava; +Em tenras, públicas malvas, +Para si o apascentava; + +Quando lhe mandei trazer-vos +O bom companheiro seu, +Pedindo-me côxos mezes, +Me disse, que o trouxesse eu. + +Eu o trago; a offerta he pura, +Mas a tenção a envenena; +Traz escondida huma uzura, +Maior, que a da meia sena.[4] + +[Nota de rodapé 4: Partido de jogo.] + +Com hum sorrizo acceitai +O atraiçoado convite; +Vem a morrer huma vez, +Porque muitas resuscite. + +Curai todos os Domingos +A minha doença interna; +Sobre a meza milagroza +Seja esta ave, huma ave eterna; + +De outra, que finge a Poezia, +Trocai em verdade a pêta; +E seja hum negro Perum +A Fenis deste Poeta; + +Na ondada, pia toalha, +Co'a benção da vossa mão +Seus frios, despidos ossos, +De carne se cubriráõ; + +Consenti, que este ouco peito +Ao prodígio se consagre; +E que dentro em si colloque +A mór parte do milagre; + +Quanto ao Padre Prégador,[5] +Meu voto he não convidallo; +Porque ha de comer o assumpto, +Muito melhor que prégallo. + +[Nota de rodapé 5: Capellão da Caza.] + + + + +_A huma Preta, que pertendia que a obsequiassem_. + + +Domingas, debalde queres, +Nesse canto da Cozinha, +Vencer a invencivel teima +Da rebelde carapinha; + +Em vão te arripia a frente, +De que zomba o Deos de Amor, +Alvo côto de pomada, +Furtado do Toucador; + +Debalde tufado laço +De atadeira fitta Ingleza +Te assombra a lêveda pôpa, +Rissada por natureza. + +Debalde altêas as ancas, +Esguias, e enganadoras, +Co'as velhas algibeirinhas, +Que vão deixando as Senhoras, + +Amor, fingindo dotar-te, +Te poz, com traidora mão, +Junto dos dentes de neve, +Faces tintas de carvão; + +Inda que ancião pezado, +Desprézo teus vãos intentos; +Debaixo de murchas cans +Nutro altivos pensamentos. + +Vejo a quebrada madeixa +Já tornada em gêlo frio; +Tudo o tempo me levou, +Mas não me levou o brio. + +Debaixo da Zona Ardente +Jurar-te-hia amor, e fé; +Mas não tem culto na Europa +As Deidades de Guiné; + +Se ás vezes te ponho os olhos, +Não he de amor sinal certo; +São dezejos de levar-te +A' caza de João Alberto.[6] + +[Nota de rodapé 6: Comprador.] + +A engomada cazaquinha +Te descobre novas faltas; +Para outro corpo foi feita, +Dizem-no as feições mais altas. + +Já n'outros pés teus çapatos +Soffrêrão do tempo o açoite; +Cansada, fendida sêda, +Mostra dedos côr da noite; + +E pois que a Amor queres dar-te, +Eu te aponto hum Xafariz, +Onde aches dignos amantes +Assentados em barris; + +Acharás o Pai Francisco, +Homem a bulhas contrario, +Já duas vezes Juiz +Na Irmandade do Rozario; + +Acharás o forro Antonio, +Que o tabaco, e vinho enjôa; +E tem nos calmozos Junhos +Caiado meia Lisboa; + +Verás esbelto Crioilo, +Dado ao vento o peito nû, +Levantando airosos saltos +No manejo do barubû; + +Que ávidos cães enxotando, +Tem, com braço arregaçado, +Nas êrmas praias do Téjo +Cem cavallos esfolado; + +Nestes, vaidoza Domingas, +Assenta bem teu amor; +Chovão settas de teus olhos +Em peitos da tua côr; + +Vai da janella da escada +Acolher, com doce agrado, +Os suspiros que te envião, +Ao som do londum chorado; + +E deixa de atormentar-me +Com tuas loucas idéas; +Também sinto dores proprias, +E escuto pouco as alhêas; + +Sim, Domingas, nós marchamos +Na mesma infeliz estrada; +E do amor, que eu te não pago, +Assaz estás bem vingada; + +Tu puzeste em mim teus olhos, +E eu fui pôr em Marcia os meus; +Que me paga mil extremos, +Assim como eu pago os teus; + +Marcia, que em alçando os olhos, +Mil settas nesta alma crava; +E em cuja caza tu tens +A dita de ser escrava; + +Tens-me a mim por companheiro; +Temos o mesmo Senhor; +Tu, por cazos da fortuna, +Eu, por castigo de Amor; + +E pois que eu não posso amar-te, +Seguirás melhor esteira, +Se de meus ternos suspiros +Quizeres ser mensageira; + +Em vendo que ella está só, +Vai-lhe expôr a paixão minha; +Eu peço a Amor, que entretanto +Tóme conta na cozinha; + +Amor lavará teus pratos, +E escumará a panella, +Em quanto tu a seus pés +Dizes, que eu morro por ella; + +Teus grossos, trombudos beiços, +Lhe vão expôr meus cuidados; +Hão de ser melhor ouvidos, +Que sendo por mim contados; + +Pinta-lhe as lagrimas tristes +Em que meu rosto se lava; +Por hum infeliz cativo +Peça huma ditoza escrava; + +Dize-lhe, que não se assuste +De meu cabello nevado; +Jura-lhe que não são annos, +Mas penas, que me tem dado; + +Que a cauza das minhas rugas +He o seu desabrimento; +E vai da minha velhice +Fazer-me hum merecimento; + +Ah Domingas, se em seu peito +Me fazes achar piedade, +Tambem eu juro fazer +A tua felicidade; + +E pois que o teu coração +Sómente he baixo, e grosseiro, +Em preferir liberdade +A tão feliz cativeiro; + +Por amor serei mesquinho; +Meus gastos verás cortar; +Para ajuntar-te quantia +Com que te possas forrar; + +Cheia de teus beneficios +Minha mão agradecida +Te irá pôr em larga praça +Rendozo modo de vida; + +E assentada em novo estrado, +De fasquiada madeira, +Ondeando ao som do vento +Trémulo tecto de esteira, + +Teus negros, airozos braços, +Chocalhando hum assador, +Encherão famintos peitos +De castanhas, e de amor; + +Terás bojudas tigellas +Sobre incendidos tições, +Onde fêrvão em cardumes +Saborosos mexilhões; + +Teus doces, sonóros écos, +Sem mentir, apregoaráõ +O azeite de Santarem, +O cravo do Maranhão. + +Domingas, segue esse rumo; +Que teu amor reloucado, +Sem te fazer venturoza, +Me deixa a mim desgraçado; + +E se sem dó dos meus ais, +Teimas nos projectos teus, +Fallando nos teus amores, +Em vez de fallar nos meus; + +Trocando boa amizade +Por entranhado rancor, +Vou descubrir teus intentos +A teu austéro Senhor; + +Que em zelo honrozo inflammado, +Sem ser precizo atiçallo, +Vai a caza do Lagoia[7] +Trocar-te por hum cavallo. + +[Nota de rodapé 7: Comprador] + + + + +CARTA + + +_A hum Amigo, louvando-lhe o estado de cazado_. + + +Foi este o ditozo dia, +Que te deo a Espoza bella; +Doce, sólida alegria, +Para ti, junto com ella, +No mesmo berço nascia; + +Por tua maior ventura, +Natureza lhe quiz pôr, +Entre os Dons da Formozura, +Outro dote inda maior, +Que he, alma innocente, e pura; + +Eu sei teu costume antigo, +A Mulher, que he só formoza, +Não vale tudo comtigo; +Soubeste escolher Espoza, +Em quem tens Espoza, e Amigo; + +Quer sempre ter hum Senhor +Nosso humano coração; +E na ventura maior +Inda sente em si hum vão, +Que só enche o casto amor; + +De quantos males te eximes, +Dando ao teu tão bom Senhor? +Damnozas paixões reprimes; +Recebes das mãos do Amor +Os prazeres, sem os crimes; + +Céga mocidade errada, +A' conjugal união +Quiz chamar vida cansada; +Diz que he triste escravidão, +De mil pensões carregada. + +Chama á paz hum dissabor; +Diz, que de susto, e desdens +Se alimenta o Deos de Amor; +E que a certeza dos bens +Lhes diminue o valor; + +Fechão olhos á verdade, +Caminhando apôs seus erros; +E em falsa tranquilidade, +Ao som de pezados ferros, +Vão cantando liberdade; + +Mil remórsos na alma estão, +Que inda que o rosto os suffoca, +Roendo as entranhas vão; +Que importa rizo na boca, +Se ha punhaes no coração? + +Amor he fogo sublime, +Que nas almas se accendeo; +As outras paixões reprime; +Elle he dadiva do Ceo, +O abuzo he que o faz ser crime; + +Beija, Amigo, os teus grilhões; +Hum para o outro erão feitos +Os vossos bons corações; +Crava em vossos ternos peitos +Santo Amor os seus farpões; + +Onde achas pessoa estranha, +Que não contrafaça o rosto, +Porque vê, que assim te ganha? +Quem he que na pena, ou gosto, +Com verdade te acompanha? + +Contas teus cazos sem medo +A quem por amigo passa; +Fiaste-te em rosto lêdo; +Foste no meio da praça +Assoalhar teu segredo; + +Mal os homens conheceo +Pura amizade enganada, +O santo rosto escondeo, +E tornou-se envergonhada +Para o Ceo, donde desceo; + +O amigo que te rodeia, +Véste das tuas paixões; +Com ellas te lizonjeia; +São raros os corações, +Em que dôa dor alheia; + +Quando acertares de ler, +Que houve entre homens união, +O Escritor a quiz fazer; +Não os pintou como são; +Mas como devião ser; + +São coizas imaginadas +Dos _Nizos_ o amor profundo; +São fábulas bem contadas; +Ou os não houve no Mundo, +Ou não deixárão pégadas; + +Puro amor, limpa verdade, +Só entre Esposos estão; +Desce a elles a Amizade; +Traz-lhes co'a santa união +Huma só alma, e vontade; + +Communica á Espoza amada +Teus mais internos cuidados; +E vive em paz descançada +A vida dos bem cazados, +Vida bemaventurada; + +Sem receio de perigo +Dorme sono saborozo; +Que não tens junto comtigo; +Lisonjeiro suspeitozo, +Traidor, com rosto de amigo; + +Tens por doce companhia +Aquella, que o justo Ceo +Com mil virtudes te invia; +Tu es o cuidado seu, +E como seu, te vigia; + +Goza em socego profundo +Tão pura felicidade; +Tens hum thezoiro fecundo; +Tens amor, tens amizade, +Tens todos os bens do Mundo. + +E se ha entre homens desvelo +(Coiza que aqui contradigo) +Conta com hum, que he singelo; +E foi sempre teu amigo, +Quanto os homens podem sêlo. + + + + +CARTA + + +_Ao Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Conde de Villa Verde D. Jozé +de Noronha, hoje Marquez de Angeja_. + + +Senhor, eu não sou culpado; +Traçar outros Versos quiz; +Mas tenho perdido o trilho +Com as Trovas do Luiz; + +A Muza, que ha pouco as fez, +Outra rima não me inspira; +Por mais que mordo nas unhas, +E que em vão tempéro a Lyra. + +Acceitai meus bons dezejos; +E como homem de razão +Não desprezeis baixos Versos, +Quando os dicta o coração; + +Minhas fiéis expressões, +Filhas de amor, e saudade, +O que não tem em poezia, +Lhe vai supprido em verdade. + +Em quanto co'as soltas vélas, +Forçadas do vento rijo, +Demandava a Galeota +Os areaes do Montijo; + +Em quanto ao Principe Augusto +O patrio Téjo se humilha, +E sobre os rasgados hombros +Lhe leva a soberba quilha; + +Meus olhos, meus tristes olhos, +Nas aguas seguindo a esteira, +De lagrimas se arrazavão +Sobre as praias da Junqueira. + +Dentro do cansado peito +Se ateou crua peleja; +Senti huma guerra viva +De saudades, e de inveja; + +Não era de baixa inveja +Affecto grosseiro, e injusto; +Era invejar ao Creado +Ir junto a seu Amo Augusto. + +Senhor, não sou atrevido; +Ha lugares derradeiros; +O meu dezejo me punha +Entre a chusma dos Remeiros; + +Com as faces açoitadas +Dos agudos ventos frios, +Entre os borrifos das ondas, +E as pragas dos Algarvios; + +A Apóllo pedindo a Lyra, +Que só para isto invéjo, +Chamára das frias grutas +As loiras Filhas do Téjo; + +Que escutando o som divino +Entre as húmidas moradas, +E levantando nas ondas +Suas cabeças doiradas; + +De tal Hospede soberbas +O lenho rodearião; +E as aguas co'branco peito +A' porfia lhe abririão; + +O fatídico Protêo, +Cheio de saber divino, +Revelára ao novo Heróe +Os segredos do Destino; + +Famozas acções cantára, +Levantando a sábia voz, +Moldadas sobre as historias +Dos Augustos Pais, e Avós: + +Mas, Senhor, a minha Muza +Sem tino ao ar se remonta; +E vai-se mettendo em obra, +De que não póde dar conta; + +Esta levantada empreza +Até a _Boileau_ deo sustos; +Dizia que só Virgilios +Podião louvar Augustos; + +He queimar-lhe baixo incenso, +Cansallo com Versos frios; +Amor respeitoso, e votos +Serão os meus elogios: + +Vós, Illustre Villa Verde, +Com quem sempre me hei achado, +Fazei que seja o meu nome +A seus ouvidos levado; + +Se lhe der acolhimento, +Sigamos de Horacio as traças, +Façamos que a par das Muzas +Marchem as rizonhas Graças; + +Dizei-lhe, que na Folhinha, +Com letras doiradas puz +Aquelles formozos dias +Das escadas de Quéluz; + +Aquelles dias ditozos, +Quando a seus pés ajoelhado, +Era ao abrigo das Muzas +Benignamente escutado; + +Quando, tendo já traçado +Melhorar-me os meus destinos, +Se dignava perguntar-me +Como estavão os meninos. + +Quando me mandou, que em verso +Contasse como escapára +Naquelle funesto encontro +Dos taes Carreiros da Enxára;[8] + +[Nota de rodapé 8: Allude ás Decimas.] + +E se inda o favor mereço +De tão alta Protecção, +Dizei, que mudei de Officio, +Porém de ventura, não; + +Que não me enganão zumbaias +Dos humildes Supplicantes; +Porque a bolsa mais sincera +Trata-me inda como dantes. + +Que inda os cães atrás do Russo +Esperão nelle a merenda, +Quando eu vou para Lisboa +Fazendo Versos, e renda; + +Que dando aos oucos ilhaes, +Vai marchando triste, e só; +Que as mais seges fazem sécia, +Porém que a minha faz dó; + +Que até o boçal Gallego, +Que eu tinha por innocente, +Já me conhece a fraqueza, +E já me revíra o dente; + +Depois, que as vélas de cebo +Já cerceia no topete, +E vai conquistar o Bairro +De polainas, e colete; + +Depois que em chapeo de Braga, +Que só põe em dia claro, +Cozeo em devota rosca +Candêa de Santo Amaro; + +Depois que em déstros meneios +O suado corpo bole, +E abre guerra ás Cozinheiras +Ao som da Gaita de fole; + +Já responde focinhudo, +E eu me cálo as mais das vezes; +Porque, pelos meus peccados, +Sou réo de huns poucos de mezes: + +Mas, Senhor, este Epizódio +Vai sendo dos arrastados, +O Gallego veio nelle, +Como me vai aos recados; + +Se o julgardes enfadonho, +Ao Principe o não conteis; +Nos factos da minha vida +A' vontade escolhereis; + +Pintai-lhe a triste familia, +Gritando-me por dinheiro; +Hoje o rol de hum Alfaiate, +A' manhã o de hum Tendeiro; + +Pintai-lhe hum Procurador, +Que aqui vem todos os dias +Saber da minha saude +Da parte das Senhorias;[9] + +[Nota de rodapé 9: Das Cazas.] + +Enfeitai de côr alegre +A funesta narração; +Marchão ás vezes os rizos +Ao lado da compaixão; + +E pois que os vossos esforços +Nunca me tem sido vãos, +Acabai, benigno Conde, +Esta obra das vossas mãos; + +De hum mal fadado Poeta +Trocai em prazer as penas; +Já diante d'outro Augusto +Fez o mesmo outro Mecenas. + + + + +CARTA + + +_No dia dos Annos do Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Marquez de +Angeja D. Jozé de Noronha, estando o Author doente_. + + +Senhor, se vos são acceitos +Pobres Versos, mal limados, +Entre vidros, e receitas, +Em triste leito traçados; + +Se de hum sombrio doente +A fúnebre poezia +Os prazeres não perturba +Deste faustissimo Dia; + +Consenti, que a branda Lyra, +Por vós outr'ora escutada, +E que teimoza molestia +Tem ha muito pendurada; + +Sobre este cansado peito, +Ferida com debil mão, +Mande ao Ceo singelos hymnos, +Nascidos do coração; + +Consenti, que eu louve o Dia, +Para mim assinalado, +Qne raia em nosso Horizonte, +De nova luz coroado; + +Dia, que vos vio nascer; +E que quiz trazer comsigo +Quem une ao nome de Grande, +O santo nome de Amigo; + +Quem não quer só a Nobreza +De Illustres Antepassados; +E mais ama huma virtude, +Que cem Titulos herdados; + +Quem sabe, que o vir honrar +Dos pequenos a baixeza, +He entre os que nascem Grandes +A verdadeira Grandeza; + +Quem a favor de infelizes +Traz sempre occupada a idéa; +E estima a fortuna propria, +Só para fazer a alhea; + +Cem vezes, formozo Dia, +Vem o Horizonte doirar; +Nunca possão negros ventos +Tuas luzes perturbar; + +Tu nos déste em peito illustre, +Que se doe de alheios ais, +Hum coração adornado +De mil Virtudes Morais; + +Senhor, eu não doiro enganos, +Que venal lizonja approva; +Sabidas verdades digo, +E sou dellas huima prova; + +Sou hum dos muitos exemplos +Do vosso bom coração; +A minha felicidade +Foi obra da vossa mão; + +Razoando em meu favor +Contra teimozos destinos, +Felizmente pleiteastes +A cauza dos meus Meninos; + +Ao bom Principe pedistes, +Que com mão compadecida, +Lhes concedesse humas ferias, +Que durassem toda a vida; + +Pedistes depois, Senhor, +Que a sua Real Grandeza +Se dignasse de arrancar-me +D'entre os braços da pobreza; + +Sei que nelle he natural +Ter dó das alheias penas: +Mas ouve-as melhor Augusto, +Quando lhas conta Mecenas; + +Por este modo alegrastes +A triste familia minha; +E em caza nos levantastes +O Interdicto da Cozinha: + +Já hum segundo Frizão, +Pendurada a lingua velha, +Dá reboque, como póde, +A' antiga meia parelha; + +Já o sórdido Gallego, +Meu antigo companheiro, +De gravata, e carrapito +Arvorado em Boleeiro; + +Açoitando surdas ancas +De dois Sendeiros roazes, +No mesmo Bairro apregôa, +Ora barrîs; ora pazes; + +Mas, Senhor, deixando graças, +Pois não as pede a materia, +E pedindo á minha Muza, +Que seja comvosco séria; + +Rogo ao Ceo vos dê mil annos, +Já que são tão bem gastados; +Annos que achareis depois +Em Livro de Oiro apontados; + +E se em dia de Mercês +Ides de Semana entrar, +Seja a Mercê destes Annos +O meu nome apprezentar. + +Ao Principe, ajoelhando, +Em favoravel momento, +Por mim, Senhor, lhe jurai +Eterno agradecimento; + +E eu, em largando este leito, +Já sei a hora opportuna +De poder ajoelhar-lhe, +Quando elle chega á Tribuna; + +E pondo-me ao pé do Ginja, +Que na _Náo Ajuda_ falla; +E faz a todos os _Glorias_ +Continencias co'a vengalla; + +Surdo á historia do naufragio, +Com que elle ás vezes me afferra, +Rezarei ao Deos do Ceo, +E assistirei aos da Terra. + + + + +CARTA. + + +_Tendo mandado huma Senhora ao Author Vinho da Madeira com huma Carta em +boa Poezia_. + + +Hum humilde admirador +Da vossa bondade, e estilo, +Beija a Carta precioza, +Que veio honrallo, e instruillo; + +Desde hoje, do Mestre Horacio +Minha alma a lição escuza; +Quiz a minha Bemfeitora +Ser tambem a minha Muza; + +De fino licor mandastes +A minha cava prover; +A vossa mão generoza +Sabe dar, como escrever; + +A' parca meza assentado, +Em Vinho, e Carta pegava; +Hia bebendo, hia lendo, +E tudo me embebedava; + +Deixo o velho Anacreonte, +Hoje mettido a hum cantinho; +Sua meza nunca teve +Tão bons Versos, tão bom Vinho; + +Se os teve, Vós o roubastes +Por minha felicidade; +Já cá tem o Vinho, e os Versos +Quem delle só tinha a idade; + +Das escumas do Madeira +Vejo nascer a alegria; +Com as azas affugenta +A minha melancolia; + +Já se perturba a cabeça; +Já tenho emprestadas cores; +Já começão a esquecer-me +As molestias, e os Crédores; + +O tal Horacio enganou-se; +Não conhecêo a parreira; +Não se chamava Falerno; +Se era bom, era Madeira; + +He bom, mas tira o juizo; +Mandai-mo, em vez de o beber; +Não se arrisque neste jogo +Quem tem tanto que perder. + + + + +CARTA. + + +_Desculpando-se o Author de não ir a huns Annos_. + + +Senhora, em honra do Dia, +Esforçando a mão pezada, +Tómo a Lyra, ha longo tempo +Ao silencio consagrada; + +E em quanto lhe alimpo as cordas, +Que bolor aos dedos dão, +E atarantadas aranhas +Despejando o bêco vão; + +C'os olhos ao ar alçados +A' minha Muza pedia +Me désse sonóros Versos, +Dignos de Apollo, e do Dia; + +Que me ensinasse a louvar +O ditozo Nascimento, +Que ao vosso brilhante Séxo +Trouxe mais hum ornamento; + +Que pintasse a loira Venus +Vosso rosto bafejando; +Que me mostrasse as tres Graças +O rico berço embalando; + +Que me ensinasse a cantar, +Cingida a testa de loiro, +Huns claros, triunfantes olhos, +Huns finos cabellos de oiro; + +Que me fizesse augurar, +Rasgando ao futuro o véo, +Amor consagrando as settas +Nos Altares de Hymenêo; + +Mas as Muzas, como as Ninfas, +Tem para mim os pés mancos; +Fogem de trémulas vozes, +Tremem de cabellos brancos; + +Fiquei, pois, desamparado; +E merecendo desculpa, +De não vos mandar bons Versos, +Peco perdão, sem ter culpa; + +Sei que devia ir pedillo +Respeitozo, e diligente; +Mas impede-me essa honra +Hum defluxo impertinente; + +E quem em caza traz botas, +E vinte xaropes bebe; +E quando fahe, fahe mettido +N'uma loge de Algebebe; + +Se fosse em tempo invernozo +Entrar na illustre Assembléa +Com leve, ingleza cazaca, +Fina, transparente mêa; + +Sem acabar cumprimentos, +Logo o corpo arripiado, +Gelada a voz sobre os beiços, +Cahiria constipado; + +E o Marcos largando os bules, +Pondo o Velho em quentes pannos, +Entre os applauzos dos vossos, +Praguejaria os meus annos; + +Vossa bondade não quer +Pôr o Cortezão em risco, +De ir com Habito de Christo, +E vir no de S. Francisco; + +Acceitai dahi meus votos; +Daqui a mão vos beijei; +E dos doces que não como, +Domingo me vingarei; + +Darei escumantes copos +Ao perum, e aos môlhos seus; +Brindarei os vossos Annos, +Tratando mui bem dos meus. + + + + +CARTA. + + +_Aconselhando a hum Cebelleireiro, que não continuasse a fazer Versos_. + + +Pois que o talento inquieto +Até em poezia provas, +E queres ás mais desgraças +Ajuntar desgraças novas; + +Pois, que em galantes cantigas +Teu Rival puzeste razo, +E coroado de trovas +Vás entrando no Parnazo, + +Quero em trovas avizar-te, +Que ha baixîos nesta barra; +Vou ser Prégador trovista, +Vou ser hum novo Bandarra; + +A occupação de Poeta +He nobre por natureza; +Mas todo o Officio tem ossos, +E os deste são, a pobreza; + +Os dentes do bom Camões +Sejão fieis testemunhas; +Muitas vezes esfaimados +Não achárão senão unhas; + +Depois que seus frios olhos +Se fechárão no Hospital +Logo as Filhas da Memoria +Lhe erguêrão Busto immortal; + +De que serve honra tardia? +Bem sei, que o rifão vem torto; +Mas faz lembrar a cevada, +Que se deo ao asno morto; + +Só as Muzas o chorárão; +E o enterro devia ser +Como hoje nos pinta o Lobo +O de João Xavier. + +Homéro, o divino Homéro, +Honra de antigas Idades, +Por cujos inuteis ossos +Brigárão sete Cidades; + +Doces Versos recitando, +Pela Grecia discorria; +Tinha os Thezouros de Apollo, +E esmola aos homens pedia; + +Mas se de Authores antigos +Tens tido pouco exercicio, +Eu te aponto hum bem moderno, +E até do teu mesmo Officio; + +Foi este o famozo Quita, +A quem triste fado ordena, +Que a fome lhe traga o pentem, +E da mão lhe tire a penna; + +Em quanto na suja banca +Pobre tarefa tecia, +Seu espirito sublime +Sobre o Parnazo se erguia; + +Cozendo sobre o joelho +Era dura, falsa cáveira, +A sua alma conversava +Com Bernardes, e Ferreira; + +Mil vezes travêssas Muzas +Da baixa obra o desvião; +E mostrando-lhe o tinteiro, +Pós, e banha lhe escondião; + +Mas de que servem talentos +A quem nasceo sem ventura? +Vale mais, que cem Sonetos, +A peior penteadura; + +Amigo, vamos errados; +Escolhemos muito mal; +He o fado dos Poetas +Não professarem real; + +Péga no pardo baralho, +E sobre a cama assentado, +Fisga as biscas conhecidas +Ao parceiro descuidado; + +Matando boçaes tafûes, +Vai mexendo os papelinhos; +Nem poupes no cadafalso +As gargantas dos Sobrinhos; + +Em lhe vendo huma de seis, +Arma-lhe os laços viscozos; +Antes que lhe caia a xina +Na ceira dos laparozos; + +Imita ondados cabellos +Co'rubro lápis na mão; +Estas pinturas dão xina, +As da Poezia, não; + +Se em roda de loiras Ninfas +Gyrão em torno teus ais, +Em quanto lhe deres Versos, +Acharás sempre Vestais; + +Fallo como exprimentado; +Fallo com peito sincero, +Póde huuma vara de fitta, +Mais que a Ilíada de Homéro; + +No sonóro bandolim +Fortuna as armas te deo; +Não ha Dama, que rezista +A' moda do Melibêo; + +Toca-lhe mil contradanças; +Mas se não tiverem Dom, +Entre ellas não sevandiges +O Fidalgo Cotilhom; + +Nestas coizas he que eu creio; +Poezia he mal fadada; +Assenta, amigo Luiz, +Que nunca servio de nada; + +Poucas Damas a conhecem; +Se a pedem, e se a festejão, +Gostão do que não entendem, +Pedem o que não dezejão; + +Inda que por moda querem, +Que lhes repitão Versinhos, +Tem por modas de mais gosto +Convulsões, e Jozézinhos; + +Huma Venus me pedio, +Por quem inda eu hoje peno, +Que lhe fizesse hum Soneto, +Inda que fosse pequeno; + +Dinheiro, invisto dinheiro, +Só em ti he que eu me fundo; +Tens o Direito da força, +És o Tyranno do Mundo; + +Amigo, escolhe hum Paralta, +Corpo esbelto, perna teza, +O chapeo tocando as nuvens, +As fivellas á Malteza; + +Ornem-lhe loiros canudos, +Pendentes com igualdade, +Tenras faces, onde morão +A Saûde, e a Mocidade; + +Chegue á bocca rubicunda +Cheirozo lenço anilado; +Dê bilhetinho discreto, +De huma Novela furtado; + +Põe da outra parte hum Ginja, +Fivella de oiro no pé, +Bom vestido de lemiste, +Boa meia grudifé; + +Com óculos no nariz, +Mas com a penna na mão, +Assignando vinte letras +Para Londres, e Amsterdão; + +E dize-me, qual assentas, +Que será o mais querido? +Apósto, que as Damas todas +Cuidão que o Velho he Cupido. + +Amigo, tenho acabado +O meu comprido Sermão; +Préguei-te as altas verdades, +Que trago no coração; + +Abre mão das Poezias, +Que nenhum prestimo tem; +E cuida em sólidos meios +De ganhar algum vintem; + +Se dizes, que contra os Versos, +Em Verso huma Carta ordeno, +E que aqui me contradigo, +Praticando o que condemno; + +A teu forçozo argumento +Respondo com Fr. Thomaz; +Faze o que o Prégador diz, +Não faças o que elle faz. + + + + +CARTA. + +_Pedindo-se ao Author huma Gloza_. + + +Menino, dizer finezas, +Só o proprio Pertendente; +Amor não póde imitar-se, +Só o pinta quem o sente; + +Se adora alguma Nerina, +Se he para ella a tal Gloza, +Que vão fazer os meus Versos, +Onde está a sua proza? + +Além disso, essa figura, +Faces tenras, e córadas, +Fallão mais discretamente, +Que mil Cantigas glozadas; + +Lenço nas pontas bordado, +Cipó, tízicas fivellas, +Sobre hum corpo assim talhado, +Se eu gósto, que farão ellas? + +Versos são mui fracas armas +Para vencer corações; +He clara a letra redonda, +Leia a vida de Camões; + +Sua divina Poezia +Teve mui curtos poderes; +Tratarão-no mal os homens, +E inda peior as mulheres; + +Pois entra de amor na estrada, +Siga nella outro farol; +Embuce-se a huma esquina, +Soffra chuva, soffra Sol; + +Erga alli o Altar do Amor; +Queime alli humilde incenso; +Suba ao alto do capote +Branco, alcoviteiro lenso; + +Que importa que os Çapateiros +Dem assobio insultante, +Se os negocios vão marchando +Com passadas de Gigante? + +Cem vezes na mesma tarde +Pize esbelto a feliz rua; +Alheias cadeias de aço, +Relogio de hollanda crua; + +Vá por aqui, que por Versos +Dá em vão loucas passadas; +São divertimento inutil, +São as historias das Fadas; + +Inda que para cantallos +Lhe désse Garção a Lyra, +Como hão de crer-lhe verdades +Na linguagem da mentira? + +Seja acérrimo chorão; +Pranto entendem raparigas; +Faça em lagrimas seu fundo, +E não o faca em Cantigas; + +Palêe co'estes remedios, +Pois não tem o verdadeiro; +He elle (aqui em segredo) +O mílagrozo dinheiro; + +Mas se teima em pedir Versos, +E conselhos não supporta, +Então perdôe, meu Menino, +Póde bater a outra porta. + + + + +CARTA. + + +_Agradecendo alguns pratos, que despertárão a vontade de comer_. + + +Senhor, a dada Perdiz, +Acerejada, e fresquinha, +Veio emendar os estragos +Da enjoativa gallinha; + +Esta ave he sempre odioza +A melancólicos dentes; +Faz lembrar ultimos caldos +De já perdidos doentes; + +He, além disto, hum cruzado +Fugido do mialheiro; +Este meu mortal fastio +Custou rios de dinheiro; + +Mas da vossa lauta meza +Bocados medicinais +Forão tão bem applicados, +Que me curárão de mais; + +Venceo vosso cozinheiro +O tal fastio cruel; +Meu estomago já pede +Meças com Fr. Manoel; + +Mas, Senhor, vossa piedade +Vai ser-vos hum dom fatal; +Quizestes fazer hum bem, +Que redunda em vosso mal; + +Fizestes nascer a fome, +E a fome pede mantença; +Se a deixais entregue a mim, +Póde morrer á nascença; + +A vossa filha amparai; +Não he de peitos honrados +Pôr as suas Creaturas +Na Roda dos Engeitados. + +Em soando as duas horas, +Sabei que esta cara minha +Tem longos, ávidos olhos, +Fitos na vossa Cozinha; + +Eu não vou, porque inda fraco, +Indo arrostar ar delgado, +Antes de matar a fome, +Morreria constipado. + + + + +CARTA + + +_Sobre o mesmo Assumpto_. + + +Senhor, assim que eu largar +A baetal fatiota minha, +Vou beijar as pias lágeas +Da vossa farta Cozinha; + +Não foi attento Hespanhol,[10] +Receitando amarga quina, +Quem venceo meu mal co'as armas +Da fallivel Medicina; + +[Nota de rodapé 10: Medico.] + +Vós sabeis traçar receitas +Mais gratas, e mais felizes: +Curárão-me oppostos males +Bem applicadas Perdizes; + +Humas o appetite abrírão, +Outras socêgo lhe dão; +Sarárão as duas chagas +Co'pêllo do mesmo cão: + +Dizem linguas inimigas, +Que esta doença he ficticia; +E os Práticos do meu pulso +A capitúlão malicia. + +Que em meu capote abafadas +Estas goellas felizes, +Em vez de cozerem lynfas, +Estão armando ás Perdizes; + +Senhor, não devo atalhar +Este conjurado assédio; +Porque era, provar doença, +Ingratidão ao remédio; + +Só digo, que não ganhais, +Dando ouvido ás vozes suas; +Aqui dais-me huma Perdiz, +E se lá vou, tiro duas. + + + + +CARTA. + + +Bom Sobral, o que eu te disse +He, a meu pezar, verdade; +Sonóros, amenos versos, +São obra da Mocidade; + +Mandaste que em Crescentini; +Louvando a doce harmonia, +O que o Mundo diz em proza, +Eu lho enfeitasse em Poezia; + +Que invocando as brandas Muzas, +Encostada ao peito a Lyra; +Cante os ternos sentimentos, +Que elle nas almas inspira; + +Môço Sobral, tu ignoras +Da inerte velhice os damnos; +Nesta fria testa brigão, +Co'teu preceito, os meus annos: + +Que importa, que a huma orelha +A tua voz respeitada +Me mande afinar a Lyra +Ha dez annos pendurada, + +Se á outra me diz Apollo, +Que eu sou já dos reformados; +Que em seu Tribunal não tornão +A servir Apozentados? + +Longa idade, he longo mal; +Velho, só he bom o Amigo; +O teu mesmo Crescentini +Ha de provar o que eu digo: + +Este homem, que a seu arbitrio +Move as humanas paixões; +Que traz na sua voz o sceptro +Dos sensiveis corações; + +Que nos deixa duvidozos +Quaes forças maiores são, +Se os encantos da harmonia, +Ou se a viveza da acção; + +Que em mim, que sou homem duro, +E rebelde ás Leis primeiras; +Que não chóro nos mais homens +As desgraças verdadeiras; + +Que, insensivel, vi no Circo +Burlesco Neto arrastado +Deixar co'a rôta cabeça +O terreno ensanguentado; + +Que vejo com olhos seccos, +Com firme semblante inteiro, +Fugir-me n'um parolim +O meu ultimo dinheiro; + +Que em mim, digo, arranca pranto; +Que amolga hum peito de seixo; +Que muita vez co'chapeo +Encubro o trêmulo queixo; + +Que quando dos tenros Filhos +Chorava o triste destino, +Tinha este peito de bronze +O coração de Sabino; + +Este homem, que solto o panno, +Vivas vem á força ouvir; +Se cantar de hoje a déz lustros, +Em vez de chorar, faz rir; + +Sobre os levantados áres +A envergonhada Harmonia, +Batendo apressadas azas, +Do seu Filho fugiria; + +E o Jeronymo estendido[11] +Co'as pernas nos tamboretes, +Cabeceára entre as rimas +Dos ociozos bilhetes; + +[Nota de rodapé 11: O Vendedor dos bilhetes.] + +E cuidavas tu, que a foice +Que a taes dons ha de pôr fim, +Que ha de ferir Crescentini, +Me tinha poupado a mim? + +Se eu hoje fosse aos Oiteiros, +Onde já tive elogios, +Dir-me-hião crueis verdades +Mil sinceros assobios; + +Este Genio dos Poetas +He fugitivo, e mesquinho; +A' primeira cam nos deixa +Na ametade do caminho; + +Não he irmão do teu Genio, +Este estende mão segura; +Acompanha os seus Valídos +A' borda da sepultura; + +Fará que sempre as desgraças +Em tristes peitos emendes; +Que sigas sempre os exemplos, +Que dentro de caza aprendes; + +Lastima, pois, minhas rugas, +Que até me cauzão o mal +De faltar ao teu preceito, +E a louvar hum homem tal; + +Mas vasto, cheio Theatro, +Que elle encalma em tempo frio, +Falla melhor, que dez Odes, +He mais util elogio; + +E nelle estas velhas mãos +Co'as forças que nascem d'alma, +Darão, em lugar de Versos +Muito pinto[12], e muito palma. + +[Nota de rodapé 12: Cruzado novo.] + + + + +CARTA + + +_A huma Senhora, que em bons Versos pedio ao A. a Sátyra do Velho_. + + +Senhora, o Quadro pedido +Não estava retocado, +Mas brevemente o remetto, +Deixai isto ao meu cuidado; + +Mostra os erros da velhice; +Põe alguns Velhos á raza; +Custou-me pouco a pintura, +Por ter as tintas de caza; + +Que já hum Amigo o vio, +Eu, Senhora, vos confesso, +Porém mostrei-lho inda em calva +Como eu tambem lhe appareço + +Vós sois de mais ceremonia, +E pezais com mais rigor; +Temi, que sem rir c'os Versos, +Só vos vissem rir do Author; + +Tómo outra vez o pincel, +Vou-lhe pôr attenta mão; +Abençoarei meu trabalho, +Se lhe derdes protecção; + +Pois que a deve o sangue illustre, +Tem dois direitos meu cazo; +Porque a peço a huma Fidalga, +Que o he tambem no Parnazo; + +De tão alto voto espero, +Que geral favor me traga +A huns Versos, que antes de lidos +Tiverão tamanha paga. + +Ao favor de mos pedirdes, +Honra, que eu não merecia, +Ajuntastes o thezoiro +De mos pedir em Poezia; + +Que fáceis, que amenos Versos! +Trazem das Muzas o bafo; +A moral os faz ser vossos, +Que quanto ao mais são de Sapho; + +Só na pintura dos annos +Errou essa mestra mão; +Porque inda que era em Poezia, +Foi puchar muito a ficção; + +A doce, igual harmonia, +A imaginação fogoza, +Depuzerão contra vós, +E vos chamão mentiroza. + +Se occulto, fyzico acazo +Branqueou huns fios de oiro, +Vosso vingador Apollo +Os cobre de mirto, e loiro; + +Quem marcha ao lado das Graças, +Não sabe o que he fria idade; +Deixai-me dizer a mim +Essa funesta verdade; + +He em mim que o voraz Tempo +Já empolgou a mão forte; +Se inda me mêcho em Poezia, +He já co'a ansia da morte; + +Cedo raivozos Crédores, +A quem não curei as chagas, +Darão a meus frios ossos, +Em lugar de pranto, pragas; + +E outros, a que a carapuça +Mesmo, sem mira, não erra, +Dirão com gosto ao Coveiro +=Enche-lhe a boca de terra.= + +Mas tudo perdoaráõ +Minhas sepultadas cans, +Se de cypreste as cobrirdes +Vós, e as vossas oito Irmans. + + + + +CARTA. + + +A ti, amavel Bandeira, +Partidista da Verdade, +E de quem tenho mil provas, +Que o és tambem da Amizade: + +Que são Filozofo vives, +E o mesmo morrer protestas, +A' excepção de me dares +Bilhete de boas festas: + +Tolentino firme amigo +Inda quando o Mundo caia, +E a quem obrigas a sêllo +Desde a rua da Atalaia,[13] + +[Nota de rodapé 13: Onde tinhão morado havia muitos annos.] + +Dezeja pura alegria, +Saûde, e muito vintem; +Dezeja-te tudo aquillo, +Que elle quasi nunca tem; + +Pois, que chuva, e negros ventos +Me fechão a porta, e o dia, +E em caza apontão cuidados, +Redobrada bateria; + +Pois que a horrivel solidão +Aviva a idéa cruel +Da gaveta, vão sepulchro +Do agonizante quartel. + +E a engenhoza Hypocondria +Me mette no antigo empenho +De jurar, que estou morrendo +Das molestias, que não tenho, + +Vou ver se posso esquivar-me +A tanto mortal immigo, +Acolhendo-me ás lembranças +Do nosso bom tempo antigo; + +Tem a sôlta fantazia +Farto, milagrozo armario; +Cura-me penas reaes +Com prazer imaginario; + +O nosso bom tempo antigo! +Quando alçando a tôrva fronte +Jantava Quintiliano +A' meza de Anacreonte; + +Quando nos brilhantes copos +Do casto, herdado Gorizos,[14] +Hião mergulhar as azas +Os Prazeres com os Rizos; + +[Nota de rodapé 14: Nome de huma Quinta do Amigo, a quem o A. +escreve, a qual produz bom vinho.] + +Quando em renhidas disputas +Mettias traidora mão, +Sendo o motivo da guerra +Solapada mangação. + +E sem haver lindos olhos, +Sem haver ondadas tranças, +Doidos com doidos tecião +Turbulentas contradanças. + +Quando o assustado Ministro, +Que as margens do Doiro trilha, +Pôde salvar da procella +A sua estimavel bilha. + +Clama em vão por tão bom tempo +Minha discreta saudade; +Doce, fugitivo tempo, +Da nossa doirada idade! + +Ante meus olhos sâudozos +Cruas azas despregou; +E em cambio de tantos bens, +Cans, e rugas me deixou. + +Só tu podes, caro Amigo, +Virar-lhe o vôo apressado; +E fazer que elle me traga +Outra vez o meu reinado: + +Não peço bruxos prestigios, +Basta ouvires meu alvitre, +Põe a rua da Atalaia +Na Calçada do Salitre;[15] + +[Nota de rodapé 15: O A. jantava muitas vezes na rua da Atalaia em casa +do Amigo, a quem escreve, o qual se mudou para o Salitre.] + +Prepara farta vingança +A meus compridos jejuns; +Lança, em nome da Amizade, +Mais nozes aos teus peruns; + +Lance fumo a faca tinta +Nas victimas degolladas; +Revôem pelo quintal +As pennas ensanguentadas; + +Tornem a dar os teus lares +Guarida á minha desgraça; +Tornem a ter teus amigos +Polido Isidro de graça;[16] + +[Nota de rodapé 16: Caza de Pasto.] + +Vai na franca, lauta meza, +Versos ouvindo, e tecendo; +Entre as Muzas, entre as Graças +Vai, a rir, empobrecendo; + +Correntes do Doiro, e Rheno +Escaldem meu Estro fraco; +Abrão-me o Templo de Apóllo +Atrevidas mãos de Baco; + +Sólte o rozado Taful +A falsa eloquencia sua; +E marche pelas Sciencias +Como marcha pela rua;[17] + +[Nota de rodapé 17: Cóxeava.] + +He alma das Companhias, +Alegres mezas governa; +Depois de estar assentado, +Não conheço melhor perna; + +Tomando amolada faca +Teu sizudo Capitão, +Nos demonstre, sobre hum lombo, +A guerra do Rossilhão; + +Aliza assim, caro Amigo, +Meu velho, engelhado coiro; +Manda ás Parcas, que o meu fio, +Já que he curto, seja de oiro. + +Dá brando ouvido a meus rogos; +Teu bom peito em bem os tome; +Não te falla vil lizonja, +Falla-te a Amizade, e a fome: + +E tu, dia tormentozo, +Que abalas velhas trapeiras, +Que o telhado me arripias, +Que me ensopas as esteiras; + +Que em meus reumaticos ossos +Assentas pezado açoite; +E sobre medonhas nuvens, +Me mandas de tarde a noite; + +Serás o dia mais alvo, +Que em meus largos annos levo, +Se for acceita esta Carta, +Que á tua má luz escrevo; + +Chamarei Zéfiros brandos +A teus roucos ventos frios, +Se hoje rezolve o Bandeira +Dar de comer a vádios. + + + + +CARTA + + +_A hum Camarista_. + + +N'uma infeliz madrugada, +Antes que o Sol esclareça, +Mettido em pobre caleça, +Puz peito, Senhor, á estrada: +Sahi em hora mingoada, +Pois negra traição me espera; +Homens, com genios de féra, +Me atacárão sem motivo; +Por milagre fiquei vivo, +E devo pezar-me a cêra. + +Vi revoltozos Carreiros +Com duro aguilháo armados; +Vi nuvens de páos alçados +Pelos cumes dos oiteiros: +Roldão, e o bravo Oliveiros, +Que alta pena Heróes declara, +Talvez voltassem a cara, +Que a tantos tremer fazia, +Se nos campos da Turquia +Vissem Carreiros da Enxara. + +Vi os Campos inundados +De gentes vagas, e incertas; +Vi as estradas cobertas +De cacheiras, e cajados: +Não valem rogos, nem brados, +Não valem ligeiras pernas; +A raiva, e o Deos das Tavernas +Accendêo tanto os Campinos, +Que cuidei que os meus Meninos +Terião férias eternas.[18] + +[Nota de rodapé 18: O A. era Professor de Rhetorica, e pertendia passar +para outro emprego.] + +Em quanto no duro chão +Meu Companheiro arquejava, +Eu muito humilde esperava +Tambem a minha ração; +Bem me lembrou que esta acção +Deslustrava a minha gloria; +Mas não pertende vitoria, +Nem sabe mover espada +Mão, ha annos, costumada +A dar só com palmatoria. + +Entre mortaes agonias, +Da bruta gente escapando, +Me fui na sege encaixando, +Maldizendo as romarias; +Praguejei meus negros dias, +Dias de pranto, e de dor; +Conheci então, Senhor, +Que só me dão meus destinos, +Ou Carreiros, ou Meninos, +Que Deos sabe o que he peior. + +Mas a perda da vitoria +Sirva de abrandar meus fados; +Dem-vos motivo os Cajados +De fallar na Palmatoria; +Saiba o Principe esta historia; +Contai-lha com viva côr; +Fazei com que, em meu favor, +Sentindo affectos diversos, +Lhe motivem rizo os Versos, +E lhe faça dó, o Author. + + + + +CARTA + + +_A hum Camarista, tendo o A. sido despachado_. + + +A rara benignidade, +Que quiz o Ceo conceder-vos, +Permitta que de escrever-vos, +Tome eu hoje a liberdade; +Pois tendes tanta bondade, +Peço, nella confiado, +Que por mim ajoelhado, +E na bocca o coração, +Beijeis ao Principe a mão, +E lhe deis este recado. + +=Dizei, pois, a Sua Alteza, +Que eu, seu humilde Afilhado, +Por elle ha pouco arrancado +D'entre os braços da pobreza, +Na simples, mas farta meza, +Entre os Irmãos, e os Parentes, +Aos Ceos, com votos ardentes, +Pedimos, que em paga justa, +Prosperem a Mão Augusta, +Que nos faz viver contentes: + +E se entre as puras verdades, +Que Vós lhe podeis contar, +Virdes, que terão lugar +Algumas jovialidades, +Pintai-lhe as felicidades, +Que vai tendo a gente minha; +Dizei-lhe que na Cozinha +Ardem já montões de brazas; +Que em todas as minhas cazas, +Era a mais fresca, que eu tinha; + +Que os enroupados Sobrinhos, +Affrontando o vento frio, +Vem todos mostrar ao Tio +Os seus novos jozésinhos; +Que então lhes conto, e aos vizinhos, +Por quem a roupa foi dada; +Que Mão, nunca assás louvada, +Mão Real, piedoza, e justa, +Me poz livre a Rua Augusta,[19] +Por varios crimes vedada; + +[Nota de rodapé 19: Aonde se vende panno.] + +Que hum Tendeiro, que os seus bens +Me fiava, dando arrancos, +Veio em barrete, e támancos +Dar-me logo os parabens; +Espera que os meus vintens +O fação tambem feliz; +Porque, segundo elle diz, +Ha de haver na sua Tenda +Mais sahida na fazenda, +E menos gasto no giz.[20] + +[Nota de rodapé 20: Costumão marcar com giz o que dão fiado.] + +Mas eu hum crime cometto, +Quando de ensinar-vos trato; +Quiz ser ao Principe grato, +Mas fui comvosco indiscreto; +Homem, como Vós, discreto +Não preciza formulario; +A Egoa do Seminario[21] +Me deve os rompões cravar, +Por eu querer ensinar +O Padre nosso ao Vigario. + +[Nota de rodapé 21: Tinha alluzão particular.] + + + + +_A' Illustrissima, Excellentissima Senhora D. Catharina Micaella de +Souza, tendo feito a honra ao A. de lhe offerecer huma Vestia de Setim; +e pedindo-lhe este que lembrasse o Requerimento, em que seu Irmão +pertendia o Governo de hum Forte_. + + +Minha respeitoza mão +De seus limites não sai; +A escritura, que aqui vai, +Não he carta, he Petição; +Até ante os Thronos vão +Vozes em papel incluzas; +As minhas não vão confuzas; +São memorial mui claro; +Sou Poeta, dai-me amparo, +He obrigação das Muzas. + +Não peço hoje para mim; +Bem cuberto anda meu peito; +Inda beijo, inda respeito +Huma Vestia de Setim. +Triste Irmão tem já no fim +Farda rôta, e chamuscada; +Tem má côr, e he mal fadada; +Quer que a mão piedoza, e franca, +Que a mim me deo Vestia branca, +Lhe dê Cazaca encarnada. + + + + +_Ao Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Conde de Villa Verde, hoje +Marquez de Angeja_. + + +Em sege estreita entaipados, +Sol á ilharga, Sol por cima, +Vinha eu, e o Padre Lima +Cheios de pó, e encalmados. +Eis-que na estrada atacados, + +Párão as mulas baratas; +Cuidei eu que erão Piratas, +Que tirão vida, e dinheiro, +Fui ver se era o Clavineiro, +E achei duas Açafatas. + +Trazião a arma mais dura, +Que nos peitos se tem posto, +Trazião ambas no rosto +O respeito, e a formozura. +Querem sege mais segura, +Porque a sua está quebrada; +E em quanto o Padre na estrada +Lhe diz palavras pompozas, +As minhas mãos respeitozas +Lhe affoufavão a almofada. + +Trabalho infeliz fizerão, +Porque meus Fados são tais, +Que acceitando tudo o mais, +A almofada não quizerão.[22] +Debaixo dos pés puzerão + +[Nota de rodapé 22: Por cauza dos toucados altos.] + +Minha obra desprezada +Senhor, não fazemos nada, +Tomar vãos trabalhos oizas, +Tem todas as minhas coízas +O destino da almofada. + + + + +_No dia dos annos da Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Conde de +Villa Verde, hoje Marquez de Angeja, em cuja caza o Author jantou_. + +Senhor, talvez neste dia +Já cantei Versos polidos; +Porém em tectos cahidos +Não mora o Deos da Poezia. +Voou; e da testa fria +Me tirou o verde loiro, +E das mãos a Lyra de oiro; +Tudo em fim se foi co'a bréca; +Mas se a Aganippe se séca, +Não se ha de secar o Doiro. + +Embora no velho caco +Murche o cansado miôlo; +Se os loiros lhe tira Apollo, +Com parras o adorna Baccho; +Põe mira meu peito fraco +Nos vossos puros almudes; +E em honra de mil virtudes, +De mil talentos diversos, +Em vez de fazer dois Versos, +Farei duas mil saûdes. + + + + +_Sahindo por sortes Compadre de huma Senhora da primeira Grandeza_. + + +Devo pouco á Natureza, +E muito a hum brinco innocente; +Porque elle me faz parente +Da mais distinta Nobreza. +Embora esquiva riqueza +Pretas fortes me não mande; +Qne importa que ha annos ande +Sempre a perder nas menores, +Se nas dos premios maiores +Me sahio o premio grande. + + + + +_Fazendo annos o Illustrissimo, e Excelentissimo Senhor Marquez de +Angeja, Tenente General, na occazião em que sahíra Provedor da +Mizericordia_. + + +Que fazem Versos cansados, +Applaudindo os vossos Annos, +Se dos nossos Soberanos +São melhor elogiados? +Se os trazem sempre empregados +Em servir a Monarquia, +Se a Real Secretaria +Escreve em vosso favor, +Taes prozas louvão melhor, +Do que a melhor Poezia. + +Da vossa dexteridade +Fião coizas encontradas; +Dão-vos as duas estradas, +A do Sangue, e da Piedade. +Vivei pois comprida idade + +Sempre entre Povos amigos; +Mas se crescerem perigos, +Cresceráõ as acções nobres; +E a mão que defende os Pobres, +Cortará os Inimigos. + + + + +_No dia dos annos do mesmo Senhor_. + + +A Minha Muza cansada, +Perdendo os vôos ligeiros, +E ao pé de murchos loireiros +Com razão apozentada, +Hoje, Senhor, animada +Do amor, e da gratidão, +Esquecendo a multidão +De frios cabellos brancos, +Vem, forcejando os pés mancos, +Metter-me a Lyra na mão. + +Gratidão seus passos rege; +Quer que em limada Poezia +Venha louvar neste dia +Quem em todos me protege; +Nas cordas de oiro, que elege, +Quer, que invocando as Camenas, +Eu cante as horas serenas +Em que o Ceo piedozo, e justo +Para o lado de hum Augusto +Me fez nascer hum Mecenas. + +Eu respondi, que a harmonia +Me fugio co'a mocidade; +E que a sólida verdade +Não depende da Poezia; +Que em proza sempre seguia +Seu acertado conselho; +E que em fim Poeta velho +Por teima querer rimar, +He o mesmo que ir dançar +O vosso ginja, Botelho.[23] + + +[Nota de rodapá 23: Creado muito velho, tentado com minuetes.] + + + + +_Ao mesmo Senhor em outro dia de annos_. + + +Senhor, co'as minhas Poezias +Festejava os annos teus; +Porém mandão já os meus, +Que eu venha co'as mãos vazias; +Geladas madeixas frias +Fechão do Parnazo o passo; +Pois que já o Tempo escaço +Esfriar meus Versos quiz, +Quem me acceitou os que fiz, +Me agradeça os que não faço. + +Mas he da tua Grandeza, +E a tal dia acção adquada, +Inda que não trago nada, +Não perder a Caza, e a meza; +Por culpas da Natureza +Não perca os meus ordenados; +Cubrão teus tectos doirados +Inutil, mudo Jarrêta; +Não o merece o Poeta, +Mas he costume aos Creados. + + + + +_Ao mesmo Senhor em outro dia de annos_. + + +Neste venturozo Dia, +Honrado, e honrador Marquez, +Sempre eu vim a vossos pés +Trazer a offerta em Poezia; +Ante Vós a Lyra erguia +Humilde, alegre, e casquilho; +Mas hoje mudando o trilho, +A bem, Senhor, me levai, +Que sendo os annos do Pai, +Dê a Colgadura ao Filho. + +Moço Illustre, eu dou conselhos, +Filhos de, amor, e verdade; +Permittida liberdade +Aos fieis Creados velhos; +Ouvi: Bons Pais são espelhos; +Dão doutrinas sem enganos; +E eu rogo aos Ceos Soberanos, +Que ao vosso ouvindo as lições, +Sejão as vosss acções +O elogio dos seus Annos. + + + + +_Ao Illustrissimo, e Excelentissimo Senhor Marquez de Marialva, com quem +se tinha encontrado o A. na Caza em que estava o Embaixador de +Marrocos_. + + +Na Quinta da Praia clama, +Que lhe tireis a Cadeira +Hum triste, que quarta feira +Comvosco esteve em Moirama: +Se a Estrella, que a Vós o chama, +Não lhe abranda os seus destinos, +Torna para os Marroquinos; +Porque, agoiros por agoiros, +Antes cativo de Moiros, +Do que Mestre de Meninos. + + + + +_No dia dos Annos de hum Menino_. + + +De plumachos emplumado, +Manso, alegre Cavallinho, +Ou torneado carrinho +D'alvos Carneiros puchado, +Devião marchar ao lado +Deste papel que remetto; +Mas mostrando o meu affecto +Como póde o meu destino, +Em obzequio de hum Menino, +Vou dar aos outros Suéto. + + + + +_Na despedida de hum Ministro, que partia levando seus Filhos_. + + +A Lei da pura amizade +Minhas lagrimas condemna; +Quer que ceda a minha pena +A' tua felicidade; +Vai; e em quanto a vil maldade, + +E a intrigante cubiça, +A baixa inveja, a injustiça +Pézas na recta balança, +Conserva de mim lembrança, +Que he tambem fazer justiça. + +E vós, lindos Innocentes, +Que nessas tenras idades +Já sabeis mover saudades +Nos amigos, nos parentes, +Quando lhe virdes pendentes +As balanças da razão, +Ide internecello então +Com rizos, com géstos novos; +Lembrai-lhe, que aquelles Povos, +Como vós, seus filhos são. + + + + +_A hum Fidalgo, que pedia para o Author hum lugar na Secretaria, na +occazião em que elle pertendia o seu proprio Despacho_. + + +Se vemos rir quem chorava, +E tantos exemplos temos, +Senhor, não desesperemos, +Deos ainda está onde estava: +Água branda as pedras cava; +Em tudo o tempo he precizo; +Saber teimar com juizo +Tem mil montes aplanado; +Talvez sejais despachado, +E talvez que eu lavre o Avizo. + +Ah Senhor, com que alvoroço, +Na liza banca forrada, +Eu de cazaca encarnada, +E fitta preta ao pescoço +Lançára o despacho vosso, +Que tanto tempo esqueceo! +Que grande favor do Ceo, +Se o meu primeiro exercicio +Fosse servir-me do Officio +A favor de quem mo deo! + + + + +_A respeito de hum Padre, que dizia ter sido Mestre de Rhetorica; que +tomava triaga contra o veneno que ainda lhe havião de dar; que dizia que +estava eleito Cardeal; e que era demaziadamente trigueiro, se deo este_ + + +MOTE. + + +_Não tem côr de Cardeal_ + + +Não ajuda ao Padre a cara; +Revolvo antigos Annaes, +E vejo que os Cardeaes +Tinhão a pelle mais clara; +Será maravilha rara +Achar hum de côr igual; +Forão brancos como a cal +Mazarino, e Alberoni; +E a não ser este o Negroni, +Não tem côr de Cardeal. + + +_Respondeo em Decimas, ás quaes se fizerão as seguintes_: + + +Que venhão fuscos garraios +Metter em Versos a mão! +Potente Jove, aonde estão +Os teus vingadores raios? +Hum homem de coiros baios +Segue as Muzas tuas filhas; +Tu, pois, que os vaidozos trilhas, +Faze que este, em todo o cazo, +Saia logo do Parnazo, +E passe para Cassilhas. + +Se em rhetorico exercicio +Já soubeste regras dar, +Tambem eu posso fallar, +Porque sou do mesmo officio; +Que o teu cérebro tem vicio, +He verdade assás notoria; +Na Poezia, e na Oratoria +Vaz em total decadencia; +Collega, tem paciencia, +Has de vir á palmatoria. + +No teu escuro Papel, +Aos bons ouvidos ingrato; +Achei hum vivo retrato +Da confuzao de Babel; +A' patria lingua infiel +Ès da Nação o desdoiro; +Bem sei que te chego ao coiro; +Mas não merece passagem, +Que a batina, e a linguagem +Ajuntem Clerigo, e Moiro. + +A quem me queira arguir, +Mostro, Padre, o tal Papel; +He testemunha fiel, +Não me deixará mentir; +Em novos termos urdir +Mettes a todos n'um canto; +Que uzas palavras de encanto +Assentão gentes maxuchas, +Boas para ajuntar bruchas, +Ou para tirar quebranto; + +Deixei-me, pois, de criterio, +E tomei melhor caminho; +Meu amigo, a hum louquinho +He loucura fallar serio; +Chova, pois, o vituperio +Sobre esse tostado coiro; +Saia o tal Cardeal Moiro, +Que o Capinha, alvoroçado, +Vai, por ordem do Senado, +Metter garrochas no toiro. + +Fulla escrava Americana +Já mandava á luz do dia +Hum Crioilo, que seria +Nódoa da Curia Romana; +Carregado de banana, +Porque no caminho coma, +O rumo da Europa toma; +E em terra, marchando á pata, +Com sacco, e folha de lata, +Deo a sua entrada em Roma. + +Assim mesmo estropeado, +E envolvido em grosso panno, +Foi entre o Povo Romano +Com mil respeitos tratado; +Do vento, e do Sol queimado, +Semblante quebrado, e afflito, +Tem tal dom na cara escrito, +Que gritavão de redor, +Huns, que he o Rei Belxior, +Outros, que he S. Benedito. + +Tomou a Benção Papal; +E teve tanto poder, +Que sem o Papa o saber, +Ficou feiro Cardeal; +Voltou para Portugal +Já Cardeal Protector; +Achou cá pouco favor; +E zombão-lhe do Capello, +Por ter mui crespo o cabello, +E ser muito bassa a côr. + +Erra o Vulgo os passos seus; +He hum cego, e maldizente; +A côr he méro accidente, +Todos são filhos de Deos. +Porém para os lucros teus +O Capello te faz mal; +No S. João, e Natal +Terias gôrda guedelha, +Armado de faca velha, +Pincel, e pote de cal. + +Padre, vai-te o mundo ao pêllo; +E c'o a lingua maldizente +Te vai cortando igualmente +As Poezias, e o Capello; +Porém eu, que sou singelo, +E meus contrarios ameigo, +Te affirmo, piedozo, e meigo, +Que se não tens, por teu mal, +Em Roma o de Cardeal, +Tens no Parnazo o de Leigo. + +Deves voltar outra vez, +E dizem que nisso fallas; +Mas pégão-se pelas sallas +Teus molles tardîos pés. +Se ajuda de custo vês,[24] +Fazes-te côxo, e ronceiro; +Meu Padre, és muito matreiro, +Já todos estão de acôrdo; +E sem te verem a bórdo, +Não pões a mão no dinheiro. + +[Nota de rodapé 24: Pedia huma ajuda de custo.] + +Tua saude se estraga, +Mas teu Medico condemno; +Meu amigo, o teu veneno +Não se cura com triaga; +Para a tua antiga chaga +Medicina impropria he esta; +Muda, pois vês que não presta; +Grita c'os olhos em braza, +Que te fechem n'uma caza, +E que te sangrem na testa. + +De balde em Lisboa gritas, +Attestando a Italia inteira, +Que regeste huma Cadeira +Nos Claustros dos Jezuitas; +As obras que vejo escritas +Provão que nos tens mentido; +Até das Ordens duvido, +Quando as tem cabeças tontas; +Tu, cá pelas minhas contas, +Ès hum mulato fugido. + +Foge outra vez, se tal és, +Qual foge apupado mono; +Antes que venha teu dono, +E te ponha nas Galés; +Antes que enfeite teus pés +Legal, sonóro fuzil; +Não veja o patrio Brazil, +Que os hombros do filho bello, +Vindo buscar hum Capello, +Só achárão hum barril. + +Dizem todos, que és fingido, +Que ninguem louco te chame; +Por mais que eu lhe jure, e clame, +Que és mesmo doido varrido; +Dizem que estás conhecido, +E que o fazes por estudo; +Em tal cazo prompto acudo, +E de outro lado te ataco; +Se não és doido, és velhaco, +E talvez que sejas tudo. + +Mas já quem póde me ordena, +Que armas ponhamos em terra; +Apôs sanguinoza guerra, +Alce a frente a Paz serena; +Sobre essa pelle morena +Em paz teu Capello ajusta; +Assento que he coiza justa +Seguires methodo novo, +E não dares gosto ao Povo, +Que quer rir á tua custa. + +Não te finge falso agrado +Meu semblante contrafeito; +Não encobre honrado peito +Coração refalseado; +Se me julgas disfarçado, +Alta injustiça me fazes; +Eu te juro eternas pazes; +E se falto aos votos meus, +Ah Padre, permitta Deos +Que eu sempre ensine rapazes. + +E tu, que sem estes sustos +Vives cheio de alegrias, +Serenos, doirados dias, +Aos pés de teus Reis Augustos; +Tu, que por titulos justos +Te chamas o novo Horacio, +Quando entrares em Palacio +Conserva de mim lembranças, +Porque tenho as esperanças +Postas em ti, e no _Estacio_.[25] + +[Nota de rodapé 25: Bobo célebre.] + + + + +MOTE. + +_Hum suspiro de repente, +Hum certo mudar de côr, +São evidentes sinaes +De que o peito occulta amor_. + + +GLOZA. + + +Debalde as penas, e os gostos +Disfarçais, loucos Amantes, +Se os attentos circumstantes +Tem em vós os olhos postos; +De que servem falsos rostos, +Se o coração desmente +N'um instante infelizmente +Sabe perdido o longo estudo, +Pois vem destruir-vos tudo +Hum suspiro de repente. + +Nada faz cautella, ou medo +N'alma que devéras ama; +Esta turbulenta chamma +Não sabe arder em segredo; +Sobe ao rosto, ou tarde, ou sedo, +Do escondido fogo o ardor; +Basta a declarar a dor, +Vãmente n'alma guardada, +Huma palavra truncada, +Hum certo mudar de côr. + +Duro amor, que coração +Saberá nunca occultar-te? +Que vai fazer força, ou arte, +Onde as tuas settas vão? +Cegos Amantes, em vão +O vivo fogo abafais; +Esses descuidados ais, +Que sem tino ao vento dáveis, +São provas incontestaveis, +São evidentes sinais. + +De que serve estar fallando +Sizudos, e comedidos, +Se esses olhos insoffridos +Vos estão sempre entregando? +Alçados de quando em quando +Vão dizendo a occulta dôr; +Abaixallos, he peior; +Que essas vistas contrafeitas +Dão ás vezes mais suspeitas, +De que o peito occulta amor. + + + + +_Mandando huma gallinha a huma Pretinha bonita, que gostava de brincar +com ellas_. + + +As tuas fulas mãoszinhas, +Que a fome já não descarna, +E que de crearem sarna +Passão a crear gallinhas; +Acceitem creações minhas, +Que eu a outros fins guardava; +Senhora com côr de escrava, +Alta estrella, que em ti brilha, +Manda que se dê á Filha +Aquillo que o Pai furtava. + + + + +CANTIGAS + + +_Feitas nas caldas com o Estribilho_. + + +_Olhos meus, cansados olhos, +O vosso officio he chorar_. + + +Nas Caldas, nas tristes Caldas +Alegria vim buscar; +Quiz de noíte ver o Sol, +Quiz achar fogo no mar. + _Olhos meus, etc._ + +Que importa mudar de terra, +E baldados passos dar, +Se a toda a parte a que os volto +Vai comigo o meu pezar. + _Olhos meus, etc._ + +Vejo pálidos doentes +Pela Copa passear, +Oiço de antigas molestias +Tristes effeitos contar. + _Olhos meus, etc._ + +Vejo nas férvidas aguas +Mirrados corpos banhar, +E de balde aos surdos Ceos +Convulsos braços alçar. + _Olhos meus, etc._ + +Vejo de perdido pranto +Tristes ais acompanhar, +Com as lagrimas alhêas +Vou as minhas misturar. + _Olhos meus, etc._ + +Que importa ver Ninfas bellas, +Se accrescentão meu pezar? +Gostão de attrahir os olhos, +E as almas tyrannlzar. + _Olhos meus, etc._ + +Ao som de feridas cordas +Dão doces vozes ao ar, +Quaes enganozas Serêas, +Que cantão para matar. + _Olhos meus, etc._ + +Se o meu pobre coração +Se deixa huma vez tocar, +Com escarneos, com rizadas, +Meu pranto vejo pagar. + _Olhos meus, etc._ + +Fartai-vos, pois, olhos meus +De lagrimas derramar; +Vós nascestes para tristes, +E escolhestes o lugar. + _Olhos meus, etc._ + + + + +_A hum Leigo, que era vesgo, e que nunca teve fastio; e a quem por acazo +tocou na cabeça a ponta de hum espadim_. + + +Ferio sacrilega espada, +Alçada por mão traidora, +Cabeça, que sempre fôra +Té aos Barbeiros vedada; +D'entre a grenha profanada +Corre o sangue á terra dura; +Tosquiou-se a matadura; +E o casco rebelde a ordens, +Precizou destas desordens +Para ter Prima Tonsura. + +Feroz Soldado imprudente, +Que nova espada esgrimio, +Foi o ímpio que ferio +Esta victima innocente; +A quem do golpe insolente +O motivo lhe procura, +Diz que fez compra segura; +Pois duvidozo na escolha, +Quiz ver que tal era a folha, +Cortando por coiza dura. + +Homem de tenção damnada, +Só tu conseguiste o fim +De entrar o teu espadim +Aonde não entra nada; +Da repentina estocada +Cahe o Padre desmaiado; +Mas quando recuperado +A ti os olhos volveo, +Sabes o que te valeo? +Foi teres já almoçado. + +Todo o Mundo te pragueja, +Porque em detestavel guerra +Hias deitando por terra +Esta columna da Igreja; +Mas se triunfaste a inveja, +E o Padre morresse então, +Dize, ó ímpío coração, +Que tanto em furor te atiças, +Quem ajudaria ás Missas? +Quem tocaria ao Sermão? + +Quem nos daria a certeza +De haver outro homem sizudo, +Que pudesse comer tudo +Ouanto se puzer na meza? +Da próvida Natureza +Quem havia as Leis seguir! +Observante em digerir +Qual outro havia saber +Depois de acordar, comer, +Depois de comer, dormir! + +Que importa, ó cruel Soldado, +Para desculpar teu erro +Ter sido o teu ímpio ferro +Já pela Patria arrancado? +Que importa que em campo armado +Junto a si Lippe te veja, +Que importa que o Mundo seja +Das tuas acções o abono, +Se a mão que defende o Throno, +Ataca depois a Igreja? + +E tu, que segues os trilhos, +Que S. Francisco te fez, +E pões os teus gordos pés +Sobre os seus santos ladrilhos; +Pois que a seus devotos filhos +Guarda no Ceo largas pagas, +Nos olhos he bem que o tragas, +E de modélo não mudes; +E pois não he nas virtudes, +Que o seja ao menos nas chagas. + + + + +_Estando o A. doente, e mandando pedir algum prato á meza, aonde jantava +o sobredito Leigo_. + + +Hum estomago cansado, +De cuja antiga ruina +Tem sido cauzas iguaes +A molestia, e a Medicina; + +Que tendo em si dos tres Reinos +As perigozas heranças, +Só não bebeo das Boticas +Os S. Migueis, e as balanças; + +Hum estomago sem forcas, +E ás leis geraes ínfiel, +Que não trabalha em diamante, +Como o de Fr. Manoel; + +Que não tem, como este Padre, +Tanta fome obediente; +E olha já para a gallinha +Como elle olha para a gente; + +Para emendar semrazões, +Que faz Arte, e Natureza, +Vai, fugido das Boticas, +Acoitar-se á vossa meza; + +Mil vezes por outra cauza +Teve a honra de bussalla; +Indo então por matar fome, +Vai hoje por despertalla; + +Perdiz, ou branda vitella, +São deste remedio o nome; +Da vossa esplendida meza +Seja elogio huma fome; + +E porque o Padre o não saiba, +Será a melhor cautella, +Mandar tirar a iguaria +Quando elle olhar para ella. + + + + +_Ao Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Marquez, de Ponte de Lima, +Ministro de Estado, pedindo-lhe o A. licença para ir ao remedio de +banhos, na occazião em que o mesmo Senhor se tinha encarregado de lhe +promever a mercê de se imprimirem as suas Obras na Officina Regia_. + + +CARTA. + + +Senhor, entreguei meu livro; +Foi esse filho mesquinho +Co'a esteril benção do Pai +Lançar-se aos pés do Padrinho; + +Dei-lhe em dote inuteis rimas, +Dei-lhe vazio thezoiro; +Mas vossas mãos milagrozas +Convertem nadas em oiro; + +Do mal fadado Parnazo +Quebrareis o injusto encanto; +Nem sempre seus verdes loiros +Serão regados com pranto; + +Impertinentes crédores +Largar-me-hão em fim a rua; +O meu cégo abrindo a bocca +Lhes ha de fechar a sua; + +Até apertados genios +Sem vontade comprarão; +Farão focinho á Poezia, +E obzequios á Protecçao; + +Mas, Senhor, de livro basta; +He ínsulto ás mãos em que anda +Passar de ser o meu livro +A ser a minha demanda; + +Foi esse meu rogo ouvido; +Deixai que para outro mude; +Tem objecto inda mais alto, +He mais do que oiro, he saude; + +Contra o mal que me tem feito +Raivozos Caniculares +Me off-rece a fresca Ericeira +Seus claros, sádios mares; + +Sei que nestas ondas bravas +O banho hum risco teria; +Posso começallo alli, +E ir acaballo á Bahia; + +Bramindo na vasta praia +Enrolada vaga forte, +Dentro do pérfido seio +Me traz a saûde, e a morte; + +Mas com protector penedo, +E cauto Marujo amigo, +O impune, tónico susto, +Tórna em remedio o perigo; + +Falta só licença vossa, +E juro, Senhor, que vem; +Como podeis Vós negalla, +Se sabeis que ella he hum bem? + +He o Pindo o meu thezoiro, +O Oceâno he meu Jordão; +D'ambos recebo mil bens, +Mas todos por vossa mão; + +Eu a beijo; ella receba +Gratidão devida, e pura +Em tributo que lhe paga +O Creado, e a Creatura.[26] + +[Nota de rodapé 26: Tinha nomeado o A. Official da Secretaria.] + + + + +_Ao Excellentissimo Senhor D. Lourenço de Lima, tendo promettido ao A. +que quando chegasse das Caldas, havia lembrar a mercê de se imprimirem +estas Obras_. + + +CARTA. + + +Ora do cume dos Montes, +Ora em suas verdes fraldas, +Hia estender os meus olhos +Na longa estrada das Caldas; + +Sobre escumozos cavallos +Trotando empoada sege, +Disse quem fez os meus versos +=Ahi vem quem os protege;= + +Alçando-me, hia a dizer-vos +=Senhor, chegou o meu prazo; +Honrastes hoje outros Montes, +Honrai agora o Parnazo; + +Promettestes fazer ferteis +Seus estereis Mirto, e Loiro; +Promettestes que a Hypocrene +Levaria arêas de oiro; + +Sua clara, inutil vêa +Réga chão, que não se lavra; +Vinde fazello fecundo, +Vinde cumprir-me a palavra.= + +Mas, Senhor, não éreis Vós; +Era hum Casquilho, e do Povo; +Tornei a pegar nas Contas, +Tomei a esperar de novo; + +Mil votos ao Céo mandava +Este humilde orador fraco, +Que vos não vissem Carreiros,[27] +Nem os ladrões do Tabaco;[28] + +[Nota de rodapé 27: Allude ás Decimas da Enchára.] + +[Nota de rodapé 28: Furto célebre feito naquella estrada.] + + +Então carrancuda Noite +Me enxotou co'as negras azas; +E em honra dos taes Amigos +Vim como Gato por brazas; + +Sei, em fim, que já chegastes +Chamou por Vós minha dôr, +Venha o Illustre Conselheiro +Honrar-se em Procurador; + +Fazer bem, he mór grandeza; +Deo-vos, tambem esta, o Pai; +Vós ambos d'entre os meus loiros +Cruas silvas arrancai; + +Com piedoza Geografia +As Paternas mãos benignas, +Emendando ingratos Mappas, +Ponhão o Pindo nas Minas; + +O Impressor gosta de Versos; +Quer que os meus públicos andem; +Mas he hum tanto acanhado, +Não imprime sem que o mandem; + +Elle perdoa o contagio; +Pegai-lhe a minha doença; +Só deixarei de gemer +Em gemendo a sua Imprensa; + +Assigne, pois, meu Avizo, +Pia, obedecida mão; +Mas não cuideis que com isso +Dais férias á protecção; + +O mais ávido Leitor, +Das Quintilhas pregoeiro, +Ha de achallas insoffriveis +Em lhe custando dinheiro; + +E só em nojoza Tenda +De Braguez Chatim mesquinho +Terão sahida os meus Versos, +Embrulhando o seu toicinho; + +Só rapazes acharão +Minha Muza doce, e meiga; +Não porque tenha Poezia, +Mas porque teve manteiga; + +Mettei, pois, Senhor, em brios +Ricos peitos avarentos; +Dizei, que comprem partidas, +Que he honra honrar os talentos; + +Que serão, comigo, eternos +Se me evitarem o mal +De ir ao Templo da Memoria +Pela porta do Hospital; + +E então da escondida burra +Ouvirá a surda aldraba +Não as vozes da Poezia, +Mas a voz de quem lha gaba; + +Indo abrindo, juraráõ +A duas Artes odio, e medo; +A' da Guerra, em alta voz; +A' da Poezia, em segredo. + +Entretanto ao digno Pai +Pedi que me faça Author; +Sejão públicos no Mundo +Meus versos, e o seu favor; + +De Limas na honroza historia +Não serão titulos falsos +Fazer que as augustas Artes +Não marchem cos'pés descalços; + +E Vós, firme Protector, +Fazei que por taes favores +Vamos beijar-vos a Mão, +Eu, e os meus dois mil Credores. + + + + +_Ao Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Conde dos Arcos, sobre o +mesmo assumpto_. + + +CARTA. + + +Bateu aos vossos Portaes +Hum morador do outro Pólo;[29] +Veio ao Templo de Minerva +Dar hum recado de Apollo; + +[Nota de rodapé 29: Morava muito distante.] + +Vós sois dos seus obrigados, +Bebeis seu licôr divino; +Manda que lembreis na Roza[30] +O esquecido Tolentino; + +[Nota de rodapé 30: Sitio, aonde morava o Ministro de Estado respectivo.] + +Sei que alli meu pobre livro +Altos Protectores tem; +Mas agora só se falla +Nesta magica _Dutein_;[31] + +[Nota de rodapé 31: Dançarina célebre.] + +Apollo não troca as Artes; +Mas vendo a Artifice, infia; +Recêa que com taes braços +A Dança affaste a Poezia; + +Tambem sois réo; mas bem póde +A Mágia dos passos seus +Encantar os vossos olhos, +Sem fazer chorar os meus. + + + + +_Ao Excellentissimo Senhor D. Fernando de Lima, sobre o mesmo assumpto_. + + +CARTA. + + +Forte co'a vossa promessa +Dura voz se vai alçar; +Não vem como das mais vezes, +Não vem pedir, vem ralhar; + +Não he de esteril rabugem +Raiva inutil, que em mim lavra; +Venho brigar, e vencer-vos, +Minha arma he vossa palavra; + +São Leis os priscos rifões; +Na mão a Lei me mettestes; +Sei que a ricos não deveis, +Mas a pobre promettestes; + +Promettestes, que huma Imprensa +Faria hum faminto farto; +Meu livro, e as vossas promessas +Inda estão no vosso Quarto; + +Sei que a vossa Illustre Caza +He das que honrão Portugal; +Mas eu quero outra melhor, +Quero a Caza Manescal;[32] + +[Nota de rodapé 32: Administrador da Imprensa Regia.] + +Reis de Hespanha a vossa honrárão, +E eu espero o mesmo delle; +Fizerão-vos _Ricos Homens_, +O mesmo me fará elle; + +Vós sois Protector das Artes, +E dahi meu mal viria; +Talvez que pela da Dança +Vos esqueça a da _Poezia_; + +Por _Dutein_ esquece tudo; +Estes grupos tão gabados, +Não digo que são os vossos, +Porém são os meus peccados; + +As tres Graças a fadárão, +Mas seus dons funestos são; +Tira ás Deozas a maçã,[33] +E a hum triste Poeta o pão; + +[Nota de rodapé 33: Fazia a figura de Venus na Pantomima, em que se +reprezentava a fabula de Páris, julgando-lhe o pomo de oiro, destinado á +mais formoza.] + +Se a vosso Pai vou queixar-me, +Juro que acceita a querella; +Juro, que vos quer os olhos +Antes em mim, do que nella; + +Mas, Senhor, deixando graças +De poetica licença, +Este brinco quer dizer +Que apresseis a tal Imprensa; + +Até por curiozidade +Forjai-me este mialheiro; +Só para vermos que effeito +Faz em mim o ter dinheiro; + +Talvez que altiva luneta +Nos piscos olhos traidores +Não conheça huns tantos homens, +Principalmente os Crédores; + +Talvez que o novel Gallego, +Que soltas bragas trazia, +Entaipado em pantalonas +Dê ao Amo senhoria; + +Talvez que inventando heranças +Bisneto de grão Senhor, +A falso espectro agradeça +O que devo ao Protector; + +Senhor, se o oiro tal póde; +Levantai da empreza a mão; +Antes réo do meu tendeiro, +Do que réo de ingratidão + +Mas inda agora he que eu vejo, +Quanto me fui desmentindo; +Disse que vinha ralhar, +Por fim acho-me pedindo; + +Não pude acabar a farça; +Costume custa a vencer; +Comvosco a minha linguagem +He pedir, e agradecer. + + + + +_A' Illustrissima, e Excelentissima Senhora Dona Catharina Micaella de +Souza, tendo o Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Luiz Pinto de +Souza expedido Avizo para se imprimirem as Obras do Author na Officina +Regia_. + + +CARTA. + + +Senhora, Apollo bem sabe +Que sois digna companhia +De quem em doirados annos +Lhe honrava a doce Poezia; + +Inda de viçozo loiro +Lhe guarda a verde coroa; +Fez-lhe falta em sua Corte, +Mas a bem de outra o perdoa; + +Manda, pois lhe estais ao lado, +Canteis polidos louvores +A quem em honra ao Parnazo +Fez versos, e faz favores; + +Vio o prazer generozo +Com que acabou a tenção, +Que crua Parca arrancára +De outra bemfeitora Mão;[34] + +[Nota de rodapé 34: O Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Marquez de +Ponte de Lima, Ministro de Estado, tinha obtido a mercê de se imprimirem +estes Versos a beneficio do A. cujo Avizo não chegou a assignar por seu +repentino falecimento.] + +Vio, que apressou seus negocios +Perante quem todos rege; +E que amigo do seu Monte, +Ora o sóbe, ora o protege; + +Grato ao grande beneficio +Vos envia o estilo, e a lyra; +Manda-vos cantar-lhe os hymnos, +Que lhe traja, e vos inspira; + +Diz que esta empreza vos toca, +E que não admitte escuzas; +Que favor feito ao Parnazo +Hão de agradecello as Muzas; + +Pulsai a lyra, enfreai +Bravos ventos rugidores; +Cantai agradecimentos +A quem cantastes amores; + +Em má honra a longas cans +Desta empreza escuzo fico; +Fechou-me Apollo a sua Arte, +E quer que aprenda a de rico; + +Dura, enganoza sciencia! +Incómmoda, tumultuaria! +Muito mais a quem andou +Sempre na escóla contraria; + +Já em socegado somno +Não vejo doces ficções; +Inda a obra está na Imprensa +E já sonho com ladrões; + +Sonho, que escalada a porta, +Medonhas caras sem dó, +Vem furtar a Tolentino +O que elle furta a _Boileau_; + +Co'esse metal turbulento +Já d'antemão me malquisto; +Que me não fará a posse, +Se a esperança já faz isto? + +Sei quem poz a ultima força +Ao punhal, de que me dôo; +Mas, em fim, nada de raivas, +Dizei-lhe que eu lhe perdôo; + +E que he tal nesta virtude +Meu conforme coração, +Que não só perdoo o mal, +Mas beijo por elle a Mão. + + + + +_Offerecendo alguns dos Versos, que vão neste Livro ao lllustrissimo, +Excellentissimo Senhor Marquez de Angeja, Ministro de Estado, perante o +qual se pertendeo desabonar a Poezia, e os Poetas_. + + +ILL.^MO E EXC.^MO SENHOR. + + +V. Excellencia se digne de não julgar atrevimento ir eu aprezentar hum +Livro de inuteis Versos naquellas mesmas mãos, em que se apresentão +Papeis, que decidem dos interesses do Estado, e dos destinos dos homens. +A Poezia, Senhor, só he odioza a quem nella não he instruido. V. +Excellencia sabe a origem, e os progressos desta Arte divina; sabe que +de seu berço foi consagrada ao uzo da Religião, e da Politica; que por +meio della o homem natural, que nutria vagamente entre fragas, e +penedîas hum coração tão contrario ao do homem civil, conheceo a +humanidade, e tomou sobre seus hombros o jugo da Razão, e da Justiça. + +Que os primeiros Legisladores escrevião as Leis em verso, para que a +harmonia lhes aplanasse, ou encubrisse aquelles passos escabrozos, que +ferem, e revoltão a nossa natureza, sempre amiga da liberdade; que os +Filosofos, e Sacerdotes do Egypto ensinavão em Poezia os seus Dogmas; +que os bons tempos dos Gregos, modélo dos Seculos de Augusto, e de Luiz +XIV, ao mesmo passo que se alargavão os limites do seu Imperio, vírão +levadas á ultima perfeição, de que são capazes as obras dos homens, a +Lirica, a Epica, e a Poezia de theatro. + +V. Excellencia sabe, que os Poetas de Augusto, mais do que as Victorias +de Farsalia, fizerão chamar-se o seu seculo, o seculo de Oiro: que a +passagem do Rheno, e a conquista da Hollanda jazerião no esquecimento, +com o nome de Luiz XIV, se Corneille, e os que o seguírão, não mandassem +ás extremidades do Mundo a fama de suas Victorias; que ainda hoje a +França conta, com prazer, entre as acções daquelle Monarca, a protecção, +e acolhimento, que achárão ante elle as Artes, principalmente a da +Poezia; e que as ultimas palavras do grande Corneille moribundo, forão +agradecimentos ás liberalidades de Luiz XIV. + +V. Excellencia sabe, que a Augusta Theologia da Escritura nos instrue +muitas vezes dos Attributos de Deos por imagens inteiramente poeticas; +que os Profetas, unindo maravilhosamente o simples ao sublime, fallão da +existencia, e da Omnipotencia de Deos, com a locução, e com as figuras +da mais alta Poezia. + +Mas, SENHOR, eu insensivelmente vou fazendo de huma Dedicatoria huma +Dissertação. V. Excellencia se digne attribuir este erro de methodo á +desordem de animo, em que me põe a ingrata sem-razão de ver os Poetas +desfavorecidos de alguns homens, talvez sem mais crime, que serem +favorecidos das Muzas. + +V. Excellencia, em cuja alma raia a razão illustrada, limpa das sombras +do abuzo, não faz cahir sobre o Poeta os defeitos, que são do homem: a +inconstancia de genio, o desconcerto das acções, a filozofia mal +entendida, que caminha a passo cheio á devassidão de costumes, são os +crimes de que o vulgo errado accuza indifferentemente todos os Poetas; +mas se vemos que estas más qualidades brotão no coração de tantos +homens, que não são Poetas, para que hão de elles sós levar o ferrete, +que a Natureza corrupta põe indistinctamente sobre todos os que não +deixão guiar-se da Religião, e da honra? Sempre houve Poetas, bem, e mal +morigerados, assim como o resto dos outros homens: e porque lei barbara +ha de pagar a Poezia as fraquezas da humanidade? Porque falsa Logica +havemos inferir, que o commercio das Muzas, a suave lição dos Antigos, +em que vemos pintada a Natureza, e explicada docemente a boa filozofia, +ha de affogar no coração do Poeta as virtudes, que a índole, ou a +educação talvez alli plantárão? + +V. Excellencia julga mais rectamente; sabe, que em todos os ramos da +vida Christã, e Civil tem havido Poetas, que hum talento não exclue os +outros; que Richilieu fazia Versos, e foi grande Ministro; que entre os +Poetas, como entre todos os mais homens, huns são venturozos, outros +desgraçados; huns chamados aos grandes Empregos, ontros inteiramente +esquecidos; que se houve hum Camões, e hum Bernardes, cuja memoria +posthuma foi a unica paga do seu merecimento; tambem, houve hum Sá e +Menezes levantado a Camareiro Mór dos Senhores Reis D. João o III, e D. +Sebastião; hum Pedro de Andrade Caminha, Camareiro Mór do Infante D. +Duarte; hum Garcia de Rezende muito estimado do Senhor D. João o II; +hum Sá de Miranda feito Commendador pelo Senhor D. João o III; e para +não fazer hum catalogo quazi infinito, houve o grande Ferreira, e +Gabriel Pereira de Castro, os quaes, cada hum no gosto do seu Seculo, +misturando Bartholo, e Accureio com Homero, e com Virgilio, forão tão +estimados pelos Versos, que fazião no seu gabinete, como pelas Sentenças +que lançárão nos diversos Tribunaes a que forão promovidos. + +O conhecimento da Historia Portugueza, huma das lições, que recreão o +espirito de V. Excellencia, talvez concorra junto com o gosto, que tem +pelas Artes, a que, seguindo o exemplo de tantos Reis, se não despreze +de ouvir os Poetas: eu sou huma prova viva de que V. Excellencia os +ouve, e os protege: nos tempos da antiga Roma Augusto fazia o mesmo, nos +tempos da moderna, lemos, que Benedicto XIV. não se envergonhou de fazer +a apologia aos Versos de hum Poeta Francez com aquella mesma mão, de que +pendião as Chaves do Ceo. + +Esta justiça, e bom acolhimento, que V. Excellencia faz á Poezia, foi +quem me esforçou a pôr nas respeitaveis mãos de V. Excellencia hum Livro +de Versos; o terem alguns agradado a V. Excellencia, faz o seu unico +merecimento: hum tal voto fez com que eu julgasse bem delles, e os +levantasse á grande honra de serem offerecidos a V. Excellencia. Não me +acovardão alguns assumptos joviaes, que nelles trato; V. Excellencia +sabe, que se a Tragedia castiga os costumes pelos grandes afectos da +compaixão, e do terror, tambem a Sátyra os castiga pelo meio do rizo; e +este trabalho de minha penna, com que eu entretinha os meus cançados +dias, passará a ser o mais feliz, se tiver a fortuna de divertir alguns +instantes a V. Excellencia, para que com mais força torne depois a +metter mão nos importantes Negocios, de que os Reis, prevenindo os +dezejos do Público, se dignárão encarregar a V. Excellencia: isto +dezeja, Senhor + + +DE V. Excellencia + +O Criado mais humilde, e mais venerador. + + + + +_Ao mesmo Senhor no dia dos seus Annos_. + + +ILL.^MO E EXC.^MO SENHOR. + + +Os louvores nem sempre são filhos da lizonja, nem sempre são a linguagem +baixa, em que os infelices fazem o seu commercio com os Poderozos; +quando assentão em merecimento sólido, são huma paga devida ás Virtudes; +o Ceo as dá; os Reis devem-lhe os premios; os outros homens os louvores. + +Hoje, Ill.^mo e Exc.^mo Senhor, nos apontão os Fastos de Portugal o +feliz Nascimento de V. Excellencia; o costume consagra com Elogios estes +dias solemnes; a Patria recompensa assim os Annos, que a ella se derão; +e se em hum dia destinado aos obsequios, eu fosse hum méro espectador, +hum assistente ociozo, o silencio, tantas vezes virtude, seria agora hum +crime, seria huma prova da minha ingratidão. + +A força do agradecimento, e a abundancia, da materia me porião na boca +huma torrente de louvores; mas V. Excellencia põe tanto cuidado em +merecellos, como em não querer ouvillos; temo a sua modestia; e huma +virtude de V. Excellencia me não deixa fallar-lhe nas outras; porém ao +menos seja-me permittido, que a minha alma se encha de complacencia, +lembrando-se de que tres Reis elogiárão a V. Excellencia, chamando-o a +grandes coizas; não quizerão que estes talentos jazessem debaixo da +terra; sobre ella, e sobre os mares os fizerão luzir. + +Na flor dos annos, quando as paixões, os exemplos, a natureza abrem +guerra viva ao coração do homem, então vio a severa Magestade do Senhor +Rei D. João o V, que V. Excellencia tão moço nos annos, era já ancião +no conselho, e nos costumes, queria o seu voto nos Tribunaes, e o seu +braço nas Armadas, negros ventos, mares cavados, ferro, sangue, erão os +leitos brandos, em que V. Excellencia hia descançar das honrozas fadigas +da terra. + +Que direi do Augusto, Piedozo, e ainda de fresco banhado das nossas +lagrimas, o Senhor Rei D. Jozé o I.? O merecimento, junto com a +semelhança dos genios, e de idades, puzerão sempre a V. Excellencia ao +lado daquelle Monarca; mandou-lhe que acceitasse novos, e importantes +Empregos; recebeo mil provas do seu poder, e da sua familiaridade, e +entre ellas aquella, que V. Excellencia não disse, mas que todos sabem; +aquella de que V. Excellencia nunca poderá lembrar-se sem dôr, e sem +gloria. + +Os Benignos, e Amaveis Soberanos, que vemos sobre o Throno, puzerão o +Sêllo na Obra, que seus Augustos Predecessores tinhão começado; +encarregárão a V. Excellencia dos mais importantes Negocios do Estado: a +madureza nos conselhos, o sevéro espirito de inteireza, os Reis, a Lei, +a utilidade pública, são os objectos, que vírão sempre na frente dos +cuidados de V. Excellencia. + +Mas, Senhor, eu vou abuzando da bondade, com que V. Excellencia se digna +ouvir-me: eu converto a minha falla ao Throno do Todo-poderozo, que tem +na sua mão as vidas, e os successos dos homens; alli peço ardentemente, +que dilate, que prospére tão bem cultivados annos; que conserve em V. +Excellencia o bom Pai, o Vassallo zelozo, o grande Ministro. + +Vós, Illustres Mortos, antigos Instituidores da Caza de Angeja, que +trouxestes no peito o Sangue de dois Reis, não peçais conta delle; +descançai em paz nos frios moimentos, cheios de Victorias, cheios de +Serviços, que pagárão Deos, e os Reis por quem se fizerão. O vosso +Herdeiro he digno de Vós; caminha sobre as vossas pizadas; herdou os +vossos Titulos, e as vossas Virtudes. + +E Vós, Moços Illustres, seus dignos Filhos, cujos costumes, frutos do +exemplo, são alto elogio da mão, que vos educa, já os Reis vos chamão; +querem nos Filhos perpetuar o Pai. Os largos, e felices annos, que o Ceo +lhe concederá de vida, serão a vossa escola. Servi os Reis, e a Patria; +sacrificai-lhe os vossos annos, e as vossas fadigas; sede affaveis, +justos, inteiros; sede como elle. + + +FIM. + + + + +INDICE + + +Do que contém este II. Tomo. + + +QUINTILHAS. + +_Ao Excellentissimo Senhor Conde de S. Lourenço_. +_Ao Excellentissimo Senhor Marquez de Lavradio_. + + +QUARTETOS. + +_A' Excelentissima Senhora Condeça de Tarouca_. +_No dia dos Annos da Excellentissima Senhora D. Maria de Noronha_. +_A' Excellentissima Senhora Marqueza de Alegrete, nascendo-lhe huma +filha_. +_Na occasião em que o A. hia ver o Varatojo_. +_Resposta a huma Carta, que em boa Poezia citava ao A. por huns Versos, +que tinha promettido_. +_Offerecendo hum Perum em huma caza, aonde todos os Domingos davão ao A. +este prato_. +_A huma Preta, que pertendia que a obzequiassem_. + + +CARTAS. + +_A hum Amigo, louvando-lhe o estado de cazado_. +_Ao Excellentissimo Senhor Conde de Villa Verde D. Jozé de Noronha, hoje +Marquez de Angeja_. +_Ao mesmo Senhor, no dia dos seus Annos, estando o A. doente_. +_Tendo mandado huma Senhora ao A. Vinho da Madeira com huma Carta em boa +Poezia_. +_Desculpando-se o A. de não ir a huns Annos_. +_Aconselhando hum Cabelleireiro, que não continuasse a fazer versos_ . +_Pedindo-se ao A. huma Gloza_. +_Agradecendo o A. alguns pratos, que lhe despertárão a vontade de comer_. +_Sobre o mesmo Assumpto_. +_Ao Senhor Dezembargador Sebastião Antonio Sobral_. +_A huma Senhora, que em bons Versos pedio ao A. a Sátyra do Velho_. +_Ao Senhor Deputado Domingos Pires Monteiro Bandeira_. +_A hum Camarista_. + + +DECIMAS. + + +_A' Excellentissima Senhora D. Catharina Micaella de Souza, tendo feito +a honra ao A. de lhe offerecer huma Vestia de Setim_. +_Ao Excellentissimo Senhor Conde de Villa Verde, hoje Marquez de Angeja_. +_No dia dos Annos do mesmo Senhor_. +_Sahindo por sortes Compadre de huma Senhora da primeira Grandeza_. +_Fazendo Annos o Excellentissimo Senhor Marquez de Angeja_. +_Ao mesmo Senhor_. +_Ao mesmo Senhor_. +_Ao mesmo Senhor_. +_Ao Excellentissimo Senhor Marquez de Marialva_. +_No dia dos Annos de hum Menino_. +_Na despedida de hum Ministro, que partia levando seus filhos_. +_A hum Fidalgo, que pedia para o A. hum lugar na Secretaria, na occazião +em que elle pertendia o seu proprio despacho_. +_A hum Padre, que dizia ter sido Mestre de Rhetorica, e estava eleito +Cardeal_. +_Mote: Hum suspiro de repente_. +_Mandando huma galinha a huma Pretinha bonita_. +_Cantigas feitas nas Caldas_. +_A hum Leigo, que era vesgo_. +_Estando o A. doente, e mandando pedir algum prato á meza, onde jantava +o sobredito Leigo_. +_Ao Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Marquez de Ponte de Lima, +Ministro de Estado, pedindo-lhe o A. licença para ir ao remedio de +banhos_. +_Ao Excellentissimo Senhor D. Lourenço de Lima_. +_Ao Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Conde dos Arcos, sobre o +mesmo assumpto_. +_Ao Excellentissimo Senhor D. Fernando de Lima_. +_A' Illustrissima, e Excellentissima Senhora Dona Catharina Micaela de +Souza, tendo o Illustrissimo, e Excelentissimo Senhor Luiz Pinto de +Souza expedido Avizo para se imprimirem as Obras do A. na Officina +Regia_. + + +PROZAS. + + +_Ao Excellentissimo Senhor Marquez de Angeja, offerecendo alguns dos +Versos, que vão neste Livro_. +_Ao mesmo Senhor no dia dos seus Annos_. + + + + + + + + + + + + +End of the Project Gutenberg EBook of Obras poéticas, by Nicolau Tolentino + +*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK OBRAS POÉTICAS *** + +***** This file should be named 16385-8.txt or 16385-8.zip ***** +This and all associated files of various formats will be found in: + https://www.gutenberg.org/1/6/3/8/16385/ + +Produced by Biblioteca Nacional Digital (http://bnd.bn.pt), +Rita Farinha and the Online Distributed Proofreading Team +at https://www.pgdp.net + + +Updated editions will replace the previous one--the old editions +will be renamed. + +Creating the works from public domain print editions means that no +one owns a United States copyright in these works, so the Foundation +(and you!) can copy and distribute it in the United States without +permission and without paying copyright royalties. Special rules, +set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to +copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to +protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. Project +Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you +charge for the eBooks, unless you receive specific permission. If you +do not charge anything for copies of this eBook, complying with the +rules is very easy. You may use this eBook for nearly any purpose +such as creation of derivative works, reports, performances and +research. They may be modified and printed and given away--you may do +practically ANYTHING with public domain eBooks. Redistribution is +subject to the trademark license, especially commercial +redistribution. + + + +*** START: FULL LICENSE *** + +THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE +PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK + +To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free +distribution of electronic works, by using or distributing this work +(or any other work associated in any way with the phrase "Project +Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full Project +Gutenberg-tm License (available with this file or online at +https://gutenberg.org/license). + + +Section 1. General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tm +electronic works + +1.A. By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm +electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to +and accept all the terms of this license and intellectual property +(trademark/copyright) agreement. If you do not agree to abide by all +the terms of this agreement, you must cease using and return or destroy +all copies of Project Gutenberg-tm electronic works in your possession. +If you paid a fee for obtaining a copy of or access to a Project +Gutenberg-tm electronic work and you do not agree to be bound by the +terms of this agreement, you may obtain a refund from the person or +entity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8. + +1.B. "Project Gutenberg" is a registered trademark. It may only be +used on or associated in any way with an electronic work by people who +agree to be bound by the terms of this agreement. There are a few +things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works +even without complying with the full terms of this agreement. See +paragraph 1.C below. There are a lot of things you can do with Project +Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement +and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic +works. See paragraph 1.E below. + +1.C. The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation" +or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project +Gutenberg-tm electronic works. Nearly all the individual works in the +collection are in the public domain in the United States. If an +individual work is in the public domain in the United States and you are +located in the United States, we do not claim a right to prevent you from +copying, distributing, performing, displaying or creating derivative +works based on the work as long as all references to Project Gutenberg +are removed. Of course, we hope that you will support the Project +Gutenberg-tm mission of promoting free access to electronic works by +freely sharing Project Gutenberg-tm works in compliance with the terms of +this agreement for keeping the Project Gutenberg-tm name associated with +the work. You can easily comply with the terms of this agreement by +keeping this work in the same format with its attached full Project +Gutenberg-tm License when you share it without charge with others. + +1.D. The copyright laws of the place where you are located also govern +what you can do with this work. Copyright laws in most countries are in +a constant state of change. If you are outside the United States, check +the laws of your country in addition to the terms of this agreement +before downloading, copying, displaying, performing, distributing or +creating derivative works based on this work or any other Project +Gutenberg-tm work. The Foundation makes no representations concerning +the copyright status of any work in any country outside the United +States. + +1.E. Unless you have removed all references to Project Gutenberg: + +1.E.1. The following sentence, with active links to, or other immediate +access to, the full Project Gutenberg-tm License must appear prominently +whenever any copy of a Project Gutenberg-tm work (any work on which the +phrase "Project Gutenberg" appears, or with which the phrase "Project +Gutenberg" is associated) is accessed, displayed, performed, viewed, +copied or distributed: + +This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with +almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or +re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included +with this eBook or online at www.gutenberg.org + +1.E.2. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is derived +from the public domain (does not contain a notice indicating that it is +posted with permission of the copyright holder), the work can be copied +and distributed to anyone in the United States without paying any fees +or charges. If you are redistributing or providing access to a work +with the phrase "Project Gutenberg" associated with or appearing on the +work, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1 +through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and the +Project Gutenberg-tm trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or +1.E.9. + +1.E.3. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is posted +with the permission of the copyright holder, your use and distribution +must comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additional +terms imposed by the copyright holder. Additional terms will be linked +to the Project Gutenberg-tm License for all works posted with the +permission of the copyright holder found at the beginning of this work. + +1.E.4. Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg-tm +License terms from this work, or any files containing a part of this +work or any other work associated with Project Gutenberg-tm. + +1.E.5. Do not copy, display, perform, distribute or redistribute this +electronic work, or any part of this electronic work, without +prominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 with +active links or immediate access to the full terms of the Project +Gutenberg-tm License. + +1.E.6. You may convert to and distribute this work in any binary, +compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including any +word processing or hypertext form. However, if you provide access to or +distribute copies of a Project Gutenberg-tm work in a format other than +"Plain Vanilla ASCII" or other format used in the official version +posted on the official Project Gutenberg-tm web site (www.gutenberg.org), +you must, at no additional cost, fee or expense to the user, provide a +copy, a means of exporting a copy, or a means of obtaining a copy upon +request, of the work in its original "Plain Vanilla ASCII" or other +form. Any alternate format must include the full Project Gutenberg-tm +License as specified in paragraph 1.E.1. + +1.E.7. Do not charge a fee for access to, viewing, displaying, +performing, copying or distributing any Project Gutenberg-tm works +unless you comply with paragraph 1.E.8 or 1.E.9. + +1.E.8. You may charge a reasonable fee for copies of or providing +access to or distributing Project Gutenberg-tm electronic works provided +that + +- You pay a royalty fee of 20% of the gross profits you derive from + the use of Project Gutenberg-tm works calculated using the method + you already use to calculate your applicable taxes. The fee is + owed to the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, but he + has agreed to donate royalties under this paragraph to the + Project Gutenberg Literary Archive Foundation. Royalty payments + must be paid within 60 days following each date on which you + prepare (or are legally required to prepare) your periodic tax + returns. Royalty payments should be clearly marked as such and + sent to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation at the + address specified in Section 4, "Information about donations to + the Project Gutenberg Literary Archive Foundation." + +- You provide a full refund of any money paid by a user who notifies + you in writing (or by e-mail) within 30 days of receipt that s/he + does not agree to the terms of the full Project Gutenberg-tm + License. You must require such a user to return or + destroy all copies of the works possessed in a physical medium + and discontinue all use of and all access to other copies of + Project Gutenberg-tm works. + +- You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any + money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the + electronic work is discovered and reported to you within 90 days + of receipt of the work. + +- You comply with all other terms of this agreement for free + distribution of Project Gutenberg-tm works. + +1.E.9. If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm +electronic work or group of works on different terms than are set +forth in this agreement, you must obtain permission in writing from +both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael +Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark. Contact the +Foundation as set forth in Section 3 below. + +1.F. + +1.F.1. Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable +effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread +public domain works in creating the Project Gutenberg-tm +collection. Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic +works, and the medium on which they may be stored, may contain +"Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or +corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual +property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a +computer virus, or computer codes that damage or cannot be read by +your equipment. + +1.F.2. LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the "Right +of Replacement or Refund" described in paragraph 1.F.3, the Project +Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project +Gutenberg-tm trademark, and any other party distributing a Project +Gutenberg-tm electronic work under this agreement, disclaim all +liability to you for damages, costs and expenses, including legal +fees. YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICT +LIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSE +PROVIDED IN PARAGRAPH F3. YOU AGREE THAT THE FOUNDATION, THE +TRADEMARK OWNER, AND ANY DISTRIBUTOR UNDER THIS AGREEMENT WILL NOT BE +LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR +INCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCH +DAMAGE. + +1.F.3. LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover a +defect in this electronic work within 90 days of receiving it, you can +receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a +written explanation to the person you received the work from. If you +received the work on a physical medium, you must return the medium with +your written explanation. The person or entity that provided you with +the defective work may elect to provide a replacement copy in lieu of a +refund. If you received the work electronically, the person or entity +providing it to you may choose to give you a second opportunity to +receive the work electronically in lieu of a refund. If the second copy +is also defective, you may demand a refund in writing without further +opportunities to fix the problem. + +1.F.4. Except for the limited right of replacement or refund set forth +in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS', WITH NO OTHER +WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO +WARRANTIES OF MERCHANTIBILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE. + +1.F.5. Some states do not allow disclaimers of certain implied +warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages. +If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the +law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be +interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by +the applicable state law. The invalidity or unenforceability of any +provision of this agreement shall not void the remaining provisions. + +1.F.6. INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the +trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone +providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance +with this agreement, and any volunteers associated with the production, +promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works, +harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees, +that arise directly or indirectly from any of the following which you do +or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm +work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any +Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause. + + +Section 2. Information about the Mission of Project Gutenberg-tm + +Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of +electronic works in formats readable by the widest variety of computers +including obsolete, old, middle-aged and new computers. It exists +because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from +people in all walks of life. + +Volunteers and financial support to provide volunteers with the +assistance they need, is critical to reaching Project Gutenberg-tm's +goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will +remain freely available for generations to come. In 2001, the Project +Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure +and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations. +To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation +and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4 +and the Foundation web page at https://www.pglaf.org. + + +Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive +Foundation + +The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit +501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the +state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal +Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification +number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at +https://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg +Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent +permitted by U.S. federal laws and your state's laws. + +The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S. +Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered +throughout numerous locations. Its business office is located at +809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email +business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact +information can be found at the Foundation's web site and official +page at https://pglaf.org + +For additional contact information: + Dr. Gregory B. Newby + Chief Executive and Director + gbnewby@pglaf.org + +Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg +Literary Archive Foundation + +Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide +spread public support and donations to carry out its mission of +increasing the number of public domain and licensed works that can be +freely distributed in machine readable form accessible by the widest +array of equipment including outdated equipment. Many small donations +($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt +status with the IRS. + +The Foundation is committed to complying with the laws regulating +charities and charitable donations in all 50 states of the United +States. Compliance requirements are not uniform and it takes a +considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up +with these requirements. We do not solicit donations in locations +where we have not received written confirmation of compliance. To +SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any +particular state visit https://pglaf.org + +While we cannot and do not solicit contributions from states where we +have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition +against accepting unsolicited donations from donors in such states who +approach us with offers to donate. + +International donations are gratefully accepted, but we cannot make +any statements concerning tax treatment of donations received from +outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff. + +Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation +methods and addresses. Donations are accepted in a number of other +ways including including checks, online payments and credit card +donations. To donate, please visit: https://pglaf.org/donate + + +Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic +works. + +Professor Michael S. Hart was the originator of the Project Gutenberg-tm +concept of a library of electronic works that could be freely shared +with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project +Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support. + +Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed +editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S. +unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily +keep eBooks in compliance with any particular paper edition. + +Most people start at our Web site which has the main PG search facility: + + https://www.gutenberg.org + +This Web site includes information about Project Gutenberg-tm, +including how to make donations to the Project Gutenberg Literary +Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to +subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks. + +*** END: FULL LICENSE *** + diff --git a/16385-8.zip b/16385-8.zip Binary files differnew file mode 100644 index 0000000..cc5b153 --- /dev/null +++ b/16385-8.zip diff --git a/LICENSE.txt b/LICENSE.txt new file mode 100644 index 0000000..6312041 --- /dev/null +++ b/LICENSE.txt @@ -0,0 +1,11 @@ +This eBook, including all associated images, markup, improvements, +metadata, and any other content or labor, has been confirmed to be +in the PUBLIC DOMAIN IN THE UNITED STATES. + +Procedures for determining public domain status are described in +the "Copyright How-To" at https://www.gutenberg.org. + +No investigation has been made concerning possible copyrights in +jurisdictions other than the United States. Anyone seeking to utilize +this eBook outside of the United States should confirm copyright +status under the laws that apply to them. diff --git a/README.md b/README.md new file mode 100644 index 0000000..bedb54b --- /dev/null +++ b/README.md @@ -0,0 +1,2 @@ +Project Gutenberg (https://www.gutenberg.org) public repository for +eBook #16385 (https://www.gutenberg.org/ebooks/16385) |
